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Gleidson Jordan dos Santos
COMENTÁRIOS SOBRE TEXTOS REFERENTES À FENOMENOLOGIA DASEINSANALYSE
Trabalho apresentado como requisito para obtenção de pontos na disciplina Fenomenologia Daseinsanalyse A do curso de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei, ministrada pelo Professor João Bosco.
São João del-Rei
2013
INTRODUÇÃO
	Os comentários apresentados neste trabalho remetem-se aos textos relacionados à disciplina Fenomenologia Daseinsanalyse do curso de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei, ministrada pelo Professor João Bosco do departamento de Filosofia da mesma instituição. Os textos a serem comentados são: ‘O Caso Regula Zürcher’ e ‘Tratamento de Uma Neurose do Tédio: Um Olhar Daseisanalítico’ de Merdard Boss, e ‘A Contribuição das Noções de Ser-no-Mundo e Temporalidade Para a Psicoterapia Daseinsanalítica’ de Ida Elizabeth Cardinalli.
	Medard Boss foi um psiquiatra e psicoterapeuta suíço que desenvolveu a abordagem de psicoterapia conhecida como Daseinsanalyse, baseada fundamentalmente na fenomenologia-existencial de seu amigo e mentor, Martin Heidegger. Já Ida Elizabeth Cardinalli é Psicoterapeuta em Daseinsanálise e Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP onde atua como Professora.
O CASO REGULA ZÜRCHER
	Este texto busca apresentar o caso clínico de Regula Zürcher sobre o olhar Daseisanalítico de Merdard Boss. O texto começa contando a história de Zürcher, que apesar de apresentar vários sintomas fisiológicos que desafiavam todos os médicos que a analisavam, parecia ser uma jovem sem problemas psíquicos. A referida paciente passava por constantes problemas de saúde que se agravavam com o decorrer dos anos e os tratamentos medicinais aos quais era submetida dificilmente apresentavam resultados satisfatórios. Passados anos de idas e vindas a demasiadas classes de médicos, tendo sido internada várias vezes, foi sugerida a mesma que procurasse ajuda psicoterápica como último recurso disponível. 
	Após a introdução dos problemas fisiológicos da paciente, o autor apresenta um condensado de informações sobre a paciente durante seu tratamento psicoterápico, a partir do conhecimento da família de Regula Zürcher. A primeira impressão do terapeuta escolhido por Zürcher era de que ela parecia uma mulher jovem, tímida e muito sensível, ele fora escolhido por inspirar confiança pela sua experiência profissional. O avô paterno da paciente possuía uma personalidade violenta e pouco controlável, nunca se realizou muito profissionalmente e era considerado a ovelha negra da família, tendo se tornado um alcoolista crônico, deixando o fardo de sua imensa prole para sua mulher. O pai da paciente, apesar de destacar-se em seu meio por sua inteligência, força de vontade e ambição, exercia um papel de tirano absoluto e onipotente na vida de sua própria família, exigindo estrita disciplina e modéstia de todos. Quando o pai estava em casa, a atmosfera familiar era pesada e tensa.
	Ainda falando sobre a família de Zürcher, seus avós maternos eram ambos grandes personalidades, porém como casal tinham pouco a ver um com o outro. A mãe da paciente foi criada sob forte influência da excepcional vitalidade da personalidade de seus pais. Infantil, imatura e ingênua, extremamente carente, foi sempre controlada pelas ideias excessivamente puritanas dos pais. Como mãe, sua principal preocupação era ensinar as filhas a reprimir absolutamente seus sentimentos. A diferença de idade com suas irmãs a fez crescer praticamente como filha única, tendo pouca atenção dos pais e sendo tratada como uma propriedade deles. Seu pai era visto como um exemplo desagradável.
Conforme o autor, a paciente durante a infância não sabia se relacionar com outras crianças, tímida e indefesa ficava completamente solitária, buscando refúgio na leitura e no estudo de Piano, sendo grande admiradora da música de Bach. Essa era a única forma de diálogo que tinha acesso. Durante a adolescência tinha planos de constituir algum dia sua própria família. Apesar do seu refúgio na música e literatura, Zürcher sofria intensamente com a atmosfera familiar tensa, opressiva e sem alegria. Ela acabava por se tornar extremamente agressiva originando atos de violência recíproca entre ela e seu pai. Sua mãe era odiada por ela por sua repreensão e passividade aos atos do pai. 
Apesar de todos os tratamentos medicinais, a paciente continuava com problemas de saúde. Aos dezenove anos buscou refugio no casamento, na esperança de que seu marido que era amigo de infância fosse diferente de seu pai. Mas ao casar sem constituir um sentimento verdadeiro, havia no casal demasiada falta de interesse e de vitalidade. Seus contatos se limitavam ao sexo em períodos distantes e sem desejo, o que tornou a paciente frígida. Sua gravidez inesperada a levou ao seu primeiro orgasmo durante o parto. O nascimento de sua filha a impulsionou a exigir mais do marido que se distanciou cada vez mais da mesma. Dessa forma ela tornou-se mais isolada, relacionando-se apenas com sua filha.
Após o nascimento de sua filha, Zürcher foi surpreendida por sintomas fóbicos relacionados ao desejo de esfaquear ou estrangular sua prole, ao mesmo tempo em que chegava ao ponto de quase acabar com a própria vida com uma overdose de soníferos. A psicoterapia trouxe para a paciente momentos de insônia relacionados às reflexões que ela passou a fazer sobre suas angústias, desejos destrutivos e tudo que lhe trazia sofrimento. Em um primeiro momento parece aterrorizador, chegando a deixar a paciente ainda mais fragilizada, porém foi um processo necessário rumo ao autoconhecimento e a busca do sentido existencial de sua vida. Ao longo da terapia o terapeuta foi se tornando um suporte confiável para Zürcher, e apesar de não discutirem sobre seus problemas fisiológicos, aos poucos esses sintomas físicos iam desaparecendo. As fobias iam perdendo força, e logo ela viu necessário seu divórcio para evitar que sua filha continuasse presenciando suas brigas com seu marido. 
A paciente foi surpreendida com uma súbita paixão que a rendeu uma paralisia histérica por não estar preparada psiquicamente para tal situação. Foi necessário mais um ano de trabalho terapêutico para que ela evoluísse de uma criatura infantil e frígida, para uma mulher madura capaz de amar. Passaram-se três anos de tratamento psicoterápico para que ela estivesse pronta para finalizá-lo. Ao se envolver com o rapaz que lhe despertou a paixão pela primeira vez, Zürcher se afastou completamente dos sintomas fóbicos. Porém com a separação e pelo fato de sua vida se resumir a cuidar de sua filha e de seu pequeno apartamento, a paciente começou a revelar sinais de pânico.
Para se afastar da solidão que novamente a acometia, ela se aproximou do trabalho artístico e retomou relações com antigos amigos e conhecidos, mas ainda se sentia irritada por não ter mais o seu amado. Zürcher recorreu à masturbação para tentar alívio para seus impulsos destrutivos, mas por não conseguir satisfazer-se, buscou um parceiro sexual, o qual os sentimentos de desejo eram apenas voltados aos atos sexuais, sem desenvolvimento de afetividade. Esse relacionamento foi seguido por outros também temporários. Seus impulsos destrutivos eram afastados durante os períodos de relacionamento amoroso, mas retornavam ao término de cada um deles. 
Cinco anos após a conclusão de sua psicoterapia, a paciente encontrou um novo parceiro para amar e casar-se. Com esse relacionamento saudável, Zürcher sentiu-se livre de seus impulsos destrutivos e tornou-se uma mulher radiante, cheia de vida e altamente espiritualizada. O único acontecimento trágico após seu novo casamento foi um atropelamento sofrido pela paciente, porém sua recuperação ocorreu muito bem, estando sempre rodeada por amigos. Ao término do texto, o autor apresenta o trecho de uma carta que a paciente encaminhou a seu terapeuta lhe agradecendo pelo seu desenvolvimento após a análise existencial. 
Um dos pontos mais marcantes deste caso está
relacionado com a dicotomia entre o corpo físico e existencial. A atenção totalmente técnica voltada para os problemas da paciente buscava sua origem apenas biológica sem levar em consideração as possíveis implicações psíquicas que interferem significativamente na saúde de um indivíduo. O trabalho do terapeuta vai além do corpo físico e a medicina poderia se beneficiar disso, uma vez que para se ter saúde é necessário o bem estar tanto físico quanto psíquico e social.
TRATAMENTO DE UMA NEUROSE DO TÉDIO: UM OLHAR DASEISANALÍTICO 
	Merdard Boss descreve nesse texto o tratamento de um médico de trinta e dois anos de classe média, solteiro e sem laços religiosos específicos. O paciente vivia sobre forte sentimento de culpa e perseguição, tendo sido submetido à psicanálise anteriormente, o que o levou a convicção de que sofria de um forte complexo de Édipo e de castração. Nem o paciente, nem o analista podiam negar que suas ações destrutivas procuravam apaziguar seus sentimentos de culpa e a angustia de castração. Frequentemente possuía sonhos eróticos seguidos por punições paternas que visava à destruição de símbolos fálicos. Durante três anos de análise, apesar de ter identificado as representações simbólicas, nada mudou em relação a seus sentimentos. 
	Conforme o autor, a mudança de analista aliviou os sentimentos de culpa do paciente. A nova abordagem o ajudou a identificar o significado das representações simbólicas como algo religioso comum aos outros indivíduos, lhe dando segurança para se sentir parte da humanidade. Após a indicação de interrupção da análise pelo próprio analista, o paciente buscou maneiras de dar continuidade a seu progresso, todavia sua falta de confiança o fez criar novos bloqueios psíquicos. Essa situação o fez novamente procurar outro analista, todavia sem segurança de que a nova terapia lhe ajudasse de fato. Novos obstáculos surgiram, e o paciente voltou a ter sonhos que forneceu ao novo terapeuta o anúncio de uma psicose. 
	Nessa nova terapia, o paciente passou por um surto que o levou ao estado catatônico. Seu analista o acompanhou arduamente e o ajudou a compreender que uma pessoa não precisa se envergonhar de sua corporeidade, não necessitando negar sua existência ou excluí-la de sua vida. O paciente era regularmente acometido por delírios sensoriais relacionados à sujeira, estes que não podiam ser identificados como estímulos de um órgão sensitivo ou localizados numa área do cérebro, podendo ser compreendidos na condição da totalidade de sua existência. Sua terapia o levou a admitir que em todas as suas profundas ideias psicológicas ele estava desemparado para compreender suas experiências religiosas. Logo se tornou capaz de acolher e levar a sério todos os assuntos que lhe eram apresentados, desde o mais terreno até o mais celestial como realidades imediatas que elas são, aparecendo à luz de seu Dasein. 
	O paciente foi capaz de compreender melhor sua principal angústia e pode se abrir novamente para ampliação do sentido de sua existência. Anos se passaram e o paciente constitui família e tornou-se cada vez mais bem sucedido em seu trabalho. Conforme o próprio paciente, os analistas anteriores haviam reduzido suas experiências psíquicas a símbolos genitais, enquanto o terceiro analista foi capaz de ampliar o sentido de suas representações. 
Um dos pontos importantes levantados no texto são as relações terapêuticas entre analista e paciente, sendo a recuperação muito menos casual se a compreensão humana do analista, aprofundada e enriquecida daseinsanaliticamnete, mostrar-se como uma mudança deliberada no próprio analista. O analista deve estar pronto para auxiliar o paciente a alcançar uma abertura para o mundo que ultrapassa os conceitos teorizados. 
	
A CONTRIBUIÇÃO DAS NOÇÕES DE SER-NO-MUNDO E TEMPORALIDADE PARA A PSICOTERAPIA DASEINSANALÍTICA
	Cardinali busca neste artigo mostrar que a explicação heideggeriana do Dasein, ser-no-mundo e sua temporalidade, sob a perspectiva psicoterápica de Merdard Boss, permite compreender o homem segundo as especificidades do ser humano, focalizando as possibilidades próprias de cada paciente no decorrer do trabalho terapêutico. A autora apresenta a compreensão desses aspectos a partir do método fenomenológico que permite que o homem não seja mais considerado de modo análogo aos objetos da natureza ou ao funcionamento de uma máquina. O Dasein apreende os significados do que se apresenta no mundo, o que só o homem possui a capacidade de perceber e compreender. A temporalidade citada está relacionada com a finitude da vida e uma percepção existencial do passado, presente e futuro.
	A autora afirma que nessa visão o foco da situação terapêutica é a maneira como determinada pessoa se relaciona consigo mesma, com os outros e com tudo que se apresenta em seu mundo, sendo compreendido como uma abertura compreendida na totalidade do existir de cada um. A patologia é entendida como uma maneira de um indivíduo existir levando em consideração sua liberdade, distanciando-se das noções mecanicistas de outras abordagens. Busca-se compreender o existir humano segundo a gênese motivacional, que considera que a influência dos acontecimentos na vida de alguém se relaciona com a presença de algum entendimento do próprio homem. Leva-se em consideração que a solicitação do futuro possibilita o agir humano e as mudanças no seu existir.
	A psicoterapia daseinsanalítica não tem como objeto a doença ou o retorno a uma “normalidade”, mas sim o homem no seu próprio existir, favorecendo o mesmo na compreensão e aproximação de seu próprio existir, ao desvelar o que está oculto, referindo-se à totalidade de relações que constituem o mundo de uma determinada pessoa. Busca-se esclarecer junto ao paciente o que mantem determinadas formas de ser que o impedem de desenvolver suas possibilidades mais próprias. Não se nega as influências do passado, porém dá-se uma nova compreensão da temporalidade buscando a sua totalidade. 
	Conforme Cardinalli a relação terapeuta-paciente é considerada a dimensão central do trabalho psicoterapêutico na Daseisanalyse, pois é onde surge a oportunidade de ocorrer mudanças na vida do paciente quanto ao estabelecimento de novas maneiras de existir. A maneira como o paciente pode ser em determinado momento de sua vida se revela também no modo como ele se relaciona com o terapeuta ao transmitir sua experiência naquele momento. A primeira tarefa terapêutica, muitas vezes, é ajudar o paciente a aceitar seu sofrimento e suas limitações, de tal forma que ele possa se aproximar e se apropriar de seu modo de ser mais restrito. 
O analista deve desprender-se de si mesmo e acolher o paciente inteiramente onde ele possa adquirir uma nova confiança em si e no seu mundo. O analista não pode substituir o paciente em seus encargos, mas deve procurar devolver-lhe o que tem que ser cuidado. O texto termina com a afirmação de Boss ao se remeter a importância da disponibilidade do paciente para usufruir da experiência terapêutica para se libertar de suas restrições: “Desde que se disponha, com espírito sereno e inabalável até o íntimo de seu ser, a responder livremente ao apelo das coisas, dos afetos, dos homens e, por fim, se sinta disposto a se abrir, devotado, ao Mistério do sentido ainda oculto do nosso tempo, no qual predomina o espírito da técnica”.
Tanto este texto quanto os anteriores mostram-nos a importância de se compreender o homem no sentido mais amplo de sua existência. O homem não pode se limitar apenas aos aspectos ‘palpáveis’ sem levar em consideração que sua subjetividade interfere significavelmente em seu existir, e a compreensão desta não está limitada a fórmulas prescritas em manuais e não está isenta das particularidades de cada indivíduo. É importante se pensar em métodos, mas não restringi-los de forma mecanicista, e a Daseinsanalyse pode contribuir muito para a humanização do individuo e de suas relações com o seu mundo interior paralelamente com o seu mundo externo.
REFERÊNCIAS
BOSS, Merdard.
O Caso Regula Zürcher. Revista da Associação Brasileira de Daseinsanalyse, n.14, 2005.
BOSS, Merdard. Tratamento De Uma Neurose Do Tédio: Um Olhar Daseisanalítico. Retirado do livro Psychoanalysis and Daseinsanalysis, de Merdard Boss. Basic Books, Inc., Publisher. New York. 2ª Edição. 1963.
CARDINALLI, Ida Elizabeth. As Contribuições Das Noções De Ser-No-Mundo E Temporalidade Para A Psicoterapia Daseinsanalítica. Revista da Associação Brasileira de Daseinsanalyse, São Paulo, n. 14, 2005. 80 p.

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