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CURSO DE DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: Aspectos Teóricos e Práticos www.lumenjuris.com.br EDITORES João de Almeida João Luiz da Silva Almeida Adriano Pilatti Alexandre Freitas Câmara Alexandre Morais da Rosa Aury Lopes Jr. Cezar Roberto Bitencourt Cristiano Chaves de Farias Carlos Eduardo Adriano Japiassú Cláudio Carneiro Cristiano Rodrigues Elpídio Donizetti Emerson Garcia Fauzi Hassan Choukr Felippe Borring Rocha CONSELHO EDITORIAL Firly Nascimento Filho Frederico Price Grechi Geraldo L. M. Prado Gustavo Sénéchal de Goffredo Helena Elias Pinto Jean Carlos Fernandes João Carlos Souto João Marcelo de Lima Assafim José dos Santos Carvalho Filho Lúcio Antônio Chamon Junior Manoel Messias Peixinho Marcellus Polastri Lima Marco Aurélio Bezerra de Melo Marcos Chut Marcos Juruena Villela Souto Mônica Gusmão Nelson Rosenvald Nilo Batista Paulo de Bessa Antunes Paulo Rangel Rodrigo Klippel Salo de Carvalho Sérgio André Rocha Sidney Guerra RRiioo ddee JJaanneeiirroo CCeennttrroo –– Rua da Assembléia, 10 Loja G/H CEP 20011-000 – Centro Rio de Janeiro - RJ Tel. (21) 2531-2199 Fax 2242-1148 BBaarrrraa –– Avenida das Américas, 4200 Loja E Universidade Estácio de Sá Campus Tom Jobim – CEP 22630-011 Barra da Tijuca –– Rio de Janeiro - RJ Tel. (21) 2432-2548 / 3150-1980 SSããoo PPaauulloo Rua Correia Vasques, 48 – CEP: 04038-010 Vila Clementino - São Paulo - SP Telefax (11) 5908-0240 / 5081-7772 BBrraassíílliiaa SCLS quadra, 402 bloco D - Loja 09 CEP 70236-540 - Asa Sul - Brasília - DF Tel. (61)3225-8569 MMiinnaass GGeerraaiiss Rua Tenente Brito Mello, 1.233 CEP 30180-070 – Barro Preto Belo Horizonte - MG Tel. (31) 3309-4937 / 4934-4931 BBaahhiiaa Rua Dr. José Peroba, 349 – Sls 505/506 CEP 41770-235 - Costa Azul Salvador - BA - Tel. (71) 3341-3646 RRiioo GGrraannddee ddoo SSuull Rua Riachuelo, 1335 - Centro CEP 90010-271 – Porto Alegre - RS Tel. (51) 3211-0700 EEssppíírriittoo SSaannttoo Rua Constante Sodré, 322 – Térreo CEP: 29055-420 – Santa Lúcia Vitória - ES. Tel.: (27) 3235-8628 / 3225-1659 Álvaro Mayrink da Costa Amilton Bueno de Carvalho Andreya Mendes de Almeida Scherer Navarro Antonio Carlos Martins Soares Artur de Brito Gueiros Souza Caio de Oliveira Lima CONSELHO CONSULTIVO Cesar Flores Firly Nascimento Filho Flávia Lages de Castro Francisco de Assis M. Tavares Gisele Cittadino Humberto Dalla Bernardina de Pinho João Theotonio Mendes de Almeida Jr. Ricardo Máximo Gomes Ferraz Sergio Demoro Hamilton Társis Nametala Sarlo Jorge Victor Gameiro Drummond KÁTIA MACIEL Coordenadora CURSO DE DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: Aspectos Teóricos e Práticos 4a edição Revista e Atualizada Conforme Lei nº 12.010/2009 EDITORA LUMEN JURIS Rio de Janeiro 2010 Copyright © 2010 by Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. 1a edição: 2006; 2a edição: 2007; 3a edição: 2008; 4a edição: 2010 Categoria: Direito Civil PRODUÇÃO EDITORIAL Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA. não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra. É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei no 10.695, de 1o/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei no 9.610/98). Todos os direitos desta edição reservados à Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Impresso no Brasil Printed in Brazil Dedicatória A Deus, a quem servimos: toda a honra. Aos nossos familiares, pelo apoio e inspiração: todo o nosso amor. Agradecimentos Especiais À Rosa Carneiro, nossa querida colega, pelo dedicado trabalho de orientar e rever nossos textos, com a colaboração preciosa de Maria Eugênia Monteiro Cavalcanti: dois expoentes da área do Direito infanto- juvenil carioca. À equipe da Assessoria de Direito Público, da Biblioteca do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e do 4º Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, pelo material de pesquisa disponibilizado. Sumário Autores .......................................................................................................................... xix Nota da 4ª Edição .......................................................................................................... xxi Apresentação................................................................................................................. xxiii Prefácio.......................................................................................................................... xxv PARTE I O DIREITO MATERIAL SOB O ENFOQUE CONSTITUCIONAL Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente ..................................... 3 Andréa Rodrigues Amin 1. Idade Antiga, 3; 2. Idade Média, 4; 3. O Direito Brasileiro, 4; 4. O Período Pós- Constituição de 1988, 8; Referências Bibliográficas, 10. Doutrina da Proteção Integral ..................................................................................... 11 Andréa Rodrigues Amin 1. Introdução, 11; 2. Documentos Internacionais, 11; 3. Da Situação Irregular à Pro- teção Integral, 12; 4. Jurisprudência sobre o Tema, 15; Referências Bibliográficas, 17. Princípios Orientadores do Direito da Criança e do Adolescente............................ 19 Andréa Rodrigues Amin 1. Considerações Iniciais, 19; 2. Princípio da Prioridade Absoluta, 20; 3. Princípio do Me- lhor Interesse, 27; 4. Princípio da Municipalização, 29; Referências Bibliográficas, 30. Dos Direitos Fundamentais .......................................................................................... 31 Andréa Rodrigues Amin 1. Considerações Gerais, 31; 2. Direito à Vida, 31; 3. Direito à Saúde, 32; 3.1. Nasci- turo e Atendimento à Gestante, 33; 3.2. Saúde de Crianças e Jovens, 40; 3.3. Porta- dores de Necessidades Especiais, 43; 3.4. Doentes Crônicos, 43; 3.5. Direito a Acom- panhante, 44; 4. Direito à Liberdade, 45; 5. Direito ao Respeito e à Dignidade, 48; 6. Di- reito à Educação, 49; 6.1. Igualdade, 50; 6.2. Acesso e Permanência, 51; 6.3. Níveis e Modalidades de Ensino, 53; 6.4. Ensino Noturno, 56; 6.5. Educação de Jovens e Adul- tos, 57; 6.6. Flexibilização do Ensino, 57; 6.7. Educação democratizada, 58; 6.8. Fi- nanciamento do Ensino Fundamental, 58; 7. Direito à Cultura, Esporte e Lazer, 62; 8. Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho, 62; 8.1. Aprendizagem, 64; 8.2. Trabalho Rural, 64; Referências Bibliográficas, 65. Direito Fundamental à Convivência Familiar ............................................................ 67 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 1. Origem da Família, 67; 2. Princípios Relativos à Família, 68; 3. Noção Atual de Família, 70; 4. Conceituação de Convivência Familiar e Comunitária, 75; 5. A norma- tização no cenário nacional, 76; Referências Bibliográficas, 78. ix Poder Familiar............................................................................................................... 81 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 1. A Denominação do Instituto, 81; 2. Aspectos Pessoais, 82; 2.1. Dever de Registrar o Filho e o Direito ao Estado de Filiação, 83; 2.1.1. Considerações Gerais, 83; 2.1.2. Regularização dos Dados Parentais na Certidão de Nascimento do Filho, 85; 2.1.3. Registro Civil de Criança e de Adolescente na Hipótese do Art. 98 do ECA, 89; 2.1.4. Considerações Finais, 92; 2.2. Dever de Guarda e o Direito Fundamental do Filho de ser Cuidado, 95; 2.2.1. Guarda dos Pais Separados, 97; 2.2.1.1. Guarda e Companhia Consensual, 100; 2.2.1.2. Guarda Compartilhada, 101; 2.2.1.3. Guarda Litigiosa, 103; 2.2.2. Dever de Visitação e o Direito do Filho à Convivência Familiar Plena, 105; 2.2.3. Fiscalização da Educação e Manutenção do Filho pelo Não- Guardião, 112; 2.3. Dever de Criar e Educar o Filho e o Direito Fundamental deste à Educação e à Profissionalização, 113; 2.4. Dever de Sustento e o Direito Fundamental à Assistência Material, 115; 2.5. Dever de Assistência Imaterial e o Direito ao Afeto, 119; 3. Aspectos Patrimoniais do Poder Familiar, 122; 4. Considerações Acerca do Controle do Poder Familiar, 124; 4.1. A Falta de Recursos Materiais, 127; 4.2. Sus- pensão do Poder Familiar, 130; 4.3. Extinção do Poder Familiar, 131; 4.3.1. Mor- te, 132; 4.3.2. Emancipação, 132; 4.3.3. Maioridade Civil, 133; 4.3.4. Adoção, 133; 4.3.5. Decisão Judicial, 135; 4.4. Perda ou Destituição do Poder Familiar, 136; 4.4.1. Castigo Imoderado, 136; 4.4.2. Abandono, 138; 4.4.3. Atos Contrários à Moral e aos Bons Costumes, 139; 4.4.4. Reiteração das Faltas, 142; 4.5. Perda do Poder Familiar na Lei Trabalhista, 142; 4.6. Perda do Poder Familiar na Lei Penal, 143; 5. Restabelecimento do Poder Familiar, 145; Referências Bibliográficas, 146. Colocação em Família Substituta ................................................................................. 151 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 1. Introdução, 151; 2. Modalidades, 152. Guarda como Colocação em Família Substituta ......................................................... 155 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 1. Introdução, 155; 2. Guarda Provisória e Guarda Definitiva, 157; 3. Guarda de Fato, 158; 4. Guarda como Medida Protetiva ou Estatutária, 160; 5. Guarda em Favor de Terceiros na Vara de Família, 161; 6. Guarda Subsidiada ou por Incentivo: medida de acolhimento familiar, 162; 7. Guarda Legal do Dirigente da Entidade de Acolhimento Institucional, 164; 8. Guarda da Criança ou do Adolescente Estrangeiro, 167; 9. De- pendência para Todos os Fins, 168; 10. Compartilhamento da Guarda dos Pais com a Família Substituta, 170; 11. Visitação de Criança ou de Adolescente sob a Guarda de Terceiros, 171; 12. Visitação de Filhos Abrigados, 173; Referências Bibliográficas, 175. Tutela............................................................................................................................. 177 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 1. Introdução, 177; 2. Nomeação do Tutor, 180; 2.1. Tutela Testamentária, 180; 2.2. Tutela Legítima, 181; 2.3. Tutela Dativa, 181; 3. Tutela Provisória e Definitiva, 182; 4. Características Controvertidas da Tutela, 183; 5. Entrega do Filho, 186; 6. Obri- gações do Tutor, 187; 6.1. Obrigações Pessoais, 188; 6.2. Guarda do Tutelado, 188; 6.3. Obrigações Patrimoniais, 189; 7. Tutela como Medida Protetiva ou Estatutária, x 191; 8. Tutela no Código Civil: outras notas, 192; 9. Causas de Cessação da Tutela, 193; Referências Bibliográficas, 194. Adoção........................................................................................................................... 197 Galdino Augusto Coelho Bordallo 1. Introdução, 197; 2. Histórico, 197; 2.1. O Direito Civil Constitucional, 202; 3. Conceito e Natureza Jurídica, 205; 4. Legitimidade, 206; 4.1. Considerações gerais, 206; 4.2. Impedimento Parcial (Tutor e Curador), 208; 4.3. Impedimento Total (Avós e Irmãos), 209; 4.4. Adoção por Divorciados e Ex-Companheiros, 212; 4.5. Adoção por Casal Homossexual, 214; 4.6. Adoção de Nascituro, 222; 5. Cadastro e Habilitação para Adoção, 224; 6. Requisitos, 230; 6.1. Idade Mínima e Estabilidade da Família, 230; 6.2. Diferença de Dezesseis Anos, 232; 6.3. Consentimento, 233; 6.3.1. Dispensa do Consentimento, 234; 6.3.2. Revogabilidade do Consentimento, 236; 6.4. Concordância do Adotando, 237; 6.5. Reais Benefícios para o Adotando, 240; 7. Estágio de Convivência, 242; 8. Efeitos, 244; 8.1. Efeitos Pessoais, 244; 8.2. Efeitos Patrimoniais, 247; 9. Modalidades, 247; 9.1. Adoção Bilateral, 248; 9.2. Adoção Unilateral, 248; 9.3. Adoção Póstuma, 249; 9.4. Adoção Intuitu Personae, 251; 9.5. Adoção “À Brasileira”, 255; 10. Adoção Internacional, 258; Referências Bibliográficas, 264. Prevenção ...................................................................................................................... 267 Ângela Maria Silveira dos Santos 1. Introdução, 267; 2. Prevenção Especial, 270; 2.1. Acesso aos Espetáculos e Diver- sões Públicas, 270; 2.2. Acesso aos Programas de Rádio e Televisão, 273; 2.2.1. En- trada e Permanência, 273; 2.2.2. Participação em Espetáculos Públicos, 273; 2.3. Exi- bição de Programas pelas Emissoras de Rádio e de Televisão, 276; 2.4. Venda e Lo- cação de Fitas de Programação em Vídeo, 279; 2.5. Revistas e Publicações, 279; 2.6. Es- tabelecimentos que Exploram Jogos com Apostas, 283; 2.7. Produtos Proibidos, 284; 2.8. Hospedagem, 286; 2.9. Autorização de Viagem, 287; 2.9.1. Considerações Ini- ciais, 287; 2.9.2. Autorização Judicial para Viagem Nacional, 288; 2.9.3. Autorização para Viagem ao Exterior, 289; Referências Bibliográficas, 292. PARTE II A REDE DE ATENDIMENTO A Política de Atendimento .......................................................................................... 297 Patrícia Silveira Tavares 1. Introdução, 297; 2. Uma Visão Geral da Nova Política de Atendimento, 305; 2.1. As Linhas de Ação da Política de Atendimento, 306; 2.2. As Diretrizes da Política de Atendimento, 309; 3. Os Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, 314; 3.1. Introdução, 314; 3.2. Definição, 316; 3.3. Disciplina Legal, 316; 3.4. A organiza- ção essencial, 317; a) A Criação, a Gestão e a Administração dos Fundos, 317; b) A Captação dos Recursos Financeiros, 320; c) A Destinação dos Recursos Financeiros, 324; d) Os Mecanismos de Controle, 326; 3.5. Nota Sobre os Denominados “Certificados de Captação” e as “Doações Casadas”, 327; 4. As Entidades de Atendimento, 330; 4.1. Aspectos Gerais, 330; 4.2. Registro das Entidades e Inscrição dos Programas, 334; 4.3. Os Princípios e as Regras Especialmente Aplicáveis às xi Entidades que desenvolvem Programas de Acolhimento Institucional ou Familiar, 338; 4.4. As Obrigações das Entidades Destinadas ao Atendimento em Regime de Internação, Acolhimento Institucional ou Acolhimento Familiar, 346; 4.5. A Fiscalização das Entidades de Atendimento, 348; Referências Bibliográficas, 350. Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente ........................................... 353 Patrícia Silveira Tavares 1. Introdução, 353; 2. Definição, 354; 3. Natureza Jurídica, 354; 4. A formação dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, 356; 4.1. A Criação do Órgão, 356; 4.2. A Composição Paritária, 357; 4.3. A Escolha dos Membros, 359; 4.4. As Normas de Funcionamento, 360; 5. As Atribuições dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, 361; 5.1. A Deliberação e o Controle das Ações Relaciona- das à Política de Atendimento, 362; 5.2. A Gestão dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, 367; 5.3. O Registro e a Inscrição dos Programas e a Inscrição das Entidades de Atendimento Não Governamentais, 368; 5.4. A Organização do Pro- cesso de Escolha dos Membros do Conselho Tutelar, 371; 6. O Controle da Atuação dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, 372; Referências Biblio- gráficas, 374. O Conselho Tutelar ...................................................................................................... 375 Patrícia Silveira Tavares 1. Introdução, 375; 2. Visão Geral, 377; 2.1. Conceito, 377; 2.2. Características, 377; 3. A Estruturação do Conselho Tutelar, 379; 3.1. A Implantação do Órgão, 379; 3.2. A Composição, 384; 4. O Processo de Escolha dos Membros do Conselho Tutelar, 391; 4.1. Regra Geral, 391; 4.2. As Peculiaridades Municipais, 392; 5. As Atribuições e o Limite Territorial de Atuação do Conselho Tutelar, 394; 5.1. As Atribuições do Conselho Tutelar, 394; a) A Aplicação das Medidas Específicas de Proteção Constantes do art. 101, Incisos I a VII, 394; b) O Atendimento e o Aconselhamento aos Pais ou Responsável, por Meio da Aplicação das Medidas Previstas no Art. 129, Incisos I a VII, 398; c) A Promoção da Execução das suas Decisões, 398; d) O Encaminhamento ao Ministério Público de Notícia de Fato que Constitua Infração Administrativa ou Penal contra os Direitos da Criança ou Adolescente, ou Ainda, Encaminhar à Autoridade Judiciária os Casos de sua Competência, 400; e) O Atendimento de Adolescentes em Conflito com a lei, Mediante a Promoção da Execução das Medidas Estabelecidas pela Autoridade Judiciária, dentre as Previstas no Art. 101, Incisos I a VI, 400; f) A Expedição de Notificações, 401; g) A Requisição das Certidões de Nascimento ou de Óbito de Criança ou Adolescente, 401; h) O Assessoramento do Poder Executivo Local na Elaboração da Proposta Orçamentária, 402; i) A Representação em Nome da Pessoa e da Família, Contra a Violação dos Direitos Previstos no Art. 220, § 3º, II, da Constituição Federal, 403; j) O oferecimen- to ao Ministério Público de Representação, para Efeito das Ações de Perda ou Suspensão do Poder Familiar quando esgotadas as possibilidades de manutenção da criança ou do adolescente na família natural, 403; k) A Fiscalização das Entidades de Atendimento, 404; l) A Deflagração de Procedimento Visando à Apuração da Prática de Infração Administrativa, 405; 5.2. O Limite Territorial de Atuação do Conselho Tutelar, 406; 6. A Fiscalização do Conselho Tutelar, 407; 6.1. A Revisão das Decisões do Conselho Tutelar, 408; 6.2. O Controle da Atuação dos Membros do Conselho Tutelar, 409; Referências Bibliográficas, 411. xii O Poder Judiciário ........................................................................................................ 413 Galdino Augusto Coelho Bordallo 1. O Juiz, 413; 2. Órgãos Auxiliares, 414. Ministério Público ........................................................................................................ 419 Galdino Augusto Coelho Bordallo 1. Introdução, 419; 2. Instauração de Procedimentos Administrativos e Sindicâncias (art. 201, VI e VII), 422; 3. Promover Medidas Judiciais e Extrajudiciais para Zelar pelo Efetivo Respeito aos Direitos e Garantias Legais das Crianças e Adolescentes (Art. 201, VIII), 423; 4. Inspeção às Entidades de Atendimento (201, XI), 424; 5. Fis- calização da Aplicação das Verbas do Fundo Municipal (Art. 260, § 4º), 425; Refe- rências Bibliográficas, 428. O Advogado .................................................................................................................. 429 Galdino Augusto Coelho Bordallo Infrações Administrativas ............................................................................................ 433 Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos 1. Conceito de Infração Administrativa, 433; 2. Princípios Gerais das Infrações Admi- nistrativas, 436; 2.1. Princípio da Proteção Integral, 436; 2.2. Princípio da Prioridade Absoluta, 437; 2.3. Princípio da Legalidade, 437; 2.4. Princípio da Presunção de Legiti- midade dos Atos Administrativos, 439; 2.5. Princípio da Objetividade, 440; 2.6. Prin- cípio da Independência das Sanções Administrativas, 442; 2.7. Princípio da Pu- blicidade, 443; 2.8. Princípio do Devido Processo Legal, 443; 2.9. Princípio da Ampla Defesa e Contraditório, 443; 3. Das Infrações Administrativas Previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, 444; 3.1. Breve Histórico, 444; 3.2. A Interpretação das Infrações Administrativas, 447; 3.3. A Multa, 448; 3.4. Da Prescrição, 452; 4. As Infrações Administrativas em Espécie, 454; 4.1. Omissão de Comunicação de Maus Tratos, 454; 4.2. Impedir o Exercício de Direitos Fundamentais de Ampla Defesa, Contraditório, Convivência Familiar e Escolarização de Adolescente Privado da Liberdade, 459; 4.3. Divulgação de Dados e Identificação de Criança ou Adolescente a que se Atribua Ato Infracional, 460; 4.4. Guarda para Fins de Trabalho Doméstico, 465; 4.5. Descumprimento dos Deveres Decorrentes da Autoridade Familiar, 466; 4.6. Hospedagem de Criança ou Adolescente Desacompanhado, 477; 4.7. Transporte Irregular de Criança ou Adolescente, 479; 4.8. Proteção dos Valores Éticos e Sociais da Pessoa e da Família na Formação de Crianças e Adolescentes (Artigos 252 a 258 do Estatuto da Criança e do Adolescente), 482; 4.8.1. Ausência de Informação na Entrada sobre Diversão ou Espetáculo Público, 485; 4.8.2. Ausência de Indicação dos Limites de Idade no Anúncio de Representações ou Espetáculos, 488; 4.8.3. Trans- missão, Via Rádio ou Televisão, de Espetáculo de Forma Irregular, 491; 4.8.4. Exibi- ção de Espetáculo de Forma Irregular, 494; 4.8.5. Venda ou Locação de Programação Inadequada, 497; 4.8.6. Comercialização de Revistas e Periódicos de Maneira Irregular, 498; 4.8.7. Entrada e participação irregular de crianças e adolescentes em diversões e espetáculos, 504; 4.8.7.1. A Entrada de Criança ou Adolescente nos Locais de Diversão, 505; a) Acompanhado dos Pais ou Responsável, 505; b) Desacom- panhado dos Pais ou Responsável, 507; c) Venda de Bebidas Alcoólicas para Menores de Idade, 509; d) Responsabilidade Solidária do Responsável pelo Estabelecimento e xiii Empresário, 511; 4.8.7.2. Participação de Criança ou Adolescente em Espetáculos Públicos, 513; 4.8.8. Não providenciar a instalação e operacionalização dos cadastros de adoção, 516; 4.8.9. Deixar de encaminhar imediatamente à autoridade judiciária mãe ou gestante interessada de entregar seu filho para adoção, 517; Referências Bibliográficas, 518. As Medidas de Proteção ............................................................................................... 521 Patrícia Silveira Tavares 1. Introdução, 521; 1.1. Evolução Legislativa, 521; 1.2. Definição, 522; 1.3. Hi- póteses de Aplicação, 523; 2. As Medidas Específicas de Proteção, 524; 2.1. Normas Gerais, 524; 2.2. A Autoridade Competente, 527; 2.3. As Hipóteses Elencadas no Art. 101 do ECA, 529; 2.4. Os Procedimentos para a Aplicação das Medidas Específicas de Proteção, 535; Referências Bibliográficas, 541. As Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsáveis .................................................... 543 Patrícia Silveira Tavares 1. Introdução, 543; 2. O Rol do Art. 129 do ECA, 544; 3. Observações quanto ao Procedimento, 546; Referências Bibliográficas, 547. Os Princípios Constitucionais do Processo ................................................................. 549 Galdino Augusto Coelho Bordallo 1. Introdução, 549; 2. Devido Processo Legal, 551; 3. Igualdade, 553; 4. Contraditório, 554; 5. Acesso à Justiça, 555; 6. Juiz Natural, 559; 7. Promotor Natural, 559; 8. Mo- tivação das Decisões, 560; 9. Publicidade, 561; 10. Tempestividade da Tutela Jurisdicional, 561; Referências Bibliográficas, 564. As Regras Gerais de Processo....................................................................................... 567 Galdino Augusto Coelho Bordallo 1. Introdução, 567; 2. Capacidade Processual, 568; 3. Curadoria Especial, 569; 4. Gra- tuidade de Justiça, 571; 5. Segredo de Justiça, 575; 6. Competência, 576; 6.1. Ju- risdição. Conceito de Competência, 576; 6.2. Critérios Determinadores da Com- petência, 578; 6.3. Competência Absoluta e Competência Relativa, 579; 6.4. Critérios Específicos de Fixação da Competência constantes do ECA, 580; 6.5. Perpetuatio Jurisdictionis, 588; Referências Bibliográficas, 595. Ação de Suspensão e de Destituição do Poder Familiar............................................. 597 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 1. Introdução, 597; 2. Competência, 597; 3. Legitimidade Ativa, 598; 4. Legitimidade Passiva, 602; 5. Pedido Cumulativo, 604; 6. Medidas Cautelares Correlatas, 605; 7. Res- posta do Réu, 607; 8. Fase Instrutória, 607; 9. Fase Decisória, 609; 10. Ação de Restituição do Poder Familiar, 612; Referências Bibliográficas, 614. Ação de Colocação em Família Substituta .................................................................. 617 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 1. Introdução, 617; 2. Fase Postulatória, 618; 3. O Consentimento dos Pais, 619; 4. Pedido Formulado Diretamente em Cartório, 621; 5. Fase Instrutória, 621; 6. A xiv Oitiva da Criança e do Adolescente, 623; 7. Fase Decisória, 625; Referências Bib- liográficas, 626. Ação de Guarda............................................................................................................. 627 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 1. Competência, 627; 2. Fase Postulatória, 628; 3. Citação ou a Concordância dos Pais, 630; 4. Concessão da Guarda Provisória e Definitiva, 631; 5. Perda ou Revogação da Guarda, 632; Referências Bibliográficas, 634. Ação de Tutela e Procedimentos Correlatos............................................................... 635 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 1. Introdução, 635; 2. A Competência Considerando a Situação do Tutelando, 635; 3. Fase Postulatória, 636; 4. Interesse Exclusivamente Previdenciário, 637; 5. Oitiva Obrigatória do Tutelando, 638; 6. Pedido de Tutela Cumulado com a Perda do Poder Familiar, 638; 7. Termo de Tutela, 639; 8. Procedimento de Escusa da Tutela, 639; 9. Prestação de Contas e Balanço na Tutela, 640; 10. Remoção do Tutor, 642; Referências Bibliográficas, 643. Procedimento da Habilitação para Adoção................................................................. 645 Galdino Augusto Coelho Bordallo Ação de Adoção ............................................................................................................ 647 Galdino Augusto Coelho Bordallo 1. Rito e Competência, 647; 2. Petição Inicial e Pedido, 647; 3. Citação, 650; 4. Oitiva dos Pais biológicos, 651; 5. Estudo de Caso, 651; 6. Audiência Prévia e de Instrução e Julgamento, 652; 7. Sentença, 652; 8. Adoção Internacional, 653; Referências Bibliográficas, 654. Procedimento de Apuração de Irregularidades em Entidade de Atendimento Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 1. Introdução, 655; 2. Natureza Jurídica do Procedimento, 656; 3. Competência, 659; 4. Fase Postulatória, 659; 5. Legitimados Passivos, 661; 6. Afastamento Provisório do Dirigente, 663; 7. Resposta Escrita, 665; 8. Fase Instrutória, 667; 9. Fase Decisória, 668; 10. Medidas Aplicáveis à Entidade Condenada, 669; Referências Bibliográficas, 674. Procedimento das Infrações Administrativas ............................................................. 675 Patricia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos 1. Natureza Jurídica do Procedimento, 675; 2. Princípios, 676; 3. Competência, 677; 4. Rito Processual, 677; 5. O Ministério Público e a Cumulação do Pedido para a Aplicação da Multa em Outras Ações, 682; 6. Abuso Sexual Intrafamiliar e a Representação prevista no art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente, 684; Referências Bibliográficas, 684. xv Procedimento de Portaria e de Expedição de Alvará................................................ 685 Ângela Maria Silveira dos Santos 1. Natureza Jurídica e Competência para Disciplinar Através de Portaria, 685; 1.1. In- trodução, 685; 1.2. Conceituação e Natureza Jurídica da Portaria e do Alvará, 686; 1.3. Portaria do Art. 149 do ECA, 687; 2. Autorização para a Participação e a Entrada em Espetáculos Públicos, 690; Referências Bibliográficas, 693. Ação Civil Pública ........................................................................................................ 695 Galdino Augusto Coelho Bordallo 1. Introdução, 695; 2. Direitos Metaindividuais, 696; 3. Inquérito Civil, 699; 4. Termo de Ajustamento de Conduta, 703; 5. Ação Civil Pública, 706; 5.1. Introdução e Conceito, 706; 5.2. Legitimidade, 708; 5.3. Litisconsórcio entre Ministérios Públicos, 712; 5.4. Liminar, 713; 5.4.1. Suspensão da liminar pelo Presidente do Tribunal, 717; 5.5. Objeto e Competência, 719; 5.6. Sentença, 720; 5.7. Coisa Julgada, 725; 5.7.1. In- trodução, 725; 5.7.2. Coisa Julgada na Ação Coletiva, 727; 5.8. Execução, 736; Re- ferências Bibliográficas, 741. Outras Ações Previstas no Estatuto ............................................................................. 745 Galdino Augusto Coelho Bordallo 1. Introdução, 745; 2. Mandado de Segurança, 748; 3. Ação para Cumprimento de Obrigação de Fazer, 752; Referências Bibliográficas, 756. Recursos......................................................................................................................... 759 Galdino Augusto Coelho Bordallo 1. Introdução, 759; 2. Unicidade do Sistema, 761; 2.1. Juízo de Admissibilidade e Juízo de Mérito, 764; 2.2. Legitimidade e Interesse para Recorrer, 767; 2.3. Motiva- ção, 768; 2.4. Forma, 768; 2.5. Renúncia e Desistência, 769; 3. Preparo, 769; 4. Tem- pestividade, 772; 5. Efeitos, 777; 5.1. Concessão do Efeito Suspensivo, 780; 5.2. Efei- tos da Apelação nas Ações Socioeducativas, 782; 6. Juízo de Retratação, 784; 7. Pro- cedimento no Tribunal, 788; 8. Recurso contra Portarias e Alvarás, 790; Referências Bibliográficas, 790. PARTE V DA PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL A Prática de Ato Infracional ........................................................................................ 795 Bianca Mota de Moraes Helane Vieira Ramos 1. Disposições Gerais (arts. 103 a 105 do ECA), 795; 1.1. Inimputabilidade Infanto- Juvenil, 795; 1.2. Ato Infracional Praticado por Criança, 801; 2. Direitos Individuais – (arts. 106 a 109 do ECA), 802; 3. Garantias Processuais (arts. 110 e 111 do ECA), 804; 4. Apuração do Ato Infracional (arts. 171 a 190 do ECA), 805; 4.1. Fase Policial, 805; 4.2. Fase de Atuação do Ministério Público, 808; A. Oitiva do Adolescente, 808; B. Arquivamento, 813; C. Remissão, 813; D. Representação, 817; 4.3. Fase Judicial, 820; A. Procedimento, 820; B. Outras Questões Relevantes, 825; B.1. Celeridade, 825; xvi B.2. Intervenção de Interessados, 826; B.3. Apreensão por Força de Ordem Judicial, 827; 5. Medidas Socioeducativas (arts. 112 a 125 do ECA), 828; 5.1. Disposições Gerais, 828; 5.1.1. Adolescente em Situação de Uso ou de Dependência de Drogas, 832; 5.1.2. Adolescente Portador de Deficiência Mental, 835; 5.1.3. Aplicação de Medidas Socioeducativas ao Jovem Adulto, 836; 5.2. Advertência, 839; 5.4. Prestação de Serviços à Comunidade, 840; 5.5. Liberdade Assistida, 841; 5.6. Semiliberdade, 842; 5.7. Internação, 844; 5.7.1. Internação Provisória, 845; A. Desnecessidade da Incidência dos Incisos I e II do art. 122 do ECA para a Internação Provisória, 846; B. Conseqüências do Excesso do Prazo de 45 dias, 849; 5.7.2. Internação Definitiva, 850; A. O Prazo Máximo de Três Anos e a Cumulatividade de Processos, 855; B. Pos- sibilidade de Aplicação da Medida de Internação Definitiva ao Ato Infracional Análogo ao Delito de Tráfico de Drogas, 859; 5.7.3. Internação-Sanção, 865; 6. Exe- cução das Medidas, 865; 6.1. Tramitação Processual na Fase Executória, 866; 6.2. Oiti- va do Adolescente para a Regressão da Medida Socioeducativa, 869; 6.3. Não Vinculação do Juiz ao Laudo Técnico para a Reavaliação das Medidas, 871; 6.4. Revisão de Medida Aplicada em Sede de Remissão, 872; 6.5. Regressão e Substituição de Medidas, 878; 7. Prescrição, 879; Referências Bibliográficas, 887. Dos Crimes .................................................................................................................... 891 Cláudia Canto Condack 1. Introdução, 891; 2. Disposições Gerais, 891; 3. Dos Crimes em Espécie, 893; 3.1. Omissão do Registro de Atividades ou do Fornecimento da Declaração de Nascimento, 893; 3.2. Omissão de Identificação do Neonato e da Parturiente ou de Realização de Exames Necessários, 895; 3.3. Privação Ilegal da Liberdade de Criança ou Adolescente, 897; 3.4. Omissão da Comunicação de Apreensão de Criança ou Adolescente, 899; 3.5. Submissão de Criança ou Adolescente a Vexame ou Constrangimento, 900; 3.6. Tortura, 901; 3.7. Omissão na Liberação de Criança ou Adolescente Ilegalmente Apreendido, 910; 3.8. Descumprimento Injustificado de Prazo Legal, 911; 3.9. Impedimento ou Embaraço à Ação de Autoridades, 913; 3.10. Subtração de Criança ou Adolescente, 914; 3.11. Promessa ou Entrega de Filho ou Pupilo, 915; 3.12. Tráfico Internacional de Criança ou Adolescente, 917; 3.13. Utilização de Criança ou Adolescente em Cena Pornográfica oude Sexo Explícito, 919; 3.14. Comércio de Material Pedófilo, 922; 3.15. Difusão de Pedofilia, 925; 3.16. Posse de Material Pornográfico, 927; 3.17. Simulacro de Pedofilia, 930; 3.18. Aliciamento de Menores, 931; 3.19. Norma Explicativa, 933; 3.20. Venda, Fornecimento ou Entrega de Arma, Munição ou Explosivo, 933; 3.21. Venda, Fornecimento ou Entrega de Produto Causador de Dependência Física ou Psíquica, 934; 3.22. Venda, Fornecimento ou Entrega de Fogos de Estampido ou Artifício, 937; 3.23. Exploração Sexual de Criança ou Adolescente, 938; 3.24. Corrupção de Menores, 940; Referências Bibliográficas, 942. xvii Autores ANDRÉA RODRIGUES AMIN – Titular da 1ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Comarca de Duque de Caxias. Professora de Direito Civil da EMERJ – Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e dos cursos FÓRUM, Escola de Direito da AMPERJ - Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e MASTER IURIS. Ex-Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro. Trabalhos publicados: Código Civil – Do Direito de Família, Editora Freitas Bastos e Direito das Sucessões, Editora Freitas Bastos. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família. ÂNGELA MARIA SILVEIRA DOS SANTOS – Titular da 4ª Promotoria de Justiça de Família da Comarca de Duque de Caxias. Trabalho publicado: Código Civil – Do Direito de Família, Editora Freitas Bastos. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família. BIANCA MOTA DE MORAES – Titular da Promotoria de Justiça de Proteção à Educação da Capital Subcoordenadora do 4o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Infância e Juventude – Ministério Público do RJ de 2005 a 2008. Trabalho publicado: Código Civil – Do Direito de Família, Editora Freitas Bastos. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família. CLÁUDIA CANTO CONDACK – Titular da 10ª Promotoria de Investigação Penal da 1ª Central de Inquéritos da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. Mestre em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro. Professora de Direito Penal da EMERJ – Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e Escola de Direito da AMPERJ – Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. GALDINO AUGUSTO COELHO BORDALLO – Titular da Promotoria de Justiça Civel Regional de Jacarepaguá – Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Titular da 2ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Comarca de Duque de Caxias onde atuou por 12 anos. Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho, na área de Estado e Cidadania. Ex-Defensor Público no Estado do Rio de Janeiro. Professor de Direito Civil e Direito da Criança e do Adolescente da EMERJ – Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, de Cursos de Pós-Graduação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e da Escola de Direito da AMPERJ- Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Trabalhos publicados: Código Civil – Do Direito de Família, Editora Freitas Bastos; A Prescrição da Pretensão Sócioeducativa, in Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, nº 22, 2005. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família e da ABMP. HELANE VIEIRA RAMOS. – Titular da 3ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Comarca de Niterói, desde o ano de 1994. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família. xix KÁTIA REGINA FERREIRA LOBO ANDRADE MACIEL – Titular da 11ª Promotoria de Justiça de Família da Capital do Rio de Janeiro. Conclusão do Mestrado em Direito Civil e da Empresa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ex-Promotora de Justiça da Infância e Juventude por 10 anos. Professora da Disciplina “Evolução Jurídica da Família, da Filiação e dos Direitos da Personalidade” do Curso de Pós- Graduação de Direito Especial da Criança e do Adolescente da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Professora de Direito de Família da EMERJ - Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Trabalhos publicados: Código Civil – Do Direito de Família, Editora Freitas Bastos., A Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes pelo Promotor de Justiça da Infância e da Juventude, Pós- Constituição de 1988 em Temas Atuais do Ministério Público, Editora Lumen Juris. Autora de artigos em revistas especializadas. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família. PATRÍCIA PIMENTEL DE OLIVEIRA CHAMBERS RAMOS – Titular da 1ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Comarca do Rio de Janeiro. Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Autora do livro “O Poder Familiar e a Guarda Compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do Direito de Família”, Editora Lumen Juris, co-autora dos livros “Guarda Compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos”, Editora Equilíbrio e “Direito Civil – Constitucional”, Editora Renovar. Autora de diversos artigos em revistas especializa- das. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família. PATRÍCIA SILVEIRA TAVARES – Titular da 3ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Comarca de Duque de Caxias. Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Ex-Defensora Pública no Estado do Rio de Janeiro. Trabalho publicado: Código Civil – Do Direito de Família, Editora Freitas Bastos. Membro do FONCAIJE-Forum Nacional de Coordenadores de Centros de Apoio da Infância e Juventude e da Educação dos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família. xx Nota da 4ª edição A 4ª edição do Curso de Direito da Criança e do Adolescente – Aspectos Teóricos e Práticos aborda as recentes e importantes mudanças legislativas introduzidas no ordena- mento jurídico pátrio concernentes à proteção a direitos infantojuvenis. As inovações trazidas pelas Leis nºs 11.698/08 (que disciplina a guarda compartilha- da), 11.804/08 (que trata dos alimentos gravídicos), 11.829/08 (que aprimora o combate à pornografia infantil e à pedofilia), 11.924/09 (que altera a Lei de Registros Públicos, auto- rizando o(a) enteado(a) a adotar o nome de família de padrasto ou madastra), 12.004/09 (nova lei de investigação de paternidade), 12.013/09 (que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), 12.015/09 (que altera o Código Penal na parte dos crimes contra a dignidade sexual e introduz no referido diploma o delito de corrupção de menores, antes regido pela Lei nº 2.252/54) são analisadas pelos autores, com destaque para a Lei nº 12.010/09, que se caracteriza como a primeira grande reforma do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Inicialmente focado na adoção, o projeto de lei que deu origem à Lei nº 12.010/09 foi profundamente modificado e culminou com a alteração de nada menos do que 54 (cinquen- ta e quatro) dispositivos da Lei nº 8.069/90 (ECA). A nova lei, idealizada para ser a lei nacional de adoção, caracterizou-se, na verdade, como a nova lei nacional da convivência familiar, posto que as disposições por ela intro- duzidas alteram substancialmente a sistemática que envolve o direito de crianças e adoles- centes viverem em família, de modo a efetivar e garantir este direito fundamental. Entre as muitas inovações, podemos destacar, na esfera do sistema de Justiça: a devo- lução ao Poder Judiciário das decisões que envolvem o acolhimento institucional; a exi- gência, expressa, de procedimento judicial contencioso para justificar eventual afastamen- to do núcleo familiar; a previsão de prioridade absoluta para a tramitação de processos e procedimentos previstos no ECA; a fixação de prazos para a adoção de providências em favor de infantes e jovens em regime de acolhimento, privados do convívio familiar, com vistas à definição de sua situação jurídica; a obrigatoriedade da criação e alimentação dos cadastros de crianças e adolescentes aptos à adoção e daqueles inseridos em regime de aco- lhimento familiar ou institucional; a exigência de habilitação prévia para a adoção, ressal- vadas hipóteses estritas; a introdução de novos requisitos para o procedimento de habili- tação para adoção; a obrigatoriedade de observância da ordem cronológica de inscrição dos habilitados no cadastro de adotantes; a prioridade absoluta conferida aos recursos nos pro- cedimentos de adoção e de destituição do poder familiar; a previsão de infrações adminis- trativas dirigidas às autoridades do Poder Judiciário. No que concerne aos demais órgãos e atores do sistema de garantias, a nova lei prevê, entre outras medidas: a obrigatoriedade da implementação de políticas e programas capa- zes de prevenir ou reduzir o tempo de afastamento do convívio familiar e de garantir o efetivo exercício deste direito, dispondo sobre a participação ativa dos técnicos responsá- xxi veis pela execução das políticas municipais de garantia do direito à convivência familiar nas hipóteses de ameaça ou violação; a expressa responsabilização por parte das pessoas jurídicas de direito público e das entidades não governamentais pelo atendimento presta- do a infantes e jovens; a responsabilidade primária e solidária das três esferas de governo no tocante à plena efetivação dos direitos de crianças e adolescentes; novas obrigações cometidas às entidades de atendimento, que deverão se adequar às deliberações dos Conselhos de Direitos em todos os níveis, o que importará um urgente reordenamento do sistema de atendimento. O texto legal reforça, ainda mais, o foco na família, através da necessidade de assis- tência, orientação e auxílio às famílias de origem, de modo a garantir o direito de infantes e jovens serem criados e educados em seu seio; prevê expressamente o direito de visitação por parte dos genitores, quando a criança estiver sob a guarda de terceiros; consagra a pre- ferência do acolhimento familiar em relação ao institucional; além de assegurar o direito de o adotado conhecer sua origem biológica. Todas essas modificações certamente importarão a efetividade do direito à convivên- cia familiar, direito historicamente desrespeitado na trajetória de nosso País. Mais uma vez a sociedade brasileira se vê à frente de um valioso instrumento de mudança, sendo dever de todos trabalhar em prol dessa desejada transformação. A espe- rada e necessária mudança só depende de nós. Rosa Carneiro xxii Apresentação Rosa Maria Xavier Gomes Carneiro* A Lei nº 8.069/90 (ECA) operou uma verdadeira revolução no ordenamento jurídico nacional, introduzindo novos paradigmas na proteção e garantia dos direitos infanto-juvenis. Regulamentando a doutrina da proteção integral, recepcionada pelo artigo 227 da Carta Magna, o ECA apresenta-se como diploma legal inovador, verdadeiro instrumento da democracia participativa, que retirou crianças e adolescentes da condição de mero obje- to de medidas policiais e judiciais, conferindo-lhes a posição de sujeitos de direitos funda- mentais. Erigindo a população infanto-juvenil à condição de prioridade nacional, o Estatuto se sobressai, ainda, por fornecer os meios necessários à efetivação de seus interesses, direi- tos e garantias, largamente previstos na legislação constitucional e infraconstitucional. Entre os principais recursos introduzidos pelo ECA, capazes de transformar a lei em realidade e operar a mudança social pretendida pelo legislador, destacam-se os Conselhos Tutelares, os Conselhos de Direitos e seus respectivos Fundos, bem como a nova feição conferida ao Ministério Público, alçado a guardião dos direitos infanto-juvenis e expressa- mente legitimado para a propositura de todas as medidas extrajudiciais e judiciais cabíveis para a defesa de direitos difusos, coletivos, individuais homogêneos e individuais hetero- gêneos protegidos pelo citado diploma, de que crianças e adolescentes são titulares. Algumas das normas introduzidas pela Lei nº 8.069/90 eram tão inovadoras e avan- çadas em relação à época em que foi promulgada que, até hoje, muitas delas ainda geram dúvidas e causam perplexidade nos operadores do direito, enquanto outras são fielmente copiadas por diferentes diplomas legais, como é o caso do Estatuto do Idoso, bem como do Código de Processo Civil, que em suas muitas alterações incluiu em seu texto vários dis- positivos que já existiam no ECA. Não obstante o transcurso de quinze anos desde a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, sua leitura, estudo e prática ainda nos surpreendem. Antigas certezas são substituídas por novos questionamentos. Uma nova análise revela importan- tes aspectos antes não observados. Dessa forma, com o objetivo de auxiliar os profissionais que atuam na esfera da Justiça da Infância e da Juventude, buscando fornecer respostas às suas muitas perguntas * Procuradora de Justiça. Assessora de Proteção Integral à Infância e à Juventude do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Pós-graduada em nível de especialização em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. Ex-Promotora de Justiça da Infância e Juventude por mais de 10 anos. Ex-subcoordenadora da Coordenação das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro. xxiii e dúvidas, os autores deste livro, todos Promotores de Justiça, se reuniram para colocar no papel seus estudos, suas experiências e seus posicionamentos, em ambiente de total liber- dade de opinião, independentemente de eventual posição divergente dos demais autores e da revisora, como é natural ocorrer, levando-se em consideração a constante evolução do Direito e da sociedade a que ele se destina. Assim é que algumas posições adotadas, embo- ra não unânimes, merecem ser trazidas para reflexão, discussão e amadurecimento. No presente Curso de Direito da Criança e do Adolescente, os autores nos contem- plam com uma abordagem profunda e profícua de todo o ECA, em minucioso trabalho de pesquisa, em que exploram os diversos posicionamentos da doutrina e jurisprudência pátrias, aportando, algumas vezes, em outras paragens, como por exemplo no caso dos direitos relacionados ao poder familiar, ocasião em que se faz necessária a abordagem de aspectos relacionados com o Direito de Família, intimamente ligado à questão. Ter sido convidada a participar deste projeto, na função de revisora, foi uma honra inestimável. O que poderia ter sido uma tarefa árdua, em razão da profundidade da aborda- gem, transformou-se em trabalho prazeroso para todo o grupo, em decorrência dos estudos, debates e trocas de experiências. O contato com o idealismo e saber destes missionários que militam na árida seara da efetivação do Estatuto reafirma a crença de que a garantia dos direitos infanto-juvenis é o caminho para uma sociedade mais justa, digna e igualitária. Esperamos que este trabalho possa ajudar os diversos atores que travam esta luta diá- ria na busca pela proteção e garantia dos direitos infanto-juvenis, acendendo e/ou man- tendo acesa a chama da paixão pela causa da criança e do adolescente, de modo a que todos juntos possamos contribuir, de forma efetiva, para mudar a realidade de nossa sociedade. xxiv Prefácio Heloisa Helena Barboza* O Estatuto da Criança e do Adolescente está fazendo quinze anos. As merecidas comemorações foram eclipsadas na mídia, por assuntos do momento que, ainda que rapi- damente esquecidos ou substituídos por outros de igual natureza, se tornam temas de “importância nacional”. Há o que comemorar? Os eternos opositores do Estatuto, manten- do sua linha de resistência, certamente afirmarão que não. Aqueles que, desde a edição da Lei nº 8.069, em 13 de julho de 1990, incorporaram a doutrina da proteção integral a um conjunto de medidas indispensáveis à construção de um “novo tempo”, não terão dúvida em dizer que sim, não obstante reconhecendo que há um longo caminho a percorrer. Lembrar a rejeição e as pesadas críticas ao Estatuto, quando de sua aprovação e que, até o presente, permanecem, é preciso, na medida em que, a rigor, sua plena implantação ainda não se verificou. Muitas foram as razões apresentadas para se atacar o ECA, conside- rado, em síntese, como uma lei “fora da realidade brasileira”. De que realidade se estaria falando? Daquela regida pela imutabilidade que atende apenas aos interesses dos (poucos) detentores do poder ou da que é enfrentada para ser analisada, pensada e ter seus proble- mas minorados, se não resolvidos, ainda que alterando situações de há muito estabelecidas e cuja manutenção só atende aos citados interesses? Reflexões dessa ordem não dizem respeito ao mundo político ou sociológico, mas interessam diretamente à ordem jurídica instituída para um Estado Democrático de Direito, que tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, para uma República que tem como objetivo fundamental construir uma sociedade livre, justa e soli- dária, erradicando a pobreza e a marginalidade, reduzindo as desigualdades sociais e regio- nais, promovendo o bem de todos sem preconceitos ou qualquer forma de discriminação. Tais determinações estão expressas na Constituição da República, a Lei Maior, e há muito deixaram de constituir meras recomendações, aplicáveis ao sabor das conveniências políticas, na medida em que adquiriram efetividade, quando não direta, mediante instru- mentos jurídicos próprios. Este o caso do Estatuto, instrumento, por excelência, de efeti- vação dos princípios constitucionais, no que se refere à criança e ao adolescente. Aplicar o ECA é cumprir a Constituição Federal, é realizar seus princípios, concretizar os altos valores que contém. Nessa linha de efetivação dos mandamentos constitucionais, inscreve-se o Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos, obra que assume papel de destaque na interpretação, debate e aplicação da Lei nº 8.069/90, norma complexa, que carece de trabalhos como o presente. Elaborado por Promotores e Procuradores de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, todos com vivência na área da infância e juventude, o Curso xxv * Professora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ. Procuradora de Justiça (aposentada) do Estado do Rio de Janeiro. não constitui apenas um manual prático, posto que realiza estudos dogmáticos, revelando a formação acadêmica de vários autores, o que lhe confere também viés didático. A coor- denação dos trabalhos teve o cuidado de preservar os entendimentos individuais, sem pre- juízo da harmonia do conjunto. Indispensável registrar que, embora fruto da experiência de membros do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, o Curso demonstra o franco comprometimento des- ses “profissionais da área” com o atendimento do melhor interesse da criança e do adoles- cente, núcleo da doutrina da proteção integral instaurada pela Constituição da República. Tal fato merece ser ressaltado e reverenciado. Não raro, a prática cotidiana e as dificulda- des que a cercam apresentam tal grau de exigência que só mediante redobrado esforço é possível manter a perspectiva de visão dos problemas em conjunto. Talvez em nenhuma outra área do Direito as situações individuais evidenciem com tanta clareza a problemática social. Não seria exagero afirmar que a infância e a juventu- de são a vitrine da sociedade. No processo de construção da identidade e de aprendizado, há permanente absorção pela criança e pelo adolescente da sociedade que a cerca. Neles ficam tatuados todos os momentos desse processo. A abrangência da questão evidencia-se no ECA, que procurou disciplinar os aspec- tos que se imbricam, reunindo-os sob base principiológica única, de natureza constitucio- nal. Nessa percepção, o Curso, após contextualizar o nascimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, examina a doutrina da proteção integral e seus princípios orientadores, dedicando capítulo especial aos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Segue- se análise minuciosa das disposições estatutárias, que não perde de vista o papel essencial dessas normas: o de mediadoras das relações entre a criança, o adolescente e a sociedade em que vivem, atentas à sua condição especial de pessoa em desenvolvimento. O estudo levado a efeito tem natureza interdisciplinar, incluindo temas muitas vezes preteridos, como a rede e a política de atendimento, as infrações administrativas e medi- das judiciais e extrajudiciais que dão efetividade ao Estatuto. Examinam-se o ato infracio- nal e os crimes em espécie. Constata-se que a obra, Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóri- cos e práticos, por suas características, transcende o objetivo de auxiliar os operadores do direito, buscando respostas às muitas indagações que surgem quando da aplicação da Lei nº 8.069/90. Na verdade, constitui importante instrumento na construção de um Direito que efetive os direitos fundamentais da criança e do adolescente. xxvi ““Ennsinnaa aa criaannçaa nno caamminnho emm que deve aanndaar, e, aainndaa quaanndo for velho, nnão se desviaará dele”. Provérbio de Salomão capítulo 22, versículo 6 (Bíblia Sagrada) PARTE I O DIREITO MATERIAL SOB O ENFOQUE CONSTITUCIONAL Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente Andréa Rodrigues Amin Vivemos um momento sem igual no plano do direito infanto-juvenil. Crianças e ado- lescentes ultrapassam a esfera de meros objetos de “proteção” e passam a condição de sujei- tos de direito, beneficiários e destinatários imediatos da doutrina da proteção integral. A sociedade brasileira elegeu a dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais da nossa República, reconhecendo cada indivídio como centro autônomo de direitos e valores essenciais à sua realização plena como pessoa. Configura, em suma, ver- dadeira “cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana”,1 o que significa dizer que todo ser humano encontra-se sob seu manto, aqui se incluindo, por óbvio, nossas crianças e adolescentes. O avanço para nossa sociedade foi imenso. Contudo, não podemos olvidar que o pre- sente é produto da soma de erros e acertos vividos no passado. Conhecê-lo é um impor- tante instrumento para melhor compreendermos o presente e construirmos o futuro. 1. Idade Antiga Nas antigas civilizações os laços familiares eram estabelecidos pelo culto à religião e não pelas relações afetivas ou consangüíneas. A família romana fundava-se no poder pater- no (pater familiae) marital, ficando a cargo do chefe da família o cumprimento dos deveres religiosos. O pai era, portanto, a autoridade familiar e religiosa. Importante observar que a religião não formava a família, mas ditava suas regras, estabelecia o direito. Juridicamente a sociedade familiar era uma associação religiosa e não uma associação natural. Como autoridade, o pai exercia poder absoluto sobre os seus. Os filhos mantinham- se sob a autoridade paterna enquanto vivessem na casa do pai, independentemente da menoridade, já que àquela época, não se distinguiam maiores e menores. Filhos não eram sujeitos de direitos, mas sim objeto de relações jurídicas, sobre os quais o pai exercia um direito de proprietário. Assim, era-lhe conferido o poder de decidir, inclusive, sobre a vida e a morte dos seus descendentes.2 Os gregos mantinham vivas apenas crianças saudáveis e fortes. Em Esparta, cidade grega famosa por seus guerreiros, o pai transferia para um tribunal do Estado o poder sobre a vida e a criação dos filhos, com objetivo de preparar novos guerreiros. As crianças eram, portanto, “patrimônio” do Estado. No Oriente era comum o sacrifício religioso de crian- 3 1 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil, p. 48, 1ª ed., Ed. Renovar 2 COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga. Tradução J. Cretella Jr. e Agnes Cretella, Revista dos Tribunais, 2003. ças, em razão de sua pureza. Também era corrente, entre os antigos, sacrificarem crianças doentes, deficientes, malformadas, jogando-as de despenhadeiros; desfazia-se de um peso morto para a sociedade. A exceção ficava a cargo dos hebreus que proibiam o aborto ou o sacrifício dos filhos, apesar de permitirem a venda como escravos. O tratamento entre os filhos não era isonômico. Os direitos sucessórios limitavam-se ao primogênito e desde que fosse do sexo masculino. Segundo o Código de Manu, o pri- mogênito era o filho gerado para o cumprimento do dever religioso, por isso privilegiado. Em um segundo momento, alguns povos indiretamente procuraram resguardar inte- resses da população infanto-juvenil. Mais uma vez foi importante a contribuição romana que distinguiu menores impúberes e púberes, muito próximo das incapacidades absoluta e relativa de nosso tempo. A distinção refletiu em um abrandamento nas sanções pela prá- tica de ilícito por menores púberes e impúberes ou órfãos. Outros povos como lombardos e visigodos proibiram o infanticídio, enquanto frísios restringiram o direito do pai sobre a vida dos filhos.3 2. Idade Média A idade média foi marcada pelo crescimento da religião cristã com seu grande poder de influência sobre os sistemas jurídicos da época. “Deus falava, a Igreja traduzia e o monarca cumpria a determinação divina”. O homem não era um ser racional, mas sim um pecador e, portanto, precisava seguir as determinações da autoridade religiosa para que sua alma fosse salva. O Cristianismo trouxe uma grande contribuição para o início do reconhecimento de direitos para as crianças: defendeu o direito à dignidade para todos, inclusive para os menores. Como reflexo, atenuou a severidade de tratamento na relação pai e filho, pregando, contudo, o dever de respeito, aplicação prática do quarto mandamento do catolicismo: “honrar pai e mãe”. Através de diversos concílios a Igreja foi outorgando certa proteção aos menores pre- vendo e aplicando penas corporais e espirituais para os pais que abandonavam ou expu- nham os filhos. Em contrapartida, os filhos nascidos fora do manto sagrado do matrimô- nio (um dos sete sacramentos do catolicismo) eram discriminados, pois indiretamente atentavam contra a instituição sagrada, àquela época única forma de se constituir família, base de toda sociedade. Segundo doutrina traçada no Concílio de Trento, a filiação natu- ral ou ilegítima – filhos espúrios, adulterinos ou sacrílegos – deveria permanecer à mar- gem do Direito, já que era a prova viva da violação do modelo moral determinado à época. 3. O Direito Brasileiro No Brasil-Colônia as Ordenações do Reino tiveram larga aplicação. Mantinha-se o respeito ao pai como autoridade máxima no seio familiar. Contudo, em relação aos índios Andréa Rodrigues Amin 4 3 TAVARES, José de Farias. Direito da Infância e da Juventude. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2001. que aqui viviam e cujos costumes eram de todo próprio, havia uma inversão de valores. Dada a dificuldade que os jesuítas encontraram para catequisar os índios adultos e perce- bendo que era muito mais simples educarem as crianças, utilizaram-nas como forma de atingir os pais. Em outras palavras, os filhos passaram a educar e adequar os pais à nova ordem moral. Para resguardo da autoridade parental, ao pai era assegurado o direito de castigar o filho como forma de educá-lo, excluindo-se a ilicitude da conduta paterna se no “exercí- cio desse mister” o filho viesse a falecer ou sofresse lesão. Durante a fase imperial tem início a preocupação com os infratores, menores ou maiores, e a política repressiva era fundada no temor ante a crueldade das penas. Vigentes as Ordenações Filipinas, a imputabilidade penal era alcançada aos sete anos de idade. Dos sete aos dezessete anos, o tratamento era similar ao do adulto com certa atenuação na apli- cação da pena. Dos dezessete aos vinte e um anos de idade, eram considerados jovens adul- tos e, portanto, já poderiam sofrer a pena de morte natural (por enforcamento). A exceção era o crime de falsificação de moeda, para o qual se autorizava a pena de morte natural para maiores de quatorze anos.4 Houve uma pequena alteração do quadro com o Código Penal do Império, de 1830, que introduziu o exame da capacidade de discernimento para aplicação da pena.5 Menores de quatorze anos eram inimputáveis. Contudo se houvesse discernimento para os com- preendidos na faixa dos sete aos quatorze anos, poderiam ser encaminhados para casas de correção, onde poderiam permanecer até os dezessete anos de idade. O Primeiro Código Penal dos Estados Unidos do Brasil manteve a mesma linha do código anterior com pequenas modificações. Menores de nove anos eram inimputáveis. A verificação do discernimento foi mantida para os adolescentes entre nove e quatorze anos de idade. Até dezessete anos seriam apenados com 2/3 da pena do adulto. Em paralelo, no campo não infracional o Estado agia através da Igreja. Já em 1551 foi fundada a primeira casa de recolhimento de crianças do Brasil, gerida pelos jesuítas que buscavam isolar crianças índias e negras da má influência dos pais, com seus costumes “bárbaros”. Consolidava-se o início da política de recolhimento. No século XVIII aumenta a preocupação do Estado com órfãos e expostos, pois era prática comum o abandono de crianças (crianças ilegítimas e filhos de escravos, principal- mente) nas portas das igrejas, conventos, residências ou mesmo pelas ruas. Como solução, importa-se da Europa a Roda dos Expostos, mantidas pelas Santas Casas de Misericórdia.6 O início do período republicano é marcado por um aumento da população do Rio de Janeiro e de São Paulo, em razão, principalmente, da intensa migração dos escravos recém libertos. Os males sociais (doenças, sem-tetos, analfabetismo) exigiram medidas urgentes, já Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente 5 4 TAVARES, José Farias, ob. cit., nota 2, p. 51. 5 Esse sistema foi mantido até 1921, ano em que a Lei nº 4.242 substituiu o subjetivismo do sistema biopsico- lógico pelo critério objetivo de imputabilidade de acordo com a idade. 6 Inspirado na Roda dos Expostos, alguns países europeus resgataram o instituto, designando-o como “parto anônimo”. No lugar da roda, os hospitais disporiam de um berço aquecido, acessível através da janela do hospital e equipado com sensores que avisariam os profissionais de saúde, no momento em que fosse ocu- pado. A criança não teria ciência do seu vínculo biológico e seria colocada em família substituta. que era um momento de construção da imagem da nova república. Assim, foram fundadas entidades assistenciais que passaram a adotar práticas de caridade ou medidas higienistas.7-88 O pensamento social oscilava entre assegurar direitos ou “se defender” dos menores. Casas de recolhimento são inauguradas em 1906 dividindo-se em escolas de prevenção, destinadas a educar menores em abandono, escolas de reforma e colônias correcionais,9 cujo objetivo era regenerar menores em conflito com a lei. Em 1912, o Deputado João Chaves apresenta projeto de lei alterando a perspectiva do direito de crianças e adolescentes, afastando-o da área penal e propondo a especializa- ção de tribunais e juízes, na linha, portanto, dos movimentos internacionais da época. A influência externa10 e as discussões internas levaram à construção de uma Doutrina do Direito do Menor, fundada no binômio carência/delinqüência. Era a fase da criminalização da infância pobre. Havia uma consciência geral de que o Estado teria o dever de proteger os menores, mesmo que suprimindo suas garantias. Delineava-se assim, a Doutrina da Situação Irregular. Em um inevitável desenrolar dos fatos, em 1926 foi publicado o Decreto nº 5.083, primeiro Código de Menores do Brasil que cuidava dos infantes expostos e menores aban- donados. Cerca de um ano depois, em 12 de outubro de 1927, veio a ser substituído pelo Decreto 17.943-A,, mais conhecido como Código Mello Mattos. De acordo com a nova lei, caberia ao Juiz de Menores decidir-lhes o destino. A família, independente da situação econômica, tinha o dever de suprir adequadamente as necessidades básicas das crianças e jovens, de acordo com o modelo idealizado pelo Estado. Medidas assistenciais11 e preven- tivas foram previstas com o objetivo minimizar a infância de rua. Já nocampo infracional crianças e adolescentes até os quatorze anos eram objeto de medidas punitivas com finalidade educacional. Já os jovens, entre quatorze e dezoito anos, eram passíveis de punição, mas com responsabilidade atenuada. Foi uma lei que uniu Justiça e Assistência, união necessária para que o Juiz de Menores exercesse toda sua auto- ridade centralizadora, controladora e protecionista sobre a infância pobre, potencialmen- te perigosa. Estava construída a categoria Menor, conceito estigmatizante que acompanha- ria crianças e adolescentes até a Lei nº 8.069, de 1990. A Constituição da República do Brasil de 1937, permeável às lutas pelos direitos humanos, buscou, além do aspecto jurídico, ampliar o horizonte social da infância e juven- tude, bem como dos setores mais carentes da população. O Serviço Social passa a integrar programas de bem-estar, valendo destacar o Decreto-Lei nº 3.799, de 1941, que criou o Andréa Rodrigues Amin 6 7 Movimento surgido na Europa que, teoricamente, fundamentava-se em noções de eugenia e degenerescên- cia. 8 O assunto é aprofundado no capítulo sobre política de atendimento. 9 Foram criadas em 1908 pela Lei nº 6.994 para cumprimento dos casos de internação, de menores e maiores, estes de acordo com o tipo penal e a situação processual. 10 No cenário internacional destacaram-se o Congresso Internacional de Menores, realizado em Paris, no ano de 1911 e a Declaração de Gênova de Direitos da Criança, que, em 1924, veio a ser adotada pela Liga das Nações, reconhecendo-se a existência de um Direito da Criança. 11 Em 1923, através do Decreto nº 16.272 foram publicadas as primeiras normas de assistência social visando proteção dos menores abandonados e deliqüentes, após ampla discussão no I Congresso Brasileiro de Proteção à Infância. SAM – Serviço de Assistência do Menor, que atendia menores delinqüentes e desvalidos, redefinido em 1944, pelo Decreto-lei nº 6.865. A tutela da infância, nesse momento histórico, caracterizava-se pelo regime de inter- nações com quebra dos vínculos familiares, substituídos por vínculos institucionais. O obje- tivo era recuperar o menor, adequando-o ao comportamento ditado pelo Estado, mesmo que o afastasse por completo da família. A preocupação era correcional e não afetiva. Em 1943 foi instalada uma Comissão Revisora do Código Mello Mattos. Diagnosticado que o problema das crianças era principalmente social, a comissão traba- lhou no propósito de elaborar um código misto, com aspectos social e jurídico. No projeto, percebia-se claramente a influência dos movimentos pós-Segunda Grande Guerra em prol dos Direitos Humanos que levaram a ONU, em 1948, a elabo- rar a Declaração Universal dos Direitos do Homem e, em 20 de novembro de 1959, a publicar a Declaração dos Direitos da Criança, cuja evolução originou a doutrina da Proteção Integral. Contudo, após o golpe militar a comissão foi desfeita e os trabalhos interrompidos. A década de 60 foi marcada por severas críticas ao SAM que não cumpria e até se dis- tanciava do seu objetivo inicial. Desvio de verbas, superlotação, ensino precário, incapaci- dade de recuperação dos internos foram alguns dos problemas que levaram à sua extinção em novembro de 1964, pela Lei nº 4.513 que criou a FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor. A atuação da nova entidade era baseada na PNBEM (Política Nacional do Bem- Estar do Menor) com gestão centralizadora e verticalizada. Nítida a contradição entre o técnico e a prática. Legalmente a FUNABEM apresentava uma proposta pedagógica- assistencial progressista. Na prática, era mais um instrumento de controle do regime político autoritário exercido pelos militares. Em nome da segurança nacional buscava- se reduzir ou anular ameaças ou pressões antagônicas de qualquer origem, mesmo se tratando de menores, elevados, naquele momento histórico, à categoria de “problema de segurança nacional”. No auge do regime militar, em franco retrocesso, a Lei nº 5.228, de 1967, reduziu a res- ponsabilidade penal para dezesseis anos de idade, sendo que entre dezesseis e dezoito anos de idade, seria utilizado o critério subjetivo da capacidade de discernimento. Felizmente, em 1968, retorna-se ao regime anterior com imputabilidade aos 18 anos de idade. No final dos anos 60 e início da década de 70 iniciam-se debates para reforma ou criação de uma legislação menorista. Em 10 de outubro de 1979 foi publicada a Lei nº 6.697, novo Código de Menores, que, sem pretender surpreender ou verdadeiramente ino- var, consolidou a doutrina da Situação Irregular. Durante todo este período a cultura da internação, para carentes ou delinqüentes foi a tônica. A segregação era vista, na maioria dos casos, como única solução. Em 1990, já completamente desgastada pelos mesmos sintomas que levaram à extin- ção do SAM, a FUNABEM foi substituída pelo CBIA – Centro Brasileiro para Infância e Adolescência. Percebe-se, desde logo, a mudança terminológica, não mais se utilizando o estigma menor, mas sim “criança e adolescente”, expressão consagrada na Constituição da República de 1988 e nos documentos internacionais. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente 7 4. O Período Pós-Constituição de 1988 A Carta Constitucional de 1988 trouxe e coroou significativas mudanças em nosso ordenamento jurídico, estabelecendo novos paradigmas. Do ponto de vista político, houve uma necessidade de reafirmar valores caros que nos foram ceifados durante o regime militar. No campo das relações privadas se fazia imprescindível atender aos anseios de uma sociedade mais justa e fraterna, menos patri- monialista e liberal. Movimentos europeus pós-guerra influenciaram o legislador consti- tuinte na busca de um direito funcional, pró-sociedade. De um sistema normativo garan- tidor do patrimônio do indivíduo, passamos para um novo modelo que prima pelo resguar- do da dignidade da pessoa humana. O binômio individual/patrimonial é substituído pelo coletivo/social. Por certo, o novo perfil social almejado pelo legislador constitucional não poderia deixar intocado o sistema jurídico da criança e do adolescente, restrito aos “menores” em abandono ou estado de delinqüência. E, de fato, não o fez. A intensa mobilização de organizações populares nacionais e de atores da área da infância e juventude, acrescida da pressão de organismos internacionais, como o UNICEF, foram essenciais para que o legislador constituinte se tornasse sensível a uma causa já reco- nhecida como primordial em diversos documentos internacionais como a Declaração de Genebra, de 1924; a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (Paris, 1948); a Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, 1969) e Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude – Regras Mínimas de Beijing (Res. 40/33 da Assembléia-Geral, de 29/11/85). A nova ordem rompeu, assim, com o já consolidado modelo da situação irregu- lar e adotou a doutrina da proteção integral. No caminho da ruptura, merece destaque a atuação do MNMMR – Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, resultado do 1º Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua, realizado em 1984, cujo objetivo era discutir e sensibilizar a sociedade para a questão das crianças e adolescentes rotuladas como “menores abandonados” ou “meninos de rua”. O MNMMR foi um dos mais importantes pólos de mobilização nacional na busca de uma participação ativa de diversos segmentos da sociedade atuantes na área da infância e juventude. O objetivo a ser alcançado era uma constituição que garantisse e ampliasse os direitos sociais e individuais de nossas crianças e adolescentes. Segundo Almir Rogério Pereira12 “a Comissão Nacional Criança e Consti-tuinte con- seguiu reunir 1.200.000 assinaturas para sua emenda e promoveu intenso lobby entre os parlamentares pela inclusão dos direitos infanto-juvenis na nova Carta”. O esforço foi recompensado com a aprovação dos textos dos artigos 227 e 228 da Constituição Federal de 1988, resultado da fusão de duas emendas populares, que levaram Andréa Rodrigues Amin 8 12 Visualizando a Política de Atendimento, Rio de Janeiro, 1998, Ed. Kroart, p. 33. ao congresso as assinaturas de quase duzentos mil eleitores e de mais de um milhão e duzentos mil cidadãos-crianças e cidadãos-adolescentes. Coroando a revolução constitucional que colocou o Brasil no seleto rol das nações mais avançadas na defesa dos interesses infanto-juvenis, para as quais crianças e jovens são sujeitos de direito, titulares de direitos fundamentais, foi adotado o sistema garantista da doutrina da proteção integral. Objetivando regulamentar e implementar o novo sistema, foi promulgada a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990,13 de autoria do Senador Ronan Tito e relatório da Deputada Rita Camata.14 O Estatuto da Criança e do Adolescente resultou da articulação de três vertentes: o movimento social, os agentes do campo jurídico e as políticas públicas. Coube ao movimento social reivindicar e pressionar. Aos agentes jurídicos (estudio- sos e aplicadores) traduzirem tecnicamente os anseios da sociedade civil desejosa de mudança do arcabouço jurídico-institucional das décadas anteriores. Embalados pelo ambiente extremamente propício de retomada democrática pós-ditadura militar e pro- mulgação de uma nova ordem constitucional, coube ao poder público, através das Casas legislativas efetivar os anseios sociais e a determinação constitucional. O termo “estatuto” foi de todo próprio, porque traduz o conjunto de direitos funda- mentais indispensáveis à formação integral de crianças e adolescentes, mas longe está de ser apenas uma lei que se limita a enunciar regras de direito material. Trata-se de um verda- deiro microssistema que cuida de todo o arcabouço necessário para se efetivar o ditame constitucional de ampla tutela do público infanto-juvenil. É norma especial com extenso campo de abrangência, enumerando regras processuais, instituindo tipos penais, estabele- cendo normas de direito administrativo, princípios de interpretação, política legislativa, em suma, todo o instrumental necessário e indispensável para efetivar a norma constitucional. A adoção da Doutrina da Proteção Integral na visão de Antonio Carlos Gomes da Costa constituiu uma verdadeira “revolução copernicana” na área da infância e adolescência.15 Com ela, constrói-se um novo paradigma para o direito infanto-juvenil. Formalmente, sai de cena a Doutrina da Situação Irregular, de caráter filantrópico e assis- tencial, com gestão centralizadora do Poder Judiciário, a quem cabia a execução de qual- quer medida referente aos menores que integravam o binômio abandono-delinqüência. Em seu lugar, implanta-se a Doutrina da Proteção Integral, com caráter de política pública. Crianças e adolescente deixam de ser objeto de proteção assistencial e passam a titulares de direitos subjetivos. Para assegurá-los é estabelecido um sistema de garantia de direitos, que se materializa no Município, a quem cabe estabelecer a política de atendi- mento dos direitos da criança e do adolescente, através do Conselho Municipal de Direito Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente 9 13 Publicada no Diário Oficial da União, de 16 de julho de 1990, com vigência noventa dias após, de acordo com seu artigo 266. 14 A Lei nº 8.069/90 é originária do Projeto de Lei nº 5.172/90, ao qual foi anexado o projeto de Lei nº 1.506, de 1989, do Deputado Nelson Aguiar, de maior abrangência, ao qual também foram apensados vários pro- jetos de lei. São eles os de nº 1.765/89, 2.264/89, 2.742/89, 628/83, 75/87, 1.362/88, 1.619/89, 2.734/89, 2.079/89, 2.526/89, 2.584/89 e 3.142/89. 15 “A Mutação Social”. In Brasil Criança Urgente, A Lei no 8.069/90. São Paulo: Columbus Cultural, 1990, p. 38. da Criança e do Adolescente – CMDCA, bem como, numa co-gestão com a sociedade civil, executá-la. Trata-se de um novo modelo, democrático e participativo, no qual família, socieda- de e estado são co-gestores do sistema de garantias que não se restringe à infância e juven- tude pobres, protagonistas da doutrina da situação irregular, mas sim a todas as crianças e adolescentes, pobres ou ricos, lesados em seus direitos fundamentais de pessoas em desen- volvimento. Novos atores entram em cena. A comunidade local, através dos Conselhos Municipal e Tutelar. A família, cumprindo os deveres inerentes ao poder familiar. O Judiciário, exer- cendo a função judicante. O Ministério Público como um grande agente garantidor de toda a rede, fiscalizando seu funcionamento, exigindo resultados, assegurando o respeito prioritário aos direitos fundamentais infanto-juvenis estabelecidos na lei Maior. Implantar o sistema de garantias é o grande desafio dos operadores da área da infân- cia e juventude. Inicialmente, se faz indispensável romper com o sistema anterior, não apenas no aspecto formal, como já o fizeram a Constituição da República e a Lei nº 8.069/90, mas e principalmente no plano prático. Trata-se de uma tarefa árdua, pois exige, conhecer, entender e aplicar uma nova sistemática, completamente diferente da anterior, entranhada em nossa sociedade há quase um século, mas o resultado, por certo, nos leva- rá a uma sociedade mais justa, igualitária e digna. Referências Bibliográficas COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga. Tradução J. Cretella Jr. e Agnes Cretella, Revista dos Tribunais, 2003. TAVARES, José de Farias. O Direito da Infância e da Juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. PEREIRA, Almir Rogério. Visualizando a Política de Atendimento. Rio de Janeiro: Editora Kroart, 1998. Brasil Criança Urgente, A Lei 8.069/90. São Paulo: Columbus Cultural, 1990. Andréa Rodrigues Amin 10 Doutrina da Proteção Integral Andréa Rodrigues Amin 1. Introdução Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira doutrina “é o conjunto de princípios que servem de base a um sistema religioso, político, filosófico, científico, etc.”.1 Ou seja, há uma idéia central ou valor, desenvolvidos por princípios e regras. Não é termo exclusivo do mundo jurídico, mas comum às diversas ciências sociais. A doutrina da proteção integral encontra-se insculpida no artigo 227 da Carta Constitucional de 1988, em uma perfeita integração com o princípio fundamental da dig- nidade da pessoa humana. Segundo Maria Dinair Acosta Gonçalves2 superou-se o Direito tradicional, que não percebia a criança como indivíduo e o Direito moderno do menor incapaz, objeto de manipulação dos adultos. Na era pós-moderna a criança e o adolescente são tratados como sujeito de direitos, em sua integralidade. A Carta Constitucional de 1988, afastando a doutrina da situação irregular até então vigente, assegurou às crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, direitos fundamen- tais, determinando à família, à sociedade e ao Estado o dever legal e concorrente de asse- gurá-los. Regulamentando e buscando dar efetividade à norma constitucional foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente, microssistema aberto de regras e princípios, fun- dado em dois pilares básicos: 1 – criança e adolescente são sujeitos de direito; 2 – afirma- ção de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. O efeito da mudança paradigmática é o objeto desse capítulo. 2. Documentos Internacionais O primeiro documento internacional que expôs a preocupação em se reconhecer direitos a crianças e adolescentes foi a Declaração dos Direitos da Criança de Genebra, em 1924, promovida pela Liga das Nações. Contudo, foi a Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela ONU em 1959, o grande marco no reconhecimento de crianças como sujeitos de direitos, carecedo- ras de proteção e cuidados especiais. O documento estabeleceu, dentre outros princípios: proteção especial para o desen- volvimento físico, mental, moral e espiritual; educação gratuita e compulsória; prioridade 11 1 Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, p. 610. Nova Fronteira, 2ª edição – 36ª Reimpressão. 2 Proteção integral – Paradigma Multidisciplinar do Direito Pós-Moderno. Porto Alegre: Alcance, 2002, p. 15. em proteção e socorro; proteção contra negligência, crueldade e exploração; proteção con- tra atos de discriminação. A ONU, atenta aos avanços e anseios sociais, mormente no plano dos direitos funda- mentais, reconheceu que a atualização do documento se fazia necessária. Em 1979 mon- tou um grupo de trabalho com o objetivo de preparar o texto da Convenção dos Direitos da Criança, aprovado em novembro de 1989 pela Resolução nº 44.3-44-55 Pela primeira vez, foi adotada a doutrina da proteção integral fundada em três pila- res: 1º) reconhecimento da peculiar condição da criança e jovem como pessoa em desen- volvimento, titular de proteção especial; 2º) crianças e jovens têm direitos à convivência familiar; 3º) as Nações subscritoras obrigam-se a assegurar os direitos insculpidos na Convenção com absoluta prioridade. Em setembro de 1990, como um primeiro passo na busca da efetividade da Convenção dos Direitos da Criança, foi realizado o Encontro Mundial de Cúpula pela Criança, no qual representantes de 80 países, entre eles o Brasil, assinaram a Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento da Criança. No mesmo Encontro, foi ainda lançado o Plano de Ação para a década de 90, cujos signatários assu- miram o compromisso de promover a rápida implementação da Convenção, comprome- tendo-se ainda, a melhorar a saúde de crianças e mães e combater a desnutrição e o anal- fabetismo. 3. Da Situação Irregular à Proteção Integral A doutrina da proteção integral estabelecida no artigo 227 da Constituição da República substituiu a doutrina da situação irregular, oficializada pelo Código de Menores de 1979, mas de fato já implícita no Código Mello Matos, de 1927. Andréa Rodrigues Amin 12 3 A Convenção dos Direitos da Criança foi subscrita pelo governo brasileiro em 26 de janeiro de 1990, apro- vada pelo Congresso Nacional através do Decreto nº 28/90 e promulgada pelo Decreto Executivo nº 99.710/90. 4 No período compreendido entre a Declaração Universal dos Direitos da Criança e a Convenção dos Direitos da Criança, as Nações Unidas elaboraram vários documentos internacionais que muito contribuíram para a evolução do direito infanto-juvenil. Alguns merecem destaque. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, promulgada, no Brasil, pelo Decreto 678/92, reco- nheceu direitos aos já concebidos, especializou o tratamento judicial para crianças e jovens, estabeleceu uma co-responsabilidade entre família, sociedade e Estado na proteção de crianças e adolescentes. As Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil ou Regras Mínimas de Beijing, aprova- das pela Resolução 40/33, de novembro de 1985, estabeleceram diretrizes para a Justiça especializada, prin- cipalmente, nos processos e procedimentos relativos a adolescentes em conflito com a lei. No mesmo passo e complementando o documento, em novembro de 1990 foram aprovadas regras preventivas da delinqüên- cia juvenil, conhecidas como Diretrizes de Riad, que formam a base das ações e medidas sócio-educativas previstas no ECA. 5 Em razão da Emenda Constitucional 45 os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos res- pectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (art. 5º, § 3º, da CF). A Convenção dos Direitos da Criança foi subscrita pelo governo brasileiro em 26 de janeiro de 1990, aprovada pelo Congresso Nacional através do Decreto nº 28/90 e promulgada pelo Decreto Executivo nº 99.710/90. Trata-se, em verdade, não de uma simples substituição terminológica ou de princí- pios, mas sim de uma mudança de paradigma. A doutrina da situação irregular, que ocupou o cenário jurídico infanto-juvenil por quase um século, era restrita. Limitava-se a tratar daqueles que se enquadravam no mode- lo pré-definido de situação irregular, estabelecido no artigo 2º do Código de Menores. Compreendia o menor privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, em razão da falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; as víti- mas de maus-tratos; os que estavam em perigo moral por se encontrarem em ambientes ou atividades contrárias aos bons costumes; o autor de infração penal e ainda todos os meno- res que apresentassem “desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária”. Aqui se apresentava o campo de atuação do Juiz de Menores, restrito ao binômio carência/deliquência. Todas as demais questões que envolvessem crianças e adolescentes deveriam ser discutidas na Vara de Família e regidas pelo Código Civil. Segundo Roberto da Silva6 “se os conceitos ontológicos fundamentam o capítulo referente à família no Código Civil brasileiro, dando origem a um ramo das ciências jurí- dicas, que é o Direito de Família, os hábitos e os costumes social e culturalmente aceitos no Brasil fundamentaram uma legislação paralela, o Direito do Menor, destinada a legis- lar sobre aqueles que não se enquadravam dentro do protótipo familiar concebido pelas elites intelectuais e jurídicas”. O Juiz de Menores centralizava as funções jurisdicional e administrativa, muitas vezes dando forma e estruturando a rede de atendimento. Enquanto era certa a competên- cia da Vara de Menores, pairavam indefinições sobre os limites da atuação do Juiz. Apesar das diversas medidas de assistência e proteção previstas pela lei7 para regula- rizar a situação dos menores, a prática era de uma atuação segregatória na qual, normal- mente, estes eram levados para internatos ou, no caso de infratores, institutos de detenção mantidos pela FEBEM. Inexistia preocupação em manter vínculos familiares, até porque a família ou a falta dela era considerada a causa da situação irregular. Em resumo, a situação irregular era uma doutrina não universal, restrita, de forma quase absoluta, a um limitado público infanto-juvenil. Segundo José Ricardo Cunha8 “os menores considerados em situação irregular pas- sam a ser identificados por um rosto muito concreto: são os filhos das famílias empobreci- das, geralmente negros ou pardos, vindos do interior e das periferias”. Não era uma doutrina garantista, até porque não enunciava direitos, mas apenas pré- definia situações e determinava uma atuação de resultados. Agia-se apenas na conseqüên- cia e não na causa do problema, “apagando-se incêndios”. Era um Direito do Menor, ou seja, que agia sobre ele, como objeto de proteção e não como sujeito de direitos. Daí a gran- de dificuldade de, por exemplo, exigir do poder público construção de escolas, atendimen- Doutrina da Proteção Integral 13 6 “A Construção do Estatuto da Criança e do Adolescente”, In: Âmbito Jurídico, ago./01 (http:// www.ambi- tojuridico.com.br). 7 Vide artigo 14 do Código de Menores de 1979. 8 “O Estatuto da Criança e do Adolescente no Marco da Doutrina Jurídica da Proteção Integral”. In: Revista da Faculdade de Direito Candido Mendes. Rio de Janeiro, vol. 1, 1996, p. 98. to pré-natal, transporte escolar, direitos fundamentais que, por não encontrarem previsão no código menorista, não eram, em princípio, passíveis de tutela jurídica. A doutrina da proteção integral, por outro lado, rompe o padrão pré-estabelecido e absorve os valores insculpidos na Convenção dos Direitos da Criança. Pela primeira vez, crianças e adolescentes titularizam direitos fundamentais, como qualquer ser humano. Passamos assim, a ter um Direito da Criança e do Adolescente, em substituição ao Direito do Menor, amplo, abrangente, universal e, principalmente, exigível. A conjuntura político-social vivida nos anos 80 de resgate da democracia e busca desenfreada por direitos humanos, acrescida da pressão de organismos sociais nacionais e internacionais levaram o legislador constituinte a promulgar a “Constituição Cidadã” e nela foi assegurado com absoluta prioridade às crianças e adolescentes o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.9 A responsabilidade em assegurar o respeito a esses direitos foi diluída solidariamen- te entre família, sociedade e Estado, em uma perfeita co-gestão e co-responsabilidade. Apesar do artigo 227 da Constituição da República ser definidor, em seu caput, de direitos fundamentais e, portanto, ser de aplicação imediata,10 coube ao Estatuto da Criança e do Adolescente a construção sistêmica da doutrina da proteção integral. A nova lei, como não poderia deixar de ser ab initio estendeu seu alcance a todas as crianças e adolescentes,11 indistintamente, respeitada sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Para fins protetivos, levou-se, em linha de conta, eventual risco social, situação pré- definida no artigo 98 da Lei nº 8.069/90 e, não mais a situação irregular. Trata-se de um tipo aberto, conforme a melhor técnica legislativa, que permite ao Juiz e operadores da rede uma maior liberdade na análise dos casos que ensejam medidas de proteção. O artigo 98 não é uma norma limitadora da aplicação do ECA, mas delimitadora, principalmente, do campo de atuação do Juiz da Infância na área não infracional. Com o fim de garantir efetividade à doutrina da proteção integral a nova lei previu um conjunto de medidas governamentais aos três entes federativos, através de políticas sociais básicas, políticas e programas de assistência social, serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, abuso e pro- teção jurídico-social por entidades da sociedade civil. Adotou-se o princípio da descentralização político-administrativa, materializando-o na esfera municipal pela participação direta da comunidade através do Conselho Municipal de Direitos e Conselho Tutelar. A responsabilidade pela causa da infância ultra- passa a esfera do poder familiar e recai sobre a comunidade da criança ou do adolescente e sobre o poder público, principalmente o municipal, executor da política de atendimen- to, de acordo com o artigo 88, I, do ECA. Andréa Rodrigues Amin 14 9 Art. 227, caput, primeira parte, da Constituição Federal. 10 Vide artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal. 11 Art. 2º – Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e ado- lescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Ao Juiz coube a função que lhe é própria: julgar. A atuação ex officio não se encon- tra elencada nos artigos 148 e 149 da legislação estatutária, mas apenas as restritas à fun- ção judicante e normativa. Agora é a própria sociedade através do Conselho Tutelar que atua, diretamente, na proteção de suas crianças e jovens, encaminhando à autoridade judi- ciária os casos de sua competência e ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente.12 A atuação do Ministério Público no sistema garantista do ECA foi sobremaneira ampliada seguindo a tendência preconizada pela Constituição Federal que promove o Parquet a agente de transformação social.13 Nesse confronto entre a doutrina da situação irregular e a da proteção integral se mostra ilustrativo o quadro comparativo apresentado por Leoberto Narciso Brancher:14 ASPECTO ANTERIOR ATUAL Doutrinário Situação Irregular Proteção Integral Caráter Filantrópico Política Pública Fundamento Assistencialista Direito Subjetivo Centralidade Local Judiciário Município Competência Executória União/Estados Município Decisório Centralizador Participativo Institucional Estatal Co-gestão Sociedade Civil Organização Piramidal Hierárquica Rede Gestão Monocrática Democrática Em resumo, no campo formal a doutrina da proteção integral está perfeitamente delineada. O desafio é torná-la real, efetiva, palpável. A tarefa não é simples. Exige conhe- cimento aprofundado da nova ordem, sem esquecermos as lições e experiências do passa- do. Além disso, e principalmente, exige um comprometimento de todos os agentes – Judiciário, Ministério Público, Executivo, técnicos, sociedade civil, família – em querer mudar e adequar o cotidiano infanto-juvenil a um sistema garantista. 4. Jurisprudência sobre o Tema HABEAS CORPUS. LEI 6.815/80 (ESTATUTO DO ESTRANGEIRO). EXPULSÃO. ESTRANGEIRO COM PROLE NO BRASIL. FATOR IMPEDITIVO. TUTELA DO INTE- RESSE DAS CRIANÇAS. ARTS. 227 E 229 DA CF/88. DECRETO 99.710/90 – CONVEN- ÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA. 1. A regra do art. 75, II, b, da Lei 6.815/80 deve ser interpretada sistematicamen- te, levando em consideração, especialmente, os princípios da CF/88, da Lei Doutrina da Proteção Integral 15 12 Vide artigo 136 do ECA que dispõe sobre as atribuições do Conselho Tutelar. 13 Vide Capítulo sobre o Ministério Público. 14 Organização e Gestão do Sistema de Garantia de Direitos da Infância e da Juventude, in Encontros Pela Justiça na Educação – Brasília – 2000 – FUNDESCOLA/MEC – p. 126. 8.069/90 (ECA) e das convenções internacionais recepcionadas por nosso orde- namento jurídico. 2. A proibição de expulsão de estrangeiro que tenha filho brasileiro objetiva res- guardar os interesses da criança, não apenas no que se refere à assistência mate- rial, mas à sua proteção em sentido integral, inclusive com a garantia dos direi- tos à identidade, à convivência familiar, à assistência pelos pais. 3. Ordem concedida. (STJ – HC 31449/DF – Relator. Min. Francisco Falcão – j. 12/05/04) AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA ANTECIPADA, QUE CONCEDEU A REGULA- RIZAÇÃO DO TRANSPORTE ESCOLAR NA REDE PÚBLICA MUNICIPAL E ESTADUAL, COM OBRIGAÇÃO DE FORNECER SERVIÇO PARA TODAS AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NECESSITADOS. Possibilidade de liminar, mesmo contra a fazenda, excepcionalmente, tendo em vista o interesse em liça, com a pro- teção integral dos direitos da criança e do adolescente. O transporte escolar é servi- ço de utilidade pública e direito público subjetivo, garantido constitucionalmente no art. 208, VII, da carta magna. Dever do estado com a educação. Ausência de inter- venção do judiciário no executivo. Desaconselhável a fixação de astreintes eis que meio anódino de coação sobre o administrador. Outras imposições arredadas. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJRS – AI nº 70006406466 – Quarta Câmara Cível – Rel. Des. Vasco Della Giustina – j. 03/09/03) ECA. ENSINO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. Impõe-se deferir pedido de antecipação de tutela para assegurar o atendimento especializado de que crianças portadoras de deficiência na fala e na audição – estudantes em escola estadual – necessitam, sob pena de sofrerem retardo no seu regular desenvolvimento, em afron- ta à doutrina da proteção integral preconizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 1º). Agravo provido (SEGREDO DE JUSTIÇA). (TJRS – AI nº 70010457695 – Sétima Câmara Cível – Relator: Des. Maria Berenice Dias – j. 23/02/05) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO CONSTITUCIONAL. ECA. PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE. ILEGITIMI- DADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO E ADEQUAÇÃO DA VIA PROCES- SUAL ESCOLHIDA. A promoção do Parquet encontra amparo na Constituição da República (art. 129, III) e na Lei nº 8.069/90 (art. 201, V). PRINCÍPIO DA LEGALI- DADE. Sopesando o direito à vida com dignidade dos menores e o direito patrimo- nial do Estado, é pacífico o entendimento de que deve prevalecer aquele, dispensa- da destarte, previsão orçamentária para essa despesa. INDEPENDÊNCIA DOS PODERES. Não há discricionariedade quando se trata de direito fundamental da criança e do adolescente, devendo o Judiciário agir, se provocado, diante da ação ou omissão do Executivo. Rejeitada a preliminar, negaram provimento à apelação. Unânime. Andréa Rodrigues Amin 16 (TJRS – Apelação Cível nº 70010690212 – Sétima Câmara Cível – Relator: Des. Walda Maria Melo Pierro – j. 11/05/05) ADOÇÃO. MENOR IMPÚBERE. DEFENSORIA PÚBLICA. LEGITIMIDADE PARA RECORRER. Adoção. Menor impúbere. Recurso. Defensoria Pública. Legitimação. Lei Complementar 80/94. ECA. Doutrina da proteção integral. Segundo a LC 80/94, art. 4, VII, é função institucional da Defensoria Pública “exercer a defe- sa da criança e do adolescente”. Logo, sua legitimação recursal se mostra evidente, pois a interpretação ampliativa do rol dos legitimados ao ajuizamento das medidas de proteção à criança e a que melhor se afina com a teoria da proteção integral. Se a ado- ção consulta aos interesses do menor, que se sobrepõem a qualquer outro interesse juridicamente tutelado, pode e deve ser deferida. Recurso desprovido. (TJRJ – Apelação Cível nº 2003.001.34302 – Décima Terceira Câmara Cível – Rel. Des. Nametala Machado Jorge – j. 18/02/04) Referências Bibliográficas Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Nova Fronteira, 2ª ed. – 36ª reimpressão. Proteção integral – Paradigma Multidisciplinar do Direito Pós-Moderno – Porto Alegre: Alcance, 2002. Âmbito Jurídico (http://www.ambitojuridico.com.br) – A Construção do Estatuto da Criança e do Adolescente – Roberto da Silva. Revista da Faculdade de Direito Cândido Mendes – Rio de Janeiro, vol. 1, 1996. Encontros Pela Justiça na Educação – Brasília – FUNDESCOLA/MEC, 2000. Doutrina da Proteção Integral 17 Princípios Orientadores do Direito da Criança e do Adolescente Andréa Rodrigues Amin 1. Considerações Iniciais O Estatuto da Criança e do Adolescente é um sistema aberto de regras e princípios. As regras nos fornecem a segurança necessária para delimitarmos a conduta. Os princípios expressam valores relevantes e fundamentam as regras, exercendo uma função de integra- ção sistêmica. Regras e princípios são espécies de normas, sentidos construídos a partir da interpre- tação sistêmica de textos normativos.1 A distinção nos é dada por Canotilho:2 os princípios são normas jurídicas impositivas de uma “optimização”, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos “fácticos” e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não cumprida; a convivência dos princípios é conflitual, a convivência de regras antinômi- ca; os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se. Conseqüentemente, os prin- cípios, ao constituírem “exigência de optimização”, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à lógica do “tudo ou nada”), consoante seu “peso” e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes. No campo do direito infanto-juvenil brasileiro, ambos concretizam a doutrina da proteção integral, espelho do princípio da dignidade da pessoa humana para crianças e adolescentes. Três são os princípios gerais e orientadores de todo o ECA: a) princípio da priorida- de absoluta; b) princípio do melhor interesse; c) princípio da municipalização.3 A par dos gerais, temos princípios específicos a certas áreas de atuação ou que respei- tam a institutos próprios e que serão oportunamente tratados nos demais capítulos dessa obra. À guisa de exemplo, citem-se os princípios pertinentes às medidas específicas de pro- 19 1 Humberto Ávila, Teoria dos Princípios – Da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos. São Paulo: Malheiros, 4ª ed., 2005, p. 22. 2 J. J. Gomes Canotilho – Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1034. 3 Paulo Lúcio Nogueira elenca catorze princípios: 1) princípio da prevenção geral; 2) princípio da prevenção especial; 3) princípio do atendimento integral; 4) princípio da garantia prioritária; 5) princípio da proteção estatal; 6) princípio da prevalência dos interesses do menor; 7) princípio da indisponibilidade dos direitos do menor; 8) princípio da escolarização fundamental e profissionalização; 9) princípio da reeducação e rein- tegração do menor; 10) princípio da sigilosidade; 11) princípio da respeitabilidade; 12) princípio da gratui- dade; 13) princípio do contraditório; 14) princípio do compromisso. Permissa venia, há certa atecnia na classificação, pois o i. autor elenca como princípio o que a lei define como direito fundamental, como, por exemplo, o direito à escolarização e profissionalização, ou mesmo dever, como no compromisso firmado por termo quando da nomeação do tutor ou guardião. teção, estabelecidos no parágrafo único do artigo 100 do Estatuto da Criança e do Adolescente, com redação introduzida pela Lei nº 12.010, de 29 de julho de 2009. 2. Princípio da Prioridade Absoluta Trata-se de princípio constitucional estabelecido pelo artigo 227 da Lei Maior, com previsão no artigo 4º da Lei nº 8.069/90. Estabelece primazia em favor das crianças e dos adolescentes em todas as esferas de interesses. Seja no campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar, o inte- resse infanto-juvenil deve preponderar. Não comporta indagações ou ponderações sobre o interesse a tutelar em primeiro lugar, já que a escolha foi realizada pela nação através do legislador constituinte. Assim, se o administrador precisar decidir entre a construção de uma creche e de um abrigo para idosos, pois ambos necessários, obrigatoriamente terá que optar pela primeira. Isso porque o princípio da prioridade para os idosos é infraconstitucional, pois estabeleci- do no artigo 3º da Lei nº 10.741/03, enquanto a prioridade em favor de crianças é consti- tucionalmente assegurada, integrante da doutrina da proteção integral. À primeira vista, pode parecer injusto, mas aqui se tratou de ponderar interesses. O que seria mais relevante para a nação brasileira? Se pensarmos que o Brasil é “o país do futuro” – frase de efeito ouvida desde a década de 70 – e que o futuro depende de nossas crianças e jovens, torna-se razoável e até acertada a opção do legislador constituinte. Ressalte-se que a prioridade tem um objetivo bem claro: realizar a proteção integral, assegurando primazia que facilitará a concretização dos direitos fundamentais enumera- dos no artigo 227, caput, da Constituição da República e reenumerados no caput do arti- go 4º do ECA. Mais. Leva em conta a condição de pessoa em desenvolvimento, pois a criança e o adolescente possuem uma fragilidade peculiar de pessoa em formação, correndo mais ris- cos que um adulto, por exemplo. A prioridade deve ser assegurada por todos: família, comunidade, sociedade em geral e Poder Público. Família, seja natural ou substituta, já tem um dever de formação decorrente do poder familiar, mas não só. Recai sobre ela um dever moral natural de se responsabilizar pelo bem-estar das suas crianças e adolescentes, pelo vínculo consangüíneo ou simplesmente afetivo. Na prática, independentemente de qualquer previsão legal, muitas famílias já garantiam instintivamente primazia para os seus menores.4 Quem nunca viu uma mãe dei- xar de se alimentar para alimentar o filho, ou deixar de comprar uma roupa, sair, se diver- tir, abrir mão do seu prazer pessoal em favor dos filhos? É instintivo, natural, mas também um dever legal. A comunidade, parcela da sociedade mais próxima das crianças e adolescentes, resi- dindo na mesma região, comungando dos mesmos costumes, como vizinhos, membros da Andréa Rodrigues Amin 20 4 O termo menor aqui é utilizado de forma técnica, ou seja, aquele que não alcançou a maioridade. escola e igreja, também é responsável pelo resguardo dos direitos fundamentais daqueles. Pela proximidade com suas crianças e jovens possuem melhores condições de identificar violação de seus direitos ou comportamento desregrado da criança ou do adolescente, que os colocam em risco ou que prejudiquem a boa convivência. A sociedade em geral, que tanto cobra comportamentos previamente estabelecidos pela elite como adequados, que tanto exige de todos nós – bons modos, educação, cultura, sucesso financeiro, acúmulo de riqueza –, mas nem sempre põe à disposição os meios necessários para atender suas expectativas, agora também é vista como responsável pela garantia dos direitos fundamentais, indispensáveis para que esse modelo de cidadão pre- viamente estabelecido se torne real. Comum, em sede de responsabilidade civil, falarmos na tendência moderna de socia- lizar o dano. No Direito da Criança e do Adolescente estamos socializando a responsabili- dade, buscando assim, prevenir, evitar, ou mesmo minimizar o dano que imediatamente recairá sobre a criança ou jovem, mas que de forma mediata será suportado pelo grupa- mento social. Por fim, ao Poder Público, em todas as suas esferas – legislativa, judiciária ou execu- tiva – é determinado o respeito e resguardo, com primazia, dos direitos fundamentais infanto-juvenis. Infelizmente, na prática, não é o que se vê. Um exemplo comum é na administração do Poder Judiciário, a quem cabe prover os órgãos juridicionais de todo o material humano e físico que permita prestar jurisdição com eficiência. Na Cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, foram criadas três varas regionais da infância e juventude, através da Lei nº 2.602/96, mas apenas instaladas no ano de 2009. A cidade, durante anos, manteve apenas duas varas da infância e juventude – uma com com- petência para julgar a prática de atos infracionais e a outra para todo o resto, inclusive inte- resses de pessoas idosas.5 Em contrapartida, só no ano de 1996 foram criados6 e instalados 60 (sessenta) Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Não se está a dizer, com esse singelo exemplo, que não precisemos de Juizados Especiais (orgão do Poder Judiciário citado a título de exemplo). Contudo, antes de criá- los caberia verficar, minimamente, se existia número suficiente de Varas da Infância e Juventude (até hoje vulgarmente chamadas de “Juizados de Menores”) ou se estavam bem instaladas, com equipes técnicas em número suficiente, carros, funcionários. Assim, o Poder Judiciário, aqui na sua função administrativa, estaria dando cumprimento ao prin- cípio da prioridade absoluta (plena, irrestrita). O mesmo há que se falar do Poder Executivo, palco das maiores violações ao princí- pio da prioridade absoluta. É comum vermos a inauguração de prédios públicos com os fins mais variados, sem que o Estado cuide, por exemplo, da formação de sua rede de atendi- mento. Outro fato comum é a demora na liberação de verbas para programas sociais, mui- Princípios Orientadores do Direito da Criança e do Adolescente 21 5 Em 21 de dezembro de 2006, por Ato da Presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, foram cria- dos dois Juizados da Infância, Juventude e Idoso, vinculados à 1ª Vara da Infância, Juventude e Idoso da Comarca da Capital, instalados na zona oeste da cidade. 6 Alguns Juizados Especiais Criminais decorreram de transformação de varas criminais em JECRIMS. tos da área da infância e juventude, enquanto verbas sem primazia constitucional são libe- radas dentro do prazo. É o que se pode chamar de “corrupção de prioridades”.7 O Ministério Público não tem se mantido calado diante das ilegalidades muitas vezes cometidas pelo administrador público, buscando a assinatura de termos de ajustamento de condutas – TACs, ou ajuizando ações civis públicas. O Poder Judiciário, em muitos casos, também tem decidido com firmeza, no sentido de assegurar a prioridade constitucional. Lapidar o acórdão da primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, fundamenta- do no princípio da prioridade absoluta, assegurou o direito fundamental à saúde. É ler: DIREITO CONSTITUCIONAL À ABSOLUTA PRIORIDADE NA EFETIVA- ÇÃO DO DIREITO À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA CONSTITUCINAL REPRODUZIDA NOS ARTS. 7º E 11 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMAS DEFINIDORAS DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICAS. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVI- DUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA. 1. Ação civil pública de preceito cominatório de obrigação de fazer, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina tendo em vista a violação do direito à saúde de 6.000 (seis mil) crianças e adolescentes, sujeitas a tratamen- to médico-cirúrgico de forma irregular e deficiente em hospital infantil daque- le Estado. 2. O direito constitucional à absoluta prioridade na efetivação do direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em norma constitucional reproduzi- da nos arts. 7º e 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. (...) 4. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacio- nal, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de res- tarem vâs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à saúde, cum- pre adimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hessem, foi no sentido da erradicação da miséria que assola o país. O direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em regra de normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado. 5. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do princípio da ina- fastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito cor- Andréa Rodrigues Amin 22 7 Expressão utilizada pelo Jornalista Ricardo Boechat em seu programa de rádio. responde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas con- dições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da ação civil pública. 6. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerên- cia do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionarieda- de do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmen- te. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. 7. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigual- dades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação da República, não pode relegar o direito à saúde das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais. 8. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional. 9. (...) 10. (...) 11. (...) 12. O direito do menor à absoluta Prioridade na garantia de sua saúde, insta o Estado a desincumbir-sse do mesmo através da sua rede própria. Deveras, colo- car um menor na fila de espera e atender a outros, é o mesmo que tentar lega- lizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da socieda- de democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de ferir de morte a cláusu- la de defesa da dignidade humana. 13. Recurso especial provido para, reconhecida a legitimidade do Ministério Público, prosseguir no processo até o julgamento do mérito. (STJ – RESP 577836/SC – Rel. Min. Luiz Fux – j. 21/10/04) Buscando efetivar o princípio da prioridade absoluta, a lei previu um rol mínimo de preceitos a serem seguidos buscando tornar real o texto constitucional. Segundo Dalmo de Abreu Dallari8 a enumeração não é exaustiva, não estando, aí, especificadas todas as situações em que deverá ser assegurada a preferência à infância e juventude, nem todas as formas de assegurá-la. Seguindo a mais moderna técnica legisla- Princípios Orientadores do Direito da Criança e do Adolescente 23 8 Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – Comentários Jurídicos e Sociais. São Paulo: Malheiros, 2ª ed., 1996, p. 26. tiva, trata-se de uma norma aberta, com um mínimo legal, mas permissiva de uma inter- pretação ampla a permitir o respeito e aplicação da doutrina da proteção integral.9 A primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias assegurada a crianças e adolescentes é a primeira garantia de prioridade estabelecida no parágrafo único do art. 4º da Lei nº 8.069/90. Havendo uma situação em que haja possibilidade de atender a um adulto ou crian- ças e adolescentes, em idêntica situação de urgência, a opção deverá recair sobre estes últi- mos. Comum assistirmos, até em filmes, equipes de resgates em situações de perigo ou calamidade pública, nas quais primeiro evacuam do local crianças e jovens, depois idosos e por fim os adultos. Apesar de muitas vezes instintivo e natural trata-se, também, do cum- primento da lei. Na prestação de serviços públicos e de relevância pública, crianças e jovens também gozam de primazia. Assim, em uma fila para transplante de órgão, havendo uma criança e um adulto nas mesmas condições, sem que se possa precisar quem corre maior risco de morte, os médicos deverão atender em primeiro lugar a criança. Da mesma maneira, se o Poder Público precisar decidir se oferta vagas em projeto de alfabetização tardia para adul- tos ou de aceleração escolar para adolescentes, não havendo recursos para ambos, deve decidir por este último. Claro que, como toda norma, esta deverá ser aplicada dentro dos limites do razoável. No primeiro exemplo, havendo condições de aferir que o adulto corre risco de morte e a criança tem condições de aguardar na fila o próximo transplante, teremos na balança dois direitos indisponíveis, vida e saúde, que devem ser tutelados com a razoabilidade peculiar na busca da efetividade das normas. Ou seja, por óbvio que o adulto deverá ser transplan- Andréa Rodrigues Amin 24 9 Em 30 de dezembro de 2005 foi promulgada a Lei nº 11.259, publicada no D.O.U. de 02/01/06 acrescentan- do dois parágrafos ao artigo 208 do ECA. A lei assim dispôs: § 1º As hipóteses previs-tas neste artigo não excluem da proteção judicial outros interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos pela Constituição e pela Lei; § 2º A investigação do desaparecimento de crianças ou adolescentes será realizada imediatamente após notificação aos órgãos competentes, que deverão comu- nicar o fato aos portos, aeroportos, polícia Rodoviária e companhias de transporte interestaduais e interna- cionais, fornecendo-lhes todos os dados necessários à identificação do desaparecido. O primeiro parágrafo corrobora a tese de que o rol do artigo 208 não é taxativo, buscando garantir a integralidade dos interesses de crianças e adolescentes. O segundo parágrafo, por sua vez, é um reflexo do princípio da prioridade abso- luta infanto-juvenil. Determina à autoridade policial, que, após notificação dos órgãos competentes, dê iní- cio à investigação de desaparecimento. Afasta-se assim, o prazo moral de 48 horas para registrar e iniciar as investigações quando se tratar de criança e adolescente. Assinale-se que o dispositivo em apreço não expli- cita quem seriam os “órgãos competentes” destinatários da notificação, carecendo o texto de regulamenta- ção. Não se vislumbra pertinência nas atribuições do Conselho Tutelar, Ministério Público, ou mesmo na competência do juízo da infância e juventude receber a notificação e, principalmente, comunicar o fato aos portos, aeroportos, Polícia Rodoviária e companhias de transporte. Tratando-se de medida preventiva, bus- cando auxiliar as investigações e evitar que a criança ou o adolescente se distancie de seu domicílio ou mesmo saia do país, razoável que a própria polícia, através de sua Chefia, efetue a comunicação a todos os órgãos elencados no dispositivo legal. O texto, apesar de sua boa intenção, não se mostra claro sobre os agen- tes diretamente envolvidos, razão pela qual a regulamentação se mostraria salutar. Por fim, vale frisar que, sistematicamente, o parágrafo segundo se mostra “perdido”, isolado, completamente estranho ao objeto do artigo 208. Melhor seria ter acrescentado mais uma alínea ao parágrafo único do artigo 4º do ECA, como aplicação do princípio da prioridade. tado, pois não é licito que por preciosismo e apego à norma se renuncie ao bom senso. Não foi esse o objetivo da lei. A discricionariedade do poder público também estará limitada na formulação e na execução das políticas sociais públicas, pois há determinação legal, em se assegurar prima- zia para políticas públicas destinadas direta ou indiretamente à população infanto-juvenil. Resta claro o caráter preventivo da doutrina da proteção integral em buscar políticas públicas voltadas para a criança, para o adolescente e para a família, sem as quais o texto legal será letra morta, não alcançando efetividade social. Não adianta só resolvermos os problemas “apagando os incêndios”. A prevenção através das políticas públicas é essencial para resguardo dos direitos fundamentais de crianças e jovens. Por fim, a última alínea do parágrafo único do artigo 4º determina a destinação pri- vilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juven- tude, transformando crianças e adolescentes em credores do governo. O exemplo já nos foi dado pelo próprio legislador constituinte que reservou recursos nas três esferas do poder público para manutenção e desenvolvimento do ensino: Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manuten- ção e desenvolvimento do ensino. Assim, na elaboração do projeto de lei orçamentária deverá ser destinado, dentro dos recursos disponíveis, prioridade para promoção dos interesses infanto-juvenis, cabendo ao Ministério Público e demais agentes responsáveis em assegurar o respeito à doutrina da proteção integral fiscalizar o cumprimento da lei e contribuir na sua elaboração. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ECA. Conselho Tutelar. Órgão criado com base na Constituição Federal para dar a seus destinatários especial atenção, cabendo aos municípios dotá-lo de indispensável estrutura com inclusão de proposta orçamentária, na lei orçamentária municipal para cumprir os seus fins. Legitimidade do Ministério Público. A legitimidade do Ministério Público para manejar ação civil é notória e indiscutível e, sem dúvida, cabível o controle pelo Poder Judiciário (da legalidade e constitucionalidade dos atos do Poder Executivo). Antecipação de tutela. Decisão mantida. É induvidoso que não só o art. 227 da CRFB, como o art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, de modo expresso estabelecem regras acerca de garantia dos direitos e deveres para com crianças e jovens, asseguran- do direitos e deveres com prioridade absoluta e de forma integral incluindo-se o uso dos recursos público direcionados para integral atendimento. Assim a decisão agrava- da obriga o agravante a cumprir o que determina a lei, inclusão na proposta orçamen- tária. Recursos com determinação certa, proporcionando o regular funcionamento do Conselho Tutelar. Manutenção da decisão de antecipação de tutela, na mesma linha do entendimento do parecer da Procuradoria de Justiça. Recuso desprovido. (TJRJ – AI 2004.002.09361 – Rel. Des. Ronaldo Rocha Passos – j. 07/06/05) Princípios Orientadores do Direito da Criança e do Adolescente 25 Importante frisar ser de fundamental importância a atuação do Conselho Tutelar que, por força do artigo 136, IX, do ECA deve assessorar o Poder Executivo local na ela- boração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente. É a co-gestão do sistema jurídico infanto-juvenil, com atua- ção preventiva. Com atuação preventiva e planejada o poder público não mais precisará se valer da “velha desculpa” de falta de previsão orçamentária para justificar o constante desrespeito aos direitos de nossas crianças e adolescentes, até porque, o Judiciário já a vem afastando. É ler: Apelação Cível. Constitucional e Processual Civil. Ação com pedido de tutela antecipada contra o Estado do Rio Grande do Sul. Autorização para realização de exame de colonoscopia em paciente que não dispõe de recursos financeiros para tanto. A garantia de saúde pública é dever do Estado, especialmente por ligar-se ao maior de todos os direitos, que é o direito à vida, e também ao princípio da dignida- de humana. O esgotamento da via administrativa não é requisito para a interposição de ação judicial. Alegações de que o orçamento público restaria violado não proce- dem em face da prioridade que merece a saúde. O fato de o art. 196 da CF ser norma programática não isenta o Estado do dever de assegurar saúde, já que mesmo a norma programática tem o condão de gerar diversos efeitos, a serem observados pelos três poderes, especialmente pelo Judiciário, sempre que provocado. Recurso improvido. (Apelação Cível nº 70006721161, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Leila Vani Pandolfo) Constitucional. Direito à saúde. Dever do Estado. Fenilcetonuria. Indisputável a obrigação do Estado em socorrer pacientes pobres da fenilcetonuria eis que a saúde é dever constitucional que lhe cumpre bem adminsitrar. A Constituição, por acaso Lei Maior, é suficiente para constituir a obrigação. Em matéria tão relevante como a saúde descabem disputas menores sobre legislação, muito menos sobre verbas. Questão de prioridade (Mandado de Segurança Nº 592140180, primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Milton dos Santos Martins, j. em 03/09/93). Torna-se oportuno salientar que lei orçamentária não é estanque. Ao revés, possui mecanismos de remanejamento de verbas. No exercício desses mecanismos, por óbvio deverá ser respeitada a opção do legislador constitucional de assegurar sempre prioridade para tutela dos interesses de crianças e adolescentes. O que não se pode admitir, pois foge por completo de todo o razoável, é que o poder público, por exemplo, asfalte ruas, obra já prevista no orçamento aprovado, e não possa construir creche em local carente e sem educação infantil de qualquer espécie, ainda que condenado judicialmente, alegando “ausência de previsão orçamentária”. Não há colidência entre princípios orçamentários e o princípio da prioridade abso- luta, pois, como o próprio nome já o diz, é absoluta, não cabendo qualquer relativização de seu conteúdo. Andréa Rodrigues Amin 26 O que falta é o respeito do nosso administrador público pela Lei Maior, não se fur- tando a descumpri-la, prestando um verdadeiro “desfavor público”. Vontade política é ingrediente fundamental para uma nação justa e democrática. Exigi-la é dever da socieda- de. Forçá-la, é tarefa do Judiciário. 3. Princípio do Melhor Interesse Sua origem histórica está no instituto protetivo do parens patrie do direito anglo- saxônico, pelo qual o Estado outorgava para si a guarda dos indivíduos juridicamente limi- tados – menores e loucos. Segundo Tânia da Silva Pereira,10 no século XVIII o instituto foi cindido separando- se a proteção infantil da do louco e, em 1836, o princípio do melhor interesse foi oficiali- zado pelo sistema jurídico inglês. Com sua importância reconhecida, o best interest foi adotado pela comunidade internacional na Declaração dos Direitos da Criança, em 1959. Por esse motivo já se encontrava presente no artigo 5º do Código de Menores, ainda que sob a égide da doutri- na da situação irregular. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança que adotou a doutrina da proteção integral, reconhecendo direitos fundamentais para a infância e adolescência, incorporada pelo artigo 227 da CF e pela legislação estatutária infanto-juvenil, mudou o paradigma do princípio do melhor interesse da criança. Na vigência do Código de Menores, a aplicação do melhor interesse limitava-se a crianças e adolescentes em situação irregular.11 Agora, com a adoção da doutrina da pro- teção integral, a aplicação do referido princípio ganhou amplitude, aplicando-se a todo público infanto-juvenil, inclusive e principalmente nos litígios de natureza familiar. ECA. GUARDA. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. Nas ações relativas aos direitos de crianças, devem ser considerados primordialmente, os interesses dos infantes. Os princípios da moralidade e impessoalidade devem, pois, ceder ao princí- pio da prioridade absoluta à infância, insculpido no art. 227 da Constituição Federal. Apelo provido. (TJRS – Apelação Cível nº 70008140303 – Rel. Des. Maria Berenice Dias – j. 14/04/04) O BRASIL, AO RATIFICAR A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA, ATRAVÉS DO DECRETO 99.710/90, IMPÔS, ENTRE NÓS, O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA, RESPALDADA POR PRINCÍPIOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS. O que faz com que se respeite Princípios Orientadores do Direito da Criança e do Adolescente 27 10 “O Princípio do Melhor Interesse da Criança: Da Teoria à Prática”. In: A Família na Travessia do Milênio – anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. 11 Vide capítulo 2. no caso concreto a guarda de uma criança de 03 anos de idade, que desde o nasci- mento sempre esteve na companhia do pai e da avó paterna. Não é conveniente, enquanto não definida a guarda na ação principal que haja o deslocamento da crian- ça para a companhia da mãe que, inclusive, é portadora de transtorno bi-polar. Agravo provido. (TJRS – Agravo de Instrumento nº 70000640888 – Rel. Des. Antônio Carlos Stangler Pereira – j. 06/04/00) Trata-se de princípio orientador tanto para o legislador como para o aplicador, deter- minando a primazia das necessidades da criança e do adolescente como critério de inter- pretação da lei, deslinde de conflitos, ou mesmo para elaboração de futuras regras. Assim, na análise do caso concreto, acima de todas as circunstâncias fáticas e jurídi- cas, deve pairar o princípio do melhor interesse, como garantidor do respeito aos direitos fundamentais titularizados por crianças e jovens. Infelizmente, nem sempre a prática corresponde ao objetivo legal. Não raro, profis- sionais, principalmente da área da infância e juventude, esquecem-se que o destinatário final da doutrina protetiva é a criança e o adolescente e não “o pai, a mãe, os avós, tios etc.”. Muitas vezes, apesar de remotíssima a chance de reintegração familiar, porque, por exemplo, a criança está em abandono há anos, as equipes técnicas insistem em buscar um vínculo jurídico despido de afeto. Procura-se uma avó que já declarou não reunir condi- ções de ficar com o neto, ou uma tia materna, que também não procura a criança ou se limita a visitá-la de três em três meses, mendigando-se caridade, amor, afeto. Enquanto perdura essa via crucis, a criança vai se tornando “filha do abrigo”, privada do direito fun- damental à convivência familiar, ainda que não seja sua família consangüínea. Precisamos buscar efetivar a proteção constitucional despidos de preconceitos, prin- cipalmente, de acordo com o exemplo dado, em relação à família substituta. Indispensável que todos os atores da área infanto-juvenil tenham claro para si que o destinatário final de sua atuação é a criança e o adolescente. Para eles é que se tem que tra- balhar. É o direito deles que goza de proteção constitucional em primazia, ainda que coli- dente com o direito da própria família. Importante frisar que não se está diante de um salvo-conduto para, com fundamen- to no best interest ignorar a lei. O julgador não está autorizado, por exemplo, a afastar princípios como o do contraditório ou do devido processo legal, justificando seu agir no melhor interesse. Segundo Canotilho12 os princípios, ao constituírem “exigências de opti- mização”, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à “lógica do tudo ou nada”), consoante seu “peso” e a ponderação de outros princí- pios eventualmente conflitantes (...) em caso de “conflito entre princípios”, estes podem ser objecto de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas “exigências” ou “standards” que, em primeira linha (prima facie), devem ser realizados. Princípio do melhor interesse é, pois, o norte que orienta todos aqueles que se defron- tam com as exigências naturais da infância e juventude. Materializá-lo é dever de todos. Andréa Rodrigues Amin 28 12 Op. cit., p. 1.035. 4. Princípio da Municipalização A Constituição da República descentralizou e ampliou a política assistencial.13 Disciplinou a atribuição concorrente dos entes da federação, resguardando para a União competência para dispor sobre as normas gerais e coordenação de programas assis- tenciais.14 Seguindo os sistemas de gestão contemporâneos, fundados na descentralização admi- nistrativa, o legislador constituinte reservou a execução dos programas de política assisten- cial à esfera estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social. A co-gestão da política assistencial acaba por envolver todos os agentes que, por serem partícipes, se responsabilizam com maior afinco em sua implementação e busca por resultados. Acrescente-se que é mais simples fiscalizar a implementação e cumprimento das metas determinadas nos programas se o poder público estiver próximo, até porque reúne melhores condições de cuidar das adaptações necessárias à realidade local. Aqui está o importante papel dos municípios na realização das políticas publicas de abrangência social. A Lei nº 8.069/90 incorporou a modernidade e lógica desse pensamento, seguindo a determinação do § 7º do artigo 227, da Carta Constitucional. Segundo Leoberto Narciso Brancher15 a mobilização da cidadania em torno da Constituição conseguiu romper com aquele ciclo concentrador e filantropista, também no que se refere ao modelo de organização e gestão das políticas públicas voltadas ao assegura- mento desses direitos.(...) Concentração que se dava não só verticalmente, na distribuição das competências entre as esferas de governo, com exclusão do papel municipal, mas tam- bém horizontalmente, no que se refere ao papel dos próprios atores do atendimento em âmbito local, onde o modelo se concentrava monoliticamente na autoridade judiciária. A relevância do poder público local na legislação estatutária é facilmente verificá- vel. O artigo 88 elenca as diretrizes da política de atendimento determinando sua muni- cipalização, criação de conselhos municipais dos direitos da criança, criação e manuten- ção de programas de atendimento com observância da descentralização político-admi- nistrativa.16-117 Seguindo a determinação legal, o SINASE delega o acompanhamento das medidas de liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade para os municípios, descentrali- zando a execução das medidas. A municipalização, seja na formulação de políticas locais, através do CMDCA, seja solucionando seus conflitos mais simples e resguardando diretamente os direitos funda- mentais infanto-juvenis, por sua própria gente, escolhida para integrar o Conselho Tutelar, Princípios Orientadores do Direito da Criança e do Adolescente 29 13 Arts. 203 e 204. 14 Cabe ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente elaborar as normas gerais de política nacional de atendimento dos direitos infanto-juvenis (Lei nº 8.242/91). 15 Op. cit., p. 125 16 Vide capítulo sobre política de atendimento. 17 Temos ainda como exemplos: arts. 59, 74, 210, II, 214. seja, por fim, pela rede de atendimento formada pelo poder público, agências sociais e ONGS, busca alcançar eficiência e eficácia na prática da doutrina da proteção integral. Risco social ou familiar em que se encontram crianças e adolescentes são mazelas produzidas pelo meio onde vivem. Cabe, portanto, ao meio resolvê-las e, principalmente, evitá-las. Mutatis mutandi é o mesmo princípio da responsabilidade civil: aquele que causa o dano deve repará-lo. Contudo, se mostra indispensável tornar a municipalização real, exigindo que cada município instale seus conselhos – sendo essencial, nesse aspecto, a atuação do Ministério Público –, fiscalizando a elaboração da lei orçamentária, para que seja assegurada a priori- dade nos programas sociais e a destinação de recursos para programações, culturais, espor- tivas e de lazer, voltadas para a infância e juventude (art. 59), estabelecendo convênios e parcerias com o terceiro setor. Referências Bibliográficas ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – Da Definição à Aplicação dos Princípios jurí- dicos. São Paulo: Malheiros, 4ª edição, 2005. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: Saraiva, 1998. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – Comentários Jurídicos e Sociais. São Paulo: Malheiros, 1996. A Família na Travessia do Milênio – Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Belo Horizonte, 2000. Andréa Rodrigues Amin 30 Dos Direitos Fundamentais Andréa Rodrigues Amin 1. Considerações Gerais Segundo J. J. Gomes Canotilho1 direittos fundaamenttaais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente (...) direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta. São direitos inatos ao ser humano, mas variáveis ao longo da história. Estão atual- mente previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão2 e presen- tes nos Estados Democráticos de Direito. São direitos que se opõem ao Estado, limitando e condicionando sua atuação. Norberto Bobbio3 distingue três fases no desenvolvimento dos direitos do homem: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direi- tos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados direitos políticos, os quais – concebendo a liberdade não apenas negativa- mente, como não-impedimento, mas positivamente, como autonomia – tiveram como conseqüência a participação cada vez mais ampla, generalizada e freqüente dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado); finalmente, foram procla- mados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências – pode- mos dizer, de novos valores – como o bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do Estado. O Brasil tem na proteção dos direitos humanos um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Ao longo do texto constitucional, principalmente em seu artigo 5º, previu e garantiu direitos fundamentais. No que tange a crianças e adolescentes, o legislador constituinte particularizou den- tre os direitos fundamentais, aqueles que se mostram indispensáveis à formação do indiví- duo ainda em desenvolvimento, elencando-os no caput do artigo 227. São eles: direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à digni- dade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar. O presente capítulo tem por objeto a análise de cada um deles. 2. Direito à Vida Segundo Jorge Biscaia, citado por Gustavo Ferraz de Campos Monarco4 vida é um bem limitado no tempo (que é) vivida em cada momento como realidade cuja grandeza depende mais da qualidade do que da temporariedade. 31 1 Op. cit., p. 359. 2 Aprovada em 10 de dezembro de 1948, na Assembléia Geral das Nações Unidas, por 48 Estados. 3 A Era dos Direitos – 4ª Reimpressão. Campus, p. 33. 4 A Proteção da Criança no Cenário Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 216. Trata-se de direito fundamental homogêneo considerado como o mais elementar e absoluto dos direitos, pois indispensável para o exercício de todos os demais. Não se con- funde com sobrevivência, pois no atual estágio evolutivo, implica no reconhecimento do direito de viver com dignidade, direito de viver bem, desde o momento da formação do ser humano. Para José Afonso da Silva5 a palavra dignidade é empregada seja como uma forma de comportar-se, seja como atributo intrínseco da pessoa humana, nesse último caso, como um valor de todo ser racional. É valor supremo que fundamenta nossa atual ordem jurídi- ca e implica no reconhecimento de direitos indispensáveis para realização do ser humano. Exemplificando de forma singela, se um adolescente estiver à beira da morte, deve- se buscar, minimamente, assegurar os recursos para tentar mantê-lo vivo, ou se inevitável a morte precoce, que, ao menos, seja digna, com tratamento e apoio. Ainda, se estivermos diante de uma criança sem as duas pernas, é indigno que se arraste pelo chão a fim de se locomover. Cabe aos atores da rede protetiva6 assegurar dignidade nessa forma de viver, providenciando uma cadeira de rodas, eventual cirurgia para colocação de prótese, trans- porte escolar e todo o necessário para resguardar o sadio desenvolvimento da criança. 3. Direito à Saúde Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, não apenas ausência de doenças. Trata-se de direito fundamental homogêneo, mas com certo grau de especificidade em relação à saúde adulta. Por esse motivo, Martha de Toledo Machado afirma que cons- titui direito fundamental especial de crianças e adolescentes.7 No sistema de garantias do ECA cabe à família, comunidade e poder público assegu- rar esse direito fundamental estreitamente vinculado ao direito à vida. Cabem aos pais, como dever inerente ao poder familiar, cuidar do bem-estar físico e mental dos filhos, levando-os regularmente ao médico, principalmente na primeira infân- cia, fase em que a saúde é mais frágil e inspira maiores cuidados, manter a vacinação em dia e, principalmente, se manterem atentos aos filhos. A atenção a eles dispensada talvez seja a principal garantia de uma vida saudável. No aspecto psíquico por certo é, já que os filhos acolhidos, amados e ouvidos, terão menor probabilidade de sofrerem abalos psicológicos. Quanto ao aspecto físico ficar atento à mudanças comportamentais e queixas dos filhos é medida salutar. Via de regra, ninguém melhor que os pais para identificar se há algo errado com os filhos e ao primeiro sinal já buscar atendimento adequado. Mas a garantia da saúde não envolve apenas cuidados médicos. A saúde pela alimen- tação é uma realidade. Promover uma nutrição adequada significa prevenir doenças decorrentes de desnutrição, carência de algum nutriente ou obesidade infantil, hoje, um Andréa Rodrigues Amin 32 5 Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 92. 6 Família, comunidade, sociedade e poder público. 7 A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. São Paulo: Manole, 2003, p. 193. dos grandes males da infância. É notório que os Estados Unidos da América lutam contra a obesidade de sua população – não apenas infanto-juvenil – que ostenta taxas de 20% de obesidade mórbida e 40% de obesos. No Brasil, já se nota a preocupação com o tema. As escolas públicas e particulares das cidades mais desenvolvidas adotam cardápio elaborado por nutricionistas e já incluíram no conteúdo curricular noções básicas de nutrição. Se a família não reúne condições de alimentar adequadamente a prole – muitas vezes numerosa – cabe ao poder público elaborar políticas sociais executáveis através de programas garantidores de renda mínima. Programas como Fome Zero e Bolsa Família podem ser citados como exemplos. Encaminhar as famílias aos programas é também fun- ção da comunidade, através dos Conselhos Tutelares que cotidianamente se deparam com a pobreza e miséria. A ausência de programas públicos na área de saúde envolve a atuação direta do Ministério Público e da comunidade através da coleta de dados, verificação da real neces- sidade e provocação do poder público para atender à demanda social. Caso a atuação extra- judicial do Parquet não surta o efeito esperado, a via judicial será o único caminho na tute- la dos direitos fundamentais de crianças e jovens.8 Com a atual Carta Constitucional a prestação de serviços de saúde ficou a cargo do SUS – Sistema Único de Saúde, seguindo as premissas do artigo 198 (descentralização, atendi- mento integral com prioridade para atividades preventivas e participação da comunidade). Compete ao SUS as atribuições elencadas no artigo 200, merecendo destaque o inciso IV que trata da participação na formulação da política e execução das ações de saneamento básico. O alcance da saúde envolve uma análise complexa de fatores que contribuem para o aumento de doenças, perda ou diminuição da saúde e encarecimento do sistema. A ausên- cia de saneamento básico conduz a um quadro propício à proliferação de inúmeras doen- ças. A participação do SUS na formulação de políticas para a área é forma de atuar preven- tiva ou mesmo buscar diminuir índices de acordo com os dados do sistema sobre doenças diretamente ligadas à ausência de saneamento e água tratada. Mas não só. Pensando em atuação preventiva, prioridade no sistema SUS – pelo menos de acordo com o mandamento constitucional – caberia também participação em diversos outros setores da administração, inclusive em áreas que, aparentemente, se mos- tram estranhas. Por exemplo, com os dados do SUS sobre atendimento às vítimas de aci- dente de trânsito poderia ser analisado pelo Ministério dos Transportes em qual estrada federal há maior número de acidentes e se a causa é a má conservação. O resultado pode- ria levar o governo a decidir qual a estrada que deveria, prioritariamente, receber recur- sos para obras. Indiretamente, atingiria o sistema de saúde, diminuindo seu custo com emergências e permitindo mais e mais atuação preventiva. 3.1. Nascituro e Atendimento à Gestante O Estatuto da Criança e do Adolescente buscou tutelar crianças e jovens em suas diversas fases de vida, inclusive a uterina. O Código Civil no artigo 2º manteve a já tradi- Dos Direitos Fundamentais 33 8 Vide capítulo sobre Ministério Público e Ação Civil Pública. cional corrente natalista, que apenas reconhece o início da personalidade civil a partir do nascimento com vida,9 mas sendo o nascituro10 um ser em expectativa, o início de uma vida, resguarda seus direitos desde a concepção.11 Apesar da atualidade cronológica do Código Civil de 2002, a nova lei se mostra dis- tante do significado atual do nosso sistema jurídico. A garantia do patrimônio era o fim almejado no antigo código, considerado durante vasto tempo como a constituição do direi- to privado. Essa designação foi se mostrando desgastada diante da crescente legislação especial que melhor atendia às necessidades da sociedade moderna. A chamada “crise do direito civil” levou o direito comum a buscar sua unidade na Constituição da República, fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico. Esse movimento foi batizado de constitucionalização do direito civil, cujo principal reflexo foi a mudança de paradigma substituindo-se o tradicional individualismo patrimonialista pela função social do sistema, fundada na dignidade da pessoa humana. Salvaguardar interesses do nascituro, sem lhe conferir personalidade é limitar sua tutela aos direitos de ordem patrimonial, sem lhe asse- gurar durante sua vida intra-uterina a gama de direitos formadora dos direitos da perso- nalidade que hoje refletem a dignidade preconizada na Carta Constitucional. Para Cristiano Chaves de Farias12 o valor da pessoa humana, que reveste todo o orde- namento brasileiro, é estendido a todos os seres humanos, sejam nascidos ou estando em desenvolvimento no útero materno. Perceber essa assertiva significa, em plano principal, respeitar o ser humano em toda a sua plenitude (...) A toda evidência, a cláusula constitu- cional de proteção à vida humana não poderia se limitar a proteger os que já nasceram. Importante lembrar que vários dispositivos legais que dispõem sobre direitos do nas- cituro respeitam à sua pessoa. Ora, não podemos pensar em pessoa despida de personali- dade. Nesse sentido os artigos 124/126 do Código Penal ao vedar práticas abortivas como violadoras do direito à vida, ressalvando-se apenas os casos do artigo 128. A doutrina ainda aponta outros exemplos previstos no Código Civil, como os arts. 1609, parágrafo único que trata do reconhecimento da filiação do nascituro; 1.779, que trata da nomeação de curador ao nascituro; 542, permitindo ao nascituro ser donatário e 1.798, que trata da legitimidade sucessória do nascituro. Andréa Rodrigues Amin 34 9 Entenda-se aqui “nascer com vida” como respirar, independente da criança estar unida à mãe pelo cordão umbilical. 10 Nascituro é o ser já concebido, mas não nascido, ainda no ventre materno. Não confundir com concepturo que é terminologia utilizada para prole eventual. 11 São três as correntes doutrinárias que tratam da personalidade do nascituro. A primeira corrente é a nata- lista, adotada pelo CC/16 e pelo atual código civil,acima explicada. Segundo os natalistas o nascituro tem expectativa de direitos. São adeptos dessa primeira corrente: Paulo Carneiro Maia, Silvio Rodrigues, João Luiz Alves, Eduardo Espínola. A segunda corrente adota a teoria da personalidade condicional. O nascitu- ro tem personalidade desde a concepção, mas a aquisição de direitos fica subordinada à condição de que o feto venha a nascer com vida. São, portanto, direitos sujeitos a condição suspensiva. Nesse sentido Washington de Barros Monteiro, Miguel Maria de Serpa Lopes, Gastão Grossé Saraiva. A terceira corrente é adepta da teoria concepcionista. É reconhecida personalidade civil ao nascituro desde a concepção, sendo condicional apenas a aquisição de direitos patrimoniais. Nesse sentido Teixeira de Freitas, Francisco dos Santos Amaral, R. Limongi França. 12 Direito Civil – Teoria Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 183. Acrescente-se que o Brasil é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos,13 mais conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, documento interna- cional que em seu texto reconhece o direito do nascituro à vida. É ler: Artigo 4º – Direito à vida 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser prote- gido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser priva- do da vida arbitrariamente. As conseqüências de se adotar a teoria concepcionista são relevantes, pois lhe confe- rir personalidade significa considerá-lo titular de direitos da personalidade inerentes à sua condição. Nessa linha de raciocínio admissível o ajuizamento, pelo nascituro, de ação de investigação de paternidade ou ação fundada na responsabilidade civil se direito da perso- nalidade foi atingido ou ainda ação de alimentos, deveras importante durante a gestação. Em resumo, a despeito da redação do artigo 2º do Código Civil, nos parece que o sis- tema jurídico atual fundado no reconhecimento da dignidade do ser humano como valor fundamental, recepciona o dispositivo legal como enunciador da doutrina concepcionista. Uma, porque em sua parte final, reconhece direitos ao nascituro, e direitos só podem ser titularizados por quem detém personalidade. Ainda que se fale em direitos condicionados ao nascimento com vida, são direitos, e, portanto, titularizados por quem tem personali- dade civil. Duas, porque de acordo com a emenda constitucional 45 tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados por três quintos dos votos dos membros do Congresso Nacional, em dois turnos, serão equivalentes à emendas constitucionais. Por fim, é a corrente que se coaduna e encontra fundamento de validade na Lei Maior. O Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece direitos que devem ser exercidos mesmo antes do nascimento. Não bastaria, e até atentaria contra a integralidade da prote- ção infanto-juvenil, assegurar saúde e vida a crianças e adolescentes destinatários da norma estatutária sem reconhecer a importância da boa formação do feto, para garantia de uma vida saudável após o nascimento. Seria o mesmo que “cobrir a cabeça e descobrir os pés”. Assim, os artigos 7º e 8º da Lei nº 8.069/90, elencam como direito fundamental de crianças e adolescentes proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condi- ções dignas de existência. A efetividade desse direito, passa, por óbvio, pelo atendimento à gestante, pré e perinatal, inclusive propiciando apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem. O monitoramento da saúde da gestante e do feto durante a gestação é imprescindí- vel para assegurar saúde pós-parto. É sabido que a desnutrição ou carência alimentar durante a fase gestacional pode comprometer a boa formação da criança, o mesmo se podendo falar sobre o consumo de álcool, cigarro e entorpecentes. O acompanhamento Dos Direitos Fundamentais 35 13 O Brasil promulgou o texto da Convenção Interamericana através do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. médico diagnosticará os casos que deverão ser encaminhados a programa de saúde nutri- cional, ou a atendimento para drogaditos. Havendo recusa da gestante em se submeter a qualquer medida necessária para assegurar vida e saúde do feto, direitos indisponíveis, o médico comunicará o fato ao Conselho Tutelar para providências.14 A inclusão em programa de saúde voltado para nutrição não impede o ajuizamento, pelo nascituro, representado pela genitora, de ação de alimentos contra o genitor, cumu- lada, ou não, com investigação de paternidade. Agravo de Instrumento. Alimentos provisórios. Despesas com nascituro. As despesas pré-natais com o nascituro podem sustentar a fixação de alimentos provisó- rios. Prova dos autos. A prova dos autos, em seu conjunto, afirmam a certeza do des- pacho judicial, não só quanto à condenação como ao valor fixado. Agravo improvi- do (Agravo de Instrumento nº 596067629, Câmara de Férias Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, j. 17/07/96). Investigação de paternidade. Alimentos provisórios em favor do nascituro. Possibilidade. Adequação do quaanttum. 1. Não pairando dúvida acerca do envolvi- mento sexual entretido pela gestante com o investigado, nem sobre exclusividade desse relacionamento, e havendo necessidade da gestante, justifica-se a concessão de alimentos em favor do nascituro. 2. Sendo o investigado casado e estando também sua esposa grávida, a pensão alimentícia deve ser fixada tendo em vista as necessida- des do alimentando, mas dentro da capacidade econômica do alimentante, isto é, focalizando tanto os seus ganhos como também os encargos que possui. Recurso pro- vido em parte (Agravo de Instrumento nº 70006429096, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 13/08/03). A questão foi simplicada com a Lei nº 11.804, de 05.11.2008, que disciplinou o direi- to de alimentos à mulher gestante, bem como sua forma de efetivação. A finalidade da norma é clara: tutelar o direito à vida e à saúde do nascituro desde a sua concepção. Trata-se de mais uma ferramenta do sistema de garantias cujo paradigma é a doutrina da proteção integral. Em uma sociedade cujo pilar constitucional é o princípio da dignida- de da pessoa humana, não se mostrava mais razoável, ou mesmo tolerável, que um ser humano já concebido, mas em risco social ainda na sua formação gestacional, ficasse desam- parado e no agurado do seu nascimento para, só então, ser considerado como pessoa. A questão da legitimidade ativa do nascituro para a ação de alimentos – considerada por muitos empecilho para a concessão do direito – foi superada. A mulher gestante tem a legitimidade para requer a concessão dos alimentos gravídicos, cuja amplitude, pela espe- cificidade, é maior que dos alimentos regra, previstos no artigo 1.694 do Código Civil. Andréa Rodrigues Amin 36 14 No caso, o Conselho Tutelar poderá desde logo adotar uma das medidas pertinentes aos pais ou responsá- veis previstas no artigo 129 do ECA. Caso descumprida a medida, o Conselho Tutelar apresentará o caso ao Ministério Público, que providenciará as medidas acautelatórias necessárias. Por exemplo, internação da gestante, suspensão do poder familiar e nomeação de curador, sem prejuízo de eventual representação. De acordo com o artigo 2º da Lei nº 11.804/08, “os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gra- videz e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a ali- mentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes”. Tratando-se os alimentos de dever comum aos pais, seu valor será, proporcional- mente, dividido por ambos, levando-se em linha de conta a condição social e os recur- sos de cada um. Segundo Marklea de Cunha Ferst,15 “o juiz deverá pautar-se, todavia, ao decidir o pedido de alimentos gravídicos, também, na condição social do alimentante, uma vez que o art. 1.694 do CC fala em alimentos necessários para viver de modo compatível com a sua condição social. Assim, pode incluir nos alimentos despesas com cuidados adicionais, que, embora não indispensáveis, contribuem para saúde da gestante, e, consequentemente, do nascitu- ro, tais como a realização de atividades físicas como hidroginástica, yoga, etc. Se a gestante possuir palno de assistência médica particular, é razoável que o reque- rido contribua, com no mínimo, 50% da mensalidade do plano de saúde”. Por se aplicar supletivamente aos alimentos gravídicos a Lei nº 5.478/68 e o CPC, cabe ao juiz, ao receber a petição inicial, fixar liminarmente os alimentos, se convencido da existência de indícios da parternidade imputada ao réu. A este é concedido o prazo de 5 (cinco) dias para apresentar defesa e, caso mantida a decisão liminar, os alimentos gra- vídicos deverão ser pagos até o nascimento da criança. Após, será convertido em pensão alimentícia em favor do infante, assim devendo ser mantido enquanto qualquer das partes não requerer sua revisão. Questão sempre suscitada ao se discutir os alimentos gravídicos respeita à irrepetibi- lidade dos valores pagos a título de alimentos, na hipótese de a parternidade não se con- firmar. Por certo que os alimentos não serão devolvidos, pois irrepetíveis. Contudo, duas soluções mostram-se viáveis para evitar maior prejuízo para o alimentante. A primeira delas, fundada na comprovação de que a genitora praticara ilícitou civil ao imputar, levianamente, ao réu uma falsa paternidade. Nos termos do artigo 927 do CC, estaria obrigada a reparar o dano. Ainda que juridicamente plausível, a solução, se adotada, deverá sê-lo com muita cautela, temperando-se o direito de acesso à justiça com o legítimo dever de reparar o dano decorrente da prática de ilícito, para que o receio de eventual demanda ressarcitória não coloque em risco o direito do nascituro e a própria finalidade da Lei nº 11.804/08. A segunda solução apresenta-se mais segura para os direitos do nascituro. Funda-se no art. 305 do Código Civil, que assegura ao terceiro interessado que paga em nome pró- prio dívida alheia direito ao reembolso dos valores. Na hipótese, a demanda ressarcitória deverá ser ajuizada contra o verdadeiro genitor, a quem cabe o sustento do filho. Dos Direitos Fundamentais 37 15 Ferst, Marklea da Cunha. Alimentos & Ação de Alimentos – Manual do Operador do Direito. Curitiba: Juruá Editora, 2009, p. 60. Quanto ao momento do parto, sendo possível, a parturiente será atendida pelo pro- fissional que a acompanhou durante o pré-natal.16 A medida é salutar, pois o profissional tem ciência de todo o quadro clínico gestacional e pode diagnosticar com maior rapidez qualquer complicação que possa pôr em risco a sobrevivência da criança e da mãe. No Brasil, foi firmado o Pacto Nacional Pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal e, buscando também diminuir os índices de mortalidade, o Ministério da Saúde lançou o Programa de Humanização do Parto – Humanização do Pré-Natal e do Nascimento. Trata-se de um conjunto de princípios a serem observados pelo profissional de saúde no atendimento à gestante com dignidade.17 Seguindo a mesma linha, a Lei nº 12.010, de 29 de julho de 2009, acrescentou dois novos parágrafos ao artigo 8º do ECA, a saber: § 4º Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as conseqüências do estado puerperal. § 5º A assistência referida no § 4º deste artigo deverá ser também prestada a gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção. A maternidade tem sido, há muito, romantizada como um “estado de graça” na vida da mulher. Para muitas, realmente o é. Para outras, não. Enquanto algumas gestações ocorrem de forma muito tranqüila, na qual a saúde física e psíquica da mulher não sofre sobressaltos, outras transcorrem com inúmeras dúvidas, incertezas, sentimentos dúbios, que levam a gravidez a ser uma angústia. Problemas de ordem financeira, gestações anteriores, maternidade solitária, gravidez indesejada, filhos já renunciados e entregues à adoção, sentimento de incapacidade para criação, cobranças e críticas da sociedade que recaem sobre a mãe são apenas alguns dos problemas que fragilizam a mulher, levando-a a tomar atitudes impensadas, com prejuízo e risco para a prole e para si, como abortos malsucedidos, que poderão conduzi-la a futu- ro arrependimento. Não raro nos deparamos com notícias sobre crianças recém-natas abandonadas no lixo, nas ruas, em terrenos baldios, lagoas, enfim, deixadas à sua própria sorte. A socieda- de se revolta, crucifica a mãe, comenta o caso por alguns dias e depois o esquece. A causa não é analisada, ou alguns profissionais são entrevistados e, depois, tudo se apaga até a pró- xima “atrocidade materna de abandono”. São esses alguns dos casos que os novos parágrafos introduzidos no art. 8º pretendem evitar. Amparar a gestante, física e psicologicamente durante o período gestacional e logo Andréa Rodrigues Amin 38 16 § 2º do art. 8º da Lei nº 8.069/90. 17 À guisa de exemplo, durante o pré-natal a gestante deve ser recebida com dignidade, recebendo as infor- mações necessárias para o parto, informações sobre saúde do bebê, com direito a seis consultas de pré-natal e aos exames necessários para assegurar a saúde pessoal e do feto. O Programa busca ainda o resgate da natu- ralidade do parto, com preferência para métodos menos intervencionistas e invasivos. No puerpério, a mãe recebe informações sobre planejamento familiar e maternidade responsável. após, durante o puerpério, são medidas salutares e necessárias, inclusive para mostrar-lhe de forma clara as opções que se abrem a partir do nascimento da criança. Se as dificuldades são de ordem social, o encaminhamento para o SUAS pode bastar. Se as dúvidas são em relação à capacidade de criar o filho, não raro sozinha, o acompanha- mento e “capacitação” da mãe podem se mostrar suficientes. Mas, se apesar dos esforços das equipes de apoio das unidades de saúde e da rede social a genitora se mantiver firme no propósito de entregar o filho em adoção, todo o processo e as conseqüências de sua decisão deverão lhe ser passadas, propiciando uma manifestação de vontade consciente. Assim, a criança estará a salvo de eventual situação de risco – típica do abandono –, a mãe ficará mais distante dos assédios sobre seu filho, sua intimidade e direito de escolha serão respeitados e estará amparada pelos órgãos de saúde e pela rede social.18 A política preventiva na área de saúde também tem levado à promulgação de leis buscando diagnósticos precoces. O chamado Teste do Pezinho, obrigatório para todas as crianças, identifica cerca de 15 doenças cujo tratamento rapidamente iniciado tem alcan- çado bons resultados. No Estado do Rio de Janeiro, foi promulgada em 05 de setembro de 2002 a Lei nº 3.331, que estabelece a obrigatoriedade da realização de exames de identifi- cação de catarata congênita nos recém-nascidos, permitindo que em 30 dias da positiva- ção do exame seja realizada cirurgia.19 No pós-parto, o recém-nato e a mãe têm direito ao aleitamento materno, medida econômica e profilática, que imuniza o bebê quanto a um considerável número de doen- ças, assegurando o início de uma vida saudável. Ademais, fortalece os vínculos afetivos entre a mãe e o bebê principalmente em fase de grande fragilidade da mulher. Não haven- do condições clínicas de aleitamento, caberá ao Poder Público garantir ao recém-nato leite materno através dos bancos de leite. No Estado do Rio de janeiro, encontra-se em vigor, desde 10 de janeiro de 2006, a Lei nº 4.700, que cria para o Poder Executivo Estadual a obrigação de fornecer leite em pó para crianças nascidas de mães portadoras do vírus HIV, no mínimo durante os dois pri- meiros anos de vida do bebê, e para mães doentes de AIDS, desde que ambos carentes. Mesmo mães submetidas à medida privativa de liberdade têm assegurado na lei (art. 9º do ECA) o direito de amamentar seu filho. A dívida social a ser paga não pode afastar a proteção integral à criança. Durante a internação pós-parto, deve ser assegurado ao neonato alojamento conjun- to no qual possa permanecer em companhia da mãe (art. 10, V, do ECA). A medida refor- Dos Direitos Fundamentais 39 18 A Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal já adota um procedimento de acompanhamento da ges- tante, acionando as políticas públicas de suporte, como atendimento pré-natal e psicológico, prestando-lhe ainda os esclarecimentos sobre adoção. Segundo o Juiz Renato Rodovalho Scussel, titular da 1ª Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal, “as gestantes atendidas têm a possibilidade de fazer uma releitura do ato de entrega da criança quando este se configurar o mais indicado à situação. Ou seja, a gestante passa a perceber que ao optar pela entrega consciente e responsável do recém-nascido à Justiça, ao invés de aven- turar-se numa tentativa de aborto clandestino, de abandono, de infanticídio ou de comércio de criança, ela passa a interpretar seu ato como demonstração de afeto e respeito aos direitos do filho. (...) Isso contribui- rá para a saudável elaboração do luto pela entrega da criança”. Boletim IBDFAM nº 56. 19 Assim, se dá efetividade ao disposto no inciso III do artigo 10 do ECA. ça os laços de afeto entre mãe e filho, permitindo desde logo que aquela já exercite a maternidade e ainda facilita o aleitamento. Medidas que asseguram a identificação do recém-nato que traçam um histórico do parto e de todo o pré-natal também foram previstas no artigo 10 do Estatuto. É ler: Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestan- tes, públicos e particulares, são obrigados a: I – manter o registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários indi- viduais, pelo prazo de dezoito anos; II – identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente; (...) III. fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as inter- corrências do parto e do desenvolvimento do neonato. O direito à identidade é um direito da personalidade e a imediata identificação do recém-nato é medida acautelatória que visa assegurar aquele direito. Em alguns casos, as mães já saem da maternidade com o registro de nascimento do filho.20 É uma feliz solu- ção para que consigamos, a médio prazo, diminuir o número de pessoas que não têm qual- quer documento de identificação, a quem, não raro, se nega cidadania. O registro dos prontuários e a obrigatoriedade de se declarar com o nascimento as intercorrências do parto são medidas preventivas que têm por fim facilitar o diagnóstico de futuras doenças do recém-nascido que possam guardar relação com o parto ou mesmo período gestacional. 3.2. Saúde de Crianças e Jovens O artigo 11 da Lei nº 8.069/90 assegura atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.21 Saúde compreende sanidade física e mental. Alcançá-la é formalmente direito de toda criança e adolescente, aplicação do princípio da igualdade. Na prática, a enorme desi- gualdade social presente em nosso país também resvala no campo da saúde, seja preventi- va, clínica ou emergencial. A crise econômica e social impede o acesso à moradia digna, com água tratada e saneamento básico, acesso à boa alimentação e às informações mínimas quanto a higiene, nutrição, cuidados mínimos de saúde. O reflexo é facilmente visto nas enormes filas dos hospitais públicos que já não dão conta de toda a demanda. Enquanto isso, crianças e Andréa Rodrigues Amin 40 20 Depende de acordo firmado com a Corregedoria Geral de Justiça do Estado. 21 Redação de acordo com a Lei nº 11.185, de 07 de outubro de 2005. jovens de classe média e alta não padecem da mesma aflição. Formalmente iguais, mas materialmente desiguais. O esforço do Poder Público e da própria sociedade ao exigir uma mudança no qua- dro se mostra indispensável para alterarmos essa realidade, mas se trata de política de médio e longo prazo. E a curto prazo, o que fazer? Buscar melhores resultados através de políticas preven- tivas. Campanhas nacionais e regionais de vacinação, sempre atualizadas com as novas vacinas postas no mercado, programas educativos sobre saúde bucal e gravidez precoce são exemplos de medidas preventivas que, se realizadas com seriedade e atenção às peculiari- dades de cada região, apresentam bons resultados. Praticamente acabamos com os casos de poliomielite no Brasil, o que demonstra que a erradicação de doenças ou pelo menos sua diminuição é possível de ser alcançada. A saúde mental nunca foi objeto de grande preocupação de nossas autoridades ou mesmo da nossa sociedade. Não falo aqui, especificamente, das doenças mentais, mas as enfermidades psicológicas. Crianças e jovens vítimas de abusos, sexuais, físicos e psicoló- gicos curavam suas próprias feridas – quando o conseguiam –, pois não raro seus próprios pais entendiam desnecessário o apoio psicológico, já que “seu filho não era louco”. Hoje, não podemos conceber dignidade da pessoa humana sem pensarmos na prote- ção do ser humano de forma integral: integridade física, psíquica e intelectual. No campo infanto-juvenil, inconcebível não concedermos acesso a tratamento psi- cológico, sob pena de negarmos aplicação prática à doutrina da proteção integral. Infelizmente, quando a rede pública oferece esse tipo de tratamento, não consegue dar conta da demanda. Na prática, a rede protetiva tem, indiretamente, oferecido o apoio psicológico atra- vés de programas que, por via reflexa, tratam da saúde psíquica da criança e do adolescen- te. Programas como NACA – Núcleo de Atendimento à Criança e Adolescente e SENTI- NELA, hoje inserido no CREAS, cujo objetivo é identificar casos de abuso e desrespeito aos direitos infanto-juvenis, têm se valido de suas equipes técnicas (assistentes sociais e psicólogos) para ofertar apoio a crianças, jovens e famílias. ONG’S também têm prestado esse serviço, mas de forma ainda incipiente diante da crescente demanda. Outro problema que aflige os grandes centros urbanos é a drogadição. O aumento do consumo de drogas lícitas (álcool e remédios) e ilícitas, com destaque para o CRACK – droga barata e devastadora – é alarmante entre crianças, adolescentes e jovens. Segundo pesquisas recentes, 100% das crianças e adolescentes em situação de rua são usários de alguma droga. Fome, frio, medo, dramas são esquecidos pelo efeito enebriante e fugaz da droga que, perversamente, exige doses cada vez mais altas para retribuir com o tão dese- jado e efêmero conforto. A Reforma Psiquátrica no Brasil teve por escopo afastar as práticas de isolamento, terapias repressoras e desumanas que marcaram, ao longo dos anos, a assistência psiquiá- trica no país. Segundo JOELMA DE SOUSA CORREIA, “a reforma tem se orientado pela transfor- mação nas relações cotidianas entre trabalhadores de saúde mental, usuários, famílias, comunidade e serviços, em busca da desinstitucionalização e da humanização nas relações. Propõe-se o fechamento dos hospícios (substituição por outros serviços), a redução grada- Dos Direitos Fundamentais 41 tiva de leitos, a municipalização dos serviços, o questionamento das admissões involuntá- rias, a vigilância, avaliação e acompanhamento das ações pelas comissões locais de saúde. Os aspectos principais da Reforma Psiquiátrica no Brasil, caracterizada nas novas leis operacionais do SUS (Sistema Único de Saúde), priorizam a municipalização, a criação de equipes de saúde necessariamente multiprofissionais e assessoria de familiares e usuários (não mais loucos ou pacientes) como auxiliares no acompanhamento e vigilância do novo modelo assistencial”.22 O atendimento aos usuários é prestado principalmente nos CAPS – Centro de Atenção Psicossocial – serviços especializados em saúde mental, com três níveis de aten- dimento: intensivo (diário), semi-intensivo (duas a três vezes por semana) e não intensivo (até três vezes por mês). Crianças e adolescentes têm atendimento especializado no CAPSi e drogaditos (maiores e menores) no CAPSad. O número de hospitais psiquiátricos diminuiu, abrindo-se vagas psiquiátricas em hospitais gerais – a maioria apenas com emergência psiquiátrica, ou seja, 72 horas de inter- nação – e hospitais-dia. Questão corrente no dia a dia dos profissionais da área infanto-juvenil respeita à dificuldade de convencimento de crianças e adolescentes em estágio avançado de droga- dição submeterem-se a tratamento. A grande maioria afirma que deseja largar o vício, mas parece não reunir forças para vencer o martírio da drogadição e abandonando o tra- tamento precocemente. Outros terminantemente o rejeitam, porque acreditam que podem largar o vício quando o desejarem, ou porque não querem abandonar a fugaz eufo- ria do entorpecente. Assim agindo, colocam-se em constante situação de risco. A uma, porque o vício os mantém na perniciosa convivência com o tráfico, seja para adquirir o entorpecente, seja para recebê-lo como pagamento pelos atos de traficância. A duas, porque arriscam a pró- pria vida com doses cada vez mais elevadas de droga, que, se não os conduzir à morte, os levará a danos permanentes no sistema nervoso central. Os diversos atores do sistema de garantias não podem manter-se inertes diante de quadro de tamanha gravidade. O argumento de que a vontade do menor precisa sempre ser respeitada, inclusive na recusa tratamento, não se sustenta. O entorpecente impede o pleno discernimento quanto ao seu alcance, retirando a capacidade de compreensão, mor- mente quando se trata de pessoa ainda em formação, como no caso dos menores. Some-se a isso que, ao valorar a vontade de crianças e adolescentes, temos que analisá-la sob a ótica do melhor interesse. Ou seja, se ao manifestar sua vontade, coloca-se em risco, viola seus próprios direitos com sua forma de agir, passa a ser paciente de medida específica de pro- teção como, por exemplo, inclusão obrigatória em programa ou unidade de tratamento para drogadição, nos termos do artigo 98, III, c/c 101, VI, da Lei nº 8.069/90. Não se está desrespeitando o querer do menor, mas sim salvaguardando seus direitos fundamentais, como saúde e vida. A medida extrema de obrigatoriedade do tratamento mostra-se necessária, principalmente na fase de desintoxicação, após o que já haverá maior Andréa Rodrigues Amin 42 22 CORREIA, Joelma de Sousa. Saúde Mental na Contemporaneidade, in Saúde mental e o Direito – Ensaios em homenagem ao professor Heitor Carrilho – São Paulo, Editora Método, 2004, p. 74. clareza para que o drogadito possa entender sua condição, reconhecer a indispensabilida- de do tratamento e assim contribuir para seu sucesso. O que não se mostra razoável admitir é esperar que uma criança ou um adolescente “chapado” voluntariamente manifeste o desejo de se tratar, quando nem ao menos conse- gue lembrar o próprio nome. 3.3. Portadores de Necessidades Especiais Tratando-se de crianças e jovens especiais – deficientes e portadores de necessidades especiais23 –, buscou o legislador reforçar-lhes a garantia de atendimento médico e trata- mentos específicos, levando-se em conta a peculiaridade de suas condições. Trata-se de norma imperativa para os garantidores do sistema. Não se está apenas prevendo, programando, mas sim determinando que se ponha à disposição dos portadores de deficiência tratamento especial, bem como meios que assegurem seu acesso. Assim, caberá ao Poder Público oferecer, diretamente ou por parcerias, especialida- des médicas que assegurem saúde integral para deficientes, como fisioterapia, psiquiatria, neurologia, ortopedia, fonoaudiologia. O acesso também deve ser garantido por passes livres nos transportes coletivos ou através de sistema especial de transporte para esse fim.24 Nesse sentido, o seguinte aresto: Apelação Cível nº 22.786 – 0/7 – Comarca de São Paulo – TJSP – Relator Des. Nigro Conceição – j. 26/09/96. Ação Civil Pública – Menor deficiente físico – Carente – Legitimidade das Secretarias de Estado para figurarem no pólo passivo – Responsabilidade do Poder Público, representado pelo Estado – Omissão caracterizada – Multa que deve ser fixa- da em valor elevado, a fim de compelir a execução do julgado e desencorajar o descum- primento do dever de ministrar o tratamento adequado ao menor – Honorários do perito fixados com moderação – Recurso desprovido, repelida a matéria preliminar. 3.4. Doentes Crônicos Os doentes crônicos necessitam de regularidade nos tratamentos a que são submeti- dos, bem como de medicação indicada, sem interrupções. Para tanto, os Estados e Municípios devem ter programa de saúde que os contemple, de forma específica ou não, mas que assegure que o tratamento não sofrerá solução de con- tinuidade. Infelizmente, a concorrência dos três entes da federação na prestação do servi- ço de saúde, muitas vezes, tem acarretado a ausência de prestação do serviço através de uma transferência corriqueira de responsabilidade. Dos Direitos Fundamentais 43 23 Estão aqui compreendidos os que possuem deficiência física, mental, neuropatas, deficiente visual, auditivo. 24 As Leis nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, e 10.048, de 08 de novembro do mesmo ano – esta última regulamentada pelo Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, cuidam do atendimento prioritário e aces- sibilidade de portadores de necessidades especiais. O Judiciário, atento a essa prática, a tem repelido com freqüência, assegurando que a prestação do serviço público essencial de saúde caberá ao ente contra quem for ajuiza- da a ação. Processual Civil. Agravo Regimental. Ausência de omissão, obscuridade, con- tradição ou falta de fundamentação no acórdão a quo. SUS. Legitimidade passiva da União, do Estado e do Município. Fornecimento de medicamentos. Obrigação de fazer. Descumprimento. Multa. Cabimento. Prazo e valor da multa. Requisitos da tutela antecipada. Apreciação do conjunto probatório. Súmula nº 07/STJ. Impossibilidade. (...) 4. A CF/1088 erige a saúde como um direito de todos e dever do Estado (art. 196). Daí, a seguinte conclusão: é obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros ao acesso à medicação necessária para a cura de suas mazelas, em espe- cial, as mais graves. Sendo o SUS composto pela União, Estados e Municípios, impõe- se a solidariedade dos três entes federativos no pólo passivo da demanda. (AgRg no RESP 2004/0148058-9 – 1ª Turma – Rel. Min. José Delgado – j. 19/04/05) Doentes renais, deficientes físicos, neuropatas, doentes com câncer, em resumo, todas as patologias que conduzem a um tratamento a médio e longo prazo, precisam con- tar com uma rede de saúde sempre pronta a atender suas necessidades vitais, assegurando qualidade de vida. Os doentes também têm o direito de viver bem, sem passar pela aflição de saber que o remédio está acabando e que apesar de não poder interromper o tratamento, a família não tem recursos para custeá-lo. A farmácia do hospital também não tem como fornecê- lo e todo ou grande parte da melhora alcançada acaba se perdendo. Um programa de saúde para doentes crônicos impede interrupções. Com o cadastra- mento do paciente as reavaliações são previamente agendadas, providencia-se remédios com antecedência e na quantidade necessária. É ainda mecanismo de controle da condu- ta do representante legal da criança e do adolescente doente que não pode negligenciar nos cuidados básicos, principalmente no tocante à saúde. 3.5. Direito a Acompanhante O artigo 12 do ECA dispõe sobre o direito de crianças e adolescentes não ficarem sós, garantindo-lhes durante a internação hospitalar – período de grande fragilidade emocional, com medos, dúvidas, angústias – que estejam acompanhados por um dos pais ou responsável. O novo direito, reflexo da doutrina da proteção integral, levou os estabelecimentos de saúde, principalmente da rede pública, a se adaptarem ao novo modelo, com instalações que permitam a presença do acompanhante de forma digna. Andréa Rodrigues Amin 44 Salutar a medida, pois comprovadamente há maior rapidez na recuperação do paciente quando acompanhado. A esse respeito já dispôs a Lei nº 9.656/98 – Lei dos Planos de Saúde no artigo 10, inciso II, alínea “f”, ao assegurar dentro da cobertura mínima cobertura de despesas de acompanhante, no caso de pacientes menores de 18 (dezoito) anos. Tratando-se de direito fundamental – irrenunciável, ilimitado, imprescritível – não pode ser negado aos adolescentes que praticaram ato infracional. Caso internados devem ter o direito de se manterem acompanhados. Não se mostra plausível negar o cumprimen- to da lei sob fundamento de que o infrator encontra-se em custódia e a presença de um responsável poderia facilitar eventual fuga, argumento não raro utilizado. Cabe ao Estado estudar meios de manter os dois interesses – vigilância e acompanhante. O que não pode ser admitido é a solução simplista de se negar o direito.25 O exercício do direito de não ficar só esbarra em outra dificuldade: os direitos traba- lhistas dos pais durante a internação hospitalar do filho. Leis do funcionalismo público, via de regra, asseguram licença para tratamento médico pessoal e de parente, permitindo, em alguns casos, o afastamento do cargo por até dois anos, com eventual redução proporcio- nal das vantagens. Contudo, na esfera privada, não há dispositivo legal que autorize a ausência do traba- lho para acompanhamento de internação do filho. Na prática, os empregadores, por libera- lidade, costumam, desde que justificado, abonar as faltas. Sindicatos também vêm tentando incluir nos acordos coletivos cláusulas que assegurem o direito infanto-juvenil, sem preju- dicar a atividades profissional dos pais. Um ponto é certo: ausências para fim de cumpri- mento do artigo 12 do ECA, não enseja dispensa por justa causa, desde que devidamente comprovada. Cumprimento regular dos deveres inerentes ao poder familiar não pode ser considerado ilícito contratual de trabalho. A harmonização do sistema jurídico pátrio é dever do intérprete e aplicador que se norteia pelos fins sociais da lei (art. 5º da LICC). Quanto à crianças e adolescentes em desamparo, que não contam com o apoio de qualquer responsável, nem ao menos um guardião de fato, é indispensável que os profis- sionais de saúde busquem humanizar a internação mantendo não apenas o acompanha- mento clínico, mas também o psicológico e afetivo. Para tanto, poderão ser estabelecidas parcerias com ONGs e entidades da sociedade civil. Como exemplo temos a Pastoral da Saúde, mantida pela Igreja Católica e a ONG Doutores Alegria. 4. Direito à Liberdade Segundo De Plácido Silva,26 liberdade é faculdade ou poder outorgado à pessoa para que possa agir segundo a sua própria determinação, respeitadas, no entanto, as regras legais instituídas. Dos Direitos Fundamentais 45 25 O Estado do Rio de Janeiro assegurou ao adolescente infrator o direito da ser submetido ao teste de HIV – Lei nº 4.587, de 05 de setembro de 2005. 26 Vocabulário Jurídico. V. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 84. É normalmente traduzido como o direito de ir e vir. Mas não é só. A liberdade pre- conizada no artigo 16 do Estatuto da Criança e do Adolescente é mais ampla, compreen- dendo também a liberdade de opinião, expressão, crença e culto religioso, liberdade para brincar, praticar esportes, divertir-se, participar da vida em família, na sociedade e vida política, assim como buscar refúgio auxílio e orientação. A liberdade de ir e vir envolve também o estar e permanecer, mas não se traduz na absoluta autodeterminação de crianças e adolescentes decidirem seu destino, pois a lei res- salva as restrições legais. Segundo Gustavo Ferraz de Campos Mônaco27 a criança deve gozar a possibilidade de ir, vir e estar (liberdade de locomoção) onde possa desenvolver sua personalidade com vistas à sua plena conformação e de acordo com seu interesse superior(...). Todavia, sofre restrições nessa liberdade justamente em função desse mesmo interesse superior flexiona- do para o pleno desenvolvimento de suas características humanas. Trata-se assim, de uma liberdade que se autocontém ou que é autocontida pelos princípios e pelas finalidades desse direito. Caberá aos pais, família e comunidade fiscalizar o exercício desse direito concedido pró-criança e adolescente e não em seu desfavor. Assim, não se pode permitir que criança ou jovem permaneça nas ruas, afastado dos bancos escolares, dormindo em calçadas, chei- rando cola de sapateiro e solvente, sobrevivendo de caridade ou pequenos furtos, mesmo que afirmem que estão na rua porque assim desejam. Em razão de sua conduta se colocam em risco, passando a ser enquadrados na hipótese do artigo 98, III, do ECA, justo motivo para pronta intervenção da rede garantidora. A dificuldade prática diante desse quadro é a abordagem e convencimento, princi- palmente dos adolescentes. Necessária a capacitação das equipes de abordagem e acolhi- mento, bem como a formação de uma estrutura para cuidar dos meninos (a) de rua e rein- tegração dos que apenas estão na rua. Casas de Passagem, equipes técnicas capacitadas, apoio clínico para o caso de drogaditos que em razão do vício não conseguem reagir às intervenções técnicas estão na ordem do dia dos centros urbanos. Cabe ao CMDCA formular políticas públicas de acolhimento e ao poder público exe- cutá-las de forma eficaz, não se limitando a recolher o público infanto-juvenil de rua, mas também apóia-lo, curá-lo, identificar as causas que motivaram o enfrentamento dos peri- gos das ruas, não esquecendo de cuidar da família, sem a qual todo o trabalho realizado se mostrará inócuo. Na mesma linha, crianças e adolescentes não têm o direito de abandonar a escola e permanecer em casa, ou freqüentar lugares impróprios à sua condição de pessoa em desen- volvimento, ou assistir programas impróprios, pois a liberdade não pode ser exercida em seu desfavor. Liberdade de opinião e expressão se complementam. Enquanto a opinião é passiva a expressão é ativa. Opinar é formar o convencimento, expressar é externá-lo. Crianças e adolescentes têm assegurada a liberdade de pensar e formar sua opinião sobre os mais variados assuntos que os circundam. Mas para que não se esteja falando de Andréa Rodrigues Amin 46 27 Op. cit., p. 164. uma pseudoliberdade, precisam ter acesso à educação. Não existe verdadeira liberdade com ignorância. Assim, crianças e jovens têm o direito de ser informados e, portanto incumbe aos pais, parentes, comunidade, profissionais de educação, médicos, enfim todos os que fazem parte do cotidiano infanto-juvenil o correlato dever de informar. A mudança paradigmática promovida pela Carta Constitucional de 1988 refletiu-se na liberdade de expressão no seio familiar. O sistema patriarcal fundamentava a autocra- cia paterna. A liberdade de expressão dos membros da família era tolhida para manter o poder hierárquico do pai, fundamental para a estabilidade da família, à época hegemoni- camente matrimonial. A realização dos filhos e da mulher como pessoa era passada para um segundo plano. Nossa atual ordem jurídica fundada na dignidade da pessoa humana altera esse qua- dro. A família é funcionalizada existindo não mais por si e para a sociedade, mas princi- palmente para realização das relações de afeto entre seus membros. O modelo patriarcal é substituído pelo isonômico no qual a direção da sociedade familiar é exercida pelo casal. A fala de cada membro da família ganha relevância no regime democrata-afetivo, e os filhos têm a liberdade de se expressar, questionar, argumentar, participar da vida familiar sem discriminação num delicioso exercício de descoberta e formação do futuro adulto. Participação livre não se restringe à órbita familiar. É ampla e compreende a partici- pação na vida comunitária e política, na forma da lei. Reflexo desta última é o direito de voto assegurado aos adolescentes a partir dos 16 anos. Participar, opinar, discutir sobre a vida comunitária e sobre a direção do país é mais uma etapa no desenvolvimento e cresci- mento pessoal dos adolescentes. Crença e culto religioso livres também estão compreendidos no direito à liberdade. Os pais, no cumprimento do dever de educar, devem oferecer aos filhos educação formal e moral, formação religiosa. De início, os filhos absorvem a religião dos pais, pois normal- mente a única que lhes foi apresentada. Quando começam a sofrer o natural processo de amadurecimento, já na adolescên- cia, questionam e apreendem que a religião se expressa de várias formas e a lei lhes asse- gura o direito de escolher uma dessas formas como a que melhor realiza seus objetivos de vida. Não podem os pais interferir nesse processo de escolha, mesmo que contrário às suas próprias convicções religiosas. O agir dos pais está limitado pelo princípio do melhor inte- resse do filho, se este não foi violado, os pais não podem interferir impondo seu querer. A liberdade de brincar, praticar esportes e se divertir com respeito à sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento é liberdade de ser criança e adolescente. Os esportes são importantes para o desenvolvimento motor, físico e integração social de crianças e jovens. Atividades lúdicas como brincar e se divertir integram e permitem expe- riências que se refletem no amadurecimento paulatino da criança e do adolescente. O brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento e a educação das crianças pequenas. O fato de a criança, desde muito cedo, poder se comunicar através de gestos, sons e mais tarde representar determinado papel na brincadeira faz com que desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras podem desenvolver-se algumas capacidade importantes como: a atenção, a imitação, a memória, a imaginação. Amadurecem também algumas competências para a vida coletiva, através da interação e da utilização e experiên- Dos Direitos Fundamentais 47 cia de regras e papéis sociais. É sabido, enfim, que ao brincar as crianças exploram, per- guntam e refletem sobre as formas culturais nas quais vivem e sobre a realidade circun- dante, desenvolvendo-se psicológica e socialmente..28 5. Direito ao Respeito e à Dignidade Respeito é o tratamento atencioso à própria consideração que se deve manter nas relações com as pessoas respeitáveis, seja pela idade, por sua condição social, pela ascen- dência ou grau de hierarquia em que se acham colocadas.29 Dignidade é qualidade moral que, possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida.30 A vulnerabilidade infanto-juvenil – física e psicológica – tem ensejado um abuso da condição de pessoa em desenvolvimento. A coisificação dos menores, como se fossem “projetos de gente” carecedores de respeito e consideração, desencadeia atos de violência física e moral. Segundo Luiz Antonio Miguel Ferreira, “uma das manifestações mais evidentes de ofensa ao direito ao respeito consiste na prática da violência doméstica, que se manifesta sob modalidades de agressão física, sexual, psicológica ou em razão da negligência, que, como já afirmamos, está presente em todas as classes sociais, sem distinção, e ocorre de forma intensa como resultado do abuso do poder disciplinados dos adultos, sejam eles pais, padrastos, responsáveis, que transformam a criança e o adolescente em meros objetos, com conseqüente violação de seus direitos fundamentais, em especial o direito ao respeito como ser humano em desenvolvimento”.31 O paradigma da proteção integral, sistematicamente, está consolidado, mas cultura- mente ainda há muito a fazer. O estigma do menor como objeto de proteção concede o direito a tratar os menores e deles exigir o que bem se entende, sem enxergá-los como pes- soas, carecedoras de tratamento digno e resguardo à sua integridade – física, psíquica e intelectual. Crianças e adolescentes têm direito de se desenvolver como crianças e adolescente. Parece óbvio, mas esse direito nem sempre é respeitado. Comum ouvirmos a expressão “infância perdida” e às vezes, de fato, se perde no processo de abandono da infância e cor- relato início precoce da adolescência e vida adulta. A sociedade influenciada pela mídia parece exigir um comportamento cada vez mais adulto e sexualizado daqueles que ainda não estão amadurecidos. Crianças e jovens encon- tram-se estressados com um horário a cumprir similar ao de um adulto, a ponto de não sobrar tempo para brincar, conversar, se divertir, atividades indispensáveis para o cresci- Andréa Rodrigues Amin 48 28 Trecho retirado do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – versão preliminar – Ministério da Educação e do Desporto – Brasília – Janeiro/98. 29 De Plácido e Silva, op. cit., p. 124. 30 De Plácido e Silva, op. cit., p. 72. 31 FERREIRA, Luiz Antonio Miguel, O Estatuto da Criança e do Adolescente e os Direitos Fundamentais, Edições APMP 2008, p. 38. mento saudável. Outras precisam amadurecer cedo porque os pais colocam sobre seus ombros a responsabilidade de cuidado com os irmãos menores, sem o que, aqueles não poderão trabalhar. O reflexo é um pseudoamadurecimento vazio no qual crianças e jovens se vêem muitas vezes perdidos, desejosos de viver fases da vida para as quais ainda não estão pron- tos. A gravidez precoce é um exemplo. Segundo Gustavo Ferraz de Campos Monaco32 o desenvolvimento das características infantis e juvenis dos menores de 18 anos deve ser garantido de forma prospectiva, tendo- se sempre em vista a especial condição de seres em desenvolvimento que devem ser dota- dos de condições necessárias e suficientes para a plena compreensão do papel que devem desempenhar na comunidade. 6. Direito à Educação Conceitua-se educação como sendo o processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor inte- gração individual e social.33 O processo educacional visa a integral formação da criança e do adolescente, buscan- do seu desenvolvimento, seu preparo para o pleno exercício da cidadania e para ingresso no mercado de trabalho (art. 205 da CF). É direito fundamental que permite a instrumentalização dos demais, pois sem conhe- cimento não há o implemento universal dos direitos fundamentais. A ignorância leva a uma passividade generalizada que impede questionamentos, assegura a manutenção de velhos sistemas violadores das normas que valorizam o ser humano e impede o crescimen- to do ser humano e o conseqüente amadurecimento da nação. Nossa atual política educacional funda-se nos seguintes princípios constitucionais: Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola: II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, e coexistência de institui- ções públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V – valorização dos profissionais de ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclu- sivamente por concurso público de provas e títulos; VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade. Dos Direitos Fundamentais 49 32 Op. cit., p. 158. 33 Novo Dicionário Aurélio – Editora Nova Fronteira – 2ª edição. Ressalte-se que apesar da educação ser um direito fundamental, seu exercício deve- rá ser regular, pois o abuso configura ilícito. Se a criança ou adolescente, a pretexto do exercício do direito de estudar, comporta-se de forma contrária às regras da escola, preju- dicando ou impedindo o regular exercício do mesmo direito pelos demais estudantes, poderá sofrer sanções disciplinares como advertência, suspensão e mesmo expulsão, de acordo com o regimento escolar. As medidas disciplinares deverão ser aplicadas sem ofertar prejuízo irreparável para a criança ou o adolescente. Assim, o aluno não poderá ser suspenso no período de provas escolares, bem como não poderá sofrer expulsão em período do ano escolar no qual se mostra inviável a transferência ou matrícula em outro estabelecimento de ensino. Nesse sentido, os seguintes arestos: ECA. MENOR QUE FOI DESLIGADO DA ESCOLA. ALEGAÇÃO DE ILE- GALIDADE DO ATO. Não é ilegal nem abusiva a decisão administrativa da escola que desligou um aluno de seu quadro depois de comprovado que a conduta do ado- lescente é incompatível com as normas internas do estabelecimento de ensino, ficando assegurada ao menor vaga em outra escola. Apelo improvido (Apelação Cível nº 70007478886 – Sétima Câmara Cível – TJRS – Rel. José Carlos Teixeira Giorgis, j. 17/03/04). MANDADO DE SEGURANÇA. MENOR EXPULSA DO COLÉGIO. Para ado- tar-se medida extrema de expulsão de aluno do estabelecimento escolar necessário comprovação, mediante juntada do estatuto social do colégio, de que foram tomadas medidas cabíveis com o fim de contornar a situação, para após, e com a oportunida- de de ampla defesa ao aluno, ser adotada a medida mais grave de convite a se retirar do estabelecimento de ensino. Apelação improvida (Apelação cível nº 599043536 – Segunda Câmara de Férias Cível – TJRS – Rel. Des. Jorge Luís Dall’Agnol, j. 25/05/99). 6.1. Igualdade Educação é direito de todos, sem distinção. Assegurá-lo é dever dos pais, através da matrícula dos filhos na rede de ensino; dever da sociedade, fiscalizando os casos de evasão ou de não ingresso na escola através do Conselho Tutelar, dos profissionais de educação ou qualquer outro meio e, principalmente, dever do poder público, mantendo uma oferta de vagas que permita o livre e irrestrito acesso à educação. Caso a rede pública não seja suficiente para absorver toda a demanda, caberá ao poder público custear o ensino na rede privada através de um sistema de bolsas de estu- dos, como autorizado pelo art. 213, § 1º, da Constituição Federal. O que não se pode admi- tir é a violação do direito à educação sob a justificativa da insuficiência de vagas. É negar eficácia à norma constitucional. Portadores de necessidades especiais devem ser contemplados com número de vagas nos sistemas educacionais e profissionais capacitados, sendo dever do Estado ofertar vagas Andréa Rodrigues Amin 50 para educação especial mesmo durante a educação infantil, na faixa etária de zero a cinco anos de idade. Não se exige que cada escola tenha classe especial, mas que dentro da rede regular de ensino, se inclua os portadores de necessidades especiais de forma adequada, provendo a escola de serviços de apoio especializado para atender às peculiaridades da clientela espe- cial, como acessibilidade, adaptação do mobiliário escolar, cuidadores, profissionais trei- nados para assegurar a universalidade da educação. Caso não seja possível a inclusão na rede regular de ensino, os alunos deverão freqüentar instituições especializadas, de acor- do com o artigo 58 da LDB – Lei de diretrizes e Bases da Educação. Alunos surdos-mudos precisam se ensinados por um profissional que se expresse através de sinais. Cegos precisam, além do profissional capacitado, de material didático adequado. Aluno com deficiência motora, precisa ter acesso à sala de aula, e a todos os espaços essenciais para o cotidiano escolar, como banheiros e refeitório. As peculiaridades deverão ser analisadas para que se assegure a regular prestação do serviço público essen- cial de educação. Adolescentes infratores, provisoriamente internados, ou em cumprimento de medi- da sócio-educativa também devem ter assegurado o direito à educação, como parte inte- grante do processo de ressocialização. O período da execução da medida não pode ser motivo para interromper a formação do adolescente. Ao revés, de suma importância que seja prestada com qualidade e com maior ênfase aos valores sociais e morais, pois só assim a medida alcançará seu fim. 6.2. Acesso e Permanência Não basta que o poder público oferte vagas. É necessário que garanta o acesso e a per- manência na escola, preferencialmente próximo à residência da criança e do adolescente. Na prática, o acesso vem sendo assegurado através de leis estaduais e municipais dis- pondo sobre passe livre no transporte público urbano34 para estudantes da rede pública de ensino ou através de um sistema de transporte escolar prestado, posto à disposição de crianças e jovens residentes em área sem transporte urbano, ou locais de difícil acesso ou ainda quando o aluno tiver dificuldade de locomoção (deficiente físico, por exemplo). Apelação Cível nº 59.494 – 0/0 – Comarca de Ituverava – TJSP – Relator Des. Nigro Conceição – j. 09/11/00. Apelação Cível – Apelo voluntário da Municipalidade – Contagem de prazo que se submete à regra do art. 198, II do ECA, ainda que aplicado em dobro, em razão do disposto no art. 188 do Código de Processo Civil – Intempestividade da apelação do Município – não conhecimento – Reexame necessário – Transporte escolar que deve ser providenciado, gratuitamente, a todos os estudantes, crianças e adolescen- tes do Município, das zonas urbanas e rural – Inteligência dos arts. 30, VI, 211, § 2º, Dos Direitos Fundamentais 51 34 O Estado do Rio de janeiro promulgou em 13 de janeiro de 2005 a Lei nº 4.510, assegurando passe livre para alunos da rede pública, desde que uniformizados. e 227, da Constituição Federal, combinados com os arts. 54, I e VII, 208, I e V, do ECA – Improvimento. Permanência em sala de aula é alcançada com ensino de qualidade, ministrado por bons profissionais, instalações físicas adequadas, material didático, alimentação. A valori- zação do estudo pela família também é ponto crucial para que o aluno perceba a impor- tância de sua formação. A evasão escolar tem sido severamente combatida em todo o Brasil. A atuação do Ministério Público tem sido crucial no processo de conscientização da sociedade civil, pro- fissionais de educacãoe poder público da necessidade de manter o aluno em sala de aula. A evasão é anti-econômica, pois o abandono precoce dos bancos escolares é forma de desperdício do investimento até então realizado. É anti-social, pois a criança ou jovem despreparado, malformado, se transformará no adulto marginalizado, desempregado, ou subempregado. Em razão da Carta de Belo Horizonte em Defesa da Criança e do Adolescente, docu- mento elaborado pelo Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, recomendou-se a adoção de medidas judiciais e extrajudiciais para garantia do ensino fundamental para crian- ças e adolescentes, com combate à evasão escolar e garantia de educação infantil e especial. Em todo o país, o Ministério Público iniciou tratativas com o poder público buscan- do formular, de forma regionalizada, um programa de combate à evasão escolar com ampla participação: Escola, comunidade e Conselho Tutelar. Um dos primeiros estados a implementar um programa de combate a evasão escolar foi o Rio Grande do Sul. Através da FICAI – Ficha de Comunicação de Aluno Infreqüente, a escola comunica a ausência do aluno após o sétimo dia consecutivo de falta escolar. A ficha é preenchida em três vias, sendo inicialmente encaminhada à direção da escola que buscará com a comunidade escolar e local saber o motivo das faltas e buscar o retorno do aluno. Não obtendo sucesso, a escola encaminha outra via da FICAI ao Conselho Tutelar que, após investigar o caso, poderá optar pela aplicação de medida aos pais e/ou alunos. A terceira via da FICAI é remetida ao órgão municipal de educação para fins estatísticos e de controle preventivo da evasão escolar. A FICAI se popularizou e em vários estados encontramos programas semelhantes, adaptados às diversas realidades regionais. Na luta contra a evasão escolar é indispensável que os estabelecimentos de ensino cumpram o disposto no artigo 12, VIII, da LDB que torna obrigatória o envio ao Conselho Tutelar, ao juiz competente e ao Ministério Público da relação dos alunos que apresentam quantidade de faltas acima de cinqüenta por cento do percentual permitido em lei.35 A comunicação permite que medidas sancionatórias em relação aos pais e protetivas em relação às crianças e adolescentes sejam tomadas com rapidez evitando, em muitos casos a perda do ano letivo. Recentemente, entrou em vigor a Lei nº 12.013, de 06 de agosto de 2009, que alte- rou o artigo 12 da Lei nº 9.394/96 – LDB, inserindo o inciso VII que torna obrigatório Andréa Rodrigues Amin 52 35 Inciso incluído pela Lei nº 10.287, de 20/09/2001. informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre freqüência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da propos- ta pedagógica da escola. A medida é salutar, pois facilitará o acompanhamento do processo educacional dos filhos. O dever de educar não se limitar a matricular o filho na escola. Vai muito além. Exige acompanhamento constante dos trabalhos, frequência, avaliações, comparecimento às reuniões de pais, enfim o saudável exercício da paternidade/maternidade responsável, buscando integral formação do menor. Viola também o acesso à educação a odiosa, mas comum, prática de retenção do his- tórico escolar como meio coercitivo de exigir o pagamento de mensalidades em atraso. Educação é direito fundamental e, portanto, não negociável, seja direta ou indiretamente. Em caso de atraso no pagamento de mensalidades, cabe à escola valer-se dos meios judiciais para exigir o cumprimento da obrigação firmada pelos pais. O que não se pode admitir é a barganha com o direito fundamental à educação como meio de coerção. Apelação Cível nº 24.275 – 0/0 – Comarca de São Paulo – TJSP – Relator Des. Dirceu de Mello. Ação Mandamental envolvendo interesse individual afeto à criança – Competência exclusiva do Juízo da Infância e da Juventude. Ação Mandamental – Retenção de histórico escolar de aluno, sob o fundamento de existência de débito – Inadmissibilidade – Pretensão inicial acolhida – Recurso improvido. 6.3. Níveis e Modalidades de Ensino A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei nº 9.394/96) classifica a educa- ção em dois níveis: educação básica e educação superior. A educação básica destina-se a crianças e adolescente compreendendo: a) educação infantil: ministrada em creches (crianças até três anos de idade) e pré- escolas (dos quatros aos cinco anos de idade). Prestada pela rede pública, mas principalmente pela privada. b) ensino fundamental duração mínima de nove anos, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, tendo por objetivo a formação básica do cidadão. Sua oferta é obrigatória e, se prestado pela rede pública, gratuito.36 c) ensino médio: finaliza a educação básica. Tem duração de três anos e nessa fase final deve enfatizar a profissionalização, buscando preparar o adolescente para a escolha de sua profissão. A Constituição Federal37 estabeleceu competência comum para os três entes da Federação, quanto à matéria educacional. Com o fim de sistematizá-la, determinou à Dos Direitos Fundamentais 53 36 Redação de acordo com a Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006 que alterou o período do ensino funda- mental de oito para nove anos, compreendendo a classe de alfabetização. 37 Art. 211 da Constituição Federal. União a organização do sistema federal de ensino, o financiamento de instituições, a fun- ção redistributiva e supletiva para universalizar as oportunidades educacionais, e, por fim, oferecer assistência técnica e financeira aos demais entes. Estados e o Distrito Federal autuarão, prioritariamente no ensino fundamental e médio, cabendo aos Municípios a atuação prioritária no ensino fundamental e educação infantil. A educação infantil é garantida pela lei fundamental devendo ser prestada, priorita- riamente pelos Municípios. Visa o desenvolvimento da criança na primeira infância com estímulos motores, intelectuais, psicológicos e sociais. Ao contrário do que pensam alguns administradores municipais, integra a educação básica e deve ser obrigatoriamente pres- tada, ainda que a educação fundamental goze, nesse aspecto, de prioridade. Contudo, os pais não estão obrigados a matricular os filhos nessa primeira fase de estudo. A obrigato- riedade para os genitores respeita ao ensino fundamental. Apelação Cível nº 63.951- 0/0 – Comarca de Campinas – TJSP – Rel. Des. Nigro Conceição – j. 23/08/01 – v.u. Ação Civil Pública – Apelação contra sentença que garantiu aos menores o direito a vaga em creches municipais – Direito à pré-escola assegurado pela Constituição Federal e pela legislação ordinária – Constitui dever do estado a dispo- nibilização de vagas independente da discricionariedade da administração municipal – Recurso “ex officio” – recursos não providos. Direito Constitucional à creche extensivo aos menores de zero a seis anos. Norma constitucional reproduzida no art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Norma definidora de direitos não programática. Exigibilidade em juízo. Interesse transindividual atinente às crianças situadas nessa faixa etária. Ação civil pública. Cabimento e procedência (RESP 2003/0143232-9 – Primeira Turma – Rel. Min. Luiz Fux – j. 02/09/04). Dispõe o artigo 32 da LDB que o ensino fundamental terá duração mínima de nove anos, obrigatório e gratuito na escola pública e terá por objetivo a formação básica do cida- dão, mediante: I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo, como meios bási- cos, o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fun- damenta a sociedade; III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerân- cia recíproca em que se assenta a vida social. É direito público subjetivo indisponível da criança e do adolescente, sendo, pois, líquido, certo e exigível do poder público e dos pais. O poder público tem que assegurar vagas suficientes e a prestação de um serviço de qualidade, com o respeito aos 200 dias- aulas determinados na LDB e atendendo à finalidade desse ciclo (artigo 32). Andréa Rodrigues Amin 54 A fim de se adequar aos termos da Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006 Municípios, prioritariamente, e Estados deverão ofertar vagas que atendam a classe de alfabetização, pois agora compreendida no ensino fundamental. Os pais, por sua vez, devem efetuar a matrícula dos filhos na rede de ensino, sob pena de serem autuados por crime de abandono intelectual, sem prejuízo de sanções adminis- trativas por descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar e de eventual medi- da aplicável aos pais (art. 129 do ECA). Segundo Wilson Donizeti Liberati38 a obrigatoriedade do ensino fundamental des- dobra-se em dois momentos: do poder Público, que deve oferecer (obrigatoriamente) o serviço essencial e básico da educação; e dos pais, que devem (obrigatoriamente) matricu- lar seus filhos. Temos, portanto, dois atores responsáveis pela garantia do direito à educa- ção, e temos a criança e o adolescente, que são protagonistas de seu direito de acesso, à per- manência e ao ensino de qualidade no ensino fundamental. No caso da ausência de prestação do serviço público essencial de educação, seja pela falta de vagas, seja pela prestação irregular do ensino (ausência de professor de certa dis- ciplina, por exemplo), a autoridade omissa deverá ser responsabilizada. No caso, aponta-se a prática de crime de responsabilidade, como previsto no artigo 208, § 2º, da CF, e art. 5º, § 4º, da LDB, sem prejuízo de eventual enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa, em caso de desvio de recursos públicos vinculados. Dispõe o artigo 208, II, da CF que o ensino médio será efetivado de forma progressi- va e universal. Aparentemente, em comparação com o ensino fundamental (inciso I do art. 208 da CF) poder-se-ia afirmar que o ensino médio não é obrigatório e, portanto, o poder público não estaria obrigado a assegurá-lo para todos. Em verdade, esta é uma leitura simplista e apressada da lei, que deve ser interpreta- da em conjunto com os demais dispositivos que cuidam da matéria. Erigida à categoria de direito fundamental, a educação passou a integrar o grupo de direitos que asseguram a sobrevivência e formação digna do ser humano e, por esse moti- vo, direitos universais. Nesse sentido, dispôs o artigo 205 da CF: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (grifo nosso) Podemos assim entender que o ensino médio, como parte integrante do processo de formação do indivíduo, deve ser obrigatoriamente prestado pelo poder público, sempre que o cidadão – criança, adolescente, jovem ou adulto – quiser ter acesso à sua terceira etapa de formação, focada, principalmente, no preparo para o mercado de trabalho. O que o artigo 208, I e II, da CF estabeleceu foi uma prioridade em favor do ensino fundamental. Ou seja, os esforços do poder público devem ser focados na prestação desse segmento de ensino, pois é base de formação da capacidade de compreensão do ser huma- no. Mas o Estado deve assegurar que todos os níveis de ensino (educação infantil, ensino Dos Direitos Fundamentais 55 38 “Conteúdo Material do Direito à Educação Escolar”. In Direito à Educação: Uma Questão de Justiça. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 222. fundamental, médio e superior) serão prestados. A norma do artigo 205 da CF não discri- minou que espécie de educação seria garantida a todos, mas sim dispôs sobre educação, gênero que, portanto, compreende todas as espécies. Segundo Wilson Donizeti Liberati39 se a educação, como um todo, é considerada direito fundamental, pressupõe-se que é dever do Estado garantir o acesso (a todos) ao ensino médio – considerado uma etapa da educação básica –, como forma de iniciar um processo de distribuição de justiça social, através da universalização do atendimento, con- cretizando, deste modo, a finalidade do Estado. Há lógica na concentração dos esforços no ensino fundamental, pois é etapa indis- pensável para as demais escalas de instrução. Se não houver um combate à evasão escolar, se não for prestado ensino de qualidade, se não for trabalhada e garantida a permanência da criança e do adolescente em sala de aula, o contingente disposto a continuar sua forma- ção profissional será diminuto e o prejuízo para o desenvolvimento econômico e social da nação, imenso. 6.4. Ensino Noturno É fato que os adolescentes, durante seu processo de amadurecimento, muitas vezes não se contentam em apenas trabalhar sua formação. Principalmente os adolescentes carentes, diante da falta de recursos para o consumo de uma gama de produtos que a mídia e a sociedade de consumo nos impõem, encaram a escola como um empecilho para o tra- balho. Explico. O tempo na escola é considerado perda de tempo no trabalho, único que lhe dá possibilidade real de adquirir bens. O imediatismo típico da adolescência não se coaduna com o tempo necessário para sua formação. Assim, não raro, opta por abandonar a escola, começar a trabalhar, comumente como biscateiro e, quem sabe, um dia, se der, voltar a estudar. Diante desse quadro, o estudo noturno (art. 208, VI, da CF), tem grande importân- cia, pois permite conciliar a formação do adolescente, do jovem, e até mesmo do adulto, sem prejuízo da atividade profissional eleita que, desde logo, lhe permite realizar, no todo ou em parte, desejos materiais. Mais uma vez, leciona Wilson Donizeti Liberati:40 esse ensino foi estabelecido para atender ao adolescente (ou educando) que está inserido no mercado de trabalho regular. Não se trata somente da oferta do ensino médio, como pode parecer à primeira vista; mas também da educação de jovens e adultos, que necessitarem do serviço. A oferta de ensino regular noturno é dever do Estado – obrigatória, portanto. Quando o adolescente ainda não alcançou a idade mínima de 16 (dezesseis) anos para ingresso no mercado de trabalho, mas já firmou contrato de aprendizagem, o ensino noturno se mostra necessário, muitas vezes indispensável. Diante da pouca idade, o ado- lescente costuma encontrar óbices para efetivar sua matrícula e nesses casos deverá recor- rer ao Judiciário, requerendo autorização para estudar à noite. Andréa Rodrigues Amin 56 39 Op. cit., p. 226. 40 Op. cit., p. 240. O mesmo se diga em relação a adolescentes cuja defasagem entre idade e série a ser cursada é tamanha que o simples comparecimento à sala de aula configura uma situação de constrangimento para o adolescente, situação esta que o leva a abandonar os bancos escolares. Também aqui se justifica a autorização para freqüentar o ensino noturno como meio de acesso à educação. O importante é que a análise de cada caso seja permeada pelo princípio do melhor interesse. 6.5. Educação de Jovens e Adultos A Constituição Federal ao determinar o dever estatal de prestar o serviço público essencial de educação, não o limitou à crianças e adolescentes, o que nos permite concluir que jovens e adultos também são potenciais credores de educação. No caso, abrem-se duas modalidades de execução: pela educação regular ou por meio de cursos e exames supletivos (art. 38 da LDB). Considerando a realidade desse público, permite-se a educação diferenciada com o cumprimento das 800 horas/aula mínimas, sem a exigência das quatro diárias. Os cursos supletivos também possuem uma grade curricular básica, sem previsão de parte diversifi- cada, o que permite a conclusão em menor tempo. Além disso, a idade mínima para pres- tação de exames de ensino fundamental passou de 18 para 15 anos e de médio, foi reduzi- da de 21 para 18 anos de idade. 6.6. Flexibilização do Ensino A LDB, buscando universalizar e manter o aluno na sala de aula inovou flexibilizan- do a prestação do ensino. Instituiu regimes especiais (ensino noturno, jovens e adultos, ensino rural e o ensino em regiões de difícil acesso ou sob adversidades climáticas); previu seriação diferenciada (séries anuais, períodos semestrais...), dispôs sobre o período de recesso escolar para reforço do aluno ou aprimoramento do professor. Além disso, preocupando-se em aproximar a teoria da realidade, expandir a cultura popular regional e nacional, adequando o estudo à realidade local deu margem à organi- zação diferenciada da grade curricular levando em conta as variadas diversidades existen- tes em nosso país e peculiaridades da comunidade local. Assim, viabilizou as classes de aceleração escolar41 importantes mecanismos para diminuição da distorção entre idade e série. Permitiu a implantação da escola rural multis- seriada, adotando-se o sistema de módulos em substituição ao regime seriado. Esta prática adequou o calendário escolar ao campo, reconhecendo que muitos alunos, na época do plantio e colheita, se afastavam da escola para auxiliarem a família no campo e alguns não retornavam, mantendo altos os níveis de analfabetismo ou semi-alfabetização no campo. Percebe-se que a educação saiu de sua redoma formal, limitada, estanque, e se flexi- bilizou, adaptando-se às peculiaridades, e à própria vida, em suas variadas facetas. Com Dos Direitos Fundamentais 57 41 LDB, art. 24, inciso V, alínea “b”. isso, busca-se efetivar a universalização do ensino e alcançar metas de alfabetização que permitam aumentar a Justiça Social, tão cara e necessária. 6.7. Educação democratizada A Constituição Federal de 1988 estabeleceu no artigo 206 princípios mínimos de ensino. Inovou ao ofertar maior liberdade ao docente para experimentar novos métodos de ensino e pesquisa, novas concepções pedagógicas na busca pela meta da educação com qualidade (incisos II, III, VII). A gestão democrática do ensino público foi assegurada constitucionalmente (art. 206, VI) e também prevista no artigo 3º, VIII, da LDB. Trata-se da gestão compartilhada da escola pública com a comunidade, pais, alunos e profissionais de educação. A co-gestão permite constante avaliação dos métodos pedagógicos, busca de resulta- dos, novos experimentos, aproximação dos parceiros que se sentem responsáveis pela esco- la. Esta, por sua vez, busca também melhorar não só o ensino, mas a realidade social à sua volta. Não são poucas as escolas que abrem seus portões nos finais de semana para que a comunidade possa usar as quadras de esporte como forma de lazer, ou mantêm consultó- rios dentário e médico para atender às emergências da comunidade. Agiliza e facilita o exercício de alguns dos direitos elencados no artigo 53 do ECA, tais como: direito de contestar critérios avaliativos e recorrer às instâncias escolares supe- riores (III) ou o direito dos pais ou responsáveis de conhecerem o processo pedagógico e participarem da definição das propostas educacionais (parágrafo único). A aproximação entre educação e democracia também deve compreender o direito de organização e participação em entidades estudantis, os famosos grêmios. São organis- mos estudantis de grande importância para a conscientização social e política de nossos jovens. Portanto, integram o processo de formação de crianças e jovens em paralelo à educação formal. 6.8. Financiamento do Ensino Fundamental A Constituição Federal de 1988 reestruturou formalmente o sistema educacional no Brasil e inovou ao cuidar de um orçamento específico para a educação. O artigo 212 da Carta Constitucional fixou patamares mínimos a serem aplicados exclusivamente em educação para cada um dos entes da federação. Anualmente, caberá à União42 aplicar dezoito por cento, e aos Estados,43 o Distrito Federal e os Andréa Rodrigues Amin 58 42 São impostos federais: imposto de exportação (IE), imposto de renda e proventos (IR), imposto sobre pro- dutos industrializados (IPI), imposto sobre propriedade territorial rural (ITR) e imposto sobre operações financeiras (IOF). 43 Impostos Estaduais: imposto de transmissão causa mortes e doação de quaisquer bens e direitos (ITCM), imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS), imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA). A base de incidência dos 25% destinados à educação é formada pelo conjunto das receitas de impos- tos estaduais, deduzidas as transferências obrigatórias para os Municípios (arts. 158 e 159 da CF), e acresci- das as transferências recebidas da União (30% do IOF com ouro; parcela do IR incidente na fonte sobre ren- Municípios,44 vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. A esse montante, é acrescido o valor auferido através da contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas, mas só poderá ser utilizado como fonte adi- cional destina ao ensino fundamental. Na aplicação desse orçamento educacional, deverá ser assegurada prioridade ao aten- dimento do ensino obrigatório, nos termos do Plano Nacional de Educação (PNE),45 não podendo ser utilizado para custeio de programas suplementares de alimentação e assistên- cia à saúde. Os percentuais só poderão ser aplicados para manutenção e desenvolvimento do ensino, conceitos estabelecidos pelo artigo 70 da LDB. Acrescente-se que o artigo 60 dos ADCT, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 12/09/96, vinculou, sessenta por cento dos recursos referidos no caput do artigo 212 da CF, à manutenção e ao desenvolvimento do ensino fundamental, por dez anos a contar da promulgação da EC. O parágrafo primeiro determinou a criação de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino fundamental e da Valorização do Magistério (FUNDEF), no âmbito de cada Estado, com a finalidade de redistribuir os recursos da educação e assegu- rar maior igualdade na prestação dos serviços educacionais, com uma per capita mínima de investimento na educação de cada brasileiro. O FUNDEF, regulamentado pela Lei nº 9.424, de 24/12/96, era formado por uma parte do FPE (Fundo de Participação dos Estados), do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), ICMS, IPI para produtos exportados e a Lei Kandir e 15% destes impostos ficam vinculados à aplicação no ensino fundamental. O montante era repartido entre Estado e Municípios de acordo com o número de alunos matriculados e freqüentes, recen- seados pelo censo escolar, de responsabilidade do INEP – Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, do Ministério da Educação. Como há uma grande desigualdade nas realidades de cada Estado da federação, era necessária a composição do montante mínimo por aluno através da participação da União. Anualmente era fixado através de decreto presidencial o valor aluno/ano para o FUNDEF, para o primeiro (1ª à 4ª séries) e segundo (5ª à 8ª séries) segmentos do ensino fundamental. Cada Estado, por sua vez, apurava o valor aluno/ano, dividindo a receita esti- mada pelo número de alunos recenseados. Se este valor fosse inferior ao fixado no decre- to presidencial o FUNDEF do Estado recebia da União a complementação. Dos Direitos Fundamentais 59 dimentos dos Estados, autarquias e fundações estaduais; 21,5% do IR e do IPI que formam o Fundo de Participação dos Estado e Distrito Federal e 10% do IPI proporcional às respectivas exportações. 44 Impostos municipais: imposto sobre propriedade predial e territorial urbana (IPTU); imposto de transmis- são inter vivos, por ato oneroso (ITBI); imposto sobre serviços (ISS). A base de incidência dos 25% destina- dos à educação é formada pelo conjunto de receitas com impostos municipais, acrescidas dos repasses da União e Estado. A União repassará 70% do IOF com ouro, parcela do IR na fonte sobre rendimentos pagos pelo Município e suas autarquias e fundações, 50% do ITR além de 22,5% do IR e do IPI que integram o Fundo de Participação dos Municípios. O Estado repassará: 25% das transferências recebidas da União do IPI – exportação, 50% do IPVA e 25% do ICMS. 45 Lei nº 10.172, de 09/01/01. Sessenta por cento dos recursos do FUNDEF eram destinados ao pagamento dos pro- fessores do ensino fundamental em efetivo exercício no Magistério, de acordo com o pará- grafo 5º do artigo 60 dos ADCT, e art. 7º da Lei nº 9.424/96. É a valorização do magistério preconizada pelo art. 206, V, da CF. A aplicação desses recursos era efetivar por meio de planos de carreira que valorizavam o profissional. O repasse dos recursos para os Estados e Municípios era automático, de acordo com a periodicidade da arrecadação ou transferência das receitas, sendo depositados na conta específica que cada Estado tinha que manter no Banco do Brasil (art. 3º da Lei nº 9.424/96). Os rendimentos do capital depositado também integravam o FUNDEF e, portanto, devi- am ter a mesma aplicação, aplicando-se o princípio da acessoriedade. Para evitar que administradores burlassem a lei desviando recursos do FUNDEF, foi instituído um Conselho para fiscalização da gestão do fundo (art. 4º da Lei nº 9.424/96). Para cada ente, era instalado um Conselho, instituído pelo próprio Poder Público a ser fis- calizado, e seus membros formados por integrantes do Poder Público, da comunidade docente, representantes dos pais e servidores. O Ministério Público tinha importante função fiscalizadora da utilização de recursos do FUNDEF. Para tanto, poderia requisitar todas as informações que se fizessem necessá- rias, como extratos bancários, atas das reuniões do Conselho de fiscalização e balanços. Verificada má gestão dos recursos, poderia, com fundamento na Lei de Improbidade Administrativa, responsabilizar a autoridade gestora. Dez anos após sua implantação, o FUNDEF foi substituído pelo FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, criado pela Emenda Constitucional nº 53/06 e regulamentado pela Lei nº 11.494/07. Trata-se de Fundo de natureza contábil, de âmbito estadual, com aplicação ampla, compreendendo todas as etapas da educação básica, incluindo a pré-escola, o ensi- no médio e a educação de jovens e adultos, com duração de quatorze anos (2007 a 2020) a partir do primeiro ano e implantação gradual nos três primeiros anos. O novo fundo elevou o percentual da subvinculação das receitas de alguns impostos e das transferências dos Estados, Distrito Federal e Município, que compõem o fundo, para 20%,46 acrescidos de parcela de recursos federais, assegurados sob a forma de complemen- tação da União, e ainda ampliou o rol de beneficiários. Os recursos aplicados no Fundo não dispensam Estados, Municípios e Distrito Federal de aplicar os demais 5% dos recursos provenientes da arrecadação dos impostos e transferências que compõem a cesta do Fundo, acrescidos dos 25% das receitas dos impostos que não entram na sua composição (IPTU, ISS, ITBI e a parcela do IR do Município), acrescidos das receitas da dívida ativa tributária incidentes sobre estes impostos (art. 1º da Lei nº 11.494/07). Andréa Rodrigues Amin 60 46 Incide sobre as seguintes receitas: Fundo de Participação dos Estados – FPE; Fundo de Participação dos Municípios – FPM; Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS; Imposto Sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações – Iplexp; Imposto Sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA; Imposto Territorial Rural (Quota-Parte dos Municípios) – ITRm; Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCMD; Ressarcimento pela desoneração de Exportações (LC nº 87/96); Receitas da Dívida Ativa incidentes sobre estes impostos. A responsabilidade pela gestão do Fundo é do Secretário de Educação, mas o chefe do Poder Executivo de cada ente é solidariamente responsável pelos valores gastos em educação e pela execução orçamentária. O acompanhamento e controle social sobre a aplicação dos recursos do Fundo ficam a cargo de um colegiado – o Conselho do Fundeb – no âmbito de cada esfera de governo. Trata-se de órgão independente que não integra a estrutura da administração direta, atuando de forma autônoma. Para o exercício regular de sua função, deverá ser provido pelo Poder Executivo do apoio material e logístico (art. 24, § 10, da Lei nº 11.494/2007). Além do controle social dos recursos, outras funções são atribuídas ao Conselho do Fundo, a saber: a) supervisionar o censo escolar; b) elaborar a proposta orçamentária anual, no âmbito de sua atuação; c) elaborar parecer, nas prestações de contas encaminha- das ao Tribunal de Contas; d) acompanhar e controlar a execução dos recursos federais transferidos à conta do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar – PNATE, res- ponsabilizando-se pela análise da Prestação de Constas desses Programas, encaminhando ao FNDE o Demonstrativo Sintético Anual da Execução Físico-Financeira, acompanhado de parecer conclusivo; e) notificar o órgão executor dos Programas e o FNDE em caso de irregularidades na utilização dos recursos. Os Executivos estudual, municipal e distrital são obrigados a prestar contas da utili- zação dos recursos em três momentos distintos: a) mensal – ao Conselho do Fundeb por meio de relatórios gerenciais; b) bimestral – através de relatórios do Poder Executivo, com sumário da execução orçamentária, demonstrando as despesas de manutenção e desenvol- vimento da educação, em favor da educação básica; c) anualmente – ao Tribunal de Contas (Estadual/Municipal), de acordo com as instruções do Órgão. Aos órgãos de controle interno, externo e social, soma-se a fiscalização do Ministério Público, como instituição defensora dos interesses transindividuais (arts. 127 e 129, III, da CF, c/c art. 29 da Lei nº 11.494/2007). Fica a cargo do Ministério Público Federal a fiscalização das trasnferências voluntá- rias da União para os Estados e Municípios decorrentes dos convênios firmados com o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) e o MEC, tais como os Programas Dinheiro Direto na Escola, Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar e Programa Nacional de Alimentação Escolar, nos termos da Súmula 208 do Superior Tribunal de Justiça. Contudo, se a verba é aplicada ao fim a que se destina, mas o produto é distribuído com desvio de finalidade, a atribuição passa ao Ministério Público Estadual, de acordo com a Súmula 209 do STJ. Tratando-se de verba pública, com repercussão nas políticas públicas educacionais, o desvio ou uso irregular dos recursos envolvendo o Fundeb configuram atos de improbida- de administrativa, cabendo ao Ministério Público promover a responsabilização do gestor. Acrescente-se a isso a atuação preventiva do Parquet exigindo e acompanhando a composição do Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb, além de fis- calizar a correta aplicação dos valores. Dos Direitos Fundamentais 61 7. Direito à Cultura, Esporte e Lazer A criança e o adolescente no seu desenvolver necessitam de variados estímulos: emo- cionais, sociais, culturais, educacionais, motores, enfim, todo o arcabouço necessário para sua formação. O ECA, fundado na doutrina da proteção integral, assegurou a crianças e jovens não apenas direitos considerados imprescindíveis ao ser humano como vida, saúde, educação, mas ainda aqueles que de certa forma são vistos como secundários ou até supérfluos por nossa sociedade, mas que exercem importante papel no desenvolvimento da criança e do adolescente. A cultura estimula o pensamento de maneira diversa da educação formal. Os espetá- culos culturais – música, dança, cinema – permitem que crianças e jovens tenham conta- to com padrões de comportamento, valores, crenças, socialmente difundidos, através de outro canal. O esporte desenvolve as habilidades motoras, socializa e pode ser o início da vida profissional da criança e do adolescente. É comum ouvirmos histórias, principalmente de jogadores de futebol, que depois de privações na infância hoje têm reconhecimento pro- fissional. Além disso, a prática esportiva é atual aliada da saúde. O exercício estimula o bom colesterol, melhora a capacidade cardiorrespiratória, diminui a obesidade quando aliada a uma alimentação racional. Criança e adolescente têm direito de brincar e de se divertir, e até de não fazer nada. O lazer envolve entretenimento, diversão, importantes ingredientes para a felicidade, antídoto da depressão. Na escola é obrigatório o recesso, chamado recreio, momento de descontração no qual os alunos descansam a mente e se inter-relacionam. Em casa, a famí- lia deve reservar algum tempo para que a criança brinque e possa de fato ser criança, afas- tando o adulto em miniatura exigido pela sociedade moderna. Poder Público e família têm importante papel na efetivação desses direitos funda- mentais. O Estado deve assegurar o acesso à cultura, esporte e lazer através da construção de praças, instalação de lonas culturais, de teatros populares, promoção de shows abertos ao público, construção de complexos ou simples ginásios poliesportivos. A família deve buscar, de acordo com sua classe social, ofertar às suas crianças e jovens a possibilidade de freqüentar, teatros, shows, assistir filmes ou, simplesmente, brincar. A própria escola tem importante papel na promoção desses direitos, sendo comum passeios a museus ou forma- ção de grupos de teatro pelos próprios alunos. A doutrina da proteção integral não comporta relativização. Assim, cabe à sociedade exigir o respeito e a efetivação dos direitos fundamentais preconizados no artigo 227 da Lei Maior em favor de nossas crianças e jovens, conquista da nossa atual sociedade. 8. Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho A profissionalização integra o processo de formação do adolescente e, por isso, lhe é assegurada. Contudo, sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento exige um regi- me especial de trabalho, com direitos e restrições. Andréa Rodrigues Amin 62 A Constituição Federal de 1988, mantendo a tradição brasileira, fixava a idade míni- ma de trabalho para o adolescente em 14 anos de idade, salvo na condição de aprendiz. A Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98, alterou o inciso XXXIII do artigo 7º restringin- do o trabalho adolescente a partir dos 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 (catorze) anos.47 Além da limitação etária, é também proibido o trabalho noturno (entre 22 e 5 horas),48 perigoso, insalubre ou penoso,49 realizado em locais prejudiciais à sua formação e desenvolvimento físico, psíquico, moral e social. O artigo 405, § 3º, da CLT, dispõe sobre locais de trabalho considerados prejudiciais à moralidade do adolescente. À guisa de exemplo, citamos teatros de revista, cinemas, boa- tes, cassinos, cabarés dancings, circos, venda de bebidas alcoólicas etc. Contudo o Juiz da Infância e Juventude poderá conceder autorização para o adolescente trabalhar ou apenas participar de espetáculos, circos, cinemas e afins, desde que não se mostre prejudicial à sua formação moral (art. 406 da CLT). O mesmo tratamento será dado aos “atores-mirins”, crianças que participam de novelas e peças teatrais. Não se trata de um contrato de trabalho regido pela CLT, pois o trabalho infantil é proibido constitucionalmente, mas sim de um contrato de participação em obra televisiva, teatral ou cinematográfica, dependente de autorização judicial e sujei- to a um regime especial, de acordo com a portaria do juízo da infância e juventude. Torna-se oportuno registrar que o alvará deverá levar em conta a peculiaridade de cada trabalho a ser realizado adequando-o ao cotidiano dos jovens atores, a fim de não pre- judicá-los em seu desenvolvimento. Não podemos deixar de lembrar a especial condição de pessoas em desenvolvimento que demanda uma análise particularizada de cada caso. Caberá, portanto, uma limitação da quantidade de dias e horas de gravação que, caso não respeitada, gerará sanções para o contratante. A legislação especial também condiciona à autorização do Juiz da Infância e Juventude o trabalho exercido nas ruas, praças e outros logradouros. Caberá à autoridade judicial verificar se a ocupação é indispensável à subsistência do adolescente ou família e se não sofrerá prejuízo quanto à sua formação moral (art. 405, § 2º, da CLT). Não se admitirá atividade profissional realizada em horários e locais que não permi- tam a frequência à escola. O direito à educação é indisponível e poderá ser complementa- do pela atividade profissional, mas não o contrário. A carga horária do trabalho poderá ser de até 44 (quarenta e quatro) horas semanais, com intervalo intrajornada de 1 a 2 horas se o trabalho for superior a 6 horas diárias e de 15 minutos se a jornada for de quatro horas. Dos Direitos Fundamentais 63 47 Em razão da EC 20, o artigo 60 da Lei nº 8.069/90 deve ser recepcionado de acordo com o novo texto cons- titucional. 48 Art. 404 da CLT. 49 A Portaria nº 20 do TEM, baixada pela Secretaria de Inspeção do Trabalho e Direção de Segurança e Saúde no Trabalho, enumera os serviços insalubres ou perigosos independente do uso de equipamento de prote- ção individual. Os direitos trabalhistas lhe são assegurados e seu contrato de trabalho deverá ser ano- tado na carteira de trabalho. Férias são concedidas após período de 12 meses de atividade, devendo coincidir com o período de férias escolares (arts. 134 e 136 da CLT). O empregador deverá assegurar ao trabalhador adolescente tempo necessário para freqüentar as aulas (art. 427 da CLT). Caso os pais constatem que o trabalho é prejudicial ao desenvolvimento do adolescente, poderão (deverão) rescindir o contrato de trabalho sem qualquer prejuízo. 8.1. Aprendizagem O contrato de aprendizagem é definido no artigo 428 da CLT como sendo contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de quatorze e menor de dezoito anos, inscrito em pro- grama de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com os eu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz a executar com zelo e diligên- cia, as tarefas necessárias a essa formação. Trata-se de um contrato especial de trabalho com duração máxima de dois anos sobre o qual incidirão direitos trabalhistas. Assim, é obrigatória sua anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social. Se o aprendiz não concluiu o ensino fundamental a educação profissionalizante será considerada básica e regida pela LDB (arts. 36/42). Também serão regidas pela LDB as ati- vidades de aprendizagem desenvolvidas em escolas de ensino regular e em instituições especializadas. O aprendiz receberá remuneração equivalente ao salário-mínimo-hora, possuindo uma jornada máxima de seis horas diárias, vedada prorrogação (art. 432 CLT). Sua ativida- de será supervisionada, complementada pro atividades teóricas e práticas organizadas em tarefas de complexidade progressiva. Os programas de aprendizagem, por força do artigo 90, parágrafo único, do ECA deve- rão ser inscritos no Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA, e findo o curso será concedido ao aprendiz certificado de qualificação profissional. As causas de extinção do contrato de aprendizagem encontram-se no art. 433 da CLT, compreendendo: a) alcance do termo; b) alcance da idade limite de dezoito anos; c) desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz; d) falta disciplinar grave; e) ausên- cia injustificada à escola que implique perda do ano letivo; f) a pedido do aprendiz. 8.2. Trabalho Rural O trabalho rural é regulado pela Lei nº 5.889/73 e pela Constituição Federal, que o equiparou ao trabalho urbano quanto às garantias previstas no artigo 7º. O trabalho adolescente no campo se submete à idade mínima de 16 anos, ressalvada a aprendizagem a partir dos 14 anos. É vedado o trabalho noturno que, na lavoura é com- preendido entre as 21 horas e as 5 horas do dia seguinte e na atividade pecuária entre 20 horas e 4 horas do dia seguinte. Andréa Rodrigues Amin 64 A remuneração não poderá ser inferior ao salário-mínimo-hora e o empregador asse- gurará o período de freqüência à escola. Infelizmente um grande número de crianças e jovens vive à margem da lei e desde cedo asseguram sua subsistência, e às vezes a dos pais, numa completa inversão de valores, traba- lhando pelas ruas, de dia e à noite, sem se submeter à lei formal, mas apenas à lei da vida. Lutar contra essa realidade deve ser um compromisso da nação. Os passos iniciais já foram dados através dos programas PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e Agente Jovem. Democratizá-los e universalizá-los é o próximo passo. Referências Bibliográficas BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Campus, 4ª Reimpressão. MONARCO, Gustavo Ferraz de Campos, A Proteção da Criança no Cenário Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 9ª ed., 1992. MACHADO, Martha de Toledo, A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. São Paulo: Manole, 2003. SILVA, De Plácido, Vocabulário Jurídico, v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1987. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – versão preliminar – Ministério da Educação e do Desporto – Brasília – janeiro/98. HOLANDA, Aurélio Buarque, Novo Dicionário Aurélio, Nova Fronteira.Direito à Educação: Uma Questão de Justiça. São Paulo: Malheiros, 2004. Dos Direitos Fundamentais 65 Direito Fundamental à Convivência Familiar Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 1. Origem da Família Pelos preceitos judaico-cristãos, Deus criou o ser humano desdobrado em dois sexos, homem e mulher, e mandou que se multiplicassem (Gn. 1:27-28). Deus estava, ao mesmo tempo, criando o homem e a mulher e instituindo a família, dando início à sociedade humana. Pela narrativa de Moisés, não foi o homem que decidiu gerar filhos, mas o Criador assim o ordenou que fizesse e organizasse o núcleo familiar.1 No mesmo relato do Gênesis, o homem é denominado “varão” e a mulher, “varoa”. Estes vocábulos hebraicos têm o sentido de companheiro e companheira e indicam a iden- tidade do homem e da mulher: companheiros um do outro. Esta era a condição do primei- ro casal, segundo a narrativa bíblica. Muitas são as teorias acerca da evolução da família. Para a teoria da promiscuidade primitiva, teria havido uma fase original de anomia, na qual todas as mulheres pertenciam a todos os homens. Para a teoria matriarcal, após aquela época de desordem, a genitora passou a ser o centro da ordem familiar, havendo apenas o parentesco uterino (certeza da maternidade). Por outro lado, para a teoria patriarcal, o pai desde sempre foi o eixo da organização familiar.2 Nos primórdios da civilização romana e grega, a família era uma instituição que tinha base política e, principalmente, religiosa. O afeto natural entre o grupo familiar não era o seu esteio. Tampouco foi o poder paternal ou marital a causa de sua constituição, mas este poder veio de uma religião do lar presidida pelo pai.3 Comprovado está, por registros históricos, que a família ocidental existiu por um longo tempo sob o tipo patriarcal. No Brasil, o modelo familiar contemporâneo retrata a organização institucional da família romana.4 Surpreendente, porém, é o fato de que a Constituição Federal do Brasil, outorgada no Império (1884), não fez referência à família ou ao casamento. De semelhante maneira, a 67 1 Na Bíblia Sagrada, a primeira menção à palavra família é encontrada em Gênesis 24:38. Apesar de ser uma citação distanciada da criação, não quer isto dizer que a família somente começou a existir séculos depois, porquanto percebemos que faz referência à instituição social existente desde o início da criação: um núcleo de pessoas com ligações consangüíneas, que foram geradas a partir da união de um homem e de uma mulher. 2 Cf. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. Direito de Família Brasileiro. Introdução-abordagem sob a pers- pectiva civil-constitucional. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, pp. 16-17. Consultar acerca das teorias em relação à origem da família a didática exposição de MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito de Família, v. 1. São Paulo: Bookseller, 2001, pp. 62-68. 3 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Martins Fontes, 2000, pp. 36-37. 4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, v. V, 2004, p. 25; e PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família, uma abordagem psicanalítica. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 31. Constituição Federal de 1891 não dedicou capítulo à família. Esta, como instituição, somente mereceu a tutela constitucional em 1934, mas seus integrantes, como pessoas, não gozavam de tal proteção.5 Somente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, todos os familiares foram reconhecidos e tratados como sujeitos de direitos, respeitando-se suas individuali- dades e seus direitos fundamentais. A partir de então, a conceituação de família foi ampliada, reconhecendo-se a pos- sibilidade de sua origem na informalidade, na uniparentalidade e, principalmente, no afeto. Tornou-se irreversível a pluralidade das entidades familiares (art. 226, §§ 1º, 3º e 4º, da CF/88). É indispensável, também, mencionar a garantia de toda pessoa humana ter o direito de fundar uma família. A redação sucinta, mas extremamente pertinente, da Declaração Universal dos Direitos do Homem assegura firmemente que este é um direito elementar: “A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da socie- dade e do Estado” (art. 16.3). O art. 17 do Pacto de San José da Costa Rica, elaborado na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, assinado em 22 de novembro de 1969 e ratifica- do pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, possui redação semelhante ao estabelecer que a “família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela socie- dade e pelo Estado”. Em estreita síntese, família não é somente uma instituição decorrente do matrimô- nio nem tampouco se limita a uma função meramente econômica, política ou religiosa. Com a repersonalização da família,6 é adequado concluir-se que a célula mater da socie- dade, modernamente, passou a significar o ambiente de desenvolvimento da personalida- de e da promoção da dignidade de seus membros, sejam adultos ou infantes, o qual pode apresentar uma pluralidade de formas decorrentes das variadas origens e que possui como elemento nuclear o afeto. 2. Princípios Relativos à Família A partir do momento em que a Constituição Federal Brasileira de 1988 deslocou o enfoque principal da família do instituto do casamento e passou a olhar com mais atenção para as relações entre pessoas unidas por laços de sangue ou de afeto, todos os institutos relacionados aos direitos dos membros de uma entidade familiar tiveram que se amoldar aos novos tempos. Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 68 5 Constituições do Brasil, v. 1, Liber Juris, 1975. 6 Ensina Paulo Luiz Netto Lobo que a excessiva preocupação com os interesses patrimoniais que matizaram o direito de família tradicional não encontra eco na família atual, vincada por outros interesses de cunho pessoal ou humano tipificados por um elemento aglutinador e nuclear distinto: a afetividade. Esse elemen- to nuclear define o suporte fático da família tutelada pela Constituição, conduzindo ao fenômeno que deno- minamos “repersonalização”. Para aprofundamento acerca do termo e da idéia da repersonalização das relações civis no âmbito do direi- to de família, faz-se mister a leitura de “A Repersonalização das Relações de Família” de Paulo Luiz Netto Lobo, in: Revista Brasileira de Direito de Família nº 24, pp. 136-156. Com efeito, estas notáveis transformações foram consagradas em sede constitucional após anos de embates e debates jurisprudenciais e doutrinários e, também, depois de amplas discussões, em âmbito internacional, acerca dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Diante do modelo familiar remodelado, o Direito da Criança e do Adolescente e de sua família precisou ajustar-se aos princípios constitucionais de 1988. Os mais destacados destes princípios norteadores das alterações da família são aqueles que tiveram por base estabelecer a isonomia entre os diversos membros, tratados, até então, discriminadamen- te, destacando-se o princípio da isonomia entre os filhos,7 da igualdade de direitos entre os gêneros,8 e entre os cônjuges e companheiros.9 Ainda no âmbito constitucional, embasam a nova ordem familiar o princípio da dig- nidade humana,10 o princípio da prioridade absoluta dos direitos da criança11 e o princí- pio da paternidade responsável,12 que vieram agregar a preocupação da sociedade e do Estado com todos os membros da família, em especial com aqueles cujas vozes pouco ou nada ecoavam.13 Nesta esteira, ainda, não se pode deixar de mencionar a importantíssima integração ao direito brasileiro da Doutrina da Proteção Integral,14 do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente15 e, por derradeiro, do reconhecimento do afeto16 e do cuida- Direito Fundamental à Convivência Familiar 69 7 Art. 227, § 6º, da Constituição Federal do Brasil de 1988. 8 Art. 5º, I, da Constituição Federal do Brasil de 1988. 9 Art. 226, § 5º, da Constituição Federal do Brasil de 1988. 10 Art. 1º, III, da Constituição Federal do Brasil de 1988. 11 Art. 227 da Constituição Federal do Brasil de 1988, c/c art. 4º da Lei nº 8.069/90. 12 Art. 226, § 7º, da Constituição Federal do Brasil de 1988, c/c art. 3º, da Lei nº 8.069/90. 13 O membro do Ministério Público paulista Gianpaolo Poggio Smanio, em seu artigo “A Tutela Constitucional dos Direitos Difusos”, ao comentar os artigos 226 e 227 da CF/88, enfatiza dois outros prin- cípios relativos à família e aos seus membros que merecem ser mencionados: “O primeiro princípio consti- tucional que destacamos é o da obrigatoriedade da intervenção estatal. Em relação à família, o referido prin- cípio vem estipulado pelo art. 226, caput e § 8º, da CF. Ao estabelecer que a família tem especial proteção do Estado e que este assegurará a sua assistência na pessoa de cada um dos que a integram, a Carta Constitucional impõe um dever de atuação concreta ao Poder Público, não se tratando de mera norma pro- gramática... O art. 227, caput e § 1º, da Magna Carta trazem a obrigatoriedade da intervenção estatal em relação à criança e ao adolescente... O segundo princípio constitucional que destacamos é o “princípio da cooperação”. Tanto o mencionado art. 227, caput, quanto o referido art. 230, caput, da CF determinam o dever de assegurar os direitos da criança, do adolescente e do idoso à família e à sociedade, além de ao Estado. Dessa forma, não é apenas o Estado que tem o dever de atuação, mas também a sociedade como um todo. Surge, assim, o “dever de cooperação da sociedade”, bem como da família, com o Estado, para assegu- rar os direitos fundamentais da criança, do adolescente e do idoso. Também as entidades não governamen- tais (ONGs) poderão participar dos programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, em cooperação com o Poder Público, conforme permissão constitucional expressa constante do § 1º do art. 227 da CF.” Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5710. Acesso em 14 agosto 2009. 14 Art. 227, da Constituição Federal do Brasil de 1988. 15 Art. 3º da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada em 20/09/89 na Assembléia Geral das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 99.710/90. 16 Enfatizando a importância do afeto nas relações de família, Maria Berenice Dias conclui que “o princípio norteador do direito das famílias é o princípio da afetividade”. In: Manual de Direito das Famílias. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 61. do17 como princípios jurídicos, sem os quais as relações familiares se consumiriam em ins- titutos vazios e fadados a desaparecer, pois são elementos indispensáveis para a sua estru- turação e manutenção. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em recente alteração de sua redação (Lei nº 12.010/2009), passou a enumerar princípios valiosos relacionados aos direitos fundamen- tais de crianças e adolescentes. Dois desses destacam-se por estarem relacionados direta- mente à importância do papel da família na formação dos filhos menores. Estão eles encer- rados nos incisos IX e X do parágrafo único do art. 100: princípio da responsabilidade parental e princípio da prevalência da família. Representam tais princípios que a interven- ção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres com os filhos e na pro- moção de seus direitos e proteção deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promo- vam a sua integração em família substituta. Com bastante pertinência, Rodrigo da Cunha Pereira ressalta que nem todos os prin- cípios relacionados à família estão escritos na lei, pois alguns se encontram contidos e subentendidos na mesma, na medida em que “eles já são inscritos no espírito ético dos ordenamentos jurídicos”. Como exemplo destes princípios gerais não expressos, mas não menos importantes, o referido doutrinador menciona especificadamente, no âmbito do direito familiar, o princípio da monogamia e o princípio da interdição do incesto.18 3. Noção Atual de Família A família natural, tal como conceituada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, na Seção II do Capítulo do Direito à Convivência Familiar e Comunitária, é aquela com- Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 70 17 Além de localizarmos a previsão do cuidado na redação dos artigos 3º, 7º, 9º e 18 da Convenção Internacional sobre Direitos da Criança, impende salientar que o cuidado como princípio emerge da inter- pretação do próprio significado conferido pelo legislador constitucional ao vocábulo “proteção”. A Constituição Federal Brasileira de 1988 garante proteção à família (art. 226 e § 8º) e a seus participantes (art. 227 e §§ 3º, 229 e 230). Neste contexto, não se pode olvidar que proteção significa amparo, apoio, auxílio, resguardo e a responsabilidade de cuidar (Fernandes, Francisco. Dicionário de Sinônimos e Antônimos da Língua Portuguesa. 39ª ed., rev. e ampl. por Celso Pedro Luft, São Paulo: Globo, 2000). Na doutrina, sobre o assunto, recomendamos a leitura do trabalho precursor da Prof.ª Tânia da Silva Pereira, intitulado “O Cuidado como Valor Jurídico”, In: A Ética da Convivência Familiar. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 231-256. Na jurisprudência, o pioneirismo é encontrado na Decisão proferida na Apelação nº 436.704.4/20-0 da 5a Câmara (Seção de Direito Privado) do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Relator Des. Antônio Carlos Mathias Couto: “Investigação de Paternidade e alimentos – Alegação de inobservância do princípio constitucional da ampla defesa, por não analisado pedido de audiência de conciliação, instrução e julgamen- to, inclusive para produção de prova testemunhal – Exame pericial que concluiu ser a probabilidade da paternidade de 99,999999% – Dilação probatória aberta com a determinação de perícia, tendo as partes, após, requerido a designação de audiência – Alimentos fixados sem a produção de qualquer prova tenden- te à aferição do valor ideal – Anulação da sentença, para o fim de realizar-se audiência – Precedentes. Fixação de pensão provisória, de ofício, em favor do autor, ante o tempo decorrido desde o ajuizamento da ação e a presença dos requisitos a tanto necessários – Possibilidade, nos próprios autos do processo de conhecimento – considerados fundamento e princípios constitucionais e legais pertinentes à espécie e a necessidade de atentar-se para o “cuidado” como valor jurídico digno de consideração”. (grifo nosso) 18 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, pp. 24-25. preendida pelos pais e seus filhos, mas também a formada por qualquer um deles e sua prole (art. 25). Note-se o aspecto eminentemente consangüíneo do vínculo familiar aqui definido como família natural, não abrangendo a família oriunda de adoção que foi trata- da na Seção III do mesmo Capítulo, ao cuidar da família substituta. Com relação a esta última, dúvidas não há da existência de uma família (mesmo que não existam vínculos consangüíneos), haja vista a expressa previsão constitucional e legal (art. 227, § 6º, da CF/88 e art. 1.596 do CC). No que concerne a mãe e seu feto, as referidas normas nada falam. Todavia, parece- nos desnecessária referência expressa, na medida em que inconstitucional seria a limita- ção interpretativa acerca da expressão “qualquer deles e seus descendentes”, sob pretexto infundado de que o filho no útero materno não é titular de direitos. Pelo contrário, no art. 2º do Código Civil são garantidos ao nascituro direitos desde o nascimento com vida (cor- rente natalista) ou a partir da concepção (corrente concepcionista). De efeito, o nascituro tem legitimidade para propor ação de reconhecimento de paternidade, consoante permis- sivo do parágrafo único do art. 1.609 do Código Civil, o direito de ser-lhe nomeado cura- dor (art. 1.779 do CC), dentre outros, espancando quaisquer dúvidas de que enquanto nas- cituro precisa ser representado (pelos genitores ou curador ao ventre). Logo, reconhece-se o direito do nascituro de ter uma família, como ser humano que é, vinculado à sua proge- nitora por laços de parentesco. Destarte, ante a notoriedade da gestação, a mãe solteira grá- vida e seu nascituro constituem uma família monoparental.19 Modernamente, outra modalidade de família apresenta-se alvo de constantes estu- dos e pesquisas, pelo fato de representar um grande número estatístico no Brasil: as famí- lias recompostas. Define-se como família recomposta ou reconstituída aquela “estrutura familiar originada do casamento ou da união estável de um casal, na qual um ou ambos de seus membros têm filho ou filhos de um vínculo anterior”.20 O crescente aumento da quantidade de pessoas sozinhas, viúvas, divorciadas e de crianças nascidas fora do casa- mento ou da união estável dos pais vem alterando a composição da família tradicional nuclear, antes formada pelos genitores casados e sua prole. 21 Com a ampliação dos divór- cios e a reconstrução quase sempre ocorrente de novos relacionamentos amorosos dos Direito Fundamental à Convivência Familiar 71 19 Diferente tratamento tem se dado aos embriões humanos concebidos in vitro e não implantados no útero, pois a lei ainda não lhes confere prerrogativas semelhantes às do nascituro, apesar de o Projeto de Lei nº 6.960/2002 estender a proteção prevista no art. 2º do Código Civil aos embriões, in verbis: “Art. 2º A per- sonalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do embrião e os do nascituro”. Para a teoria concepcionista, porém, o embrião humano é, desde a concepção, uma pessoa humana e goza de proteção jurídica, seja no útero materno, seja in vitro (PUSSI, Willian Artur. Personalidade Jurídica do Nascituro. Curitiba, Juruá, 2005, p. 191). 20 GRISSARD FILHO, Waldyr. “Famílias Reconstituídas: breve introdução ao seu estudo”. In: Direito de Família e Psicanálise: rumo a uma nova epistemologia. Giselle Câmara Groeninga e Rodrigo da Cunha Pereira (coord.). Rio de Janeiro: Imago, 2003, p. 257. 21 Destaque-se o artigo de Irene Rizzini e Maria Luiza Campos da Silva Valente acerca das transformações da família ocorridas nas últimas décadas, o seu rompimento e as conseqüências sobre os filhos. Neste artigo, as autoras apontam que o “déficit normativo” prejudica o rearranjo das relações familiares depois da separação do casal. Mas, por outro lado, ensinam as autoras que a falta de regras legais possibilita o aprendizado da família no sentido de estabelecer novos padrões de convivência (“Recasamento: impacto sobre as crianças”, in: Casamento: uma escuta além do judiciário. pp. 461-476). pais descasados é comum encontrar, no dia-a-dia das varas de família e de infância e juventude, diversos tipos de arranjos familiares, nos quais a presença do padrasto, da madrasta e dos enteados deve ser meticulosamente considerada por constituir um perso- nagem novo com função suplementar e, por vezes, substitutiva de um dos genitores, for- mando famílias plurais ou mosaicos.22 Sob a perspectiva de que o núcleo fundamental da família é o afeto e que as pessoas que a compõem devem ser respeitadas em suas individualidades e dignidade, uma realida- de social de relacionamento afetivo estável tem sido alvo de discussões acirradas na dou- trina,23 na jurisprudência24 e em Projetos de Lei.25 É o caso das uniões homoafetivas. Na ausência de lei específica regulamentando esta relação e, diante da diversidade de decisões acerca de sua natureza jurídica familiar, não podemos deixar de reconhecer que a doutrina situa-se na vanguarda sobre o tema, trazendo à baila a posição arrojada de que o convívio homoafetivo pode gerar uma família e, neste caso, há de se configurar como espécie de união estável.26 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 72 22 Sobre as transformações sociais que promoveram as alterações em relação ao modelo familiar tradicional ou singular até o surgimento das entidades familiares com multiplicidade de vínculos familiares, sugerimos a leitura de “As famílias pluriparentais ou mosaicos” de Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira e Konstace Rörhmann. In: Família e Dignidade Humana – Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Rodrigo da Cunha Pereira (Coordenador), Belo Horizonte: IBDFAM, 2006, pp.507-529. 23 Não sendo o foco do presente Curso, recomendamos o aprofundamento do estudo com as seguintes leitu- ras: DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: o preconceito e a justiça. 3.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006; GIORGIS, José Carlos Teixeira. “A natureza jurídica da relação homoerótica”. In: Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e Cidadania: O Novo CCB e a Vacatio Legis. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, pp. 109-141, e GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Companheirismo: uma espécie de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, pp. 542-550. 24 APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva manti- da entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela juris- dicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteri- za a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriori- zação do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da pessoa huma- na e da igualdade. AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC). Negado provimento ao apelo, vencido o Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves (Apelação Cível nº 70009550070 da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relatora: Des. Maria Berenice Dias, julgado em 17/11/2004). 25 Projeto de Lei nº 1.151 de 1995 da Deputada Marta Suplicy (Disciplina a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo). Projeto de Lei nº 2.285/2007 (Estatuto das Famílias) disciplina a união homoafetiva em capí- tulo específico com a seguinte redação: “Art. 68. É reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas de mesmo sexo, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura, com objetivo de cons- tituição de família, aplicando-se, no que couber, as regras concernentes à união estável. Parágrafo único. Dentre os direitos assegurados, incluem-se: I – guarda e convivência com os filhos; II – a adoção de filhos; III – direito previdenciário; IV – direito à herança.” 26 DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: o preconceito e a justiça, p. 97. In verbis: “Esta responsabilida- de de ver o novo assumiu a Justiça ao emprestar juridicidade às uniões extraconjugais. Deve, agora, mostrar A moderna noção de família, todavia, não se encontra engessada nos conceitos elen- cados; antes, está em constante transformação e renovação. A expressão entidade familiar recebeu conotação ainda mais elástica com o advento da Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha. A compreensão de família passou a abranger, também, “a comu- nidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa” (art. 5º, II). Em outras palavras, a entida- de familiar pode surgir do desejo de seus membros de se receberem como parentes ou companheiros (as).27 Com a entrada em vigor da Lei nº 12.010/2009, houve o alargamento da conceitua- ção estatutária da expressão família. Reconheceu-se na novel lei a importância de uma ver- tente familiar já bastante delineada no Direito de Família denominada família extensa ou ampliada. Este “braço familiar” se estende para além da unidade pais e filhos ou da unida- de do casal; é formado por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convi- va e mantenha vínculos de afinidade e de afetividade (parágrafo único do art. 25). Nesta conceituação legal se constata, além do pré-requisito da convivência do infan- te com os parentes próximos, a presença de liames de afinidade e de afetividade. Este últi- mo – o afeto – é o suporte de todo e qualquer relacionamento familiar. Todavia, dois sig- nificados podem ser entendidos na expressão “vínculo de afinidade”. Na primeira interpre- tação, de natureza legal, seria a relação existente entre a criança e os parentes dos cônju- ges e dos companheiros de seus pais (art. 1.595 do Código Civil).28 Por outro lado, a afini- dade existente entre a criança e seu familiar próximo pode surgir independentemente do parentesco consangüíneo, desta relação afim ou do vínculo civil, mas ser oriunda de uma identidade de sentimentos, semelhanças no pensar e agir que tornam as pessoas unidas em razão do próprio conviver diário. Esta interpretação gramatical da relação de afinidade é, Direito Fundamental à Convivência Familiar 73 igual independência e coragem quanto às uniões de pessoas do mesmo sexo. Ambas são relações afetivas, vínculos em que há comprometimento amoroso. Assim, impositivo reconhecer a existência de um gênero de união estável que comporta mais de uma espécie: união estável heteroafetiva e união estável homoafeti- va. Ambas merecem ser reconhecidas como entidade familiar.” 27 “Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio per- manente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparenta- dos, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual” (a ênfase é nossa). Para Leonardo Barreto Moreira Alves, por força deste dispositivo legal, estaria definitivamente reco- nhecida a união homoafetiva entre mulheres e entre homens, dispensando-se, por ausência de interesse, a disciplina da matéria por outra lei. “O Reconhecimento Legal do Conceito Moderno de Família: o Artigo 5º, II, Parágrafo Único, da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha)”. In: Revista Brasileira de Direito de Família, nº 39, pp. 131-153. 28 Art. 1.595 do Código Civil: “Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. § 1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do côn- juge ou companheiro.§ 2º Na linha reta, afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. Encontramos a menção à relação de afinidade, também, na redação do § 5º art. 1.584, quan- do o Código Civil trata da guarda como modalidade de família substituta. sem dúvida, a que mais se equaliza com a sistemática do ECA. De qualquer maneira, na falta dos pais ou quando estes que não possam garantir o direito à convivência familiar, a busca pela família extensa de um infante deve estar pautada nestes dois aspectos da relação: a afinidade e o afeto, sob pena de se impor o convívio com pessoas estranhas ao infante. Feitas estas digressões, não pairam dúvidas de que a dualidade de qualificações ante- riormente eleitas pelo legislador estatutário para o termo família – natural e substituta – prevista art. 25, caput, deve ser apreendida apenas para fins didáticos, pois extremamente restrita.29 Deve-se acentuar que a origem na formação da família não pode traduzir qual- quer discriminação entre seus membros, mas serve, tão-somente, para consecução de seus diversos fins e conseqüências, decorrentes da maior ou da menor amplitude da modalida- de de família (por exemplo: na guarda (família substituta), não há alteração do registro de nascimento do infante, como ocorre na adoção). Cumpre realçar, entretanto, a proteção especial deferida à família natural (art. 226 da CF/88), prevendo o legislador estatutário os meios para garantir que os filhos menores de 18 anos sejam criados no seio de sua família de origem (arts. 19 e 23 do ECA). A propósito, a conceituação de Wilson Donizeti Liberati sobre a família natural des- taca o papel desta comunidade primeira da criança: “Lá ela deve ser mantida, sempre que possível, mesmo apresentando carência financeira. Lá é o lugar onde devem ser cultivados e fortalecidos os sentimentos básicos de um crescimento sadio e harmonioso”.30 Por ser o seio familiar um local privilegiado, somente em casos excepcionais, a prio- ridade de se conviver com os pais naturais deve ser afastada, sob pena de se lesar o próprio desenvolvimento da criança. Em qualquer caso, porém, o ECA exorta ser inadmissível que se mantenha um ser em formação, sem discernimento para o certo e o errado, em local onde adultos, mesmo os pais biológicos, utilizem drogas ilícitas ou pratiquem atos contrá- rios à moral, aos bons costumes e à lei (art. 19, in fine, do ECA). Seja a família composta por um homem e uma mulher casados ou conviventes e seus filhos, seja a família monoparental (art. 226, §§ 1º, 2º, 3º e 4º, da CF/88) ou substituta (arti- gos 28 a 52 do ECA), a entidade familiar permanece sob a proteção do Estado (art. 223 da CF/88). De qualquer forma, as entidades familiares devem reproduzir a formação democrá- tica da convivência social e fundar-se em valores como solidariedade, afeto, respeito, com- preensão, carinho e aceitação das necessidades existenciais de seus integrantes.31 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 74 29 O Projeto de Lei nº 2.285/2007, do Deputado Sérgio Barradas Carneiro, denominado Estatuto das Famílias, de iniciativa do IBDFAM, em trâmite no Congresso Nacional, sistematizou todas as normas de Direito mate- rial e processual de Família em um só diploma legal, desmembrado do Código Civil, e normatizou a famí- lia matrimonial, a união estável, a união homoafetiva e a família parental (monoparental e pluriparental) todas sob o mesmo título: “Entidades Familiares”. Para leitura integral do texto, buscar no seguinte site: http://www.ibdfam.org.br. 30 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 30. 31 Seguindo a linha de pensamento de GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. Direito de Família Brasileiro. Introdução-abordagem sob a perspectiva civil-constitucional. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 23. Possuindo uma função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes, a família, como sociedade natural, é, portanto, “a for- mação social, garantida pela Constituição, não como portadora de um interesse superior e superindividual, mas, sim, em função da realização das exigências humanas, como lugar onde se desenvolve a pessoa”, consoante exato ensinamento de Pietro Perlingieri.32 4. Conceituação de Convivência Familiar e Comunitária A Constituição Federal Brasileira, no art. 227, assegura expressamente, como Direito Fundamental disperso, a convivência familiar para toda criança e adolescente.33 Esta garantia constitucional foi integralmente inserida na Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) nos artigos 4º e 16, V, e, de modo destacado, em todo o Capítulo III do Título II.34 Com efeito, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança normatiza: “Os Estados-Partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competen- tes determinarem, em conformidade com a lei e com os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança”.35 Sobrelevando a importância do convívio familiar, Tarcísio José Martins Costa apon- ta que o direito à convivência familiar, antes de ser um direito, é uma necessidade vital da criança, no mesmo patamar de importância do direito fundamental à vida.36 Destarte, podemos conceituar a convivência familiar como o direito fundamental de toda pessoa humana de viver junto à família de origem, em ambiente de afeto e de cuida- do mútuos, configurando-se como um direito vital quando se tratar de pessoa em forma- ção (criança e adolescente).37 Direito Fundamental à Convivência Familiar 75 32 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 243. 33 Art. 227 da CF/88: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cul- tura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (grifo nosso) 34 Art. 4º: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com abso- luta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, à liberdade e à convivência familiar e comunitário (...). Art. 16: “O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: V – participar da vida familiar e comuni- tária, sem discriminação”. Art. 19: “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”. (grifos nossos) 35 Art. 9º, I, da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada em 20/09/89 na Assembléia Geral das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 99.710/90. 36 COSTA, Tarcísio José Martins. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 38. 37 A importância do vínculo familiar no direito à vida é trabalhada no texto de Cenise Monte Vicente deno- minado “O Direito à Convivência Familiar e comunitária: uma política de manutenção do vínculo”, que merece ser transcrito: “O vínculo é um aspecto tão fundamental na condição humana, e particularmente essencial ao desenvolvimento, que os direitos da criança o levam em consideração na categoria convivên- cia – viver junto. O que está em jogo não é uma questão moral, religiosa ou cultural, mas sim uma questão Ao lado da Convivência Familiar, ora em destaque, merece trazer à baila o Direito Fundamental à Convivência Comunitária, previsto nos mesmos dispositivos legais referi- dos, pois constitui uma interseção imperativa com aquele outro, de maneira que somente com a presença de ambos haverá um bom e saudável desenvolvimento do ser humano em processo de formação. A criança e o adolescente, com o passar dos anos, ampliam os seus relacionamentos e passam a viver experiências próprias fora do âmbito familiar que lhe auxiliarão no incremento da personalidade e do caráter. Neste ponto, a convivência esco- lar, religiosa e recreativa deve ser incentivada e facilitada pelos pais. Estes espaços comple- mentares do ambiente doméstico constituem pontos de identificação importantes, inclusi- ve para a proteção e o amparo do infante, mormente quando perdido o referencial familiar. Para Irene Rizzini, entende-se a convivência familiar e comunitária como a possibi- lidade de a criança permanecer no meio a que pertence, preferencialmente junto a sua família, seus pais e/ou outros familiares e, caso não seja possível, em outra família que a acolher.38 Em outras palavras, conviver em família e na comunidade é sinônimo de segu- rança e estabilidade para o desenvolvimento de um ser em formação. Afastamento do núcleo familiar representa grave violação do direito à vida de um infante. Desta sorte, a convivência em família é, sem dúvida, um porto seguro para a integri- dade física e emocional de toda criança e todo adolescente. Ser criado e educado junto aos pais biológicos ou adotivos deve representar para o menor de 18 anos estar integrado a um núcleo de amor, respeito e proteção. 5. A normatização no cenário nacional Ante a magnitude do direito em apreço, reconhecido como fundamental pelas nor- mas internacionais e pela Lei Maior do País, a convivência familiar e a comunitária trans- cenderam a mera letra dos textos normativos antes enumerados e alargaram a sua discus- são e implementação em nível nacional, através da criação de Comissão, com a participa- ção de vários setores relacionados à área infanto-juvenil, culminando na edição do deno- minado Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária que pretende priorizar a recuperação do ambiente familiar, prevendo novas políticas públicas a fim de evitar o afastamento do convívio familiar.39 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 76 vital. Na discussão das situações de risco para a criança, a questão da mortalidade infantil ou da desnutrição é imediata. Sobreviver é condição básica, óbvia, para o direito à vida. Deve-se acrescentar a dimensão afe- tiva na defesa da vida. Em outras palavras, sobreviver é pouco. A criança tem direito a viver, a desfrutar de uma rede afetiva, na qual possa crescer plenamente, brincar, contar com a paciência, a tolerância e a com- preensão dos adultos sempre que estiver em dificuldade.” Disponível em: http://www.abmp.org.br/textos/332.htm. Acesso em 21 ago. 2009. 38 RIZZINI, Irene (coord.), RIZZINI, Irma, NAIFF, Luciene, BAPTISTA, Rachel. Acolhendo crianças e ado- lescentes: experiências de promoção do Direito à Convivência Familiar e Comunitária no Brasil. São Paulo: Cortez, 2006, p. 22. 39 Por Decreto Presidencial de 19 de outubro de 2004 foi criada uma Comissão Intersetorial com a finalidade de elaborar o plano nacional e as diretrizes da política de promoção, defesa e garantia do direito de crian- ças e adolescentes à convivência familiar e comunitária. Consoante alistado no mencionado Plano Nacional, O direito à convivência familiar teve aperfeiçoada a sua sistemática através da Lei nº 12.010, de 29 de julho de 2009, normatização esta que efetuou diversas alterações em vários dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente, que dizem respeito ao direi- to referido, com ênfase na necessidade de implementação de políticas públicas específicas, destinadas a orientação, apoio e promoção social da família de origem da criança ou ado- lescente, que, por força do dispositivo do art. 226, caput, da Constituição Federal, tem direito à especial proteção do Estado. Estabeleceu a novel Lei nº 12.010/2009, como princípio que rege a aplicação das medidas específicas de proteção, o princípio da prevalência da família, significando que na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta (art. 100, parágra- fo único, X, do ECA). A preservação e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários constituem um dos princípios basilares da política nacional disciplinadora dos serviços de acolhimen- to para as crianças e os adolescentes. Ressalta a orientação técnica do CONANDA40 que esses vínculos são fundamentais nessa etapa do desenvolvimento humano, de modo a ofe- recer ao infante condição para um desenvolvimento saudável, que favoreça a formação de sua identidade e sua constituição como sujeito e cidadão. Nesse sentido, conclui a orien- tação ser importante que essa conservação dos liames familiares ocorra nas ações cotidia- nas dos serviços de acolhimento – visitas e encontros com as famílias e com as pessoas de referências da comunidade da criança e do adolescente, por exemplo. Por esta razão, os serviços de acolhimento devem estar localizados em áreas residenciais, sem distanciar-se excessivamente, do ponto de vista geográfico e socioeconômico, do contexto de origem das crianças e adolescentes. Em hipóteses excepcionais, e somente por determinação judicial, quando necessário o afastamento do convívio familiar e encaminhamento para serviço de acolhimento, esfor- ços devem ser empreendidos para manter a criança e o adolescente o mais próximo possí- vel de seu contexto de origem, a fim de facilitar o contato com a família e o trabalho pela reintegração familiar. A proximidade com o contexto de origem tem como objetivo, ainda, Direito Fundamental à Convivência Familiar 77 aprovado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), em 13 de dezembro de 2006, o atendimento será fundamentado nas seguintes diretrizes: centralidade da família nas políticas públicas; primazia da responsabilidade do Estado no fomento de políticas integradas de apoio à família; reconhecimento das competências da família na sua organização interna e na superação de suas dificuldades; respeito à diversidade étnico-cultural, à identida- de e orientação sexuais, à eqüidade de gênero e às particularidades das condições físicas, sensoriais e men- tais; fortalecimento da autonomia da criança, do adolescente e do jovem adulto na elaboração do seu pro- jeto de vida; garantia dos princípios de excepcionalidade e provisoriedade dos Programas de Famílias Acolhedoras e de Acolhimento Institucional de crianças e de adolescentes; reordenamento dos programas de Acolhimento Institucional, adoção centrada no interesse da criança e do adolescente e o controle social das políticas públicas. Disponível em http://www.sedes.ma.gov.br. Acesso em 28 jan. 2007. 40 Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente-CONANDA. Brasília, junho de 2009. Disponível em: http://www.mds.gov.br/cnas/noticias/cnas-e-conanda-orientacoes-tecnicas-servicos-de-acolhimento-para- criancas-e-adolescentes-1. Acesso em 10 ago.2009. preservar os vínculos comunitários já existentes e evitar que, além do afastamento da famí- lia, o acolhimento implique o afastamento da criança e do adolescente de seus colegas, vizinhos, escola, atividades realizadas na comunidade. Seguindo esses paradigmas, note-se que a Lei nº 12.010, de 29 de julho de 2009, dis- pôs que a intervenção estatal deverá estar voltada prioritariamente a orientação, apoio e promoção social da família natural, junto à qual a criança e o adolescente devem perma- necer, salvo haja absoluta impossibilidade demonstrada por decisão judicial fundamenta- da. Em outras palavras, o §1º do art. 1º da referida Lei pretende “fechar as brechas” deixa- das pela redação do ECA, sistematizando obrigações mais rígidas para os atores do sistema de proteção, de maneira que nas ações desenvolvidas em benefício dos infantes esteja incluída prioritariamente a preservação da família natural, uma vez que reconhecidamen- te fundamental para a vida da criança. Esta mesma prioridade encontramos focalizada no § 3º do art. 19 do ECA, com a nova redação conferida pela Lei em comento, quando estabelece a preferência da manu- tenção ou da reintegração de criança ou adolescente à sua família em relação a qualquer outra providência. Prevê a referida norma que a família natural, então, será incluída em programas de orientação e auxílio. A Lei nº 12.010/09 incluiu, também, a determinação aos dirigentes de programas de acolhimento familiar ou institucional (antigo abrigo) de reavaliarem a cada seis meses a situação das crianças e dos adolescentes inseridos naquelas medidas, de maneira que a autoridade judiciária possa decidir o quanto antes acerca do retorno do infante ao seio de sua família natural ou, em sendo inviável, ser acionada para a colocação em família subs- tituta (§1º do art. 19). O valor desta regra que assegura o direito à convivência familiar é inegável, especialmente por fixar prazo máximo para o acolhimento institucional (2 anos), salvo comprovada necessidade (§ 2º do art. 19). Referências Bibliográficas A BÍBLIA DA MULHER: leitura, devocional, estudo. São Paulo: Mundo Cristão, 2003. ALVES, Leonardo Barreto Moreira Alves. “O Reconhecimento Legal do Conceito Moderno de Família: o Artigo 5º, II, Parágrafo Único, da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha)”. 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Rodrigo da Cunha Pereira (Coordenador), Belo Horizonte: IBDFAM, 2006. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. Direito de Família Brasileiro. Introdução-aborda- gem sob a perspectiva civil-constitucional. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. _____. Companheirismo: uma espécie de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. GIORGIS, José Carlos Teixeira. “A natureza jurídica da relação homoerótica”. In: Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e Cidadania: O Novo CCB e a Vacatio Legis. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. GRISSARD FILHO, Waldyr. “Famílias Reconstituídas: breve introdução ao seu estudo”. In: Direito de Família e Psicanálise: rumo a uma nova epistemologia. Giselle Câmara Groeninga e Rodrigo da Cunha Pereira (coord.). Rio de Janeiro: Imago, 2003. LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros, 2004. LÔBO, Paulo Luiz Netto. “A Repersonalização das Relações de Família”. 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A Denominação do Instituto A designação do instituto milenar do pátrio poder consagrada pelo Código Civil de 2002 teve por meta abraçar a idéia da função conjunta dos pais, mas foi e é muito criticada pelos doutrinadores, visto que manteve componente da antiga expressão (poder) e por, aparentemente, atribuir prerrogativa à família (familiar) e não aos pais. Portanto, alguns doutrinadores, para evitar interpretações dúbias, preferem nomear o instituto como poder de proteção, poder parental ou autoridade parental.1 Criticando a locução “autoridade parental”, a respeitada psicanalista infantil Françoise Dolto leciona que aquele termo não mais corresponde à realidade da perso- nalidade dos pais modernos. Para a autora francesa, nos dias atuais, os adultos já não têm a mesma autoridade, e as crianças percebem perfeitamente a carência de autori- dade dos pais. Desta maneira, explica a especialista que os filhos sabem que os pais são seus “responsáveis” e, sendo assim, a utilização da expressão “responsabilidade paren- tal” seria mais facilmente compreendida.2 Não obstante a denominação inapropriada, fato certo e indiscutível é que este envelhecido instituto adquiriu feições modernas e consolidou a extinção definitiva do modelo de família patriarcal do direito romano, ou da chefia da sociedade conjugal pelo marido, com a mulher no papel de mera colaboradora. O entendimento de que a função para exercício do poder familiar deve obriga- toriamente ser partilhada com os pais não é absolutamente novo, na medida em que já estava consagrada no art. 5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988. O Estatuto da Criança e do Adolescente, trilhando a mesma senda, prevê que o pátrio poder (leia- se poder familiar) impõe divisão igualitária de tarefas entre os pais (art. 21 do ECA). Os filhos estão sujeitos ao poder parental até completarem 18 anos, sendo pelos pais representados ou assistidos, na forma prevista no art. 1.634, V, do CC. Com efeito, a maioridade civil foi reduzida para 18 anos (art. 5º do CC) acompanhando tendência da legislação internacional. A representação do filho pelos pais, múnus do poder fami- 81 1 Neste sentido, cf. LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito Civil Aplicado. Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 5, 2005, p. 277; LÔBO, Paulo Luiz Netto. Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, v. XVI, 2003, pp. 187-188 e RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, v. VI, 2004, p. 355. A nomenclatura “autoridade parental” foi acolhida no Projeto de Lei nº 2.285/2007 (Estatuto das Famílias). 2 DOLTO, Françoise. Quando os pais se separam. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 44. liar, repercute também na fase de concepção (nascituro), apesar de faltar personalida- de ao filho, visto que adquirida somente com o nascimento com vida (art. 2º do CC).3 Depois de atingidos os 18 anos de idade, os filhos, apesar de representarem a des- cendência de seus pais por toda a vida, devido ao vínculo de parentesco, não estão mais sujeitos à sua autoridade e representatividade. Por seu turno, os filhos que completarem a idade de 18 anos, mas não tiverem discernimento mental para exercerem a autonomia e a independência (art. 1.767 do CC), serão representados pelos pais através do instituto da curatela, embora extinto o poder familiar (art. 1.768 do CC). O domicílio do filho incapaz é determinado pela lei em razão de sua condição peculiar. A pessoa menor de 18 anos, na maior parte das famílias, reside com aqueles que a assistem ou a representam. Assim sendo, o art. 76 e seu parágrafo único do CC estabelecem como domicílio necessário do incapaz o mesmo eleito pelo seu represen- tante ou assistente. Até mesmo para a pessoa relativamente incapaz não emancipada (16 a 18 anos incompletos), o legislador civil não permite a escolha de um domicílio.4 Estando, pois, o filho menor sob o poder familiar integral de ambos os pais o domicí- lio daquele é o mesmo destes. O poder familiar, pois, pode ser definido como um complexo de direitos e deve- res pessoais e patrimoniais com relação ao filho menor, não emancipado, e que deve ser exercido no melhor interesse deste último. Sendo um direito-função, os genitores biológicos ou adotivos não podem abrir mão dele e não o podem transferir a título gra- tuito ou oneroso.5 2. Aspectos Pessoais Embora o Código Civil tenha compelido uma releitura do “pátrio poder” previs- to no Estatuto da Criança e do Adolescente,6 permaneceram integrados ao poder fami- Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 82 3 Adepta da teoria concepcionista pura, a doutrinadora Silmara Juny de Abreu Chinelato e Almeida articula com propriedade: “/..../ o nascituro tem personalidade desde a concepção. Quanto à capacidade de direito que não se confunde com personalidade, apenas certos efeitos de certos direitos, notadamente os patrimo- niais materiais, dependem do nascimento com vida, como o direito de receber doação e de receber heran- ça (legítima e testamentária). Os direitos absolutos da personalidade, como o direito à vida, o direito à inte- gridade física (stricto sensu) e à saúde, espécies do gênero “direito à integridade física” (lato sensu), inde- pendem do nascimento com vida. O direito a alimentos – estreitamente ligado ao direito à vida – também independe do nascimento. O mesmo se afirme quanto ao status de filhos, ao direito à representação, à cura- tela, à adoção e ao reconhecimento. O nascituro é titular desses direitos, desde a concepção e independen- temente do nascimento com vida.” (ênfase nossa). Artigo “Tutela Civil do Nascituro”. Disponível em http://www.saraivajur.com.br. Acesso em 14 nov. 2006. 4 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. Parte Geral, v. 1, 34ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 108. 5 Para um estudo mais detalhado de cada artigo do Código Civil, relativo ao instituto em tela, consultar os comentários de MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. “Poder Familiar”. In: LEITE, Heloisa Maria Daltro (Coord.). Código Civil – Do Direito de Família. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2006. 6 Com o art. 3º da Lei nº 12.010/2009 o termo “pátrio poder” foi substituído no ECA pela expressão poder familiar, acompanhando a nomenclatura utilizada no Código Civil. liar os mesmos deveres e direitos previstos no antigo Código Civil de 1916, haja vista que os atributos descritos no art. 22 do ECA devem ser complementados com a rela- ção de encargos e direitos do art. 1.634 do CC de 2002. Ambos os pais (consangüíneos ou adotivos) têm o dever moral e a obrigação jurí- dica de sustentar, educar e ter o filho em sua companhia (art. 22 do ECA c/c art. 1.634, I e II, do CC). Compete, ainda, aos genitores conceder ou negar o consentimento para o casamento do filho (art. 1.634, III), bem como nomear tutor por testamento ou documento autêntico (art. 1.634, IV), representá-lo nos atos da vida civil até os 16 anos e assisti-lo após esta idade, suprindo o consentimento deste (art. 1.634, V), recla- má-lo de quem ilegalmente o detenha (art. 1.634, VI) e exigir que o filho preste obe- diência, respeito e serviços próprios de sua idade e condição (art. 1.634, VII). Considerando a absoluta e indiscutível prioridade dos direitos relacionados aos deveres concernentes ao poder familiar, os citados dispositivos da lei civil e do ECA precisam ser interpretados em cotejo com os direitos fundamentais enumerados no art. 227 da CF/88. Mas os referidos deveres não só estão conectados àqueles direitos fundamentais dispersos, mas também a todos os princípios constitucionais anteriormente relaciona- dos. Por ter a Lei de proteção à criança e ao adolescente sido editada após a Constituição Federal de 1988, ou seja, já sob a égide de novos paradigmas, o exame dos referidos encargos do poder familiar, enumerados no ECA, será realizado através do enfoque constitucional, tendo em conta a nova disciplina civil-constitucional das rela- ções familiares.7 2.1. Dever de Registrar o Filho e o Direito ao Estado de Filiação 2.1.1. Considerações Gerais O direito ao nome, apesar de ser um direito da personalidade, fundamental para a identificação e individualização de toda pessoa, não figura expressamente no rol relativo aos deveres inerentes ao poder familiar da lei civil ou do ECA, mas é eviden- te a preocupação do legislador constituinte para facilitar e incentivar o registro civil de nascimento do filho pelos pais ou o reconhecimento posterior deste vínculo, de maneira a garantir a igualdade de direitos entre todos os filhos. A partir da lavratura da certidão de nascimento, a criança e o adolescente tor- nam-se efetiva e legalmente cidadãos de um determinado país e adquirem um status (posição do indivíduo perante a sociedade), passando a serem detentores de relações jurídicas. Poder Familiar 83 7 TEPEDINO, Gustavo. “A Disciplina Civil-Constitucional das Relações Familiares”. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 349-368. Com o registro civil, a criança liga-se a uma determinada família, acrescendo ao prenome o sobrenome dos pais (art. 16 do CC), surgindo daí todos os direitos decor- rentes do parentesco.8 A filiação é a relação de parentesco, em linha reta, de 1º grau, de natureza con- sangüínea e/ou civil que une uma pessoa àquelas que a geraram ou que a adotaram (art. 1.591 c/c 1.593 do CC). A propósito, anteriormente à Constituição Federal de 1988, era extremamente injusta a diferenciação entre os direitos dos filhos, considerando a origem deles. Rotulava-se o filho nascido na constância do casamento como legítimo (art. 337/351 do CC de 1916), enquanto o filho ilegítimo era aquele cujos pais não eram casados ou não vieram a casar-se entre si, em razão de adultério ou de incesto, mas que houvera sido reconhecido como filho voluntariamente ou por sentença (art. 355/367 do CC de 1916). Havia, portanto, manifesta discriminação quanto à qualificação (filho adulterino, filho incestuoso, filho ilegítimo, etc.), ao direito sucessório e ao direito alimentar, sendo mais odiosa ainda a proibição do reconhecimento do filho incestuoso e do adul- terino a matre que vigorou por longo período (art. 358 do CC de 1916). Com a consagração do princípio da isonomia entre os filhos pela Constituição Federal de 1988 (art. 227, § 6º) vedou-se a designação desigual e discriminatória dos filhos, garantindo-se a todos os mesmos direitos e qualificações e a possibilidade de reconhecimento (o art. 358 do CC foi revogado pela Lei nº 7.841/89). Note-se que a igualdade da prole é princípio tão basilar para toda criança e ado- lescente que o ECA transcreveu literalmente a norma constitucional em seu art. 20. De igual modo, este novo paradigma foi sufragado nos artigos 5º e 6º da Lei nº 8.560/92, não restando dúvida quanto à importância do direito ao nome do filho, não importando a natureza da relação entre seus genitores. Assevere-se, por oportuno, que o Código Civil de 2002 mantém resquício discri- minatório relativo à origem da filiação no art. 1.611, quando dispõe que “o filho havi- do fora do casamento, reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro”. Tendo por alvo a manutenção da exclusiva paz doméstica do casal, ignorou o legislador civil que a criança e o adolescente, reconhecidos pelo genitor, dispõem de proteção integral e não devem ficar subjugados aos interesses de adultos, em prejuízo de seus direitos fundamentais. Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 84 8 O jurista italiano Adriano de Cupis estabelece a diferença entre os elementos de identificação do nome da pessoa: “O nome, como meio de realização da identidade pessoal, tem função dupla, po-sitiva e negativa, servindo, por um lado, para designar a pessoa por quem ela é realmente é; por outro lado, para distingui-la de todas as outras. /.../ O nome próprio (prenome) designa a pessoa relativamente ao grupo familiar, distin- guindo-a dos outros componentes do mesmo grupo; o sobrenome designa a pessoa referida à família qual pertence, e distingue-a dos sujeitos componentes das outras famílias, os quais podem ter o mesmo nome próprio”. Os Direitos da Personalidade. Campinas: Romana, 2004, pp. 188-189. Não é admissível, portanto, condicionar a convivência familiar do filho (art. 227 da CF/88) ao desejo do outro (cônjuge ou companheiro) e afastar a possibilidade deste filho reconhecido residir com o genitor. Esta norma pode levar à absurda colocação de um menor de 18 anos sob a guarda de outros familiares ou terceiros, por mero capricho ou ciúme daquele com quem convive o genitor que o reconheceu. Mantendo-se a referida norma, tem-se que se o infante, que nasceu na constância do casamento do pai ou da mãe, não possuir genitor (a) que exerça a sua guarda, poderá ser alijado da família, como um ser indesejado. Tal regra jurídica, por evidente, a nosso ver, mostra-se inconstitucional, apesar de doutrina favorável à sua manutenção.9 De lege ferenda, parece-nos recomendável que a família que se encontrar na situação descrita no art. 1.611 do CC e não tiver superado as desavenças decorrentes de eventual relacionamento extraconjugal seja obrigatoriamente inserida em progra- ma de acompanhamento psicológico, a fim de evitar sua ruptura e preparar-se para a inserção do novo ente familiar. Com efeito, em consonância com o princípio da igualdade de qualificações dos filhos, a Lei nº 8.560/92, regulamentadora da investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento, em seus artigos 5º e 6º, proíbe expressamente que conste do registro de nascimento qualquer referência à natureza da filiação, indícios de a concepção haver sido decorrente de relação carnal ou por inseminação artificial hete- róloga, conjugal ou extraconjugal ou, ainda, menção ao estado civil dos pais. Assim, diante da importância do direito ao nome, os pais quando receberem do hospital ou estabelecimento de saúde (públicos ou privados) a declaração de nasci- mento do filho (art. 10, IV, do ECA) devem, munidos deste documento, implantado pelo Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) do Ministério da Saúde, providenciar imediatamente o registro de nascimento do recém-nato junto ao Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais mais próximo do local do parto (art. 50 da Lei nº 6.015/73 c/c art. 1.603 do CC). 2.1.2. Regularização dos Dados Parentais na Certidão de Nascimento do Filho O reconhecimento da filiação fora do matrimônio pode ocorrer de modo voluntário e espontâneo ou por perfilhação (art. 1.609 do CC) diretamente no regis- tro de nascimento, por escritura pública, testamento, escrito particular arquivado Poder Familiar 85 9 Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Reconhecimento de Paternidade e seus Efeitos. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 304 e FERREIRA, Lúcia Maria Teixeira. “Do Reconhecimento dos Filhos”. In: LEITE, Heloisa Maria Daltro (Coord.). Código Civil: Do Direito de Família. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2006, pp. 232-233. Concordando com a postura do legislador civil no art. 1.611. Cf. LEITE, Eduardo de Oliveira, Direito Civil Aplicado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 232, RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 448 e VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 3ª ed. São Paulo: Atlas S.A., 2003, p. 313. em cartório, mediante manifestação expressa e direta ao Magistrado (art. 1º, I, II, III e IV, da Lei nº 8.560/92) e, ainda, através de outro documento público (art. 26 da Lei nº 8.069/90). Entendemos que o reconhecimento da maternidade, sem comprovação documental deste estado, igualmente, pode ser efetivada através de qualquer um destes modos, diante da igualdade constitucional entre homem e mulher (art. 5º, I, da CF/88). Poderá, também, o reconhecimento voluntário não ser espontâneo, quando, mediante uma prévia averiguação, concede-se ao suposto pai, desejando este e seguro do vínculo de parentesco, a oportunidade de regularizar a situação jurídica do filho. Assim é que a Lei nº 8.560/92, que trata da Investigação de Paternidade, garante a possibilidade, desde o momento do registro unilateral, de se averiguar quem é o pai de determinada pessoa, a fim de incluir no nome desta os apelidos daquele e, conse- qüentemente, criar o vínculo do poder familiar, demonstrando a preocupação do legislador em facilitar a regularização dos dados de filiação. Por outro lado, foi criado pela referida lei o Procedimento de Averiguação Oficiosa de natureza jurídica administrativa, que é utilizado para aqueles registros civis nos quais constem somente os dados maternos. O Oficial do Registro Civil remete ao Juiz, com competência nesta matéria, uma certidão com os dados do supos- to pai indicado pela representante legal do menor. Após, ouve-se a genitora e notifi- ca-se a pessoa referida como pai da criança. Confirmando este, expressamente, a paternidade, lavra-se e averba-se o termo de reconhecimento. Decorridos 30 dias da notificação, se o alegado pai negar ou não atender à convocação, remete-se o proce- dimento para o Ministério Público para propor a ação de investigação de paternida- de (legitimação extraordinária) ou promover o arquivamento. Neste último caso, o referido procedimento será encaminhado ao Conselho Superior daquele órgão minis- terial para homologação ou indicação de outro Membro do Parquet para atuar na defesa dos interesses do infante.10 Observe-se que, na qualidade de substituto processual concorrente da criança ou do adolescente (art. 2º, § 4º, da Lei nº 8.560/92), o Ministério Público pode cumular à ação investigatória o pleito alimentar.11 Ressalte-se que a legitimidade ativa foi ampliada com a alteração da referida Lei da Investigação de Paternidade pela Lei nº 12.010/2009 (art. 5º) ao ressalvar que a iniciativa conferida ao Parquet para a proposi- tura da referida ação investigatória não impede a quem tenha legítimo interesse de Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 86 10 No Estado do Rio de Janeiro, a Resolução nº 600, de 12 de julho de 1994, da Procuradoria Geral de Justiça, dispõe acerca da atuação do Ministério Público no procedimento de averiguação oficiosa, previsto na Lei nº 8.560/92, e o Provimento nº 07/98, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro regulamen- ta e determina aos Oficiais e Responsáveis pelo Registro Civil a adoção de procedimento de modo a evitar o ajuizamento desnecessário de ação de paternidade, sob pena de responsabilidade. 11 Agravo de Instrumento nº 14.814/1999, da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Relator: Des. Paulo Lara, julgado em 20/02/2001. intentar investigação, visando obter o pretendido reconhecimento de paternidade (§ 6º do art. 2º da Lei nº 8.560/92). Desta maneira, quando os pretensos genitores se negarem a reconhecer o vín- culo, a regularização do registro civil do menor será forçada ou judicial, porque dependerá da propositura de ação de investigação de paternidade ou de ação de inves- tigação de maternidade pelos legitimados. Frise-se em tempo que, com a edição da Lei nº 12.004, de 29 de julho de 2009, restou reconhecida expressamente que todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos e que a recusa do réu em se submeter ao exame de DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório. Cumpre observar, entretanto, que esta presunção de paternidade prevista na nova lei já estava sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça,12 mas que restou reforçada no caso da negativa do suposto pai em submeter-se ao exame de código genético. O fundamento jurídico para a ação investigatória repousa no art. 27 do ECA c/c art. 1.606 do CC, onde não há mais descrição de causa petendi, restando sedimentada a assertiva anterior de que, qualquer que seja a relação procriante, é possível a ação de investigação de paternidade. O caráter personalíssimo do direito ao estado de filiação previsto no art. 27 do ECA foi derrogado pela Lei nº 8.560/92, haja vista a extensão da legitimidade ativa para ajuizar a ação de investigação de paternidade conferida também ao Ministério Público (§ 4º do art. 2º da referida lei). A propósito, as principais características do reconhecimento do estado de filia- ção estão previstas no art. 27 do ECA, acrescendo-se a irrevogabilidade (art. 1.610 do CC), a perpetuidade, a irrenunciabilidade e a unilateralidade, salvo quanto ao filho maior (art. 4º da Lei nº 8.560/92). Além disso, o direito à filiação é um ato puro e sim- ples, não admitindo termo ou condições (art. 1.613 do CC). A natureza jurídica do reconhecimento judicial ou do voluntário é a de um ato declaratório porque não cria a paternidade – pois já existia, antes da declaração judi- cial – e produz efeitos ex tunc, retroagindo ao dia do nascimento. A averbação da paternidade no assento de nascimento do filho está prevista no art. 29, § 1º, d, c/c 102, § 4º, da Lei nº 6.015/73. No tocante à lavratura do registro de nascimento em caso de adoção, a Lei nº 12.010/2009, que alterou o ECA, tratou de maneira mais minuciosa a questão, incluin- do a possibilidade de lavratura do novo registro no Cartório do Registro Civil do Município da residência do adotante (§ 3º do art. 47), bem como manteve a possibili- dade de modificação do prenome do adotando, mas garantindo o direito de ser sem- pre ouvido caso a alteração seja requerida pelo adotante (§ 6º do art. 47). Poder Familiar 87 12 Súmula 301: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presun- ção juris tantum de paternidade. Hipótese assaz controvertida, ainda sem previsão legal, é a possibilidade ou não de pessoa adotada postular a investigação de paternidade/maternidade para que sejam declarados os pais consangüíneos, com fundamento no direito do adotado de conhe- cer a sua ascendência genética. O Projeto de Lei nº 2.285/2007 (Estatuto das Famílias) admite o conhecimento do vínculo genético, sem gerar a relação de parentesco não somente com relação à filiação proveniente de adoção, mas também de filiação socioa- fetiva, posse de estado ou de inseminação artificial heteróloga. E mais. Estipula o refe- rido Projeto de Lei que o ascendente genético poderá responder por subsídios neces- sários à manutenção do descendente, salvo em caso de inseminação artificial heteró- loga (art. 77 e parágrafo único).13 O ECA recebeu novos ditames acerca do acesso do adotado à sua ascendência con- sangüínea através da Lei nº 12.010/2009. O caput do art. 48 e seu parágrafo único do ECA conferiram ao adotado a possibilidade de conhecer a sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus even- tuais incidentes. Se o adotado for criança ou adolescente, este acesso dependerá de pedi- Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 88 13 Caminhando nesta senda, o Superior Tribunal de Justiça já havia decidido, pioneiramente, sobre a ausência de impedimentos para tal direito: “Adoção. Investigação de paternidade. Possibilidade. Admitir-sse o reco- nhecimento do vínculo biológico de paternidade não envolve qualquer desconsideração ao disposto no arti- go 49 da Lei 8.069/90. A adoção subsiste inalterada. A lei determina o desaparecimento dos vínculos jurídi- cos com pais e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais, daí a ressalva quanto aos impedimen- tos matrimoniais. Possibilidade de existir, ainda, respeitável necessidade psicológica de se conhecer os ver- dadeiros pais. Inexistência, em nosso direito, de norma proibitiva, prevalecendo o disposto no artigo 27 do ECA.” Recurso Especial nº 127.541 – Rio Grande do Sul (1 997JO025451-8), 3ª Turma, Relator: Min. Eduardo Ribeiro, julgado em 10/04/2000. Com base neste precedente, a 3ª Turma do STJ reconheceu o direito de uma pessoa com vínculo civil mater- no de postular, além do reconhecimento da paternidade do genitor que não foi chamado na ação de adoção, os alimentos dele decorrentes: “Direito civil. Família. Investigação de paternidade. Pedido de alimentos. Assento de nascimento apenas com o nome da mãe biológica. Adoção efetivada unicamente por uma mulher. O art. 27 do ECA qualifica o reconhecimento do estado de filiação como direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, o qual pode ser exercitado por qualquer pessoa, em face dos pais ou seus her- deiros, sem restrição. Nesses termos, não se deve impedir uma pessoa, qualquer que seja sua história de vida, tenha sido adotada ou não, de ter reconhecido o seu estado de filiação, porque subjaz a necessidade psico- lógica do conhecimento da verdade biológica, que deve ser respeitada. Ao estabelecer o art. 41 do ECA que a adoção desliga o adotado de qualquer vínculo com pais ou parentes, por certo que não tem a pretensão de extinguir os laços naturais, de sangue, que perduram por expressa previsão legal no que concerne aos impe- dimentos matrimoniais, demonstrando, assim, que algum interesse jurídico subjaz. O art. 27 do ECA não deve alcançar apenas aqueles que não foram adotados, porque jamais a interpretação da lei pode dar ensan- chas a decisões discriminatórias, excludentes de direitos, de cunho marcadamente indisponível e de caráter personalíssimo, sobre cujo exercício não pode recair nenhuma restrição, como ocorre com o Direito ao reconhecimento do estado de filiação. Sob tal perspectiva, tampouco poder-se-á tolher ou eliminar o direi- to do filho de pleitear alimentos do pai assim reconhecido na investigatória, não obstante a letra do art. 41 do ECA. Na hipótese, ressalte-se que não há vínculo anterior, com o pai biológico, para ser rompido, sim- plesmente porque jamais existiu tal ligação, notadamente em momento anterior à adoção, porquanto a investigante teve anotado no assento de nascimento apenas o nome da mãe biológica e foi, posteriormente, adotada unicamente por uma mulher, razão pela qual não constou do seu registro de nascimento o nome do pai. Recurso especial conhecido pela alínea “a” e provido. REsp 813604 / SC, Relatora Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 16/08/2007. (os negritos são nossos) do do próprio, desde que esteja assegurada ao infante orientação e assistência jurídica e psicológica, de maneira que o deferimento judicial esteja fundamentado em razões que acarretem benefícios morais, emocionais e psicológicos ao adotado menor de idade. Convém registrar, por oportuno, que há profunda diferença entre o direito ao estado de filiação e o direito à ascendência genética. Conforme leciona Paulo Luiz Lôbo de forma lapidar: “...o direito ao conhecimento da origem genética não signi- fica necessariamente direito à filiação. Sua natureza é de direito da personalidade, de que é titular cada ser humano. A origem genética apenas poderá interferir nas relações de família como meio de prova para reconhecer judicialmente a paternida- de ou maternidade, ou para contestá-la, se não houver estado de filiação constituí- do, nunca para negá-lo”.14 2.1.3. Registro Civil de Criança e de Adolescente na Hipótese do Art. 98 do ECA À falta comprovada da Declaração de Nascido Vivo (DNV), instrumento obriga- tório de coleta de informações sobre a gestação, o parto e as características maternas, o assento do nascimento será feito à vista dos elementos disponíveis (art. 102 e seus parágrafos do ECA). A oitiva de testemunhas, a consulta a documentos referentes ao registrando e o exame de idade óssea são instrumentos importantes para subsidiar a regularização do registro nestes casos. O reconhecimento da maternidade e da paternidade, na hipótese de população de rua, deve ser muito cauteloso, a fim de evitar a prática de crime (art. 242 do Código Penal). Assim, se não for possível, por qualquer razão, obter a Declaração de Nascido Vivo (DNV) expedida pelo Hospital, a maternidade deve ser comprovada, enfatize-se, através de testemunhas idôneas e/ou de outros elementos disponíveis, através de um breve procedimento. Por sua vez, os pais carentes financeiramente, muitas vezes, sequer possuem seus próprios registros de nascimento. Configurada esta situação, o Conselho Tutelar e a Justiça da Infância poderão encaminhar os genitores ao Registro Civil para o devido requerimento de registro tardio, sem prejuízo da lavratura, mesmo que provisória, do registro de nascimento do filho daqueles. Na hipótese da criança ou do adolescente não ser registrado, por omissão, abuso ou falta dos pais (art. 98, II, do ECA), a Justiça da Infância e da Juventude determina- rá a regularização do seu registro civil, sem prejuízo da aplicação de medidas proteti- vas (art. 101 do ECA).15 Poder Familiar 89 14 Lôbo, Paulo Luiz Netto. “Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessá- ria.” In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Afeto, Ética e Família no Novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 528. 15 Destaque-se que, mesmo antes da edição da Lei nº 12.010/2009, a Justiça da Infância e da Juventude já pos- suía competência concorrente com as Varas de Família para regularizar registros de nascimento de crianças O ECA, com as alterações da Lei nº 12.010/2009, passou a prever de modo expresso e isento de dúvidas que, caso ainda não definida a paternidade, será deflagra- do procedimento específico pelo Ministério Público da Infância e Juventude destina- do à sua averiguação, conforme previsto pela Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992 (§ 3º do art. 102). Será dispensável o ajuizamento da ação de investigação de paterni- dade pelo Ministério Público se, após o não comparecimento ou a recusa do suposto pai em assumir a paternidade a ele atribuída, a criança for encaminhada para adoção (§ 4º do art. 102). É importantíssimo precisar que tal medida de regularização dos registros de nas- cimentos no âmbito da Justiça da Infância e da Juventude, especialmente de crianças e de adolescentes acolhidos em instituição, cujos dados paternos normalmente são desconhecidos, constitui um direito fundamental à identidade, do qual decorrem todos os demais inerentes ao vínculo de parentalidade, notadamente o direito à con- vivência familiar e o direito ao afeto dos pais e ser cuidado por eles. Por este motivo, a norma ora comentada é apenas uma expressão do reconhecimento legislativo de um dever legal já previamente existente das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude de promoverem a regularização dos registros de nascimento das crianças e dos adolescentes vinculados àquela Justiça especializada onde atuam.16 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 90 e de adolescentes. Na hipótese de competência da Justiça da Infância, poderão ser lavrados registros de nas- cimento de infantes que estejam vinculados àquele Juízo, seja pelo abrigamento, seja porque lá tramitam ações acerca de seus direitos fundamentais, vez que há conexidade com a ação de investigação de paterni- dade. Nesta esteira, correto o entendimento jurisprudencial a seguir citado: ECA. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ALIMENTOS. JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. Mesmo na ação investigatória de paternidade, quando constatado que a autora se encontra exposta a comprovado risco pessoal e social, é razoável que se decline a competência ao Juizado da Infância e da Juventude, que já processa dois outros procedimentos de proteção envolvendo a mesma criança. Observância aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da prioridade absoluta. Mantida a competência do juízo suscitante. CONFLITO JULGADO IMPROCEDENTE (Conflito de Competência nº 70019557362, 7ª Câmara Cível do TJRS, Relatora Des.ª Maria Berenice Dias, julgado em 04 de maio de 2007). 16 Destaque-se que, mesmo antes da edição da Lei nº 12.010/2009, a Justiça da Infância e da Juventude já pos- suía competência concorrente com as Varas de Família para regularizar registros de nascimento de crianças e de adolescentes, por força do art. 102, §1º, do ECA. Na hipótese de competência da Justiça da Infância, poderão ser lavrados registros de nascimento de infantes que estejam vinculados àquele Juízo, seja pelo abri- gamento, seja porque lá tramitam ações acerca de seus direitos fundamentais, vez que há conexidade com a ação de investigação de paternidade. Nesta esteira, correto o entendimento jurisprudencial a seguir citado: ECA. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ALIMENTOS. JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. Mesmo na ação investigatória de pater- nidade, quando constatado que a autora se encontra exposta a comprovado risco pessoal e social, é razoável que se decline a competência ao Juizado da Infância e da Juventude, que já processa dois outros procedi- mentos de proteção envolvendo a mesma criança. Observância aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da prioridade absoluta. Mantida a competência do juízo suscitante. CONFLITO JUL- GADO IMPROCEDENTE (Conflito de Competência nº 70019557362, 7ª Câmara Cível do TJRS, Relatora Des.ª Maria Berenice Dias, julgado em 04 de maio de 2007). Na Justiça da Infância e da Juventude, comumente nos deparamos com o reco- nhecimento voluntário de paternidade e de maternidade efetuado por pessoas meno- res de 18 anos que, em razão de sua situação de miséria, vivendo na rua, sequer pos- suem seus próprios registros e conceberam o filho ao relento. Muitas vezes, por não haver orientação acerca das responsabilidades advindas da procriação, estes pais des- conhecem o dever legal de registrar seus filhos. Quanto à declaração de vontade do pai menor, deverá ser verificada a idade de quem deseja reconhecer. Com efeito, o ato de reconhecimento praticado pelo menor de 16 anos de idade, ou seja, por absolutamente incapaz, seria nulo e não poderia ser ratificado (arts. 3º, I, 166, I, e 169 do CC). Neste caso, é importante que o pai menor de 16 anos esteja devidamente repre- sentado, ressaltando que, à falta de representante legal, deve ser nomeado Curador Especial para o ato, na forma prevista no art. 142, parágrafo único, do ECA. No entanto, é relevante frisar que, para evitar que o filho do incapaz permaneça sem o registro, entendemos que havendo provas concretas da paternidade, a Justiça da Infância e da Juventude deverá providenciar a certidão com os dados disponíveis, inclusive paternos, pois não se trata de nulidade de manifestação de vontade, mas medida de proteção ex officio da Justiça (art. 102, §§ 1º e 2º, do ECA). No caminho do Direito Alemão, que permite que o representante legal do pai incapaz declare o reconhecimento de paternidade, com a autorização do Juízo Tutelar (§ 1.596 al.1 BGB) e do art. 45 do ECA, que excepciona o princípio da incapacidade absoluta ao autorizar o consentimento do adotando maior de 12 anos, conclui com absoluta coerência o Prof. Caio Mário da Silva Pereira: Seria plausível abrandar o caráter formalista do reconhecimento de pater- nidade, permitindo a legislação civil que, nos moldes do direito alemão ou, ado- tando-se a solução pouco técnica, mas interessante do Estatuto da Criança e do Adolescente no que tange ao “consentimento” do adotando, pudesse ser efetiva- do o reconhecimento espontâneo de paternidade pelo pai menor impúbere, devidamente representado, sob o crivo do Poder Judiciário. Nos moldes do pro- cedimento de averiguação oficiosa, disciplinado pela Lei nº 8.560/1992, poderia ser instaurado um procedimento próprio para a formalização do reconhecimen- to exercido pelo incapaz, através do seu representante legal, com a autorização do juízo competente.17 Se, contudo, a declaração de vontade de reconhecer o filho perante o Juiz da Infância for proferida por menor com idade entre 16 e 18 incompletos, sem a autori- zação de seus representantes ou assistência de um Curador, o ato será apenas anulável e poderá ser confirmado e validado (arts. 4º, I, 172 e 176, do CC). Poder Familiar 91 17 Pereira, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 95. Assim, não havendo representante legal, o Juízo deverá regularizar a representa- ção do reconhecedor, através de nomeação de Curador Especial, para que aquele ato obedeça aos ditames legais, notadamente porque acarretará àquele adolescente inú- meras obrigações parentais com relação ao filho reconhecido. 2.1.4. Considerações Finais Ressalte-se, por derradeiro, que constituem crimes previstos nos artigos 241 a 243 do Código Penal a sonegação, a supressão e alteração do estado de filiação. A fina- lidade da punição do ato de promoção de registro civil inexistente (art. 241), de regis- tro de filho alheio, supressão ou alteração do direito ao nome do recém-nascido (art. 242) é a segurança e a certeza do estado de filiação, pois a conduta criminosa objetiva destruir o vínculo de parentesco que liga um indivíduo à sua família. Note-se, entre- tanto, que o registro altruístico de criança carente, da qual se saiba não ser filho (“reconhecida nobreza”), não se configurará delito (parágrafo único do art. 242), mas, nem por esta razão, deve ser incentivado. Por seu turno, a descrição da conduta ilícita do art. 243 do CP, ou seja, deixar o filho em abrigo, ocultando-lhe a filiação ou atribuindo-lhe outra com o fim de preju- dicar direito inerente ao estado civil, tem por objetivo jurídico a organização regular da família, evitando que a criança seja registrada com dados fictícios e cresça sem vín- culos com a família biológica e sem a conseqüente proteção e direitos decorrentes desta relação familiar. Estas facetas dramáticas da ausência de responsabilidade materna e paterna de não registrarem o filho, sonegando a filiação biológica da criança, seja entregando diretamente o infante a terceiros, sem intervenção judicial, seja abandonando o recém-nascido ao relento para a morte, devem ser severamente punidas. O prévio acompanhamento das mães gestantes e de pais que pretendem consentir com a ado- ção dos filhos é programa que urge ser instituído para minimizar a exposição da crian- ça a riscos e adoções ilegais.18 Seguindo esta linha de pensar, os §§ 4º e 5º do art. 8º do ECA, com a redação conferida pela Lei nº 12.010/2009, determina ao Poder Público o dever de propor- cionar assistência psicológica à gestante e à mãe (além de inserção em programas de promoção familiar), como forma de prevenir ou minorar as conseqüências do esta- do puerperal, assim como igual acompanhamento será dispensado para aquelas que manifestem o interesse em entregar seus filhos para a adoção. Nesta hipótese, as ges- tantes e as mães que expressarem a intenção de que seus filhos sejam adotados serão Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 92 18 Vale conferir a prática inovadora do procedimento de acompanhamento de gestantes que pretendem entre- gar o filho à Justiça instituído pela Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal. In: Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões nº 4, Porto Alegre: Magister, jun./jul. de 2008, pp. 127-128. obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventude (parágrafo único do art. 13 do ECA).19 Há de se acentuar, lamentavelmente, que persiste no Brasil a omissão das mães não casadas, no momento da lavratura da certidão de nascimento do filho, consisten- te em não fornecer o nome paterno ao Oficial de Registro Civil ou, ainda, de não bus- car a regularização forçada dos dados paternos do registro civil daquele, caracterizan- do uma verdadeira afronta ao direito fundamental do infante de ter o patronímico do genitor.20 De igual modo, mas sob outro prisma, a negligência também é encontrada, com freqüência, no que concerne ao reconhecimento da paternidade, sendo a estatís- tica mais recente alarmante. Uma das explicações para esta omissão, segundo a soció- loga Ana Liési Thurler, é a forte marca do sexismo, ainda presente na sociedade bra- sileira, que permite que o homem se exima da responsabilidade de criar e não regula- rizar a certidão de nascimento do seu filho.21 Embora campanhas governamentais e institucionais venham sendo encetadas, com êxito, no Brasil, no sentido de minimizar este problema, ainda há muito trabalho a ser desenvolvido preventivamente, conscientizando-se a sociedade deste direito fundamental de crianças e de adolescentes e evitando que a filiação não reconhecida transforme-se em relação familiar meramente patrimonial.22 Não se pode esquecer de mencionar, por fim, que com a incorporação da Doutrina da Proteção Integral da criança e do adolescente assentou-se no mundo jurí- Poder Familiar 93 19 Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 2.747/2008 (com dois apensos sobre o mesmo assunto – PL 2.834/2008 e o PL 3.220/2008) que disciplina o Parto Anônimo que pretende coibir e prevenir o abandono materno de crianças recém-nascidas através da permissão à gestante, durante a gestação ou até o dia que deixar a unidade de saúde, depois do nascimento do filho, de não assumir esta maternidade. Inúmeras têm sido as discussões acerca do polêmico projeto. Na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), todavia, já há Parecer do Relator, Dep. Luiz Couto (PT-PB), pela inconstitucionalidade, injuridicidade e má técnica legislativa; e, no mérito, pela rejeição do referido Projeto e seus apensos. Para conhecimento acer- ca das críticas acerca do assunto, consultar a Pesquisa elaborada pelo IBDFAM sobre o parto anônimo no mundo em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=374. Consultar, também, na doutrina, o artigo de Ivone Coelho de Souza e Maria Regina Fay de Azambuja denominado “Parto Anônimo: Uma omissão que não protege”. 20 Acerca da exclusão da figura paterna do projeto parental da mãe, recomendamos a leitura de LEITE, Eduardo de Oliveira. “As diversas categorias de celibato maternal”. In: Famílias Monoparentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, pp. 71-128. 21 Consultar a pesquisa Paternidade e Deserção, Crianças sem Reconhecimento e Maternidades Penalizadas pelo Sexismo – feita pela socióloga Ana Liési Thurler, que constata que cerca de 30% das crianças brasilei- ras não têm o nome do pai em seus registros. Analisando mais de 180 mil certidões, a pesquisa demonstrou que os meninos e as meninas registrados com pai desconhecidos tendem a continuar nesta condição para sempre. Disponível em: www.pailegal.net. Acesso em: 04 dez. 2005. 22 As Estatísticas do Registro Civil de 2004 do IBGE, divulgadas em 16 de dezembro de 2005, apontaram para uma queda na taxa de sub-registro no país. Em comparação com as pesquisas de 2003, quando o sub-regis- tro foi estimado em 21,6%, o percentual de crianças que deixaram de ter certidão de nascimento em 2004 caiu para 16,4%. Em números, isto significou que, aproximadamente, 550 mil crianças não foram registra- das dentro do prazo legal em 2004, contra cerca de 830 mil no ano anterior. Disponível em: www.arpen- brasil.org.br. (notícias). Acesso em: 06 fev. 2006. dico o reconhecimento da chamada “parentalidade afetiva” que surge fora do vínculo consangüíneo, pois nasce do coração, dos sentimentos e afetos cultivados. Sob o manto da afeição, a despeito de a lei penal vedar expressamente, os pais socioafetivos, por vezes, no afã de regularizarem a situação jurídica do filho do cora- ção, recorrem ao registro falso (“adoção à brasileira”) criando vínculo que, enquanto não for judicialmente declarado irrevogável, é nulo.23 Como ensina a ilustre Prof.ª Heloísa Helena Barboza, “mais uma vez, impunha- se ao Direito acolher o fato socialmente instalado. Esse acolhimento revelou-se como consectário natural da doutrina em causa: o melhor pai ou mãe nem sempre é aquele que biologicamente ocupa tal lugar, mas a pessoa que exerce tal função, substituindo o vínculo biológico pelo afetivo”.24 Há de se realçar, no que concerne ao reconhecimento da existência de laços de afeto entre pais e filhos socioafetivos, a inovação introduzida no cenário brasileiro Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 94 23 A Jurisprudência vem mantendo os registros realizados por pais socioafetivos quando estes são conhecedo- res da inexistência do liame biológico com o filho, valorizando o relacionamento já sedimentado, desde que não haja interesses escusos: “Ação negatória de paternidade c/c anulatória de registro civil. Sentença de improcedência. Assemelha-se à adoção a lavratura de registro de nascimento de filho de outrem como se seu fosse, submetendo-se esse ato voluntário às mesmas conseqüências daquele instituto. Tal fenômeno é conhecido pela doutrina e jurisprudência pátrias pelo nome de adoção à brasileira e, a despeito de consti- tuir crime previsto no art. 242, do CP, produz o efeito de autêntica adoção, irrevogável, sem prejuízo de sua desconstituição em decorrência de eventuais defeitos morfológicos. Vício de consentimento não caracteri- zado, firme que se exibe a prova de que o registrante bem conhecia o fato de que o filho não era seu. Recurso não provido” (Apelação Cível nº 2006.001.44893 da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Relator: Des. Maurício Caldas Lopes, julgado em 10/10/2006); “Apelação Cível. Ação de investiga- ção de paternidade. Preponderância da paternidade socioafetiva sobre a biológica. Recurso provido. 1. É direito de todos buscar sua origem genética. 2. Entretanto, se a pessoa for menor, deve prevalecer à pater- nidade socioafetiva sobre a biológica, até que, atingida a maioridade, o filho decida qual das duas preferirá. 3. Apelação cível conhecida e provida” (Processo nº 1.0024.02.826960-3/001(1) da 2a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Relator: Des. Caetano Levi Lopes, julgado em 31/01/2006); “Apelação Cível. Investigação de Paternidade cumulada com Anulação de Registro. Preponderância da Filiação Socioafetiva estabelecida entra a menor e o pai registral. 1. A moderna noção de família, fundada no afeto, não admite a preponderância absoluta da verdade biológica sobre a situação socioafetiva consolidada entre a investigante e o pai registral, o único que ela conhece e que muito a ama, que tem a sua guarda e é res- ponsável exclusivo por todos os cuidados dispensados à menina desde os oito meses de vida. 2. Não há nenhuma vantagem em alterar o registro civil da menor para desconstituir a filiação socioafetiva, tirando dela um pai que mesmo sabendo não possuir vínculo biológico, segue lhe amando, cuidando e protegendo, para atribuí-la ao pai biológico, que, mesmo ciente do vínculo genético, já manifestou que não a quer como filha, tampouco desejando assumir as obrigações inerentes à paternidade. Negaram Provimento. Unânime” (Apelação Cível nº 70016894719 da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Des. Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 29/11/2006). Para ampliar o tema leia-se sobre a ação de investi- gação de paternidade socioafetiva o artigo “Igualdade entre a filiação biológica e socioafetiva” de Belmiro Pedro Welter. In: Revista Brasileira de Direito de Família, nº 14, jul.-ago.-set./2002, pp. 128-163. 24 BARBOZA, Heloísa Helena. “Novas Relações de Filiação e Paternidade”. In: Repensando o Direito de Família (Coordenador Rodrigo da Cunha Pereira). Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p.140. Como avanço deste pensamento, entende-se que o estado de filiação de cada pessoa é único e de natureza socioafetiva, uma vez que desenvolvido na convivência familiar, mesmo que derive biologicamente dos pais, na maioria dos casos (Nicolau Júnior, Mauro. Paternidade e Coisa Julgada. Curitiba: Juruá, 2006, p. 119). pela Lei nº 11.924, de 17 de abril de 2009 (conhecida como Lei Clodovil) que, alteran- do o art. 57 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, autorizou o enteado ou a enteada averbar o nome de família do padrasto ou da madrasta em seu registro de nas- cimento, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2º e 7º deste artigo, através de requerimento ao juiz competente, desde que haja expressa concordância daqueles, sem prejuízo de seus apelidos de família. Esta exteriorização da posse do estado de filho dos enteados traduziu um anseio antigo daqueles que se sentiam diferenciados e, por vezes, discriminados, por portarem sobrenomes diferentes dos filhos biológicos.25 O mais importante de tudo o que foi dito, portanto, é que o estado de filiação seja compreendido como aquele que é construído com o passar do tempo, dia após dia, seja a origem biológica ou socioafetiva, de maneira que aquela pessoa que gerou (no corpo ou no sentimento) exerça efetivamente o papel de pai ou mãe (construção cultural) e todas as suas funções parentais, para o melhor interesse do filho. 2.2. Dever de Guarda e o Direito Fundamental do Filho de ser Cuidado Denomina-se guarda comum ou natural a exercida pelos pais sobre os filhos menores enquanto estiverem juntos, sob o mesmo teto. Este dever jurídico e material é legalmente previsto no art. 22 do ECA e no art. 1.634, II, do Código Civil. A guarda como atributo do poder familiar constitui um direito e um dever. Não é só o direito de manter o filho junto de si, disciplinando-lhe as relações, mas também representa o dever de resguardar a vida do filho e exercer vigilância sobre ele. Engloba também o dever de assistência e representação.26 Por outro aspecto, há que se fazer distinção entre guarda e companhia. Enquanto a guarda é um direito/dever, a companhia diz respeito ao direito de estar junto, con- vivendo com o filho, mesmo sem estar exercendo a guarda.27 Poder Familiar 95 25 O acréscimo dos sobrenomes dos pais de criação já foi alvo de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, consoante a seguinte Ementa: “DIREITO CIVIL. ALTERAÇÃO DO ASSENTAMENTO DE NASCIMENTO NO REGISTRO CIVIL APÓS A MAIORIDADE. ACRÉSCIMO DO SOBRENOME DOS PAIS DE CRIA- ÇÃO. ARTIGO 56 DA LEI Nº 6.015/73. ADMISSIBILIDADE. I – Não é absoluto o princípio da imutabili- dade do nome de família, admitindo-se, excepcionalmente, a alteração do patronímico, desde que presen- tes a justa motivação e a prévia intervenção do Ministério Público. No caso dos autos, presentes os requisi- tos autorizadores, já que pretende a recorrente, tão-somente, prestar uma homenagem àqueles que a cria- ram, acrescendo ao seu assento de nascimento o nome de família daqueles que considera seus pais verda- deiros, nada obsta que se autorize a alteração. Recurso conhecido e provido, com as ressalvas do relator.” REsp 605708 / RJ, Recurso Especial nº 2003/0199850-1, Relator: Ministro Castro Filho, Terceira Turma, jul- gado em 16/08/2007. 26 Art. 8º do CPC; art. 3º, 4º, 76, 928, 932, I, do CC e arts. 19 e 142 do ECA. 27 Com fundamento no arts. 1.634, II, do CC que, claramente, menciona os dois atributos em questão, Antônio Cezar Lima da Fonseca estabelece importante distinção entre poder familiar, guarda e companhia. Diz o autor: “O poder familiar, já vimos, engloba a guarda e a companhia”. Mencionando Edgard de Moura Bittencourt, na clássica obra “Guarda de Filhos”, o referido doutrinador ensina: “A companhia, via de regra, A cada genitor incumbe, portanto, o dever de saber onde, com quem e por que o filho menor de idade está longe de suas vistas. Devem os pais assegurar-se de que, distan- te dos seus olhos, o filho estará em segurança porque algum adulto o estará assistindo. Por vezes, no entanto, verifica-se o descaso e descuido dos genitores com rela- ção ao exercício da vigilância sobre o filho, seja este bem pequeno ou já adolescente. No primeiro caso, é censurável a quantidade expressiva de bebês e crianças pequenas que sofrem acidentes domésticos, por falta de atenção e cuidados dos pais. Podemos mencionar, como conseqüências mais comuns desta falta de atenção dos pais, as lesões ou mortes de crianças na faixa etária de 0 a 7 anos, por afogamento, intoxicação, quei- maduras e quedas. As crianças com idade entre 7 a 12 anos, com freqüência, lesionam- se em acidentes na escola, na vizinhança ou nos esportes, ao passo que os adolescen- tes costumam morrer, em alta incidência, por afogamento, agressões e uso de drogas.28 A desatenção dos genitores pode ocorrer, também, com relação ao filho púbere. A este, normalmente, lhe é permitido transitar, sem restrições, pelas ruas e freqüentar sozinho alguns locais. Havendo displicência e negligência dos pais acerca da orientação e da vigilância do filho, com freqüência redunda na escolha de ambientes e pessoas ina- dequadas por parte deste, expondo-o a danos em sua formação moral e quiçá física. A título de exemplo, recentemente, alguns adolescentes e jovens de classe média carioca foram flagrados em envolvimento em crimes de tráfico de entorpecentes e de pornografia pela Internet, sem que os próprios genitores tivessem conhecimento deste desvio de conduta, o que demonstra que a cultura atual oferece uma ampla liberdade de educação que desaguará, certamente, na criação de adultos irresponsáveis. Saliente-se, por oportuno, que os pais são responsáveis também pelos danos causados pelo filho que estiver sob sua autoridade e em sua companhia (art. 932, I, do CC). A regra em apreço acerca da reparação civil por dano causado pelo filho pressupõe que a família natural (pais e filho) resida sob o mesmo teto e que os geni- tores estejam exercendo o poder familiar, sem restrições. Desta maneira, se o ado- lescente for emancipado ou estiver sob a guarda de terceiros, os pais não responde- rão pelo respectivo dano. O incapaz responde, ainda, pelos prejuízos que causar, caso as pessoas responsá- veis por ele não tiverem obrigação de fazê-lo ou não tiverem recursos financeiros para Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 96 está contida na guarda, mas não envolve por si só a noção de dever, para se constituir em direito somente”. Assim, a guarda é mais do que um direito, é um dever. Seu leque de abrangência é mais amplo do que o da companhia. A companhia poder existir sem a guarda, assim como a guarda pode sobreviver sem a compa- nhia. O titular da guarda e do poder familiar pode ser de ambas privado, sem que seja necessariamente pri- vado, sem que seja necessariamente afastado da companhia, pois o direito de visitas pode ser mantido” (“O Poder Familiar e o Novo Código Civil”. In: Infância em família: um compromisso de todos, Porto Alegre: IBDFAM, 2004, p. 237). 28 Informações colhidas nos artigos “Política Nacional de Prevenção da Morbimortabilidade por acidentes e violência” e “Acidentes no Lar” no assunto “Educação Médica Continuada” do site da Sociedade Brasileira de Pediatria. Disponível em: www.sbp.com.br. Acesso em: 02 fev. 2006. arcar com a indenização (art. 928), mas tendo em foco que esta deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependam. Por outro ângulo, o dever de vigilância dos pais de filho adolescente é descura- do em alguns pontos, haja vista que a família, por vezes, em razão das múltiplas tare- fas que cada partícipe desenvolve, não dispõe de tempo para o diálogo e orientação, o que é censurável. Desta maneira, a responsabilidade de velar, cuidar e ter o filho sob sua companhia é muito relevante, pois a culpa dos pais não precisa ser demonstrada (art. 933 do CC). Cabe transcrever a importante síntese, elaborada por Sérgio Cavalieri Filho, acerca da responsabilidade civil dos pais: Em suma, o princípio essencial da responsabilidade dos pais pelos filhos menores é uma presunção juris tantum de culpa. A vítima não necessita provar que o fato ocorreu por culpa in vigilando dos pais; deve apenas provar o dano e que o mesmo foi causado por fato culposo do filho. Essa prova é indispensável, porque presumida é apenas a culpa dos pais, e não do filho. Sem culpa do filho, não haverá que se falar de indenização. Provada a culpa do filho, presume-se a culpa dos pais, que só poderão exonerar-se do dever de indenizar demonstrando in concreto que não mais tinham o poder de direção sobre o menor e o corres- pondente dever de vigilância, afastando, assim, a presunção de culpa.29 Os pais omissos em seu dever de guarda poderão ser acionados judicialmente pela falta no exercício deste encargo do poder familiar (arts. 129 e 249 do ECA e art. 247 do Código Penal). 2.2.1. Guarda dos Pais Separados As regras materiais acerca da guarda dos filhos de pais separados são cuidadas, atualmente, somente no Código Civil, mas alguns reflexos podem estender-se à Justiça da Infância e da Juventude, quando este múnus não for, adequadamente, exercido. Portanto, o exame, embora superficial, da convivência do filho com os pais separados (matéria de Direito de Família) faz-se indispensável para identificar os mecanismos jurídicos existentes para solucionar e sarar as feridas decorrentes da ruptura da rela- ção dos adultos, com o fito de evitar que a prole, por conseqüência, venha a ser inse- rida em lar substituto. Desta forma: Não é mais possível desvincular, diante da sistemática atual, o Direito de Família do Direito da Criança e do Adolescente. Ambos formam uma teia, um Poder Familiar 97 29 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 137. emaranhado de conexões que não podem ser desmembradas na atuação dos pro- fissionais do Direito, em especial, nos casos que são submetidos à apreciação do Juízo de Família, valendo lembrar que a positivação dos direitos peculiares da criança e do adolescente “caracteriza benfazeja revolução em nosso ordenamen- to jurídico”, modificando “a estrutura sistemática e principiológica do anterior e clássico direito de família”.30 Com efeito, é por demais sabido que a separação de um homem e uma mulher, fática ou judicial, não importando o meio ou instrumento processual que regularize a situação instalada (ação de separação de corpos, separação judicial, divórcio ou disso- lução de união estável), não altera o poder familiar dos pais com relação à sua prole (art. 1.632 do CC). Por não estar visceralmente ligada à essência do poder familiar, a guarda pode, por vezes, ser apartada e atribuída a um só dos pais ou a terceiros (familiares ou não). A guar- da é um elemento importantíssimo do poder familiar por refletir-se em outros direitos indisponíveis como o de alimentos e o de conviver com o genitor não-guardião. Pela perspectiva psicológica, o rompimento da relação afetiva dos pais não pode representar para o filho uma violação à sua integridade biopsíquica, cabendo ao Estado criar instrumentos jurídicos e sociais, para que a convivência com os pais se perpetue, principalmente nos momentos de crise da família. Nos primórdios da legislação civil brasileira, havia critérios objetivos para orien- tação da Justiça acerca de qual dos pais deveria permanecer com a guarda dos filhos, critérios esses que não satisfaziam os interesses dos filhos como, por exemplo, a entre- ga do filho menor de idade ao cônjuge inocente pela separação (Decreto-lei nº 181/1890). No Código Civil de 1916, se ambos fossem culpados, a decisão dependeria da idade e do sexo da criança. No Estatuto da Mulher Casada de 1962, se ambos os genitores fossem culpados, abrir-se-ia à mulher a possibilidade, mesmo culpada, de ficar com os filhos. Com a Lei nº 6.515/77 (Lei do Divórcio), manteve-se o critério da ausência de culpa para se indicar o guardião do filho menor, mas previa-se a possibi- lidade de o Juiz regular de maneira diferente (art. 13), havendo motivos graves. No Código Civil de 2002, contudo, a guarda dos filhos não está vinculada à culpa de qualquer dos pais quanto à falência do relacionamento amoroso. A lei civil, em seus termos atuais, objetiva atender aos interesses dos filhos, obedecendo a princípios constitucionais que passaram a adubar e nutrir toda a seara do Direito de Família. Todavia, casos existem nos quais ambos os pais preenchem os requisitos para exercer bem a guarda dos filhos. Ouvir a criança é indispensável e, sempre que possível, mantê-la na custódia de ambos é o ideal. Assim é que o interesse do menor é o fator Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 98 30 AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. “A criança no novo Direito de Família”. In: WELTER, Belmiro Pedro, MADALENO, Rolf Hanssen (coord.). Direitos Fundamentais do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 288. peremptório para a atribuição da convivência com os pais, brotando novas discussões e institutos que favoreçam a boa relação familiar. Neste ponto, é indispensável ter em mente, como premissa básica, que, no direi- to positivo pátrio, em decorrência da ruptura dos laços afetivos dos pais, a guarda jurí- dica (poder de decisão e representação do filho menor) não é e nem precisa ser unila- teral. O direito dos pais de ter o filho em sua companhia é que se desmembra, pelo teor do art. 1.632 do CC. Em caso de rompimento da relação afetiva dos pais, o domicílio do filho menor de idade é aquele escolhido pelo(a) guardião(ã), sendo inquestionável que possui este(a) o direito de transferir o seu domicílio para qualquer lugar dentro do território nacional ou mesmo para o exterior, levando consigo o filho sob sua guarda. Ocorre que, havendo mudança para outra cidade, Estado ou país, o não-guardião estará, a princípio, privado na companhia do filho, fazendo-se necessária a autorização daque- le de modo a reajustar o direito de visitas ou, não a concedendo o visitante, supri-la mediante ordem judicial, de maneira que o filho possa acompanhar o guardião (ã) para onde quer ele(a) venha a fixar o novo domicílio.31 Desse modo, não convivendo mais o casal sob o mesmo teto, para o êxito do exercício da guarda, ambos os pais devem apresentar características essenciais de um bom guardião, valorizando a convivência familiar com o filho, mesmo que distancia- da e não tão freqüente. Dentre as mais importantes características do exercício ade- quado da guarda podemos mencionar três indispensáveis: amor e laços afetivos com a criança; saber ouvir e acatar a sua preferência, sem induzi-la e ter a habilidade de encorajar a continuidade de sua relação afetiva com o não-guardião, sem rancor ou críticas a este.32 O bom guardião, também, deve conceder ao filho estabilidade emocional, financeira e afetiva, isto é, garantir a permanência deste no meio em que vive, evi- tando alterações bruscas em sua rotina; separar tempo quantitativo e qualitativo para poder dedicar-se exclusivamente a ele; ter disponibilidade para dar ao filho orienta- ção e atenção; contribuir, de alguma forma, para o seu sustento e não depender Poder Familiar 99 31 GUARDA DE MENOR, MUDANCA DE DOMICÍLIO DA MAE, RESIDÊNCIA NO EXTERIOR, POSSIBI- LIDADE. Divórcio. Guarda dos filhos cometida à mulher. Pleito de autorização para viagem e fixação de residência em outro país. Sentença de procedência. Recurso regularmente preparado. Interesse de agir que se apóia na defesa do direito à visitação. A assunção do encargo da guarda não pode se constituir em limi- tação ao direito constitucional de ir, vir e ficar, como ocorreria se, a pretexto de se assegurar ao cônjuge que não detém a guarda dos filhos de seu casal, o direito à visitação pactuada, se impedisse o outro até mesmo de eleger a localização de seu domicilio. A existência de distancia física a vencer, em verdade, não importa em alteração, sem forma nem figura de juízo, da visitação antes acordada, cujos termos e às próprias custas, o varão, que jamais intentou modificar a guarda de suas filhas, fará cumprir onde quer que se encontrem elas. Recurso improvido (Apelação Cível nº 2002.001.30279 da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Relator: Des. Mauricio Caldas Lopes, julgado em 01/04/2003). 32 Para aprofundamento do tema, recomendamos a leitura do livro de RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. O Poder Familiar e a Guarda Compartilhada sob o enforque dos novos paradigmas do direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. exclusivamente de outros para mantê-lo, de modo a afastar conflitos judiciais acerca dos alimentos do menor e apresentar um padrão de vida social estabelecido, e não flutuante e instável. 2.2.1.1. Guarda e Companhia Consensual A guarda e a companhia dos filhos podem ser acordadas pelos pais em processo específico sobre esta matéria, no bojo de ação de separação ou de divórcio, como cláu- sula de dissolução de união estável, ou mesmo em ação de alimentos ou de investiga- ção de paternidade. Mesmo de forma consensual, algumas modalidades de guarda podem apresentar-se: a guarda unilateral, a guarda compartilhada ou, ainda, a guarda em favor de terceiro (familiar, ou não). É fato que a avaliação do que é melhor para a criança é extremamente difícil do ponto de vista de quem não integra o grupo familiar, ou seja, pela ótica do Magistrado, do Promotor de Justiça e até mesmo do advogado dos pais. Isto ocorre porque somente os genitores conhecem profundamente a personalidade, os hábitos e sentimentos de seus filhos. Presume-se que os pais elegem o melhor caminho para os filhos ao entabularem as cláusulas concernentes aos direitos destes. Não se perquire a razão da escolha deste ou daquele guardião, desta ou daquela forma de visitação, pois aos pais somente se exige que comprovem o vínculo de parentesco e que estabeleçam um pacto que pos- sibilite aos filhos um amplo convívio com ambos os genitores. Inadmissível a homologação se o acordo de separação for omisso quanto à cláusula de guarda, visitação e alimentos dos filhos (art. 1.121, II e III, do CPC): o pacto não será homologado judicialmente, pois a finalidade de conter regras refe- rentes aos filhos é preservar, desde logo, o direito prioritário da prole de conviver com os pais, sem que, a todo o momento, o exercício do poder familiar seja alvo de discussão judicial.33 A propósito, a lei civil foi decisiva ao precisar que “o Juiz pode recusar a homo- logação e não decretar a separação judicial se apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos” (parágrafo único do art. 1.574 do CC). Tal dispositivo aplica-se, por evidente, a quaisquer acordos que contenham cláusulas rela- tivas a direito de infantes, não importando a natureza da ação. Se, entretanto, após a decisão homologatória de guarda, através do convívio diá- rio com o menor, for constatado eventual prejuízo para o filho, é indispensável que a questão seja pronta e maduramente enfrentada pelos genitores, evitando desgastes emocionais para todos os familiares. Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 100 33 Apelação Cível nº 2002.001.14901, da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Relator: Des. Wellington Jones Paiva, julgado em 06/02/2003 e Apelação Cível nº 000.164.894-8/00, da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Relator: Des. Corrêa de Marins, julgado em 26/10/2000. 2.2.1.2. Guarda Compartilhada Sem qualquer intenção de aprofundamento deste tema tão relevante, faz-se indispensável constatar que, na prática, a guarda denominada “exclusiva” ou “unila- teral” vem abdicando espaço às novas modalidades de acomodações que atendam adequadamente ao princípio do melhor interesse da criança e, neste patamar, encontra-se a guarda compartilhada. Esta modalidade de guarda tem por base o direito fundamental de toda criança e adolescente de ter uma convivência familiar plena (art. 227 da CF/88).34 Este instituto, também denominado, por vezes, guarda conjunta pela doutrina, ingressou formalmente no ordenamento jurídico com o nomen juris de guarda com- partilhada através da Lei nº 11.698, de 13 de junho de 2008, modificando o capítulo “Da proteção da pessoa dos filhos” do Livro do Direito de Família (Código Civil). Esta espécie de guarda constitui uma prerrogativa de ambos os genitores toma- rem as decisões em conjunto, embora a criança resida unicamente com um dos pais que exerce a guarda física ou material em toda a sua extensão. A guarda jurídica, no entanto, continua sendo exercida pelos pais, ao passo que a “companhia” ou “custódia” do filho é atribuída a um deles, desmembrando-se, portanto, o comando do art. 1.634, II, do CC.35 A guarda conjunta é diferente da guarda alternada, que prejudica a rotina e a segurança psíquica da criança, pois nesta se compartilha também a custódia. Aquela garante o direito à convivência familiar, porque o poder familiar continua sendo com- partilhado, sem que o filho precise deslocar-se, de uma residência para a outra, com uma freqüência danosa. Para o ideal e eficaz resultado da guarda conjunta, esta depende do amadureci- mento do casal, da estabilidade emocional e do bom relacionamento e diálogo dos pais.36 O art. 1.589 do CC, todavia, prevê a possibilidade de fixação, pelo Magistrado, Poder Familiar 101 34 Sedimentando o entendimento de que a guarda compartilhada pode ser uma das modalidades de guarda possível em caso de rompimento do vínculo do casamento ou da união estável dos pais, a Justiça Federal durante a Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em 11 a 13/09/02, firmou o seguinte Enunciado nº 101 – “Art. 1.583: sem prejuízo dos deveres que compõem a esfera do poder familiar, a expressão “guarda de filhos”, à luz do art. 1.583, pode compreender tanto a guarda unilateral quanto a compartilhada, em atendimento ao princípio do melhor interesse da criança.” 35 Sobre a introdução da guarda compartilhada no Direito de Família brasileiro: NICK, Sérgio Eduardo. “Guarda Compartilhada: um novo enfoque no cuidado aos filhos de pais separados ou divorciados”. In: BARRETO, Vicente (Org.). A nova família: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, pp. 127-168; e RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers de. “A Moderna visão da autoridade parental”. In: Guarda Compartilhada: Aspectos Psicológicos e Jurídicos. Porto Alegre: Equilíbrio, 2005. 36 Acerca da necessidade da harmonia entre os guardiães na guarda compartilhada, selecionamos as seguintes Decisões: AC nº 2004.001.34190, da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Relator: Des. Cláudio de Mello Tavares, julgado em 11/5/2005, AI nº 2004.002.15066, da 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Relatora: Desª Cássia Medeiros, julgado em 07/12/2004 e AC nº 70010773331, da 8ª Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relatora: Desª Catarina Rita Krieger Martins, julgado em 16/06/2005. do modo pelo qual o não-guardião terá o filho em sua companhia, dando a entender que há plena liberdade do Juiz de determinar até mesmo a guarda compartilhada, quando assim julgar ser o melhor interesse do infante. Desta sorte, recomenda-se evitar a imposição do instituto, pois é de sua natu- reza o pressuposto de existência de uma relação harmoniosa entre os guardiães.37 Deve, no entanto, haver orientação do Magistrado quanto à co-responsabilidade, quando o estudo social verificar ser mais benéfico, como, por exemplo, quando a visitação está sendo realizada sem horários fixos e há divisão igualitária do susten- to da criança.38 Assinale-se que, em decorrência do princípio constitucional do melhor interes- se da criança e do princípio da proteção integral, não vislumbramos qualquer óbice à definição da lide por uma guarda compartilhada, mesmo não havendo o bom entrosa- mento entre as partes, quando a criança demonstra querer conviver intensamente com ambos os genitores, e há a possibilidade de compartilhamento das decisões envol- vendo os direitos fundamentais do filho, como o direito à saúde e educação.39 Neste sentido, o § 2º do art. 1.584 do Código Civil prescreve que, quando não houver acor- do entre os pais quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guar- da compartilha. Na prática, contudo, tem-se utilizado a guarda compartilhada, principalmente para crianças e adolescentes em situação de ruptura conjugal dos pais, quando estes transacionam no bojo das ações típicas de Vara de Família, fixando a guarda para um deles e a visitação alargada para o outro. Desta maneira, o acesso ao filho pelo não-guardião será realizado, quase ou total- mente, de forma livre, sendo certo que as questões primordiais concernentes à prole devem ser decididas em consenso. Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 102 37 Consultar acerca do descabimento da imposição da guarda compartilhada o artigo do Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Dr. Ricardo Rodrigues Cardozo intitulado “Em Defesa da Guarda Compartilhada”, publicado na AMAERJ notícias, nº 47 e a Jurisprudência do Tribunal gaúcho: AI nº 70010991990, da 7a Câmara Cível do Tribunal de Justiça, Relatora: Desa Maria Berenice Dias, julgado em 02/03/2005 e AI nº 70007822257, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, Relatora: Desª Maria Berenice Dias, julgado em 31/03/2004. 38 Observe-se a preocupação do legislador em determinar ao juiz de família o dever de esclarecer e orientar os pais de filhos menores quanto ao significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções que poderão ser impostas em caso de descumprimen- to de cláusulas relacionadas ao convívio entre pais e filho (§ 1º do art. 1.584 do Código Civil). 39 Sob o enfoque psicológico, salienta Evandro Luiz Silva no estudo “Guarda de Filhos: Aspectos Psicológicos” In: Guarda Compartilhada: Aspectos psicológicos e jurídicos. Porto Alegre: Equilíbrio, 2005, pp. 20-21: “Assim, vejo que se os pais estão em litígio, os problemas de obstrução de contato com o progenitor que não detém a guarda podem ficar explícitos para a criança, pois a própria palavra visita já é por si só restritiva, e o progenitor que detém a guarda já será legalmente considerado mais importante, já que é ele que tomará as decisões na vida da criança, tendo isso um peso simbólico considerável. Esta situação poderá induzir a criança ao afastamento do outro. Logo, mesmo em litígio, a guarda compartilhada – em termos psicológi- cos, é a melhor solução para os filhos”. (grifos nossos) Note-se que, seguindo a priorização do estabelecimento desta espécie de guarda, o § 5º do art. 45 do ECA, inserido pela Lei nº 12.010/2009, prescreve que, em caso de adoção postulada por casal separado judicialmente, divorciado ou ex-companheiros, desde que demonstrado efetivo benefício ao adotando, será assegurada entre os pais adotivos a guarda compartilhada do filho. 2.2.1.3. Guarda Litigiosa Não havendo acordo entre os pais quanto à escolha do guardião e ao sistema de convivência familiar com o filho, o critério legal é atribuir a guarda a quem revelar melhores condições para exercê-la, no melhor interesse da criança (art. 1.584 do CC). Há grande dificuldade de se discutir esta delicada questão no âmbito da separa- ção, do divórcio ou da dissolução da união estável, pois, normalmente, faz-se necessá- ria a realização de perícia social e psicológica, com a oitiva da criança ou do adoles- cente, se indispensável, reservadamente, pelo Julgador e pelo Promotor de Justiça. A complexidade do tema pode prolongar os mencionados procedimentos demasiada- mente, além de mesclar indevidamente interesses outros decorrentes da ruptura fami- liar, como os patrimoniais. Assim, o processo autônomo é recomendável no caso de não haver acordo sobre guarda e visitação entre o casal nos processos de separação. Mesmo que se proporcio- ne às partes a oportunidade de conciliação (art. 331 do CPC) ou de uma mediação por técnicos especializados, persistindo a lide, preferencialmente a discussão da guarda deverá ser travada em processo autônomo. A única exceção vislumbrada para que a guarda seja um pedido a ser apreciado no âmbito dos processos inerentes à conjugalidade seria quando o fundamento para a alegação de culpa do rompimento residisse na violação dos deveres do casamento (art. 1.572, § 1º, do CC), relativos ao exercício do poder familiar (art. 1.566, IV, do CC), como, por exemplo, a prática de violência por um dos genitores em face do filho.40 O estabelecimento da guarda unilateral redundará em direito de visitação pelo outro e a fixação de alimentos, direitos esses cujo titular é a criança, pessoa estranha à relação processual afeta à dissolução da sociedade ou do vínculo matrimonial ou do companheirismo. Note-se que a instrução do processo de guarda objetiva apurar qual dos pais detém melhores condições para cuidar diretamente dos interesses do filho. Melhores condições podem ser entendidas como um conjunto de ações praticadas pelos genito- res que denotem estar exercendo adequadamente o poder familiar, possibilitando o pleno desenvolvimento físico, psíquico, social e moral da criança. Se ambos apresen- Poder Familiar 103 40 Apelação Cível nº 2002.001.04617, da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Relator: Des. Luiz Fernando de Carvalho, julgado em 11/03/2003. tarem estas condições, dar-se-á preferência para aquele que já detiver a guarda de fato, conferindo ao outro genitor uma visitação ampla.41 A propósito, na área de direito de família, tem-se utilizado, com bastante eficiên- cia, instrumentos para a composição dos litígios, como por exemplo, os conciliadores, mediadores, acompanhamentos por psicólogos, intermediação dos advogados e a orientação do Juiz e do Promotor de Justiça. Bem destaca Euclides de Oliveira o papel conciliador do Magistrado, ao afirmar: Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 104 41 Sobre o significado de “melhores condições” para o exercício da guarda dos filhos, mencionamos as seguintes Decisões do Superior Tribunal de Justiça lastreadas em princípios estatuídos no ECA, com negritos nossos: Direito da criança e do adolescente. Recurso especial. Ação de guarda de menor ajuizada pelo pai em face da mãe. Prevalência do melhor interesse da criança. Melhores condições. Análise probatória. A proteção integral, conferida pelo ECA, à criança e ao adolescente como pessoa em desenvolvimento, deve pautar de forma indelével as decisões que poderão afetar o menor em sua subjetividade. Sob a ótica dos Direitos da Criança e do Adolescente, não são os pais que têm direito ao filho, mas sim, e sobretudo, é o menor que tem direito a uma estrutura familiar que lhe confira segurança e todos os elementos necessários a um crescimen- to equilibrado. Devem as partes pensar de forma comum no bem-estar do menor, sem intenções egoísticas, para que ele possa, efetivamente, usufruir harmonicamente da família que possui, tanto a materna, quanto a paterna, porque toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família, con- forme dispõe o art. 19 do ECA. A guarda deverá ser atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar ao filho, afeto não só no universo genitor-filho como também no do grupo familiar em que está a criança inserida, saúde, segurança e educação. Se o acórdão recorrido atesta que a mãe oferece melhores condições de exercer a guarda da criança, revelando em sua conduta plenas condições de promover o sustento, a guarda, a educação do menor, bem assim, de assegurar a efetivação de seus direitos e facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social da filha, em condições de liberdade e de dignidade, deve a relação materno-filial ser preservada, sem prejuízo da relação paterno-filial, assegurada por meio do direito de visitas. É vedado o reexame de provas e fatos do processo em sede de recurso especial, os quais devem ser considerados assim como descritos no acórdão recorrido. Recurso especial conhecido mas não provido. REsp 1.076.834-AC, 3ª Turma, Rel Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/2/2009. Direito de Família. Recurso especial. Pedido de guarda de menor formulado pelo pai em face da mãe. Melhores condições. Prevalência do interesse da criança. Impõe-sse, relativamente aos processos que envolvam interesse de menor, a predominância da diretriz legal lançada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, de proteção integral à criança e ao adolescente como pessoa humana em desenvol- vimento e como sujeito de direitos civis, humanos e sociais, garantidos, originariamente, na Constituição Federal – CF. Devem, pois, as decisões que afetem a criança ou o adolescente em sua subjetividade, neces- sariamente, pautar-se na premissa básica de prevalência dos interesses do menor. Nos processos em que se litiga pela guarda de menor, não se atrela a temática ao direito da mãe ou do pai, ou ainda de outro familiar, mas sim, e sobretudo, ao direito da criança a uma estrutura familiar que lhe confira segurança e todos os elementos necessários a um crescimento equilibrado. Sob a ótica do interesse superior da crian- ça, é preferível ao bem estar do menor, sempre que possível, o convívio harmônico com a família – tanto materna, quanto paterna. Se a conduta da mãe, nos termos do traçado probatório delineado pelo Tribunal de origem, denota plenas condições de promover o sustento, a guarda, a educação do menor, bem assim, assegurar a efetivação de seus direitos e facultar seu desenvolvimento físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade, com todo o amor, carinho e zelo inerentes à relação materno-filial, deve-lhe ser atribuída a guarda da filha, porquanto revela melhores condições para exer- cê-la, conforme dispõe o art. 1.584 do CC/02. Melhores condições para o exercício da guarda de menor, na acepção jurídica do termo, evidencia não só o aparelhamento econômico daquele que se pretende guardião do menor, mas, acima de tudo, o atendimento ao melhor interesse da criança, nos sentido mais completo alcançável... REsp 916350 / RN 2007/0002419-2, 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 11/03/2008. Afora as hipóteses legais de conciliação obrigatória, cumpre repisar que o juiz de família tem largo campo de atuação discricionária para a busca da alme- jada conciliação ou reconciliação das partes. Pode convocá-las para audiência a qualquer tempo, ainda que em reiteração, sempre que vislumbre possível um acerto amigável, seja pelas circunstâncias do caso ou por requerimento dos advo- gados ou do Ministério Público, assim como por sugestão dos auxiliares nos tra- balhos de campo, que são os assistentes sociais e psicólogos designados do Juízo.42 Desta forma, cabe não somente ao Juiz tentar, a qualquer tempo, conciliar as par- tes (art. 125, V, do CPC), como também a todos os operadores do direito que irão atuar nas ações relativas aos desencontros familiares. 2.2.2. Dever de Visitação e o Direito do Filho à Convivência Familiar Plena No que concerne à visitação entre o menor de 18 anos e seus genitores ou pes- soas com as quais mantenha vínculo de parentesco ou de afinidade, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em sua redação original, foi bastante parcimonioso. Entretanto, com as alterações trazidas pela Lei nº 12.010/2009 que enfatiza a convivência familiar, o ECA passou a ter uma redação mais condizente com a especi- ficação deste direito tão relevante e intimamente relacionado à garantia da pessoa menor de idade de conviver com os pais, mesmo que deles afastados fisicamente. Mantidas as previsões originais do texto estatutário (art. 92, incisos I e VIII, e art. 124, inciso VII), o direito-dever de convivência do não-guardião com o filho ganhou pre- visões expressas no § 4º do art. 33 e § 4º do art. 92, tornando regra obrigatória nos casos em que terceiras pessoas exerçam o encargo da guarda. No que diz respeito ao exercício deste direito entre os próprios genitores de filhos menores, o Código Civil, no art. 1.589, mantendo a mesma redação do antigo art. 15 da Lei nº 6.515/77 (Lei do Divórcio), restringe a previsão do direito/dever de visita às hipóteses de rompimento da relação conjugal dos pais.43 Enquanto a família permanece unida sob o mesmo teto, o filho desfruta da con- vivência com os genitores. A ruptura cria uma nova estrutura, e a responsabilidade parental concentra-se, na maior parte das vezes, em um só dos pais, ficando o outro reduzido a um papel secundário. O direito de visita significa a oportunidade de con- vivência entre filho e o não-guardião. Poder Familiar 105 42 FIGUEIREDO, Euclides de. “Os operadores do direito frente às questões da parentalidade”. In: Revista Brasileira de Direito de Família, nº 20, p. 157. 43 Art. 1.589 do CC – “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”. O exercício comum da autoridade parental é o ideal desejado reservando a cada um dos pais o direito de participar ativamente das decisões sobre o filho menor. Somente o equilíbrio e a harmonia dos papéis dos genitores, valorizando a paternida- de e a maternidade, trará ao filho de pais separados um desenvolvimento físico e men- tal adequado, minorando os efeitos desastrosos da fragmentação da família. O objetivo das visitas é a manutenção da natural comunicação do filho para com o(a) genitor(a) com quem não convive diariamente, incentivando e consolidando o vínculo paterno e materno-filial. Quer isso dizer que, se para os pais a visitação é um direito e um dever, dever esse que se insere no dever de assistência ao filho, para o filho configura um direito irrenunciável, o qual deve ser coativamente imposto aos pais, quando espontanea- mente não quiserem cumpri-lo, inclusive através de advertência (art. 129, VIII, do ECA),44 representação por infração administrativa,45 imposição de multa diária com valor expressivo (astreintes)46 ou, ainda, mediante ação de indenização por dano moral,47 se for o caso. Recente Lei Federal timidamente definiu esta espécie de convivência do não- guardião com o filho, mas não especificou as modalidades de visitas e não as estendeu a outros parentes.48 A nova redação do art. 1.121 do CPC limitou-se a prescrever a obrigatoriedade das visitas em favor do não-guardião em caso de ruptura da sociedade conjugal, uma vez que tal norma está inserta no procedimento de separação consensual. Todavia, é evidente que tal regra deve ser estendida às hipóteses de dissolução do vínculo matri- monial (divórcio consensual direto e indireto), na ruptura acordada de união estável e, também, nos acordos entabulados em ações de investigação de paternidade. O Código Civil de 2002, por seu lado, deixou passar a oportunidade de garantir o direito de visita de criança e de adolescente a outros parentes. Examinando a omis- são do texto do Código Civil, Euclides de Oliveira posiciona-se afirmando que “igual Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 106 44 Apelação Cível nº 182.056-1, do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator: Des. Fonseca Tavares, julgado em 31/03/1993. 45 Art. 249 do ECA. 46 Sobre a tutela cominatória de obrigação de fazer com imposição de multa pelo não exercício do direito à visita, o leitor poderá consultar os §§ 4º e 5º do art. 461 do CPC e o art. 213 do ECA, bem como o Capítulo IV do livro de LAURIA, Flávio Guimarães. A Regulamentação de Visitas e o Princípio do Melhor Interesse da Criança. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. Na Jurisprudência ainda incipiente temos como os seguintes paradigmas: AI nº 70008086134, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relatora: Desa Maria Berenice Dias, julgado em 24/03/2004, e AC nº 2002.001.16015, da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Decisão Monocrática, Des. Maurílio Passos Braga. 47 BOSCHI, Fabio Bauab. Direito de Visita, São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 175-188 e MADALENO, Rolf. Direito de Família em Pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, capítulo 2. 48 O art. 3º da Lei nº 11.112, de 13 de maio de 2005, acrescentou o § 2º ao artigo 1.121 do CPC: “Entende-se por regime de visitas a forma pela qual os cônjuges ajustarão a permanência dos filhos em companhia daque- le que não ficar com tal guarda, compreendendo encontros periódicos regularmente estabelecidos, reparti- ção das férias escolares e dias festivos”. direito de visitas, no entanto, pode ser deferido a outras pessoas, mediante uma inter- pretação extensiva do art. 1.584 do novo Código”. E complementa o festejado doutrinador: A regra tem um sentido amplo e dá chance à entrega do menor até mesmo a outras pessoas, quando os pais não queiram ou não possam exercer a guarda. O mesmo princípio se aplica ao consectário direito de visitas, que pode ser amplia- do em favor do pai que não detenha a guarda ou de outros parentes, desde que atendido o interesse do menor, objetivando sua perfeita integração dentro da comunidade familiar.49 Com efeito, a natureza jurídica do direito de visita dos avós é um direito natural que se integra através do ius sanguinis.50 Se os parentes da linha ascendente e colate- ral podem assumir a guarda ou a tutela dos netos, sobrinhos ou irmãos menores de idade, consoante dicção do § 2º do art. 28 do ECA, não há óbices legais para que dete- nham o direito de convivência familiar através de visitas, direito este de menor ampli- tude. Em sendo assim, parentes próximos ao menor, ancorados na solidariedade fami- liar, poderão postular o direito de participar diretamente de sua vida através de visi- tas, inclusive de criança e de adolescente abrigados ou internados por prática de ato infracional.51 No caso de colocação em família substituta, porém, o direito dos avós à visitação deve ser examinado com mais cautela. No caso da guarda e da tutela, os vínculos de parentesco permanecem intocáveis com relação aos ascendentes de 2º grau do menor, portanto, nenhum obstáculo parece existir quanto à legitimidade dos avós postularem visitas ao neto sob a guarda ou tutela de outrem. Todavia, a visitação dos avós biológicos em sede de adoção não é questão pacífi- ca. Com o surgimento de um novo vínculo de parentesco (civil), ficam quebrados os Poder Familiar 107 49 Cf. OLIVEIRA, Euclides Benedito de. “Direito de visitas dos avós aos netos”. In: Jornal da Editora Síntese, dezembro de 2002, pp. 11-13. 50 ISHIDA, Valter Kenji, Direito de Família e sua Interpretação Doutrinária e Jurisprudencial. São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 200-204. 51 Art. 16, V, do ECA: “O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: (...) V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação”, RT 562/189 e Apelação Cível nº 9.161-4, do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator: Des. Leite Cintra, julgado em 05/06/96. Visitação deferida com aplicação cumulati- va, de ofício, de medida de proteção: “APELAÇÃO CÍVEL. REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS À AVÓ E TIOS PATERNOS. DIREITO DA CRIANÇA À CONVIVÊNCIA FAMILIAR. Tendo em vista o direito da criança à convivência familiar, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, revela-se possível e até recomendável a estipulação de visitas em favor de avó e tio paternos, mormente quando evidenciado que a convivência traz benefícios para a criança, e inexiste um relacionamento pacífico entre a guardiã e os demais familiares da infante, o que ocorre na espécie. Negado provimento ao apelo, com recomendações. Aplicada, de ofício, medida de proteção (art. 101, V, do ECA) (Apelação Cível nº 70011465523, 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Desembargadora Maria Berenice Dias, julgado em 16/11/2005). O grifo é nosso. laços decorrentes do poder familiar com os pais e o liame de parentesco com a famí- lia de origem da criança adotada. O registro de nascimento é refeito e, nele, constarão novos avós, de acordo com o ditame do § 1º do art. 47 do ECA, in verbis: “a inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes.” Ora, se os avós biológicos não mais figuram no assento de nascimento do adotan- do, bastaria para o mundo jurídico figurarem aqueles no coração do neto adotado, para se habilitarem ao direito a visitas? A hipótese ventilada parece-nos plenamente possível, se considerarmos que a finalidade das visitas é a preservação dos liames de afeto entre visitante e visitado, através da manutenção da convivência entre eles, fortalecendo a relação e garantin- do, assim, as necessidades emocionais das partes.52 Por outro lado, se forem inexisten- tes tais vínculos de afetividade, por evidente, faltarão interesse e legitimidade para a propositura da demanda. Analisando caso concreto acerca do assunto em tela, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul demonstrou a preocupação com a criança adotada, na medida em que a visita à avó traria à baila sentimentos conflituosos acerca de sua real família. Reproduzimos a Ementa: REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. PEDIDO DA AVÓ BIOLÓGICA. CRIANÇA ADOTADA. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, desli- gando-o de qualquer vínculo com pais e parentes. Inteligência do art. 41, ECA. A avó biológica não tem direito de exigir a regulamentação de visitas em relação à sua neta biológica, não se mostrando conveniente o restabelecimento do vín- culo afetivo que possa ter existido algum dia, pois outro é o grupamento familiar no qual a criança está inserida e com o qual mantém relacionamento saudável e harmonioso, sendo atendida em todas as suas necessidades, inclusive afetivas. Recurso desprovido, por maioria.53 Seria criticável o decisum transcrito se o vínculo afetivo entre neta adotada e a avó biológica ainda estivesse mantido incólume, pois o valor jurídico “afeto” deve sobrepujar todas as formas de redução da constelação familiar, prejudiciais ao melhor interesse do infante. Contudo, pela ementa reproduzida, denota-se que a visitação teria por fito estabelecer um relacionamento já inexistente. A hipótese em comento, apesar de não ser comum, já foi favoravelmente exami- nada pelo Tribunal de Justiça mineiro, desde que haja concessão dos adotantes. Senão vejamos: “GUARDA – Adoção. Direito de visita à mãe biológica. Regulamentação de visita. Concessão dos adotantes. Modificação da visita”.54 Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 108 52 Cf. BOSHI, Fábio Buab. Op. cit., p. 47. 53 Apelação Cível nº 70007071863, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 15/10/2003. 54 Agravo de Instrumento nº 000.216.315-2/00 da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Relator: Des. Garcia Leão, DJMG 23/05/2001. Para sedimentar o que foi analisado antes, então, é importante salientar que exis- tem três condições que podem fundamentar o direito a visitas: o poder familiar, o vín- culo de parentesco ou o liame de afetividade. Vinculada ao poder familiar, sob o ponto de vista dos genitores, a visitação é sempre um direito e um dever, pois deriva do dever de guarda e companhia e do dever constitucional de assistir imaterialmente o filho. Como se trata de um direito tanto do visitante como do visitado de exercê-lo, será possível a sua regulamentação tão-somente quando os interesses sejam conver- gentes, prevalecendo, sempre, a subordinação ao superior interesse do visitado, tendo em vista que: Em nome do interesse superior do visitado, pode-se obstar a visita, dene- gando-a ou suspendendo-a, sempre que, por qualquer forma, possa colocar-lhe em perigo a saúde ou a segurança, física ou mental, mesmo que o fator de risco não seja causado direta ou indiretamente pelo visitante.55 Dito de outra forma, se a criança ou o adolescente não quiser avistar-se com pessoas mais afastadas do núcleo familiar, por ausência de sentimentos positivos ou a presença de repulsa, não se forçará a aproximação indesejada.56 Todavia, se a nega- tiva da visita, por parte do infante, ocorrer em relação aos parentes consangüíneos ou afins próximos e não seja visivelmente detectada a razão para esta recusa, reco- menda-se a inclusão dos envolvidos em terapia familiar, visando um processo gra- dativo de reaproximação.57 Seja por avença ou por sentença condenatória devem-se levar em consideração alguns parâmetros como o superior interesse do visitado, tais como a idade deste, a sua vontade manifesta, a disponibilidade do visitante e do visitado, o grau de afeto entre as partes, a união de irmãos e, em alguns casos, até mesmo a profissão do visitante, Poder Familiar 109 55 BOSHI, Fábio Buab. Op. cit., pp. 84-5. 56 Apelação nº 03.001.06321, da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Relator: Des. Nametala Jorge, julgada em 25/06/2003 (Pedido de visitação de criança adotada, com fundamento em rela- ção homoafetiva rompida). Garantindo a visitação da companheira da genitora, por existência de união está- vel entre elas e de vínculo de afetividade com a criança, consultar AI nº 70018149631 da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relatora Des. Maria Berenice Dias, julgado em 11/04/2007. 57 DIREITO DE VISITAS. FILHA ADOLESCENTE. MANIFESTAÇÃO DE VONTADE CONTRÁRIA À REGULAMENTAÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO MENOR. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. A regulamentação do direito de visitas deve atender não somente ao interesse dos pais, mas, principalmente, ao interesse e à vontade do menor de idade. Contando a filha adolescente já com dezesse- te anos de idade, não pode ser desprezada sua manifestação no sentido de repudiar a imposição de tolerar as visitas do pai ausente desde sua tenra infância, sob pena de invasão de sua privacidade, intimidade e, ainda, agressão à sua dignidade humana. Não se mostra saudável nem benigno forçar a filha a conviver com o pai que a renegou por longos anos, visto que o afeto, o carinho, o respeito e o amor não podem ser impos- tos, mas devem ser conquistados. AC 1.0024.04.538932-7/001(1), 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Relator: Des. Moreira Diniz, julgado em 10/08/2006. quando, em razão de prolongadas viagens, a visita deve ser efetivada dentro da possi- bilidade de folgas do não-guardião. Atente-se, assim, que o lugar, o tempo e a forma da visitação devem estar conjugados aos interesses de todos os envolvidos, mas prio- ritariamente aos do menor visitado. Durante os encontros, o visitante deve cuidar para que o visitado cumpra com suas tarefas sociais e escolares, zelar para que desfrute de toda a assistência material e imaterial de que necessitar, assim como fiscalizar a sua manutenção e educação. Por seu lado, no exercício da guarda, o genitor ou terceiro deve favorecer o aces- so entre o não-guardião e o infante, isto porque o normal andamento da visitação, geralmente, está nas mãos do guardião. Este precisa organizar as atividades do filho fora do período em que o outro genitor exerce o direito de visitas, valorizar o outro genitor na presença do filho, informar ao outro genitor sobre as atividades em que o filho está envolvido, falar de maneira educada do outro genitor e de seu (sua) novo (a) companheiro (a) ou cônjuge, avisar o outro genitor de compromissos importantes, como consultas médicas do filho, tomar decisões importantes a respeito do filho con- sultando o outro genitor, garantir ao outro genitor o acesso às informações escolares e/ou médicas dos filhos, enfim retirando os obstáculos e construindo pontes de convi- vência entre visitante e visitado. O guardião deve estar ciente de que o visitado não é sua propriedade e que seu encargo deve ser exercido em prol dos interesses da crian- ça ou do adolescente, deixando de lado mágoas, vinganças e chantagens.58 Quanto aos critérios de dia e local para a realização de visitas, é importante fri- sar que a tendência doutrinária e jurisprudencial é de se democratizar, o máximo pos- sível, a convivência com o visitador, deixando de lado a rotineira e obsoleta regula- mentação padrão que prevê visitas quinzenais e em festas especiais. O melhor para o filho menor, por evidente, é poder sedimentar, diuturnamente, os vínculos afetivos com ambos os pais. Esta meta somente é possível se o direito a visita for mais elástico, favorecendo os encontros entre visitante e visitado, também, durante os dias úteis da semana, respeitando-se os horários escolares, mesmo (e prin- cipalmente) quando exista resistência por parte do guardião. Deste modo, o filho não sentirá tanto a ausência prolongada do visitador, pois poderá desfrutar de sua compa- nhia com mais assiduidade. Nesta linha, ainda, não cremos ser nociva a estipulação da visitação livre, se esti- vermos frente a um bom entrosamento entre os pais do infante e, principalmente, se o alvo da visita for o adolescente, cujas atividades rotineiras como os estudos, festas e Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel 110 58 Tramita no Senado o Projeto de Lei nº 356/2004 do Senador César Borges que acrescenta parágrafo único ao art. 1.589 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, para assegurar a executoriedade do direito de visita ao pai ou à mãe em cuja guarda os filhos não estejam. Dispõe o referido projeto: “Art. 1º Acrescente-se ao art. 1589 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, o seguinte parágrafo único: Art. 1.589................... Parágrafo único. Havendo oposição injustificada por parte do cônjuge que deti- ver a guarda dos filhos, o pai ou a mãe prejudicado poderá requerer ao juiz que lhe assegure o exercício dos direitos previstos no caput deste artigo.” esportes, por vezes, são priorizadas, em detrimento das visitas periódicas ao não-guar- dião. A visita em período mais aberto, sem dúvida, neste caso, possibilitará e facilita- rá os encontros. Hipótese de difícil trato é aquela na qual os genitores do infante possuem doen- ça decorrente de distúrbio mental, alcoolismo ou drogadição. O poder familiar, por evidente, ficará restringido e, por via de conseqüência, os encontros entre pais e filho deverão ser precedidos de cuidados, que, dependendo do caso concreto, podem cul- minar na visitação supervisionada, de maneira a garantir a integridade física e psíqui- ca do infante. Neste sentido, o Tribunal de Justiça paulista, julgando pleito de visitação de mãe alcoólatra, decidiu: DIREITO DE VISITAS – O direito de visitas da mãe para os filhos menores embora natural, poderá sofrer restrições, submetendo-se ao controle judicial, em se confirmando o prejuízo para o interesse dos menores, uma realidade diante da confirmação do vício do alcoolismo da visitadora.59 Assim, os pais detentos poderão ser visitados pelos filhos menores de 18 anos, desde que verificadas pela equipe de serviço social da unidade prisional que estas visi- tas não acarretarão danos físicos e psicológicos ao menor. Caso igualmente delicado mostra-se o exercício da visitação quando há suspeitas de que o visitador (a) abusou sexualmente do filho. É evidente que, se as provas vol- tarem-se, indubitavelmente, contra o não-guardião, inclusive pela própria palavra da vítima, recomendam-se a suspensão das visitas e a inclusão de todos os envolvidos em acompanhamento psicológico e psiquiátrico, se necessário. Ocorre que, muitas vezes, até o deslinde do processo, no qual se discute a alega- da violência sexual, o contato entre o filho e o(a) suposto(a) abusador (a) vai rarean- do-se, até que o vínculo de afeto esvai-se pelo longo tempo decorrido. A experiência tem apontado que, na ausência de provas acerca do abuso, a visitação deve ser manti- da. Havendo indícios da ocorrência do fato, a visitação poderá ocorrer, quando do interesse do filho, mas sob a supervisão de familiar ou da equipe técnica do Judiciário, “tudo em prol da exclusiva defesa dos interesses da criança, cuja proteção não pode o Estado se negar a propiciar”.60 Sobre este assunto, decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em caso de suspeita de abuso sexual praticado pelo pai: Poder Familiar 111 59 AG nº 251.367-1/00 –