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A Primeira Década Republicana Gustavo H.B. Franco 1. Introdução. Segundo o autor, a primeira década do período republicano foi uma das mais delicadas para as decisões de política econômica, isso porque o país não apenas passava por alterações estruturais de sua economia, como também sofria uma ampla crise política que, necessariamente, influiria sobre a condução econômica do país. Quanto às alterações estruturais, o autor menciona duas características fundamentais do período: a maior e mais efetiva participação do país nos mercados internacionais e a mudança da forma servil para a assalariada de trabalho; tal transformação da forma predominante de trabalho teria, por conseqüência, profundas influências na política monetária, dada a maior demanda por moeda para o pagamento de salários e à quantidade significativamente maior de transações. 2. O Brasil e a Economia Internacional. Apesar de em 1913 o país ainda representar menos de 1% do total do comércio mundial, é nesse primórdio republicano que se experimenta uma maior abertura comercial. No entanto, o que efetivamente merecer destaque é o afluxo de capital estrangeiro inglês, francês, alemão e ianque, chegando o capital enviado ao Brasil a representar 30% do capital destinado à América Latina e 5,4% mundial. Franco, no entanto, é crítico quanto à clássica proposição furtadiana de que a estruturação do padrão-ouro para o comércio internacional é tal que crises nas economias centrais refletem-se sobre as economias periféricas primeiro como uma redução de suas exportações e depois como uma piora nos termos de intercâmbio. Sua crítica se baseia nos dados indicativos de que os “[...] movimentos de capital e termos de troca não revela nenhum padrão dominante, mas há períodos em que ambos se movem na mesma direção [...]”. Apesar dessa ressalva, o autor reconhece a idéia furtadiana de socialização das perdas: “A relação entre movimentos de capital e a evolução da capacidade para importar melhor informa sobre a influência daqueles sobre o estado das contas externas do país e conseqüentemente sobre as flutuações da taxa de câmbio”. Por fim, o autor observa que os déficits em conta corrente do país cresceriam significativamente na segunda metade da década de 1890; nessa conjuntura, os pesados compromissos da dívida assumidos pelo país e a decorrente paralisação dos fluxos de capitais provenientes das instituições internacionais levariam a uma nova crise cambial, a qual culminaria com a moratória de 1898-1890. 3. Trabalho Assalariado e Política Monetária. Além de representar importante alteração qualitativa na forma de organizar-se a produção nacional, a transição do trabalhador servil para o assalariado significou uma profunda alteração na demanda por meio circulante no país. Este aspecto monetário é particularmente evidente e importante na atividade agrícola. Sob o regime escravocrata, o meio rural utilizava-se de uma série de mecanismos de crédito para sanar dívidas e realizar alguns tipos de pagamento, necessitando muito pouco de meio circulante. A situação agora era outra: à época da colheita, havia uma necessidade maior de emprego de mão-de-obra, agora assalariada; nesses momentos, os fazendeiros tinham de recorrer às instituições bancárias para obter o numerário necessário. No entanto, os bancos brasileiros eram ainda muito frágeis e havia poucas agências, concentradas fundamentalmente no Rio de Janeiro. Como os assalariados geralmente tinham um acesso muito restrito a esses bancos distantes, a prática comum era reter-se o dinheiro obtido, o que por sua vez limitava consideravelmente os depósitos bancários e, portanto, a capacidade de fornecimento de crédito por parte dos bancos aos fazendeiros que o requeriam. “O incipiente desenvolvimento do sistema bancário o tornava especialmente vulnerável às variações sazonais [em decorrência das épocas de colheita] na procura por crédito e nos seus depósitos”. Desde a segunda metade do século XIX já se observava a carência de numerário por que passava o país; o trabalho assalariado transformaria essa carência em necessidade de aumentar-se o meio circulante. Em 1885, foi aprovada uma lei (apesar das objeções de que já havia muito meio circulante (levantada pelos chamados “metalistas”, que defendiam a manutenção da paridade, em oposição aos “papelistas”, que defendiam o aumento do meio circulante) que autorizava o governo a emitir 25 mil contos-aplicáveis para auxiliar os bancos – um aumento de 20% na base monetária. Em 1888, seria aprovada também uma lei objetivando amplas reformas bancárias, mas ao buscar conciliar objetivos metalistas e papelistas, a lei estava fadada ao fracasso. 4. Política Econômica nos Anos 1890. Ao fim do Império, a política econômica foi conduzida com vias a restaurar-se o padrão ouro e criar mecanismos de crédito para os fazendeiros como uma forma de compensação econômica pelo fim da escravidão (embora tais concessões de auxílio fossem acabassem por beneficiar apenas os novos produtores, em detrimento dos já economicamente decantes cafeicultores do Vale do Paraíba, por exemplo. O retorno ao padrão-ouro dar-se-ia através da criação do BNB (Banco Nacional do Brasil), o qual deveria realizar emissões de papel-moeda, comprometendo-se a retirar de circulação as emissões realizadas pelo Tesouro. No entanto, a crise política desencadeada pela Proclamação da República tornaria o plano impraticável e “[...] ao final de 1889, o saldo das tentativas de reforma (expansão monetária) era praticamente nulo. As características da política econômica do período inicial da República ficaram marcadas pela atuação de Rui Barbosa como Ministro da Fazenda. Em 17 de janeiro de 1890, lança o decreto que autoriza as emissões bancárias realizáveis sobre o lastro formado pelos títulos da dívida pública, um sistema inédito no Brasil e tomado ao exemplo norte-americano; tais emissões “[...] seriam inconversíveis e o total autorizado era de mais de 450 mil contos – o que era mais do dobro de papel-moeda em circulação a 17 de janeiro”. No entanto, já em outubro de 1890, o governo mostra preocupações quanto à especulação e formação de novas instituições bancárias emissoras. Nesse contexto, lançará políticas de “saneamento” das carteiras dos bancos. Para tanto, foi criado o BREUB (Banco da República dos Estados Unidos do Brasil), objetivando-se a formação de uma instituição bancária aos moldes do Banco Central Britânico. Após a saída de Rui Barbosa, os condutores de política econômica já não têm por foco principal a contenção da atividade especulativa e o surgimento de novas instituições emissoras. Além deste fator, a crise econômica no país cresce a passos largos: há uma queda inusitada na taxa de cambio no ano de 1891, os afluxos de capitais estrangeiros diminuem consideravelmente (influenciados também pela moratória argentina daquele ano) e a situação política ainda seria agravada até a subida ao poder de Floriano Peixoto. Com Floriano, busca-se reaver os objetivos de Rui Barbosa quanto à formação de uma instituição bancária mais controladora, o BRB (Banco da República do Brasil), surgido da fusão entre o Banco do Brasil e o BREUB. O resultado, porém, não seria diferente das demais tentativas e estava fadado ao fracasso. Nesse período, o país passar por sérias dificuldades econômicas: o déficit orçamentário cresce continuamente e o país passa a “[...] procurar insistentemente junto aos Rothschild prover-se de recursos para financiar suas despesas no exterior”. No entanto, a confiança na capacidade que o país tinha para sanar suas dívidas também cresce com a mesma rapidez e não demora até que as fontes internacionais de financiamento sequem. Em 1895, a Casa Rothschild concede o vultoso empréstimo de 7,5 milhões de libras, um empréstimo condicionado: o Brasil deveria garantir um aumento nos impostos em ouro sobre as importações, cuja receita seria publicamente alocada para os serviços externos da dívida. Mas este empréstimo não tardaria a ser consumido,isso sem que a situação cambial tivesse melhorado em 1896 e 1897. Por fim, ao Brasil não cabia outra alternativa que não fosse o refinanciamento dos pagamentos acordado com a Casa Rothschild por meio do funding loan. O funding loan era um plano “[...] bastante simples: tratava-se de rolar a dívida pública externa e algumas garantias de juros, em trocas de severas medidas de saneamento fiscal e monetário”. Foi em função de seu estabelecimento que “despesas de várias ordens foram reduzidas, especialmente as denominadas em moeda estrangeira, a tributação foi efetivamente aumentada através de diversas medidas de modernização administrativa e também através de aumentos nos impostos, destacadamente no imposto de consumo e do selo”. 5. Conclusão[2: A subdivisão 5 não consta no original, tendo sido aqui incluída para fins de organização do resumo.] “Observa-se ao longo dos anos 90 um curioso fenômeno que viria a se repetir muitas vezes nos anos que se seguiram ,isto é, o fato de crises (ou melhorias) cambiais serem geradas de forma espúria pelo ‘mau (ou bom) comportamento’ das políticas monetárias e fiscais, não em função dos efeitos diretos destas, mas em função da percepção que os banqueiros internacionais tinham sobre estas políticas, pois esta percepção via de regra era fundamental para determinar a magnitude dos fluxos de capital direcionados para o Brasil”.