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1 2 3 A AUTORA Prezado estudante, Sou a professora Paola Carloni e preparei o conteúdo da disciplina Educação, Diversidade e Inclusão II que será cursada por você agora. Vou me apresentar para que você conheça minha formação. Sou Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (2018) pela Universidade de São Paulo (USP); Mestre em Educação (2010) pela Universidade Federal de Goiás (UFG), instituição em que também obtive o título de graduação em Comunicação Social – Jornalismo (2004), graduação em Psicologia (2012) e especialização Lato Sensu em Assessoria de Comunicação (2007). Atualmente sou professora da Faculdade Araguaia (FARA), instituição em que trabalho desde 2011. Ministrei as disciplinas de Psicologia, Psicologia da Educação, Educação, Diversidade e Inclusão I e II presencialmente para o curso de Pedagogia na FARA. Elaborei diversos conteúdos EAD, tais como Psicologia Social, Psicologia das Organizações, Psicologia, Psicologia da Educação e outros desde o início de 2014 para diversos cursos presenciais da Faculdade Araguaia e ainda diversas disciplinas de Psicologia para os cursos totalmente à distância. Ministro aula em disciplinas de cursos de pós-graduação desde 2011. Além disso, fui professora do curso de Jornalismo da UFG de 2012 a 2014. Coordeno o Inclui – Núcleo de Estudos sobre o Ensino para a Pessoa com Deficiência na Faculdade Araguaia, onde desenvolvemos pesquisas, publicações e cursos de formação continuada em educação inclusiva. 4 FACULDADE ARAGUAIA - FARA 1º Edição - 2019 É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio e para qualquer fim. Obra protegida pela Lei de Direitos Autorais DIRETORIA GERAL Professor Mestre Arnaldo Cardoso Freire DIRETORIA FINANCEIRA Professora Adriana Cardoso Freire DIRETORIA ACADÊMICA Professora Ana Angélica Cardoso Freire DIRETORIA ADMINISTRATIVA Professor Hernalde Menezes DIRETORIA PEDAGÓGICA: Professora Mestra Rita de Cássia Rodrigues Del Bianco VICE-DIRETORIA PEDAGÓGICA Professor Mestre Hamilcar Pereira e Costa COORDENAÇÃO GERAL DO NÚCLEO DE TECNOLOGIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Professor Mestre Leandro Vasconcelos Baptista COORDENAÇÃO GERAL DOS CURSOS TÉCNICOS Professor Doutor Ronaldo Rosa Júnior REVISÃO E APROVAÇÃO DE CONTEÚDO Professora Mestra Rita de Cássia Rodrigues Del Bianco REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Professora Luciana Pinheiro COORDENAÇÃO E REVISÃO TÉCNICA DE PRODUÇÃO DE CONTEÚDO AUDIOVISUAL PARA EaD, TV E WEB Professora Doutora Tatiana Carilly Oliveira Andrade COORDENAÇÃO DE EDITORAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO DO CONTEÚDO TEXTUAL Bruno Adan Vieira Haringl FACULDADE ARAGUAIA Unidade Centro – Polo de Apoio Presencial Endereço: Rua 18 nº 81 - Centro - Goiânia-GO, CEP: 74.030.040 Fone: (62) 3224-8829 Unidade Bueno Endereço: Av. T-10 nº 1.047, Setor Bueno - Goiânia-GO, CEP: 74.223.060 Fone: (62) 3274-3161 Unidade Passeio das Águas Av. Perimetral Norte, nº 8303, Fazenda Caveiras - Goiânia-GO, CEP: 74445-360 Fone: (62) (62) 3604-9500 Site Institucional www.faculdadearaguaia.edu.br NÚCLEO DE TECNOLOGIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Polo Goiânia: Unidade Centro Correio eletrônico: coord.ead@faculdadearaguaia.edu.br 5 SUMÁRIO Unidade I – Preconceito, bullying e inclusão. ......................................................... 7 Capítulo 1 – A origem do preconceito. ........................................................................ 8 Capítulo 2 – A diferença entre preconceito e bullying. .............................................. 14 Capítulo 3 – A relação entre preconceito, bullying e inclusão: estratégias de combate..................................................................................................................... 21 ATIVIDADES ............................................................................................................. 25 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 28 Unidade II – Leis e políticas públicas introdutórias sobre inclusão. .................. 29 Capítulo 4 – A história das leis sobre inclusão no mundo e no Brasil. ...................... 30 Capítulo 5 – A Conferência de Jontiem. .................................................................... 36 Capítulo 6 – A Declaração de Salamanca. ................................................................ 42 ATIVIDADES ............................................................................................................. 48 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 51 Unidade III – Os anos 2000: leis específicas sobre inclusão. .............................. 55 Capítulo 7 – As principais leis sobre inclusão no Brasil. ........................................... 56 Capítulo 8 – Um nova tendência: leis específicas sobre inclusão. ............................ 59 Capítulo 9 – LBI (Lei Brasileira de Inclusão) ou Estatuto da Pessoa com Deficiência.66 ATIVIDADES ............................................................................................................. 73 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 75 Unidade IV – Estratégias de inclusão. .................................................................. 79 Capítulo 10 – O currículo flexível. ............................................................................ 80 Capítulo 11 – A formação docente para a atuação na inclusão. ............................... 83 Capítulo 12 – O papel do professor nas estratégias de inclusão. ...................................... 87 ATIVIDADES ............................................................................................................. 91 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 94 6 APRESENTAÇÃO A inclusão é o processo em que todos devem ter condições de participar plenamente da sociedade, tendo garantidas as possibilidades e acessos a tudo o que a coletividade construiu historicamente. A inclusão é, portanto, o processo em que se estabelecem as condições de respeito à diversidade e manutenção da diferença para propiciar igualdade. Assim, o processo de inclusão deve compreender não só a pessoa com deficiência, mas todas as minorias excluídas, marginalizadas e segregadas historicamente tais como: negros, imigrantes, mulheres, população de rua e outras. O processo de inclusão é marcado por elementos históricos, culturais, políticos e econômicos. A inclusão é um processo em construção e precisa ser compreendida considerando esses elementos. No Brasil, a história da inclusão se relaciona tanto à história da inclusão mundial, quanto às questões próprias da história do país, que também precisam ser compreendidas. Não se desconsidera que o Brasil faça parte de um todo mais amplo, mundial, mas se observa também que ele possui características específicas locais e regionais. Assim, são pensadas as particularidades e singularidades juntamente à universalidade. Neste sentido, pensar a inclusão na sociedade em que vivemos é pensar também as contradições dessa sociedade, os limites e possibilidades que ela oferece. A inclusão é marcada por contradições, por avanços e retrocessos, continuidades e rupturas que se apresentam tanto em situações violentas, como o bullying e o preconceito, como em políticas públicas de combates a eles e à exclusão. Tanto a história mundial, quanto a brasileira, são influenciadas por uma série de contradições que precisam ser compreendidas para uma melhor leitura do processo no presente. Contradições essas que se expressam em forma de leis e políticas públicas. Assim, nesta disciplina pretende-se compreender conceitos importantes, além das leis brasileiras para pensar a possibilidade de construir estratégias eficazes de inclusão. 7 Unidade I Preconceito, bullying e inclusão Compreender sobre inclusão implica perceber e estudar também os seus entraves. Dentre os impedimentos da inclusão estão processos que envolvem violências, tais como o preconceito e o bullying. Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/vetor/alunos_rindo-gm690214914- 127250463 Legenda: Os fenômenos do bullying e do preconceito serão estudados nesta unidade como impedimentos para o processo de inclusão. Tomando, portanto, o preconceito e o bullying como entraves ao processo de inclusão e como fenômenos próximos, porém distintos, estuda-se, nesta unidade, no primeiro capítulo, sobre as origens do preconceito, compreendendo tanto os fatores psíquicos quanto os sociais que o constituem. Além disso, estuda-se, no segundo capítulo, a diferença entre preconceito e bullying e, por fim, no terceiro capítulo, a relação entre preconceito, bullying e inclusão para se propor e pensar estratégias de combate ao preconceito e ao bullying para que haja um processo de inclusão efetivo. 8 O objetivo desta unidade é conceituar o preconceito e o bullying, discutir a relação desses dois fenômenos de violência com a inclusão e pensar estratégias de combate à violência na escola. Capítulo 1 A origem do preconceito O preconceito é um dos entraves para a realização da inclusão. Assim, antes de compreendermos sobre o preconceito na inclusão, estudaremos, nesta unidade, o que é e quais as origens do preconceito. No entanto, para compreender as origens do preconceito, é preciso antes olhar para as questões que este tema levante no próprio sujeito. Segundo Crochik (2011), falar sobre preconceito não é tarefa fácil porque aciona conteúdos do próprio sujeito. Para ele: Escrever sobre o preconceito não é uma tarefa fácil, não só porque o tema é complexo, mas, principalmente, porque nos obriga a refletir sobre nós mesmos, sobre nossos sentimentos, pensamentos e atos cotidianos, uma vez que, seguindo uma das teses centrais deste texto, não somos imunes a ele (CROCHIK, 2011, p.11). Falar sobre preconceito implica reconhecer seus próprios preconceitos, olhar para si próprio e se perceber nessa relação. É preciso reconhecer em si próprio a violência que se comete para que se possa combatê-la: “Tenho a convicção, contudo, que somente quando pudermos reconhecer em nós mesmos a violência que criticamos no outro é que poderemos dar início ao entendimento do problema.” (CROCHIK, 2011, p.11). Crochik (2011) atenta para o fato de se reconhecer o preconceito como expressão de uma violência de um indivíduo em relação a outro, mesmo que essa relação tenha origem nas expressões da cultura como resposta aos conflitos ocasionados no processo de socialização. A respeito do preconceito o autor explica 9 que: “a sua manifestação é individual, assim como responde às necessidades irracionais do indivíduo, mas surge no processo de socialização como resposta aos conflitos aí gerados” (CROCHIK, 2011, p.13). Retomando Freud, Crochik (2011) explica a expressão do preconceito como se constituindo como um processo psíquico por meio do processo de socialização. Para o autor, os conflitos gerados no processo de socialização levam ao recalque de certos desejos, que podem retornar enquanto ódio à própria civilização e a outros indivíduos da sociedade. O objeto do preconceito não surge do nada, mas da própria cultura e encontra um lugar de expressão nos indivíduos. Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/vetor/escolha-um-gm673580616- 123531673 Legenda: O preconceito envolve elementos da constituição psíquica do sujeito em relação aos determinantes da cultura. De acordo com Freud (1996), ao nascer, o sujeito vive o que ele define como trauma do nascimento. Para o autor, com o nascimento se perde o conforto do útero materno, em que as necessidades eram atendidas antes do desejo ser instaurado. No útero materno, antes mesmo que o bebê sentisse fome o cordão umbilical já proporcionava o alimento necessário e assim também em relação às outras necessidades. 10 Em contato com a realidade, o bebê se vê diante de uma situação desprazerosa e se sente ansioso. Circunstância que se repetirá em outros momentos em que o sujeito se sentir ameaçado, como podemos observar com base na teoria freudiana no caso do preconceito. Freud (1996) explica que o nascimento gera um estado de ansiedade que tende a ser suscitado em outras situações em que o sujeito se sentir ameaçado. Presumimos, em outras palavras, que um estado de ansiedade é a reprodução de alguma experiência que encerrava as condições necessárias para tal aumento de excitação e uma descarga por trilhas específicas, e que a partir dessa circunstância o desprazer da ansiedade recebe seu caráter específico. No homem, o nascimento proporciona uma experiência prototípica desse tipo, e ficamos inclinados, portanto, a considerar os estados de ansiedade como uma resposta do trauma do nascimento (FREUD, 1996, p. 132). Com o nascimento, o sujeito se torna um ser que passa a ter necessidades e, portanto, instaura-se o desejo. A partir de então, ele busca por toda a vida aquele estado de satisfação, a completude sentida no útero materno ou a felicidade. Para Freud (1997, p. 23), os sujeitos: “esforçam-se por obter felicidade: querem ser felizes e assim permanecer”. E a busca se dá na procura do prazer por intermédio da fuga ao desprazer. Freud (1997, p. 25) explica ainda que: “já a infelicidade é muito menos difícil de experimentar”. A própria fuga ao sofrimento é encarada pelo homem como felicidade. A sociedade capitalista se apropria da incompletude humana e estabelece a promessa da felicidade pelo consumo (que se assemelharia à completude perdida com o nascimento). A mercadoria se torna um substituto para o objeto perdido, tentando saciar a falta. Dessa maneira, há o estabelecimento de padrões que devem ser seguidos. “Os padrões teriam resultado originariamente das necessidades dos consumidores: eis porque são aceitos sem resistências” (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p. 114). Esses padrões podem gerar insegurança e medo, retornando a ansiedade suscitada pelo nascimento. Medo e ansiedade entendido como ameaças que levam o sujeito a se defender de tudo que os suscitem essas angústias gerando, por exemplo, o próprio preconceito. 11 A ansiedade, referida por Freud (1996) em relação ao trauma do nascimento, que inicialmente surgiu para alertar sobre os estados de perigo e que remete ao desprazer e a uma situação de desamparo, é apropriada no processo de alienação. A lógica desta sociedade se fundamenta no mecanismo em que o indivíduo se encontra fragilizado para assegurar que pela adesão à ideologia capitalista ele será amparado, tendo sua ansiedade apaziguada. "A ansiedade surgiu originalmente como uma reação a um estado de perigo e é reproduzida sempre que um estado dessa espécie se repete" (FREUD, 1996, p. 133). Diante da diferença, o sujeito que se sente ameaçado tende a querer eliminar o que se apresenta como diferente do que ele reconhece como familiar ou habitual. O preconceito tem sua origem em padrões sociais normativos que encontram no sujeito expressão por meio das angustias psíquicas suscitadas no processo civilizatório. Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/vetor/reduzir-o-viés-durante-a-entrevista- de-emprego-gm933869310-255771509 Legenda: A diferença pode ser sentida como uma ameaça, levando o sujeito a eliminar tudo o que não se considera familiar, inclusive em si mesmo. Na sociedade capitalista, regida pela liberdade econômica, a insegurança e o desamparo são o preço pago pelos sujeitos para que possam viver a pseudoliberdade em meio ao individualismo. Ao garantir a obtenção de prazer e ao mesmo tempo fracassar em relação à promessa, o sujeito se prende na trama em 12 que se precisa consumir sempre mais para tentar obter a felicidade anunciada e fugir da insegurança e do desamparo. Não há a satisfação assegurada e nem a felicidade é alcançada, como explicam Horkheimer e Adorno (1985). O sujeito consome irrefletidamente, sem elaborar ou renunciar e, diante da exacerbação da ansiedade, intensifica o consumo aos produtos que a indústria entrega com a promessa da completude, ou, do gozo pleno. Antes mesmo que o desamparo e a ansiedade possam levá-lo a refletir sobre o estado de coisas, novos produtos e ideais lhe são oferecidos e criticá-los ou opor- se a eles significa a exclusão do meio social. "Quem não se conforma é punido com uma impotência econômica que se prolonga na impotência espiritual do individualista. Excluído da atividade industrial ele terá sua impotência facilmente comprovada" (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p. 125). A subjetividade é influenciada pelo momento histórico. Por certo que em um contexto que favorece o individualismo, mesmo com possibilidade de liberdade, a insegurança e o desamparo são aumentados pela possibilidade de fracasso e solidão. Assim, quanto mais individualista e mais desamparada é a lógica social, mais inseguranças e maior a chance de se constituir sujeitos preconceituosos. É fundamental olhar para a história para compreender o preconceito. Tanto a história da sociedade, quanto a história do próprio sujeito. A reflexão e a experiência (enquanto possibilidade de sentir, se emocionar) são pontos fundamentais para combater o preconceito. O preconceituoso percebe o mundo como ameaçador. Ele é movido pelo medo e ataca para se defender do medo. “Assim, à onipotência – manifesta ou velada – pela qual o preconceituoso se julga superior ao seu objeto, corresponde a impotência que sente para lidar com os sofrimentos provenientes da realidade” (CROCHIK, 2011, p.16). Diante de uma situação nova em que se apresenta algo que rompe com nossa percepção usual do que é uma pessoa no cotidiano, ficamos assustados e às vezes disfarçamos o susto ou justificamos para desculpar nossa reação. “Às vezes essa reação assume a forma de um exagero de aceitação e fazemos de tudo para que a pessoa em questão, ou para que as pessoas responsáveis por ela, não percebam a nossa alteração” (CROCHIK, 2011, p.16). 13 Além de um excesso de aceitação há ainda a rejeição ou mesmo a agressão, quando o preconceito toma suas piores expressões. O medo frente ao desconhecido e a ameaça sentida por ele leva o sujeito a desqualificá-lo e desconsiderá-lo. “Se o preconceito não é inato, a criança pode, de fato, perceber que o outro é diferente dela, sem que isso impeça o seu relacionamento com ele” (CROCHIK, 2011, p.17). Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/vetor/diferentes-fam%C3%ADlia-ilustração- vetorial-gm534553264-94853017 Legenda: A sociedade precisa aprender a conviver com a diferença. Apenas quando o sujeito aprender a respeitar a diferença em si e no outro é que se poderá criar uma sociedade mais humana e fraterna. A grande questão não é uma igualdade sem pensamento, mas a aceitação do diferente. Não é a troca de poder, mas o respeito à diferença. Igualdade sem pensamento transforma todos em reproduções da ideologia dominante, mantendo o preconceito. 14 Ao cometer uma violência como justificativa ao combate à violência, o sujeito também se transforma em um agressor e se coloca na mesma condição em relação àquele que ele julga merecer alguma punição violenta por ter violado as regras sociais. Violência gera violência. O preconceito, enquanto relacionado ao processo de dominação, precisa ser combatido tanto nos aspectos sociais, quanto individuais. “O preconceito se remete à dominação e, quando é o caso, à proposta de eliminação do desconhecido para se manter aquilo que já é conhecido” (CROCHÍK, 2011, p.115). Assim, compreende-se o preconceito como expressão no sujeito de elementos apreendidos no próprio processo civilizatório. Capítulo 2 A diferença entre preconceito e bullying Preconceito e bullying são situações que se expressam em forma de violência. No entanto, não se trata do mesmo fenômeno, como será discutido neste capítulo. “O preconceito e o bullying são duas formas de violência escolar, ainda que não se restrinjam à educação escolar”. (CROCHIK, 2015, p. 29). Em ambos os casos há a expressão de conteúdos violentos que visam atender a demandas psíquicas dos sujeitos agressores. “Essas formas de violência são associadas com o enfraquecimento da constituição do indivíduo que as desenvolve, tendo em vista o declínio da possibilidade de experiência nos últimos séculos” (CROCHIK, 2015, p. 29). No entanto, apesar de preconceito e bullying possuírem elementos em comum, eles são diferentes. 15 Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/alunos-amigos-travessura-apenas-um- aluno-gm479536266-68065789 Legenda: Bullying e preconceito são processos parecidos que expressam violência, porém são fenômenos distintos, como veremos nesta unidade do curso. Vimos, no capítulo anterior, que o preconceito é expressão individual de violência em relação a um estereótipo oferecido pela cultura. Assim, por mais que o preconceituoso expresse demandas psíquicas relacionadas aos recalques do processo civilizatório, ele o faz a partir de objetos apresentados no processo de socialização. No caso do bullying também há a projeção de demandas internas do sujeito em relação à vítima. No entanto, mais regredido psiquicamente do que o preconceituoso, o sujeito que faz bullying elege um objeto que ele próprio considera frágil e em relação ao qual ele satisfaz demandas violentas e projetivas. O preconceito se expressa enquanto uma atitude: Conforme Krech, Crutchfield e Ballachey (1975), o preconceito é uma atitude, e como tal tem três dimensões: uma cognitiva, uma afetiva e uma tendência para a ação. A dimensão cognitiva se refere aos estereótipos, mas também a argumentos bem elaborados que sutilmente o promovam, uns e outros desenvolvidos por meio de uma ideologia que os contém e que justifica o preconceito para quem o desenvolve e para os outros; é necessária uma explicação, ainda que vaga para que haja essa atitude hostil; cabe enfatizar que tal 16 hostilidade em hipótese alguma é provocada pela vítima; trata-se de projeção, no sentido psicanalítico, de desejos, medos, expectativas sobre seus alvos. (CROCHIK, 2015, p.30). Como explicado na citação, o preconceito não tem relação imediata e direta com a vítima. Jamais a vítima é culpada pelo preconceito que sofre. No entanto, no caso do preconceito, há explicações sobre o porquê da exclusão ou discriminação da vítima. “O fato de haver necessidade de justificativa para a discriminação, que é a ação correspondente ao preconceito, indica que essa atitude não é julgada natural, esperada, mesmo pelo preconceituoso” (CROCHIK, 2015, p.30). Nessa perspectiva é possível perceber que o preconceituoso justifica sua atitude, considerando-a correta. Segundo o autor, neste caso há uma idealização do alvo: Conforme desenvolvemos em estudo anterior (CROCHÍK, 2011), o preconceituoso evita se identificar com seu alvo; ele desenvolve uma identificação negada ou desenvolve uma negação de toda identificação. No caso em que o afeto se relaciona com a hostilidade ou com a falsa aceitação, o preconceituoso percebe em seu alvo algo que ele não pode admitir em si mesmo, assim, ele nega que tem os mesmos desejos que o outro e/ou características semelhantes; neste caso, há algo específico no alvo do preconceito que mobiliza o afeto do preconceituoso; esse alvo é idealizado, e como um objeto próprio ao amor platônico, o contato real com ele é evitado, para que seja idealmente preservado. (CROCHIK, 2015, p.32). Negando a identificação com o alvo, o preconceituoso acaba por negar a si próprio, o que poderia constituir possibilidade de diferenciação. Nesse sentido, esse sujeito que se nega ao negar o outro, tende a generalizar os alvos. Quanto à especificidade do alvo, Adorno et al. (1950) e Crochík (2004) mostram que quem tende a ter preconceito em relação a determinado alvo tende também a tê-lo em relação a vários outros. Isso não implica que não haja estereótipos, e assim peculiaridades relativas a cada um dos alvos, mas que há uma tendência a agrupar pessoas e agir de forma não espontânea em relação a elas. (CROCHIK, 2015, p. 33). 17 Assim, o preconceito atende demandas psíquicas do sujeito que envolve elementos apresentados pela cultura por meio de movimentos coletivos constituídos historicamente por uma história de opressão que se constitui como minorias, tais como negros, judeus, mulheres, homossexuais etc. Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/ensino-fundamental-idade-bullying-na- escola-gm854198472-239465775 Legenda: Diferente do preconceito, o bullying não busca uma vítima a partir de predeterminações da cultura, mas um sujeito que atende demandas de satisfação de violência do agressor por meio da subjugação do outro considerado frágil. Já o bullying não busca seu alvo nos elementos definidos pela cultura dentro de uma lógica normatizante, mas atende demandas de satisfação de violência por meio da subjugação do outro considerado frágil. “O bullying, como desenvolveremos a seguir, deve corresponder aos indivíduos menos diferenciados, e talvez sejam derivados dos preconceitos com alvos e justificativas menos configurados” (CROCHIK, 2015, p.38). O termo bullying, para a qual não existe uma palavra exata em português, corresponde a uma intimidação ou provocação sistemática. “Em geral, o bullying é traduzido como intimidação ou provocação que um indivíduo mais forte ou mais esperto, sozinho ou em grupo, pratique de forma constante e por determinado 18 período contra pessoas que não conseguem reagir a essa hostilidade” (CROCHIK, 2015, p.38). No bullying há um agressor e um alvo, mas pode haver também apoiadores, expectadores e observadores. Conforme pesquisa realizada por Crochik (2015, p.38 e 39): as principais características atribuídas a seus autores são: forte, aluno que tem más notas, aluno bom nos esportes e popular; já as vítimas da agressão foram consideradas como gordos, fracos, aluno que tem boas notas, aluno que se sai mal nos esportes e impopular. Note-se que essas características não são associadas a movimentos coletivos e não há motivos direcionados especificamente a um grupo, mas a características pessoais. No bullying o agressor elege um alvo considerado mais frágil em relação ao qual exerce intimidações sistemáticas a fim de submeter o outro por meio de violências que podem ser verbais, físicas, sexuais etc. O autor do bullying possui demandas psíquicas regredidas que são satisfeitas na intimidação da vítima. Segundo a mesma pesquisa citada sobre o bullying, os sujeitos indicaram que os motivos mais frequentes que levam à prática do bullying são: chamar atenção, diversão, se sentir superior; conforme se pode notar não foi mencionada nenhuma necessidade individual, como o medo e a insegurança, que poderiam ser projetadas sobre o alvo, tal como, por vezes, ocorre no preconceito; as necessidades pessoais não são associadas com algo próprio que se quer negar, mas à possibilidade de se destacar, de se sentir superior, são mais próximas do que em psicanálise é nomeado de narcisismo, que indica pouca diferenciação individual (CROCHIK, 2015, p.38). O bullying é, portanto, uma prática de poder. É a submissão de quem supostamente não pode reagir. Para Crochik (2015), essa prática revela justamente a necessidade de poder sobre o mais frágil. No Brasil, o combate à prática do bullying está definido na Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015 que Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). Segundo essa lei, em seu parágrafo primeiro: 19 § 1o No contexto e para os fins desta Lei, considera-se intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”. (BRASIl, 2015) Além de definir intimidação sistemática como bullying, a lei traz ainda outras definições importantes. No Art. 2º está que: Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda: I - ataques físicos; II - insultos pessoais; III - comentários sistemáticos e apelidos pejorativos; IV - ameaças por quaisquer meios; V - grafites depreciativos; VI - expressões preconceituosas; VII - isolamento social consciente e premeditado; VIII – pilhérias. (BRASIL, 2015) A lei traz ainda o bullying que ocorre nas redes sociais da internet ao definir que: “Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial”. (BRASIL, 2015). A lei classifica, ainda, em seu artigo terceiro: A intimidação sistemática (bullying) conforme as ações praticadas, como: I - verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente; II - moral: difamar, caluniar, disseminar rumores; III - sexual: assediar, induzir e/ou abusar; IV - social: ignorar, isolar e excluir; V - psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e infernizar; VI - físico: socar, chutar, bater; VII - material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem; VIII - virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social. (BRASIL, 2015). 20 Link da Imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/pare-a-violência-contra-as-mulheres-o- dia-dos-direitos-humanos-o-conceito-de-liberdade-gm965243490-263440738 Legenda: No Brasil temos uma lei específica sobre bullying, a Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015 que Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). É importante que a escola e os professores se atentem aos moldes da própria lei, para combater este fenômeno. Por fim a lei fala da importância de se constituir programas de combate ao bullying por meio da capacitação de docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema. Além disso, implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização e informação; instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores; dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores; integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a sociedade, como forma de identificação e conscientização do problema e forma de preveni-lo e combatê-lo; promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua; evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil; promover medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, com ênfase nas práticas recorrentes de intimidação sistemática (bullying), 21 ou constrangimento físico e psicológico, cometidas por alunos, professores e outros profissionais integrantes de escola e de comunidade escolar. (BRASIL, 2015). Capítulo 3 A relação entre preconceito, bullying e inclusão: estratégias de combate Vimos nos dois capítulos anteriores que preconceito e bullying possuem semelhanças, mas são fenômenos distintos. “O agir sem reflexão, de forma aparentemente imediata perante alguém, marca o preconceito, que sendo, a priori, uma reação congelada, assemelha-se à reação de paralisia momentânea que temos frente a um perigo real ou imaginário” (CROCHIK, 2011, p. 16). Assim, o preconceituoso projeta na vítima estereótipos aprendidos culturalmente, refletindo sua fragilidade psíquica. Assim como o preconceituoso, o agressor do bullying também atende a demandas psíquicas regredidas em sua violência. No entanto, ainda mais regredido do que o preconceituoso, ele elege uma vítima considerada mais frágil e não possui a elaboração que o preconceituoso faz para denegrir sua vítima. Tendo em vista que pesquisas têm revelado a existência de estereótipos e a hostilidade específica contra determinados grupos e que o bullying não necessita nem de estereótipos nem de um alvo específico, é fortalecida a hipótese que ambos coexistam em nosso tempo e que mesmo no estudo sobre a personalidade autoritária a presença simultânea de ambos já tenha sido indicada. Se são fenômenos distintos, certamente, as maneiras de os combater também devem ser. (CROCHIK, 2015, p.53. Crochik (2015) explica que no caso do bullying há a descarga da humilhação sobre o mais frágil. Caso esta seja levada à reflexão, pode-se indicar a sua inutilidade e que cabe lutar contra o que humilha e não reproduzir em outro o que se sofreu. Já no caso do preconceito, o pensamento estereotipado ou mesmo mais “elaborado” que justifica a agressão se apresenta. Então, o combate ao preconceito 22 estaria na possibilidade de se diferenciar os membros do grupo e a si mesmo dos outros. Nesse sentido, a diferenciação poderia reestabelecer a experiência que se contrapõe ao preconceito. Mais do que as diferenças individuais, o que leva o indivíduo a desenvolver preconceitos, ou não, é a possibilidade de ter experiências e refletir sobre si mesmo e sobre os outros nas relações sociais, facilitadas ou dificultadas pelas diversas instâncias sociais, presentes no processo de socialização (CROCHÍK, 2011, p.19). Para Crochik (2015), o desejo presente no bullying está relacionado com algo que se parece ao aniquilamento do alvo. Já no preconceito o objeto é imaginário e, por isso, mesmo após sua eliminação ele deve continuar a ser perseguido. Assim, o combate ao preconceito estaria na possibilidade de levar o sujeito a viver experiência, sentir-se parte da condição humana. “Como Adorno et al. (1950) defendem, a experiência é o antídoto ao preconceito; experiência que não pode ser reduzida ao mero contato, mesmo que em condições favoráveis como defendem os autores da Teoria da Hipótese do Contato (VALA e MONTEIRO, 1996)” (CROCHIK, 2015, p.30). Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/momento-emotivo-retrato-de-mãe-e- de-seu-amado-filho-com-deficiência-em-centro-de-gm858352516-141704521 Legenda: Na Teoria da Hipótese de Contato se defende que o relacionamento entre pessoas diferentes faz com que o agressor humanize a vítima e passe a tratá-la com respeito e dignidade. 23 Não se trata apenas de colocar vítima e agressores juntos, mas de fazer um trabalho no sentido da humanização do agressor em proximidade com a vítima. É preciso que, por meio da experiência, o agressor respeite e reconheça a condição humana da vítima. Mesmo que sejam diferentes, preconceito e bullying tem em comum o fato de o agressor identificar a fragilidade da vítima remontando ao processo de dominação. Se os alvos do bullying e também os do preconceito lembram a fragilidade a ser combatida para incrementar a suposta e, por vezes, real força de domínio existente, essas formas de violência são produzidas pela própria civilização, uma vez que incita a agressão aos mais fracos, por meio da educação, quando traz como um valor importante a vitória, obtida mediante meios grosseiros ou sofisticados; não é a identificação com o perdedor que é incentivada (ADORNO, 1995). (CROCHIK, 2015, p.41). Assim, ações na escola que favoreçam a competição e a expressão de força, como, por exemplo, nos esportes competitivos, podem favorecer a incidência de bullying, na medida em que os estudantes passem a se relacionar tendo a força e a virilidade como fatores essenciais para a socialização e a competição como expressão desses valores. Enquanto uma violência mais arcaica expressa em psiquismos mais regredidos, o bullying precisa ser combatido. No entanto, a elaboração por meio de explicações pode não ser tão eficaz, visto que o bullying atende demandas psíquicas. Ainda assim, é preciso considerar que se deva tratar desse assunto de maneira racional também por meio de palestras, programas de combate etc. Do que se trata aqui é de entender que nem sempre essa estratégia trará o resultado esperado. O ódio, tal como o amor, segundo Freud (1986), pode ou não estabelecer vínculos com o objeto; quando o amor é universal, não se faz justiça ao objeto; se o ódio é universal, também não. Daí, por que o bullying é uma expressão mais direta da violência estrutural da sociedade, mais arcaico e mais difícil de combater do que as formas de marginalização e segregação derivadas do preconceito. Como a experiência é necessária para que não haja preconceito, o ponto cego em relação ao seu objeto pode implicar que pode ser iluminado para passar a ser perceptível, já quando a cegueira é geral, como 24 ocorre no bullying, não há apoio para o esclarecimento. (CROCHIK, 2015, p.41 e 42). No caso do bullying as ações que envolvem aspectos de simbolização precisam ser acompanhadas por ações que envolvam, fundamentalmente, a construção de laços afetivos entre as pessoas e a identificação com o mais frágil. Neste caso, a educação inclusiva tem papel fundamental, pois a pessoa em situação de inclusão está numa condição de diferenciação com os padrões da cultura e, portanto, fragilizada. Ao se identificar com a pessoa em situação de inclusão e estabelecer laços afetivos com ela e com as demais pessoas da escola, o bulllying pode ser combatido à medida que fortalece o sujeito, pode evitar que ele se torne um agressor. Em síntese, o bullying parece ser uma forma de violência mais indiferenciada do que a presente no preconceito mais arraigado, que tem alvos definidos e justificativa para sua existência, e corresponder a uma maior fragilidade do indivíduo que o pratica; nesse sentido, o preconceito menos delineado pode ser a atitude que pode levar à ação do bullying; esse também parece expressar melhor uma cultura homogênea, que, pela (falsa) formação, constitui indivíduos frios, insensíveis e com dificuldades de formular seus desejos e os reconhecer, o que pode direcioná-los a uma forma de violência difusa, ao contrário do preconceito que se fixa em necessidades mais bem delimitadas. Isso não significa que ambas as formas de violência não possam, por vezes, ocorrer conjuntamente – uma vítima do bullying o ser devido ao preconceito -, mas que se podem corresponder a diversas necessidades psíquicas devem, como assinalado antes, ser combatidas de modos distintos; contra o bullying deve-se fortalecer a possibilidade de estabelecer relações afetivas com as pessoas e com a cultura e a identificação com o mais frágil; contra o preconceito é necessária a reflexão do que nega em si mesmo ao perseguir sua vítima. O bullying, como afirmado acima, pode ser derivado do preconceito menos delimitado, associado com a maior fragilidade da formação do eu, algo que foi historicamente possibilitado, mas isso não significa que o preconceito mais bem desenvolvido tenha deixado de existir; perceber as consequentes modificações da constituição individual à luz das transformações históricas é fundamental, julgar que o antigo deixou de existir pode deixar à solta um inimigo poderoso. (CROCHIK, 2015, p.54). No combate ao preconceito é importante que o sujeito reconheça em si mesmo o que combate na vítima. A liberdade estaria justamente em perceber em si mesmos elementos que são projetados no outro em forma de violências. 25 Nessas condições, só seriam homens verdadeiramente livres aqueles que oferecem uma resistência antecipada aos processos e influências que predispõem ao preconceito. Mas semelhante resistência exige tanta energia que obriga a explicar a ausência de preconceito antes da presença destes. (HORKHEIMER e ADORNO, 1956, p.181 e 182). Assim, compreendendo o processo civilizatório que nos leva a abrir mão dos nossos próprios desejos para estar em sociedade, tendo condições de se diferenciar a partir dos elementos da cultura, estabelecendo relações afetivas e tendo condições de se identificar com a fragilidade do outro para reconhecer a própria fragilidade é possível combater o preconceito e o bullying. Todos esses processos são processos de humanização e de apropriação da cultura e das relações afetivas com o outro, por meio da realização de experiências. Atividades - Questões discursivas: 1) Bullying e preconceito são o mesmo fenômeno? Explique. 2) O que é o preconceito e como é possível combatê-lo? 3) O que é o bullying e como é possível combatê-lo? - Questões objetivas: 4) Leia a citação, as premissas abaixo e depois marque a alternativa correta. “Se o preconceito não é inato, a criança pode, de fato, perceber que o outro é diferente dela, sem que isso impeça o seu relacionamento com ele” (CROCHIK, 2011, p.17). 26 I - O professor deve pedir ao aluno com algum tipo de deficiência ou necessidade especial que se adapte à aula que ele preparou. Não é função da escola, ou mesmo do professor, encontrar maneiras de possibilitar aos sujeitos com limitações a participação em todas as situações escolares de acordo, principalmente, com a vontade deste sujeito, mas já existem adaptações específicas para essas pessoas, cabe a ele se adaptar ao que lhe é oferecido. II - O preconceito é contrário à inclusão. O preconceito arraigado e oculto à própria pessoa que o desenvolveu pode levar à ambiguidade de sentimentos frente a seu alvo, que deveria ser aceito, respeitado, mas que no íntimo sabe que não o é. III - A igualdade de condições de vida para todos deve ser o objetivo desta sociedade para que ela se torne justa. Assim, as condições a serem oferecidas para os indivíduos para atingi-la são distintas. Estabelecer determinadas medidas que favorecem determinados grupos é promover justiça social. IV - A luta contra os manicômios, contra as escolas especiais e contra as classes especiais tenta evitar a segregação espacial e promover a convivência da sociedade com as pessoas com alguma deficiência física ou intelectual. Ao integrar essas pessoas à sociedade e não separá-las, aposta-se que a convivência entre a população e aqueles que eram segregados pudesse demolir os tabus, os preconceitos. V - O contato entre o preconceituoso e seu alvo, em condições adequadas, poderia diminuir ou eliminar o preconceito. Alguns estudos indicam que de fato isso ocorre, outros não. Isso já mostra que não basta derrubar os muros que segregam para eliminar o preconceito; são necessárias também condições favoráveis para isso e em condições favoráveis isso funciona. - Marque corretamente sobre as premissas acima. (A) Apenas I está incorreta. (B) Todas estão corretas (C) II e III estão incorretas. (D) III, IV e V estão incorretas. 27 (E) Apenas V está incorreta. 5) Leia a citação, as asserções e, em se seguida, avalie as asserções e a relação proposta entre elas e marque a alternativa correta. “O preconceito e o bullying são duas formas de violência escolar, ainda que não se restrinjam à educação escolar”. (CROCHIK, 2015, p. 29). I - Preconceito e Bullying são situações que se expressam em forma de violência. No entanto, não se trata do mesmo fenômeno. Em ambos os casos há a expressão de conteúdos violentos que visam atender a demandas psíquicas dos sujeitos agressores. No entanto, apesar de preconceito e bullying possuirem elementos em comum, eles são diferentes. PORQUE II - O preconceito é expressão individual de violência em relação a um estereótipo oferecido pela cultura. Assim, por mais que o preconceituoso expresse demandas psíquicas relacionadas aos recalques do processo civilizatório, ele o faz a partir de objetos apresentados no processo de socialização. No caso do bullying também há a projeção de demandas internas do sujeito em relação à vítima. No entanto, mais regredido psiquicamente do que o preconceituoso, o sujeito que faz bullying elege um objeto que ele próprio considera frágil e em relação ao qual ele satisfaz demandas violentas e projetivas. - Marque a alternativa CORRETA sobre as duas premissas acima: ( A ) As duas asserções são verdadeiras, e a segunda não justifica a primeira. ( B ) A primeira asserção é falsa, e a segunda é verdadeira. ( C ) A primeira asserção é verdadeira~, e a segunda é falsa. ( D ) As duas asserções são falsas. ( E ) As duas asserções são verdadeiras, e a segunda justifica a primeira. 28 Referências BRASIL. Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015 que Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), 2015. CROCHIK, (coord). Preconceito e Educação Inclusiva. Brasília: SDH/PR, 2011. Disponível em: http://www.ip.usp.br/portal/images/stories/laboratorios/LaEP/Livro_Preconceito_e_Ed uca%C3%A7%C3%A3o_Inclusiva.pdf CROCHIK, José Leon. Preconceito, indivíduo e cultura. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011. CROCHIK, José Leon. Formas de Violência Escolar: preconceito e bullying. Movimento Revista de Educação. Ano 2 Número 3, 2015. HORKHEIMER, Max e ADORNO, Theodor W. Temas básicos da Sociologia. São Paulo, Editora Cultrix, 1956. HORKHEIMER, M. e ADORNO, Theodor W. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1985. FREUD, Sigmund. Inibição, sintomas e ansiedade. In: ____. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago vol. XX, 1996. ___________. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1997. 29 Unidade II Leis e políticas públicas introdutórias sobre inclusão. Para compreender o processo de inclusão na atualidade, é fundamental estudar sobre a história para se chegar à atualidade. Assim, tanto o mundo, de forma geral, quanto o Brasil, traçaram caminhos para se chegar às situações que existem na atualidade. Dentro dessa história, diversas foram as convenções e conferências mundiais que influenciaram de maneira fundamental a criação de políticas públicas para a inclusão no Brasil. Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/cadeira-de-rodas-gm152549607- 13541769 Legenda: Diversas foram as convenções e eventos mundiais e mudanças e adaptações das leis no Brasil para se chegar à atual política inclusiva. Nesta unidade faremos uma breve passagem pela história das políticas públicas no mundo e no Brasil, compreendendo, de forma mais específica, sobre duas conferências fundamentais para a história da inclusão: A Conferência de Jontiem na Tailândia e a Declaração de Salamanca realizada na Espanha. Ambos os eventos foram fundamentais para a história da inclusão no Brasil. 30 Capítulo 4 A história das leis sobre inclusão no mundo e no Brasil Na disciplina Educação, Diversidade e Inclusão I você viu sobre a história da inclusão no mundo e no Brasil. Percebeu como há um caminho para chegar onde estamos, que passou, desde a Antiguidade, por períodos de exclusão, a ponto de haver o assassinato da pessoa com deficiência, até o atual momento, onde tenta-se fazer a inclusão (que é garantida por leis), mesmo ainda convivemos com segregação e exclusão. A história da inclusão no mundo e, em consequência, no Brasil, se modificou no pós-guerra. Depois das duas grandes guerras mundiais, soldados voltaram do front mutilados e necessitando de readaptação social. Sujeitos que eram pessoas sem deficiência voltam da guerra pessoas com deficiência. Assim, na Europa, esse grupo de pessoas com deficiências que foram ocasionadas pela guerra, junto com outros grupos de pessoas com deficiências, começaram um movimento em prol de uma mudança social no tratamento às pessoas com deficiência, que incluía não só os soldados, mas as pessoas com deficiência de modo geral. Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/homem-militar-em-cadeira-de-rodas- gm912977254-251329026 Legenda: No pós-guerra diversos soldados voltaram do front pessoas com deficiência. Eles integraram o grupo que lutaram pelos direitos das pessoas com deficiências. 31 No Brasil, as discussões europeias também influenciam o processo da inclusão. Entre a década de 1950 e 1960 aconteceram várias “campanhas que tinham como objetivo sensibilizar a sociedade acerca das pessoas com deficiência” (CAPELLINI & RODRIGUES, 2014, p. 2). Em 1958, o Ministério de Educação começou “a prestar assistência técnica-financeira às secretarias de educação e instituições especializadas, lançando as campanhas nacionais para a educação de pessoas com deficiência” (MENDES, 2010, p. 99). Ainda no início da segunda metade do século XX, outro marco fundamental foi o estabelecimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1961, Lei nº. 4.024/61 que depois foi alterada pela Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. A LDB de 1961 criou o Conselho Federal de Educação ao estabelecer que: “§ 3º As normas para observância dêste artigo e parágrafos serão fixadas pelo Conselho Estadual de Educação” (BRASIL, 1961). Além disso, ela afirma que as pessoas com deficiência têm o direito de serem integradas na comunidade. No título X, Da Educação de Excepcionais, os artigos 88 e 89 preveem que: “Art. 88. A educação de excepcionais deve, no que fôr possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade” e “Art. 89. Tôda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais de educação, e relativa à educação de excepcionais, receberá dos poderes públicos tratamento especial mediante bôlsas de estudo, empréstimos e subvenções” (BRASIL, 1961). Tem-se, assim, uma discussão mais efetiva sobre a inclusão das pessoas com deficiência, uma vez que: “A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 4.024/61, reafirmou o direito das pessoas com deficiência à educação” (ALMEIDA, 2003, p.15). Aspecto fundamental da luta pela inclusão a regulamentação em lei sobre o direito à educação. A Lei nº 5.692 de 1971, que fixou as Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, estabeleceu, em seu artigo 9º, que: “Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acôrdo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação” (BRASIL, 1971). Tem-se, nesse artigo, um avanço importante na 32 educação inclusiva quando se prevê um tratamento especial aos alunos e não mais a exclusão ou segregação. Assim, nota-se que em 1971, ao alterar a LDB de 1961 no referido artigo n° 9, passa-se, então, a especificar o “tratamento especial” para os alunos com deficiência e também a definir quem era esse público. Nessa nova especificação, quem teria direito ao atendimento especializado seriam os alunos com deficiências física ou mental, alunos que estivessem em atraso, considerando a idade em relação à matrícula e os superdotados (CAPELLINI & RODRIGUES, 2014; MENDES, 2010 e ALMEIDA, 2003). Mendes (2010, p. 2) afirma que essa atualização da legislação “não se observou a organização do sistema de ensino para atender as demandas educacionais dessa população, reforçando o encaminhamento dos alunos para as classes e escolas especiais”, o que não possibilitou sua efetivação. Ainda sobre os cuidados com as pessoas com deficiência, em 1969, tem-se a: “Emenda Constitucional dispunha em seu artigo 175, parágrafo 4º, em que uma lei especial disporia: “sobre a assistência à maternidade, à infância, e à adolescência e sobre a educação de excepcionais”” (ALMEIDA, 2003, p. 16). Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/ministério-da-educação- bras%C3%ADlia-distrito-federal-brasil-gm1046150586-279927760 Legenda: Em meados do século XX foi criado no Brasil o MEC (Ministério da Educação e Cultura) que teve papel fundamental na gerência da educação especial no Brasil. Outro ponto importante na segunda metade do século XX foi a criação no MEC (Ministério da Educação e Cultura), em 1973, do Centro Nacional de Educação 33 Especial – CENESP: “responsável pela gerência da educação especial no Brasil, que, sob a égide integracionista, impulsionou ações educacionais voltadas às pessoas com deficiência e às pessoas com superdotação; ainda configuradas por campanhas assistenciais e ações isoladas do Estado”. (BRASIL, 2008, p.7). Assim, o processo caminhou no sentido da inclusão e do estabelecimento de uma preocupação efetiva com a escolaridade das pessoas com deficiências ou necessidades educacionais especiais e seu aprendizado passa a acontecer mediante mudanças sistemáticas na legislação, principalmente a partir do fim da década de 1980 e início da década de 1990. A efetividade dessas mudanças, no cenário da educação inclusiva, se desenvolveu a partir da década de 1990, mesmo que tenha sido possibilitada a partir das discussões e movimentos que aconteceram no panorama mundial já desde décadas anteriores. Na cadência das discussões que se efetivaram nas décadas subsequentes sobre a inclusão, tem-se, em 1988, no Brasil, a elaboração da primeira Constituição após o governo militar, retomando e efetivando a democracia no país. Foi apelidada popularmente de “Constituição Cidadã” por ampliar a garantir os direitos dos brasileiros. Embora não estabeleça de forma direta relação com as pessoas com deficiência, garante a oferta ao ensino para todos. No artigo nº 205, tem-se a educação como um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988). Já o próximo artigo, nº 206, no primeiro inciso garante: “a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (BRASIL, 1988). No entanto, o artigo nº 208 em seu inciso terceiro prevê que: “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (…) III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1988). Ao estabelecer o atendimento à pessoa com deficiência como preferencial na rede regular de ensino e não como sendo a rede regular o local em que a pessoa com deficiência deve se matricular, a Constituição de 1988 abre uma discussão que envolve uma contradição. Por um lado, afirma a inclusão da pessoa com deficiência na rede regular, mas não prevê a obrigatoriedade dessa matrícula. 34 Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/justiça-para-as-leis-do-brasil-no- tribunal-brasileiro-gm1035811674-277287916 Legenda: Em 1988 é promulgada a Constituição cidadã no Brasil que prevê o direito de todos à educação, abrindo o diálogo sobre a educação da pessoa com deficiência que na próxima década se intensificará e terá avanços. Ainda nessa mesma tendência, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 também trazem a palavra preferencial (BRASIL, 1990 e BRASIL, 1996). No ECA, em seu capítulo IV, Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer, tem-se: “III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1990). Neste mesmo documento, há outros dois pontos fundamentais: No título I que estão as Disposições Preliminares consta que: “§ 1º A criança e o adolescente portadores de deficiência receberão atendimento especializado” (BRASIL, 1990) e ainda, no Capítulo IV, Das Medidas Sócio-Educativas está que: “§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições” (BRASIL, 1990). Essa atenção especial aos adolescentes e crianças com deficiências aparecem em outros momentos do referido documento, apontando para a importância que esse assunto passa a ter na década de 1990 já nas leis. Na LBD de 1996 (BRASIL, 1996), no Título III, Do Direito à Educação e do Dever de Educar em seu inciso terceiro consta que: “III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do 35 desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino; (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)” (BRASIL, 1996). Assim, a Constituição de 1988, o ECA de 1990 e a LDB de 1996 (leis que ainda estão em vigência) trazem a palavra preferencialmente, o que pode gerar interpretações dúbias que durante algum tempo levaram escolas regulares a justificarem que não tinham condições de receber pessoas com deficiências porque não estavam preparadas para atendê-las, visto que não eram obrigadas por leis. A palavra preferencialmente não coloca o sentido de obrigação e abre margem para recusas de matrículas por parte das escolas. Ainda na LDB de 1996, em seu Capítulo V há o título: Da Educação Especial, em que se regulamenta, já na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, o que seria a educação especial no Brasil. O capítulo V é um considerável avanço nas políticas educacionais em relação à inclusão. Há muitas contradições nesse processo da inclusão expressas já nas leis: por um lado um avanço, pois existe um olhar especial para a educação das pessoas com deficiência com foco no efetivo processo de aprendizagem. Por outro um retrocesso, visto que precisamos tratar os direitos e disposições sobre as pessoas com deficiências em um artigo ou capítulo separado da lei, não os considerando regulamentados nos demais, visto que esses outros itens já trazem consigo disposições passíveis de serem implementadas a todas as pessoas. Entende-se, portanto, que esse não é propriamente um erro da lei, mas que essa contradição é própria da sociedade, pois ao mesmo tempo em que há um avanço quando se passa a dar dignidade para pessoas historicamente excluídas do processo social, percebe-se um retrocesso quando na base da sociedade não se compreende esses processos regulatórios como pertencentes a todos os cidadãos, mas, ainda, se precisa criar leis específicas para proteger determinados grupos. Leis fundamentais quando se considera essas contradições sociais: De início, cabe assinalar que a sociedade é contraditória: simultaneamente conservadora e progressista; assim, todas as mudanças acarretadas pela sua própria transformação também são contraditórias. As contradições apresentadas nos últimos tempos, 36 contudo, são peculiares, uma vez que a sociedade já tem condições objetivas – riquezas, conhecimentos e técnicas – para erradicar a miséria da face da Terra; como isso não ocorre, devido a interesses políticos das camadas dominantes, todo avanço contém em si mesmo o que já seria possível e que, no entanto, continuará a ser negado: uma sociedade justa, igualitária e livre da opressão. Isso não chancela o pessimismo, mas permite analisar as mudanças dentro dos limites de poder estabelecidos e indicar porque não podem ser plenamente realizáveis nesta sociedade, o que por si só fortalece a luta política. (CROCHIK e CROCHIK, 2008, p.126) Esse processo no Brasil, em que há o início do diálogo e das mudanças sobre a inclusão propriamente dita, já nas leis, é influenciado por outros movimentos que ocorrem no mundo, especialmente por outros dois marcos muito importantes para essa discussão: a Declaração Mundial sobre Educação para Todos estabelecida em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e a Declaração de Salamanca realizada na Espanha em 1994. Vale ressaltar que um marco da história mundial fundamental para culminar nesses movimentos da década de 1990 é a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, criada após os horrores da Segunda Guerra Mundial (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948; DECLARAÇÃO MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1990 e DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994). Capítulo 5 A Conferência de Jomtien Foi aprovada, pela Conferência Mundial sobre Educação para Todos em Jomtien, na Tailândia, de 5 a 9 de março de 1990, a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, também conhecida por Conferência de Jomtien. Nela, foi criado um Plano de Ação para Satisfazer Necessidades Básicas de Aprendizagem. O próprio título em que se prevê educação para todos e o Plano de Ação focado na aprendizagem mostra uma mudança na perspectiva, visto que se começa um processo em que a preocupação com a aprendizagem é efetiva nas discussões e propostas de políticas públicas sobre grupos historicamente marginalizados. 37 Abaixo faremos os comentários e a descrição do que contem o documento da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, também conhecida por Conferência de Jomtien. Para que você possa acompanhá-lo de maneira mais efetiva, aconselho que você baixe o documento do link: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000086291_por para poder ler e acompanhar a explicação. No Preâmbulo da Conferência de Jomtien há um diálogo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos apresentando dados importantes para pensar ações no âmbito da educação para todos: Há mais de quarenta anos, as nações do mundo afirmaram na Declaração Universal dos Direitos Humanos que "toda pessoa tem direito à educação". No entanto, apesar dos esforços realizados por países do mundo inteiro para assegurar o direito à educação para todos, persistem as seguintes realidades: • mais de 100 milhões de crianças, das quais pelo menos 60 milhões são meninas, não têm acesso ao ensino primário; • mais de 960 milhões de adultos – dois terços dos quais mulheres são analfabetos, e o analfabetismo funcional é um problema significativo em todos os países industrializados ou em desenvolvimento; • mais de um terço dos adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento impresso, às novas habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a qualidade de vida e ajudá-los a perceber e a adaptar-se às mudanças sociais e culturais; e • mais de 100 milhões de crianças e incontáveis adultos não conseguem concluir o ciclo básico, e outros milhões, apesar de concluí-lo, não conseguem adquirir conhecimentos e habilidades essenciais. (DECLARAÇÃO MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1990). Assim, diante dos dados que mostram a dificuldade em estabelecer educação para todos mundialmente, a Conferência de Jomtien visa estabelecer estratégias para a democratização da educação. 38 Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/menina-da-escola-escrevendo-em- classe-gm950614324-259474522 Legenda: A Conferência de Jomtien visa estabelecer estratégias para a democratização da educação. Dessa maneira, no início da conferência se estabelece metas para que a educação básica para todos seja uma meta viável, pela primeira vez na história. Assim os membros da conferência estabelecem que: Relembrando que a educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro; Entendendo que a educação pode contribuir para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero e ambientalmente mais puro, e que, ao mesmo tempo, favoreça o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação internacional; Sabendo que a educação, embora não seja condição suficiente, é de importância fundamental para o progresso pessoal e social; Reconhecendo que o conhecimento tradicional e o patrimônio cultural têm utilidade e valor próprios, assim como a capacidade de definir e promover o desenvolvimento; Admitindo que, em termos gerais, a educação que hoje é ministrada apresenta graves deficiências, que se faz necessário torná-la mais relevante e melhorar sua qualidade, e que ela deve estar universalmente disponível; Reconhecendo que uma educação básica adequada é fundamental para fortalecer os níveis superiores de educação e de ensino, a formação científica e tecnológica e, por conseguinte, para alcançar um desenvolvimento autônomo; e 39 Reconhecendo a necessidade de proporcionar às gerações presentes e futuras uma visão abrangente de educação básica e um renovado compromisso a favor dela, para enfrentar a amplitude e a complexidade do desafio, proclamamos a seguinte: Declaração Mundial de Educação para todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. (DECLARAÇÃO MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1990). Assim, diante dos itens citados acima que estabelecem papel e função da educação, cria-se A Declaração Mundial de Educação para todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. A Declaração Mundial de Educação para todos possui, como primeiro item do documento, seu o objetivo que é estabelecido no artigo 1: satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. Em seguida se descreve sobre esse objetivo. O item seguinte da Declaração tem como título: Educação para Todos: uma visão abrangente e um compromisso renovado. Ele contém os artigos 2, 3, 4, 5, 6 e 7 da Declaração com os seguintes temas: Artigo 2: Expandir o enfoque; Artigo 3: Universalizar o acesso à educação e promover a equidade; Artigo 4: Concentrar a atenção na aprendizagem; Artigo 5: Ampliar os meios e o raio de ação da educação básica; Artigo 6: Propiciar um ambiente adequado à aprendizagem; e Artigo 7: Fortalecer as alianças. Em seguida aos títulos dos artigos a Declaração explica sobre eles e estabelece propostas de maneiras de efetivá-los, tal como o terceiro item do artigo 3 em que se estabelece que: “A prioridade mais urgente é melhorar a qualidade e garantir o acesso à educação para meninas e mulheres, e superar todos os obstáculos que impedem sua participação ativa no processo educativo. Os preconceitos e estereótipos de qualquer natureza devem ser eliminados da educação”. (DECLARAÇÃO MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1990). Como o artigo 3 visava universalizar o acesso à educação e promover a equidade, ele estabelece diversas medidas para cumprir essa proposta. Após o título que estabelece uma visão abrangente e um compromisso renovado com os artigos de 2 a 7, descrito nos parágrafos acima, tem-se o próximo item: Educação para todos: os requisitos. Este item sobre os requisitos contem os 40 artigos de 8 a 10. Artigo 8: Desenvolver uma política contextualizada de apoio; Artigo 9: Mobilizar recursos; Artigo 10: Fortalecer solidariedade internacional. Em seguida, no documento da Declaração, tem-se a introdução: Introdução 1. Este Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem deriva da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, adotada pela Conferência Mundial sobre Educação para Todos, da qual participaram representantes de governos, organismos internacionais e bilaterais de desenvolvimento, e organizações não- governamentais. Fundamentado no conhecimento coletivo e no compromisso dos participantes, o Plano de Ação foi concebido como uma referência e um guia para governos, organismos internacionais, instituições de cooperação bilateral, organizações não- governamentais (ONGs), e todos aqueles comprometidos com a meta da educação para todos. Este plano compreende três grandes níveis de ação conjunta: (i) ação direta em cada país; (ii) cooperação entre grupos de países que compartilhem certas características e interesses; e (iii) cooperação multilateral e bilateral na comunidade mundial. (DECLARAÇÃO MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1990). Após a introdução, no documento, constam outros dois itens: Objetivos e Metas e Princípios de Ação. No início dos objetivos se estabelece quais os principais objetivos de tal documento, que serão mais especificados em outros itens: O objetivo último da Declaração Mundial sobre Educação para Todos é satisfazer as necessidades básicas da aprendizagem de todas as crianças, jovens e adultos. O esforço de longo prazo para a consecução deste objetivo pode ser sustentado de forma mais eficaz, uma vez estabelecidos objetivos intermediários e medidos os progressos realizados. Autoridades competentes, aos níveis nacional e estadual, podem tomar a seu cargo o estabelecimento desses objetivos intermediários, levando em consideração tanto os objetivos da Declaração quanto as metas e prioridades gerais do desenvolvimento nacional (DECLARAÇÃO MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1990). O item Princípios de Ação é dividido em 3 itens com alguns subitens. O primeiro item em Princípios de Ação é intitulado Ação Prioritária em Nível Nacional. 41 Neste item há seis subitens: 1.1 – Avaliar necessidades e planejar ações; 1.2 – Desenvolver um contexto político favorável; 1.3 – Definir políticas para a melhoria da educação básica; 1.4 – Aperfeiçoar capacidades gerenciais, analíticas e tecnológicas; 1.5 – Mobilizar canais de informação e comunicação e 1.6 – Estruturar alianças e mobilizar recursos. Ao longo deste item são estabelecidos, portanto, as ações prioritárias em nível nacional para que a educação possa ser para todos. Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/alunos-levantando-as-mãos-durante-a- aula-gm469968322-62678730 Legenda: A Conferência de Jomtien propõe uma série de ações a nível regional e mundial com o intuito de promover educação para todos. Em seguida, o item 2 dos Princípios de Ação tem como título: 2 – Ação Prioritária ao Nível Regional (continental, subcontinental e intercontinental). Este item possui dois subitens: 2.1 – Intercambiar informações, experiências e competências e 2.2 – Empreender atividades conjuntas. E, por fim, o item 3, Ação Prioritária em Nível Mundial, com 4 subitens: 3.1 – Cooperar no contexto internacional; 3.2 – Fortalecer as capacidades nacionais; 3.3 – Prestar apoio contínuo e de longo prazo às ações nacionais e regionais (continental, subcontinental e intercontinental); e 3.4 – Consultas acerca de questões políticas. O documento finaliza com o calendário indicativo de implementação dos itens estabelecidos na Declaração nos anos 1990. 42 Em seguida à Declaração Mundial sobre Educação para Todos, também conhecida por Conferência de Jomtien tem-se, em 1994, a Declaração de Salamanca, que será estudada no próximo capítulo. Capítulo 6 A Declaração de Salamanca Reconvocando as várias nações que participaram da Conferência de Jomtien a renovarem as disposições de tal Conferência, teve-se, em 1994, na Espanha, na cidade de Salamanca, a presença de quase 100 governos e mais de vinte organizações internacionais que se reuniram para discutir uma política pública a favor da inclusão. Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/lindo-professor-ajudar-os-alunos-em- sala-de-aula-gm472977300-64305807 Legenda: A Declaração de Salamanca reconvocou as nações para pensar a inclusão na escola e dialogar sobre o que havia sido feito após a Conferência de Jomtien. O governo brasileiro também participou dessa conferência. Como resultante dessa discussão, foram gerados dois importantes documentos, a Declaração de 43 Salamanca (1994) e a Estrutura de Ação em Educação Especial (1994), que representaram consenso global das diretrizes futuras para a educação inclusiva (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994). No texto da Declaração de Salamanca consta em seu início que: Reconvocando as várias declarações das Nações Unidas que culminaram no documento das Nações Unidas "Regras Padrões sobre Equalização de Oportunidades para Pessoas com Deficiências", o qual demanda que os Estados assegurem que a educação de pessoas com deficiências seja parte integrante do sistema educacional. Notando com satisfação um incremento no envolvimento de governos, grupos de advocacia, comunidades e pais, e em particular de organizações de pessoas com deficiências, na busca pela melhoria do acesso à educação para a maioria daqueles cujas necessidades especiais ainda se encontram desprovidas; e reconhecendo como evidência para tal envolvimento a participação ativa do alto nível de representantes e de vários governos, agências especializadas, e organizações inter- governamentais naquela Conferência Mundial. (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994). A Declaração de Salamanca é considerada um marco histórico, uma vez que discute o direito da pessoa com deficiência à educação também propiciando o diálogo sobre a inclusão em seu sentido amplo, tanto no que tange às pessoas com deficiência quanto aos demais grupos. Um ponto de destaque é a recomendação da educação inclusiva junto ao ensino regular, uma novidade para aquele momento histórico. Ou seja, a partir da Declaração de Salamanca houve o indicativo de que todas as crianças devem aprender juntas, sem a separação em salas ou escolas especiais, salvo exceções. Já a Estrutura de Ação em Educação Especial expõe aspectos práticos e encaminha ações concretas dessas diretrizes. A influência da Declaração de Salamanca é percebida no Brasil a partir já da organização da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 e nas leis que passam a ser criadas nesse processo, culminando, em 2015, no Estatuto da Pessoa com Deficiência ou Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Nossas leis, a partir dessa conferência tão importante, foram orientadas no sentido de cumprir o que estava disposto no documento. 44 Segundo a Declaração de Salamanca (1994): Acreditamos e Proclamamos que: • toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem, • toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas, • sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades, • aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades, • escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional. (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994). Já no início da Declaração se prevê o respeito à diversidade, às necessidades individuais e o acesso a todos na escola regular. Segundo o documento a inclusão cria comunidades acolhedoras que combatem as discriminações. Uma das premissas importantes do documento se refere ao apontamento da necessidade de criar leis sobre inclusão e a necessidade de receber todas as crianças na escola regular: “adotem o princípio de educação inclusiva em forma de lei ou de política, matriculando todas as crianças em escolas regulares, a menos que existam fortes razões para agir de outra forma” (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994). Ainda nessa parte, em que se instrui aos governos as ações que devem ser tomadas, outros três itens merecem destaque. Eles relatam que pais e pessoas com deficiência precisam participar do processo de tomada de decisão sobre os serviços para necessidades educacionais especiais, sobre a identificação e intervenção precoce e sobre a necessidade de se garantir programas de formação de professores para a inclusão. É como fruto dessa medida, por exemplo, que você hoje tem a disciplina de Inclusão em sua grade curricular: 45 • encorajem e facilitem a participação de pais, comunidades e organizações de pessoas portadoras de deficiências nos processos de planejamento e tomada de decisão concernentes à provisão de serviços para necessidades educacionais especiais. • invistam maiores esforços em estratégias de identificação e intervenção precoces, bem como nos aspectos vocacionais da educação inclusiva. • garantam que, no contexto de uma mudança sistêmica, programas de treinamento de professores, tanto em serviço como durante a formação, incluam a provisão de educação especial dentro das escolas inclusivas (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994). Em seguida a essas premissas da Declaração de Salamanca, tem início a Estrutura de Ação em Educação Especial publicada em seguida a declaração. No primeiro item da introdução desse documento, explica-se sobre ele: 1. Esta Estrutura de Ação em Educação Especial foi adotada pela conferencia Mundial em Educação Especial organizada pelo governo da Espanha em cooperação com a UNESCO, realizada em Salamanca entre 7 e 10 de junho de 1994. Seu objetivo é informar sobre políticas e guias ações governamentais, de organizações internacionais ou agências nacionais de auxílio, organizações não- governamentais e outras instituições na implementação da Declaração de Salamanca sobre princípios, Política e prática em Educação Especial. A Estrutura de Ação baseia-se fortemente na experiência dos países participantes e também nas resoluções, recomendações e publicações do sistema das Nações Unidas e outras organizações inter-governamentais, especialmente o documento "Procedimentos-Padrões na Equalização de Oportunidades para pessoas Portadoras de Deficiência . Tal Estrutura de Ação também leva em consideração as propostas, direções e recomendações originadas dos cinco seminários regionais preparatórios da Conferência Mundial (ESTRUTURA DE AÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL, 1994). Em seguida à introdução, os demais itens trabalham as ações que devem ser tomadas pelos países para realizar educação inclusiva com a divisão em tópicos: I. Novo pensar em educação especial; II. Orientações para a ação em nível nacional: A. Política e Organização; B. Fatores Relativos à Escola; C. Recrutamento e Treinamento de Educadores; D. Serviços Externos de Apoio; E. Áreas Prioritárias; F. 46 Perspectivas Comunitárias; G. Requerimentos Relativos a Recursos. III. Orientações para ações em níveis regionais e internacionais. No total o documento tem 83 itens que são parágrafos distribuídos ao longo os títulos supracitados, desde a introdução até o III. Orientações para ações em níveis regionais e internacionais. Dentre os pontos que se destacam em tal documento tem-se o item 7, que ressalta a importância de todas as crianças aprenderem juntas: 7. Principio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter. Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de um currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades. Na verdade, deveria existir uma continuidade de serviços e apoio proporcional ao contínuo de necessidades especiais encontradas dentro da escola (ESTRUTURA DE AÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL, 1994). Em seguida, no item 8, destaca-se a importância de as escolas oferecerem suporte extra requerido para as necessidades especiais de adaptação. Diz ainda da importância da educação inclusiva para a construção de solidariedade. Nos itens 14 e 15 destaca-se a importância das legislações se orientarem para garantir a educação inclusiva. No item 19 destaca-se um ponto muito importante: “Políticas educacionais deveriam levar em total consideração as diferenças e situações individuais” (ESTRUTURA DE AÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL, 1994). Esse item dá início ao que se tem hoje como adaptação curricular ou flexibilização dos currículos. Ainda sobre flexibilidade curricular, o item 25 que compõe a parte B sobre Fatores Relativos à Escola explica que: 25. Muitas das mudanças requeridas não se relacionam exclusivamente à inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais. Elas fazem parte de um reforma mais ampla da educação, necessária para o aprimoramento da qualidade e 47 relevância da educação, e para a promoção de níveis de rendimento escolar superiores por parte de todos os estudantes. A Declaração Mundial sobre Educação para Todos enfatizou a necessidade de uma abordagem centrada na criança objetivando a garantia de uma escolarização bem-sucedida para todas as crianças. A adoção de sistemas mais flexíveis e adaptativos, capazes de mais largamente levar em consideração as diferentes necessidades das crianças irá contribuir tanto para o sucesso educacional quanto para a inclusão. As seguintes orientações enfocam pontos a ser considerados na integração de crianças com necessidades educacionais especiais em escolas inclusivas. Flexibilidade Curricular (ESTRUTURA DE AÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL, 1994). Assim, pensar a diversidade, a flexibilização e as necessidades adaptativas individuais é função da escola em um aspecto mais amplo, que envolve, inclusive, uma reforma na educação que possa pensar todas as crianças individualmente. Outro muito importante a se destacar ainda nesta parte sobre os fatores relativos à escola é o item 26: “O currículo deveria ser adaptado às necessidades das crianças, e não vice-versa. Escolas deveriam, portanto, prover oportunidades curriculares que sejam apropriadas à criança com habilidades e interesses diferentes” (ESTRUTURA DE AÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL, 1994). Assim, escola e professores devem se adaptar ao aluno e não o contrário. O documento fala ainda das tecnologias a serviço da inclusão, da importância da formação de professores, dos serviços externos de apoio à escola e diversos outros itens fundamentais para pensar a inclusão de maneira efetiva. Vários desses pontos já foram implantados no Brasil ao longo desses mais de 20 anos que se passaram desde a Declaração de Salamanca. O Brasil caminha em um sentido de efetivar diversas políticas. No entanto, é sempre bom lembrar que direitos não são conquistas eternas e inabaláveis, mas novas leis podem ser construídas no sentido de modificar antigas. Nem sempre para melhorar. Enquanto profissionais da área precisamos estar atentos às mudanças na legislação. Acompanhar encontros, audiências públicas e projetos de leis na área da inclusão. A inclusão precisa ser pensada levando em conta suas contradições e o fato de ser realizada por pessoas com outras pessoas. Por isso é necessário estar sempre atento se ação tem como finalidade a dignidade da pessoa humana e sua 48 participação plena na sociedade. Esse deve ser o objetivo das ações e das políticas de inclusão. Atividades 1) Leia as premissas sobre a Declaração de Salamanca e depois marque a alternativa correta: I – Segundo a Declaração de Salamanca toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem, além disso, toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas e os sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades. II – Na Declaração de Salamanca consta que os currículos devem ser adaptados possibilitando uma padronização das didáticas de ensino que atinjam a todos na sala de aula regular, pois o objetivo é que todos se tornem iguais mediante um conceito comum de normal e com o mesmo método de ensino. III – Segundo a Declaração de Salamanca, as necessidades especiais devem ser tratadas, preferencialmente, em salas de aula regular, atendendo as necessidades especiais e particularidades da pessoa com deficiência nesses locais por meio de adaptações. - Marque corretamente sobre as premissas acima. (A) Apenas I está correta. (B) Apenas II está correta. (C) Apenas III está correta. (D) I e II estão corretas. 49 (E) I e III estão corretas. 2) A respeito da Conferência de Jomtien é correto afirmar que: I – O Documento elaborado pela Conferência de Jomtien tem como foco estabelecer estratégias de inclusão para as pessoas com deficiência na escola. Seu foco é neste grupo social e suas premissas foram fundamentais na luta pela inclusão das pessoas com deficiência na escola regular. II - A Conferência Mundial sobre Educação para Todos em Jomtien, na Tailândia, ocorreu de 5 a 9 de março de 1990. Nela foi aprovada a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, também conhecida por Conferência de Jomtien, que tem como objetivo propor estratégia para a democratização da educação em todos os âmbitos sociais. III – Na Conferência de Jomtien foi criado um Plano de Ação para Satisfazer Necessidades Básicas de Aprendizagem. O próprio título em que se prevê educação para todos e o Plano de Ação focado na aprendizagem mostra uma mudança na perspectiva, visto que se começa um processo em que a preocupação com a aprendizagem é efetiva nas discussões e propostas de políticas públicas sobre grupos historicamente marginalizados. - Marque corretamente sobre as premissas acima. (A) Apenas I está correta. (B) Apenas II está correta. (C) Apenas III está correta. (D) II e III estão corretas. (E) I e III estão corretas. 50 3) Sobre a história das leis brasileiras sobre inclusão, leia as alternativas e depois marque a opção correta. I - No Brasil, as discussões europeias sobre inclusão a partir do fim das guerras mundiais, também influenciam o processo da inclusão. Entre a década de 1950 e 1960 aconteceram várias campanhas que tinham como objetivo sensibilizar a sociedade acerca das pessoas com deficiência. II - No início da segunda metade do século XX, outro marco fundamental no Brasil foi o estabelecimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1961, Lei nº. 4.024/61 que depois foi alterada pela Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. A LDB de 1961 criou o Conselho Federal de Educação e ela afirma que as pessoas com deficiência têm o direito de serem integradas na comunidade. III – O Brasil ficou distante das discussões sobre inclusão por décadas. Atrasado em relação ao restante do mundo, somente na década de 1990 começam as primeiras leis brasileiras a discutirem o processo de inclusão. IV - Em meados do século XX foi criado no Brasil o MEC (Ministério da Educação e Cultura) que teve papel fundamental na gerência da educação especial no Brasil. V – Mesmo que tenha havido a criação de diversas leis e início da discussão sobre o tema da inclusão desde meados do século XX, a efetividade dessas mudanças, no cenário da educação inclusiva, se desenvolveu a partir da década de 1990, mesmo que tenha sido possibilitada a partir das discussões e movimentos que aconteceram no panorama mundial já desde décadas anteriores. - Marque corretamente sobre as premissas acima. (A) Apenas III está incorreta. (B) III e V estão incorretas. (C) Apenas II está incorreta. (D) Todas estão incorretas. (E) I, II e IV estão incorretas. 51 Referências ALMEIDA, D. B. Do especial ao inclusivo? Um estudo da proposta de inclusão escolar da rede estadual de Goiás, no município de Goiânia. (Tese de doutorado). Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2003. BRASIL. 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Política Nacional de Educação Especial. Brasília: Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial, 1994a. ________. Portaria nº 1.793, de dezembro de 1994b. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/port1793.pdf ________. Lei Federal nº 9394 de 20 de dezembro de 1996. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm 52 ________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3298.htm ________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília: MEC/SEESP, 2001a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/diretrizes.pdf ________. Ministério da Educação. Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências, 2001b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LEIS_2001/L10172.htm ________. Decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001. Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Guatemala: 2001c. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3956.htm _________. Presidência da República. Casa Civil. Lei 10.436/2002 (Lei ordinária) 24/04/2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências, 2002a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm ________. Portaria MEC nº 2678, de 24 de setembro de 2002. Aprova o projeto da Grafia Braille para a Língua Portuguesa e recomenda o seu uso em todo o território nacional, 2002b. 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Lei 12.764/2012 (Lei ordinária) 27/12/2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3o do art. 98 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm _________. Presidência da República. Casa Civil. Lei 13.146/2015 (Lei ordinária) 06/07/2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm CAPELLINI, V. L. M. F & RODRIGUES, O. M. P. R.. Fundamentos históricos e legais da educação da pessoa com deficiência, transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação no Brasil. Acervo digital Unesp, 2014. Recuperado de https://acervodigital.unesp.br/bitstream/unesp/155261/1/unesp- nead_reei1_ee_d02_texto02.pdf DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm DECLARAÇÃO MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS. Conferência de Jomtien. Tailândia, 1990. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10230.htm DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais, 1994. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf ESTRUTURA DE AÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL. In: DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais, 1994. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf 54 MENDES, E. G. Breve histórico da educação especial no Brasil. Revista Educación y Pedagogía, 22(57), pp. 93-110, 2010. Recuperado de https://aprendeenlinea.udea.edu.co/revistas/index.php/revistaeyp/article/viewFile/984 2/9041 55 Unidade III Os anos 2000: leis específicas sobre inclusão Antes da criação da LBI, a Lei Brasileira de Inclusão, também conhecida por Estatuto da Pessoa com Deficiência, tem-se leis fundamentais para o processo da inclusão. Cabe o destaque de algumas delas, que mostram os avanços nas discussões sobre inclusão a partir do fim da década de 1980 até os anos atuais. No entanto, nos anos 2000 surge uma nova tendência, leis específicas sobre inclusão que culminaram, em 2015, na LBI. Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/o-direito-internacional-gm184401912- 17780429 Legenda: Nos anos 2000 as discussões sobre inclusão se fortalecem e são criadas leis específicas sobre inclusão. Destaca-se, dentre essas leis, as leis conhecidas como Lei de Libras, Lei de Braille, Lei do Autismo e outras. Nesta unidade, compreenderemos as leis brasileiras desde a década de 1980, observando esse movimento de evolução das leis no Brasil até chegar a LBI. 56 Capítulo 7 As principais leis sobre inclusão no Brasil Você estudou na disciplina de Educação Diversidade e Inclusão I sobre a história da inclusão. Quando retornamos à história percebemos que o movimento da inclusão no mundo tem se fortalecido depois de a segunda guerra mundial e de maneira mais intensa nos últimos 30 anos. Nesses últimos 30 anos temos movimentos importantes, como a Conferência de Jomtien em 1990 e a Declaração de Salamanca em 1994, como foi visto na unidade passada. Seguindo essa tendência mundial, o Brasil também começa a criar suas leis e políticas públicas sobre inclusão. Em um primeiro momento leis destinadas a outros assuntos que começam a abranger a inclusão, como vimos no capítulo 4 deste curso. Assim, além desses capítulos, artigos ou incisos em leis mais gerais como a Constituição de 1988, a ECA de 1990, a LDB de 1961, sua alteração em 1971 e a LDB de 1996, os direitos das pessoas com deficiências passaram a ser assegurados em leis próprias desde o fim da década de 1980. No fim da década de 1980, em 1989, logo após a promulgação da Constituição de 1988, tem-se a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência (termo usado na época, que será modificado por uma portaria em 2010, como se verá logo à frente), sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – Corde, que instituiu a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplinou a atuação do Ministério Público, definiu crimes, e deu outras providências. Em seu artigo primeiro se estabelece que: “Art. 1º Ficam estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências, e sua efetiva integração social, nos termos desta Lei” (BRASIL, 1989). Nota-se, nesse contexto, que os direitos das pessoas com deficiências começam a se tornar pauta de leis, assegurando dignidade e o início do processo 57 que hoje se compreende como o que poderia ser uma inclusão efetiva. A garantia por lei é um avanço rumo à inclusão, entretanto a lei não garante por si só uma sociedade inclusiva, visto que é preciso efetivá-las. Mas não se pode desconsiderar que sua promulgação já é um avanço. Em 1994, é publicada a Política Nacional de Educação Especial, que: orientando o processo de ‘integração instrucional’ que condiciona o acesso às classes comuns do ensino regular àqueles que "(...) possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais”. (p.19). Ao reafirmar os pressupostos construídos a partir de padrões homogêneos de participação e aprendizagem, a Política não provoca uma reformulação das práticas educacionais de maneira que sejam valorizados os diferentes potenciais de aprendizagem no ensino comum, mantendo a responsabilidade da educação desses alunos exclusivamente no âmbito da educação especial. (BRASIL, 2008, p.7). Ainda em 1994, tem-se a Portaria nº 1.793, de dezembro de 1994, que dispõe sobre: “a necessidade de complementar os currículos de formação de docentes e outros profissionais que interagem com portadores de necessidades especiais” e o “Art.1º Recomendar a inclusão da disciplina “Aspectos ético-político-educacionais da normalização e integração da pessoa portadora de necessidades especiais, prioritariamente, nos cursos de Pedagogia, Psicologia e em todas as Licenciaturas””. (BRASIL, 1994b). Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/retrato-de-um-menino-sentado-na- cadeira-de-rodas-na-biblioteca-gm474967218-65036731 Legenda: Desde meados do século XX e se fortalecendo no final deste mesmo século, diversas leis são criadas para fortalecer o processo da inclusão. 58 Percebe-se nesse contexto histórico uma série de leis priorizando aspectos que se refiram à inclusão. O Brasil caminha em consonância com o que estava acontecendo no mundo depois da segunda guerra mundial, uma política voltada para pensar e efetivar a inclusão. Ainda no fim do século XX, tem-se o decreto nº 3.298 de 20 de dezembro de 1999 que regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências (BRASIL, 1999). Mesmo com as várias leis, decretos e políticas de inclusão nas duas décadas finais do século XX, é a partir do início do século XXI que uma série de novas leis vão regulamentar os direitos das pessoas com deficiências em vários âmbitos sociais. Em 2001, tem-se as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001a) e a Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001 que prova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências, trazendo o item oito sobre Educação Especial com um diagnóstico da situação em tal contexto histórico e diretrizes para sua implementação (BRASIL, 2001b). Ainda em 2001, há o decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001 que promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (BRASIL, 2001c). Nessa década começa-se um novo movimento muito importante para a inclusão: leis específicas que abordam o tema da inclusão, seja com questões importantes para a inclusão ou mesmo especificando adaptações específicas para deficiências específicas. Dentre as principais leis temos: a Lei 10.436/2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências (BRASIL, 2002a); a Portaria MEC nº 2678, de 24 de setembro de 2002, que aprova o projeto da Grafia Braille para a Língua Portuguesa e recomenda o seu uso em todo o território nacional (BRASIL, 2002b); a Resolução nº. 4, de 2 de outubro de 2009, que estabelece as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado (AEE) na Educação Básica, modalidade Educação Especial (BRASIL, 2009); a Lei 12.764/2012 que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com 59 Transtorno do Espectro Autista (BRASIL, 2012); e, por fim, a mais importante de todas elas, que engloba todos os aspectos relacionados aos direitos das pessoas com deficiência, a Lei 13.146/2015 (Lei ordinária) ,de 06 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, o Estatuto da Pessoa com Deficiência ou Lei Brasileira de Inclusão (LBI) . Essas leis serão detalhadas nos próximos capítulos. Capítulo 8 Uma nova tendência: leis específicas sobre inclusão A partir de 2002 uma nova tendência: leis que regulamentam deficiências específicas, tais como a Lei 10.436/2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências (BRASIL, 2002a); a Portaria MEC nº 2678, de 24 de setembro de 2002, que aprova o projeto da Grafia Braille para a Língua Portuguesa e recomenda o seu uso em todo o território nacional (BRASIL, 2002b); e a Lei 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (BRASIL, 2012), o que mostra uma maior especialização das leis. Outro marco importante para a inclusão é a resolução nº. 4, de 2 de outubro de 2009, que estabelece as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado (AEE) na Educação Básica, modalidade Educação Especial (BRASIL, 2009). Com essa normativa, o AEE passa a ser parte integrante do sistema educacional, sua oferta é obrigatória de forma complementar e transversal, não substitutiva. Assim, os atendimentos na sala de aula e na escola não podem ser substituídos por instituições especializadas. Em 2010, há uma mudança na nomenclatura que se refere às pessoas com deficiências nas leis. Na portaria SEDH nº 2.344, de 3 de novembro de 2010, no art 2 se estabelece que: “I - Onde se lê "Pessoas Portadoras de Deficiência", leia-se "Pessoas com Deficiência"” (BRASIL, 2010). 60 E, por fim, a mais abrangente de todas elas, a Lei 13.146 de 2015 que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também conhecido por Estatuto da Pessoa com Deficiência, que dispõe sobre os direitos da pessoa com deficiência em sociedade, tais como a educação, saúde, trabalho, assistência social, esporte, laser e outros (BRASIL, 2015). Ainda outros documentos, leis e marcos históricos foram construídos ao longo desse processo. No entanto, este capítulo não pretendeu dar conta de todos eles, mas fazer um panorama do processo de inclusão no Brasil desde a colonização até os dias atuais, problematizando alguns aspectos e elencando momentos e leis importantes para uma compreensão geral do processo. Assim, neste capítulo descreveremos brevemente os principais pontos de cada uma dessas leis e, no próximo capítulo, sobre a LBI. A Lei 10.436/2002 dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências (BRASIL, 2002a). Essa é uma lei fundamental para a inclusão das pessoas surdas e com baixa audição. Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/ler-a-partir-de-minhas-mãos- gm654562488-119029539 Legenda: Em 2002 é estabelecida a Lei de Libras. Essa lei é fundamental na inclusão das pessoas surdas ou com baixa audição. Dentre os pontos importantes dessa lei destaca-se já em seu artigo primeiro que a Libras é um meio legal de comunicação: “Art. 1o É reconhecida como meio 61 legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados” (BRASIL, 2002a).. Em seguida a esse artigo, o parágrafo único define o que é a Libras: “Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil”. (BRASIL, 2002a). Para regulamentar essa lei, tem-se o Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005 em que se regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais- Libras, e o art. 18 da Lei nº10.098, de 19 de dezembro de 2000. Este decreto regulamenta o que se considera como pessoa surda ou com deficiência auditiva, institui a inclusão da Libras como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O decreto estabelece ainda que Libras é a língua mãe, ou seja, primeira língua da pessoa surda, sendo o português a segunda língua. Libras se torna, portanto, uma língua oficial do Brasil. A lei dispõe ainda sobre a formação de professores de Libras, sobre a política de pesquisa deste tema no ensino superior e sobre sua inclusão gradativa nos cursos superiores. Fala da importância do acesso e da difusão da Libras para que as pessoas surdas possam estudar. Assim, essa lei trata sobre aspectos fundamentais do direito das pessoas surdas ou com deficiência auditiva no que diz respeito à garantia de acesso à educação e, ainda, a regulamentação da Libras como língua oficial do Brasil e primeira língua das pessoas surdas. 62 Ainda em 2002, a Portaria MEC nº 2678, de 24 de setembro de 2002, que aprova o projeto da Grafia Braille para a Língua Portuguesa e recomenda o seu uso em todo o território nacional (BRASIL, 2002b). Essa portaria, concisa e específica, estabelece que: Aprova o projeto da Grafia Braille para a Língua Portuguesa e recomenda o seu uso em todo o território nacional. O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, no uso de suas atribuições e considerando o interesse do Governo Federal em adotar para todo o País uma política de diretrizes e normas para o uso, o ensino, a produção e a difusão do Sistema Braille em todas as modalidades de aplicação, compreendendo especialmente a Língua Portuguesa; considerando a permanente evolução técnico-científica que passa a exigir sistemática avaliação e atualização dos códigos e simbologia Braille, adotados nos Países de Língua Portuguesa com o objetivo de mantê-los representativos da escrita comum; considerando os resultados dos trabalhos técnicos e das ações desenvolvidas pela Comissão Brasileira do Braille, em cumprimento ao que dispõem os incisos II, III, V, VI, VIII e IX do Art. 3º da Portaria 319, de 26 de fevereiro de 1999, que institui no Ministério da Educação, vinculada à Secretaria de Educação Especial - SEESP, a referia comissão; considerando os termos do Protocolo de Colaboração Brasil/Portugal nas Áreas de Uso e Modalidades de Aplicação do Sistema Braille na Língua Portuguesa, firmado em Lisboa, em 25 de maio de 2000, resolve Art. 1º Aprovar o projeto da Grafia Braille para a Língua Portuguesa e recomendar o seu uso em todo o território nacional, na forma da publicação Classificação Decimal Universal - CDU 376.352 deste Ministério, a partir de 01 de janeiro de 2003. Art. 2º Colocar em vigência, por meio de seu órgão competente, a Secretaria de Educação Especial SEESP, as disposições administrativas necessárias para dar cumprimento à presente Portaria, especialmente no que concerne a difusão e a preparação de recursos humanos com vistas à implantação da Grafia Braille para a Língua Portuguesa em todo o território nacional. Art. 3º Esta portaria entra em vigor na data de sua publicação. (BRASIL, 2002b). Outro documento importante foi publicado em 2009, a resolução nº. 4 de 2 de outubro de 2009, que estabelece as Diretrizes Operacionais para o Atendimento 63 Educacional Especializado (AEE) na Educação Básica, modalidade Educação Especial (BRASIL, 2009). No primeiro artigo dessa resolução se estabelece quem é o público do AEE e, ainda, que esses alunos precisam estar matriculados na classe regular, não podendo frequentar somente o AEE: “os sistemas de ensino devem matricular os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas classes comuns do ensino regular e no Atendimento Educacional Especializado (AEE), ofertado em salas de recursos multifuncionais ou em centros de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos” (BRASIL, 2009). Link da Imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/lindos-filhos-com-especial-precisa- brincar-com-desenvolvendo-brinquedos-enquanto-está-gm858352594-141704009 Legenda: O AEE funciona em uma sala multifuncional no contra turno da escola regular. O aluno do AEE deve estar matriculado na escola regular. Em seguida a estabelecer o público do AEE e sua relação com a escola regular, o documento estabelece a função do AEE: “Art. 2º O AEE tem como função complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem” (BRASIL, 2009). 64 Explica-se ainda sobre a descrição das características desse público, sobre o AEE precisar ser realizado prioritariamente em salas multifuncionais da própria escola ou em outra escola de ensino regular, no turno inverso da escolarização, não sendo substitutivo às classes comuns e sobre outras questões sobre o funcionamento do AEE. Para finalizar este item do curso de Educação, Inclusão e Diversidade II tem- se a Lei 12.764/2012 que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (BRASIL, 2012), o que mostra uma maior especialização das leis. No início da lei em seu artigo primeiro explica-se que o objetivo desta lei é instituir a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução. Em seguida, estabelece-se o que é uma pessoa autista e ainda que esta é considerada pessoa com deficiência, o que lhe assegura os direitos gerais das pessoas com deficiência: § 1º Para os efeitos desta Lei, é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos seguintes incisos I ou II: I - deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento; II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos. § 2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais. (BRASIL, 2012). No artigo segundo da lei estabelece-se: as diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, sendo elas: I - a intersetorialidade no desenvolvimento das ações e das políticas e no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista; 65 II - a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação; III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes; IV - (VETADO); V - o estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho, observadas as peculiaridades da deficiência e as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); VI - a responsabilidade do poder público quanto à informação pública relativa ao transtorno e suas implicações; VII - o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e responsáveis; VIII - o estímulo à pesquisa científica, com prioridade para estudos epidemiológicos tendentes a dimensionar a magnitude e as características do problema relativo ao transtorno do espectro autista no País. Parágrafo único. Para cumprimento das diretrizes de que trata este artigo, o poder público poderá firmar contrato de direito público ou convênio com pessoas jurídicas de direito privado. (BRASIL, 2012) Em seguida, no artigo terceiro se estabelece os direitos da pessoa com transtorno do espectro autista, como direito à vida digna, proteção contra abusos e exploração e o acesso aos serviços de saúde, tais como diagnóstico precoce, atendimento multiprofissional, medicamentos e informações. Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer; II - a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração; III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo: a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo; b) o atendimento multiprofissional; c) a nutrição adequada e a terapia nutricional; d) os medicamentos; e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento; IV - o acesso: 66 a) à educação e ao ensino profissionalizante; b) à moradia, inclusive à residência protegida; c) ao mercado de trabalho; d) à previdência social e à assistência social. (BRASIL, 2012) Ainda neste item, no parágrafo único do artigo terceiro se estabelece que, em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular terá direito a acompanhante especializado. Ainda nesta lei se assegura o direito da pessoa com transtorno do espectro autista à liberdade, ao convívio em família, à participação em planos de saúde e à sua matrícula em escolas regulares. Em seguida a essas leis específicas sobre inclusão tem-se, em 2015, a publicação da mais importante lei brasileira sobre inclusão, a lei 13.146/2015 que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Essa lei será estudada no próximo item. Capítulo 9 LBI (Lei Brasileira de Inclusão) ou Estatuto da Pessoa com Deficiência Em 6 de julho de 2015 foi instituída a Lei 13.146/2015 (Lei ordinária) que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também conhecida por Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015). Essa lei é uma grande vitória na luta pelos direitos das pessoas com deficiências, pois trata dos diversos aspectos da vida dessas pessoas garantindo- lhes direitos fundamentais. A lei é dividida em dois Livros, que possui diversos Títulos, Capítulos, Artigos, Parágrafos e Incisos. Em seu Livro I, denominado: Parte Geral, Título I: Disposições preliminares, Capítulo I: Disposições Gerais, artigo primeiro se estabelece que: “é instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da 67 Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (BRASIL, 2015). Em seguida, em seu artigo segundo ainda deste mesmo capítulo se explica o que é ou como pode ser considerada uma pessoa com deficiência: “Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (BRASIL, 2015). Neste artigo segundo em seu parágrafo primeiro se estabelece que a avaliação da deficiência será biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III - a limitação no desempenho de atividades; e IV - a restrição de participação. Ainda no Capítulo Primeiro desta lei, em seu artigo terceiro se estabelece, para fins de aplicação desta Lei, o que seja: I – acessibilidade; II - desenho universal; III - tecnologia assistiva ou ajuda técnica; IV - barreiras: a) barreiras urbanísticas; b) barreiras arquitetônicas; c) barreiras nos transportes; d) barreiras nas comunicações e na informação; e) barreiras atitudinais; f) barreiras tecnológicas; V – comunicação; VI - adaptações razoáveis; VII - elemento de urbanização; VIII - mobiliário urbano; IX - pessoa com mobilidade reduzida; X - residências inclusivas; XI - moradia para a vida independente da pessoa com deficiência; XII - atendente pessoal; XIII - profissional de apoio escolar; e XIV – acompanhante. Cada um desses quatorze itens supracitados são detalhadamente descritos e explicados nesta parte da lei. 68 Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/jovem-mulher-olhando-para-o-homem- com-deficiência-sentado-na-cadeira-de-rodas-gm1050822754-280968299 Legenda: A Lei Brasileira de Inclusão (LBI), também conhecida por Estatuto da Pessoa com Deficiência, assegura uma série de direitos das pessoas com deficiência, tais como a não discriminação e a acessibilidade. Na foto mostra claramente uma situação não acessível e, portanto, discriminatória. O Capitulo segundo deste Título I da lei tem o título: Da Igualdade e Da não Discriminação. Em seus artigos quarto e quinto se estabelece aspectos fundamentais sobre o direito à igualdade de oportunidades, à proteção contra toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante, e ainda é assegurado que a pessoa com deficiência não sofrerá nenhuma espécie de discriminação: Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação. § 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas. § 2º A pessoa com deficiência não está obrigada à fruição de benefícios decorrentes de ação afirmativa. 69 Art. 5º A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante. Parágrafo único. Para os fins da proteção mencionada no caput deste artigo, são considerados especialmente vulneráveis a criança, o adolescente, a mulher e o idoso, com deficiência. (BRASIL, 2015). No artigo sexto se estabelece que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, tendo ela o direito de: I - casar-se e constituir união estável; II - exercer direitos sexuais e reprodutivos; III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. No artigo sétimo consta que é dever de todos comunicar à autoridade competente qualquer forma de ameaça ou de violação aos direitos da pessoa com deficiência, sendo que se tais fatos caracterizarem as violações previstas nesta Lei, devem remeter peças ao Ministério Público para as providências cabíveis. Ainda neste capítulo segundo há uma seção única sobre o atendimento prioritário, estabelecendo que a pessoa com deficiência tem direito ao atendimento prioritário. O Título II das lei tem como título: Dos Direitos Fundamentais. Ele é dividido em 10 capítulos, sendo que consta para este curso o que mais nos interessa: o Capítulo IV: Do Direito à Educação. Os dez capítulos desse Título II são: Capítulo I: Do Direito à Vida; Capítulo II: Do Direito à Habilitação e Reabilitação; Capítulo III: Do Direito à Saúde; Capítulo IV: Do Direito à Educação; Capítulo V: Do Direito à Moradia; Capítulo VI: Do Direito ao Trabalho; Capítulo VII: Do Direito à Assistência Social; Capítulo VIII: Do Direito à Previdência Social; Capítulo XIX: Do Direito à Cultura, ao Esporte, ao Turismo e ao Lazer; e Capítulo X Do Direito ao Transporte e à Mobilidade. São todos capítulos fundamentais que devem ser cuidadosamente lidos na própria lei por todos aqueles que querem aprofundar no conhecimento sobre os 70 direitos das pessoas com deficiências. Mesmo todos eles sendo fundamentais, analisaremos abaixo alguns que merecem destaque. No Capítulo IV: Do Direito à Educação, em seu artigo 27, a lei estabelece que “a educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem” (BRASIL, 2015). Assim, a lei assegura que as pessoas com deficiência tenham direito à educação. Ela estabelece uma série de 18 incisos no artigo 28 da lei com várias premissas fundamentais para o acesso à educação e sua efetiva aprendizagem, tais como: III - projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia; IV - oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas; V - adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino; VI - pesquisas voltadas para o desenvolvimento de novos métodos e técnicas pedagógicas, de materiais didáticos, de equipamentos e de recursos de tecnologia assistiva (BRASIl, 2015). Após 18 incisos, ainda neste artigo 28, a lei estabelece em seu parágrafo primeiro que: “§ 1º Às instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, aplica-se obrigatoriamente o disposto nos incisos I, II, III, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII do caput deste artigo, sendo vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações” (BRASIL, 2015). 71 As instituições privadas, assim como as públicas, têm por obrigação garantir a matrícula, acesso e permanência da pessoa com deficiência na escola. Essas instituições precisam realizar as devidas adaptações e não pode cobrar a mais, além da mensalidade comum a todos os alunos da escola, pelos serviços necessários para adaptação, tais como professor de apoio, interprete de libras, disponibilidade de materiais, tecnologias assistivas etc. No Capítulo VI: Do Direito ao Trabalho tem-se em seu artigo 34 que: “A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas” (BRASIL, 2015). Este item é completado por dois parágrafos fundamentais na garantia ao acesso ao trabalho, à dignidade e à não discriminação: § 1º As pessoas jurídicas de direito público, privado ou de qualquer natureza são obrigadas a garantir ambientes de trabalho acessíveis e inclusivos. § 2º A pessoa com deficiência tem direito, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, a condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo igual remuneração por trabalho de igual valor (BRASIl, 2015). No Capítulo IX: Do Direito à Cultura, ao Esporte, ao Turismo e ao Lazer, no artigo 42 tem-se que: “a pessoa com deficiência tem direito à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, sendo- lhe garantido o acesso: I - a bens culturais em formato acessível; II - a programas de televisão, cinema, teatro e outras atividades culturais e desportivas em formato acessível; e III - a monumentos e locais de importância cultural e a espaços que ofereçam serviços ou eventos culturais e esportivos” (BRASIL, 2015). Ainda neste capítulo outro ponto importante “§ 1º É vedada a recusa de oferta de obra intelectual em formato acessível à pessoa com deficiência, sob qualquer argumento, inclusive sob a alegação de proteção dos direitos de propriedade intelectual” (BRASIL, 2015). Este item é uma importante conquista no direito à acessibilidade para pessoas cegas ou com baixa visão, visto que livros didáticos, literários e outros 72 precisam ser ofertados em formato acessível para que os programas de tecnologias assistivas possam transformar o material impresso/escrito em áudio, por exemplo. Em seguida a lei tem um novo título, o Título III: Da acessibilidade. Este é dividido em quatro capítulos: Capítulo I: Disposições Gerais; Capítulo II: Do Acesso à Informação e à Comunicação; Capítulo III: Da Tecnologia Assistiva e Capítulo IV: Do Direito à Participação na vida Pública e Política. O Título IV tem como tema: Da Ciência e Tecnologia. Este não possui capítulos. Em seguida a este título começa-se o Livro II com o tema: Parte Especial. Ele possui três Títulos, alguns com capítulos, outros não, sendo eles: Título I: Do acesso à Justiça – Capítulo I: Disposições Gerais, Capítulo II: Do Reconhecimento igual perante a Lei; Título II: Dos Crimes e das Infrações Administrativas; e Título III: Disposições Finais e Transitórias. Assim, a LBI visa assegurar os diversos direitos das pessoas com deficiência, nos mais variados aspectos da vida. É uma lei fundamental para a inclusão da pessoa com deficiência em todas as esferas da vida. Cabe àquele que estuda esses direitos aprofundar neste assunto lendo detalhadamente a própria lei que está disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2015/Lei/L13146.htm 73 Atividades - Questões discursivas: 1) Quais as principais leis brasileiras sobre inclusão que são promulgadas depois dos anos 2000? 2) Escolha uma das principais leis brasileiras sobre inclusão e cite seus principais pontos. - Questões objetivas: 3) Leia as asserções abaixo, verifique a relação estabelecida entre elas e depois marque a alternativa correta: I - Segundo o Estatuto da Pessoa com Deficiência em seu art. 2º considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. PORQUE II - No art. 4º do Estatuto da Pessoa com Deficiência se estabelece que toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação, sendo portanto vedado seu impedimento de frequentar os lugares sociais comuns, tais como clubes, cinemas, teatros e mesmo matrículas em escolas. - Marque a alternativa CORRETA sobre as duas premissas acima: ( A ) as duas asserções são verdadeiras, e a segunda não justifica a primeira. ( B ) a primeira asserção é falsa, e a segunda é verdadeira. ( C ) a primeira asserção é verdadeira e a segunda é falsa. ( D ) as duas asserções são falsas. ( E ) as duas asserções são verdadeiras, e a segunda justifica a primeira. 4) Leia as premissas abaixo e depois marque a alternativa correta: 74 I – Assim dos capítulos, artigos ou incisos em leis mais gerais como a Constituição de 1988, a ECA de 1990, a LDB de 1961, sua alteração em 1971 e a LDB de 1996, os direitos das pessoas com deficiências passaram a ser assegurados em leis próprias desde o fim da década de 1980 e leis mais específicas a partir dos anos 2000. II – As discussões sobre os direitos das pessoas com deficiência só foram estabelecidas no Brasil a partir dos anos 2000 com a criação de leis específicas sobre os direitos das pessoas com deficiência. Antes essas discussões não eram feitas e essas pessoas ficavam escondidas e alheias à sociedade. III – Segundo a Lei de Libras, a primeira língua da pessoa surda é o português, sendo a língua mãe de seu país. Libras é a segunda língua da pessoa surda e é seu direito aprendê-la e ter acesso ao interprete durante sua formação escolar. IV- O AEE (Atendimento Educacional Especializado) precisar ser realizado prioritariamente em salas multifuncionais da própria escola ou em outra escola de ensino regular, no turno inverso da escolarização, não sendo substitutivo às classes comuns. O aluno do AEE precisa estar matriculado em uma classe regular no contra turno do AEE. V – A Lei do Autismo estabelece que em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular terá direito a acompanhante especializado. - Sobre as asserções acima marque a alternativa correta: A) I, IV e V estão corretas. B) I, II e III estão corretas. C) II, III e IV estão corretas. D) I, III e IV estão corretas. E) II, IV e V estão corretas. 75 Referências ADORNO. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. ALMEIDA, D. B. Do especial ao inclusivo? 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Psicologia Escolar e Atendimento Educacional Especializado: conquistas e limitações presentes na legislação. 2016. 100f. Dissertação (Mestrado em Psicologia), Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiás, 2016. 79 Unidade IV Estratégias de inclusão Diante do que foi exposto ao longo desse curso, finalizo com proposições sobre estratégias de inclusão. Além do combate ao preconceito e ao bullying que foram discutidos na primeira unidade e do conhecimento das leis e seus principais postulados sobre os direitos na inclusão que foram estudados nas unidades 2 e 3, veremos aqui alguns pontos fundamentais para a inclusão, que nomeio: estratégias de inclusão. Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/professor-ajudar-os-alunos-feliz- gm486095064-72382357 Legenda: É função do professor pensar estratégias de inclusão. Para isso, ele deve orientar sua formação para a humanização e a dignidade humana. Para começar a unidade, o capítulo 10 explana sobre O currículo flexível, em que se pensa estratégias e possibilidades a partir da modificação do currículo para possibilitar individualização e medidas efetivas de aprendizagem para cada caso. Ainda nesta unidade, o capítulo 11 aborda sobre a formação docente para a atuação na inclusão. Dialoga e debate com você que está se formando professor e sobre a importância da formação para a atuação profissional. Por fim, para finalizar esta unidade, mas, também, este curso, tem-se o capítulo 12 com o tema: o papel do professor nas estratégias de inclusão. 80 Capítulo 10 O currículo flexível Antes de compreendermos sobre o currículo flexível e as adaptações curriculares, temas tão falados quando pensamos as estratégias de inclusão, vou apresentar para você o conceito de currículo de maneira ampla. Em uma perspectiva crítica, o currículo está situado no campo das relações de poder, sendo compreendido a partir dos sentidos concretizados em um projeto pedagógico, que pode ser visto como o texto de expressão do currículo. Não como um texto qualquer, mas como um texto situado política e historicamente, que foi escolhido por um grupo específico e que produz sentidos e significados. (PAZ e SOARES, 2018, p.50) Assim, os diversos cursos e momentos da vida acadêmica do sujeito desde a infância são norteados por diretrizes curriculares que se efetivam em um Projeto Pedagógico de Curso (PPC). Segundo os autores, o PPC em uma perspectiva crítica está situado em um campo de relações de poder, visto que ele estabelece o que o sujeito deve ou não aprender. E o que ele aprender vai o constituindo como pessoa, fazendo com que ele construa sua identidade e subjetividade. A escola tem papel fundamental na construção da pessoa que o sujeito vai se tornando e é por meio do currículo que se define o que deve ou não fazer parte desse aprendizado que forma o sujeito. De acordo com Silva (2000), podemos entender currículo como um campo permeado de ideologia, cultura e relações de poder, e não apenas uma simples listagem de conteúdos. Conforme apresentam Lopes e Macedo (2011), não há um conceito objetivo e definitivo para currículo, mas uma das possibilidades de conceituá-lo transita pela ideia de constituir-se em uma lente para enxergar, produzir e reproduzir uma dada realidade. Currículo, então, é construção de significados; é exclusão e inclusão; é corporificação de relações sociais e de relações de poder; é cultura. (PAZ e SOARES, 2018, p.50) 81 Decidir os conteúdos que serão ou não ensinados que envolvem a construção de significados por parte do estudante influencia, inclusive, no tipo de sociedade que teremos, pois são os cidadãos que formam a sociedade. Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/tecnologia-de-livro-e-computador-na- biblioteca-gm899906850-248310879 Legenda: O currículo escolar é um instrumento fundamental de formação. Nele são expressos elementos de exclusão e inclusão. O currículo engloba a cultura e é por meio dele que se define o que fica dentro e o que fica fora da escola e, em consequência, até da própria sociedade, promovendo relações de inclusão e de exclusão. Assim, um currículo crítico e inclusivo precisa ser pensado para poder promover uma sociedade melhor e atender as diferenças entre os seres humanos, tanto culturais, quanto de adaptação ao ambiente, como no caso das deficiências, por exemplo. Complementando essa ideia, Paraíso (2010) afirma que o currículo fala sobre o tipo de sujeito que se pretende formar, sobre os objetivos a serem perseguidos no ensino, sobre os saberes que devem ser ensinados, mas também fala do tipo de sociedade que se quer e dos valores que se pretendem construir. Para a referida autora, o currículo é entendido como um artefato cultural, “que ensina, educa e produz sujeitos, que está em muitos espaços desdobrando-se em diferentes pedagogias” (PARAÍSO, 2010, p. 11). É claro que currículo trata dos ordenamentos institucionais, tais como a organização de disciplinas, a sequência dos conteúdos, os tempos 82 do processo de ensino-aprendizagem e seus pré-requisitos, a avaliação, dentre outros. Mesmo assim, não podemos esquecer que currículo também é espaço de silêncios, de captura, de desigualdades (PAZ e SOARES, 2018, p. 50 e 51). Assim, a ordem das disciplinas, o que deve se aprender nela e quais serão as disciplinas produzem significados sobre o mundo. Por isso pensar o currículo é tão importante e é, antes de tudo, um ato político, que envolve relações de poder. É a partir de definições de currículo, realizadas pelos grupos que estão no poder, que conhecimentos, conteúdos, valores, identidades são autorizadas e desautorizadas; são incluídas e excluídas; são visibilizadas ou esquecidas. Como bem coloca Silva (2000), a partir de escolhas curriculares definem-se, por exemplo, os papéis dos professores e dos alunos em um dado contexto, bem como as relações entre eles. (…) Nesse sentido, um currículo não é simplesmente uma peça burocrática, um apanhado de planos de ensino, ou um somatório de conteúdos. Como bem coloca Freitas (2004, p. 69), é “um instrumento de gestão e de compromisso político e pedagógico”. Por isso mesmo, é um organizador do percurso formativo de um grupo de indivíduos, trazendo em sua construção conhecimentos, saberes, conteúdos e métodos acadêmicos considerados os mais adequados para aquele percurso. (PAZ e SOARES, 2018, p. 51). Não podemos ser ingênuos e acreditar que conhecimentos são imparciais. Definir o que uma pessoa pode ou não aprender decide os rumos da sua vida, sua colocação profissional e mesmo seu entendimento sobre o funcionamento do mundo. Esse caminho do conhecimento é definido por meio do currículo, por isso a importância das lutas pelas construções curriculares. E nesse sentido é possível alterá-lo, modificá-lo, adaptá-lo e, inclusive, contestá-lo, quando o mesmo não se abre diante da possibilidade da flexibilidade, da construção e das diferenças inerentes ao humano. Propostas curriculares rígidas, engessadas, dizem muito sobre o grupo que o elaborou, demonstrando nitidamente as relações de poder instauradas institucionalmente (PAZ e SOARES, 2018, p. 52). Definido o conceito de currículo, vou expor o que seja uma adaptação curricular: 83 Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais, qualquer adaptação deve ser concebida com base nos seguintes critérios: o que, como e quando o estudante deve aprender, quais as formas de organização dos processos de ensino serão mais eficazes para o processo de aprendizagem e como e quando avaliar o estudante (MEC, 1998). (FRANÇA e ESCOTT, 2018, p.14). Quando se adapta o currículo, ou seja, quando sua flexibilização permite modificações que visam adaptações, pensa-se no aluno enquanto ser individual com características próprias de aprendizagem, pois cada ser humano é único e precisa ter seu ritmo respeitado e seu potencial desenvolvido: As adaptações curriculares, enquanto estratégia para atender as características específicas dos estudantes e a forma de efetivá-la, tem como um dos princípios promover a individualização do ensino. Nesse sentido, tem como objetivo fundamental garantir a todos os alunos de forma equânime o acesso e o desenvolvimento da aprendizagem de conceitos científicos (Vygotsky). Isto é, se parte do pressuposto de que existe em todos o potencial para aprender, considerando que cada um possa aprender de formas diferentes. (FRANÇA e ESCOTT, 2018, p.18). A individualização do ensino por meio da flexibilização curricular é fundamental para que o processo seja efetivo e o estudante possa, de fato, aprender. As características e o tempo de cada aluno precisam ser observados e respeitados. Isso é um aspecto importante em todos os níveis de educação, mais ainda quando se fala em inclusão. Na inclusão, é preciso pensar o tempo do outro, flexibilizando o currículo e o adaptando para cada realidade. A individualização do currículo é fundamental para que a educação inclusiva possa efetivamente funcionar e o estudante possa aprender. Capítulo 11 A formação docente para a atuação na inclusão Ao longo do nosso curso de graduação, ouvimos falar diversas vezes sobre formação continuada, sua importância e a ideia de que para sempre teremos que estudar. Mas será que, de fato, sabemos o que é isso? 84 Para dialogarmos sobre formação continuada, é importante antes definir o que entendemos por formação. Nesse capítulo adotaremos os conceitos dos autores da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, por entender que são autores que pensam essa questão de maneira ampla e profunda. Para os frankfurtianos, o objetivo da educação é combater a barbárie constituindo sujeitos humanizados, autônomos e esclarecidos: “A tese que gostaria de discutir é a de que desbarbarizar tornou-se a questão mais urgente da educação hoje em dia” (ADORNO, 2006, p. 155). Desbarbarizar é questão essencial para a sociedade via educação na perspectiva da Teoria Crítica da Sociedade. Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/professor-linda-sorrindo-para-a- c%C3%A2mera-gm473813650-64898657 Legenda: A formação de professores deve ser orientada para a humanização e para a dignidade do humano, combatendo a barbárie e formando uma sociedade justa. Assim, a inclusão é elemento essencial na educação, pois como foi visto na primeira unidade, ela combate violências tais como o preconceito e o bullying, nos tornando pessoas mais humanas. A humanização é, portanto, para os frankfurtianos o objetivo da educação. É, portanto, nessa perspectiva da humanização, que visa dar dignidade ao outro que pode se diferenciar e constituir sua própria identidade, que a formação de professores deve se orientar. Não só quando falamos em inclusão, até porque uma educação que não prevê inclusão não cumpre seu objetivo de formar sujeitos mais humanos para uma sociedade melhor. 85 Assim, a própria inclusão não pode ser pensada em separado da educação como um todo, visto que incluir é função primeira do processo educativo. Não se pode separar os professores em aqueles que atuam na inclusão e aqueles que não atuam, pois é função de todo e qualquer membro da escola incluir. Formar implica humanizar, ou seja, combater a barbárie. A não reflexão da barbárie leva à sua repetição. Compreender a história tanto social quanto individual e os mecanismos que levam à violência fazem parte do processo formativo. É preciso compreender a violência extrema em suas causas sociais e psíquicas para que, assim, possam ser criadas estratégias de ação contra a barbárie. O professor precisa se atentar em sua formação para os aspectos amplos da cultura. O que isso significa? Que o professor precisa saber história, geografia, artes, português etc. Não simplesmente de um jeito técnico e mecânico, mas compreendendo o quanto esses conteúdos que fazem parte da nossa cultura precisam nos constituir enquanto humanos, nos tornando pessoas mais empáticas, que respeitam a diversidade. Inclusive a diferença que há em si próprio. Ao se respeitar quem se é, consegue-se também respeitar o outro. O sujeito que vai se formar professor precisa saber que vai, necessariamente, trabalhar com inclusão, pois esta é uma função da escola. Esse sujeito precisa compreender ainda que a educação visa à formação para a humanização que tem como objetivo a dignidade da pessoa. Os conteúdos da escola tais como física, matemática, biologia e outros são essenciais para a vida humana, desde que sejam orientados para a humanização e não para a reprodução da barbárie. O professor precisa compreender que ele precisa orientar sua formação e a de seus alunos com esse propósito. Assim, ele está se tornando um professor inclusivo e também um sujeito que forma pessoas no sentido mais profundo da palavra. Para ser emancipatória, a educação precisa ser organizada e realizada com o propósito de formar sujeitos autônomos fundamentados no objetivo de combater a barbárie e, ainda, possibilitar escolhas livres a partir do assumir suas próprias decisões, o que não acontece na atualidade: “O inimigo que se combate é o inimigo que já está derrotado, o sujeito pensante” (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 140). 86 Educar não é modelar ou adestrar pessoas, mas produzir o que Adorno (2006) chama de consciência verdadeira: A seguir, e assumindo o risco, gostaria de apresentar a minha concepção inicial de educação. Evidentemente não a assim chamada modelagem de pessoas, porque não temos o direito de modelar pessoas a partir de seu exterior; mas também não a mera transmissão de conhecimentos, cuja característica de coisa morta já foi mais do que destacada, mas a produção de uma consciência verdadeira (ADORNO, 2006, p. 141, itálicos do autor). A produção de uma consciência verdadeira precisa de um empenho formativo, que poderia possibilitar a constituição da emancipação, o que não se vê no Jornalismo nem na educação de um modo geral nesta sociedade. Liberdade implica esclarecimento que demanda tempo, investimento de energia e apreensão do objeto. Para Adorno (2006), fundamentado na ideia de Kant (2006), esclarecimento pressupõe a passagem da minoridade para a maioridade: Esclarecimento significa a saída do homem de sua minoridade, da qual é o próprio culpado. A minoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa minoridade se a sua causa não estiver na ausência de entendimento, mas na ausência de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem (KANT, 2006, p. 115). Assim, o esclarecimento tem como fundamento a capacidade de tomar suas próprias decisões, valendo-se de uma formação aprofundada, com uma consciência verdadeira. Nesse sentido, o ser humano, se não for por impossibilidade ou ignorância, é responsável por buscar o esclarecimento e a emancipação, sendo responsável pelo processo que o constitui autonomamente: A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha (naturalier maiorennes), continuem, não obstante, de bom grado menores durante toda a vida. São também as causas 87 que se explicam porque é fácil que os outros se constituam como tutores. É tão cômodo ser menor! (KANT, 2006, p. 115). Assim, Kant (2006) nos convida a nos empenharmos na nossa própria formação. A deixar de lado a preguiça ou as respostas prontas estabelecidas em outros grupos sociais aos quais pertencemos e a buscar nossas próprias respostas, construindo o que Adorno (2006) chama de consciência verdadeira. O sujeito precisa ter coragem, nos termos kantianos, de assumir suas próprias decisões e se empenhar no processo formativo, ele necessita estar fortalecido para compreender e combater o que o aliena. Para ser um bom professor e atuar na inclusão você precisa se tornar uma pessoa que se empenha na sua própria formação, vence sua preguiça, enfrenta seus medos, olha para o mundo de um jeito mais humano e não se cansa no caminho da busca de uma consciência verdadeira. Capítulo 12 O papel do professor nas estratégias de inclusão Definimos no início desta última unidade o que é o currículo e a importância de adaptá-lo. Em seguida, falamos sobre a formação do professor e como esta deve ser orientada para combater a barbárie humanizando os sujeitos. Agora dialogaremos sobre o papel do professor nas estratégias de inclusão pensando justamente essas estratégias em um diálogo com a formação de professores e com a adaptação curricular. Esse último capítulo une, portanto, os dois anteriores. Entendemos que em sua formação o professor precisa se orientar para a humanização, bem como o currículo individualizado ao respeitar as diferenças e se preocupar com a aprendizagem efetiva também promove humanização, sendo tanto a formação de professores quanto a adaptação curricular estratégias de inclusão. 88 Assim, o professor atua nas estratégias de inclusão, como a adaptação curricular, bem como adaptação do ambiente e outros, possibilitando que elas possam se efetivar para humanizar os sujeitos e trazer dignidade. Link da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/dando-lição-de-professor-em-sala-de-aula- gm944047224-257898033 Legenda: O professor precisa orientar sua formação para conteúdos teóricos que possam possibilitar uma prática efetiva. São os professores que discutem, constroem e lutam pelo currículo, bem como são eles que fazem as devidas adaptações necessárias à inclusão. Isso tudo deve ser priorizado desde a maneira como o professor orienta sua formação, com os textos que ele escolhe ler, os cursos que ele escolhe fazer e outros. Assim, ao orientar sua formação para a humanização e para cursos e leitura que se comprometam com a compreensão ampla dos processos educacionais, o sujeito consegue pensar as estratégias de inclusão nesse sentido humanizado. Um aspecto importante das estratégias de inclusão é conhecer as próprias leis, que são protocolos de como determinadas situações devem ser conduzidas, como fizemos nas unidades anteriores deste curso. Por exemplo, de acordo com o que está previsto na Lei de Libras, uma pessoa surda tem direito e precisa do intérprete de Libras. Mas o professor formado para a humanização se atenta para o fato dele também precisar saber Libras para se comunicar com o aluno. O intérprete é fundamental para a tradução do conteúdo durante a 89 explicação coletiva. Mas a sala de aula é de responsabilidade do professor regente e ele deve dialogar com esse aluno na língua própria desse aluno, dando a ele dignidade e possibilitando uma inclusão efetiva. E mais do que isso, esse professor precisa se atentar para o fato de que o aluno surdo precisa brincar no recreio, fazer trabalhos em grupos e, assim, os colegas também precisam saber Libras para que, de fato, haja inclusão. O protocolo prevê a obrigatoriedade do intérprete de Libras (que de fato é fundamental e não podemos abrir mão dele de forma alguma, por isso sua garantia em lei), mas o processo humanizado vai além do protocolo e compreende que o aluno só será efetivamente incluído se toda a escola se comunicar com ele por meio da maneira como ele se comunica. Neste caso, em Libras. O professor com uma formação orientada para a humanização neste caso se preocuparia em estar fluente em Libras para ele próprio poder se comunicar diretamente com seu aluno surdo, mas também ensinaria Libras aos colegas da turma, para que todos pudessem se comunicar diretamente com ele. Assim também, como neste caso da pessoa surda, em vários outros casos. A maioria das situações que exigem inclusão tem protocolos e estratégias definidos em documentos, resoluções e lei. O papel do professor é cumprir a lei, resoluções e protocolos, mas ir além, pensar em como mais seria possível incluir efetivamente este aluno, tanto nos aspectos que envolvem a aprendizagem e o desenvolvimento, mas também nos que envolvem a socialização e o relacionamento com os demais colegas e funcionários da escola. O professor precisa pensar estratégias que visem uma efetiva inclusão e grande parte dessas adaptações envolvem os elementos que a própria prática oferece em um diálogo aprofundado e crítico com a teoria. Saber teoria é essencial, visto que ela dará as bases e fará pensar soluções, além de permitir conhecer certos funcionamentos e certas regras. No entanto, a vida acontece no campo da experiência e é aí que o professor vai atuar a partir dos conhecimentos teóricos, da reflexão e da crítica. O professor não pode ter um discurso que teoria e prática são coisas separadas. Elas são inter-relacionadas e uma prática efetiva depende de uma leitura teórica 90 aprofundada, assim como uma boa teoria é aquela que desvela os acontecimentos da prática e nos dá subsídios para atuar nela. Teoria e prática não são coisas totalmente distintas, mas também não são a mesma coisa. É preciso levar em conta o papel de cada uma em uma boa atuação profissional. O professor promove inclusão quando conhece a teoria a fundo, quando se empenha em sua própria formação, construindo elementos que serão fundamentais para pensar os problemas quando eles se apresentarem. Assim, as estratégias eficazes de inclusão dependem da boa formação do professor, que precisa conhecer os protocolos estabelecidos em leis, estar atento ao currículo e suas necessidades de adaptação e se preocupar com a dignidade humana e com uma educação para a humanização. 91 Atividades 1) Leia a charge abaixo e depois marque a alternativa correta sobre a inclusão conforme os conteúdos estudados na disciplina. A) Na Educação Inclusiva o aluno com necessidades educacionais especiais precisa criar estratégias para se adaptar ao conteúdo do professor. Tendo dada a escola as condições previstas em lei, agora cabe ao aluno se adaptar. B) O professor deve pensar uma aula homogênea com uma didática padronizada e acessível a todos, onde apresente, da melhor forma possível, os conteúdos para que todos possam, da mesma maneira, compreender sua explicação. C) A educação pode mudar o processo social a partir da inclusão e da constituição de sujeitos críticos e autônomos, pois o aprendizado da escola pode ser generalizado para outros contextos sociais, visto que deve ter como objetivo formar para a autonomia prevendo o respeito às diferenças para propiciar igualdade. D) As oportunidades devem ser oferecidas de maneira igual para todos os membros de uma sociedade, pois políticas de favorecimento podem facilitar para uns, indo contra a meritocracia que poderia propiciar igualdade no esforço de cada um. E) Dar condições diferenciadas de acesso pode beneficiar algumas pessoas em detrimento de outras, pois prejudica quem se esforçou por conta própria em relação ao que teve facilidades, como as cotas. 92 2) Leia as asserções abaixo, verifique a relação estabelecida entre elas e depois marque a alternativa correta: I - Não podemos ser ingênuos e acreditar que conhecimentos são imparciais. Definir o que uma pessoa pode ou não aprender decide os rumos da sua vida, sua colocação profissional e mesmo seu entendimento sobre o funcionamento do mundo. Esse caminho do conhecimento é definido por meio do currículo, por isso a importância das lutas pelas construções curriculares. PORQUE II - O currículo engloba a cultura e é por meio dele que se define o que fica dentro e o que fica fora da escola e, em consequência, até da própria sociedade, promovendo relações de inclusão e de exclusão. Assim, um currículo crítico e inclusivo precisa ser pensado para poder promover uma sociedade melhor e atender as diferenças entre os seres humanos, tanto culturais, quanto de adaptação ao ambiente, como no caso das deficiências. - Marque a alternativa CORRETA sobre as duas premissas acima: ( A ) as duas asserções são verdadeiras, e a segunda não justifica a primeira. ( B ) a primeira asserção é falsa, e a segunda é verdadeira. ( C ) a primeira asserção é verdadeira, e a segunda é falsa. ( D ) as duas asserções são falsas. ( E ) as duas asserções são verdadeiras, e a segunda justifica a primeira. 3) Leia as premissas abaixo e depois marque a alternativa correta: I - A individualização do ensino por meio da flexibilização curricular é fundamental para que o processo de aprendizagem seja efetivo e o estudante possa, de fato, aprender. II - As características e o tempo de cada aluno precisam ser observados e respeitados no processo de ensino. Isso é um aspecto importante em todos os níveis de educação, mais ainda quando se fala em inclusão. III - Na inclusão, é preciso pensar o tempo do outro, flexibilizando o currículo e o adaptando para cada realidade. A individualização do currículo é fundamental para 93 que a educação inclusiva possa efetivamente funcionar e o estudante possa aprender. IV - O professor não pode ter um discurso que teoria e prática são coisas separadas. Elas são inter-relacionadas e uma prática efetiva depende de uma leitura teórica aprofundada, assim como uma boa teoria é aquela que desvela os acontecimentos da prática e nos dá subsídios para atuar nela. Teoria e prática não são coisas totalmente distintas, mas também não são a mesma coisa. É preciso levar em conta o papel de cada uma em uma boa atuação profissional. V - As estratégias eficazes de inclusão dependem da boa formação do professor, que precisa conhecer os protocolos estabelecidos em leis, estar atento ao currículo e suas necessidades de adaptação e se preocupar com a dignidade humana e com uma educação para a humanização. - Sobre as premissas acima marque a alternativa correta: A) Apenas I está incorreta. B) Todas estão corretas. C) Apenas II está incorreta. D) I e III estão incorretas. E) IV e V estão incorretas. 94 Referência ADORNO. Educação e emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 2006. FRANÇA, M. C. C. C e ESCOTT, C. M. Adaptação Curricular: um processo em construção para uma inclusão efetiva. In: SONZA, A. P.; SALTON, B. P. e AGNOL, A. D. Reflexões sobre o currículo inclusivo. Bento Gonçalves, RS: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, 2018. HORKHEIMER, Max.; ADORNO, Theodor W. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1985. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2006. PAZ, C. T. N. e SOARES, G. R. C. Adaptações Curriculares para Alunos com Dificuldades Específicas de Aprendizagem: possibilidades para um processo de educação inclusiva. In: SONZA, A. P.; SALTON, B. P. e AGNOL, A. D. Reflexões sobre o currículo inclusivo. Bento Gonçalves, RS: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, 2018.