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Fonte: CRETELLA JUNIOR, J. e CRETELLA NETO, J. - 1.000 Perguntas e Respostas de Direito Constitucional – Editora Forense Jurídica (Grupo GEN). CAPÍTULO IV - A ORGANIZAÇÃO GOVERNAMENTAL IV.1. A "SEPARAÇÃO DE PODERES" 214) Em que consiste a "separação de poderes"? R.: Separação de poderes é a técnica utilizada para restringir a amplitude de cada um dos poderes legítimos do Estado, tradicionalmente apontados pela doutrina como Executivo, Judiciário e Legislativo, descentralizando-os, separando-os e dividindo-lhes as tarefas e funções, isto é, delimitando-lhes as respectivas competências. 215) Quais as funções do Estado? R.: As funções do Estado são: a) fazer a lei; b) aplicá-la de ofício, a priori, evitando-se danos ao indivíduo ou à sociedade; e c) aplicá-la a posteriori, mediante provocação do interessado. 216) Cada função do Estado é exercida por um único Poder? R.: Não. Cada Poder do Estado tem uma função principal, e duas acessórias. Assim, por exemplo, o Poder Judiciário aplica a lei, ao julgar o caso concreto (função principal), mas também legisla e pratica atos administrativos (funções acessórias). 217) Por que é necessário proceder à delimitação dos poderes do Estado? R.: Reconhece-se que o poder, exercido de forma concentrada e ilimitada, acarreta males tais como arbitrariedades, cometidas contra os indivíduos, corrupção e atentados à democracia, razão pela qual se considera necessário que deve ser delimitado e funcionalmente repartido. 218) Qual a origem histórica da separação de poderes? R.: A separação de poderes (ou divisão funcional do poder) originou-se na revolução constitucional da Inglaterra (a chamada "Revolução Gloríosa", entre 1688 e 1689, um dos vários conflitos do século XVII, entre as estruturas feudais e o capitalismo em expansão, e que marcou o fim do absolutismo no país, substituindo-o pelo Estado liberal-capitalista), com a edição da "Bill of Rights", de 1689, que limitou os poderes do rei (Guilherme de Orange, que havia derrotado a Jaime II) e os equiparou aos do Parlamento, além de reconhecer a independência do Judiciário; a cada órgão foram atribuídas funções determinadas, tendo sido suas idéias básicas consagradas no texto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, promulgada na França. 219) Em que consiste o chamado "sistema de freios e contrapesos"? R.: Entende-se por sistema de freios e contrapesos ("checks and balances") o modelo de divisão de poder no qual o poder político é exercido por vários órgãos independentes, de forma que a nenhum deles é permitido agir de forma isolada, sem ser submetido a controle por outro órgão de poder, e que se tem mostrado eficaz processo de prevenção do arbítrio. 220) Como são tradicionalmente classificadas as funções do Estado? R.: As funções do Estado são tradicionalmente classificadas em executiva (ou administrativa), legislativa e judicial, segundo a concepção de Estado de Montesquieu (1689-1755), expresso na clássica obra O Espírito das Leis (1748). 221) Que críticas são feitas a essa concepção clássica de tripartição das funções do Estado? R.: A doutrina considera que a classificação tradicional não é dotada do necessário rigor científico, porque, por exemplo, as funções jurisdicional e executiva têm a mesma natureza (administrativa), diferindo apenas quanto ao modo de atuação no caso concreto, não se justificando a tripartição tradicional das funções do Estado; além disso, a ocorrência do fenômeno da interpenetração dos poderes (pelo qual o Legislativo julga, o Executivo legisla, e o Judiciário administra, funções exercidas de modo secundário), demonstra a limitada validade da concepção tradicional. Teóricos como Georges Burdeau propõem diferente critério, baseado no grau de intensidade do poder estatal, que consiste em dividir as funções do Estado em governamental e administrativa. 222) Em que consistem as funções governamental e administrativa, conforme a concepção de Burdeau? R.: A função governamental, conforme Burdeau, consiste na introdução original de questão no ordenamento jurídico, ou modificação de norma preexistente; a função administrativa consiste no exercício do poder segundo normas já estabelecidas no ordenamento jurídico. 223) Qual a concepção de Löwenstein sobre a repartição das funções entre os órgãos de poder do Estado? R.: A concepção de Löwenstein consiste em diferente repartição das funções do Estado, por ele denominadas estabelecimento de políticas ("policy determination"), execução de políticas ("policy execution") e controle de políticas ("policy control"), sendo as duas primeiras identificáveis com a concepção de Burdeau, e a última, considerada por ele como o fundamento do regime constitucional, por permitir a fiscalização da atividade governamental, adequando-a à vontade popular (controle político), bem como a submissão da autoridade pública ao Poder Judiciário (controle formal). 224) Como podem ser classificados os sistemas de governo, segundo o critério da separação de poderes? R.: Segundo o critério da separação de poderes, os sistemas de governo podem ser classificados em: a) de concentração de poderes, em que não se divide o poder, que não raro passa a ser exercido de forma autoritária; b) de colaboração de poderes, em que os poderes são distintos, mas não são exercidos de forma independente, característica típica do parlamentarismo; e c) de separação de poderes, em que os poderes são distintos, e exercidos de forma independente, característica típica do presidencialismo. 225) Como se enquadra o sistema suíço de governo nessa classificação? R.: O sistema suíço é sui generis, pois consiste em um governo de Assembléia (denominado sistema convencional, porque repousa numa Convenção, assinada em 01.08.1291, no cantão de Schwyz, que deu origem à Confederação Helvética, nome oficial da Suíça), com tendência a nela concentrar poderes legislativos e executivos, mas que não pode ser classificado como de completa concentração porque o Poder Judiciário é órgão dotado de independência funcional, que permite a garantia aos direitos e à liberdade. IV.2. O PRESIDENCIALISMO 226) Qual a origem histórica do Presidencialismo? R.: O Presidencialismo surgiu nos Estados Unidos da América, sendo criado pelo 2.º Congresso Continental de Filadélfia (1775), que conclamou os cidadãos americanos às armas e nomeou George Washington comandante das tropas; em 4 de julho de 1776 foi formalmente declarada a Independência, elaborada por um comitê de cinco membros, presidida por Thomas Jefferson; em 1787 foi proclamada a primeira Constituição dos Estados Unidos, inspirada nos ideais iluministas, que adotava a forma republicana de governo e a separação dos três poderes do Estado; George Washington foi eleito o primeiro Presidente, tomando posse em 1789. 227) Quais as características do Presidencialismo? R.: O sistema presidencialista apresenta as seguintes características: a) é o sistema adotado pelas Repúblicas; b) a divisão de poderes é relativamente rígida e tal que, embora deva existir harmonia entre eles, exercem-no de forma independente e autônoma; c) o Presidente da República, órgão unipessoal, exerce as funções de Chefe do Estado, do Governo e da Administração Pública, sendo eleito em pleitos periódicos, direta ou indiretamente, por período fixo, e não pode ser destituído pelo órgão legislativo por "falta de confiança", como no Parlamentarismo; d) o órgão legislativo é eleito por período fixo, não podendo ser dissolvido; e) os Ministros de Estado exercem cargos de confiança do Presidente da República, sendo dele meramente auxiliares, atuando isoladamente, em cada pasta; e f) a execução do plano de governo é de exclusiva responsabilidade do Presidente da República, que não precisa consultar os demais poderes para tal. 228) Como ficará caracterizado o sistema em que existe um Presidente da República, legitimamente eleito pelo povo, mas que exerce seu poder de forma absolutamente centralizada, nos termos da Constituição vigente, sem queseus atos possam ser revistos pelos demais poderes? R.: Um sistema com essas características será formalmente presidencialista; na realidade, essa forma de exercício de poder caracteriza um sistema no mínimo autoritário, tendendo para uma ditadura. 229) Quais os principais pontos positivos e negativos, do Presidencialismo, apontados pela doutrina? R.: No Presidencialismo, aponta a doutrina os seguintes pontos positivos: a) funciona melhor nos sistemas em que existem muitos partidos políticos, reduzindo a dependência da boa vontade do Legislativo; e b) o sistema favorece uma tomada mais rápida de decisões e a unidade de comando político. Como pontos negativos: I) o sistema dá margem ao ênfase exagerado da pessoa do candidato (e não de programas de governo), que não raras vezes "vende" bem sua imagem, convencendo o eleitorado, e derrotando candidatos melhor preparados, mas incapazes de despertar a simpatia da opinião pública; II) a concentração de poderes nas mãos de um único órgão tende a facilitar a prática de atos autoritários e, não raro, de corrupção; e III) o sistema presidencialista apresenta dificuldades para solucionar conflitos sociais ou políticos relevantes. IV.3. O PARLAMENTARISMO 230) Qual a origem histórica do Parlamentarismo? R.: O Parlamentarismo é um sistema de governo que vem se desenvolvendo e aprimorando desde o século XVII, quando da Revolução Gloriosa, de 1688, resultou a delimitação dos poderes da monarquia, mediante a atribuição ao Parlamento, do poder de elaborar leis, inclusive tributárias. 231) Quais as características do Parlamentarismo? R.: O sistema parlamentarista apresenta as seguintes características: a) é o sistema adotado pelas monarquias constitucionais; b) os Poderes Legislativo e Executivo são interdependentes sendo somente o Judiciário um poder completamente autônomo; c) o Poder Executivo é exercido pelo Chefe de Estado (o rei ou o Presidente), que representa o país, e pelo Chefe de Governo (Primeiro-Ministro ou Presidente do Conselho), indicado pelo Chefe de Estado, consistindo a chamada estrutura dualista do Executivo; d) o Chefe de Governo indica os demais Ministros, cuja investidura depende da confiança do Legislativo, e que governam de forma colegiada; e) a indicação do Chefe de Governo depende da aprovação de seu plano de governo pelo órgão legislativo, que assume a responsabilidade política por sua execução, traço marcante do Parlamentarismo; f) o Governo depende da confiança do Parlamento, podendo ser por ele destituído; e g) a apuração do grau de confiança do povo no Parlamento faz-se mediante sua dissolução, que provoca o rompimento de coligações partidárias, convocando-se eleições extraordinárias, destinadas a escolher novos representantes. 232) Quais os principais pontos positivos e negativos, do Parlamentarismo, apontados pela doutrina? R.: No Parlamentarismo, aponta a doutrina os seguintes pontos positivos: a) existe, em princípio, melhor entendimento entre o Governo e o Parlamento, porque os Ministros escolhidos representam a corrente preponderante, no órgão legislativo, no momento de sua escolha; b) o Parlamentarismo é um sistema de tomada de decisões mais maleável, o que possibilita atuar com eficiência na solução política de crises; e c) o Parlamentarismo é sistema mais sensível às exigências sociais e políticas da sociedade. Como pontos negativos: I) a velocidade de tomada de decisões pode ficar comprometida pelo exaustivo processo de discussões e comprometimentos, devido às coligações partidárias; e II) no caso de pluripartidarismo, o sistema resulta em governo instável, fraco e ineficaz, sempre suscetível de alteração nas composições entre os partidos. 233) De que espécies pode ser o Parlamentarismo? R.: O Parlamentarismo pode ser de duas espécies: a) dualista, quando a Constituição do gabinete depende da vontade do monarca, e sua manutenção, do apoio do Parlamento, e b) monista, quando o gabinete é constituído por parlamentares pertencentes à corrente política que dispõe de maioria na casa legislativa, e não da vontade do monarca, e sua permanência também somente depende do apoio do Parlamento. 234) O que é a chamada "racionalização do Parlamentarismo"? R.: O pluripartidarismo e a extensão do direito de voto à população em geral provocaram crise nos sistemas parlamentaristas, pela instabilidade dos gabinetes; visando assegurar a estabilidade do sistema e aumentar sua eficácia, procurou-se consolidar regras jurídicas em Constituições escritas, de caráter rígido, tendência que ficou conhecida como a "racionalização do Parlamentarismo". 235) Já houve Parlamentarismo no Brasil? R.: Sim. A Emenda Constitucional n.º 4, de 02.09.1961, feita à CF de 1946 instituiu o Parlamentarismo no Brasil, cabendo a João Goulart a Presidência da República e a Tancredo Neves a Presidência do Conselho de Ministros; essa forma de governo durou até 23.01.1963, quando a EC n.º 6 restabeleceu o Presidencialismo. IV.4. O SISTEMA DIRETORIAL 236) Em que consiste o sistema diretorial? R.: Sistema diretorial (ou convencional, ou, ainda, governo de Assembléia) é o sistema de governo em que a elaboração e a aplicação das leis estão concentrados em um único Poder; em outras palavras, não há separação entre o Poder Executivo e o Legislativo, somente entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. 237) Quem exerce a Chefia do Estado e do Governo, no sistema diretorial? R.: No sistema diretorial, o Presidente exerce, de forma meramente protocolar, a Chefia do Estado; a Chefia do Governo é exercida por um órgão político executivo colegiado, constituído por membros da Assembléia, a Comissão, regime que tem, portanto, um centro único de Poder. 238) Que países do mundo adotam o sistema diretorial? R.: Atualmente, apenas a Suíça adota o sistema diretorial, em sua forma mais pura; a antiga URSS o adotava, embora com características próprias, bem como alguns dos países ex-socialistas como Bulgária, Hungria, e Romênia; o Uruguai tentou copiar o modelo suíço, mas o resultado foi um Presidencialismo disfarçado, com muitos chefes, atuando sem a necessária coordenação. 239) Por que o sistema diretorial é de aplicação limitada? R.: A Suíça teve formação histórica peculiar, que a diferencia dos demais países; o país é dividido em unidades políticas denominadas Cantões, que se reúnem de forma confederada (daí o nome oficial da Suíça, "Confederação Helvética"); a população é pequena, o território é escasso (a área geográfica parece maior do que é, na realidade, pelo grande número de montanhas, que tornam boa parte das terras, inabitáveis, mas constitui, também, formidável barreira de defesa natural, o que explica, em parte, porque nunca foi conquistada); o povo tem, há várias gerações, alto poder aquisitivo, existe tradição de autogoverno e respeito à cidadania, além de forte sentimento de nacionalismo e independência. Esse conjunto de fatores propicia o exercício de um sistema democrático sem paralelo. Nenhum outro país reúne essas especiais características, o que torna praticamente inviável seu desenvolvimento fora da Suíça.