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A ótica de Simmel 
e sua relação com movimentos literários 
brasileiros do Século XIX 
 
Uma analise da relação entre a ótica do pensador alemão Georg Simmel 
(1958-1918) e alguns textos dos movimentos Modernista e Simbolista. 
 
Por Bernardo Pinheiro e Brenda Prallon 
Trabalho de Fundamentos Clássicos das Ciências Sociais 
1º período de Economia 
Professores:Frederico Ágoas, Julia O’Donnell, João Marcelo Maia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Indíce: 
 
1. Introdução (pág 1) 
2. Os Estímulos e o Ode Triunfal de Álvaro Campos (pág 2) 
3. A atitude Blasé e o Bicho de Manuel Bandeira (pág 3) 
4. O Anonimato e a perda da Auréola de Baudelaire (pág 5) 
5. Bibliografia (pág 8) 
 
 
 
 
Introdução: 
 
Um dos maiores legados da Revolução Industrial no âmbito sociológico foi 
o surgimento do modus vivendis nas metrópoles. A revolução não se deu apenas 
no campo econômico; estendeu-se para a esfera psíquica dos indivíduos, e 
influenciou fortemente a arte nos séculos XIX e XX. Em especial, nesse trabalho, 
trataremos de como a Literatura traduziu esse novo momento, e como esse novo 
cenário retratado por autores se assemelha com a descrição sociológica de 
Simmel sobre a vida nas cidades. Para isso, escolhemos os textos: “Ode Triunfal”, 
de Álvaro Campos; “O Bicho”, de Manuel Bandeira; e “A Perda da Auréola”, de 
Charles Baudelaire. 
Georg Simmel (1858-1918) foi um sociólogo alemão, cujo trabalho se fez 
principalmente por ensaios; teve dificuldades de encontrar um lugar na Academia, 
mas era muito admirado por seus alunos. Escreveu “A Metrópole e a Vida Mental” 
em 1902, principal texto que utilizaremos como base ao desenvolver as análises 
das obras literárias. 
O movimento Simbolista foi um movimento literário oposto às correntes 
realistas e naturalistas. Suas principais representações foram na poesia; é um 
movimento lunar, ou seja, subjetivo, que se preocupa principalmente com as 
questões transcendentais, e utiliza-se muito das sinestesias como forma de tocar 
as emoções do leitor. Surgiu na França, no final do século XIX; um dos seus 
maiores expoentes foi Charles Baudelaire (1821-1867), escritor francês, 
considerado um dos fundadores da poesia moderna; em suas obras, é comum a 
representação do cotidiano das metrópoles. 
Já o Modernismo foi um movimento amplamente difundido nas artes, que 
se desdobrou em diversas subcorrentes, nascido no século XX. A principal 
característica moderna é a dessacralização da arte; antes, a obra artística estava 
sempre distante do público e da vida, coberta por sua aura; os artistas, então, 
passaram a trazer temas cotidianos e simples para duas obras. Na Literatura, a 
estética se altera especialmente na poesia, em que se adotam versos livres e 
métrica indefinida. 
Manuel Bandeira (1886-1968) foi um dos principais representantes do 
modernismo no Brasil. Pernambucano, participou da Semana de Arte Moderna de 
1922 com seu poema “Os Sapos”. Sua poesia trata desde sua realidade como 
tísico, até questões universais. 
Álvaro Campos é o heterônimo de Fernando Pessoa (1888-1935), poeta 
português. Ele possuía personalidades completas para cada um de seus 
heterônimos, e esse, em específico, ele utilizava quando tinha "um súbito impulso 
para escrever e não sabia o quê” exprimindo através dele "toda a emoção". É 
revoltado e crítico e faz a apologia à velocidade da vida moderna. 
 
 
Os Estimulos e o Ode Triunfal: 
 
Ode Triunfal 
 
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica 
Tenho febre e escrevo. 
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, 
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos. 
 
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno! 
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! 
Em fúria fora e dentro de mim, 
Por todos os meus nervos dissecados fora, 
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! 
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, 
De vos ouvir demasiadamente de perto, 
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso 
De expressão de todas as minhas sensações, 
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas! 
 
[...] 
 
(Alvaro Campos - Heterônimo de Fernando Pessoa -1914) 
 
Análise: 
 
De acordo com Simmel, uma das principais características da cidade é a 
intensificação dos estímulos. Na cidade há muito mais barulho, luzes, pessoas, 
poluição, carros e máquinas do que no campo. Alguém sem filtros se sobrecarrega 
ao tentar absorver tudo aquilo e por isso o sujeito da cidade desenvolve técnicas 
para lidar com a intensificação, chamadas de intelectualização. 
 A intensificação dos estímulos pode ser observada no poema em trechos 
como “À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica” e “Forte 
espasmo retido dos maquinismos em fúria!”, quando o eu-lírico chama atenção 
para os barulhos e luzes que ele testemunha, caracterizando-os como dolorosos 
e frutos da fúria das máquinas. 
 A sobrecarga do sujeito pelo excesso de estímulos está bem ilustrada em 
“Por todos os meus nervos dissecados fora” e em “E arde-me a cabeça de vos 
querer cantar com um excesso; De expressão de todas as minhas sensações”. A 
quantidade de sensações que o indivíduo está experimentando é 
demasiadamente grande na cidade, em meio às máquinas. Essas sensações são 
tantas, que chegam a lhe causar dores. Mesmo ao fazer um Ode às máquinas, 
não pode deixar de fora a dor que estas causam aos seus sentidos. 
 Simmel defende que o intelecto é menos sensível que as emoções, e que 
por isso reage melhor a ritmo da metrópole, descontínuo e cheio de mudanças 
abruptas. O campo possui um ritmo pacato e quase sempre constante, por isso 
quem vive nele não tem grandes problemas ao deixar suas emoções os guiarem. 
Se fizessem isso na cidade, iriam sofrer com a intensificação de estímulos. 
 Ao reagir com o intelecto em vez de com as emoções, o homem 
metropolitano passa a sofrer menos com a enorme quantidade de estímulos 
nervosos para preservar sua vida subjetiva. 
 
A atitude blasé e o Bicho: 
 
O Bicho 
 
Vi ontem um bicho 
Na imundície do pátio 
Catando comida entre os detritos. 
 
Quando achava alguma coisa, 
Não examinava nem cheirava: 
Engolia com voracidade. 
 
O bicho não era um cão, 
Não era um gato, 
Não era um rato. 
 
O bicho, meu Deus, era um homem. 
(Manuel Bandeira) 
 
 
 
Análise: 
 
Parte da intelectualização se traduz na atitude blasé. Ela ajuda a diminuir o 
efeito que o ritmo intenso da cidade tem sobre o indivíduo, ao tornar várias coisas 
que seriam chocantes para alguém do campo em coisas que não recebem muita 
atenção pelos indivíduos da cidade, ou que recebem atenção momentaneamente, 
apenas. Sua fonte é a supersaturação dos estímulos recebidos na metrópole, que 
inibe a capacidade de processar suas impressões. 
 No campo e em cidades pequenas, como o ritmo é mais desacelerado e 
contínuo, a chegada de um estranho à vila ou a partida de um morador é um 
grande acontecimento do qual todos ficam sabendo. Já na cidade, pessoas vem e 
vão o tempo todo. Passa-se por várias pessoas e vários carros na ida e vinda do 
trabalho e nem sabe se até o fim do dia todas aquelas pessoas que se viu ainda 
estarão na cidade no fim do dia, ou até mesmo se elas estarão vivas. 
 Numa cidade pequena, mendigos tendem a ser bem conhecidos. Quando 
não se tem muitas pessoas na cidade, sabe-se da história daquele indivíduo que 
costumava ter um patrimônio, mas devido ao abuso do álcool, por exemplo, entre 
outros fatores, acabou perdendo o que tinha e passou a morar na rua. Os 
moradores sabem seu nome e sua história. Na cidade, até podemos saber de um 
ou outro que reside no bairro onde vivemos ou trabalhamos, mas também 
passamos frequentemente por vários na rua que não sabemos de onde vem ou 
para onde vão e, mesmo que a situação em que se encontram seja absurdamente 
deprimente, não precisamos de muito tempo para esquecer a cena triste que 
acabamos de ver, independe de termos “ajudado” com um trocado ou não. 
 A atitude blasé é essa característica dohomem metropolitano que permite 
que ele passe por diversas situações sem se conectar emocionalmente com elas. 
Um indivíduo com as emoções à flor da pele em uma metrópole provavelmente 
pararia a cada 2 quadras que andasse por encontrar um mendigo em uma 
situação deplorável, o que não é muito verossímil para um indivíduo da metrópole, 
ocupado demais com sua própria vida para parar constantemente para ajudar 
estranhos que pode nunca mais ver na sua vida. 
 É possível relacionar essa parte da teoria de Simmel com o poema de 
Manuel Bandeira pois o eu-lírico, ao ver um “bicho” em uma situação deplorável, 
“catando comida entre os detritos”, demora para perceber que não era nem cão, 
nem gato, nem rato, mas sim um homem. O poema pode servir de crítica para o 
fato de que o homem da metrópole está tão acostumado a ver pessoas em 
situações tão horríveis e não fazer nada sobre a cena, que parece que nem os 
enxergam mais como outros seres humanos, mas como bichos, as quais os 
homens da cidade são quase indiferentes. Ilustra perfeitamente a atitude blasé. 
 
O Anonimato e a Perda da Auréola: 
 
A Perda da Auréola 
- MAS O QUÊ? você por aqui meu caro? você em tão mau lugar! você o bebedor 
de quintessências! você o comedor de ambrosia! Francamente é de surpreender. 
- Meu caro, você bem que conhece o meu pavor dos cavalos e das carruagens. 
Ainda há pouco, quando atravessava a toda pressa o bulevar, saltitando na lama, 
através desse caos movediço onde a morte surge a galope de todos os lados a 
um só tempo, a minha auréola, num movimento precipitado, escorregou-me da 
cabeça e caiu no lodo do macadame. Não tive coragem de apanhá-la. Julguei 
menos desgradável perder as minhas insígnias do que ter os ossos redentados. 
De resto, disse com meus botões, há males que vem para bem. Agora posso 
passear incógnito, praticar ações vis, e entregar-me à crápula, como os simples 
mortais. E aqui estou, igualzinho a você, como está vendo! 
- Você deveria ao menos por um anúncio, ou comunicar a perda ao comissário. 
- Ah! não. Estou bem assim. Só você me reconheceu. Aliás a dignidade me 
entedia. Depois alegra-me pensar que talvez algum mau poeta encontre a auréola 
e com ela impudentemente se adorne. Fazer alguém feliz, que prazer! e sobretudo 
um feliz que me fará rir! Pense no X., ou no Z.! Hein! como será engraçado!” 
( Charles Baudelaire – Tradução Aurélio Buarque de Holanda Ferreira ) 
Análise 
 
Nesse pequeno conto, encontra-se a presença do flâneur, figura do homem 
metropolitano observador e errante, muito recorrente nas obras de Baudelaire. O 
flâneur é, tipicamente, o homem que se entrega ao ambiente urbano; vaga 
prazerosamente por entre as ruas e galerias, e, ao mesmo tempo em que 
pertence ao ambiente, também está à parte do mesmo, em sua percepção da 
realidade circundante. 
Essa presença é, na verdade, o desejo realizado do anjo que acabou de 
perder a auréola: “Agora posso passear incógnito, praticar ações vis, e 
entregar-me à crápula, como os simples mortais.” Há nitidamente a vontade de 
misturar-se na multidão, e a ela pertencer de modo anônimo; evoca-se, assim, o 
conceito de “Anonimidade” de Simmel; segundo o mesmo, ela é consequência 
natural dos processos de racionalização do indivíduo, que o transformam em um 
número. Isso ocorre especialmente através do nivelamento provocado pela 
economia monetária, e, segundo o pensador, “A atitude que podemos chamar de 
prosaicista está tão intimamentente inter-relacionada com a economia do dinheiro, 
que é dominante na metrópole, que ninguém pode dizer se foi a mentalidade 
intelesctualística que primeiro promoveu a economia do dinheiro ou se esta última 
determinou a primeira.” De tal modo, as relações calculistas promovem, 
simultaneamente, a impessoalidade do indivíduo, mas também a sua liberdade. 
Por essa condição de invisível, o personagem pode, até mesmo, “praticar ações 
vis”. 
A anonimidade também relaciona-se ao que Simmel chama de “liberdade”, 
“em um sentido espiritualizado e refinado, em contraste com a pequenez e 
preconceitos que atrofiaria o homem de cidade pequena”. No texto, o personagem 
diz que agora está “como os simples mortais”; a indiferença mútua que guia a 
conduta dos residentes na cidade torna-os livres das amarras morais coletivas, no 
âmbito privado. Contudo, Simmel também destaca que essa nova liberdade não 
se traduz necessariamente em conforto, já que advém da supressão dos laços 
mais íntimos, e, normalmente, converte-se em solidão. 
A crítica de Baudelaire tem tom irônico; ao relatar a história de alguém que 
perdeu a auréola pelas circunstâncias caóticas da cidade, o autor faz uma 
alegoria: é o homem metropolitano que está a perder sua aura, sua pureza e 
encantamento, em razão do ambiente julgado degradante por Baudelaire. Isso se 
torna claro na frase que caracteriza o bulevar: “[...] através desse caos movediço 
onde a morte surge a galope de todos os lados”. A cidade, nesse trecho, 
desdobra-se como uma ameaça ao seu habitante, e não apenas uma ameaça à 
vida, mas uma ameaça à alma. Por fim, o personagem diz não querer recuperar a 
auréola, pois “a dignidade o entedia”. Ao mostrar descaso com o valor intrínseco à 
condição humana, a dignidade, fica evidente que a crítica tem como alvo a 
banalização da moral. O autor preocupa-se justamente com a mecanização do 
indivíduo, pois esse subjulga a emoção em detrimento da razão; é justamente 
essa a causa do mal-estar retratado pelos simbolistas, a perda da paixão e dos 
sentidos, e buscam, em suas obras, se não criticar, trazer de volta à pauta as 
questões anímicas. 
O que Baudelaire denomina caos, Simmel define como natural ao ambiente 
metropolitano, e descreve-o a partir da intensificação dos estímulos. A 
sobrevivência nesse novo contexto se dá pela intelectualização do homem; em 
suas ações passa a predominar a racionalidade, ao invés da subjetividade. 
Concomitantemente a essa nova relação psíquica, os instintos de percepção 
ajudam o transeunte a se proteger contra o rebuliço dos carros, carruagens e 
multidões, perigos novos, criados pela revolução científica, nascidos na cidade. 
Entretanto, é de suma importância notar que Simmel explica a racionalização 
através da perda de emoções e não através da perda de instintos; sem os últimos, 
a integridade física dos metropolitanos estaria seriamente comprometida. 
Ao julgar “menor desagradável perder minhas insígnias do que ter os ossos 
redentados”, torna-se evidente que a escolha que o personagem deve fazer é 
entre a vida do seu corpo e a vida de sua alma. A polaridade dessa decisão foi 
colocada por Baudelaire para representar a faca de dois gumes que é a vida na 
cidade, justamente o dilema proposto por Simmel entre racionalidade e 
subjetividade. E ambos os autores concordam na perspectiva que, ao escolher a 
metrópole, o homem inevitavelmente opta pela supressão de suas emoções. Para 
Baudelaire, a perda de emoção significa a perda da humanidade no homem. 
Simmel responde a essa questão por um viés menos filosófico, mais imparcial e 
mais sociológico: o homem, e sua humanidade, mudam de acordo com o seu 
contexto: “[...] em nossa efêmera existência, como uma célula, só pertencemos 
como uma parte, não nos cabe acusar ou perdoar, senão compreender.” 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fontes de Consulta: 
 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Simmel 
http://poesiaseprosas.no.sapo.pt/alvaro_de_campos/poetas_alvarodecampos_odetriunfal0
1.htm 
SIMMEL, Georg, A Metrópole e a Vida Mental,1902, texto fornecido em sala 
http://www.zegeraldo.lugaralgum.com/?m=200303&paged=2 
http://www.casadobruxo.com.br/poesia/m/bicho.htm 
http://www.educacaopublica.rj.gov.br/cultura/livros/0060.html