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Categoria: 1 Proponente: Marco Aurélio Crocco Afonso Código: 674 Protocolo: f0cb6bd Título: MOEDA E DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO: UMA LEITURA KEYNESIANA E SUA APLICAÇÃO AO CASO BRASILEIRO Resumo: Nos últimos vinte anos a pesquisa sobre as relações entre moeda e desenvolvimento regional e urbano vivenciou grandes transformações e distintos períodos de euforia e marasmo. No início dos anos 1990, uma série de trabalhos sobre o papel da moeda e sistema financeiro na configuração dos territórios vieram a tona, especialmente entre os geógrafos econômicos. As razões para este ressurgimento são várias (Martin 1999). No entanto, três fatos merecem destaque, todos com implicações territoriais importantes: i) as profundas transformações tecnológicas dentro do sistema financeiro, que possibilitaram, não somente o armazenamento de uma quantidade sem precedentes de informação, como também que volumes enormes de recursos financeiros fossem transferidos de um lado para outro do planeta, quase que instantaneamente; ii) o profundo processo de liberalização financeira realizada em quase todos os países do mundo, dentro do contexto do Consenso de Washington; e, iii) o fato de quase a totalidade das crises econômicas desta época tinham um forte componente financeiro no seu interior. Este quadro praticamente impôs aos acadêmicos especializados em economia regional ou geografia econômica a necessidade de se entender melhor o papel da moeda e do sistema financeiro na configuração espacial da economia. O objetivo desta tese é contribuir para a discussão acima mencionada, através de uma revisão teórica crítica dos autores seminais das teorias de desenvolvimento regional e urbano, procurando analisar, a partir do referencial Keynesiano, como a moeda foi tratada nestes trabalhos e quais as suas principais limitações. Além disto, efetua‐se uma investigação empírica sobre o Brasil, procurando mostrar que a atuação dos bancos é diferenciada no território, sendo um elemento fundamental para o entendimento das desigualdades regionais. Descrição: Nos últimos vinte anos a pesquisa sobre as relações entre moeda e desenvolvimento regional e urbano vivenciou grandes transformações e distintos períodos de euforia e marasmo. No início dos anos 1990, uma série de trabalhos sobre o papel da moeda e sistema financeiro na configuração dos territórios vieram a tona, especialmente entre os geógrafos econômicos. As razões para este ressurgimento são várias (Martin 1999). No entanto, três fatos merecem destaque, todos com implicações territoriais importantes: i) as profundas transformações tecnológicas dentro do sistema financeiro, que possibilitaram, não somente o armazenamento de uma quantidade sem precedentes de informação, como também que volumes enormes de recursos financeiros fossem transferidos de um lado para outro do planeta, quase que instantaneamente; ii) o profundo processo de liberalização financeira realizada em quase todos os países do mundo, dentro do contexto do Consenso de Washington; e, iii) o fato de quase a totalidade das crises econômicas desta época tinham um forte componente financeiro no seu interior. Este quadro praticamente impôs aos acadêmicos especializados em economia regional ou geografia econômica a necessidade de se entender melhor o papel da moeda e do sistema financeiro na configuração espacial da economia. Diversas linhas de investigação foram desenvolvidas, ao ponto de Martin (1999) afirmar, ao final dos anos 1990, que uma nova sub‐disciplina da geografia econômica havia surgido. No entanto, apesar deste ressurgimento, durante os anos 2000 este interesse nesta nova sub‐disciplina se estabilizou, sem conseguir torná‐la central na discussão sobre desenvolvimento regional e urbano. Apenas após a crise mundial do final dos anos 2000 é que esta temática volta a ter força, tendo em vista as evidentes implicações espaciais desta crise. Apesar de sua extensão mundial, esta última de forma alguma foi neutra espacialmente, mesmo porque a sua origem (os empréstimos sub‐prime no mercado imobiliário norte americano) também foi espacialmente localizada. A presente tese se encaixa no esforço de tornar central a discussão sobre as relações entre moeda e território dentro do debate sobre desenvolvimento regional e urbano. No entanto, diferentemente de boa parte da literatura sobre o tema, parte‐se de premissa de que o correto entendimento das relações entre moeda e território e de suas implicações de política só poderá emergir a partir da construção de uma Teoria Monetária do Desenvolvimento Regional e Urbano. Para tanto, é necessário que se tenha uma concepção teórica sobre a moeda que permita a esta afetar o comportamento das variáveis reais da economia, tanto no curto, quanto no longo prazo. Esta concepção é encontrada nos escritos de Keynes. Neste contexto, a presente tese busca realizar três contribuições básicas: i. Incorporar uma concepção de moeda, que seja capaz de afetar as variáveis reais da economia, no contexto teórico do desenvolvimento regional e urbano, de forma a contribuir para a construção de uma Teoria Monetária do Desenvolvimento Regional e Urbano; ii. Aprofundar o diálogo entre a contribuição Pós‐Keynesiana para a teoria do desenvolvimento regional, de forma a estender este diálogo à teorias do desenvolvimento urbano, notadamente a Teoria do Lugar Central; e iii. Pesquisar, empiricamente, os desenvolvimentos teóricos propostos a partir de uma base de dados única no Brasil, copilada pelo Laboratório de Estudos em Moeda e Território (LEMTe) do CEDEPLAR / UFMG. Para atingir estes objetivos a tese foi estruturada em duas partes. Na Parte I, toda a discussão teórica é efetuada. No capítulo 1 desta Parte, o referencial teórico Pós‐Keynesiano, que serve de base para toda a tese, é detalhado. Nos três capítulos seguintes, este referencial é utilizado para uma re‐leitura crítica dos principais autores da Teoria do Desenvolvimento Regional, da Teoria do Desenvolvimento Urbano e da Geografia Econômica. Deve ficar claro, que o objetivo desta tese é estabelecer um diálogo com estes autores seminais. Esta opção se baseia no fato destas contribuições ainda serem extremamente atuais, mesmo decorrido mais de 50 anos do surgimento de algumas delas. Na medida da necessidade, alguns trabalhos mais recentes foram incorporados na análise. Assume‐se aqui que a tarefa de tornar a moeda um elemento importante na análise do desenvolvimento regional e urbano deve, necessariamente, começar com uma reflexão crítica dos autores seminais. Encerrando a Parte I, uma reflexão crítica sobre a interpretação Pós‐Keynesiana é efetuada e as contribuições originais deste autor são apresentadas. A Parte II da tese consiste na investigação empírica do tema, onde procura‐se contrastar as contribuições teóricas desenvolvidas na Parte I com dados da economia brasileira. Desta forma, esta Parte começa com uma breve discussão das transformações por que passou o sistema financeiro do Brasil nas últimas duas décadas. Este contexto serviu de base para o desenvolvimento dos dois capítulos seguintes, que analisaram os comportamentos, regional e urbano, do sistema bancário brasileiro. A tese se encera com o detalhamento das suas principais conclusões. Justificativa: O objetivo central desta tese foi contribuir para a construção de uma Teoria Monetária do Desenvolvimento Regional e Urbano. Acredita‐se que este objetivo só possa ser atingido se se considera a moeda como não‐neutra; vale dizer, a moeda, em suas várias dimensões, é capaz de interferir nas decisões dos agentes e, conseqüentemente, afetar o lado real da economia. Dito de outra forma, só é possível falar em Teoria Monetária do Desenvolvimento Regional e Urbano, se a moeda possuir a capacidade de afetar o volume de produção de uma região ou espaço urbano, tanto no curto quanto no longo‐prazo. Caso isto não seja possível não existiria sentido teórico falar em uma Teoria Monetária do Desenvolvimento Regional e Urbano. Esta é uma premissa fundamental da tese. Para tanto, partiu‐se do entendimento da economia capitalista enquanto uma Economia Monetária de Produção, tal como proposto por Keynes (1979). Os elementos fundamentais desta concepção da economia capitalista, tal como visto no Capítulo 1 da Parte I, dão à moeda um papel chave, na medida em que ela pode interferir no lado real da economia. Frente a um mundo onde a incerteza em relação ao futuro é um condicionante da atividade econômica, tornando esta última uma atividade por natureza especulativa, a capacidade da moeda em ser reserva de valor e, por definição, ser o ativo mais líqüido na sociedade, faz com que sempre exista a possibilidade de ocorrência de deficiências de demanda efetiva. O conceito de preferência pela liqüidez é, portanto, fundamental em uma sociedade capitalista e, quando aplicado ao sistema financeiro, abre a possibilidade do processo de finance e funding não ocorrer. MOEDA E DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO: UMA LEITURA KEYNESIANA E SUA APLICAÇÃO AO CASO BRASILEIRO Marco Aurélio Crocco Afonso Tese submetida ao Concurso de Professor Titular Departamento de Ciências Econômicas Universidade Federal de Minas Gerais Abril 2010 ii À Fabiana e Elene iii SUMÁRIO AGRADECIMENTOS .............................................................................................................. 3 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 6 PARTE I - MOEDA E DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO EM UMA PERSPECTIVA TEÓRICA .............................................................................................................................. 9 I.1 MOEDA E SISTEMA FINANCEIRO NA TEORIA PÓS-KEYNESIANA: DEFININDO O MARCO TEÓRICO ......... 13 I.1.1 Economia Monetária de produção e seus Fundamentos ....................................... 13 I.1.2 O Debate Sobre Exogeneidade e Endogeneidade da Oferta de Moeda .................. 22 I.1.3 Poupança, Finance e Funding .................................................................................... 30 I.2 AS TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E MOEDA ............................................................ 36 I.2.1 A primeira geração: O Enfoque Keynesiano ............................................................. 37 I.2.1.1 Teoria do Desenvolvimento Desigual ............................................................................................... 38 I.2.1.2 Big Push ............................................................................................................................................. 49 I.2.1.3 Teoria dos Pólos de Crescimento ..................................................................................................... 51 I.2.1.4 Teorias da Base de Exportação ......................................................................................................... 55 I.2.2 O Enfoque da Competitividade ................................................................................. 57 I.3 AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO URBANO E A MOEDA .......................................................... 64 I.3.1 A Teoria do Lugar Central .......................................................................................... 64 I.4 A MOEDA E A GEOGRAFIA ECONÔMICA: UMA ANÁLISE CRÍTICA.................................................... 80 I.5 ELEMENTOS PARA UMA TEORIA MONETÁRIA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO............. 88 I.5.1 Preferência pela Liquidez, Centralidade e Hieraquia urbana e a construção do espaço ................................................................................................................................. 94 PARTE II - DUAS INVESTIGAÇÕES EMPÍRICAS: MOEDA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL E HIERARQUIA URBANA NO BRASIL .................................................................................... 101 II.1 EVOLUÇÃO RECENTE DO SISTEMA FINANCEIRO BRASILEIRO ....................................................... 102 II.2 ATUAÇÃO REGIONAL DO SISTEMA BANCÁRIO .......................................................................... 107 II.2.1 Indicadores de Escala do Sistema Bancário ............................................................ 110 II.2.2 Indicadores de Gestão do Ativo ............................................................................. 112 II.2.2.1 Preferência Pela Liqüidez das Agências Bancárias ......................................................................... 115 II.2.2.2 Distribuição Regional de Crédito, Quociente Regional de Crédito e Racionamento de Crédito .. 117 II.2.2.3 Lucratividade das Agências Bancárias ............................................................................................ 122 II.2.2.4 Crédito Total sobre Ativo, Títulos e Valores Mobiliários sobre Ativo e Créditos em Liquidação 128 II.2.3 Indicadores de Gestão do Passivo ........................................................................... 131 II.2.4 Conclusão ................................................................................................................ 134 II.3 HIERARQUIA URBANA E SISTEMA FINANCEIRO NO BRASIL ........................................................ 136 II.3.1 Hierarquia e Estratégia Bancária ........................................................................... 151 II.4 ESTRATÉGIAS BANCÁRIAS COMPARADAS: REGIÃO E HIERARQUIA ............................................... 153 II.4.1 Análise de Componente Principal para as Regiões Administrativas .................... 154 II.4.2 Análise de Componente Principal por Hierarquia do Sistema Financeiro ............ 157 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 161 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................... 167 3 AGRADECIMENTOS Esta tese é o resultado de uma trajetória de pesquisa que se inicia dois anos após o meu retorno da Inglaterra, onde realizei o meu doutoramento. Desde esta época, várias pessoas contribuíram, de diversas formas, para que esta trajetória terminasse na elaboração da presente tese. Neste momento, gostaria de agradecer ‘as suas colaborações. Começo por aqueles que participaram da criação e desenvolvimento do Laboratório de Estudos em Moeda e Território (LEMTe), grupo de pesquisa alocado no CEDEPLAR e por mim coordenado. Este grupo é, sem dúvida alguma, a minha melhor experiência como docente e pesquisador. Experiência única, que me fez aprender todo o significado de ser um professor. Através deste grupo, não somente desenvolvi toda a visão de economia regional expressa nesta tese, mas também acompanhei o desenvolvimento pessoal e profissional de uma série de alunos. Foram vários os alunos de iniciação científica deste grupo que assisti formarem, tornarem-se assistentes de pesquisa, alunos de mestrado e doutorado, e, professor universitário. Assim sendo, gostaria de agradecer o empenho, paciência, contribuição e, principalmente, de terem “vestido a camisa” deste projeto a Bruno, Vanessa, Melissa, Anderson, Mateus, Mara, Raquel, Tininha, Aninha, Wallace, Pedro Amaral, João Prates, Márcio Amaral, Breno, Eduardo, Iara, Cláudio, Carla, Ana Teresa, Fernanda, Rubens, Teófilo, Luiz Paulo e Luciana. Vários professores e pesquisadores também contribuíram para o desenvolvimento do LEMTe, quer seja por um engajamento mais constante, quer seja por trabalhos específicos e esporádicos. Desta forma, gostaria de agradecer a Adriana Amado, Ana Hermeto, Fabiana Santos, Frederico Gonzaga e Gustavo Rocha. Nesta trajetória de reflexão sobre os aspectos monetários do desenvolvimento regional, os cursos oferecidos na Pós-Graduação do CEDEPLAR foram de fundamental importância. Organizados na forma de seminários, estes 4 cursos se constituíram em um ambiente profícuo de discussão acerca desta temática. Assim sendo, gostaria de agradecer a todos os alunos da pós graduação do CEDEPLAR que assistiram aos cursos de Moeda e Território e de Sistema Financeiro e Desenvolvimento. No processo de preparação da tese algumas pessoas foram essenciais. Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao Colegiado de Curso do Programa de Pós Graduação do CEDEPLAR. Durante a elaboração da tese tive que, praticamente, me ausentar das tarefas relacionadas ao meu cargo de Coordenador do Programa de Pós Graduação. Esta ausência foi compensada com uma maior participação no dia a dia da Pós dos demais membros do Colegiado. Por isto agradeço a Ana Hermeto, Fred, Hugo e Rodrigo. Em especial, deixo registrado o meu agradecimento à Ana Hermeto, minha companheira na direção da Pós. Aninha assumiu prontamente minhas funções da coordenação assim que o concurso para titular foi anunciado. Sem esta colaboração, a elaboração da tese teria sido muito mais difícil. Também no processo de elaboração da tese, a contribuição da Carol foi inestimável. Carol me ajudou muito além do que as suas tarefas determinavam. Além de tomar conta de minhas atribuições profissionais, Carol foi de fundamental importância na montagem de meu currículo. Fica aqui o meu agradecimento a uma amiga. Uma pessoa em particular merecer um agradecimento especial: Clélio Campolina. Um mestre que se tornou um grande amigo. Com Campolina fui aluno, assistente de pesquisa, colega de departamento, companheiro de direção de faculdade e co-autor em vários trabalhos. Durante toda esta trajetória profissional, Campolina sempre foi um orientador, estimulador e companheiro. Ao meu “chefe” fica um agradecimento especial. Gostaria também de agradecer a três pessoas de meu círculo pessoal. Ao Luigi, meu irmão mais velho. Durante estes últimos seis anos, companheiro das tardes de domingo torcendo pelo Botafogo, Luigi tem sido muito mais que um irmão. Amigo e conselheiro, pessoal e profissional, agradeço todo o estímulo e paciência com aquele que nunca deixou de se portar como o irmão mais novo. 5 Henrique e Léo têm sido muito mais do que sobrinhos. São dois grandes pequenos amigos que ganhei nesta vida. Estar perto deles, quer seja jogando X- Box, futebol, montando legos ou lutando, me faz lembrar como a vida pode ser mais simples e sincera. Meu enorme agradecimento ao carinho destas duas pessoas maravilhosas. Chegar até este ponto de minha trajetória profissional não teria sido possível sem a Fabiana. Tentar expressar em palavras o significado que ela tem em minha vida é uma tarefa impossível. Qualquer coisa que eu diga, e escreva, sempre ficará aquém do real sentimento e significado que sua presença tem em minha vida. Nada disto teria acontecido sem o seu carinho, amor, e apoio incondicional. Obrigado por tudo, principalmente por me deixar te amar. Por isto tudo, esta tese é dedicada a você. Por fim, gostaria de agradecer a Elene. Em seus dois meses de vida, sua presença nesta reta final de elaboração da tese foi fundamental. Vê-la, me fazia esquecer o cansaço e me dava a alegria necessária para terminar a tese. Muito obrigado, filha. 6 INTRODUÇÃO Nos últimos vinte anos a pesquisa sobre as relações entre moeda e desenvolvimento regional e urbano vivenciou grandes transformações e distintos períodos de euforia e marasmo. No início dos anos 1990, uma série de trabalhos sobre o papel da moeda e sistema financeiro na configuração dos territórios vieram a tona, especialmente entre os geógrafos econômicos. As razões para este ressurgimento são várias (Martin 1999). No entanto, três fatos merecem destaque, todos com implicações territoriais importantes: i) as profundas transformações tecnológicas dentro do sistema financeiro, que possibilitaram, não somente o armazenamento de uma quantidade sem precedentes de informação, como também que volumes enormes de recursos financeiros fossem transferidos de um lado para outro do planeta, quase que instantaneamente; ii) o profundo processo de liberalização financeira realizada em quase todos os países do mundo, dentro do contexto do Consenso de Washington; e, iii) o fato de quase a totalidade das crises econômicas desta época tinham um forte componente financeiro no seu interior. Este quadro praticamente impôs aos acadêmicos especializados em economia regional ou geografia econômica a necessidade de se entender melhor o papel da moeda e do sistema financeiro na configuração espacial da economia. Diversas linhas de investigação foram desenvolvidas, ao ponto de Martin (1999) afirmar, ao final dos anos 1990, que uma nova sub-disciplina da geografia econômica havia surgido. No entanto, apesar deste ressurgimento, durante os anos 2000 este interesse nesta nova sub-disciplina se estabilizou, sem conseguir torná-la central na discussão sobre desenvolvimento regional e urbano. Apenas após a crise mundial do final dos anos 2000 é que esta temática volta a ter força, tendo em vista as evidentes implicações espaciais desta crise. Apesar de sua extensão mundial, esta última de forma alguma foi neutra espacialmente, mesmo porque a sua origem (os empréstimos sub-prime no mercado imobiliário norte americano) também foi espacialmente localizada. 7 A presente tese se encaixa no esforço de tornar central a discussão sobre as relações entre moeda e território dentro do debate sobre desenvolvimento regional e urbano. No entanto, diferentemente de boa parte da literatura sobre o tema, parte-se de premissa de que o correto entendimento das relações entre moeda e território e de suas implicações de política só poderá emergir a partir da construção de uma Teoria Monetária do Desenvolvimento Regional e Urbano. Para tanto, é necessário que se tenha uma concepção teórica sobre a moeda que permita a esta afetar o comportamento das variáveis reais da economia, tanto no curto, quanto no longo prazo. Esta concepção é encontrada nos escritos de Keynes. Neste contexto, a presente tese busca realizar três contribuições básicas: i. Incorporar uma concepção de moeda, que seja capaz de afetar as variáveis reais da economia, no contexto teórico do desenvolvimento regional e urbano, de forma a contribuir para a construção de uma Teoria Monetária do Desenvolvimento Regional e Urbano; ii. Aprofundar o diálogo entre a contribuição Pós-Keynesiana para a teoria do desenvolvimento regional, de forma a estender este diálogo à teorias do desenvolvimento urbano, notadamente a Teoria do Lugar Central; e iii. Pesquisar, empiricamente, os desenvolvimentos teóricos propostos a partir de uma base de dados única no Brasil, copilada pelo Laboratório de Estudos em Moeda e Território (LEMTe) do CEDEPLAR / UFMG. Para atingir estes objetivos a tese foi estruturada em duas partes. Na Parte I, toda a discussão teórica é efetuada. No capítulo 1 desta Parte, o referencial teórico Pós-Keynesiano, que serve de base para toda a tese, é detalhado. Nos três capítulos seguintes, este referencial é utilizado para uma re-leitura crítica dos principais autores da Teoria do Desenvolvimento Regional, da Teoria do Desenvolvimento Urbano e da Geografia Econômica. Deve ficar claro, que o objetivo desta tese é estabelecer um diálogo com estes autores seminais. Esta opção se baseia no fato destas contribuições ainda serem extremamente atuais, mesmo decorrido mais de 50 anos do surgimento de algumas delas. Na medida da necessidade, alguns 8 trabalhos mais recentes foram incorporados na análise. Assume-se aqui que a tarefa de tornar a moeda um elemento importante na análise do desenvolvimento regional e urbano deve, necessariamente, começar com uma reflexão crítica dos autores seminais. Encerrando a Parte I, uma reflexão crítica sobre a interpretação Pós- Keynesiana é efetuada e as contribuições originais deste autor são apresentadas. A Parte II da tese consiste na investigação empírica do tema, onde procura- se contrastar as contribuições teóricas desenvolvidas na Parte I com dados da economia brasileira. Desta forma, esta Parte começa com uma breve discussão das transformações por que passou o sistema financeiro do Brasil nas últimas duas décadas. Este contexto serviu de base para o desenvolvimento dos dois capítulos seguintes, que analisaram os comportamentos, regional e urbano, do sistema bancário brasileiro. A tese se encera com o detalhamento das suas principais conclusões. 9 PARTE I - MOEDA E DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO EM UMA PERSPECTIVA TEÓRICA A discussão teórica acerca dos aspectos regionais do sistema financeiro tem recebido tratamento diferenciado de economistas regionais, geógrafos econômicos e especialistas em sistemas financeiros. De uma forma geral, a literatura de economia regional tem dado pouca atenção para o papel desempenhado pela moeda e pelo sistema financeiro no desenvolvimento regional. A maioria destes trabalhos assume que o sistema financeiro é neutro em relação à sua capacidade de interferir no desempenho econômico de regiões. A literatura mainstream sobre desenvolvimento financeiro, por exemplo, tem focado, nos últimos 30 anos ou mais, no denominado “nexus finanças – crescimento”. A ênfase, neste contexto, é centrada na correlação entre variáveis financeiras (e o grau de desenvolvimento do sistema financeiro) e crescimento econômico. A maioria dos economistas vinculados a esta corrente de pensamento afirma que a direção de causalidade na relação citada vai no sentido do primeiro para o segundo, embora evidências empíricas irrefutáveis ainda não tenham sido fornecidas. Nesta literatura, aspectos regionais do desenvolvimento do sistema financeiro têm sido virtualmente negligenciados. De fato, em uma revisão extensa das contribuições mais relevantes desta linha de pesquisa, efetuada por Levine (2004), a palavra “regional” aparece apenas uma vez nas cento e dezoito páginas do artigo; a palavra “região” apenas uma e a palavra geografia nenhuma. Existe apenas um trabalho revisado por Levine que foca sua análise em regiões de um país especifico. Este artigo – escrito por Guiso et al. (2002), mostra que as condições de financiamento locais influenciam o desempenho econômico de distintas regiões da Itália. A conclusão mais importante desses autores é o reconhecimento de que sistemas financeiros nacionais e regionais possuem um papel importante a desempenhar a despeito da crescente integração financeira internacional. É possível, contudo, encontrar na literatura importantes contribuições que mostram a não neutralidade da moeda e do sistema financeiro em termos de seus 10 impactos no lado real da economia, e, desta forma, no desenvolvimento regional, como pode ser observado na literatura Novo – Keynesiana1 e Pós-Keynesiana. De uma forma geral, as principais áreas de pesquisa dentro da vertente Novo-Keynesiana estão relacionadas à investigação sobre: i. a existência ou não de sistemas financeiros regionais (Amos e Wingender 1993; Bias 1992); ii. como falhas de mercado – i.e. assimetria de informação e custos de transação e informação sensíveis à escala – afetam a eficiência do sistema financeiro na alocação de crédito (e, portanto, o desempemho das variáveis reais) entre regiões de um país (Koo and Moon 2004, Miyakoshi and Tsukuda 2004); iii. em que medida a distribuição de diferentes tipos de bancos pelas regiões de um país (a existência sistemas bancários locais) explica as disparidades no crescimento econômico regional (Usai and Vannini 2005; Ozyildirim and Older 2008; Valverde and Fernández 2004); iv. em que medida condições econômicas locais/regionais têm impacto sobre o desempenho de bancos locais/regionais (Meyer and Yeager 2001; Yeager 2004; Emmons et al. 2004; Furlong and Kreiner 2007; Daly et al. 2008); v. como a diversificação geográfica afeta o desempenho dos bancos (Demsetz and Strahan 1997; Morgan and Samolyk 2005); e vi. como a distância entre agências e sedes2 ou entre credores e devedores3 influencia ambos a alocação e a disponibilidade de crédito (Alessandrini 1 Os primeiros trabalhos que procuraram identificar os fatores que podem determinar a ocorrência de racionamento de crédito em mercados regionais foram Roberts e Fishkind (1979) e Moore e Hill (1982). Recentemente, autores Novo Keynesianos como por exemplo, Faini et al. (1993) e Samolyk (1994), exploraram a hipótese de assimetria de informação em mercados regionais para explicar o racionamento de crédito. 2 Também conhecida como “distância funcional”. Esta significa a distância entre níveis dentro de uma organização bancária. De acordo com Alessandrini et al. 2009 (p. 5), by functional distance we refer to the distance between a local branch, where information is collected and lending relationships are established, and its headquarter, where lending policies and ultimate decisions are typically taken. From a theoretical point of view, the importance of functional distance for the lending policies of local branches has its roots in (i) the asymmetric distribution of information and the costs of communication within an organisation, and (ii) the economic, social and cultural differences across communities. 3 Também entendida como “distância operacional” (Alessandrini et al. 2008) 11 and Zazzaro 1999; Berger and DeYoung 2001; Carling and Lundenberg 2005; Brevoot and Hannan 2006; Alessandrini et al 2008). De forma similar a esta última linha de investigação, porém com uma abordagem teórica próxima à geografia econômica, Martin (1999) e Klagge e Martin (2005) fornecem evidências empíricas acerca da assimetria na alocação de crédito entre regiões centrais e periféricas, o que contribui para um padrão de desenvolvimento regional desigual. Estes autores apontam a existência de uma relação não-neutra entre os lados real e financeiro do sistema econômico. De acordo com eles, o sistema financeiro não funciona em uma “estrada espacialmente neutra”. Dito de outra forma, sistemas financeiros não são perfeitamente integrados entre as regiões de um país, de forma que o investimento em uma dada região é dependente da poupança local; a demanda local por financiamento é constrangida pela oferta; e os residentes (firmas e indivíduos) não podem acessar fundos de outras regiões do país. Ou seja, a proximidade geográfica de centros financeiros importa. O resultado seria a concentração de instituições financeiras em localizações centrais e hiatos locacionais de financiamento entre o centro e a periferia. Uma característica comum às visões teóricas acima citadas é o fato dos determinantes dos impactos da moeda e do sistema financeiro sobre as regiões estarem associadas a falhas de mercado. Ou seja, não são as características da moeda e da forma de operação do sistema financeiro que permitem uma construção teórica onde tais fatores afetam o desenvolvimento regional, mas sim as falhas de mercado. Caso estas não existissem, não haveria a possibilidade teórica da moeda e o sistema financeiro interferirem na construção e ampliação das desigualdades regionais. A perspectiva teórica defendida nesta tese discorda veementemente desta abordagem ao creditar às características intrínsecas da moeda e da forma de operação do sistema financeiro os determinantes de seus impactos sobre as disparidades regionais. Vale dizer, mesmo em um mundo onde não existissem imperfeições de mercado, estas características intrínsecas garantiriam a possibilidade do lado financeiro interferir, tanto no curto, quanto no longo prazo, na ocorrência de disparidades regionais. 12 No restante desta Parte I será apresentada, de forma crítica, esta abordagem. Para tanto, inicia-se com a discussão dos fundamentos teóricos mais gerais que sustentam a teoria Pós-Keynesiana, notadamente a sua interpretação sobre o papel desemplenhado pela moeda em economias capitalistas, como a que conhecemos hoje. Esta base teórica é utilizada para uma re-leitura crítica dos clássicos da literatura sobre desenvolvimento regional e urbano, buscando entender como tais teorias incorporaram a moeda em suas formulações. Após esta revisão, conclui-se esta parte com uma análise critica da contribuição da teoria Pós-Keynesiana à economia regional. 13 I.1 MOEDA E SISTEMA FINANCEIRO NA TEORIA PÓS-KEYNESIANA: DEFININDO O MARCO TEÓRICO O objetivo desta seção é destacar os princípios teóricos essenciais para o entendimento da abordagem Pós-Keynesiana para economia regional. Não se pretende aqui fazer uma discussão detalhada desta corrente de pensamento, mas apenas analisar aqueles elementos que são necessários à elaboração da “Perspectiva Pós Keynesiana de Economia Regional”. Nesse sentido, entende-se que três questões são fundamentais: i) o conceito de Economia Monetária de Produção, o qual expressa, claramente, como Keynes e os Pós Keynesianos entendem o funcionamento da economia capitalista, tendo a moeda como elemento central; ii) a discussão sobre a oferta de moeda, fundamental para o entendimento tanto dos limites de atuação das autoridades monetárias, como também do papel desempenhado pelo sistema bancário; e iii) as relações entre poupança, finance e funding, essencial para o entendimento do processo de investimento, variável-chave na discussão do conceito de demanda efetiva. Nas próximas seções analisaremos, em detalhe, cada uma destas questões. I.1.1 ECONOMIA MONETÁRIA DE PRODUÇÃO E SEUS FUNDAMENTOS É amplamente reconhecido que Keynes, no período em que escrevia a Teoria Geral (Keynes 1973 [1937]), tinha a convicção de que o que estava escrevendo seria uma grande ruptura com a teoria ortodoxa vigente a época. Apesar disto, Keynes optou, na versão final da Teoria Geral, por não aprofundar o provável confronto com economistas ortodoxos. Assim sendo, embora tenha desenvolvido, nos rascunhos da Teoria Geral, uma análise detalhada do que entendia ser os fundamentos de uma economia capitalista de produção, ele optou por iniciar a sua obra mais importante aceitando, em parte, alguns fundamentos da escola clássica, de forma a mostrar que a sua principal conclusão – a possibilidade de equilíbrio com desemprego involuntário - se sustentaria. 14 No entanto, como ficou evidente nos anos seguintes à publicação da Teoria Geral, esta estratégia não alcançou os resultados esperados, gerando não apenas interpretações equivocadas de sua obra, como também um grande desconforto no próprio Keynes em relação à forma que ele expôs suas críticas à teoria clássica nos dois capítulos iniciais da Teoria Geral. Nestes capítulos, Keynes expõe o que considera ser o cerne da economia clássica que pretende negar e tenta mostrar que os dois postulados centrais da teoria clássica – o primeiro definindo que a salário nominal seria igual à produtividade marginal do trabalho e o segundo definindo que a utilidade marginal do salário, dado o volume de trabalho empregado, sempre se iguala à desutilidade marginal deste trabalho – deveriam ser entendidos como um caso especial e não uma regra geral. 4 Por volta de 1939, o descontentamento de Keynes com esta abordagem já era claro: If the falling tendency of real wages in periods of rising demand is denied … it would be possible to simplify considerably the more complicated version of my fundamental explanation which I have expounded in my General Theory – particularly in Chapter 2, which is the portion of my book which most needs to be revised (Keynes 1973b, p. 401) Embora Keynes não tenha revisto seu livro, foi possível inferir qual seria o caminho que ele tomaria quando veio a público a publicação de seus Collected Writings em 1973. Nesta coletânea encontram-se versões preliminares da Teoria Geral nas quais ele mostra, claramente, sua oposição aos fundamentos da Teoria Clássica, bem como o seu entendimento dos princípios de uma Economia Monetária de Produção. (Keynes 1979). Nos rascunhos da Teoria Geral, Keynes diferenciou os ‘modelos’ de economia que sustentavam a teoria econômica Clássica, dominante a época, e a sua 4 “Paradoxically, Keynes’s attempt in Chapter 2 to differentiate his new theory from the old has resulted in complete misunderstanding of the fundamental difference between The Genera Theory and pre-Keynesian economics and has paved the way for neoclassical revival. His uncritical acceptance of the first postulate (diminishing marginal productivity of labour in the short period) without emphasizing that in his system the postulate does not give us the demand schedule for employment, together with his arguments concerning the stickyness of money-wages and the inability of labour as whole to reduce its real wage, led many to believe that all Keynes’s theory amounted to was an, admittedly realistic, critique of the imperfect operation of the labour market. The cure for unemployment was to bring about supply-side improvements to increase the (downward) flexibility of money and real wages – the neoclassical solution. (Brothwell 1997, p. 4) 15 nova teoria. Tais ‘modelos’ foram denominados por ele de Economia Co-operativa (ou Economia de Trocas Reais), no caso da economia clássica, e de Economia Empresarial (ou Economia Monetária de Produção), no caso de sua teoria. Dentre os vários elementos que diferenciavam tais modelos, o papel desempenhado pela moeda se destaca. Nas palavras de Keynes, a diferença básica entre a teoria ortodoxa e a por ele preconizada estaria no fato de sua teoria lidar com an economy in which money plays a part of its own and affects motives and decisions and is, in short, one of the operative factors in the situation, so that the course of events cannot be predicted, either in the long period or in the short, without a knowledge of the behavior of money between the first state and the last. And it is this which we ought to mean when we speak of a monetary economy (Keynes, 1973 CW XII, 408-9) Uma Economia de Troca seria constituída por produtores e consumidores independentes que trocariam os excedentes de suas produções acima de suas necessidades. Esta troca poderia ocorrer de forma direta (ou seja, mercadoria por mercadoria) ou por algum meio de pagamento, sendo que, no entanto, sempre existiria um mecanismo que assegurasse que toda renda gerada no processo produtivo retornasse ao mercado sob a forma de demanda por produtos produzidos. No agregado, sempre existiria um mecanismo que asseguria que o valor nominal das rendas dos fatores de produção seria igual no agregado ao valor da produção. Esta seria uma economia onde a lei de Say predominaria. Nas palavras de Carvalho, economies of the cooperative type admit sectoral disequilibria, local imbalances between supply and demand, but aggregate imbalances are ruled out. There are no disequilibrium-amplifying income effects, even if it is not for the precise basket of goods that is available. This kind of imbalance is removed by the operation of the price system in which relative scarcities and excess supplies are signalled by disparities between market and natural (or long- period equilibrium normal) prices. (Carvalho 1992, p. 39) Nesta economia, a moeda é apenas um conveniente meio para efetuar intercâmbios, sendo sua função transitória e neutra em seus efeitos. Em outras palavras, ela não é capaz de afetar (modificar) os motivos e decisões dos integrantes desta economia: The distinction which is normally made between a barter economy and a monetary economy depends upon the employment of money as a convenient means of affecting exchanges, as an instrument of great convenience, but 16 transitory and neutral in its effect […] an economy, which uses money but uses it merely as a neutral link between transactions in real things are real assets and does not allow it to enter into motives or decisions might be called – for want of a better name – a real-exchange economy (Keynes 1973a, p. 408 ) Em uma clara oposição a este tipo de “Economia” Keynes via a economia em que vivemos como uma Economia Monetária de Produção onde a moeda, além de meio de troca, desempenharia um papel próprio afetando decisões. Para tanto, ela é vista não somente como meio de troca, mas também como reserva de valor, o que faz com que o curso dos eventos não possa ser previsto, seja no curto ou no longo – prazo, sem o conhecimento do comportamento da moeda. O conceito de Economia Monetária de Produção pode ser melhor entendido através da análise de seis princípios, tal como formulado por Carvalho (1992): i) produção; ii) dominância estratégica; iii) temporalidade da atividade econômica; iv) não ergodicidade; v) não pré-conciliação de planos; e vi) propriedades da moeda. No que se segue são expostos estes princípios.5 i. Princípio da Produção A firma é vista como um agente que possui interesses e objetivos próprios, distintos dos objetivos das famílias. Basicamente, a preocupação central de uma firma não seria atender as necessidades dos consumidores, mas sim gerar riqueza em sua forma mais geral, ou seja, moeda – poder de compra em sua forma universal. Seria através da obtenção de uma maior quantidade de moeda, o que possibilitaria à firma uma maior flexibilidade para aproveitar as chances que pudessem surgir para ampliar esta mesma riqueza monetária. É importante notar que não é o fato de existir uma necessidade da população não atendida que faz com que o empresário inicie o processo produtivo, mas sim, a expectativa de acumular riqueza com o atendimento desta necessidade. Assim, o objetivo da firma é atingido quando ela é capaz de aumentar o seu comando sobre a riqueza em sua forma mais líquida, isto é a firma aplica dinheiro para obter mais dinheiro. 5 Uma observação faz-se necessária. Como se sabe, Keynes não apresentou seu entendimento do que seria uma economia monetária de produção na forma de princípios. No entanto, como salienta Carvalho (Carvalho 1992), a leitura dos rascunhos da Teoria Geral permite concluir que o significado destes princípios faziam parte do raciocínio de Keynes. No presente trabalho, segue-se a formalização de princípios feita por Carvalho (1992) que, por sua vez, é um desenvolvimento da proposição feita anteriormente por Davidson. 17 Várias são as citações de Keynes que explicitam este princípio: An entrepreneur is interested not in the amount of product, but in the amount of money which will fall to his share. He will increase his output if by doing he expects to increase his money profit, even though this profit represents a smaller quantity of product than before (…) The choice before him in deciding whether or not to offer employment is a choice between using money in this way or not using it at all (Keynes 1979, p. 82) ii. Princípio da Dominância Estratégica Este princípio refere-se à hierarquia existente nas relações econômicas de uma sociedade capitalista e é uma decorrência do primeiro princípio. Segundo o princípio da dominância estratégica, a capacidade de trabalhadores e firmas determinarem a dinâmica da economia é distinta, sendo que o poder de decisão não é distribuído de forma igualitária, pendendo claramente em favor das firmas: Both the amount of employment and of savings depend of the decisions of firms to produce and to invest. Labours and savers adapt themselves to the firms’ decisions even if they do not realize it and part of the innovative content of The General Theory is to show how this takes place. (Carvalho 1992, p. 45) O que garante este poder nas mãos das firmas é o fato do capital ser “escasso” em relação ao trabalho, lembrando sempre que esta escassez é organizada pelo próprio sistema.6 A firma, neste contexto, detém a iniciativa tanto no mercado de trabalho (demanda por trabalho) como no mercado de capitais (a decisão de investir precede a criação da poupança). Isto significa dizer que a famosa, e de fundamental importância para a teoria ortodoxa, tesoura Marshaliana, onde oferta e demanda se encontram em igualdade de condições, não se observa em uma Economia Monetária de Produção. Vale salientar que este princípio é ainda mais evidente quando se considera que o processo produtivo somente tem início se houver financiamento disponível. Em outras palavras, mesmo que exista mão de obra disposta a trabalhar ao salário em vigor ou talvez até menor, o processo de produção só ocorrerá caso os bancos forneçam o crédito e os empresários avaliem que o processo de produção permite 6 O conceito marxista de exército industrial de reserva neste contexto é extremamente útil. 18 à firma valorizar a sua riqueza de uma melhor forma do que em outras alternativas. iii. Princípio da Temporalidade da Atividade Econômica Este terceiro princípio pode ser resumido na expressão: em uma economia monetária de produção a produção é realizada para a venda no mercado. Apesar de parecer trivial, esta é uma expressão com fortes implicações, sendo, a mais importante, o fato da decisão de produzir preceder a produção, que por sua vez precede a venda. Isto significa dizer que a firma produz sob o comando, ou sob a expectativa, da demanda. Esta última característica é fundamental por dar às expectativas em relação ao futuro comportamento da demanda uma dimensão causal, conferindo à atividade produtiva um caráter inevitavelmente especulativo. Nas palavras de Chick, The time consuming nature of production takes place upon producers the necessity to make decisions based on an estimate, a forecast, of the demand for their product: the goods must be placed on the market before people can buy them, and thus before demand can be known. The existence of money can enhance the difficulty of making that estimate, for when people save for future purchases, they need not place specific orders even if they know what they will want and when. They can hold Money instead, or one of the many claims on future Money that a developed financial system provides. This action gives producers no clue as to their future plans (Chick 1983, p. 5) iv. Princípio da Não-Ergodicidade A definição técnica de ergodicidade classifica um sistema como sendo ergódigo se o processo estocástico é tal que as médias de tempo e espaço coincidem após infinitas realizações.7 Ou seja, se um processo estocástico se repete infinitamente, as médias de tempo (tomando-se os resultados em diferentes momentos do tempo) e espacial (no mesmo tempo, porém em locais distintos) tendem a convergir. Como conseqüência, se determinado processo é ergódigo, o dado obtido de observações passadas fornecem uma regra segura para a tomada de decisões sobre 7 Nas palavras de Davidson: “Space averages refer to a fixed time point and are formed as averages over the universe of realisations … Time averages … refer to a fixed realisation and are formed as averages over na indefinite time space” (Davidson 1982-1983, p. 185). 19 o futuro (Davidson 1982-1983, p. 185). Desta forma, sistemas econômicos governados por processos ergódigos possuirão relações ahistóricas e imutáveis. Analogamente, se as médias não convergem o sistema será classificado como não ergódigo, e neste caso, o dado obtido de observações passadas não fornecem uma regra segura para a tomada de decisões sobre o futuro Vale salientar que o conceito de não-ergodicidade implica em entender o tempo como histórico em oposição ao conceito de tempo lógico incorporado na teoria ortodoxa. No tempo histórico, o passado precede o presente que, por sua vez, precede o futuro, não sendo possível ir ao futuro e retornar ao presente. Não é possível reverter decisões presentes sem que se incorra em custos. O conceito de tempo lógico é o expresso em termos tais como t, t+1, t+2, etc, amplamente utilizado em modelos econômicos ortodoxos. Nestes últimos, o agente sabe, ou possuí uma distribuição de probabilidades (objetivas ou subjetivas) sobre o que irá acontecer no tempo t+1, de forma que o agente sempre age com um determinado grau de certeza, mesmo que probabilística. É como se fosse possível ir ao futuro e voltar ao presente, para se tomar uma decisão, com pelo menos uma certeza probabilística. A irreversibilidade do tempo, determinada pelo entendimento do tempo como histórico, faz com que decisões não possam ser repetidas. Ou seja, a irreversibilidade do tempo implica em assumir a existência de decisões cruciais, não-vazias (Shackle 1959). Uma decisão vazia é mera solução formal para um problema também formal. É a situação na qual o indivíduo possui conhecimento completo e certo acerca de todas as possíveis escolhas, bem como de todos os possíveis resultados de cada escolha. É uma ação mecânica e inevitável (Shackle 1959, p. 291).8 Em contraste, uma decisão crucial (não-vazia) implica na impossibilidade desta decisão ser repetida, 8 Nas palavras de Crocco, When one looks at Shackle’s definition of “decision”, one realises that empty decisions are not true “decisions” in his account. He argues for an understanding of “decision” as a commitment to the first step in an action of choosing among a plurality of rival and mutually exclusive hypotheses about which it is impossible to know the relevant consequences (Shackle 1958, p. 35). Obviously, this is far from a situation of complete knowledge and deterministic actions as in the case of empty decisions. (Crocco 2002, p. 15) 20 because its very performance destroys forever the conditions in which it was undertaken, which form an essential part of it (Shackle 1970, p. 109). É uma decisão única que cria novas informações “which agents will need to take into account in the future courses of action” (Andrade, 1997, p. 13). Alguns exemplos de decisões cruciais são investimento, acumulação de riqueza e financiamento. Como tais decisões não podem ser repetidas, inclusive devido ao fato da própria decisão destruir os condicionantes sobre os quais ela foi elaborada, não existe um processo de aprendizado. Na visão de Shackle, quando decisões cruciais são tomadas não existe conhecimento disponível. Uma implicação importante do princípio da não-ergodicidade é o fato dele determinar o surgimento da incerteza.9 Este conceito é de fundamental importância tanto para Keynes quanto para os autores Pós-Keysianos. Uma longa literatura tem tratado deste tema com riqueza de detalhes. No entanto, detalhar tal discussão fugiria ao tema deste trabalho, para o qual o conceito de incerteza utilizado será aquele em que se considera uma situação onde é impossível estabelecer uma distribuição de probabilidades (objetiva ou subjetiva) em relação aos eventos futuros, ou seja, uma situação onde a incerteza não é mensurável.10 v. Princípio da não Pré-Conciliação dos Planos Este princípio afirma que em uma economia monetária de produção não existem instituições de comando que determinem às firmas o que e quanto produzir. Neste contexto, ela tem que decidir com base em expectativas, não sabendo com exatidão o quanto será demandado e o quanto será ofertado em conjunto. Este é o princípio que abre espaço para as expectativas e de formas institucionais de se lidar com a incerteza. Tais instituições têm por objetivo central socializar perdas e reduzir o risco para cada agente individual. Dentre tais 9 Vale salientar que é a não-ergodicidade que cria a incerteza e não a temporalidade das decisões. Se o mundo fosse ergódigo, o fato da produção anteceder a venda (princípio da temporalidade das atividades econômicas) não implicaria em processo especulativo uma vez que o futuro seria um espelho do passado. 10 Para uma discussão detalhada sobre o tema ver Rundle (1993), Davidson (1994), Dow e Hillard (1994), e Crocco (1999), entre outros. 21 instituições talvez a mais importante seja o contrato futuro denominado em moeda. Neste momento é válida uma longa citação de Carvalho A contract reduces uncertainty by establishing flows of resources, real and financial, their timing and their terms, assuring producers of the availability of inputs, on the one hand, and of the existence of outlets for their products, on the other. It serves, as a cost-controlling device for entrepreneurs and as the basis for the calculation of relative rewards that are the field of application of entrepreneurial rationality. Not all flows of goods can be defined in forward contracts (in particular, consumption goods are not produced ‘to order’), so uncertainty cannot disappear completely. But time-consuming productive processes that would be too risky otherwise can be organized on the basis of a system of contracts that ensures its continuity, at least in the face of predicable contingences. (Carvalho 1992, p. 48) vi. Princípio das Propriedades da Moeda Este princípio está fortemente relacionado com o anterior, pois para que um contrato, denominado em moeda, possa servir de instituição coordenadora em um ambiente não – ergódigo se faz necessário que a moeda possua propriedades que garantam a sua estabilidade no tempo. Esta estabilidade se faz necessária, pois, caso contrário, ela não poderia ser aceita como unidade de conta em contratos. Estas propriedades são duas: elasticidades de produção e substituição nulas ou próximas de zero. A elasticidade de produção próxima de zero implica dizer que um aumento da demanda por moeda não gera um aumento em sua produção e, conseqüentemente, um aumento da sua disponibilidade. Já a elasticidade de substituição da moeda próxima de zero implica dizer que as funções da moeda não podem ser exercidas por outro ativo. Tais características, em conjunto, garantem a função de reserva de valor da moeda e, conseqüentemente, sua liquidez, sua capacidade de liquidar dívidas e a sua transformação em poder de compra em sua forma mais geral. Nas palavras de Keynes, The attribute of ‘liquidity’ is by no means independent of the presence of these two characteristics. It is unlikely that an asset, of which the supply can be easily increased or the desire for which can be easily diverted by a change in relative price, will possess the attribute of ‘liquidity’ in the minds of owners of wealth. Money itself rapidly loses the attribute of ‘liquidity’ if its future supply is expected to undergo sharp changes (Keynes 1973 [1936], p. 241n) 22 Os seis princípios listados acima permitem a caracterização da economia capitalista como sendo uma economia onde a moeda não é neutra no longo prazo, podendo o seu comportamento afetar as variáveis reais da economia. Em situações onde o futuro é incerto, o capitalista pode decidir ou não valorizar sua riqueza, mantendo-a em sua forma mais líquida (moeda) ou valorizá-la em ativos cuja reprodução não demande a contratação significativa de mão-de-obra (circuito financeiro). É justamente o refúgio encontrado na liquidez da moeda que faz com que ocorra a possibilidade de ocorrência de desemprego involuntário, mesmo em situações onde existam trabalhadores dispostos a trabalhar em troca de salários menores. Isto ocorreria porque a combinação de futuro incerto e a propriedade de conservar de valor por parte da moeda faz com que o nível de demanda efetiva seja abaixo daquele que garantiria o pleno emprego. Neste contexto, enquanto as expectativas em relação ao futuro não se alterarem positivamente, o nível de demanda efetiva será insuficiente para garantir a plena utilização dos fatores de produção. I.1.2 O DEBATE SOBRE EXOGENEIDADE E ENDOGENEIDADE DA OFERTA DE MOEDA Feita a análise dos fundamentos da concepção Keynesiana de uma Economia Monetária de Produção, passa-se agora para a discussão do segundo ponto teórico necessário para a construção de uma interpretação Pós-Keynesiana de economia regional, qual seja o debate acerca da endogeneidade da oferta de moeda. Como será visto mais a frente, esta discussão está no centro da interpretação Keynesiana de economia regional, pois é através dela que a moeda pode interferir na criação, manutenção e ampliação dos desequilíbrios regionais. O debate acerca da endogeneidade ou exogeneidade da oferta de moeda tem no seu cerne a discussão sobre a capacidade das autoridades monetárias em controlar a base monetária de uma economia. Neste contexto, três interpretações se consolidaram na literatura sobre teoria monetária: i) a vertente neoclássica verticalista; ii) a vertente Keynesiana horizontalista; e iii) a vertente Keynesiana estruturalista. 23 A visão verticalista, fortemente apoiada pelos chamados monetaristas, considera a oferta de moeda completamente controlada pela autoridade monetária. Esta hipótese é de fundamental importância para a validação da Teoria Quantitativa da Moeda, marco central da corrente monetarista. Basicamente, esta visão baseia-se em dois pilares: 1. determinação da base monetária pelo Banco Central, que seria efetuada, essencialmente, por três tipos de operações do Banco Central, a saber: a fixação da taxa de reservas; a realizações de operações de redesconto ou empréstimo de liquidez; e, por fim, realização de operações de mercado aberto; e 2. o entendimento de que o controle da base monetária pelo Banco Central o permite controlar o processo de expansão do crédito. Neste processo as preferências do público e as estratégias bancárias são consideradas estáveis. Implícito, nesta concepção, está o fato da quantidade ofertada de moeda ser fixada de maneira independente da demanda. É a decisão da autoridade monetária, em última instância, que determina a quantidade de moeda não importando o nível de atividade econômica e a demanda por moeda, conseqüentemente. A taxa de juros, nesta concepção, é um mero resultado da decisão sobre as metas quanto aos agregados monetários, não se constituindo em instrumento de política econômica. A vertente endogenista discorda fortemente deste entendimento, notadamente quanto à possibilidade da autoridade monetária ter controle sob a oferta de moeda. No entanto, esta vertente se subdivide em duas, denominadas de horizontalista e estruturalista. Os chamados horizontalistas possuem em Kaldor (1982) e Moore (1988) seus principais representantes. Esta corrente aceita a distinção entre moeda- mercadoria e moeda-creditícia elaborada por Hicks (1967). Segundo este autor, a exogeneidade da oferta de moeda seria uma conceptualização apropriada para uma economia com moeda metálica e com pequeno ou nenhum desenvolvimento do sistema de crédito. Supondo uma economia fechada e sem crédito, a ampliação da renda nominal depende do aumento da quantidade de moeda. Não é possível 24 gastar mais, em termos monetários, do que a quantidade de moeda que se dispõe a cada período. No entanto, com o desenvolvimento do sistema financeiro a moeda bancária passou a ser o principal meio de pagamentos, possibilitando a ocorrência de uma dependência da oferta de moeda em relação à demanda de crédito. Em um sistema de crédito, não existe uma oferta de moeda creditícia independente da demanda. Uma redução de demanda por crédito resulta na anulação da moeda creditícia e, portanto, uma redução do estoque de moeda existente. Simetricamente, quanto ocorre um aumento na demanda por crédito, o sistema bancário pode ampliar a oferta de moeda. O desenvolvimento da teoria da endogeneidade da moeda é datado historicamente, fruto do desenvolvimento tanto da forma de atuação dos bancos, como também das autoridades monetárias. Para melhor entender esta evolução, utiliza-se o arcabouço desenvolvido por Chick (1992 [1986]) e Dow (1999) de estágios de desenvolvimento bancário.11 12 Este arcabouço se mostra extremamente útil uma vez que explicita as mudanças de processos causais na forma de operar dos bancos e como tais mudanças afetam a escolha da teoria mais apropriada para interpretá-los em cada estágio (Dow e Rodriguez-Fuentes, 1997). São seis os estágios de desenvolvimento bancário. No primeiro estágio, os bancos são numerosos e pequenos; os débitos em contas bancárias não são utilizados como forma de pagamento, isto é, os pagamentos são feitos em moeda mercadoria; os bancos são, principalmente, receptores de poupanças. Os depósitos são basicamente poupanças privadas, cuja oferta é exógena ao sistema bancário. 11 Vale notar que o arcabouço desenvolvido por Chick não pretende ser uma teoria de desenvolvimento bancário a ser aplicado de forma generalizada para todo e qualquer sistema bancário nacional. Sua aplicação deve ser adaptada a cada sistema nacional, uma vez que ele foi elaborado tendo-se em mente o sistema inglês (e posteriormente, britânico). Feita esta ressalva, acredita-se que ele possa ser de grande ajuda neste trabalho, não somente para ajudar a explicar o processo de endogenia da oferta de moeda, mas também, como será visto mais adiante, para desenvolver a contribuição Pós-Keynesiana para a teoria de economia regional (para uma visão alternativa, porém não necessariamente contraditória, do processo de evolução dos bancos ver Kregel 1997). 12 Em seu trabalho original, Chick (1992 [1986]) descreve cinco estágios de desenvolvimento bancário. Dow (1999) incorpora um sexto estágio. No presente trabalho será utilizada a versão de Dow. 25 These features implied that an expansion of lending would entail a substantial loss of reserves even to the system as a whole. Banks are thus dependent of deposits for reserves and on reserves for lending capacity (Chick 1992 [1986], p. 194) Nesse cenário, a poupança determina o investimento. A capacidade de fornecer crédito está condicionada pela capacidade dos bancos em captar poupanças. Estas, por sua vez, estão condicionadas pela quantidade de moeda ofertada (high-powered money) não demandada pelo público na forma de cash ou por mudanças na preferência do público entre dinheiro vivo e depósitos bancários. Fundamental neste contexto é o fato do montante emprestado não retornar aos bancos sob a forma de depósitos, significando a existência de risco na atividade de concessão de empréstimo. No segundo estágio, o sistema bancário já possui a confiança do público, significando que os depósitos bancários podem ser usados como moeda. Além disso, esta possibilidade é ampliada pela consolidação de acordos de compensação entre bancos e pelo aumento do número de agências. Isto possibilita uma mudança radical no significado dos depósitos, uma vez que passam a representar toda a renda, seja ela destinada ao consumo ou não (poupança). Este desenvolvimento é de fundamental importância para a operação bancária, uma vez que o sistema não perde depósitos com empréstimos. Neste sentido, os bancos são encorajados a emprestar “dinheiro que não possuem” (além das reservas). Nas palavras de Dow, This development is crucial to the development of banking as opposed to financial intermediation. Now that there is less call on the intermediary’s reserves of coin, funds may be lent out without a prior matching deposit. The intermediary can generate what we now know as the ‘bank multiplier’. Deficit units can be financed without prior saving elsewhere in the system. The intermediary, now a bank, can itself create deposits as the counterpart to new lending which add to the local money supply and provide the basis for further financial intermediation (Dow 1999, p. 37) O multiplicador dos depósitos bancários é a teoria relevante: o sistema bancário pode emprestar um valor que é um múltiplo das reservas (sujeito à manutenção de um patamar mínimo de reservas). Nesse cenário, depósitos são uma conseqüência do processo de concessão de crédito. O sistema financeiro possui a capacidade de desenvolver os mecanismos para aumentar o estoque de depósitos bancários. O investimento pode preceder a poupança. 26 O estágio III é caracterizado pelo desenvolvimento de mecanismos de empréstimos inter-bancários, fato este que potencializa o uso das reservas, fazendo com que o multiplicador de depósitos bancários atue de forma ainda mais intensa. Como pode ser notado, este estágio é um aprofundamento do estágio anterior. O quarto estágio marca uma mudança significativa na forma de operação do sistema bancário, e, conseqüentemente na teoria necessária para analisá-lo. Este é o estágio onde a atuação dos bancos centrais sofre uma mudança significativa: ele passa a atuar como emprestador de última instância para qualquer banco que esteja em crise, mesmo que isoladamente.13 Under these circumstances, the supply of reserves has become endogenous, subject to the influence of the banks themselves. In turn, banks can now respond to the demand for loans, rather than being constrained by an exogenous stock of reserves (Dow 1993, p. 38) Neste estágio o banco central assume totalmente a responsabilidade pela manutenção da estabilidade do sistema bancário. No quinto estágio os bancos desenvolvem a administração do passivo, buscando atrair, ou reter, como depósitos, poupanças que poderiam ser mantidas em outras instituições financeiras. Esta é uma conseqüência do aumento da competição por depósitos dos bancos com instituições financeiras não-bancárias. The banks are forced to become much more pro-active, seeking lending opportunities and the deposits to match them, that is, to engage in liability management. This is where financial expansion starts to take on a life of its own, driven by the banks’ concern over market share rather than the financing needs of borrowers in the productive sector. There will always be demand for credit to finance speculation. (Dow 1999 [1986], p. 38 -9) O sexto e último estágio representa uma resposta às conseqüências da expansão do sistema financeiro ocorrida durante o estágio anterior, que não necessariamente tiveram rebatimentos positivos no setor produtivo. Como visto acima, a estratégia de gestão de passivos, através de uma busca constante por reservas, levou à expansão dos depósitos, facilitando o aumento tanto de 13 De acordo com Chick, (1992 [1986]) a atuação do banco central enquanto emprestador de última instância já havia sido defendida há bastante tempo atrás por Bagehot (1873). No entanto, tal intervenção ocorreria apenas quando ocorresse uma crise generalizada do sistema. No estágio IV, discutido acima, esta atuação ocorreria mesmo quando uma crise de liquidez afetasse apenas um único banco. 27 atividades em mercados especulativos, quanto ao aumento da taxa de juros. Estas duas últimas conseqüências significaram um abandono do financiamento de atividades produtivas enquanto estratégia central dos bancos em busca de lucratividade. Assim sendo, observa-se um esforço, por parte das autoridades monetárias, em controlar este processo especulativo e a oferta de reservas através de regras de adequação de capital. A resposta do sistema bancário foi o desenvolvimento da securitização. Banks turned existing loans into marketable securities and developed the provision of financial services in securities markets, facilitating borrowing by means of issuing securities, rather than lending directly themselves. At the same time, they encouraged the development of markets in derivative products which offered banks profit-making opportunities off the balance sheet, and thus not subject to capital requirements (although the requirements have since been changed to try to capture exposure to off – balance sheet risk). (Dow 1999, p. 39) É no contexto do quarto estágio de desenvolvimento bancário, acima descrito, que a teoria da endogenia da oferta de moeda emerge. Dito em outras palavras, este desenvolvimento teórico se situa em um contexto institucional relativo à forma de atuação do sistema bancário. Neste sentido é uma teoria datada no tempo. Além do quadro institucional em vigor, a situação em que os bancos se encontravam ao final da II Guerra também favoreceu o desenvolvimento desta teoria, que pode ser entendida através da evolução dos balanços dos bancos. Pelo lado do ativo, observa-se que os sistemas bancários possuíam um grande volume de títulos públicos devido à necessidade de financiamento dos custos de guerra. Este fato determinou o surgimento de uma grande liquidez, uma vez que estes títulos possuíam uma grande aceitação. Com o crescimento econômico do pós-guerra, os bancos passaram gradativamente a trocar os títulos públicos (resgate dos governos) por títulos e créditos junto ao setor privado, diminuindo a liquidez dos bancos (títulos com menor aceitação). Pelo lado do passivo, observou-se o desenvolvimento do mercado internacional de divisas e o surgimento de uma série de inovações financeiras que facilitavam a obtenção de 28 fundos por parte dos bancos. Com isto ocorreu uma redução progressiva na proporção de reservas mantidas em caixa. Neste contexto, ficou mais difícil para os Bancos Centrais constrangerem os bancos por meio de limitações de reservas sem pôr em risco o sistema. Isto os levou a, na prática, socorrer todo e qualquer banco em situação de restrição de liquidez, dando ao sistema como todo a garantia de que os bancos poderiam emprestar o quanto desejassem, uma vez que o banco central os socorreria sempre que necessário. Nas palavras de Dow, Kaldor’s strongest argument for the passivity of the monetary authorities in the face of expanding credit is that this is what inspires the confidence in the financial system which allows it to flourish; if the authorities were to contemplate refusing to supply reserves on demand, the entire financial system would be threatened by a crises of confidence. (Dow 1999, p. 70) A teoria da endogenia da oferta de moeda teve implicações profundas no debate entre Keynesianos e Monetaristas acerca da eficácia da política monetária no que concerne ao controle das autoridades monetárias sobre a quantidade de moeda na economia. Como visto, na visão verticalista (monetarista), a autoridade monetária controla plenamente a oferta de moeda, sendo assim possível determinar a quantidade de moeda na economia. Como, para esta vertente de pensamento, a quantidade de moeda determina o nível de preços (via teoria quantitativa da moeda), deriva-se, então, que a política monetária se torna o instrumento principal no combate a inflação.14 Já os adeptos da endogenia da moeda preconizam que a autoridade monetária, ao atuar como emprestador de última instância, teria perdido a sua capacidade de controlar a oferta de moeda, limitando-se a definir a taxa de juros que seria cobrada aos bancos em caso de socorro de liquidez. No entanto, afirmam os horizontalistas, os bancos determinariam uma taxa de juros para a concessão de crédito através de um mark-up sobre esta taxa e, desde que o demandante de empréstimo estivesse disposto a pagar esta taxa, o empréstimo seria efetuado. Nas palavras de Moore, 14 Esta interpretação fundamentou as políticas de metas de agregados monetários (precursora do regime de metas de inflação) adotado pelos governos Reagan e Thatcher no final dos anos setenta. 29 The Federal Reserve retains the power to set interest rate at which it will provide lender of last resort liquidity. But it has very limited ability to constrain quantitatively the amount of reserves provided below the demand for them (Moore 1988, p. 39) Ou seja, mesmo que as reservas sejam adquiridas a uma taxa de juros mais alta, os bancos poderão expandir os empréstimos caso a expansão seja rentável (rentabilidade marginal dos empréstimos comparadas aos custos marginais da aquisição das reservas adicionais junto ao Banco Central). A oferta de moeda, nesse caso, acaba se tornando completamente endógena à demanda: uma reta horizontal. A versão horizontalista da oferta de moeda, no entanto, não é unânime na literatura Pós – Keynesiana. Autores como Davidson (1972), Kregel (1984-5), Rousseas (1986), Jarsulic (1989), Dow e Dow (1989), Wray (1990), Pollin (1991), Carvalho (1992), entre outros questionam a hipótese de que os bancos sempre validariam a demanda por crédito. Basicamente, estes autores analisam a atuação dos bancos em termos de sua própria preferência pela liquidez. Portanto, é através da análise da escolha de portfólio por parte dos bancos que a questão da endogenia da moeda deve ser tratada. Assim sendo, para qualquer política adotada pelas autoridades monetárias, a criação real de moeda dependerá do comportamento dos bancos. Estes irão procurar fazer suas decisões de portfólio combinando lucratividade e liquidez: For any given policy of the monetary authorities, the actual creation of money will depend on the behaviour of banks. The portfolio choices of banks are oriented by the need to combine profitability with liquidity. According to the conditions in which existing asset possibilities offer those two attributes, banks will choose an investment policy which will ultimately determine the money supply. (Carvalho 1992, p. 111) Dessa forma, a análise estruturalista fundamenta-se na análise de dinâmicas monetárias centradas nas estruturas financeiras, envolvendo estratégias de valorização das instituições financeiras, o que permite questionar a estabilidade do multiplicador dos meios de pagamento e, conseqüentemente, da estabilidade da velocidade de circulação de moeda. A causa de uma falha de demanda efetiva poderá, então, ocorrer devido tanto ao fato de as firmas preferirem ativos líquidos à produção de bens de capital, quanto ao fato de os bancos escolherem direcionar seus recursos para o circuito financeiro ao invés do circuito industrial: 30 In a sense this approach suggests that the very dichotomy between demand and supply of money is too narrow. It is the same fundamental factor that is in operation in both sides of the market: liquidity preference (Carvalho 1992, p. 112) É importante notar que o sentido de endogenia da oferta de moeda ainda se mantém presente na abordagem estruturalista, embora de forma distinta da observada entre os horizontalistas. Enquanto nestes últimos, a oferta de moeda é endógena à expectativas do setor privado não bancário, nos primeiros a endogenia é garantida e determinada pelo setor bancário exclusivamente. A principal crítica aos horizontalistas é o não reconhecimento da possibilidade de os bancos optarem por alocar seus ativos na circulação financeira. Por fim vale salientar que, como será visto mais a frente, a abordagem estruturalista de oferta de moeda que dá as bases para a interpretação Pós- Keynesiana de desenvolvimento regional. As duas outras interpretações (verticalista e horizontalista) não possuem espaço para que a moeda seja entendida como uma variável importante na dinâmica regional. I.1.3 POUPANÇA, FINANCE E FUNDING15 Uma das mais importantes rupturas com a teoria ortodoxa introduzida por Keynes está na relação entre poupança e investimento. Enquanto que para a teoria clássica estas duas variáveis são faces da mesma moeda, intermediada pela taxa de juros, Keynes estabeleceu teoricamente uma clara distinção entre poupança e investimento. Nas palavras de Carvalho, It is a fundamental proposition of Keynesian economics in any of its forms that the savings decision should be studied separately from the choice as to the form in which saved income should be stored. (Carvalho 1992, p. 147). Keynes argumentava que o ato de poupar era um escolha inter-temporal relacionada com preferências intertemporais e, principalmente, à precaução ante um futuro incerto. Uma vez decido o quanto poupar, uma segunda decisão deve ser tomada: em que forma devem ser mantidos os recursos poupados. Esta segunda 15 A descrição do processo de poupança, finance e funding aqui apresentado baseia-se em Carvalho (1992). 31 decisão, de acordo com a visão ortodoxa, expressa na conhecida Teoria dos Fundos Emprestáveis, seria a obrigatória transformação destes recursos em investimento. Para Keynes, no entanto, esta relação direta não se estabelece, sendo a transformação em investimento apenas uma das opções existente. Esta decisão seria, em última instância, determinada pela preferência pela liquidez dos poupadores. Além de diferenciar poupança de investimento, Keynes também introduziu dois conceitos fundamentais para entender a dinâmica do investimento, quais sejam: finance e funding Finance seria o processo de criação de moeda para sustentar qualquer gasto planejado. É a criação de um volume de moeda necessário para tornar possível um plano de gasto. As stressed by Keynes and Post Keynesians, it is nothing but a bookkeeping operation by which a bank buys an asset (the claim against the borrowing firm) by creating a liability against itself (the demand deposits that the firm will use to make its purchase) (Carvalho 1992, p. 149) Importante salientar que neste processo nenhum recurso real é envolvido. Nenhuma poupança participa deste processo. O finance é uma operação que precede no tempo a compra ou mesmo a produção do bem de capital que será demandado. Como a produção ainda não começou, a renda ainda não foi gerada e então a poupança, que é uma alocação da renda corrente, ainda não pode existir (Carvalho 1992). A definição de finance discutida acima permite uma clara diferenciação com poupança. Enquanto o primeiro é o processo de criação de moeda por parte das instituições que detém poder de fazê-lo (bancos ou autoridades monetárias), a poupança é o processo de alocação de renda recebida pelo público em geral. São dois processos com origens e implicações distintas. Além disso, é evidente na explicação acima que o finance precede qualquer atividade produtiva. Uma vez obtido o finance, ele é alocado no processo produtivo, que, por sua vez, gera renda. Fica clara a causalidade inversa daquela prevista pela 32 teoria neoclássica (S ex-ante = I ex-post). Esta última só tem validade em economias de troca, onde não existe o sistema bancário.16 Uma característica essencial do finance está no fato deste se caracterizar por ser empréstimos de curto prazo, que são fornecidos pelos bancos para projetos e produção de bens de capital. Ele começa o processo de investimento, mas não o sustenta: When Banks create finance, they are accepting becoming temporarily illiquid. Banks typically issue short-term liabilities, such as demand deposits, or certificates of time deposits. Their assets have to be correspondingly short- lived in order to guarantee their safe operation. When a loan to an investing firm is made, the bank is assuming a speculative position by absorbing an asset, the loan, that ultimately supported by an illiquid asset, the investment bought by the firm. (Carvalho 1992, p. 150) Vale notar que o retorno do investimento se dá a longo - prazo, enquanto que finance é obtido com títulos de curto prazo. Assim sendo, se faz necessário trocar as obrigações de curto prazo por obrigações de longo prazo. Este processo é chamado de funding. The entrepreneur when decides to invest has to be satisfied in two points: firstly, that he can obtain sufficient short-term finance during the period of producing the investment; and secondly, that he can eventually fund his short- term obligations by a long-term issue on satisfactory conditions (Keynes 1973, p. 217) Neste ponto vale a pena ilustrar o processo de finance e funding de forma a melhor esclarecê-los. 17 Suponha um investidor que decida adquirir um novo bem de capital. Assim sendo, procura um produtor deste bem e o encomenda. O produtor do bem de capital aceita a encomenda e combina um valor X a ser pago no momento da entrega do respectivo bem de capital. O produtor do bem de capital agora se vê diante da necessidade de contratar trabalhadores, engenheiros, comprar insumos etc, para produzir o bem. Para fazê-lo, procura um banco para financiar esta produção solicitando o mesmo valor X.18 O banco fornece o empréstimo para ser pago logo após a entrega do 16 Em uma economia de trocas, é necessário poupar milho para investir na produção adicional de milho, por exemplo. 17 Este exemplo é baseado em Davidson (1986) 18 Neste exemplo o produtor antecipa seus lucros que estavam embutidos no valor X combinado. 33 produto ao investidor. Este empréstimo é o finance. Uma obrigação adquirida junto aos bancos antes do processo produtivo começar efetivamente. De posse do finance o produtor do bem de capital emprega trabalhadores e compra insumos. Este processo injeta recursos na economia, que, via efeito multiplicador, gera uma renda superior ao investimento efetivamente feito. Esta renda aumentada terá uma parte consumida e a outra poupada de acordo com a preferência pela liquidez do público em geral. Desta forma, o finance gerou um processo no qual ao seu final, uma nova poupança foi gerada em igual valor ao finance. Paralelamente a este processo, o investidor que encomendou o bem de capital está à procura de financiamentos cuja maturidade seja compatível com o fluxo de receita futuras provenientes de utilização do bem de capital encomendado. Estes recursos serão encontrados na nova poupança que foi gerada pelo finance, desde que o sistema financeiro gere os mecanismos necessários para compatibilizar as respectivas preferências pela liquidez (poupadores e investidores). Neste momento, o funding é formado. De posse deste funding, o investidor paga ao produtor do bem de capital no ato de sua entrega. Este último, por sua vez, salda as suas obrigações de curto- prazo junto aos bancos, encerrando todo o processo. Neste ponto ficam evidentes as diferenças entre o finance e o funding no processo de investimento. O investidor necessita de funding, enquanto o produtor necessita de finance. A necessidade de finance pode ser atendida pelos bancos, que emitem empréstimos de curto prazo, ficando menos líquidos, pois aumentam em seus portfólios empréstimos que são garantidos por ativos ilíquidos. O investidor não pode “financiar” o investimento com este tipo de título, pois ele é incompatível com as características do ativo que está adquirindo. O candidato ideal para o funding são os agentes que possuem um volume de poupança além do desejado, volume este que foi criado pelo processo do multiplicador desencadeado pelo gasto do finance. Por fim, vale salientar que não existem garantias que os detentores desta nova poupança queiram preservar, no tempo, sua nova riqueza da mesma forma 34 que os investidores desejam “fundar” suas dívidas. Isto significa que a preferência pela liquidez dos agentes poupadores pode inviabilizar o processo de funding19. A solução para problemas de compatibilidade entre a preferência pela liquidez dos poupadores e a necessidade de funding do investidor está no desenvolvimento das instituições financeiras. O objetivo deste capítulo foi discutir os fundamentos teóricos a partir dos quais se fará uma releitura dos clássicos do desenvolvimento regional e urbano nos dois capítulos seguintes. Na discussão anterior ficou evidente a importância da moeda e do sistema financeiro em uma economia onde a incerteza é uma condição permanente. A moeda atua como reserva de valor, servindo de refúgio, por ser riqueza em sua forma mais liquida. É esta característica fundamental da moeda, aliado aos princípios que norteiam uma Economia Monetária de Produção, que permite que o conceito de preferência pela liqüidez se torne central, possibilitando à moeda desempenhar um papel chave afetando preferências e decisões. Além disto, a aplicação deste entendimento ao processo de operação do sistema bancário, como expresso na visão estruturalista da oferta de moeda, da a este último um papel chave no processo de desenvolvimento de uma economia capitalista, a partir do seu poder em afetar o processo de geração tanto do finance, quanto do funding. Dessa forma, o sistema financeiro passa a ter um papel ativo no desenvolvimento econômico superando a visão clássica que o enxerga apenas como intermediário entre poupadores e investidores. O conceito de funcionalidade do sistema financeiro, neste contexto, se torna crucial para a superação desta visão clássica, pois consegue combinar o conceito de preferência pela liquidez, a função de intermediação financeira do banco, e possibilidade de risco sistêmico de uma economia capitalista. É a partir desta compreensão do papel da moeda e suas implicações que, no capítulo seguinte, os autores clássicos do desenvolvimento regional e urbano serão analisados. Procurar-se-á investigar em que medida a concepção de moeda 19 Vale lembrar que a poupança é aqui vista como precaução contra incerteza. 35 adotada em cada autor interfere em suas principais conclusões e em que medida uma nova concepção poderia modificar tais conclusões. 36 I.2 AS TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E MOEDA Uma revisão do atual estado das artes de teorias de desenvolvimento regional e urbana mostra uma clara divisão temporal nas concepções teóricas de desenvolvimento regional e nas conseqüentes políticas de desenvolvimento regional e urbano daí derivadas. Este marco temporal é datado dos anos setenta, onde a economia mundial vivenciou crises simultâneas e as mudanças do paradigma e do padrão tecnológico: os choques do petróleo de 1973 e 1979, e seus impactos em termos de crescimento econômico; a crise do Estado Keynesiano de Bem Estar Social; crise urbana e; o novo padrão tecnológico, liderado pelo paradigma micro-eletrônica, informática e telecomunicações. É nesse contexto que ser observa uma clara transição no que diz respeito à estrutura das políticas regionais utilizadas. Até meados dos anos 1970 observam- se políticas regionais Top-Down, com ênfase na demanda e na correção das disparidades interregionais, caracterizadas como políticas keynesianas. Após este período o desenho de políticas regionais centra-se na estrutura Botton-up, de caráter descentralizado e focado na produtividade endógena das economias regionais e locais, aqui denominadas de enfoque na competitividade. Essa mudança de concepção de política tem sua origem em uma gama variada de fatores, que podem ser sintetizados em três grandes blocos: a) mudanças teóricas e ideológicas na concepção e no papel do Estado, criticando a excessiva intervenção do mesmo e advogando sua retirada; b) críticas teóricas e empíricas ao pequeno alcance social das políticas regionais, resgatando a questão das classes sociais nos padrões de desenvolvimento capitalista; e c) desafio dos novos fenômenos não explicados pela teoria anterior, a exemplo dos processos de desindustrialização e crise dos padrões fordistas de organização produtiva, das mudanças na divisão internacional do trabalho e da emergência dos NIC´s (New 37 Industrialised Countries), da emergência de novos padrões tecnológicos e novas regiões produtivas (Diniz 2002)20 No que segue, faz-se uma discussão das teorias de desenvolvimento regional tendo como referencial temporal a discussão feita acima. I.2.1 A PRIMEIRA GERAÇÃO: O ENFOQUE KEYNESIANO Os anos de 1950 e 1960 experimentaram o que foi chamado por alguns autores de primeira geração de políticas regionais (Maillat 1998; Helmsing 1999; Jiménez 2002, entre outros). Tais políticas foram formuladas em um ambiente teórico fortemente influenciado pelo keynesianismo. Como se sabe, esta corrente de pensamento coloca em questionamento a hipótese de existência de mecanismos automáticos de correção dos mercados e, portanto, defende a necessidade de uma intervenção externa na economia. Entre os mercados que não se ajustam automaticamente estaria o de trabalho, de longe o mais importante nesta abordagem. O não ajustamento automático desse mercado significa admitir a existência de equilíbrio com desemprego involuntário, hipótese esta negada tanto pela escola clássica como pela corrente neoclássica. A principal conseqüência, em termos das políticas econômicas da abordagem Keynesiana, é colocar a obtenção do pleno emprego como objetivo central da política macroeconômica. Atuação do Estado na economia seria, portanto, necessária para a obtenção do pleno emprego. Esta concepção macroeconômica mais geral influenciou várias interpretações teóricas acerca do desenvolvimento regional e das políticas necessárias para combater os desequilíbrios existentes. Tais teorias postulavam que o desenvolvimento de uma região estaria condicionado pela posição ocupada por esta região em um sistema hierarquizado e assimétrico de regiões, cuja dinâmica estava, em grande medida, fora dela própria. A seguir discutem-se os trabalhos mais importantes desta primeira geração. 20 Para um balanço da crise da economia regional e de suas perspectivas, veja a coletânea de artigos publicada nos volumes 17 (3) e 18 (2), da International Regional Science Review, ambos publicados em 1995. 38 I.2.1.1 TEORIA DO DESENVOLVIMENTO DESIGUAL Conforme interpretações baseadas na economia neoclássica, as quais viam o processo de desenvolvimento quer seja com uma tendência ao equilíbro, quer seja como um processo de evolução natural baseado em etapas (Rostow), o período Keynesiano de políticas regionais presenciou o surgimento de uma série de teorias que tinham, no centro de sua contribuição, a ativa idéia de que o processo de desenvolvimento seria necessariamente desigual. Dentre estes autores, três se destacam e serão aqui analisados: Myrdal, Hirschman e Kaldor. Myrdal tornou-se um dos autores seminais na discussão de desenvolvimento regional desigual pelo seu livro “Economic theory and under- developed regions” (Myrdal 1965). Neste trabalho, inicia sua discussão sobre desigualdades regionais, a partir do conceito de circulo cumulativo mostrando que ele serve tanto para explicar um circulo ascendente quanto descendente. De acordo com o autor, o círculo vicioso seria explicado por um homem pobre não possui o bastante para comer, assim se torna fraco, assim trabalha menos, assim será mais pobre ... (Myrdal 1965, p. 32). O mesmo círculo pode ser ascendente (círculo virtuoso): “Aquele que é rico, se alimenta bem, assim trabalha melhor e assim se torna mais rico” (idem). Desta constatação chega a sua primeira afirmativa relevante no livro “... percebe-se que o processo acumulativo opera em ambas as direções. Revela-se também a compreensão do fato,...,de que o processo acumulativo, quando não controlado, promoverá desigualdades crescentes.” (Myrdal 1965 /1957, p. 33). Myrdal recusa-se a aceitar a hipótese de equilíbrio estável, no qual sempre existem forças atuando no sentido de recondução ao equilíbrio sempre que este seja afetado, como um arcabouço teórico relevante para explicar a realidade social. Para este autor, a idéia de processo circular cumulativo seria o mais adequado para explicar os processos econômicos e sociais que resultam no desenvolvimento e no subdesenvolvimento. Em suas palavras: 39 O sistema não se move, espontaneamente, entre forças, na direção de um estado de equilíbrio, mas, constantemente, se afasta desta posição. Em geral, uma transformação não provoca mudanças compensatórias, mas, antes, as que sustentam e conduzem o sistema, com mais intensidade, na mesma direção da mudança original. Em virtude dessa causação circular, o processo social tende a tornar-se cumulativo e, muitas vezes, a aumentar, aceleradamente, sua velocidade. (Myrdal 1965 /1957, p. 34)21 A única possibilidade de retorno ao equilíbrio seria através de mudanças exógenas com direção e força necessária para esta restauração. No entanto, afirma que este novo equilíbrio, de maneira alguma, é estável, uma vez que qualquer mudança exógena iniciará, por sua vez, um novo processo cumulativo. Finalmente, afirma que seria possível atingir uma posição estável mediante interferências políticas planejadas. O importante no conceito de causação circular cumulativa de Myrdal é o entendimento de que, uma vez rompida uma situação de equilíbrio, o sistema tende a se distanciar cada vez mais desta posição. Isto decorreria da interdependência entre os elementos que compõem o sistema no qual o equilíbrio está ocorrendo. Desta forma, durante o processo de causação circular cumulativa a mudança de qualquer variável causa mudanças em outras, que por sua vez, fortificam as primeiras e assim sucessivamente. Ou seja, a reação à primeira mudança não ocorre, como previsto pela teoria mainstream tradicional, no sentido inverso ao da primeira mudança, mas sim no mesmo sentido, gerando assim um processo cumulativo. Este processo só poderia ser interrompido se forças exógenas atuassem no sentido oposto ao inicial. Uma conseqüência natural da aceitação da hipótese da causação circular cumulativa é a impossibilidade de se buscar um fator básico a partir do qual tudo se desencadearia. A interdependência inerente a este processo impediria este procedimento metodológico na elaboração do pensamento científico.22 É interessante ressaltar que é através deste processo causação cumulativa que a interdependência entre regiões se estabelece. Neste sentido, o autor 21 Segundo Amado (1997), o princípio da causação circular cumulativa é fortemente oposto à predição ortodoxa de que as diferenças regionais e internacionais seriam solucionadas através de mecanismos de comércio e migração de fatores e produtos. 22 É importante notar que, em determinada medida, esta é uma interpretação metodológica muito próxima ao que hoje é denominada de open system (Chick e Dow 2005). 40 desenvolve os conceitos de backwash effects e de spread effects. Os primeiros são os efeitos regressivos de uma localidade em outras, seriam os efeitos negativos em uma localidade menos desenvolvida, derivados do processo de causação cumulativa positiva em uma localidade mais desenvolvida. Ou seja, é o processo de dinamismo da primeira que cria as condições para o atraso da segunda, amplificando desta forma as disparidades regionais já existentes. Já os spread effects seriam o transbordamento positivo do desenvolvimento de uma região em outra. Há de se ressaltar, no entanto, que não existe, segundo Myrdal, razões para pressupor que os dois efeitos se anulariam gerando uma situação de equilíbrio. O autor defende que existe um processo cumulativo determinado por economias externas e internas crescentes, que determinaria uma tendência de concentração das atividades em regiões já desenvolvidas, fazendo com que o processo de desenvolvimento seja cada vez mais desigual e caminhando sempre no sentido de reforçar esta desigualdade. Três seriam os fatores determinantes para explicar o processo de causação circular cumulativa: migração; movimento de capital e comércio. Especificamente ao que interessa nesta tese, o movimento do capital, o autor diz: Nos centros de expansão, o aumento da demanda dará um impulso ao investimento que, por sua vez, elevará as rendas e a procura, e causará um segundo fluxo de investimentos, e assim por diante. A poupança aumentará em decorrência das rendas mais altas, mas tenderá a ficar inferior ao investimento, no sentido de que a oferta de capital teria de satisfazer uma demanda ativa. Nas outras regiões, a falta de novo impulso expansionista tem como conseqüência o fato de a demanda de capital permanecer relativamente fraca, mesmo quando comparada ao volume de poupanças, que será pequeno, porque as rendas também o são e tendem a declinar. Estudos em muitos países revelam como o sistema bancário, quando não controlado para operar de maneira diferente, tende a transformar-se em instrumento que drena as poupanças das regiões mais pobres para as mais ricas e mais progressistas, onde remuneração do capital é mais alta. (Myrdal 1965, p. 54, grifo nosso) O autor considera explicitamente que o sistema bancário tem uma função nos desequilíbrios regionais, ao funcionar como um elemento que reforça os backwash effects.23 No entanto, duas observações merecem ser feitas. Em primeiro 23 Este aspecto da obra de Myrdal também foi observado por Martin, 41 lugar, fica a impressão de uma visão convencional tanto da moeda quanto do sistema financeiro, muito próxima à abordagem dos “fundos emprestáveis”. Isto pode ser observado quando o autor salienta a possibilidade de existir um excesso de demanda por fundos na região desenvolvida em quantidade superior à oferta de poupança. Por mais que esta possa ser uma realidade, ao sugerir que este excesso será suprido com o excesso de poupança de regiões mais atrasadas, Myrdal nega a capacidade do sistema bancário em criar moeda, podendo-se supor a existência de uma abordagem verticalista24 da oferta de moeda. Neste sentido, o sistema bancário estaria apenas realocando fundos emprestáveis entre regiões de acordo com as regras de controle sobre o seu funcionamento. Dito de outra forma, o sistema financeiro não estaria sendo funcional. Neste ponto é relevante ter em mente a perspectiva teórica aqui adotada. Como descrito no Capitulo 1 da Parte I, desta tese, existe uma diferença entre finance e funding que é de fundamental importância para o entendimento do argumento aqui apresentado. Como dito anteriormente, o finance, que é o recurso necessário ao início de qualquer processo de investimento, sempre existirá desde que a preferência pela liquidez dos bancos assim o permita. Ou seja, desde que o banco avalie que os riscos e remunerações envolvidos neste processo sejam compensatórios, eles sempre criarão moeda para atender as demandas de curto prazo de investimento. Isto, no entanto, não significa que a poupança formada por este processo de finance se transformará automaticamente no funding necessário para o financiamento de longo prazo deste investimento. Isto nos leva à segunda observação. O papel do sistema financeiro, e especialmente do sistema bancário, nesta abordagem é eminentemente passivo, funcionando como um mero intermediário financeiro, não possuindo preferência pela liquidez. De acordo com a perspectiva Gunnar Myrdal (1957) directed attention to the question of regional financial flows in his theory of cumulative, uneven regional development. He included the drainage of regional funds through a nation banking system as one of backwash effects which have a negative impact on peripheral areas in an economy. However, unfortunately, although Myrdal’s cumulative causation model of uneven regional development was subsequently to have a significant influence on both regional economics and economic geography, the financial aspect of his argument was not taken up. (Martin 1999, p. 4) 24 A vertente verticalista da oferta de moeda considera que esta é completamente controlada pelas autoridades monetárias, podendo desta forma ser representada por uma reta vertical. 42 teórica adotada nesta tese, só com o entendimento do sistema financeiro como tendo preferência pela liquidez é possível admitir a possibilidade deste em não atender à necessidade de funding das empresas localizadas em regiões mais desenvolvidas. Isto porque todo investimento gera a poupança necessária para financiá-lo (funding). A questão que se coloca é se o sistema financeiro está ou não disposto a transformar esta poupança, criada pelo processo de investimento, em funding. Neste sentido, do ponto de vista teórico, a escassez de funding só ocorrerá devido a dois fatores: um vazamento dele para outra região, fato este impossível, segundo o modelo de causação circular cumulativa, dentro de uma região desenvolvida; ou devido à preferência pela liquidez do sistema financeiro. Esta segunda opção não é incorporada na formulação teórica de Myrdal, o que faz com que o modelo seja incompleto de acordo com a perspectiva teórica aqui adotada. Vale salientar que a adoção desta perspectiva não implica na negação do processo de causação circular cumulativa, mas sim a adição de mais um elemento, que nos dias atuais se torna cada mais importante, entre aqueles que podem causar o cessamento do processo ascendente da causação circular cumulativa. Nas palavras de Myrdal, haverá fatores, inerentes à situação de um centro de expansão econômica, que tendem a retardar ou, quanto tiver alcançado certo nível de desenvolvimento, a fazer reverter o processo cumulativo ... (Myrdal 1965, p. 64) Entre tais fatores salienta a expansão dos salários e o aumento na remuneração de outros fatores de produção, entre outras “deseconomias externas”. Na perspectiva teórica aqui utilizada, poder-se-ia afirmar que o sistema financeiro poderia funcionar como um elemento que restringiria o desenvolvimento do processo acumulativo de crescimento. Isto poderia ocorrer devido a um comportamento “a la Minsky” (Minsky 1986) do sistema financeiro, onde após um grande ciclo de expansão passaria a reduzir a oferta de funding, dado um aumento de sua preferência pela liquidez.25 25 Vale lembrar que no modelo de Minsky, os bancos, após um período de euforia, tendem a reduzir a oferta de funding devido ao fato do lado do ativo de seu balanço se tornar excessivamente ilíquido. Ou seja, devido ao aumento de empréstimos realizados no período de boom, a proporção de ativo líquidos e ilíquidos passa a 43 O segundo autor aqui discutido, que também argumenta em favor de uma teoria de desenvolvimento não equilibrado, é Albert Hirschman. Em sua obra seminal The Strategy of Economic Development ele expõe sua argumentação que, em sua essência, é complementar à desenvolvida por Myrdal. Dois pontos são fundamentais em sua análise. Em primeiro lugar, Hirschman deixa claro que o subdesenvolvimento não pode ser explicado pela ausência ou escassez quer seja de fatores de produção, quer seja de personagens humanas, tais como empresários. Geralmente, vários destes fatores são encontrados em países subdesenvolvidos, não sendo, no entanto, utilizados. Em suas palavras: Thus, while we were at first discouraged by the long list of resources and circumstances whose presence has been shown to be needed for economic development, we now find that these resources and circumstances are not so scarce or so difficult to realize, provided, however, that economic development itself first raises its head (grifos do autor; Hirschman 1958. p. 5) Fica evidente pela citação acima que, para Hirschman, o processo de desenvolvimento é caracterizado por um mecanismo de círculo virtuoso, pois ... once economic development has started, the circle is likely to become na upward spiral as all the prerequisites and conditions for development are brought into being. (Hirschman 1958) p. 5 Além disto, segundo autor, o problema do desenvolvimento não dependeria somente de se encontrar a combinação ótima de recursos e fatores de produção dados. Uma vez que estes fatores estariam presentes em economias subdesenvolvidas, eles emergiriam sempre que o desenvolvimento ocorresse. O importante a ser ressaltado aqui é que esta abordagem permite modificar a forma de como se analisa o processo de desenvolvimento. Ao invés de se concentrar na discussão da existência ou não de fatores de produção ou recursos naturais, o que se torna necessário seria to focus on the essential dynamic and strategic aspects of the development process. Instead of concentrating exclusively on the husbanding of scarce resources such as capital and entrepreneurship, our approach leads us to look tender excessivamente para o segundo. Esta situação levaria os bancos a interromperem o processo de concessão de empréstimos, levando ao encerramento do ciclo de expansão. 44 “pressures” and “inducement mechanisms” that will elicit and mobilize the largest possible amounts of these resources. (Hirschman 1958, p. 6) Neste sentido, segundo o autor, o planejamento do desenvolvimento constituiria essencialmente na constante construção de “pacing devices”. Em segundo lugar, Hirschman descarta veementemente a hipótese segundo a qual o processo de desenvolvimento ocorreria de forma equilibrada, na qual os vários setores da economia deveriam crescer pari passu de forma a se evitar desequilíbrios estruturais. Ao contrário, segundo o autor, o desenvolvimento deveria ser visto como uma cadeia de desequilíbrio. Este desequilíbrio, usualmente gerado por diferencial de lucratividade entre setores, deveria ser mantido: In other words, our aim must be to keep alive rather than to eliminate the disequilibria of which profits and losses are symptoms in a competitive economy. If the economy is to be keep moving ahead, the task of development policy is to maintain tensions, disproportions, and disequilibria. […] Therefore, the sequence that ‘leads away from equilibrium’ is precisely an ideal pattern of development from our point of view: for each move in the sequence is induced by a previous disequilibrium and in turn creates a new disequilibrium that requires a further move. This is achieved by the fact that the expansion of industry A leads to economies external to A but appropriable by B, while the consequent expansion of B brings with it economies external to B but subsequently internal to A (or C for that matter), and so on (Hirschman 1958, p. 66-67). A citação anterior é importante, pois ela deixa bem claro o processo cumulativo existente no processo de desenvolvimento demonstrando, assim, as similaridades existente entre Hirschman e Myrdal. Tais similaridades não são apenas em relação à existência de um processo cumulativo, mas também em relação aos rebatimentos deste processo nas relações inter-regionais e internacionais. Hirschman explicitamente reconhece que as diferenças regionais internas a um país são explicadas pelos mesmos fatores que foram salientados por Myrdal, tendo as economias de escala um papel fundamental na explanação do porque do desenvolvimento se concentrar em apenas alguns pontos do espaço. Nas suas palavras: Whatever the reason, there can be little doubt that an economy, to lift itself to higher income levels, must and will first develop within itself one or several regional centers of economic strength. This need for the emergence of “growing points” or “growth poles” in the course of the development process means that international and interregional inequality of growth is an inevitable concomitant and condition of growth itself. (Hirschman 1958, p. 183-84). 45 Além disso, os mecanismos através dos quais este processo de desenvolvimento desigual aumenta ou reduz são conceitualmente idênticos. Segundo Hirschman, o que Myrdal chamou de backwash e spread effects possuem o mesmo significado que os conceitos de polarization e trickling-down effects por ele propostos. Além destas similaridades, existe uma forte semelhança também na maneira com que a moeda e o sistema financeiro são entendidos e representados. São inúmeras as passagens onde fica claro o entendimento da oferta de moeda sendo completamente exógena e o sistema financeiro funcionando apenas como um intermediário financeiro, sem nenhum papel na explicação das desigualdades regionais. A seguir, algumas citações: In other words, development is held back primarily by the difficulties of channeling existing or potentially existing savings into available productive investment opportunities, i.e., by a shortage of the ability to make and carry out development decisions. (Hirschman 1958, p. 36); …whether or not the distribution of income is very uneven, it is likely that total mobilizable savings in such economy exceed total investing capacity (Hirschman 1958, p. 36); During the subsequent phase, foreign capital is needed as capital. The entrepreneurial and managerial abilities are there, but the community now does not produce a sufficient amount of savings to employ these abilities fully (Hirschman 1958, p. 39) O título de uma seção do capítulo 2 diz textualmente: The supply of savings as a ceiling for the growth path. Neste momento, Hirschman argumenta que em uma segunda fase de crescimento de uma economia, a habilidade de investir deixa de ser o principal fator de restrição ao desenvolvimento. Neste momento, a oferta total de poupança se torna o obstáculo mais importante a ser superado: Inasmuch as savings set an effective ceiling to the amount of investment that an economy can actually undertake, they have been considered a necessary condition for investment activity to take place. (Hirschman 1958, p 40) Quando discute as escolhas de investimentos a serem feitas durante o processo de desenvolvimento, afirma: The limitation of resources, be they savings available for investment or our ‘ability to invest’ compels a choice among these projects (Hirschman 1958, p. 76) 46 Aceitar teoricamente que a poupança é prévia e determina o investimento implica na impossibilidade de dar ao sistema financeiro um papel relevante no desenvolvimento de uma região, o qual sempre fornece o montante de poupança necessária, desde que existente, para que o investimento seja realizado - ou seja, um sistema financeiro passivo. Apesar desta clara noção de que o sistema financeiro não exerce uma função determinante no processo do desenvolvimento, é importante salientar que Hirschman não necessariamente iguala toda poupança ao investimento, apesar de definir um teto para este último. Pelo contrário, para o autor poupança e investimentos são consideradas variáveis independentes. Em suas palavras, But because of the independence of savings and investment decisions, savings do not by themselves call forth investment activity ... (Hirschman 1958, p. 40) A decisão de investimento estaria relacionada à capacidade de uma sociedade em querer se desenvolver e em querer descobrir e criar oportunidades de investimentos. A existência ou não de poupança prévia determinaria a viabilidade deste investimento: Exaggerating a little, we may describe this concept [investment] in the following terms: at any time, capitalist economies dispose of an ample supply of entrepreneurs who are specially trained in the art of perceiving and ferreting out economic opportunity; who know how to rank all available opportunities according to their profitability; and who can perform or procure everything that is needed to transform the projects into reality, provided only that “finance” is available to them at appropriate terms and conditions (Hirschman 1958 p. 34; grifo adicionado) Vale salientar que apesar desta última passagem dar margem para uma possível atuação mais ativa do sistema financeiro, definindo os termos e as condições do financiamento disponível para investimento, isto não é levado adiante. Como já mostrado, em nenhuma outra passagem esta possibilidade é aprofundada, o que nos leva a crer que o que define a disponibilidade, termos e condições do financiamento seja o volume de poupança. Por sua vez, a origem desta poupança estaria relacionada a capacidade de não consumir de uma sociedade. Falando sobre a possibilidade de conflito entre objetivos e meios no processo de superação do subdesenvolvimento, ele afirma: “to achieve higher per capita incomes, current consumption must be reduced” (Hirschman 1958, p. 10). Esta é uma afirmativa somente aceita em uma abordagem 47 teórica onde a poupança determina o investimento. Dito de outra forma, para aumentar a renda per capita, seria necessário reduzir o consumo, pois, assim, ocorreria um aumento da poupança disponível para que o investimento fosse realizado, que, por sua vez, geraria um aumento da renda. Observa-se claramente o papel passivo do sistema financeiro nesta afirmativa. Também é interessante notar que Hirschman tinha claro para si o conceito de preferência pela liquidez. Ao discutir como a própria idéia de mudança pode adiar as transformações necessárias, Hirschman argumenta que poderiam ocorrer situações onde as expectativas muito otimistas – em comparação com as expectiativas acerca de projetos atuais - acerca de futuros projetos – ainda não existentes, mas presumíveis – poderiam fazer com que empresários preferissem alocar seus recursos em ativos mais líquidos de forma a esperar a oportunidade para projetos futuros se concretizasse. Ou seja, ocorreria uma redução de investimentos em projetos hoje, em favor de projetos futuros, reduzindo assim o nível de atividades hoje. Em outras palavras, [Investors] hold money or easily realized assets because they expect the profit rate on tomorrow’s ventures to be higher than that on today’s ventures, just as according to liquidity preference theory some investors are holding money because they anticipate higher interest rates (Hirschman 1958, p . 20) Apesar de admitir e aceitar o conceito de preferência pela liquidez para os capitalistas, Hirschman não estende o mesmo conceito para os bancos, determinando assim um papel passivo, não somente do sistema financeiro, mas da própria moeda. O terceiro autor a ser analisado é Kaldor (1970). Este inicia sua discussão sobre política regional negando a validade tanto da teoria neoclássica quanto da teoria de localização clássica (baseada nos custos de transporte) para explicar os determinantes que levam uma região específica a apresentar um desenvolvimento industrial significativo. Segundo este autor, tanto os recursos naturais quando os custos de transportes seriam explicações plausíveis apenas para land based activities, tais como agricultura e extração mineral. 48 A explicação para as desigualdades regionais estaria relacionada à existência de retornos crescentes de escala, em atividades industriais. Nas palavras de Kaldor, This is nothing else but the existence of increasing returns to scale – using that in the broadest sense – in processing activities. These are not just the economies of large-scale production, commonly considered, but the cumulative advantages accruing from the growth of industry itself – the development of skill and know-how; the opportunities for easy communication of ideas and experience; the opportunity of ever-increasing differentiation of process and of specialization in human activities (Kaldor 1970, p. 340) Segundo Kaldor, a demanda oriunda de fora de uma região específica, ou seja, suas exportações determinaria a taxa de crescimento desta região. O mecanismo funcionaria através de um acelerador derivado da taxa de crescimento das exportações, que determinaria a taxa de crescimento da capacidade industrial e do consumo. O processo de causação circular cumulativa, nesse contexto, seria determinado pela Lei de Verdoom, que afirma existir uma forte correlação positiva entre a taxa de crescimento da produtividade e a taxa de crescimento da economia como um todo. Desta forma, dada uma vantagem competitiva inicial de uma região especifica, que é refletida na sua produtividade relativa, produzirá taxas de crescimento diferenciadas favoráveis à esta região, ampliando ainda mais a vantagem inicial, determinando o surgimento de um processo cumulativo que resultaria na ampliação das desigualdades regionais. Vale a pena notar que não existe restrição monetária para que tanto o aumento da capacidade quanto do consumo sejam efetuados. Isto só é possível em duas situações: uma, onde todo o investimento e/ou consumo é financiado por recursos próprios ou, outra, onde o sistema financeiro valida todas as decisões de investimentos e/ou consumo. Este segundo caso é a posição de Kaldor (Kaldor, The new moneatrism, 1978) em relação à oferta de moeda. Ou seja, uma visão horizontalista da oferta de moeda. Nessa visão, como visto, desde que o Banco Central passou a ter a função de emprestador de última instância, o sistema financeiro sempre validará as decisões de investimento toda vez que os demandantes de empréstimos aceitarem pagar a 49 taxa de juros por ele estabelecida. Esta taxa será definida através de um mecanismo de mark-up sobre a taxa cobrada pelo Banco Central para fazer empréstimos de liquidez para o sistema bancário. Desta forma, é a expectativa de lucratividade dos demandantes de empréstimos que, em última instância, determinará a oferta de moeda. Toda vez que esta expectativa for superior à taxa de juros cobrada pelo sistema financeiro, o empréstimo será solicitado e o sistema bancário validará esta demanda. Em outras palavras, a oferta de moeda é endogenamente determinada pelo lado real da economia. As conseqüências desta interpretação para a questão regional é direta. Nas palavras de Amado (1997,p. 20) It is assumed that the interest rate is fixed by the Central Bank and that at this level the credit supply is infinitely elastic to all regions; thus the financial market is neutral in relation to the uneven pattern of development. Therefore, the unique source on inequality between regions is found in the real side of the economy. Em outras palavras, apesar da oferta de moeda ser considerada endógena, o que é um avanço em relação à abordagem verticalista a atuação do sistema financeiro continua sendo tratado com neutra em termos regionais. Nesse caso, apenas as variáveis reais determinaria desequilíbrios regionais. I.2.1.2 BIG PUSH Rosenstein-Rodan em seu artigo de 1943 propôs, como forma de desenvolvimento de regiões atrasadas, o que ficou conhecido como Big-Push. Este seria um conjunto de investimentos, a serem realizados simultaneamente em várias indústrias complementares nestas regiões, de forma a gerar um crescimento balanceado. Somente através destes investimentos complementares que o processo de industrialização em larga escala poderia acontecer. Nas palavras de Rosenstein-Rodan: The planned creation of such a complementary system reduces the risk of not being able to sell, and, since risk can be considered as cost, it reduces costs. It is in this sense a special case of external economies. (Rosenstein-Rodan 1943, p.206) Todo o processo de desenvolvimento, decorrente deste volume de recursos investidos, seria estimulado através dos efeitos de encadeamentos e economias 50 externas decorrentes. Dessa forma, um ambiente favorável ao investimento seria criado, estimulando o crescimento industrial daí decorrente. O próprio autor reconhece, contudo, as dificuldades do sistema financeiro privado em prover recursos, no montante e com o custo desejável, para tamanha empreitada, uma vez que este seria um padrão de financiamento bem distinto do observado até então. Nesse caso, the alternative is for governments in creditor countries to guarantee the loans, or to lend the funds themselves (Rosenstein-Rodan 1943, p. 210) Para tanto, propõe a criação de um fundo, o qual denominou Eastern European Industrial Trust (E.E.I.T.). Através de participações na administração deste fundo, os governos superariam as desconfianças iniciais relacionadas tanto a gestão, quanto ao ressarcimento dos empréstimos: If they have sufficient control on the board of E.E.I.T. they will be able to give the guarantee at no cost or risk to them-selves, since the real risk of the whole enterprise is very much lower than the risks relating to parts of the whole would be. (Rosenstein-Rodan 1943, p. 209) Apesar de solucionar o problema do financiamento tornando-o uma decisão política, Rosenstein-Rodan não atribuiu qualquer papel ao sistema financeiro neste estágio inicial. Em duas passagens da obra seminal do autor, pode-se inferir uma concepção de moeda e sistema financeiro na qual este último não desempenha papel ativo no desenvolvimento de uma região atrasada. Em um primeiro momento, quando discute porque não seria desejável que um país realizasse um processo de superação do atraso através de uma industrialização completa e vertical, ele diz: That would imply the construction of all stages of industry, heavy industry, machine industry, as well as light industry, with the final result of a national economy built like vertical industrial concern. This way presents several grave disadvantages: (a) It can only proceed slowly, because capital must be supplied internally at the expense of a standard of life and consumption which are already at a very low level. (Rosenstein-Rodan 1943, p. 203). A frase anterior deixa claro o papel desempenhado pela poupança prévia no processo de investimento. Não existe a possibilidade de o sistema financeiro criar moeda a partir do finance. Ou seja, somente com a redução do consumo corrente é que o volume necessário de capital para realizar os investimentos necessários seriam realizados. 51 Em segundo lugar, não existe consideração alguma acerca do papel do sistema financeiro no processo de crescimento posterior a este Big-Push inicial. Isto só poderia ser explicado por duas suposições: ou o próprio E.E.I.T. continuaria a suprir os fundos necessários para os investimentos; ou o sistema financeiro local faria isto, a partir da captação poupança gerada a partir do crescimento da renda derivada deste grande volume de investimentos iniciais. Nesta segunda hipótese, fica mais uma vez evidente o papel passivo desenvolvido pelo sistema financeiro. I.2.1.3 TEORIA DOS PÓLOS DE CRESCIMENTO A Teoria dos Pólos de Crescimento tem sua formulação inicial desenvolvida por Perroux (1967 [1964]), em sua obra A Economia do Século XX. Durante as décadas seguintes tornou-se, talvez, a mais difundida Teoria de Desenvolvimento Regional, sendo a base teórica que sustentou inúmeras políticas de desenvolvimento regional. Como salienta Parr, A newcomer to the field at that time could have been excused for thinking that no matter what the nature of the regional problem, it could be most effectively overcome by the adoption of a growth-pole strategy (Parr 1999a, p. 1195). Em sua aplicação prática, a estratégia de pólos de crescimento foi utilizada para: i) revigorar de áreas deprimidas; ii) estimular à desconcentração regional; iii) alterar um sistema urbano nacional específico; iv) atenuar desequilíbrios regionais. A sua difusão como base para políticas de desenvolvimento regional foi tamanha que levou a Luklinski a afirmar: Sometimes the judgment is expressed that growth-pole theory is the closest approximation to the general theory of regional development (Luklinski 1978, p. 21). O ponto de partida da análise de Perroux foi o entendimento de que o processo de crescimento e desenvolvimento não é equilibrado, ou homogêneo, entre os setores e/ou regiões. Em suas palavras, O facto, rudimentar mas consistente, é este: o crescimento não surge em toda a parte ao mesmo tempo; manifesta-se com intensidades variáveis, 52 em pontos ou pólos de crescimento; propaga-se, segundo vias diferentes e com efeitos finais variáveis, no conjunto da economia (Perroux 1967 [1964], p. 164). Neste cenário o conceito de indústria motriz é de fundamental importância, pois seria através de sua posição chave em um esquema de insumo – produto, que ela seria capaz de estimular o crescimento de outras industriais: Conceba-se uma indústria que tenha a propriedade de, mediante o aumento do volume de produção (e de compra de serviços produtivos), aumentar o volume de produção (e de compra se serviços) de outras ou várias indústrias. Designemos de momento (segundo esta acepção determinada) a primeira indústria como motriz e a segunda (ou segundas) como movida (1967 [1964], p. 172) Fica evidente na citação acima que o fator propagador do crescimento é o volume de produção induzido pela indústria motriz. A este fenômeno ele denominou de economias externas, aqui entendido como o fato da produção de uma indústria depender da produção de outra. Esta concepção de economias externas é, de fato, uma contraposição do autor à concepção teórica de concorrência perfeita, segundo a qual o aumento do volume de produção de uma empresa estaria relacionada à capacidade desta em reduzir o seu custo, fato este que por si só determinaria um aumento da produção. Ao definir economias externas como descrito acima, Perroux tenta demonstrar que a interligação entre empresas, expressa na capacidade da indústria motriz em estimular a produção de outras indústrias: Em vez de se formarem em resultado das decisões de cada empresa relativamente ao seu volume de produção e compra de serviços, os lucros são induzidos pelo volume de produção e compra de sérvios de outra empresa, Na medida em que o lucro é o motor da expansão e crescimento capitalistas, a ação motriz não decorre já da prossecução e realização de lucro por cada empresa individual, apenas ligada às outras pelo preço, mas sim da prossecução e realização de lucro por empresas individuais que singularmente sofrem as conseqüências do volume de produção, do volume de compras de serviços e da técnica praticada pelas outras (Perroux 1967 [1964], p. 167 -8) A partir deste conceito de indústria motriz, Perroux chega ao conceito de complexos industrias, que permite ao autor tecer implicações sobre desenvolvimento regional. Três seriam os elementos componentes de um complexo industrial: i) a indústria chave; ii) o regime concorrencial do complexo; e 53 iii) o fato dele se concentrar espacialmente. Indústria chave seria aquela que possuiria a capacidade de estimular um conjunto muito superior de outras indústrias, um país por exemplo: O fato decisivo é que, em toda e qualquer estrutura duma economia articulada existem indústrias que constituem pontos privilegiados de aplicação das for;cãs ou dinamismo de crescimento. Quando estas forças provocam um aumento do volume de vendas duma indústria chave, provocam também a forte expansão e crescimento dum conjunto mais amplo (Perroux 1967 [1964], p. 173) O regime concorrencial do complexo de indústria é importante para Perroux pois nele está a ação destabilizadora que estimula o crescimento e desenvolvimento do complexo. Isto porque Perroux considera o complexo como um conjunto de indústrias oligopolistas que interagem entre si. Nas palavras do autor: A luta oligopolística, conflitos de eliminação, conflitos visando a subordinação duma parte à outra, o acordo, são conseqüências possíveis – e de fato freqüentemente observadas – destas situações. A acção ‘instabilizadora` de cada um destes regimes isoladamente considerado é fator de crescimento quando, a longo-prazo, a empresa dominante eleva a produtividade da indústria e realiza uma acumulação de capital eficiente superior à aquela que resultaria duma indústria sujeita a um regime de maior concorrência. (Perroux 1967 [1964], p. 173) Por fim, o complexo industrial seria também caracterizado pela concentração territorial de suas atividades, que também teriam efeitos cumulativos para o crescimento derivados de economias de diversificação. Perroux é muito claro a este respeito quando diz que a concentração industrial propiciaria o surgimento de consumidores diferenciados, gerando assim efeitos cumulativos para o crescimento. Além disto, a concentração determinaria o surgimento de demanda de serviços como alojamento, transportes e serviços públicos, fazendo com que surjam rendas de localização ( Perroux 1967 [1964], p. 174). É neste contexto que surge os rebatimentos regionais, ao incorporar os efeitos de disparidades regionais: Geograficamente concentrado, o pólo industrial complexo transforma o seu meio geográfico imediato e, se tem poder para tanto, toda a estrutura da economia nacional em que se situa. Centro de acumulação 54 e concentração de meios humanos e de capitais fixos e fixados, chama à existência outros centros de acumulação e concentração de meios humanos e de capitais fixos e fixados [...] O crescimento do mercado no espaço, quando resultante da entrada em comunicação de pólos em atividades e, mais geral, de pólos de atividades territorialmente concentrados situa-se nos antípodas dum crescimento igualmente distribuído: opera-se pela concentração de meios em pontos de crescimento no espaço onde irradiam em seguida feixes de troca (Perroux 1967 [1964], p. 175). Como pode ser visto na pequena resenha sobre o mecanismo de Pólos de Crescimento sugerido por Perroux, não existe referencia alguma à moeda ou ao sistema financeiro. Embora em outras partes de seu livro ele fale em capital, crédito sistema financeiro, juros, etc., estes não possuem relação alguma com o mecanismos de propagação de crescimento derivados do pólo. Ou seja, o conceito de pólo de crescimento é uma categoria estritamente relacionada ao lado real da economia, não tendo a moeda, em suas diversas dimensões, papel algum a desempenhar. Este quadro só é possível em duas situações: ou o sistema financeiro é completamente passivo, funcionando como um mero intermediário entre poupadores e investidores, como preconizado pela Teoria dos Fundos Emprestáveis, ou, de acordo com a perspectiva horizontalista de oferta de moeda, o sistema financeiro sempre valida as demandas do setor empresarial. É interessante notar que esta falta de função do sistema financeiro na dinâmica dos pólos de crescimento também é observada em autores mais recentes. Isto pode ser visto, por exemplo, na longa e minuciosa avaliação feita por Parr (1999a e 1999b) das estratégias de desenvolvimento regional baseadas em pólos de crescimento. Em nenhum momento, tanto para explicar sucesso ou fracasso destas experiências, o sistema financeiro foi uma variável a ser considerada. No entanto, a partir da concepção de moeda apresentada nesta tese é possível admitir teoricamente papel importante para o sistema financeiro, quer seja facilitando o desenvolvimento dos pólos e de seus efeitos indutores, quer seja restringindo-os. 55 I.2.1.4 TEORIAS DA BASE DE EXPORTAÇÃO A teoria da Base de Exportação desenvolvida por North (1955) diz que o fator determinante para o desenvolvimento de uma região seria a sua capacidade de gerar produtos com capacidade de exportação. Nas palavras do autor, It is evident that this growth is closely tied to the success of its exports and may take place either as a result of the improved position of existing exports relative to competing areas or as a result of the development of new exports. (North 1955, p. 251). Esta indústria de exportação seria importante para a região por diversos fatores: i) proporcionar aumento de renda e, conseqüentemente, de demanda para as indústrias locais; ii) permitir a ligação da economia local com a economia de outras regiões, podendo, dessa forma, incorporar a variações de renda de outras regiões; iii) permitir o surgimento e fortalecimento de centros nodais que proporcionem a oferta de serviços não somente para a indústria exportadora como também para a indústria local; e iv) treinar de mão-de-obra, determinando, inclusive, atitudes sociais desta força de trabalho.26 A vital importância da base de exportação na teoria de North pode ser avaliada através da citação abaixo, retirada das conclusões finais de seu artigo seminal: The importance of the export base is a result of its primary role in determining the level of absolute and per capita income in a region, and therefore in determining the amount of residentiary secondary and tertiary activity that will develop. The export base has also significantly influenced the character of subsidiary industry, the distribution of population and pattern of urbanization, the character of the labor force, the social and political attitudes of the region, and its sensitivity to fluctuations of income and employment (North 1955, p. 257) Da mesma forma que os demais autores aqui analisados, o papel desempenhado pelo sistema financeiro ou pela moeda de uma forma mais geral não é destacado em nenhum momento. Seguindo a metodologia aqui empregada, a 26 Nas palavras de Lemos (1989), na teoria da base exportação, as exportações desempenham o papel de variável exógena ou autônoma, característica de modelos keynesianos. Em suas palavras, Como uma situação limite, a proposição de North poderia ser tomada como um modelo onde as exportações cumpririam o papel atribuído ao investimento [nos modelos de demanda efetiva] (Lemos 1989, p. 432) 56 análise de algumas citações retiradas da obra do autor permite que se infira qual é a concepção de moeda por ele empregada. Basicamente, existem apenas duas referências em relação a esta temática: quando se refere à necessidade de capital externo para a realização de investimento e quando se discute como proceder para que um aumento da poupança se realize. Nas palavras do autor, Capital is typically imported into new regions in the development of the export staple industries. Indeed, until a region develops sufficient income to provide a substantial share of its own investment capital, it must rely upon outside sources. External suppliers of capital tend to invest primarily in existing export industry rather than in new, untried enterprises. (North 1955 p. 248 -49) With the growth of population and income, indigenous savings will increase. Both indigenous savings and the reinvested capital can pour back into the export industries only up to a point, and then the accumulated capital will tend to overflow into other activity (North 1955, p. 255) As a region's income grows, indigenous savings will tend to spill over into new kinds of activities. At first, these activities satisfy local demand, but ultimately some of them will become export industries. This movement is reinforced by the tendency for transfer costs to become less significant. As a result, the export bases of regions tend to become more diversified, and they tend to lose their identity as regions. Ultimately, we may expect with long-run factor mobility more equalization of per capita income and a wider dispersion of production. (North 1955, p. 258) As três citações acima não deixam dúvidas quanto a um entendimento ortodoxo do papel desempenhado pela moeda. Ao afirmar a necessidade de um prévio crescimento da renda para que a região possa então fornecer o capital para investimento, está evidente uma concepção muito próxima à dos fundos emprestáveis. Isto pode ser dito de outra forma: a poupança derivada da renda é que forneceria o capital necessário. Esta interpretação é reforçada pelas duas citações finais, onde o papel da poupança prévia é mais uma vez destacado. Como já mostrado anteriormente, este entendimento da relação entre poupança e investimento dá ao sistema financeiro uma papel passivo no processo de determinação da renda, fazendo com que o investimento, e o crescimento da região, como conseqüência, seja determinado por fatores reais exclusivamente. 57 I.2.2 O ENFOQUE DA COMPETITIVIDADE A década dos 1970 é um marco na história econômica tanto em termos das teorias vigentes, como também das políticas implementadas. O período que vai dos anos 1950 até o início dos anos 1970 ficou conhecido na literatura como os Anos Dourados (Golden Age) do capitalismo. A economia mundial apresentou taxas de crescimento significativas, até hoje não superadas. Aliado a este crescimento, e, em certa medida, em função deste, construiu-se o chamado sistema de Bem-Estar Social. No entanto, este crescimento foi, no seu final, acompanhado por fortes pressões inflacionárias. Isto, aliado à crise do petróleo, gerou uma séria crise para a economia mundial como um todo. A resposta a ela foi variada, mas pode-se observar o surgimento de uma série de questionamentos quanto à eficácia tanto da teoria, quanto dos instrumentos de política econômica Keynesianos. Ou seja, o enfoque da demanda e a sua conseqüente política intervencionista passam a não desfrutar do consenso anterior. Em termos da produção teórica em economia, este é o período do ressurgimento de concepções que entendiam que os mecanismos de mercado eram capazes de garantir o crescimento a longo prazo de forma sustentada, como na Escola Novo-Clássica. Nesse contexto, as intervenções do Estado na economia só serviriam para desviar, de forma não sustentável, a economia de sua trajetória natural, resultando, no longo-prazo, em mais inflação. Esta inflexão teórica tem sua contrapartida, em termos de política econômica, na emergência de políticas denominadas Supply-Side. Em uma clara contraposição com o período anterior, o crescimento deveria ser obtido, não através do estímulo à demanda, mas sim da melhoria das condições de oferta, como por exemplo, a flexibilização do mercado de trabalho, redução significativa dos encargos pagos pelas empresas, aumento do capital humano, etc. Em termos macroeconômicos, o paradigma passa a ser a busca da estabilidade monetária a qualquer custo. No campo político, torna-se majoritário o entendimento de que o Estado deve se retirar da economia, ficando apenas com suas funções básicas, determinadas pelo chamado Estado Mínimo. Este processo de mudança contínua é 58 aprofundado durante os anos 1980, determinando um processo de abertura comercial e financeira sem precedentes e processos de reestruturação econômica e internacionalização da produção. Estas transformações tiveram o seu rebatimento no espaço geográfico, determinando a perda de dinamismo de regiões afetadas pela reestruturação produtiva e o surgimento de novas regiões de crescimento, como, por exemplo, os chamados novos distritos industriais da Terceira Itália. Todo este processo também repercute na elaboração teórica e de políticas de desenvolvimento regional. Em um primeiro momento, dois elementos centrais se destacam: a especialização flexível e os distritos industriais. Estes dois elementos tornaram-se a base do que ficou conhecido como políticas de desenvolvimento regional de segunda geração (Helmsing 1999, Jiménez 2002). Nas palavras de 7(Helmsing 1999) Una diferencia importante con las políticas de la primera generación es que el gobierno ya no está en el centro de la política. Más bien el desarrollo industrial endógeno enfatiza los roles de la cooperación entre firmas, de los gremios industriales, de los sindicatos de trabajadores y de gobierno para desarrollar en conjunto las habilidades, los recursos y las `reglas del juego'. La política pública sigue siendo importante pero en forma diferente. (Helmsing 1999, p. 7) De forma semelhante, Maillat afirma que no cerne destas novas políticas de desenvolvimento regional endógeno está o objetivo de to bring a region up to a development capacity such that it could take up the challenge of international competition and new technology by mobilizing or developing its specific resources and its own innovations by mobilizing or developing its specific resources and its own abilities (Maillat 1998, p. 7) Neste novo contexto, existe um claro entendimento de que, em uma sociedade crescentemente dominada pelo conhecimento, as vantagens comparativas estáticas ou ricardianas, baseadas em recursos naturais, perdem importância e ganham destaque as vantagens construídas e criadas, cuja base está exatamente na capacidade diferenciada de gerar conhecimento e inovação. Em uma sociedade informacional, torna-se cada vez mais difícil para as empresas ou agentes produtivos reterem a exclusividade dos conhecimentos técnicos. A generalização desses os transforma em ubiqüidades, as quais destroem as vantagens comparativas diferenciadas e pré-estabelecidas e, portanto, a capacidade de competição. A manutenção dessas exigem a criação de novas etapas 59 do conhecimento e da capacitação, realimentando o processo inovativo (Maskel et al. 1999). Nesse sentido, a luta competitiva e o processo de inovação inerente abrem “janelas de oportunidade” (Dosi 1984), que são também “janelas locacionais” (Storper e Walker 1989), no sentido de que os agentes produtivos e sua vinculação territorial geram efeitos de diferenciação regional ou local do desenvolvimento. Isto significa que a capacidade de atração de cada região ou localidade passa a depender, cada vez mais, do conjunto de elementos locais, naturais, econômicos, sociais, culturais e políticos, complementares ou sistêmicos. A melhor expressão deste novo arcabouço de política regional está na tentativa de se reproduzir a experiência dos chamados distritos industriais italianos. Estes últimos são caracterizados pela proximidade geográfica, especialização setorial, predominância de pequenas e médias empresas, cooperação interfirmas, competição interfirmas determinada pela inovação, troca de informações baseada na confiança socialmente construída, organizações de apoio ativas na oferta de serviços e parceria estreita com o setor público local. É neste sentido que este formato de distrito se enquadra bem no conceito evolucionista de sistema local de inovação (Johnson e Lundvall 2000),27 pois o seu dinamismo inovativo decorre do fato de ser um tipo de arranjo institucional específico e localizado, capaz de estabelecer o aprendizado coletivo interativo. (Santos et al 2002). Dada a predominância de pequenas e médias empresas nestes ambientes, a perspectiva de redes acabou por se tornar referência nestes estudos, possibilitando a incorporação do conceito de proximidade geográfica enquanto elemento importante para a competitividade. Importante neste contexto foi a incorporação de elementos institucionais, tais como cultura, redes sociais, entre outros enquanto elementos fundamentais no processo de geração de inovação e, conseqüentemente, competitividade. Nas palavras de Santos et al., 27 Segundo esses autores, os sistemas nacionais de inovação estão enraizados em subsistemas nacionais, na medida em que a região e o local são, juntamente com as firmas, os principais portadores de conhecimento tácito na era da economia do aprendizado. 60 Alguns autores, entretanto, afirmam que estas redes devem estar “imersas” (embbedded) em um “ambiente local” (milieu) que atue como facilitador e estimulador das “interações coletivas” e que faça a ligação entre um sistema de produção e uma cultura tecnológica particular. Vale notar que o conceito de “imersão social” (embeddedness) não significa a existência de uma precedência do ambiente local sobre as redes (interações coletivas), mas, ao contrário, ressalta a interdependência entre os dois. O ambiente local é criado e recriado através das redes de relações interpessoais e interfirmas e de insumo-produto (definidas por Storper [1995] como, respectivamente, “untraded interdependencies” e “traded interdependencies”). Estas interdependências, por sua vez, requerem a proximidade cognitiva e física para que possam ser realizadas plenamente e dêem origem a processos de aprendizado coletivo e de difusão do conhecimento tácito e codificado entre as empresas. Em suma, nas palavras de Coffey e Bailly (1996), “the milieu is a ‘created space’ that is both a result of and a precondition for learning — an active resource rather than a passive surface” (Santos et. al. 2002, p. 152-53). Nessa perspectiva, as regiões ou localidades tornam-se pontos de criação de conhecimento e aprendizado, na era do capitalismo intensivo em conhecimento. Florida (1995) diz que “regiões devem adotar os princípios de criação de conhecimento e aprendizado contínuo; elas devem, com efeito, se tornar regiões que aprendem”. Para isto, as regiões devem se preparar para prover infra- estruturas específicas, que possam facilitar o fluxo de conhecimento, idéias e aprendizado e que, ao mesmo tempo, tenham capacidade de governança local. Como o processo de inovação possui fortes componentes tácitos, cumulativos e localizados, os atributos regionais tornam-se decisivos. Como o sucesso econômico depende da existência de atributos próprios e de meios inovadores (Albagli 1999), surge a discussão do papel da inovação no desenvolvimento regional. É importante ressaltar que em um primeiro momento, o entendimento da importância da região e do local como fatores fundamentais para o processo de geração de tecnologia fez com que os instrumentos de política regional fossem padronizados e aplicados igualmente em distintas regiões. Em outras palavras, adotam-se políticas regionais one model fits all (Tomaney 2009 e Ashem 1996). 28 A principal conseqüência do caráter horizontal destas novas políticas regionais é a dificuldade inerente às mesmas para tratar disparidades regionais. Políticas de aplicação generalizada no espaço desconhecem a heterogeneidade deste, o que tende a reforçar a desigualdade regional. Um exemplo deste fato é o 28 Para uma discussão especifica sobre a possibilidade de reprodução da experiência dos distritos industriais italianos em outros espaços, notadamente, o periférico, ver Santos et. al. 2002. 61 chamado paradoxo da inovação regional (Oughton et al 2001). Segundo este paradoxo, é amplamente reconhecido que se, por um lado, o principal mecanismo de superação do atraso econômico de regiões deprimidas é a construção de capacitações tecnológicas maiores e mais eficazes; por outro, é justamente a falta destas capacitação que faz com que estas regiões estejam menos habilitadas a conseguirem os fundos disponíveis para o desenvolvimento tecnológico. Na maioria das vezes, são as regiões mais desenvolvidas que são mais bem-sucedidas na obtenção de tais fundos. A horizontalidade da política faz com que desiguais compitam de forma igual pelos fundos de desenvolvimento, determinando um processo que reforça a mesma desigualdade que se deveria combater. Por fim, é possível falar em uma terceira geração de políticas regionais, que se inicia no final dos anos 1990, fruto de avaliações das políticas de desenvolvimento endógeno. A partir do entendimento de que o processo de globalização significa que a competição não ocorre apenas entre firmas, mas também entre sistemas industriais regionais, entende-se que as políticas de desenvolvimento regional não podem ser exclusivamente locais, mas que devem atuar em múltiplas escalas. Além disto, é claramente questionado o potencial de políticas bottom-up em combater as forças centralizadoras das políticas liberalizantes em vigor (centralização do sistema financeiro e integração produtiva). Dito de outra forma, qual seria a real possibilidade de agentes locais controlarem forças que podem afetar diretamente as ações locais e que possuem uma dimensão trans-territorial, tais como: regras de comércio; padrões de funcionamento do sistema bancário, etc? Nesse sentido, a coordenação horizontal de vários atores deve ser complementada com a coordenação vertical entre os diversos níveis de ação. Devem também ser levado em consideração tanto o posicionamento econômico dos sistemas regionais de produção no contexto global, quanto as políticas e contextos setoriais e (inter) nacionais. Nas palavras de Helmsing, Las políticas de tercera generación se basan en el reconocimiento de que la nueva orientación no necesariamente requiere más recursos, sino de aumentar `la racionalidad sistémica' en el uso de los recursos y programas 62 existentes. La tercera generación en cierta forma supera la oposición entre políticas del desarrollo exógeno y endógeno.( Helmsing 1999, p. 30) Talvez a principal contribuição teórica desta nova linhagem de políticas de desenvolvimento regional seria o fato de se entender claramente que a competitividade de um sistema local não depende exclusivamente das firmas e da provisão de serviços ali localizados, mas também de fatores localizados fora de seu controle imediato, tais como a ação de firmas multinacionais e a integração de cadeias produtivas globais A longa discussão acima mostra que, do ponto de vista da abordagem aqui adotada nesta tese, a moeda não desempenharia qualquer papel na emergência, ampliação e manutenção das desigualdades regionais. Quer seja nas políticas centradas no desenvolvimento endógeno e local, quer seja nas políticas que trabalham em múltiplas escalas (local, regional, nacional e global), o papel da moeda no desenvolvimento regional tem sido amplamente ignorado. É interessante notar que esta negligência ocorre apesar da incorporação do conceito de sistema nacional (regional) de inovação no debate. Este conceito introduz uma visão sistêmica do processo de geração e difusão de inovação, incluindo dimensões antes não consideradas, como por exemplo, o processo de financiamento do esforço inovativo. No entanto, a literatura de desenvolvimento regional, na sua grande maioria, não internalizou este elemento em suas discussões.29 Em alguns poucos textos sobre o desenvolvimento dos distritos industriais italianos a questão dos bancos locais é discutida (Schmitz e Musyck, 1994; Pyke, 1992 e 1994), ressaltando a importância destes derivada do fato de possuírem um melhor conhecimento das firmas locais – comparativamente aos bancos nacionais e internacionais. De qualquer forma, estas poucas referências, embora de fundamental importância, não se colocam no centro do debate. 29 Vale ressaltar que mesmo a literatura sobre tecnologia e inovação, apesar de incorporar o conceito de sistema nacional de inovação, possui um discussão bastante pobre e elementar acerca do papel da moeda neste processo. 63 Em certa medida, pode ser dito que existe até um retrocesso em relação ao período anterior. Como visto, embora discordante do enfoque aqui apresentado, existia na literatura de desenvolvimento regional discussões sobre a moeda. No presente ela é claramente ignorada. 64 I.3 AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO URBANO E A MOEDA I.3.1 A TEORIA DO LUGAR CENTRAL Dentre as diversas teorias de desenvolvimento urbano, talvez a que tenha tido o maior impacto na literatura tanto de economia regional quanto de geografia econômica foi a denominada Teoria do Lugar Central.30 Seus autores seminais foram Christaller 1966 [1933] e Löasch (1967 [1939]), embora vários outros tenham desenvolvido esta teoria.31 No âmbito do presente trabalho, apenas estes dois autores seminais serão discutidos. Segundo Richardson (1975 [1969]), a grande vantagem da teoria do lugar central estaria no fato de ela não se propor a analisar o crescimento de uma cidade isolada, mas sim de um sistema de cidades no nível regional e/ou nacional. Isto fica claro na introdução da obra de Christaller (1966) quando ele explicita qual questão pretende investigar: quais são as leis que determinam o número, distribuição e tamanho de cidades? Ele claramente discorda que seriam os fatores geográficos que determinariam o tamanho e a distribuição de cidades, apesar de também considerá-los relevantes. No entanto, existiriam fatores econômicos que possuiriam um maior peso na explicação deste fenômeno, de tal forma que acreditava que tais diferenças entre cidades deveriam ser explicadas por leis econômico – geográficas especiais. A “centralidade” de um lugar central seria derivada de sua capacidade em ofertar bens e serviços centrais. Em outras palavras, um lugar central desempenharia o papel de locus de oferta de serviços e bens centrais, tanto para si mesmo, como para a sua vizinhança imediata ou área complementar. O que é importante salientar aqui é o fato da definição de lugar central não ser apenas geográfica. Nas palavras de Christaller But in our sense, a place deserves the designation center only when it actually performs the function of a center. It performs this function if the inhabitants have professions which are bound by necessity to a central location. These professions will be called central professions. The goods being produced at the 30 Para uma revisão acerca da literatura sobre desenvolvimento urbano ver Goldstein e Moses (1973). 31 Nesta lista destacam-se os trabalhos de Berry (1964), Berry e Pred (1961), Beckmann (1968), Parr (1997) e Bennett e Graham (1998), entre outros. 65 central place, just because it is central, and the services offered at the central place, will be called central goods and central services. Similarly, we shall speak of dispersed goods and dispersed services in reference to goods which are produced or offered at dispersed places and of indifferent goods and indifferent services in reference to goods which are not necessarily produced or offered centrally or dispersedly” (Christaller 1966, p. 19) Além disso, de acordo com Christaller, seria possível diferenciar entre bens centrais de maior ou menor ordem. Os bens centrais de maior ordem seriam produzidos e ofertados nos lugares centrais de maior ordem. Já os de bens centrais de ordem inferior seriam produzidos em lugares centrais de ordem inferior e ofertados tanto em lugares centrais de maior quanto de menor ordem. Exemplos de serviços centrais são: comércio, atividade bancária, administração pública, serviços culturais e religiosos, organizações empresariais e profissionais etc. Outra definição importante para o desenvolvimento da teoria do lugar central seria a de região complementar. Esta seria a região para a qual o lugar central é o centro. De forma semelhante à definição de lugar central, também ocorreriam regiões complementares de distintas ordens, dependendo da hierarquia do lugar central a que se relaciona. Embora a dimensão de uma região central seja considerada estável, uma vez que ela é delimitada pela distância até um lugar central de ordem superior ou igual, a sua demarcação exata é considerada difícil, uma vez que o seu tamanho irá variar de acordo com o tipo de bem ou serviço transacionado. Fica evidente das definições acima que o conceito de lugar central não é absoluto, mas sim relativo tanto à sua área complementar quanto aos demais lugares centrais. Nas palavras de Richardson: A função primordial da cidade é atuar como centro de serviços para o interior imediatamente próximo a ela (denominado região complementar), fornecendo bens e serviços centrais como comércio atacadista e varejista, serviços bancários, organizações de negócios, serviços administrativos, facilidades de educação e diversão. Esses serviços centrais podem ser classificados em ordens superiores e inferiores, obtendo-se uma hierarquia de centros de acordo com a ordem de serviços que fornecem. (Richardson 1975 [1969], p. 162) Também, nas palavras de Christaller: Those places which have central functions that extend over a larger region, in which other central places of less importance exist, are called central places of a higher order. Those which have only local central importance for the 66 immediate vicinity are called, correspondingly, central places of a lower and of the lowest order. Smaller places which usually have no central importance and which exercise fewer central functions are called auxiliary central places. (Christaller 1966, p. 17) Para completar sua discussão teórica, Christaller utiliza o conceito de limite crítico de demanda e de alcance de um bem. O limite crítico seria o nível mínimo de demanda que permite a uma firma obter lucros normais. O alcance de um bem seria entendido como sendo a maior distância que uma população dispersa é capaz de percorrer de forma a comprar um bem que é oferecido em uma área central. Estes fatores, em conjunto, determinariam a área de mercado de um bem central e, através deles, seria possível determinar a hierarquia de um lugar central. Vários são os elementos que afetam tanto o limite crítico da demanda, quanto o alcance de um bem, sendo quase todos eles relacionados ou às economias de escala na produção de bens e prestação de serviços ou às economias de aglomeração derivadas da co-localização de serviços. Entre tais elementos, destacam-se: a. Distribuição da população: quanto maior a população concentrada no lugar central, maior o alcance deste produto. Nas palavras do autor: Central goods offered at a large central place have a larger range than do the same goods offered at a smaller central place because the determination of prices in the larger place is different from the smaller. […] The fact that a central place is larger or smaller has an immediate influence on the range of a central good, because more types of central goods are offered at a central place of a higher order than at a central place of a lower order (Christaller 1966, p. 50) b. Estrutura da população, definida de forma a incluir as condições de renda, as estruturas sociais, profissionais e culturais. Os costumes e as demandas especiais da população, por sua vez, determinariam o montante de recursos destinados ao consumo de bens centrais, o que Christaller chamou de price-willingness do consumidor: Densely populated regions generally have a higher consumption of central goods. The fact that the people live closely together causes more frequent social contacts. Subjectively, these contacts result in higher estimation of central goods and greater consumption of them – frequently of a collectivist nature. Objectively, this greater consumption enables the denser population to establish a greater degree of labor specialization, by which many goods, otherwise produced dispersedly, are now centrally produced. And finally, the dense population enables a greater use of the capital necessary for the production of central goods. Thus the product itself becomes cheaper, and an increased consumption of the cheaper goods results. Hence, whether this 67 dense population is equally distributed over the region or is concentrated at single places with thin distribution in the country affects the amount of consumption of central goods. (Christaller 1966, p. 33)32 O autor também afirma que quanto maior a renda de uma região maior será o consumo de bens centrais, posto que, depois do consumo mais imediato, sobrariam recursos para serem gastos em bens centrais de ordem superior. Desta forma, em regiões de maior renda é mais provável a ocorrência do desenvolvimento de lugares centrais. c. Distância econômica: vantagens e desvantagens de transporte expressos em valores monetários ou em valores que expressem decisões conscientes em relação aos custos de transportes, gasto de tempo, segurança e conveniência (p. 52); A partir das definições de limite da demanda e do alcance de um bem é possível determinar a área de mercado de um bem, sendo esta condicionada pelo limite inferior (limite da demanda) e pelo alcance do bem (limite superior). O anel daí derivado se configuraria na projeção espacial do lucro líquido obtido pela venda do bem central ou pela prestação do serviço central. Na construção de seu argumento, Christaller discute como o desenvolvimento de um lugar central está relacionado com as características da oferta e demanda de um bem central. Especificamente, o autor analisa se a quantidade ofertada e o preço do bem são fixos ou não. Toda esta discussão é feita de forma a analisar os efeitos sobre a renda gerada pela comercialização deste bem central. Uma maior ou menor quantidade desta renda é que determinaria, em uma relação direta, um maior ou menor desenvolvimento do lugar central produtor deste bem em relação a um outro lugar central. O autor também mostra que a quantidade ofertada de bens centrais em um lugar central também afetaria o desenvolvimento comparativo deste lugar central em relação aos demais, devido a maior renda gerada pelo consumo deste bem. Em suas palavras: This means that in an area the central places of which offer several kinds of central goods, the total consumption of central goods is higher than in an area which offers only one or a few kinds of central goods. As a central place at 32 Segundo Ablas (1982), Christaller ao discutir a importância de um lugar central, caracterizada pelo fato da cidade ser “progressiva”, “florescente” ou “significante”, conclui que o autor relaciona a importância do lugar central com a capacidade deste em gerar economias de escala ao nível da cidade como um todo. Nas palavras de Ablas, A idéia fica clara quando ele [Christaller] diz que o que caracteriza a cidade diferenciando-a do simples burgo rural é a presença na primeira de atividades cooperativas no sentido de que tais atividades seriam caracterizadas pela divisão do trabalho o que somente será possível a partir de um determinado tamanho da cidade (Ablas 1982, p. 260 68 which several kinds of central goods are offered in an important central place, one can also say that in an area with and important central place, relatively more central goods are consumed than in an area with less important central place. (…) The central place of a higher order or situated at a great distance from its neighbors has, therefore, a higher significance of importance, because the consumption of central goods of higher in its own area, and the demand of the neighboring area has to be covered. (Christaller 1966, pp. 42 – 43) São estes conceitos que permitiriam a Christaller naõ somente responder à questão inicial (quais são as leis que determinariam o número, distribuição e tamanho de cidades?) mas também propor a existência de uma hierarquia de lugares centrais. Nas palavras de Richardson, A hierarquia dos lugares centrais não resulta de fatores acidentais ou arbitrários, e sim de relações definidas, baseadas no tamanho e nas funções dos centros e nas distâncias interrurbanas. (Richardson 1975 [1969], p. 163) O segundo autor seminal em importância no desenvolvimento da teoria do lugar central foi August Lösch em seu livro “The Economics of Location”, publicado em 1954, embora o original em alemão tenha sido escrito em 1939, ou seja seis anos após a publicação do livro de Christaller. A preocupação inicial de Lösch em seu trabalho era explicar a localização da atividade humana de forma geral e da atividade industrial, em particular. Ao tratar desta temática, ele acaba por abordar a distribuição das aglomerações no espaço a partir de uma lógica de decisão individual da firma. Um conceito fundamental para Lösch é de “área de mercado”. Esta é derivada a partir da determinação da curva de demanda de um consumidor individual transportado para o espaço e considerando o custo de transporte (Ablas 1982, p. 65). A partir deste exercício, é possível determinar a área de mercado de um bem. Na definição final desta área de mercado existiriam elementos que trabalhariam no sentido de sua expansão, tais como especialização e produção em larga escala, e outros no sentido de sua dispersão, tais como custo de transporte. Como salientam Parr e Budd a grande contribuição de Lösch (1941) foi mostrar que with a dispersed pattern of demand, the spatial structure of supply was dependent on the interaction of economies of scale (discouraging the proliferation of supply points) and transport costs (encouraging their proliferation). The work of Christaller (1933), very much the co-founder of central place theory, was of a more inductive nature, and placed considerable 69 emphasis on the hierarchical differentiation of places (Parr e Budd 2000, p. 594) Usando os argumentos básicos de economia marginalista (neoclássica), a curva de demanda indicaria a quantidade máxima que um produtor poderia vender de seu produto, que seria definido pelo preço que garantiria a obtenção do lucro normal (com custo de transporte igual a zero) e o ponto a partir do qual a venda seria igual a zero. Este último seria aquele ponto onde o preço final do produto, aqui compreendendo o custo de produção e o custo de transporte, não incentivaria ao consumidor comprar o respectivo produto. Segundo Ablas, nesta definição de área de mercado é possível identificar a similaridade com os conceitos de Christaller. Nas palavras do autor: Se se efetua uma comparação entre esse raciocínio e as proposições desenvolvidas por Christaller percebe-se que, na essência, todas as conclusões tiradas por Lösch estavam presentes na análise de Christaller, sendo possível identificar no exemplo dos médicos dado por este último, o custo de transporte, o ponto máximo a ser atingido pela mercadoria a ser vendida e mesmo a limitação dada pelo custo de produção à venda do produto (limite inferior na obra de Christaller). ( Ablas 1982, p. 69) A noção de escala e especialização é marcante no raciocínio de Lösch. Isto fica claro ao mostrar que um centro que possa aglomerar um grande número de bens diferentes será, sem dúvida um centro mais importante. Nas palavras de Ablas (1982, p. 82) Quanto maior for a acumulação de indústrias em um centro, tanto maior será o preço médio de venda dos bens aí produzidos. O preço prevalecente na metrópole será então o mais baixo do sistema, aumentando à medida que se passa para centros menos importantes. Por outro lado, na parte menos desenvolvida dos setores irá prevalecer um preço mais elevado, pois aí haverá coincidência de centros diferentes. Um outro elemento a ser considerado numa análise mais ampla seria aquele relacionado à construção de centralidades em regiões periféricas e seu rebatimento na formação do espaço urbano neste tipo de região. Esta é uma discussão feita em detalhe por Santos et. al (2002 e 2006 ) e será reproduzida a seguir. A discussão anterior deixa evidente que o processo de construção de uma hierarquia urbana produz um desenvolvimento desigual entre regiões de um mesmo país, determinando o surgimento de regiões polarizadoras e regiões polarizadas. Para entender este processo de desenvolvimento regional desigual em 70 ambientes periféricos é necessário entender que tal processo é essencialmente delimitado pela dimensão da renda de um país e a desigualdade de sua distribuição no espaço. Quanto maior e melhor a distribuição espacial desta renda, maior é a possibilidade do surgimento de vários centros polarizadores. Desta forma, comparativamente aos países centrais, é de se esperar que, dada a dimensão e a desigualdade na distribuição da renda em países periféricos, a possibilidade do surgimento de aglomerações urbanas necessárias para a expansão plena do setor de serviços seja evidentemente menor nestes últimos. Este é o fator que explicaria a existência de inúmeros núcleos urbanos incompletos, no sentido de não serem capazes de incorporarem um setor de serviços complexo, e poucas aglomerações urbanas completas na periferia. Assim, a baixa diversificação de serviços, especialmente os modernos baseados em tecnologias da informação e ligados à produção, característica da maioria dos centros urbanos na periferia, não é capaz de alimentar e sustentar os retornos crescentes de aglomerações locais lideradas por determinada indústria. Associado ao aspecto anterior da pouca densidade urbana, é importante ainda considerar o fato de que, em condições periféricas, o entorno de um núcleo urbano é geralmente de subsistência quando a região no contexto nacional é retardatária. Neste caso, o processo de concentração e centralização do terciário não segue uma hierarquia urbana contígua territorialmente, ocorrendo uma forte segmentação desta hierarquia no entorno regional, principalmente pela ausência de centros urbanos de médio porte capazes absorver atividades industriais complementares sustentadas pela oferta de serviços do centro urbano central. Isto significa que existe uma baixa complementaridade produtiva entre o centro e seu entorno e que a imersão social é muito frágil. Por esta razão, o núcleo urbano não é capaz de desaglomerar atividades econômicas complementares para seu entorno e criar um mercado de trabalho local dinâmico. Por fim, uma outra característica periférica estaria relacionada à porosidade da demanda local de tais aglomerações, que resulta em uma área de mercado regional geograficamente extensa, mas com uma baixa intensidade da demanda por unidade de distância. Assim, a escala de produção reduzida restringiria a divisão de trabalho dentro da aglomeração e dificultaria o surgimento de 71 economias externas de aglomeração. Este é um problema básico para a expansão da área de mercado. No modelo loschiano clássico, a área de mercado de uma aglomeração produtiva se expande à medida que os retornos crescentes de escala possibilitam a redução do preço de produção no local da aglomeração e, consequentemente, o preço de mercado a distâncias cada vez maiores. Ou seja, a expansão da demanda no espaço ou ampliação do raio de consumo da produção do aglomerado local dependeria do aumento das economias de escala localizadas, especialmente as externas. No entanto, a condição para este processo ser deflagrado, na esfera da oferta, seria o tamanho do mercado regional que imporia, sob uma perspectiva smithiana, os limites para a divisão intra-regional do trabalho e o crescimento da produtividade através de ganhos de escala da aglomeração local. A discussão até aqui efetuada deixa claro a pequena relevância dada pelos autores acima discutidos acerca do papel da moeda na construção de teoria do lugar central. Em Christaller a referência à moeda aparece em três momentos: primeiro, ao citar a atividade bancária como exemplo de serviços central (p. 20); segundo, ao discutir as implicações da densidade e da estrutura da população sobre o desenvolvimento de um lugar central (ele afirma que um lugar central com densidade populacional maior possibilitaria um maior uso do capital necessário à produção de bens centrais) (p. 33)33; e finalmente, ao admitir a possibilidade de custos de capital (taxas de juros) diferenciados no espaço. Apesar de Christaller não expor sua concepção teórica sobre a moeda, as citações anteriores permitem inferir qual seja ela. A primeira referência é a mais simples pois não possui nenhuma conotação teórica. Citar o sistema financeiro como um bem central implica apenas em dizer que esta atividade econômica possui uma demanda dispersa e um padrão de oferta relacionado ao padrão de demanda. 33 “And finally, the dense population enables a greater use of the capital necessary for the production of central goods” (Christaller 1966, p. 33) 72 Já as demais citações permitem inferências mais conclusivas. A segunda, relativa à possibilidade de um maior uso de capital em áreas densamente povoadas, expressa claramente a concepção clássica de fundos emprestáveis. Isto pode ser visto de duas formas. Em primeiro lugar, como mostrado anteriormente, uma região mais densamente povoada permitiria um maior consumo de bens centrais e, conseqüentemente, uma maior renda auferida. É justamente esta última que poderia fornecer a poupança necessária para um maior uso de capital. Ou seja, o maior uso se relacionaria a uma maior poupança. Em segundo lugar, o maior uso também poderia ser resultado da existência de maiores oportunidades de utilização, dada a diversidade produtiva decorrente. No entanto, este maior uso só pode ser assegurado se o sistema bancário for passivo, no sentido de que é um mero intermediador entre poupadores e investidores. Ou seja, a função clássica de sistema bancário na teoria dos fundos emprestáveis. Por fim a última citação é a que merece mais destaque por permitir interpretações distintas do ponto de vista da teoria monetária. Uma primeira observação que merece destaque esta no fato do diferencial de taxa de juros ser tratado apenas do ponto de vista dos custos de produção. Para Christaller, estes últimos são importantes na medida em que determinam o preço do bem central, e este pode interferir na renda auferida no lugar central. A renda de um lugar central, por sua vez, seria o fator mais importante na dinâmica deste lugar central. Assim sendo, discutir custos de produção significa discutir potencial de desenvolvimento do lugar central, bem como a definição do limite crítico da demanda necessária a produção do bem. Em outras palavras, podem interferir na área de mercado de um bem central e, desta forma, no tamanho e na distribuição de lugares centrais. No entanto, a possibilidade de controvérsia ocorre quando se discutem as causas das variações nos custos de capital. De acordo com Christaller, Only in the interest rate is there any strong variation, due to the coverage of risk. On the local level, this element of uncertainty causes a higher cost, as can happen, for example, in border areas […]. A high interest rate for capital means higher production costs and, therefore, higher prices for variables cost goods, or lesser profits for goods of fixed supply. Therefore, central places in such areas must sell their goods at higher prices, which, as a rule, lead to a migration of consumption to neighboring central places (with higher 73 centrality) where prices are lower. Near unstabilized borders, the central places will have, therefore, small complementarity areas and will show limited development. (Christaller 1966, pp. 95 - 96) O ponto central aqui é determinar como a incerteza afeta a taxa de juros. Isto não fica claro na discussão feita por Christaller. Por um lado, seria possível interpretar esta incerteza exclusivamente do ponto de vista dos produtores. Ou seja, em regiões de conflito, como é o caso de regiões de fronteira, o risco de inadimplência seria maior, o que levaria os bancos a elevarem as taxas de juros. Por outro lado, também seria possível interpretar esta incerteza do ponto de vista da teoria da preferência pela liquidez. Vale dizer, as decisões relativas às formas alternativas de valorização e manutenção da riqueza por parte dos bancos levariam a uma menor disposição em emprestar em regiões com maior grau de incerteza, fato este expresso através do diferencial da taxa de juros. Embora possam parecer similares, estas duas interpretações possuem conteúdos teóricos claramente distintos e com implicações diferentes do ponto de vista da teoria monetária. Como visto, admitir a teoria da preferência pela liquidez por parte dos bancos significa dar a estes um papel ativo na gestão de seu ativo e, conseqüentemente, na dinâmica de uma região. Isto é completamente distinto da mera incorporação do risco de inadimplência ao cálculo da taxa de juros. Neste caso, os bancos são passivos, sendo que os juros mais elevados é resultado de fatores estruturais da economia (lado real exclusivo) e não comportamentais dos bancos.34 Lösch (1967 [1939]) aborda a questão da moeda de forma similar a Christaller, ou seja, através dos impactos sobre os custos de produção. Porém, o faz mais explicitamente, em uma seção inteira (18 páginas) do capítulo 26 de seu livro, através do estudo de diferenciais de taxa de juros. Naquela seção do livro, ele elenca estatísticas que mostram, para os Estados Unidos, que as taxas de juros tendem a ser mais altas quanto mais distantes as agências bancárias estiverem de 34 Para uma discussão mais detalhada da comparação entre efeitos estruturais e comportamentais sobre a taxa de juros ver Rodriguez-Fuentes (2006). 74 um centro financeiro, notadamente Nova York, caindo à proporção que se aproximam de um outro centro financeiro competidor. 35 Para explicar tais fatos estilizados, o autor se utiliza da teoria dos fundos emprestávies e de falhas de mercado. Isto fica evidente já no momento em que ele formula a questão a ser respondida após a análise estatistica: “Porque a oferta e a demanda por capital é equilibrada somente a um alto preço?” (Lösch 1967 [1939], p. 468) A pergunta acima formulada tem como hipótese básica o fato da taxa de juros ser o “preço” que equilibraria a oferta e a demanda por capital, hipótese esta central na teoria dos fundos emprestáveis. As respostas fornecida por Lösch a esta pergunta seriam duas: i) a formação de capital (poupança) em regiões mais afastadas e menos desenvolvidas seria inferior à demanda aí existente. Os motivos que explicariam tal fato estariam relacionados aos fatores que afetam o processo de formação e alocação de poupança, tais como, lucros menores devido às caracteríticas da estrutura produtiva (maior peso da agricultura); maior necessidade dos bancos em manterem reservas, o que implicaria em menor volume de poupança disponível para empréstimos, entre outras; ii) existiria uma conexão imperfeita com mercados de capitais em regiões mais desenvolvidas, onde a situação seria inversa (demanda inferior a oferta). Em outras palavras, imperfeições de mercado impediriam uma livre movimentação de capital entre regiões mais desenvolvidas para menos desenvolvidas. Entre os fatores que impediriam esta livre movimentação estariam: dificuldade de obter informação sobre os tomadores de empréstimos; excesso de intermediação – fato este que elevaria o custo da movimentação e o “risco da distância”: He [o emprestador da região central] does not know men and conditions from his own experience and cannot keep in touch with further developments, which in pioneer regions particularly may be stormy and uncertain. Information and credit bureaus may compensate partly for this lack of personal knowledge, but they cannot make up for it enterely” (Lösch 1967 [1939], p. 472)36 35 Em relação à Lösch, Martin (1999, p. 6) afirma que a história da geografia econômica poderia ter sido diferente caso este autor tivesse completado a seqüência de seu livro The Economics of Location. De acordo com Martin, Löasch tinha a intenção de escrever um outro trabalho que lidasse, exclusivamente, com a relação entre moeda e localização e, de fato, o fez em um trabalho (Theorie der Wahrung, 1949) que nunca foi traduzido do alemão e, por isto, teve pouco impacto. Neste trabalho, o autor tinha como foco central estudar hierarquias de formas de moeda - desde moedas locais à moedas globais - e teorizar sobre o processo de criação de crédito (Martin 1999, p. 285). 36 Estes argumentos são bastante similares ao conceito de distância operacional discutido por autores novo keynesianos (Alessandrini 2007) 75 Esta forma de incorporar a moeda, através dos custos de produção, com especial foco na teoria da localização, e com enfoque claramente Novo – Keynesiano foi recentemente desenvolvida. Entre os autores que assim o fizeram vale destacar o tratamento dado por Dicken e Loyd (1990). Para estes, moeda é tratada como capital e assume-se que este possa variar no espaço determinando, assim, variações nos custos de produção. No entanto, deve ficar claro que, apesar deste avanço, o entendimento do significado da moeda ainda é restrito, com uma clara abordagem Novo-Keynesiana baseada em imperfeições de mercado. Tomem- se, como exemplo, as seguintes passagens: The market for capital thus consists of a complex, interlocking network of financial institutions – banks, finance corporations, insurance companies, government agencies, and so on – that serves to accumulate savings and disburse investment capital to would be hires of the factor. (Dicken and Loyd 1990, p. 162) We can therefore look at the locational impact of capital in terms of the spatial disparity between supply and demand for the factor and its mobility in matching the two at different locations. (Dicken and Loyd 1990, p. 162) The accumulation of capital within an economic system depends on the level of savings, the willingness of savers to invest, and the level of net capital inflows from the outside. This represents broadly the supply side of the situation. On the demand side we must take into account the level of actual or expected profits in the system and the relationship to profit levels in other systems to which capital might flow (Dicken and Loyd 1990, p. 164) Nas passagens acima descritas fica evidente a confusão entre finance e funding, principalmente ao tratar bancos e outras instituições do sistema financeiro de forma idêntica. Características históricas e setoriais de distintas regiões determinariam diferenciais tanto de acumulação de poupanças quanto de demanda de investimentos, podendo tais funções não serem idênticas. Além disto, a mobilidade do capital seria, nesse contexto, mais afeita ao capital monetário, que teoricamente poderia ser considerado como plenamente móvel: Within the same currency area, trading block, or nation, monetary capital is assumed to be highly, or even perfectly, mobile – free to move at no perceptible cost from place to place. (Dicken and Loyd 1990, p. 165) No entanto, os autores consideram que “descontinuidades” sociais, políticas e econômicas tendem a impedir esta livre movimentação: The most significant of all these discontinuities is that between the advanced and underdeveloped nations. Even within homogeneous systems, however, the free flow of monetary capital cannot be said to be “perfect” mobile either 76 sectorally or spatially. In some sense it is – for large, well-known corporations, funds may be easy as the nearest telephone. But for the small firm or the nonstandard capital accumulation, there may be no effective mobility, spatially or otherwise, in the factor. Finally, governments these days exert a powerful impact on the flow of capital for development, regulating its overall levels by policy instrument and making it more readily available in some areas than others. (Dicken and Loyd 1990, p. 167) A conclusão lógica deste argumento é aceitar a hipótese de que o custo do capital, aqui expresso através das taxas de juros, seria diferenciado no território. De fato, os autores mostram vários trabalhos, principalmente do início do século XIX, que demonstram a ocorrência de taxas de juros diferenciadas nos EUA. Inclusive, os autores citam Lösch na discussão deste tema. Finalmente, ainda comentando o trabalho de Lösch, os autores discutem as afirmativas de que fatores como distância e pouco conhecimento das instituições ajudariam a explicar a pouca mobilidade de capital. Apesar de reconhecerem o desenvolvimento, tanto da regulação financeira quanto da tecnologia, os autores afirmam que tais conclusões continuam válidas nos dias atuais. Para tanto se baseiam nos trabalhos de Estall (1972) e Gertler (1984): ... as both Estall (1972) and Gertler (1984) suggest, it is not necessarily cost per se that is important. Interest rate – the cost of capital – may not vary a great deal geographically within countries like United States, but the willingness of finance capital institutions to lend money for development is certain to vary, as anyone who has ever sought an overdraft or a bank loan will know. Citando Estall (1972) os autores concluem: We conclude that capital funds are an important geographical variable in the internal location problem. Capital is nor equally available at all locations, given identical risks and opportunities; and the constraints that operate to impede its equal availability must, by extension, act also as constraints upon location (Estall 1972, pp. 197 – 198) P. 169 Apesar da visão de Lösch e de autores mais recentes deverem ser destacas no sentido de terem se preocupado em incorporar a dimensão da moeda em sua discussão, não se pode negar que o referencial teórico utilizado para tanto não dá à moeda papel relevante, uma vez que são as variáveis reais que determinam tanto a escassez ou não de poupança (pequena lucratividade da agricultura, por exemplo) quanto a restrição à livre mobilidade de capital (assimetria de informação, por exemplo). 77 Uma discussão distinta, mas igualmente importante, é feita por Parr e Budd (2000). Neste trabalho, os autores explicitamente procuram relacionar a teoria do lugar central com a estrutura espacial do sistema financeiro, analisando o caso do Reino Unido. Dado que esta é uma abordagem que dialoga diretamente com o objeto desta tese, faz-se necessário uma análise mais detalhada do argumento apresentado. De acordo com os autores, para utilizar a teoria do lugar central para explicar a localização de serviços bancários seria necessário alterar algumas hipóteses desta, notadamente em relação ao tratamento dado para os insumos. Como se sabe, no modelo proposto por Lösch todos os insumos são ubíquos no espaço. Porém, de acordo com os autores, in the case of financial services, inputs costs in their broadest sense display a significant variation over space, and cannot be excluded from the analysis. Related to this is the fact that financial-service activities operate across an established urban system, in which costs may vary substantially, both within a hierarchical level and (more dramatically) among levels.( Parr e Budd 2000, p. 594); A primeira observação em relação ao trabalho de Parr e Budd (2000) refere-se à caracterização de sistema financeiro. Em um longo parágrafo eles dizem: The financial system consists of a multitude of flows, organized around two types of end-user. The first type comprises primary or ultimate lenders, who are drawn from individuals (saving out of their income), industrial and commercial companies, governments, and financial firms acting on their own account (‘proprietary trading’). The second type of end-user concerns ultimate borrowers, who invest in real or tangible assets that are used in the production of goods and services. Such end-users include firms which issue stock or bonds, governments which issue bonds and individuals who acquire mortgages to fund house purchases, for example. The financial system links the two types of end-user. It mediates the relationship between savings and investment (the savings-investment identity in national-income accounts). This relationship involves the difference between the change in assets and the change in the net acquisition of financial liabilities. When savings increase, the increase in financial assets is greater than the increase in financial liabilities. In terms of a country’s national accounts, this results in a net financial surplus. Conversely, when savings decrease, the increase in financial liabilities is greater than the increase in financial assets, the result being a net financial deficit. (p 597) Três observações emergem a partir da leitura da citação anterior. Em primeiro lugar, a concepção de sistema financeiro apresentada por Parr e Budd é 78 centrada em interpretações neoclássicas e novo-keynesianas. Em segundo lugar, e derivado da primeira observação, o sistema financeiro é visto meramente como um intermediador entre poupadores e investidores, ou seja, nos termos do referencial teórico aqui adotado, o sistema só faria a função de funding, sendo negligenciada a função de finance. Em segundo lugar, e ligada a esta primeira, esta é concepção clássica de fundos emprestáveis, onde a poupança é prévia ao investimento. Vale salientar que a concepção teórica aqui adotada não desconhece a identidade entre poupança e investimento nas contas nacionais. No entanto, a partir do momento em que é dado um sentido de causalidade a esta identidade, esta deixa de ser identidade e passa a ser uma teoria. Na citação, a teoria passa a existir quando os autores condicionam as ocorrências de superávit e déficit financeiro líquido às alterações no nível de poupança. Uma característica dos mercados financeiros destacada pelos autores refere-se à existência de atores denominados market-makers. Estes seriam definidos pela desempenho de quatro funções: First, to act as auctioneers in organizing transactions, handling client orders and participating in trading; secondly, to act as price stabilizers, buying at low prices and selling at high prices, so that those prices oscillate around a mean, which establishes market efficiency; thirdly, to act as information processors and contribute to the price-discovery process, so that the price of a security approximates its true price; fourthly, to supply ‘immediacy’ – i.e. to match immediately a buy order with a sell order in order to avoid ‘execution risk’ or the delay in waiting for another end-user to agree to a transaction (Demsetz 1968, p. 598) Ao exercer tais funções, consideradas pelos autores como essenciais para o bom funcionamento do mercado de capitais, os market-makers procuram auferir lucros através da diferença de preços nas atividades de compra e venda de títulos e ações. Os autores procuram mostrar que este spread estaria condicionado à melhor ou pior possibilidade dos market-makers em exercerem as quatro funções listadas. Esta possibilidade, por sua vez, estaria condicionada pelas características do território onde se desempenhariam tais funções. Em mercados maiores, tanto a velocidade quanto o volume de informações são maiores, devido às economias de aglomeração existentes, fazendo com que o spread dos market-makers seja diminuído: 79 In other words, external economies of scale are realized because traders receiving a given price signal cannot insulate this from the market, owing to the scale and rapidly of transmission of price information. In this connection, it was noted by Demsetz (1968) that the spreads on individual stocks traded on the New York Stock Exchange were negatively related with trading volumes, suggesting that the concentration of dealing in individual stocks at a large exchange is based on the presence of external economies of scale. (Parr e Budd 2000, p. 604) A discussão anterior deixa evidente que, para os autores, existe uma relação entre a atividade do sistema financeiro e a centralidade de uma região. Além do enfoque baseado no spread, os autores também exploram outra faceta da relação entre centralidade e sistema financeiro, qual seja, as economias de aglomeração. Uma importante característica na discussão de lugar central relaciona-se à interdependência locacional entre firmas, que na abordagem tradicional é tratada através de atividades de varejo e na provisão de serviços. No caso específico dos serviços financeiros, é possível identificar a ocorrência tanto de economias de escala quanto de escopo externas a firma que permitiriam justificar o processo aglomerativo destas atividades, fato este que contribuiria para o fortalecimento da centralidade de determinados locais. Esta ocorrência seria determinada pelo fato das atividades financeiras também apresentarem economias de localização, urbanização e de atividades complexas. As economias de localização estariam presentes tanto através do aumento de receitas em virtude das economias de escala de screening dos potenciais clientes (uso compartilhado de cadastro, por exemplo) e especializações produtivas, quanto através da reduções de custo (como, por exemplo, através da existência de disponibilidade de mão de obra especializada, entre outros). Dentre as economias urbanas, dais quais o setor financeiro poderia usufruir, estariam The availability of well-developed transport and communication facilities and municipal services […] the availability of specialized business services not specific to a particular activity, as well as the advantage of urban amenity (broadly defined) and the derived or indirect advantage of a pool of qualified labor. (Parr e Budd 2000, p. 603) Como as economias de urbanização tendem a aumentar com o aumento do tamanho da concentração urbana, pode-se inferir que firmas que forneçam serviços financeiros tendem a se localizar em grandes cidades ou centros metropolitanos. 80 Finalmente, as economias de atividades complexas estariam presentes no setor financeiro principalmente através dos custos de transação, particularmente os relacionados à aquisição de informação. Isto ocorreria, por exemplo, em centros que possuíssem, simultaneamente, no seu interior atividades de gestão de portfólios, derivativos e câmbio. I.4 A MOEDA E A GEOGRAFIA ECONÔMICA: UMA ANÁLISE CRÍTICA Após anos merecendo um tratamento secundário, a discussão acerca dos vários aspectos da relação entre moeda e território voltou a ganhar destaque entre os geógrafos econômicos a partir da segunda metade dos anos 1980. De lá para cá, uma profusão de trabalhos relacionados a esta temática surgiu, analisando suas várias dimensões. Leyshon (1995), ao fazer uma revisão da literatura sobre geografia da moeda e das finanças, afirma que, por volta do início da segunda metade dos anos 1990, já existia um conjunto de produção científica na área suficiente para caracterizar o que chamou de “o fim do início”. Ou seja, o tradicional isolamento desta área de pesquisa, quer seja entre os economistas regionais, quer seja entre os geógrafos econômicos, foi superado a ponto de Martin (1999) afirmar que a geografia da moeda e das finanças podem ser considerada uma subdisciplina da geografia econômica. A comprovação do ressurgimento do interesse pode ser exemplificada pela constatação, já em 2000, da existência de vários trabalhos destinados a realizarem uma revisão da literatura sobre o tema (Leyshon 1995, 1997, 1998 e 2000; Dow e Rodrigues-Fuentes 1997; Martin 1999 e Tickell 2000). Várias são as explicações para a moeda ter ficado em segundo plano nos estudos sobre geografia econômica (Leyshon 1995, 2000; Martin 1999) e, entre elas, pode-se apontar o fato da maioria dos pesquisadores apoiar-se no arcabouço teórico neoclássico no qual a moeda é neutra no longo prazo. Além disto, entre os geógrafos, o foco preponderante da investigação em pontos fixos de produção, caracterizados por serem tangíveis e estáticos, também relega a moeda a uma posição secundária. Assim sendo, não é de se estranhar o fato de que estudos sobre 81 as várias dimensões da moeda não sejam habitualmente encontrados na literatura de desenvolvimento regional.37 Este quadro se manteve até o início da década de 1980 quando surgem trabalhos que começam a analisar o funcionamento do sistema financeiro e seus impactos espaciais. O ressurgimento do interesse sobre esta temática estaria relacionado basicamente a dois fatores. De um lado, a ocorrência de crises econômicas e políticas que sempre apresentavam uma dimensão financeira marcante, de tal forma que, como salienta Leyshon, nobody can any longer be immune to the ways in which the financial system holds sway over the trajectory of people’s life(Leyshon 1995, p. 531) De outro, o profundo processo de reestruturação pelo qual o sistema financeiro passou neste período - caracterizado por uma ampla liberalização dos mercados financeiros e uma grande transformação tecnológica relacionada à geração, transmissão e armazenamento de dados e informação - determinou um processo de aprofundamento de integração financeira nunca visto anteriormente.38 É possível identificar distintas abordagens teóricas e empíricas sobre o tratamento da moeda e finanças no espaço. A primeira relaciona-se com o lugar e a dinâmica urbana das finanças e tem em David Harvey (1973, 1982, 1989) a contribuição seminal. Usando um referencial marxista, este autor procura mostrar como a lógica do processo de acumulação capitalista dentro do sistema financeiro determina o desenvolvimento desigual no interior de estruturas urbanas. Usando o exemplo de Baltimore, Harvey tenta mostrar como a lógica capitalista das instituições financeiras faz com que existam áreas super povoadas, de baixa renda, com oferta de imóveis a serem vendidos a baixo preço e a população sem acesso ao crédito para comprar tais imóveis. Isto porque a lógica capitalista do sistema financeiro faz com que o empréstimo a este tipo de agente se torne uma atividade 37 Martin (1999, p. 7) aponta quatro dimensões relacionadas ao que chamou de “circuito geográfico do sistema financeiro”: a localização espacial de instituições financeiras; as diferenças institucionais no espaço; os espaços regulatórios; e, finalmente, o gasto público através da sociedade, regiões e localidades. Estas quatro geografias do sistema financeiro – a locacional, a institucional, a regulatória e a pública – moldam os fluxos monetários através do espaço. 38 Por integração completa do sistema financeiro entende-se uma situação onde um agente pode obter uma determinada quantia de crédito a um custo determinado, independentemente de onde ele se encontra. 82 mais arriscada. Pode-se afirmar que tais estudos são os precursores da temática da exclusão financeira, altamente em voga nos dias atuais. Na seqüência destes estudos, outros também procuraram explicar os processos de “exclusão financeira” (Leyshon e Thrift 1997) para descrever os procedimentos através dos quais classes sociais menos favorecidas e minorias sociais têm o acesso aos serviços financeiros tradicionais negado.39 O importante desta discussão está no fato de que esta gama de excluídos é aquela que enfrenta formas diversas de privações. Assim sendo, a forma de operação do sistema financeiro contribuiria para aprofundar tais privações. Este processo, por sua vez, tem rebatimentos espaciais uma vez que a população de excluídos tende a se concentrar em áreas específicas dentro das cidades ou em áreas rurais. É importante notar que esta linha de pesquisa expande as investigações iniciais de Harvey, uma vez que não se concentra apenas na questão do financiamento habitacional. O que está em discussão é a possibilidade de uma parcela significativa da população ser excluída de serviços financeiros básicos como conta bancária, acesso ao crédito, uso de cartão de crédito e cheques, (Leyshon e Thhrift, 1996 e 1997; Dymsky and Veitch 1996). Esta questão possui uma relação direta com o processo de concentração de agências bancárias, vivenciado não apenas no Brasil mas também nos EUA e no Reino Unido, com impactos territoriais bem claros. Nas palavras de Leyshon, closures in Britain and the USA were spatially uneven, with branches closing fastest in areas of social and economic deprivations, particularly inner cities with large ethnic minority populations. ( Leyshon 2000, p. 437) Um segundo grupo de estudos seria formado por aqueles preocupados em discutir tipos específicos de instituições financeiras, serviços e mercados, tais como fundos de pensão, venture capital, reestruturação de serviços bancários e 39 Os processos de exclusão financeira mais conhecidos seriam o racionamento de crédito, redlines e blockbusting. Os dois primeiros: “…reinforce the class and ethnic segregation of the city by denying credit to individuals and families within certain parts of the city, and at times prevents class and ethnic mixing by directing certain groups away from areas to retain the “character” of the neighbourhood. Blockbusting encouraged ethnic mixing in the anticipation of the movement of ethnic minorities into particularly inactive local house markets would generate turnover as middle-class families left in a flight to new suburban areas (Leyshon 2000, p. 436). 83 exclusão financeira (Clark 1993; Leyshon and Thrift 1996; Martin e Minns 1995; entre outros). Uma terceira abordagem compreende trabalhos que se concentram na natureza e dinâmica dos grandes centros financeiros internacionais. Tais trabalhos se destacam por incorporarem análises econômicas, culturais e sociais para explicar a evolução e, principalmente, a persistência destes centros financeiros (como a City de Londres, por exemplo) frente ao processo de globalização. Embora o processo de liberalização financeira generalizada, em conjunto com o desenvolvimento tecnológico acima descrito, tenha permitido um maior e mais rápido fluxo financeiro no mundo como um todo - o que Harvey (1989) chamou de “compressão dos horizontes de tempo e espaço” - os centros financeiros mundiais mostraram-se capazes de resistir a este processo, fazendo com que o sistema financeiro mundial continuasse apresentando uma forte concentração espacial. A explicação para este fenômeno pode ser encontrada no benefício que as externalidades geradas neste tipo de concentrações podem gerar, especialmente aquelas associadas às informações (Thrift 1994, 1996). No entanto, se este processo de reestruturação do sistema financeiro (liberalização e desenvolvimento tecnológico) não foi capaz de alterar a localização espacial de grandes centros financeiros, gerou um forte efeito concentrador da atividade bancária. Isto seria derivado do profundo processo de integração financeira, que ocorreu de duas formas. Em primeiro lugar, uma “integração por fluxos”, onde a distinção entre bancos regionais e nacionais desaparece. Este processo é tanto mais intenso quanto menores forem os custos de transação e as barreiras de informação. No entanto, não obstante sua intensidade, a integração por fluxos encontra limites determinados por fatores como preferência pela liquidez, assimetrias de informação, entre outros. Nesse contexto, o processo de concentração bancária encontra limites, tornando a agência local um elemento importante para o mercado de crédito. A segunda forma de integração financeira seria a “integração por estruturas”, exemplificada pelo amplo processo de fusões e aquisições pelo qual o sistema financeiro mundial passou nas últimas duas décadas e pela entrada de novos bancos em áreas anteriormente restritas, como é o caso 84 dos bancos estrangeiros o Brasil na década dos 1990. No caso das fusões e aquisições, o impacto sobre a concentração bancária é imediato. Este processo de concentração bancária, entre outras características, contribuiu para o aprofundamento da exclusão financeira, não somente de indivíduos, mas também de áreas inteiras. Isto permitiu o surgimento de esquemas alternativos de acesso a serviços financeiros, tais como cooperativas de crédito, microfinanças e os chamados Sistemas de Troca e Comércio Locais (Local Exchange and Trading Systems - LETS em inglês). Este último esquema, por exemplo, responde pela utilização de um sistema de moeda local para a realização de trocas e empréstimos, cuja origem está no processo de resposta local aos problemas econômicos e sociais oriundos do nível de atividade econômica baixo. De acordo com Williams (1999), em 1999 existiam cerca de 1300 Sistemas de Troca e Comércio Locais operando em 15 países pelo mundo.40 Uma outra abordagem é aquela que Leyshon (1995) chamou de “Economia Geopolítica das Finanças”. Esta, fortemente influenciada pela chamada “Nova Economia Política Internacional” (Strange 1988; Murphy and Tooze 1991), apresenta três linhas de investigação. A primeira relaciona-se com a teoria da estabilidade hegemônica. De acordo com esta teoria, um Estado poderoso tentaria impor ordem ao sistema financeiro internacional de acordo com seus interesses e, desta forma, propiciaria uma base sobre a qual o processo de acumulação de capital poderia prosseguir. Este seria o arcabouço para estudar a hegemonia, tanto do sistema financeiro Britânico durante o período da pax Britannica, quanto a atual supremacia americana, dentro do contexto de apogeu e crise do sistema de Bretton Woods. Uma segunda linha de investigação concentra suas atenções nas implicações sobre o comportamento das corporações e o desenvolvimento de economias nacionais e regionais no surgimento de um sistema financeiro mais volátil, fruto do colapso de Bretton Woods. Finalmente, a literatura neo- gramsciana de hegemonia vem discutindo a mudança de poder dos Estados e governos para os interesses transnacionais das elites sociais, particularmente 40 Para uma leitura detalhada sobre este tema ver Bowring (1998); Lee (1996); North (1999); Purdue et al., (1997); Thorne (1996); Williams (1998) e Williams (1999). 85 aquelas associadas ao capital global e, especialmente, o capital financeiro global (Leyshon 1995). A última abordagem estuda a relação entre sistemas e fluxos financeiros regionais e desenvolvimento industrial regional. Como Martin (1994) mostra, embora tenha ocorrido após a liberalização do sistema financeiro mundial um movimento no sentido da equalização das taxas de juros (pelo menos entre os países centrais), tal processo não se observou em relação às taxas de lucros. Vale dizer, o sistema financeiro internacional apresenta características bem distintas no espaço. Embora se possa afirmar que créditos e débitos possuem uma crescente circulação global, os meios de pagamentos continuam baseados em moedas validadas por Estados–Nações definidas territorialmente. Isto permite concluir que as configurações de sistemas financeiros variam de país para país (ou mesmo de região para região), determinando um papel importante a ser desempenhado pela moeda. Para usar a terminologia de Storper (1993), é possível falar da existência de distintos “mundos econômicos” governados por distintas configurações de relações sociais e de racionalidades econômicas, distribuídas diferentemente sobre o espaço e com profundas implicações territoriais. Obviamente, nestes mundos econômicos diversos, a forma como a moeda e o sistema financeiro operam também são condicionados por relações sociais e racionalidades econômicas diversas. É este entendimento que permite associar distintos processos de industrialização a distintos arcabouços financeiros, como mostra Zysman (1983) em relação aos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Japão. Nos dois primeiros, a relevância do mercado de capitais no padrão de financiamento determinou uma racionalidade econômica específica e se mostrou compatível com um processo de industrialização gradual. Os dois últimos, por sua vez, vivenciaram um processo de industrialização retardatária e intensa, com um sistema financeiro baseado fortemente no crédito bancário. Do ponto de vista da economia regional, o importante aqui é ressaltar que a superação do atraso industrial e regional de alguns países se deu com uma configuração específica do sistema financeiro, o que determinou estruturas de financiamento de empresas também específicas. 86 Além disto, pode-se também observar o papel desempenhado pelo sistema financeiro regionalizado italiano no processo de desenvolvimento da chamada Terceira Itália, através do fornecimento de crédito barato e de longo–prazo (Becattini 1990, Carnevali 1996; Alessandrini e Zazzaro 1999; Li et al. 2001; e Russo e Rossi 2001). Nesse caso, as fortes relações locais entre bancos e tomadores de empréstimos permitiriam uma maior cumplicidade em termos de objetivos, superação da assimetria de informação existente entre credores e tomadores de empréstimos, surgimento de uma cultura de confiança e “moeda paciente”. Ou seja, poder-se-ia afirmar que existiria uma forte relação entre a configuração do sistema financeiro (que é distinto no espaço) e a forma de seu relacionamento com a estrutura produtiva, em um processo de influências recíprocas entre ambas esferas. Existiriam, assim, distintas formas de articulação entre a esfera produtiva e a esfera financeira, com distintos impactos sobre a configuração dos espaços econômicos nos quais tais articulações estão inseridas.41 Apesar da discussão sobre a influência da moeda no desenvolvimento regional estar mais enraizada entre os geógrafos econômicos a ponto de ser considerada uma sub-disciplina, não é possível afirmar que esta linha de investigação fornece os instrumentos analíticos necessários para um real entendimento do papel da moeda e do sistema financeiro na configuração das disparidades regionais. A razão para isto, no entendimento deste autor, é o fato dos geógrafos econômicos, de uma forma geral, não incorporarem como instrumento de sua análise uma teoria monetária adequada. Como pode ser notado na revisão acima, os efeitos que a moeda tem sobre o território estariam ligados não às características da moeda, mas sim a falhas de mercado relacionadas ao processo de concessão de crédito e ao funcionamento do sistema financeiro. Embora não se possa desconsiderar tais elementos como importantes para entender dinâmicas econômicas diferenciadas entre regiões, eles não são suficientes para colocar a moeda como elemento importante na explicação 41 Para uma análise mais detalhada dos impactos regionais da globalização financeira em relação à sua integração, regulamentação e, principalmente, o enfraquecimento de sistemas regionais de financiamento ver Martin 1999; Tickell 2000; Wójcik 2003; Klegg e Martin 2005. 87 das disparidades regionais. Isto porque, seriam as “falhas de mercado” que definiriam as características dos impactos. Uma vez eliminadas as “falhas de mercado”, a influência da moeda sobre o desenvolvimento regional desapareceria. Pode-se dizer que a abordagem Novo-Keynesiana, em última instancia não incorpora a moeda, uma vez que as “falhas de mercado” são fenômenos localizados no “lado real” da economia. 88 I.5 ELEMENTOS PARA UMA TEORIA MONETÁRIA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO A revisão crítica efetuada anteriormente evidenciou os limites das teorias de desenvolvimento regional e urbano de acordo com a perspectiva Pós Keynesiana aqui adotada em relação ao papel desempenhado pela moeda. Vale notar que, embora não se possa negar uma clara conotação keynesiana centrada na demanda efetiva nos modelos de desenvolvimento não ortodoxos analisados, estas limitações estão presentes ao considerarem a moeda neutra em seus efeitos. Nas palavras de Amado, some models do not have a well specified monetary framework. Other models follow the orthodox characterization of finance as representing saving, and thus, present a monetary theory which is in essence orthodox. Finally, some models assume absolute endogeneity of the money supply and so see money merely as accommodation variable. These models find causes for different patterns of regional development only among real elements. Therefore, even among the heterodoxy we have a “real” bias in the analysis of regional development. (Amado 1999, p. ix). Além disto, fica claro que a perspectiva Keynesiana, embora simpática aos geógrafos econômicos, perdeu espaço no debate, não sendo capaz de se tornar referência e, assim sendo, influencia-ló. No que se segue, é apresentada uma “contribuição” Pós Keynesiana para o entendimento das disparidades regionais. O termo “contribuição” foi coloca entre aspas porque no entendimento do autor desta tese, como será mostrado a seguir, não é possível dizer que exista uma “Teoria Pós Keynesiana de Desenvolvimento Regional”. Isso porque na literatura Pós Keynesiana não há uma concepção clara de “região”e de seus elementos constitutivos. Pode-se afirmar, portanto, que existe uma agenda de pesquisa em aberto para pesquisadores desta tradição teórica. Em certa medida, esta tese é uma contribuição a esta agenda. Apresenta-se, a seguir, o atual estágio de desenvolvimento de uma Teoria Pós-Keynesiana de Desenvolvimento Regional e realiza-se algumas reflexões sobre ela. Como visto, o papel desempenhado pela moeda em uma economia monetária de produção pode ser considerado um elemento diferenciador da abordagem Pós-Keynesiana frente às demais correntes de pensamento econômico, 89 notadamente aquelas que compartilham a matriz teórica clássica (monetaristas, neoclássicos, Novo-Clássicos e, em determinada medida, Novos Keynesianos). No cerne desta diferenciação está a não neutralidade da moeda. Como se sabe, a neutralidade das variáveis financeiras é assumida pelo mainstream em economia, significando que a renda real depende apenas de fatores reais. A moeda é vista como um véu que facilita as trocas e ajusta o nível geral de preços. Os bancos, por sua vez, são também considerados neutros, pois alocam poupanças disponíveis entre projetos alternativos. Regionalmente, o sistema bancário somente afetará o desempenho das variáveis reais quando falhar na alocação do crédito nacional entre diferentes regiões em virtude de falhas de mercado, tais como informação imperfeita ou assimétrica, ou de barreiras à sua atuação, como custos de transação. Assumindo que nenhum destes problemas ocorrer o mercado de crédito regional atuará de forma apropriada e equilibrará o fluxo financeiro interregional, fazendo com que as regiões se deparem com uma curva de oferta de crédito perfeitamente elástica. Embora as raízes de diferenças de renda regionais possam ser atribuídas a fatores estruturais, variáveis monetárias podem contribuir para a manutenção e ampliação destas diferenças, quando se adota uma abordagem na qual a moeda e os bancos são não-neutros para o desenvolvimento regional. Uma abordagem Pós-Keynesiana, além de considerar a oferta de moeda endógena ao funcionamento do sistema econômico, também se distingue das demais por abordar de forma integrada a oferta e a demanda no mercado de crédito regional. Para estes autores, a oferta e a demanda de crédito são interdependentes e afetadas pela preferência pela liquidez, vinculada às expectativas que os agentes formam em um ambiente de incerteza. Do ponto de vista dos bancos, a preferência pela liquidez afetará negativamente a sua disposição em emprestar na região, caso possuam expectativas pessimistas ou pouco confiáveis sobre ela. No lado da demanda por crédito, a preferência pela liquidez do público afetará suas respectivas decisões de portfólio. Quanto maior a preferência pela liquidez, maior as posições em ativos líquidos destes agentes e menor sua demanda por crédito. 90 A partir destes conceitos teóricos e utilizando-se de elementos das teorias da Causação Cumulativa e da Dependência, Dow (1982 e 1987) apresenta alguns modelos em que o sistema financeiro, juntamente com o lado real da economia, pode promover padrões de desenvolvimento regional desiguais. Dow (1982) tenta traduzir os argumentos de liquidez para um contexto espacial. Assim, economias contemporâneas com igual base monetária possuiriam multiplicadores monetários mais elevados quanto mais otimistas forem as expectativas sobre os preços locais dos ativos, mais líquidos os mercados locais destes ativos, maior o grau de desenvolvimento financeiro e mais favorável seu resultado comercial com outras regiões. Dois casos extremos de regiões diferentes em suas características são considerados: uma região central e uma periférica. O centro seria uma região próspera, com mercados ativos e sofisticação financeira. A periferia seria uma economia estagnada, com tênues mercados e um menor grau de sofisticação financeira. Como resultado destas características, a preferência pela liquidez seria maior na periferia, a liquidez de qualquer ativo seria maior no centro do que na periferia e, no longo prazo, o multiplicador bancário seria maior no centro. Da mesma forma, a contextualidade espacial permitiria que o agente poderia manter, simultaneamente, ativos de economias de várias regiões, implicaria não só endogeneização espacial da base monetária, como também reforçando o caráter distinto das ofertas de moeda regionais. Além disto, o fato de instituições financeiras tenderem a ter escritórios localizados na região central implica um distanciamento das demandas por investimento na região periférica e dificuldade na concessão de crédito. Haveria, portanto, uma separação entre o local do investimento e o local de controle e, desta maneira, a forma como este investimento se realiza é que assegura a dependência e o subdesenvolvimento. O centro é definido como um local que apresenta uma estrutura produtiva historicamente dominada pela indústria e pelo comércio e onde se situa o centro financeiro. A periferia, por sua vez, concentra suas atividades no setor primário e nas manufaturas de baixa tecnologia, com uma dinâmica econômica centrada na exportação para o centro, sendo as receitas de suas vendas sensíveis à conjuntura no centro e, conseqüentemente, altamente voláteis. O centro possui spread effects 91 sobre a periferia não apenas nas suas demandas de produtos, mas também na difusão de tecnologia, mão-de-obra qualificada e serviços através de suas filiais, promovendo uma dependência entre centro e periferia. Estas características implicam que a preferência pela liquidez será maior na periferia para os seus residentes, sejam bancos, empresários ou o público. As razões para isso seriam o alto risco de perda de capital para os bancos, relacionados ao risco de default dos empréstimos; a mudança da eficiência marginal do investimento para as empresas, que é afetada pela menor disponibilidade de empréstimos e maiores juros bancários; e a incerteza na obtenção de renda percebida pelo público, ambos ligados à volatilidade da economia. O resultado é que bancos nacionais podem emprestar menos para a periferia dada sua estrutura econômica e o remoto controle sobre as suas filiais. Bancos específicos da periferia, por sua vez, preferirão manter um nível de reservas mais alto e restringir os empréstimos locais, colocando-se em uma posição de desvantagem relativa e encorajando a concentração bancária no centro. Além disso, a maior preferência pela liquidez do público na periferia se traduziria em maior parcela de depósitos a vista sobre depósitos a prazo, o que poderia obrigar os bancos a diminuírem o prazo de seus empréstimos para ajustar ao menor prazo dos depósitos, gerando menos recursos de longo prazo para a região. (Chick and Dow 1988; Dow 1996, 1999). Vale salientar que mesmo considerando o atual estágio de desenvolvimento bancário, onde as operações off balance, e a oferta de serviços e não crédito ganham peso, o sistema bancário continua desempenhando um papel chave no desempenho econômico de distintas localidades. Algumas reflexões emergem da análise da contribuição Pós-Keynesiana ao desenvolvimento regional. Em primeiro lugar, é importante salientar que o trabalho de Dow (1996, 1999) e Chick e Dow (1988) não são trabalhos eminentemente de economia regional e/ou geografia econômica. Ou seja, não utilizam em suas análises conceitos clássicos destes campos de investigação. Por 92 exemplo, os conceitos de espaço e região não são considerados e integrados. O que fazem é empregar conceitos macroeconômicos à regiões. Em determinada medida, pode-se afirmar que, na essência, o que as autoras fazem é uma macroeconomia sem taxa de câmbio. Esta constatação não invalida a teoria apresentada, apenas a contextualiza e, desta forma, permite o seu desenvolvimento. Isto é fundamental, pois permite entender esta contribuição não como uma teoria completa de desenvolvimento das regiões, como uma referencia para o entendimento do papel do sistema financeiro neste desenvolvimento. É por esta razão que a contribuição Pós-Keynesiana não possui uma sentido de causalidade claro entre bancos e regiões, devendo ser entendida uma um relação sinérgica entre ambos. Esta teoria não permite, por exemplo, afirmar que a origem das disparidades regionais está nos comportamentos dos bancos, mas sim afirmar que os bancos possuem um papel central na perpetuação e ampliação destas disparidades. Em segundo lugar, deve ficar evidente que esta é uma contribuição ao entendimento das disparidades regionais que só pode existir a partir da aceitação da versão estruturalista da oferta de moeda. Ou seja, o impacto da moeda nas regiões ocorre fundamentalmente através da preferência pela liquidez dos bancos. Caso a teoria monetária adotada fosse a horizontalista, não haveria espaço para um papel da moeda, pois os bancos sempre validariam a demanda por moeda. Neste contexto, as disparidades regionais somente ocorreriam devido à fatores reais e o impacto destes sobre o investimento. Não é por outro motivo que, como foi visto, a interpretação de Kaldor de desenvolvimento regional (modelo de causação circular cumulativa) não dá ao sistema bancário papel algum. Como visto anteriormente, Kaldor foi um dos expoentes da visão horizontalista da oferta de moeda. Em terceiro lugar, e derivado da análise anterior, deve ficar claro que é justamente a preferência pela liquidez mais alta em regiões menos desenvolvidas que faz com que o circuito, finance, poupança, funding, não ocorra de forma integral. O rompimento deste circuito pode ocorre em dois momentos. Um primeiro, quando o banco, devido à sua preferência pela liquidez mais elevada, não fornece o finance. Neste caso, o circuito não se inicia. A interpretação estruturalista 93 de oferta de moeda é determinante para que este resultado teórico seja obtido. Ao recusar fornecer o finance, o sistema bancário não permite o surgimento de um circulo virtuoso de crescimento em regiões menos desenvolvidas. O segundo momento de ruptura do circuito é na realização do funding. Ou seja, supondo que o sistema bancário forneça o finance, o circuito romperia no momento de transformação da poupança gerada pelo finance em funding. As razões seria preferência pela liquidez do público em relação a ativos de regiões menos desenvolvidas. Este fato dificultaria a tarefa do sistema bancário em compatibilizar as necessidades de liquidez de investidores e poupadores. Isto poderia ser feito apenas a custos muito elevados tanto para os bancos, quanto para os investidores. Finalmente, não restam dúvidas que o trabalhos seminais de Dow e Chick foram um marco para a literatura Pós Keynesiana ao afirmar que preferência pela liquidez não é um conceito que flutua sobre o território. Este entendimento se configura como a porta de entrada para a afirmativa de que a moeda é fundamental para o entendimento dos mecanismos geradores das disparidades regionais. O alcance desta contribuição não é pequeno, pois fornece tanto aos economistas regionais quanto aos geógrafos econômicos a ferramenta teórica necessária para que possam introduzir as variáveis financeiras dentro da análise regional. Entretanto, esta possibilidade não é passível de ocorrer com o referencial teórico Novo Clássico e Neoclássico, e é apenas parcial dentro da perspectiva Novo Keynesiana, tendo em vista a teoria monetária partilhada por tais correntes de pensamento. O ponto central a discutir neste momento, então, é entender porque a contribuição Pós-Keynesiana não consegue se firmar entre os economistas regionais e, principalmente, entre os geógrafos. A resposta sugerida nesta tese é que, embora as concepções de preferência pela liquidez e de centro / periferia sejam importantes, um melhor entendimento do que seja um território se faz necessário para que esta “contribuição” se transforme em teoria. O território deve ser visto como um construto social (social construct), cujas características influenciam as condições econômicas que 94 determinam a preferência pela liquidez das regiões. Alguns destas características são: centralidade; região complementar; hierarquia urbana; polarização; escala urbana; área de mercado; economias de aglomeração e urbanização, entre outros. Estas características devem dialogar com o conceito de preferência pela liquidez para que a contribuição Pós-Keynesiana passe a ter uma maior penetração entre economistas regionais e, principalmente, geógrafos econômicos. Nesta tese, procura-se, de forma ainda incipiente, desenvolver, teórica e empiricamente, as ligações existentes entre preferência pela liquidez regional e centralidade e hierarquia. I.5.1 PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ, CENTRALIDADE E HIERAQUIA URBANA E A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO Como foi visto anteriormente, embora no desenvolvimento da teoria do lugar central a discussão acerca da moeda venha crescentemente sendo incorporada, a teoria monetária adotada não permite um maior entendimento desta relação. Assim sendo, o que se pretende nesta seção é discutir as abordagens sobre desenvolvimento urbano analisadas anteriormente sob a ótica da teoria de preferência pela liquidez de Keynes, exposta no primeiro capítulo desta tese. Partindo da Teoria do Lugar Central, uma centralidade elevada implica em uma grande oferta de bens centrais, que, por sua vez, estimula a diversificação dos setores industriais e de serviços. Esta diversificação abre maiores possibilidades de investimentos por parte dos bancos, uma vez que eles podem diversificar seus portfólios, não somente entre ativos líqüidos e ilíqüidos, como também em relação a uma maior gama de ativos ilíqüidos, com distintos graus de maturidade, diferentes setores, parcela de mercado, etc. Esta é uma diferença fundamental entre um lugar-central e sua vizinhança. Além disso, as economias de aglomeração derivadas de economias de escala, economias de localização e urbanização associadas ao processo de diversificação dos setores industrial e de serviços introduzem um outro incentivo à redução da incerteza na região. Este mecanismo foi salientado por Jacobs (Jacobs 1968) com o nome de sistema econômico de reciprocidade (economic reciprocating system), que nada mais é do que um processo de diversificação do sistema produtivo associado à introdução de novos 95 produtos em distintos setores. Este processo é possível devido ao desenvolvimento do setor de exportação e permite à cidade aumentar seu crescimento econômico, o que, por sua vez, permite o aumento da exportação de serviços e bens. Este processo atrairá firmas de diferentes setores para a cidade, aumentando as externalidades do local, tornando a região mais atrativa. Do ponto de vista do sistema financeiro, não somente os seus custos serão reduzidos devido às externalidades geradas pelas economias de aglomeração, como também aumentarão as oportunidades de investimento para os diversos setores industriais e de serviços. Desta forma, pode-se argumentar que quanto maior a centralidade, menor a preferência pela liquidez dos bancos e maior a disposição destes em ofertar crédito para diferentes tipos de projetos. Em outras palavras, existiria uma maior disposição dos bancos em ofertar o finance para o desenvolvimento dos projetos de investimento. Isto desencadearia um círculo virtuoso entre economias de aglomeração e oferta e demanda por crédito, reforçando o processo de concentração da oferta de crédito em lugares centrais. Além disto, o sistema financeiro procuraria aumentar o número de agências e provisão de serviços em lugares centrais tanto porque suas operações estão sujeitas a economias de escala e escopo, e transbordamento (spillovers) de informações, quanto devido ao fato de seus principais custos (informação, coordenação e transação) serem sensíveis à escala de operação. Esta relação da centralidade com o sistema bancário também se faz presente na gestão do passivo deste. Como mostra a literatura (Chick 1992, Dow 1999), uma característica atual do sistema bancário seria a capacidade deste em gerenciar seu passivo de forma mais ativa (liability management). Isto implicaria em uma política ativa tanto de marketing, como também, e fundamental para a discussão aqui realizada, de oferta de produtos variados buscando aumentar a captação de recursos. Nas palavras de Dow, The expansion of the banking system, facilitated by the enhanced confidence and the enlarged supply of reserves, in turn fuels a much greater expansion of non-banking financial intermediation with bank deposits as its base. At the fifth stage (which is characterized the British banking system in the 1970s), banks find themselves facing fierce competition for financial services from new non-bank’s finance intermediaries. This competition has been the product of the bank’s success. The banks are forced to become much more 96 productive, seeking lending opportunities and the deposits to match them, that is, to engage in liability management. (Dow 1999, p. 38 - 39) O papel da centralidade de uma região, determinada pelo tamanho de sua população, renda e da diversidade de sua estrutura industrial e de serviços, neste processo é essencial para o desenvolvimento desta atividade bancária. Esta diversidade determina a existência de uma gama de potenciais clientes para os bancos com distintas preferências pela liquidez, significando necessidades de formas diferenciadas para preservar e ou aumentar suas riquezas. Isto possibilitaria aos bancos a criação de inovações financeiras diversas de forma a oferecer produtos padronizados para estas distintas necessidades. As implicações deste processo são amplas. De um lado, isto possibilita um aumento significativo das reservas bancárias. Embora na perspectiva aqui adotada a oferta de crédito não seja restrita pelo volume de reservas, este por sua vez é fundamental a todo o desenvolvimento do sistema financeiro. Nas palavras de Dow, although traditional banking is declining in relative importance within the financial system in terms of volume of traditional banking business [illiquid assets and liabilities-used-as-money], it nevertheless retains its pivotal importance in providing the money base on which the rest of the system is built. This is turn continues to allow banks to play their distinctive role in providing direct loans to borrowers as an alternative to borrowing in securities markets. […] The different spatial characterization of potential borrowers means that bank finance be more important in some regions than others. Similarly, portfolio behavior on the asset side (particularly the desire for liquidity) may differ from one region to another. (Dow 1999, p. 40). Por outro lado, isto permitiria a ampliação do funding. Como mostrado anteriormente, o processo de investimento, segundo a abordagem aqui utilizada, é iniciado através do finance, que é a obtenção de recursos financeiros de curto – prazo junto aos bancos. Este processo só é finalizado a partir do momento em que a poupança gerada através deste investimento é transformada em funding: The process of transformation of short-term into long-term liabilities is called funding. To be feasible, a funding operation requires the existence of wealth holders desiring permanent abodes of wealth, in contrast of banks which, when creating finance, are only searching for short-lived commitments (Carvalho 1992, 151) É possível argumentar que em regiões com pequena centralidade apenas o finance ocorre integralmente, sendo que o processo de funding é apenas 97 parcialmente internalizado, criando dificuldades ainda maiores para os investidores ali localizados. Isto ocorreria devido ao fato da liquidez dos ativos das regiões serem menores, fazendo com que a poupança gerada pelo processo de investimento seja transferida para regiões mais centrais. Além disso, deve ser destacado o fato de que o grau de desenvolvimento do sistema financeiro é determinante para o sucesso da transformação do finance em funding: The more sophisticated and diversified the financial system is, in terms of types of financial instruments and duration of commitments, the more efficient it will be to intermediate resources between savers and investors. (Carvalho 1992, 152) Este processo se torna mais importante nos dias atuais tendo em vista que os bancos passaram a utilizar massivamente o processo de securitização. Este seria o sexto estágio bancário proposto por Chick (1992) e Dow (1999). De acordo com Dow, ... to attempt to sell off assets in order to reduce their capital requirements and to increase banks’ appeal in equity markets. At the same time, the banks sought to avoid a recurrence of this situation of being caught with illiquid assets of dubious value. The outcome was the development of securitization (Gardener, 1988). Banks turned existing loans into marketable securities and developed the provision of financial services in securities markets, facilitating borrowing by means of issuing securities, rather than lending directly themselves. At the same time, they encouraged the development of markets of derivative products which offered banks profit-making opportunities off the balance sheet, and thus not subject to capital requirements (although the requirements have since been changed to try to capture exposure to off- balance sheet risk). (Dow, 1999, pp. 38 -39) Desta forma, é possível argumentar que firmas localizadas em regiões mais centrais possuem melhores alternativas para buscar funding inclusive no mercado de securities ao invés de buscar estes recursos diretamente nos bancos. Já firmas pequenas e médias, localizadas em regiões de vizinhança à central ou com centralidades menores, teriam apenas a possibilidade de recorrer ao sistema bancário para a obtenção dos recursos necessários para o seu investimento. Ou seja, o impacto da centralidade na configuração do sistema bancário determinaria vantagens competitivas, em termos de acesso ao financiamento, para as firmas ali localizadas.42 42 Uma comprovação empírica da relação entre centralidade e funding pode ser encontrado em Wójick (2009). Este artigo mostra que firmas localizadas em centros financeiros tem maiores probabilidades de se financiarem via emissão de ações no mercado de capital do que firmas localizadas na periferia. 98 Neste ponto os dois lados do processo de investimento se juntam. Pode ser argumentado que não somente a preferência pela liquidez dos bancos é afetada pela centralidade, mas também a do público de uma forma geral. Isto, por sua vez, levaria a um maior demanda por crédito. Ou seja, dado que a centralidade implicaria em maiores economias externas e de escala, pode-se afirmar que o ambiente econômico em regiões centrais seria menos incerto e, portanto, levaria as firmas a terem uma maior disposição em investir. Assim, quanto maior a centralidade maior também a demanda por crédito. Além disto, como visto acima, esta maior disposição a se endividar encontraria formas mais variadas de ocorrer em regiões centrais, podendo ser desse o tradicional endividamento junto aos bancos, quanto a emissão de debêntures, ações, dentro outras. Além da demanda por crédito, a preferência pela liquidez também afeta a disposição do púbico em geral em manter seus ativos em forma mais ou menos liquida. Isto implica em escolher entre manter seus recursos na forma de depósitos a vista (mais liquido) ou outras formas de aplicações financeiras, tais como depósitos a prazo (mais ilíquidos). Desta forma, se o grau de centralidade influencia o grau de incerteza de uma região, e conseqüentemente a preferência pela liquidez, é possível argumentar que quanto maior a centralidade, menor a preferência pela liquidez do publico, menor a propensão a reter ativos mais líquido e, portanto, maiores as possibilidades do sistema bancário em ter um passivo mais ilíquido, no sentido de maiores prazos de maturação. A centralidade de um região é importante para determinar a decisão dos bancos quanto à localização de suas agências e headquarters. Como salientado por Martin (Martin 1999), no caso de bancos de varejo, a decisão sobre onde localizar uma nova agência é positivamente influenciada pelo nível de renda e pelo tamanho da população de uma região. Como a centralidade ajuda a concentrar pessoas e aumenta a renda de uma região, é possível argumentar que quanto maior a centralidade, maior será a possibilidade do banco decidir instalar uma agência nesta região. No entanto, como já salientado, o sistema financeiro não é passivo em relação ao desenvolvimento da região. A preferência pela liquidez dos bancos pode facilitar o desenvolvimento de uma região, na medida em que ela permite ao 99 banco se tornar mais propenso a ofertar crédito naquela região. Porém, pela mesma razão, este processo contém fortes elementos que reforçam as disparidades regionais. De um lado, é possível argumentar que quanto maior a centralidade de uma região maior será a preferência pela liquidez de sua vizinhança (relativamente ao lugar central) uma vez que esta última não possui os serviços ofertados pelo centro e, desta forma, se tornará menos atrativa tanto para indústria quanto aos bancos. Isto tornará mais difícil para a vizinhança diversificar seus setores industriais e de serviços, reforçando aqui sua posição de hierarquia inferior. Por outro lado, as condições periféricas deverão se reproduzir, uma vez que estas estão vinculadas à centralidade do centro. A lógica de reprodução do sistema nesta região é condicionada e reforçada pela lógica do sistema de produção do centro. A questão não é ser desenvolvido ou subdesenvolvido em termos de dois estágios distintos e seqüenciais. O que se discute é a lógica de reprodução (e acumulação) do capital no espaço. Desta forma, lugares centrais não são distribuídos igualmente pelo espaço devido ao fato de que o processo de acumulação e reprodução do capital no setor terciário implica na existência de hierarquia entre centros urbanos. Assim, o resultado da livre movimentação das forças de mercado resulta em um desenvolvimento regional desigual. Neste sentido, é possível argumentar que desenvolvimento regional também significa distribuição de centralidades ou a construção de muitas centralidades através do espaço. O que é aqui sugerido é que o sistema financeiro desempenha um papel crítico neste processo. Por fim, caberia discutir como a moeda se relaciona com o processo de construção de centralidades em espaços periféricos. Como visto anteriormente, existem três fatores que tornam o território mais desigual em regiões periféricas, a saber: i) a pequena densidade urbana determinada pela pior distribuição espacial desta renda; ii) entorno do núcleo urbano geralmente de subsistência, significando que o núcleo urbano não é capaz de desaglomerar atividades econômicas complementares para seu entorno; e, iii) porosidade da demanda local, que resulta 100 em uma área de mercado regional geograficamente extensa, mas com baixa intensidade da demanda por unidade de distância. Todas estas caracteríscas determinam a construção de um espaço fortemente fragmentado em regiões atrasadas, com uma estrutura urbana fortemente hierarquizada. É possível, portanto, argumentar que quanto mais hierarquizada for uma estrutura urbana, maior será o diferencial de preferência pela liquidez entre as regiões. Ou seja, em regiões periféricas, o diferencial de preferência pela liquidez entre regiões é significativamente maior devido à fragmentação do espaço, fazendo com que este diferencial se torne cada vez maior. Além disso, a distribuição espacial do sistema financeiro também se torna extremamente fragmentada, não só com grandes diferenciais entre regiões na concessão de crédito, como também na oferta de serviços bancários. Nas palavras de Dow As financial systems develop, the non-bank financial intermediaries expand relative to the banks; […] Together, the banks and the non-banks financial intermediaries provide financial services to non-financial bussines. The nature, terms and availability of these services are the fundamental economic significance. To the extent that these services and their availability differ from one locality to another, the economic development of these localities is bound to be affected. These differences can arise from the local character of financial institutions, and from the degree to which local bussiness is dependent on such local financial institutions (Chick and Dow, 1988) (Dow 1999, p. 43 -44), 101 PARTE II - DUAS INVESTIGAÇÕES EMPÍRICAS: MOEDA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL E HIERARQUIA URBANA NO BRASIL Nesta parte da tese procurar-se-á subsidiar a discussão teórica efetuada na Parte I com uma investigação empírica acerca do comportamento do sistema bancário brasileiro, a partir da perspectiva Pós Keynesiana discutida anteriormente. Duas abordagens de investigação serão desenvolvidas. O primeiro recorte será o regional, através da divisão político – administrativa, do Brasil (grandes regiões). Como mostrado, a abordagem Pós Keynesiana para economia regional tem como elemento central a hipótese da existência de preferências pela liqüidez diferenciadas no território, determinada pelas características econômicas das regiões. Neste sentido, a investigação empírica a ser realizada pode ser considerado um contribuição para a validação ou não desta teoria a partir da utilização de dados do Brasil. O segundo recorte será urbano, através da hierarquia do tipos de serviços financeiros oferecidos no país. Neste caso, procura-se contribuir para suprir uma deficiência da abordagem Pós Keynesiana apontada na Parte I, qual seja, o diálogo com categorias típicas tanto da economia regional quanto da geografia econômica. Neste caso, a categoria seria a centralidade. Assim, como será visto, procura-se analisar a relação entre preferência pela liqüidez e distinto níveis de centralidade. Além disto, buscando aprofundar a discussão acerca das relações entre moeda e desenvolvimento urbano, ao final uma pequena análise é efetuada tendo como recorte a escala urbana. Vale salientar aqui uma contribuição que esta tese traz: o banco de dados utilizado. Serão utilizado dados relativos aos balancetes das agencias bancárias copilados pelo Laboratório de Estudos em Moeda e Território – LEMTe -, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) da UFMG. A fonte primária destes dados é o Sistema de Informações Contábeis do Sistema Financeiro (COSIF), Desde 1988 o Banco Central do Brasil tornou obrigatório para cada 102 agência bancária no país enviar ao Banco Central o balancete mensal de sua contabilidade. Estas informações são disponibilizadas de forma agregada por município. O LEMTe coletou, tabulou e deflacionou tais informações para todos os municípios do Brasil.43 Este banco é único no Brasil, sendo que somente o Banco Central do Brasil possuí um banco similar. Vale ressaltar que esta instituição não disponibiliza tais dados de forma agregada, razão pela qual o LEMTe se dedicou nos últimos cinco anos na montagem deste banco de dados. Uma forma de avaliar o ineditismo e a importância deste banco de dados são os prêmios recebidos por trabalhos que o utilizaram. Até o momento, foram dois primeiros lugares no Prêmio IPEA / Caixa (derivados de uma monografia de conclusão de curso e uma dissertação de mestrado); melhor trabalho categoria profissional do último Encontro de Economia do Nordeste (ANPEC – Nordeste), e melhor trabalho de iniciação científica (UFMG – 2008). Esta Parte da tese está assim estruturada. Na próxima seção, uma breve revisão da evolução recente do sistema financeiro brasileiro é efetuada. Busca-se aqui contextualizar o ambiente macroeconômico e seus rebatimentos sobre o sistema financeiro brasileiro. A seção seguinte trata da investigação empírica com o recorte regional. Finalmente, a última seção trata do recorte urbano. II.1 EVOLUÇÃO RECENTE DO SISTEMA FINANCEIRO BRASILEIRO Para entender a recente evolução do sistema financeiro no Brasil, com atenção especial ao seu gerenciamento, é necessário retornar no tempo ao início dos anos 80. A resposta do sistema financeiro ao meio ambiente macroeconômico daquele período teve repercussões sobre o seu comportamento, com implicações que se estenderam até a década seguinte. Como é amplamente conhecido, os anos 1980 começam sob a influência de choques externos, que determinaram alterações significativas nas condições internas, associadas com a crise da dívida, que se traduziram no fenômeno 43 Para se ter uma idéia da dimensão do banco de dados utilizados, basta lembrar que cada balancete mensal possui cerca de 140 informações. Foram coletadas informações de cerca de 3500 municípios que possuíram pelo menos uma agência bancária durante todo o período. Assim sendo, mensalmente foram armazenadas cerca de 490.000 informações. Se considerarmos o período de 21 anos, atingem-se a marca de 123.480.000 informações disponíveis no banco de dados. 103 denominado estaginflação (inflação com pequeno crescimento econômico) e na drástica deterioração das contas públicas. Adicionalmente, a industrialização por substituição de importações passou a ser duramente criticada. De acordo com a ortodoxia neoliberal – baseada nas diretrizes do Consenso de Washington – a liberalização econômica era considerada a política apropriada para enfrentar a crise, promover a estabilidade e a competitividade internacional e, em decorrência, restaurar o crescimento econômico. A liberalização financeira, em particular, era considerada condição sine qua non para superação das dificuldades enfrentadas pelo país. Apesar da crise econômica, o sistema financeiro foi capaz de sustentar uma alta lucratividade relativamente a outros agentes econômicos. Essa lucratividade foi, principalmente, garantida por: provisão de serviços financeiros pelos bancos aos indivíduos e empresas, de forma a garantir o valor de seus depósitos em face da hiperinflação; apropriação do imposto inflacionário; e os elevados ganhos com títulos públicos. Neste caso, além do retorno elevado, outros mecanismos foram adotados visando elevar a liquidez desses ativos, com destaque para o mecanismo de “zeragem automática”: o Banco Central se comprometia a recomprar diariamente títulos do governo em mãos dos agentes do sistema financeiro, caso apresentassem eventuais déficits de reserva. A compra de títulos governamentais tornava-se, assim, uma atividade sem risco. Com isso, os bancos encontraram uma forma de manter elevada sua lucratividade, por meio de alterações na composição de seus ativos, nas quais a redução da oferta de crédito foi compensada com aplicações financeiras de baixo risco e alta lucratividade. É verdade, entretanto, que as condições prevalecentes nos anos 1980 levaram a um processo de desintermediação financeira e perda de funcionalidade do sistema financeiro em termos de sua capacidade de prover finance e funding para investimentos produtivos. Paradoxicalmente, o sistema manteve (e até mesmo incrementou) sua lucratividade e capacidade de crescer e competir, sendo esta última baseada, primordialmente, na automação bancária, uma das mais avançadas do mundo, e na redução dos custos de mão de obra. No fim da década de 1980, iniciou-se o maior processo de reforma bancária desde a reforma do sistema financeiro de 1964 e 1967. Seguindo a tendência em 104 vigor na economia mundial, esse processo se caracterizou pela contínua tentativa de liberar e desregulamentar o sistema financeiro. Nesse sentido, foram tomadas medidas que mudaram as regras para as operações de não residentes no mercado de capitais brasileiro e a atuação dos fundos estrangeiros de capital, a autorização de emissão de ações de empresas brasileiras no mercado externo e a criação de incentivos para a operação de investidores institucionais no mercado de capitais. Além disso, foram tomadas medidas no sentido de reconfigurar o SFB, por exemplo, por meio da criação dos bancos múltiplos e da eliminação da necessidade de carta patente para a abertura de agências. Nos anos 1990s, as reformas liberalizantes foram aceleradas, muito influenciadas pelo consenso neoliberal internacional em torno da necessidade de se criar uma nova arquitetura financeira mundial, a partir da reforma financeira dos mercados emergentes, principalmente. Os cenários macroeconômicos mundial e nacional propiciaram um ambiente favorável à atividade financeira. No contexto internacional, verificou-se um aumento da liquidez e a reinserção da América Latina nos fluxos internacionais de moeda. Isso possibilitou um novo acesso ao mercado externo, tanto por instituições financeiras como por não financeiras. No âmbito interno, o sucesso da estabilização monetária, com a adoção do Plano Real, em 1994, e a retomada do crescimento no momento imediatamente posterior, criou um ambiente favorável à atividade de intermediação financeira. Nos anos seguintes, houve aumento das operações de crédito e redução das operações de títulos. Com a estabilização monetária pós-1994, acreditou-se que o sistema bancário pudesse exercer a sua função central de financiamento da atividade produtiva, uma vez que era esperado que o setor público não mais necessitaria financiar seu déficit, que diminuiria pela emissão de títulos com rentabilidade elevada. De fato, observou-se, no início do Plano Real, um aumento significativo nas operações de crédito no ativo dos balanços dos bancos. Porém, a crise mexicana e, posteriormente, as contagiadas economias emergentes explicitaram as fragilidades do arcabouço macroeconômico na década de 1990, com a liberalização e desregulamentação do sistema financeiro e o desmantelamento dos mecanismos de controle de capital. Em resposta a esse contexto, reinstalou-se a política 105 monetária de juros elevados para evitar a saída de capitais, fato que voltou a proporcionar aos bancos uma aplicação financeira mais rentável e menos arriscada do que a concessão de crédito. Paralelamente, aprofundou-se o processo de reestruturação do SFB, com a adoção de providências – como as Medidas Provisórias 1.179 e 1.182, ambas de novembro de 1995 – que estimularam o processo de fusões e aquisições, visando aumentar a concentração bancária pela eliminação dos agentes financeiros que se mostraram incapazes de operar lucrativamente em um ambiente não inflacionário. Em novembro de 1995, criou-se o Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro Nacional (Proer), que consistia numa linha especial de assistência financeira com o objetivo de financiar reorganizações administrativas, operacionais e societárias de instituições financeiras envolvidas em fusões e aquisições dos agentes financeiros anteriormente referidos. Tal programa possibilitou que três dos dez maiores bancos brasileiros desaparecessem na pós- estabilização sem que o sistema fosse colocado em risco. Ademais, dando prosseguimento ao processo de abertura do SFB, em 1995, tanto a Exposição de Motivos 311 (que determinava ser de interesse do país a entrada e/ou aumento da participação de instituições estrangeiras no sistema financeiro) como a Resolução 2.212 (que estipulava o aumento do capital mínimo para a abertura de novos bancos, desestimulando esse procedimento) consolidaram definitivamente o interesse do governo brasileiro na entrada de instituições financeiras estrangeiras para operarem no mercado interno. Esperava- se, com isso, uma maior competição dentro do setor, maior eficiência e um aumento das operações de crédito. No entanto, não somente o setor bancário nacional se mostrou capaz de competir com os bancos internacionais que entraram no mercado, como também esses bancos se adaptaram às condições macroeconômicas internas, passando a reproduzir as práticas já existentes no mercado. Esse resultado é decorrente do arcabouço macroeconômico e institucional construído ao longo da década de 1990. Com a estabilização monetária pós-1994, acreditou-se que o sistema bancário pudesse exercer a sua função central de 106 financiamento da atividade produtiva, uma vez que era esperado que o setor público não mais necessitaria financiar seu déficit, que diminuiria pela emissão de títulos com rentabilidade elevada. De fato, observou-se, no início do Plano Real, um aumento significativo nas operações de crédito no ativo dos balanços dos bancos. Porém, a crise mexicana e, posteriormente, as contagiadas economias emergentes explicitaram as fragilidades do arcabouço macroeconômico na década de 1990, com a liberalização e desregulamentação do sistema financeiro e o desmantelamento dos mecanismos de controle de capital. Em resposta a esse contexto, reinstalou-se a política monetária de juros elevados para evitar a saída de capitais, fato que voltou a proporcionar aos bancos uma aplicação financeira mais rentável e menos arriscada do que a concessão de crédito. De acordo com algumas estimativas, o PROER e o PROES absorveram quase 10% do PIB, fecharam 76 bancos e privatizaram 6 bancos públicos44. Apesar do sistema financeiro, que emergiu deste processo de reestruturação, ser mais internacionalizado, concentrado (em termos do número de instituições operando no país e dos ativos totais) e competitivo (em termos de lucratividade), ele continuava funcionalmente subdesenvolvido, na medida em que estava menos preocupado com a provisão de créditos para investimentos de longo prazo do que com ganhos nas transações com títulos. Em outras palavras, os bancos assumiram posturas mais especulativas ao apresentarem um alto nível de preferência pela liquidez (Crocco e Figueiredo 2008). O sistema financeiro nacional no início dos anos 2000s era composto de 164 bancos universais, 4 bancos de desenvolvimento públicos e 20 bancos de investimentos. O número de agências aumentou de quase 15 mil em 1990 para 17 mil em 2003, concentradas nas regiões mais ricas do país – 75% das agências estavam localizadas nas regiões Sul e Sudeste (Crocco e Figueiredo 2008). A maior parte das operações de crédito eram de curto prazo ou dirigidas para o consumo. Além disso, no caso dos bancos privados domésticos e estrangeiros, havia uma clara preferência por títulos de curtíssimo prazo (respectivamente 67.7% e 43% do investimento em títulos), enquanto no caso dos bancos públicos, sua 44 Estes programas levaram a eliminação de praticamente todos os bancos regionais. Uma das consequencias foi o agravamento das restrições de crédito para as regiões mais pobres do país. 107 preferência era menor (26%). Ambos os indicadores explicitam a natureza especulativa dos bancos privados no Brasil e sua elevada preferência pela liquidez (Crocco and Santos 2006). Considerando o crédito total como uma percentagem do PIB, Brasil apresentava um das mais baixas relações no mundo (em torno de 35% em 2005), enquanto a mesma relação para os Estados Unidos, Japão, Coréia do Sul e Chile atingia, respectivamente, 249,2%; 99,5%; 98,2% e 63,1% no mesmo ano (World Development Indicators 2006). No caso brasileiro, 48% do crédito de longo-prazo para investimentos produtivos é oferecido pelo BNDES, enquanto 34% por bancos privados nacionais e 19% por bancos estrangeiros. II.2 ATUAÇÃO REGIONAL DO SISTEMA BANCÁRIO Tendo como pano de fundo a reestruturação do sistema bancário brasileiro descrito acima, passa-se agora a uma análise da atuação regional do sistema bancário brasileiro no período que vai de 1994 até o presente.45 Um primeiro efeito do processo de reestruturação descrito foi o fechamento, fusões e aquisições de bancos concomitante com a redução do número total de agências e a realocação espacial de várias destas em detrimento das áreas mais pobres do país. Como mostra a Tabela 1, entre 1994 e 2008, o número de bancos em operação no país caiu de 246 para 159, significando uma redução de 36%. Ano Número Ano Número 1994 246 2002 167 1995 242 2003 165 1996 231 2004 164 1997 217 2005 161 1998 203 2006 159 1999 193 2007 156 2000 192 2008 159 2001 182 - - Fonte: Banco Central do Brasil Eevolução do Número de Bancos no Brasil 1990-2008 Tabela 1 45 O ano final do período a ser considerado será 2008. No entanto, algumas análises serão efetuadas para períodos que se encerram em 2006 ou 2007, tendo em vista a disponibilidade de informações para algumas variáveis utilizadas, tais como o PIB municipal, entre outros. 108 A Tabela 2, por sua vez, fornece a perspectiva regional deste processo de reestruturação. Embora tenha ocorrido um aumento no número absoluto de agências bancárias, existiu uma clara tendência de concentração de agências na região Sudeste, a mais desenvolvida do país. Durante o período em análise, a participação relativa desta região no total de agências cresceu às custas das demais regiões particularmente do Nordeste. É importante notar que o processo de reestruturação bancária praticamente eliminou os bancos regionais, que eram aqueles mais vulneráveis financeiramente. Como será visto adiante, em decorrência deste fato, em várias regiões ocorreu um aumento da restrição de credito com sérias conseqüências para o seu desenvolvimento. Dessa forma, embora possa ser identificada uma estratégia mais geral, comum a todos os bancos, como resposta ao processo de reestruturação, o impacto regional desta estratégia foi heterogêneo. A hipótese aqui defendida é que esta heterogeneidade é o resultado de distintas estratégias regionais dos bancos, como será mostrado à diante. Para capturar estas estratégias diferenciadas no território, doze indicadores foram utilizados nesta tese. Para facilitar o entendimento de cada um destes, a análise foi efetuada a partir do agrupamento deles em 4 categorias: peso do sistema bancário na economia local; gestao do ativo; gerenciamento do passivo; e, por fim, comportamento do público e exclusão financeira. 109 Tabela 2: Distribuição Regional das Agências no Brasil 1994-2008 Valor % Reg. % Brasil Valor % Reg. % Brasil Valor % Reg. % Brasil Valor % Reg. % Brasil Valor % Reg. % Brasil Valor % Reg. % Brasil Valor % Reg. % Brasil Valor % Reg. % Brasil DF 202 16,04 1,31 227 17,37 1,38 245 20,64 1,55 257 21,60 1,58 288 22,88 1,70 303 23,25 1,76 313 23,17 1,74 326 22,94 1,72 GO 517 41,06 3,34 559 42,77 3,41 528 44,48 3,34 510 42,86 3,13 540 42,89 3,18 543 41,67 3,15 566 41,89 3,14 583 41,03 3,07 MS 266 21,13 1,72 277 21,19 1,69 212 17,86 1,34 215 18,07 1,32 218 17,32 1,28 223 17,11 1,29 227 16,80 1,26 233 16,40 1,23 MT 274 21,76 1,77 244 18,67 1,49 202 17,02 1,28 208 17,48 1,28 213 16,92 1,25 234 17,96 1,36 245 18,13 1,36 279 19,63 1,47 Centro-Oeste 1.259 100,00 8,14 1.307 100,00 7,96 1.187 100,00 7,50 1.190 100,00 7,31 1.259 100,00 7,41 1.303 100,00 7,57 1.351 100,00 7,50 1.421 100,00 7,48 AL 130 5,25 0,84 148 5,71 0,90 108 4,62 0,68 106 4,57 0,65 112 4,69 0,66 123 4,93 0,71 125 4,88 0,69 147 5,27 0,77 BA 801 32,32 5,18 781 30,13 4,76 727 31,12 4,60 724 31,22 4,45 725 30,33 4,27 745 29,86 4,33 761 29,74 4,22 805 28,88 4,24 CE 328 13,24 2,12 359 13,85 2,19 329 14,08 2,08 321 13,84 1,97 339 14,18 2,00 359 14,39 2,08 369 14,42 2,05 425 15,25 2,24 MA 264 10,65 1,71 267 10,30 1,63 244 10,45 1,54 241 10,39 1,48 247 10,33 1,45 225 9,02 1,31 226 8,83 1,25 245 8,79 1,29 PB 162 6,54 1,05 176 6,79 1,07 148 6,34 0,94 147 6,34 0,90 151 6,32 0,89 170 6,81 0,99 173 6,76 0,96 204 7,32 1,07 PE 425 17,15 2,75 470 18,13 2,86 408 17,47 2,58 411 17,72 2,52 433 18,12 2,55 470 18,84 2,73 480 18,76 2,66 514 18,44 2,71 PI 101 4,08 0,65 109 4,21 0,66 108 4,62 0,68 101 4,36 0,62 105 4,39 0,62 113 4,53 0,66 116 4,53 0,64 121 4,34 0,64 RN 111 4,48 0,72 128 4,94 0,78 122 5,22 0,77 124 5,35 0,76 130 5,44 0,77 134 5,37 0,78 148 5,78 0,82 158 5,67 0,83 SE 156 6,30 1,01 154 5,94 0,94 142 6,08 0,90 144 6,21 0,88 148 6,19 0,87 156 6,25 0,91 161 6,29 0,89 168 6,03 0,88 Nordeste 2.478 100,00 16,02 2.592 100,00 15,79 2.336 100,00 14,77 2.319 100,00 14,25 2.390 100,00 14,07 2.495 100,00 14,49 2.559 100,00 14,20 2.787 100,00 14,67 AC 39 6,04 0,25 36 5,49 0,22 23 4,17 0,15 24 4,74 0,15 25 4,31 0,15 31 4,82 0,18 35 4,98 0,19 36 4,93 0,19 AM 124 19,20 0,80 124 18,90 0,76 119 21,60 0,75 120 23,72 0,74 130 22,41 0,77 132 20,53 0,77 147 20,91 0,82 156 21,37 0,82 AP 16 2,48 0,10 16 2,44 0,10 14 2,54 0,09 13 2,57 0,08 16 2,76 0,09 23 3,58 0,13 27 3,84 0,15 29 3,97 0,15 PA 272 42,11 1,76 268 40,85 1,63 246 44,65 1,56 247 48,81 1,52 251 43,28 1,48 272 42,30 1,58 299 42,53 1,66 309 42,33 1,63 RO 94 14,55 0,61 94 14,33 0,57 72 13,07 0,46 23 4,55 0,14 74 12,76 0,44 88 13,69 0,51 89 12,66 0,49 92 12,60 0,48 RR 19 2,94 0,12 20 3,05 0,12 13 2,36 0,08 13 2,57 0,08 14 2,41 0,08 17 2,64 0,10 19 2,70 0,11 19 2,60 0,10 TO 82 12,69 0,53 98 14,94 0,60 64 11,62 0,40 66 13,04 0,41 70 12,07 0,41 80 12,44 0,46 87 12,38 0,48 89 12,19 0,47 Norte 646 100,00 4,18 656 100,00 4,00 551 100,00 3,48 506 100,00 3,11 580 100,00 3,41 643 100,00 3,73 703 100,00 3,90 730 100,00 3,84 ES 266 3,40 1,72 300 3,57 1,83 279 3,32 1,76 282 3,17 1,73 306 3,28 1,80 319 3,43 1,85 369 3,76 2,05 384 3,73 2,02 MG 1.632 20,87 10,55 1.823 21,68 11,11 1.764 20,97 11,15 1.770 19,89 10,87 1.848 19,83 10,88 1.831 19,69 10,63 1.857 18,94 10,31 1.914 18,60 10,08 RJ 1.303 16,66 8,43 1.388 16,51 8,46 1.415 16,82 8,94 1.554 17,46 9,55 1.658 17,79 9,76 1.618 17,40 9,40 1.700 17,34 9,44 1.779 17,29 9,37 SP 4.620 59,07 29,88 4.897 58,24 29,84 4.956 58,90 31,33 5.292 59,47 32,51 5.508 59,10 32,42 5.530 59,48 32,11 5.877 59,95 32,62 6.211 60,37 32,70 Sudeste 7.821 100,00 50,58 8.408 100,00 51,23 8.414 100,00 53,19 8.898 100,00 54,66 9.320 100,00 54,85 9.298 100,00 53,99 9.803 100,00 54,41 10.288 100,00 54,17 PR 1.223 37,52 7,91 1.258 36,46 7,66 1.224 36,75 7,74 1.243 36,94 7,64 1.272 36,96 7,49 1.246 35,78 7,24 1.284 35,65 7,13 1.340 35,58 7,06 RS 1.301 39,91 8,41 1.398 40,52 8,52 1.332 39,99 8,42 1.341 39,85 8,24 1.368 39,74 8,05 1.407 40,41 8,17 1.463 40,62 8,12 1.530 40,63 8,06 SC 736 22,58 4,76 794 23,01 4,84 775 23,27 4,90 781 23,21 4,80 802 23,30 4,72 829 23,81 4,81 855 23,74 4,75 896 23,79 4,72 Sul 3.260 100,00 21,08 3.450 100,00 21,02 3.331 100,00 21,06 3.365 100,00 20,67 3.442 100,00 20,26 3.482 100,00 20,22 3.602 100,00 19,99 3.766 100,00 19,83 Brasil 15.464 100,00 16.413 100,00 15.819 100,00 16.278 100,00 16.991 100,00 17.221 100,00 18.018 100,00 18.992 504,30 100,00 Fonte: LEMTe/CEDEPLAR 2006 20082002 20041998 20001994 1996 110 Antes de proceder a análise, uma consideração deve ser feita em relação aos dados da região Centro-Oeste. Como se sabe, esta região abriga no seu interior a capital do país, Brasília. Este fato impacta os dados coletados por razões políticas que devem ser consideradas. Em primeiro lugar, a sede dos dois maiores bancos públicos do país estão ali localizadas, a saber, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Em segundo lugar, todas as operações bancárias relacionadas à administração federal estão concentradas nesta cidade. Estes dois fatores interferem nos balancetes das agências bancárias ali localizadas, fazendo com que os indicadores desta região sejam influenciados não apenas por fatores econômicos, mas também pelo fator político. Em função disto, na análise que se segue os dados relativos à região Centro-Oeste serão apresentados sem a cidade de Brasília. II.2.1 INDICADORES DE ESCALA DO SISTEMA BANCÁRIO Dois indicadores de escala do sistema financeiro na economia local são utilizados, a saber: • Ativo Total / PIB: este indicador mede o tamanho relativo do sistema bancário em relação à economia local; • Ativo Total / População: possui o mesmo significado do anterior, porém utiliza a população como medida do tamanho de uma região; Como mostrado anteriormente, existe uma extensa literatura que estuda a relação entre sistema financeiro e crescimento econômico, o chamado nexo finanças – crescimento (finance-growth nexus). Entre os vários indicadores usados para mensurar este nexo, os dois acima citados são comumente utilizados e considerados como proxies do grau de desenvolvimento do sistema financeiro, principalmente na literatura Novo – Keynesiana (Levine 2004, entre outros). No entanto, a perspectiva aqui adotada difere deste porque entende que o 111 desenvolvimento do sistema financeiro deve ser medido não pelo seu tamanho, mas sim por sua funcionalidade. Esta última pode ser definida como a capacidade do setor financeiro em suprir as necessidades de financiamento do setor real da economia sem se colocar em risco (Studart 1999) 46. Esta não é uma diferença pequena, pois é possível que o sistema bancário possua um total de ativo elevado em relação ao PIB, mas que parcela significativa deste ativo esteja alocada no circuito financeiro e não no circuito produtivo. Ou seja, é possível admitir que este indicador seja uma proxy não do desenvolvimento, mas sim do aprofundamento (deepening) do sistema bancário, i.e. de sua escala e/ou escopo. Os dados mostram um padrão muito claro: o peso do sistema bancário é relativamente maior em regiões mais desenvolvidas em comparação com as menos desenvolvidas (Tabela 3). A região Sudeste teve o maior valor deste indicador durante todo o período. Por outro lado, a região mais pobre, Norte, apresentou o menor resultado no mesmo período. As regiões Sul e Nordeste alternaram seus respectivos ranqueamentos durante os anos. Até 1997 o peso da região Nordeste era maior que o observado para a região Sul, após 1998, a situação se inverte. A redução do valor do indicador para a região Nordeste ocorreu devido à brusca redução do valor do total dos ativos bancários, refletindo o processo de reestruturação do sistema bancário durante os anos 1990s. Como pode ser visto na Tabela 2, a redução no número de agências bancárias na região Nordeste foi muito mais acentuada do que a observada para a região Sul. Do que foi dito anteriormente, pode-se afirmar que a região Sudeste foi, de longe, a grande beneficiada, em termos da relação Ativo Total / PIB, com o processo de reestruturação do sistema bancário no Brasil O processo de concentração bancária no SE também é observado quando se utiliza o indicador Ativo Total / População. De fato, o referido processo fica ainda mais evidente, uma vez que o valor obtido por esta região, fica cerca de 20 vezes maior que o observado para a região Norte, a menos desenvolvida (Tabela 4). 46 Ver Studart (1999) para uma discussão detalhada sobre funcionalidade do sistema financeiro. 112 Tabela 3 Ativo Total / PIB, 1994-2006 Anos Centro-Oeste Centro-Oeste sem DF Nordeste Norte Sudeste Brasil 1994 2,43 0,49 0,57 0,23 1,42 1,14 1995 9,48 0,81 0,84 0,63 1,58 1,76 1996 6,61 1,49 1,12 0,56 1,48 1,58 1997 5,28 0,79 1,12 0,61 1,70 1,65 1998 3,16 0,47 0,62 0,36 2,14 2,04 1999 3,09 0,51 0,62 0,46 1,67 1,41 2000 3,48 0,73 0,62 0,44 1,71 1,46 2001 3,46 0,48 0,68 0,50 1,96 1,64 2002 2,73 0,42 0,66 0,52 1,85 1,55 2003 2,56 0,35 0,58 0,43 1,71 1,42 2004 2,56 0,34 0,55 0,36 1,69 1,40 2005 2,33 0,37 0,56 0,31 1,78 1,45 2006 2,41 0,36 0,52 0,30 1,76 1,44 2007 2,82 0,28 0,51 0,32 2,57 1,89 Fonte:LEMTe/CEDEPLAR Tabela 4 Ativo Total / População, 1994-2007 Anos Centro-Oeste Centro-Oeste sem DF Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil 1994 19014,86 3046,14 2185,87 1359,60 16549,73 5464,14 9862,30 1995 81228,00 5606,01 3672,69 3848,56 21132,94 8738,95 17061,29 1996 60826,19 10872,56 5214,60 3547,88 20278,97 9257,95 15853,13 1997 50500,55 5815,85 5365,54 3753,63 24179,94 10096,77 17023,46 1998 32884,68 3532,69 2962,67 2217,55 30189,33 34137,16 21175,84 1999 30391,03 3897,17 3013,01 2825,76 23678,48 9093,02 14583,83 2000 37919,71 5898,41 3140,64 2868,05 24938,13 9567,26 15755,59 2001 39009,87 4037,45 3456,58 3344,21 28502,07 11389,89 17754,64 2002 41695,89 4478,01 3738,19 3801,94 29841,26 12657,92 18823,09 2003 39525,99 3917,50 3170,41 3108,21 26877,68 11494,42 17035,21 2004 41933,07 4023,41 3196,86 2831,51 27991,84 12254,19 17785,91 2005 37746,35 4212,14 3397,77 2500,37 30464,55 13038,63 18697,43 2006 39940,79 4062,24 3336,87 2507,93 31777,25 13157,25 19421,09 2007 51719,03 3675,54 3520,64 2772,18 50668,76 11771,22 28079,48 Fonte: LEMTe/CEDEPLAR A primeira conclusão a que se chega é que o processo de reestruturação bancária dos anos 1990s e 2000s significou um aumento do aprofundamento do sistema bancário (banking deepening) para as regiões mais desenvolvidas e uma redução deste nas regiões menos desenvolvidas. II.2.2 INDICADORES DE GESTÃO DO ATIVO O segundo conjunto de indicadores aqui analisado busca captar em que medida a forma de gestão do ativo das agências bancárias é influenciada por questões regionais. Para esta análise são utilizados sete indicadores, a saber: • Preferência pela Liquidez das Agências Bancárias (PLB): ela mede a disposição da agência bancária em se tornar mais ilíquida, através do fornecimento do crédito, sendo calculada através da razão entre o 113 item do passivo mais liquido (depósitos a vista) e o mais ilíqüido item do ativo (crédito concedido). Quanto maior este indicador, maior a preferência pela liqüidez da agência bancária (ou menor a disposição em emprestar e se tornar mais ilíqüido) (Crocco et al 2005-6).47 • Lucro sobre ativo: é a razão entre o total de lucro auferido pela agência bancária em relação ao total do ativo desta agência. Ele indica a capacidade do sistema bancário em transformar seus ativos em lucro; Seis outros indicadores procuram medir o peso dos diferentes tipos de créditos concedidos em relação ao total do ativo. É esperado que distintas características econômicas das regiões determinem a predominância de distintos tipos de crédito. Estes indicadores são: • Distribuição regional do crédito: Considera a participação relativa de cada região no crédito total do Brasil; • Quociente Regional de Crédito: É a razão entre a participação relativa da região no total de volume de crédito concedido no país e a participação relativa da mesma região no total do PIB do pais. 48 Se esta razão for maior do que 1, a concessão de crédito na região é maior do que se poderia esperar em função do seu PIB; • Racionamento de Crédito: Estima o volume de crédito que uma região necessitaria de ter a mais para que a sua participação relativa no total de crédito do país seja igual à participação sua participação relativa no PIB. 47 O fato da abordagem aqui adotada em relação à oferta de moeda afirmar que a concessão de crédito não é limitada pelo volume das reservas (visão estruturalista da oferta de moeda), não significa dizer que não existem custos para o banco se tornar ilíqüido. Assume-se que existe um custo, quer seja em recorrer ao Banco Central para a obtenção de empréstimos de liquidez (no caso de um banco como um todo), quer seja em recorrer à matriz para um socorro de tesouraria (no caso de uma agência bancária). O indicador de preferência pela liquidez proposto capta justamente em que medida a agência bancária está disposta a incorrer neste custo. 48 Este indicador é uma versão modificada do quociente locacional, amplamente utilizado na literature de economia regional. 114 • Crédito Total / Ativo total: mede a proporção do crédito concedido em relação ao total do ativo. É de se esperar que quanto maior a preferência pela liquidez das agências menor o valor deste indicador; • Títulos e Valores Imobiliários / Ativo Total: este indicador capta o total de operações das agências bancárias com títulos e valores imobiliários sobre o total do ativo. Como este tipo de ativo é de elevada liquidez, quando comparado com a concessão de crédito, é esperado que uma maior preferência pela liquidez dos bancos em uma região implique em um maior peso de títulos e valores mobiliários em relação ao total de ativos. • Provisão para Créditos em Liquidação / Crédito Total e Créditos em Liquidação / Crédito Total: É a medida da qualidade do crédito em uma região específica. É a razão entre o total de dinheiro que as agências devem reservar em função da expectativa de inadimplência e o total do crédito concedido. Quanto menor este indicador melhor a qualidade do crédito concedido.49 O valor comparativo destas variáveis pode indicar se o sistema bancário possui ou não uma administração de ativo funcional. Vale lembrar que o termo “funcional”aqui significa que o sistema bancário atende a demanda de crédito das atividades produtivas sem por em risco o sistema como um todo. Este seria o caso para todos os tipos de crédito, com exceção de Títulos e Valores Mobiliários. Da mesma forma, valores elevados do indicador Quociente Regional de Crédito, em conjunto com baixos valores de Preferência pela Liquidez e Provisão para Créditos em Liquidação, também indicam a existência de um gerenciamento do ativo funcional. 49 Até o ano de 2000 a medida contábil de qualidade do crédito concedido exigida pelo Banco Central do Brasil era denominada Provisão para Devedores Duvidosos. Após o ano de 2000, o BACEN muda a regulamentação e esta medida passa a ser denominada Créditos em Liquidação. 115 II.2.2.1 PREFERÊNCIA PELA LIQÜIDEZ DAS AGÊNCIAS BANCÁRIAS A Preferência Pela Liquidez das Agências Bancárias (PLB) mede a disposição de uma agência em conceder crédito e se colocar em uma posição mais ilíqüida. A Tabela 5 abaixo mostra a evolução deste indicador para o período em análise. TABELA 5 Preferência pela Liquidez dos Bancos, 1994-2008 Anos Centro-Oeste Centro-Oeste sem DF Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil 1994 0,06 0,07 0,08 0,23 0,05 0,06 0,06 1995 0,07 0,06 0,07 0,21 0,06 0,05 0,06 1996 0,07 0,06 0,11 0,03 0,05 0,06 0,06 1997 0,06 0,06 0,12 0,12 0,08 0,11 0,09 1998 0,07 0,13 0,18 0,15 0,09 0,11 0,10 1999 0,06 0,16 0,16 0,27 0,09 0,12 0,10 2000 0,09 0,18 0,16 0,31 0,10 0,13 0,11 2001 0,12 0,20 0,19 0,35 0,10 0,16 0,12 2002 0,19 0,25 0,27 0,47 0,11 0,19 0,14 2003 0,17 0,21 0,27 0,42 0,12 0,18 0,14 2004 0,18 0,20 0,27 0,41 0,13 0,18 0,15 2005 0,15 0,18 0,29 0,38 0,13 0,17 0,15 2006 0,15 0,17 0,27 0,36 0,13 0,16 0,15 2007 0,15 0,18 0,27 0,35 0,12 0,17 0,14 2008 0,14 0,17 0,25 0,33 0,10 0,14 0,12 Fonte: LEMTe/CEDEPLAR A Tabela permite duas conclusões. Em primeiro lugar, ela confirma a hipótese Pós-Keynesiana, formulada por Dow (1993), segundo a qual, a preferência pela liqüidez tende a ser maior em regiões menos desenvolvidas. Por outro lado, nas regiões mais desenvolvidas as agências bancárias demonstram uma maior disposição em conceder crédito. Tanto a maior diversificação da estrutura produtiva (e, dessa forma, as oportunidades de negócios), quanto o nível de renda mais elevado (associado com uma menor preferência pela liqüidez do público) ajudam a explicar o comportamento observado das agências bancárias. A tabela mostra que a região Norte – a menos desenvolvida – apresenta a mais alta preferência pela liqüidez e a região Sudeste a menor. Em segundo lugar, como mostra o Gráfico 1, o indicador apresenta uma trajetória similar em todas as regiões. A partir de 1994, quando o plano de estabilização foi lançado, até 1999, quando a âncora monetária deixa de existir devido à crise do balanço de pagamentos daquele ano, o gráfico mostra dois padrões distintos: uma queda inicial da PLB de curto período, associado os efeitos 116 renda / riqueza do processo de estabilização monetária; e, de 1996 em diante, uma reversão desta tendência, refletindo não somente as dificuldades experimentada pelos bancos durante a crise Mexicana, mas também as medidas de regulamentação e reestruturação imposta pelo governo. Como discutido anteriormente, as estratégias bancárias se alteram neste período, tornando-se mais avessas ao risco, focada na eficiência de curto-prazo e na lucratividade. Além disso, o PROES e o PROER determinaram um alinhamento das estratégias bancárias de uma forma geral. Em primeiro lugar, a maioria dos bancos regionais e de desenvolvimento públicos foram privatizados ou fechados, enquanto que aqueles que sobreviveram tiveram que aderir às normas e padrões de desempenho dos bancos privados. Em segundo lugar, a combinação de taxas de juros elevadas com sobrevalorização cambial (até 1999) e a considerável instabilidade econômica, atestada pelas crises cambiais dentro e fora do Brasil até 2003, determinaram um comportamento de aversão ao risco por parte dos bancos, que preferiram se refugiar em títulos governamentais, lucrativos e de baixo risco, do que desempenhar a função, essencial para o desenvolvimento do pais, de fornecedor de crédito de investimento de longo – prazo. GRÁFICO 1 117 Somente em 2003, esta trajetória é alterada com a PLB declinando pari passu com a estabilidade econômica e os vários estímulos para o crescimento e expansão do crédito. Esta tendência de inflexão da preferência pela liqüidez foi observada principalmente nas regiões Norte, Sudeste e Centro-Oeste, embora com menor intensidade. Este movimento pode ser atribuído à melhoria dos indicadores econômicos (como as taxas de crescimento do PIB, menor nível de desemprego e elevação de renda, por exemplo) que foram observados a partir de 2004. II.2.2.2 DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DE CRÉDITO, QUOCIENTE REGIONAL DE CRÉDITO E RACIONAMENTO DE CRÉDITO O próximo indicador analisado é a distribuição regional do crédito, mostrada na Tabela 6. Como pode ser visto, a característica mais marcante observada é o elevado grau de concentração desta distribuição. Durante todo o período considerado a participação relativa da região Sudeste esteve acima de 60%. Entre 1994 e 1998, observa-se que esta participação relativa flutuou entre 62% e 67%. Entre 1998 e 2002, evidencia-se uma clara tendência de concentração, com a participação relativa máxima de 74%. Deste ano em diante, o grau de concentração apresenta uma leve redução, caindo para 71,8% em 2008. Como era esperado, as demais regiões apresentaram um comportamento oposto. Deve ser salientado o fato das participações relativas das regiões Norte e Nordeste nunca terem ultrapassados a marca dos 10%. A concentração da distribuição do crédito também é analisada por Crocco e Santos (2006). Estes autores chamam a atenção para o fato de que o processo de industrialização em regiões periféricas foi amplamente estimulada por incentivos governamentais. Devido a este fato, muitas filiais de firmas industriais, cujas sedes estão originalmente localizadas em regiões centrais (principalmente Sudeste), foram direcionadas para estas regiões. Este padrão reforça a concentração de crédito, dado que as operações de empréstimos normalmente acontecem na região onde se localizam as matrizes. 118 TABELA 6 Distribuição Relativa do Crédito Anos Centro-Oeste Centro-Oeste sem DF Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil 1994 10,80 3,81 8,74 1,28 66,58 12,60 100 1995 11,00 4,63 9,90 1,13 61,82 16,15 100 1996 9,35 4,11 6,91 8,45 63,84 11,44 100 1997 14,81 6,61 9,13 2,77 63,20 10,09 100 1998 15,84 3,53 7,84 2,62 62,12 11,58 100 1999 16,24 2,76 7,76 1,30 63,03 11,68 100 2000 13,37 2,76 8,10 1,29 65,82 11,42 100 2001 10,91 2,79 7,30 1,22 69,56 11,02 100 2002 8,31 2,83 6,07 1,11 73,67 10,84 100 2003 9,48 3,43 5,94 1,21 71,52 11,85 100 2004 9,42 3,78 6,11 1,33 70,31 12,82 100 2005 10,10 3,94 5,97 1,49 69,55 12,89 100 2006 9,98 3,80 6,00 1,55 69,57 12,90 100 2007 8,66 3,46 5,47 1,49 72,48 11,90 100 2008 8,88 3,31 5,44 1,41 71,81 12,47 100 Fonte:LEMTe/CEDEPLAR Pode ser argumentado que os resultados descritos acima apenas seguem o peso econômico de cada região na estrutura produtiva brasileira. De fato, é esperado que a maior parcela na distribuição do crédito esteja alocada em regiões que possuam um maior peso no PIB do país, tendo em vista a maior demanda de crédito destas regiões. No entanto, duas considerações devem ser feitas. Em primeiro lugar, as tabelas 3 e 6 acima, quando analisadas em conjunto, descortinam uma importante característica acerca da funcionalidade do sistema bancário brasileiro. Como pode ser observado, o peso do setor bancário na região Sudeste é entre uma e meia e duas vezes maior comparativamente às demais regiões. Por outro lado, a participação relativa da região Sudeste na distribuição do crédito é mais do que cinco vezes maior do que o observado nas demais regiões. Esta comparação enfraquece o argumento de que a distribuição espacial do crédito seria um mero espelho da estrutura produtiva. Em segundo lugar, para clarear esta discussão e analisá-la mais adequadamente foi construído um outro indicador denominado Quociente Regional de Crédito (Crocco e Santos, 2006), definido de acordo com a equação abaixo:. 119 QRCi = CREDi CREDbr PIBi PIBbr (I) onde: QRCi = É o quociente regional de crédito da região i; iCRED = crédito para a região “i”; brCRED = o crédito total do Brasil; iPIB = o PIB50 da região “i” brPIB = o PIB do Brasil. A evolução do QRC é mostrada na Tabela 7 abaixo. É evidente que, durante todo o período analisado, as regiões Norte, Nordeste e Sul apresentaram uma participação relativa na distribuição do crédito inferior às suas respectivas contribuições ao PIB51. Por outro lado, o contrário pode ser observado para a região Sudeste e Centro-Oeste. TABELA 7 Quociente Regional de Crédito 1994-2007 Anos Centro-Oeste Centro-Oeste sem DF Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil 1994 1,77 0,92 0,68 0,26 1,16 0,67 1,00 1995 1,84 1,18 0,77 0,25 1,05 0,90 1,00 1996 1,54 1,04 0,52 1,90 1,10 0,63 1,00 1997 2,37 1,67 0,70 0,66 1,08 0,57 1,00 1998 2,32 0,86 0,60 0,61 1,07 0,66 1,00 1999 2,52 0,66 0,59 0,31 1,08 0,66 1,00 2000 1,92 0,65 0,62 0,29 1,14 0,65 1,00 2001 1,51 0,63 0,56 0,27 1,22 0,62 1,00 2002 0,95 0,57 0,47 0,26 1,30 0,64 1,00 2003 1,05 0,65 0,47 0,28 1,28 0,67 1,00 2004 1,03 0,69 0,48 0,29 1,26 0,74 1,00 2005 1,14 0,77 0,46 0,33 1,23 0,78 1,00 2006 1,15 0,77 0,46 0,33 1,23 0,79 1,00 2007 0,98 0,68 0,42 0,32 1,28 0,71 1,00 Fonte:LEMTe/CEDEPLAR Estes fatos permitem argumentar que a concentração de crédito é também resultado de estratégias bancárias diferenciadas territorialmente, influenciadas por distintas preferências pela liqüidez entre as regiões. Nas menos desenvolvidas, em virtude da menor dinâmica da economia local, as agências bancárias estão 50 Os dados relativos ao PIB dos municípios foram extraídos do site http://www.ipeadata.gov.br e foram elaborados pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 51 A única exceção é a região Norte em 1997. Este dado pode ser explicado por fatos isolados, como, por exemplo, a privatização da Cia Elétrica do Pará e os investimentos em mineração em Carajás. 120 menos dispostas a fornecer crédito resultando em uma concentração de suas operações de crédito em regiões mais desenvolvidas. Vale notar também que mesmo entre as regiões que apresentaram um valor para o QRC menor que 1 existe uma grande diferença nos valores observados. A região Norte apresentou valores que giraram em torno de 0,3 (com as exceções dos anos de 1996, 1997 e 1998). Já para a região Sul estes valores giraram em torno de 0,7. O resultado perverso deste quadro é o agravamento das disparidades regionais. O uso do QRC permite que se tenha uma dimensão do tamanho do Racionamento de Crédito em cada região. Para se chegar a este valor calculou-se primeiramente o montante de crédito necessário para que determinada região receba um volume de crédito exatamente proporcional ao peso do seu PIB em relação ao Brasil. Sendo assim assumimos o componente da Equação I iCRED como uma variável ( ^ iCRED ), e igualamos o iIRC a 1 (um) formando, assim, a Equação II: 1 ^ = br i i PIB PIB CRED CRED br (II) Com o cálculo do iCRED ∧ , podemos mensurar o Racionamento de Crédito Regional (RCR) para cada região, sendo o mesmo a diferença entre o iCRED ∧ e o iCRED . RCRi = CREDi − CRE ∧ Di (III) Os valores do Racionamento de Crédito Regional são mostrados na Tabela 8 abaixo, Como pode ser observado, todas as regiões apresentam racionamento de crédito, com exceção da região Sudeste. Algumas observações fazem-se necessárias. Em primeiro lugar, a despeito do fato da região Norte ser a menos desenvolvida, ela não apresenta os maiores valores de racionamento de crédito. 121 Para o período analisado o racionamento médio foi de R$ 14.648.000,00. Este valor médio de racionamento é bastante inferior aos apresentados pelas regiões Nordeste e Sul (34.788,88 e 31.387,69 mil reais, respectivamente). Este resultado pode ser explicado pelo própria dimensão das respectivas economias regionais. Como a dinâmica econômica da região Norte é menor, então as oportunidades de investimentos seriam menores e, não sendo atendidas, o racionamento de crédito menor. Por outro lado, como as regiões Nordeste e Sul apresentam estruturas produtivas maiores, então o racionamento de crédito será maior. TABELA 8 Racionamento de Crédito Regional 1994-2007 (R$ 1. 000,00) Em segundo lugar, para todas as regiões existe um padrão similar de comportamento bancário no decorrer dos anos. Se dividirmos o período em análise em três (1994 – 1999; 2000 – 2002 e 2003 - 2007) este padrão fica claro. Entre o primeiro e o segundo sub-períodos ocorre uma diminuição do racionamento, enquanto que entre o segundo e o terceiro sub-período ocorre um aumento. No caso da região Sudeste ocorre uma redução do superávit de crédito em um primeiro momento e um aumento num segundo. 122 É interessante notar que o primeiro e o terceiro sub-períodos acima destacados foram de taxas de crescimento da economia superiores à do segundo sub – período. Ou seja, em períodos de crescimento econômico no país, o racionamento de crédito nas regiões menos desenvolvidas tendem a aumentar, enquanto que o superávit aumenta para a região Sudeste. Este resultado é interessante, pois evidencia como o crescimento econômico no Brasil é concentrador e perverso regionalmente. A hipótese aqui defendida é que este fato decorre também de uma ação deliberada do sistema bancário em função do comportamento de sua preferência pela liqüidez. Finalmente, o QRC e o indicador de Racionamento de Crédito sugerem a existência de um paradoxo no desenvolvimento regional associado à disponibilidade de crédito, vale dizer, aquelas regiões que mais necessitam de crédito para realizar o cathing-up são as mais discriminadas pelo sistema bancário na concessão de crédito. II.2.2.3 LUCRATIVIDADE DAS AGÊNCIAS BANCÁRIAS O próximo indicador analisado é o Lucro / Ativo Total. Sua evolução regional é mostrada na Tabela 952. A análise da mostra que o indicador Lucro/Ativo para a região Sudeste apresentou uma relativa estabilidade durante o período analisado. A região Sul, por sua vez, experimentou acentuadas flutuações até 2002, porém com uma clara tendência de crescimento depois de 1998. Nas demais regiões, uma tendência positiva pode ser observada, particularmente após 1998. Este movimento de crescimento destes anos pode ser parcialmente explicado pela crise cambial, que começa em 1998 e levou a aumentos na taxa de juros dos títulos governamentais até 45% a.a. no ano de 1999. A política monetária estimulou os bancos a investirem nestes títulos. Como será visto mais adiante, a aquisição de títulos governamentais pelas agências bancárias aumentou a taxas crescentes a partir de 1999, ajudando a melhorar os resultados financeiros, particularmente das agências localizadas no Norte e no Nordeste. 52 Para facilitar o entendimento, os valores obtidos na razão Lucro / Ativo Total foram multiplicados por 1.000. 123 TABELA 9 Lucro sobre Ativo Total 1994-2008 Anos Centro-Oeste Centro-Oeste sem DF Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil 1994 (3,29) 32,93 2,11 3,80 (0,39) 9,81 0,29 1995 (1,31) 13,69 2,61 0,19 (0,30) 3,48 (0,15) 1996 (2,03) 2,42 0,15 0,25 0,38 0,66 (0,24) 1997 0,49 2,41 (0,06) (0,25) 0,04 0,69 0,18 1998 3,05 5,82 (0,99) 1,67 (0,39) (0,46) (0,05) 1999 2,46 3,46 1,37 1,00 (0,05) 1,38 0,54 2000 1,93 2,32 0,53 0,46 (0,16) (0,13) 0,24 2001 (4,75) 6,66 1,21 3,07 0,45 2,39 (0,08) 2002 (0,19) 5,51 2,01 2,40 0,74 0,71 0,69 2003 (1,01) 7,69 2,17 3,43 0,65 1,49 0,58 2004 (0,66) 8,62 2,64 3,86 0,39 1,85 0,52 2005 (0,12) 9,21 2,62 4,96 0,43 1,83 0,65 2006 (0,28) 9,43 2,90 5,30 0,44 2,21 0,68 2007 (1,24) 10,93 2,64 5,76 0,78 2,65 0,73 2008 (1,62) 9,27 0,51 5,25 0,17 2,26 0,19 Fonte: LEMTe/CEDEPLAR Durante o período em consideração e, principalmente, após a crise cambial de 1998-99, as agências bancárias localizadas em regiões menos desenvolvidas (Norte e Nordeste) foram relativamente mais lucrativas do que as agências localizadas na região Sudeste, a mais desenvolvida. Esta lucratividade mais elevada foi não obstante as regiões Norte e Nordeste terem uma participação relativa na distribuição do crédito bastante inferior ao seus respectivos pesos no PIB brasileiro (QRC) e também apresentarem uma elevada preferência pela liqüidez das agências bancárias e do público em geral. Dessa forma, pode-se concluir o pequeno peso da intermediação financeira observado em regiões periféricas não restringe a capacidade das agências bancárias em gerar lucros.53 Duas razões parecem explicar esta característica. Em primeiro lugar, pode-se argumentar que em regiões periféricas, devido à sua limitada dinâmica econômica, as agências bancárias utilizam critérios mais rigorosos para a concessão de crédito. Desta forma, apenas clientes com históricos muito bons de crédito obtém novos financiamentos. Com isto, a taxa de inadimplência nestas regiões seria pequena, aumentando, portanto, o lucro obtido. Além disso, é esperado que o spread da taxa de juros em regiões menos desenvolvidas seja maior devido à tentativa das agências bancárias em compensar os riscos envolvidos em conceder crédito nestas regiões. 53 É importante notar que as operações de crédito e investimentos em títulos e valores mobiliários não são as únicas fontes de lucro para um banco. Nos dias atuais, parcela significativa da receita bancária é oriunda das taxas e comissões sobre serviços bancários. No entanto, esta informação não está disponível por região. 124 Em segundo lugar, pode ser argumentado que os custos de operação de agências bancárias em regiões menos desenvolvidas são menores comparativamente aos das agências localizadas em regiões centrais, em razão da demanda menos sofisticadas de produtos. Assim, a demanda local por serviços bancários pode ser satisfeita tanto com menor quantidade de pessoal, como com mão de obra menos qualificada (ou treinada). Este indicador, quando cotejado com os demais já mostrados anteriormente, claramente indica a existência de distintas estratégias bancárias em cada região. Além disto, ele permite indagar sobre em que medida a eficiência microeconômica das agências bancárias está relacionada com a eficiência macroeconômica. A hipótese implícita no mainstream econômico é que a eficiência microeconômica leva automaticamente tanto a uma alocação ótima de recursos quanto à eficiência macroeconômica (Carvalho et. al. 2002). No entanto, como mostram os dados, o sistema bancário brasileiro é um exemplo de que este não é o caso. Um sistema bancário que é eficiente no nível micro não garante, por definição, grandes volumes de crédito, uma melhor alocação deste, ou um aumento na provisão de fundos para as regiões menos favorecidas. Bancos definem suas estratégias (operações de empréstimos, investimento em títulos entre outras opções) buscando otimizar a relação rentabilidade / liqüidez de seus portfólios. Esta decisão é influenciada pelas expectativas em relação ao futuro, que irão determinar o grau de preferência pela liqüidez. Desta forma, a lucratividade não é associada diretamente à elevados volumes de empréstimos. Um melhor entendimento da discussão anterior pode ser obtido quando se analisam conjuntamente os indicadores Preferência pela Liqüidez, Racionamento de Crédito e Lucro / Ativo. Os gráficos 2, 3, 4 e 5 abaixo mostram esta comparação separadamente por região. 54 54 As escalas dos indicadores Lucro / Ativo e Racionamento de Crédito foram alteradas para permitir uma melhor comparação entre os indicadores. Além disto, por problemas de escala também não é a apresentado o gráfico para a região Centro –Oeste. 125 Gráfico 2 Região Norte Preferência pela Liqüidez, Racionamento de Crédito e Lucro / Ativo Gráfico 3 Região Nordeste Preferência pela Liqüidez, Racionamento de Crédito e Lucro / Ativo 126 Os gráficos relativos às regiões Norte e Nordeste, mostram claramente que existe uma relação direta entre o comportamento do indicador Lucro / Ativo – que mostra uma tendência de crescimento – e os indicadores Preferência pela Liqüidez e Racionamento de Crédito – que também crescem. Dito de outra forma, os gráficos indicam que quanto menor a disposição em conceder crédito (alta preferência pela liqüidez) e maior o racionamento de crédito (fruto também da maior preferência pela liqüidez) maior o lucro/ativo das agências bancárias. Isto explicita a não funcionalidade do sistema bancário nestas regiões. Além disso, estes dados confirmam o argumento acima apresentado de que a eficiência microeconômica dos bancos não é sinônimo de eficiência macroeconômica.55 Já o gráfico 4 abaixo mostra a mesma comparação para a região Sul. A mesma relação pode ser encontrada, embora com menor intensidade. Este último fato pode ser creditado à maior diversidade da estrutura produtiva que faz com que o racionamento de crédito, embora existente, não seja tão intenso. Gráfico 4 Região Sul Preferência pela Liqüidez, Racionamento de Crédito e Lucro / Ativo 55 O termo eficiência macroeconômica é aqui entendido como sinônimo de funcionalidade. Desta forma, ambas expressões serão utilizadas de forma alternada. 127 Gráfico 5 Região Sudeste Preferência pela Liqüidez, Racionamento de Crédito e Lucro / Ativo Por fim, o Gráfico 5 mostra a evolução destes indicadores para a região Sudeste. Neste caso, é possível visualizar duas relações. Em primeiro lugar, a relação entre Preferência pela Liqüidez e Racionamento de Crédito continua sendo válida. Ou seja, ambas andam na mesma direção. A observação a ser feita, no entanto, refere-se ao fato da região Sudeste apresentar superávit de crédito em relação ao peso de seu PIB no PIB brasileiro. Desta forma, acréscimos na Preferência pela Liqüidez são acompanhados por decréscimos no valor deste superávit. Em segundo lugar, a relação entre Lucro / Ativo e Racionamento de Crédito é direta. Ou seja, ambos tendem a aumentar simultaneamente. Isto parece indicar que somente na região Sudeste o sistema bancário consegue ser funcional. O que fica evidente na discussão feita até o momento é o fato do sistema bancário no Brasil ter uma atuação diferenciada no território que desempenha um papel chave no entendimento da dinâmica regional brasileira. Este papel é um forte elemento tanto na consolidação, quanto na ampliação das disparidades regionais existentes. 128 II.2.2.4 CRÉDITO TOTAL SOBRE ATIVO, TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS SOBRE ATIVO E CRÉDITOS EM LIQUIDAÇÃO Passa-se agora à análise de três indicadores fundamentais dentro da estratégia de gerenciamento do ativo de uma agência bancária, a saber: a proporção do crédito total concedido no total do ativo; a proporção dos Títulos e Valores Mobiliários no total do ativo; e, a proporção da Provisão para devedores duvidosos e dos Créditos em Liquidação em relação ao total do crédito concedido. Os dois primeiros indicadores permitem entender melhor a funcionalidade do sistema bancário de uma região e o último indicador a qualidade do crédito concedido. Iniciando pelo peso do Crédito Total no total do ativo, observa-se, pela Tabela 10, que este indicador apresenta valores comparativamente mais elevados, no período de análise, para as regiões menos desenvolvidas (NE e N). Este resultado deve ser analisado com cuidado pois pode levar à falsa impressão de que nestas regiões o sistema bancário é mais funcional, pois aloca a maior parte de seus recursos em operações de crédito. Embora esta última observação seja correta (o sistema bancário nas regiões menos desenvolvidas aloca proporcionalmente mais recursos para o crédito do que regiões mais desenvolvidas), este resultado antes de refletir uma estratégia mais funcional nas regiões menos desenvolvidas, reflete uma peculiaridade do sistema bancário brasileiro. Este, como será mostrado adiante, é extremamente centralizado, concentrando nas sedes todo o recurso destinado às outras aplicações que não a concessão de crédito. Dito de outra forma, as agências das regiões menos desenvolvidas possuem apenas a liberdade de ofertar crédito. Os demais tipos de aplicações do ativo são concentrados nas sedes. O ativo bancário nas regiões menos desenvolvidas é extremamente simplificado. Isto explicaria o fato das regiões NE e N apresentarem valores para este indicador superior aos valores observados na região Sudeste. 129 TABELA 10 Crédito Total sobre Ativo Total, 1994-2008 TABELA 11 Títulos e Valores Mobiliários sobre Ativo Total, 1994-2008 Anos Centro-Oeste Centro-Oeste sem DF Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil 1994 0,04 0,01 0,04 0,03 0,06 0,04 0,06 1995 0,03 0,00 0,03 0,01 0,07 0,08 0,05 1996 0,03 0,00 0,05 0,01 0,08 0,08 0,07 1997 0,07 0,02 0,04 0,01 0,08 0,09 0,07 1998 0,17 0,04 0,05 0,02 0,08 0,03 0,08 1999 0,24 0,06 0,09 0,04 0,11 0,09 0,13 2000 0,20 0,03 0,09 0,05 0,12 0,09 0,13 2001 0,24 0,03 0,09 0,05 0,11 0,07 0,13 2002 0,33 0,01 0,10 0,09 0,11 0,06 0,13 2003 0,35 0,00 0,10 0,09 0,09 0,06 0,13 2004 0,31 0,01 0,11 0,09 0,08 0,05 0,12 2005 0,33 0,03 0,10 0,09 0,09 0,06 0,12 2006 0,32 0,01 0,08 0,09 0,11 0,06 0,13 2007 0,13 0,00 0,06 0,09 0,12 0,07 0,12 2008 0,12 0,00 0,01 0,09 0,03 0,07 0,03 Fonte:LEMTe/CEDEPLAR Já a Tabela 11 acima mostra a proporção de Títulos e Valores Mobiliários sobre o total do ativo. Como esperado, dada as características do sistema bancário brasileiro, a região Sudeste apresentou os maiores valores para este indicador em todo o período, com a exceção de apenas quatro anos. No entanto, também vale notar que os valores observados para as regiões menos desenvolvidas apresentam um aumento do peso destas aplicações no ativo total posterior à 1999 (que corrobora a redução do peso do crédito no total do ativo). Este fato apenas fortalece a pouca funcionalidade da gestão das agencias bancárias em regiões menos desenvolvidas. 130 As Tabelas 12 e 13 abaixo tentam captar a qualidade do crédito concedido em termos da probabilidade de não ressarcimento por parte dos tomadores de crédito. Dois indicadores são utilizados refletindo a mudança na legislação. Existem dois padrões muito evidentes. Até o ano de 2000, a região Sudeste apresentou os menores valores comparativamente às demais regiões. As regiões menos desenvolvidas apresentaram os maiores valores, podendo indicar problemas de avaliação de risco nos procedimentos de concessão de crédito. TABELA 12 Provisão para Créditos em Liquidação 1994-2000 Anos Centro-Oeste Centro-Oeste sem DF Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil 1994 (0,02) 0,01 (0,00) (0,00) (0,01) 0,00 (0,01) 1995 (0,09) 0,02 0,00 0,04 (0,00) 0,01 (0,01) 1996 (0,26) 0,07 0,03 0,01 0,01 0,04 (0,01) 1997 (0,21) 0,05 0,04 0,03 0,01 0,05 (0,02) 1998 (0,29) 0,10 0,07 0,06 0,01 0,03 (0,03) 1999 (0,22) 0,16 0,08 0,09 0,00 0,03 (0,02) 2000 (0,09) 0,09 0,05 0,06 0,00 0,02 (0,00) Fonte:LEMTe/CEDEPLAR TABELA 13 Créditos em liquidação sobre Crédito Total 2000-2008 Anos Centro-Oeste Centro-Oeste sem DF Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil 2000 0,06 0,03 0,08 0,06 0,04 0,05 0,04 2001 0,07 0,03 0,07 0,05 0,04 0,05 0,05 2002 0,10 0,02 0,10 0,05 0,04 0,04 0,05 2003 0,12 0,01 0,05 0,04 0,05 0,05 0,06 2004 0,15 0,01 0,04 0,03 0,05 0,03 0,05 2005 0,15 0,01 0,03 0,03 0,05 0,03 0,06 2006 0,18 0,01 0,04 0,03 0,05 0,03 0,06 2007 0,15 0,01 0,04 0,02 0,04 0,02 0,05 2008 0,13 0,01 0,04 0,02 0,04 0,02 0,04 Fonte:LEMTe/CEDEPLAR Após o ano de 2000, observam-se dois fatos. Em primeiro lugar, ocorre uma diminuição tanto no diferencial de valores entre regiões, como também uma redução nos valores absolutos. Em segundo lugar, os valores observados na região Sudeste passam a ser os maiores comparativamente, junto com a região Nordeste. Duas podem ser as explicações para estes fatos. Primeiramente, como visto, o processo de reestruturação ocorrido nos anos 1990 praticamente eliminou os bancos regionais, concentrando as sedes dos bancos nacionais na região Sudeste. Como parte dos empréstimos, principalmente os de grandes volumes, são efetuados diretamente nas sedes dos bancos, então a contabilização dos créditos em liquidação também apresenta uma concentração na 131 região Sudeste. Em segundo lugar, a mudança de legislação tornou mais rigorosa a classificação dos riscos das operações, fazendo com que ocorresse um processo de homogeneização de procedimentos. II.2.3 INDICADORES DE GESTÃO DO PASSIVO Um terceiro conjunto de indicadores analisados está relacionado à gestão do passivo. Como já salientado, a partir de um determinado momento de sua evolução, o sistema bancário passou a ter uma postura ativa em relação ao seu passivo, notadamente na obtenção de reservas. Este seria o sexto estágio da tipologia oferecida por Chick (1992). Esta estratégia de gestão de passivo seria caracterizada pela oferta de uma grande variedade de inovações financeiras, que teriam o objetivo tanto de aumentar, quanto de estabilizar o volume de reservas. Para tentar captar esta dimensão da atuação dos bancos, três indicadores foram elaborados: • Depósitos à Vista / Total do Passivo: Os depósitos à vista representam a obrigação mais líqüida que o banco possui em seu passivo. Assim, quanto maior for este indicador, maior a necessidade do banco possuir reservas. Embora as agências bancárias sempre possam recorrer às suas respectivas sedes para o suprimento de reservas quando necessário, assume-se neste trabalho que esta não é uma opção desejável, uma vez que ela pode indicar um mal gerenciamento; • Depósitos à prazo / Passivo Total: Os depósitos à prazo representam um tipo de depósito que supostamente não será retirado do sistema bancário no curto-prazo, uma vez que normalmente existe alguma renumeração associada com o tempo com que o depósito fica no banco. Assim, ele representa um tipo de passivo com baixo grau de liqüidez, significando que os bancos não precisam manter uma elevada proporção de reservas de precaução para fazer frente a possíveis retiradas pelos depositantes. No caso brasileiro, esta conta representa todas as formas de investimentos financeiros feito pelo público, tais como, ações, títulos governamentais, fundos de investimentos, etc.; • Poupança / Passivo total: Comparativamente com os depósitos à vista e à prazo, a poupança pode ser considerada o mais ilíqüido dos itens do 132 passivo, uma vez que ele representa a parcela de recursos da população destinada a fazer frente ou a situações inesperadas ou a aumento futuro do consumo. Especialmente no caso brasileiro, a poupança é basicamente a única forma de investimento financeiro para a população mais pobre, uma vez que não requer valor mínimo de recursos necessária para investir. Entretanto, comparativamente com outras formas de investimento financeiro captados na conta Depósitos a Prazo, a remuneração da Poupança e muito baixa. Estes três indicadores constituem proxies do gerenciamento do passivo por parte da agência bancária. Considera-se que quanto menor o indicador Depósitos a vista / Passivo total e quanto maior os outros dois indicadores mais bem sucedido está sendo o gerenciamento do passivo da agência, uma vez que tornam menos líqüido o passivo. Esta situação será aqui denominada de “forte gerenciamento do passivo”. Situações contrárias serão denominadas “fraco gerenciamento do passivo”. As Tabelas 14, 15 e 16 abaixo mostram a evolução destes indicadores. TABELA 14 Depósito a vista Privado / Passivo Total 1994-2008 Ano Centro-Oeste Centro-Oeste sem DF Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil 1994 0,01 0,03 0,02 0,06 0,01 0,02 0,01 1995 0,00 0,02 0,02 0,02 0,01 0,02 0,01 1996 0,00 0,01 0,01 0,02 0,01 0,01 0,01 1997 0,01 0,03 0,02 0,03 0,02 0,02 0,02 1998 0,01 0,06 0,04 0,05 0,01 0,01 0,01 1999 0,01 0,06 0,04 0,04 0,02 0,03 0,02 2000 0,01 0,05 0,04 0,05 0,02 0,03 0,02 2001 0,01 0,08 0,04 0,05 0,02 0,03 0,02 2002 0,02 0,08 0,04 0,05 0,02 0,03 0,02 2003 0,02 0,09 0,05 0,05 0,02 0,03 0,02 2004 0,02 0,10 0,05 0,06 0,02 0,04 0,02 2005 0,02 0,09 0,05 0,08 0,02 0,04 0,02 2006 0,02 0,09 0,06 0,09 0,02 0,04 0,03 2007 0,02 0,13 0,06 0,10 0,02 0,05 0,02 2008 0,02 0,12 0,01 0,10 0,00 0,05 0,01 Fonte:LEMTe/CEDEPLAR A Tabela 14 mostra a evolução do indicador Depósitos à Vista / Passivo Total. Como pode ser notado, a região Sudeste apresentou durante todo o período analisado o menor valor para este indicador. Por outro lado, os maiores valores foram observados para as regiões, Norte e Nordeste, respectivamente. Este fato demonstra que as regiões menos desenvolvidas não apresentam problemas 133 significativos de captação de reservas e que a tendência do público é manter os recursos na forma mais liquida, demonstrando sua maior preferência pela liquidez. TABELA 15 Depósitos à Prazo / Passivo Total 1994-2008 Anos Centro-Oeste Centro-Oeste sem DF Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil 1994 0,06 0,03 0,11 0,04 0,09 0,11 0,09 1995 0,06 0,02 0,08 0,05 0,11 0,11 0,09 1996 0,04 0,02 0,10 0,05 0,09 0,09 0,08 1997 0,07 0,04 0,09 0,06 0,08 0,09 0,08 1998 0,08 0,09 0,13 0,13 0,07 0,03 0,07 1999 0,09 0,07 0,12 0,11 0,09 0,11 0,09 2000 0,05 0,05 0,10 0,12 0,08 0,11 0,08 2001 0,06 0,07 0,09 0,11 0,07 0,08 0,07 2002 0,05 0,06 0,11 0,08 0,08 0,09 0,08 2003 0,05 0,07 0,12 0,09 0,08 0,10 0,08 2004 0,05 0,07 0,11 0,09 0,09 0,10 0,08 2005 0,07 0,08 0,12 0,11 0,09 0,11 0,09 2006 0,08 0,10 0,14 0,12 0,10 0,13 0,10 2007 0,07 0,13 0,14 0,12 0,07 0,17 0,08 2008 0,09 0,16 0,04 0,13 0,02 0,18 0,03 Fonte:LEMTe/CEDEPLAR TABELA 16 Depósitos de Poupança sobre Passivo Total 1994-2008 Anos Centro-Oeste Centro-Oeste sem DF Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil 1994 0,03 0,06 0,07 0,07 0,06 0,09 0,06 1995 0,01 0,05 0,07 0,04 0,06 0,09 0,05 1996 0,01 0,02 0,04 0,04 0,06 0,07 0,04 1997 0,01 0,06 0,05 0,06 0,07 0,09 0,06 1998 0,02 0,12 0,12 0,10 0,06 0,03 0,05 1999 0,02 0,12 0,13 0,09 0,08 0,13 0,08 2000 0,02 0,08 0,13 0,09 0,07 0,12 0,07 2001 0,02 0,12 0,12 0,08 0,06 0,10 0,06 2002 0,02 0,12 0,12 0,07 0,05 0,10 0,06 2003 0,02 0,12 0,13 0,08 0,05 0,10 0,06 2004 0,02 0,13 0,13 0,09 0,05 0,10 0,05 2005 0,02 0,12 0,13 0,11 0,05 0,09 0,05 2006 0,02 0,12 0,14 0,11 0,04 0,09 0,05 2007 0,02 0,18 0,15 0,13 0,03 0,12 0,04 2008 0,02 0,19 0,03 0,14 0,01 0,12 0,01 Fonte: LEMTe/CEDEPLAR Um outro aspecto a ser destacado é o fato do indicador apresentar tendência de crescimento entre 1994 e 2008, notadamente para as regiões Norte, Nordeste e Centro – Oeste (sem DF). Isto fato pode ter duas explicações: pode indicar um esforço maior de bancarização nas regiões menos desenvolvidas como também maiores dificuldades nestas regiões no gerenciamento do passivo. É interessante comparar este resultado com a Tabela 6 discutida anteriormente. Como pode ser visto, estas mesmas regiões que apresentam um aumento do peso dos Depósitos à vista no passivo total, apresentam uma redução do Quociente Regional de Crédito. Ou seja, o aumento da captação não é 134 acompanhado por um aumento no volume de empréstimos, denotando a pequena funcionalidade do sistema bancário destas regiões. Este mesmo padrão é observado na Tabela 15 (Depósitos à Prazo / Passivo Total). A região Sudeste apresenta o menor valor para este indicador, sendo que as regiões Norte e Nordeste apresentam os maiores. Além disso, nota-se que os valores para este indicador são superiores àqueles observados para o indicador Depósitos à vista / Passivo Total. Estes resultados também reforçam o entendimento de que existe um forte gerenciamento do passivo pelas agências bancárias de uma forma generalizada, mas principalmente nas regiões menos desenvolvidas. Finalmente a Tabela 16 confirma a conclusão acima ao mostrar que o indicador Poupança / Passivo Total apresenta valores superiores aos observado para o indicador Depósitos à Vista / Passivo Total. A anàlise anterior permite concluir que, diferentemente do que observado para indicadores que captam o gerenciamento do ativo, não existe um padrão regional diferenciado quando o gerenciamento do passivo é analisado. De uma forma geral, todas regiões apresentaram um padrão semelhante, diferenciando-se apenas na intensidade da estratégia de gerenciamento. II.2.4 CONCLUSÃO A investigação aqui efetuada sugere claramente que é possível argumentar que o território, aqui expresso através do recorte político – administrativo, é um elemento importante na definição do comportamento do sistema bancário. Além disto, ficou evidente que não são apenas os elementos estruturais, ligados ao lado real da economia, que influenciam este comportamento. A moeda, aqui captada pela PLB, também possuí um papel chave na definição deste comportamento. No caso brasileiro, a investigação anterior deixou claro que, por escolha própria, o sistema bancário apresenta um comportamento ativo que tem grandes conseqüências para a configuração das disparidades regionais no pais. Esta conclusão, comprovada no estudo empírico aqui realizado, lança luzes sobre uma 135 grande lacuna das políticas de desenvolvimento regional, qual seja, o financiamento. Na maioria das vezes, este tema é abordado apenas pela ótica da demanda efetiva. Ou seja, qual será a fonte que irá prover os recursos monetários necessários para que uma política seja implementada e projetos desenvolvidos. Normalmente, a resposta a esta pergunta tem sido o Estado, integral ou parcialmente. O que a abordagem aqui adotada tenta mostrar é que esta concepção é insuficiente, pois desconsidera que a moeda pode ser considerada não somente como meio de pagamento, mas também como reserva de valor frente às incertezas. Assim sendo, não basta injetar recursos em uma região, mas é fundamental garantir que estes fiquem na referida região e que circule no circuito industrial e não no financeiro. Para que isto ocorra, é necessário que a política de desenvolvimento esteja munida de instrumentos que possam lidar com este fato no nível regional. Para tanto, se faz necessário uma regulamentação do sistema bancário que atenda a esta necessidade. 136 II.3 HIERARQUIA URBANA E SISTEMA FINANCEIRO NO BRASIL Feita a análise tendo em vista o corte regional, passa-se agora para a investigação da relação entre o sistema bancário e a construção de centralidades no Brasil. O objetivo é fornecer alguns elementos que permitam a construção de uma ponte entre estudos sobre o comportamento da moeda na perspectiva Pós Keynesiana e uma temática chave, tanto para economistas regionais, quanto para geógrafos: a centralidade urbana. Como amplamente discutido na Parte I desta tese, o sistema financeiro, de uma forma geral, sempre foi considerado um bem central e, portanto, um elemento fundamental na construção de uma hierarquia urbana. No entanto, o sistema financeiro não é necessariamente homogêneo no espaço, significando que as suas características internas irão determinar capacidades de influenciar a construção de centralidades e, conseqüentemente, de hierarquias urbanas distintas, principalmente em países periféricos como o Brasil. Assim sendo, procura-se, nesta seção, hierarquizar os municípios brasileiros de acordo com as características do sistema financeiro ali instalados. A metodologia adotada para estabelecer a hierarquia baseou-se na diversidade de tipos de instituições financeiras existentes em cada município brasileiro. Assume-se que instituições financeiras amplamente distribuídas no território realizam funções menos centrais. Por outro lado, instituições pouco difundidas realizam funções mais centrais. Assim, a hierarquia da instituição financeira será definida pela sua distribuição espacial. Tomou-se como base a CNAE e os dados obtidos pela RAIS para o ano de 2007. Desta forma, foram considerados 36 tipos de instituições financeiras, listadas no quadro abaixo. 137 QUADRO 1 138 A partir desta definição de tipos de instituições financeiras, foram coletados os dados relativos à quantidade de cada tipo em cada município brasileiro. Procedeu-se então à verificação da dispersão no território brasileiro de cada uma das atividades listadas acima. Ou seja, observou-se em quantos municípios (de uma amostra de 3.837) cada tipo de atividade está presente. Como dito, a hipótese aqui adotada é que as atividades centrais são menos difundidas no território. Os resultados estão mostrados na Tabela 17, abaixo. TABELA 17 Hierarquia de Tipos de Instituições Financeiras 139 Como pode ser visto, instituição financeira “Fundos de Investimento”era a mais central no Brasil, em 2007, estando presente em apenas 5 dos 3.837 municípios da amostra. Na outra ponta estão os “Bancos Múltiplos, com carteira comercial e Bancos Comerciais”, presentes em 90% dos municípios da amostra. Para cada tipo de atividade um peso foi atribuído de acordo com o seu respectivo grau de centralidade. Para hierarquizar os municípios, procedeu-se à multiplicação da quantidade de cada tipo de instituição pelo peso a ela atribuído e foram somados aos resultados obtidos por município. A partir desta hierarquização os municípios brasileiros que possuíam agências bancárias em 2008 foram classificados em quatro grupos.56 Os resultados obtidos estão mostrados na Tabela 18 abaixo. A primeira observação derivada da análise da Tabela 18 é a extrema desproporção, em termos de escopo e escala, na distribuição dos tipos de instituições financeiras entre os municípios brasileiros. O cluster 1 possui no seu interior cerca de 99% dos municípios da amostra (3.800) com um valor ponderado médio de cerca de 79. O cluster 2, por sua vez, é formado por 31 cidades, representado cerca de 0,81% dos municípios, com um valor ponderado médio de 7.886, ou seja, um valor médio quase mil vezes superior ao observado no cluster anterior. Já o cluster 2 é composto por apenas 5 municípios, porém com um valor ponderado médio de 56.684,8 (cerca de 7 vezes maior que o cluster 2). Por fim, o cluster 4 é composto por um único município (São Paulo) e com um valor ponderado de 260.774 (quase 5 vezes o valor do cluster 3). As Tabelas 19 e 20, por sua vez, ajudam a entender melhor os fatores que caracterizam cada cluster. A Tabela 20 mostra o peso de cada atividade em cada cluster específico. Como pode ser observado, o cluster 1 apresenta uma forte concentração do peso das atividades financeiras em apensa dois tipos de instituições: Bancos Comerciais e Caixa Econômica. Estes dois tipos de instituições 56 O método de agrupamento utilizado foi o não hierárquico. Neste caso, o número de clusters é definido anteriormente e o programa define em qual cluster cada município é alocado. A alternativa a este método é o agrupamento hierárquico, no qual o próprio programa define o número de clusters final. No entanto, este procedimento foi descartado devido ao fato do presente exercício utilizar um número elevado de indivíduos (3837 municípios) e de variáveis (36 tipos de atividades financeiras). 140 respondem por 55% do total do valor ponderado da hierarquia. O total de 80% do peso ponderado acumulado é obtido com sete tipos de instituições. TABELA 18 Agrupamento Município Participação Relativa no Total de Municípios Valor Ponderado Cluster 4 São Paulo 260.774 Número Total de Múnicípios e Valor Ponderado Médio 1 0,03 260.774 Cluster 3 Rio de Janeiro 118.929 Brasilia 49.640 Porto Alegre 39.866 Belo Horizonte 39.602 Curitiba 35.387 Número Total de Múnicípios e Valor Ponderado Médio 5 0,13 56.685 Cluster 2 Salvador 18.630 Recife 16.709 Fortaleza 15.627 Belem 14.185 Campinas 12.912 Goiania 12.651 Osasco 11.903 Vitoria 10.993 Barueri 10.659 Florianopolis 10.590 Ribeirao Preto 7.830 Sao Jose do Rio Preto 7.513 Manaus 6.159 Campo Grande 6.115 Cuiaba 5.777 Natal 5.457 Teresina 5.433 Sao Bernardo do Campo 5.061 Joao Pessoa 5.060 Londrina 4.921 Santos 4.903 Guarulhos 4.860 Sao Jose dos Campos 4.849 Bauru 4.819 Aracaju 4.635 Santo Andre 4.578 Maceio 4.566 Sao Luis 4.540 Uberlandia 4.485 Niteroi 4.088 Sorocaba 3.971 Número Total de Múnicípios e Valor Ponderado Médio 31 0,81 7.886 Cluster 1 Demais municípios brasileiros (3.800) Número Total de Múnicípios e Valor Ponderado Médio 3.800 99,04 79 Agrupamentos dos Municípios Brasileiros Segundo tipo de Instituição Financeira Fonte: Elaboração Própria, 2010 141 TABELA 19 Distribuição dos Tipos de Instituições Financeiras por Cluster 142 TABELA 19 Distribuição dos Tipos de Instituições Financeiras por Cluster (Cont.) 143 TABELA 19 Distribuição dos Tipos de Instituições Financeiras por Cluster (Cont.) 144 A Tabela 20 ajuda a visualizar o escopo da atuação dos tipos de instituições financeiras por cluster. Como é visto, 91% dos municípios do cluster 1 possuem pelo menos uma agência de Banco Comercial no seu interior. Esta é, sem dúvida alguma, a grande característica deste cluster. Depois deste tipo de atividade, a que se destaca são as instituições de Crédito Cooperativo, presentes em 30% dos municípios do cluster (1.151). Em seguida, tem-se as Caixas Econômicas, com presença em 27%. Quando os resultados das Tabelas 19 e 20 são comparados com os da Tabela 17, observa-se claramente que este cluster só possui, tanto em escala, quanto em escopo, oferta de instituições financeiras hierarquicamente inferiores. Além disso, como mostra a Tabela 21, entre os quinze tipos de atividades mais importantes deste cluster, sete estão no último quartil em termos de hierarquia (Tabela 17) e todos os quinze tipos nos dois últimos quartis inferiores. Este cluster será, portanto, denominado de Sistema Financeiro Básico. O Cluster 2, por sua vez, tem suas duas atividades de maior peso (Bancos Comercial e Caixa Econômicas) representando cerca de 56% do total do valor ponderado médio do cluster. No entanto, ele apresenta uma maior diversificação, quer seja de escala, quer seja de escopo. A marca de 80% do valor ponderado médio é obtida com o somatório das nove atividades mais importantes, mais do que o dobro observado para o cluster 1. Além disso, doze tipos de instituições estão presentes em todos os municípios do cluster, vinte e dois tipos estão presentes em mais de 50% dos município. A Tabela 21, também mostra que entre os quinze tipos de atividades mais importantes, seis estão no último quartil e doze nos dois últimos quartis, como mostrado na Tabela 17. Este cluster será denominado Sistema Financeiro Diversificado. O cluster 3, composto por cinco cidades apenas (todas elas capitais de estados) apresenta uma composição de tipos de centro financeiro quase que completa, deixando de ter, no seu interior, apenas dois tipos de instituição financeira. As duas instituições financeiras mais importantes representam 41% do 145 valor ponderado total do cluster. A marca de 80% do valor ponderado total do cluster é alcançado com o somatório dos doze principais tipos de instituições. TABELA 20 Peso do Tipo de Atividade em cada Cluster 146 TABELA 21 Tipos de Instituições Financeiras mais Importantes por Cluster Além disso, dos trinta e cinco tipos de instituições listadas, vinte e cinco estão presentes em todos os cinco municípios, sete estão presente em mais de 50% dos municípios, e duas em menos que 50% (além das duas atividades completamente ausentes). Dos quinze tipos de atividades mais importantes (Tabela 21), cinco estão no último quartil, cinco no terceiro quartil, quatro no segundo quartil e uma no primeiro (Tabela 17). Dada esta composição, este cluster será denominado Centro Financeiro de Segunda Ordem. O último cluster analisado é o localizado no ponto mais alto da hierarquia. Composto apenas pelo município de São Paulo, ele não possuí apenas um tipo de atividade no seu interior. As duas instituições financeiras mais importantes representam 44% do valor ponderado total do cluster. A marca de 80% do valor ponderado total do cluster é alcançado com o somatório dos doze tipos de instituições de maior peso. 147 Vale salientar que apesar deste cluster apresentar uma diversificação de tipos de atividade no seu interior muito similar à observada no cluster Centro Financeiro de Segunda Ordem, a sua escala é muito superior à observada no cluster 4. De fato, o valor ponderado médio de cada tipo de instituição deste cluster é superior aos valores observados nos demais tipos. Entre os quinze tipos de atividades mais importantes (Tabela 21), quatro estão no último quartil, seis no terceiro quartil, dois no segundo quartil e duas no primeiro (Tabela 17). Dada esta composição, este cluster será denominado Centro Financeiro de Primeira Ordem. Um ponto mais geral a ser destacado surge da observação da Tabela 20 acima: o tipo de instituição com maior peso em todos os clusters é justamente a de menor nível hierárquico, ou seja, Bancos Comerciais e Múltiplos. Isto pode ser explicado pelas características do sistema bancário no Brasil, caracterizado pela dominância de grandes bancos nacionais, com agências espalhadas pelas regiões. Ou seja, é basicamente pela agência bancária que o brasileiro tem acesso ao sistema financeiro como um todo. Ademais, é na agência bancária que os serviço básicos de um banco são ofertados e demandados, tais como abertura de conta corrente, pagamento de dívidas etc. Estes dois aspectos fazem das agências bancárias de bancos comerciais e múltiplos, espalhados pelo território, o tipo de instituição financeira menos central e presente em todos os clusters. As Tabelas 22 e 23, por sua vez, ajudam a entender a distribuição das atividades pelos clusters. Todas as atividades classificadas como mais centrais e, conseqüentemente, localizadas no primeiro quartil da hierarquização feita anteriormente (Tabela 17), possuem sua maior participação relativa no cluster Centro Financeiro de Primeira Ordem, reforçando claramente a sua condição de lugar central. 148 TABELA 22 Distribuição de Tipos de Atividades por Cluster 149 TABELA 23 de primeira ordem para o sistema financeiro brasileiro.57 Adicionalmente, das doze atividades cujas maiores participações relativas estão cluster, cinco estão localizadas no primeiro quartil da hierarquia, quatro no segundo e três no terceiro (Tabela 17). O Centro Financeiro de 2o Ordem, por sua vez, abriga dez atividades cujas respectivas participações relativas são maiores dentro deste cluster. Destas, três estão localizadas no primeiro quartil da hierarquia, cinco no segundo e duas no terceiro. 57 A única exceção é a atividade Fundo de Investimento, que não está presente neste cluster. No entanto, vale salientar que esta atividade também é efetuada por outros tipos de instituição, tais como, Bancos Comerciais. 150 Finalmente, os dois últimos clusters – Sistema Financeiro Diversificado e Sistema Financeiro Básico – abrigam atividades cujas participações relativas são maiores nos respectivos clusters que estão localizadas exclusivamente no terceiro quartil – para o caso do cluster Sistema Financeiro Diversificado – e no último quartil - para o caso do cluster Sistema Financeiro Básico. O que fica evidente da análise anterior é a hierarquização do sistema financeiro brasileiro com poucos centros oferecendo serviços financeiros mais sofisticados e uma gama enorme de municípios atendidos pelos serviços básicos. Dito em outras palavras, os resultados mostram uma grande fragmentação na hierarquia urbana brasileira, com poucos pólos de ordem superior que prestam serviços mais complexos, como os apontados no caso do setor financeiro. A Tabela 24 abaixo, que mostra a distribuição dos municípios de cada cluster entre as grandes regiões. TABELA 24 Distribuição Regional dos Clusters Como pode ser visto, existe uma forte concentração regional dos clusters analisados. Nas regiões menos desenvolvidas – Norte e Nordeste – os clusters de maior nível hierárquico não possuem nenhuma cidade no seu interior. Ou seja, os Centro Financeiros de 1a e 2a Ordens localizam-se em regiões mais desenvolvidas. Estes clusters são caracterizados por possuírem um maior financial deepening, revelado através da maior diversidade de tipos de instituições financeiras no seu interior e da escala das atividades. Estes resultados corroboram as conclusões apresentadas na parte teórica desta tese, segundo a qual o sistema financeiro brasileiro contribui para o quadro atual de disparidades regionais no Brasil. 151 II.3.1 HIERARQUIA E ESTRATÉGIA BANCÁRIA Como visto na Parte I desta tese, existe uma relação entre o grau de centralidade de uma determinada região e o grau de preferência pela liqüidez das agências bancárias ali instaladas: quanto maior a centralidade, menor seria a preferência pela liqüidez. A decorrência desta argumentação seria a existência de estratégias diferenciadas espacialmente de gerenciamento bancário de acordo com a preferência da liqüidez das agências bancárias. No que se segue, esta hipótese é analisada com a ajuda da Tabela 25. Como pode ser observado, fica evidente a existência de estratégias diferenciadas de acordo com o grau de centralidade. Iniciando pelo peso do sistema bancário na região, observa-se um padrão já esperado, ou seja, o sistema bancário apresenta maior escala nos municípios de maior centralidade. O que chama a atenção, no entanto, são as diferenças entre os clusters, muito superiores às diferenças observadas quando a análise foi realizada por regiões (Tabelas 3 e 4). O gerenciamento do ativo também mostra uma evidente diferenciação das estratégias bancárias. Em primeiro lugar, observa-se que os municípios dos clusters de menor nível hierárquico apresentam uma maior Preferência pela Liqüidez, menores Quocientes Regionais de Crédito e maiores indicadores de lucratividade. Ou seja, apesar de não existir especialização no fornecimento de serviços para os municípios localizados nos clusters de níveis hierárquicos mais baixos, o sistema bancário aí localizado consegue auferir lucratividade maior. Ademais, fornece crédito abaixo do que poderia ser esperado tendo em vista o peso destes municípios nos seus respectivos PIBs. Vale notar também o peso que tanto a concessão de crédito e a aplicação em títulos e valores mobiliários (TVM) possuem em cada cluster. Como era de se esperar, os Centros Financeiros, de 1a e 2a ordem apresentam, relativamente, maiores valores para o peso das aplicações de TVM sobre o total do ativo do que os Sistemas Financeiros Básicos e Diversificados. Isto seria derivado da própria diversidade de tipos de instituições financeiras existentes nos Centros Financeiros. Destaca-se ainda o fato de no Centro Financeiro de 1a Ordem, o peso das aplicações 152 de TVM no total do ativo das agências ser maior do que o peso do total de crédito concedido. TABELA 25 Indicadores de Gestão Bancária por Cluster 153 Por outro lado, nos municípios que possuem Sistemas Financeiros de menor nível hierárquico o peso da concessão de crédito sobre o ativo é maior do que o observado nos Centros Financeiros. Isto seria explicado pelo fato dos municípios destes clusters servirem como captadores de reservas a serem transferidas para os Centros Financeiros para que estes operem no mercado de TVM. Assim, a forma essencial das agências bancárias de sistemas financeiros menos centrais de buscar lucratividade se resumiria à concessão de crédito – embora em menor proporção do que seria esperado dada a estrutura produtiva local (vide o valor do QRC) – e à cobrança de taxas de serviços bancários. Por fim, o indicador de qualidade do crédito mostra que ele vai piorando quando se passa do cluster menos hierárquico para clusters de níveis superiores. Este resultado pode ser interpretado de duas formas. Em primeiro lugar, como, proporcionalmente, o volume de empréstimos concedidos é maior nos Centros Financeiros, deve ser esperado que uma maior quantidade de empréstimos com problemas de pagamento também ocorra nos Centros Financeiros. Em segundo lugar, dado que a preferência pela liqüidez é maior nos clusters de menor nível hierárquico, estes resultados podem refletir uma maior aversão ao risco destes clusters. Esta aversão faz com que não somente o volume de crédito concedido seja proporcionalmente menor (QRC), como também a qualidade deste seja melhor. Em outras palavras, concede-se pouco crédito e somente para clientes com evidente capacidade de pagamento. II.4 ESTRATÉGIAS BANCÁRIAS COMPARADAS: REGIÃO E HIERARQUIA A análise empírica desenvolvida nesta tese procurou investigar a atuação do sistema bancário brasileiro a partir dos recortes regional e urbano. Para uma melhor comparação dos resultados obtidos em cada recorte procede-se a três exercícios de Análise de Componente Principal (ACP), nos quais os indivíduos variam de acordo com o recorte adotado, mantendo-se constante as variáveis a 154 serem analisadas. Objetiva-se, com isto, identificar sob qual recorte (urbano ou regional) o sistema bancário brasileiro mais se diferencia. Assim sendo, decidiu-se por realizar as ACPs com três recortes: região administrativa; grau de centralidade financeira e escala urbana. Procura-se, dessa forma, assim captar e comparar três dimensões do espaço e suas relações com a forma de atuação do sistema bancária brasileiro. As variáveis utilizadas em todas as ACPs são: • Atpib06 – Ativo / PIB de 2006; • Atpop - Ativo / População; • Credtotat – Crédito Total / Ativo; • Crelict – Crédito em Liquidação / Crédito Total; • Lucrat – Lucro / Ativo; • Tvmat – TVM / Ativo; • PLB – Preferência pela liquidez; • QRC06 – QRC referente ao ano de 2006; • Deprapass – Depósitos à prazo / Passivo; • Depvipass –Depósitos à vista privado / Passivo; • Poupass – Poupança / Passivo; II.4.1 ANÁLISE DE COMPONENTE PRINCIPAL PARA AS REGIÕES ADMINISTRATIVAS Os resultados obtidos na ACP para regiões58 são mostrados abaixo. Como pode ser visto, as onze variáveis foram reduzidas a quatro componentes, sendo que o primeiro explica a 67% da variação da nuvem dos pontos, o segundo vinte, o terceiro nove e o quarto e último componente, quatro (Tabela 26). Tabela 26 Importância Relativa dos Componentes Principais Componente 1 Componente 2 Componente 3 Componente 4 Desvio-padrão 2,72 1,47 1,00 0,65 Proporção da Variância 0,67 0,20 0,09 0,04 Poporção cumulativa 0,67 0,87 0,96 1,00 Fonte: Elaboração Própria, 2010 58 Por razões expostas anteriormente, a região Centro-Oeste foi considerada sem a participação de Brasília. 155 A Tabela 27 mostra, por sua vez, o peso de cada variável para cada componente. Assim sendo, no caso do recorte por regiões administrativas, os indicadores de estratégias bancárias que mais se destacaram para explicar 67% da variação da amostra (componente 1) foram atpib06; atpop , tvmat e crelict de um lado, e lucrat, poupass, depvipass e credtotal do outro. Ou seja, no primeiro componente, as regiões se diferenciam entre aquelas que apresentam valores acima da média para o tamanho do sistema financeiro (atpib06 e atpop), a proporção das aplicações dos títulos e valores mobiliários no seu ativo (tvmat) e provisão para créditos em liquidação, e regiões com valores acima da média para lucratividade (lucrat), gerenciamento do passivo (poupass e devipasss), e proporção do crédito nas operações ativas. Como mostra o gráfico 6 abaixo, no primeiro grupo estaria a região Sudeste e, em menor medida, a região Sul e no segundo grupo das demais regiões. Tabela 28 Coeficientes dos Componentes Principais Componente 1 Componente 2 Componente 3 Componente 4 lucrat -0,318 0,273 -0,27 0,197 tvmat 0,313 -0,263 -0,115 0,512 PLB -0,186 -0,56 -0,198 0,23 QRC06 0,255 0,486 deprapass -0,208 0,812 depvipass -0,352 -0,214 0,221 poupass -0,354 0,174 -0,303 atpib06 0,31 0,198 0,347 0,449 atpop 0,35 0,204 credtotat -0,295 0,401 crelict 0,321 -0,219 -0,544 Loadings Fonte: Elaboração Própria, 2010 De uma forma geral, pode-se denominar este primeiro componente de financial deepening (aprofundamento financeiro). Isto estaria captado, fundamentalmente, pelos indicadores de escala do sistema financeiro e pela proporção de títulos e valores imobiliários no total do ativo. Assim, o componente capta, de um lado, as regiões com relativamente elevado grau de financial deepening, e, de outro, regiões 156 com maior lucratividade, porém concentrado na atuação básica do sistema bancário de concessão de crédito . Gráfico 6 Comp.1 Co m p. 2 -0.5 0.0 0.5 - 0. 5 0. 0 0. 5 CO sem DF NE N SE S -2 -1 0 1 2 - 2 - 1 0 1 2 lucrat tvmat PLB QRC06 deprapass depvipass poupass atpib06atpop credtotat crelict O segundo componente, por sua vez, contrapõe, de um lado, regiões que apresentam valores de Preferência pela Liqüidez acima da média e, de outro, regiões que apresentam elevados valores para o Quociente Regional de Crédito e proporção de crédito sobre ativo. Pode-se denominar este componente de funcionalidade. No primeiro grupo encontram – se as regiões menos desenvolvidas (NE e N) e no segundo as demais (Gráfico 6). Por fim, o terceiro componente, apesar de contribuir com apenas 9% da explicação total, destaca claramente o papel do gerenciamento do passivo. O peso da variável Depósito à Prazo no Passivo Total (variável que mede a capacidade do banco em alongar o perfil de suas obrigações) neste componente foi de 0,812, o maior de toda a análise. Neste componente se contrapõem, de um lado, as regiões Sul e NE, e, de outro, as demais regiões (Gráfico 7). 157 Gráfico 7 II.4.2 ANÁLISE DE COMPONENTE PRINCIPAL POR HIERARQUIA DO SISTEMA FINANCEIRO Os resultados da ACP com os clusters hierárquicos são mostrados nas tabelas 28 e 29, bem como no gráfico 8 abaixo. 158 Tabela 29 Importância Relativa dos Componentes Principais Componente 1 Componente 2 Componente 3 Desvio-padrão 3,12 1,05 0,40 Proporção da Variância 0,89 0,10 0,01 Poporção cumulativa 0,89 0,99 1,00 Fonte: Elaboração Própria, 2010 Tabela 30 Coeficientes dos Componentes Principais Componente 1 Componente 2 Componente 3 lucrat 0,310 0,233 -0,145 tvmat -0,301 0,230 0,601 PLB 0,318 0,106 QRC06 -0,305 0,259 0,330 deprapass 0,204 -0,724 0,348 depavipass 0,311 0,171 0,392 poupass 0,302 0,314 0,159 atpop -0,312 0,217 atpib06 -0,315 -0,398 credtotat 0,317 0,126 -0,184 crelict 0,303 0,306 Loadings Fonte: Elaboração Própria, 2010 A primeira observação que salta aos olhos na análise destes resultados é o percentual de explicação atribuído ao componente 1 (Tabela 28). Este valor foi de 89%, muito superior ao observado na ACP por grandes regiões (67%, Tabela 26). Este pode ser um indicador de que, no recorte por hierarquia, as diferenças entre o comportamento das agências bancárias é muito mais intensa do que pelo recorte por grandes regiões. O segundo componente, por sua vez, explicaria 10% da variação total. A Tabela 30 acima mostra o peso de cada variável na composição de cada componente. No caso do componente 1, observa-se que ele separa, de um lado, os clusters com valores acima da média para a escala do sistema financeiro, proporção de TVM sobre o ativo e QRC, e de outro, clusters com valores elevados para PLB, credtot, lucratividade e gerenciamento do passivo. Como mostra o Gráfico 8 abaixo, no primeiro grupo está o cluster 4 (composto unicamente pelo município de São Paulo) e no segundo o restante dos clusters. 159 Gráfico 8 Vale salientar que as variáveis definidoras deste primeiro componente são similares às definidoras do primeiro componente na ACP de grandes regiões. Isto permite também classificar o primeiro componente da ACP de Hierarquia Financeira novamente como financial deepening. No entanto, como o Gráfico 8 mostra, no caso da ACP por cluster o papel destas variáveis na determinação do componente é muito mais intensa e clara. Ou seja, embora tanto na análise por regiões quanto por hierarquia as diferenças relacionada ao “aprofundamento financeiro” sejam determinantes para explicar o comportamento das agências bancárias, no caso das hierarquias estas diferenças são muito mais intensas devido ao próprio tipo de recorte adotado. É por este motivo que o componente separa o cluster mais hierárquico (Centro Financeiro de 1a Ordem), dos demais (Centro Financeiro de 2a, Sistema Financeiro Diversificado e Sistema Financeiro Básico). Comp.1 Co m p. 2 -0.5 0.0 0.5 - 0. 5 0. 0 0. 5 Cluster1 Cluster2 Cluster3 Cluster4 -1 0 1 - 1 0 1 Lucrattvmat plb QRC06 deprapass depavipass poupass atpop atpib06 credtotat crelict 160 Também é importante ressaltar o fato de que a Preferência pela Liqüidez passar a ter, no primeiro componente, um papel relevante. Ou seja, quando o recorte privilegia a hierarquia do sistema financeiro, a PLB aumenta a sua relevância na explicação das diferenças de comportamento entre as agências bancárias. O segundo componente, por sua vez, é definido basicamente pelo gerenciamento do passivo através do peso da variável Depósito à Prazo sobre o Passivo Total. É interessante notar que, neste caso, a separação entre os clusters isola de um lado os clusters intermediários (Centro Financeiro de 2a Ordem e Sistema Financeiro Diversificado), com elevado valor para esta variável e, de outro lado, os clusters extremos (Centro Financeiro de 1a Ordem e Sistema Financeiro Básico) com valores baixo para esta variável. Concluindo esta seção, os dados mostram uma clara diferença no comportamento das variáveis de acordo com o recorte adotado. Isto mostra que os componentes urbanos são muito mais relevantes, comparativamente ao de grandes regiões, para explicar os diferenciais de estratégias bancárias no território. A explicação para tal fato está na configuração espacial do território periférico, como é o caso do Brasil. Este território, como visto, é extremamente fragmentado, composto por um conjunto pequeno de núcleos urbanos completos e uma vasta maioria de núcleos urbanos incompletos, com entornos caracterizados por serem de subsistência. Este fato faz com que os componentes urbanos sejam mais relevantes para determinar diferenciações no comportamento das agências bancárias. Alem disso, a grande diferença no comportamento do sistema bancário brasileiro, determinada por estas características urbanas, faz com que a capacidade de polarização dos distintos centros regionais no Brasil seja também extremamente diferenciada. Isto em determinada medida, homogeniza, por baixo, as áreas polarizadas, determinando, assim, um menor grau de diferenciação de atuação bancária, quando o recorte é regional. 161 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo central desta tese foi contribuir para a construção de uma Teoria Monetária do Desenvolvimento Regional e Urbano. Como ressaltado, acredita-se que este objetivo só possa ser atingido se se considera a moeda como não-neutra; vale dizer, a moeda, em suas várias dimensões, é capaz de interferir nas decisões dos agentes e, conseqüentemente, afetar o lado real da economia. Dito de outra forma, só é possível falar em Teoria Monetária do Desenvolvimento Regional e Urbano, se a moeda possuir a capacidade de afetar o volume de produção de uma região ou espaço urbano, tanto no curto quanto no longo-prazo. Caso isto não seja possível não existiria sentido teórico falar em uma Teoria Monetária do Desenvolvimento Regional e Urbano. Esta é uma premissa fundamental da tese. Para tanto, partiu-se do entendimento da economia capitalista enquanto uma Economia Monetária de Produção, tal como proposto por Keynes (1979). Os elementos fundamentais desta concepção da economia capitalista, tal como visto no Capítulo 1 da Parte I, dão à moeda um papel chave, na medida em que ela pode interferir no lado real da economia. Frente a um mundo onde a incerteza em relação ao futuro é um condicionante da atividade econômica, tornando esta última uma atividade por natureza especulativa, a capacidade da moeda em ser reserva de valor e, por definição, ser o ativo mais líqüido na sociedade, faz com que sempre exista a possibilidade de ocorrência de deficiências de demanda efetiva. O conceito de preferência pela liqüidez é, portanto, fundamental em uma sociedade capitalista e, quando aplicado ao sistema financeiro, abre a possibilidade do processo de finance e funding não ocorrer. Este arcabouço teórico foi utilizado como referencial para a re-leitura de autores clássicos do desenvolvimento regional e urbano. O primeiro grupo foi dividido, temporalmente, em dois sub-grupos. O primeiro, caracterizado aqui como proponente de uma Teoria do Desenvolvimento Regional Keynesiana, entende a 162 questão das disparidades regionais como um problema de demanda efetiva insuficiente. Assim sendo, a solução para esta questão seria o estímulo do gasto autônomo através, principalmente, do gasto público em investimento. Por mais que se reconheça que a deficiência de demanda efetiva seja um problema de fato em regiões atrasadas, a concepção de moeda utilizada por estes autores faz com que tais teorias sejam incompletas. Como visto, estes autores ou utilizaram uma concepção baseada na Teoria dos Fundos Emprestáveis, na qual a poupança é prévia ao investimento e a moeda é um mero meio de troca, ou adotaram (como no caso de Kaldor) uma abordagem horizontalista de oferta de moeda. Em qualquer destas duas opções, o conceito de preferência pela liqüidez, fundamental em uma Economia Monetária de Produção, foi negligenciado e, dessa forma, implicou que tanto a moeda, quanto o sistema financeiro não tinham papel a desempenhar na explicação das disparidades regionais. Vale salientar que mesmo o conceito de demanda efetiva empregado nestas teorias não foi feito corretamente. Isto porque não é possível apreender toda a dimensão teórica do conceito de demanda efetiva sem um entendimento do conceito de preferência pela liqüidez. Estes dois conceitos são duas faces de uma mesma moeda. Este argumento reforça o problema já apontado nas Teorias Keynesianas de Desenvolvimento Regional aqui analisadas, relativo ao fato delas não possuírem uma concepção de moeda capaz incorporar os efeitos do comportamento desta na explicação das disparidades regionais. O segundo grupo de autores clássicos do desenvolvimento regional, aqui definidos como o Enfoque da Competitividade, também apresentou uma concepção de moeda frágil, incapaz de lidar com as dimensões de uma Economia Monetária de Produção. Apesar do sistema financeiro ser mencionado como elemento constitutivo do Sistema Nacional (Regional ou Local) de Inovação, não foi possível detectar um maior desenvolvimento desta perspectiva para além da constatação de sua importância. De forma semelhante, a Teoria de Desenvolvimento Urbano (Teoria do Lugar Central) e seus desenvolvimentos apresentaram deficiências no que tange à concepção de moeda adotada, comprometendo, dessa forma, o alcance destas teorias. Os autores clássicos, como Christaller e Lösch, embora tenham, 163 explicitamente, a preocupação em incorporar em suas respectivas teorias o funcionamento do sistema financeiro, principalmente através do impacto do diferencial de juros nos custos de produção, se baseiam em concepções clássicas da moeda (principalmente Christaller, que escreve sua obra antes da publicação da Teoria Geral de Keynes). Isso limita a possibilidade de uma integração entre as esferas monetária e real da economia, e mesmo da apreensão de toda a importância da moeda na construção de um lugar central. Mesmo os desenvolvimentos mais recentes, tais como Parr e Budd (2000), por exemplo, carecem de uma teoria monetária apropriada. Como visto, incorporam elementos de falhas de mercado do sistema financeiro. No entanto, ao basearem-se em falhas de mercado para sustentar um papel para a moeda/sistema financeiro, acabam por, de fato, negar papel à moeda. Como já amplamente discutido, as falhas de mercado, tais como assimetria de informação e custos de transação, têm sua origem em fatores reais da economia e não em fatores monetários. Pela perspectiva Novo Keynesiana de falhas de mercado, uma vez sanada tais falhas, não haveria espaço para a moeda exercer papel algum. Perspectiva completamente distinta resulta quando o conceito de preferência pela liquidez é adotado. Neste caso, mesmo que as falhas de mercado sejam corrigidas, tais como assimetria de informação, distintas preferências pela liquidez podem surgir, desde que a incerteza esteja presente. É esta fundamentação em uma concepção de moeda incompleta que faz com que, tanto nos autores clássicos, quanto nos autores mais recentes, a moeda não seja capaz de interagir sinergeticamente com a Teorias de Desenvolvimento Regional e a Teoria do Lugar Central, de forma a desempenhar um papel ativo na configuração das regiões e do lugar central. Esta re-leitura crítica das Teorias de Desenvolvimento Regional e da Teoria do Lugar Central e seus desenvolvimentos pode ser considerada a primeira contribuição original desta tese. Crítica similar foi feita na breve revisão das contribuições da geografia econômica. Diferentemente dos economistas regionais, os geógrafos econômicos possuem maior facilidade para tentar incorporar a moeda em seus respectivos 164 arcabouços teóricos. Isto é facilmente comprovado na re-leitura efetuada. No entanto, não se pode afirmar que a moeda esteja, de fato, incorporada como elemento crucial nos estudos de geografia econômica. A razão para isto é a mesma apontada para a discussão da Teoria do Lugar Central, qual seja: a teoria monetária utilizada, baseada no arcabouço Novo Keynesiana de falhas de mercado. Como já dito, esta teoria não é capaz de oferecer aos pesquisadores de economia regional e urbana uma concepção de moeda, que considere as suas principais características e, por conseguinte, a sua influência sobre a dimensão real da economia. A partir desta re-leitura crítica das principais contribuições para as Teorias de Desenvolvimento Regional e Urbano, foram discutidos os elementos essenciais para a elaboração de uma Teoria Monetária de Desenvolvimento Regional e Urbano. O ponto de partida para a consecução deste objetivo foi a discussão crítica da contribuição Pós-Keynesiana de desenvolvimento regional. O escolha deste ponto de partida se deveu ao fato desta contribuição possuir uma concepção de moeda que permite a esta desempenhar, de fato, papel na criação, manutenção e/ou ampliação das desigualdades regionais. No entanto, mesmo nesta contribuição existem limitações teóricas que restringiram a sua difusão, principalmente entre os geógrafos econômicos. A principal delas é o fato desta contribuição não possuir uma concepção de território, entendido como construto social cujas características podem (e devem) dialogar com o conceito de preferência pela liqüidez. Em última instância, pode-se afirmar que esta contribuição Pós-Keynesiana é uma aplicação de conceitos macroeconômicos a regiões, onde não existe taxa de câmbio. Apontar esta limitação, bem como a sugestão de linhas de investigação para complementá- la, é a segunda contribuição original desta tese. Neste sentido, foi mostrado que a Teoria de Preferência da Liquidez pode dialogar com a Teoria de Desenvolvimento Urbano, particularmente com a Teoria do Lugar Central. Foi também mostrado que centralidade e preferência pela liquidez são características do espaço urbano que interagem sinergicamente, fazendo com que a preferência pela liquidez seja influenciada pelo grau de centralidade e vice-versa, interferindo na construção desta, principalmente através de seu impacto sobre o processo de finance e funding. O desenvolvimento desta 165 relação é considerada a terceira contribuição original desta tese, ao fornecer elementos chave para o desenvolvimento de uma Teoria Monetária do Desenvolvimento Regional e Urbano. Por fim, as duas investigações empíricas realizadas procuraram aplicar estes desenvolvimentos para o caso brasileiro. Vale salientar que investigação empírica similar, notadamente para o caso do desenvolvimento regional, já havia sido feita anteriormente, principalmente no trabalho seminal de Amado (1997). No entanto, se trabalhos anteriores já mostravam que a contribuição Pós-Keynesiana de desenvolvimento regional é válida para entender a dinâmica regional brasileira, a presente tese se diferencia destes estudos ao superar, parcialmente, uma séria lacuna, qual seja: um banco de dados com informações bancárias municipalizadas. Neste sentido, a utilização do banco de dados elaborado pelo Laboratório de Estudos em Moeda e Território (LEMTe) também pode ser considerada uma contribuição original desta tese. Como já salientado, além do LEMTe, somente o Banco Central do Brasil possui este banco de dados e, infelizmente, não o disponibiliza. Os resultados apresentados confirmaram o entendimento de que a preferência pela liqüidez diferenciada pelas regiões é um elemento fundamental a ser considerado no processo de explicação das desigualdades regionais e urbanas no Brasil. Além disso, ficou demonstrado que as disparidades urbanas, aqui caracterizadas pelas diferenças da hierarquia financeira, são um fator importante na construção, manutenção e ampliação das desigualdades regionais, mais do que o recorte regional tradicional. Esta diferença hierárquica financeira é um elemento chave para entender o processo de configuração territorial brasileiro, caracterizado pela presença de poucos pólos completos, com grande capacidade de polarização de sua área complementar, e uma enorme gama de pólos incompletos, com fraca capacidade de polarização. Ou seja, o que a investigação empírica desta tese demonstrou é que não se pode discutir a fragmentação territorial brasileira (porosidade da demanda, entorno de subsistência, etc.) sem que a dimensão financeira seja considerada. 166 Por fim, deve ficar claro que esta tese é apenas uma contribuição em uma agenda de pesquisa bem maior, que ainda está em seus estágios iniciais. 167 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABLAS, L. A teoria do lugar central: bases teóricas e evidêncisa empíricas. São Paulo: USP, 1982. ALBAGLI, S. Globalização e espacialidade: O novo papel do local. In: CASSIOLATO, José Eduardo, LASTRES, Helena M.M.(ed). Globalização & inovação localizada: Experiências de sistemas locais no Mercosul. Brasília: IBICT/MCT, 1999. p 181-198 ALESSANDRINI, P. et al. Bank Size or Distance: what hampers innovation adoption by SMEs?, Working Papers, 304, Universitá Politecnica delle Marche, Dipartimento di Economia, 2007. ALESSANDRINI, P. et al. 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