“Toda pessoa tem direito de fixar sua residência no território do Estado de que é nacional, de transitar por ele livremente e de não abandoná-lo senão por sua própria vontade”
Por: Rui Aurélio De Lacerda Badaró e Greiciane de Oliveira Sanches
O ser humano possui em suas raízes, o desejo de explorar o desconhecido, de ampliar seu horizonte e conhecer novos caminhos. O “livre” ingresso e circulação de estrangeiros em território alheio é uma garantia moderna, posto que na antiguidade era o território considerado um solo sagrado, em que a presença de um estrangeiro sem o consentimento da autoridade local era inadmissível. O próprio termo “estrangeiro” derivado do grego extraneus (estranho) carrega, em si, um significado de repulsa.
Assim, o direito à liberdade pessoal somente teve sua proteção garantida internacionalmente no ano de 1948 com a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (The American Declaration of the Rights and Duties of Man), que em seu artigo VIII dispôs que “Toda pessoa tem direito de fixar sua residência no território do Estado de que é nacional, de transitar por ele livremente e de não abandoná-lo senão por sua própria vontade”.
Ainda no mesmo ano de 1948, a liberdade de circulação de pessoas foi alçada à condição de princípio de direitos humanos ao cristalizar-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), cujo artigo 13 estabeleceu que: “1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. 2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar”.
Numerosos pactos internacionais a respeito do tema surgiram pós Declaração Universal, desenvolvendo-se na legislação interna dos países com igual desenvoltura. No Brasil, esta liberdade encontra previsão expressa no artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal, que proclama ser “livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.
Segundo o jusinternacionalista Celso D. de Albuquerque Mello, dois são os princípios a serem ressaltados no tocante à circulação de pessoas: a) admissão do “jus communicationis”; e o b) direito do Estado de regulamentar a imigração no seu território. Enquanto no primeiro observa-se o direito migratório no plano internacional, fulcrado na própria necessidade de comércio internacional e na liberdade do indivíduo; no segundo encontra-se a soberania estatal e a prática internacional já consagrada.
Eis a contradição! De um lado se tem a liberdade individual e de outro a soberania estatal. Porém, o reconhecimento da liberdade de locomoção de pessoas como princípio norteador do Direito traz consigo uma característica irradiadora sobre os demais ramos do sistema jurídico, tendo o poder de paralisar qualquer norma que com este conflitar. Assim, as limitações impostas à imigração devem se lastrear em motivos extremos (como proteger a segurança nacional e a ordem pública) e de cunho genérico, evitando-se discriminações.
Enfim, não pode o Estado utilizar-se de subterfúgios com o escopo de mascarar sua inospitalidade fomentada por motivos discriminatórios ou por razões de ordem econômica, em detrimento do bom relacionamento internacional e o respeito aos direitos essenciais do indivíduo, notadamente o direito de ir e vir, que desde 1948 é um princípio a ser seguido pelas nações... é hora de refletirmos sobre o assunto.
Rui Aurélio De Lacerda Badaró é Doutorando em Direito internacional pela Universidad Católica de Santa Fé, Mestre em Direito internacional pela Universidade Metodista de Piracicaba, DES en Droit international, Européen et Comparé - Université de Paris 1 - Panthéon Sorbonne. Professor de Direito Internacional da Pós-graduação lato-sensu em Direito Internacional da EPD.
Greiciane de Oliveira Sanches, bacharelanda em Direito pela Universidade de Sorocaba e Estagiária do Ministério Público do Estado de São Paulo
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