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A Proclamação da República - Emília Viotti da Costa

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A Proclamação da República 
Emília Viotti da Costa
1. A Historiografia da República.
	A opinião corrente mais freqüente é a de que a proclamação da República resultou de três fatores principais: abolição da escravidão, questão religiosa e insatisfação política dos militares. Tal abordagem, no entanto, possui algo de simplista ao desconsiderar causas econômicas mais profundas que permearam o processo revolucionário e dos quais as três causas apontadas tendem a ser apenas reflexos superficiais. Além disso, a autora critica a historiografia convencional, baseada em relatos da época, repletos de paixão e interesses, justamente por não aprofundar a questão e pelo enfoque personalista e simplesmente factual que assumiu. 
	Na historiografia convencional, autora evidencia duas linhas mestras de pensamento, cuja origem remonta aos próprios relatos da época da proclamação. 
	A linha monarquista vê na República um golpe militar que revela apenas interesses mesquinhos de uma classe militar indisciplinada e de uma elite rural descontente, ou seja, trata-se de um golpe que não tem nenhum embasamento popular, o que se demonstraria, por exemplo, pela baixa adesão e representatividade parlamentar do Partido Republicano. Por outro lado, a linha republicana tende a exaltar a adesão popular: a monarquia fora o resultado de circunstâncias fortuitas após a Independência, que se enfraquecera continuamente pelos vícios do antigo regime e que desde o início fora “uma planta exótica na América” e os movimentos revolucionários pré e pós Independência demonstram a insatisfação popular com tal forma de regime. 
	Em 1930, tendo o país passado por profundas alterações socioeconômicas, sobretudo a partir da crise de 1929, que desorganizara a economia cafeeira e pusera em evidência a nova realidade brasileira (marcada agora pela industrialização, urbanização, avanço da classe média, consolidação do proletariado etc.), uma nova historiografia da República, mais crítica porque mais objetiva, será inaugurada. 
	Nesta nova perspectiva, o regime monárquico gradualmente ter-se-ia mostrado incapaz de resolver a contento os problemas do país. Novos setores econômica e socialmente relevantes, com características mais progressistas, haviam avançado muito, por conta própria, na eliminação do trabalho escravo e no desenvolvimento de uma economia de caráter mais capitalista, e buscavam agora a maior representatividade política, que lhes era toldada pela predominância das classes economicamente estacionárias. Estes eram apoiado também por uma classe média ascendente, desejosa de representação política. É nesse meio de alterações econômico-sociais que se processam requerimentos como abolição, reforma eleitoral, federalismo e república. 
	Assim, a nova perspectiva avalia como as alterações econômico-sociais geraram as contradições que não mais permitiram à monarquia subsistir. 
2. Reparos às versões tradicionais.
a) Abolição e República. 
	Uma idéia corrente e embasada mais naquela historiografia convencional que na historiografia mais crítica e objetiva é a de que a abolição decretou o fim da monarquia. 
	Esta idéia já era promovida mesmo em 1888, quando não eram raros os deputados que afirmavam que, ao assinar a Lei Áurea, estaria a Princesa decretando também a perda do Trono. Mas mesmo à época já haviam versões dissonantes, afirmando que a abolição era uma forma pela qual a monarquia buscava salvar seu poder.
	A realidade, porém, é a de que o fim da monarquia e a abolição da escravidão são duas faces de uma mesma moeda. Quando muito, a abolição acelerou o processo de desintegração da monarquia, mas está longe de representar o motivo pelo qual a monarquia desintegrou-se. 
	Vale ressaltar, por fim, que a abolição afetou apenas os setores mais tradicionais da sociedade agrícola, que tinham no trabalho escravo sua principal fonte de mão-de-obra. No entanto, dentre os principais promotores da proclamação estiveram os fazendeiros do Oeste Paulista, muito menos dependentes dos escravos porque haviam sido grandes promotores da política imigracionista. 
b) A Questão Religiosa.
	Primeiramente, deve-se ressaltar que a intervenção do Estado na Igreja não foi uma novidade da questão religiosa de fins do Império, mas advinha de uma longa tradição intervencionista que se propagara desde os tempos coloniais. 
	Para que a indisposição entre D. Pedro II e os bispos fosse uma das causas da queda da monarquia, seria necessário que a nação como um todo fosse profundamente católica, que a monarquia se firmasse como anticlerical e que a República significasse maior prestígio e poder para o clero. Entretanto, nenhuma dessas condições era satisfeita: havia no Brasil quem fosse favorável aos maçons e quem se colocasse ao lado dos bispos; o governo tivera sempre uma posição marcadamente ligada ao clero e a monarquia estava longe de se colocar como anti-católica; por fim, um dos grandes objetivos dos republicanos era a promoção do estado laico e muitos de seus adeptos afirmavam sua independência religiosa. Assim, é no mínimo exagerado atribuir a queda monárquica a esta questão que, em particular, tem muitos pontos ambíguos tanto para o lado monarquista quanto para o republicano. 
c) O Partido Republicano e a Proclamação da República. 
	Costuma-se salientar a debilidade do Partido Republicano alegando-se o pequeno número de filiados e a baixa representação parlamentar de que desfrutava. No entanto, ambos os aspectos não revelam toda a realidade política da época: se é verdade que o número de adeptos efetivos do partido era pequeno, também era verdade que contava com um número aceleradamente crescente de simpatizantes, sobretudo em decorrência da propaganda que realizavam e das transformações econômico-sociais por que passava o Brasil. Além disso, sua baixa participação parlamentar pode ser explicada principalmente pelo sistema eleitoral vigente, marcado pelas fraudes e pelo controle político exercido ainda preponderantemente pelos grupos de interesses mais tradicionais. 
	Assim, o Partido Republicano cresceu em termos de representatividade na década de 1880, sendo de grande importância para a transformação política que se processaria; mas, ao reconhecer sua importância, não se deve cair no extremo oposto de crê-lo como único responsável pela república: não fossem as alterações processadas na estrutura da monarquia e sua ação teria sido inócua ou improfícua. 
	
d) O Papel do Exército.
	A importância do Exército para a proclamação da República segue linhas parecidas com a do Partido Republicano. Se bem que não seja o elemento explicativo único das alterações políticas, é de fundamental importância para que estas sejam compreendidas: as indisposições do Exército junto à monarquia iniciaram-se após a Guerra do Paraguai, generalizando-se a idéia de que lhe caberia a responsabilidade de “salvação da pátria”.
	Além disso, na segunda metade do século XIX expandiu-se o número de jovens da classe média que ingressaram nas fileiras do exército como uma forma de ascensão social. Nesse novo meio militar, as idéias positivistas e republicanas encontrariam grande receptividade, sobretudo na Escola Militar, espalhando-se a influência de Benjamin Constant principalmente entre os oficiais mais recentemente graduados. 
	
e) O Mito do Poder Pessoal.
	Também foi constantemente alegado que a monarquia teve suas bases solapadas em função dos abusos que fez o imperador do Poder Moderador, de forma que a política brasileira se estava resumindo a um contexto de monarquia absoluta e que isto indispôs os grupos políticos contra o imperador. 
	É fato que a Carta Constitucional garante poderes quase absolutos ao Imperador, por meio do controle que tiha do Poder Executivo e da capacidade de intervenção sobre o Legislativo e Judiciário. No entanto, na prática, o imperador estava longe de controlar de forma absoluta política nacional, estando fortemente sujeito aos interesses das oligarquias; além disso, o Poder Moderador tendia a sempre colocar o imperador no centrodas disputas políticas entre liberais e conservadores. 
	Assim, as medidas efetivamente levadas a cabo em função da existência do poder moderadora não são suficientemente expressivas para, per se, explicarem a indisposição política que se colocaria como direcionadora do movimento republicano. Vale salientar, nesse sentido, que críticas ao poder moderador se haviam avolumado desde 1860, mas que a república viria apenas em 1889; logo, seria desarrazoado explicar o fim da monarquia pelos excessos do poder pessoal de D. Pedro II. 
3. Dados para uma Revisão.
	Tendo em mente essas críticas às perspectivas convencionais, a autora objetiva tratar a questão republicana a partir das alterações econômico-sociais que se processaram no Brasil e que funcionaram para solapar o regime monárquico. 
 	A segunda metade do século XIX foi marcada por rápidas relativamente profundas alterações no campo econômico. Desenvolveram-se as ferrovias, implantaram-se processos mais modernos na produção açucareira e no beneficiamento do café, multiplicaram-se organismos de crédito, impulsionou-se a substituição da força de trabalho cativa pela assalariada, houve a intensificação do processo de urbanização, modelou-se um mercado interno mais consolidado e o capitalismo industrial deu seus primeiros passos. 
	Tudo isto teria reflexos sociais muito profundos. A partir destas alterações econômicas, surgiram novos grupos sociais que não tardaram em manifestar seus próprios interesses. 
	Os industriais nascentes requeriam maior protecionismo do Governo, a nova elite cafeicultora almejava maior representatividade política para a promoção de seus próprios interesses econômicos, a pequena burguesia e a classe média que surgiam a partir dos trabalhadores assalariados e dos centros urbanos requeria também maior representatividade e demandavam melhorias nos serviços públicos. 
	Ao passo que a organização social brasileira tornava-se muito mais complexa, as elites políticas dominantes, provenientes sobretudo da antiga e decadente região cafeeira do Vale do Paraíba e das regiões açucareiras mais tradicionais e menos modernas do nordeste, buscavam acirradamente manter seu status político dominante. 
	Nesse contexto, não é de se admirar que tenham enfraquecido aqueles “[...] grupos dominantes tradicionais que tinham sido o suporte da Monarquia durante todo o Império, [abalando] as bases do Trono”. Nesse contexto, a abolição representaria para este grupo já economicamente decadente um rude golpe, enfraquecendo ainda mais o poder monárquico. 
	
4. As Contradições do Sistema e as Novas Aspirações. 
	Aos poucos, foi-se fazendo evidente que o Império, da maneira pela qual se estruturava politicamente, seria incapaz de atender aos diversos interesses daquele novo meio social muito mais complexo. Sob este contexto, a idéia federalista voltou à pauta: “interesses diferentes ditados pela diversidade regional não comportavam uma administração homogênea, emanada de um centro distante, onde se desconheciam os problemas regionais”. 
	Assim, o republicanismo, fruto das aspirações principalmente da nova classe média dos agricultores vanguardista do Oeste de São Paulo, assumiria a bandeira federativa – é interessante notar, como paralelo, que haviam sido justamente o Rio de Janeiro, São Paulo e outras províncias do Centro Sul as maiores promulgadoras do centralismo pós-Independência, quando, nas circunstâncias então vigentes, era-lhes mais interessante manter o poder central que haviam adquirido com a transferência da Corte para o Brasil. 
	Grupos mais radicais de São Paulo adotariam inclusive a bandeira do separatismo. Embora não fossem muito numerosos, os separatistas demonstram quão graves eram as tensões existentes em fins do Império, afinal aquela bandeira ia além da defesa de alterações políticas: ia contra a própria unidade nacional. 
	A análise das queixas dos separatistas é de grande relevância para evidenciar essas tensões. Uma das principais reclamações dos paulistas era sua pequeníssima representatividade política: embora o Estado contasse com a maior parte da população, tinha uma representação nos órgãos políticos muito baixa; note-se que tal reclamação coaduna-se perfeitamente com a idéia de que a nova elite cafeicultora buscava prementemente representação política, o que lhes era toldado pela prevalência política da elite cafeicultora mais antiga e conservadora, do Vale do Paraíba. Além disso, reclamavam que a arrecadação tributária era extremamente desfavorável a São Paulo, já que apenas esta província era responsável por 1/6 das receitas do Império, sendo muito pequenos os retornos que recebia do governo central. 
	
5. O Movimento Republicano.
	Apesar de o ideal republicano não ser novo no país (já à época da Independência ele se colocava, ainda que de maneira apenas utópica), foi a partir da década de 1870, com a criação do Partido Republicano como uma cisão da ala mais progressista do Partido Liberal, que se espalharam as idéias republicanas pelo país, sobretudo na região sul-sudeste, na qual se concentravam 89% dos clubes republicanos e 73% das publicações jornalísticas/propagandistas da República. 
	Enquanto no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e outras províncias mais pró-republicanas as fileiras do partido eram formadas principalmente pela pequena burguesia e pela classe média, em São Paulo adicionava-se a esta classe a dos numerosos fazendeiros do Oeste Paulista. 
	Esta adesão dos representantes do meio rural ao Partido Republicano, contaria a norma geral de que as áreas rurais são mais conservadoras e avessas a mudanças. Mas o fazendeiro do Oeste Paulista era caracterizado principalmente pelo espírito progressista e, enquanto empreendedor econômico do café, diferenciava-se das elites rurais tradicionais: estava interessado em desenvolver a economia cafeeira para além da esfera puramente produtiva, controlando, por exemplo, linhas de crédito e casas comerciais. Além disso, a mobilidade social na São Paulo cafeicultora permitia que parte da classe média se tornasse proprietária de terras e que o fazendeiro do oeste paulista estivesse em contato direto com o comércio e sistema creditício das zonas urbanas; assim, não é espantoso que estes fazendeiros aderissem ao movimento republicano, principalmente quando este lhe surgia como a melhor oportunidade de obter a representação política que não lhe era concedida no regime mais tradicional da monarquia. 
	Dentro do Partido Republicano, começaram a delinear-se duas tendências: a evolucionista e a revolucionária. A primeira intentava alcançar o poder por vias eleitorais, a segunda, pela revolução. No Congresso do Partido em 1889, prevaleceria linha política do evolucionismo. No entanto, foi a solução militarista que tornou o movimento possível – é interessante notar que apenas uma pequena parcela do partido conhecia de antemão a revolução de 15 de Novembro, a qual pegou a maior parte do partido de surpresa, justamente porque a linha delineada no Congresso do Partido fora a evolucionista. 
	Já foi observado acima como as idéias republicanas infiltraram-se nas fileiras do Exército a partir do aumento dos elementos da classe média em suas fileiras e pelo desenvolvimento dos ideais positivistas/republicanos na Escola Militar. Além disso, o Partido Republicano soube aproveitar-se muito bem das indisposições crescentes entre a Monarquia e o Exército para cooptar cada vez mais o apoio deste. Assim, antes do golpe de 1889, duas conspirações entre lideranças do PR e do Exército, uma de 1887 e outra de 1888, já evidenciavam o provável rumo que a questão da obtenção do poder tomaria efetivamente.
	Como o governo monárquico observasse a crescente inquietação republicana e o aumento de sua representatividade, em 11 de junho de 1889, o ministério monárquico tentou aprovar uma série de reformas políticas que atendiam aos interesses republicanos, de modo a neutralizar as críticas que estes faziam ao governo. 
	Tais reformas, no entanto, iam diretamente contra os interessesdas oligarquias dominantes, que não demoraram em rejeitá-las por completo. Esta rejeição demonstrou que seria impossível realizar aquelas mudanças dentro dos quadros institucionais da monarquia. 
	Aproveitando-se daquele momento de inquietação e percebendo ainda mais claramente que seus interesses não seriam atendidos naquele contexto monárquico, o Partido Republicano Paulista e Fluminense voltaram a insistir junto dos militares para a promoção do movimento contra o Governo. A 15 de novembro, o golpe militar punha fim ao regime monárquico. 
	“O movimento resultou da conjunção de três forças: uma parcela do exército, fazendeiros do oeste paulista e representantes das classes médias urbanas que para a obtenção de seus desígnios contaram indiretamente com o desprestígio da Monarquia e o enfraquecimento das oligarquias tradicionais. Momentaneamente unidas em torno do ideal republicano conservavam, entretanto, profundas divergências, que desde logo se evidenciaram na organização do novo regime, quando as contradições eclodiram em numerosos conflitos, abalando a estabilidade dos primeiros anos da República. A debilidade das classes médias e do proletariado urbano propiciou a preponderância das oligarquias rurais até 1930”.