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Perspectiva Interacionista de De Lemos Os trabalhos baseados nas ideias de Claudia De Lemos Algumas noções Articulação entre língua, fala e sujeito; Proposta que vai de encontro às noções empiristas (behaviorista) e às perspectivas de Chomsky; Aproxima-se de uma perspectiva lacaniana, a partir de seus trabalhos de 1999 (https://www.comunidadeculturaearte.com/quem- foi-o-psicanalista-jacques-lacan/) Para entender essa proposta, é preciso compreender as noções de língua da Linguística Estruturalista (Saussuriana). Sujeito → língua Status de autonomia da língua → noções saussurianas ¨Do ponto de vista teórico, em causa está o reconhecimento da ordem própria da língua […]¨. “o processo de aquisição da linguagem é um processo de subjetivação em que um sujeito, capturado pelo funcionamento linguístico, desponta na cadeia significante” (MALDONADE, 2012). Quem é o sujeito para Lacan? Lacan, guiado pela experiência com as formações do inconsciente (sonhos, lapsos, chistes, atos-falhos, etc.) reinventa a proposta original de Saussure, argumentando que a linguagem seria constituída essencialmente de significantes e não de signos e que o significado não teria – ainda que arbitrariamente produzido – uma relação fixa com o significante. Para Lacan, a experiência psicanalítica teria demonstrado que o significado é extremamente volátil, evanescente, como um fluido que desliza ao longo da cadeia de significantes. Nesse sentido, a noção de signo deveria ser relativizada, já que uma relação mais ou menos fixa entre significante e significado estaria restrita a um dado contexto. Por outro lado, na linguagem como um todo, isto é, no lugar do Outro, só existiriam significantes. Aliás, Lacan define o Outro precisamente como “tesouro dos significantes”. (https://lucasnapoli.com/2012/07/30/por-que-lacan-disse-que-o-sujeito-e-o-que-um- significante-representa-para-outro-significante/) Dito de modo mais simples e direto, “o que Lacan pretende expressar com sua fórmula é a tese de que nós, nossos desejos, nossos projetos, nossas concepções sobre a vida, nossos amores, enfim, tudo o que decorre de nós estaria na dependência do discurso do Outro. Não foi por acaso que nessa primeira etapa de sua obra Lacan definiu o inconsciente justamente como o “discurso do Outro”. É no campo do Outro que de modo autônomo os significantes se articulam uns aos outros produzindo-nos como um mero efeito.” (s/p, 2017). ((https://lucasnapoli.com/2012/07/30/por-que-lacan-disse-que-o-sujeito-e-o-que-um-significante- representa-para-outro-significante/) Assim, inicialmente lugares vazios, nós, enquanto sujeitos, vamos adquirindo substância – uma substância sempre provisória e evanescente, diga-se de passagem – ao sermos preenchidos com as significações vindas do campo do Outro, constituindo- nos como meros efeitos da cadeia de significantes. Assim, questões relativas ao Outro, à alienação, aos erros, à instabilidade e à recusa do desenvolvimento, levam De Lemos à noção de captura. Relação do sujeito com a língua → O sujeito é capturado pela língua Significa dizer que não é a criança que se apropria da linguagem via capacidades perceptuais e cognitivas mas, diferentemente, ela é capturada em uma estrutura que implica três polos: o do sujeito, o da língua e o do outro. Dessa forma, (1) a língua é a causa de haver sujeito; (2) Considerada em seu funcionamento simbólico, a língua não só significa como lhe permite significar outra coisa, para além do que se significou. Ex. No texto: Pescando, pesquei, chorei, chorando 3 posições pelas quais passam as crianças 1a. posição → dominância da fala do outro 2a. posição → dominância do funcionamento da língua 3a. posição → dominância da relação do sujeito com a sua própria fala Vale lembrar que o sujeito, nessa perspectiva, não é um sujeito epistêmico; O que se considera nessa perspectiva são os processos da língua que governam as mudanças de posição, que governam a passagem da criança de infans a falante. Interessa, nessa perspectiva, abordar a relação sujeito- língua-fala. Sobre as posições: Não há superação de nenhuma das três posições, mas se pode falar da dominância de um polo sobre o outro. Essas mudanças são apreendidas como efeitos dos processos metafóricos e metonímicos: Metáfora: indica duas características semânticas comuns entre dois conceitos ou ideias. Ex: A lua é uma bola de queijo. Metonímia: está relacionada com uma relação de continguidade/proximidade entre duas ideias ou conceitos (parte pelo todo) Ex: Ele bebeu o copo inteiro. 1a. Posição Nessa primeira posição, são destacados o caráter fragmentário dos enunciados da criança e sua dependência da fala/interpretação do outro; Ou seja, há dominância do polo do outro; Nessa posição, ¨as relações entre os significantes que vêm do outro dão a ver o funcionamento da língua e um processo de subjetivação por ele regido, isto é, que aponta para um sujeito emergente no intervalo entre os significantes do outro¨. (De Lemos, 2002, p. 58) São eles que regem a relação dos enunciados da criança com o enunciado do outro (na primeira posição), as relações entre enunciados (na segunda posição) e a relação entre fala e escuta (na terceira posição). Exemplo p. 77 Exemplo da primeira posição → não coincidência entre a fala da criança e do outro; A fala da criança está menos submetida à fala imediata da mãe do que aos significantes ausentes que eles evocam; Os tesouros dos significantes (imagens acústicas) evocam muito mais dos aspectos superficiais da língua (evocam diversos sentidos). Escuta x Ouvir → a escuta é mais ampla, abrangendo as três posições; ouvir está relacionado à questão fisiológica, ao que é pronunciado. No trecho, ¨ela escuta a fala da mãe a partir de um texto-cena. Nesse sentido, sua produção é imprevisível mas não indeterminada. Imprevisível: tanto para o outro – que não pode antecipar o efeito de sua fala – quanto para a criança – que não pode decidir sobre o seu dizer. Determinada → por efeito de vivências subjetivas. DE UMA PALAVRA PARA UM TEXTO (ENUNCIADO) (Ex. Claudemir Belintane) - FILHA, VOCÊ VAI QUEBRAR A TIGELA! - MÃE, CANTA O PATO! (...) CAIU NO POÇO QUEBROU A TIGELA TANTAS FEZ O MOÇO QUE FOI PRA PANELA 2a. posição Convém lembrar que essa posição caracteriza-se por sequências e erros: as cadeias produzidas pela criança são permeáveis à intromissão de cadeias latentes na cadeia manifesta, produzindo cruzamentos que interferem na progressão do diálogo e do texto narrativo. Esses acontecimentos são tomados como indicativos do distanciamento da criança em relação à fala do outro e interpretados como dominância de operação metafórica. No que diz respeito à “textualidade que desponta”, nota-se um sujeito atrelado ao paralelismo que, também, desloca o texto ao ser deslocado para uma cena sob efeito de um significante da cadeia manifesta, por efeito de ações metonímicas. A criança escuta sua própria fala relação entre “tá pescando” e “pesquei”. Outro trecho, que poderia ser colocado como um “erro” da criança: “segou da escola” por “foi até lá” o que sucede essa interrupção é uma sequência narrativa desencadeada metonimicamente tanto por um significante que insiste nas cadeias paralelísticas (“escola”) quanto pela presença manifesta de “foi” [...] O que se segue são movimentos desencadeados pelo significante “foi”. Nessa posição a relação da criança à fala do outro, o distanciamento (suposta na 2ª. posição), manifesta- se, principalmente,no lugar para o qual este outro é deslocado no diálogo. Sua fala pode ser ou disparadora de uma textualidade ou uma resposta a uma convocação direta e pontual pela criança; A alienação ao movimento da língua estaria na base do distanciamento da fala do outro – não é para essa fala que a criança retorna (como ocorre na primeira posição). 3ª. Posição A possibilidade de retroação que caracteriza a escuta do sujeito na terceira posição: há, por exemplo, reformulações e correções. Esses acontecimentos mostram que a criança tem escuta para a cadeia significante, que governa a progressão. Do ponto de vista do sujeito, a retroação é indício de mudança de posição na estrutura há, nessa etapa, não apenas correções e ou reformulações, mas o reconhecimento de outras formas, como a própria ironia na fala do outro. Segundo Maldonade (2014), na terceira posição, observa-se a dominância da relação do sujeito com sua própria fala. Nessa última posição, podem surgir: as reformulações, as hesitações, as retomadas da criança de sua própria fala, assim como as correções. Neste sentido, o interacionismo é absolutamente coerente ao propor: num primeiro momento, os processos metafóricos e metonímicos como mecanismo de mudança, já que o que se observa na fala da criança é a mudança linguística e, depois, num segundo momento, as três posições da criança no processo de aquisição da linguagem. Há quem diga que a última proposta é (foi) muito problemática e até a própria autora teria críticas com relação a ela. Porém, vejo que elas constituem uma resposta para a área de Aquisição da Linguagem sobre a generalização do processo de aquisição da linguagem em si. É o que se pode dizer sobre o funcionamento geral do processo. Ou seja, é assim que o processo de aquisição da linguagem se dá para qualquer sujeito: a interação é a condição necessária para que ele aconteça, e com isso, há um momento inicial em que a criança é capturada pelo funcionamento linguístico e submetida à fala do outro, em seguida, à língua e, posteriormente, à fala do outro. MALDONADE, I. XVII CONGRESO INTERNACIONAL ASOCIACIÓN DE LINGÜÍSTICA Y FILOLOGÍA DE AMÉRICA LATINA (ALFAL 2014). Primeira posição (Maldonade, 2012) (1) 2;11.295 (conversa sobre a visita realizada à primeira escola que M frequentou) M: Eu conhéço também, conhéço. Dani: Ai, não desmonta a minha maçã (brincando com massinha) I:Ã? Se eu o que? M: Eu conhéço. I: Não entendi, M, o que você falô. Eu conheço a Baronesa. M: Eu também conheço. (2) 2;4.23 (colocando o fone de ouvido para ouvir a fita da gravação) I: Cê ouve? M: Ouve. Só que agora não tô ouvindo. I: Por que cê não tá ouvindo? M: Puque não. (3) 2;11.15 (M pega um batom para passar) M: Pode passá na minha mão? I: Não. Batom é pra passá na boca só. I: Estraga também. Você sabia que batom custa caro? M: Eu sabio. Maldonade (2014) (2) 3:04.07 (M, I e Mari estão no quarto de M, que pinta um desenho) I: A Amandinha é do seu tamanho? M: É, porque ela já tem assim, e eu já tenho assim, ó. Que a gente ó, I: Quem disse que é sério isso? M: A gente até mide. I: Ã? M: A gente até mide que ela é do meu tamanho. (M diz enquanto continua pintando um desenho) Maldonade (2014) (3) 3;04.21 (M, S e I brincam com quebra-cabeça) S: Cê mede sim. Eu vi aquele dia. Mas como a menina fala! Ela não parava mais! Pobre da M nem tinha voz! I: E com o Chico você mede? M: Mido. I: E a Ana Cláudia? M: Tamém. I: E quem é maior? M: Eu. I: Sério? M: Sério. Posição 2 (Maldenade, 2012) (4) 3;01.25 (brincando de boneca) M: Sabe? Porque ela tá com sono, eu vô colocá pijaminha. I: Ela tá com muito sono? M: É. Eu vô, eu vô, eu vô dá papá rápido pa ela, senão antes ela dórma. Ela dóime (mais baixo) I: Como? M: Sabe: Vô dá papá pa ela rápido, senão ela vai doimí. (4) 3;04.21 S: Eu não quero que bota essa almofada no chão, M. Você tá careca de sabê disso! I: Cê mede com o Chico também, M? M: Ã? I: Você mede com o Chico também? M: Não, o Chico nem é médico. O Chico tá qui pra brincá de médico? I: Não tô falando “médico”. Eu falei se você mede (pausa) com o Chico também. S: Mede com o Chico também? (ri) I: É. M: Você falô aquela hora se o Chico era médico, né. S: (ri) I: Não. Eu perguntei o seguinte: você também mede pra sabê quem é mais alto, quem é mais baixo, com o Chico? M: Medo. I: Hum. E com a Ana Cláudia? M: Mido. (em tom mais baixo) I: Quem que é maior? M: Eu. (7) 2;08.09 I: Eu não! Estraga tudo o meu dente. Daí eu tenho que ficá indo no dentista, cheio de bichinho. Bala estraga o dente. M: Num istago. I: Estraga! M: Só comi uma. I: Uma só, pode. M: Só comi. I: Mas eu já comi uma. M: Então eu já come/eu já comiu, né? I: Quem? M: Eu. I: Daí vai estragá tudo o seu dente! M: Não vai! 3ª posição (5) 2: 10.22 (conversa sobre resfriado) M: Ah, mas eu não tô tossindo. I: Agora não. Mas você tosse, não tosse? M: Eu tussí, não tusso. I: Ã? M: Eu tossê, não tósso. I: Que é isso? M: Eu não, eu não tusso, eu tusso (6) 3;2.13 (montando quebra-cabeça no quarto de M) I: Não qué cabê, M. M: Ajuda então! I: Como “ajuda então”? M: Ajuda assim, cabe. (M forçou a peça em seu lugar no quebra-cabeça) I: Como assim, M? M: Cabí de coube. I: Hum? M: Cabí de coube. Mari: Ela tem lógica! M: Tem lógica. I: Como é que faz? M: Da próxima vez, vai falá isso pra sua vó. I: Minha avó, Marcela?! Minha avó já morreu. M: Tadê sua vó? I: Morreu. M: Aonde ela tá? I: No cemitério. M: Por que? I: Porque ela morreu, né. (5) 4;1.19 (D) (pintando uma revista infantil com sua irmã no quarto, onde havia muitos brinquedos espalhados pelo chão.) M: Pega o branco. Mari: Pra que que vc qué o banco agora? (dá a poltrona da penteadeira das peças que compõem o quarto de uma casa de bonecas, cujas peças estavam espalhadas pelo chão do quarto de M) M: Não! Eu quero o branco de azul, verde, vermelho. Mari: Nossa, viajei na maionese. M: Num falei banco, falei “branco”, ora bolas.