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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - CEP 05403-000 Tel.: PABX (011) 3066-7000 - Fax: 280-8213 - Telex: 80.902 C.P. 41633 - CEP 05422-970 - São Paulo - SP - Brasil PEDUZZI, M. Políticas de recursos humanos nas organizações de saúde. São Paulo, 2000 [Apostila da Disciplina Administração em Enfermagem II, Departamento de Orientação Profissional, Escola de Enfermagem da USP] APOSTILA “POLÍTICAS DE RECURSOS HUMANOS NAS ORGANIZAÇÕES DE SAÚDE” Professora: Marina Peduzzi Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo Departamento de Orientação Profissional Disciplina: ENO – 335 Administração em Enfermagem II Data: agosto / 2000 I) Abordagem das questões referentes às políticas de recursos humanos no setor saúde: Segundo Dussault (1998) formular uma Política de Recursos Humanos que busque consolidar um sistema de saúde que garanta equidade, universalidade, promoção de serviços com eficiência e eficácia, controle de gastos e satisfação dos usuários, deve tomar em consideração quatro áreas: mercado de trabalho, educação e treinamento, gerenciamento e condições de trabalho (tipologia de Martineuau e Martinz, 1997 apud Dussault, 1998). O mercado de trabalho diz respeito ao emprego, à composição da força de trabalho em saúde (FTS) e à distribuição geográfica da FTS, outros. A educação e treinamento dizem respeito à coerência entre as competências desenvolvidas pelos alunos e profissionais e às necessidades dos serviços de saúde, ou seja, mais especificamente: aos currículos, estratégias pedagógicas e didáticas, infra-estrutura de ensino, avaliação dos professores e alunos, outros. 2 O gerenciamento refere-se à qualidade dos serviços prestados, à produtividade, à organização do trabalho, ao sistema de informação, às práticas gerenciais, outros. As condições de trabalho dizem respeito à disponibilização de recursos tecnológicos adequados ao trabalho desenvolvido, ao recrutamento, seleção e educação permanente dos trabalhadores, aos planos de cargos, carreira e salários, outros. A política de recursos humanos pode ser definida como um esforço sistemático para maximizar a utilização da força de trabalho no setor saúde, consideradas as limitações de cada contexto (país, estado, município, instituição ) e a inter-relação das quatro áreas apontadas acima. A ausência de coerência entre as ações dos quatro níveis referidos ou a negligência com algum desses componentes da política de RH, pode comprometer o sucesso da própria política de recursos humanos e mesmo da política nacional de saúde (Dussault, 1998). A política consiste nos resultados a serem alcançados e nas estratégias preferenciais para alcança-los. Assim, há variados atores sociais envolvidos com a definição e implementação de políticas de recursos humanos, quais sejam: - os diferentes níveis de governo (federal, estadual e municipal) seus órgãos e suas agencias; - as instituições de ensino; - as instituições prestadoras dos serviços de saúde, públicas e privadas; - os gerentes e definidores de políticas, nas diversas instâncias; - os usuários dos serviços de saúde; - os produtores de fármacos, equipamentos, etc.; - a veículos de comunicação (imprensa, televisão, outros). A organização dos serviços de saúde, as modalidades dos processos de tomada de decisão, a locação de recursos e a divisão do trabalho são objetos de negociação entre as atores envolvidos com a política de desenvolvimento de recursos humanos. 3 A seguir apresentamos alguns aspectos importantes e relacionados a Política de Recursos Humanos, destacados por Dussault (1998): - uma das características distintivas das políticas de recursos humanos em saúde é que são geradas por múltiplos agentes e agencias, dada a variedade da natureza dos problemas de saúde e seus determinantes. Portanto, requer uma coordenação e integração de políticas setoriais; - outros aspecto importante é que as políticas de recursos humanos não podem considerar cada uma das profissões em saúde separadamente, o que representa um desafio dadas as múltiplas e variadas culturas profissionais e o valor atribuído a autonomia profissional de cada área; - o livre mercado não tem possibilitado uma distribuição eqüitativa e apropriada da força de trabalho em saúde, portanto, o seu planejamento deve ser uma atividade do setor público e não deve ser deixado exclusivamente sob a responsabilidade do setor privado e/ou das instituições de ensino (De Geyut, 1997 apud Dussault, 1998:29); - o maior desafio para as políticas de recursos humanos é criar condições que proporcionem a efetiva contribuição dos profissionais / trabalhadores de saúde para a obtenção dos objetivos institucionais. Os sucessos alcançados por algumas experiências, segundo Dussault (1998:36), mostram que elas têm em comum o estabelecimento de relações de colaboração entre os trabalhadores, os usuários, e as instituições com suas respectivas gerências. II) Políticas de recursos humanos em saúde, no Brasil Políticas de RH apontadas nos textos das Conferências Nacionais de Saúde - CNS (Brasil, MS, 1993): A) no primeiro período (1ª a 3ª CNS - 1941 a 1963), as questões de recursos humanos foram abordadas apenas da perspectiva de sua formação e centradas no ensino médico. 4 B) no segundo período (4ª a 7ª CNS – 1967 a 1980) os recursos humanos se constituem em instrumento decisivo da política desenvolvimentista, entendendo- os como “capital humano”. As principais características da política de recursos humanos para o setor saúde são: - expansão acelerada do ensino médico; - intensos debates em torno da reforma universitária (1968); - ênfase na formação, a ser realizada de forma descentralizada e regional; - no entanto, já contempla-se de forma mais global a necessidade de profissionais de formação e perfil variados (p.35). Na 7ª CNS (1980), deu-se a discussão do PREV-SAÚDE (Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde), no contexto da Declaração de Alma-Ata (1978) e da proposta de “Saúde para Todos no Ano 2000” . Neste momento destaca-se, sobretudo, a discussão sobre a relação entre o modelo assistencial e a formação de recursos humanos, particularmente, o modelo de serviços básicos de saúde e os respectivos agentes necessários, tanto de nível superior, quanto de nível médio e elementar. Nesta CNS foram discutidos, entre outros, os seguintes aspectos: - formação de especialistas X generalistas, particularmente para os profissionais médicos; - o papel da educação continuada para o pessoal de nível médio e elementar; - adequação da formação de RHS às necessidades de saúde da população através da integração docente-assistencial; - o compromisso de transferência do conhecimento, a descentralização do poder, para processo de democratização do subsistema de recursos humanos; - a proposta de integração entre as ações de promoção e proteção da saúde e as ações de assistência médica individual e a necessidade de que o médico não mais realize um trabalho isolado, mas sim enquanto líder da equipe multiprofissional; 5 - incentivo à prática multiprofissional sem diferenças de status determinadas pela diversificada formação dos integrantes do programa (Prev-saúde), de modo a torná-lo eficiente e permitir sua continuidade (p.126); - as questões de recursos humanos em enfermagem são discutidas especificamente (treinamento e supervisão dos agentes de saúde que atuam nos serviços básicos; reformulação da lei do exercício profissional - 1955 e 1986; a participação de toda equipe multiprofissional no treinamento dos agentes de saúde local dado o caráter polivalente de sua capacitação). A partir de 1980, por ocasião da 7ª CNS, aparece a recomendação ao incentivo à prática multiprofissional, ou seja, ao trabalho em equipe multiprofissional. A partir deste período ocorre o reconhecimento que o DRH por si só, enquanto proposta racionalizadora não desenvolve uma relação de causa e efeito quanto à qualidade dos serviços. Assim, entende-se por política de DRH o processo dinâmico, integrado à política nacional de saúde, que visa o aprimoramento técnico, o crescimento pessoal e a evolução funcional dos trabalhadores (p.41). C) o terceiro período (8ª a 9ª CNS – 1986 a 1992) é fortemente marcado pela realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde e de duas Conferências de Recursos Humanos para a Saúde. Na 8ª CNS, 1986, ocorreu uma ampla participação dos trabalhadores de saúde, usuários e instituições prestadoras de serviços. Participarem 1000 delegados tirados com base nas pré-conferências preparatórias estaduais e municipais. O relatório final reflete o ideário do movimento da Reforma Sanitária e influenciou decisivamente a Constituição Federal de 1988 no capítulo destinado à seguridade social e à saúde. A 8ª CNS pressupõe que as modificações necessárias no setor saúde transcendem os limites de uma reforma administrativa e financeira, e amplia o conceito de saúde entendendo-a como um direito do cidadão e um dever do Estado (p.132). Quanto a restruturação do Sistema Nacional de Saúde, propõe a 6 criação de um Sistema Único de Saúde, sob o comendo de um único Ministério da Saúde, com as seguintes diretrizes: - descentralização na gestão dos serviços / municipalização; - integralização das ações de saúde, superando a dicotomia curativo-preventivo; - regionalização e hieraquização; - universalização e equidade do acesso; - controle social. Quanto aos RHS, especificamente, propõe: - remuneração condigna e isonomia salarial; - admissão através de concursos público; - incentivo a dedicação exclusiva; - composição multiprofissional das equipes de saúde (p.135). Nas duas CNRH foram discutidos os seguintes aspectos, atinentes à política de recursos humanos para a saúde: - recrutamento e seleção de pessoal ( os métodos e critérios devem ser transparentes, garantindo equitatividade e evitando clientelismo; devem ser descentralizados e regionalizados, a admissão deve ocorrer somente por concursos público); - planos de cargos e carreira (definir um valor referência para o piso salarial inicial, a partir do qual serão estruturados os demais níveis da carreira; definir critérios de progressão tais como: tempo de serviço, tempo e nível de interiorização, treinamentos e cursos realizados de acordo com a função em exercício, avaliação de desempenho, outros); - avaliação de desempenho (individual e da equipe, inclusive considerando a avaliação dos serviços prestados, ou seja, indicadores de saúde local e indicadores de qualidade do serviço); - quadros de lotação e remuneração de pessoal (evitar remanejamento de cunho político-clientelista e realizá-los segundo necessidades dos serviços e da avaliação de desempenho); 7 - trabalho em equipe de saúde (a produção de serviços de saúde realiza-se em bases coletivas, sendo a equipe e não os profissionais isoladamente a unidade produtora, e criar condições favoráveis à democratização das relações de saber / poder) (p.158) - formação e aprimoramento de RHS (destaque para a educação continuada para todos os níveis de formação; o ensino deve tomar em consideração uma abordagem multiprofissional onde as profissões determinadas pela divisão técnica e social do trabalho devem ter a saúde como objetivo comum, ultrapassando a visão hegemonicamente biomédica) (p.162); - condições de trabalho (adoção de tecnologias necessárias para o atendimento do usuário, instrumentalizando da melhor forma possível os profissionais e aumentando a resolutividade, provimento de condições necessárias e paralelas àquelas consideradas salariais, ou seja, creche, transporte, alimentação, segurança e higiene do trabalho; existência de fóruns de participação dos trabalhadores no interior dos serviços); - a perspectiva de assistência integral à saúde requer a composição multiprofissional das equipes de saúde, passando esta a ser a unidade produtora dos serviços (p.193). - organização dos serviços de saúde voltada para o atendimento das necessidades de saúde, levando em consideração - o direito à saúde como um direito de cidadania; os novos paradigmas gerenciais; o atual perfil de transição epidemiológica no Brasil; a descentralização organizativa e operacional dos serviços de saúde; e o estabelecimento efetivo do controle social. - realização pelo SUS municipal de diagnóstico quantitativo e qualitativo da força de trabalho em saúde, abrangendo o setor público e privado; No entanto, a Lei Orgânica da Saúde, em 1990 (Lei 8080/90) não tem viabilizado, até o momento, a implantação desta política de RH no interior das instituições de saúde. DAL POZ (1996), em investigação recente, mostra que, a partir da metade dos anos 80, as discussões e reflexões sobre as políticas de recursos humanos em 8 saúde passam a ter caráter mais orgânico e expressão mais clara. Segundo o autor, a oitava Conferência Nacional de Saúde, as duas Conferências Nacionais de Recursos Humanos, assim como os trabalhos da Comissão Nacional de Reforma Sanitária formularam alguns princípios básicos para o estabelecimento de uma política de recursos humanos em saúde, que podem ser considerados válidos até a atualidade, visto que praticamente nenhum foi implementado. Nessa mesma direção, SANTANA (1990) e TEIXEIRA & PAIM (1996) analisam a existência de postulados e propostas para a efetiva formulação de políticas de recursos humanos que, no entanto, não têm se traduzido em decisões e implementações concretas. Mesmo considerando os balizamentos gerais, SANTANA refere que a política de recursos humanos não pode partir apenas de diretrizes gerais ou de âmbito nacional, mas precisa contemplar a realidade objetiva de situações específicas, nos estados, municípios e instituições. De outro lado, há que se considerar as mudanças no mundo do trabalho, com a tendência à terceirização e a flexibilização dos vínculos com as instituições. A terceirização, no setor saúde, iniciou-se com a contratação de pessoal para realizar tarefas de limpeza, de alimentação, de segurança e de auditoria, mas estende-se progressivamente a outros trabalhadores (PIRES, 1996; LIMA, 1998). LIMA aponta as conseqüências da flexibilização das relações de trabalho para as políticas de recursos humanos em saúde, à medida que são criadas diferentes e desiguais subcategorias profissionais no interior da mesma instituição. Assim, acrescem-se diferenças e desigualdades de nova ordem a um conjunto de agentes e de áreas profissionais já bastante diversos e desiguais entre si, como apontado anteriormente. Ao analisar a articulação entre política e gestão de recursos humanos, considerando a política de recursos humanos como instrumento de regulação dos serviços e do trabalho em saúde, DAL POZ (1996) identifica duas agendas de questões. A primeira, a qual chama de velha agenda, abarcando os problemas de ausência de planos de cargos e carreiras, as questões salariais não resolvidas e as dificuldades em se estabelecer uma relação saudável entre a burocracia, o profissional e o usuário. A segunda, dita nova agenda, contempla as referidas 9 questões da flexibilização das relações de trabalho. O autor analisa que a resolução dessas questões enfrenta um contexto geral que não é muito favorável, face à aceleração de programas de redução de custos pela compressão salarial e diminuição de postos de trabalho. Porém, aponta que tal situação pode acarretar a busca de soluções inovadoras, na perspectiva de passar de uma cultura de processos rígidos e padronizados para uma cultura organizacional que valorize a flexibilidade, no sentido da agilidade na tomada de decisões e da valorização de resultados que efetivamente contemplem as necessidades de saúde dos usuários (DAL POZ, 1996). Referências Bibliográficas Brasil. Ministério da Saúde. Sistema Único de Saúde: Diretrizes para Formulação de Política de Recursos Humanos. Brasília/DF, Ministério da saúde, 1989. Brasil. Lei Orgânica da saúde. Lei nº 8080 de 19/setembro/1990. Diário Oficial da União, Brasília, 20/setembro/1990. Seção I. p. 18055-9. Brasil. Ministério da Saúde. A questão dos Recursos Humanos nas Conferências Nacionais de Saúde: 1941 - 1992. Brasília/DF, Ministério da Saúde, 1993. Dussault, G. Humam resources development: the challenge os health sector reform (draft: 6/4/98). Departament of Health Administration, University of Montréal, Canada, 1998. (mimeo) Machado, M.H., Medici, A.C.; Nogueira, R.P.; Girardi, S.N. O mercado de trabalho em saúde no Brasil: estrutura e conjuntura. Rio de Janeiro, ENSP, 1992. Paim, J.S. Recursos humanos em saúde no Brasil: problemas crônicos e desafios agudos. São Paulo, Faculdade de Saúde Pública/USP, 1994. Peduzzi, M. Equipe multiprofissional de saúde: a interface entre trabalho e interação. Campinas, 1998. (Tese de Doutorado) – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Capítulo 3.