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Poética e Poesia
Convenção, forma e ser.
Tendências dos poemas escritos no período colonial que tematizam a poesia:
- O poema deve “ter sentido” sob uma perspectiva humana e cultural;
- As imagens do poeta, do poema, dos motivos poéticos e do leitor são elaboradas a partir de traços de uma experiência estética herdada;
- O poeta se impõe a tarefa de fazer do poema o lugar simbólico do espiritual, da essência e do eterno;
- Os componentes de articulação interna do texto enquanto unidades lógicas e sintáticas não são omitidos;
(Poema ≠ Poesia
Poesia: Arte; Arte de criar imagens, sugerir emoções por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados. A poesia é viva, dinâmica, e fala do dia-a-dia, das pessoas, dos animais, de objetos, acontecimentos… A poesia traduz em palavras a maneira como o poeta olha o mundo.
Poema: Texto concreto; Obra em verso ou não em que há poesia.)
Os poemas resultantes dessa linha de tendências expressam:
- Pacto: Garantem comunicação e continuidade para os poemas.
- Aparato retórico: Contorno plástico comum entre os poemas.
-Lugar ideal permanente: O poema possui ser/sentido como elemento ordenador do pensamento.
Fazer poesia é usar tradição.
As poesias clássicas se baseiam em fontes/regras.
Fontes que se encontram nas artes poéticas, e são vistas como referencial necessário para a compreensão, a produção e a avaliação de poesia.
Toda obra deve ter uma lógica estrutural, seguir uma ordem estrutural (início, meio e fim).
Racionalizando o sistema poético
Sistema Poético racional
Verossimilhança – Semelhança com a verdade. O que poderia ser. A mentira que convence pela estrutura. Imitação de algo que poderia acontecer. Não precisa existir. Depende do gênero literário.
Para Aristóteles, a verossimilhança da poesia dependia da ordem estrutural (Início, meio e fim), discutida no âmbito da fábula.
As próprias noções de real e verossímil pressupunham um processo de racionalização que lhes conferia sentido e validade.
‘’Tornar verossímil uma obra significava, para o artista, filtrar sua experiência empírica das ‘impurezas’ próprias da realidade (mentira?), ajustando-a à unidade e coerência dos sistemas lógicos, éticos e ontológicos formulados pelos antigos (Ordem estrutural)”. -> Ao longo do tempo, os movimentos estéticos fundaram-se em convenções que acabaram por parecer naturais e espontâneas.
Pope, em sem Ensaio sobre a natureza, fala que as regras antigas são sempre a Natureza; Mas a ‘Natureza reduzida ao método’. Hauser confirma esta ideia, porém ele lembra que essa noção de "conjunto orgânico" vale apenas para uma parte do "dogma classista".
Essa tese é aplicada apenas "às produções do classicismo mais rigoroso”.
A partir do séc XVII, houve um aumento do uso obrigatório das regras antigas. 
Comparando com períodos posteriores, onde as práticas artísticas eram mais expressivas e manifestavam outras convenções (consideradas como naturais), ficou evidente as limitações que surgiram com uso dessas normas antigas. As vantagens, segundo René Wellek, foi que esse método estabeleceu uma psicologia estável da natureza humana, diversas normas fundamentais para as próprias obras, entre outras, o que permitiam o surgimento de conclusões que são válidas para toda arte e toda literatura mas, por outro lado, ela não permitia o aprendizado da variação da literatura moderna e dos diversos valores e problemas, pois o neoclássico não tem vocabulário nem moldura para tal. 
O conceito de originalidade na época do neoclassicismo como algo individualista, era um conceito “impensável”, segundo Ardono, pois o que dominava nesta época era o espírito grupal.
O caráter artificial das regras era avaliado quando estas não exerciam todo o seu domínio sobre os autores e leitores. Anteriormente, a liberdade de criação existia quando seguia os padrões deixados de herança de outros autores. Acreditava-se que, atingindo certo grau de perfeição, seguindo à risca tais regras, era desnecessária a transgressão dos limites.
Os motivos alegados para justificar a validade dos procedimentos criativos, foram encontrados dentro da própria natureza, pois, como Horácio também sugeria, a natureza é algo estável e possui racionalidade interna que explica e garante sua harmonia.
Todos os poetas têm o direito de ousar, de transgredir os limites, porém, é considerado uma anomalia e um risco à comunicação as representações artísticas que não eram dotadas de um mesmo nexo lógico e um ordenamento estável.
 Compromisso entre representação e ética
Nas poéticas antigas encontra-se presente os limites entre “ser” e “deve ser” através das dicotomias valorativas (“defeitos” e “virtudes”, por exemplo), como contraponto das próprias coisas, mas também, como um modo de organizá-las e torná-las compreensíveis. Neste processo, o lógico deve ser superior ao real, assim como a razão deve ser sobre a fantasia. 
Segundo Boileau, seguindo a tradição horaciana, a invenção devia preceder à elocução, ou seja, ao ato de escrever o pensamento e, esse ato, não poderia ser considerado como uma simples convenção artística, e sim como um nexo verdadeiro, natural e lógico próprio às coisas. 
A poesia (como prática) e a poética (como reflexão e normas sobre poesia) se implicavam, e a compreensão do poema como mensagem não apenas pressupunha o conhecimento dos elemento do código, como, ao longo do tempo, o reforçava nos seus aspectos modeladores da produção e da recepção de poesia.
Poesia e idealização
Disciplina do pensamento, da sensibilidade e da expressão 
Para a realização da leitura de uma poesia épica, é necessário tanto do autor quanto para o leitor, um conhecimento básico das regras clássicas. O uso do classicismo, portanto, implicava a disciplina do pensamento, da sensibilidade e da expressão. O resultado desse processo, era que, para serem aceitos, tanto o real quanto a sua representação (verossimilhança), deviam passar pelo crivo dos valores instituídos.
O “traço típico” do classicismo é o uso da verossimilhança, onde o poeta (o educador) omitia, melhorava as realidades consideradas, “brutas”, “irracionais”, “desarmônicas”, a fim de impor ao leitor (o educando) padrões do espírito, da moral e do ser. Usava-se, portanto, os princípios de adequação na representação das coisas, pessoas e ambientes.
Criação como seleção dos dados do real
Reconhecidos os moldes poéticos de verossimilhança, automaticamente deviam-se excluir aqueles elementos que não se ajustassem a eles.
O estético e o emotivo como formas de legitimação do real
Sendo assim, surge o contraste entre o imaginário do real (poemas arcádicos) e a realidade “bruta” da terra, ainda não incorporada no sistema poético. Em outras palavras, a distância entre a idealização e realidade bruta, e a incompatibilidade entre valorização estética e identidade emotiva com o real.
Alguns autores da época fugiam um pouco às regras, Cláudio Manoel da Costa, por exemplo, justificava que a não aceitação dos padrões poéticos era devido à imposição do “gênio” (sobre a “arte”); ao entusiasmo dos “primeiros anos” (sobre a razão e a maturidade do adulto, que eram os padrões para os clássicos); e à situação de Portugal que “apenas principiava a melhorar de gosto nas belas letras” (alusão à passagem do barroco ao iluminismo e ao arcadismo). Cláudio ainda deixa claro que conhece as regras clássicas, porém, não as usam, pois ele tenta romper os limites dos elementos poéticos.
Mimese e tradição
Função dos modelos 
 A mediação do poeta com seu leitor se dava basicamente de dois modos: 1 – pela via do poema, quando este reproduzia as fontes, isto é, os grandes e famosos poetas do passado; 2 – pela via do sistema educativo, na medida em que se utilizavam os mesmos exemplos e as mesmas bases culturais e estéticas vigentes nos países europeus. O leitor se encontrava no poema quando o autor fazia o uso da tradição. Nesse contexto, o uso de imagens era muito importante, pois exercia um papel como princípio estrutural,
que tornava possível a prática mimética, tratando-se dos planos histórico-cultural, pedagógico e poético, e cujas formas mais típica de manifestação era o modelo e o exemplo.
(Mímese
Mímese: a revelação do real na linguagem da arte. Mímese, em síntese, pode ser considerada atualmente como imitação, tal como os gregos proferiram. Mas, reprodução de sua capacidade de gerar, de criar. Além disso, antes da imitação da força natural, da realidade, da materialidade, da substancialidade, enfim… Pode-se entender que, hoje, a arte, por meio da mímese, recria a realidade, absorvendo sua essência revigorando-a. Criando seu próprio universo.)
Em geral, os poemas escritos no período colonial procuravam reproduzir não só a estrutura métrica, estrófica e rítmica de outro poema considerado modelo, mas também o tema e a própria atmosfera lírica ou épica, mesmo quando se aplicavam a desenvolver assuntos locais.
Com isso, a produção de um novo poema era um trabalho de rasura, seleção e recombinação de imagens e ideias recebidas, conservando, explicitamente, as fontes de que proveio. Ficam assim conciliados a criatividade pessoal do poeta, em verdade menos importante no período, e os princípios contidos nos modelos anteriores. 
Relação entre formas e temas
Este método não podia ser considerado como apenas resultado da criatividade do autor, mas também como uma “combinatória de tópicas retóricas coletivizadas”.
Em geral, as mudanças de tom, o rebaixamento da forma elevada, abstrata, dão a impressão de que os poetas coloniais apresentam melhor desempenho naquelas composições em que conservam a mesma relação “conteúdo/forma” do poema-fonte.
O fato é que, em maior ou em menor grau, o descompasso entre esquemas formais clássicos e conteúdos “nacionais” está na base das produções poéticas da Colônia. 
Machado de Assis reconhece que uma literatura, para ser nascente, precisa se alimentar dos assuntos que lhe oferece a sua região; mas sem estabelecer “doutrinas tão absolutas”que as empobreceriam. O leitor deve ter um sentimento íntimo que o posicionará em seu tempo e em seu país, mesmo se tratando de assuntos retóricos.
Porém, a teoria apresentada por Machado, de que a identificação do nacional se faz por marcas exteriores, estava longe de ser atingida, pois o que garantia autencidade eram elementos internos que se fundiam ao próprio tecido da representação, enraizando no tempo e no espaço a atividade autoral.
Uma máscara arcádica
Consistia à sátira referente ao uso das fontes clássicas e ao fingimento do seu uso.
As fontes da poesia
A longa cadeia da tradição poética
Neste capítulo, entra em discussão a questão dos os pólos, aparentemente, antitéticos existentes na criação das poesias coloniais. No primeiro pólo, temos a poesia mais racional, onde o poeta é fiel ao uso das regras clássicas. No segundo, existe a poesia que trabalha mais com o lado emocional do poeta, poetas estes que costumavam serem excluídos, isolados da sociedade. Esta última tendência citada, agora se integra às convenções, perdendo sua anterior conotação contraditória. Como convenção, ela se reconcilia com o estatuto retórico do processo criativo e se desdobra em toda uma gama de variantes, em que as fontes inspiradoras se transformam em formas de seres sobre-humanos: Deuses, musas ou figuras mitológicas; certos tipos de humanos (personagens históricos importantes); a amada ou o próprio poeta sob as figuras do pastor ou do amante; personificações como amor, cupido, a natureza, o destino; instrumentos musicais como lira, a harpa etc.
A poesia era considerada doação de um ser todo-poderoso que tinha acesso à essência das coisas, vedada aos homens comuns. Daí a necessidade de se invocarem as divindades e também os seres humanos, que, por suas qualidades e ações especiais, transcendiam ao comum dos mortais. Membro da ordem social, a missão do poeta era, pois, cantar, por inspiração dos deuses e das musas, a ação daqueles grandes homens (os heróis). Daí a utilização frequente da poesia como material educativo.
Em todos esses casos, o que fica evidente é que, para a reflexão poética, a poesia devia ter um agente deslocado para o que poderíamos denominar de projeções do poeta, isto é, formas plásticas ou imagens que representavam forças inspiradoras equivalentes à noção de “causa eficiente” na antiga teoria aristotélica, como um das quatro condições necessárias para a existência lógica do ser.
As múltiplas faces da lírica
Na lírica, o leque de imagens que refletem a figura do poeta é mais variado que na épica. Ele pode invocar a amada, identificando-a com a musa inspiradora, os astros, o jardim, as flores, o amor, etc.
No arcadismo, a função do agente da poesia é representada especialmente pelas figuras do pastor, das ninfas e musas, encarnações de uma natureza ideal que vêm da poesia antiga.
As imagens assimiladas pela via da poesia arcádica europeia atravessava a superfície do real brasileiro e manifestam sua própria ausência.
Cláudio utiliza as projeções do poeta nas figuras do pastor que fazem em nome de uma relação conflituosa entre “idealização poética”, assimilada pelas formas tradicionais, e “realidade não poética”, ligada à afetividade concreta do poeta.
Tomás Antônio Gonzaga a imagem do poeta-pastor se personaliza na figura do amante. Enquanto em Cláudio temos a relação poeta/pastor, em Gonzaga temos a relação poeta/pastor/amante, recuperando a figura humana que se esconde sob a imagem literária do poeta. A figura do pastor, máscara arcádica por excelência, se desdobra na poesia de Gonzaga em numerosas outras, contratando com a simplicidade convencional do gênero, revelando seu caráter aristocrático de base clássica.
Os símbolos do poder, do ser e do ter cumprem a função retórica de acentuar a condição social do poeta valorizando o desprendimento em relação aos bens materiais que sustenta seu amor. Por outro lado, às posses materiais juntam-se predicados artísticos e espirituais.
A pintura e a música são instrumentos do poeta, extensões de sua própria atividade criativa, pois a travessam tanto o barroco como o arcadismo, configurando uma tendência plástica e sensorial e atestando sua antiga origem bucólica e pastoril. A primeira empresta sua antiga função mimética à poesia, a segunda lembra sua origem lírica comum. Em ambos, ficam preservadas as ligações com as bases clássicas da poesia, ressaltando que, em Gonzaga, como já ocorria em Cláudio, a degradação, a perda ou a deteriorização das imagens e cores funcionavam como símbolos negativos que configuravam a situação conflituosa em que vivem.
O poema está repleto de descrições que dão forma e colorido às coisas, não apenas aquelas para as quais a poética árcade já continha um repertório de soluções cristalizadas, mas também as que mostram aspectos ligados à realidade do poeta, que recebem o mesmo tratamento metafórico e plástico das demais.
O poeta inventa a sua terra
As fontes produtoras da poesia colonial são mais que imagens ou temas propriamente ditos, pois condicionam a própria representação da realidade como objeto do poema. O mesmo princípio formador rege as figuras do eu poético e as imagens do real.
O desejo que alimenta as imagens poéticas só pode ser nomeado por meio de aspectos “brutos” do real e, portanto, do ponto de vista da ortodoxia clássica, negativos.
Dado ≠ desejado
A resistência dos padrões poético-culturais não possibilita uma formulação mais explícita dos objetos do desejo.
As poéticas
O poeta deve conhecer a tradição poética 
Embora sejam comuns as referencias à poesia ou à tradição poética nos poemas do período colonial, nem sempre, Basílio da Gama, Cláudio Manoel da Costa, entre outros poetas, cumprem o papel de pensar sistematicamente os problemas poéticos no sentido em que o fizeram alguns dos poemas tradicionais. Frequentemente são os procedimentos criativos que atestam sua origem poética. Porém, os poetas se preocupam em mostrar para o leitores que possuíam conhecimento sobre
a tradição poética.
O poeta sabe muito bem que está seguindo as regras clássicas ao compor seu poema.
 
As fórmulas épicas e os desnudamentos satíricos se completam na medida em que seguem as mesmas convenções éticas e culturais do tempo em questão. As diferenças ficam por conta das normas retóricas dos gêneros: no caso da épica, exaltando um herói a ser imitado, e, no caso da sátira, apontando um vilão a ser criticado, caluniado.
Heróis de ações gloriosas = Despertam o desejo de imitação = Épica
Vilões com horrorosos vícios, ações indignas = Excitam aborrecimento = Sátira
Poética da sátira e do jogo poético
A satírica mistura crítica poética e crítica pessoal.
Poética dos elementos plásticos e visuais
- Está presente a tendência Barroca de conferir aspectos plásticos aos sentimentos. Várias reminiscências estéticas estão presentes no poema: A ideia de um criador, metaforicamente, Deus, a natureza, o amor ou o próprio poeta, espécie de deus platônico que detém os arquétipos das coisas (a estatua imaginada, o objeto criado); A ideia de imitação da natureza; O desejo de eliminação do tempo, possibilitando a apreensão das essências eternas.
- O poeta se imagina dividido entre seu pensamento, seu desejo e sua alma, três instancias da rede complexa que é o amor. O pensamento, produtor dos sentidos, imagina ser amado. O eu, instância do desejo, manifesta suas carências. A alma, espécie de centro equidistante do pensamento e do real engloba-os. Mas, paradoxalmente, a alma não consegue manter-se insenta do “desejo de ser feliz”, mesmo que ilusório, nem da busca da concretização do imaginado. 
Conhecimento em prática
Com base no estudo realizado selecione e analise: 
2 liras contidas na obra Marília de Dirceu pertencente a Tomaz Antonio Gonzaga;
 2 sonetos pertencentes ao Cláudio Manoel da Costa.
Marília de Dirceu, Tomaz Antonio Gonzaga.
PARTE I
Lira I
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’ expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos inda não está cortado:
Os pastores, que habitam este monte,
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha,
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Mas tendo tantos dotes da ventura,
Só apreço lhes dou, gentil Pastora,
Depois que teu afeto me segura,
Que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
De um rebanho, que cubra monte, e prado;
Porém, gentil Pastora, o teu agrado
Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Os teus olhos espalham luz divina,
A quem a luz do Sol em vão se atreve:
Papoula, ou rosa delicada, e fina,
Te cobre as faces, que são cor de neve.
Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
Teu lindo corpo bálsamos vapora.
Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,
Para glória de Amor igual tesouro.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Leve-me a sementeira muito embora
O rio sobre os campos levantado:
Acabe, acabe a peste matadora,
Sem deixar uma rês, o nédio gado.
Já destes bens, Marília, não preciso:
Nem me cega a paixão, que o mundo arrasta;
Para viver feliz, Marília, basta
Que os olhos movas, e me dês um riso.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
 
Irás a divertir-te na floresta,
Sustentada, Marília, no meu braço;
Ali descansarei a quente sesta,
Dormindo um leve sono em teu regaço:
Enquanto a luta jogam os Pastores,
E emparelhados correm nas campinas,
Toucarei teus cabelos de boninas,
Nos troncos gravarei os teus louvores.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Depois de nos ferir a mão da morte,
Ou seja neste monte, ou noutra serra,
Nossos corpos terão, terão a sorte
De consumir os dois a mesma terra.
Na campa, rodeada de ciprestes,
Lerão estas palavras os Pastores:
"Quem quiser ser feliz nos seus amores,
Siga os exemplos, que nos deram estes."
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Dentro da I lira apresentada, são notáveis os aspectos que faz com que esta se torne 
uma poesia com tema tradicional da época colonial do Brasil.
O eu lírico se apresenta à bela amada como alguém insento de riquezas, não é 
vaqueiro, não possui gado, mas possui o amor por Marília, sua estrela. O eu lírico também procura resaltar suas habilidades referente ao campo: “Dá-me vinho, legume, fruta, azeite; / Das brancas ovelhinhas tiro o leite, / E mais as finas lãs, de que me visto.”
Seguindo a tradição, na lira também está presente instrumentos musicais, quando 
citado “Com tal destreza toco a sanfoninha”, nota-se certo desprezo com que o eu lírico remete ao instrumento, sugerindo ser, para ele, algo simples de se fazer.
A presença de metáforas para descrever Marília é constante: “Papoula, ou rosa 
delicada, e fina, / Te cobre as faces, que são cor de neve. / Os teus cabelos são uns fios d’ouro; / Teu lindo corpo bálsamos vapora.”
Contém a presença da verossimilhança, pois ocorre, durante toda a lira, a proximidade
da arte com a vida, pode-se notar isso dentro de um pequeno trecho a seguir:
“Depois de nos ferir a mão da morte, / Ou seja neste monte, ou noutra serra, / Nossos corpos terão, terão a sorte / De consumir os dois a mesma terra.”
Lira XIII
Oh! quantos riscos,
Marília bela,
Não atropela
Quem cego arrasta
Grilhões de Amor!
Um peito forte,
De acordo falto,
Zomba do assalto
Do vil traidor.
O amante de Hero
Da luz guiado,
C’o peito ousado
Na escura noite
Rompia o mar.
Se o Helesponto
Se encapelava,
Ah! não deixava
De lhe ir falar.
Do Cantor Trácio
A herocidade
Esta verdade,
Minha Marília,
Prova também.
Cheio de esforço
Vai ao Cocito
Buscar aflito,
Seu doce bem.
Que ação tão grande
Nunca intentada!
Ao pé da entrada
Já tudo assusta
O coração:
Pendentes rochas,
Campos adustos,
Nem ervas dão.
Na funda fralda
De calvo monte,
Corre Aqueronte,
Rio de ardente,
Mortal licor.
Tem o barqueiro
Testa enrugada,
Vista inflamada,
Que mete horror.
Que seguranças!
Que fechaduras!
As portas duras
Não são de lenhos;
De ferro são.
Por três gargantas,
Quando alguém bate,
Raivoso late
O negro cão.
Dentro da cova
Soam lamentos;
Não mostra aos olhos
A escassa luz!
Minos a pena
Manda se intime
Igual ao crime,
Que ali conduz.
Grande penedo
Este carrega;
E apenas chega
Do monte ao cume,
O faz rolar.
A pedra sempre
Ao vele desce,
Sem que ele cesse
De a ir buscar.
Nas limpas águas
Habita aquele:
Por cima dele
Verdejam ramos,
Que pomos dão.
Debalde a boca
Molhar pretende.
Debalde estende
Faminta mão.
Tem outro o peito
Despedaçado:
Monstro esfaimado
Jamais descansa
De lho roer.
A roxa carne,
Que o abutre come,
Não se consome,
Torna a crescer.
Mas bem que tudo
Pavor inspira,
Tocando a lira
Desce ao Averno
O bom Cantor.
Não se entorpece
A língua, e braço;
Não treme o passo,
Não perde a cor.
Ah! também quanto
Dirceu obrara,
Se precisara
Marília bela
De esforço seu!
Rompera os mares
C’o peito terno,
Fora ao Inferno,
Subira ao Céu.
Aos dois amantes
De Trácia, e Abido
Não deu Cupido
Do que aos mais todos
Maior valor.
Por seus vassalos
Forças reparte,
Como lhes parte
Os graus de Amor.
A imagem do poeta-pastor continua personalizada na figura do amante. Dentro de 
todas as liras percebe-se a presença da relação
poeta/pastor/amante, como foi visto no estudo feito, na lira XIII, recupera-se a figura humana que se esconde sob a imagem literária do poeta. “A figura do pastor, máscara arcádica por excelência, se desdobra na poesia de Gonzaga”. E, como já sabemos, no arcadismo a função do agente da poesia é representada especialmente pelas figuras do pastor, das ninfas e musas, encarnações de uma natureza ideal que vêm da poesia antiga. 
Na lira presente, temos citações de Deuses, monstros, cão negro, ou seja, seres não-
humanos. Há também citações de cidades egípcias, o que reforça mais a ideia de desdobramento por parte de Tomaz Gonzaga, fugindo um pouco do nacionalismo, transgredindo os limites da tradição poética.
Cláudio Manoel da Costa.
SOU PASTOR
Sou pastor, não te nego; os meus montados
São esses, que aí vês; vivo contente
Ao trazer entre a relva florescente
A doce companhia dos meus gados;
Ali me ouvem os troncos namorados,
Em que se transformou a antiga gente;
Qualquer deles o seu estrago sente;
Como eu sinto também os meus cuidados.
Vós, ó troncos, (lhes digo) que algum dia
Firmes vos contemplastes, e seguros
Nos braços de uma bela companhia;
Consolai-vos comigo, ó troncos duros;
Que eu alegre algum tempo assim me via;
E hoje os tratos de Amor choro perjuros.
Iniciando pelo titulo, já se tem uma noção que Cláudio Manoel da Costa segue a 
tradição poética da época colonial, usando a imagem do eu lírico como pastor, que traz a realidade da vida para dentro da arte, do soneto, isso faz parte da verossimilhança. O eu lírico se lamente por não ter ninguém para amar: “Consolai-vos comigo, ó troncos duros; / Que eu / alegre algum tempo assim me via; / E hoje os tratos de Amor choro perjuros”.
LOUCA FANTASIA
Sonha em torrentes d'água, o que abrasado
Na sede ardente está; sonha em riqueza
Aquele, que no horror de uma pobreza
Anda sempre infeliz, sempre vexado:
Assim na agitação de meu cuidado
De um contínuo delírio esta alma presa,
Quando é tudo rigor, tudo aspereza,
Me finjo no prazer de um doce estado.
Ao despertar a louca fantasia
Do enfermo, do mendigo, se descobre
Do torpe engano seu a imagem fria:
Que importa pois, que a idéia alívios cobre,
Se apesar desta ingrata aleivosia,
Quanto mais rico estou, estou mais pobre.
Neste soneto, está presente a realidade vivida pelo o eu lírico e a realidade que ele gostaria de ter, sonha em ter, deseja ter. “A resistência dos padrões poético-culturais não possibilita uma formulação mais explícita dos objetos do desejo.”

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