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DIREITO DO CONSUMIDOR
INTRODUÇÃO:
1 – Pressupostos Fundamentais
2 – Relato Histórico da Proteção ao Consumidor
3 - Pontos importantes do CDC
4 - Bibliografia
1 – Pressupostos Fundamentais:
Antes de buscar compreender a extensão da aplicação da Lei 8.078 de 11 de
setembro de 1990 é importante fazer a apresentação dos fundamentos que lhe deram
origem. Um dos maiores problemas para o aprendizado de tudo o que o Código de
Defesa do Consumidor (CDC) significa está relacionado à nossa cultura jurídica. É que
a maior parte dos estudiosos do direito e dos operadores em geral que atuam no
mercado não foram educados investigando os fenômenos ocorrentes na sociedade de
consumo.
Precisamos, portanto, entender por que é que ainda existe uma grande dificul-
dade de compreensão das regras da lei consumerista. Por isso vamos aqui abordar
algumas situações que são históricas e que, por sua vez, são fundamentos do CDC.
Entender a Lei n. 8.078 implica, portanto, considerar um problema de cultura
jurídica. Na verdade, quase todos aqueles que operam o direito no Brasil advogados,
juízes, procuradores etc. - foram formados na tradição do direito privado, cuja estrutura
remonta ao século XIX e que é baseada num sistema jurídico anterior à Constituição
Federal atual e, claro, anterior à edição da Lei n. 8.078/90. A grande dificuldade que
existe hoje de compreensão das regras brasileiras instituídas pela lei de proteção ao
consumidor reside nesse aspecto típico da nossa memória jurídica.
Apesar de a lei ter vigência desde março de 1991, a maior parte dos
estudantes ainda veio sendo formada tendo por base a tradição privatista,
absolutamente inadequada para entender a sociedade de massa do século XX.
É por isso que, se não apontarmos, ainda que sucintamente, os pressupostos
formadores da legislação de consumo, acabaremos não entendendo adequadamente
por que o CDC traz um regramento de alta proteção ao consumidor na sociedade
capitalista contemporânea, com regras específicas muito bem colocadas e que acaba
gerando toda a sorte de dificuldades de interpretação das questões contratuais, de
informação, da publicidade, do controle in abstrato das cláusulas contratuais, das
ações coletivas, enfim de tudo que está estabelecido.
1.1 – Aspectos Históricos:
Iniciamos aduzindo que o CDC é uma lei muito atrasada de proteção ao
Consumidor. Passamos um século aplicando às relações de consumo o CC, lei de
1917 fundada ainda na tradição do direito civil europeu do Século anterior.
Veja que no EUA a proteção ao consumidor já havia começado em 1890 com a
Lei Shermann, que é a lei antitruste (Acordo ou combinação entre empresas, ger.
ilegal, com o objetivo de restringir a concorrência e controlar os preços.)
Há outro ponto de realce importante: em relação CC pressupõe uma série de
condições para contratar, que não vigem para as relações de consumo que é mais
enxuto. Na verdade a consciência social e cultural da defesa do consumidor para ser
entendida precisamos olhar um pouco para o passado no período pós revolução
industrial.
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O aumento populacional exigiu o aumento de oferta de produtos e a indústria
passou a querer produzir mais para vender a mais pessoas. Passou-se a pensar em
um modelo capaz de entregar para um maior número de pessoas, mais produtos e
mais serviços. Para isso criou-se a chamada produção em série. Trazendo uma
diminuição profunda dos custos e um aumento enorme de oferta, indo atingir assim
uma mais larga camada de pessoas.
Esse modelo deu certo e veio a crescendo extraordinariamente até os dias
atuais, trazendo hoje a idéia de globalização. Temos assim a sociedade de massa.
Dentre vária características deste modelo vamos tirar uma que nos interessa: Nele a
produção é planejada unilateralmente para depois de fabricada aquele custo ser
reproduzida várias vezes.
Ora, este planejamento estratégico unilateral do fornecedor, do fabricante, do
produtor, do prestador de serviço tinha que vir acompanhado do modelo contratual e
este acabou por ter as mesmas características da produção, surgindo um contrato
padrão em que se perde a negociabilidade adstringindo aceitação ou não; surgindo
assim uma maior necessidade proteção do Estado no dirigismo deste contrato.
Por fim, o fato do CDC brasileiro ter sido “tão demorado” por outro lado trouxa
para nós uma benesse, pois foi trazido o que de melhor e mais moderno existia na
proteção do consumidor.
O resultado foi tão positivo que a lei brasileira inspirou a lei de proteção da
Argentina, reformas no Paraguai e Uruguai e projetos em países da Europa.
1.2 – A CF de 1988
O segundo ponto que eu quero tratar diz respeito a nossa Constituição de
1988. Com efeito a Constituição Federal brasileira de 1988 no art. 1 °, inciso III
destacou a dignidade da pessoa humana é um bem intangível. Quando examinamos
esse texto da Constituição, percebemos que ela inteligentemente aprendeu com a
história e também com o modelo de produção industrial que acabamos de relatar.
Podemos perceber que os fundamentos da República Federativa do Brasil são
de um regime capitalista, mas de um tipo definido pela Carta Magna. Esta, em seu art.
1°, diz que a República Federativa é formada com alguns fundamentos, dentre eles a
cidadania, a dignidade da pessoa humana e, como elencados no inc. IV do art. 1º, os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
E sobre esse último aspecto, deve-se fazer um comentário específico. Tem-se
dito, de forma equivocada, que esse fundamento da livre iniciativa no Brasil é o de
uma livre iniciativa ampla, total e irrestrita.
Na verdade, é uma leitura errada e uma interpretação errônea do texto. O
inciso IV do art. 1° é composto de duas proposições ligadas por uma conjuntiva "e":
"os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.
Para interpretar o texto adequadamente basta lançar mão do primeiro critério
de interpretação, qual seja, o gramatical. Ora, essas duas proposições ligadas pela
conjuntiva fazem surgir duas dicotomias: trata-se dos valores sociais do trabalho "e"
dos valores sociais da livre iniciativa.
Logo, a interpretação somente pode ser que a República Federativa do Brasil
está fundada nos valores sociais do trabalho e nos valores sociais da livre iniciativa,
isto é, quando se fala em regime capitalista brasileiro, a livre iniciativa sempre gera
responsabilidade social. Ela não é ilimitada.
2 – Relato Histórico da Proteção ao Consumidor:
Há milhares de anos existem leis que defendemos interesses dos
consumidores. No Código de Hamurabi havia previsão de obrigação do arquiteto ou
empreiteiro refazer a obra que caísse e, se houvesse vitimas fatais, eles pagariam
com a própria vida. Pena idêntica era aplicada aos médicos que provocassem a morte
de um paciente usado o “bisturi de bronze”.
No século XIII a. C, na Índia, o Código de Manu previa multa, punição pessoal
e ressarcimento para os que alterassem gêneros ou entregassem coisas de qualidade
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inferior. No Direito Romano havia, dentre outras, as ações redibitórias e a quanti
minoris. Na Idade Media havia aplicação de banho escaldante para quem vendesse
manteiga com pedra para aumentar o peso ou leite com água.
Como falamos acima, todo isso é de somenos importância frente a Revolução
Industrial que aumentou em muito as relações de consumo, aumentando também os
problemas originados nessas relações.
Foi nesse momento que houve a necessidade de se tratar os interesses dos
consumidores de forma coletiva, como o problema de toda a sociedade e não apenas
daquele que sofreu este ou aquele prejuízo ou dano oriundo da aquisição de um
produto ou serviço.
Muitos anos se passaram, no entanto, desde que se chegou a essa
constatação, até que se formasse um ordenamento jurídico eficaz. Os instrumentos
legais existentes desencorajavam as reivindicações dos consumidores, por não contra
balançarem a hipossuficiência de que era portador, em comparação com o poderio
dos fornecedores.
Em 1891, nos Estados Unidos, foi criada a consumers League, que depois veio
a se tornar a Consumer’s Union, com a finalidade de defender os consumidor perante
os empresários. Atualmente, a consumer’s Union adquire praticamente todos os
produtos lançados nos EUA, os analisa e expede laudo sobre sua adequação às
normas de saúde, segurança etc.
No Brasil este trabalho esta começando a ser feito pelo Instituto Brasileiro de
defesa do Consumidor- IDEC.
Com relação á legislação, o amadurecimento do consumerismo (o estudo do
Direito do Consumidor) trouxe grandes avanços para o país. Até o advento da CF 88,
nós tínhamos algumas leis que tratavam da matéria (a mais importante era a Lei
1.521/51) mas de forma pouco sistemática e eficaz.
Foi a atual Carta Magna que deu trato constitucional á defesa do consumidor.
No inciso XXXII, do art. 50, dispõe que “o Estado promoverá, nos termos da lei, a
defesa do consumidor”. Mais adiante, no art. 24, inciso V, atribui competência a União,
aos Estados e ao Distrito Federal para legislar sobre “ produção e consumo”. É no
Inciso V, do art. 170, porém, que a Constituição eleva a defesa do consumidor a
principio da ordem econômica, assegurando toda a dimensão que esse direito vem
conquistando nos últimos anos.
A criação do Código de Defesa do Consumidor estava prevista no art. 48 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que dava o prazo de 120 dia após a
promulgação da CF para a elaboração do Código.
Esse instrumento só veio a luz em 11 de setembro de 1990, através da Lei
8.078 (publicada em 12.09.90), entrando em vigor 180 dias após a sua publicação.
3 - Pontos importantes do CDC:
Alguns pontos importantes do CDC são:
- conceito amplo de fornecedor;
- a enunciação dos direitos básicos dos consumidores;
- proteção contra desvios de quantidade e qualidade;
- desconsideração da personalidade jurídica;
- um sistema sancionatório administrativo e penal;
- controle das praticas abusivas;
- facilitação do acesso a justiça com a possibilidade de responsabilização
de fornecedores inclusive com a defesa dos interesses de dezenas ou
centenas de consumidores em uma mesma ação.
4 – Bibliografia:
NUNES, Rizzatto, Curso de Direito do Consumidor, Editora Saraiva, 2ª Edição, 2005.
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CAPÍTULO 1 – CONSUMIDOR: CONCEITO E DIREITOS BÁSICOS:
1 – Conceito de Consumidor
2 – A Coletividade dos Consumidores
3 – Dos Direitos Básicos dos Consumidores
4 – Fontes do Direito do Consumidor
5 – Regulamentação Do Código do Consumidor
6 – Solidariedade em Face dos Danos Infligidos
7 - Bibliografia
1 - Conceito de Consumidor:
Na visão da lei, que é essencialmente protetiva, no pólo ativo da relação
jurídica de consumo está o consumidor. Em verdade, não é comum às leis darem
definições, encargo que se deixa ao trabalho conjunto da doutrina e da jurisprudência.
Todavia, o Código do Consumidor sentiu a necessidade, para evitar maiores
discussões, de conceituar seu tutelado e o fez, satisfatoriamente, no art. 2º:
"Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou
serviço como destinatário final".
Percebam que há um dado fundamental no conceito, implícito em seus termos:
o ato de consumir. Em outros termos, o ato de se gastar, abrupta ou lentamente, a
substância de determinada coisa, ou produto.Veja que é dado informativo que vem da
semântica, porque consumir significa gastar, destruir, etc.
O conteúdo gramatical dá sentido ao conceito da lei. Mas o ato de consumir
pode significar consumo absoluto, quando há destruição da coisa pelo primeiro uso, ou
consumo paulatino, quando a coisa se deteriora pelo uso continuado.
Desta forma, tanto é consumidor o que compra uma maçã para comer - há o
uso que resulta em seu perecimento abrupto - como o que compra um imóvel - há o
consumo resultante do desgaste sucessivo ou paulatino.
Na hipótese da maçã, o consumo se subsume na definição dada pelo art. 51 do
Código Civil: "São consumíveis os bens móveis, cujo uso importa destruição imediata
da própria substância...".
A coisa perde a substância como conseqüência do primeiro uso. É desgaste,
abrupto, repentino, consumo absoluto. É ato de consumo no sentido físico ou material,
e é ato de consumir no conceito jurídico.
É verdade que o uso dado à coisa por seu titular pode ser diverso, como se a
maçã, utilizando-se determinada técnica, pudesse se transformar num objeto de
adorno. Assim mesmo, haveria consumo absoluto na área do direito. Como diz
ORLANDO GOMES (Introdução ao Direito Civil, p. 250, Forense, 6ª ed., 1979), "O que
decide é, afinal, a destinação normal da coisa, segundo os dominantes".
Na hipótese de imóvel comprado, o consumo é paulatino, porque, além da lei
do consumidor incluir, entre os produtos, o bem imóvel, o seu uso pelo consumidor,
como destinatário final, é ato de consumir.
Com efeito, há o desgaste da coisa, de modo continuado. O uso constante
somado à passagem do tempo provoca o desgaste, parte por força da natureza e
parte pela utilização realizada sucessivamente. E isto é consumo da coisa, na
hipótese, da coisa imóvel.
O mesmo fenômeno ocorre em relação a móveis que não se esgotam ao
primeiro uso, como um automóvel, uma televisão, etc. No entanto, o uso constante, vai
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desgastando o motor, as válvulas, o tubo de imagem, os pneus, etc. Evidente se
caracterizar o ato de consumir.
Assim nas situações aventadas, o ato de aquisição da coisa móvel ou imóvel,
como destinação ao uso pessoal, vai significar ato de consumir, porque ou a
substância se desfaz ou há o desgaste desta mesma substância.
Desta forma diante desta conseqüência resultante, o adquirente é um
consumidor. Note que há a aquisição. Há um produto objeto desta transmissão. Há um
adquirente como destinatário final que se extrai, do fenômeno fático-jurídico, o
desgaste da substância do produto, que configura o ato de consumir.
Todos estes elementos são encontrados no conceito legal, dado pelo art. 2º do
Código de Proteção. lnduvidosamente, portanto, há a figura do consumidor nas
hipóteses em exame.
Mas e havendo, como há, circulação do produto, com simples transferência da
posse, sem alteração da titularidade dominical, ou havendo pretensão de circulação
nas mesmas condições?
O que se utiliza, ingressa no conceito de consumidor, não porque haveria ato
de aquisição, o que não há evidentemente, mas porque há ato de utilização.
Extrai-se, que o exercício do uso da coisa é ato de consumir. O utente, mesmo
não agindo como proprietário, pratica atos que importam em consumo. Obviamente,
que o consumo que possa representar a imediata destruição da substância da coisa,
porque este é o cerne da propriedade e só o proprietário o detém, mas o consumo que
se dá paulatinamente, através do desgaste.
A utilização como ato de consumir pode ser encontrada na locação de bens
móveis ou imóveis, nos arrendamentos, nos contratos de leasing, etc.
Surge outra indagação e o caso da prestação de serviço?
O conceito legal abrange, ainda, quem se utiliza da prestação de serviço de
fornecedor. Visto que entra, no conceito de fornecedor, quem desenvolve atividade só
de prestação de serviço.
Outra observação:
O conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter
econômico, ou seja, levando-se em consideração tão-somente o personagem que no
mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como
destinatário final. Pressupondo que assim age com vistas ao atendimento de uma
necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial.
Abstraídas todas as conotações de ordem filosófica, psicológica e outras,
entendemos por "consumidor":
Qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para
consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens,
bem como a prestação de um serviço.
Não se pode também deixa de lado deste conceito de consumidor como um
dos partícipes das "relações de consumo", ou seja, "relações jurídicas por excelência",
embora, procurando tratar desigualmente pessoas desiguais, levando-se em conta
que o consumidor está em situação de manifesta inferioridade frente ao fornecedor de
bens e serviços.
Pode-se dessarte inferir que toda relação de consumo:
1) envolve basicamente duas partes bem definidas: de um lado, o adquirente
de um produto ou serviço ("consumidor"), e, de outro, o fornecedor ou vendedor de um
produto ou serviço ("produtor/fornecedor");
2) tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada do
consumidor;
3) o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de
bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a
submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços.
O traço marcante da conceituação de "consumidor" está na perspectiva que se
deve adotar, ou seja, no sentido de se o considerar como hipossuficiente ou
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vulnerável, não sendo, aliás, por acaso, que o mencionado "movimento consumerista"
apareceu ao mesmo tempo que o sindicalista,
Em razão de tais considerações é que discordamos da definição de
consumidor concebida por Othon Sidou, quando também considera as pessoas
jurídicas, como tal, para fins de proteção efetiva, ao menos no que tange à sua literal
"proteção" ou "defesa" jurídica.
Veja que o que prevaleceu foi a inclusão das pessoas jurídicas igualmente
como "consumidores" de produtos e serviços, com a ressalva de que assim são
entendidas aquelas como destinatárias finais dos produtos e serviços que adquirem, e
não como insumos necessários ao desempenho de sua atividade lucrativa.
Mais racional, contudo, sejam consideradas aqui as pessoas jurídicas
equiparadas aos consumidores hipossuficientes, ou seja, as que não tenham fins
lucrativos, mesmo porque, insista-se, a conceituação é indissociável do aspecto da
mencionada hipossuficiência.
Assim, como bem ponderado pelo prof. Fábio Konder Comparato, os
consumidores são aqueles "que não dispõem de controle sobre bens de produção e,
por conseguinte, devem se submeter ao poder dos titulares destes", enfatizando ainda
que "o consumidor é, pois, de modo geral, aquele que se submete ao poder de
controle dos titulares de bens de produção, isto é, os empresários".
José Reinaldo de Lima Lopes afirma que: para que uma pessoa jurídica possa
ser considerada consumidora em relação a outra se faz necessária a presença de dois
elementos que não foram adequadamente explicitados, neste particular, no Código:
"Em primeiro lugar , o fato de que os bens adquiridos devem ser bens de
consumo e não bens de capital. Em segundo lugar , que haja entre fornecedor e
consumidor um desequilíbrio que favoreça o primeiro. Em outras palavras, o Código
de Defesa do Consumidor não veio para revogar o Código Comercial ou o Código Civil
no que diz respeito a relações jurídicas entre partes iguais, do ponto de vista
econômico. Uma grande empresa oligopolista não pode valer-se do Código de Defesa
do Consumidor da mesma forma que um microempresário. Este critério, cuja
explicitação na lei é insuficiente, é, no entanto, o único que dá sentido a todo o texto.
Sem ele, teríamos um sem sentido jurídico."
Para explicar as correntes do consumerismo lanço mão de Cláudia Lima
Marques ao sintetizar as duas grandes tendências do consumerismo ao interpretarem
o art. 2º do Código Brasileiro do Consumidor: a dos finalistas e a dos maximalistas.
"Para os finalistas, pioneiros do consumerismo", assinala, "a definição de
consumidor é o pilar que sustenta a tutela especial, agora concedida aos
consumidores. Esta tutela só existe porque o consumidor é a parte vulnerável nas
relações contratuais no mercado, como afirma o próprio CDC no art. 4º, inc. I. Logo,
convém delimitar claramente quem merece esta tutela e quem não a necessita, quem
é o consumidor e quem não é. Propõem, então, que se interprete a expressão
'destinatário final' do art. 2º de maneira restrita, como requerem os princípios básicos
do CDC, expostos nos arts. 4º e 6º".
E, nessa hipótese, não bastaria a interpretação meramente teleológica ou que
se prenda à destinação final do serviço ou do produto. Consumidor seria apenas
aquele que adquire o bem para utilizá-lo em proveito próprio, satisfazendo uma
necessidade pessoal e não para revenda ou então para acrescentá-lo à cadeia
produtiva.
"Esta interpretação", conclui, "restringe a figura do consumidor àquele que
adquire (utiliza) um produto para uso próprio e de sua família; consumidor seria o não
profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade
que é mais vulnerável".
Quanto aos maximalistas, pondera a autora citada, "vêem nas normas do CDC
o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadas para
proteger somente o consumidor não profissional".
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E merece destaque o ponto a seguir tratado: "O CDC seria um Código geral
sobre o consumo, um Código para a sociedade de consumo, o qual institui normas e
princípios para todos os agentes do mercado, os quais podem assumir os papéis ora
de fornecedores, ora de consumidores. A definição do art. 2º deve ser interpretada o
mais extensivamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC
possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações de mercado.
Na verdade, o critério conceitual do Código brasileiro discrepa da própria
filosofia consumerista ao colocar a pessoa jurídica como também consumidora de
produtos e serviços.
E isto exatamente pela simples razão de que o consumidor, geralmente
vulnerável enquanto pessoa física, defronta-se com o poder econômico dos
fornecedores em geral, o que não ocorre com estes, que, bem ou mal, grandes ou
pequenos, detêm maior informação e meios de defender-se uns contra os outros
quando houver impasses e conflitos de interesses.
Aliás, é basicamente o Código Comercial o repositório desses interesses e
direitos, e não propriamente o Código do Consumidor. Todavia, como o mesmo
Código do Consumidor contempla a pessoa jurídica como consumidora, a
interpretação deve ser objetiva e caso acaso.
Dizer-se, como querem os assim denominados pela autora "maximalistas", que
se aplica o Código, sem qualquer distinção, às pessoas jurídicas ainda que
fornecedoras de bens e serviços seria negar-se a própria epistemologia do
microssistema jurídico de que se reveste.
E nesse sentido parece-nos essencial verificar-se o seguinte:
a) se o "consumidor-fornecedor" na hipótese concreta adquiriu bem de capital
ou não;
b) se contratou serviço para satisfazer uma necessidade ou que lhe é imposta
por lei ou natureza de seu negócio principalmente por órgãos públicos.
No primeiro caso, trazemos como exemplo a aquisição de alimentos,
preparados ou não, para fornecimento aos operários de uma fábrica ou então a
compra de máscaras protetoras contra poeiras tóxicas. No segundo, a contratação de
serviços de dedetização de um galpão industrial ou serviços de educação para a
creche construída para os filhos dos operários. Resta evidente, por conseguinte, que
eventuais deteriorações ou contaminações dos referidos alimentos em prejuízo da
empresa adquirente a transforma em manifesta consumidora, assim como na hipótese
de descumprimento das normas atinentes à fabricação das mencionadas máscaras
contra poeiras tóxicas. Ou ainda, e por fim, no caso
de prestação de serviços de
educação de forma insuficiente ou em desacordo com o que ficara estipulado.
Diferentemente não pode ser considerada consumidora a empresa que adquire
máquinas para a fabricação de seus produtos ou mesmo uma copiadora para seu
escritório e que venha a apresentar algum vício. Isto porque referidos bens certamente
entram na cadeia produtiva e nada têm a ver com o conceito de destinação final.
Também deve ser levada em conta para a distinção.
Suponha-se, ainda no campo dos exemplos, uma fundação ou associação sem
fins lucrativos e beneficentes. Ninguém por certo negará sua condição de
consumidoras ao adquirirem produtos defeituosos ou contratarem serviços deficientes.
Cada caso, portanto, deverá ser analisado em separado, até porque o Código
é, em princípio, destinado às pessoas mais fragilizadas no mercado de consumo,
sendo a pessoa jurídica considerada como tal se equiparável à pessoa física.
2 - A Coletividade de Consumidores:
Segundo o parágrafo único do art. 2º do Código do Consumidor:
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda
que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
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A norma do parágrafo único do art. 2° pretende garantir a coletividade de
pessoas que possam ser, de alguma maneira, afetadas pela relação de consumo.
Esta perspectiva é extremamente relevante e realista, porquanto é natural que
se previna, por exemplo, o consumo de produtos ou serviços perigosos ou então
nocivos, beneficiando-se, assim, abstratamente as referidas universalidades e
categorias de potenciais consumidores.
Ou, então, se já provocado o dano efetivo pelo consumo de tais produtos ou
serviços, o que se pretende é conferir à universalidade ou grupo de consumidores os
devidos instrumentos jurídico-processuais para que possam obter ajusta e mais
completa possível reparação dos responsáveis.
Veja que a lei vai mais adiante ao referir-se as vítimas de evento e todas as
pessoas que estão expostas às prática comerciais; veja o que o artigo 17 e 29 do
CDC:
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as
vítimas do evento.
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos
consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele
previstas.
Tópicos a seguir relacionados.
É essa regra que dá legitimidade para a propositura de ações coletivas para a
defesa dos direitos coletivos e difusos, previstas no Título III da lei consumerista (arts.
81 a 107), e particularmente pela definição de direitos coletivos (inciso II do parágrafio
único do art. 81 ) e direitos difusos (inciso III do parágrafo único do art. 81 ) e na
apresentação das pessoas legitimadas para proporem as ações (art. 82).
O caracteriza essencialmente é a indivisibilidade do objeto do interesse, cuja
satisfação necessariamente aproveita em conjunto, e cuja postergação, todos em
conjunto prejudica.
Com isso, pode-se dizer que a completa designação do amplo sentido da
definição de consumidor começa no caput do artigo 2º, passa por seu Parágrafo
Único, segue até o artigo 17 e termina no 29. É o que ainda veremos.
2.1 - Enquadramento de entes despersonalizados no conceito:
Dessa maneira, a regra do parágrafo único permite o enquadramento de
universalidade ou conjunto de pessoas, mesmo que não se constituam em pessoa
jurídica. Por exemplo, a massa falida pode tïgurar na relação de consumo como
consumidora ao adquirir produtos, ou, então, o condomínio, quando contrata serviços.
2.2 – Acepções coletivas:
Não se deve olvidar, porém, de que a acepção coletiva dos interesses ou
direitos do consumidor comporta duas categorias, quais sejam, a dos chamados
"interesses ou direitos coletivos propriamente ditos" e "interesses individuais
homogêneos de origem comum".
Definidos também pelo mencionado art. 81, incs. II e III do Código em comento.
A) Interesse coletivos propriamente ditos:
A.1 – Interesses difusos:
Com efeito, poder-se-ia assinalar neste passo que, enquanto os sobreditos
"interesses ou direitos difusos" são aqueles que pertencem a um número
indeterminado de titulares, sendo ainda indivisíveis, na medida em que, se algo for
feito para protegê-los, todos aqueles titulares se aproveitarão, mas sairão prejudicados
em caso contrário.Entra nesta seara a espécie do artigo 29 do CDC acima citado.
A.2 – Interesse Coletivos:
Os "interesses coletivos" são, é , certo, indivisíveis assim como os primeiros,
mas pertencem desta feita a um número determinado de titulares; (grupo, categoria ou
classe de pessoas ligadas entre si ou à parte contrária por uma relação jurídica base).
A.3 - Exemplo:
Se se tiverem conta a questão das cláusulas abusivas em dado contrato de
adesão, teremos então que a declaração de nulidade delas de forma abstrata, ou seja,
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sem se levar em consideração casos específicos de prejuízos aos contratantes-
consumidores, ou o simples formulário do contrato-padrão engendrado pelo
fornecedor de produtos ou serviços, diríamos que estaríamos diante de interesses
difusos daqueles mesmos consumidores difusamente considerados, eis, que
potenciais contratantes prejudicados.
Caso contrário, isto é, na hipótese de um determinado contrato firmado entre a
mencionada empresa fornecedora de produtos ou serviços e um grupo de
consumidores-contratantes, e contendo cláusulas abusivas, a declaração de sua
nulidade aproveitaria certamente àquele grupo ou classe determinada de contratantes.
Caso houvesse cláusulas abusivas especificamente em planos de saúde
particularizados, e referentes a contratos já firmados, tratar-se-ia o chamado interesse
coletivo, e não difuso, porque envolvendo pessoas bem determinadas e em face da
empresa contratante.
B) interesses individuais homogêneos de origem comum
No que diz respeito aos 'interesses individuais homogêneos de origem
comum", não passam, na verdade, de interesses ou direitos individuais, mas tratados
de forma coletiva. Ou melhor explicitando: tomando-se como exemplo danos causados
pela colocação no mercado de um veículo com grave defeito no sistema de freios, com
extensão daqueles mesmos danos variável para cada interessado, defeito tal
ocasionado por falha do projeto de certa peça, tem-se como certo que cada um
poderia, individualmente, ingressar em Juízo com a ação reparatória competente.
O que o Código analisado permite é que, ao invés da pulverização de
demandas individuais, seja ajuizada uma única ação, passando-se depois da
condenação obtida à liquidação conforme a extensão de cada dano individualizado.
C) Vítimas do Evento:
Além disso, dispõe o art. 17 do Código do Consumidor que, para os efeitos da
seção que cuida dos interesses individuais homogêneos de origem comum,
"equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento".
Foi caso, por exemplo, das vítimas do triste acidente ocorrido em 1996 no
"Plaza Shopping de Osasco": a sentença genericamente condenatória entendeu
cabíveis indenizações por danos materiais e morais não apenas às pessoas que
estavam diretamente ligadas às suas atividades (i.e., consumidores-compradores e
usuários da praça de alimentação, estacionamentos e outros serviços disponíveis),
como também às famílias de jovens colegiais que simplesmente atravessavam suas
instalações para cortarem caminho para a escola, e outros circunstantes.
3 - Dos Direitos Básicos do Consumidor:
Art. 6º - São direitos básicos do consumidor: [1]
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por
práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
[2]
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequa- i do dos produtos e
serviços, asseguradas a liberdade de i escolha e a igualdade nas contratações; [3]
Ill- a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço,
bem como sobre os riscos que apresentem; [4]
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais
coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas
no fornecimento de produtos e serviços; [5]
V- a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem
excessiva- mente onerosas; [6]
VI- a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos e difusos; [7]
10
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção
ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos,
assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; [8]
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus
da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a
alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiências; [9]
IX- (Vetado) - a participação e consulta na formulação das políticas que os
afetem diretamente, e a representação de seus interesses por intermédio das
entidades públicas ou privadas de defesa do consumidor; [10]
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. [11]
[1] DIREITOS DO CONSUMIDOR
“A defesa e proteção do consumidor constitui-se hoje em dia num dos temas
mais extraordinariamente amplos e que afeta e se refere a casos de todos os setores
do ordenamento jurídico”. “A variedade das normas que tutelam - ou deveriam tutelar -
o consumidor, pertencem não somente ao Direito Civil e Comercial, como também ao
Direito Penal e ao Processual, ao Direito Administrativo e inclusive ao Direito
Constitucional, determinou que os limites desse setor de interesses sejam pouco
precisos, e porque não se dizer vagos e difusos".
E, em face de tal amplitude de interesses com que se deparam todos quantos
se dediquem ao estudo, existe dificuldade em se delimitar-se o campo de atuação dos
referidos direitos, a saber: “tudo hoje em dia é direito do consumidor: o direito à saúde
e à segurança; o direito de defender-se contra a publicidade enganosa e mentirosa; o
direito de exigir as quantidades e qualidades prometidas e pactuadas; o direito de
informação sobre os produtos, os serviços e suas características, sobre o conteúdo
dos contratos e a respeito dos meios de proteção e defesa; o direito à liberdade de
escolha e à igualdade na contratação; o direito de intervir na fixação do conteúdo do
contrato, o direito de não se submeter às cláusulas abusivas; o direito de reclamar
judicialmente pelo descumprimento ou cumprimento parcial ou defeituoso dos
contratos; o direito à indenização pelos danos e prejuízos sofridos; o direito de
associar-se para a proteção de seus interesses; o direito de voz e representação em
todos os organismos cujas decisões afetem diretamente seus interesses; o direito,
enfim, como usuários, a uma eficaz prestação dos serviços públicos e até mesmo à
proteção do meio ambiente.”
A Organização das Nações Unidas, a seu turno, promulgou a Resolução no
39/248, isto em 10.4.85, resolução essa que também se refere àqueles direitos
fundamentais dos consumidores, direitos esses universais e indisponíveis, fazendo
eco, aliás, com a própria doutrina dos direitos humanos. Como princípios gerais, diz o
item 2 da referida Resolução ONU no 39/248 que "os governos devem desenvolver,
reforçar ou manter uma política firme de proteção ao consumidor, considerando as
normas abaixo discriminadas”, acrescentando ainda que, ao fazê-lo, “cada governo
deve determinar suas próprias prioridades para a proteção dos consumidores, de
acordo com as circunstâncias econômicas e sociais do país e as necessidades de sua
população, verificando os custos e benefícios das medidas propostas".
Um dos temas mais atuais diz respeito ao chamado “consumo sustentável”,
eleito pela ONU, mediante a Resolução nº. 1.995-53, de julho de 1995, como um dos
direitos-deveres dos consumidores, o que consubstanciaria o sexto direito do
consumidor, universalmente considerado. Com efeito, a constatação evidente que se
faz é que, enquanto as necessidades do homem são em princípio ilimitadas, sobretudo
se se tiver em conta a ciência de marketing e a publicidade, além do processo
tecnológico, são limitados os recursos naturais disponíveis.
Daí a necessidade de se incutir no homem, desde jovem, a preocupação em
proceder ao consumo responsável e, sobretudo, sustentável de produtos e serviços.
11
Mais recentemente, na Conferência Regional da Consumer's International, em
São Paulo, em setembro de 1995, apontaram-se os chamados "quatro pilares" atuais
da defesa do consumidor, assim resumidos:
a)o aperfeiçoamento dos mecanismos jurídicos de proteção ao consumidor, e
sua colocação à disposição da população consumidora mediante instrumentos
adequados de acesso à justiça;
b)a massificação da educação do consumidor, ou seja, a divulgação dos
avanços já alcançados nessa matéria por intermédio de novos espaços no sistema
educacional formal e multiplicação das experiências educativas e capacitação ligadas
às organizações sociais e populares;
c)esforços visando à melhoria da qualidade de produtos de alimentação e
nutrição, sobretudo com preocupação voltada à saúde e segurança dos consumidores;
essa perspectiva deverá intensificar-se pelo funcionamento dos comitês do "Codex
Alimentarius", Código internacional que regulamenta a qualidade e inocuidade dos
alimentos, e sua implementação pela legislação dos países, que também devem ser
dotados de instrumentos eficazes de fiscalização;
d) o consumo sustentável e o desenvolvimento de um país, com efeito, não
pode ser analisado a margem do conceito de consumo sustentável, por tratar-se de
um fator que marca limites e possibilidades de desenvolvimento, porquanto os hábitos
de consumo da população mundial são determinantes na hora de se avaliarem os
níveis de sustentação ambiental; uma sociedade com hábitos de consumo racionais e
sustentáveis estará melhor preparada para definir estratégias de desenvolvimento com
os princípios ambientais.
[2] PROTEÇÃO DA VIDA, SAÚDE E SEGURANÇA
Têm os consumidores e terceiros não envolvidos em dada relação de consumo
incontestável direito de não serem expostos a perigos que atinjam sua incolumidade
física, perigos tais representados por práticas condenáveis no fornecimento de
produtos e serviços.
E, em decorrência de tal direito, o Código elenca normas que exigem, por
exemplo, a devida informação sobre os riscos que produtos e serviços possam
apresentar, de maneira clara e evidente, ou simplesmente não colocá-los no mercado,
se tais riscos forem além do que normalmente se espera deles (arts. 8º a l0 do
Código).
Decorre ainda de tal direito o dever de os fornecedores retirarem do mercado
produtos e serviços que venham a apresentar riscos à incolumidade dos consumidores
ou terceiros, alheios à relação de consumo, e comunicar às autoridades competentes
a respeito desses riscos, sem falar-se, evidentemente, do direito a uma indenização
cabal por prejuízos decorrentes de tal fato do próprio produto, ou seja,
responsabilidade advinda da simples colocação no mercado de produto ou prestação
de serviços perigosos (cf., por exemplo, o§ 3º do art. 10 e arts. 12 a 14, e os crimes
contra as relações de consumo - arts. 61 e segs. ).
[3] EDUCAÇÃO DO CONSUMIDOR
A educação de que cuida o inc. II do art. 6º do Código de Defesa do
Consumidor deve ser aqui encarada sob dois aspectos:
a) a educação formal, a ser dada nos diversos
cursos desde o primeiro grau de
escolas públicas ou privadas, aproveitando-se as disciplinas afins (por exemplo,
educação moral e cívica, onde se tratará dos aspectos legais e institucionais; ciências,
onde se cuidará da qualidade dos alimentos, da água e outros produtos essenciais, e
assim por diante);
b) educação informal, de responsabilidade desde logo dos próprios fornece-
dores quando, já mediante a ciência do marketing, como já acentuado noutro passo, e
tendo-se em conta seus aspectos éticos, procurando bem informar o consumidor
12
sobre as características dos produtos e serviços já colocados no mercado, ou ainda os
que serão aí colocados à disposição do público consumidor.
É indispensável, por conseguinte, que haja uma ligação permanente, ou um elo
de comunicação constante entre fornecedores/consumidores para que esses últimos
possam efetivamente ter acesso às informações sobre os produtos e serviços. Cabe
igual responsabilidade aos órgãos públicos de proteção e defesa dos consumidores
bem como às entidades privadas, no sentido de promoverem debates, simpósios
sobre os direitos dos consumidores, pesquisas de mercado, edição de livretos e
cartilhas, enfim, tudo que esteja à sua disposição para bem informar o público
consumidor.
Referido trabalho educativo não tem apenas a finalidade de alertar os
consumidores com relação a eventuais perigos representados à sua saúde, por
exemplo, na aquisição de alimentos com certas características que podem indicar sua
deterioração, mas também para que se garanta ao consumidor liberdade de escolha e
a almejada igualdade de contratação, informando-o previamente das condições
contratuais, e para que ele não seja surpreendido posteriormente com alguma cláusula
potestativa ou abusiva.
[4] INFORMAÇÃO SOBRE PRODUTOS E SERVIÇOS
Em verdade, aqui se trata de um detalhamento do inc. II do art. 6º ora
comentado, pois que se fala expressamente sobre especificações corretas de
quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos
que apresentem, obrigação específica dos fornecedores de produtos e serviços.
Trata-se, repita-se, do dever de informar bem o público consumidor sobre todas
as características importantes de produtos e serviços, para que aquele possa adquirir
produtos, ou contratar serviços, sabendo exatamente o que poderá esperar deles.
[5] PUBLICIADE ENGANOSA E ABUSIVA, PRÁTICAS COMERCIAIS
CONDENÁVEIS
Tal proteção é conferida ao consumidor a partir do art. 30 do Código, quando
trata a oferta como um dos aspectos mais relevantes do mercado de consumo,
atribuindo-lhe o caráter vinculativo, ou seja, tudo que se diga a respeito a um
determinado produto ou serviço deverá corresponder exatamente à expectativa
despertada no público consumidor, com as conseqüências elencadas na Seção II do
Capítulo V (Das Práticas Comerciais ).
A publicidade, tratada especificamente como espécie de oferta, é tratada em
seção autônoma, dada sua evidente importância no mercado consumidor, definindo-se
a modalidade enganosa e a abusiva, igualmente suscetíveis de conseqüências
bastante severas quer no âmbito civil como no administrativo ("contrapropaganda" -
art. 56, inc. XII).
[6] CLÁUSULAS CONTRATUAIS ABUSIVAS
Aqui se cuida, em Capítulo especial, de nº VI (Da Proteção Contratual), e
expressamente, de amparar o consumidor frente aos contratos, e ainda mais
particularmente aos chamados "contratos de adesão", reproduzidos aos milhões,
como no caso das obrigações bancárias, por exemplo, e que podem surpreender
aquele com cláusulas iníquas e abusivas, dando-se então preponderância à questão
de informação prévia sobre o conteúdo de tais cláusulas, fulminando-se, outrossim, de
nulidade, as cláusulas abusivas, elencando o art. 51, dentre outras que possam
ocorrer, as mais comuns no mercado de consumo.
Além da informação que o contratante-fornecedor deve prestar ao consumidor-
contratante potencial (art. 46), prevê-se claramente a interpretação mais favorável ao
consumidor, na hipótese de cláusula obscura ou com vários sentidos (art. 47).
Trata ainda o Código dos pré-contratos, que passam a vincular as vontades
(art. 48), afastando-se de vez a tormentosa questão suscitada nos tribunais, por
13
exemplo, no caso dos compromissos de compra e venda de imóveis inscritos ou não
inscritos, para fins de outorga compulsória da escritura definitiva.
Outra questão bem suscitada no art. 49 diz respeito à possibilidade de
desistência de certa compra feita em locais que não os de vendas ou prestação de
serviços, mas no domicílio do consumidor, ou em seu local de trabalho. Neste caso, o
consumidor poderá desistir do negócio no prazo de sete dias. Deve ficar, todavia, bem
claro que nesse caso se visa a obstar as chamadas “vendas sob pressão”, em que
sobretudo a dona-de-casa, atarefada em seus afazeres domésticos, é bombardeada
com propostas de vendedores de porta a porta, ou então por telefone, tendo nenhum
tempo disponível para discutir até a necessidade da aquisição de determinados
produtos ou a contratação de certos serviços, valendo-se exatamente de tais apuros
os espertos vendedores para empurrar aos consumidores desavisados toda a espécie
de produtos e serviços, muitos deles de qualidade duvidosa.
A garantia (art. 50) outorgada por fabricantes finalmente foi disciplinada e
erigida à categoria de cláusula contratual e complementar à legal, e somente conferida
mediante termo escrito, e que conterá os requisitos elencados no parágrafo único do
art. 50.
Fica ainda definitivamente consagrada entre nós a cláusula rebus sic stantibus,
implícita em qualquer contrato, sobretudo nos que impuserem ao consumidor
obrigações iníquas ou excessivamente onerosas.
[7 e 8] PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DE DANOS INDIVIDUAIS E
COLETIVOS E ACESSO À JUSTIÇA
O Título III do Código cuida da Defesa do Consumidor em Juízo, abrindo-lhe a
oportunidade de fazer valer seus interesses, sobretudo de natureza coletiva, e
mediante a ação de órgãos e entidades com legitimidade processual para tanto, sem
prejuízo dos pleitos de cunho nitidamente individuais.
Quando se fala em prevenção de danos, fala-se certamente, em primeiro lugar,
sobre as atitudes que as próprias empresas fornecedoras de produtos e serviços
devem ter para que não venham a ocorrer danos ao consumidor ou a terceiros.
Nesse ponto, merece especial destaque o procedimento conhecido por recall,
que vem a ser aquele pelo qual o próprio fabricante de produtos de consumo duráveis
conclama seus consumidores a comparecerem geralmente às agências
concessionárias, de molde a trocarem peças defeituosas. E o que se tem observado é
que tem sido cada vez maior sua prática entre os fornecedores desses bens,
notadamente de veículos, mas também de aparelhos eletrodomésticos.
Ao Poder Público, entretanto, cabe enorme responsabilidade, ainda no aspecto
da prevenção, tratando o Código do Consumidor, a partir do art. 55, de aspectos
administrativos da defesa do consumidor.
Repressivamente, no entanto, estão as sanções administrativas, bem como as
infrações penais, cuidadas cada qual em passos específicos destes comentários ao
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, a indicar que os fornecedores devem
envidar esforços no sentido de que isso não seja necessário.
No âmbito da reparação, o que o Código se prontifica a fazer é dotar o
consumidor, sobretudo organizado, de instrumentos processuais dos mais modernos e
eficazes, para que se dê a prevenção de danos, como já atrás assinalado, bem como
sua reparação.
E, nesse sentido, além de pleitos individuais, merecem destaque as ações
coletivas, de modo geral, que visam à tutela dos chamados “interesses difusos” dos
consumidores, “interesses coletivos” propriamente ditos e “individuais homogêneos de
origem comum”.
[9] A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
A inversão do ônus da prova, a critério do juiz, é outra norma de natureza
processual civil com o fito de, em virtude do princípio do reconhecimento da
14
vulnerabilidade do consumidor, procurar equilibrar a posição das partes, atendendo
aos critérios da existência da verossimilhança do alegado pelo consumidor, ou sendo
este hipossuficiente. Ocorrendo a hipótese da hipossuficiência do lesado, a análise da
plausibilidade da alegação do consumidor deve ser feita com menos rigor pelo
magistrado.
O ônus da prova no Código de Processo Civil, como regra geral, vem
encartado no artigo 333, que o impõe "ao autor quanto ao fato constitutivo de seu
direito" e "ao réu, quanto a existência de fato impeditivo, modifica extintivo do direito
do autor" de acordo com o Código do Consumidor, entretanto, desde que o juiz
utilizando-se das máximas de experiência, entenda como verossímeis as afirmações
do consumidor, poderá inverter o ônus da prova.
Esta inversão significa que caberá ao réu (fornecedor) produzir o conjunto
tenha apresentado provas acerca de suas alegações. Entretanto, a inversão do ônus
da prova independe da posição, ativa ou passiva, do consumidor.
No entanto, não está a critério do juiz a modificação do ônus da prova, quando
tratar-se da aferição de veracidade e correção da informação publicitária, que
incumbe, obrigatoriamente a seu patrocinador, nos termos cogentes do artigo 38.
Isto significa que havendo dúvida quanto a veracidade e correção da
informação ou comunicação publicitária, caberá sempre ao patrocinador de tal
informação a comprovação de sua correspondência com a verdade,
independentemente da análise do juiz quanto a verossimilhança do alegado pelo
consumidor ou quanto a sua hipossuficiência (ver comentários ao artigo 38).
Admite, contudo, o Código de Processo Civil, que se convencione a obrigação
de provar diferentemente da regra geral, desde que não recaia sobre direito
indisponível da parte, nem torne excessivamente difícil a uma parte o exercício do
direito (Código de Processo Civil, artigo 33, parágrafo único, 11). Dispõe, porém, o
artigo 51, VI, que é nula de pleno direito a cláusula contratual que estabeleça a
inversão do ônus da prova em detrimento do consumidor; estabelecendo tal norma
nulidade que independe do fato de tornar ou não, tal inversão, "excessivamente difícil"
o exercício do direito por parte do consumidor.
Suponha-se que um automóvel, com grave defeito de fabricação das rodas de
liga leve, cuja fabricação tem que obedecer a rígidos requisitos ditados pelo
CONTRAN, venha a capotar e causar sérios danos pessoais ao usuário, além de
outros, materiais, exatamente em decorrência da fratura de uma delas.
O primeiro aspecto a analisar é a questão individual daquele
adquirente/consumidor/usuário do veículo e, no caso, ainda vige em sua plenitude, até
passar a vigorar o Código sob exame, o teor do art. 159 do Código Civil, segundo o
qual a responsabilidade decorre do fato, aliado ao elemento subjetivo consistente em
dolo em determinada ação ou omissão, ou então culpa (negligência, imprudência ou
imperícia).
Dessa forma, a vítima tem que provar, além do dano, do nexo causal entre
esse e a atitude do fabricante/montador do carro, sua culpa, no caso, por presunção
de não ter tido o cuidado suficiente de escolher (in eligendo) adequadamente a roda
que ia colocar no veículo, ou então para não tê-la submetido a rigoroso controle de
qualidade, já que se trata de item de se segurança, tudo para eventualmente fazer jus
o consumidor a uma indenização.
Já com a inversão do ônus da prova, aliada à chamada "culpa objetiva", não há
necessidade de provar-se dolo ou culpa, valendo dizer que o simples fato de se
colocar no mercado um veículo naquelas condições que acarrete, ou possa acarretar
danos, já enseja uma indenização, ou procedimento cautelar para evitar os referidos
danos, tudo independentemente de se indagar de quem foi a negligência ou imperícia.
É evidente, entretanto, que não será em qualquer caso que tal se dará,
advertindo o mencionado dispositivo, como se verifica de seu teor, que isso
dependerá, a critério do juiz, da verossimilhança da alegação da vítima e segundo as
regras ordinárias de experiência.
15
[10] PARTICIPAÇÃO DOS CONSUMIDORES NA FORMULAÇÃO DE
POLÍTICAS QUE OS AFETEM (vetado)
Vejam-se as razões do veto oposto a tal dispositivo (inc. IX do art. 60): "O
dispositivo contraria o princípio da democracia representativa ao assegurar, de forma
ampla, o direito de participação na formulação das políticas que afetam diretamente o
consumidor; o exercício do poder pelo povo faz-se por intermédio de representantes
legitimamente eleitos, excetuadas as situações previstas expressamente na
Constituição (CF, art. 14, I), acentue-se que o próprio exercício da iniciativa popular no
processo legislativo está submetido a condições estritas (CF, art. 61, § 20)."
Segundo José Geraldo Brito Filomeno, uma vez mais se verifica que o autor do
mencionado veto sequer se deu ao trabalho de analisar o todo, e, o que é pior, a
resolução da ONU de onde referido direito foi tirado quase que literalmente, como já
enunciado.
Em absoluto, ao contrário do que apregoa o veto, se pretendeu conferir a
organizações de consumidores a prerrogativa legiferante, ou de simples iniciativa do
processo legislativo.
O que se pretendeu, isto sim, foi dar oportunidade àquelas organizações de
serem ouvidas, sempre que estiverem em discussão projetos de 1ei que digam
respeito aos direitos dos consumidores.
O próprio Código do Consumidor foi elaborado por comissão designada no seio
do extinto Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, que congregava considerável
parcela da opinião pública e de setores diretamente envolvidos com a temática da
defesa ou proteção do consumidor (Confederações do Comércio, Indústria,
Agricultura, Ministério Público, OAB, Ministérios da Fazenda, Indústria e Comércio, da
Saúde, PROCONs etc.), setores tais que não se fecharam nos gabinetes apenas para
tal elaboração, mas que também promoveram audiências públicas, consultas,
simpósios etc., os quais muito enriqueceram o anteprojeto original.
Vê-se, pois, que o obtuso veto pura e simplesmente ignorou a realidade de tais
fatos, veto esse, entretanto, totalmente inócuo, porquanto no lugar do extinto Conselho
Nacional de Defesa do Consumidor foi criado o Departamento Nacional de Defesa do
Consumidor da Secretaria Nacional de Direito Econômico do Ministério da Justiça, o
qual certamente fará as indagações que entender convenientes sempre que houver
projetos de interesse dos consumidores.
[11] PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS
O Poder Público, enquanto produtor de bens ou prestador de serviços,
remunerados não mediante a atividade tributária em geral (impostos, taxas e
contribuições de melhoria) mas por tarifas ou "preço público", se sujeitará às normas
ora estatuídas, em todos os sentidos e aspectos versados pelos dispositivos do novo
Código do Consumidor, sendo, aliás, categórico o seu art. 22.
"A prestação de serviço público está sujeita a cinco princípios: o da
continuidade do serviço público (o serviço público não pode ser paralisado), o da
generalidade (serviço igual para todos), o da eficiência (serviço atualizado), o da
modicidade (tarifas razoáveis) e uniformidade (tarifas uniformes para cada serviço).
Esses cinco princípios comandam a prestação de todo e qualquer serviço
público. Daí, sem dúvida, terem os administrados (que são os consumidores) direito à
prestação do serviço público, não só eficaz, como quer a disposição, mas, também,
atendendo aos demais requisitos.
Diz Hely Lopes Meirelles que “os direitos do usuário são hoje reconhecidos em
qualquer serviço público ou de utilidade pública, como fundamento para a exigibilidade
de sua prestação nas condições regulamentares e em igualdade com os demais
utentes. São direitos cívicos, de conteúdo positivo consistente no poder de exigir da
Administração ou de seu delegado o serviço a que um ou outro se obrigou a prestar
individualmente aos usuários" {cf. Direito administrativo brasileiro, 15. ed., p. 294-5).
16
Acresça-se que o art. 175 da Constituição Federal impõe que a lei (federal,
estadual ou municipal) disponha sobre os direitos do usuário (inc. 11) e a obrigação de
manter serviço adequado (inc. IV).
4 – FONTES DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR:
Art. 7º - Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de
tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação
interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas
competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia,
costumes e equidade. [I] [2]
Parágrafo único - Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão
solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. [3]
O que se procurou fazer, até pela amplitude do tema, foi a sistematização dos
direitos dos consumidores, com a conservação dos institutos do Direito Civil,
Comercial e Penal, além de normas do Direito Administrativo espalhadas por inúmeros
diplomas legais, e, ao mesmo tempo, com a modificação de outros que no entender da
comissão elaboradora do anteprojeto e dada a larga experiência prática de seus
membros já não mais atendiam às exigências dos consumidores.
Os direitos básicos dos consumidores, com especial e evidente destaque para
os anteriormente citados, deverão servir como diretiva inquestionável do Direito
comunitário, particularmente no que tange ao denominado Subcomitê Mercosul nº 7,
que cuida precisamente das normas de proteção ao consumidor.
E, sempre que houver choque entre uma norma comunitária e uma norma do
Direito Interno de cada país-membro, deve-se optar pela norma mais restritiva, se a
questão envolve aqueles valores sintetizados nos direitos básicos dos consumidores.
Aliás, conforme a Resolução GMC nº 126/94, chamada de regra de destino,
valerão as normas internas de cada país-membro do Mercosul no que tange aos
produtos importados entre si, até que sobrevenha a homogeneização das normas de
proteção e defesa do consumidor.
5 - REGULAMENTAÇÃO DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR
O Decreto nº 861, de 9 de Julho de 1993, conhecido por "regulamento do
Código do Consumidor", e seu sucessor, o Decreto n.º 2.181, de 20 de março de
1997, optaram claramente pela transformação dos órgãos de proteção ao consumidor
(i.e. , PROCONs, PRODECONs, CEDECONs etc.) em "polícia administrativa das
relações de consumo".
Apesar de doutrinadores de renome terem alertado para os riscos de mais esse
ônus, já que sua missão precípua é de orientar, educar, encaminhar denúncias e, mais
recentemente, até ajuizar ações coletivas protetivas do consumidor.
A chamada "polícia administrativa", como se sabe, é bem-definida pelo art. 78
do Código Tributário Nacional, já é exercida pelos órgãos competentes, tais como os
de vigilância sanitária sobre alimentos, medicamentos, produtos domissanitários,
cosméticos. Outros órgãos ainda fiscalizam a comercialização de produtos e prestação
de serviços e seguros ou artigos financeiros, como, por exemplo, a SUSEP e o Banco
Central.
Desta forma, o que o art. 55 do Código do Consumidor dispôs, na verdade, foi
apenas sobre uma espécie de alerta ou sinalização àqueles mesmos órgãos de polícia
administrativa propriamente dita.
Com a extinção da SUNAB, as atribuições de fiscalização sobre
comercialização e preços passaram a ser de responsabilidade dos PROCONs ou
CEDECONs.
17
6 - SOLIDARIEDADE EM FACE DOS DANOS INFLIGIDOS
Trata-se de um aspecto dos mais relevantes em termos de responsabilidade
civil dos que causarem danos a consumidores ou terceiros não envolvidos em dada
relação de consumo. Como a responsabilidade é objetiva, decorrente da simples
colocação no mercado de determinado produto ou prestação de dado serviço, ao
consumidor é conferido o direito de intentar as medidas contra todos os que estiverem
na cadeia de responsabilidade que propiciou a colocação do mesmo produto no
mercado ou então a prestação do serviço.
Assim, por exemplo, no caso do automóvel com grave defeito de fabricação em
um item de segurança, embora o acidente possa ser causado por uma peça fornecida
ao montador daquele por um outro fabricante, pode o consumidor preferir intentar a
ação competente contra o aludido montador, ou contra o fabricante da peça
defeituosa, ou contra ambos ao mesmo tempo, porquanto ambos concorreram para
que o efeito lesivo se verificasse.
Conforme o parágrafo único do artigo 13, quem indenizar o prejudicado, poderá
exercer o direito de regresso, contra os eventuais co-responsáveis, na medida da sua
participação no evento danoso. Isto significando que aquele que ressarcir a vítima
pelos prejuízos causados pelo evento danoso, poderá exigir dos demais responsáveis,
se houverem, a devolução da quantia desembolsada além da medida de sua
responsabilidade e que também aos outros competia arcar em razão da solidariedade
estabelecida no artigo 7º. Para o direito de regresso de que trata o artigo 13, veda o
Código a denunciação da lide.
7 – Bibliografia
NASCIMENTO, Tupinambá M. C. do. Responsabilidade civil no código do consumidor.
Rio de Janeiro: Ed. Aide, 1991.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de
Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2000.
ALVIN, José Manoel Arruda. Código do Consumidor Comentado. São Paulo: Ed. RT,
1991.
TOSHIO, Mukai. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo: Ed.
Saraiva, 1991.
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CAPÍTULO 2 – FORNECEDOR:
1 – Conceito
2 – Da Aptidão
3 – Finalidade Econômica
4 - Bibliografia
1 – Conceito:
Segundo o dicionarista DE PLÁCIDO E SILVA, fornecedor, derivado do
francês fournir, founisseur, “é todo comerciante ou estabelecimento que abastece, ou
fornece, habitualmente uma casa ou um estabelecimento dos gêneros e mercadorias
a seu consumo”. Trata-se do protagonista das “relações de consumo” responsável
pela colocação de produtos e serviços à disposição do consumidor.
Nesse sentido, por conseguinte, é que são considerados todos quantos
propiciem a oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, de maneira a
atender às necessidades dos consumidores, sendo descipiendo indagar-se a que
título, sendo relevante, isto sim, a distinção que se deve fazer entre as várias espécies
de fornecedor nos casos de responsabilização por danos causados aos
consumidores, ou então para que os próprios fornecedores atuem na via regressiva e
em cadeia da mesma responsabilização, visto que vital a solidariedade para a
obtenção efetiva de proteção que se visa oferecer aos mesmos consumidores.
Tem-se, assim, que fornecedor é qualquer pessoa física, ou seja, qualquer
um que, a título singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de
forma habitual, ofereça no mercado produtos ou serviços, e a jurídica, da mesma
forma, mas em associação mercantil ou civil e de forma habitual.
Assim, fornecedor, como parte integrante da relação intersubjetiva, é o que
se situa no pólo passivo da referida relação. Tal qual o consumidor, faz parte da
relação jurídica de consumo como sujeito, mas em posição diferenciada e
diametralmente oposta.
2 – Da Aptidão:
Inicialmente, é de se acentuar que todos têm APTIDÃO de se qualificarem
como fornecedor, ou se adequarem às suas características.
Poderá sê-lo a PESSOA FÍSICA, visto que, desde o nascimento, é sujeito de
direitos e obrigações (arts.
22 e 42 do Código Civil). O menor engraxate, por exemplo,
com menos de 16 anos, é prestador de serviço, se amoldando como fornecedor. Não
importa, para o fato da relação de consumo, a idade. Esta que tem sua influência na
validade dos negócios jurídicos, aqui tem repercussão mínima porque, mesmo nulo o
contrato, realizaram-se seus efeitos no mundo dos fatos.
Admite-se, também, como fornecedor, a PESSOA JURÍDICA, assim
entendida aquela que inscreveu seus contratos, estatutos ou atos constitutivos no
competente registro, adquirindo personalidade jurídica. Fala ainda o art. 3º do CDC
que o fornecedor por ser PÚBLICO ou PRIVADO, entendendo-se no primeiro caso o
próprio Poder Público, por si ou então por suas empresas públicas que desenvolvam
atividade de produção, ou ainda as concessionárias de serviços públicos,
sobrelevando-se salientar nesse aspecto que um dos direitos dos consumidores
expressamente consagrado pelo art. 6º, mas precisamente em seu inc. X, é a
adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
As pessoas jurídicas de direito privado devem ter inscrição no registro
peculiar, visto que as de direito público não se inscrevem. Entretanto, o fato da
pessoa jurídica privada não se inscrever não impede a sua qualificação como
fornecedor. Diz o art. 3º do Código do Consumidor que "fornecedor é toda pessoa
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física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados...".
Fornecedores são, ainda, os denominados ENTES DESPERSONALIZADOS,
assim entendidos os que, embora não dotados de personalidade jurídica, quer no
âmbito mercantil, quer no civil, exercem atividades produtivas de bens e serviços,
como, por exemplo, a gigantesca Itaipu Binacional, em verdade um consórcio entre os
governos brasileiro e paraguaio para a produção de energia hidrelética, e que tem
regime jurídico sui generis.
Na área privada, os “entes despersonalizados” são, em princípio, as
sociedades de fato e as sociedades irregulares. Aquelas porque lhes faltam os atos
de constituição formais, nascendo ela da vontade dos integrantes manifestada oral, ou
tacitamente. As sociedades irregulares têm seus atos de constituição; porém, não
estão inscritas no registro competente, como determinado em lei. Como
conseqüência, não têm qualquer uma delas personalidade jurídica.
Segundo Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, no seu livro
“Responsabilidade Civil no Código do Consumidor”, há outros “entes
despersonalizados” na área privada que podem ser fornecedores. Em caso de
falência, ente despersonalizado, que a representa, é a massa falida. O condomínio,
existente no edifício de apartamentos, também não tem personalidade jurídica. Tanto
um como outro, embora excepcionalmente, se estruturam, em determinada hipótese,
como fornecedores. Hipótese também admissível, embora menos incomum, é a do
espólio em representação à herança. Nas três situações, pode haver a relação de
consumo, aparecendo a massa falida, o condomínio ou o espólio como fornecedores,
prestando determinado serviço ou exercendo determinada atividade, inclusive de
comercialização de produto.
Diversamente entendem Ada Grinover, Antônio Benjamin, Daniel Fink, José
Filomeno, Kazuo Watanabe, Nelson Nery e Zelmo Denari, na obra “Código Brasileiro
de Defesa do Consumidor”, pois, segundo estes, certas universalidades de direito ou
mesmo de fato, como, por exemplo, associações desportivas ou condomínios não
poderiam ser consideradas como fornecedores de serviços, com relação aos
associados ou então aos condôminos (i.e., propiciamento de lazer, esportes, bailes,
ou então serviços em geral de manutenção das áreas comuns).
E isto porque, quer no que diz respeito às entidades associativas, quer no
que concerne aos condomínios em edificações, seu fim ou objetivo social é deliberado
pelos próprios interessados, em última análise, sejam representados ou não por
intermédio de conselhos deliberativos, ou então mediante participação direta em
assembléias gerais que, como se sabe, são os órgãos deliberativos soberanos nas
chamadas “sociedades contingentes”. Decorre daí, por conseguinte, que quem
delibera sobre seus destinos são os próprios interessados, não se podendo dizer que
eventuais serviços prestados pelos seus empregados, funcionários ou diretores,
síndico e demais dirigentes comunitários, sejam enquadráveis no rótulo
“fornecedores”, conforme a nomenclatura do Código de Defesa do Consumidor.
E, ainda, na área do direito público é possível a existência destes entes
despersonalizados. A eles faz referência o Código do Consumidor no art. 82, III, ao
falar em "órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem
personalidade jurídica. Qualquer dos entes despersonalizados tem aptidão para se
configurar como fornecedor.
O mesmo dispositivo ainda abrange tanto os fornecedores NACIONAIS como
os ESTRANGEIROS que exportem produtos ou serviços para o País, arcando com a
responsabilidade por eventuais danos ou reparos o importador que posteriormente
poderá regredir contra os fornecedores exportadores (vide, por exemplo, o disposto
no art. 12). O estrangeiro aqui residente também pode se qualificar como fornecedor
(art. 52, XIII, da Constituição). Excepcionalmente, o que estiver em passagem
também pode ser. Basta que, como exemplo, preste serviço remunerado para,
autonomamente, como consertar um carro, ou faça a venda de qualquer produto,
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nacional ou estrangeiro. A alegação de que estaria impedido de prestar serviço ou
comercializar no Brasil não produz eco na lei. Com efeito, não seria lógico que se
negasse proteção a um consumidor pelo fato do fornecedor estar descumprindo a lei.
Esta situação do fornecedor ter atividade em nosso território sendo estrangeiro aqui
não-residente é muito comum nas fronteiras. A realidade social nem sempre está em
harmonia com normas jurídicas feitas em gabinetes.
3 – Finalidade Econômica:
No conceito de fornecedor, devem se somar a aptidão para sê-lo e a
finalidade econômica ou, em outras palavras, a atividade exercida. A aptidão foi
examinada até agora. Importa estudar a atividade prestada.
Ingressam na categoria de fornecedor os que desenvolvem atividades
empresariais de produzir, montar, construir, transformar, importar, exportar e
comercializar, ou prestar serviços (art. 3º do Código de Proteção). O art. 12 do mesmo
diploma legal especifica o elenco, repetindo algumas atividades e acrescentando
outras: projetar, fabricar, formular, manipular, apresentar ou acondicionar produtos.
Como se vê, o conceito alcança, como fornecedor, todo aquele que prestou
atividade nas diversas etapas da industrialização, inclusive a comercialização e que
ao colocarem produtos ou prestarem serviços efetivamente no mercado, respondem,
ipso facto, por eventual danos causados aos destinatários, ou seja, pelo fato do
produto.
Os defeitos constatados podem ser da seguinte ordem:
i) vícios ocorridos na fase de fabricação afetando exemplares numa série de
produtos;
ii) vícios ocorridos na concepção técnica do produto, afetando toda uma série
de produção;
iii) vícios nas informações e instruções que acompanham o produto.
Em síntese, podemos, assim, definir como fornecedor aquele que presta uma
atividade ou se dedique à prestação de serviços que se inclua, direta ou
indiretamente, em uma relação de consumo.
As atividades arroladas, na sua quase totalidade, se explicam e se definem
por si próprias.
O que é produzir, montar, criar, transformar, etc.?
Embora atividades cheias de aspectos técnicos, dispensa maiores
explicações para compreensão do dado empresarial que faz ingressar alguém na
categoria de fornecedor.
Mas, à clareza do conceito, deve se explicitar a palavra
COMERCIALIZAÇÃO. Esta atividade merece ser esclarecida.
Induvidosamente,
MERCIALIZAR, é ato que importa vender, comprar, etc.
Nesta visão, a palavra tem o sentido de negociar, fazer negócio, contratar. Engloba,
assim, o ato de transmissão da titularidade dominial, alienar, permutar, etc. - mas
também outros atos que não envolvem a transferência de domínio, como a locação de
móveis e imóveis, de roupas usadas, etc., mas onde há o dado específico da
negociabilidade e da disponibilidade em sua compreensão mais genérica.
Comercializar, por isso, é ato praticado por comerciante, negociante ou qualquer outra
pessoa, que importa em ato de disposição.
Indaga-se: Bastaria o ato negocial para caracterizar a atividade que ingressa
na relação de consumo? Ou deve ser ato de comércio, praticado como comerciante,
exigíveis a prática habitual, a profissionalização e a mercancia?
A indagação é deveras relevante.
Alguém que figura como consumidor, adequado aos termos definidores da
lei, ainda é insuficiente para caracterizar a relação jurídica como de consumo; se faz
mister que o outro lado se configure, juridicamente como fornecedor. A relação de
consumo é, em sua estrutura, uma relação entre pessoas, havendo a bipolaridade.
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Ela só se declara e se define se os seus dois pólos estiverem adequados aos
conceitos da lei. Daí a relevância da indagação quanto ao conteúdo que se possa dar
à atividade de comercialização referida no Código do Consumidor.
Comercialização se origina de comércio e este não tem um único sentido,
como explicita DE PLÁCIDO E SILVA: "Aplica-se em sentido genérico, para significar
toda reciprocidade de relações ou de troca em qualquer sentido. Mas, tecnicamente,
possui um sentido econômico e um sentido jurídico. Economicamente, é indicado
como um ramo da indústria, mostrando-se o fator dominante na circulação das
riquezas, desde que ele se afetem, a incumbência de receber do produtor as riquezas
produzidas, encaminhando-as ao consumidor. Tem assim sentido mais amplo que o
jurídico. Juridicamente, significa ou compreende a soma de atos executados com
intenção de cumprir a mediação, característica de sua finalidade, entre o produtor e o
consumidor, atos estes que devem ser praticados habitualmente, com o fito de lucro".
Assim, em que sentido - o genérico, o econômico e o jurídico - usou o
legislador infraconstitucional ao definir o fornecedor?
Pensamos que o socorro ao direito privado é insuficiente.
O art. 2º da Lei do Consumidor de Portugal é explícito: "Para os efeitos da
presente lei, considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens ou
serviços destinados ao seu uso privado, por pessoa singular ou coletiva que exerça,
com caráter profissional uma atividade econômica". A tentativa de se integrar na
comercialização da lei brasileira os termos propostos pela lei portuguesa esbarra na
idéia de que as realidades sócio-econômicas dos dois países não se igualam.
Entendemos que o que o legislador brasileiro pretendeu dizer com comercialização
fica em plano secundário a partir do instante em que, qualquer que seja a
interpretação, ela deve estar conforme com a regra constitucional. Assim, entender
que comercialização exige, necessariamente, um ato de comércio - atividade
profissional com fito de lucros - é o mesmo que dizer que um tipo de consumidor,
quando quem transfere o produto não exerce mercancia, não tem proteção ou defesa
na Lei do Consumidor. E isto viola as normas constitucionais dos arts. 52, XXXII, e
48, respectivamente da Constituição de 1988 e de seu Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, porque, no regramento magno, todo consumidor deve ser
regido pelo Código de Defesa. A interpretação que Tupinambá Miguel Castro do
Nascimento dá à comercialização é a de conteúdo genérico, até admitida pelo Código
Civil. É a simples negociação, que tenha por objeto um produto ou um serviço,
adquirido ou utilizado por um consumidor. O art. 69 do Código Civil de 1916, quando
tratava das "coisas fora do comércio", pensa na comercialização como simples
negócio jurídico, sem o acréscimo da mercancia habitual.
Comercializar, neste sentido, é praticar um ato jurídico de transmissão de
uso, com ou sem alteração da propriedade. Esta compreensão está em consonância
com o texto constitucional, alcançando e tutelando todos consumidores. Comercializar
é dispor.
Todavia este não é o entendimento absoluto.
Rizzatto Nunes, Ed. Saraiva, destaca ser possível que a relação de venda de
um produto, ainda que feita por um comerciante, não implique estar-se diante de uma
relação de consumo regulada pelo CDC. Por exemplo, se uma loja de roupas vende
seu computador usado para poder adquirir um novo, ainda que se possa descobrir no
comprador um "destinatário final", não se tem relação de consumo, porque essa loja
não é considerada fornecedora. A simples venda de ativos sem caráter de atividade
regular ou eventual não transforma a relação jurídica em relação jurídica de consumo.
Será um ato-jurídico regulado pela legislação comum civil ou comercial. O mesmo se
dá quando a pessoa física vende seu automóvel usado. Independentemente de quem
o adquira, não se pode falar em relação de consumo, pois falta a figura do fornecedor.
No exemplo a situação é daquelas reguladas pelo direito comum civil, inclusive quanto
a garantias, vícios etc. É por isso que a definição da relação de consumo é
fundamental para se descobrir se é aplicável ou não o CDC.
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Agora, é evidente que, conforme dissemos, basta que a venda tenha como
base a atividade regular ou eventual para que surja a relação de consumo. Usando os
mesmos exemplos, define-se como relação de consumo a venda do computador pela
loja de roupas, se tal estabelecimento imprime uma regularidade a esse tipo de
venda, visando a obtenção de lucro. Da mesma maneira, haverá relação de consumo
se a pessoa física compra automóveis para revender, fazendo disso uma atividade
regular. Claro que, em casos assim, em eventual discussão judicial provocada pelo
consumidor, haverá problemas de prova da atividade regular (ou eventual). Mas essa
é uma questão processual, que não desfigura a definição do direito material ora
tratado.
Ressalte-se, outrossim, ingressando em outro aspecto acerca do fornecedor,
a ocorrência do que se poderia denominar de RELAÇÃO DE CONSUMO
COMPLEXA. Um produto, por exemplo, é projetado e criado por uma empresa,
fabricado por outra, distribuído por uma terceira e comercializado por uma quarta.
Todas as empresas são autônomas, Juridicamente independentes entre si. O produto,
porém, é defeituoso ou viciado.
Quem seria, para fins de responsabilidade, o fornecedor em relação ao
consumidor?
No conceito da legal todas as empresas são fornecedoras frente ao
destinatário final. É o que se pode denominar, pela pluralidade de fornecedores,
embora em etapas de produção e circulação diferentes, de relação de consumo
complexa. O fenômeno legal se explica pela força atrativa da relação mantida com
comerciante, fazendo com que todos os demais fornecedores das etapas anteriores
sejam atraídos pela relação jurídica final, passando todos a se obrigarem diante do
consumidor.É uma relação jurídica englobante. No exemplo dado, se distinguem duas
espécies diferentes de fornecedores:
O fornecedor imediato: o que comercializou diretamente com o consumidor, e
Os fornecedores mediatos: os que se situam nas outras etapas entre a inicial
e a da entrega ao comerciante.
Este critério de imediatez/mediatez não é simplesmente classificatório, ou
didático. Ao contrário, tem sentido prático e efeito jurídico relevante na área que
estamos examinando, a da responsabilidade civil. As vezes, como se verá mais
adiante os fornecedores mediatos são os responsáveis, com exclusão do imediato, e,
em outras situações, em que a responsabilidade inicial se corporifica no fornecedor
imediato (art. 18,
§ 5 e 19, § 2 , do Código):
§ 5º. No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável
perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente
seu produtor.
§ 2º. O fornecedor imediato será responsável quando fizer a pesagem ou a
medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais.
4 – Bibliografia:
NASCIMENTO, Tupinambá M. C. do. Responsabilidade civil no código do
consumidor. Rio de Janeiro: Ed. aide, 1991.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor
Comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Ed. Forense
Universitária, 2000.
TOSHIO MUKAI... (et. al.) Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São
Paulo: Ed. Saraiva, 1991.
NUNES, Rizzatto, Curso de Direito do Consumidor, São Paulo, Ed, Saraiva.
CAPÍTULO 3 – CONTEXTUALIZANDO O CDC E PRINCÍPIO NO CDC:
1 – O CDC COMO UM MICROSSISTEMA LEGISLATIVO:
O que é um microssistema legislativo?
Por séculos a disciplina jurídica foi monotemática: Código por ramos
jurídicos. Ex.: Direito Penal, Civil.
Hoje ao lado deles existem leis que não obedecem esta severa
divisão temática. Leis que incluem, em um único diploma, várias disciplinas
jurídicas – civil, penal... – São os chamados microssistemas legislativos.
Existem vários outros : ECA, Estatuto do Idoso, Locação...
As referidas leis trazem normas de variados ramos do direito.
Preocupam-se sim com a efetividade.
O CDC é um microssistema jurídico: Sim, pois, reflete de modo
inovador a tendência de legislar tendo como foco problemas – consumo, idoso,
crianças e não as velhas categorias do direito público e privado.
Porém quando se fala em microssistema pode dar a falsa idéia de
algo isolado. Assim não é, os microssistemas tem como de resto qualquer
outra norma – conexão direta com a CF. Existe assim não como categoria a
parte, mas integrando o todo normativo.
2 – NORMAS DE ORDEM PÚBLICA E INTERESSE SOCIAL:
O artigo primeiro estabelece normas de proteção e defesa do
consumidor, de ordem pública e interesse social. O que isto significa?
A expressão significa que estamos diante de normas cogentes. Isto é
que não toleram renúncia. Normas em relação as quais são inválidos eventuais
contratos ou acordos que busquem afastar sua incidência.
De igual modo, o Juiz está autorizado a conhecer das normas do CDC
de ofício.
Assim como ocorre consumidor ocorre com o trabalhador, a lei os tem
como hipossuficientes, como parte fraca da relação e que dependem da
proteção legal e tal de pouco ou nada valeriam se tais normas fossem objeto
de renúncia.
O artigo primeiro informa que ela é de ordem pública e tem interesse
social com isso quis informar que seus dispositivos tem característica
imperativa, não admite ser afastado por disposição particular.
O STJ recentemente friso: “as normas de proteção e defesa do
consumidor tem índole de ordem pública e interesse social, são portando
indisponíveis e inafastáveis, daí impossibilidade de um consumidor delas abrir
mão”.
Ex.: Renúncia ao prazo prescricional
A renúncia antecipada ou não a direitos e garantias insertas no CDC há
de ser tida como não escrita sob pena de esvaziar todo o conteúdo normativo.
3 – AUTONOMIA E HETERONOMIA:
Por muito tempo o direito privado, em especial o direito civil foi sinônimo
de autonomia da vontade, ou autonomia privada, atualmente outros são os
termos do problema.
Está havendo na sociedade contemporânea um decréscimo da
autonomia, a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da
função social do contrato (Art. 421 do CC), mais adiante no art. 2.035 nenhuma
convenção prevalecerá se contrariar preceito de ordem pública.
Reduz-se assim a autonomia da vontade para proteger a parte mais
fraca.
A função social do contrato atenua valor do pacta sunt servanda a
renovação do direito atual, nele compreendido o direito do consumidor, significa
uma nova compreensão da autonomia da vontade.
O conteúdo dos contratos, atualmente, não corresponde apenas a
vontade das partes, presumível ou real. Ele é composto por padrões mínimos
de razoabilidade, que remetem a boa-fé objetiva, ao equilíbrio material entre as
prestações e a vedação ao abuso de direito.
Exemplo: Súmula 302 considera abusiva a cláusula em contratos de
seguro saúde que restringe o tempo de internação.
Não é razoável que se restrinja o tratamento indispensável ao paciente
porque ele não tem controle sobre isso, além do mais direitos fundamentais
não podem ser mutilados contratualmente.
A redução da autonomia, verifica-se um aumento da heteronomia, vista
como o poder de estabelecer regras para os outros. As leis são heterônomas,
verifica-se na sociedade atual uma elevação da heteronomia, seja através de
leis de ordem pública (desejável e necessária), seja através do que poderíamos
chamar de heteronomia privada, que se traduz no poder dos grandes
complexos econômicos de ditar o conteúdo dos contrato para os consumidores
(contrato de adesão)..
4 – O CDC COMO UMA “LEI DE FUNÇÃO SOCIAL”:
“Lei de Função Social”, o que significa tal expressão?
Que tal lei, mercê de sua conexão direta com a CF, não poderia sofrer
derrogações ou ab-rogações provinda de outros diplomas legais em detrimento
ao consumidor, ainda que idêntico grau hierárquico.
Formalmente falando o CDC é uma Lei Ordinária, mas é uma lei de
função social, que se concretiza, no plano da legislação infra constitucional, o
desejo, por assim dizer, da CF.
Alerte-se que o CC não revogou o CDC, devendo ocorrer “um diálogo
das fontes, sempre buscando ampliar a proteção ao consumidor.
5 – FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DO CDC:
O CDC realiza o desejo da CF em proteger o consumidor.
Há três menções explicitas na CF ao consumidor.
No artigo 5, XXXII.
O artigo 170, inciso V
E o artigo 48 das Disposições Constitucionais Transitórias.
A jurisprudência recente reconheceu que a “intervenção do Estado na
ordem econômica, fundada na livre iniciativa, deve observar os princípios do
direito ao consumidor, objeto de tutela jurisdicional especial” REsp 744.602.
Além de menções explícitas existem muitas normas da constituição, que
importam fundamentalmente não só para relações de consumo, mas para
todas a outras: A dignidade da pessoa humana, o valor da livre iniciativa, os
objetivos fundamentais da República: A igualdade substancial, a solidariedade.
Tais princípios são normas jurídicas, para cuja concretização, no
entanto, se faz necessária a medição judicial.
Hoje se aceita, de modo crescente, a aplicação direta dos direitos
fundamentais às relações de direito privado.
O STF, chancelou a tese da aplicação direta dos direitos fundamentais
às relações privadas, também chamada de eficácia horizontal dos direitos
fundamentais – aplicando as garantias constitucionais do devido processo
legal, contraditório e ampla defesa às associações privadas.
Cláudia Lima Marques pondera que hoje a grande metanarrativa do
Direito Civil é “a solidariedade e a realização dos direitos humanos em pleno
direito privado”.
6 – NORMAS PRINCIPIOLÓGICAS:
O CDC tem características que lhe conferem luz própria.
São frequentes no CDC as chamadas normas principiológicas, isto é,
normas que veiculam valores, estabelecem fins a serem alcançados.
Normas de conceito aberto e normas de conteúdo semântico flexível.
Tais normas possibilitam uma alteração do direito
sem que o texto da lei
tenha que necessariamente mudar.
Possibilitam, portanto, uma maior adequação das normas às mudanás
sociais, cada vez mais valores.
Exemplo:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade,
saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da
sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de
consumo, atendidos os seguintes princípios.
a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do
ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for
verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiências. Art. 6, VIII.
O CDC é permeado de normas que estabelecem fins. Ultrapassa com
isso, a técnica de se legislar exclusivamente mediante o binômio
“hipótese/sanção”, “causa/consequência”.
Atualmente, entretanto, sem abandonar as normas acima referidas,
cresce a utilização pelo direito de normas descritivas de valores a serem
protegidos, pela utilização da técnica das cláusulas gerais e de conceitos
jurídicos indeterminados associada a normas descritivas de valores.
6 – VOCAÇÃO DE EXPANSÃO
Normas que tendem a se expandir para outros setores da experiência
jurídica.
Utilização de normas e conceitos do CDC para resolver conflitos não
propriamente de consumo.
Talvez hoje tal expansão se mostre menos importante. Por exemplo: A
boa fé objetiva.
O CDC, por assim dizer, atualizou a ordem jurídica brasileira.
7 – DIÁLOGO DAS FONTES
Em que consiste?
Art. 7º Os direitos previstos neste Código não excluem outros
decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja
signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas
autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos
princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.
O STJ frisou que o artigo 7 do CDC fixa o chamado diálogo das fontes,
segundo o qual, “sempre que uma lei garanta algum direito para o consumidor,
ela poderá se somar ao microssistema do CDC, incorporando-se na tutela
especial e tendo a mesma preferência no trato da relação de consumo”. REsp
1.037.759.
A complexidade das relações de consumo nos dias atuais impõe que
assim seja.
Assim, em relação as fontes legislativas, não existe mais “a fonte”, existe
uma multiplicidade delas, sem que nenhuma ocupe uma posição de absoluta
proeminência, excludente das demais.
8 – IRRELEVÂNCIA DOS ASPECTOS FORMAIS.
É nítida a preocupação do CDC, com a efetividade de suas normas,
jogando para o segundo plano discussões puramente formais.
Ex.: REsp 267530/SP de 14.12.2000: 'A operadora de serviços de
assistência à saúde que presta serviços remunerados à população tem sua
atividade regida pelo Código de Defesa do Consumidor, pouco importando o
nome ou a natureza jurídica que adota'.
A jurisprudência tem se mostrado atenta aos reclamos da efetividade.
É inegável que os reclamos de efetividade permeiam todo o direito atual,
com nítidos reflexos no direito processual.
A tendência é, portanto, fazer prevalecer os elementos funcionais sobre
os estruturais.
É o que poderíamos chamar de pragmatismos inteligente do CDC.
9 – PRINCÍPIOS NO CDC:
A) Vulnerabilidade do Consumidor
A vulnerabilidade do consumidor fundamenta o sistema de consumo. É
em razão dela que foi editado o CDC, que busca fazer retornar o equilíbrio a
essa frequentemente desigual entre consumidor e fornecedor.
É importante, desde logo, distinguir vulnerabilidade de hipossuficiência.
A hipossuficiência deve ser aferida pelo juiz no caso concreto e, se
existente, poderá fundamentar a inversão do ônus da prova.
Já a presunção de vulnerabilidade do consumidor é absoluta. Todo
consumidor é vulnerável, por conceito legal.
A hipossuficiência diz respeito ao direito processual, ao passo que a
vulnerabilidade diz respeito ao direito material.
Assim, nem todo consumidor é hipossuficiente, embora todos
sejam vulneráveis.
B) Transparência
O dever de agir com transparência permeia o CDC.
A política Nacional das Relações de Consumo busca, dentre outros
objetivos, assegurar a transparência nestas relações (art. 4°).
Conduta transparente é conduta não ardilosa, conduta que não esconde,
atrás do aparente, propósitos pouco louváveis.
O CDC, prestigiando a boa-fé, exige a transparência dos atores do
consumo, impondo as partes o dever de lealdade recíproca, a ser concretizada
antes, durante e depois da relação contratual.
O STJ recentemente reconheceu que “o direito a informação, abrigado
expressamente pelo art. 5°, XIV, da Constituição Federal, é uma das formas de
expressão concreta do Principio da Transparência, sendo também corolário do
Principio da Boa-fé Objetiva e do Principio da Confiança, todos abraçados pelo
CDC”.
A transparência veda, entre outras condutas, que o fornecedor se valha
de clausulas dúbias ou contraditórias para excluir direitos do consumidor.
Recentemente a matéria foi sumulada pelo STJ: “O contrato de seguro
por danos pessoais compreende os danos morais, salvo clausula
expressa de exclusão”. (Súmula 402).
Além do mais não podemos esquecer que as cláusulas contratuais serão
interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
C) Informação
A informação é fundamental no sistema de consumo. Informação falha
ou defeituosa gera responsabilidade.
É dever do fornecedor fazer chegar ao consumidor, de forma simples e
acessível, as informações relevantes relativas ao produto ou serviço.
Desse modo, O código de Defesa do Consumidor assegura,
expressamente, ao consumidor o direito a informação correta, clara e precisa
do preço de produtos, inclusive para os casos de pagamento via cartão de
crédito.
Estabelece o CDC que o consumidor tem direito “a informação
adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação
correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem
como sobre os riscos que apresentem” (CDC, art. 6°, III).
Na mesma linha o art. 8° – cuidando dos produtos e serviços colocados
no mercado de consumo – obriga os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar
as informações necessárias e adequadas a seu respeito.
Por exemplo, a discriminação, na fatura de serviços telefônicos,
das ligações além da franquia, quando solicitada pelo consumidor é
atualmente obrigatória. (STJ Resp 103.62.84)
A jurisprudência, concretizando o espírito do CDC, tem entendido
que informação defeituosa faz surgir responsabilidade do fornecedor de
produtos e serviços.
O STJ já decidiu que informação adequada, nos termos do art. 6°, III do
CDC, é aquela que apresenta simultaneidade completa, gratuita e útil, vedada
neste caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de
informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia para o
consumidor.
O STJ consignou ser “abusivo o reajuste de plano de saúde pelo índice
que melhor atende aos interesses do fornecedor, sem que se acorde ou se dê
ao consumidor qualquer informação a respeito do critério adotado.
D) Segurança
Ao fornecedor cabe assegurar que os produtos ou serviços postos no
mercado de consumo sejam seguros, não causem danos, de qualquer espécie,
aos consumidores.
O CDC tem
várias normas a respeito. O art. 6°, tratando-se dos direitos
do consumidor, estabelece a proteção da vida, saúde e segurança contra os
riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços
considerados perigosos ou nocivos.
O art. 8°, a seu turno, consigna: “Os produtos e serviços colocados no
mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos
consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência
de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer
hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito”.
O art. 10 prescreve que o “fornecedor não poderá colocar no mercado
de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau
de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança”.
Se o dano ocorrer, a responsabilidade, dele advinda, será objetiva –
conforme adiante veremos, não necessitando da prova de culpa do fornecedor.
Lembremos a propósito dos serviços públicos que os usuários tem
direito ao serviço adequado, assim entendido aquele que satisfaz as condições
de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,
generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
E) Equilíbrio nas prestações
Trata-se de vetor fundamental, cuja inobservância pode levar a
anulação, seja de um negócio jurídico, seja de clausula ou clausulas
especificas.
O art. 4°, III, alude ao “ equilíbrio nas relações entre consumidores e
fornecedores”.
Serão invalidas as disposições que ponham em desequilíbrio a
equivalência entre as partes.
Se o contrato situa o consumidor em situação inferior, com nítidas
desvantagens, tal contrato poderá ter sua validade judicialmente questionada,
ou, em sendo possível, ter apenas a cláusula que fere o equilíbrio afastada.
Estabelece o CDC serem nulas de pleno direito (art. 51, IV) as clausulas
que estabeleçam obrigações iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor
em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
equidade.
O principio do equilíbrio material entre as prestações, ou principio da
equivalência, apresenta-se como um dos princípios fundamentais do atual
direito contratual.
Aplicável não apenas as relações de consumo, mas as relações
contratuais em geral.
Sempre que houver maltrato ao equilíbrio material ente as prestações,
as clausulas abusivas poderão ser afastadas.
O STJ consignou que a clausula, em contrato de seguro saúde, que
restringe o transplante de órgãos, acarreta desvantagem exagerada ao
segurado e por isso é invalida.
Cabe lembrar, nessa mesma trilha, que o CDC – no art. 6°, V – prevê
como direito básico do consumidor “a modificação das cláusulas contratuais
que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de
fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.
F) Reparação integral
Trata-se de um principio relativo a reparação dos danos causados.
Se o consumidor sofre um dano, a reparação que lhe é devida deve ser
a mais ampla possível, abrangendo, efetivamente, todos os danos causados.
Dentre os direitos básicos do consumidor, consagrados no art. 6°, VI,
está: “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos e difusos”.
Tal disposição quer significar que os danos devem ser reparados de
forma efetiva, isto é, real e integral, de forma a ressarcir ou compensar o
consumidor.
O STJ reconheceu que “são direitos básicos do consumidor a proteção
contra praticas abusivas no fornecimento de serviços e a efetiva prevenção
reparação de danos patrimoniais (CDC, art. 6° IV e VI), sendo vedado ao
fornecedor condicionar o fornecimento de serviço, sem justa causa, a limites
quantitativos, exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva, bem
como elevar, sem justa causa, o preço dos serviços”.
G) Solidariedade
A solidariedade também diz respeito a responsabilidade relativamente
aos danos causados aos consumidores, ou, de modo mais amplo, a
necessidade de responder por quaisquer vícios ou fatos relativos a produtos
ou serviços.
Sendo solidária a responsabilidade dos fornecedores, isso significa que
havendo mais de um causador, os danos deverão ser ressarcidos por todos,
solidariamente, cabendo a vitima escolher contra quem promover a ação de
reparação – se contra um, mais de um, ou contra todos.
Estatui o CDC, no parágrafo único do art. 7°: “Tendo mais de um autor a
ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos
nas normas de consumo”.
Em sentido semelhante dispõe o art. 18 que os “fornecedores de
produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente
pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou
inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim
como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do
recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as
variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a
substituição das partes viciadas”.
É importante notar que no direito brasileiro a solidariedade, em sede de
reparação de danos, é a regra.
As empresas de planos de saúde respondem pelos danos causados por
médicos e hospitais credenciados, conforme tem decidido o STJ.
H) Interpretação mais favorável ao consumidor
Dentre as disposições fundamentais do CDC está aquela que determina
a interpretação mais favorável ao consumidor.
Estatui o art. 47: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de
maneira mais favorável ao consumidor”.
Desse modo, “ a jurisprudência do STJ se orienta no sentido de
proporcionar ao consumidor o tratamento mais moderno e adequado.
A interpretação contra o estipulante está prevista também no Código
Civil, relativamente aos contratos de adesão: “Art. 423 Quando houver no
contrato de adesão clausulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a
interpretação mais favorável ao aderente”.
I) Boa-fé Objetiva
A Boa-fé objetiva é talvez o mais importante principio do direito
contratual contemporâneo.
O que vem a ser boa-fé objetiva?
É o dever, imposto a quem quer que tome parte em relação negocial, de
agir com lealdade e cooperação, abstendo-se de condutas que possam
esvaziar as legitimas expectativas da outra parte.
Recentemente o STJ frisou que “a operadora do plano de saúde está
obrigada ao cumprimento de uma boa-fé qualificada, ou seja, uma boa-fé que
pressupõe os deveres de informação, cooperação e cuidado com o
consumidor/segurado”.
J) Reparação Objetiva
A responsabilidade civil por danos causados a consumidor é objetiva.
Isto é, independe do elemento culpa. Basta que a vitima prove o dano sofrido e
o nexo causal.
Estatui, nessa linha, o art. 14 do CDC: “O fornecedor de serviços
responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos
danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos
serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
fruição e riscos”.
Desse modo, como recentemente constatado pelo STJ, “verificada falha
na prestação do serviço bancário (consistente na compensação de cheque de
acordo com valor errado, grafado em algarismo em vez daquele gravado por
extenso), a instituição financeira responde independente de culpa pelos danos
decorrentes, cumprindo ao consumidor provar, tão somente,
o dano e o nexo
de causalidade”.
O principio, porém, não é absoluto. O art. 14, parágrafo 4°, positiva uma
exceção: “ A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada
mediante a verificação de culpa”.
K) Adimplemento substancial
Embora não explicitamente previsto no CDC, podemos inferir tal
principio da estrutura normativa do Código.
De que se trata?
Da teoria do adimplemento substancial, cuja formulação repele a
resolução do negócio se o adimplemento foi realizado de modo substancial, ou
seja, se a parte inadimplida é mínima em relação ao todo.
Se, digamos, o consumidor pagou dezenove – de um total de vinte
prestações -, não seria razoável que a contraparte pretendesse extinguir o
negócio em razão do inadimplemento da ultima.
Mas conforme a boa-fé objetiva é cobrar, pelas vias ordinárias, a parcela
inadimplida, ao invés de pretender ter de volta o bem alienado, ou se recusar a
prestar o serviço contratado.
Tem sido igualmente afirmado, nas vias jurisprudenciais, que é possível
ao devedor discutir a ilegalidade das clausulas contratuais na própria ação de
busca e apreensão em que a financeira pretende retomar o bem adquirido.
É o entendimento do STJ.
L) “ Venire Contra Factum Proprium”
Também aqui não temos disposição explicita no CDC, embora não seja
difícil entender acolhida tal teoria a luz dos princípios que orientam as relações
de consumo.
Trata-se da proibição do comportamento abrupto, que viola a boa-fé
objetiva, causando espanto e surpresa na outra parte.
Vejamos a hipótese mais freqüente:
Não pode o fornecedor, modificando as expectativas legitimamente
estabelecidas, alterar padrão de comportamento de modo abupto, causando
surpresa e perplexidade. Trata-se de velho conhecido do direito civil, o instituto
do “venire contra factum proprium”.
M) Conservação do contrato
Esse principio diz respeito a continuidade de um contrato em cujas
clausulas se verificam certas invalidades.
O contrato continua válido?
Ou a validade de uma clausula contamina o conjunto?
O CDC estabelece que a nulidade de uma clausula não contamina o
contrato, desde que possível a integração e não decorra ônus excessivo para
qualquer das partes.
É o art. 51, parágrafo 2°: A nulidade de uma cláusula contratual abusiva
não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços
de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”.
De modo semelhante o Código Civil, art. 184, resolve a questão:
“Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico
não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da
obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não
induz a da obrigação principal”.
N) Modificação das prestações desproporcionais
Se as prestações devem ser materialmente equivalentes, daí decorre o
direito subjetivo á modificação das prestações desproporcionais.
O CDC a propósito, tem regra especifica sobre a matéria. Dentre os
direitos básicos do consumidor está a “modificação das clausulas contratuais
que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de
fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.
Cabe esclarecer que para a aplicação do artigo 6, V, do CDC (“a
modificação das clausulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as
tornem excessivamente onerosas”), não é necessário o chamado dolo de
aproveitamento.
Isto é, ainda que o fornecedor não tenha agido de má-fé, a revisão do
contrato é direito do consumidor, e como tal de põe.
O) Equidade
Naturalmente a equidade não é principio exclusivo do sistema de
consumo.
O capitulo relativo as clausulas abusivas, o art. 51 estatui: “são nulas de
pleno direito, entre outras, as clausulas contratuais relativas ao fornecimento de
produtos e serviços que: IV – estabeleçam obrigações consideradas iniquas,
abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja
incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.
Basta, portanto, contrariar a equidade, para que determinada
clausula contratual seja considerada nula.
A jurisprudência, atenta ao espírito da lei, estabeleceu: “São nulas
as clausulas contratuais que impõem ao consumidor a responsabilidade
absoluta por compras realizadas com cartão de crédito furtado até o
momento (data e hora) da comunicação do furto”.
Tais avenças de adesão colocam o consumidor em desvantagem
exagerada e militam contra a boa-fé e a equidade, pois as administradoras
e os vendedores têm o dever de apurar a regularidade no uso dos
cartões.
P) Harmonia nas relações de consumo
O CDC deseja a harmonia nas relações de consumo.
O CDC, ao estabelecer a Política Nacional das Relações de Consumo,
diz que tal política terá por objetivo – dentre outros – assegurar a harmonia das
relações de consumo.
Segundo o art. 4° do CDC, tal política busca assegurar o atendimento
das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e
segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua
qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de
consumo.
A respeito da harmonia nas relações de consumo vale introduzir
aqui uma polemica que há algum tempo vem permeando a jurisprudência.
Diz respeito a possibilidade das empresas fornecedoras de energia
elétrica interromperem o serviço, ante o inadimplemento do consumidor.
O art. 22 estabelece: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas,
concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de
empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes,
seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”
Poderia a empresa, diante do dever de continuidade dos serviços
públicos, proceder ao corte, máxime se comprovado ser o consumidor
pessoa humilde, sem condições para arcar com os custos da energia?
Depois de multa oscilação, a jurisprudência do STJ se firmou no sentido
da possibilidade, aceitando que a empresa, após avisar ao consumidor, realize
o corte face ao inadimplemento.
O corte também não pode ser realizado se os débitos inadimplidos se
referem a usuário anterior do imóvel.
O STJ pacificou o entendimento de que é ilegítimo o corte de
energia elétrica por débitos pretéritos de outro consumidor, devendo a
companhia utilizar os meios ordinários de cobrança para reaver ser
crédito.
Diga-se, por fim, que em qualquer caso “ é ilegítimo o corte
administrativo no fornecimento de energia elétrica ser aviso prévio ao
consumidor inadimplente”.
Q) Acesso a justiça
O CDC busca efetividade.
Estabeleceu o CDC no seu artigo 83: Para a defesa dos direitos e
interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de
ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.
Dentre os instrumentos previstos para a facilitação da defesa dos seus
direitos está – dentre os mais importantes – a inversão do ônus da prova.
Prevê o CDC, em seu art. 6° , VIII, como direito básico do consumidor: “a
facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da
prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a
alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiências”.
O STJ entende que a inversão do ônus da prova não implica impor
a parte contrária a responsabilidade de arcar
com os custos da pericia
solicitada pelo consumidor, mas apenas estabelece que, do ponto de
vista processual, o consumidor não tem o ônus de produzir esta prova.
24
CAPÍTULO 4 – DO PRODUTO, DOS PRESENTES E DOAÇÕES E DO
SERVIÇO:
1 – Elemento Objetivo: Produto ou Serviço
2 – Noção de produto
3 – Classificação de Produto
4 – Presentes e Doações
5 – Noção de Serviço
6 – Serviços públicos
7 – Bibliografia
1 – Elemento Objetivo: Produto ou Serviço
Contrariamente ao que preferiu o legislador ordinário, que adotou a clássica
distinção entre sujeito e objeto, compreendendo-se neste todos bens suscetíveis de
valoração econômica, inclusive a atividade humana, o Código de Defesa do
Consumidor procurou distinguir o objeto da relação de consumo, dividindo-o em duas
grandes categorias: o produto e o serviço. Considerou-se que o exercício da atividade
remunerada é um objeto da relação de consumo distinto do produto. A conduta
desenvolvida pelo fornecedor, como objeto da relação de consumo, é o serviço,
enquanto que os demais bens são produtos. Em dada relação jurídica, para se
concluir se o seu objeto é um produto ou um serviço faz-se necessária a adoção de
método equivalente utilizado para diferenciar a locação de serviços e a empreitada da
locação de coisa.
Em suma, deve-se averiguar qual é o elemento nuclear vínculo obrigacional:
uma obrigação de dar ou uma obrigação de fazer. Tratando-se daquela, a hipótese é
de produto; no outro caso, o objeto é um serviço. Como se poderá observar do estudo
feito mais adiante acerca do serviço, esse critério não é exclusivo pois o serviço pode
ser definido não só por natureza, como também pelo critério legal.
2 – Noção de produto
Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial (art. 3º, § 1º, da
Lei 8.078/90). Por se tratar de definição extremamente abrangente, não se permite ao
intérprete a restrição de seu conteúdo, salvo para diferenciar a atividade da pessoa e o
produto. Essa é, a bem da verdade, a única distinção feita entre os vários objetos de
direito na relação de consumo. Pouco importa se a coisa adquirida é móvel,
semovente ou imóvel, se ela é natural ou industrial, autônoma ou incorporada,
transformada ou não. Qualquer bem adquirido em uma relação de consumo é produto.
A ausência de outra distinção autoriza a conclusão segundo a qual não há
base legal para se adotar a diferenciação econômica entre bem de insumo, bem de
custeio e bem de consumo.Para se considerar um bem como produto basta que a
coisa tenha sido colocada em circulação no mercado de consumo pelo fornecedor.
Portanto, se o bem for colocado em circulação por um sujeito de direito que não se
enquadra na definição legal de fornecedor, como é o caso daquele que não exerce
profissionalmente tal atividade (a de inserção de bens no mercado), não há o que se
falar em produto para os fins de caracterização da relação de consumo.
Não se pode olvidar que a responsabilidade civil do fornecedor por danos
causados ao consumidor encontra-se calcada na objetivação porque o fornecedor
responde independentemente de culpa, salvo previsão legal expressa em sentido
contrário. O homem contemporâneo vive em uma sociedade na qual a atividade do
25
lançamento de produtos e serviços no mercado de consumo não se destina a
beneficiar cada consumidor individualmente considerado, mas a grande massa de
destinatários finais de produtos e serviços. Esse motivo é suficiente para justificar o
abandono da manutenção do sistema tradicional da culpa.
Ora, o cerne da questão da responsabilidade objetiva do fornecedor está na
existência ou não de defeito no produto e no serviço, bem como a natureza do dano
que se verifica em desfavor do consumidor por natureza ou por equiparação. Se o
defeito do produto extrapolar a própria substância do objeto da relação de consumo
causando prejuízo à vida, à saúde, à segurança ou a algum outro direito
extrapatrimonial, cabe a reparação civil por danos morais. Caso contrário, o defeito
ensejará apenas a responsabilidade patrimonial do fornecedor.
3 - Classificações de produto
Várias classificações de produto podem ser extraídas do microssistema legal
de proteção ao consumidor, destacando-se os seguintes critérios: segurança,
nocividade, adequação, propriedade, durabilidade, natureza e substituição de peças.
natureza e substituição de peças.
a) Produto seguro e inseguro
Quanto à segurança, o produto pode ser: seguro ou Inseguro. Produto inseguro
é aquele nocivo à vida, à saúde física ou psíquica ou à segurança do consumidor. O
produto pode ser inseguro por natureza ou em decorrência da atividade humana, O
produto inseguro por natureza é potencialmenie nocivo à vida e aos demais direitos
personalíssimos do consumidor. A atividade humana pode. contudo, tomar nocivo aos
direitos da personalidade do consumidor algum produto que naturalmente não era
perigoso, cuja utilidade a ele dada o tomou potencialmenle danoso. Ao versar sobre a
questão da segurança do consumidor, o legislador relacionou-a com a idéia de defeito
extrínseco pois o produto padece, nessa hipótese, de um vício que acaba por causar
prejuízos que não se limitam aos direitos patrimoniais da vítima, porém ofende a sua
vida ou a sua integridade física ou psíquica. Qualquer coisa lançada pelo fornecedor
no mercado de consumo que não oferece a segurança que dela legitimamente se
pode esperar (conceito jurídico indeterminado a ser deduzido por um juízo de
razoabilidade), ante a sua apresentação a época de sua colocação no mercado, a sua
utilidade e os seus riscos, e um produto defeituoso ofensivo aos interesses
extrapatrimoniais do consumidor (art. 12, § 1º, da Lei 8.078/90).
b)Produto nocivo e inofensivo
Quanto à nocividade, o produto pode ser: perigoso ou nocivo e inofensivo. A
conclusão de que um produto inseguro não significa a inexistência de sua nocividade.
O produto, embora seguro, pode se demonstrar potencialmente nocivo se a segurança
que dele legitimamente se espera não se alcançou, em dado caso concreto. A mesma
sensação de inexistência do perigo, porém, não se dá com o produto inseguro por
natureza. O risco que o consumidor tem de manipulá-lo para qualquer fim é intrínseco
às suas próprias características. Todavia, a periculosidade deve ser aquela previsível
em toda a sua amplitude, por informação adequada anteriormente prestada pelo
fornecedor. Produto normalmente perigoso é aquele que apresenta nocividade
inerente, motivo pelo qual a sua circulação no mercado de consumo e restrita diante
da real previsibilidade do risco que ele representa à vida, à saúde ou à segurança. Se
é produto perigoso por natureza ou por atividade industrial tiver a sua circulação no
mercado de consumo admitida por lei, o fornecedor deverá prestar de forma ostensiva
todas as informações relevantes acercada periculosidade do produto colocado no
merca do de consumo (art. 9º da Lei 8.078/90). Ao assim agir, estará observando o
princípio da boa-fé objetiva, que vigora independentemente da existência de contrato e
decorre do simples exercício da atividade de risco desempenhada pelo agente
econômico no mercado de consumo. A violação do princípio da boa-fé objetiva pela
ausência de informação relevante sobre a periculosidade inerente do produto acarreta
26
a responsabilidade pré-contratual do fornecedor, por ofender os interesses difusos dos
consumidores. Se o fornecedor, porém, somente vier a tomar conhecimento acerca da
nocividade do produto após a sua colocação em mercado, a responsabilidade pré-
contratual será afastada, desde que sejam imediatamente prestadas as informações
relevantes ás autoridades administrativas competentes e aos consumidores, por meio
de publicidade ampla cujos ônus serão suportados apenas pelo fornecedor (art. 10. §§
1º e 2º da Lei 8.078/90).
c) Produto adequado e inadequado
Quanto à adequação, o produto pode ser: adequado e inadequado Produto
adequado é aquele que corresponde ordinariamente às expectativas do seu
destinatário final. A adequação dos produtos e serviços é uma das metas da política
nacional das relações de consumo porque torna-se justo que o adquirente ou mente
final do produto possa obter a satisfação dos seus interesses legítimos. Novamente é
de se aplicar a integração da lei, buscando-se adequar esse standard jurídico,
conforme o princípio da razoabilidade ou do homem médio. Para tanto, o juiz atenderá
à função social da norma jurídica e se valerá dos costumes, da analogia e dos
princípios gerais do direito (arts. 4ºe 5º da Lei de Introdução ao Código Civil). A
adequação do produto e do serviço deve ser tal que ele não provoque danos
patrimoniais nem morais ao consumidor por natureza ou por equiparação. Além disso,
a adequação abrange a noção de finalidade da aquisição ou utilização do produto,
podendo se configurar ofensa ao princípio da boa-fé objetiva o fornecimento de um
produto que não se destine ao fim colimado pelo consumidor porque o fornecedor não
lhe informou suficientemente a sua utilidade. Produto inadequado é, assim, aquele que
não corresponde ordinariamente às expectativas do seu destinatário final. Nesse caso,
o consumidor poderá responsabilizar o fornecedor por danos morais ou patrimoniais,
inserindo-se nessa última categoria a violação da boa-fé objetiva pelo vício de
informação, o que proporciona ao consumidor até mesmo o direito de redibição (Art.
18 da Lei 8.078/90).
d) Produto próprio e impróprio
Na legislação protetiva do consumidor, a expressão impropriedade é empregada
como espécie de inadequação. E, como anteriormente mencionado, todo o produto
deve ser adequado para a finalidade pretendida pelo consumidor, realçando-se a
importância do fornecimento de informações relevantes sobre a utilidade do bem. A
impropriedade é, assim, a inadequação econômica do produto decorrente do vício de
qualidade, de quantidade ou de informação. Quanto à propriedade, o produto pode
ser: próprio e impróprio. Produto impróprio é aquele que se demonstra inadequado
para os fins propugnados pelo seu destinatário final. A impropriedade do produto pode
ser: material ou formal. Impropriedade material, concreta ou substantiva é aquela que
decorre da inadequação real do produto, ensejando o prejuízo patrimonial ao consumi-
dor. São casos de impropriedade material, expressamente previstos no Código de
Defesa do Consumidor:
1. o produto deteriorado, que é o bem cuja qualidade ou
condição pnmitiva foi modificada por causas naturais, podendo ou não acarretar algum
risco à saúde (art.18, § 6º, II):
2.o produto alterado, que é aquele que sofre modificações da
sua qualidade ou condição primitiva, por ação humana (art. 18, § 6º, II);
3. o produto adulterado, que é o bem que sofre uma piora da
sua qualidade por força da ação humana, deixando de se prestar para o fim ao qual se
destinava e colocando em risco a saúde ou a segurança do consumidor (art 18, § 6º,
II);
4. o produto corrompido, que é o bem que sofre uma piora da
sua qualidade por força da ação humana (art. 18. § 6º, 11);
5. o produto avariado, que é o bem que não possui mais a
utilidade desejada para cumprir a sua destinação mercadológica (art. 18, § 6º, II); e
27
6. o produto falsificado, inclusive o fraudado, que decorre da
ação humana para que possa fazer-se passar por outro produto, em qualidade e
quantidade (art. 18, § 6 II,).
Também são considerados materialmente impróprios os produtos nocivos à
vida, à saúde ou à segurança do consumidor, salvo aqueles cuja circulação no
mercado de consumo se toma admitida, hipótese na qual subsiste o dever de o
fornecedor informar acerca da existência dos riscos. Os produtos impróprios por
nocividade à vida, à saúde ou à segurança do consumidor somente acarretarão a
responsabilidade do fornecedor por danos morais quando houver efetivamente o
prejuízo a algum direito personalíssimo. Contudo, a simples ameaça a tais direitos por
impropriedade pode advir de algum vício intrínseco (qualidade, quantidade e
informação) e, nesse caso, a reparação por danos patrimoniais já se toma
perfeitamente admissível.
Impropriedade formal, abstrata ou adjetiva é aquela que advém da não
observância de normas técnicas, sem que seja necessário comprovar que a aquisição
do produto ensejaria um prejuízo patrimonial para o consumidor. As hipóteses de
impropriedade formal expressas na lei de defesa do consumidor são:
1- o produto com prazo de validade vencido (ad. 18, § 6, I); e
2. o produto que se encontra em desacordo com as normas
regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação (art. 18, § 6,II, parte final),
considerando-se prática abusiva a sua inserção no mercado de consumo sem a
observância das normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes. dentre eles a
ABNT — Associação Brasileira de Normas Técnicas e o Conmetro — Conselho
Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (art. 39, VIII, da Lei
8.078/90).
A impropriedade formal dispensa a prova da existência concreta de dano
patrimonial. Parte-se da presunção segundo a qual a simples não observância da
norma acarreta a responsabilidade do fornecedor, que tem a obrigação de se
submeter à alternatividade eleita pelo consumidor (redibição, estimação ou troca), para
fins de reparação do dano que, nesse caso, é meramente abstrato.
e) Produto durável e não durável
Quanto à durabilidade, o produto pode ser: durável e não durável. Produto
durável é aquele cujo consumo não imporia na sua imediata destruição física.
Exemplo: eletrodomésticos, automóvel, computador, móveis. Produto não durável é
aquele cujo consumo acarreta a sua imediata destruição física. Exemplo: gêneros
alimentícios, produtos medicinais. A distinção entre o produto durável ou produto
não durável foi instituída pelo legislador para o especial fim de contagem do prazo
decadencial para reclamação pelo vício do produto. Assim, se o produto estiver
com algum defeito econômico, o consumidor terá o prazo de 30 e de 90 dias,
respectivamente. se o bem for não durável ou durável, para reclamar da existência
do defeito intrínseco (art. 26 da Lei 8.078/90). Justifica-se a diferenciação do prazo
decadencial pela própria natureza do produto, conferindo-se um prazo menor para
que o consumidor proceda a reclamação se o bem não tem durabilidade.
f) Produto in natura e industrial:
Quanto à natureza, o produto pode ser: in natura ou industrial. Produto in
natura é aquele resultante da atividade agrícola, pastoril ou extrativista, sem a
realização de qualquer atividade industrial, exceção feita à purificação. Já produto
industrial é aquele que se submete ao processo de fabricação em uma linha de
produção. A distinção entre o produto in natura e o produto industrial é importante para
os fins de fixação da responsabilidade por danos patrimoniais e morais. Assim, o
fornecedor direto é quem será responsável:
1. por danos morais sofridos pelo consumidor, se não conservou
adequadamente os produtos perecíveis (art. 13, III, da Lei 8.078/90); e
28
2. por danos patrimoniais sofridos pelo consumidor, sc o produtor não for
claramente identificado (art.18, § 5º da Lei 8.078/90).
g) Produto compósito e essencial
Quanto à substituição de peças, o produto pode ser: compósito ou essencial
(não compósito). Produto compósito é aquele resultante do justo posicionamento de
peças e componentes que podem ser substituídos sem que se proporcione a sua
inadequação. Produto essencial ou não compósito é aquele que não pode ter qualquer
de seus componentes retirados ou substituídos, sob pena de comprometer a sua
substância. Os elementos do produto essencial são,
portanto, insuscetíveis de
dissociação. A distinção entre o produto compósito e o produto não compósito é útil
porque o bem que não se sujeita à retirada de qualquer dos seus componentes não
pode ser reparado no caso da existência de vício intrínseco, cabendo ao consumidor,
neste caso, a adoção das outras soluções propugnadas pelo legislador (redibição,
estimação ou troca). No entanto, tratando-se de produto que admite a substituição da
peça defeituosa sem que isso provoque danos maiores à coisa, abre-se o prazo legal
de trinta dias para que o fornecedor proceda à substituição necessária sob pena de o
consumidor poder exercer a opção de redibir, estimar ou trocar o bem.
4 - Presentes e doações
Para aplicação da responsabilidade pré-contratual, contratual e pós-contratual
previstas no Código de Defesa do Consumidor torna-se indispensável uma análise
anterior: a relação jurídica em questão sofre a incidência da Lei 8.078/90? Em outros
termos: primeiramente, o aplicador da norma deve analisar se a relação jurídica em
exame é de consumo ou não. Dessa forma, as definições legais de consumidor,
fornecedor, produto e serviço, são elementos imprescindíveis à relação jurídica, para a
incidência do CDC. O legislador preocupou-se tão-somente em delimitar a aplicação
desse microssistema jurídico ao vínculo no qual encontram-se presentes os elementos
subjetivos e o elemento objetivo que define, a saber:
a) o fornecedor e o consumidor, como partes de cada pólo da
relação jurídica (elementos subjetivos): e
b) o produto ou serviço, como objeto dessa mesma relação
(elemento objetivo).
Nas relações contratuais de consumo deve-se acrescentar ainda, como
elemento subjetivo, o consensualismo responsável. A causa, por sua vez, adquire o
papel da mais alta relevância para os fins de se aferir se o microssistema de defesa
do consumidor deve ser aplicado ao caso concreto. Somente constatando-se a
presença dos elementos subjetivos e um dos elementos objetivos mediatos em
referência, ao lado da causa, é que se torna aplicável o CDC sobre a relação
jurídica em análise.
A ausência de apenas um dos elementos acima citados obsta a incidência
do CDC sobre a relação jurídica, exceção feita ao concensualismo, que se encontra
ausentes entre algumas relações, como aquela existente entre o fornecedor indireto
e o consumidor adquirente ou entre o fornecedor direto e o consumidor utente.
Não sendo aplicado o microssistema de proteção ao consumidor, a relação
de direito não será de consumo, submetendo-se os interessados à legislação
compatível, de acordo com a natureza jurídica do liame estabelecido.
Assim, tem-se que um presente somente se torna amparado pelo
microssistema, se for oriundo de uma relação de consumo, ou seja, se passou das
mãos de um fornecedor para a do consumidor, mesmo que o destinatário final seja
aquele que recebeu o presente. Se assim não for, caracteriza-se como doação,
ficando excluídos da relação consumeirista, aplicando-se-lhes o Código Civil.
5 - Noção de serviço
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O Código de Defesa do Consumidor procurou estabelecer a distinção entre
produto e serviço, contrariando a nomenclatura ordinariamente utilizada segundo a
qual, no universo jurídico, tudo aquilo que não se pode enquadrar na concepção de
sujeito é considerado objeto de direito, desde que economicamente apreciável. O
Código Civil não prevê a figura do produto com o alcance da definição contida no
microssistema de proteção ao consumidor. O legislador consumerista procurou
relacionar a idéia de produto à “bem” e a noção de serviço” à “atividade”. O critério
distintivo básico entre serviço e produto é, destarte, a atividade profissional do
fornecedor ser preponderante para a outorga de um bem material ou imaterial. A
diferença expressa entre produto e serviço teve como objetivo, indubitavelmente,
inviabilizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor sobre a relação jurídica
cujo objeto fosse a atividade humana, porém não remunerada.
Considera-se serviço “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista” (art. 3º, § 2º, da
Lei 8078/90). O legislador consumerista instituiu duas categorias de serviço como
objeto da relação de consumo:
a) o serviço por natureza, cuja definição é a mencionada no parágrafo
anterior; e
b) o serviço por força de lei, ao estabelecer uma relação de atividades
sobre as quais necessariamente deve incidir o Código de Defesa do
Consumidor. Por tal motivo, serão tecidas algumas considerações sobre essas
duas modalidades de serviço previstas na lei, para, em seguida, serem
mencionados alguns aspectos sobre o serviço público no Código de Defesa do
Consumidor.
5.1. Serviço por natureza
Serviço é qualquer atividade remunerada lançada no mercado de consumo por
uma pessoa física ou jurídica, exceção feita à relação trabalhista. A atividade
remunerada consiste fundamentalmente, como se sabe, em uma obrigação de fazer
(ação comissiva ou positiva) ou de não fazer (ação omissiva ou negativa). Para o
Código somente se considera serviço a atividade remunerada, donde se estabelece
que o serviço gratuitamente prestado não é objeto da relação de consumo. Ao fixar
como serviço qualquer atividade remunerada, o legislador pretendeu fazer com que a
norma jurídica consumerista incidisse sobre a mais variada gama de relações, pouco
importando a área tradicional do direito na qual elas se formavam, exceção expressa
feita às relações trabalhistas. Ao dispor uma única exceção à regra do serviço como
qualquer atividade remunerada previu-se a única matéria clássica do direito objetivo
que não poderia vir a ser objeto de relação de consumo: a relação trabalhista, que é o
vínculo jurídico entre o empregador com empregado, sob o regime de subordinação
contínua e de obediência hierárquica. Como pressupõe-se a hipossuficiência do
empregado perante o seu patrão, real mente não seria razoável considerá-lo
fornecedor, beneficiando-se o empregador da Lei 8.078/90.
O melhor raciocínio leva à inexorável conclusão segundo a qual todas as
demais áreas jurídicas, afora a trabalhista, podem conter relações que sofrem a
incidência do microssistema de defesa do consumidor. Pouco importa que o serviço,
como atividade remunerada, seja de natureza civil, comercial ou administrativa. Para a
análise da questão ora suscitada tanto faz se o consumidor é pessoa física ou jurídica
civil, uma sociedade empresarial ou a Administração Pública direta ou indireta. Tanto
uns como outros podem ser fornecedores ou consumidores nos moldes já delineados
acerca dos elementos subjetivos da relação de consumo. Diante de tais considerações
é possível concluir-se que:
30
a) apesar de o legislador didaticamente preferir conceituar serviço como
atividade, é certo que ele é objeto e, portanto, ‘bem” em sentido lato, e não, nos
termos expressos pela Lei 8.078/90;1
b) a atividade humana exercida sem contraprestação não é objeto de
consumo, ainda que desempenhada por sujeito de direito que, teoricamente, é
fornecedor, motivo pelo qual a relação jurídica não sofrerá os efeitos decorrentes da
normatização dada pela Lei 8.078/90; e
c) os contratos unilaterais de prestação de serviços e os contratos
gratuitos puros não sofrem a incidência do Código de Defesa do Consumidor, pois a
relação jurídica que os constitui não se pode reputar como sendo de consumo.
5.2- Serviço por definição legal
O art. 3º, § 2º, da Lei 8.078/90, expressamente determina que os fornecedores
ali indicados sejam considerados prestadores de serviços, no exercício de sua
atividade profissional. Há, portanto, os seguintes critérios para se estabelecer que
determinada atividade profissional
é de outorga de serviços, e não de produtos: o
critério da natureza da atividade e o critério legal. Segundo o critério da natureza da
atividade, considera-se fornecedor de serviços aquele que desempenha a atividade
profissional típica de prestação de serviços, tendo por objeto tão-somente o exercício
da atividade humana (como é ocaso do profissional liberal) ou, ainda, a construção de
urna obra (por exemplo, o empreiteiro).De acordo com o critério legal: o fornecedor de
serviços é aquele que desempenha, por força de lei atividade profissional considerada
como “serviço”. Pouco importa se a natureza de determinada relação jurídica
desempenhada pelos fornecedores que exercem esse tipo de atividade seja
tipicamente de produtos ou não se enquadraria, sob uma área estritamente
econômica, como sendo uma relação de consumo. Diante da determinação legal
expressa não se admite interpretação diversa.2
Conclui-se, pelo raciocínio exposto, que o fornecedor de produtos é aquele que
desempenha atividade profissional que por natureza ou por definição legal não se
enquadra na noção de serviço como objeto da relação jurídica (critério negativista do
fornecimento de produtos). As atividades profissionais que se encontram
expressamente fixadas por lei como “serviço” são: as bancárias, as financeiras, as
creditícias e as securitárias.
Deve-se recordar, no entanto, que, ao fornecer seus serviços, as instituições
bancárias, financeiras, creditícias e securitárias podem se utilizar de formas gratuitas
de captação de clientela para seus serviços remunerados. Nesse caso, mesmo as
atividades gratuitas, desde que importem em obtenção de clientela e. por conseguinte,
na percepção de remuneração posterior com a celebração dos mais variados
contratos, devem ser analisadas à luz do Código de Defesa do Consumidor. Ora,
somente se toma razoável a incidência da legislação consumerista na amostra grátis
para captação de clientela se ela se encontra relacionada a algum serviço que deveria
ser obtido pelo consumidor, para que ele se beneficie dessa mesma amostra grátis,
sob pena de vulneração do art. 3º, § 2º, da Lei 8078/90.
1 Não se pode olvidar, porém, que a distinção legislativa entre produto e serviço justifica-se por motivos
bem razoáveis. Como todo o bem móver ou imóvel, corpóreo ou incorpóreo, é considerado produto,
tornava-se necessária a distinção da atividade, já que não se reputa como objeto de relação de consumo
o serviço prestado sem qualquer contraprestação por parte do consumidor. Assim, a atividade gratuita e a
denominada amostra grátis para os fins de captação de clientela somente poderão ser consideradas por
exceção, como serviço, se os custos delas estiverem embutidos no preço da atividade que o fornecedor
concede em prol do consumidor interessado.
2 Sobre o critério legal, adotou-se posicionamento semelhante àquele que fixa a natureza da pessoa
jurídica como sendo civil ou comercial. Toda vez que a lei estabelecer determinada entidade como sendo
de natureza comercial (como, verbi gracia, é o caso da sociedade anônima) ou de natureza civil (tal qual
sucede com a cooperativa) não cair discussão em sentido Contrário, pois a lei claramente assim dispôs.
31
Dentre as atividades colocadas por força de lei como serviços. destaca-se a
desenvolvida pelas instituições bancárias, pela maior polêmica que despertou na
doutrina e na jurisprudência. O banco é uma pessoa jurídica de direito privado que
adota a forma de sociedade anônima, por força de lei.
As atividades desenvolvidas pelas instituições bancárias são tradicionalmente
classificadas como sendo de operações e de serviços3. Contudo, o art. 3º, §2º, da Lei
8.078/90, expressamente considera a atividade bancária um serviço.
Apesar de a expressa disposição legal preceituar que a atividade bancária é
considerada serviço para os fins de aplicação do Código de Defesa do Consumidor,
parte minoritária da doutrina sustentou a inaplicabilidade da Lei 8.078/90 às relações
bancárias4. Seus adeptos alegam que:
a) as atividades bancárias submetem-se à legislação específica
e complementar, a Lei 4.595, de 31.12.1964, que não pode ser afastada pelo Código
de Defesa do Consumidor, que é uma lei ordinária;
b) o art. 38 da Lei 4.595, de 31.12.1964, diferencia o objeto da
relação bancária em serviços e operações de forma distinta do que sucede com a lei
protetiva do consumidor;
c) os bancos submetem-se às normas previstas no Manual
de Normas e Instruções do Banco Central — MNI, que regulamenta as operações
ativas e passivas;
d) a instituição bancária não fornece produtos ou serviço,
pois se presta tão-somente para a realização da circulação dos valores de troca; e
e) o banco se limita a proceder a entrega de papel-moeda,
que seria coisa inconsumível pois ninguém ingere ou destroi fisicamente o dinheiro, já
que é por meio dele que o interessado pode obter produtos e serviços no mercado de
consumo (o dinheiro seda, assim, mero instrumento ou meio do pagamento).
Inicialmente, vários julgados concluíram pela não incidência do Código de
Defesa do Consumidor às relações bancárias5. Outros julgados sustentaram a
aplicabilidade restrita aos casos de prestação de serviços, que não importem na
imediata entrega de um produto. 6A cláusula penal dos contratos bancários, contudo,
poderia ser alterada, segundo entende esse posicionamento.7
No entanto, o critério legal é o suficiente para se chegar à conclusão segundo a
qual o Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado as relações bancárias.
Assim, basta a remuneração da atividade bancária, diretamente efetuada pelo
interessado, para que ele possa se valer do código e tutelar de seus direitos.
3 Márcia Regina Frigeri. Responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários. p. 17-25.
4 Geraldo Vidigal sustentou a inaplicabilidade de qualquer dispositivo da lei protetiva do consumidor, em
parecer encomendado pela Febraban — Federaçãoo Brasileira dos Bancos. Além desse autor, Amoldo
Wald (O direito do consumidor e suas repercussóes em relação as instituições financeiras, p. 7) entendeu
que a Lei 8.078/90 não contemplou nem o dinheiro, nem o crédito, como objetos de uma relação de
consumo, razão porque não incidiria essa legislação às operações de produção, poupança e
investimento, isto é, à captação de recursos por instituições financeiras; e, ainda, não incidiria a lei em
referência sobre as operações de empréstimo e outras análogas, pois o dinheiro é mero instrumento ou
meio de pagamento. No mesmo sentido, Luiz Gastão Paes de Barros (As relações de consumo do crédito
ao consumidor, p. 65-79, em parecer datado de 28.11.1990).
5 191) Dentre eles, cabe referir: TJSC, 12 CC, AC 98.OO?535-I,rei. Des. Trinda de dos Santos, j.
010.1998. que concluiu que os financiamentos industriais se submetem à lei especial e não se enquadram
no Conceito de relação de consumo (o mesmo relator reiterou tal posicionamento, no julgamento da AC
98.009740-1,de2O.IO.1998,e daAC 98.004676-9de 13.10.1998).
6 O TJSC deliberou que a lei de defesa do consumidor pode se aplicar restritivamenle às relações em que
o banco presta serviços remunerados, desde que o caso não seja de empréstimo, abertura de crédito e
demais operações em que há a entrega med~au de um produto <TJSC, 3? CC. AO Ç8.002422-6,reL.
Des, FderGraf.j. 18.021999; TJSC 3YCC. AC98009693-6, rei. Des. Macedo Machado,j. 20.10.1998;
TJSC, 3tCC. AC 97.008982-1, rei. Des. Edercraf,j. 17.03.1998).
7 “ TJSC, 3a CC. AC 98.008198-O, rei. Des. Eder Graf, j. 29061999.
32
Diante da alegação de inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor
que se encontra acima sintetizada, maiores esclarecimentos devem ser deduzidos.
Rebatendo:
Primus, o simples fato de haver lei específica
regulando a atividade bancária
não é suficiente para se chegar à conclusão da inaplicabilidade do Código de Defesa
do Consumidor sobre o vínculo entre a instituição bancária e aqueles que se utilizam
de sua atividade, como correntistas ou terceiros. A Lei 8.078/90 instituiu um
microssistema jurídico dotado de normas de ordem pública e de interesse social que
não podem ser afastadas pela vontade dos interessados e que podem ser
perfeitamente aplicadas às relações reguladas por qualquer lei, ainda que específica.
Em segundo lugar, a Lei 8.078/90 é lei ordinária, porém não é
hierarquicamente inferior à Lei 4.595/64. O argumento segundo o qual a Lei 4.595, de
31.12.1964, é lei complementar, não impede a incidência da Lei 8.078/90 sobre as
relações jurídicas decorrentes do exercício da atividade bancária, pois não há
diferenciação hierárquica alguma sob esse pretexto.
Em terceiro lugar, o fato de as normas constantes do Manual de Normas e
Instruções do Banco Central do Brasil — MNI, e do ari. 38 da Lei 4.595, de
31.12.1964, diferenciarem serviços de operações, não implica na afirmação segundo a
qual estas estariam excluídas da Incidência da Lei consumerista, de vez que o
dinheiro é bem fungível, móvel e juridicamente consumível.
Por fim, a atividade bancária oferece serviços que se destinam a uma clientela
múltipla e bastante diversificada, destacando-se, entre outros: a cobrança de títulos, a
custódia de valores, a manutenção de cofres locados em benefício dos interessados; a
implantação e manutenção de registros eletrônicos de ações escriturais e a
documentação da sua movimentação: as emissões e movimentações de certificados
de ações, de debéntures; a implantação de caixas externos, a colocação de cartões de
crédito e a movimentação bancária.
Por tal complexidade e atuação massificada, no desempenho da sua complexa
atividade profissional a instituição bancária assume riscos e é empresa que responde
por danos causados à vítima, independentemente da existência de culpa). A
responsabilidade da instituição bancária decorre, portanto, do simples fato da violação
do direito.
Assim, é mais razoável o entendimento de que o Código de Defesa do
Consumidor aplica-se às relações bancárias.8. Diante desse quadro, deve-se
considerar que a instituição bancária é uma prestadora de serviço por força de
disposição legal, sujeitando-se, pois, à responsabilização pelo fato e pelo vício do
serviço, nos termos dos arts. 14 e 20 da Lei 8.078/90.9.
8 Como expressamente dispôs o Superior Tribunal de Justiça, que explicitou: “a circunstância de o usuário
dispor do bem recebido através da operação bancária, transferindo-o a terceiros, em pagamento de
outros bens ou serviços, n~o o doscaracteriza como consumidor final dos Serviços prestados pelo banco”
(STJ, 4/ T., RE 57974, rei. Mm. Ruy Rosado de Aguiar. j. 25.04.1995). Na doutrina, vide: José Geraldo 13
rito Fi h meno, Manual de direitos do consumidor, p. 36-37; Clâudio Bonatto e Paulo Valério Daí Pai
Moraes, op. cit., p. 163-171; Adalberto Pasqualotio. Conceitos fundamentais ...“, p. 53; e Paulo Heerdt, Os
contratos de adesão no Cédigo de Defesa do Consumidor’, RDC 6/90.
9 Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery expressamente incluem as operações bancárias como
relações de consumo (op. cit., p. 1.350). Para Márcia Regina Frigeri, a responsabilidade do banco é
objetiva, fundamentada no Código de Defesa do Consumidor, desde que o adquirente do serviço seja um
destinatário final. Todavia, admite a autora que a responsabilidade da instituição bancária pode ser
excluída nos seguintes casos: culpa exclusiva ou concorrente do cliente, caso fortuito e força maior. E
mais razoável entender, porém, que as excludentes de responsabilidade do banco são duas: a culpa
exclusiva da vítima (pois a culpa concorrente não obsta a responsabilidade, apenas a atenua) e a culpa
exclusiva de terceiro, que devem ser devidamente demonstradas.
33
Acresce, por fim, que a matéria está atualmente sendo alvo de uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade no STF, sob o número 2591, ainda não julgada.
Transcrevo os votos parciais10:
Retomado julgamento de ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema
Financeiro - CONSIF contra a expressão constante do § 2º do art. 3º do Código de
Defesa do Consumidor - Lei 8.078/90 que inclui, no conceito de serviço abrangido
pelas relações de consumo, as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito
e securitária (“§ 2º: Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”). Sustenta-se
que a expressão atacada ofende o princípio do devido processo legal e invade a
reserva de lei complementar, prevista no art. 192, II e IV, da CF (redação original),
para regular o sistema financeiro — v. Informativo 264. Inicialmente, o Tribunal
indeferiu, tendo em conta o voto já proferido pelo Min. Carlos Velloso, relator, o
requerimento do IDEC-Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor de suspensão do
julgamento até a investidura de novo ministro em substituição àquele, aposentado.
Também afastou, por maioria, a preliminar de prejudicialidade da ADI, em face da
alteração do art. 192 pela EC 40/2003, já que a nova redação do referido dispositivo
conservou a competência legislativa da lei complementar para tratar do Sistema
Financeiro Nacional - SFN, remanescendo, dessa forma, a impugnação da lei quanto à
questão da reserva de lei complementar, bem como porque a ação direta tem causa
de pedir aberta. Vencidos, no ponto, os Ministros Sepúlveda Pertence, Eros Grau e
Carlos Britto que davam pelo prejuízo da ação por considerar que a modificação
sofrida pelo art. 192 alterou substancialmente o parâmetro da ADI.
ADI 2591/DF, rel. Min. Carlos Velloso, 22.2.2006. (ADI-2591)
Quanto ao mérito, o Min. Nelson Jobim, presidente, em voto-vista, acompanhou o voto
do Min. Carlos Velloso, relator, no sentido de julgar procedente em parte o pedido,
para emprestar à norma inscrita no § 2º do art. 3º da Lei 8.078/90 interpretação
conforme à Constituição, para afastar a exegese que nela inclua as operações
bancárias. Depois de apontar distinções entre as figuras do consumidor, do poupador
e do mutuário — estes integrantes do processo econômico e aquele de relação que
diz respeito a uma posição subjetiva individual ou individualizável —, bem como a
existência de regimes jurídicos específicos para o tratamento de cada um deles —
sendo que o do consumidor visa à equiparação de relação fática desigual e o do
poupador e do mutuário está associado à proteção da política monetária realizada pelo
Banco Central do Brasil - BACEN e pelo Conselho Monetário Nacional - CMN —,
entendeu não haver ligação entre as operações bancárias e a idéia de consumo. Com
base nisso, demonstrou, em seguida, que a taxa de juros praticada pelo governo,
referencial básico da taxa de juros cobrada pelo banco do mutuário e paga ao
depositário, constitui um dos instrumentos de política monetária utilizados para o
controle da inflação. Afirmou que essa ferramenta, dependente de uma série de
variáveis, não pode ter seus limites dissociados de referida política. Ressaltou, nesse
ponto, que a aplicação do CDC a operações bancárias — típicas do sistema
financeiro, que consistem em transferência de moeda ou de crédito, com relevante
impacto na política monetária — e a possível limitação da taxa de juros por agentes
desvinculados dessa política, comprometeria a atividade dos bancos e o próprio
desenvolvimento da economia do país. Não obstante, reconheceu que a restrição da
aplicação do CDC se limita às operações típicas do Sistema Financeiro Nacional.
Assim, diferenciando as operações bancárias
dos serviços bancários, concluiu que, no
caso destes — serviços prestados pelos bancos a clientes e usuários que não
configuram relações financeiras relativas a investimentos e depósitos e pelos quais as
10 Agradeço ao Aluno Robson Barbosa da Unp (9٥ Período) que, gentilmente, enviou mail do julgamento
em debate.
34
instituições financeiras são remuneradas —, haver-se-á de aplicar o CDC. Após, o
julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Eros Grau.
ADI 2591/DF, rel. Min. Carlos Velloso, 22.2.2006. (ADI-2591)
O mesmo raciocínio utilizado sobre as instituições bancárias deve inspirar o
aplicador da norma jurídica, nos demais casos em que a lei define que a atividade é de
fornecimento de serviços. Assim como as instituições bancárias, as entidades
financeiras e creditícias podem se responsabilizar como fornecedoras de um serviço
remunerado, nos seguintes casos: cobrança abusiva, cobrança indevida, protesto
abusivo, inscrição indevida em cadastros e bancos de dados, extravio do título de
crédito e por atos dos seus prepostos.
Além das entidades bancárias, financeiras e creditícias a legislação de defesa
do consumidor incluiu na definição legal de serviço a atividade securitária. As
entidades de direito privado que se encontram autorizadas por lei para proceder à
captação de recursos com o desiderato de constituição dos fundos de pensões a
serem utilizados posteriormente pelos interessados, a título de seguro social, são
denominadas sociedades de previdência privada. Sociedade de previdência privada é
entidade de natureza civil que pode adotar a forma mercantil e tem por finalidade a
captação de recursos para pagamento de pensão àquele que contribuiu mensalmente
com aludida captação ou ao beneficiário indicado, ao final do prazo constante do
contrato (art. 52 da Lei 6435, de 15.07.1977). Em virtude da remuneração que as
entidades de previdência privada obtém do segurado durante o período
correspondente ao pagamento destinado ao fundo de pensão é correta a conclusão de
que incide o Código de Defesa do Consumidor nessas relações jurídicas.11
6 - Os serviços públicos
a) Responsabilidade Civil do Estado:
A responsabilidade do Estado por prejuízos acarretados às pessoas encontra-
se consagrada em texto constitucional segundo o qual “As pessoas Jurídicas de direito
público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos
danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito
de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” (art. 37,§ 6º)12. Portanto
são inaplicáveis no direito brasileiro as antigas teorias da irresponsabilidade do Estado
(the king can do not wrong) e da irreparabilidade da pessoa jurídica pelo dano
causado.13 Vigora, entre nós, a teoria do risco administrativo, segundo a qual o
Estado, incluindo-se os entes da Administração Pública indireta, responde
independentemente de culpa pelo evento danoso decorrente de conduta de seu
11 O STJ considerou, por exemplo, que a Capemi — Caixa de Previdência dos Militares é fornecedora de
serviços, sujeitando-se às normas de defesa do consumidor (STJ, 4A T., AgRgAg 80671-RS, rei. Min. Ruy
Rosado de Aguiar, j. 16.041996. v.u. (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. op. cit., p. 1350).
12 A responsabilidade civil do Estado foi objeto de grandes debates na doutrina, tendo os seus adeptos
inicialmente fundamentado o dever de reparar o dano no instituto da responsabilidade pelo fato do
empregado, representante, serviçal ou preposto, nos casos em que o Estado torna-se devedor, em face
dos delitos cometidos por aqueles (René Savatier, Du droit civil..., p. 143; Joseph Charmont, op. cit., p.
268-279).
13 Segundo a teoria da irresponsabilidade do Estado, o soberano não comete injustiças ou ofensas
ilegítimas (the king can do not wrong), motivo pelo qual não há o que se cogitar de responsabilidade
estatal. Referida tese foi adotada por muito tempo, atingindo seu climax durante o período absolutista
francês, no qual preponderou a idéia de que o governante seria um ‘iluminado divino”. Posteriormente.
apesar dos prejuízos sofridos pela vitima, negou-se o seu direito A reparação do dano, sob o pretexto de
que a pessoa jurídica não poderia ser responsabilizada, pois ela seria apenas uma projeção abstrata,
uma ficção. Paulatinamente, reconheceu-se que o Estado poderia responder, assim como todas as
demais pessoas jurídicas, pelos danos patrimoniais e morais ocasionados sobre a vítima, inclusive as
entidades de cunho religioso, filantrópico, literário, artístico e científico.
35
agente ou servidor público. Uma vez responsabilizado pelo prejuízo alheio decorrente
de conduta de um dos seus agentes, o Estado poderá promover a ação regressiva
(actio in rem verso) em face daquele que, agindo culposa ou dolosamente, provocou o
dano à vítima. Ou seja: a responsabilidade do Estado é objetiva, porém a
responsabilidade do agente causador do dano, em ação regressiva, depende da
demonstração da sua culpa.14 Por se tratar de responsabilidade objetiva, a
condenação do Estado para a reparação do dano pressupõe tão-somente a
demonstração do nexo de causalidade entre a ação comissiva ou omissiva do órgão,
agente ou servidor público, e o dano moral ou patrimonial. Se todas as demais
pessoas físicas e jurídicas podem ser responsabilizadas por conduta omissiva, porque
não o Estado ou seus órgãos? O Estado pode ser responsabilizado por omissão,
desde que essa omissão configure abuso de poder ou de autoridade. Não é
necessário que a vítima demonstre a culpa ou o dolo do órgão, agente ou servidor
público. Basta a comprovação do prejuízo indevidamente causado por conduta
atribuída a algum deles. Obviamente, a adoção da teoria do risco administrativo não
impede a excludente de responsabilidade, com o reconhecimento da culpa exclusiva
da vítima ou de terceiro.
b) Aplicação do CDC
Para fins de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, cabem algumas
outras rápidas considerações. Diante da definição legal conferida à expressão
“fornecedor”, mesmo a Administração Pública e suas entidades indiretas podem ser
responsabilizadas por danos praticados em desfavor do consumidor (art. 3º, caput, da
Lei 8.078/90).
Assim, a Administração Pública direta e a indireta (autarquias, empresas
públicas, concessionárias, permissionárias, sociedades de economia mista, fundações
publicas) se submetem, no fornecimento de serviços, ao Código de Defesa do
Consumidor (arts. 14 e 22). Todavia, quais são os serviços públicos realizados pelos
órgãos em apreço que devem ser regulados pelo microssitema de defesa do consu-
midor? É imprescindível considerar-se serviço, como objeto da relação de consumo,
toda a atividade remunerada lançada no mercado de consumo pelo órgão público. E,
por conseqüência lógica, a remuneração deve ser paga diretamente pelo adquirente
do serviço, que é o consumidor. Como a legislação não se preocupa em regular o “ato
de consumo”, tipos contratuais ou relações jurídicas nominadas ou específicas, como
identificar quando o serviço público é objeto de uma relação de consumo? Dois
critérios devem orientar o aplicador da lei para que ele possa concluir pela incidência
ou não do Código de Defesa do Consumidor, na relação entre a Administração Pública
direta ou indireta e o administrado: a forma de pagamento da remuneração e a
natureza do serviço público desempenhado:
b.1) Forma de pagamento da remuneração — Consoante o critério da forma
do pagamento da remuneração, somente pode-se aplicar o Código de Defesa do
Consumidor nas relações entre a Administração Pública (União, Estado, município,
Distrito Federal, autarquia, concessionária, permissionária, empresa pública,
sociedade de economia mista, fundação pública) e o administrado, quando ele adquirir
ou se utilizar de um serviço mediante o “pagamento direto”, a fim de que o ente público
ou privado com delegação pública possa realizar ou executar a atividade.
Desse modo, praticamente todas as relações jurídicas tributárias não são
reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor, urna vez que o pagamento de
impostos e taxas é dirigido para o cofre público, sendo as verbas obtidas pelo Poder
Público repassadas para cada setor da atividade pública, de acordo com o orçamento
previamente elaborado pela administração. Configura-se inaplicável o Código de
14 Conforme o Superior Tribunal de Justiça, a ação regressiva pode ser ajuizada independentemente da
extinção da ação reparatória de danos proposta pelo ofendido em face do Estado: Não é necessário o
deslinde da ação indenizatária contra o Estado para que este venha a exercer seu direito de regresso
contra o seu agente (RE 236.837-RS, rel. Mn. Garcia Vieira, ,j. 03.02.2000).
36
Defesa do Consumidor nas relações entre a Administração Pública e o administrado,
entre outras hipóteses: pela deficiência da segurança pública; pela má qualidade da
educação ou da saúde pública; pelo fornecimento de iluminação pública; e pela má
conservação de parques ou do patrimônio cultural.
A jurisprudência vem consolidando o entendimento segundo o qual não se
aplica o Código de Defesa do Consumidor, no caso de pagamento de qualquer tributo.
Facilmente se percebe que o pagamento de impostos não caracteriza a remuneração
do serviço público. Falta a esse tributo a característica de especificidade, já que o
recolhimento dos valores, pelo Fisco, será destinado às pastas governamentais,
consoante o orçamento anual que é aprovado pelo Poder Legislativo e sancionado
pelo Poder Executivo.
Mesmo as taxas não se constituem na remuneração preconizada pelo Código
de Defesa do Consumidor. As características de especificidade e divisibilidade desse
tributo não são aquelas que o legislador consumerista determina, ao preceituar que o
pagamento da remuneração deve ocorrer no mercado de consumo e, portanto, deve
ser feita de forma direta, como a imediata contraprestação de um serviço que
realmente beneficie aquele que contribuiu para o Fisco. A especificidade da desti-
nação da taxa se refere ao destino que esse tributo terá. A especificidade do serviço
nas relações de consumo denota a escolha do consumidor em obter determinada
atividade remunerada e não outra. A remuneração paga pelo consumidor deve
importar na contraprestação pelo serviço que ele está adquirindo e efetivamente vai se
utilizar. A destinação dos recursos da taxa não é necessariamente revertida para toda
a coletividade no sentido empregado pelo Direito do Consumidor, não se podendo
afirmar que todas as pessoas de fato se valerão dos resultados da verba obtida pela
arrecadação de taxas.15
Uma breve ponderação merece ser conferida ao pagamento da contribuição de
melhoria.16 A contribuição de melhoria é tributo que possui por desiderato a realização
de determinada obra pública, dotada de especificidade muito maior que aquela
decorrente do pagamento de taxas. Afinal, os próprios contribuintes que pagaram pela
obra irão realmente dela se utilizar, uma vez concluída pelo Poder Público ou por
terceiro por ele indicado.
Por outro lado, é indiscutível que aplica-se o Código de Defesa do Consumidor
no caso de pagamento de tarifa ou preço público, que não é tributo e nem se sujeita,
pois, ao critério da anualidade e ao princípio tributário da anterioridade. Além disso, o
preço público constitui-se em genuína remuneração pelo serviço prestado pelo órgão
público ou pela entidade da administração indireta porque o destinatário final se utiliza
da atividade estatal a ele fornecida em razão do pagamento da prestação diretamente
vinculada a essa atividade (fornecimento de luz e água para imóveis privados; o
serviço de telefonia particular, convenciona! ou celular; o pagamento do transporte
coletivo; e assim por diante). Equivale dizer: senão houver o pagamento, o consumidor
não poderá se utilizar do serviço público.
15 Regina Helena Costa entende que aplica-se o Código de Defesa do Consumidor em favor do
contribuinte que efetua o pagamento de taxas, pois, segundo a autora, as características desse tributo —
a divisibilidade e a especificidade — possibilitariam a sua inclusão dentre os serviços aos quais se refere
a Lei 8.078/90. Deve-se anotar, porém, que a autora considera o pagamento de determinados serviços
como taxas, acenando em sentido contrário à maioria da doutrina tributária, que os elenca como preço
público. E ocaso do fornecimento de luz, água e telefone, bem como o pagamento do transporte coletivo
(“A tributação e o consumidor”, Revista do Consumidor, 21/97-104).
16 STJ, 1a T., RE 124201/SP rel. Mn. Demócrito Reinaldo, j. 07.11.1997. DJ 15.12.1997, p. 66.237. Na
oportunidade, não se conferiu legitimidade ao Ministério Público para a defesa dos contribuintes da
contribuição de melhoria por duas razões: a primeira, segundo a qual a relação do contribuinte perante o
Fisco não é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor; e a outra, por inexistir a presença de
manifesto interesse social, evidenciado pela dimensão ou pelas características do dano.
37
b) Natureza do serviço público — Conforme o critério da natureza do serviço
publico desempenhado, o Código de Defesa do Consumidor incidirá sobre
determinada relação jurídica. Entre as diversas classificações apresentadas sobre
esse assunto, o Direito Administrativo divide o serviço público em duas espécies: a) o
serviço público próprio e b) o serviço público impróprio.
O serviço público próprio decorre da relação de cidadania, e não de consumo,
nos termos da Lei 8.078/90. Os serviços próprios são aqueles tipicamente estatais,
como: a segurança, a justiça, a saúde pública. Tais atividades, inerentes ao Estado
regulador, sobre o qual se abordará mais adiante, são serviços uti universi, por
natureza. Já o serviço público impróprio é aquele que pode ser realizado pela iniciativa
privada, mediante concessões e permissões do Poder Público. Tais atividades
remuneradas, em regra, propiciam ao seu tomador o reconhecimento da qualidade de
consumidor e o direito de se valer dos benefícios conferidos pelo microssistema de
proteção ao consumidor.
O serviço público pode ainda ser: uti universi, destinado à generalidade das
pessoas, para que o Estado possa atender ao bem comum; ou uti singuli, fornecido
aos que estiverem interessados, mediante o pagamento direto do administrado, para
seu próprio benefício.Os serviços uti singuli são invariavelmente submetidos ao
Código de Defesa do Consumidor, desde que o fornecimento da atividade se dê
através do pagamento de remuneração direta, efetuado pelo consumidor.
Incumbe, ainda, distinguir o Estado regulador do Estado fornecedor. O Estado
regulador é aquele que desempenha o papel de fiscalizador e procede à
regulamentação da atividade privada e do mercado, por meio do “poder de polícia”.
Não há qualquer responsabilidade do Estado pelo exercício regular do poder de
polícia, aplicando-se as sanções administrativas cabíveis aos infratores da legislação
vigente, pois a ação governamental para a proteção efetiva dos consumidores é
princípio inerente à política nacional das relações de consumo (art. 40,II, da Lei
8.078/90). Toda a vez em que o Estado atuar como regulador ou fiscalizador, não se
poderá aplicar em seu desfavor o Código de Defesa do Consumidor.Diferente é a
hipótese do Estado fornecedor, pois, nesse caso, ele deixa de agir como autoridade ou
como ente responsável em agir no sentido de proteger os consumidores. Presta um
serviço
uti singuli remunerado, atuando tal qual uma pessoa jurídica comum.
Diante do exposto, pode-se afirmar que a Administração Pública, direta ou
indireta, deve se submeter às normas do Código de Defesa do Consumidor sempre
que fornecer um serviço público uti singuli, mediante o pagamento diretamente
efetuado pelo consumidor a título de prestação correspondente. Eis os principais
casos de aplicação do Código de Defesa do Consumidor por responsabilidade do
Estado: o fornecimento privado de energia elétrica, de água, gás ou telefonia; e os
transportes coletivos aéreo, terrestre e marítimo.17
c) Últimos exemplos:
Alguns últimos exemplos devem ser comentados, ainda que de forma sucinta.
17 Torna-se cabível a repetição do indébito quantas vezes for necessária, pelo aumento irregular praticado
pela concessionária de energia elétrica. O consumidor tem o direito e o interesse de promover a repetição
sobre quantias pagas, em face do aumento indevido(STJ, RE 153478/SP, I.T.rel. Min. Humberto Comes
de Barros, ,j. 24.11.1998. DJ 15.03.1999, p. 100). Cabe a repetição do indébito em dobro por valores
cobrados sem justa causa, ainda mais se incidentes sobre casa de veraneio que habitualmente encontra-
se fechada (1a CRJEPEC-SP, Recurso 4129. rei. Juiz Heraldo de Oliveira Silva,j. 12.11.1998).
Admitiu-se a aplicação do Cédigo de Defesa do Consumidor em questão referente à troca de hidrômetro
(1ºCRJEPEC-SP, Recurso 4521, rei. Juiz Aben-Athar, ,j. 2701.1999).
38
O Estado, por si ou através da Administração Pública indireta e dos serviços
delegados (como os notários e os registradores)18, responde pela expedição de
documentos oficiais com informações distorcidas ou que não correspondam à
realidade dos fatos, com fundamento na legislação protetiva do consumidor, desde
que o serviço por ele prestado seja remunerado (arts. 3º, § 2º e 22 da Lei 8078/90).
Todavia, não há como se responsabilizar o Estado por não haver analisado a
procedência da documentação falsa que lhe foi porventura apresentada, para, a partir
dela, o órgão público proceder a elaboração de documentos oficiais. Exemplos: os
documentos falsos apresentados para a expedição do certificado de propriedade de
veículo automotor; e os documentos falsos apresentados para a lavratura de escritura
pública.
Os serviços notariais e registradores respondem pelo vício do serviço prestado,
inclusive pelo reconhecimento de firma falsificado, que acaba por acarretar danos a
terceiro. A responsabilidade dos notários e registradores, bem como a do Estado
delegante do serviço, é objetiva, a teor do que preconizam os arts. 14, caput, e 22,
caput, do Código de Defesa do Consumidor. Possibilita-se ao tabelionato a propositura
de ação regressiva em face do seu respectivo preposto.
Contudo, não cabe responsabilizar o Estado ou o tabelião pelo reconhecimento
de firma de assinatura falsa produzida por elemento estranho à administração e que
contém verossimilhança (aparência de verdade) com a assinatura padrão colhida nos
arquivos.
Não se pode exigir do serventuário nem do tabelião o dever de apuração da
autenticidade da firma, quando não houver diferença razoável entre as assinaturas,
pois somente através de material técnico poderia se determinar a falsidade.
Cumpre, ainda, transcrever recente decisão em REsp 625.144-SP, em que foi
o Relator Ministro Nancy Andrighi19
Trata-se de saber qual o foro de competência a ser aplicado em ação de reparação de
danos contra tabelião de Campinas que reconheceu como da autora firma de
assinatura que não era do seu próprio punho. Proposta a ação em São Paulo, o juiz
declinou de sua competência ao argumento de que a ação fundou-se no art. 94 do
CPC - que determina a propositura de ação de direito pessoal no domicilio do réu.
Inconformada com essa decisão, a autora invocou o CDC, arts. 2°, 3°, 101 , I, e o art.
100, parágrafo único, do CPC e interpôs agravo de instrumento que restou negado no
Tribunal a quo. Isso posto, a Turma, ao prosseguir o julgamento deu provimento ao
recurso, reconhecendo como competente vara cível de São Paulo. Ressaltou-se que,
no caso, não se aplica o Código de Defesa do Consumidor, pois não se trata de
relação de consumo, mas de uma relação de serviço público. O notário ou tabelião de
notas é um profissional do Direito, dotado de fé pública, a quem é delegado pelo poder
público o exercício da atividade notarial. Explica o Min. Carlos Alberto Menezes Direito
que esse ato de delegação é diferente daqueles em que as empresas trabalham por
concessão de direito público, uma vez que é um serviço vinculado e fiscalizado
diretamente pelo Estado. Assim, o usuário de serviço público tem um contrato sob a
égide de Direito Público e não se aplica o art. 100, parágrafo único, do CPC, porque
não se trata de delito extracontratual, mas de delito contratual, por isso se aplica a
regra geral de competência. REsp 625.144-SP, Rel. Mín. Nancy Mdrighi, julgado em
1413/2006.
18 Admite-se a responsabilidade civil do Estado por ato praticado por cartório de registro de imóveis, sob o
fundamento de que o disposto no art. 37, § 6º, da ConsIituição Federal, também aplicável aos agentes
públicos delegados (Informativo STF 144, STF. RE2 12.724-MO, rel. Min. Maurício Corrêa. J.30/03/1999.
19 Agradeço a Aluna Maria Lucivam da Unp (9º Período) pelo texto.
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Por fim, não há qualquer responsabilidade do Estado fornecedor nos seguintes
casos, ante a inexistência de relação de consumo: a) por ato promovido pelo membro
do Ministério Público ou do Poder Judiciário, no exercício regular de suas funções,
submetendo-se esses agentes políticos, contudo, à responsabilidade civil no caso de
dolo ou fraude; b) pelo erro judiciário no processo criminal; c) pelo descumprimento de
decisão judicial.
Em todos os exemplos apontados, porém, subsiste a possibilidade de
propositura de demanda com fundamento diverso do Código de Defesa do
Consumidor.