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ECONOMIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA PARA O CURSO DE ADMINISTRAÇÃO Ailton Guimarães 1 1 Mestre em Economia de Empresas pela UCB - Universidade Católica de Brasília; Especialista em Finanças pela UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina e Especialista em Controladoria pela Faculdade Tibiriçá/SP. 1 SUMÁRIO 1. CAPÍTULO I, página 2. Contabilidade nacional: Produto, renda e despesa. Desenvolvimento e distribuição de rendas. 2. CAPÍTULO II, página 11. Desemprego e Mercado de trabalho. Inflação. A lei de Okun e a curva de Philips. 3. CAPÍTULO III, página 21. Determinantes do produto. Consumo. Investimento. Políticas econômicas. 4. CAPITULO IV, página 43. O Brasil ao longo do século XX. Fatos estilizados. Economia agroexportadora. 5. CAPITULO V, página 52. Economia agroexportadora. As idéias da CEPAL. O Processo de Substituição das Importações (PSI). O papel da agricultura no processo de industrialização. 6. CAPITULO VI, página 60. Plano de metas. PAEG. I e II PND e a crise da dívida externa. 7. CAPITULO VII, página 67. Planos heterodoxos (parte I): Plano Cruzado. 8. CAPITULO VIII, página 75. Planos heterodoxos (parte II): Plano Bresser, Plano Verão e Plano Collor. 9. CAPITULO IX, página 85. Planos heterodoxos (parte III): Plano Real. 2 CAPITULO I O que veremos nesta Nota de Aula: Contabilidade nacional: Produto, renda e despesa. Desenvolvimento e distribuição de rendas. 1. Introdução Administradores de empresas, públicas ou privadas, precisam, no processo de tomada de decisão, de instrumentos que permitam mensurar a totalidade das atividades econômicas. Este instrumento de suma importância é a contabilidade nacional. A contabilidade nacional consiste no registro de todos os gastos que contribuem para a produção e a riqueza de um país. No Brasil, a partir de 1998, o IBGE passou a utilizar a nova forma de apresentação do sistema de contas nacionais, atendendo às recomendações do System of National Accounts (SNA), da Organização das Nações Unidas. Os principais objetivos da contabilidade nacional são: - Medir a atividade econômica de um país; - Possibitar o calculao de indicadores como consumo, produção, rendimento, investimento, etc; - Permitir a realização de previsões de caráter econômico. Para entendermos o funcionamento e o uso desta importante técnica de mensuração, conceituaremos e analisaremos seus principais componentes. 2. Produto Um dos principais resultados da contabilidade nacional é o que denominamos produto. Quando nos referimos ao produto de um país chamamos esta variável de Produto Interno Bruto ou simplesmente, PIB. 3 Ele representa a soma da produção dos bens e serviços e a sua mensuração, em valores monetários, possibilita avaliar a trajetória econômica do país ou seja: 1) Crescimento econômico quando ocorre acréscimo no produto; ou 2) Recessão quando acontece a diminuição do mesmo. Conhecer como é formado o produto de um país permite tomar decisões mais precisas sobre a alocação de recursos, objetivando a máxima satisfação das necessidades dos indivíduos. O ponto inicial da análise do produto é a produção, atividade social que visa transformar os recursos naturais em bens e serviços que permitam ao ser humano realizar seus desejos. Estes desejos se referem a satisfação das necessidades básicas (alimentação, vestuário e habitação) ou progressivas (educação, saúde e lazer). Produzir significa combinar elementos (fatores de produção). Estes fatores são, geralmente, segregados em três áreas: terra, capital e trabalho. A produção é um ato continuo, logo precisamos determinar um período de tempo para medi-la. Desta forma, o produto pode ser definido como a expressão monetária da produção de uma sociedade em determinado período. Em geral, este período é de um ano. No que se refere a medição do produto temos, inicialmente, que evitar o problema de dupla contagem. Isto pode ser resolvido não se considerando aqueles bens que são utilizados como insumos na fabricação de outros bens no cálculo do produto. Como isto funciona? Vejamos a tabela a seguir. Produto Valor de venda Insumo Valor adicionado Trigo 10 0 10 Farinha 15 10 5 Pão 20 15 5 4 O valor do último bem produzido, o pão, é 20. Este valor corresponde à soma dos acréscimos aos valores das matérias-primas ou insumos. Estes acréscimos são chamados valores adicionados. Os insumos utilizados, trigo (10) e farinha (15), não devem ser contabilizados para efeito de contagem do produto sob pena de se cometer a dupla contagem do produto. Esta forma de cálculo é denominada produto pela ótica da renda. Ele é determinado pela soma das remunerações (salários, juros, alugueis, lucros e impostos) ou, como vimos, valores adicionados. O produto também pode ser visto pela ótica da produção, a forma mais básica de cálculo. Pela ótica da produção o PIB é representado pela seguinte fórmula: PIB = Valor da produção – consumo intermediário + impostos. Vejamos o exemplo: O produto também pode ser apurado pela demanda ou despesa. Neste caso, ele é calculado de acordo com a sua utilização: consumo (das familias e do governo) ou investimento. Importante lembrar que nesta forma de apuração do produto, são consideradas as exportações (parcela do produto adquirido por Valor (R$) 100,000.00 170,000.00 30,000.00 300,000.00 Bem final Valor (R$) Casa 500,000.00 500,000.00 800,000.00 10,000.00 510,000.00 TOTAL II (bem final) TOTAL III (soma da produção) PIB = TOTAL III - TOTAL I + IMPOSTOS IMPOSTOS TOTAL I (bens e serviços primários) Bens e serviços primários Terreno Material de construção Mão de obra 5 não residentes) e as importações (bens e serviços consumidos, mas não produzidos no país). Por esta ótica, o produto é representada pela fórmula: PIB = Consumo das familias (C) + Investimentos (I) + Consumo do governo (G) + Exportações (X) – Importações (M) ou simplesmente: PIB = C + I + G + (X-M) 3. Componentes do sistema econômico O produto surge da ação dos diversos agentes econômicos que fazem parte de um sistema econômico. Um sistema econômico é composto inicialmente de famílias e empresas. As famílias têm duas funções importantes: Fornecer os fatores de produção e comprar (consumir) os bens e serviços produzidos. Cabe às empresas ofertar bens e serviços e remunerar os fatores de produção. Este movimento econômico básico entre empresas e famílias é denominado fluxo circular da renda conforme a figura a seguir. Em um sistema mais completo surgem o governo e as entidades financeiras. O governo é representado pela administração direta, poder judiciário, poder legislativo e segurança. Sua atribuição é o fornecimento de bens públicos para o consumo das famílias e empresas. Sendo bem público aquele que não pode ser disponibilizado pelo mercado, como justiça e segurança Fatores de produção Família Firmas Produtos e Serviços 6 nacional. Seu custeio se dá por meio da arrecadação de impostos (diretos e indiretos). Mas além de ofertar bens públicos, o governo realiza transferências de renda e concede subsídios que são incorporados a renda das empresas e das famílias. O resultado destas transações do governo com os outros agentes econômicos poderá ser um Superávit ou um Déficit. Sendo que, neste último caso, o setor privado financiará o governo. 4. Identidades macroeconômicas A identidade econômica básica, que sintetiza o resultado das transações entre os agentes econômicos (famílias, empresas, governo e resto do mundo), é Produto Nacional Bruto – PNB representado pela fórmula: PNB = C + I + G + (X – M) + RLEE Onde: PNB = Produto nacional bruto ou valor de mercado dos bens e serviços produzidos por fatores de produção nacionais independente da localização destes. C = consumo das famílias; I = Investimentos privados + investimentos do governo; G = consumo do governo; X = Exportações de bens e serviços não fatores; M = Importações de bens e serviços não fatores; e RLEE = Renda Líquida Enviada ao Exterior (diferença entre a renda recebida – RRE - e a renda enviada ao exterior - REE). Dado que C + I + G + (X-M) = PIB (produto interno bruto), podemos reescrever as identidades como: PNB = PIB – RLEE ou PNB = PIB + RLRE. Qual o significado de cada um dos resultados acima? 7 Quando a RLEE for negativa (característica de países em desenvolvimento) o valor dos bens e serviços produzidos com fatores de produção nacionais (PNB) será menor que a produção interna (PIB). Ao contrário, quando a RLEE for positiva (característica de países desenvolvidos) o produto derivado do uso dos fatores nacionais (PNB) será superior ao produto interno (PIB). 5. Produto Real e produto nominal Considerando que o produto é a soma dos valores dos bens e serviços produzidos em determinado período, sua variação, crescimento ou retração, depende tanto do comportamento dos preços quanto das quantidades produzidas. Sendo Yt o produto no período t, Pt o preço e Qt a quantidade de bens e serviços, temos: Yt = Pt x Qt Na existência de inflação a avaliação do produto em períodos diferentes fica prejudicada. Desta forma, é importante diferenciar o produto real, aquele referenciado a preços constantes, do produto nominal, aquele medido a preços correntes. O produto nominal, portanto inclui a variação de preços (inflação ou deflação) em seu cálculo. Para retirar este efeito é comum o uso de deflatores (índices de inflação). Um dos principais índices utilizados é deflator implícito do produto (DI). Ele corresponde à razão entre a soma de todos os preços no instante atual (Pt) multiplicados pelas quantidades no instante atual (Qt) e a soma de todos os preços no período anterior (Pt-1) multiplicados pelas quantidades no período atual (Qt). Exemplo: Considere uma economia que produza somente dois bens: calçados e tecidos. 8 No exercício corrente os dados de produção e preço são os seguintes: Bem Quantidade Preço Calçado 1.800 pares R$ 60,00 o par Tecido 5.000 metros R$ 31,00 o metro Alguns anos atrás, os dados de produção e de preço eram: Bem Quantidade Preço Calçado 1.200 pares R$ 50,00 o par Tecido 2.000 metros R$ 33,00 o metro Com base nestes dados podemos determinar os produtos nos dois períodos e o deflator implícito (DI). Produto há alguns anos = (1.200 x 50) + (2.000 x 33) = R$ 126.000 Produto atual = (1.800 x 60) + (5.000 x 31) = R$ 263.000 Variação nominal = 09,2 000.126 000.263 ou 109,0% Deflator implícito = 03,1 000.255 000.263 )33000.5()50800.1( )31000.5()60800.1( xx xx Variação real = 03,2 03,1 09,2 ou 103,0% 6. Desenvolvimento Desenvolvimento econômico refere-se a evolução das condições de vida da população. É diferente de crescimento econômico, que é o acréscimo quantitativo da produção. Então, se desenvolvimento é diferente de crescimento, como podemos mensurá-lo? Ele é mensurado através de indicadores sociais. Eis alguns exemplos de indicadores sociais: 1 - Esperança de vida ao nascer; 9 2 - Quantidade de médicos e leitos hospitalares disponíveis para atender a população; 3 - Acesso a água tratada; 4 - Taxa de alfabetização. A organização das Nações Unidas – ONU – criou um índice que busca retratar o desenvolvimento social de cada país. Esse índice é o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano. Ele é o resultado da média aritmética de três indicadores: I - Um indicador de renda, o produto per capita; II - Um indicador de saúde, a expectativa de vida da população ao nascer ou longevidade; III - Um indicador de educação composto pela média ponderada da taxa de alfabetização de adultos (peso de 67%) e da taxa de matricula nos ensinos fundamental, médio e superior (peso de 33%). O IDH varia de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1 mais desenvolvido é a região analisada. 9. Distribuição de renda A distribuição de renda, forma pela qual os frutos do crescimento são distribuídos, pode ser vista de vários ângulos. A distribuição setorial evidencia a participação dos setores econômicos no produto. A distribuição regional aponta a contribuição de cada região geográfica na produção nacional. Já a divisão pessoal da renda mostra o grau de concentração dos rendimentos dos residentes. A tabela seguinte mostra o percentual de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza2 - metade do salário mínimo, atualmente R$255 mensais, 2 O Banco Mundial, em seu Relatório de Desenvolvimento Mundial de 1990, estabeleceu que a linha de pobreza mundial é de menos de 1 dólar por dia. 10 valor insuficiente para adquirir uma cesta de referência que inclui alimentos e serviços essenciais, como saúde, educação e transportes. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA avalia mensalmente a qualidade do desenvolvimento brasileiro. Para tanto, utiliza o Índice de Qualidade do Desenvolvimento - o IQD. Este indicador procura mostrar se os frutos do crescimento econômico estam sendo distribuidos e se este movimento é sustentável no tempo. Para tanto, o indicador é segmentado em três componentes: 1) Índice de Qualidade do Crescimento; 2) Índice de Qualidade da Inserção Externa; e 3) Índice de Qualidade do Bem-Estar. Cada um destes três indices é formado por cinco sub itens que recebem pontos entre 0 (zero e 100) de acordo com sua trajetória. Para se chegar ao valor final do IQD os três componentes são somados e divididos por três. 10. Desenvolvimento sustentável Tema recorrente da atualidade o desenvolvimento sustentável refere-se ao desenvolvimento que, ao atender às necessidades atuais, não comprometa a capacidade de atendimento das gerações futuras. Bibliografia Vasconcellos, Marcos Antonio Sandoval; Gremaud, Amaury Patrick; Toneto, Rudnei Junuior. Economia Brasileira Contemporânea. São Paulo: Editora Atlas, 7ª ed. 2007. Souza, Jobson Monteiro de. Economia Brasileira. São Paulo: Pearson Education Brasil, 1ª ed. 2009. 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2.008 Centro-oeste 33,0 27,0 27,0 25,0 24,0 26,0 25,0 24,0 26,0 22,0 21,0 16,0 12,0 13,0 Norte 53,0 44,0 45,0 47,0 46,0 47,0 46,0 47,0 48,0 46,0 43,0 39,0 38,0 33,0 Nordeste 69,0 61,0 61,0 62,0 60,0 61,0 60,0 59,0 61,0 58,0 54,0 48,0 46,0 42,0 Sul 31,0 27,0 26,0 27,0 25,0 27,0 24,0 23,0 23,0 20,0 19,0 16,0 13,0 13,0 Sudeste 31,0 21,0 20,0 21,0 20,0 22,0 23,0 22,0 24,0 22,0 19,0 16,0 13,0 13,0 Região / Período Pobreza -pessoas pobres (%) 11 CAPITULO II O que veremos nesta Nota de Aula: - Desemprego e Mercado de trabalho. - Inflação. - A lei de Okun e a curva de Philips. 1. Introdução Desemprego e inflação são talvez os dois maiores desafios enfrentados pelos governos atualmente. Vários fatores contribuem para o surgimento destes problemas, mas devemos dar um crédito especial as transformações ocorridas no centro das cadeias produtivas que alteraram de modo decisivo a forma como os países e os agentes econômicos relacionam-se entre si. As variáveis que mais contribuíram para as transformações citadas foram a forte fragmentação do processo produtivo, a progressiva fragilização das fronteiras nacionais, a alteração nos padrões de produção, nos sistemas de gestão e na forma de utilização da mão-de-obra. No Brasil, a radical abertura comercial em 1990 trouxe para as empresas a necessidade de competir e a obrigação de realizar uma profunda e contínua reestruturação preventiva, com maior nível de automação e terceirizações, além de redução de níveis hierárquicos de suas estruturas administrativas e novas técnicas de produção. O outro aspecto, a inflação, teve no Brasil uma trajetória bastante conturbada, sendo que apenas recentemente o combate a este flagelo ficou mais transparente. Um dado importante que não podemos esquecer é que tanto a inflação quanto o desemprego tem relação com a evolução do produto e, portanto, não podem ser analisados de forma independente. 2. Produto Potencial Antes de começarmos a falar sobre desemprego e inflação faz-se mister conhecermos o conceito de PIB potencial, pois ele nos ajudará a entender as relações entre produto, desemprego e inflação. De maneira simples, podemos conceituar o PIB potencial como a capacidade máxima de produção da economia dado o uso pleno dos seus fatores de produção disponíveis. Esta capacidade produtiva depende não somente do estoque dos fatores de produção, mas principalmente da tecnologia. Sendo que esta última é que determina a produtividade dos fatores e o nível do produto potencial ou, ainda, o resultado da função de produção. 12 Exemplos de fontes de crescimento do produto: i) Aumento populacional; ii) Novas terras para produção agrícola; iii) Aumento da formação bruta de capital fixo; iv) Descoberta de um poço de petróleo ou jazida de ferro; v) Inovações tecnológicas; vi) Maior qualificação dos trabalhadores. 3. Hiato do Produto Outra variável importante para analisarmos as variações do emprego e da inflação é o hiato do produto. Ele é representado pela diferença entre o produto potencial e o produto efetivo (PIB ou PNB). 4. Desemprego A teoria econômica nos ensina que o crescimento do hiato do produto indica que fatores de produção não estão sendo utilizados. Em outras palavras, há desemprego de alguns fatores de produção. Dentre estes, o mais importante para efeito de análise é o desemprego do fator trabalho. Os conceitos a seguir são importantes para definição e entendimento do desemprego. População total = População com menos de 10 anos + População com mais de 10 anos (População em Idade Ativa - PIA). PIA = População não integrada ao mercado de trabalho ou População Economicamente Inativa (PEI) + População Economicamente Ativa (PEA). PEI = Incapazes, aposentados, pessoas que desistiram ou estão impedidas de trabalhar, etc.... PEA = Desempregados + Ocupados. A partir destes conceitos definimos: 1) A taxa de desemprego (TD) como sendo a relação entre o número de desempregados (D) e a PEA. PEA D TD 2) E a taxa de participação da força de trabalho como a relação entre a PEA e a PIA. Taxa de participação da força de trabalho PIA PEA 13 No Brasil, as mais conhecidas metodologias de cálculo da taxa de desemprego são as do IBGE e a DIEESE São Paulo. A partir de 2003, com a utilização de uma nova metodologia adotada pelo IBGE, a taxa de desemprego ficou em torno de 10%. 4.1 Tipos de desempregos 4.1.1 Desemprego friccional O desemprego friccional resulta da mobilidade da mão-de-obra. Ocorre quando um ou mais indivíduos se desempregam de um trabalho para procurar outro. Também poderá ocorrer quando se atravessa um período de transição, de um trabalho para outro, dentro da mesma área (exemplo: construção civíl). 4.1.2 Desemprego estrutural Resulta das mudanças da estrutura da economia. Estas provocam desajustamentos no emprego da mão-de-obra, assim como alterações na composição da economia associada ao desenvolvimento. Existem duas causas para este tipo de Desemprego: insuficiência da procura de bens e de serviços e insuficiência de investimento em torno da combinação de fatores produtivos desfavoráveis. Esse tipo de desemprego é mais comum em países desenvolvidos devido à grande mecanização das indústrias, reduzindo os postos de trabalho. O desemprego causado pelas novas tecnologias - como a robótica e a informática - recebe o nome de desemprego tecnológico. Ele não é resultado de uma crise econômica, e sim das novas formas de organização do trabalho e da produção. É comum associar o desemprego estrutural ao setor industrial. Este setor deixa mais evidente a perda de postos de trabalho para máquinas ou novos processos de produção, porém isto ocorre também na agricultura e no setor de serviços 4.1.3 Desemprego conjuntural ou cíclico O desemprego cíclico ou conjuntural é decorrente da variação cíclica da vida econômica, isto é, das épocas de expansão ou de recessão econômica. É aquele em que a demissão é ocasionada, na maioria das vezes, por crises passageiras. Portanto a demissão é temporária, uma vez que, superada a crise, o emprego é novamente ofertado. Para muitos economistas a solução deste problema passa necessariamente pelo aumento das de crescimento do produto. Se conseguíssemos manter altas taxas de crescimento econômico, o país sanearia o problema do desemprego conjuntural. 14 4.2 Subemprego É uma situação econômica localizada entre o emprego e o desemprego. Ocorre normalmente quando a pessoa não tem recursos ou condições para se manter parada enquanto procura emprego e vai para uma atividade da economia informal (por exemplo, a de camelô ou a de catador de papel) em função da necessidade de sobrevivência. Tal situação - que deveria ser temporária - transforma-se em definitiva quando o trabalhador não consegue mais voltar à economia formal (com o recebimento de salário, carteira assinada, etc.) e transforma o subemprego em modo de vida. 4.3 Taxa natural de desemprego Parcela de trabalhadores permanentemente desempregados. Marx os chamou de "Exército Industrial de Reserva". Como constituem uma oferta de mão-de-obra permanente acabam, por vezes, a pressionar para baixo o salário dos que se encontram empregados. Os economistas tradicionais defendem a manutenção de um "pequeno" desemprego, da ordem de uns 5% da força de trabalho, para que a inflação não dispare. 5. Lei de Okun O economista Artur Okun encontrou uma relação linear entre o hiato do produto (HP) e o desemprego, a chamada lei de Okun (Artur Okun), definida pela expressão: HP = TD Onde e são parâmetros que medem a sensibilidade entre o hiato do produto e a taxa de desemprego. Artur Okun avaliou, a partir de dados da economia dos EUA da década de 50, que para cada ponto percentual de diminuição do desemprego, o PIB real cresce em três por cento, mas esta relação somente é válida para taxas de desemprego entre o 3 e 7,5%. Importante mencionar que como muitas outras leis econômicas, a Lei de Okun foi construída de maneira empírica, a partir de observações de dados do mundo real e com base em nenhum raciocínio econômico forte. Contudo, tem sobrevivido ao longo do tempo. James Tobin, que foi companheiro de Okun em Yale e no Conselho de Assessores econômicos do presidente Kennedy, qualificou a Lei como "uma das regularidades empíricas mais confiáveis da macroeconomia"3. 3 http://www.corecon-rj.org.br/Grandes_Economistas_Resultado.asp?ID=122 15 No Brasil, a partir do ano 2000, observamos a elevação do hiato do produto e a taxa de desemprego, tendo como prováveis motivos: 1) A abertura econômica; 2) Processo de modernização tecnológica do parque industrial; 3) Baixo crescimento econômico. 6. Inflação A inflação é definida como o aumento generalizado do nível dos preços. No sentido oposto, temos a deflação. Como corolário deste fenômeno vem a perda do poder aquisitivo da moeda ou, em outras, palavras, a diminuição da capacidade de adquirir bens e serviços. Em geral a inflação pode ser de dois tipos: a) de demanda; b) de custo ou de oferta; c) inercial No primeiro caso a inflação resulta do excesso de procura (demanda) em relação à produção (oferta). No segundo, ela surge do aumento dos custos de produção que as empresas repassam para os consumidores. Estes aumentos podem ter várias causas, sendo as mais conhecidas: I) aumento no preço das matérias-primas ou insumos básicos, que por sua vez podem ocorrer por quebra de safras, guerras ou desvalorização cambial; II) aumentos salariais não referendados por crescimento de produtividade; III) aumento das taxas de juros; IV) atuação de monopolistas e oligopolistas. Finalmente, temos a inflação inercial, situação em que as taxas de inflação são transmitidas de um período para outro, perpetuando-se a alta dos preços. 6.1. Solução para o problema da Inflação Para cada tipo de inflação existe um ―remédio‖ proposto pelas diversas correntes da economia. 16 Uma inflação de demanda deve ser combatida, segundo os monetaristas4, com o uso da política monetária, em particular pelo aumento das taxas de juros. Já os Keynesianos ou fiscalistas5 propõem o ajuste do déficit público. Para a inflação de custos, a proposta é adotar uma política salarial mais rígida, fiscalização sobre os lucros dos oligopólios ou controle de preços dos produtos. No que se refere ao combate da inflação inercial, que tende a manter-se pelo uso de mecanismos de propagação utilizados pelos agentes econômicos, a proposta é o congelamento temporário dos preços ou a indexação total da economia por um curto período de tempo. 7. Conseqüências da inflação Como já dito a inflação traz consigo a perda da capacidade aquisitiva dos consumidores, mas, além disto, ela provoca outras conseqüências, a saber: a) Dificuldades para estimar o retorno dos investimentos; b) Desequilíbrios na distribuição de renda; c) Incentivo a proteção com o uso de mecanismos de indexação; d) Aumento das taxas nominais de juros; e) Incentivo a aplicações de curto prazo. 8. A curva de Phillips No curto prazo, a curva de Phillips permite analisar os movimentos, do desemprego e da inflação. Ela nos diz que quanto mais alta a taxa de desemprego, menor a taxa de inflação, ou de outro modo, menos desemprego pode ser alcançado obtendo-se mais inflação, ou a inflação pode ser reduzida permitindo-se mais desemprego. No longo prazo ela não é válida dado que a taxa de desemprego é independente da taxa de inflação num período muito grande. A representação matemática da Curva de Phillips é: )( ne TDTDTI , onde: TI = Taxa de inflação. 4 Corrente que defende o uso de instrumentos monetários, como controle do volume de moeda disponível e de outros meios de pagamento para manter a estabilidade econômica. 5 Defendem o uso da política fiscal para combater a inflação 17 = Sensibilidade da inflação em relação às taxas de desemprego. eTD = Taxa de desemprego efetivo. nTD = Taxa de desemprego natural. De acordo com a equação quando a taxa de desemprego efetivo for igual a taxa de desemprego natural, a taxa de inflação será zero. A inflação será positiva quando eTD < nTD . Em caso contrário haverá deflação. Isto quer dizer que desemprego e inflação variam inversamente. Um indicativo importante desta equação é aquele que diz que, em determinados momentos a taxa de desemprego natural terá que ser inferior a taxa de desemprego efetivo para que a inflação diminua. Este evento da origem ao que chamamos de “Taxa de Sacrifício”. Ela mede o quanto se perde de produto para se reduzir 1% de inflação. Outra versão da curva de Phillips é a que mostra a relação entre hiato do produto, inflação inercial e inflação atual. )(HPII ia , onde aI = inflação atual iI = inflação inercial HP = Hiato do produto = parâmetro que indica a velocidade com que o estado da economia produz aumento ou diminuição da inflação. Quando os agentes econômicos reajustam seus preços rapidamente é alto. Caso contrario, ele será baixo. Bibliografia Vasconcellos, Marcos Antonio Sandoval; Gremaud, Amaury Patrick; Toneto, Rudnei Junior. Economia Brasileira Contemporânea. São Paulo: Editora Atlas, 7ª ed. 2007. Capítulos. 4 e 5. 18 Com maior PIB potencial, economia brasileira tem recuo no hiato do produto Recomendar!Por: Equipe InfoMoney - 11/03/10 - 15h00 - InfoMoney SÃO PAULO – Divulgado nesta sessão, o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, em valores correntes, apresentou no quarto trimestre de 2009 avanço de 2% em relação aos três meses anteriores, praticamente em linha com o esperado pelo mercado, de alta de 2,1%. Na comparação com o mesmo período de 2008, o indicador cresceu 4,3%. ―Os dados do quarto trimestre vieram corroborar o bom momento vivido pela economia brasileira, com consumo das famílias crescendo‖ avalia a Rosenberg & Associados. No entanto, os dados, divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), revelam a primeira desaceleração da economia nacional desde 1992 – quando a queda foi de 0,47% - e o primeiro resultado negativo desde o início da nova série histórica do instituto, em 1996. 6º melhor desempenho dentro do G-20 Embora tenho registrado um resultado negativo, a performance brasileira foi a sexta melhor dentre os país que compões o G-20 - grupo que reúne as maiores economias desenvolvidas e emergentes do mundo. Números Em 2009, o PIB totalizou R$ 3,143 trilhões em valores correntes, com o PIB per capita ficando em R$ 16,4 mil – queda de 1,2% em relação ao ano anterior. Por sua vez, o consumo das famílias brasileiras obteve crescimento de 4,1% – sexto ano consecutivo de aumento. Despesa do consumo da administração pública também se expandiu, em 3,7%. Já os investimentos (formação bruta de capital fixo) registraram contração de 9,9%. No setor externo, as exportações caíram 10,3% e as importações 11,4%. Quando tomada a análise por setor, apenas os serviços tiveram crescimento em 2009, de 2,6%. Já a indústria encolheu 5,5% e a agropecuária teve retração de 5,2%. Resultado do quarto trimestre Analisando apenas o último trimestre do ano passado, observa-se que a indústria obteve a maior alta (4%), seguida por serviços (0,6%) e agropecuária (0%). Todos em relação ao 3T09. 19 Os investimentos aumentaram 6,6%; o consumo das famílias, 1,9%; e as despesas da administração pública, 0,6%. As exportações (3,6%) e as importações (11,4%) também registraram elevação. Hiato do produto A LCA Consultores destaca o fato de suas estimativas apontarem para um PIB potencial – medida de quanto a economia poderia crescer sem bater na sua capacidade potencial e pressionar a inflação – em aceleração, chegando a 1,1% no quarto trimestre de 2009 (ante 0,7% nos três trimestres anteriores). Com isso, a diferença entre o PIB efetivo (+2%) e o potencial – o chamado hiato do produto – ―continuou se estreitando, mas ainda permaneceu em território negativo, em função da forte abertura do hiato observada no último trimestre de 2008 e no 1º de 2009‖, analisa a LCA. Avaliação de Meirelles Embora o indicador tenha apontado fraco desempenho anual, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, afirma que "a economia brasileira entrou em fase de expansão vigorosa", avaliando que os dados do quarto trimestre deixam claro que o país saiu da crise mundial. "No quarto trimestre de 2009 os destaques foram, pelo lado da oferta, o crescimento da indústria e, pelo da demanda, a expansão do investimento, evidenciando a retomada da confiança nas perspectivas de nossa economia " conclui. 20 Troca de emprego por mais salário bate recorde João Villaverde e Samantha Maia, de São Paulo, 02/08/2010 A contrapartida do aumento das demissões por decisão do trabalhador é a ampliação da taxa de rotatividade no emprego formal Depois de trabalhar durante três anos em uma única empresa, o economista Glauco Lins Camargo, de 32 anos, já mudou duas vezes de emprego neste ano, com dois aumentos de salário. Ele é um exemplo claro do que ocorre no mercado de trabalho brasileiro. Nos primeiros cinco meses do ano, dois recordes mudaram o padrão desse mercado. De janeiro a maio, 30,5% das pessoas desligadas pediram demissão, percentual bem acima do auge anterior, de 26%, registrado em 2008. A troca de emprego por decisão do trabalhador levou à outra mudança inédita, a redução dos pedidos de seguro-desemprego para o menor nível em dez anos. A contrapartida do aumento das demissões por decisão do trabalhador é a ampliação da taxa de rotatividade no emprego formal, que nunca foi tão alta em um início de ano. O indicador construído pelo Ministério do Trabalho mostra quantos trabalhadores foram substituídos em uma empresa ou setor no mês em análise. A rotatividade média oscila, desde 2005, em torno de 3,6% ao mês. Em junho, atingiu a marca de 4,10 pontos, a maior para o mês desde 2005. A rotatividade, em geral, decorre da decisão das empresas de trocar seus funcionários, seja por inadequação ou para reduzir os custos da folha de pagamentos. Os dados de 2010 indicam que, neste ano, a taxa está aumentando também por decisão dos trabalhadores, que encontram empregos com maior remuneração, como no caso do economista Camargo. Por isso, a rotatividade ajuda a reduzir a demanda por seguro-desemprego. A menor disposição para pedir seguro-desemprego é inédita. No biênio 2007/2008, quando o PIB também teve forte aumento, a proporção de trabalhadores que solicitaram o benefício em relação aos que foram dispensados sem justa causa variou entre 87,2% e 77,3%. Neste ano, essa taxa caiu de 78% em fevereiro para 71% em abril e 57,9% em maio, o menor nível de toda a série histórica. 21 CAPITULO III O que veremos nesta Nota de Aula: - Determinantes do produto. - Consumo. - Investimento. - Políticas econômicas. 1. Introdução A quantidade total de bens e serviços produzidos em determinado período de tempo, o produto, é uma das principais variáveis macroeconômicas. Ele é formado por quatro componentes: consumo, investimento, gastos governamentais e saldo das transações de comércio exterior. A análise de seus componentes permite responder varias questões tais como: 1) Por que o PIB de um país é maior que de outro? 2) Por que em alguns períodos há crescimento e em outros não? Ou 3) O que determina o crescimento do produto? Sabemos que as variações da capacidade produtiva dependem basicamente da combinação das seguintes variáveis: Estoque dos fatores de produção; e Tecnologia disponível para transformar estes fatores em bens e serviços. Também sabemos que quanto maior o estoque de fatores de produção e a produtividade determinada pela tecnologia usada, maior será o produto potencial. Mas o que determina o comportamento de cada uma destas variáveis ao longo do tempo? O consumo? O investimento? Os gastos do governo? A política econômica? Ou as transações com o exterior? A seguir estudaremos cada um dos componentes do produto e o que determina suas variações. 2. Consumo O consumo corresponde a parcela da renda destinada à compra de bens e serviços. Esta decisão de destinar uma maior ou menor parcela da renda para o consumo é, em tese, uma questão microeconômica, mais ela interessa 22 muito a macroeconomia, pois entender o funcionamento dessa dinâmica possibilita avaliar a demanda agregada e os multiplicadores de política fiscal. Duas teorias sobre consumo tem destaque no mundo acadêmico. A Teoria de Keynes e a de Irving Fisher. Para a Teoria de Keynes, o consumo, depende da renda disponível (renda bruta menos impostos) assim como a poupança – parte da renda não consumida. Então, quanto maior a renda disponível, maior será o consumo. Outro fator importante na determinação do nível de consumo é a taxa de juros. Existe uma relação inversa entre estes dois termos, de forma que toda vez que houver aumento das taxas de juros os indivíduos reduzirão o consumo e aumentarão a poupança. Keynes ao formular a função consumo especificou que esta tem três propriedades: Um aumento da renda provoca elevação no consumo, mas não na mesma magnitude; A participação do consumo na renda diminui conforme esta última aumenta (a propensão marginal a consumir é decrescente); O consumo depende mais da renda que de outras variáveis como taxa de juros ou riqueza. A partir destas propriedades Keynes especificou a função consumo, como segue. C = A + bY; com 0 < b > 1; Onde: C = consumo agregado ou consumo das familias; A = consumo autônomo; b = propensão marginal a consumir Y = renda nacional. Fisher avançou nos estudos de Keynes e formulou a Teoria da Escolha intertemporal. Para ele, poupar é privar-se de consumo presente em troca de consumo futuro. Segundo a Teoria da Escolha Intertemporal o consumo depende: a) da renda atual; b) da renda futura (expectativa de ganhos); c) da taxa de juros; d) do nível de riqueza; e) dos gostos; e f) preferência dos consumidores. 23 2. Poupança Um ponto importante para se analisar o comportamento dos agentes é que a renda é um dois principais determinantes do consumo, pois quando a renda cresce o consumo também cresce, e quando a renda diminui o consumo também diminui. Se um agente econômico gasta um valor fixo A (consumo autonomo) e consome um percentual b da sua renda (propensão marginal a consumir), então a função consumo é dada por: C = A + bY. Assumindo o fato de que a renda não consumida é poupada, podemos então definir poupança, S, como a diferença entre a renda disponível e o consumo. Assim: S = Y – C S = Y – (A + bY) S = Y – A - bY S = Y(1 - b) – A Onde: A é o consumo autônomo; b a é a propensão marginal a consumir; 1 – b é a propensão marginal a poupar. 3. Investimento Em economia consideramos investimento o acréscimo no montante de capital que possibilita o aumento da produção (Formação Bruta de Capital Fixo = máquinas, equipamentos e estoques). É diferente de aplicação financeira. O investimento, que depende fortemente das expectativas dos agentes sobre o comportamento futuro da economia, tem grande importância nas variações do produto. Suas flutuações impactam sobremaneira a capacidade de produção e a economia do país. Os determinantes do investimento são, segundo a teoria econômica, a taxa de juros, as expectativas sobre a atividade econômica e a disponibilidade de financiamento. 4. Decisão de investir Um dos fatores mais importantes para a tomada de decisão de investir é o retorno esperado do investimento. Ele depende dos fluxos de receitas futuras comparados com os aportes iniciais do projeto, sendo que a realização dos fluxos futuros está sujeito as condições de mercado (preço e quantidade 24 vendida) e, portanto, há riscos de não corresponder às expectativas do empresário. Como os valores das receitas futuras têm que ser comparados com o gasto inicial do projeto, ou seja, o valor de hoje, precisamos utilizar a taxa de juros real para ―trazer‖ aqueles valores para a data atual. Só então, podemos realizar a comparação e decidir sobre a implementação do projeto. Assim, o empresário fará o investimento se o valor presente das receitas futuras for maior que o montante investido no projeto, do contrário não o realizará. Matematicamente temos que: Se o valor presente da receitas > gasto inicial do projeto, então o empreendimento será realizado. Assim podemos dizer que o investimento depende da rentabilidade estimada dos negócios. As expectativas sobre o futuro da economia funcionam também como fundamento dos investimentos. Desta forma, quanto maiores as esperanças de ocorrer crescimento econômico, mais altos serão os investimentos hoje ou sempre que o país melhora e os empresários acreditam que o futuro será melhor, o investimento se eleva. Essas expectatrivas são mensuraveis? Sim. A Confederação Nacional das Industria (CNI), entre outras entidades, computa o índice de confiança do empresário industrial, importante variável para medir as expectativas dos agentes econômicos nacionais. O indicador, denominado Índice Geral (ICEI G) é resultado da média ponderada dos Índices para Condições Atuais (ICEI A, com peso 1) e Expectativas (ICEI E, com peso 2), ambos computados a partir do resultado de perguntas relativas a economia, setor e empresa utilizando-se respectivamente os pesos 1, 2 e 3. Valores acima de 50 para o Índice Geral indicam situação melhor ou expectativa otimista. O gráfico a seguir mostra o comportamento desta variável desde o 1º. Trimestre de 2000 até jul/2011. Gráfico 1. Índice de Confiança do Empresário Industrial 32.0 40.0 48.0 56.0 64.0 72.0 2000 T1 2000 T3 2001 T1 2001 T3 2002 T1 2002 T3 2003 T1 2003 T3 2004 T1 2004 T3 2005 T1 2005 T3 2006 T1 2006 T3 2007 T1 2007 T3 2008 T1 2008 T3 2009 T1 2009 T3 2010 T1 2010 T3 2011 T1 2011 T3 Fontes: IPEADATA/CNI ICEI G 25 Tanto as estimativas de taxa de juros quanto as expectativas sobre a economia tem maior nível de acerto em ambiente de estabilidade. Dado que os empresários avaliam seus investimentos em um horizonte de longo, quanto menos incerteza sobre as previsões eles tiverem, mais investimentos serão realizados. A trajetória do investimento no Brasil teve comportamentos distintos ao longo do tempo. Na década de 70 o país manteve elevadas taxas de investimento em relação ao seu PIB. Neste período, apesar da inflação alta, o nível de liquidez internacional e a manutenção da política econômica do governo contribuíram para que o país conseguisse taxas de investimento em torno de 25% do PIB. Na década de 80, a crise da divida externa, mudanças na política cambial, taxas de juros instáveis e aumento da inflação derrubaram as taxas de investimento para algo em torno de 20% do PIB. Na década seguinte, mesmo com o advento do plano real que proporcionou um cenário de maior estabilidade e baixos níveis de inflação, a taxa de investimento, relação entre a formação bruta de capital fixo (FBCF) e o PIB não se alterou significativamente. A partir do 1º. trimestre de 2008 a participação da FBCF no produto apresentou, com alguma volatilidade, uma trajetória ascendente, atingindo 21,7% no fim do 2º. trimestre de 2008, com a crise internacional, voltamos a ficar abaixo de 20,0%. O gráfico a seguir evidencia esta situação. 3. Consumo, investimento e crescimento Existe uma relação direta entre consumo e investimento, assim como existe entre investimento e crescimento econômico. Se a sociedade decide consumir mais hoje, diminui sua poupança e a capacidade de investimento. Em Gráfico 2. Taxa de investimento - FBCF/PIB 15.8% 22.1% 19.3% 15.5% 16.9% 18.3% 19.7% 21.1% 22.5% dez-92 dez-93 dez-94 dez-95 dez-96 dez-97 dez-98 dez-99 dez-00 dez-01 dez-02 dez-03 dez-04 dez-05 dez-06 dez-07 dez-08 dez-09 dez-10 26 outras palavras, a sociedade que consome mais hoje compromete a capacidade de crescimento futuro. Além da poupança pessoal, o governo tem importante papel no financiamento da produção. A poupança pessoal é canalizada para as empresas, em geral, de duas formas: Através da compra de títulos de dividas ou como aporte de capital nas empresas. Nos dois casos o mercado de capitais é o ―lugar‖ onde são realizadas estas transações. O governo atua por meio, principalmente, do BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e da Caixa Econômica Federal - CEF, fornecendo recursos de longo prazo para projetos que contribuam com o desenvolvimento do país. Suas linhas de apoio do BNDES contemplam financiamentos de longo prazo a custos competitivos para projetos de investimentos e para a comercialização de máquinas e equipamentos novos, fabricados no país, bem como para o incremento das exportações brasileiras. Contribui, também, para o fortalecimento da estrutura de capital das empresas privadas de qualquer porte e setor, bem como para o desenvolvimento do mercado de capitais. O Sistema BNDES é formado pelo próprio banco e suas duas subsidiárias integrais. a) A Agência Especial de Financiamento Industrial - FINAME, que tem a missão de financiar a comercialização de máquinas e equipamentos; e b) A BNDESPAR (BNDES Participações), cujo objetivo é possibilitar a subscrição de valores mobiliários no mercado de capitais brasileiro. Os recursos emprestados pelo BNDES são oriundos principalmente do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, do PIS – Programa de integração Social e do Tesouro Nacional. Os financiamentos do BNDES são remunerados com a TJLP – taxa de juros de longo prazo - cuja metodologia de cálculo foi definida pela Lei n° 10.183, de 12.02.01. Ela é obtida a partir de dois componentes básicos: i) a meta de inflação, calculada pro rata temporis para os doze meses seguintes ao primeiro mês de vigência da taxa, inclusive, baseada nas metas anuais fixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN); e ii) o prêmio de risco, que incorpora uma taxa de juro real internacional e um componente de risco Brasil numa perspectiva de médio e longo prazo. Nesse sentido, o cálculo da TJLP para o período de 01.07.2010 a 30.09.2010, fixada em 6,00% a.a., foi obtido através da seguinte ponderação: TJLP = I(2010) x 6 meses + I(2011) 6 meses + R 12 meses onde: 27 I(2011) = meta de inflação fixada pelo CMN para o ano de 2011 (4,5%) I(2012) = meta de inflação fixada pelo CMN para o ano de 2012 (4,5%) R = prêmio de risco (risco país) A Caixa Econômica Federal no exercício de suas atividades capta recursos em cadernetas de poupança, letras hipotecárias, depósitos à vista e a prazo para aplicação em empréstimos à habitação e infra-estrutura, incluindo operações de repasses do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O gráfico a seguir mostra a trajetória recente de uma das principais fontes de financiamento do investimento no Brasil, os desembolsos do BNDES em R$ bilhões. R$ bilhões Elaborado por: BNDES 5. A importância dos gastos do governo Suponha uma economia fechada e sem governo. Neste caso os únicos componentes da demanda são o consumo (C) e o investimento (I). Logo, temos: Y = C + I, onde: Y = Produto nacional. Se considerarmos que o consumo se divide em consumo autônomo (A) + o consumo voluntário (bY), podemos escrever: Y = A + bY + I Y – bY = A + I Y (1-b) = A + I => Com: Y = Renda de equilíbrio b = propensão marginal a consumir b IA Y 1 28 Agora consideremos uma economia aberta e com governo. Neste caso, o produto será determinando por: Y = C + I + G + (X-M) Como o consumo e as importações dependem da renda disponível (renda total menos os tributos arrecadados pelo governo) a identidade passa a ser: Y = A + bYd + I + G + (X - rYd ) Onde: Y = renda nacional A = consumo autônomo b = propensão marginal a consumir Yd = renda disponível após o pagamento dos impostos = Y – tributos (T) I = investimento G = gasto do governo r = propensão marginal a importar X = exportações 6. Política fiscal Podemos definir política fiscal como a atuação do governo no que se refere à arrecadação de tributos e seus gastos. A arrecadação tem reflexos no nível da demanda, pois influi na renda disponível. Logo, quanto mais o governo arrecadar menor será a renda disponível e a demanda. Por outro lado, o governo pode estimular o consumo com o aumento de seus gastos. Os gastos do governo são de dois tipos: Despesas correntes ou gastos de custeio (salários e compras de bens, serviços e materiais) e transferências (juros sobre a dívida pública, subsídios, assistência e previdência social). A arrecadação é composta de impostos diretos e indiretos, sendo que o total destes corresponde à carga tributária bruta. Depois de feitas as transferências, chega-se a carga tributária liquida, base de financiamento das despesas correntes ou consumo. A diferença entre a carga tributária liquida e o consumo resulta na poupança do governo em conta corrente. Em resumo temos: Carga tributária bruta = Impostos diretos + impostos indiretos Carga tributária liquida = carga tributária bruta – transferências Poupança do governo em conta corrente = carga tributária liquida – consumo. 29 A poupança do governo mostra sua capacidade de investimento sem que seja preciso recorrer a outras fontes de financiamento. Após realizado os investimentos tem-se como saldo déficit ou superávit público. Déficit ou superávit = poupança do governo em conta corrente - investimentos Quando ocorre déficit público o governo precisa financiá-lo. O governo utiliza principalmente duas modalidades de financiamento: a venda de títulos públicos para o setor privado ou a venda de títulos para o Banco Central. Ambas alternativas aumentam o endividamento público. A história do endividamento público do Brasil passa pela atuação do estado no processo de industrialização. Ao assumir o papel de desenvolver o setor siderúrgico, de petróleo, do setor petroquímico e outros, o governo constituiu a maior parte de seu endividamento. 7. Necessidade de financiamento do setor público O fundo monetário internacional criou um conceito bastante abrangente para medir o déficit público. É a NFSP – necessidade de financiamento do setor público não financeiro. O objetivo é avaliar a pressão do setor publico não financeiro sobre a poupança da economia. Para corrigir distorções provocadas pela inflação a NFSP é apresentada de duas formas: i) NFSP conceito nominal = G – T + iB Onde: G = gastos não financeiros Instrumentos disponíveis Arrecadação de tributos (política tributária) Inibe Consumo e Investimento Anti- inflacionárias Estimula consumo e Investimento Maior Crescimento Diminuição dos gastos Aumento da carga tributária Aumento dos gastos Diminuição da carga tributária RESULTADO Melhor Dist. de Renda Impostos progressivos Gastos em setores/ regiões mais atrasados Benefício a grupos menos favorecidos Controle de suas despesas (política de gastos) 30 T = arrecadação dos tributos i = taxa de juros nominais B = saldo da divida pública ii) NFSP conceito operacional = G – T + rB Onde: r = taxa real de juros Outra medida utilizada é o Resultado primário. Ele é composto pela diferença entre as receitas não financeiras e os gastos não financeiros. Resultado primário = G – T A importância do resultado das contas públicas na evolução do endividamento é de considerável relevância para avaliação da capacidade de pagamento do emissor. Em geral, esta capacidade é medida em relação ao montante de riquezas que o pais produz (PIB). O gráfico a seguir mostra a trajetória desta relação no período março/1992 a junho/2010. 8. Política monetária Por política monetária entende-se a atuação do Banco Central para atingir as condições de liquidez e taxas de juros desejadas pelo governo. Esta atuação é realizada por meio de três instrumentos de controle monetário. 1) Recolhimento compulsório; 2) Empréstimos de liquidez ou redesconto; 3) Operações no mercado aberto. O recolhimento compulsório refere-se aos depósitos obrigatórios efetuados pelas instituições financeiras no Banco Central. Ele tem como base as captações de depósitos a vista e a prazo. 31 Os empréstimos de liquidez ou redesconto são financiamentos feitos pelo Banco Central a bancos que necessitem de recursos e não os conseguem no mercado. Operações no mercado aberto são aquelas de compra e vendas de títulos públicas, tendo como principal objetivo o controle da liquidez e da taxa de juros. Sobre este último objetivo, o controle dos juros, o Banco Central, tem atuado no sentido de garantir o nível de taxa (Selic) compatível com as metas de inflação. A política monetária, assim como a política fiscal, tem importante papel na trajetória do crescimento econômico, principalmente no que diz respeito a determinação da taxa de juros, fator importante para a tomada de decisões sobre investimentos. Bibliografia Vasconcellos, Marcos Antonio Sandoval; Gremaud, Amaury Patrick; Toneto, Rudnei Junior. Economia Brasileira Contemporânea. São Paulo: Editora Atlas, 7ª ed. 2007. Capítulos. 7, 8 e 11. 32 Compulsório versus Selic http://colunas.epoca.globo.com/sobalupadoeconomista/2010/12/04/compulsorio-versus- selic/ sábado - 4/12/2010 - Carlos Eduardo Gonçalves 6 A partir de segunda próxima, os bancos precisarão provisionar mais reservas para cada Real que emprestarem a prazos superiores a 24 meses. O percentual sobe de 11% para 16,5%. Como consequência, comprar geladeiras e máquinas de lavar vai ficar mais caro justamente para quem não tem como comprar à vista, ou seja para os mais pobres. O diretor de política monetária do BC defendeu a medida como uma necessidade prudencial, dado o aumento da inadimplência em alguns setores do crédito ao consumidor. O fato de as regras para financiamento de automóveis — uma modalidade de crédito mais segura, com colateral de fácil acesso — também terem sido apertadas sugere que o objetivo real do governo parece ser outro: controlar a demanda agregada via contração da expansão do crédito de modo a tirar o peso do ajuste anti-inflacionário das costas da Selic. De todo modo, em princípio não vejo com maus olhos que se coloque um pouquinho de areia na engrenagem do crédito ao consumidor, visto que sua expansão nos últimos 5 anos tem sido bastante acelerada e o mundo nos ensinou que nesse quesito, é melhor errar para o lado do conservadorismo a ter que viver com as consequências do estouro de uma bolha qualquer. Preocupo-me, porém, com os bancos pequenos e médios, que enfrentarão maiores dificuldades em obter recursos dos bancos de maior porte. O governo poderia ter pensando em alguma medida compensatória para essa parte do setor… A esfriada no crédito vai ajudar a conter as pressões inflacionárias? Em alguma medida sim. Porém, não creio que isso seja suficiente e que, assim, devamos descartar altas da Selic em 2011 — elas devem ser, contudo, modestas. Aumentar a taxa básica tem uma vantagem em relação a alterar compulsório: trata-se de uma ação de política monetária mais clara, geral e que perpassa outros canais de transmissão além do creditício. Mas o medo do câmbio apreciado é tão grande dentro da equipe econômica, que meu palpite é que provavelmente veremos ao longo de 2011 pouca mudança na Selic, e reedições de medidas quantitativas como a anunciada essa semana. Como os compulsórios no Brasil não são nada baixos, parece-me provável que se optar mesmo por não mexer na Selic, o governo acabará passando do ponto na elevação daqueles, gerando custos em termos de distorções alocativas maiores que os benefícios associados a uma menor probabilidade do aparecimento de bolhas. 6 Professor de Economia da USP, autor dos livros "Economia Sem Truques" e "Sob a Lupa do Economista". 33 O consumo faz a diferença Fabiane Stefano, Revista EXAME no. 971| 25/06/2010 | 13:47 | GERMANO LÜDERS Loja do Pão de Açúcar em São Paulo: 100 novas unidades neste ano para atender à demanda À exceção da China, nenhum país entre as maiores economias do mundo chegou a esse status sem o apoio de um mercado doméstico sólido. O Brasil, ao passar pela prova de fogo da crise financeira - que abateu o comércio global e deixou cada país entregue à própria sorte -, demonstrou que já conta com esse fator para brigar por novas posições no ranking. O mercado interno, encorpado pela ascensão de dezenas de milhões de brasileiros na última década, foi o principal esteio do desempenho que distinguiu o Brasil em 2009. Como mostrará a edição especial de MELHORES E MAIORES 2010, de EXAME, que será lançada em julho, saíram-se melhor as empresas apoiadas no consumo das famílias brasileiras e sofreram mais as companhias que são fortemente exportadoras. Neste primeiro semestre de 2010, a economia doméstica continua a fazer a diferença. A esta altura, as previsões para o crescimento do país não param de ser revisadas para cima. Mesmo a ala do governo encabeçada pelo ministro Guido Mantega, interessada em contradizer a tese de aquecimento excessivo da economia, já fala em avanço superior a 6,5% no ano. Entrou em xeque a retórica de que já teria ficado para trás o passo acelerado do primeiro trimestre - que mostrou um crescimento anualizado de 11%. Em maio, a produção de carros cresceu 3,3% sobre o mês anterior. A de papel ondulado, espécie de termômetro do ritmo geral da indústria, avançou 3,6%. Uma pesquisa da empresa de informações financeiras Serasa Experian com 1 015 executivos revelou que metade das empresas está revisando para mais a projeção de faturamento do terceiro trimestre. 34 O ano começou tão embalado que alguns analistas argumentaram que haveria uma minibolha de consumo no país, inflada pela ampliação de 18% no crédito em 12 meses até abril. Como toda bolha, ela deveria estourar ou murchar. Nenhuma das duas coisas aconteceu até agora. "Não compramos a ideia de desaceleração e nem que o crédito seria o maior responsável pelo avanço do consumo", diz Luiza Rodrigues, economista do banco Santander, que prevê um crescimento de quase 8% neste ano. "O que tem determinado mais o crescimento das vendas é o aumento da renda e do emprego. E ambos continuarão a subir." O grande risco do aquecimento da economia é a escalada da inflação - estimada em 5,6% pelo mercado para 2010. A primeira ação do governo para tentar evitar a alta dos preços foi retirar os incentivos tributários que impulsionaram a onda do consumo em plena crise. Em seguida, o Banco Central aumentou duas vezes os juros básicos, agora em 10,25% ao ano. Pela lógica econômica, o aumento do custo do dinheiro desestimularia as compras financiadas e, com isso, diminuiria a pressão inflacionária. Mas ainda não há sinais de que a elevação dos juros esteja funcionando. "A previsibilidade em relação ao futuro é o que motiva as pessoas a consumir. Se elas sabem que terão renda, vão se endividar para gastar", diz o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian. E não faltam razões para o brasileiro se manter otimista. A taxa de desemprego deve fechar o ano abaixo de 7%, o menor nível dos últimos 15 anos. A consultoria econômica MB Associados calcula que a massa de rendimentos crescerá 6,5% neste ano, ante 3,9% em 2009. O próprio governo botou mais lenha na fogueira ao conceder o reajuste de 7,7% aos aposentados. No segundo semestre, vários sindicatos discutirão reajustes salariais. Se em 2009, ano em que ao final das contas o PIB encolheu, cerca de 80% das categorias ganharam aumento real de salário, é provável que agora obtenham ainda mais. Dado que o consumo continuará em alta, o que fazer? "Não tem jeito a não ser investir em expansão física", diz José Roberto Tambasco, vice-presidente do Pão de Açúcar. O grupo pretende inaugurar uma centena de lojas em 2010 e manter a cadência de abertura de unidades nos próximos dois anos, com investimento total de 4,5 bilhões de reais. A coreana LG expandiu diversas linhas de produção na fábrica de Manaus - e algumas delas não têm nada a ver com a explosão de vendas de TVs de LCD e Led para a Copa. "No começo do ano, contratamos muitos funcionários temporários para a produção destinada à Copa e uma parte está virando efetiva", diz Roberto Barboza, diretor comercial da LG. A empresa está inaugurando uma linha de montagem de micro-ondas. É o retorno da LG a um mercado que ela havia abandonado no país há oito anos e abastecia apenas com importações. Assim como a LG - cujo faturamento cresceu 23% no ano passado -, muitas empresas apoiadas no mercado doméstico tiveram desempenho acima do esperado. A edição MELHORES E MAIORES 2010 mostra que houve uma divisão entre as companhias que operam no Brasil. As que atuam em áreas apoiadas no mercado externo sofreram um bocado em 2009. Setores como siderurgia e mineração tiveram quedas nas vendas de 36% e 27%, respectivamente, em razão do recuo das exportações. Situação contrária foi a dos segmentos com foco no mercado interno. "Foi um dos anos mais fortes na história da companhia", afirma Felipe Rodrigues, diretor da rede de laboratórios médicos Dasa. A empresa cresceu 22% em 2009 e a perspectiva é expandir mais 12% neste ano. "O crescimento virá da geração de emprego formal, que amplia o número de pessoas com planos de saúde", diz Rodrigues. As estimativas de criação de postos de trabalho com carteira assinada em 2010 variam de 2 milhões a 2,5 milhões. 35 Se o mercado interno segue firme, outro motor da economia começa a dar sinais de recuperação: o comércio exterior. "As exportações têm aumentado mês a mês", diz Ricardo Cons, diretor da Electrolux, empresa que exporta 10% de sua produção de eletrodomésticos para países da América Latina. Outra pista vem do transporte de cargas. Em maio, o porto de Santos, o maior do país, bateu o recorde de movimentação em 118 anos: quase 9 milhões de toneladas no mês. No começo de junho, o governo revisou a meta de exportação do ano para 180 bilhões de dólares, um aumento de 18% em relação a 2009. O avanço não deve zerar a perda do ano passado, mas deve ampliar o saldo da balança comercial, que vem sendo afetado pela alta das importações brasileiras - de novo, graças ao aquecimento do mercado interno. Ou seja, quer no front doméstico, quer no externo, o consumo doméstico passou a ser o fiel da balança. 36 "A economia tem limites e o país está no limite", diz Bacha João Villaverde | Do Rio | 22/12/2010 | Valor Econômico Aumentamos as importações não porque a indústria não tem capacidade instalada, mas porque a mão de obra está cara. “Temos um problema com essa emergência da classe média, que todo mundo está achando uma maravilha". Em 1974, quando Edmar Bacha criou o termo "Belíndia" para designar o modelo econômico brasileiro - que unia a riqueza da Bélgica, um país pequeno, com a pobreza da Índia, um país continental - o Produto Interno Bruto (PIB) havia crescido 8,1%, mas a inflação dobrara, passando de 15,5% para 34,5% de 1973 a 1974. Era o fim do "milagre" produzido pela ditadura militar a partir de 1967, e início de um período que mesclaria crescimento acelerado com endividamento externo e inflação crescente. Vinte anos mais tarde, Bacha, doutor em economia por Yale (EUA) em 1968, integrava o grupo de economistas formado por Persio Arida, Gustavo Franco e André Lara Resende na formulação e implementação do Plano Real, que trouxe a inflação dos 2.477,1% registrados em 1993 para menos de dois dígitos a partir de 1996. Hoje, com a economia caminhando para repetir a alta de 8% registrada pelo PIB nos anos 1970, Bacha avalia que o Brasil está no limite. "O Brasil está mais complexo que nos anos 1970 e 90. Superamos os grandes problemas da ditadura, da hiperinflação e da perspectiva para um governo de esquerda. Não há mais um grande problema, mas uma série de questões para serem atacadas", avalia Bacha, para quem o país conta "com uma produtividade ainda fraca, o setor público ainda abocanha uma parcela muito grande do PIB e não entrega de volta no mesmo nível, o sistema político brasileiro é um horror, o sistema tributário é uma vergonha, e a Previdência, se não for reformada, vai quebrar o país em 2050". Na entrevista que deu no prédio projetado por Oscar Niemeyer, com jardins de Roberto Burle Marx ao fundo, onde funciona o Instituto de Estudos de Pesquisa Econômica Casa das Garças, Bacha, diretor do centro e até a semana que vem consultor sênior do Itaú BBA, fez um balanço dos oito anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva, e avaliou os principais desafios de Dilma Rousseff. E foi contundente em dizer que não vê risco de desindustrialização no país, mesmo com os indicadores de produção industrial andando de lado desde abril. "Como podemos falar em desindustrialização quando estamos com pleno emprego?", pergunta, se referindo à demanda por mão de obra, que acaba por elevar os salários. A seguir os principais trechos de sua entrevista: Valor: Com o atual ritmo de crescimento do PIB, câmbio valorizado, inflação acima da meta do BC e financiamento externo elevado, como é possível se alterar esse modelo sem que se bata em um gargalo? Edmar Bacha: A economia tem limites, apesar do Antônio Delfim Netto achar que não existe produto potencial. Claramente estamos trabalhando nos limites. Como sair disso sem aumentar a poupança interna? Com produtividade. O que temos a oferecer para aumentar a produtividade? Os avanços tecnológicos não caem do céu, é preciso ir atrás deles e isso vai na contramão da tese de desindustrialização, afinal estamos importando mais tecnologia, justamente para ampliar a produtividade. Valor: O sr. então refuta a ideia de que o Brasil está se desindustrializando? 37 Bacha: Estamos em pleno emprego, que desindustrialização é essa? A verdade é que por estar em pleno emprego e a mão de obra em escassez, e por estarmos nos especializando em serviços, comércio e construção civil, a indústria não consegue concorrer na disputa pelo trabalhador. Valor: Por isso os indicadores de produção industrial estão tão fracos desde abril? Bacha: No Brasil, nunca olhamos direito para a questão do emprego, mas sempre para a utilização da capacidade produtiva. Acho que é uma novidade o que está ocorrendo. Nunca tivemos uma taxa de desemprego tão baixa. A indústria se anima porque a demanda está mais alta e tenta contratar mais mão de obra, e aí o preço sobe. O próprio Valorfez uma matéria chamando atenção para os acordos salariais recordes neste ano. Isso representa aumento do custo da mão de obra e consequentemente reduz a rentabilidade da indústria. Então a indústria não tem por quê produzir mais. Não há pressão sobre a capacidade instalada, mas sobre mão de obra. E não é só na indústria, o pessoal de construção civil também. Não tem engenheiro e também não tem pedreiro. Valor: Essa dificuldade em produzir, então, facilita a entrada de importados? Bacha: Ao tentar produzir mais o salário sobe, e com isso diminui a rentabilidade, então ela não produz além de certo patamar. Aumentamos as importações não porque a indústria não tem condições de concorrência, mas porque ela está plenamente empregada. Valor: Onde isso pode chegar? Bacha: Essa falta de mão de obra pode extravasar para aumento da inflação ou um déficit não financiável nas transações correntes. Esse é que é o problema, não é a desindustrialização. Valor: Não estamos dependendo muito da demanda chinesa por commodities? Bacha: A ideia de que os preços estão em alta e podem cair e gerar um problema é exagerada. Se daqui a cinco anos a China parar de consumir, a Índia assume a demanda. Vivemos uma mudança estrutural profunda, semelhante a que ocorreu na passagem do século XIX para o XX, quando o país líder era consumidor de commodities, a Inglaterra, e passou a ser os Estados Unidos, um país produtor de commodities. Passamos, então, cem anos com os preços das commodities no chão, o que deu caminho para a industrialização. Agora está saindo dos EUA e indo para China e Índia, que, como a Inglaterra antigamente, demandam commodities. Valor: O Brasil, então, continuará sendo o país do futuro? Bacha: Não temos um terço da humanidade, como têm China e Índia. Mas temos diversos desafios vencidos, o que é ótimo, o que deixa o caminho aberto. Superamos a ideia de que o Brasil só crescia de maneira estável com ditadura, primeiro com a industrialização induzida por Vargas e depois com os militares. Superamos essa fase, podemos ser uma economia que não vai por saltos, mas cresce e com democracia. Depois a ideia de que a única maneira de crescer era com inflação. Eu me lembro do Celso Furtado dizendo que 17% de inflação é mais ou menos igual a zero nos países desenvolvidos. Superamos isso também. A terceira questão é a esquerda no Brasil, e essa é a importância do Lula. Valor: Como assim? 38 Bacha: Até dezembro de 2001, quando o PT teve o manifesto de Olinda e ignorou o fim da Guerra Fria, ninguém poderia saber como seria um governo de esquerda. Aí vem o Lula e joga com todos os velhos vícios da política brasileira. Nós passamos por esse teste. Valor: O que falta, então? Bacha: Faltava demanda por recursos naturais, mas até isso superamos, com o surgimento da Ásia, com forte demanda pelos produtos que os latino-americanos têm à oferecer. Nossos problemas agora não têm a dramaticidade que tinham quando as questões eram hiperinflação, ditadura, a perspectiva de um governo de esquerda e a falta de demanda por nossas commodities. Isso é passado. Valor: O Brasil está mais complexo. Mas ainda não superou todos os problemas do passado, como a desigualdade de renda... Bacha: Concordo. Continuamos com um problema de distribuição de renda, que é coisa que precisa sempre ser priorizada. Mas não é só isso, temos outros problemas, antigos, que não foram resolvidos. Temos uma produtividade ainda fraca, o setor público ainda abocanha uma parcela muito grande do produto e não entrega no mesmo nível, o sistema político é um horror, o sistema tributário é uma vergonha e a Previdência, se não for reformada, vai quebrar o país em 2050. Uma quantidade enorme de problemas que precisam ser atacados, mas nós temos o know-how. Valor: Este é o momento para discutir essas questões? Bacha: Nas épocas eleitorais claramente não é. Quando você vê o nível do debate que tivemos em 2010 dá vontade de correr. Especialmente quando o principal debate se deu em torno do aborto. Temos um problema aí com essa emergência da classe média, que todo mundo está achando uma maravilha, mas ela não necessariamente tem uma face bonita, basta ver nos EUA com o Tea Party. Acho que está fora de cogitação pensar que essa classe média pode pensar em ditadura, mas estará ela disposta a discutir a fundo esses diferentes problemas? Em alguns temas já formamos consensos, como na questão dos tributos, que foi levantada depois das eleições, quando falaram sobre o financiamento da saúde. Valor: O sr. concorda com o retorno da CPMF? Bacha: É claro que não concordo. Acho absurdo pensar em criar mais um imposto quando o governo está arrecadando barbaridades. É preciso arrumar os gastos, não a arrecadação. Valor: O caso da Previdência é um exemplo? Bacha: Exatamente. Gastamos 11% do PIB com Previdência quando o normal seria 5%. Dentro da Previdência, o equivalente a 3,5 pontos percentuais são gastos com pensões, quando o normal seria 1% do PIB. Temos esses privilégios adquiridos que têm uma força enorme e representam uma parcela muito grande dos impostos. Valor: Mas programas como o Bolsa Família são baratos, não? Bacha: Sim, o Bolsa Família atinge 12 milhões de famílias e custa apenas 0,4% do PIB. O Loas, que atinge quantidade enorme de idosos, custa só 0,6% do PIB. Então, quando o governo fala em financiar os programas sociais, não pode estar se referindo a esses, que são muito baratos. O que ocorre é uma usurpação dos gastos sociais, dando a todo tipo de gasto o nome de social. 39 Valor: Dê um exemplo, por favor. Bacha: Na educação, o grosso dos gastos públicos vai para universidades gratuitas. Não tem a mínima razão para as universidades serem gratuitas no Brasil. Valor: Nenhuma? Bacha: Não, nenhuma. Desde que se tenha uma política de bolsas, não precisamos ter universidades gratuitas. Valor: Então seria possível privatizar as universidades públicas? Bacha: Eu não gosto dessa palavra "privatizar", há mecanismos em que os beneficiários dos gastos públicos têm co-participação desde que tenham renda para tal, seja por bolsa, seja por empréstimos escolares. Os argumentos que estão por trás desses privilégios, tanto na Previdência quanto na educação superior, vêm da Constituição, que prevê que o ensino deve ser universal e gratuito. É gratuito, mas não pode ser universal e nem pode ser, e o dia que for o país arrebenta, porque não dá para atender todo mundo de graça. Essa é a dificuldade do PT para comandar o próximo passo. Valor: E esse passo seria qual? Bacha: O processo que vêm pela frente está baseado na eficiência do setor público e na equidade nos gastos, porque eles não gostam de falar em privatização. Valor: O país deixaria então de ser a "Belíndia"? Bacha: Se continuarmos no ritmo desses últimos dez anos, daqui a 15 anos estaremos perto dos Estados Unidos de hoje. O índice de Gini do Brasil passou de 0,65 para 0,56, mas o padrão americano é de 0,40, e o europeu é de 0,25, então ainda há muito a ser feito. Temos trilhado esse caminho, mas as coisas vão ficar mais difíceis. Os desafios que temos hoje na área social são mais caros e mais complexos. Uma coisa era resolver o problema da vacinação e da mortalidade infantil, algo razoavelmente simples, mas dar SUS para todos é muito mais complicado. Com educação, uma coisa era colocar todo mundo na escola, agora é preciso fazer as crianças aprender alguma coisa. Valor: E o Estado consegue dar conta de tudo? Bacha: Claro que não. Boa parte do desafio agora é encontrar formas de maior participação do setor privado nessa área social. E aí tem esse grande entrave do PT. A pior coisa do governo que termina foi ter demonizado a ideia de privatização. Nós não conseguimos resolver o problema dos aeroportos porque qualquer coisa que mexe com privatização é travado. Isso é terrível porque nessa nova fase o setor público não consegue dar conta, seja do ponto de vista administrativo, seja do lado financeiro. Talvez a Dilma nos surpreenda. Valor: Você acha que ela vai surpreender? Bacha: Não sei. Até agora o ministério é muito velho, não? Não vejo uma cara de estar preparado para uma nova fase, parece quatro anos do mesmo. 40 Valor: A inflação deve fechar o ano em torno de 6%, acima da meta de 4,5% do Banco Central. Em 2002, quando a inflação dobrou, o sr. defendeu uma meta mais branda. O que acha hoje? Bacha: Naquela época tivemos um choque de oferta, não era a economia trabalhando a mil, como hoje. Com choque de oferta se justifica um tratamento mais brando na hora de trazer inflação para a meta. Não é que o BC não tenha de atacar a inflação, mas atacar de forma compatível com o problema. Em 2010 é outra história, é basicamente demanda. Tem um ciclo de alimentos, que ajudou por três meses a inflação e agora está incomodando. Valor: Isso quer dizer que a maior taxa de juros do mundo vai subir ainda mais? Bacha: Seria ótimo que o lado fiscal ajudasse, mas não acho que isso vai acontecer. Quem dera que o "neomanteguismo" me surpreenda com um ajuste fiscal forte, mas vai sobrar para o BC. O que é ruim, porque já temos a maior taxa de juros do mundo. Valor: Mas o PIB deve crescer fortemente nos próximos anos, não? Não só pelo carry-over de 2010, mas também pela perspectiva de pré-sal, Copa do Mundo, Olimpíada etc. Bacha: Não acho que o PIB vá crescer tudo isso que está sendo projetado pelo governo e pelo mercado. Valor: Por quê? Bacha: Porque não temos poupança para isso. Valor: Mas podemos continuar ampliando nosso déficit em transações correntes para sustentar o crescimento, não? Bacha: Podemos, claro, nessa hipótese o PIB crescerá mesmo, e imitaremos a Austrália, que cresce há muitos anos, mesmo com um endividamento externo elevado, de 5% a 7% do PIB. Mas se chegarmos nesse nível o mercado pode achar que somos mais Hungria que Austrália, e a confiança se esvai rapidamente. Valor: Como tornar o crescimento sustentável, como incentivar poupança? Bacha: É mais fácil ter um diagnóstico da poupança do setor público que do privado. O setor público já chegou a poupar 7% do PIB, hoje poupa 1,5%. Quando se controla o gasto corrente sobra mais para poupar e investir, não tem muito mistério nisso. A questão do setor privado é mais complexa. Pense na China. O problema deles não é como aumentar a poupança, mas diminuí-la. Sabe como? Valor: Como? Bacha: Dê a eles um sistema universal de saúde, educação e previdência. A poupança das famílias, das empresas e do Estado vai embora rapidinho. Precisamos pensar além da poupança, os EUA nunca pouparam muito. Precisamos pensar na inovação, essa foi a razão do sucesso dos americanos. Valor: O que deve fazer o Estado? 41 Bacha: Precisa fazer coisas básicas, como ocupar o Morro do Alemão (RJ). Esse é um caso quase patético de como o Estado deve agir. É como quando acabamos com a inflação, havia todo um mundo novo à nossa frente. Valor: Que balanço o sr. faz do governo Lula? Bacha: Teve dois grandes méritos. O PT nasceu longe das bases comunistas e populistas, mais ligado à social-democracia, a um sindicalismo mais avançado, às bases da Igreja. O que vai ser quando chegar no poder? O discurso era péssimo, assustador. Mas chegou lá e demonstrou que é possível ter governo de esquerda no Brasil. Outra coisa é o pragmatismo do Lula. Começou a atacar a pobreza com o Fome Zero. Quando viu que o programa era ruim, foi para o Bolsa Família, que deu muito certo. Valor: E o que o sr. avalia mal? Bacha: Um dos erros nem foi propriamente do Lula, que foi o caso do mensalão, quando o governo resolveu fazer as reformas do começo de governo, reformas difíceis de fazer e de passar pelo Congresso e resolveram utilizar o método tradicional, mais fácil, de comprar os parlamentares. A partir daí [quando estouraram as denúncias], Lula resolveu desistir de passar reformas. Ter abandonado as reformas foi algo muito ruim. Outro problema foi a demonização da privatização. Como Lula ganhou em 2006 do Alckmin com essa plataforma, percebeu que esse ideário funciona, é eleitoralmente impotente. É uma coisa muito ruim isso, porque o Brasil não vai conseguir fazer a Copa do Mundo do jeito que os aeroportos estão. Quantas PPPs o governo fez? Não sei se a Dilma vai ter a capacidade de fazer as coisas de outra forma. Assista vídeo com a entrevista em www.valor.com.br 42 Investimento é melhor antídoto contra a inflação, diz Coutinho Francine De Lorenzo | Valor | 14/02/2011 | 12:42 | Valor Econômico SÃO PAULO – O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, acredita que a melhor forma de combater a inflação no país é pela política de investimento. ―O melhor antídoto contra a inflação é investimento com maior crescimento do setor produtivo‖, disse Coutinho, após reunião da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em São Paulo. Coutinho afirmou que a presidente Dilma Rousseff tem sido clara em seu posicionamento de que o país necessita de mais investimentos. O presidente do BNDES comentou ainda que acredita que a formação bruta de capital fixo em 2010 tenha ficado em 19,5% do Produto Interno Bruto (PIB) e a expectativa é de que em 2011 esse percentual suba para algo entre 20% e 20,5% do PIB. Ele ainda comentou que a taxa de câmbio tem favorecido as importações e que a indústria nacional ainda tem sofrido com o aumento de custo de matéria prima. Entretanto, Coutinho diz que não vê dissociação entre política monetária e industrial. ―Sem controle da inflação não existe confiança, não existe investimento. Então manter a expectativa de inflação sob controle é fundamental‖, afirmou acrescentando que o governo está fazendo um esforço grande para controle fiscal. (Francine De Lorenzo | Valor) 43 CAPITULO IV O que veremos nesta Nota de Aula: - O Brasil ao longo do século XX. Fatos estilizados. - Economia agroexportadora. 1. Etapas do crescimento brasileiro Antes de mostrarmos a trajetória do crescimento brasileiro ao longo do século XX é importante fazermos algumas considerações. Primeiramente, cabe destacar a diferença entre crescimento e desenvolvimento. Desenvolvimento econômico somente ocorre se houver crescimento econômico acompanhado de mudanças estruturais na economia, principalmente no tocante a distribuição de renda e melhoria das condições de vida da população. Em segundo lugar, devemos lembrar que crescimento econômico é resultado do aumento do estoque de fatores de produção (recursos materiais e humanos), melhoria tecnológica, melhor qualificação dos trabalhadores, melhores condições de saúde da população e maior eficiência da infra-estrutura econômica. Feitas estas considerações, podemos analisar a trajetória do PIB brasileiro ao longo do século XX. Neste período a população aumentou cerca de 10 vezes (média anual de 2,28%), enquanto o produto cresceu aproximadamente 12 vezes (média anual de 5,2%). Na comparação com o resto do mundo, o desempenho do Brasil foi maior tanto no que diz respeito ao crescimento populacional (média mundial de 1,36%) quanto à elevação do produto (média mundial de 3,7%). Alguns fatos estilizados (aproximação teórica de um fenômeno observado empiricamente) que veremos a seguir nos forneceram indicios explicativos do comportamento da economia brasileira. Comecemos nossa jornada, observanco a tabela e o gráfico a seguir. Neles veremos a trajetória do PIB do inicio do século XX até o ano de 2009. Período 1901- 1929 1930- 1945 1946- 1963 1964- 1985 1986- 1993 1994- 2010 1901- 2010 Crescimento médio anual 4,7% 4,0% 7,1% 6,4% 1,9% 3,3% 4,9% Volatilidade (desvio padrão) 5,0% 4,6% 3,0% 4,6% 3,6% 2,3% 4,3% Coeficiente de variação 106,4% 115,0% 42,3% 72,4% 193,8% 69,7% 87,8% 44 A volatilidade do primeiro período (1901-1929) pode ser explicada a partir de eventos como a 1ª. grande guerra. Nos períodos seguintes (1930-1945 e 1946-1963) alguns fatos foram marcantes: No plano externo a crise de 1929/30 e a 2ª. grande guerra. No plano interno, destaque para a era Vargas e o governo do presidente Juscelino Kubitschek com seu plano de metas. Vargas foi duas vezes presidente da república do Brasil. Na primeira vez, de 1930 a 1945 (1930 a 1934 no governo provisório; 1934 a 1937 no governo constitucional, eleito pelo Congresso Nacional; e de 1937 a 1945 no Estado Novo). Na segunda vez, de 1951 a 1954, governou o Brasil eleito por voto direto. Ele deixou legados importantes tais como: CLT – Consolidação das Leis do Trabalho (salário-mínimo, limitação da jornada de trabalho e as férias remuneradas); Gráfico 1 - Evolução do PIB 1901 1911 1921 1931 1941 1951 1961 1971 1981 1991 2001 2011* 45 Criação da Petrobrás (1953); Criação da CSN - Companhia Siderúrgica Nacional (1941); Criação e da Vale do Rio Doce (1942). Juscelino Kubitschek foi presidente do Brasil entre 1956 e 1961. Seu governo, cuja marca foi uma plataforma nacional desenvolvimentista, teve como evento principal o Plano de Metas. Lançado em 1956, o plano permitiu a abertura da economia brasileira ao capital estrangeiro. Isentou de impostos de importação as máquinas e equipamentos industriais, assim como os capitais externos, desde que associados ao dinheiro nacional ("capital associado"). Para ampliar o mercado interno, o Estado ofereceu uma generosa política de crédito. Financiou a implantação da indústria automobilística e da indústria naval, a expansão da indústria pesada, a construção de usinas siderúrgicas e de grandes usinas hidrelétricas, como Furnas e Três Marias, abriu as rodovias transregionais e aumentou a produção de petróleo da Petrobrás. Em 1959, criou a SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, para integrar a região ao mercado nacional. Em 1960, um mês após a inauguração de Brasília, Juscelino obteve junto ao FMI um empréstimo de 47,7 milhões de dólares para financiar o seu plano industrial — sobretudo, a indústria automobilística em São Paulo. As críticas ao governo JK são centradas no fato de ele ter priorizado o transporte rodoviário em detrimento do ferroviário devido à indústria automobilística, o que teria causado prejuízos ou isolamento a certas cidades. A opção pelas rodovias é considerada por muitos danosa aos interesses do país, que seria melhor servido por uma rede ferroviária. No plano macroeconômico, a expansão do crédito e as constantes emissões de moeda - para manter os investimentos estatais e pagar os empréstimos externos - provocaram crescimento da inflação e queda no valor dos salários. A inflação passou de 25% ao ano (1960), para 43% em 1961, 55% em 1962 e 81% em 1963. A dívida externa saltou de 1,5 bilhão de dólares para 3,8 bilhões de dólares, impulsionada pelas altas remessas de lucros das empresas estrangeiras de "capital associado" e pelo conseqüente aumento do déficit na balança de pagamentos. No governo JK a produção industrial cresceu 80%, os lucros da indústria cresceram 76%, mas os salários cresceram apenas 15%. Em 1964 tem inicio o período de governos militares que vai até o final de 1985, quando assume a presidência Jose Sarney. O primeiro governo militar foi exercido pelo Marechal Castelo Branco. Ao iniciar seu governo tomou algumas medidas para controlar a inflação e promover a retomada dos investimentos. Dentre estas medidas temos: 46 Revogação da Lei de Remessa de Lucros proposta por João Goulart, beneficiando o capital estrangeiro investido no Brasil (novos empréstimos foram negociados com o FMI); Estabeleceu o controle sobre os salários; Instituiu a correção monetária, operação destinada a atualizar o poder aquisitivo da moeda, segundo índices determinados pelo governo; Criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), em substituição ao antigo sistema de estabilidade e de indenização dos trabalhadores demitidos; Fundação do Banco Nacional de Habitação (BNH) que, obtendo os recursos do FGTS, deveria financiar a construção de casas populares. Neste período de governos militares, o investimento estatal na indústria pesada, siderurgia, petroquímica, construção naval e geração de energia hidrelétrica, facilitado pelo alto nível de liquidez internacional proporcionado pelos recursos dos países produtores de petróleo, possibilitou o crescimento da produção de bens duráveis de consumo no Brasil e o de bens de capital. Destaque para o período 1969-1973 que ficou conhecido como milagre econômico. Neste intervalo o produto teve crescimento anual médio de 10,0%. Entretanto, apesar das altas taxas de crescimento, houve um aprofundamento da desigualdade sócio-econômica resultado do pensamento predominante na equipe econômica chefiada pelo ministro Delfim Neto. Fundamentado no principio econômico de que a propensão para consumir é maior nas classes de renda mais baixa e na necessidade de aumentar a poupança interna para alavancar o crescimento, as políticas econômicas de distribuição de renda ficaram em segundo plano já que, segundo aqueles fundamentos econômicos, as classes de renda mais elevada poupavam mais que as de baixa renda. Ficaram famosas as explicações dadas por Delfim na televisão, em que defendia: "É preciso primeiro aumentar o 'bolo' (da renda nacional), para depois reparti-lo". Alguns dados confirmam a deterioração dos indicadores sociais: A mortalidade infantil no estado de São Paulo cresceu 10%. A grande São Paulo tinha 600 mil menores abandonados. 30 % dos municípios da federação não tinham abastecimento de água. Apesar de ter o 9º Produto Nacional Bruto do mundo, o Brasil não perdia em desnutrição apenas para Índia, Indonésia, Bangladesh, Paquistão e Filipinas. 47 Um estudo do Banco Mundial, feito em 1976, mostrava que 70 milhões de brasileiros eram desnutridos ou subnutridos, cerca de 64,5% da população da época. Com o primeiro choque do petróleo (o preço do barril saiu de US$3,37 para US$11,25), o crescimento da economia brasileira diminuiu. A inflação aumentou no mundo todo e principalmente no Brasil, onde passou de 15,5% em 1973 para 34,5% em 1974. O crescimento diminuiu no período 1974-1979 passando a 6,5% em média; na época do "milagre" as taxas de crescimento eram, em média, superiores a 10% anuais, tendo alcançado picos de 13% anuais. A balança comercial brasileira, a partir de 1974, apresentou enormes déficits causados principalmente pela importação de petróleo, que ultrapassaram os 4 bilhões de dólares ao ano. A capacidade de geração de divisas tornou-se insuficiente para sustentar o ritmo do crescimento. No final dessa década, a inflação chegou a 94,7% ao ano; em 1980 já era de aproximadamente 110 %, e em 1983 alcançou o patamar de 200%. A dívida externa brasileira chegou a US$ 90 bilhões ou 90% da receita das exportações. Desta forma, o Brasil entrou em uma forte recessão econômica que duraria até a década de 1990 e que tem como maior fruto o desemprego, que se agravou com o passar dos anos. O próximo período, 1986 a 1993, foi marcado pela edição de diversos planos econômicos, todos com insucesso. A partir de 1994 entra em cena o Plano Real com uma serie de mudanças estruturais. O plano, apesar das crises externas, tem apresentado bons resultados não somente no que se refere à economia como também em indicadores sociais. 2. Aspectos externos da economia brasileira No inicio do século XX, o crescimento do produto dependia fortemente das vendas agrícolas para o exterior. Estas exportações sustentavam as importações, base da estrutura de consumo no Brasil, e por conseqüência o aumento do produto. A partir da década de 30 a estrutura econômica passa por grandes transformações. Começa o processo de industrialização que avança até os anos 70. Este processo tinha no inicio o objetivo de substituir os produtos importados. Assim, nossa pauta de exportação continuou a depender muito dos produtos primários, principalmente café, borracha e algodão. Esta situação começa a mudar a partir da década de 60, quando aparecem novos produtos como ferro e soja. Fato importante é que estes dois produtos primários representam somente 10,0% do conjunto das exportações, diferentemente do inicio do século quando os produtos primários chegaram a contribui com 60,4% das vendas para o exterior. 48 Outro conceito importante para analisar nossas transações com o resto do mundo é o indicador coeficiente de vulnerabilidade. Esta variável mede a quantidade anos de exportações necessários para pagar a divida externa. Com base no gráfico a seguir podemos inferir que: a) A partir da primeira crise da dívida em 1974, decorrente principalmente do aumento do preço do petróleo, o indicador experimentou uma trajetória de alta cujo ápice ocorreu em 1986 (em 1983 tivemos a segunda grande crise da divida); b) Nos primeiros anos do plano real o indicador alcança patamares inferiores, mas a seguir, com as turbulências externas (crise do México, da Rússia e dos tigres asiáticos), volta a deteriorar-se, atingindo o ponto máximo em 1999; c) No período seguinte (2000 até o 1o. trimestre de 2008) o indicador alcança o nível mais baixo desde 1900. 3. Aspectos sociais do crescimento econômico brasileiro Os indicadores sociais mostram, em sua maioria, a melhora do bem estar social do país. Índices como esperança de vida, taxa de analfabetismo, taxa de mortalidade, pib per capita e percentual de pessoas pobres. Do lado negativo aparece o nível de concentração de renda. O índice de Gini, que mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade a 1, quando a desigualdade é máxima. Na serie abaixo vemos que ele atingiu 0,52 em 2008 contra 0,60 em 1993. O que mostra que os progressos econômicos e as políticas sociais trouxeram impactos positivos para a distribuição de renda não melhorou muito no Brasil. Divida externa / Exportações -0,01 0,91 1,83 2,76 3,68 4,60 197 0 197 2 197 4 197 6 197 8 198 0 198 2 198 4 198 6 198 8 199 0 199 2 199 4 199 6 199 8 200 0 200 2 200 4 200 6 200 8 49 4. Retrospectiva histórica recente 4.1 População e Economia: PIB em R$ 1950 2010 2014 172 bilhões 3,675 trilhões 4,7 trilhões População 1950 2009 2014 52 milhões 194 milhões 206 milhões Expectativa de vida 1950 2009 2014 46 anos 72,8 anos 74,5 anos 1993 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Brasil 0,60 0,59 0,58 0,57 0,57 0,56 0,56 0,55 0,54 Região Centro-oeste 0,61 0,59 0,58 0,57 0,58 0,56 0,57 0,57 0,56 Região Norte 0,58 0,56 0,54 0,54 0,53 0,52 0,53 0,51 0,52 Região Nordeste 0,63 0,59 0,59 0,58 0,57 0,57 0,57 0,56 0,56 Região Sul 0,56 0,53 0,53 0,52 0,52 0,51 0,51 0,50 0,49 Região Sudeste 0,57 0,56 0,56 0,54 0,54 0,54 0,52 0,52 0,51 Fonte: Ipeadata Nome Renda - desigualdade - índice de Gini 0,6044 0,6005 0,6021 0,6021 0,6002 0,5940 0,5961 0,5893 0,5830 0,5829 0,5724 0,5694 0,5629 0,5560 0,5476 0,5428 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Gráfico 2 - Distribuição de Renda (%) 50 4.2 Educação Percentagem da população alfabetizada 1950 2008 2014 49,7% 88,8% 91,0% 4.3 Mercado de consumo Frota circulante no país 1950 2007 2014 430 mil 25,6 milhões 40,0 milhões 4.4 Petróleo Volume de produção 1950 2009 2014 896 mil barris dia 2 milhões barris dia 3 milhões barris dia 4.5 Importação de petróleo 1950 2009 2014 224 mil barris dia 265 mil barris dia 402 mil barris dia Bibliografia Vasconcellos, Marcos Antonio Sandoval; Gremaud, Amaury Patrick; Toneto, Rudnei Junior. Economia Brasileira Contemporânea. São Paulo: Editora Atlas, 7ª ed. 2007.. Capítulos. 12 13. Revista Exame – Edição 958 – 16/12/2009. WWW.ipea.gov.br 51 ANEXO Período Var. (%) Período Var. (%) Período Var. (%) Período Var. (%) 1901 14,4 1929 1,1 1957 7,7 1985 7,8 1902 -0,5 1930 -2,1 1958 10,8 1986 7,5 1903 1,9 1931 -3,3 1959 9,8 1987 3,5 1904 1,4 1932 4,3 1960 9,4 1988 -0,1 1905 3,3 1933 8,9 1961 8,6 1989 3,2 1906 12,7 1934 9,2 1962 6,6 1990 -4,3 1907 0,8 1935 3,0 1963 0,6 1991 1,0 1908 -3,2 1936 12,1 1964 3,4 1992 -0,5 1909 10,3 1937 4,6 1965 2,4 1993 4,7 1910 2,6 1938 4,5 1966 6,7 1994 5,3 1911 5,8 1939 2,5 1967 4,2 1995 4,4 1912 6,9 1940 -1,0 1968 9,8 1996 2,2 1913 2,9 1941 4,9 1969 9,5 1997 3,4 1914 -1,3 1942 -2,7 1970 10,4 1998 0,0 1915 0,3 1943 8,5 1971 11,3 1999 0,3 1916 0,9 1944 7,6 1972 11,9 2000 4,3 1917 9,4 1945 3,2 1973 14,0 2001 1,3 1918 -2,0 1946 11,6 1974 8,2 2002 2,7 1919 7,9 1947 2,4 1975 5,2 2003 1,1 1920 12,5 1948 9,7 1976 10,3 2004 5,7 1921 1,9 1949 7,7 1977 4,9 2005 3,2 1922 7,8 1950 6,8 1978 5,0 2006 4,0 1923 8,6 1951 4,9 1979 6,8 2007 6,1 1924 1,4 1952 7,3 1980 9,2 2008 5,1 1925 0,0 1953 4,7 1981 -4,3 2009 -0,2 1926 5,2 1954 7,8 1982 0,8 2010 7,5 1927 10,8 1955 8,8 1983 -2,9 1928 11,5 1956 2,9 1984 5,4 PIB PIB PIB PIB 52 CAPITULO V O que veremos nesta Nota de Aula: - Economia agroexportadora. - As idéias da CEPAL. - O Processo de Substituição das Importações (PSI). - O papel da agricultura no processo de industrialização. 1. Economia Agroexportadora Defini-se economia agroexportadora como aquela que é baseada na produção e exportação de produtos primários. Desde seu descobrimento até o período denominado República Velha (1889-1930), a economia do Brasil teve como principal direcionador da performance da suas exportações os produtos primários. Desta forma, no inicio do século XX, as exportações eram determinantes para o desempenho da economia brasileira, pois garantiam as importações, base da estrutura do consumo no Brasil. 2. Ciclos da economia agroexportadora Como dito anteriormente a economia brasileira, no período 1889-1930, dependia fortemente da performance de suas exportações de produtos agrícolas. Estas exportações eram compostas de alguns poucos itens, cuja importância variou ao longo dos anos. Assim tivemos o ciclo do ouro, o do açúcar, o do café, o da borracha, etc. Destaque para o ciclo do café, produto que dominou a economia no período da velha república. Como o desempenho econômico dependia das exportações de produtos primários e estas variavam conforme os preços internacionais, a economia brasileira estava exposta a uma elevada vulnerabilidade externa. No caso do café, principal produto de exportação na velha república, o preço internacional dependia das condições de mercado. Nos momentos de prosperidade a demanda aumentava e nos momentos de crises ela se retraía. EUA e Inglaterra eram os principais importadores e influenciavam o comportamento da demanda. O Brasil, apesar de ser o maior produtor mundial, não influenciava os preços, pois outros paises também atuavam na oferta. Dado este cenário, as crises internacionais ocasionavam sérios problemas as exportações brasileiras de café e, por conseqüência, aos outros setores da economia. Este processo de transferências das crises externas para o mercado interno explica, em grande parte, a vulnerabilidade da economia agroexportadora. 53 Sendo o setor agroexportador o mais dinâmico da economia, os outros tinham menor rentabilidade que este e assim, os recursos disponíveis eram direcionados para aquele setor. Como resultado havia uma forte concentração de renda e propriedade. Maria da Conceição Tavares (1975) classificou este tipo de estrutura como modelo desenvolvimento voltado para fora. Nele, o desenvolvimento nacional tinha como características a dependência do setor externo e o descasamento entre a estrutura produtiva e a demanda interna. Acrescente-se que esta estrutura não era exclusividade do Brasil, mas comum aos paises latinos-americanos. Nos países mais desenvolvidos ou centrais a situação era bastante diferente como mostra o quadro a seguir. Países agroexportadores Paises centrais A exportação é variável determinante da renda nacional A renda nacional pode ser explicada também como derivada do investimento A pauta de exportação concentrada em produtos primários Pauta de exportação baseada no excedente do consumo com predominância de produtos manufaturados O conjunto de importações é composto de matérias primas e de bens para atender a demanda interna O conjunto de importações é composto de bens para atender a demanda interna A base de exportação é diferente da estrutura de demanda A base de exportação não é diferente da estrutura de demanda O gráfico a seguir mostra a composição da pauta de exportação no inicio do século XX. Gráfico 1. Pauta de exportação brasileira - 1900 Borracha 15% Café 65% Açucar 6% Algodão 3% Outros 7% Couro e peles 2% Fumo 2% 54 Além do café, os outros produtos vendidos ao exterior eram predominantemente agrícolas. Esta situação somente se modifica a partir da década de 60 quando o processo de industrialização, iniciado nos anos 30, se consolida. O gráfico a seguir evidencia a trajetória das exportações por setores econômicos a partir de 1974. 3. Deterioração dos termos de troca Termo de troca é a relação entre os preços das exportações e os preços das importações de um país. Muitos autores defendem a idéia de que os preços dos produtos agrícolas possuem um desempenho que tende a um menor crescimento frente aos industrializados. Logo, se um país como o Brasil, tem suas exportações baseadas em produtos agrícolas, terá desvantagem frente suas importações de manufaturados. A este processo denominamos deterioração dos termos de troca. 4. Teoria cepalina ou estruturalista Ao adotarem o livre comércio e o livre fluxo de capitais, além de se especializarem na produção dos bens em que possuíssem vantagens comparativas, os países atingiriam naturalmente o desenvolvimento. Assim dizia a teoria tradicional do comercio. Vários autores se insurgiram contra estas idéias, principalmente na América Latina. Destaque para Raul Prebish e a teoria estruturalista ou cepalina (CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe criada em 1948). Gráfico 2. Exportações brasileiras por setores econômicos 0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0% 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 Fonte: Ipeadata Ind Bas outros Agri 55 Esse autor argumentou que o livre comércio, proposto pelos países mais desenvolvidos (países de centro), somente traria vantagens para os próprios, ficando os países menos desenvolvidos (ou periféricos) em flagrante desvantagem. Ele aponta como solução a industrialização dos países periféricos com o objetivo de substituir suas importações e melhorar seus termos de troca. 5. Políticas de defesa da economia agroexportadora e seus problemas Como vimos o principal problema de uma economia agroexportadora é a oscilação de preços do principal produto primário exportado. Quando os preços estavam em alta os empresários obtinham maiores lucros e os reinvestiam no próprio negócio, criando mais empregos. No cenário inverso, os investimentos caiam, assim como a geração de empregos. Ao governo, neste último caso, havia poucas possibilidades de ação para proteger a economia. Entretanto, cabe destacar duas delas: a desvalorização cambial e a política de valorização do café. A desvalorização cambial mantinha, em moeda local, a renda dos cafeicultores, entretanto criava dois problemas: 1) Estimulava a superprodução, pois a queda de preço no mercado internacional, em geral, era provocada pelo aumento da oferta; 2) Socialização das perdas provocada pelo aumento da inflação. Como a produção local de bens era incipiente e as pessoas consumiam produtos importados, a desvalorização aumentava estes preços, causando inflação. A política de valorização do café, utilizada pela 1ª. vez em 1906, consistia na formação de estoques reguladores adquiridos pelo chamado preço mínimo. Derivados desta política tivemos dois problemas: o que fazer com os estoques e como financiar a compra e estocagem do produto. Some-se a estes mais dois entraves: 1) Tendência a superprodução, já que a queda de preços estava ligada normalmente ao aumento da oferta; 2) Aumento da concorrência internacional, tendo em vista o estabelecimento de um preço mínimo atrativo. 6. Superprodução e crise da economia cafeeira em 1930 As políticas de proteção a industria cafeeira que encobriam os desequilíbrios entre demanda e oferta, alcançaram seu auge em 1930. Naquele ano, dois fatores foram somados aos problemas já existentes: A grande produção nacional e o início de uma das maiores crises econômicas da história. Esta conjuntura tornou evidente a insustentável situação de dependência da economia brasileira a um único produto de exportação. Com o 56 excesso de produção e a recessão econômica mundial a política de estoques do governo não foi suficiente para sustentar os preços do café e o governo terminou por ter que queimar grande parte do produto durante as décadas de 30 e 40. A tabela a seguir mostra a ação do governo no período 1931-1944 para garantir o preço do café brasileiro. O lado positivo da crise foi o despertar da consciência sobre a necessidade de industrialização como forma de alterar o panorama existente e promover o desenvolvimento. No entanto, havia o problema de falta de poupança e a solução passava pela mudança política do Estado dominado pelas oligarquias para o Estado que controlasse os instrumentos de política econômica. Esta alteração foi possível com a revolução de 30 que fortaleceu o Estado Nacional e trouxe novas classes econômicas ao poder, sendo que estas classes tinham a industrialização como um projeto nacional de desenvolvimento. 7. O setor cafeeiro e o processo de industrialização Embora não tenha começado na década de 30, o processo de industrialização do Brasil teve grande impulso neste período. Se antes as indústrias surgiam nas proximidades das áreas produtoras de café, agora o processo tende a atender aos objetivos de substituição das importações. Duas teorias procuram explicar estes movimentos: A teoria dos choques adversos e a teoria da industrialização induzida por exportações. Tabela 1. Produção e Destruição de café Produção Destruição % de b (1000 ton) (1000 ton) sobre a (a) (b) 1931 1.302 170 13,1% 1932 1.538 560 36,4% 1933 1.777 821 46,2% 1934 1.653 496 30,0% 1935 1.136 102 9,0% 1936 1.577 224 14,2% 1937 1.461 1032 70,6% 1938 1.404 480 34,2% 1939 1.157 211 18,2% 1940 1.002 169 16,9% 1941 962 205 21,3% 1942 830 139 16,7% 1943 922 76 8,2% 1944 687 8 1,2% Ano 57 A primeira defende a idéia de que a industria brasileira tinha impulsos nos momentos de crises externas (por exemplo, na 1a. guerra mundial e na depressão de 30). Nestes momentos de choques adversos, o governo tomava medidas (cambiais e aduaneiras) para proteger a industria local, fazendo com esta suprisse a necessidade de compra de produtos importados. Nos momentos de bonança, a produção interna era prejudicada pela facilidade de compra dos produtos externos com as divisas geradas pelo setor exportador. A segunda teoria argumenta que a indústria crescia principalmente nos bons momentos do setor exportador. Para estes teóricos, o aumento da renda dos exportadores criava demanda por produtos industriais, incrementando o movimento das fábricas nacionais. Assim, nos momentos de crise, segundo esta teoria, ocorria o movimento inverso, ou seja, retração da produção interna. As idéias que, aparentemente, parecem antagônicas podem ser entendidas da seguinte forma. Nos momentos em não havia crises, a geração de divisas permitia que fossem comprados máquinas e equipamentos do exterior (aumento da capacidade instalada) e nos momentos de crises, a produção interna aumentava com o uso daqueles equipamentos (uso da capacidade instalada). 8. O processo de substituição de importações (PSI) A crise de 30 trouxe serias conseqüências para as exportações brasileiras e o saldo do balanço de pagamentos. Adicionalmente os capitais estrangeiros que na década anterior fluíam com facilidade para o Brasil, reverteram a direção, ajudando a piorar a situação do nosso balanço de pagamentos. A resposta dada pelo governo de Vargas foi fundamental para o enfrentamento da crise. Com o apoio dado a industria nacional, esta pode crescer e contribuir positivamente para diminuir a dependência externa. O crescimento da industria também trouxe outras conseqüências. A renda nacional que dependia fortemente do setor exportador passou a ter a industria nacional como fator determinante. Este movimento foi classificado por Celso Furtado como ―deslocamento do centro dinâmico‖. Então, a trajetória da industrialização brasileira, que teve forte impulso, na década de 30, foi um movimento voltado ao atendimento das demandas internas ou, em outras palavras, um processo de substituição das importações. È o que chamamos de industrialização fechada que teve como características principais: Produção voltada para o atendimento das demandas internas e não para exportação; Dependência de medidas protecionistas contra os concorrentes externos. 58 O processo teve a seguinte cronologia: 1) Escassez de divisas estrangeiras provocada pela queda das exportações e a manutenção de parte da demanda por importações; 2) O governo toma medidas para aumentar a competitividade e a rentabilidade da produção doméstica, tais como desvalorização da moeda nacional, controle do câmbio, taxas múltiplas de câmbio e elevação das tarifas aduaneiras; 3) Com os investimentos nos setores substituidores de importações, a demanda e a renda nacional aumentaram. 9. A participação do Estado no processo de industrialização Ao Estado foram reservadas as seguintes atribuições no processo de industrialização: 1) Criação de normas legais e órgãos voltados ao objetivo da industrialização. Foi instituída a CLT, definindo direitos e obrigações dos trabalhadores e empresários. Foram criadas agências estatais para gerir o processo tais como o Departamento Administrativo do Setor Público (DASP), o Conselho Técnico de Economia e Finanças, a Comissão de Financiamento a Produção e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (o S de Social somente viria depois) 2) Investimento em Infra-Estrutura, principalmente transporte e energia; 3) Fornecimento de insumos básicos. Foi criado o Setor Produtivo Estatal (SPE) composto pela CSN, Vale do Rio Doce, CNA (Cia nacional de Álcalis), Petrobrás e hidrelétricas. 4) Captação e distribuição de poupança. Dada a ausência de um mercado financeiro desenvolvido, principalmente pela lei da Usura, o Estado assumiu o papel de intermediador financeiro através do Banco do Brasil e o BNDES. 10. Contribuição do setor agrícola para o processo de industrialização Em que pese a diminuição da participação do setor agrícola na economia, este deu as seguintes contribuições para o processo de industrialização: a) Liberação de mão-de-obra; 59 b) Fornecimento de alimentos e matérias-primas; c) Transferência de capital; d) Geração de divisas; e) Mercado consumidor. Bibliografia: Vasconcellos, Marcos Antonio Sandoval; Gremaud, Amaury Patrick; Toneto, Rudnei Junior. Economia Brasileira Contemporânea. São Paulo: Editora Atlas, 7ª ed. 2007.. Capítulos. 13 e 14. 60 CAPITULO VI O que veremos nesta Nota de Aula: - Plano de metas. - PAEG. - I e II PND e a crise da dívida externa. 1. Plano econômico - definição Um plano econômico deve ser entendido como um conjunto de ações e diretrizes integradas, que têm como objetivo principal promover o desenvolvimento econômico e social de uma região (cidade, município, estado ou país). Desde o plano SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia) do governo Eurico Gaspar Dutra (1946/1951), o Brasil passou por várias experiências, sendo algumas bem sucedidas e outras não. A experiência brasileira de planejamento estatal, evidenciada no Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek, é considerada um dos casos bem-sucedido de formulação e implementação de planejamento. Além dos amplos projetos estatais de infra-estrutura, o Estado conseguiu articular expressivo volume de investimentos privados de origem externa e interna, destinadas a áreas como indústria automobilística, construção naval e construção aeronáutica. Contrariamente ao projeto nacionalista de Getúlio Vargas, havia uma clara aceitação ao capital externo, limitando-se o capital nacional ao papel de sócio menor deste processo. Grandes investimentos estatais em infra-estrutura, bem como as empresas estatais do setor produtivo, estariam a serviço da acumulação privada. 2. Plano de Metas O Plano de Metas foi implementado no governo de Juscelino Kubitschek (JK) com o objetivo principal de promover a montagem de uma estrutura industrial integrada, principalmente aquela destinada a produzir bens de consumo duráveis, em especial automóveis. A expectativa do governo era que o atingimento deste objetivo proporcionaria ao país crescer 50 anos em 5. O projeto foi baseado em 31 metas centradas em 4 setores da economia brasileira: energia, transporte, indústrias de base e alimentação conforme abaixo: Energia (metas de 1 a 5): Energia elétrica, nuclear, carvão, produção e refino de petróleo. Transportes (metas de 6 a 12): Reativar estradas de ferro, estradas de rodagem, portos, barragens, marinha mercante e aviação. Alimentação (metas de 13 a 18): Trigo, armazenagem e silos, frigoríficos, matadouros, tecnologia no campo e fertilizantes. Indústrias de base (metas 19 a 29): Alumínio, metais não ferrosos, álcalis, papel e celulose, borracha, exportação de ferro, industria de automóveis e construção naval, maquinas pesadas e material elétrico. 61 Educação (meta 30): Educação pública, gratuita e de qualidade a toda população, da pré-escola à faculdade. Brasília (meta 31): Construção de uma nova capital no Planalto Central, a meta- síntese. Correspondeu a um avanço em relação ao processo de substituição de importações iniciado no 1º. Governo Vargas, pois era voltado não somente a suprir a demanda por importados, mas a constituir as bases de uma economia industrial. 2.1 Diagnóstico da situação econômica e fundamentos teóricos do plano Os fundamentos do plano foram determinados por trabalhos do BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – e da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe). Os estudos realizados por aquelas instituições evidenciaram a existência de uma demanda por bens de consumo duráveis não atendida e apontaram este setor como importante fonte de crescimento pelos efeitos positivos (aumento da demanda) causados em outros setores industriais. Este diagnostico sobre as áreas de demanda insatisfeita em função de desequilíbrios econômicos (pontos de estrangulamentos) e os incentivos à entrada do capital estrangeiro foram muito importantes para viabilizar o projeto, assim como a concentração de renda, que elevou o padrão de consumo de algumas classes sociais, também contribuiu positivamente. 2.2 A gerência do plano Em sua primeira reunião ministerial, em 1o de fevereiro de 1956, JK criou um órgão diretamente subordinado à Presidência da República, o Conselho do Desenvolvimento, com a missão de coordenar o detalhamento e a execução do plano. Este conselho tinha autonomia de decisão suficiente para viabilizar a realização dos projetos. Além do Conselho de Desenvolvimento foram criadas comissões setoriais para administrar este projeto (uma forma sofisticada de administração paralela instituída para fugir das dificuldades políticas no congresso e a ineficiência da burocracia). Um exemplo deste tipo de atuação foi o GEIA – Grupo de Executivo da Indústria Automotiva. 2.3 Definição das ações (planejamento) Definida a forma de gerenciamento, o plano foi dividido em três pontos principais: I – Investimentos do Estado em infra-estrutura, notadamente nos setores de energia elétrica e transporte. Neste último setor ocorreu uma mudança de prioridade em relação ao governo Vargas. Se Vargas centrou esforços no desenvolvimento do setor ferroviário, JK priorizou o setor rodoviário. II – Estimulo a produção de bens intermediários, como aço, carvão, cimento, zinco, etc.... III – Incentivos a introdução dos setores de consumo duráveis e de capital. 62 3. Estratégia A coerência das metas do Plano de JK pode ser analisada por meio da técnica de planejamento conhecida como matriz insumo-produto. Esta técnica também conhecida como matriz de relação intersetorial ou matriz de Leontief mostra o que cada setor compra e vende para outros setores e permite construir indicadores como o coeficiente técnico de produção – CTP - com os quais pode-se fazer previsões sobre a produção de cada setor. Por exemplo, se o setor de farinha tem uma produção de R$200 e compra R$80 do setor de trigo, então o coeficiente é: 4,0 200 80 CTP No caso do Plano de Metas, a estratégia de atacar os pontos de estrangulamentos existentes e impedir o aparecimento de outros com a criação de pontos de germinação (áreas que geram demanda, como a construção de Brasilia) pode ser vista como exemplo do uso desta técnica. 4. Ambiente econômico e direcionamento dos recursos estrangeiros O tamanho do mercado interno, efeito do sucesso do processo de substituição de importações, tornou-se um espaço privilegiado para a atuação das empresas multinacionais, embora seja importante ressaltar que os EUA, inicialmente, estavam presentes apenas marginalmente nesse processo. Somente após a implantação de empresas européias e japonesas em várias áreas, as multinacionais americanas se engajaram na produção industrial no Brasil, mesmo aquelas que já atuavam há muitos anos no país, com centros de montagem e distribuição de seus produtos, como a Ford e a General Motors. Os recursos japoneses, holandeses e brasileiros financiaram a indústria naval; a siderúrgica foi financiada com capitais estatais e japoneses, enquanto a automobilística teve investimentos alemães (Volkswagen e Mercedes-Benz), franceses (Simca) e nacionais (TKW). O cumprimento das metas estabelecidas foi bastante satisfatório, inclusive com alguma delas sendo superadas. Como conseqüência houve rápido crescimento econômico e profundas mudanças na estrutura produtiva do país. Entre 1956 e 1960, a economia experimentou uma taxa média de crescimento de 8,1% ao ano, inédita na história brasileira, atingindo um percentual recorde de 10,8% em 1958. O caráter estrutural da transformação sofrida pela economia pode ser aferido pelo rápido aumento da participação da indústria no produto interno bruto, que passou dos 20,4% em 1955 para cerca de 25,6% no último ano do governo Kubitschek, e também por sua diversificação. Em termos qualitativos, as indústrias líderes em 1950 — produtos alimentares e têxteis — cresceram, entre 1956 e 1960, a taxas médias anuais abaixo de 6%, 63 enquanto a fabricação de automóveis e de material elétrico, setores instalados no período, ultrapassaram os 25% ao ano7. 5. Instrumentos Econômicos utilizados A execução do plano foi baseada nas seguintes ações econômicas: 1) Obtenção dos recursos externos; 2) Ampliação do investimento público; 3) Estímulo ao investimento privado; e 4) Política de reserva de mercado. A opção 1 foi realizada por meio, principalmente, de políticas cambiais que favoreciam desde as importações sem cobertura cambial a taxas de câmbio privilegiadas para remessa de lucros, amortizações e juros. O investimento público foi financiado com emissão de moeda e recursos de empresas estatais. O estímulo ao investimento privado foi executado por meio de incentivos fiscais e empréstimos com juros baixos fornecidos pelo BNDE. A política de reserva de mercado foi executada por meio dos institutos de câmbio múltiplo e tarifas alfandegárias. 6. Os resultados O Plano de Metas teve como principais resultados: 1) Chegada de grandes empresas estrangeiras no país para produzir bens de consumo duráveis; 2) Continuidade da produção, pelos industriais brasileiros, nos setores tradicionais (tecido, móveis, alimentos, roupas e construção civil); 3) Diversificação da matriz de produção; 4) Modernização da indústria; 5) Concentração de renda com investimentos na indústria e desestímulo a agricultura; 6) Aumento da dependência tecnologia; 7) Crescimento da divida externa e da inflação. 7. O Plano de Ação Econômica do Governo - PAEG Em 1964 tem inicio o período dos governos militares que imediatamente impõem uma solução para a crise política e abrem caminho para a superação da crise econômica. 7 O BNDE e o Plano de Metas, Capitulo 3, José Luciano Dias. 64 O governo de Castelo Branco lança o Plano de Ação Econômica do Governo – PAEG. Projeto que tinha como objetivos: i) Aceleração do crescimento econômico; ii) Redução da inflação; iii) Diminuição dos desequilíbrios setoriais e regionais; iv) Aumento do investimento e do emprego; e v) Correção dos desequilíbrios externos. 8. Medidas de combate a inflação no PAEG O combate a inflação (83,2% em 1963), diagnosticada como de excesso de demanda, foi considerado condição primordial para retomada do crescimento. Este processo de perda do poder aquisitivo tinha como determinantes, segundo os formuladores do plano: a) O déficit publico; b) A elevada propensão marginal a consumir proporcionada por medidas salariais populistas; e c) A falta de controle sobre a expansão do crédito. Com base nesta avaliação o governo concentrou seus esforços nas seguintes ações: Redução do déficit público com diminuição dos gastos públicos e aumento das receitas (reforma tributária); Restrição ao crédito e política monetária restritiva com aumento das taxas de juros reais. Como resultado, houve crescimento do passivo das empresas e uma grande onda de falências e concordatas, fusões e incorporações, notadamente das pequenas e médias; Instituição de uma política salarial determinada pelo governo, tendo como conseqüência a redução real dos salários. Importante mencionar o tratamento especial dado ao combate a inflação. Em primeiro lugar, ela foi considerada um ―mal inevitável‖ do crescimento econômico acelerado e, sendo assim foi criado o mecanismo de correção monetária (indexação) para que pudéssemos conviver com ela e, ao mesmo tempo, reduzí-la gradualmente, sem tratamentos de choques. 9. As reformas do PAEG A partir da necessidade de criar condições que possibilitassem o crescimento em um ambiente de inflação moderada, o governo promoveu as seguintes reformas: a) Reforma tributária A reforma monetária trouxe como novidades a Introdução da correção monetária dos tributos; criação do IPI, ICM e do ISS; criação de fundos de 65 transferências intergovernamentais (Fundo de participação dos Estados e Municípios); criação de fundos parafiscais (FGTS e PIS) b) Reforma monetária A reforma monetária foi implementada com: - Criação das Obrigações reajustaveis do Tesouro Nacional (ORTN) que, ao permitir a prática de juros reais, estimulou a poupança e o financiamento da economia; - Criação do Conselho Monetário Nacional (CMN), do Banco Central do Brasil e da comissão de valores mobiliários (CVM) para organizar o sistema financeiro nacional; - Criação do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e Banco Nacional da Habitação (BNH). Reforma da política externa com destaque em duas linhas de atuação: 1) Incentivo as exportações com adoção de incentivos fiscais através de isenções de IPI, ICM e IR). 2) Simplificação do controle das importações com o uso somente da política tarifária. 10. O milagre econômico O crescimento econômico no período 1968/1973 (governos Costa e Silva e Médici) alcançou as maiores taxas na história recente do país. Capitaneado pelo ministro da fazenda Antonio Delfin Neto, o PIB teve evolução média anual acima de 10%, com destaque para o setor industrial. A inflação anual variou de 15% a 20% no período. Os determinantes destes desempenhos foram as reformas institucionais, a contribuição do Plano Nacional de Desenvolvimento - I PND (programa que trouxe uma série de investimentos no campo siderúrgico, petroquímico, de transporte e de energia elétrica 1969/74) e a recessão do período anterior, que gerou uma capacidade ociosa no setor industrial suficiente para atender a demanda sem pressões nos preços. Acrescente-se que o crescimento da economia mundial também contribuiu positivamente. Digno de registro é a mudança de posicionamento do governo com relação às causas da inflação. Se no inicio dos governos militares acreditava-se que a causa do aumento de preço era o excesso de demanda, agora o diagnostico é que a inflação estava sendo causada pela elevação dos custos de produção (inflação de custos). Essa mudança de posicionamento possibilitou a flexibilização das políticas monetária, fiscal e creditícia, mas não da política salarial. Com base neste novo cenário, e precisando justificar a intervenção politica e economica, o regime militar determinou as seguintes fontes de crescimento que deveriam ser trabalhadas: a) Retomada do investimento público em infra-estrutura possibilitada pela recuperação financeira do setor público com a reforma fiscal; b) Aumento dos investimentos das empresas estatais; c) Aumento da produção de bens duráveis; 66 d) Construção civil que teve expressivo crescimento derivado do aumento dos investimentos públicos e a maior demanda por habitação proporcionada pela expansão de crédito do SFH; e) Crescimento das exportações ocasionado pela expansão do comércio mundial. 11. As crises dos anos 70 e o II PND O rápido e expressivo crescimento econômico da época do milagre econômico fez surgir alguns desequilíbrios causadores de pressões inflacionárias e problemas no balanço de pagamentos. A elevação continuada do PIB evidenciou a dependência (vulnerabilidade) cada vez maior da situação externa favorável. Desta forma, a crise mundial desencadeada pelo primeiro choque do petróleo (1973) trouxe efeitos bastante negativos para o balanço de pagamentos e para a inflação. Adicionalmente, a situação política também não ajudou, pois o novo presidente (Ernesto Geisel) representava a linha de pensamento que defendia o crescimento econômico como prioridade, o que dificultava a implementação de uma política de ajustamento. Assim, o governo lançou, em fins de 1974, o II PND – Plano Nacional de Desenvolvimento cuja meta era manter o crescimento econômico da época do milagre, mas com uma alteração nas prioridades. Agora os setores econômicos privilegiados passam a ser o de bens de capital e o de insumos básicos em lugar do setor de bens de consumo duráveis. A expectativa era de que os projetos das empresas estatais estimulariam a produção do setor privado, proporcionando taxas de crescimento semelhantes ao período anterior, o do milagre. No entanto, a evolução do PIB ficou abaixo do esperado. No que se refere ao financiamento do plano, o Estado assumiu um grande passivo para conseguir realizar seus objetivos e com a segunda crise do petróleo no final da década de 70 a deterioração das contas externas levou a piora da situação cambial. Era o caminho para a crise da divida externa nos anos 80, a década perdida, onde as políticas de ajustamento provocaram recessão e baixo crescimento. Bibliografia: Vasconcellos, Marcos Antonio Sandoval; Gremaud, Amaury Patrick; Toneto, Rudnei Junior. Economia Brasileira Contemporânea. São Paulo: Editora Atlas, 7ª ed. 2007. Capítulos. 15 e 16. 67 CAPITULO VII Planos heterodoxos (parte I): Plano Cruzado. 1. Introdução Os planos heterodoxos surgiram logo após o fim dos governos militares para tentar atender ao chamado de várias vozes que defendiam ações alternativas para debelar a inflação cujo combate com medidas ortodoxas não lograram êxito. Esse debate entre ortodoxos (aqueles que seguem os padrões, normas ou dogmas estabelecidos, tradicionais) e heterodoxos (aqueles que contrariam padrões, normas ou dogmas estabelecidos) não era novo, mas ganhou força com a chegada da chamada Nova República que trouxe ainda, uma nova corrente de pensamento, a dos inercialistas. Cada uma destas três correntes defendia pensamento distinto no que se refere à análise do processo inflacionário. A primeira delas, a ortodoxa, identificava como principal causa da inflação o desequilíbrio orçamentário do governo que, ao forçar uma expansão exagerada da oferta de moeda, gerava pressões inflacionárias. Este processo induzia os agentes econômicos a formar expectativas inflacionárias elevadas. A oposição a estas idéias era feita pelos heterodoxos. Para estes a inflação era resultado principalmente da incerteza dos produtores divididos em dois mercados: o dos oligopólios, formadores de preços (fix-price) e os de concorrência (flex-price). Em ambos, a influência dos desequilíbrios cambiais e das taxas de juros eram fatores determinantes das expectativas sobre os preços futuros, que em cenário de incerteza eram sempre ascendentes. O último grupo, o dos ―inercialistas‖ tinha como argumento principal sobre a inflação a idéia da inflação inercial. Este conceito referia-se à memória inflacionária, onde o índice atual é a inflação passada mais a expectativa futura. Assim, a inflação se mantém no mesmo patamar sem aceleração inflacionária e é decorrente de mecanismos de indexação. Estes mecanismos podiam ser formais e informais. 2. Antecedentes aos planos heterodoxos O I PND - Plano Nacional de Desenvolvimento, que proporcionou um rápido crescimento da economia no período 1969/1973, trouxe a tona alguns desequilíbrios 68 que deram origem a pressões inflacionárias e problemas na balança comercial. A trajetória da inflação ao longo da década de 70 está explicitada a seguir. O gráfico mostra o movimento altista da inflação. Se durante o milagre econômico a inflação média ficou em aproximadamente 19,0% com um nível máximo 24,5%, no período do II PND esses números passam para 45,0% e 79,4%. Ao fim do período do milagre econômico, fica evidente que a manutenção dos níveis de crescimento daquela época dependia cada vez mais de condições externas favoráveis e estas expectativas não se confirmaram. A 1a. crise do petróleo em 1973 trouxe aumento de custos, alta dos juros internacionais pela diminuição da disponibilidade de crédito e queima das reservas internacionais pela maior necessidade de pagamento das importações de petróleo. A situação politica trouxe mais uma contribuição negativa. Em meio ao clamor por melhor distribuição de renda, assume, o novo presidente, Ernesto Geisel, que pertencia ao grupo dos militares defensores da idéia de que a politica monetária não poderia comprometer o crescimento econômico. Por outro lado, havia entre os militares defensores de uma politica de ajustamento para combater os desequilíbrios econômicos causadores da inflação. As opções disponíveis então se resumem em: I – Ajustamento para conter a demanda interna, gerando inclusive excedentes para exportação que ajudaria a gerar divisas suficientes para equilibrar as contas externas. II – Financiamento do crescimento, mantendo este nos mesmos níveis do período anterior (milagre econômico). Quanto a inflação, haveria um combate gradual. 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 24,5 19,0 19,5 19,5 15,7 16,3 34,1 29,9 46,7 38,1 41,5 79,4 Fonte: IPEADATA Gráfico 1. IGP-DI - Variação % anual 69 Esta opção tinha como base o pensamento de que a crise externa era passageira e não traria grandes impactos a nossa economia. No inicio de 1974, o novo ministro da economia, Mario Henrique Simonsen, parece optar pela opção de ajustamento, mas devido a pressões políticas (crescimento do questionamento ao regime militar pelo MDB) e financeiras (quebra do banco Halles). Neste cenário de debate entre a necessidade de ajustamento ou a continuação do crescimento via financiamento externo, nasce o II PND. O Plano tinha como proposta promover modificações na estrutura de oferta de longo prazo. Em outras palavras, o II PND permitiria que no longo prazo o Brasil diminuísse a necessidade importações e fortalecesse a capacidade de vender bens para o exterior. Enquanto estes objetivos não fossem atingidos havia a necessidade de financiamento com recursos externos. Os problemas principais do Plano, apoio político e financiamento externo, foram atacados da seguinte forma: a) A sustentação politica veio do apoio do capital financeiro nacional, das empreiteiras e das oligarquias. Para estas últimas o governo deu como contrapartida a execução de alguns projetos de investimento como, por exemplo: A construção de uma siderurgia em Itaqui (MA); prospecção de petróleo no litoral do Nordeste; petroquímica na Bahia e no Rio Grande do Sul, Fertilizantes em Sergipe e carvão em Santa Catarina. b) A questão do financiamento foi solucionada com o Estado assumindo a captação de recursos externos, inclusive com o uso das empresas estatais, e o setor privado sendo financiado com créditos subsidiados, principalmente do BNDE. As metas de crescimentos econômicos em torno de 10% ao ano e crescimento industrial em torno de 12%, não foram cumpridas muito embora a variação média do PIB não tenha sido decepcionante (média de 6,8% no período). 3. A situação no final da década de 70 Ao fim da década de 70 o Brasil apresentava os seguintes fatos: I) A 2a. crise do petróleo, em 1979, e o aumento das taxas de juros internacionais evidenciam novamente a condição de vulnerabilidade do país frente as crises externas. Os juros da divida comprometem mais de um quarto do valor das exportações, resultando no rápido consumo do saldo das reservas internacionais; II) As contas do estado apresentam fortes sintomas de desequilíbrios provocados pela redução da carga tributária; aumento do pagamento de juros da divida 70 interna; deterioração das contas das empresas estatais devido ao alto endividamento e uma politica tarifária desfavorável e descontrole orçamentário provocado pelos diversos mecanismos de incentivo ao capital nacional; III) Elevação da inflação interna, principalmente pela pressão do 2o. choque do petróleo. O último governo militar, sob o comando do general João batista de Figueiredo, começa em 1979 com a responsabilidade de aumentar a abertura politica, impulsionar a liberdade sindical e promover a reforma partidária. Na economia o ministro Delfin Neto põe em prática uma serie de medidas, visando repetir o crescimento econômico da época do milagre e ao mesmo tempo combater a inflação. Dentre estas, vale destacar: a) Controle sobre as taxas de juros; b) Expansão do crédito para a agricultura, visando aumentar a safra e controlar os preços; c) Diminuição dos impostos sobre remessa de juros para estimular a captação externa; d) Maxidesvalorização de 30% do cruzeiro em dez/79; e) Alteração da lei salarial com reajustes semestrais diferenciados por faixa de salários; f) Prefixação da correção monetária e cambial. Estas medidas produziram os seguintes resultados: a) Aceleração da inflação com o aumento dos preços públicos; aumento semestral dos salários e maxidesvalorização cambial; b) Crescimento da divida externa em função da ineficácia das medidas de estimulo a entrada de recursos externos e a crise internacional com o 2o. choque do petróleo; c) Aumento do processo especulativo devido ao rompimento da regra de desvalorização cambial, de mini para maxi. 4. A crise da divida externa A deterioração das contas do balanço de pagamentos colocou o país em um processo de ajustamento externo que começou voluntariamente, mas em 1982, com o agravamento da situação, passamos a tutela do FMI. A politica indicada por aquele 71 órgão, que visava principalmente garantir o pagamento da divida externa, tinha como base: 1) Contenção da demanda agregada com a redução dos gastos públicos (principalmente investimentos); aumento da taxa de juros; restrição ao crédito e redução real dos salários. 2) Politica de preços favorável ao setor externo com grande desvalorização real do cruzeiro; elevação do preço dos derivados do petróleo e estimulo a competitividade da industria por meio da contenção de preços públicos e incentivos fiscais a exportação. As conseqüências negativas da politica de ajustamento foram recessão em 1981 e 1983; baixo crescimento em 1982; queda na renda per capita e aumento da inflação. Pelo lado positivo tivemos a melhora no saldo das contas externas com aumento das exportações e redução das importações. Este sucesso no lado externo pode ser creditado a recessão econômica, que produziu queda nas importações, e ao sucesso do II PND no que se refere ao processo de substituição das importações e na melhora da competitividade externa. Faltava resolver o problema das contas internas. O aumento na geração de divisas beneficiou o setor privado, mas o setor mais endividado, e que, portanto necessitava mais de divisas, era o público. Assim, para comprar moedas estrangeiras necessárias ao pagamento de seus compromissos o governo deveria gerar superávit fiscal, emitir moeda ou endividar-se internamente. As duas primeiras alternativas mostravam-se inviáveis, sobrando a última, o endividamento interno. Este processo de transformação da divida externa em divida interna se deu em condições bastante desfavoráveis, com juros mais altos e prazos mais curtos. No que se refere a inflação, esta se mostrava resistente a ―remédios‖ ortodoxos, reforçando a opinião daqueles que defendiam medidas alternativas. Assim terminou a era dos governos militares. 5. Governo Sarney Os superávits comerciais obtidos, principalmente nos anos de 1981, 1983 e 1984, trouxeram equilíbrio às contas do balanço de pagamentos. Em 1981 e 1983, a melhora foi proporcionada pela redução das importações e em 1984 o impulso veio do aumento das exportações, sendo este movimento derivado da recuperação da economia mundial, dos incentivos fiscais e cambiais ao setor exportador e a 72 contribuição positiva dos investimentos feitos no II PND. Como conseqüência, o PIB experimentou crescimento de 5,3% em 1984. Diante deste quadro, o controle a inflação, que alcançou índices superiores a 200,0% entre 1983/85 (conforme gráfico a seguir), tornou-se o objetivo principal. Feita a escolha pelo combate a inflação, faltava definir o tipo de tratamento a ser utilizado. Considerando que os instrumentos ortodoxos não conseguiram debelar o processo inflacionário, surgiu a necessidade de algum método alternativo. Surgem então, duas correntes com novas explicações para o processo de perda do poder aquisitivo: Os Inercialistas ligados a PUC/RJ e os Pós-Keynesianos da Unicamp/SP. Vale lembrar que antes a corrente predominante era a dos monetaristas ligada a USP e a FGV/RJ. Cada uma destas idéias representava um tipo de tratamento. Os inercialistas defendiam a idéia de que o processo inflacionário tem um componente inercial onde o índice de um período é determinado pelo índice do período imediatamente anterior. Esse comportamento defensivo dos agentes de tentar preservar sua renda real usando como previsor futuro o índice de inflação passada, segundo os inercialistas pode ser combatido com as seguintes propostas: a) Congelamento de preços (choque heterodoxo) durante seis meses e a seguir aumento de até 1,5% ao mês por 18 meses; b) Indexação total da economia durante certo em intervalos bastante curtos de modo que a taxa de inflação não se refletisse nos preços relativos. Após determinado 73 período, quando os preços estivessem alinhados, haveria a troca da unidade de conta da economia e a eliminação da inflação. Para os Pós-Keynesianos o processo inflacionário é causado principalmente pela incerteza na previsão dos preços. No Brasil, a incerteza teve origem na crise da divida externa e no desequilíbrio das contas publicas. Então, a solução viria da estabilidade da politica cambial e de juros, sendo ambas proporcionadas por: I) Renegociação da divida externa; II) Um ajuste patrimonial do Estado. 6. O Plano Cruzado O aumento progressivo da inflação no final de 1985 e inicio de 1986 levou ao lançamento do Plano Cruzado em 28/02/1986. O cruzeiro foi substituído por uma nova moeda, o cruzado e foram definidas regras de conversão de preços e salários, visando evitar efeitos de transferências de renda de um setor para outro. As principais medidas foram: - Conversão dos salários pela média dos últimos seis meses mais um bônus de 8% (para o salário mínimo o bônus foi de 16%); - Introdução do mecanismo de gatilho salarial que seria acionado toda vez que a inflação atingisse 20%; - Congelamento de preços ao nível de 28/02/1986 por prazo indeterminado. Exceção para a energia elétrica que foi reajustada em 20%; - Fixação da taxa de câmbio no nível de 27/02/1986 sem previsão de flexibilização; - Substituição das ORTNs pelas OTNs com valor fixo para 12 meses; - Os novos contratos pós-fixados somente sofreriam reajustes de indexadores após 12 meses; - Sobre os antigos contratos prefixados foi aplicado um fator de desconto (a tablita com fator diário de 0,45%), visando retirar a previsão inflacionária inserida em suas taxas nominais; - Não foram estabelecidas metas para a politica monetária e fiscal. No primeiro momento o plano foi um sucesso tendo provocado queda significativa da inflação e crescimento econômico. Estes resultados levaram alguns componentes do governo a acreditar em um cenário de inflação zero e então, o congelamento de preço virou o principal item do plano. 74 Em seguida verificou-se que o próprio sucesso do plano em relação a continuidade do crescimento econômico traria pressões ao congelamento de preços, dificultando sua manutenção. Diante disso, junho de 1986 o governo tentou conter a demanda através do estabelecimento de empréstimos compulsórios sobre o consumo de gasolina, automóveis e passagens aéreas internacionais. Acrescente-se que os aumentos de preços decorrentes destas medidas não foram considerados nos índices de preços, causando desconfiança nos agentes econômicos. As contas externas também sofreram significativa piora com o aumento de remessas de lucros, evasão de capital e redução dos investimentos diretos. A manutenção do congelamento foi providencial para o governo que na eleição de 15 de novembro de 1986 obteve expressiva maioria. Logo a seguir em 21/11/1986 foi lançado o Plano Cruzado II com o principal objetivo de aumentar a arrecadação em 4% do PIB. Este aumento de receita causou mais inflação que o governo queria retirar dos índices, recuando por pressões de diversos setores da sociedade. Em janeiro de 1987 a inflação atingiu 16,8% e o gatilho salarial foi disparado. No mês seguinte o controle de preços foi retirado, as OTNs foram corrigidas e a indexação voltou ainda mais forte, principalmente pela desconfiança nos índices calculados pelo governo. Para tentar reduzir a inflação o governo passou a praticar uma politica monetária restritiva com a elevação dos juros reais e restrição ao crédito. O resultado foi a queda da demanda e o desaquecimento da economia. As contas externas pioraram fortemente com a perda de reservas, levando ao pedido de moratória em fevereiro de 1987. Em abril daquele ano a inflação bateu 20%, levando a queda do ministro da economia Dílson Funaro. Chegava ao fim a primeira experiência heterodoxa na economia. Bibliografia: Vasconcellos, Marcos Antonio Sandoval; Gremaud, Amaury Patrick; Toneto, Rudnei Junior. Economia Brasileira Contemporânea. São Paulo: Editora Atlas, 7ª ed. 2007. 75 CAPITULO VIII Planos heterodoxos (parte II): Plano Bresser, Plano Verão e Plano Collor. 1. Introdução O fracasso do plano cruzado deixou marcas importantes no comportamento dos agentes econômicos. Depois daquele insucesso, os agentes econômicos passaram a determinar seus preços de maneira bastante defensiva, precavendo-se contra um possível congelamento de preços. Para o governo o efeito negativo foi a perda de apoio político e de credibilidade, pois a edição do cruzado II logo após as eleições de nov/86 e as alterações nos índices de preços (foram 5 em 1 ano), deixaram na opinião pública a impressão de que o governo era enganador e manipulador e que as medidas econômicas tinham cunho predominantemente político. No entanto, devemos destacar alguns ensinamentos trazidos pelo primeiro plano heterodoxo da nova República e que serviram como direcionadores da politica economica e da perda da força politica do governo Sarney. Foram eles: a) A necessidade de se controlar a demanda após o processo de estabilização; b) Os choques heterodoxos não deveriam ter caráter distribuitivo como os bônus de 8% e 16% nos salários; c) O congelamento de preços não poderia perdurar por um período longo; d) As contas externas deveriam ser equilibradas. Em maio/87 após o completo fracasso do Plano Cruzado, com a deterioração das contas internas e externas (inclusive com um novo pedido de moratória em fev/87), assume o novo ministro da fazenda, Bresser Pereira, que sinaliza com a volta da ortodoxia. Em seus primeiros movimentos ele sancionou uma desvalorização de 7,5% do Cruzado e prometeu austeridade fiscal. Em junho/87 foi anunciado um novo Plano que veio de encontro aos anseios da sociedade que se via diante da aceleração da inflação e dos agentes econômicos que, ao tomar atitudes defensivas, só apressavam a edição do mesmo. 2. O Plano Bresser O Plano Bresser, considerado uma estratégia emergencial foi anunciado em 12/06/1987, trazendo tanto elementos ortodoxos quanto heterodoxos. Apesar do congelamento de preços, não tinha como objetivo a inflação zero, mas a sua redução. 76 As principais medidas anunciadas na data de edição do plano foram: I – Congelamento de salários por três meses; II – Congelamento de preços por três meses, sendo que os preços públicos e alguns preços privados foram aumentados; III – Alteração da data base de cálculo do índice de preços (IPC) com o intuito de não incorporar os reajustes concedidos; IV – Desvalorização cambial de 9,5%; V - Congelamento de alugueis; VI – Introdução de uma tablita com desconto de 15% a.m. para os contratos pré- fixados; VII – Politica monetária e fiscal ativas com os objetivos de desencorajar a especulação com estoques e o aumento do consumo, além da redução do déficit público. Os efeitos iniciais de recuperação da balança comercial e diminuição da inflação foram suplantados pelos seguintes efeitos negativos: I) Forte queda na atividade industrial; II) Pressões inflacionárias devido ao desequilíbrio de preços relativos; III) Insucesso no controle do déficit público, devido ao aumento das despesas com o funcionalismo e das transferências para Estado e Municípios e concessão de subsídios para empresas estatais. No que se refere ao avanço das transferências para Estados e Municípios, este fato está ligado ao cenário político com a votação do mandato de cinco anos para o presidente Sarney. 3. Plano Verão No decorrer de 1988, o novo ministro da fazenda Maílson da Nóbrega optou por não implementar nenhuma medida de impacto, foi a chamada ―politica feijão com Arroz‖, cujos objetivos principais eram a estabilização da inflação ao nível de 15% a.m e a redução do déficit operacional do governo. Para alcançar estas metas, o comandante da fazenda utilizou-se dos seguintes instrumentos: I) Congelamento dos empréstimos ao setor público; II) Contenção salarial; III) Redução dos prazos de recolhimento dos impostos. Estas medidas conseguiram conter a inflação abaixo dos 20% a.m. no primeiro semestre de 1988. No segundo semestre, o reajuste das tarifas públicas provocou a elevação dos índices inflacionários. Acrescente-se que a promulgação da nova 77 constituição do país em outubro/1988 trouxe mais elementos negativos para as contas da união e para os custos das empresas. No que se refere as contas da União, a piora foi provocada pelo aumento de repasses aos Estados e Municípios sem a correspondente transferência das obrigações. O resultado foi a ampliação dos desequilíbrios fiscais. Para as empresas, a concessão de direitos trabalhistas na nova carta provocou aumento de custos que foram repassadas aos preços. Ao governo restou tentar um acordo com empresários e trabalhadores, objetivando evitar a aceleração mais forte da inflação (hiperinflação). A idéia, defendida pelos economistas do PMDB, era de que o fim do ―conflito distributivo‖ poderia vir quando empresários e trabalhadores acreditassem que a estabilização era um bem maior e para alcançá-lo ―bastaria‖ que todos concordassem em não aumentar seus preços ou salários por um determinado período. Este inédito pacto social entre governo, empresários e trabalhadores contribuiu apenas para conter temporariamente a ameaça da hiperinflação. O pacto perdeu força ao longo do mês de novembro, quando então as taxas de inflação voltaram a crescer. O gráfico 1 mostra o comportamento da inflação neste período. Em novembro e dezembro de 1988 o índice, medido pelo IGP-DI, ficou 28% e 28,9%, respectivamente, avançando para 36,7% no mês seguinte. Assim, a economia parecia novamente se encontrar no limiar da hiperinflação o que provocou a edição de um novo conjunto de medidas antiinflação, o Plano Verão. O plano trazia elementos ortodoxos e heterodoxos. Os elementos ortodoxos, que visavam conter a demanda e a fuga dos ativos financeiros, foram: a) Diminuição dos gastos públicos; Gráfico 1. Inflação mensal IGP-DI (%) -1,0 9,2 19,4 29,6 39,8 50,0 1986.01 1986.04 1986.07 1986.10 1987.01 1987.04 1987.07 1987.10 1988.01 1988.04 1988.07 1988.10 1989.01 1989.04 1989.07 1989.10 Fonte: IpeaData 78 b) Desvalorização cambial de 18% e adoção do cambio fixo, em seguida; c) Elevação das taxas de juros. Já os instrumentos heterodoxos, que visavam promover a desindexação foram: a) Congelamento de preços e Introdução de uma nova moeda na economia, o Cruzado Novo (NCz$) = 1.000,00 Cruzados (Cz$); b) Conversão dos salários, pela média dos últimos doze meses, para a Unidade Referencial de Preços (URP); c) Expurgo da correção monetária do valor dos ativos financeiros, tanto pré, quanto pós-fixados, pela aplicação de uma tablita. Antes do congelamento, alguns preços foram reajustados e para não contaminarem os indicadores de inflação a data base do índice foi alterada. Estas duas últimas medidas trouxeram grandes perdas para os trabalhadores e para os detentores de ativos financeiros. No caso dos trabalhadores. A conversão pela média dos últimos doze meses, em um período de inflação ascendente, já resultava em uma perda. Acrescente-se que a URP era um índice de correção prefixado com base na média geométrica da inflação nos três meses anteriores e assim, este procedimento representou uma perda adicional para a classe trabalhadora. Com referência aos credores de ativos financeiros, estes sofreram grandes perdas em favor dos devedores, cujo maior era o Estado. O Plano Verão foi de curta duração e não obteve sucesso nos seus objetivos principais, tendo em vista a não aplicabilidade de medidas impopulares pela proximidade das eleições de 1989. Assim, perda do poder aquisitivo experimento uma trajetória altista, chegando ao final do governo Sarney próximo a 80% ao mês. 4. Plano Collor O governo Collor, iniciado em 15/01/1990, também tinha como principal preocupação o controle da inflação e o insucesso dos planos anteriores possibilitou o aprendizado sobre as diferentes causas da inflação. Além do diagnóstico tradicional (ortodoxo) de que o descontrole monetário e fiscal eram os determinantes daquele mal, surgiu uma nova idéia sobre a inflação e os insucessos das medidas utilizadas para combatê-la. A nova tese era baseada na evidência de que havia uma elevada e crescente liquidez de ativos financeiros e estes ativos movimentavam-se rapidamente ao menor sinal de que seria implementada uma nova politica de combate a inflação. Desta forma o governo mantinha os juros altos, com medo 79 da fuga dos ativos financeiros. Como conseqüência havia uma indexação diária dos ativos que refletia nos preços e no cambio. Era a moeda indexada. Para combater este quadro em que a pratica de altas taxas de juros, imobilizavam as políticas monetária, fiscal e cambial, o governo Collor utilizou alguns instrumentos para romper a indexação da economia. Estas medidas foram: 1) Redução da liquidez da economia com o bloqueio de aproximadamente metade dos depósitos a vista, 80% das aplicações de overnight e fundos de curto prazo mais um terço dos depósitos de poupança; 2) Reforma administrativa e fiscal, objetivando eliminar o déficit público de cerca de 8% do PIB e conseguir um superávit primário de 2% do PIB; 3) Congelamento de preços e desindexação dos salários com a instituição de uma nova regra de prefixação de preços e salários; 4) Mudança do regime cambial com a instituição do câmbio flutuante; 5) Mudança na politica comercial com o exterior com a chamada abertura comercial. O bloqueio dos ativos financeiros, a principal medida do plano, visava evitar pressões de consumo e dar ao Banco Central a prerrogativa de atuação através da politica monetária e não simplesmente trabalhar na rolagem da divida pública. Seus efeitos foram logo sentidos com; 1) corte de encomendas; 2) quase paralisia da produção; 3) demissões; férias coletivas, redução nas jornadas de trabalho e redução nos salários; 4) deflação; 5) aumento da inadimplência, expansão no volume e prazo dos créditos comerciais e surgimento de meios de pagamentos alternativos. Em resumo, o choque de liquidez causou uma redução de quase 8% no PIB no primeiro trimestre de 1990. O ajuste nas contas públicas (reforma fiscal) foi feito por meio da redução do custo da dívida pública; eliminação de subsídios; incentivos fiscais e isenções; tributação dos ganhos da agricultura, do setor exportador e dos ganhos de capital nas bolsas; tributação das grandes fortunas; o fim do anonimato fiscal e das ações ao portador e criação do IOF extraordinário sobre o estoque de ativos financeiros. Este último instituto foi responsável pelo êxito do 80 governo na meta de ajuste fiscal onde o resultado foi um superávit de 1,2% do PIB. No tocante a reforma administrativa foi iniciado o programa de privatização, a melhoria dos mecanismos de fiscalização e de arrecadação para diminuir a sonegação e as fraudes, maior controle sobre os bancos estaduais e diversas medidas para aumentar a eficiência da administração pública e reduzir gastos. O governo não conseguiu reduzir a máquina administrativa pela demissão de funcionários, já que esta medida necessitava de alteração constitucional com aprovação de dois terços do congresso, número impossível de ser conseguido por um governo que se elegeu sem uma base partidária forte. O programa de privatização, outro item importante da reforma administrativa, sofreu duras críticas, principalmente na definição dos ativos e as moedas que deveriam ser aceitas como pagamento nos leilões. As medidas relativas a abertura comercial não surtiram o efeito desejado principalmente pela persistência da inflação, as maiores facilidades de importação e o inicio da guerra do golfo. Com isso, o saldo da balança comercial sofreu forte queda. Para corrigir este resultado o banco Central promoveu uma grande desvalorização do Cruzeiro, alimentando ainda mais o processo inflacionário. 5. Plano Collor II Com os maus resultados, novo plano heterodoxo foi implementado sob o comando da ministra Zélia Cardoso de Melo. O plano pode ser visto como uma reforma financeira onde tentou eliminar a memoraria inflacionária com a substituição das aplicações financeiras de um dia (overnight) por um fundo que tinha em sua constituição, principalmente, títulos públicos federais e estaduais. A remuneração desses fundos seria feita pela taxa referencial (TR). Esta taxa, a TR, era calculada com base nas remunerações dos Certificados de Depósitos Bancários (CDB) e, portanto refletiria as expectativas de inflação futura, ajudando a eliminar a memória inflacionária. O controle fiscal se deu através do bloqueio do orçamento de vários ministérios, de recursos para investimentos e do controle de gastos das empresas estatais. Apesar da queda da inflação, a ministra Zélia não resistiu as criticas a sua politica econômica e aos diversos escândalos e foi substituída. No fim de 1991 foi implementada uma reforma fiscal e um programa antiinflacionário com medidas de restrição ao crédito, desvalorização cambial real e recuperação das finanças. O resultado foi uma recessão em 1992 sem a redução da inflação. 81 As contas externas tiveram algum alivio graças às políticas de juros altos que garantiam aos investidores externos ganharem aqui no Brasil em uma semana o que demoravam um ano para receber em aplicações nos seus paises. Como conseqüência a divida externa aumentou fortemente. Mesmo com o insucesso, o plano trouxe a discussão assuntos como a privatização e a estratégia adequada para o comércio exterior, notadamente no que se referia as facilidades de importação e a falta de competitividade da industria nacional. Com o impeachment de Collor, assume em seu lugar o vice-presidente Itamar Franco para cumprir o restante do mandato. É neste período de transição que começa a arquitetura do Plano Real. Importante destacar que no de 1993 foi feito um esforço de melhora das contas públicas, item cujo consenso indicava ser uma das causas da inflação. Neste sentido, vale comentar a criação do Imposto provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) e o lançamento do Plano de Ação Imediata (PAI), cujo ponto principal era a redução das despesas em todas as esferas públicas. Bibliografia: Vasconcellos, Marcos Antonio Sandoval; Gremaud, Amaury Patrick; Toneto, Rudnei Junior. Economia Brasileira Contemporânea. São Paulo: Editora Atlas, 7ª ed. 2007. Capítulos. 17. 82 Mitos sobre as origens e a derrota do Plano Collor Carlos Eduardo Carvalho, para o Valor, de São Paulo - 05/03/2010 – Valor Econômico Bancários improvisam urna gigante com caixa de papelão em São Paulo, em março de 1990, para saber opinião da população sobre o Plano Collor: naquele mês, milhões de brasileiros ficaram sem saber o que fazer O bloqueio da liquidez dos haveres financeiros ocorrido em março de 1990, o Plano Collor, não foi "teoricamente imprevisível" ou "exótico" nem simplesmente voluntarismo de governantes fascinados por aventuras. O rápido descontrole da liquidez e da inflação em poucos dias não decorreu das famosas "torneirinhas", exceções abertas por pressões "políticas" e "sociais, e, sim, da presteza com que o Banco Central recompôs a liquidez para destravar o sistema bancário. O programa anunciado em 16 de março se intitulava Plano Brasil Novo. Plano Collor foi o nome que prevaleceu, designando apenas o bloqueio das aplicações financeiras, sem referências ao amplo conjunto de iniciativas em áreas diversas - política de rendas, finanças públicas, reforma do Estado, política cambial, comércio exterior. Essas medidas não dependiam do bloqueio da liquidez, poderiam ter acompanhado políticas anti-inflacionárias muito diferentes e foram preservadas e aprofundadas pelos governos seguintes. Houve dezenas de episódios de bloqueio da liquidez no século XX. O mais famoso é o da parte ocidental da Alemanha ocupada, em 1948. A forma comum de bloqueio da liquidez nesses casos, porém, oculta diferenças substanciais no desenho das medidas e nos resultados pretendidos. O Plano Collor não partiu de um modelo, mas também não foi uma "invenção". Teve origem na reflexão brasileira sobre a inflação elevada e crônica, no quadro de restrições econômicas dos anos 1980. O vínculo era evidente na época e explica a aprovação ou simpatia quase unânime que o plano recebeu de início, entre economistas de várias correntes. O bloqueio queria enfrentar três grandes problemas no debate da época sobre como derrotar a inflação: a tendência de monetização acelerada e explosão da demanda ao haver desinflação abrupta; a elevada liquidez dos haveres financeiros, traço essencial da chamada "moeda indexada"; e a fragilidade da rolagem diária da dívida pública. O bloqueio pretendia enfrentar os três problemas em conjunto, tendo em conta a restrição externa, decorrente do corte dos fluxos voluntários de capitais desde a crise da dívida externa, em 1981-82. A experiência recente mostrara que a queda brusca da inflação gerava rápida elevação da demanda e forte pressão sobre o balanço de pagamentos. O objetivo maior era atenuar esses problemas, impedindo que os haveres financeiros fossem sacados de imediato e transformados em demanda por bens e por ativos de risco na sequência do corte abrupto da inflação que se pretendia obter por meio de um choque, pois se considerava inviável um processo gradualista naquele contexto. O bloqueio pretendia também viabilizar o ajuste fiscal, tido como impossível sem redução do custo dos juros reais elevados. Como se entendia que era impossível cortar os juros sem o risco de "fuga" dos aplicadores em títulos públicos, a meta fiscal ficava dependente de um corte de juros que só poderia ocorrer com bloqueio da liquidez. Não há informações claras sobre como e quando a equipe de Collor optou pelo bloqueio. Com base no que está disponível e em entrevistas com membros da equipe, pode-se afirmar que só no início de janeiro de 1990 a proposta foi adotada pelo grupo reunido em torno de Zélia Cardoso de Mello, futura ministra da Economia. Supõe-se que o desenho das medidas foi influenciado por proposta discutida na assessoria do candidato do PMDB, Ulysses Guimarães, e despertou depois grande interesse e apoio de boa parte dos assessores econômicos do candidato do PT, Luiz Inácio 83 Lula da Silva. Membros da equipe de Zélia afirmam, contudo, ter chegado ao desenho do bloqueio por eles mesmos, após discutir alternativas possíveis. A proposta teria sido então levada a Collor e aprovada de imediato por ele. O bloqueio provocou choque forte, com escassez de moeda e de crédito e paralisia nos negócios. Na primeira semana de abril, já havia sinais claros de recomposição da liquidez, com alta no mercado de ações e no dólar paralelo e recuperação do comércio. Por que a liquidez se recompôs com tanta rapidez e facilidade? A análise do ocorrido nos primeiros 30 dias mostra clara preponderância de fatores inerentes ao próprio bloqueio da liquidez e não de equívocos ou liberalidades na sua condução. A liberação de cruzados retidos de aposentados e pensionistas, a "torneirinha" de maior volume, autorizada em 26 de março, só foi operacionalizada em abril e quase metade do valor só foi sacada em maio. Liberações para pagamento de folha salarial foram autorizadas já em 18 de março, mas foram pouco utilizadas, e no início de abril a maioria das empresas pagou os salários sem a linha de crédito. O descontrole da monetização se deu no sistema bancário. Era inevitável a ocorrência de tumulto na atividade dos bancos após o bloqueio, pela impossibilidade de detalhamento das regras operacionais de um plano elaborado em sigilo máximo, desconhecidas até pelos quadros do BC que deveriam colocá-las em prática. O registro das operações no Selic travou logo no primeiro dia e os bancos passaram a operar sem conhecer sua posição no BC e no interbancário. Diante do receio de que o público não pudesse sacar dinheiro e se criasse um pânico bancário, o BC optou por financiar os bancos na medida de sua demanda, e esses puderam então refinanciar as dívidas dos clientes e expandir o crédito. Um planejamento mais cuidadoso e eficaz do bloqueio não teria evitado a ocorrência de problemas semelhantes. Mesmo sem o descontrole, o BC teria que financiar os bancos para viabilizar a retomada da movimentação bancária. No programa argentino de janeiro de 1990, o Plano Bonex, a rigidez inicial do BCRA gerou tumultos graves e o financiamento aos bancos foi retomado em pouco mais de uma semana. Um dos fundamentos do Plano Collor era a confiança de que o bloqueio permitiria o controle da oferta de moeda e o BC poderia ordenar a monetização, de modo a separar a moeda demandada para transações e a moeda demandada para especulação. A experiência demonstrou a impossibilidade de viabilizar essa separação de "funções", até então unidas no conjunto formado pela moeda indexada e pela moeda convencional. O controle da monetização falhou, no essencial, por esse motivo. Há muito a discutir sobre a política econômica daqueles anos difíceis, em que a complexidade dos problemas impunha a busca de alternativas controversas e muitas vezes ineficazes. Por mais equivocadas que tenham sido, tais iniciativas não podem ser compreendidas, nem avaliadas, sem considerar as graves restrições que as limitavam. Alguns anos depois do Plano Collor, um dos formuladores do Plano Real, Edmar Bacha, referiu-se a 1993, ano da elaboração do novo plano, como "oportunidade única de implementar uma reforma monetária sem os traumas provocados por um sequestro de ativos financeiros. Isso só foi possível graças ao volume de reservas internacionais acumuladas desde 1992, (...) suficiente para prover a nova moeda de forte linha de defesa". As palavras são claras: se não contasse com reservas externas, como em 1990, o Plano Real demandaria novo bloqueio da liquidez. "É preciso maior cuidado, intelectualmente falando, para contestar quem está vencido do que para desafiar as potestades", escreveu Renato Janine Ribeiro no prefácio de "A Última Razão dos Reis". É fácil criticar hoje o Plano Collor, fazer coro à condenação simplória dos "experimentalismos" e apelar ao senso comum contando com liquidez externa abundante e elevada propensão ao risco nos mercados mundiais. Difícil era lidar com a inflação nas condições adversas da década de 1980. 84 Na sequência da quebra do Lehman Brothers, em 2008, o Fed improvisou conjunto impressionante de instrumentos discricionários inovadores para impedir a quebra do sistema bancário dos EUA. Em momentos singulares, a política econômica requer imaginação, criatividade e audácia. Medidas tomadas nessas circunstâncias devem ser avaliadas rigorosamente, mas sem perder de vista as restrições e os desafios de momentos difíceis. Carlos Eduardo Carvalho é professor do Departamento de Economia da PUC-SP 85 CAPITULO IX Planos heterodoxos (parte III): Plano Real. 1. Introdução Entre 1979 e 1992 foram feitas 11 tentativas de estabilização no Brasil. Desde o conjunto de medidas proposto por Delfin Neto no final de 1979 até as implementadas por Marcílio Marques Moreira em 1992, o país viveu a expectativa do fim da inflação. Estes programas de estabilização podem ser classificados em dois grupos: Os ortodoxos e os heterodoxos. Os ortodoxos colocavam como causa principal da inflação o desequilibro fiscal e sendo assim, o uso de políticas monetária e fiscal restritivas seria o ―remédio‖ necessário para combater aquele mal. Já os formuladores dos planos heterodoxos lançaram a tese de que a memória inflacionária ou inflação inercial constituía a causa principal da persistência do processo de perda do poder aquisitivo. Para erradicar a inflação o congelamento de preços seria então, o principal instrumento. Apesar do insucesso, no que se refere ao combate a inflação, os planos econômicos deixaram o ensinamento de que no curto prazo a inflação deriva, principalmente de cinco fatores, a saber: a) Expectativas de inflação; b) Inércia inflacionária; c) Depreciação cambial; d) Diferença entre o produto potencial e o efetivo; e e) Choques de oferta. Expectativas em baixa reduzem pressões por aumentos de preços e salários e contribuem para a queda da inflação. Neste sentido, o papel do Banco Central na condução da politica monetária é muito importante. Estas expectativas também podem ser afetadas por incertezas em relação a medidas econômicas futuras. A inércia, inserida nos contratos entre os agentes econômicos, leva a inflação de um período para o período seguinte, sustentando o processo de perda do poder aquisitivo. A desvalorização do câmbio, ao aumentar o custo de produtos e da dívida, contribui para a aceleração da inflação. A diferença entre o PIB efetivo e o potencial, que depende das variações da demanda, tem forte correlação com o processo inflacionário. O desequilíbrio entre oferta e demanda provocado por choques de oferta (por exemplo, quebra da safra agrícola) eleva os preços e a inflação. Já no longo prazo, a teoria econômica propõe que a queda da inflação está associada a redução da produção de bens e serviços por um certo período, até que os agentes econômicos adaptem-se à nova realidade de formação de preços e reestruturem suas expectativas quanto à Economia. Esta redução temporária da 86 produção é denominada Taxa de Sacrifício, noção proposta inicialmente pelo economista Robert Lucas. O custo social dessa política é a elevação da taxa de desemprego. Estes ensinamentos foram muito importantes para o sucesso do Plano Real, sem dúvidas o mais bem elaborado plano de estabilização econômica implementado no país. O plano, organizado em etapas, tinha como objetivo primário controlar a inflação, um problema crônico no Brasil. Combinaram-se condições políticas, históricas e econômicas que permitiram ao governo, ainda no final de 1993, lançar as bases deste programa de estabilização. A elaboração do plano começa com considerações sobre a natureza dos efeitos da inflação sobre a moeda e sobre as normas que governam a disciplina monetária do país. Neste sentido, o Real foi um empreendimento que uniu o conhecimento econômico sobre programas de estabilização, do Brasil e do exterior, e o cuidado jurídico na elaboração das normas essenciais para execução do plano. 2. Transformações econômicas recentes Antes de analisarmos o Plano Real e seus resultados é importante fazermos algumas considerações sobre as mudanças ocorridas no mundo, em especial aquelas de caráter econômico. Estas transformações econômicas foram provocadas, em grande parte, pela evolução do processo de globalização (integração mundial dos processos de produção, do comercio e das finanças). A medida que este processo se consolida, o “mercado” passa a ser o elemento principal das relações econômicas e o clamor pela diminuição da participação do Estado na economia cresce na mesma proporção. Some-se a isto, a crescente preocupação com a competitividade das empresas. Este cenário contrasta significativamente com o período que se seguiu após a depressão de 1929, quando o Estado foi chamado a participar da recuperação economica dos países, seguindo os fundamentos da teoria Keynesiana. Os fundamentos desta nova ordem mundial foram criados pelo chamado “consenso de Washington” - conjunto de regras formulado em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras sediadas em Washington (FMI, Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos EUA) com base em um texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy. Em 1990, o Fundo Monetário Internacional (FMI) passou a "receitar" aquelas medidas para promover o ajustamento macroeconômico de países em dificuldades. As regras básicas do consenso são: 1) Disciplina fiscal; 2) Redução dos gastos públicos; 3) Reforma tributária; 4) Juros de mercado; 5) Câmbio de mercado; 6) Abertura comercial; 87 7) Investimento estrangeiro direto com eliminação de restrições; 8) Privatização das estatais; 9) Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas); 10) Direito à propriedade intelectual. Além de promover o ajustamento econômico de países em dificuldade, este conjunto de regras visava também a diminuição da participação do Estado na economia e o aumento da competitividade das empresas. No Brasil, a economia começou a se recuperar no final de 1992, depois de um grande processo de reestruturação interna das indústrias em resposta a abertura do mercado para produtos importados, promovida por Collor de Mello, que fez com que as empresas brasileiras investissem na melhoria da qualidade de seus produtos e na modernização dos processos de produção. Os métodos administrativos e de organização foram revistos, resultando em redução dos custos de gerenciamento; concentração de atividades e terceirizações. Como conseqüência, aumentou o grau de automação industrial, a hierarquia interna das empresas ficou reduzida, provocando aumento de produtividade pretendido. Em contrapartida, aumentou o desemprego. Na Grande São Paulo, por exemplo, a região mais industrializada do país, o número de desempregados em 1993 chegou a 1,2 milhão de pessoas, apesar de a produção das empresas ter aumentado. 3. O Plano Real Em maio de 1993, no governo do Presidente Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso assume o Ministério da Fazenda, tendo como missão a elaboração de um novo plano de estabilização econômica, o Plano Real. Deve-se destacar dois pontos estratégicos da criação do Real. Primeiro, o plano foi idealizado para ser implementado em etapas (ajuste fiscal, indexação completa da economia e reforma monetária) e não mais de surpresa como os anteriores. Segundo que, apesar do diagnóstico de que a inflação tinha um forte componente inercial, o governo não recorreu ao congelamento de preços como solução. Essa forma de condução permitiu aos agentes econômicos ajustarem seus preços sem criar expectativas negativas futuras sobre a inflação. O plano foi composto principalmente pelas seguintes ações: 1. Aumento de impostos e cortes nos gastos públicos para equilibrar a arrecadação e os gastos públicos. 2. Adoção da URV (Unidade Real de Valor), como forma de eliminar a memória inflacionária. Ela era definida diariamente com base na média diária da inflação calculada por uma cesta de índices inflacionários. 3. Aumento da taxa básica de juros e aumento dos depósitos compulsórios para restringir a atividade econômica interna. 88 4. Redução das Tarifas de Importação, para evitar pressões inflacionárias relacionadas ao excesso de demanda, as tarifas de importação de alguns produtos foram baixadas. 5. Valorização cambial que reduziu as exportações e aumentou as importações, contribuindo para a queda dos preços e da inflação. 4. A 1a. fase do plano A primeira etapa do plano foi o ajuste fiscal baseado em cortes de despesas, aumento de impostos e diminuição das transferências do governo central. O corte de despesas foi executado com a edição do Plano de Ação Imediata (PAI), lançado em meados de 1993 com os seguintes objetivos: ·Reduzir os gastos da União no ano de 1993, principalmente as despesas com pessoal e investimentos; ·Recuperar a receita tributária; ·Equacionar as dívidas de estados e municípios com a União; ·Controlar rigidamente os bancos estaduais; ·Aperfeiçoar e acelerar o programa de privatizações. O aumento da arrecadação foi efetuado com o lançamento do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) com alíquota de 0,25% incidente sobre toda movimentação financeira. A última parte do ajuste fiscal foi a criação do Fundo Social de Emergência (FSE). Os recursos deste fundo, constituído com o percentual de 15% de toda arrecadação de impostos, poderia ser utilizado pela união sem o cumprimento das vinculações determinadas pela constituição. 5. A 2a. fase do plano A segunda fase do Plano Real, a indexação da economia, teve início com a entrada em vigor da medida provisória (MP) nº 434 de 27/02/1994, posteriormente convertida na lei 8.880, determinando que os novos contratos fossem feitos em URV – Unidade Real de Valor - e lembrando que no momento da emissão do real todas as obrigações pecuniárias seriam convertidas em real, criando assim incentivos para a conversão dos contratos já existentes. O período de transição entre março e julho de 1994 permitiu a solução de dois problemas que tinham contribuído para o fracasso de planos anteriores: a política salarial e a indexação de contratos. Outra vantagem da URV foi tornar desnecessária, na introdução do real, o congelamento de preços, o uso de tablitas de deflação, componente de programas heterodoxos anteriores, destinadas a manter o equilíbrio de obrigações prefixadas. 6. A 3a. fase do plano A última fase deu-se em 1o. de julho de 1994 quando passou a valer a nova Moeda, o Real, com valor igual a CR$ 2.750,00 ou 1 Dólar. 89 7. Medidas iniciais – âncora monetária Para evitar problemas ocorridos nos planos anteriores, onde a demanda teve forte incremento no momento seguinte ao anúncio das medidas estabilizadoras, o governo sinalizou aos agentes econômicos que a política economica seria bastante restritiva. Para tanto, tomou as seguintes providências: Estabeleceu metas de expansão monetária bastante restritivas; Diminuiu os prazos dos empréstimos bancários e consórcios e proibiu o financiamento de empresas de factoring e cartões; Instituiu um depósito compulsório de 100% sobre as captações feitas após a edição do plano; Aumentou as taxas de juros. Este conjunto de medidas ficou conhecido como a “âncora monetária” do plano. 8. Medidas iniciais – âncora cambial A política cambial foi também um fator importante para o sucesso inicial do plano. No inicio do plano o governo utilizou o sistema de câmbio fixo, onde 1R$ seria igual a 1U$. A valorização cambial incentivou as importações e aumentou a concorrência com os empresários locais, reduzindo as possibilidades de repasse de custos para os preços. Esta foi a chamada “âncora cambial”. A continuidade desta politica cambial levou ao desequilíbrio, primeiramente da balança comercial e em seguida nas Transações Correntes. Em 1995, o governo muda o regime cambial para o de bandas cambiais. Neste regime o governo, através do banco Central determinava os limites mínimo e o máximo para negociações com a moeda nacional. Apesar da mudança, o saldo das transações correntes continuou deficitário, sendo coberto com recursos estrangeiros que entravam no país atraídos pelas altas taxas de juros aqui praticadas. 9. As crises externas O primeiro grande teste do Plano Real ocorreu em 1995 logo após as dificuldades enfrentadas pelo México. O país começou a perder reservas com a retirada dos recursos de investidores estrangeiros temerosos de que se repetisse aqui a situação do México (efeito tequila). Para evitar a depreciação da moeda nacional e recompor o nível de reservas, o governo aumentou a taxa de juros e as restrições ao crédito. As conseqüências destas medidas foram o aumento da dívida pública, uma forte diminuição da atividade economica, aumento da inadimplência dos consumidores e das empresas, e o inicio de uma crise financeira. 90 Esta crise foi contida pelo Banco Central com o fornecimento de empréstimos para o sistema e o estabelecimento de um processo de reestruturação financeira por meio de dois programas: I) O PROER – Programa de Estimulo a Reestruturação e Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, destinado aos bancos privados em dificuldades; e II) O PROES – Programa de Incentivo a Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária, destinado a recuperar os bancos públicos. O teste seguinte ocorreu com a crise asiática no final de 1997. Novamente o governo utilizou com sucesso as taxas de juros para conter a fuga de capitais estrangeiros. A crise seguinte, a da Rússia em 1998, foi mais forte e o Brasil perdeu em dois meses, agosto e setembro, U$$ 30 bilhões de suas reservas. Desta vez, a elevação das taxas de juros não surtiu o efeito esperado e o país negociou com o FMI um pacote de ajuda de U$$ 42 bilhões. A partir desta crise o regime cambial foi alterado, passando para o de livre flutuação em lugar do regime de bandas cambiais instituído no inicio do plano Real. O resultado foi uma significativa desvalorização do Real no primeiro trimestre de 1999 e a melhora das contas externas. Além da politica cambial também sofreram mudanças: a) A política fiscal com a substituição do IPMF pela CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, agora com alíquota de 0,38%, e a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (PRF) que também contribuiu para a melhora das contas públicas; b) A política monetária com a introdução do sistema de metas para a inflação em 21 de junho de 1999. Desde então, as decisões do Conselho de Política Monetaria (Copom) passaram a ter como objetivo cumprir as metas para a inflação definidas pelo Conselho Monetário Nacional. Se as metas não forem atingidas, cabe ao presidente do Banco Central divulgar, em Carta Aberta ao Ministro da Fazenda, os motivos do descumprimento, bem como as providências e prazo para o retorno da taxa de inflação aos limites estabelecidos. O gráfico a seguir mostra a evolução da inflação após a implantação do regime de metas. Em 2002, a percepção dos riscos de uma dívida grande combinou-se à incerteza do ano eleitoral e ao aperto da liquidez internacional para gerar mais uma 10,0 8,0 6,0 5,5 6,5 7,0 7,1 6,5 6,5 6,5 6,5 6,58,9 6,0 7,7 12,5 9,3 7,6 5,7 3,1 4,5 5,2 4,3 5,9 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Gráfico 1. Meta x Inflação observada, META IPCA 91 crise e novamente o país fechou um acordo com o FMI que previa a liberação de U$ 40 bilhões de ajuda. Em 2003, com o aumento do risco Brasil, a taxa de câmbio real depreciou-se e a parcela da dívida indexada ao dólar na dívida total aumentou. A relação dívida líquida / PIB atingiu um pico de 63% em meados do ano, mas o declínio da taxa Selic real reduziu essa relação para 56% do PIB no final de 2002. 10. Resultados do Plano – Evolução do PIB Segundo o IPEA, (2007) relativamente ao comportamento do PIB doméstico, podemos observar que o mesmo é dependente do fator câmbio, dos humores do mercado financeiro externo e da demanda internacional. O comportamento recente do produto interno parece reforçar este pensamento. A partir de 1994, inicio do Plano Real, com a sobrevalorização do câmbio, ocorre a redução contínua no crescimento do PIB (a exceção foi 1997). E, no ano 2000, com a desvalorização cambial e aumento do consumo interno o PIB retorna sua trajetória de crescimento. 10.1. Resultados do Plano – Distribuição de Renda Quanto a distribuição de renda no Brasil após a implementação do plano de estabilização de julho de 1994, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, IPEA (2007), revela que houve mudanças positivas. Essas mudanças foram bem vindas, pois durante um período de dez anos (1983/93) a renda per capita declinou, frustrando as expectativas criadas durante a década do milagre econômico brasileiro (1970/80). O gráfico a seguir mostra o resultado do coeficiente de Gini que mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade (a renda de todos os indivíduos tem o mesmo valor), a 1, quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula). 5,3 4,4 2,2 3,4 0,0 0,3 4,3 1,3 2,7 1,1 5,7 3,2 4,0 6,1 5,1 (0,2) 7,5 -0,2 1,4 3,0 4,6 6,2 7,8 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 Fonte: IPEADATAPIB - Variação % anual 92 10.2. Resultados do Plano – Problemas Macroeconomicos Apesar do significativo avanço no controle da inflação, o Plano Real potenciallizou alguns problemas macroeconomicos. A divida pública cresceu fortemente com a politica de juros altos e esta mesma politica proporcionou baixo crescimento economico. Acrescente-se que o saldo em transações correntes mantem-se negativo como resultado da politica cambial. No que se refere a manutenção de altas taxas de desemprego, estas não devem ser creditadas somente a politica economica, principal causadora do baixo crescimento do PIB e a apreciação do câmbio. Neste último caso, temos um dos motivos para o processo de desindustrialização com a consequente perda de emprego no setor industrial. Os outros motivos seriam o fenomeno denominado doença holandesa e as mudanças estruturais das empresas devido ao aumento da competitividade no comércio mundial. 11. O programa de aceleração do crescimento (PAC) O Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), lançado em janeiro de 2007, é composto de um conjunto de políticas econômicas, planejadas para os quatro anos seguintes. Tem como objetivo principal acelerar o crescimento econômico do Brasil com investimentos totais de R$ 503 bilhões até 2010, sendo uma de suas prioridades a infra-estrutura, como portos e rodovias. A meta é obter um crescimento do PIB em torno de 5% ao ano. Isso deverá ser alcançado, principalmente pela exploração do papel "indutor" do setor público, já que estudos mostram que cada R$1,00 investido pelo setor público gera R$1,50 em investimentos privados. O PAC é composto por cinco blocos: Medidas de infra-estrutura, incluindo a infra-estrutura social, como habitação, saneamento e transporte em massa; Medidas para estimular crédito e financiamento; Melhoria do marco regulatório na área ambiental; Desoneração tributária e Medidas fiscais de longo prazo. Os recursos terão como origem: R$ 219,20 bilhões deverão ser investimentos feitos por empresas estatais, sendo que, destes, R$ 148,7 bilhões serão investidos pela Petrobrás, uma empresa de economia mista; R$ 67,80 bilhões deverão ser investidos com recursos do orçamento fiscal da União e da seguridade; 1993 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Brasil 0,60 0,59 0,58 0,57 0,57 0,56 0,56 0,55 0,54 Região Centro-oeste 0,61 0,59 0,58 0,57 0,58 0,56 0,57 0,57 0,56 Região Norte 0,58 0,56 0,54 0,54 0,53 0,52 0,53 0,51 0,52 Região Nordeste 0,63 0,59 0,59 0,58 0,57 0,57 0,57 0,56 0,56 Região Sul 0,56 0,53 0,53 0,52 0,52 0,51 0,51 0,50 0,49 Região Sudeste 0,57 0,56 0,56 0,54 0,54 0,54 0,52 0,52 0,51 Fonte: Ipeadata Nome Renda - desigualdade - índice de Gini 93 R$ 216,9 bilhões deverão ser investidos pela iniciativa privada, induzidos pelos investimentos públicos já anunciados. 12. Balanço do PAC Em 02/06/2010 o governo federal divulgou o 10º. balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O relatório mostra que apenas 46% das obras foram concluídas e mais de R$ 302 bilhões foram gastos no período de 2007 a 2010. "46% é apenas a parte que já foi concluída. A diferença são obras em andamento, muitas que serão concluídas durante o ano. Entre 1º de janeiro e 27 de maio de 2010, os valores pagos para as obras do PAC foram 79% acima dos valores pagos no mesmo período no ano passado, o equivalente a R$ 6,8 bilhões e R$ 3,8 bilhões respectivamente. Por quantidade de ações, 62% das que integram o programa estão concluídas e 27%, em obras. Outros 4% das ações estão em licitação e 7%, na etapa de licenciamento ou projeto. Ao todo, 2.483 empreendimentos estão sendo monitorados. Dentro da execução orçamentária do PAC, a previsão de uso de recursos era de R$ 21,4 bilhões em 2010. Apenas no período de janeiro a maio deste ano, o valor previsto para ser utilizado (de dotação) era de R$ 8,9 bilhões; em contratos, já foram empenhados R$ 9,1 bilhões, dos quais já foram pagos R$ 6,8 bilhões. 12.1 Infraestrutura logística Um terço das ações de infraestrutura logística previstas para o período 2007- 2010 não foram finalizadas. Essa parte do programa inclui intervenções em portos, aeroportos, ferrovias, hidrovias e estradas. Em relação ao valor dessas ações, nem metade prevista foi empregada. Os dados do balanço para esta área identificam que 48% das ações estão concluídas e 40% apresentam andamento adequado. Porém, 12% delas estão "em atenção". Na definição do governo, obras em atenção são aquelas em que o atraso no cronograma não significa risco para a realização do empreendimento. Já as obras em situação preocupante correm o risco de não serem concluídas. 12.2 Infraestrutura social e urbana Pelo critério de valor gasto, 21% das ações que estão concluídas e 58% apresentam andamento adequado. As ações em atenção somam 16% e aquelas em situação preocupante equivalem a 5%. Já de acordo com o critério de quantidade, as ações concluídas equivalem a 27% do total; em execução adequada estão 52% das obras; em atenção, 17%; e as em situação preocupante representam 4%. Integra o eixo de infraestrutura social e urbana as obras do programa Luz Para Todos. A meta original do programa no período de 2004 a 2008 foi atingida em maio de 2009, permitindo o atendimento de ligações elétricas para dois milhões de pessoas em 18 Estados. A nova meta de 2010, prevê mais 578.429 ligações. Até o momento foram realizados 18% do previsto para este ano, o que equivalente a 105.907 ligações elétricas nos Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Santa Catarina. 94 12.3 Infraestrutura energética Pelo critério de valor, 30% das ações estão prontas e 69% em andamento adequado. Apenas 1% está em situação de atenção. Já considerando o critério de quantidade, as ações encerradas totalizam 42% e em execução adequada 54%; 3% dos empreendimentos estão em atenção e 1% em situação preocupante. Bibliografia: Vasconcellos, Marcos Antonio Sandoval; Gremaud, Amaury Patrick; Toneto, Rudnei Junior. Economia Brasileira Contemporânea. São Paulo: Editora Atlas, 7ª ed. 2007. Capítulos. 18. Moura, Alkimar R. : Paeg e Real: Dois planos Que Mudaram a Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. 95 A morte do consenso Sergio Leo - 06/04/2009 – Valor Econômico Foram discretas, até agora, as comemorações, no governo, pela declaração do chanceler britânico, Gordon Brown, sobre a morte do chamado Consenso de Washington, regras aceitas como indispensáveis ao bom funcionamento do sistema capitalista, compiladas em 1989 pelo economista John Williamson. Reservadamente, não foram poucos os que comemoraram, entre os conselheiros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas Brown, que expediu o atestado de óbito durante a reunião do G-20, na semana passada, pode ter se precipitado. A crise não matou, por exemplo, a crença da abertura de mercados como instrumento de desenvolvimento. Mantém-se, nesse campo, a atitude cínica ou esquizofrênica anterior ao colapso das finanças mundiais: os governos anunciam comprometimento com o fim das barreiras comerciais, avançam gradualmente na queda de tarifas de importação, mas asseguram os interesses de setores "sensíveis" com os instrumentos que têm à mão, sejam eles mecanismos de controle não-tarifário de importações, subsídios aos produtores, ou incentivos perversos a exportadores ineficientes. Antes de o mundo descobrir que era ameaçado por "ativos tóxicos" criados pela mente fértil de operadores do mercado financeiro, já fracassava a rodada de liberalização da Organização Mundial de Comércio (OMC), a chamada Rodada Doha. Um dos resultados da cúpula do G-20, na semana passada foi um apelo por mais, e não menos, abertura de mercados, com a retomada da rodada na OMC. Os líderes podiam marcar uma data para isso, mas não o fizeram. Sabem que o apelo, por enquanto, é mera declaração de intenções. Isso não impede que a abertura de mercados seja eleita como prioridade defendida enfaticamente pelo próprio presidente Lula - líder classificado como "o cara" pelo presidente Barack Obama. Um dos principais motivos para o atolamento da rodada da OMC é o fato de que o consenso pela abertura de mercados não era tão consensual assim nos próprios centros do capitalismo mundial. O Congresso americano resistia, como ainda resiste, a eliminar as altíssimas tarifas remanescentes sobre produtos industriais em que não é competitivo, como o etanol. Os EUA e outros países de gente loura de olhos azuis também relutam, sempre, em reduzir significativamente subsídios agrícolas que dão competitividade desleal aos produtores locais e distorcem o comércio mundial. Ambiguidades na lista de John Williamson já levaram analistas como Moisés Naim, editor da especializada "Foreign Policy", a falar em "Confusão de Washington", ao mostrar que a quantidade de exceções, adaptações e contradições nas políticas baseadas no Consenso de Washington tornavam esse receituário bastante flexível. E que, como notou o economista Joseph Stiglitz quando ocupava o posto de economista- chefe do Banco Mundial, "instituições são importantes": nenhum modelo de política econômica pode ter êxito sem o controle de instituições fortes e bem equipadas para atender ao interesse público. A morte decretada por Gordon Brown não foi a do Consenso de Washington, mas a da crença fundamentalista em apenas um de seus dez itens, a desregulamentação como ferramenta para promover a melhor alocação dos recursos e o desenvolvimento. O novo consenso global estabelece que o mundo pós-crise terá instituições mais fortes e ativas no controle dos agentes de mercado. Como todo consenso econômico internacional, o novo consenso não é levado integralmente em conta pelos países mais poderosos, no momento de formulação de 96 suas políticas. Entre as medidas recém-editadas por Obama, está a permissão aos bancos para fixar, sem fidelidade às regras rígidas de contabilidade, o valor dos "ativos tóxicos", os papéis que serão vendidos com generosa ajuda do governo americano para socorrer as instituições financeiras. Analistas como o próprio Stiglitz já alertam para o "capitalismo artificial" de Obama, que mantém o jogo de ficção do mercado, em transações pouco transparentes. Há quem fale na derrubada de outro princípio do Consenso de Washington, o que entroniza a disciplina fiscal como regra de ouro nas economias sérias. Os EUA nunca respeitaram essa regra, nem pretendem fazê-lo agora. Os europeus, apesar das manifestações em favor de estímulo fiscal, continuam firmes na crença de que muita generosidade agora pode acabar em descontrole inflacionário mais à frente. Os programas de socorro do FMI, agora turbinado com mais US$ 750 bilhões, não eliminaram a exigência de sustentabilidade fiscal. Heresias ao Consenso de Washington defendidas agora nos países ricos, como a possível estatização de bancos americanos, ou generosidades fiscais, são apontadas como soluções de emergência, a serem descartadas assim que passar o pior da crise. Nem Gordon Brown defende o contrário, o que leva a crer que, se crê na morte do Consenso de Washington, ele não descarta a ideia de reencarnação. Autoridades brasileiras lembram, como signo da mudança, a criação do novo mecanismo financeiro no FMI para empréstimos, sem condicionalidades ou monitoramento, para países com políticas sólidas. Não lembram que os países considerados aptos a lançar mão desse socorro são só aqueles que mostram um histórico de respeito ao... Consenso de Washington. Boa parte do êxito de Lula no G-20 é exatamente o respeito devotado pelo governo brasileiro a boa parte dos princípios sacramentados pelo Consenso. Ao lado do respeito às políticas ortodoxas, herdado do governo anterior, a contribuição nada desprezível de Lula foi a obstinação em realizar uma política ativa de transferência e distribuição de renda, com programas sociais e o forte aumento do salário mínimo. Conseguiu fazer isso sem romper o consenso washingtoniano de fazer as despesas caberem nas despesas. Intuitivo, ele deve saber que será sua credibilidade quem estará morta, se acreditar, mesmo, que se encerrou a era da disciplina fiscal para os países de gente morena. Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras E-mail: sergio.leo@valor.com.br