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FUNDAMENTOS ÉTICOS DA ESTRATÉGIA
EMPRESARIAL
Ricardo Vélez Rodríguez,
Coordenador do Centro de Pesquisas
Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, da
UFJF;
Doutor em Filosofia pela UGF;
Pós Doutorado em Ciência Política no Centre
de Recherches Politiques Raymond Aron –
Paris.
rive2001@aol.com
Quando um grupo de pessoas se reúne para constituir uma organização, precisa ter
algo em comum. Nas comunidades de animais, o elemento aglutinador é o instinto, que lhes
possibilita dar uma resposta às necessidades básicas. Nas comunidades humanas, as
tendências instintivas são canalizadas pela razão (da qual emana o direito). Sobre a base de
ordenação jurídica estrutura-se o grupo humano. Sem essa ordenação, a comunidade
humana se dissolve. É o que os filósofos denominam de situação de anomia ou carência de
organização legal. Mas o direito, para ser fator de aglutinação humana, precisa de um
embasamento cultural. Imaginemos que a sociedade brasileira passasse a ser, por um dia,
governada à luz do Alcorão, que constitui o referencial culturológico dos povos de tradição
muçulmana. Simplesmente o conjunto de práticas legais apresentadas nesse código, não
pegaria, como se diz popularmente. Para que uma lei pegue, é necessário que exista uma
base cultural, que hoje identificamos com uma certa ordem de valores.
A finalidade deste texto consiste em identificar os elementos ético-culturais
necessários à ordenação das sociedades humanas, destacando o conjunto de valores morais
que deve inspirar ao cidadão na construção da sociedade, particularmente na organização
das empresas. O Fundamento Ético constitui o chão firme para o desenvolvimento da
estratégia empresarial. Sem ele, cai por terra todo esforço organizacional. Veremos de que
forma o âmbito da legalidade pressupõe uma ordem de valores que constitui um ethos
(explicitado na moral). Serão desenvolvidos os seguintes itens: 1) A crise de
governabilidade ensejada pela Constituição de 1988 e a valorização da discussão ética. 2)
Conceitos básicos acerca de ética e moral. 3) Conceitos básicos acerca dos valores e da
pessoa. 4) Modelos de moral social na cultura brasileira. 5) O empresário, os valores morais
e a cidadania no Brasil contemporâneo. 6) O fenômeno da globalização: pressupostos éticos
e exigências educacionais.
1) A crise de governabilidade ensejada pela Constituição de
1988 e a valorização da discussão ética
A reflexão sobre a moral e a ética ganhou muita popularidade no Brasil, ao longo
dos últimos dez anos. Tradicionalmente as questões relativas à moral eram tratadas com
certo menosprezo, como se fosse algo careta. Moral era confundida com moralismo, que
consiste numa atitude puramente formal, que se apega a usos e costumes adotados por
tradição e muitas vezes ultrapassados, sem enxergar a conveniência de engajamento
consciente e responsável, a fim de renovar os critérios de comportamento quando isso se
torne necessário. A opinião pública brasileira esperava que a democracia se consolidaria
sem problemas, após a promulgação da "Constituição Cidadã" de 1988. Acontece que a
nossa Carta Magna trouxe mais perplexidades do que soluções. O primeiro problema
consistiu em que ela negava, na segunda parte, o que apregoava na primeira. Ou seja: os
direitos do cidadão, que apareciam claramente defendidos na primeira parte, tornar-se-iam
inviáveis na segunda, que consagrou velhas estruturas corporativistas e que passou, de
forma idealista, a fixar no texto constitucional coisas inviáveis, como juros tabelados. As
incoerências da Carta Magna produziram o fenômeno da ingovernabilidade. Para poder
administrar o país nesta última década, poder executivo, legisladores e magistrados tiveram
de deixar muita coisa sem regulamentar. A principal conseqüência que disso tiraram os
brasileiros é a de que a construção da democracia não acontece por arte de magia, mas que
se trata de um trabalho diuturno e penoso, que pressupõe a explicitação dos fundamentos
morais da lei, e que se consolida num longo processo de ensaios de acerto e erro, que
implica em muita discussão, disciplina parlamentar, bom senso, paciência infinita e
consciência cívica.
Duas citações servirão para ilustrar o descompasso entre a Carta de 1988 e a
realidade do país. Em relação a esse fato, escreveu Paulo Mercadante: "A emoção e o
açodamento, unidos numa interseção de nacionalismo e populismo, produziram uma
Constituição que prima pela idealidade. Um diploma ilusório por razões fortuitas, nascido
sem o selo do necessário. O descompasso entre os dois requisitos para um saldo positivo (o
acaso e a necessidade) gerou, paradoxalmente, o fenômeno do pretensioso parto dos
montes, segundo o verso de Horácio (...). Tomados pela euforia, decidiram os constituintes
redigir um texto minucioso e bombástico, sujeito, por inadequação à morte prematura.
Esqueciam-se os progressistas que uma Carta não pode contrapor-se ao projeto histórico de
uma nação" [Mercadante, 1988: 505].
Miguel Reale, por sua vez, escreveu o seguinte: "Uma nova Constituição pode não
redundar, de per si, em possibilidades de cultura e riqueza, que só o trabalho perseverante e
metódico proporciona, mas pode embaçar e até mesmo travar o progresso de uma nação.
Infelizmente, a Carta que vai reger o nosso destino pertence a esta segunda categoria, por
termos sido, mais uma vez, vítimas das oscilações pendulares que têm marcado nossa vida
política ao longo do tempo (...). Como sinal de nossa imaturidade, carecemos do devido
senso histórico (...). Assim é que, em 1946, reagimos à ditadura do Estado Novo reduzindo
em demasia as atribuições do Poder Executivo; forçando uma política de barganha ou de
confronto com o Legislativo, foi este que foi duramente atingido com o advento dos Atos
Institucionais e as Cartas de 1967 e 1969. Agora, legislando novamente sob o signo do
revide, voltamos a fortalecer o Congresso Nacional além do necessário. Eram requeridas,
sem dúvida, medidas de contenção contra os excessos de nosso presidencialismo
caudilhesco, mas não até o ponto de subordiná-lo às deliberações precárias de um Poder
Legislativo apoiado em clientelas personalistas e não em partidos distintos, não digo por
seus programas, que seria exigir muito em nossas circunstâncias, mas pelo menos por seus
planos de governo" [Reale, 1988: 498].
Esperávamos, deitados como frisa Meira Penna "em berço esplêndido" [cf. Penna,
1974], que chegássemos ao primeiro mundo de trem bala, com tudo resolvido no terreno
econômico pelo Plano Real e, no terreno político, pela ação dos nossos constituintes, que
elaborariam uma Carta democrática que garantiria o nosso convívio civilizado. Não
contávamos com a desagradável constatação de que a Nova República já nasceu com o
pecado original de velhas práticas estatizantes e cartoriais, por nós assimiladas ao longo de
séculos de cultura patrimonialista. Justamente no momento em que a sociedade brasileira
percebeu o beco sem saída das contradições da democracia, começou a ter validade a
discussão das questões relacionadas à ética e à moral. Tinha entrado em crise o velho
arquétipo pombalino-getuliano, segundo o qual o Estado Empresário garante a riqueza da
Nação e equaciona os problemas da ordem social e política e da moral dos cidadãos [cf.
Paim, 1982]. Ficamos entregues a nós mesmos, com a incômoda incumbência de
pensarmos de novo tudo de baixo para cima, sem esperarmos fórmulas pré-fabricadas em
Brasília, a partir unicamente das nossas convicções. Tinha acabado definitivamente a
expectativa positivista de a moralidade ser gerada a partir da lei positiva. Era necessário
elaborar critérios para avaliar os pressupostos morais da legislação.
2) Conceitos básicos acerca de ética e moral
Antes de iniciarmos uma reflexão acerca da ética nas organizações, devemos deixar
claras algumas noções fundamentais. Esclareceremos primeiro os seguintes conceitos
básicos relacionados ao tema em apreço: moral, ética, moral individual, moral social, moral
social vertical, moral social horizontal ou consensual, moral de convicção (ou ética dos
intelectuais), moral de responsabilidade (ou ética dos políticos). Deixaremos para o
próximo item questões correlatas como os valores enquanto fundamento ontológico da
ética, as relações entre valor e pessoa, a hierarquia dos valores e os valores morais como
centro do universo axiológico.
Miguel Reale (nascido em 1912), o mais
importante jurista brasileiro contemporâneo, na
cerimônia de posse na Academia Brasileira de
Letras.
A moral pode ser definida assim: conjunto de normas de conduta adotado como
universalmente válido por uma comunidade humana, num lugar e num tempo determinados
[temo-nos baseado, para estas noções, em: Paim, 1992]. Três aspectos ressaltam nesta
definição: em primeiro lugar, o conjunto de normas de conduta adotado como
universalmente válido; ou seja, a moral sempre se apresenta como algo de imperativo, em
relação à ação humana e em face das noções de bem e de mal. Difere de outras pautas
comportamentais como os regulamentos ou a moda, pela feição de norma absoluta de
conduta que não admite, portanto, negociação, porquanto intimamente vinculada às noções
de bem e de mal. Destaca-se, em segundo lugar, o aspecto da comunidade humana que
adota o código moral. Efetivamente, esta sempre esteve relacionada a um específico
contexto humano, a uma certa comunidade, como já fica claro da forma em que Aristóteles
entendia a moral grega na Ética a Nicômacos [cf. Aristóteles, 1992], ou como aparece na
história da consolidação da moral no povo judeu, segundo a tradição bíblica. Em terceiro
lugar, salta à vista o aspecto da espaço-temporalidade da lei moral, essencialmente
vinculada à história humana e passível, sob este ângulo, de ajustes no seu evoluir.
A ética consiste no estudo racional e sistemático da moral. Enquanto esta constitui a
variável concreta, a ética representa o aspecto abstrato e teórico da mesma. Em relação a
um determinado código moral, como o fixado na Grécia, por exemplo, pela pedagogia dos
sofistas ou paidéia, podemos encontrar várias abordagens teóricas: as representadas pela
ética socrática (presente nos Diálogos que Platão dedicou a cultuar a memória de seu
mestre), pela ética da pólis (que Platão concebeu como ideal da cidade grega, na sua obra A
República) ou pela ética da bem-aventurança ou da felicidade (sistematizada por
Aristóteles nas suas obras Ética a Nicômacos, Ética a Eudemo e Grande Ética, levando
em consideração a abertura da Grécia ao mundo, no império de Alexandre).
De forma semelhante, em relação ao código moral emergente da tradição judaico-
cristã, encontramos várias éticas que tentam explicitar teoricamente os seus aspectos
fundamentais, como a ética do dever tematizada por Kant no século XVIII, a ética de
menosprezo do mundo típica da espiritualidade dos monges na Idade Média, a ética do
trabalho presente na obra de Calvino (no século XVI), a ética de convicção e de
responsabilidade (tematizadas por Max Weber no século XX, para ilustrar,
respectivamente, a ética dos intelectuais e a dos políticos), etc. As éticas profissionais
constituem uma variante teórica do código moral judaico-cristão e se alimentam da rica
tradição filosófica do Ocidente, que foi adaptando a reflexão ética aos problemas
emergentes na modernidade, em decorrência da necessidade de ajustar a preservação dos
direitos humanos básicos (expressão hodierna da moral ocidental) às exigências da prática
profissional, nas suas várias especializações.
O código moral pode ser abordado de dois ângulos: individual e social. O código
moral individual consiste naquilo que o filósofo alemão Immanuel Kant denominava, no
Antônio Paim, o mais importante estudioso
contemporâneo, no Brasil, das questões relativas
à ética e à moral.
final do século XVIII, de imperativo categórico da consciência, que nos exige agir de
acordo com ela custe o que custar, sem enxergar as conseqüências. Max Weber aprofundou
teoricamente sobre esse tipo de moral, à luz do conceito de ética de convicção, que
constitui o modelo presente na moral evangélica e que deveria inspirar a tarefa dos
intelectuais, preocupados unicamente com a busca diuturna da verdade, sem calcular
vantagens ou desvantagens. O código moral individual configurou-se tradicionalmente no
Ocidente a partir da religião cristã. Mas Immanuel Kant elaborou uma fundamentação
eminentemente racional para a moral individual, na sua Fundamentação da metafísica dos
costumes, como ficará explicado no próximo item.
Já o código moral social consiste no mínimo comportamental a ser exigido dos
membros de uma comunidade para que ela não se desintegre. A filosofia inglesa, ao longo
dos séculos XVII e XVIII desenvolveu ampla reflexão sobre a moral social, em decorrência
do fato de ter se consolidado na Inglaterra a tolerância em matéria religiosa.
O código de moral social pode ser formulado de duas formas: vertical ou
horizontal. Ocorre a moral social vertical quando o mínimo comportamental exigido dos
membros de uma sociedade é imposto por um grupo, uma pessoa ou um estamento que
detém o poder. É isso o que ocorreu, por exemplo, nos países comunistas ao longo do
século XX, onde o Estado foi o exclusivo formulador das normas de comportamento moral
da sociedade. Outro exemplo de moral social vertical foi o acontecido na Colômbia, no
período compreendido entre 1886 e 1991, em que a religião católica foi considerada como a
religião oficial do Estado, passando este à Igreja Católica a incumbência de formular a
moral social. Outro exemplo seria o do Irã, no período que se estende de 1979 até os nossos
dias, em que os Aiatolás chamaram para si a função de formular e implantar a moral social
xiita.
Ocorre a moral social horizontal (ou consensual), quando o mínimo
comportamental exigido dos membros de uma sociedade é fixado consensualmente por
eles. Esse modelo deu-se historicamente na Inglaterra a partir do final do século XVIII,
com a adoção da tolerância religiosa. Se todas as crenças eram válidas, não existiria
nenhuma Igreja que fosse privilegiada para pautar a moral social. Decorreu daí que a moral
social somente poderia ser fixada por consenso. Essa moral social consensual seria a única
base possível para o exercício da autoridade racional, na forma em que Weber tematizou
esse tipo ideal de dominação no seu ensaio intitulado A política como vocação [cf. Weber,
1993]. A prática verdadeira da democracia implica a consolidação, na sociedade, de uma
moral social consensual.
A moral de responsabilidade consiste em agir calculando o resultado que advirá,
para a comunidade, da ação executada. É o ideal que deve pautar, no sentir de Max Weber,
Immanuel Kant (1724-1804), o filósofo
alemão que deitou as bases da moral
moderna.
a ação dos políticos, que devem sempre calcular, nas suas ações, as conseqüências que das
mesmas decorrerão para as comunidades onde eles exercem o poder. Dos políticos nós
queremos cobrar duas coisas, no que tange ao seu comportamento: que preservem a
dignidade do cargo e que cumpram o que prometeram aos seus eleitores. Imediatamente
não será cobrado deles o que atinja o seu foro íntimo, salvo se isso tiver conseqüências na
prática governamental ou representativa. Um exemplo dessa expectativa, presente na
sociedade, é a valoração altamente positiva que os historiadores franceses têm em relação a
Napoleão Bonaparte, que conseguiu tirar a França do redemoinho revolucionário, em que
pese a sua ambição e as suas ambigüidades morais no terreno particular. Um contra-
exemplo dessa expectativa seria o do juiz carioca que, em meados dos anos oitenta,
aprovou,
em plena inflação galopante, liminar que castigava os usuários com aumento
intolerável no preço das passagens, tendo dado ensejo a graves distúrbios populares, no
centro do Rio, nos quais foram incendiados mais de 20 veículos. O juiz, ao que consta, era
um bom sujeito, pai exemplar, mas péssimo homem público, pois quando entrevistado pela
TV afirmou mais ou menos o seguinte: "nunca imaginei que uma liminar fosse causar tanto
tumulto", tendo se revelado absoluto desconhecedor das conseqüências sociais adversas que
se seguiriam à sua infeliz decisão.
3) Conceitos básicos acerca dos valores e da pessoa
Quando agimos seguindo a voz da nossa consciência, não nos pautamos por normas
exteriores a nós (que constituem o Direito), mas por uma regra de conduta interna, à qual
nos sentimos obrigados. Se a desobedecermos, poderemos ocultar isso dos demais, mas não
de nós mesmos. Sentimos um desconforto íntimo que chamamos de "remorso". Vamos
centrar a atenção na forma em que se dá essa voz da nossa consciência.
Immanuel Kant, como já foi dito, dedicou a sua obra intitulada Fundamentação da
Metafísica dos Costumes [cf. Kant, 1973], ao estudo da forma em que opera em nós a voz
da consciência moral. Tradicionalmente a consciência moral alicerçava-se na religião. Mas,
no século XVIII, Kant considerava que era necessário fundamenta-la racionalmente, em
decorrência do fato de começarem a aparecer incrédulos. Ora, perguntava o filósofo
alemão, se a moral continuasse a se fundamentar na religião, não existindo esta para
algumas pessoas, tudo seria permitido para elas.
Kant considerava, de outro lado, que a razão não é suficientemente capaz de guiar
com segurança a vontade no que concerne ao seu objeto (a ação). Supunha que um instinto
natural a guiaria de forma mais segura. Se a razão não é uma faculdade que possa exercer
influência sobre a vontade, a sua verdadeira função consiste, no que tange à ação, em
encontrar uma vontade boa em si mesma (ou seja, sem o propósito de usá-la como meio
para atingir qualquer outro fim). Para Kant, uma ação cumprida por dever tira seu valor
Max Weber (1846-1920), autor de Economia e
Sociedade, marco fundamental para o estudo da
Empresa Capitalista e das sociedades industriais.
moral não do fim que por ela possa ser alcançado mas da máxima que a determina.
Distingue máxima de lei, entendendo pela primeira o princípio subjetivo (a representação
da lei), enquanto a segunda serviria também de princípio prático se a razão tivesse plenos
poderes sobre a ação. O valor moral da ação, segundo Kant, não reside no efeito que dela se
espera, mas da obediência a um princípio geral que se formula deste modo: "que eu possa
também querer que minha máxima se torne lei universal".
Kant considera que é possível encontrar o princípio supremo da moralidade sem
apelo à experiência. Sendo o homem um ser racional, ele é o único que se acha em
condições de agir segundo a representação da lei ou segundo princípios. A representação de
um princípio objetivo é denominada por Kant de mandamento e a sua fórmula chama-se
imperativo. O imperativo moral é único e recebe o nome de imperativo categórico, sendo a
sua fórmula a seguinte: "Procede unicamente segundo aquela máxima, em virtude da qual
possas querer que ela se torne uma lei universal". Dessa fórmula, Kant deduz o seguinte
imperativo prático: "Procede de maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como
na de todos os outros, sempre e ao mesmo tempo como fim, e nunca como puro meio".
Pode-se sintetizar esse imperativo prático da seguinte forma: "o ser humano é um fim em si
mesmo e não pode ser usado como meio" [cit. por Paim, Prota, Vélez, 1997: 146-147].
Se bem é certo que Kant firmou, de forma clara, os fundamentos racionais da moral,
os filósofos posteriores passaram a completar a sua concepção, destacando o enraizamento
do imperativo moral no contexto da história, bem como da dinâmica espiritual da pessoa.
Os passos iniciais para essa complementação foram dados, no início do século XIX, por
Hegel [1981], que destacou o caráter histórico da consciência e, por conseguinte, da
formulação do código moral (sendo seguido por Victor Cousin e François Guizot na
França, no período compreendido entre 1830 e 1850).
A moral ocidental, considerada do ângulo da sua estruturação histórica, ancora em
duas tradições (que constituem, também, os pilares da civilização européia, na qual nos
inserimos). Essas duas tradições são a judaico-cristã, da qual surgiu o conceito de pessoa,
tematizado filosoficamente no século XIII especialmente por S. Tomás de Aquino e que
constitui o fundamento hodierno para os direitos humanos. A segunda tradição é a
helenística, consolidada em Alexandria no período compreendido entre os séculos III a. C.
e III d. C., à luz da qual se consolidou o conceito de lógos ou de razão que liberta o homem
das cadeias da ignorância. Immanuel Kant fez, de maneira genial, a simbiose entre essas
duas tradições, ao ter traduzido o mandamento fundamental do cristianismo em imperativo
categórico passível de formulação racional [cf. Paim, Prota, Vélez, 1997: 13-26].
O ecletismo espiritualista na França, com Maine de Biran, na primeira parcela do
século XIX e o espiritualismo do final do século, com Émile Boutroux e Henri Bergson,
passaram a aprofundar no entrelaçamento entre a moral racional e a estrutura espiritual da
pessoa. No século XX, correspondeu a Edmund Husserl [1986] e a Max Scheler [cf.
Hessen, 1980] completar essa reflexão, respectivamente com a fenomenologia e a
axiologia. A primeira corrente, sistematizada por Husserl, tentou estabelecer um nexo entre
a razão e o mundo da vida, ao passo que a segunda desenvolveu a reflexão em torno aos
valores.
De todos esses avanços, surgiu a ética material dos valores de Max Scheler, em que
a dinâmica moral da pessoa passou a ser interpretada no contexto dos valores. A
formulação do imperativo categórico passou a ser interpretada no seio do ato de valorar,
que constituiria, assim o ato primordial da pessoa. A voz da nossa consciência se estrutura
ao redor de valores, que incorporamos ao longo da vida. Em que consistem os valores? São
eles entidades ideais, de tipo relacional e hierárquico, que se tornam presentes no seio de
uma vivência emocional que é o ato de valorar. A pessoa valora diante de algo que suscita o
seu interesse. Os seres humanos crescem, na medida em que vão criando, ao seu redor, uma
teia de ideais que lhes interessam. Esse conjunto de ideais que interessam às pessoas
constitui o universo dos valores. Poderíamos parafrasear Descartes (que falou: penso, logo
existo), e afirmarmos: valoro, logo existo. Sempre estamos valorando, desde quando
acordamos até quando dormimos. Quando o filósofo espanhol Ortega y Gasset dizia "eu
sou eu e as minhas circunstâncias", referia-se justamente a esse conjunto de ideais da
pessoa, que constitui o seu universo axiológico.
Miguel Reale ilustrou claramente, na sua obra intitulada Pluralismo e Liberdade
[Reale, 1963: 60], o estreito entrelaçamento entre valores e desenvolvimento da pessoa,
num processo dinâmico em que não está ausente a contradição. A propósito, frisa o filósofo
brasileiro: "Nada mais contraditório do que o homem, dada a ambivalência essencial de seu
ser pessoal, ora voltado para si mesmo, ora voltado para a sociedade; ora desejoso de
estabilidade, ora seduzido pelo movimento; ora preso às amarras do passado, ora projetado
liricamente para o futuro; ora impulsionado pelas forças dionisíacas da afetividade, ora
sublimado pelas forças apolíneas da razão; sempre vacilante entre a certeza empírica de
nexos causais imanentes e os planos encobertos da transcendência. Polaridade do existir,
polaridade do valor, num perene equilíbrio instável através do qual se renovam os ângulos e
as perspectivas da história, que constitui,
sob esse prisma, a experiência filosófica
concreta".
Mas no emaranhado de valores que constitui existência do homem, encontramos
uma ordem. Há valores positivos e valores negativos ou anti-valores. Há justiça e injustiça,
beleza e feiúra, por exemplo. Encontramos, de outro lado, valores superiores e valores
inferiores. Temos uma regra de ouro para auferir a posição de um determinado valor na
hierarquia dos valores: aquele valor que, compartilhado por muitos não se esgota, é
superior. Inversamente, aquele valor que, compartilhado por muitos se esgota, é inferior.
Os valores morais constituem o centro do universo axiológico, porque são aqueles
que conferem autenticidade à pessoa. O que define uma pessoa como boa é a sua
autenticidade. E esta consiste em agir de acordo com a própria consciência, custe o que
custar. Todos os outros valores ficam bem estruturados e justificados, quando se alicerçam
sobre os valores morais. Quando estes faltam, o universo da pessoa perde sentido.
O processo de assimilação de valores corresponde à educação. Os valores não são
assimilados pelas pessoas de forma teórica, mas vivencial. Os valores que fundamentam a
nacionalidade, por exemplo, somente poderão ser incutidos nas crianças que conhecerem e
experimentarem a emoção diante dos próprios heróis. Se num determinado país
desaparecerem os exemplos de patriotismo apresentados vivos na figura dos seus grandes
homens e mulheres, achincalha-se o sentimento cívico e podemos falar numa crise de
valores nessa determinada sociedade. Miguel Reale chama a atenção para a importância da
assimilação, no processo educacional, dos valores que constituem a tradição, a fim de
habilitar as novas gerações para a criatividade, a partir do legado dos antepassados. a
respeito, afirma o filósofo brasileiro: "Preparar para a aventura da vida, não pode, porém,
significar (que) se deva esquecer o valor do que se converteu em constantes axiológicas, ou
invariantes de estimativas que representam as colunas da tradição, compreendida como
memória da história e, tanto como esta, aberta a novas conquistas de bens a serem
memorizados e conservados. Se se pensasse que a cultura é, concomitantemente, amor de
aquisição de novos bens, ligado ao amor dos bens já conquistados, a Pedagogia atual
volveria a dar mais atenção aos valores da memória, cada vez mais eclipsados pelos
propósitos de só educar para a transformação do mundo e a aventura existencial" [Reale,
1977: 105].
Decorre desta reflexão a importância que no mundo de hoje tem a educação para a
cidadania, que consiste na assimilação, por parte das novas gerações, dos valores que
fundam a nacionalidade e do sentimento de patriotismo. Torna-se imprescindível, a esta
altura, analisar qual é o conjunto de valores que, no seio de uma determinada sociedade,
estão sendo assimilados pelas novas gerações. Isso corresponde a discutir os modelos de
moral social que imperam numa determinada comunidade. Poderíamos nos perguntar, a
esta altura, quais são os modelos de moral social que foram se sedimentando na história da
cultura brasileira.
4) Modelos de moral social na cultura brasileira
Toda sociedade que aspire ao amadurecimento democrático precisa discutir a
questão da moral social. Esta discussão, no seio da cultura brasileira, tradicionalmente foi
atribuída a instâncias verticais, encampadoras do poder de decisão sobre os cidadãos. Tais
instâncias, na nossa história cultural, polarizaram-se ao redor de quatro grandes núcleos:
família patriarcal, Estado, mídia e Igreja. Em torno a essas forças centrípetas consolidaram-
se os modelos de moral social. Vamos identificar neste item tais modelos e discutir a sua
validade, em face dos requerimentos hodiernos do ideal democrático que é, sem dúvida, o
grande desideratum da sociedade brasileira.
Nove modelos de moral social podem ser identificados na nossa história cultural: de
saber de salvação, pombalino, castilhista-getuliano, messiânico-populista, salvador militar,
Antiga residência de Max Weber na cidade
alemã de Heidelberg. Hoje funciona ali o
Centro de Cultura Internacional da
Universidade local.
patrimonialista, estetizante, totalitário e consensual. Analisaremos cada um deles,
destacando a relação que possuem com os núcleos de poder social ao redor dos quais se
consolidaram (família patriarcal, Estado, mídia, Igreja). É importante salientar, entretanto,
que tais modelos não constituem categorias estanques nem reificações concretas, se
tratando, melhor, de tipos ideais encontradiços, muitas vezes, entrelaçados na complexa
realidade social. Assim, por exemplo, os modelos messiânico-populista, salvador militar e
patrimonialista acham-se tradicionalmente geminados nos vários tipos de caudilhismo em
que a nossa história é particularmente rica.
Especial atenção dedicaremos à análise do modelo consensual, pelo fato de ser ele,
hodiernamente, o único que garante a completa institucionalização da democracia no
Brasil, superando os vícios do patrimonialismo e do democratismo.
O modelo do “saber de salvação”.- No período colonial estruturou-se a concepção
de moral social chamada por Luis Washington Vita [1968: 17-18] de “saber de salvação”.
Consistia ela na convicção de que o homem está na terra como “passando uma noite ruim
numa pousada ruim”, segundo as palavras da mística espanhola Santa Teresa de Avila. Se o
que interessa é a salvação da alma, se não somos mais do que “um vil bicho da terra e um
pouco de lodo”, segundo a expressão de Nuno Marques Pereira [cf. Moog Rodrigues, 1979]
pouco interessava, logicamente, este mundo e a organização racional do convívio político.
A "res publica” ficava nas mãos de Deus, destino que nos séculos XVII e XVIII
concretizou-se no absolutismo alicerçado em razões religiosas. Sem dúvida que o ideal
monástico da fuga do mundo, apregoado no Brasil por Nuno Marques Pereira no seu
Compêndio narrativo do peregrino da América [in: Moog Rodrigues, 1979] levava a
reforçar o poder absoluto do monarca.
Em que pese o fato dessa proposta ter sido formulada no período colonial, não
podemos deixar de reconhecer a sua presença nas propostas teocrático-moralizantes de
tradicionalistas inspirados no passado medieval, como Plínio Correia de Oliveira. A
inspiração ética do tradicionalismo insere-se, quando aplicada à política, no contexto do
pensamento anti-utópico descrito por Mannheim [1966]: a proposta dos tradicionalistas é a
negação das utopias perseguidas pelos progressistas [cf. Cordi, 1984; Macedo, 1977].
Como uma das idéias-chave destes sempre foi a valorização da razão e da liberdade
individual, os tradicionalistas defendem a tutela da tradição sobre o indivíduo [cf. Vélez-
Rodríguez, 1978: 85-112]. No caso de Plínio Correia de Oliveira, fundador e primeiro
ideólogo do movimento Tradição, Família e Propriedade, essa tutela estabelecer-se-ia
mediante uma volta ao passado medieval, quando a Igreja controlava a consciência das
pessoas. A moralidade da "res publica" estaria garantida quando voltássemos a adotar uma
estrutura de "cristandade", com a Igreja exercendo o controle sobre os costumes, com a
ajuda de "ordens militares" como os Templários.
O modelo pombalino.- A essência das reformas efetivadas em Portugal por
Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, consistia na "aritmética política",
que segundo Antônio Paim [1978: cap. I; cf. 1982] baseava-se em dois princípios: o Estado,
convertido em empresário e possuidor da ciência aplicada, garante a riqueza da nação; em
segundo lugar, compete ao Estado, presidido pelo déspota ilustrado, regular a moral dos
cidadãos e a ordem social e política.
A questão da moralidade (tanto a privada quanto a pública) era, portanto, função do
Estado que, numa concepção hegeliana avant la lettre ganhava a caraterística de ente
moral. A problemática moral
escapa, conseqüentemente, do foro individual ou da iniciativa
de grupos sociais, para se situar no terreno do Leviatã que, segundo se supõe, conseguirá
garantir a moralidade pública e a ordem social. As reformas efetivadas pelo Marquês
tiraram da Igreja as funções educativas e de controle direto sobre os costumes, para colocá-
las sob o império do Estado, num contexto de galicanismo eclesial, ou de cooptação do
poder espiritual pelo temporal.
Convém lembrar que a geração que fez a Independência formou-se na Universidade
pombalina [cf. Barretto, 1973] e, graças a isso, a idéia estatizante que inspirava a
moralidade pública, entrou a formar parte essencial do patrimônio cultual brasileiro. Não
foi somente a tendência ao empreguismo orçamentívoro que o Brasil herdou do ciclo
pombalino, mas também a idéia, fortemente enraizada na cultura política, de que a questão
moral não é incumbência do indivíduo, mas que é função exclusiva do Estado.
Essa passagem da questão moral do âmbito individual e social para o estatal,
produziu no Brasil um fortalecimento muito grande do autoritarismo. Quando a tendência
centrípeta e estatizante do cientificismo pombalino encontrou-se com a filosofia comteana,
na segunda metade do século XIX, deu ensejo à forma autoritária e moralizadora do
positivismo que empolgou os próceres da República, com Benjamim Constant Botelho de
Magalhães à testa. Plantada no terreno fértil das Faculdades de Direito, essa tendência
formou várias gerações de advogados republicanos, inspirados (como Júlio de Castilhos,
por exemplo), no mais ardente jacobinismo moralizador [cf. Vélez-Rodríguez, 1980;
1994a; 1994b; 1994c].
À sombra do estatismo pombalino encontrou refúgio um sub-modelo de moral
social, que tinha se desenvolvido na cultura ibérica ao longo dos séculos XV e XVI e que
foi identificado por Américo Castro [1950; cf. Jaramillo Uribe, 1974] e por Oliveira Viana
[1958]. Trata-se do sub-modelo que identifico como "ética do atalho" ou do "não trabalho"
e que consiste no preconceito face ao trabalho produtivo, considerado como castigo pelo
pecado original, e que conduz ao ideal da apropriação "heróica" da riqueza na guerra santa
contra o infiel e à identificação do trabalho como atividade de párias e não de senhores.
Tanto a cultura espanhola quanto a portuguesa, no período dos descobrimentos e da
colônia, estiveram profundamente enraizadas nesse complexo cultural, que encontrou
formulação prática na idéia do Estado-empresário, guindado por Pombal à dignidade de
demiurgo produtor de riquezas. A mediação estatal libertava o homem ibérico do castigo do
trabalho produtivo e garantia a posse das riquezas produzidas pelo Pai-Estado. Em
trabalhos anteriores [cf. Vélez-Rodríguez, 1985; 1994d] tenho identificado esse sub-modelo
de "ética do atalho" como fonte culturológica do fenômeno da corrupção, estreitamente
vinculado ao "complexo de clã" ou "espírito de patota".
O modelo castilhista-getuliano.- Como continuadora do modelo estatizante
pombalino, a ditadura castilhista (iniciada no Rio Grande do Sul por Júlio de Castilhos,
consolidada ali por Borges de Medeiros e continuada, a nível nacional, por Getúlio Vargas),
constituiu eficaz reificação do espírito hobbessiano no Brasil. O modelo da ditadura
castilhista alicerçava-se em dois princípios: de um lado, na busca da regeneração moral da
sociedade a partir de uma intervenção autoritária do Estado; de outro, na legitimação dessa
presença estatal mediante o apelo à ciência, no contexto do princípio comteano de que "o
poder vem do saber" [cf. Vélez-Rodríguez, 1980 e 1994c]
Castilhos revelou-se mais autoritário que o próprio Comte. Se bem é certo que a
"física social" do filósofo de Montpellier ensejava uma visão determinista do homem como
destaca com propriedade Stuart Mill [1972], o regenerador francês não caia, no entanto, no
estatismo. Chegar-se-ia à ordem social e política, no seu entender, mediante um processo
pedagógico e moralizador, efetivado pacificamente por uma elite de cientistas e apóstolos
da humanidade, que tentaria mudar as mentes e os corações a partir de uma pregação
desinteressada. Já o gaúcho Júlio de Castilhos acreditava diretamente no poder do Estado
que, consolidado bismarkianamente com mão de ferro, imporia a ordem social e política de
forma compulsória.
A questão da moralidade pública, tão apregoada pelos castilhistas e tão vivida por
eles no seu ideal de "reino da virtude" (deve-se reconhecer, com justiça, o seu fervor quase
religioso na administração dos dinheiros públicos) seria incumbência do Estado. O ditador,
supremo legislador, era o grande centro de moralização da sociedade. Os castilhistas
tornaram realidade a idéia do Estado artífice da revolução moralizadora que, numa visão
antecipada do leninismo, os socialistas portugueses (Oliveira Martins e Antero de Quental)
tinham concebido, em fins do século passado.
O modelo getuliano alargou a nível nacional, modernizou e viabilizou
tecnocraticamente o modelo castilhista. Dois princípios guiaram a estruturação do Estado
autoritário e modernizador de Vargas: de um lado, o do equacionamento técnico dos
problemas; de outro, o da alergia antidemocrática, concretizada no slogan de inspiração
Projeto para o prédio da
Fundação Getúlio
Vargas, em São Paulo,
de autoria de Botti Rubin
Arquitetos.
castilhista: "o regime parlamentar é um regime para lamentar". A questão da moralidade
pública foi reduzida por Getúlio a simples problema técnico, que deveria ser equacionado
pelo Estado autoritário, com o auxílio dos conselhos técnicos integrados à administração
[cf. Vélez-Rodríguez, 1982].
O modelo messiânico-populista.- Este modelo da moral social brasileira está
profundamente enraizado na cultura, pois foi herdado da tradição sebastianista portuguesa.
O sebastianismo, na sua essência, corresponde ao que Talmon [1969: 21-140] identifica
como um modelo de "Messianismo Político". Originada na gesta de Alcácer-Quibir,
quando em batalha contra os sarracenos o rei português dom Sebastião foi morto, a tradição
sebastianista desenvolveu-se junto com a crença de que o rei não teria morto, teria se
ocultado e voltaria para libertar o seu povo. Essa tradição passou a inspirar boa parte da
literatura popular brasileira, especialmente nos remotos e miseráveis sertões do nordeste.
Prova dessa rica influência foi elaborada por Euclydes da Cunha [1979], quando relatou as
lutas de Antônio Conselheiro conta o governo republicano, no final do século passado. O
escritor peruano Mário Vargas Llosa [1981] deu vida ao relato do sociólogo brasileiro, no
seu romance A guerra do fim do mundo.
A corrupção, a exploração, o desespero das massas oprimidas, todos os males que o
povo humilde sofre, encontrarão remédio definitivo na gesta histórica de um novo salvador
que a Providência enviará. Tal é a essência da crença sebastianista que hoje, como ontem,
sobrevive na alma popular brasileira. Prova de que essa crença é, hoje, oxigênio que dá vida
à esperança popular, foi a entrevista que José Henrique Nazareth [cf. Fernandez, 1990], um
humilde contínuo do palácio presidencial brasileiro, concedeu à revista Istoé em 1990. À
pergunta: "O que você espera do presidente Collor?" Nazareth respondeu: "O presidente
Collor é como uma missa, que tem o ofertório, a consagração e a comunhão. O ofertório era
a campanha, até aí era apenas um pão e vinho comum, sem nada de especial. Mas agora
não. Agora a gente fica contrito, de cabeça baixa, e começa a louvar o Deus vivo, já não é
mais aquele pão simples, aquele vinhosinho que inicialmente foi oferecido...". Pergunta: -
"Agora Collor o que é?" - Nazareth: "Ele é o corpo e o sangue de Cristo, é esse o sangue
que vai transformar, que vem a nós como um novo Belém, a terra prometida. Ele é o
Messias que vai levar o povo à terra onde vamos comer mel".
Não é necessário destacar o enorme cabedal de paternalismo autoritário que se
encerra nessa mentalidade. A duríssima e longa ditadura getuliana, durante as décadas de
30 e 40, bem como o posterior ciclo salvador militar, deram provas suficientes dos
extremos de paternalismo e de manipulação popular de que é capaz o messianismo
republicano brasileiro.
O modelo salvador militar.- Juarez Távora, um dos oficiais do Exército que
protagonizaram as famosas revoluções tenentistas, ao longo dos anos vinte, revelou, em
certa oportunidade, a índole salvadora que assumiram as intervenções militares ao longo do
período republicano. Estreito colaborador de Vargas no governo provisório (1930-1934),
que se organizou depois da revolução de 1930, procurou um dos assessores jurídicos do
governo, o sociólogo Oliveira Vianna, e lhe pediu que elaborasse um modelo de
Constituição. Como no modelo apresentado pelo assessor não aparecesse definido o papel
dos militares, assim o explicou: "A nossa atitude em política é a de quem observa um
banquete. Quando o banquete se converte em rega-bofe, então entraremos com a espada
moralizadora" [apud Almeyda, 1956: 184].
As Forças Armadas entenderam dessa forma salvadora o seu papel na política
brasileira, ao longo do período republicano: assim foi durante a República Velha (1891-
1930), com as chamadas "salvações"; assim foi durante o longo governo getuliano (1930-
1945), que se apoiou na jovem oficialidade do Clube 3 de Outubro; assim foi quando
Getúlio deixou o poder em mãos do marechal Eurico Gaspar Dutra, depois da Segunda
Guerra Mundial em 1945; assim foi em 54, com a intervenção dos chefes militares que
levou o presidente constitucional Getúlio Vargas ao suicídio; assim foi em 64, com a
chamada "revolução salvadora".
Não há dúvida, como sugere Alfred Stepan [1975] de que essa concepção salvadora
encaixou na praxe do "poder moderador", à qual se acostumaram os brasileiros ao longo de
mais de quarenta anos de Império. Desaparecida a figura do Imperador a partir da
instauração da República em 1889, continuou presente, contudo, a idéia de que um poder
superior ao Parlamento e ao jogo político-partidário, deveria exercer uma espécie de tutela
sobre a sociedade, a fim de evitar que os interesses privados dos políticos terminassem
prevalecendo sobre o interesse público. As Forças Armadas, no sentir de Stepan, passaram
a exercer essa função moderadora.
Paulo Mercadante [1978] destaca o fato de que, no cumprimento de sua missão
salvífica e moderadora, os militares brasileiros inspiraram-se no modelo weberiano da ética
de convicção (baseada na preservação do valor absoluto da honra), e rejeitaram (porque o
consideravam oportunista) o modelo de ética de responsabilidade, identificado por Weber
[1993] como próprio do homem público, que calcula, nas suas ações, o resultado que delas
provirá. Essa visão salvadora, baseada no código de honra, encontrou primorosa
manifestação no final do Império, quando, por causa da chamada "questão militar", o
marechal Deodoro da Fonseca desembainhou no Parlamento a espada e exclamou: "a honra
do Exército está acima da lei!".
Antônio Paim [1978] lembra que esse sentido da moral de convicção que não
admite negociações, fez com que a intervenção militar de 1964 se revestisse de feição
autoritária. Esse espírito revelar-se-ia, entre outras coisas, na forma tuteladora como foram
entendidos os "objetivos nacionais permanentes" os quais, formulados pela elite militar,
passaram a ser interpretados como paradigmas inquestionáveis pelos líderes da ESG.
O modelo patrimonialista.- Nas suas oras fundamentais Oliveira Vianna [1982]
destacou um fato fundamental da formação social brasileira: a tendência a confundir
público com privado. Não existe, na mentalidade do povo, nem na das elites, claramente
Getúlio Vargas, à frente da Revolução de
1930
definida, a linha de demarcação entre interesses familiares e aqueles pertencentes à esfera
pública. Parece como se ambas ordens de interesses coexistissem, de modo indiferenciado,
no mesmo universo. Esse fato levou a sabedoria popular a cunhar slogans como "aos
amigos marmelada, aos inimigos bordoada"; "aos amigos os cargos, aos inimigos, a lei";
"governar é nomear, demitir e prender"; "é dando que se recebe", etc.
A idéia subjacente a todas essas expressões é a de que a coisa pública é patrimônio
familiar para ser distribuído entre consangüíneos, amigos e paniaguados. Nada mais
ilustrativo dessa mentalidade do que os "trens da alegria", com que ocupantes de cargos
públicos recompensam generosamente familiares e amigos. Outro exemplo eloqüente desse
espírito privatizante e orçamentívoro, são as gordas remunerações que, na nossa história
republicana, membros dos corpos legislativos aprovam em benefício próprio, fato que
levou Simon Schwartzman [1982] a escrever que enquanto a política é, para outros povos,
um meio de beneficiar os negócios, para os brasileiros é o grande negócio.
A origem desse espírito privatizante é situada por Oliveira Viana no "complexo de
clã", proveniente do latifúndio. A primeira experiência que tivemos como povo, logo
depois do descobrimento, foi a da casa grande, presidida pela figura todo-poderosa do
"senhor de engenho", autoridade patriarcal amada e temida ao mesmo tempo, que com a
"guarda de corp" ao seu serviço, garantia a sobrevivência de clientes, familiares, amigos e
paniaguados, perseguindo os seus inimigos até a morte. Em que pese o fato de o Brasil ter-
se convertido, a partir dos anos 70, num país predominantemente urbano, a tendência
privatizante herdada do "complexo de clã' é ainda o pano de fundo que inspira muitas vezes
a participação política. Seria uma fantasia ignorar hodiernamente essa tendência herdada do
"complexo de clã".É verdade que a participação em partidos estruturados
programaticamente, que caracteriza a vida política brasileira na última década, promete
mudanças significativas. Mas ainda há muito clientelismo e espírito familístico nas nossas
estruturas políticas.
A discussão da moralidade pública passa, necessariamente, pelo caminho da crítica
ao "complexo de clã", que afeta a cultura política. Não se pode falar em gestão ética da
coisa pública, enquanto a noção de República coincidir mais com a de coisa nossa ou "res
privata". José Murilo de Carvalho [1989: 13] escreveu a respeito: "(...) a República
fracassou até agora. A proposta republicana, seja no modelo liberal, seja no autoritário,
significa sempre participação, reforma social, desenvolvimento da cidadania, da vida
pública. De um sistema político que incorpore a população, um sistema que não procure
excluir, mas que, ao contrário, procure construír uma nação. A nossa República não tem,
nesse ponto, um saldo muito positivo para apresentar". (É longa a bibliografia que analisa e
critica o fenômeno do patrimonialismo brasileiro. Cf. entre outros, Faoro [1958],
Schwartzman [1982], Paim [1978], Vélez-Rodríguez [1984], Meira Penna [1988]).
O modelo estetizante.- Segundo Mário Vieira de Mello [1980] o brasileiro adotou,
no terreno moral, um comportamento estetizante. A bondade ou malícia dos atos humanos
não se deduz do seu ajustamento, ou não, a um imperativo categórico proveniente da
consciência moral, mas da exteriorização, como num palco, dos próprios sentimentos.
A propósito, afirma Viera de Mello [1980: 187]: "(...) De um modo geral (o
brasileiro) parece ser, nos nossos dias, um homem que se contempla a si mesmo e que
contempla os outros como se o mundo fosse um grande palco e como se a vida devesse
estar destituída de sentido, no caso de que não pudesse se constituir como um espetáculo ao
qual assistiriam um certo número de pessoas assíduas e atentas. Esse traço que se encontra
certamente em outros países que, como o nosso, tenham sido submetidos à influência do
estetismo, apresenta-se
naturalmente na nossa psicologia em graus muito variados indo
desde o simples desejo de não deixar passar inadvertido um mérito, uma ação, uma
qualidade ou uma intenção louvável, até as manifestações excessivas de um exibicionismo
sem pudor ou de um cabotinismo indiferente às exigências mais rudimentares da modéstia.
O brasileiro de nossos dias é pouco sensível às qualidades da alma que são menos óbvias,
as qualidades que são, por assim dizer, invisíveis. Escapa-lhe completamente o sentido
valioso de um gesto de renúncia, de uma palavra não proferida, o valor moral associado à
repressão silenciosa de um movimento de egoísmo, de vaidade ou de orgulho. A
exteriorização dos sentimentos parece constituir para ele a única garantia de que tais
sentimentos existem. Essa psicologia de extrovertidos poderia naturalmente, através de
explicações de tipo supostamente científico, ser justificada à luz das condições raciais e
somáticas do povo ou climáticas do país. Mas, em verdade, é a compreensão do mundo
como um palco a que conduz o brasileiro a uma exteriorização excessiva dos seus
sentimentos que, muitas vezes, não é possível levar a cabo sem uma certa falta de
sinceridade (...)".
Manifestação concreta desse modelo ético deu-se, a meu ver, no fenômeno do
chamado "bacharelismo", ou comportamento estetizante do advogado brasileiro de início
de século. Rui Barbosa, máxima expressão da advocacia, assumiu, na sua vida pública, a
condição de ator, profundamente admirado ou odiado. "Durante muito tempo a imagem de
Rui Barbosa -- escreve Nelson Saldanha [1979: 164] -- representou um símbolo de enorme
relevância, tanto para as elites intelectuais quanto para o público comum. Um símbolo que
ocasionalmente funcionou ao contrário, com oscilações entre a idolatria e o repúdio.
Símbolo do bacharel e do advogado, bem como do orador liberal, do jornalista palavroso,
da cultura que chegou a ser chamada de 'ornamental', Rui Barbosa não foi apenas uma
vocação: a sua figura foi promovida pela circunstância, cujos valores e tendências em
matéria cultural ele exemplarmente encarnou. O 'ruismo', como adesão de várias gerações
ao seu estilo verbal e aos conteúdos que defendeu, foi fenômeno explicável nos quadros da
Francisco José de Oliveira
Vianna (1883-1951), o mais
importante estudioso do
“Complexo de Clã” na
sociedade brasileira.
classe média brasileira, fascinada pelo saber e pelas hipérboles. O Rui Barbosa polifacético
e versátil correspondeu à dispersão que foi regra entre os intelectuais da época: jornalismo,
advocacia, teoria política e, ao mesmo tempo, a vida entre os livros e no gabinete (...)".
O modelo totalitário.- Este modelo consolidou-se ao ensejo da experiência de
poder total dos grandes sistemas totalitários comunista, fascista e nacional-socialista.
Convém lembrar, inicialmente, que "O totalitarismo é um fenômeno ocorrido no século XX
e, por mais que possa apresentar essa ou aquela semelhança com o absolutismo
monárquicon ou com os governos tirânicos do passado, tem na verdade características
próprias que o singularizam. Assim, até onde podemos conhecer as estruturas estatais
antigas e modernas, nenhuma delas conseguiu o poder total e absoluto alcançado pelos
Estados totalitários contemporâneos. Estes lograram a proeza de quebrar todos os laços de
solidariedade entre seus súditos, transformando-os em massa amorfa. A oposição torna-se
episódica, sem despertar qualquer interesse popular" [Paim, Prota, Vélez, 1997: 207]. Em
que pese o fato de parecerem indestrutíveis, os sistemas totalitários do século XX vieram
por terra, ou como resultado de ações armadas contra eles (queda da Alemanha nazista e
dos países do Eixo na Segunda Guerra Mundial), ou simplesmente como conseqüência da
própria corrupção e ineficiência (o acontecido com a União Soviética, quando da derrubada
do Muro em 1989).
Qual é o cerne da ética totalitária? O seguinte: a convicção de que os fins justificam
os meios. "Posto que pretendo erigir uma sociedade nova, onde haja desaparecido a
exploração do homem pelo homem, posso valer-me de não importa que meio para alcançar
tais objetivos" [Paim, Prota, Vélez, 1997: 208]. O melhor exemplo da presença desse tipo
de modelo na cultura brasileira contemporânea, são as ações do MST. Como alegam
pretender a realização plena da justiça social, os militantes desse movimento sentem-se
justificados para fazer qualquer coisa: invadir terras produtivas, ocupar prédios públicos,
seqüestrar funcionários do governo, assassinar opositores se for o caso, etc. Atitude
semelhante é a que inspira o chamado "clientelismo armado" das Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia, que em nome de um vago socialismo matam populações
inteiras, seqüestram, desconhecem os acordos feitos com as autoridades, etc., tudo
acobertado pela atitude políticamente correta dos que temem as suas ações ou dos que,
acobertados por ONGs de duvidosa moralidade, pretendem "pescar em águas turvas".
É difícil enfrentar diretamente quem está inspirado pela ética totalitária. "O que se
pode fazer é reiterar que a moralidade encontra-se nos meios a que recorremos para vê-la
realizada e não nos fins que nos movem" [Paim, Prota, Vélez, 1997: 209]. A questão dos
meios a serem utilizados para realizar os ideais é essencial, pois sem levar em consideração
essa variável, podemos instaurar um critério de ação que termine ferindo a dignidade das
pessoas. Não podem ser aceitos meios imorais, que passem por cima da dignidade dos seres
humanos. Aceitar isso é deitar por terra toda a moralidade.
O modelo de moral social de tipo consensual.- Antônio Paim foi quem primeiro
propôs este modelo na sua obra intitulada Modelos éticos escrita em 1983 e publicada
posteriormente [1992]. Ali, o autor analisa a forma em que foi tematizada, pela primeira
vez, a moral social na Inglaterra no século XVII, e segue os passos que ela percorreu ao
longo dos séculos XVIII, XIX e XX. Assim como Kant firmou as bases da moral do dever
(chamada por Weber de "ética de convicção"), os moralistas ingleses formularam a moral
social de tipo consensual. Na sua essência, ela consistiria no seguinte: nas sociedades
modernas, multitudinárias e pluralistas, vários padrões de moral individual (fixados pela
família, a igreja,, a escola e o convívio social) muitas vezes se contrapõem. Sem que isso
signifique relativização da moral individual, cuja essência consiste no imperativo
categórico ou consciência do dever moral, tornou-se necessária a formulação negociada de
uma moral social, que indique o mínimo que passará a ser exigido de qualquer cidadão.
Não é desejável que esse mínimo seja fixado por uma determinada confissão religiosa;
poder-se-ia dizer que ela seria privilegiada face às outras. Também não é desejável que esse
mínimo seja fixado de forma imperativa pelo Estado: além de não ser ele ente moral (pois é
fruto, como frisa Thomas Paine, de nossas fraquezas e não das nossa virtudes), ficaria
seriamente comprometida a evolução democrática da sociedade.
A questão da moral social de tipo consensual remete-nos a outra, igualmente
essencial: a necessidade de promover a educação básica, a fim de que a sociedade possa
deliberar acerca de seus problemas morais. É claro que numa sociedade de pobres e
analfabetos, impor-se-á autoritariamente a minoria ilustrada e poderosa. Isso não significa
que a questão da moral social deva ser relegada às calendas gregas, mas que deve haver
uma equilibrada evolução da sociedade nos planos econômico, político e cultural.
Falar em moral social de tipo consensual no Brasil de hoje -- como em qualquer país
latino-americano ou do terceiro mundo --, implica em encarar os problemas do estatismo,
dos graves desequilíbrios na distribuição da riqueza, do analfabetismo, etc. O primeiro
passo, certamente, consiste em chegar à convicção de que não haverá
democracia enquanto
os nossos povos não tenham a capacidade de fixar, por si próprios, de maneira consensual,
a moral social que deve presidir ao convívio político. Sem essa base moral, os decretos e as
leis são letra morta. Somente a consciência moral é base para a democracia e para a
mudança. Como frisa Michel Crozier [1979], "não se muda a sociedade por decreto".
Na sociedade brasileira, tradicionalmente (ao longo da nossa história quadri-secular)
a moral social foi formulada de maneira vertical, quer pela Igreja -- quando ainda
Obra organizada por Antônio Paim, em 1979,
com motivo do patrulhamento ideológico de
tipo totalitário, existente na PUC/RJ, que
levou ao fechamento do Curso de Mestrado
em Pensamento Brasileiro.
prevalecia a cultura agrária --, quer pelo senhor de engenho --nos remotos tempos da casa
grande --, quer pelo Estado autoritário -- até o final do ciclo militar --, quer pela mídia --
nos tempos recentes da abertura e da atual experiência democrática --. Um fato novo, no
entanto, começou a se generalizar no país, notadamente após a Constituição de 1988 a qual,
embora carregada ainda de vícios corporativistas e casuistas [cf. Mercadante, 1990], pôde
ser chamada de "Constituição cidadã", justamente pelo fato de ter sido concebida a partir da
perspectiva do cidadão, não do Estado (como era praxe na nossa tradição constitucional).
Esse fato novo é o seguinte: a sociedade brasileira tem tomado, paulatinamente, consciência
de que ela própria deve se engajar na discussão e na fixação dos princípios de moral social.
Essa consciência tem-se desenvolvido, com maior intensidade, após o affaire Collor de
Mello, que conduziu ao impeachment de um mandatário eleito a partir da pregação do
binômio moralidade-modernidade. Desiludida em face da incapacidade moralizadora do
Estado, a sociedade tem acordado para múltiplas e variadas iniciativas que possuem, como
base comum, a preocupação com a discussão dos princípios da moral social, bem como
com o pressuposto de que ela deve ser formulada consensualmente.
5) O empresário, os valores morais e a cidadania no Brasil
contemporâneo
A figura do empresário como produtor de riqueza tem sido muito desvalorizada no
contexto da cultura brasileira, afinada com a mentalidade contra-reformista de ódio ao lucro
e aos empreendimentos materiais. Mas não foi apenas a Contra-Reforma que atrapalhou o
surgimento, no Brasil, de autêntica mentalidade capitalista. O Estado patrimonial,
orçamentívoro e centralizador tem, na nossa história, boa parcela de responsabilidade. Ser
empresário era, para a mentalidade ibérica dos séculos XV e XVI, estar com a cabeça a
prêmio. O Rei, "mercador de mercadores" em Portugal, segundo a acertada expressão de
Lúcio de Azevedo [1978], não admitia concorrentes. Max Weber [1944] tem demonstrado
que da dinâmica do patrimonialismo decorre essa caraterística. Um poder patriarcal
omnímodo não tolera poderes paralelos. Estes foram, certamente, muito fortes na parte da
Europa que conheceu o Feudalismo, tendo decorrido dessa luta entre interesses diferentes, a
diversificação da sociedade em classes, o confronto entre estas e o surgimento do Estado a
partir de um contrato entre as mesmas. Mas, no contexto patrimonialista que vingou na
Península Ibérica e, por extensão, na América Latina, as coisas ocorreram de forma
diferente. Entre nós, constituiu-se um Estado mais forte do que a sociedade, administrado
ciosamente por estamentos que não toleravam poderes sociais concorrentes.
Consequentemente, a sociedade não se diversificou e todo mundo ficou pendurado do
Estado empresário. E o Brasil não achou o rumo para o seu desenvolvimento.
São inúmeros os testemunhos acerca da ausência, no Brasil, de uma autêntica
mentalidade capitalista, que favoreça o desenvolvimento econômico. Ao passo que ser rico,
num país desenvolvido como os Estados Unidos, é símbolo de vitória e de preeminência
social, o rico, no Brasil, se esconde ou por medo a ser perseguido pelo Estado
orçamentívoro, ou porque acha que será assinalado como causa da pobreza. A propósito,
recente pesquisa desenvolvida pela Revista Exame mostrava que ninguém assume entre nós
que é rico, preferindo se mimetizar na classe média [cf. Ferreira, 2000: 38-39]. Isso, aliás,
constitui hábito cultural decantado na sociedade brasileira, em longos séculos de
perseguição contra quem ostentasse, perante o Estado patrimonial, sucesso econômico.
Primeiro, as vítimas foram os judeus e os cristãos novos. Logo, os empresários, aqueles que
conseguem produzir riqueza. O interessante de tudo isso é que a figura do político, como
aquele que utiliza o poder para enriquecimento próprio, não foi exorcizada da nossa cultura.
Como frisa Simon Schwartzman, ao passo que a política é, para outros povos, um meio de
melhorar os negócios, para o brasileiro ainda é o grande negócio [cf. Schwartzman, 1982].
A causa do nosso secular atraso consiste, sem dúvida, nessa hipertrofia do Estado
sobre a sociedade e na falta de estímulos de tipo cultural, (e a ética do trabalho é um
destes), para a livre iniciativa e a definitiva consolidação da economia de mercado. Os
inimigos do nosso desenvolvimento não são exógenos, como pretende a chocha retórica
nacionalista. Valham aqui as palavras de Roberto Campos: "Nunca aderi ao discurso de
denúncia em relação aos agentes externos -- imperialismo e capitalismo -- pois sempre
achei que os nossos demônios eram internos. Descobri o inimigo: somos nós mesmos, como
se diz na fábula de Pogo. E cedo me desiludi do paternalismo governamental. Em nosso
assistencialismo demagógico os assistentes se dão melhor que os assistidos. O gasto social
no Brasil é uma sucessão de ralos burocráticos. Assim o atestam o péssimo estado da
educação pública, o desastre no sistema de saúde e as humilhações impostas à clientela da
previdência social. Cada vez mais me convenço da terrível verdade do que dizia o liberal
mexicano Octavio Paz: O Estado é um pai terrível; na melhor das hipóteses, um ogro
filantrópico" [Campos, 1994: 1282].
A Revolução Industrial ensejou uma sociedade dinâmica em que, pela primeira vez
na história do homem, disseminou-se o bem-estar material. Surgiram grandes cidades e a
situação dos trabalhadores, nelas, tornou-se algo muito difícil, haja vista os testemunhos de
romancistas de início do século XIX na Inglaterra, como Dickens, ou de estudiosos das
questões sociais, como Marx. Graças aos avanços da medicina e à acumulação de riquezas
por parte dos industriais, as cidades melhoraram muito na sua estrutura urbanística, sendo
abertos parques e jardins e tendo sido empreendidas obras de esgotamento sanitário. A
história de cidades como Londres ou Paris é muito clara a esse respeito, com diversos
planos de urbanização e de melhora das condições de vida, ao longo do século passado.
Paralelamente, a indústria e a vida urbana aceleraram o surgimento de empresas de
prestação de serviços e a propriedade disseminou-se. Os trabalhadores melhoraram
sensivelmente o seu padrão de vida, tendo conquistado prerrogativas importantes. Ao
mesmo tempo, desapareceram as grandes diferenças até então existentes entre campo e
cidade. A agricultura tecnificou-se e as condições de vida no campo melhoraram
sensivelmente. No chamado mundo desenvolvido, desapareceram os grandes desníveis na
distribuição da renda [cf. Paim, Prota, Vélez, 1999, vol. I: 7-9].
Como o emprego tornou-se, na moderna sociedade industrial, o meio através do
qual se garantia o padrão de vida do cidadão, o empresário que criava fontes de trabalho
Roberto Campos, um dos mais lúcidos críticos
das contradições da burocracia brasileira, na
segunda metade do século XX.
passou a ser muito valorizado. Destarte, em países como os Estados Unidos, todos os anos
inúmeras publicações e eventos oficiais e particulares engrandecem
a figura do empresário,
como aquele que garante o bem-estar das suas comunidades. Contrariamente ao que se
supunha no século XIX, a sociedade industrial não se consolidou em todo o mundo. Muitos
países permaneceram pobres, como é o caso de Portugal, sendo que agora, com a inserção
na Comunidade Européia viu-se obrigado a se modernizar, superando anacrônicos critérios
em matéria econômica e social. Pensava-se que o atraso da África decorria da sua condição
colonial; mas quando países outrora submetidos ao regime colonial, como os Estados
Unidos, Austrália e o Canadá, tornaram-se amplamente desenvolvidos, viu-se que a razão
para o atraso africano não era exatamente essa. Tendo-se tornado independentes dos antigos
regimes coloniais, os países do continente africano permaneceram, via de regra, no atraso.
A Revolução Industrial tampouco aconteceu em todos os países da Ásia, circunscrevendo-
se ao Japão e aos chamados Tigres Asiáticos. Os sucessivos e enormes aumentos nos
preços do petróleo não significaram, de outro lado, melhores condições de vida para as
populações dos países do Extremo Oriente ou da América Latina (como é o caso da
Venezuela).
De outro lado, podemos indagar por que razão um país como o Brasil, que no século
XVII despontava como uma potência mundial, graças à hegemonia que lhe deu a produção
de açúcar, ficou atrelado ao atraso nos séculos subseqüentes, sendo de longe ultrapassado
por países (como os Estados Unidos), que estavam notoriamente atrás dele naquele tempo.
Muita discussão tem ensejado essa pergunta. Algumas respostas reforçam a nossa situação
de complexo subdesenvolvido: somos pobres porque os Estados Unidos são ricos. É uma
forma de não responder à questão. Entre outras coisas, porque tal colocação situa-se,
anacronicamente, no contexto mercantilista. Nele, os processos de enriquecimento
implicam em empobrecimento de alguém, toda vez que se parte do pressuposto de que a
riqueza já está feita. Qualquer alteração na posse dela pressupõe, portanto, um processo de
soma zero. Se alguém fica rico, é porque tomou de outra pessoa. Ora, a questão tem de ser
colocada no contexto macroeconômico, que foi formulado inicialmente por Adam Smith e
em cujo seio situa-se a moderna concepção da economia, inclusive a do próprio Marx. Para
esse contexto, a riqueza não está feita e pode ser produzida pelo trabalho e o engenho
humanos. De forma tal que os ricos não o são porque roubaram dos pobres, mas porque
produziram a riqueza.
A questão de fundo é de índole moral e consiste no fato de que entre nós não se
solidificou uma ética do trabalho nem uma apreciação positiva dos valores que ensejaram o
surgimento do capitalismo: eficiência, produtividade, espírito de empreendimento. Muito
pelo contrário, a nossa cultura incorporou os anti-valores da concepção contra- reformista:
ódio ao lucro, desinteresse pelas coisas deste mundo, avaliação negativa do trabalho como
castigo pelo pecado original. A propósito deste aspecto, é destacado o seguinte no curso
intitulado O empresário e a cidadania: "Pretendemos que se proceda a uma discussão mais
sofisticada e, com essa intenção, submetemos à meditação dos participantes a questão da
persistência, entre nós, dos valores que nos foram transmitidos pela Contra Reforma. Tudo
leva a crer que justamente essa persistência explique alguns fenômenos que nem sempre
são considerados em conjunto mas que constituem um todo homogêneo. Temos em vista o
desapreço pelo empresário e a simultânea adoração do Estado, de um lado e, de outro, as
dificuldades com que nos defrontamos, há cerca de duzentos anos, para implantar as
instituições do sistema representativo" [Paim, Prota, Vélez, 1999, vol. I: 9].
A mudança somente ocorrerá pela troca de paradigma cultural. Trata-se de substituir
o modelo contra-reformista por uma concepção moderna, aberta ao capitalismo e ao
desenvolvimento. Isso só ocorrerá através de um amplo processo educacional que deverá
levar em consideração dois aspectos: 1) mostrar aos empresários o papel mais ativo que
podem assumir para mudar as instituições no Brasil, não promovendo apenas clubes de
estudo, mas se organizando políticamente para promover mudanças na legislação, que
favoreçam a consolidação da modernidade econômica entre nós; 2) incutir nas novas
gerações um conjunto de valores condizentes com a modernidade, o que implicaria a
discussão de um novo paradigma de educação para a cidadania. É necessário discutir
propostas nesse sentido. Parece que, até agora, as mais agressivas alternativas tem sido
assinaladas pelos que pretendem continuar com o nosso subdesenvolvimento tradicional,
reforçando um modelo de Estado patrimonial vinculado a propostas estatizantes e
socialistas. Uma proposta do ângulo liberal é apresentada na obra Cidadania: o que todo
cidadão precisa saber [cf. Paim, Prota, Vélez, 1999a].
Em outras palavras, trata-se de substituir uma ordem de valores tradicionalistas,
vinculados à Contra-Reforma e ao desprezo deste mundo, por uma outra ordem axiológica
aberta à modernidade, à produção de riqueza e à promoção do bem-estar material de todos
os cidadãos. Sem essa mudança de fundo, de pouco adiantarão reformas na legislação. As
novas leis simplesmente não pegarão. A nova ordem de valores deverá expressar a
realidade da economia capitalista, que segundo Max Weber caracteriza-se pelos seguintes
itens: "1) apropriação de todos os bens materiais de produção como propriedade de livre
disposição por parte das empresas lucrativas autônomas; 2) a liberdade mercantil, isto é, a
liberdade de mercado em relação a toda irracional limitação; 3) técnica racional, isto é,
contabilizável ao máximo e, por conseguinte, mecanizada, tanto na produção como na
troca, não só quanto à confecção senão também com respeito aos custos de transporte; 4)
direito racional, isto é, direito calculável. Para que a exploração capitalista proceda
racionalmente, precisa confiar em que a justiça e a administração seguirão determinadas
pautas; 5) trabalho livre, isto é, que existam pessoas, não somente do ponto de vista jurídico
mas econômico, (que vendam) livremente a sua atividade num mercado; 6) comercialização
da economia, sob cuja denominação compreendemos o uso geral de títulos de valor para os
direitos de participação nas empresas e igualmente para os direitos patrimoniais" [Max
Weber, História econômica geral, 1923, cit. por Paim, Prota, Vélez, 1999, vol. I: 11].
É evidente que uma ordem de valores morais que responda à realidade econômica
que acabamos de descrever, deverá ser muito diferente dos primeiros oito modelos de moral
social que foram descritos no item 4 desta exposição. A nova ordem de valores deverá ser
um modelo de moral social consensual (formulado, portanto, horizontalmente no seio da
sociedade brasileira), aberto à modernidade e à empresa capitalista. Mencionemos os
valores que esse novo modelo deveria comportar: apreço pelo trabalho produtivo,
eficiência, racionalidade, apreço pela liberdade e valorização da livre iniciativa. O valor da
solidariedade deverá estar presente, mas não da forma em que se faz costumeiramente na
nossa cultura, banindo como imoral a produtividade e o lucro. A questão do bem comum é
fundamental, mas como expressão da conciliação dos interesses materiais dos indivíduos.
Deve ficar claro que não existe interesse público nem bem comum que desconheçam a
defesa dos interesses dos indivíduos.
Benjamin Constant de Rebecque, em texto lúcido e clássico do pensamento liberal,
deixou clara a relação estreita que existe entre bem público e defesa incondicional dos
interesses individuais. Terminaremos esta exposição com a transcrição desse texto, tirado
dos Princípios de Política (obra escrita em 1815): "O que é o interesse geral senão a
transação que se faz entre os interesses particulares? O que é a representação geral senão a
representação de todos os interesses parciais que devem transigir naquilo que lhes é
comum? O interesse geral é diferente, sem dúvida, dos interesses particulares, mas não é
contrário a eles. Fala-se sempre como se uma pessoa ganhasse o que os outros perdem; o
geral não é senão o resultado desses interesses combinados; deles difere como um corpo
difere das suas partes. Os interesses individuais são os que mais concernem aos indivíduos;
os interesses dos distritos são os que mais concernem a estes. Ora, são os indivíduos e os
distritos os que compõem o corpo político; são, conseqüentemente, os interesses desses
indivíduos e desses distritos os que devem ser protegidos. Ao protegê-los a todos, suprimir-
se-á de cada um deles o que prejudica aos demais, disso resultando o verdadeiro interesse
público, que coincide com os interesses individuais, uma vez que lhes foi tirado o poder de
se prejudicarem mutuamente. Cem deputados nomeados por cem distritos de um Estado
levam ao seio da assembléia os interesses particulares, as preocupações locais dos seus
representados. Essa base é útil a eles: forçados a deliberarem juntos, logo percebem os
sacrifícios respectivos que são indispensáveis. Esforçam-se para diminuir a extensão deles,
e nisso reside uma das maiores vantagens da forma de sua designação. A necessidade acaba
sempre por uni-los numa transação comum, e quanto mais fragmentadas tiverem sido as
eleições, a representação consegue um caráter mais geral. Se for invertida a gradação
natural, se for colocado o corpo eleitoral na cúpula do edifício, os nomeados por ele
deverão se pronunciar em relação a um interesse público cujos elementos desconhecem,
(pois) lhes é incumbida a tarefa de conciliar interesses cujas necessidades ignoram ou
desprezam. Convém que o representante de um distrito atue como órgão do mesmo, que
não abra mão de nenhum dos seus direitos, reais ou imaginários, senão depois de tê-los
defendido; que seja parcial na defesa dos interesses de que é mandatário, porque se cada um
for parcial nessa defesa, a parcialidade de cada um, unida e conciliada, terá as vantagens da
imparcialidade de todos" [Constant de Rebecque, 1970: 46-47].
6) O fenômeno da globalização: pressupostos éticos e
exigências educacionais
A comunicação a nível mundial é, neste início de milênio, o fato cultural mais
relevante a que a Humanidade já assistiu, desde a invenção do Lógos filosófico pelos
Gregos. Destacarei neste artigo a base ético/filosófica desse fato. Para cumprir com este
objetivo desenvolverei quatro itens: em primeiro lugar, os paradoxos do início de milênio e
o papel desempenhado, em face deles, pela comunicação globalizada; em segundo lugar, a
estrutura e a dinâmica da integração mundial via redes; em terceiro lugar, as exigências
educacionais dos novos sistemas comunicativos e, por último as bases humanísticas,
notadamente éticas, da globalização no novo milênio.
Os paradoxos do início do milênio e o papel desempenhado, em face deles, pela
comunicação.- Toda mudança de século aguça a imaginação de líderes religiosos,
historiadores, cientistas e do próprio homem comum. Quando se trata da passagem de um
milênio para outro, as expectativas se exacerbam. O advento do Cristianismo marcou o
início do primeiro milênio. As esperanças messiânicas da unidade religiosa européia
marcaram o trânsito do ano 999 para o 1000, com a conversão da Rússia ao Cristianismo
em 989. As tendências à globalização da política, da economia e da cultura, marcam a
passagem ao terceiro milênio.
Em face da virada milenar, descortinam-se dois caminhos: o da ratio e o da fides.
Podemos encarar o novo milênio rationaliter -- como dizia Nicolau de Cusa, no início da
Renascença -- checando à luz da razão, uma a uma, todas as variáveis que se apresentam.
Ou podemos, diversamente, encarar os novos tempos intellectualiter -- na terminologia do
mencionado pensador --, ou seja, à luz da fé no mistério. Não se trata aqui de fazer uma
escolha excludente. Ambos os pontos de vista, no terreno que lhes compete, são válidos,
conquanto um não pretenda impedir a existência do outro. Provenientes de fontes diversas,
fides e ratio podem conviver no homem, respeitando cada uma a sua peculiaridade. Essa
síntese dialética era a que constituía a douta ignorância proposta por Nicolau de Cusa.
Síntese paradoxal dos contrários, sem a qual o conhecimento humano ficaria incompleto e
que o pensamento renascentista soube manter em toda a sua complexidade dinâmica.
Lembremos, por exemplo, a singular valorização da magia ao lado da ciência que
encontramos no pensamento de Galileu Galilei, ou a dupla vertente representativa proposta
por Leonardo da Vinci: a plástica (imago) e a racional (conceito), ambas indissoluvelmente
ligadas.
No terreno das expectativas racionais, como se apresenta o novo milênio? Segundo
Paul Kennedy [1993], seis tendências gerais podemos identificar no limiar do ano 2000: a
explosão demográfica; a revolução nas comunicações, bem como no terreno financeiro e no
da ascensão da empresa multinacional; a questão da agricultura mundial e a revolução da
biotecnologia; a robótica, a automação e a nova revolução industrial; os perigos para o
nosso meio ambiente natural e a problemática do Estado nacional. Poderíamos falar, ao nos
referirmos a essas seis grandes tendências, de gravíssimos paradoxos que enfrenta a
Humanidade neste início de milênio. Façamos um rápido balanço, mesmo que superficial,
acerca das momentosas questões que cada uma dessas tendências levanta, destacando o
estreito nexo que há entre o equacionamento dos problemas propostos por elas e o
fenômeno da comunicação.
Quanto à explosão demográfica [cf. Kennedy 1993: 28 seg.], é necessário destacar a
dimensão gigantesca do problema. A população mundial passará dos atuais 5,3 bilhões de
habitantes para 8,5 bilhões em 2025 e 14,8 bilhões em 2075. A aceleração do crescimento
demográfico tem aumentado consideravelmente nos últimos cinqüenta anos e a previsão é
de que continue a aumentar. No período compreendido entre 1950 e 1955, a população do
planeta cresceu anualmente numa proporção equivalente ao número de habitantes da
Inglaterra (47 milhões). No período 1985-1990 a população mundial cresceu, por ano,
numa proporção equivalente aos habitantes do México (88 milhões). No período 1995-
2000, estima-se que a população mundial terá aumentado anualmente na proporção do
número de habitantes da Nigéria (112 milhões). Se os países quiserem equacionar
racionalmente a questão do crescimento populacional, deverão fazer um grande esforço de
esclarecimento dos seus habitantes, no que tange às políticas e técnicas de controle da
natalidade. É evidente que, nessa empreitada, os meios de comunicação de massa
representam o mais importante instrumento de que dispõem os governos, especialmente os
dos países em desenvolvimento, às voltas com sérios problemas no ensino básico.
No relativo às comunicações, à revolução financeira e à ascensão da empresa
multinacional, Paul Kennedy [1993: 45] frisa que o atual fenômeno da economia mundial
corresponde à globalização. As empresas multinacionais, estimuladas pela redução do
protecionismo e pela decisão dos Estados Unidos, tomada em 1970, de abandonar o padrão
ouro e de liberalizar os controles cambiais, firmam-se como os principais atores
econômicos neste início de milênio. Em função de um mercado global, as empresas estão
sendo levadas a produzir nas regiões do mundo que melhores condições ofereçam. Além de
se beneficiarem com as economias de escala, elas passam a se resguardar das incertezas do
mercado e das flutuações das moedas. A recessão na América Latina ou na Europa,
certamente preocupará menos a uma empresa que tenha penetrado no mercado asiático. Os
novos sistemas de teleinformática permitem ao mercado financeiro trabalhar
ininterruptamente durante as 24 horas do dia e transferir, em segundos, de um ponto a outro
do planeta, enormes somas de dinheiro, de acordo com as necessidades do mercado [cf.
Kennedy, 1993: 51 seg.]. Do processo de globalização sairão beneficiadas as nações que
melhor se tiverem preparado tecnológica, cultural e politicamente para lidar com as
empresas multinacionais e com a atual realidade do mercado mundial. É evidente que,
nesse contexto, o acesso à teleinformática será definitivo para os países do Terceiro Mundo
se integrarem à economia internacional. Para que isso se concretize, eles deverão dar
preferência ao alargamento e aperfeiçoamento do ensino básico, bem como à política de
abertura tecnológica dos seus sistemas de comunicação.
No relativo à agricultura e à revolução da biotecnologia, é necessário destacar que o
modelo atual de produção está esgotado. De acordo com o World Watch Institute, é
necessário um aumento na produção de alimentos de 28 milhões de toneladas a cada ano,
somente para acompanhar o crescimento populacional. Ora, o ritmo atual de aumento da
produção agrícola é de apenas 15 milhões de toneladas por ano. Várias possibilidades são
levantadas pelos especialistas, visando a equacionar este grande problema: em primeiro
lugar, a criação de estímulos para a transferência dos excedentes agrícolas dos países
desenvolvidos para o Terceiro Mundo; em segundo lugar, a multiplicação do volume de
terras cultivadas; em terceiro lugar, o aumento da eficiência dos agricultores nos países
pobres; em quarto lugar, a adoção sistemática da biotecnologia, que consiste numa técnica
que utiliza organismos ou processos vivos "para fazer ou modificar produtos, melhorar
plantas ou animais, ou para desenvolver microorganismos para usos específicos" [Kennedy,
1993: 67]. Ora, esse elenco de alternativas exige o desenvolvimento acelerado de
conhecimentos e a sua circulação em largas camadas da população que se dedica às fainas
agrícolas, especialmente no Terceiro Mundo. Sem um sistema moderno de ensino básico e
de teleinformática, será impossível a um país como o Brasil ter acesso às novas tecnologias
que aceleram a produção no campo.
No que diz respeito à robótica, à automação e a uma nova revolução industrial [cf.
Kennedy, 1993: 81 seg.], pode-se afirmar que, nos dias que correm, assistimos a uma
modificação tão profunda como a causada pela Inglaterra no século XVIII, quando da
invenção da produção fabril. Assim como a era do artesanato foi substituída pela primeira
revolução industrial (que homogeneizou nas cidades um proletariado separado das suas
bases rurais), está acontecendo hoje, sob a batuta do Japão, uma outra revolução igualmente
profunda e prenhe de conseqüências sociais: os robôs mandam os trabalhadores para casa,
enquanto as máquinas os tinham concentrado nas fábricas. A partir da utilização sistemática
dos robôs de terceira geração (ou robôs inteligentes, capazes de resolver problemas)
assistimos, nas empresas japonesas, a uma nova revolução industrial, a chamada por Alvin
Toffler [1995: 16 ; 1997: 141-143] de terceira onda, alicerçada na aplicação de
conhecimentos muito especializados, bem como na sua transmissão. Neste, como em outros
terrenos, beneficiar-se-ão os países que tiverem equacionado o problema do ensino básico e
que houverem realizado notáveis investimentos em pesquisa e em tecnologia de
comunicações. Além do Japão e dos Tigres Asiáticos, a Europa Ocidental, os Estados
Unidos, Austrália e o Canadá estão sem dúvida em condições de aproveitar cada vez mais a
robótica. Teremos possibilidades, no Brasil, de chegar a essa tecnologia, com a tendência
do Estado a dinossaurizá-lo tudo, notadamente o que diz respeito à democratização do
conhecimento?
Já no relacionado aos perigos crescentes para o nosso meio ambiente natural [cf.
Kennedy, 1993: 95 seg.], não perdeu validade o que tantas vezes foi dito na reunião da Eco
92, no Rio de Janeiro: são gravíssimos os danos causados à natureza pelo crescimento
demográfico e pela industrialização. Levando apenas em consideração o período
compreendido entre 1950 e 1993, estima-se que o mundo perdeu aproximadamente um
quinto de solo arável em terras férteis, um quinto de suas florestas tropicais e algumas
dezenas de milhares de espécies vegetais e animais. Isso sem considerar a contaminação
das águas e do ar, responsável esta última pelo efeito estufa e pela destruição da camada de
ozônio. De novo salta aqui à vista a importância do ensino básico e das comunicações no
equacionamento dos problemas ambientais, pois os danos ao ecossistema mundial são
causados por todos, ricos e pobres, e a inviabilização da vida sobre a Terra é um risco que
afeta à Humanidade como um todo. Conseqüentemente, a consciência da solidariedade
planetária é a condição prévia para qualquer política ecológica de longo alcance. Ora, essa
consciência é constituída, fundamentalmente, pela meditação filosófica e pela aplicação das
tecnologias de comunicação de massa aos processos educativos formais e informais.
No que diz respeito à problemática do Estado nacional [cf. Kennedy, 1993: 121],
em que pese o fato de os governos não possuírem hoje a força de que dispunham em
O embaixador José Osvaldo de Meira Penna, autor de O
Dinossauro (São Paulo, 1988), uma das melhores radiografias
da inoperância do Estado Patrimonial brasileiro.
séculos anteriores, devido à crescente internacionalização da política e da economia, é
necessário reconhecer, contudo, que o Estado é ainda o mais importante instrumento com
que contam as nações para se prepararem a fim de enfrentar os reptos do novo milênio. É
evidente que se faz necessário, especialmente nos países do Terceiro Mundo, racionalizar o
papel do Estado e limitar o seu tamanho, reduzindo-o àquilo que a iniciativa privada não
puder resolver. Mas justamente no cumprimento das suas funções essenciais, uma das quais
é sem dúvida a formulação de políticas de desenvolvimento levando em consideração a
conjuntura internacional, os Estados precisam hoje de um cabedal crescente de
informações, bem como de processos rápidos e eficazes de comunicação com os seus
cidadãos, com as agências e as instituições internacionais e com outros governos.
A integração mundial via redes.- Ao analisarmos os paradoxos do final de milênio,
chegamos à seguinte conclusão: a comunicação entre os homens a nível mundial, está na
base da busca de soluções aos problemas que enfrenta a humanidade. Esse caminho, aliás,
não é novo. Já no século XVII, o filósofo Gottfried Wilhelm Leibniz, em face do paradoxo
da atomização cultural da Europa decorrente do abandono do latim como língua franca da
cultura, bem como das guerras de religião, da desacralização do mundo efetivada pela
revolução científica e do surgimento das filosofias nacionais expressas em línguas
vernáculas, propunha uma linguagem universal que garantisse a comunicação entre os
homens. Segundo Leibniz, há discussões e desentendimentos porque a linguagem usa
palavras equívocas, que acobertam sob o mesmo vocábulo conceitos diversos e até
contraditórios. O caminho para superar esse impasse seria, para o filósofo alemão, a adoção
de uma linguagem matemática, que substituísse as inexatas expressões das línguas
vernáculas por símbolos algébricos. "Calculemos, a fim de que nos entendamos", esse era o
slogan que Leibniz divulgou na sua obra intitulada De arte combinatória, que constitui a
remota origem da lógica matemática. Esta disciplina foi sistematizada, no início do século
XX, por Bertrand Russell e Alfred North Whitehead na obra Principia mathematica e
constituiu, por sua vez, a base para a elaboração, a partir dos anos 50, da lógica dos
circuitos ou lógica binária, fundamento da memória artificial dos computadores. A lógica
dos circuitos substituiu por impulsos elétricos os símbolos
algébricos propostos pela lógica
matemática.
Acontece hoje, graças à telemática (ou informática utilizada nos meios de
comunicação), o magnífico fenômeno da integração mundial via redes, que permite ao
homem de nossos dias ampliar indefinidamente o horizonte da comunicação com os seus
semelhantes, tornando realidade em boa medida o ideal acalentado por Leibniz no século
XVII. Essa nova realidade constitui uma autêntica revolução nas comunicações e está tendo
insuspeitas conseqüências nos terrenos do exercício do poder, da economia, da educação e,
O filósofo prussiano Gottfried Wilhelm Leibniz
(1646-1716), autor do livro De arte combinatoria,
que deitou as bases para a lógica matemática e a
lógica dos circuitos, fundamentos da lógica binária,
utilizada na programação dos atuais computadores.
em geral, da cultura contemporânea [cf. Dorneles e Carvalho, 1994]. Esse novo fato
constitui o cerne da terceira onda, que é entendida pelo seu teorizador, Alvin Toffler
[1995:16], como "a mudança na relação entre conhecimento e economia".
A mais importante manifestação dessa terceira onda é a Internet, que tem sido
objeto de análises recentes do ângulo de como essa tecnologia está mudando os caminhos
para os negócios [Verity e Hof, 1994: 38-44]. As origens da Internet situam-se em plena
guerra fria. Em 1969 o Pentágono, preocupado com uma possível "decapitação" do sistema
de telecomunicações nos Estados Unidos, criou o estratégico programa chamado de
Arpanet, que vinculava via telemática quatro laboratórios de pesquisa, dando ensejo a que
dezenas de pesquisadores e engenheiros trocassem informações básicas de segurança e
testassem formas para tornar essa rede mais ampla e eficaz. Diminuídas as tensões da
guerra fria, o sistema se alargou ao resto da sociedade americana e ao mundo, como forma
de correio eletrônico que se expandiu vertiginosamente. Em 1983 a rede interligava um
milhão de pessoas; em 1994 esse número pulou para 20 milhões e deve chegar a 300
milhões em 2000. No Brasil, os usuários da rede chegam hoje a 12 milhões
aproximadamente.
As possibilidades abertas pela rede são infinitas, no que tange ao correio eletrônico,
à participação em grupos de discussão através de chats, às compras em shoppins centers
virtuais, ao lazer, à pesquisa bibliográfica e documental, às trocas de informações culturais
e práticas, ao ensino e treinamento profissional, à indústria do turismo, à prestação eficaz
de serviços de saúde (através dos hospitais virtuais), à agilização dos processos de
avaliação acadêmica e de recursos humanos, etc. Até os guerrilheiros zapatistas e os das
FARC divulgam as suas reivindicações via Internet. E abre-se também a possibilidade para
cometer crimes virtuais no terreno do terrorismo, da pedofilia, da prostituição, da
chantagem e dos atentados contra o patrimônio e a privacidade das pessoas. Os hackers são
considerados hoje, sem exagero, os piratas do mundo virtual.
Nem os filósofos neo-platônicos -- que falavam de uma "alma do mundo" ou razão
universal, nem Immanuel Kant [1985] (que no século XVIII desenvolveu a idéia de eu
transcendental para se referir à capacidade da razão de elaborar conhecimentos
universalmente válidos), nem Georg Wilhelm Friedrich Hegel (que no século passado
elaborou o conceito de espírito absoluto para significar o mesmo fenômeno, destacando a
sua natureza histórica) imaginaram que a Humanidade chegaria tão perto da comunicação
planetária, no final do século XX. Não é casual que pensadores como Jürgen Habermas
[1989] desenvolvam hodiernamente modelos de éticas dialógicas ou comunicativas e que
culturalistas como Antônio Paim [1977] falem em moral social consensual, justamente
chamando a atenção para o fato de o homem ser, fundamentalmente, um ser que se
comunica.
Exigências educacionais dos novos sistemas comunicativos.- Em face das exigências que
as novas tecnologias da comunicação colocam à sociedade brasileira, poder-se-ia lembrar a
crítica de um educador: "mestres de ontem, com métodos de anteontem, preparam hoje a
geração de amanhã". Porque não há dúvida de que a educação perdeu o bonde da história
no nosso país, tanto nos níveis básico e secundário, quanto no terceiro grau. A causa
fundamental dessa situação negativa é a pouca importância efetiva que à educação tem sido
dada pelas políticas públicas, ao longo dos últimos trinta anos. Felizmente parece que os
nossos governantes começaram a se preocupar com isso e as políticas educacionais voltam
a receber, nos planos do governo pelo menos, a importância que lhes foi desconhecida.
A nível municipal, começam a surgir iniciativas públicas e privadas, no sentido de
renovar os métodos pedagógicos nos ciclos básico e secundário, utilizando as novas
tecnologias da comunicação no processo educacional. É o que acontece, por exemplo, com
o Projeto III Milenium, que vem sendo desenvolvido, há alguns anos, pela Secretaria
Municipal de Educação de São Paulo, com o objetivo de "equipar os colégios com recursos
de informática para que as crianças tenham acesso à pedagogia informatizada" [Dorneles e
Carvalho, 1994: 15] e que já se estende a 54 escolas. Iniciativas particulares nesse mesmo
sentido também foram desenvolvidas em São Paulo (por exemplo, nos colégios
Arquidiocesano, Bandeirantes, Pueri Domus, Augusto Laranja, Galileu Galilei e outros),
bem como em instituições privadas de ensino básico e secundário no Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e outras cidades. Diante do problema da insegurança
crescente das nossas grandes cidades e graças ao aumento do número de famílias de classe
média ligadas à Internet , não está longe o dia em que se organize a escola em casa ou
homeschooling, que nos Estados Unidos está tendo tanto sucesso (com um milhão e meio
de crianças sendo educadas nesse sistema). Isso, claro está, se a fúria legiferante do
Ministério da Educação permitir.
Como os tempos exigem soluções corajosas e efetivas, visto que qualquer mudança
no terreno educacional começa a produzir frutos concretos a médio prazo, é necessário
assinalar claramente as prioridades. Está certo o atual governo federal ao se definir
claramente em prol da renovação do ensino nos ciclos básico e secundário. Na trilha dessa
opção, é evidente que a formação e aperfeiçoamento de mestres é tarefa impostergável.
Uma sugestão concreta é a seguinte: por que a União não concentra os seus esforços, no
que tange ao terceiro grau, especializando o sistema federal de ensino na preparação de
professores para o ciclo básico e o ensino secundário e superior? Não se trata de abandonar
os centros federais de excelência que preparam profissionais para outras áreas. Mas sim
seria possível canalizar recursos para que as Universidades Federais abandonassem cursos
profissionalizantes de baixo nível e fossem organizando, nas diferentes regiões do país,
centros de excelência para formação, aperfeiçoamento e atualização de professores.
Tarefa prioritária desses centros federais de excelência educacional consistiria,
evidentemente, em utilizar os novos sistemas comunicativos, especialmente a
teleinformática, aplicando-os aos processos educacionais em todos os níveis. Cada
Universidade Federal seria, na sua região, o centro irradiador de novas metodologias e
tecnologias pedagógicas nos três níveis. É evidente que esta proposta conduz à
reformulação das Universidades Federais, vítimas do inchaço corporativista que hoje as
sufoca. A fim de superar esse desagradável fenômeno, seria necessário investir
corajosamente em duas frentes: administrativa e acadêmica. No terreno administrativo, a
principal sugestão seria converter as Universidades Federais em fundações, que pudessem
aplicar processos gerenciais produtivos e racionais como os adotados, na prestação de
serviços de saúde, pelo Hospital
Sara Kubitschek de Brasília. No terreno acadêmico, a
principal sugestão seria a implantação completa da avaliação institucional hoje em marcha,
evidentemente sem os vícios corporativistas que contaminaram a CAPES e o CNPq. Na
avaliação dos cursos universitários deve-se escutar principalmente aqueles que, na
sociedade brasileira, estão mais interessados em melhorar o nível das instituições de ensino
universitário: os próprios formandos (que enfrentam os dissabores da sua má formação,
quando já é tarde demais para recomeçar) e o setor produtivo, que é quem oferece
empregos. Esses são os segmentos consultados, por exemplo, nos Estados Unidos, pelas
instâncias privadas que fazem a avaliação das instituições de ensino superior [cf. Byrne e
Bongiorno, 1994: 36-42].
Poder-se-ia adotar, especialmente no que tange à atualização de professores, uma
combinação entre o sistema de ensino on line e o mais tradicional do ensino à distância.
Essas técnicas já têm dado resultados muito positivos nos Estados Unidos, na Inglaterra, na
Espanha, na Colômbia, etc. A mais importante experiência brasileira no campo do ensino à
distância é a desenvolvida pela Fundação Roberto Marinho, com apoio de outras
instituições como a Fundação Padre Anchieta. Nota-se, no entanto, um distanciamento
bastante grande das Universidades dessas formas de educação e formação profissional. A
única instituição pública que, no início dos anos oitenta, elaborou e começou a pôr em
prática programas de ensino à distância, foi a Universidade de Brasília, sob a reitoria de
José Carlos Azevedo. Chegados os socialistas caboclos à administração da Universidade,
no entanto, fecharam sem explicação alguma o Decanato de Extensão e dissolveram a
Editora que, em pouco mais de quatro anos, conseguiu arrolar mais de 15 mil leitores no
Clube do Livro. Tudo à sombra da onda petista que tomou conta da administração das
Universidades públicas. Esqueceram-se os nossos ativistas intelectuários que foram
precisamente os trabalhistas britânicos os que deram ensejo, nos anos 70, à Open University
e que foram os sociais democratas espanhóis os que, ao longo dos anos 80, organizaram a
Universidad de Enseñanza a Distancia (UNED) em Madri.
Bases éticas da globalização, no início do Terceiro Milênio.- Tenho destacado nos itens
anteriores, em primeiro lugar, de que forma a comunicação entre os homens está na base do
equacionamento dos grandes problemas que enfrentamos neste início de milênio; em
segundo lugar, tenho salientado a mais importante manifestação da terceira onda, o sistema
Internet, que constitui hoje fenômeno extraordinário de comunicação cibernética entre os
seres humanos. Foram destacadas, de outro lado, as exigências educacionais dos novos
sistemas comunicativos. Concluirei mostrando que sem o fundamento do estudo das
Humanidades, não saberemos incorporar plenamente esses recursos tecnológicos.
Os processos cibernéticos (e a telemática é um deles) pressupõem, além das
máquinas programáveis (os computadores, que constituem o hardware), um elenco de
informações programadas (ou software). Ora, tanto umas quanto outras pressupõem a
razão. É evidente que sem homens pensantes os computadores viram sucata. Portanto,
formar a razão das novas gerações é garantir a continuidade da teleinformática, bem como a
assimilação dessa tecnologia por outras gerações.
Três grandes problemas filosóficos coloca hoje a nova tecnologia da comunicação: a
questão da verdade, a do conhecimento a serviço do poder e a tradicional problemática da
liberdade em face da tecnologia. Apenas para mostrar a rica gama de questões levantadas,
do ângulo da filosofia, por esses problemas, aprofundemos um pouco em cada um deles.
No que tange à problemática da verdade, o mundo virtual tanto pode ser um
caminho para o esclarecimento, quanto para a falsidade. A nova tecnologia do ciberespaço
é, como diria o velho Parmênides, uma dokounta, ou seja, uma faca de dois gumes, que
tanto pode servir ao homem para a sua libertação rumo à luz, quanto para mantê-lo
encadeado às sombras da ignorância. Quantos enganos cometem-se diariamente em chats e
homepages! Quantos falsos retratos de seres humanos que oferecem (e buscam) carinho!
Quanta informação fraudulenta é repassada sem escrúpulo. Quanta falsidade é veiculada
pela net! Diríamos que se multiplicou por milhões o risco de ser enganado. Esse fato cria,
para o homem contemporâneo, uma situação existencial de desconfiança em face das
informações que recebe, o que leva ao usuário da rede a surfar com cuidado. Está presente
aqui o rico tema da Sorge que o existencialismo heideggeriano tão pertinentemente
desenvolveu, bem como a velha questão da contraposição entre verdade (aletheia) e
aparência (dóxa) [cf. Heidegger, 1991: 119-135]. E nem falar dos vírus que os hackers, sem
a menor consideração derramam na Internet, com o ânimo anti-ético de omnes nocere ou de
prejudicar, indiscriminadamente, a todos. De novo aparece diante dos nossos olhos a velha
questão que já tinha sido colocada ao longo do século XX por pensadores os mais diversos,
em relação à neutralidade axiológica da tecnologia, carente, por isso mesmo, de um
fundamento ético. O compromisso com a busca da verdade deve ser a nossa exigência
moral básica ao utilizarmos a rede. O imperativo categórico da transparência, tão bem
definido por Kant na sua Paz perpétua [1989], conserva plenamente a sua validez.
No que tange à problemática do conhecimento a serviço do poder, a Internet
apresenta-nos hoje um exemplo concreto: a utilização de sofisticadíssimos mecanismos
tecnológicos para "sugar" da rede informações confidenciais que interessam às grandes
potências, passando por cima da legislação que garante a privacidade das pessoas. É o que
tem revelado as denúncias feitas pela imprensa européia acerca da indiscriminada invasão,
por parte dos organismos de inteligência de alguns países ligados à Commonwealth
(Estados Unidos, Grã Bretanha, Canadá, Austrália, Nova Zelândia), das informações que
circulam pela rede no mundo inteiro. Efetivamente o projeto Echelon consegue clonar,
mediante maciça utilização da tecnologia digital, qualquer informação ligada a algumas
palavras-chave, que revelariam temas de interesse para a segurança dos países
mencionados. Trata-se de um projeto que visa a utilizar sistematicamente os conhecimentos
para finalidades de dominação. Ora, esse fenômeno somente poderá ser compreendido e
analisado criticamente em profundidade, à luz da milenária tradição filosófica ocidental.
Não foi por outro motivo, senão para desligar o conhecimento dos anseios de poder, que o
velho filósofo Sócrates deu a vida, ao criticar, sem meias palavras, o uso politicamente
correto da inteligência dos jovens, para manter estruturas de dominação na sociedade
ateniense. Esse foi o cerne da briga que contrapôs Sócrates aos seus colegas de profissão,
os sofistas, que pretendiam ensinar aos jovens para que mantivessem o seu status, mediante
os conhecimentos adquiridos.
Obra de Ricardo Vélez Rodríguez, publicada, em 1995, pela
UFJF, em co-edição com a UEL. Nela são estudados, entre
outros temas, os princípios fundamentais das teorias de Kant
e de Leibniz, e a sua aplicação à sociedade contemporânea.
Já no que diz relação ao binômio liberdade/tecnologia, a questão aparece em
primeiro plano, nos debates travados entre os governos e os usuários da Internet, de um
lado, e empresas detentoras de tecnologia digital de ponta (como a Microsoft e a Aol, por
exemplo), de outro. O que se debate nesse caso é até que ponto a tecnologia gerada por
essas empresas não obriga o usuário da mesma a ficar atrelado aos produtos que
monopolisticamente lhe são oferecidos. Clara discussão ética acerca da liberdade no
contexto das relações econômicas, bem como sobre a defesa dos interesses dos
usuários e
da sua representação política. O que se deduz destes arrazoados é que sem uma base
humanística ampla, em que a reflexão filosófica sirva como alicerce fundante da razão, não
haverá a mínima possibilidade para uma utilização da tecnologia informática, na Internet,
de forma a preservar a liberdade e a dignidade das pessoas.
Durante muito tempo se pensou no Brasil, ao abrigo da ideologia positivista, que o
estudo das matemáticas era suficiente para formar a razão dos jovens. No entanto, a
experiência de países com longa tradição de cultivo das ciências (como Alemanha, França,
Inglaterra ou Estados Unidos), deixou claro que a formação humanística é básica para o
desenvolvimento da razão do educando, pressupondo a educação tecnológica essa base.
Hegel, na sua primeira aula na Universidade de Heidelberg, em 1816, dizia aos seus alunos
que o pressuposto da filosofia (como o de qualquer ciência) é a fé no valor do espírito
humano. Eis as palavras com que o mestre alemão descrevia aos seus discípulos a aventura
do espírito, franqueada a todos aqueles que cultivarem as Humanidades: "Espero que hei de
merecer e conquistar a confiança de todos. De início, só uma coisa exijo: confiai na ciência
e em vós mesmos. A coragem da verdade, a fé no poder do espírito é a condição primordial
da filosofia. O homem, por ser espírito, pode e deve julgar-se digno de tudo quanto há de
mais sublime. Da grandeza e do poder do seu espírito nunca pode formar um conceito
demasiado altivo, e animado por esta fé não se negará a desvelar o seu segredo. A essência
do universo, a princípio oculta e encerrada, não dispõe de força capaz de resistir à tentativa
de quem pretenda conhecê-la; acaba sempre por se desvendar e patentear a sua riqueza e
profundidade, para que o homem dela desfrute" [Hegel, 1985: 318].
Referindo-se à importância dos estudos humanísticos ou de história da cultura, o
historiador francês Pierre Vidal-Naquet [1992: 27] frisava que "é necessário enraizar os
jovens numa tradição, lhes dizer de onde viemos. Essa tradição, bem como o sentido da
distância temporal, constituem os dois pontos fundamentais". Foi precisamente por ter-se
perdido nas nossas instituições de ensino, sobretudo nas Universidades, o contato dos
jovens com a tradição humanística, que o Brasil entrou na crise de identidade que hoje o
afeta, conforme lembra Antônio Paim [cf. 1983: 99 seg.].
Assistimos hoje, como foi mostrado no primeiro item deste capítulo, ao fenômeno
da globalização econômica, política e cultural. Em escala continental, cada vez mais o
Brasil se integra ao Mercosul e, segundo previsões de Henry Kissinger, não está longe o dia
de as Américas do Sul e do Norte se integrarem ao NAFTA. Onde fica, nesse contexto de
integração continental e mundial, a questão da nacionalidade? Ela não é hoje problema de
reserva de mercado ou de ensimesmamento cultural. Ela é, basicamente, conhecimento dos
valores da cultura ocidental e, no interior desta, dos valores que constituem o nosso modo
peculiar de sentir e de ser. Mesmo que o Brasil se integre em grandes blocos, ou justamente
por isso, os brasileiros precisaremos sempre de termos consciência dos valores que nos
caracterizam. Os estudos de história da cultura ocidental, bem como dos nossos valores,
não são simples ornato intelectual, mas questão de sobrevivência como nação.
A problemática da interculturalidade está em alta no mundo globalizado. Não
podemos fugir a esse repto, se quisermos preservar a consciência dos nossos valores
culturais, que nos diferenciam como brasileiros. O pior atentado que alguém pode cometer
hoje contra a soberania de um país é renunciar ao estudo das humanidades e dos próprios
valores, e fechar esse caminho às novas gerações. Peter Drucker [1993: 211] destacou
recentemente que o ideal básico da sociedade pós-capitalista é o de pessoa formada ("the
educated person"), que contrasta com o ideal cavalheiresco (das sociedades antiga e
medieval) e burguês (da sociedade industrial). A respeito, escreve o notável educador norte-
americano: "A sociedade pós-capitalista ocupa-se com o conjunto de circunstâncias em que
se desenvolve a vida humana, bem como com o trabalho e a aprendizagem. Não se ocupa
com a pessoa. Mas na sociedade do conhecimento na qual nos movimentamos, os
indivíduos são centrais. O conhecimento não é impessoal, como a moeda. O conhecimento
não reside num livro, num banco de dados ou num programa de software; ele somente
contém informações. O conhecimento sempre se concretiza numa pessoa; é transportado,
criado, aumentado ou improvisado por uma pessoa; é aplicado por uma pessoa; é pensado e
esquecido por uma pessoa; usado ou colocado fora de uso por uma pessoa. A passagem à
sociedade do conhecimento coloca, portanto, a pessoa no centro. E unicamente fazendo isso
é como a pessoa formada propõe novos desafios, novos problemas, novas e insuspeitas
questões acerca do conhecimento da sociedade representativa".
"Em todas as sociedades mais antigas -frisa ainda Drucker -- a pessoa educada ou
formada era um ornato. (...) Mas na sociedade do conhecimento, a pessoa formada é o
emblema da sociedade; é o símbolo da sociedade; é a porta estandarte da sociedade. A
pessoa formada é o arquétipo social, para usar a palavra dos sociólogos".
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