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DIREITO CIVIL Prof. Carlos Roberto Gonçalves 03/02/03 1 PARTE GERAL 2 DAS PESSOAS NATURAIS Conceito de pessoa natual – é o ser humano considerado como sujeito de direitos e deveres. Para ser pessoa natural, basta existir. Personalidade – é a aptidão genérica para ser titular de direitos. Capacidade – é a medida da personalidade. Pode ser: Capacidade de direito (de aquisição ou de gozo de direitos) – é a que todos possuem, inclusive chamados incapazes, como os loucos, os recém-nascidos, etc., que podem, por exemplo, herdar. Capacidade de fato (de exercício do direito) – é a aptidão para exercer, por si só, os atos da vida civil. Nem todos possuem esta capacidade. OBS: 1) Capacidade plena x capacidade limitada – quem tem as duas espécies de capacidade, tem capacidade plena. Quem só tem a de direito, tem capacidade limitada e necessita de outra pessoa que substitua ou complete a sua vontade, sendo por isso chamados de incapazes. 2) Capacidade x legitimação – capacidade não se confunde com legitimação, pois esta é a aptidão genérica para a prática de determinados atos jurídicos. Assim, o ascendente é genericamente capaz, mas só estará legitimado a vender a um descendente se o seu cônjuge e os demais descendentes expressamente o consentirem (art. 496). Incapacidade – no direito brasileiro não existe incapacidade de direito, porque todos se tornam, ao nascer, capazes de adquirir direitos (art. 1º). Existe, portanto, somente incapacidade de fato ou de exercício, donde se conclui que incapacidade é a restrição legal ao exercício de atos da vida civil, e pode ser de duas espécies: Incapacidade absoluta – art. 3º - acarreta a proibição total do exercício, por si só, do direito. O ato simente poderá ser praticado pelo representante legal do incapaz, sob pena de nulidade (art. 166, I). A incapacidade absoluta é suprida pela representação, em que o incapaz não participa do ato, que é praticado somente por seu representante legal. São absolutamente incapazes: Menores de 16 anos – a lei entende que o ser humano, até atingir essa idade, não alcançou ainda o discernimento para distinguir o que lhe convém ou não, de sorte que, desprezando sua vontade, impede que atue pessoalmente na vida jurídica. O que se leva em conta na fixação desse limite é o desenvolvimento mental do indivíduo, em nada se vinculando com a maturidade sexual, apesar de serem chamados de menores impúberes. Os privados do necessário discernimento por enfermidade ou deficiência mental – o CC usa expressão genérica ao se referir à falta de discernimento para os atos da vida civil, compreensiva de todos os casos de insanidade mental, permanente e duradoura, caracterizada por graves alterações das faculdades psíquicas. OBS: 1) Intervalos lúcidos – a nossa lei não admite os chamados intervalos lúcidos. Assim, se declarado incapaz, os atos praticados pelo privado de discernimento serão nulos, não se aceitando a tentativa de demonstrar que, naquele momento, encontrava-se lúcido. A incapacidade mental é considerada um estado permanente e contínuo. 2) Interdição e nulidade dos atos praticados – é nulo o ato praticado pelo enfermo ou deficiente mental depois da interdição. Entretanto, como é a insanidade mental e não a sentença de interdição que determina a incapacidade, uma corrente sustenta que é sempre nulo, também, o ato praticado pelo incapaz antes da interdição. Outra corrente, porém, inspirada no direito francês, entende que deve ser respeitado o direito do terceiro de boa-fé, que contrata com o privado de discernimento sem saber das suas deficiências psíquicas, somente se admitindo a nulidade se era notório o estado de loucura. 3) Velhice ou senilidade – não é causa de limitação da capacidade, salvo se motivar um estado patológico que afete o estado mental. Os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir a sua vontade – a expressão também genérica não abrange as pessoas portadoras de deficiência mental permanentes, referidas no inciso anterior, mas apenas as que não puderem exprimir sua vontade por causa transitória ou em virtude de alguma patologia (ex.: paralisia, etc.). É nulo, assim, o ato jurídico praticado pela pessoa de condição psíquica normal, mas que se encontrava impossibilitada de exprimir validamente a sua vontade no momento em que o praticou. OBS: Causa transitória x interdição – não se pode interditar alguém por causa transitória, pois o art. 1767, II, que trata das pessoas sujeitas a curatela, só se refere aos que por causa duradoura não puderem exprimir a sua vontade. Incapacidade relativa – art. 4º - permite que o incapaz pratique atos da vida civil, desde que assistido, sob pena de anulabilidade (art. 171, I). Na incapacidade relativa há assistência; reconhece-se ao incapaz certo discernimento, razão pela qual ele é quem pratica o ato, mas não sozinho, e sim acompanhado, isto é, assistido por seu representante legal. São relativamente incapazes: Maiores de 16 e menores de 18 anos – são os menores púberes, que devem praticar atos da vida civil assistidos por seus representantes legais. OBS: 1) Exceções – o maior de 16 anos e menor de 18 anos pode praticar certos atos sem a assistência de seu representante legal, como ser testemunha (art. 228, I), aceitar mandato (art. 666), fazer testamento (art. 1860, § único), ser eleitor, etc. 2) Ocultação dolosa da idade – se o maior de 16 e menor de 18 anos oculta dolosamente a sua idade, no ato de se obrigar, perderá a proteção que a lei confere aos incapazes e não poderão anular a obrigação ou eximir-se de cumpri-la (art. 180), desde que o erro da outra parte seja escusável. Se não houve malícia por parte do menor, anula-se o ato para protegê-lo, ficando o menor desobrigado de restituir o que recebeu, salvo se a outra parte provar que o pagamento se reverteu em benefício dele (art. 181). 3) Responsabilidade civil – os pais respondem pelos prejuízos causados pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia, bem como o tutor pelos pupilos que se acharem nas mesmas condições. Se as pessoas responsáveis pelos menores não tiverem a obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes (art. 928), o menor ficará obrigado a pagar a indenização, que será eqüitativa e não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem. Os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os deficientes mentais de discernimento reduzido – relativamente aos ébrios habituais e os viciados em tóxicos, vale notar que somente os alcoólatras e os toxicômanos, isto é, os dependentes de substâncias alcoólicas ou entorpecentes, são considerados relativamente incapazes. Os usuários eventuais que, por efeito transitório dessas substâncias, ficarem impedidos de exprimir plenamente a sua vontade estão incluídos no rol dos absolutamente incapazes (art. 3º, III). Os deficientes mentais de discernimento reduzido, por sua vez, são os fracos da mente ou fronteiriços. OBS: 1) Privados do necessário discernimento por deficiência mental x deficientes mentais de discernimento reduzido – a lei estabeleceu uma gradação para a debilidade mental, de sorte que quando privar totalmente o amental do necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil, acarretará a incapacidade absoluta; ao passo que quando causar apenas a sua redução, acarretará a incapacidade relativa. 2) Interdição – pronunciada a interdição dos deficientes mentais, dos ébrios habituais e dos viciados em tóxicos, o juiz assinalará, segundo o estado ou o desenvolvimento mental do interdito, os limites da curatela, que poderão se limitar à privação do direito de, sem curador, praticar atos que possam onerar ou desfalcar o seu patrimônio (arts. 1772 e 1782). Os excepcionais sem desenvolvimento mental completo – o CC declara relativamente incapazes não apenas os surdos-mudos, mas todos os excepcionais sem desenvolvimento completo. Se o excepcional recebeu educação adequada e puder exprimir plenamente a sua vontade (ex.: surdos- mudos treinados e educados para se comunicar com o mundo exterior), será capaz. OBS: Interdição – aplicam-se aos excepcionais, da mesma forma que aos deficientes mentais, dos ébrios habituais e dos viciados em tóxicos, o disposto nos arts. 1772 e 1782 (vide comentários no item anterior). Os pródigos – pródigo é o indivíduo que dissipa o seu patrimônio desvairadamente. Trata-se de um desvio de personalidade e não, propriamente, de um estado de alienação mental. OBS: 1) Interdição – legitimidade – a interdição do pródigo pode ser promovida pelos pais ou tutores, pelo cônjuge ou companheiro, ou por qualquer parente, já que ao contrário da orientação do CC 1916, a interdição do pródigo não visa mais favorecer o cônjuge ou os herdeiros, mas sim protegê-lo. 2) Interdição – limites – o pródigo só ficará privado de praticar, sem curador, atos que extravasam a mera administração (esta ele poderá exercer) e implicam em comprometimento do patrimônio, como emprestar, transigir, dar quitação, alienar, etc. Pode praticar validamente e por si só todos os demais atos da vida civilque não envolvam o seu patrimônio, a exemplo de fixar dar autorização para casamento dos filhos, etc. Os índios – índios ou silvícolas são os habitantes das selvas, não integrados à civilização. Segundo o CC (art. 4º, § único), a capacidade dos índios será regulada por lei especial. A lei que atualmente regula a situação jurídica dos índios é a Lei 6001/73 (Estatuto do Índio), proclamando que ficarão sujeitos à tutela da União até se adaptarem à civilização. Referida lei considera nulos os negócios celebrados entre um índio e pessoa estranha à comunidade indígena, sem a participação da FUNAI, enquadrando-o como absolutamente incapaz. Entretanto, declara que se considerará válido tal ato se o índio revelar consciência e conhecimento do ato praticado e, ao mesmo tempo, tal ato não o prejudicar. Desta forma, nas comunidades não integradas à civilização, o índio já nasce sob tutela, independentemente de qualquer medida judicial, sendo incapaz desde o nascimento até que se preencha os requisitos legais (1 - idade mínima de 21 anos, 2 - conhecimento da língua portuguesa, 3 - habilitação para o exercício de atividade útil à comunidade nacional, 4 - razoável compreensão dos usos e costumes da comunhão nacional) e seja liberado por ato judicial, diretamente, por ato da FUNAI homologado pelo órgão judicial ou por decreto do Presidente da República, que nesta última hipótese poderá declarar a emancipação de uma comunidade indígena e de seus membros. OBS: Justiça Federal – é a competente para cuidar das questões referentes aos índios. OBS: 1) Sistema protetivo da teoria dos incapazes – o legislador, ao arrolar entre os incapazes determinadas pessoas, procura protegê-las, incluindo-as num regime legal privilegiado, capaz de proteger seus interesses. Em vários dispositivos constata-se a intenção do legislador em protegê-los, como, por exemplo, nos capítulos destinados ao poder familiar, à tutela, à prescrição, à nulidades e outros. 2) Benefício da restituição (retitutio in integrum) – existia no Direito Romano e consistia ena possibilidade de se anular o negócio jurídico válido, mas que se revelou prejudicial ao incapaz. Hoje, se o negócio foi validamente celebrado, não se poderá pretender anulá-lo se, posteriormente, mostrar-se prejudicial ao incapaz. 3) Interdição e eficácia erga omnes – para assegurar a eficácia erga omnes da sentença declaratória de interdição, ela deve ser registrada em livro especial no 1º Cartório de Registro Civil da comarca em que for proferida e publicada por três vezes na imprensa oficial e local. Cessação da incapacidade – a incapacidade cessa: Quando cessar a sua causa – cessa, portanto, quando não houver mais a enfermidade mental, a menoridade, etc... OBS: Cessação da menoridade – a menoridade cessa aos 18 anos completos (no dia do aniversário), sendo certo que se nascer no dia 29/02 de ano bissexto, completa a maioridade no dia 01/03. Emancipação – é a aquisição da capacidade civil antes da idade legal. Pode ser de três espécies: Voluntária – é a concedida pelos pais se o menor tiver no mínimo 16 anos completos. OBS: 1) Ambos os pais - a emancipação voluntária deve ser concedida por ambos os pais, ou por um deles na falta do outro. A impossibilidade de qualquer deles participar do ato, por se encontrar em local ignorado ou qualquer outro motivo relevante, deve ser devidamente justificada em juízo. Se divergirem entre si, a divergência será dirimida pelo juiz. 2) Forma – instrumento público – é expressamente exigido o instrumento público, independentemente de homologação judicial. 3) Emancipação x responsabilidade civil dos pais – esta espécie de emancipação só não produz o efeito de desobrigar os pais de indenizar as vítimas dos atos ilícitos praticados pelo menor emancipado, para evitar emancipações maliciosas (STF). Judicial – é a concedida por sentença, ouvido o tutor, em favor do tutelado que já completou 16 anos. O menor deve requerê-la diretamente ao juiz, que a concederá por sentença depois de verificar a conveniência do deferimento para o bem do menor. O tutor não pode emancipá-lo, evitando-se com isso emancipações destinadas apenas a livrar o tutor dos ônus da tutela. Legal – é a que decorre das seguintes hipóteses expressamente previstas em lei: Casamento – não é razoável que as graves responsabilidades da vida doméstica sejam assumidas pela intervenção ou sob a fiscalização de um estranho, isto é, do pai ou tutor. Desta forma, o casamento válido produz o efeito de emancipar o menor, sendo certo que se logo depois o casamento se dissolver pela viuvez ou separação judicial, não retornará o indivíduo à situação de incapaz. OBS: Nulidade ou anulabilidade do casamento – proclamada a nulidade ou anulabilidade do casamento, retorna o emancipado à condição de incapaz, salvo se o contraiu de boa-fé, hipótese em que o casamento será putativo em relação a ele e produzirá todos os efeitos de um casamento válido, inclusive a emancipação. Exercício de emprego público efetivo – o fato de ter sido admitido no serviço público já denota maturidade e discernimento, principalmente quando a simples relação de emprego, com estabelecimento de economia própria, é suficiente para a emancipação, como adiante se verá. Predomina o entendimento de que o dispositivo legal exige tratar-se de emprego efetivo, afastando-se os interinos, contratados, diaristas, mensalistas, etc. Entretanto, há julgados abrandando o rigor da lei, entendendo que deve prevalecer o status de servidor público. Colação de grau em instituição de ensino superior – o preceito, de absoluta justiça, é hoje de certo modo obsoleto, sendo praticamente impossível o aparecimento de hipótese nele configurada (graduação no ensino superior antes dos 18 anos). Pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 anos completos tenha economia própria – a iniciativa do menor, nesse sentido, revela maturidade adequada para passar ao rol dos capazes. Aliás, seria ilógico que, para cada um dos atos que tivesse que praticar, apresentasse ou devesse apresentar autorização de seus representantes legais. A subordinação aos pais, nestes casos, acarretaria dificuldades na gestão dos negócios ou no exercício do emprego particular. Além disso e ao mesmo tempo, tutela-se os interesses de terceiros que estabelecerem relações comerciais de boa-fé com o menor. OBS: Irrevogabilidade– a emancipação, em qualquer de suas formas, é irrevogável. Começo da personalidade natural – a personalidade civil começa do nascimento com vida (art. 2º), o que pode ser constatado por diversos meios (respiração, corrente sangüínea, etc.). Não se exige o corte do cordão umbilical e nem que a pessoa seja viável (tenha perspectivas de viver) ou tenha forma humana. OBS: 1) Nascituro – não é pessoa natural e, portanto, a lei não lhe concede a personalidade, mas põe a salvo seus interesses desde a concepção, tomando medidas para salvaguardar os direitos que, com muita probabilidade, em breve serão seus. Os direitos assegurados ao nascituro encontram-se em estado potencial, sob condição suspensiva. Neste sentido, o art. 130 permite ao titular de um direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, o exercício de atos destinados a conservá-lo, como requerer a suspensão do inventário do pai morto, etc. Vários dispositivos do CC protegem o nascituro (ex.> 542, 1609 §ún., 1779, etc.). 2) Natimorto – o natimorto é registrado, com os elementos que couberem. Se morrer na ocasião do parto, tendo porém nascido com vida, serão feitos dois assentos: o de nascimento e o de óbito. 3) Obrigatoriedade do registro – são obrigados a fazer o registro, pela ordem: pais, parente mais próximo, administradores de hospitais, médicos e parteiras, pessoa idônea da casa em que ocorrer o parto e a pessoa encarregada da guarda do menor (art. 52 LRP). Extinção da personalidade natural – somente com a morte termina a existência da pessoa natural. Doutrinariamente, pode-se falar em: Quando cessar a sua causa – cessa, portanto, quando não houver mais a enfermidade mental, a menoridade, etc... OBS: Cessação da menoridade – a menoridade cessa aos 18 anos completos (no dia do aniversário), sendo certo que se nascer no dia 29/02 de ano bissexto, completa a maioridade no dia 01/03. Emancipação – é a aquisição da capacidade civil antes da idade legal. Pode ser de três espécies: Morte real – art. 6º - sua prova faz-se pelo atestado de óbito ou pela justificação, em caso de catástrofe e não encontro do corpo (art. 88 LRP). Morte simultânea ou comoriência – art. 8º - se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião (não precisa ser no mesmo lugar), não se podendo averiguar qual deles morreu primeiro, presumir-se-ão simultaneamente mortos. Não há transferência de bens entre comorientes, de sorte que se morrem em acidente casal sem descendentes e ascendentes, sem se saber qual deles morreu primeiro, um não herda do outro, de tal arte que os colaterais da mulher ficarão com a meação dela, enquanto que os colaterais do marido ficarão com a meação dele. Morte civil – existente no Direito Romano, especialmente para os que perdiam a liberdade (escravos), ainda remanesce entre nós no art. 1816, que trata do herdeiro afastado da herança por indignidade, como se ele “morto fosse antes da abertura da sucessão”. Mas somente para afastá-lo da herança, conservando a personalidade para os demais efeitos. Morte presumida – pode ocorrer com ou sem declaração de ausência: Com declaração de ausência – presume-se a morte, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura da sucessão definitiva (art. 6º, 2ª parte). Sem declaração de ausência – o art. 7º permite a declaração de morte presumida, para todos os efeitos, sem decertação de ausência: Se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida. Se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. OBS: 1) Buscas e averiguações – a declaração de morte presumida nestes casos somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações. 2) Fixação da data provável da morte na sentença – a sentença deverá fixar a data provável do falecimento. Individualização da pessoa natural – a pessoa identifica-se no seio da sociedade pelo nome, pelo estado e pelo domicílio. Nome – é a designação pela qual a pessoa identifica-se no seio da família e da sociedade. A palavra nome, como elemento individualizador da pessoa natural, é empregada em sentido amplo, indicando o nome completo. OBS: Pseudônimo – os criadores intelectuais muitas vezes identificam-se pelo pseudônimo, que nos termos do art. 19, empregado em atividades lícitas, goza da mesma proteção que se dá ao nome. Natureza jurídica – é direito da personalidade, sendo portanto inalienável e imprescritível. Proteção jurídica – sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial (art. 18). Além disso, o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória (art. 17). OBS: Morto – Legitimidade – em se tratando de morto, terá legitimidade para a adoção das medidas cabíveis o cônjuge sobrevivente ou qualquer parente em linha reta ou colateral até o quarto grau. Aspectos: Público – é disciplinado pelo Estado, que tem interesse na perfeita identificação das pessoas. Individual – o direito ao nome (art. 16 – prenome e sobrenome), que abrange o de usá-lo e defendê-lo contra usurpação (direito autoral) e contra exposição ao ridículo. Basta o interesse moral (vide arts. 17 e 18). Elementos do nome completo – Prenome – pode ser livremente escolhido pelos pais, desde que não exponha o filho ao ridículo (art. 55 LRP). Irmãos não podem ter o mesmo prenome, a não ser que seja duplo, estabelecendo a distinção (art. 63 LRP). O prenome pode ser simples ou composto (duplo, triplo, quádruplo, como nas famílias reais). Sobrenome ou apelido familiar ou nome – sinal que identifica a pessoa, indicando a sua filiação ou estirpe. Adquire-se-o com o nascimento, portanto não é escolhido. Mesmo que a criança seja registrada somente com o prenome, o sobrenome faz parte, por lei, de seu nome completo, podendo o escrivão lançá-lo de ofício adiante do prenome escolhido pelos pais (art. 55 LRP). Assim, o registro com indicação do sobrenome, que pode ser do pai, da mãe ou de ambos; tem caráter puramente declaratório. OBS.: 1) Filhos havidos fora do casamento – não será lançado o sobrenome do pai no registro sem que este expressamente autorize. 2) Agnome – sinal que distingue pessoas de uma mesma família (ex.: Jr., Filho, Sobrinho, Neto, etc.) Imutabilidade do nome – o prenome é imutável, admitindo-se, todavia, a sua substituição nas seguintes hipóteses (LRP e jurisprudência): Por apelidos públicos notórios Em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o MP Evidente erro gráfico Caso o nome exponha seu portador ao ridículo Tradução de nomes estrangeiros Adoção (nestes casos pode alterar o prenome e o sobrenome) Em outros casos, desde que não prejudique o prenome (que em princípio é definitivo e imutável, salvo as exceções mencionadas) e o sobrenome. OBS: 1) Procedimento administrativo x processo judicial – no primeiro ano após atingida a maioridade civil, pode o titular alterar o nome por via administrativa. Após este prazo decadencial, somente por meio de ação judicial. 2) Alteração do nome completo – o nome completo também pode sofrer alterações, como no casamento, no reconhecimento de filho, na união estável, na separação judicial e no divórcio. Estado – é a soma das qualificações da pessoa na sociedade, hábeis a produzir efeitos jurídicos. É o seu modo particular de existir. Aspectos – o estado apresenta três aspectos: Estado individual – é o modo de ser da pessoa quanto a idade, sexo, cor, altura, saúde (são ou insano e incapaz), etc. Estado familiar – é o que indica a sua situação na família, em relação ao matrimônio (solteiro, casado, etc.) e ao parentesco (pai, filho, etc.). Estado político – é a qualidade jurídica que advém da posição do indivíduo na sociedade política, podendo ser nacional (nato ou naturalizado) e estrangeiro. Características – as principais características ou atributos do estado são: Indivisibilidade – ninguém pode ser, simultaneamente, casado e solteiro, maior e menor, etc. O estado é uno e indivisível, regulamentado por normas de ordem pública. OBS: Dupla nacionalidade – é uma exceção à regra da indivisibilidade do estado. Indisponibilidade – trata-se de bem fora do comércio, sendo inalienável e irrenunciável. Isso não impede a sua mutação, diante de determinados fatos e preenchidos os requisitos legais: solteiro pode passar a casado, este pode tornar-se viúvo, etc. Imprescritibilidade – não se perde nem se adquire o estado pela prescrição. É elemento integrante da personalidade e, assim, nasce com a pessoa e com ela desaparece. Domicílio – é a sede jurídica da pessoa, onde ela se presume presente para os efeitos de direito, onde pratica habitualmente seus atos e negócios jurídicos. É o local em que responde por suas obrigações. Para o CC, domicílio é o lugar em que a pessoa estabelece a sua residência com ânimo definitivo (art. 70). São espécies de domicílio: Voluntário– Comum – fixado livremente. Especial – fixado com base no contrato, podendo ser: Do contrato – relativamente ao cumprimento de obrigações e direitos dele decorrentes (art. 78). De eleição – relativamente à competência para conhecer e julgar ações oriundas do contrato (art. 111 CPC). OBS: 1) Ação proposta no foro do domicílio do réu - a parte, se quiser, pode abrir mão do foro de eleição e demandar o réu no foro de seu domicílio. 2) Contrato de adesão – não tem se admitido foro de eleição nos contratos de adesão, salvo demonstrando-se a inexistência de prejuízo ao aderente. Necessário ou legal – é o determinado pela lei, em razão da condição ou situação de certas pessoas. Têm domicílio necessário (arts. 76 e 77): Incapaz – domicílio de seu representante legal. Servidor público – tem por domicílio o lugar em que exerce permanentemente as suas funções, não perdendo, contudo, o domicílio voluntário, se o tiver (admite-se a pluralidade domiciliar). Militar em serviço ativo – domicílio no local em que serve, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, na sede do comando a que se encontra imediatamente subordinado. Marítimo – é o local em que o navio está matriculado. Preso – o lugar em que se encontra cumprindo a sentença. Agente diplomático – se, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem domicílio no país, será demandado no Distrito Federal ou no último ponto do país onde o teve. OBS: 1) Pluralidade domiciliar – o CC admite a pluralidade domiciliar, bastando para tanto que a pessoa tenha diversas residências em que alternadamente viva (art. 71). 2) Domicílio profissional – é também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar em que esta é exercida, admitindo- se a pluralidade de domicílios profissionais, caso a pessoa exercite a profissão em diversos locais, configurando-se cada um desses locais o domicílio para as relações que lhe corresponderem. 3) Domicílio sem residência – é possível alguém ter domicílio sem residência, como os ciganos, andarilhos, caixeiros viajantes; que passam a vida em viagens e hotéis e, por isso, não têm residência habitual, considerando-se domicílio o lugar onde forem encontrados (art. 73). 4) Domicílio da pessoa jurídica – art. 75 – o domicílio da União é o DF; dos Estados e Territórios, as respectivas capitais; e do Município, o lugar onde funcione a administração municipal. O das demais pessoas jurídicas, é o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos. Diversos estabelecimentos: tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados. Administração ou Diretoria no exterior: se a administração ou a diretoria tiver sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica o lugar do estabelecimento no Brasil a que a obrigação corresponda. Direitos da personalidade – são os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária); e a sua integridade moral (honra, imagem, recato, segredo profissional e doméstico, identidade pessoal, familiar e social). Os direitos de personalidade, por não terem conteúdo econômico imediato e não se destacarem da pessoa de seu titular, distinguem-se dos direitos de ordem patrimonial, pois os direitos de personalidade são inerentes à pessoa humana, estando a ela ligados de maneira perpétua. Os direitos da personalidade não podem sofrer limitação voluntária. Características – os direitos da personalidade são: Intransmissíveis Irrenunciáveis Inalienáveis Imprescritíveis OBS: Admite-se, no entanto, o uso do direito por seu titular (ex.: cessão de direitos de imagem). O que não se admite é a transmissão, alienação do direito a terceiros. Disciplina no Código Civil – Atos de disposição do próprio corpo – salvo por exigência médica, é defeso dispor do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes, exceto na hipótese de transplante. OBS: 1) Disposição do corpo para depois da morte – é válida, com objetivo científico ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte, admitindo-se a revogação do ato de disposição a qualquer tempo (art. 14). 2) Lei 9434/97 – Transplantes – permite que a pessoa juridicamente capaz disponha gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo para fins de transplante, desde que o ato não represente risco para a sua integridade física e mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável. 3) Comercialização de órgãos – é expressamente vedada pela CF (art. 199, §4º). 4) Transexuais – pela redação do art. 13 CC, é vedada a ablação de órgãos do corpo humano realizada em transexuais, embora a norma seja razoavelmente inócua, na medida em que a legitimidade para reclamar do ato e de suas conseqüências, em juízo, seja exclusivamente do paciente, que dispõe do próprio corpo e poderá dar-se por satisfeito com o resultado. Tratamento médico de risco – ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica (art. 15). A regra obriga os médicos, nos casos mais graves, a não atuarem sem prévia autorização do paciente, que tem a prerrogativa de se recusar a se submeter a um tratamento perigoso, sob pena de responder pelo ato praticado e seu resultado. Direito ao nome – vide tópico próprio no item “Individualização da Pessoa Natural”. Proteção à palavra e à imagem – a divulgação de escritos, a transmissão da palavra ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a requerimento do autor e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama, a respeitabilidade ou se se destinarem a fins comerciais. OBS: 1) Exceção – admite-se exceção a esta regra se autorizado pelo titular, ou se necessário à administração da Justiça ou da ordem pública. 2) Morto – Legitimidade – nesta hipótese, são partes legítimas para requerer a proteção apenas o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes. Proteção à intimidade – a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a essa norma (art. 21). O dispositivo, em consonância com o art. 5º, X, CF, abrange todos os aspectos da intimidade da pessoa. Pessoa jurídica – aplica-se à pessoa jurídica, no que couber, a proteção dos direitos de personalidade (art. 52). Proteção jurídica dos direitos de personalidade – pode-se exigir que cesse a ameaça ou a lesão a direito de personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei (art. 12). OBS: Morto – Legitimidade – em se tratando de morto, terá legitimidade para a adoção das medidas cabíveis o cônjuge sobrevivente ou qualquer parente em linha reta ou colateral até o quarto grau. Ausência – Conceito de ausente – ausente é a pessoa que desaparece de seu domicílio sem deixar um representante ou procurador para administrar-lhe os bens (art. 22). OBS: Declaração de ausência x existência de procurador - também será declarada a ausência caso o procurador não queira, não possa administrar os bens ou se os seus poderes forem insuficientes. Procedimento – nos casos de ausência, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do MP, declarará a ausência e nomear-lhe-á curador. Curador – será preferenciamente o cônjuge, sempre que não esteja separado judicialmente ou de fato por mais de 2 anos antes da declaração de ausência. Na falta de cônjuge, a escolha recairá, em ordem preferencial, nos ascendentes e nos descendentes, precedendo os mais próximos aos mais remotos. Na falta de qualquer das pessoas mencionadas, o juiz nomeará curador dativo. Fases da ausência – a situação do ausente passa por três fases: Curadoria do ausente – nesta primeira fase, subseqüente ao desaparecimento, o ordenamento jurídico procura preservar os bens deixados pelo ausente, para a hipótese de seu eventual retorno. É a fase em que o curador cuida de seu patrimônio. Assim, comunicada a ausência ao juiz, este determinará a arrecadação dos bens do ausente e os entregará à administração do curador nomeado. A curadoria do ausente prolonga-se pelo período de um ano, durante o qual serão publicados editais, de dois em dois meses, convocando o ausente a reaparecer (art. 1161 CPC). Após este prazo de um ano e decorridos mais três anos sem que o ausente reapareça, tenha notícia de sua morte ou da existência de procurador, poderão os interessados requerer a abertura da sucessão provisória. Cessa a curadoria: pelo comparecimento do ausente. pela certeza da morte do ausente. pela abertura da sucessão provisória. Sucessão provisória – na segunda fase, prolongando-se a ausência, o legislador passa a preocupar-se com os interesses de seus sucessores, permitindo a abertura da sucessão provisória. Determinada a abertura da sucessão provisória por sentença, que só produzirá efeito 180 dias depois de publicada pela imprensa, os bens serão entregues aos herdeiros e legatários (se houver), procedendo-se à abertura de testamento (se houver) e ao inventário e partilha dos bens, como se o ausente fosse falecido (art. 28). Os bens serão entregues aos herdeiros em caráter provisório e condicional, de sorte que deverão prestar garantias de restituição deles, mediante penhores ou hipotecas equivalentes aos quinhões respectivos. Se não o fizerem, não serão imitidos na posse, ficando os respectivos quinhões sob a administração do curador ou de outro herdeiro designado pelo juiz e que preste dita garantia. Entretanto, os descendentes, ascendentes e o cônjuge, uma vez provada a sua qualidade de herdeiros, poderão entrar na posse dos bens do ausente independentemente de garantia (art. 30). Os imóveis do ausente só se poderão alienar ou hipotecar, quando o ordene o juiz, para lhes evitar a ruína, ressalvada a hipótese de desapropriação, que é admitida (art. 31). O descendente, o ascendente ou o cônjuge que for sucessor provisório do ausente fará seus todos os frutos e rendimentos dos bens que couberem a este; os outros sucessores deverão capitalizar metade desses frutos e rendimentos. Se o ausente aparecer, ficando provado que a ausência foi voluntária e injustificada, perderá ele em favor do sucessor a sua parte nos frutos e rendimentos (art. 33). Se o ausente aparecer ou se lhe provar a existência, depois de estabelecida a posse provisória, cessarão desde logo as vantagens dos sucessores nela imitidos, ficando obrigados a tomar medidas assecuratórias precisas até a entrega dos bens a seu dono (art. 36). Cessará a sucessão provisória pelo comparecimento do ausente. Por outro lado, converter-se-á em definitiva: quando houver certeza da morte do ausente. 10 anos depois de transitada em julgado a sentença de abertura da sucessão provisória. OBS: Não esquecer que a sentença só produz efeitos 180 dias depois de prolatada. Quando o ausente contar com 80 anos de idade e houverem decorrido 5 anos das últimas notícias suas. Sucessão definitiva – finalmente, depois de longo período de ausência, é autorizada a abertura de sucessão definitiva, nas hipóteses já mencionadas. Assim, os interessados requererão a abertura da sucessão definitiva e o levantamento das cauções prestadas. Os sucessores deixam de ser provisórios, adquirindo o domínio dos bens, mas resolúvel, porque se o ausente regressar nos 10 anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão só os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar ou o preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens alienados depois daquele tempo. Se entretanto, o ausente não regressar nestes 10 anos e nenhum interessado promover a sucessão definitiva, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal (art. 39). 3 DAS PESSOAS JURÍDICAS Teorias sobre a natureza jurídica das pessoas jurídicas – várias teorias procuram explicar esse fenômeno, pelo qual um grupo de pessoas passa a constituir uma unidade orgânica, com individualidade própria reconhecida pelo Estado e distinta das pessoas que a compõem. As teorias podem ser reunidas em dois grandes grupos: Teorias da ficção – pode ser da “ficção legal”, para a qual a pessoa jurídica constitui uma criação artificial da lei; ou da “ficção doutrinária”, para a qual a pessoa jurídica é uma criação dos juristas, da doutrina. Crítica – ambas não são aceitas e a crítica que se lhes faz é a de que o Estado é uma pessoa jurídica. Dizer-se que o Estado é uma ficção é o mesmo que dizer que o direito que dele emana também o é. Teorias da realidade – opõem-se às do primeiro grupo e dividem-se em: Teoria da realidade objetiva – sustenta que a pessoa jurídica é uma realidade sociológica, um ser com vida própria que nasce por imposição das forças sociais. Crítica – a crítica que se lhes faz é a de que os grupos sociais não têm vida própria, personalidade, que é característica do ser humano. Teoria da realidade jurídica ou institucionalista ou de Hauriou – assemelha-se à da realidade objetiva, considerando as pessoas jurídicas como organizações sociais destinadas a um serviço ou ofício, e por isso personificadas. Crítica – merece a mesma crítica feita à teoria da realidade objetiva, nada esclarecendo sobre as sociedades que se organizam sem a finalidade de prestar um serviço ou de preencher um ofício. Teoria da realidade técnica – sustenta (especialmente Ihering) que a personificação dos grupos sociais é expediente de ordem técnica, a forma encontrada pelo direito para reconhecer a existência de grupos de indivíduos que se unem na busca de fins determinados. Conceito – são entidades a que a lei empresta personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações. OBS: Patrimônio como elemento não essencial – exceto nas fundações, em que o patrimônio é essencial, nas demais pessoas jurídicas não é obrigatória a existência de patrimônio. Requisitos para a constituição da pessoa jurídica – são três: Vontade humana criadora – intenção de criar uma entidade com personalidade distinta da de seus membros. A vontade humana materializa-se no ato de constituição (estatuto, contrato social ou escritura pública / testamento, estes no caso das fundações). Observância das condições legais – instrumento particular ou público, registro, autorização ou aprovação do Governo, etc. Objeto lícito – objetos ilícitos ou nocivos constituem causa de extinção da pessoa jurídica. OBS: Patrimônio como elemento não essencial – exceto nas fundações, em que o patrimônio é essencial, nas demais pessoas jurídicas não é obrigatória a existência de patrimônio. Assim, para que a pessoa jurídica exista não é necessário que tenha patrimônio, basta-lhe a possibilidade de vir a tê-lo. Ademais, dependendo da finalidade social, a existência de patrimônio não é essencial, pois a pessoa jurídica exaurir-se independentemente da sua existência. Logo, não se deve confundir capacidade patrimonial com a existência de um patrimônio. Toda a pessoa jurídica tem capacidade patrimonial, mas não necessariamente patrimônio. Classificação da pessoa jurídica – as pessoas jurídicas podem ser classificadas da seguinte forma: Quanto a nacionalidade: Nacional – considera-se nacional a sociedade que tem sede no Brasil e organiza-se de acordo com a lei brasileira, independentemente da nacionalidade dos sócios ou da origem do capital (art. 1126). Estrangeira – quando a sociedade não tem sede no Brasil e não se organiza de acordo com as leis do nosso país, é considerada estrangeira, e seu funcionamento depende de autorização do governo federal, por meio de decreto do Presidente da República (art. 1134). Quanto a estrutura interna: Universitas personarum ou corporações – são as que tem como elemento subjacente o homem, isto é, as que se compõem pela reunião de pessoas, tais como as associações e as sociedades. Estas sociedades visam à realização de fins internos, estabelecidos pelos sócios., ou seja, seus objetivos são voltados para o bem de seus membros. O patrimônio, nestas sociedades, é um elemento secundário, pois é apenas um meio para a realização de um fim. Universitas bonorum ou fundação – são as que se constituem em torno de um patrimônio destinado a um fim, isto é, as fundações. As fundações têm objetivos externos, estabelecidos pelo instituidor, sendo certo que o seu patrimônio é elemento essencial. Quanto a órbita de sua atuação: Direito Público Externo – são os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público, a exemplo das várias nações, a Santa Sé, a ONU, etc. (art. 42) Direito Público Interno – são a União, os Estados-membros, o DF, os Territórios, os Municípios, as autarquias e as demais entidades de caráter público criadas por lei (art. 41, IV e V). Direito Privado – são pessoas jurídicas de direito privado (art. 44): Associações – são agrupamentos de indivíduos sem finalidade lucrativa, como os clubes esportivos, os centros culturais, as entidades pias, etc. Requisitos do estatuto – sob pena de nulidade, o estatuto conterá (art. 54): A denominação, os fins e a sede da associação. Os requisitos para admissão, demissão e exclusão dos associados. Os direitos e deveres dos associados. As fontes de recursos para sua manutenção. O modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos e administrativos. As condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução. Direitos do associado – os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais (art. 55). Exercício de direitos ou de função – nenhum associado poderá ser impedido de exercer direito ou função que lhe tenha sido legitimamente conferido, a não ser nos casos e pela forma previstos na lei ou no estatuto (art. 58) Transmissibilidade da condição de associado – em regra, a qualidade de associado é intransmissível, salvo se o estatuto dispuser o contrário (art. 56). OBS: Associado titular de quota ou fração ideal do patrimônio da associação – se o associado for titular de quota ou de fração ideal do patrimônio da associação, a transferência daquela não importará, de per si, ba atribuição da qualidade de associado ao adquirente ou herdeiro, salvo disposição diversa no estatuto (art. 56, § único). Exclusão do associado – a exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, obedecido o disposto no estatuto. Sendo o estatuto omisso, poderá também ocorrer se for reconhecida a existência de motivos graves, em deliberação fundamentada, pela maioria absoluta dos presentes à assembléia geral especialmente convocada para esse fim (art. 57). OBS: Recurso – da decisão do órgão que, de conformidade com o estatuto, decretar a exclusão, caberá sempre recurso à assembléia geral (art. 57, § único). Assembléia geral – é o órgão deliberativo máximo das associações. Convocação – a convocação da assembléia geral far-se-á na forma do estatuto, garantindo a 1/5 dos associados o direito de promovê-la (art. 60). Competência – compete privativamente à assembléia geral (art. 59): Eleger e destituir os administradores Aprovar as contas Alterar o estatuto. Dissolução da associação – dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais titularizadas pelos associados, será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes. Não existindo no Município, Estado, DF ou Território em que a associação tiver sede, instituição nas condições mencionadas, o que remanescer de seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do DF ou da União. Por cláusula do estatuto ou, no seu silêncio, por deliberação dos associados, podem estes, antes da destinação do remanescente já referida, receber em restituição, atualizado o respectivo valor, as contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação (art. 61 e §§). Sociedades – são agrupamentos de indivíduos com escopo de lucro. Podem ser: Sociedades simples – são as pessoas jurídicas de direito privado que têm por objeto atividades econômicas específicas distintas das de empresário (ex.: escritório de advocacia, de engenharia, etc.). O regime jurídico das associações é aplicado subsidiariamente às sociedades simples (art. 44, § único). Sociedades empresárias – são pessoas jurídicas de direito privado que têm por objeto social o desenvolvimento de uma atividade típica de empresário, isto é, atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços Fundações – as fundações constituem um acervo de bens, que recebe personalidade para a realização de fins determinados. Compõem-se de dois elementos: o patrimônio e o fim (estabelecido pelo instituidor e não lucrativo). Somente poderão constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência (a limitação, inexistente no CC 1916, visa evitar a constituição de fundações para fins menos nobres). Os bens da fundação são inalienáveis, mas a inalienabilidade não é absoluta, na medida em que comprovada a necessidade de alienação, pode ser esta autorizada pelo juiz competente, com audiência do MP, aplicando-se o produto da venda na própria fundação, em outros bens destinados à consecução de seus fins. Assim, ultimada sem autorização judicial, a alienação é nula. Mas com autorização judicial sempre pode ser feita, ainda que a inalienabilidade tenha sido imposta pelo instituidor. Constituição – a constituição das fundações passa por quatro fases: Ato de dotação ou de instituição – é o ato pelo qual o instituidor especifica os bens livres que comporão o acervo da fundação e os fins a que se destinam. Faz-se por escritura pública ou testamento. Se quiser, o instituidor poderá declarar a maneira de administrar a fundação. Elaboração dos estatutos – a elaboração pode ser direta ou própria (pelo próprio instituidor) ou fiduciária (por pessoa de sua confiança, por ele designada). Se o instituidor não elabora os estatutos, não indica quem deva faze-lo, ou ainda, se a pessoa designada não cumprir o encargo no prazo de 180 dias, o MP poderá tomar a iniciativa de elaborar os estatutos. Aprovação dos estatutos – os estatutos são encaminhados ao MP para aprovação, que verificará se: a) o objeto é lícito; b) se foram observadas as bases fixadas pelo instituidor; c) se os bens são suficientes. O MP, em 15 dias, aprovará o estatuto, indicará as modificações que entender necessárias ou lhe denegará aprovação. Nos dois últimos casos, pode o interessado requerer ao juiz o suprimento da aprovação (art. 65). O juiz, antes de suprir a aprovação, poderá também fazer modificações no estatuto, a fim de adaptá-lo aos fins pretendidos pelo instituidor (art. 1201 CPC). Qualquer alteração nos estatutos deve ser submetida ao MP, devendo-se observar os requisitos dos arts. 67 CC e 1203 CPC. Registro – indispensável o registro, que se faz no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Só com ele começa a fundação a ter existência legal. Extinção – as fundações extinguem-se em dois casos: Se a sua finalidade se tornar ilícita (nociva), impossível ou inútil. Se vencer o prazo de sua existência. Destinação dos bens na hipótese de extinção – na hipótese de extinção da fundação, o patrimônio terá o destino previsto pelo instituidor, no ato constitutivo. Se não for feita essa previsão, o art. 69 determina que seja incorporado em outra fundação (municipal, estadual ou federal – art. 61), designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante. OBS: Inexistência de outra fundação com fins iguais ou semelhantes – a lei não esclarece qual o destino do patrimônio, se não existir nenhuma fundação de fins iguais ou semelhantes. Nesse caso, entende a doutrina que os bens serão declarados vagos e passarão, então, ao Município ou ao Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal, aplicando-se por analogia o disposto no art. 1822 CC. OBS: Empresas públicas e sociedades de economia mista – sujeitam-se ao regime próprio das pessoas jurídicas de direito privado, por força do disposto no art. 173, §1º, CF. Grupos com personificação anômala, entes despersonalizados ou pessoas formais – há determinadas entidades com muitas das características das pessoas jurídicas, mas que não chegam a ganhar a sua personalidade. Constituem um simples agrupamento, sem que haja a affectio societatis, porque são formados independentemente da vontade de seus membros ou por ato jurídico que vincule um corpo de bens. Assim, faltam-lhes requisitos imprescindíveis à personificação, embora, na maioria das vezes, tenham representação processual, podendo figurar no processo como partes ativas ou passivas. São os principais: Massa falida – passa a ter existência no mundo jurídico após a sentença declaratória de falência, trazendo como conseqüência para o devedor a perda do direito à administração e disposição de seus bens. A massa falida, portanto, substitui o falido como figura eminentemente processual, embora possa agir dentro do campo que a lei estipula. É representada por um síndico, que é o administrador da massa e age processualmente por ela. Herança jacente e herança vacante – são fenômenos paralelos ao espólio. Ambas são representadas por curador. A herança será jacente quando o “de cujus” não tiver herdeiros conhecidos. Neste caso, o juiz, tomando conhecimento por qualquer meio da existência do espólio, determinará a arrecadação dos bens para evitar seu perecimento e nomeará um curador para representar a herança jacente. Feita a arrecadação, o juiz manda publicar editais convocando os eventuais herdeiros. Se após um ano da publicação do primeiro edital não aparecer nenhum herdeiro, a herança que até então era jacente será considerada vacante. Uma vez considerada vacante a herança e passados 5 anos da abertura da sucessão (morte do “de cujus”), os bens passarão ao Município. Espólio – é o conjunto de direitos e deveres pertencentes à pessoa falecida, ao de cujus. É simples massa patrimonial que permanece coesa até a atribuição dos quinhões hereditários aos herdeiros. É o inventariante quem representa o espólio. Surge com a abertura do inventário e a nomeação e compromisso do inventariante. Até que o inventariante preste compromisso, o espólio fica na administração de um “administrador provisório” (art. 985 CPC) que o representará ativa e passivamente (art. 986 CPC). Sociedade em comum – são as sociedades de fato ou irregulares. São as pessoas jurídicas que ainda não atenderam aos requisitos legais que lhes autorizam a vida jurídica regular, ou por falta o registro, que é essencial, ou por este registro ser irregular. O CPC (art. 12, VII), diz que as sociedades serão representadas no processo pela pessoa a quem couber a administração de seus bens. Assim, existindo a sociedade como realidade fática, o direito não pode abstrair todos os seus efeitos jurídicos., de forma que sem estabelecer a personalidade jurídica, o ordenamento reconhece efeitos práticos na existência dessa entidade. Nessa esteira, o art. 987 dispõe que os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente podem provar a sua existência por escrito, mas os terceiros podem prova-la de qualquer modo. O fato é que essa sociedade, enquanto não registradas, não podem regularmente adquirir direitos e assumir obrigações. Mesmo assim, se essas pessoas atuaram na esfera jurídica, não se pode negar-lhes certos efeitos jurídicos, mormente na defesa de terceiros de boa-fé. Nesse sentido, dispõe o CC (art. 990) que todos os sócios respondem, em princípio, solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. O CPC, por sua vez, também protege terceiros ao dispor que as sociedades sem personalidade jurídica, quando demandadas, não podem opor a irregularidade de sua constituição (art. 12 CPC). OBS: Lapso de tempo entre o ato constitutivo e o registro – entre o ato constitutivo e o registro pode haver um período mais ou menos longo em que a pessoa vive como sociedade em comum. Feito o registro, ela regulariza-se e ganha personalidade jurídica. Entretanto, o registro não retroage, isto é, não purifica os atos praticados durante o estágio irregular. Condomínio – entende-se por condomínio a propriedade, ao mesmo tempo e sobre o mesmo bem, de mais de um proprietário. Pode tratar-se de condomínio simples ou tradicional (arts. 1314 e ss.) ou de condomínio edilício (art. 1331 e ss.). Naquele (condomínio simples ou tradicional), não há dúvida de que não se trata de uma pessoa jurídica, já neste (condomínio edilício) há maiores pontos de contato do condomínio com a sociedade. Entretanto, não se trata de sociedade, pois falta-lhe completamente a affectio societatis: o vínculo jurídico que congrega os condôminos não é pessoal, mas real. A lei admite-lhe apenas a personalidade processual (art. 12, IX, CPC), dispondo que será representado ativa e passivamente pelo seu síndico. Desconsideração da personalidade jurídica – o ordenamento jurídico confere às pessoas jurídicas personalidade distinta da dos seus membros. Essa regra, entretanto, tem sido mal utilizada por pessoas inescrupulosas, com a intenção de prejudicar terceiros, as quais se utilizam da pessoa jurídica como uma “capa” ou “véu” para proteger os seus negócios escusos. A reação a esses abusos ocorreu no mundo todo, dando origem à teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine). O novo CC dispõe em seu art. 50 que, em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte ou do MP quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Da redação do artigo em questão verifica-se que a desconsideração da personalidade jurídica, no CC, não decorre somente do desvio dos fins estabelecidos no contrato social ou atos constitutivos, podendo o abuso consistir na confusão entre o patrimônio social e o dos sócios ou administradores. Os seus efeitos são meramente patrimoniais e sempre relativos a obrigações específicas, na medida em que a pessoa jurídica não entra em processo de liquidação. Por fim, vale destacar que o emprego da expressão “relações de obrigação” demonstra que o direito do demandante tanto pode ser fundado em contrato como em um ilícito civil (para estudo mais aprofundado do tema, ver desconsideração da personalidade jurídica em Direito Comercial). Responsabilidade civil das pessoas jurídicas – no tocante à responsabilidade civil das pessoas jurídicas, podemos subdividi-la em duas espécies: Responsabilidade contratual – é a responsabilidade que decorre de relação contratual. Assim, no que tange à responsabilidade contratual, as pessoas jurídicas de direito privado em geral, desde que se tornem inadimplentes, respondem por perdas e danos (art. 389). Entretanto, vale notar que as pessoas jurídicas de direito público têm regras próprias, previstas da Lei de Licitações (Lei 8666/93). Responsabilidade extracontratual – na esfera extracontratual, as pessoas jurídicas de direito privado respondem civilmente pelos atos causados por culpa ou dolo de seus prepostos, tenham ou não fins lucrativos (arts. 186 e 932, III). Por outro lado, por força do art. 37, §6º, CF, as pessoas jurídicas de direito público respondem, independentemente de dolo ou culpa de seus prepostos, pelos danos que causarem a terceiros. A responsabilidade é objetiva, mas na modalidade do risco administrativo (não do risco integral, em que o Estado respondem em qualquer circunstância). Assim, a vítima não tem mais o ônus de provar culpa ou dolo do funcionário, mas o Estado se exonerará da obrigação de indenizar se provar culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior ou fato exclusivo de terceiro. Veja que o preceito constitucional foi reafirmado pelo CC, que em seu art. 43 determina que as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos de seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo (SE O PROF. NÃO DER, COMPLEMENTAR O TEMA RESP. CIVIL DO ESTADO, QUE É IMPORTANTE, INCLUSIVE COM AS QUESTÕES ABORDADAS NO VOL. 1 DA SINOPSE E DO PROF. VENOSA). Transformações da pessoa jurídica – a pessoa jurídica pode passar por uma série de mutações, sem que seja extinta. A esse propósito, pontua o art. 1113 que “o ato de transformação independe da dissolução ou liquidação da sociedade, e obedecerá aos preceitos reguladores da constituição e inscrição próprios do tipo em que vai converter-se”. Embora os fenômenos ocorram mais freqüentemente com sociedades, nada impede que também associações e fundações se valham de transformação. Extinção da pessoa jurídica – termina a existência da pessoa jurídica por qualquer das seguintes causas (art. 54, VI e 1033 e s.): Convencional – por deliberação de seus membros, conforme quorum previsto nos estatutos ou na lei. Legal – em razão de motivo determinante em lei (art. 1034). Adminsitrativa – quando a constituição da pessoa jurídica depende de autorização do Poder Púbilco para funcionar e pratica ato nocivo ou contrário aos seus fins ou à lei, levando à cassação da autorização. A cassação pode ser provocada por qualquer do povo ou pelo MP. Natural – decorre da morte de seus membros, se não ficou estabelecido no ato constitutivo da pessoa jurídica que esta prosseguirá com os herdeiros. Judicial – quando se configura algum dos casos de dissolução previstos em lei ou no estatuto e a sociedade continua a existir, obrigando um dos sócios a ingressar em juízo para judicialmente extinguir a pessoa jurídica. 4 DO DOMICÍLIO Conceito – é a sede jurídica da pessoa: onde ela se presume presente para efeitos de direito, onde pratica habitualmente seus atos e negócios jurídicos, onde responde por suas obrigações. Domicílio da pessoa natural – é o lugar onde a pessoa estabelece a sua residência com ânimo definitivo (art. 70). Extraem-se, portanto, dois elementos do conceito de domicílio da pessoa natural: Elemento objetivo – é a residência. Elemento subjetivo – é o ânimo definitivo. OBS: 1) Domicílio x habitação ou moradia – enquanto o domicílio é o lugar onde a pessoa estabelece a sua residência com ânimo definitivo, a habitação ou moradia é o local que a pessoa ocupa esporadicamente (ex.: casa de praia, casa de campo, etc.). 2) Pluralidade domiciliar – como vimos, uma pessoa pode ter um só domicílio e várias residências. Pode ter também mais de um domicílio, pois o CC admite a pluralidade domiciliar. Para tanto, basta que tenha várias residências onde alternadamente viva (art. 71). 3) Domicílio profissional – é também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida (art. 72). 4) Pluralidade de domicílio profissional – se a pessoa exercitar a profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem. 5) Domicílio sem residência – é possível também alguém ter domicílio sem residência. É o caso dos ciganos e andarilhos, ou de caixeiros viajantes, que passam, a vida em viagens e hotéis e, por isso, não têm residência habitual, isto é, com ânimo definitivo. Nestes casos, considera-se domicílio o lugar em que forem encontrados (art. 73). 6) Mudança de domicílio – a mudança de domicílio caracteriza-se pelo animus ou intenção de mudar, como diz o art. 74 CC. Portanto, não é qualquer ausência de determinado local que caracterizará a mudança de domicílio. A lei exige a intenção de mudança. O par. único do art. 74 apresenta elementos objetivos para caracterizar esse animus de mudar, ao estatuir que “a prova da intenção resultará do que declarar a pessoas às municipalidades dos lugares que deixa, e para onde vai, ou, se tais declarações não fizer, da própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem”. Raramente a pessoa fará declarações às autoridades municipais, de forma que o que deve caracterizar, de fato, a mudança são os atos exteriores, visíveis, que permitem perceber que houve a transferência do domicílio. Domicílio da pessoa jurídica – União – é o Distrito Federal. Estados e Territórios – as respectivas Capitais. Municípios – o lugar onde funcione a administração municipal. Demais pessoas jurídicas de direito público ou provado – o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial nos seus atos constitutivos. OBS: 1) Pluralidade domiciliar – tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados. 2) Administração ou diretoria no exterior – se a administração ou diretoria da pessoa jurídica tiver sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por qualquer de suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder. Espécies de domicílio – o domicílio pode ser: Voluntário – é o escolhido pela parte. O domicílio voluntário pode ser: Comum – fixado livremente. Especial – fixado com base em contrato. Pode ser: Foro do contrato – nos contratos escritos, os contratantes podem especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações dele resultantes (art. 78). Foro de eleição – as partes podem eleger em contrato o foro perante o qual tramitarão todas as demandas que tenham por base o ajuste escrito. OBS: Possibilidade de demandar no foro do domicílio do réu – ainda que exista foro de eleição, se o credor preferir, pode valer-se da regra geral, demandando no domicílio do réu, pois a regra geral a este favorece. Necessário ou Legal – é o estabelecido pela lei, em razão da condição ou situação de certas pessoas. Assim, as pessoas abaixo têm o seguinte domicílio necessário: Incapaz – o de seu representante legal ou assistente. Servidor público – o local em que exerce permanentemente as suas funções, não perdendo contudo o domicílio voluntário, se o tiver (admite-se a pluralidade domiciliar). Militar em serviço ativo – o lugar onde serve, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, na sede do comando a que se encontra imediatamente subordinado. Marítimo – o local em que o navio está matriculado. Preso – o lugar em que se encontra cumprindo sentença. Agente diplomático do Brasil que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu domicílio – poderá ser demandado no DF ou no último ponto do território brasileiro em que teve domicílio. 5 DOS BENS Conceito – bens são coisas materiais ou concretas, úteis aos homens e de expressão econômica, suscetíveis de apropriação. OBS: 1) Coisa x bem – no CC 1916 não distinguia bens de coisas, ora usando a palavra coisa, ora usando o vocábulo bem. O novo CC, ao contrário, utiliza sempre a expressão bens, evitando a expressão coisa, que é conceito mais amplo do que bem. Com efeito, coisa é gênero do qual bem é espécie. A diferença específica está no fato de esta última (bem) inclui na sua compreensão a idéia de utilidade e raridade, ou seja, a de ter valor econômico. Assim, coisa é tudo que existe objetivamente, com exclusão do homem (ex.: sol, lua, animais, etc.). Já bens são coisas que, por serem úteis e raras, são suscetíveis de apropriação e contêm valor econômico. 2) Bens corpóreos e bens incorpóreos – os romanos faziam a distinção entre bens corpóreos e bens incorpóreos. Tal classificação, contudo, não foi acolhida pela nossa legislação. Bens corpóreos são os que têm existência física, material e podem ser tangidos pelo homem. Bens incorpóreos são os que têm existência abstrata, mas valor econômico, como o direito autoral, a sucessão aberta, o crédito. Os primeiros (bens corpóreos) podem ser objeto de compra e venda e os segundos (bens incorpóreos), somente de cessão. Ambos integram o patrimônio da pessoa. 3) Patrimônio – em sentido amplo, é conjunto de bens, de qualquer ordem, pertencentes à pessoa. Em sentido estrito, tal expressão abrange apenas as relações jurídicas ativas e passivas de que a pessoa é titular, aferíveis economicamente. Restringe-se, assim, aos bens avaliáveis em dinheiro, não se inserindo no conceito de patrimônio as qualidades pessoais, o conhecimento, etc., porque são considerados simples fatores de obtenção de receitas, quando utilizados para esses fins, apesar da sua lesão poder acarretar a devida reparação. 4) Coisas comuns – certas coisas, insuscetíveis de apropriação pelo homem, são chamadas de coisas comuns (ex.: o ar atmosférico, o mar, etc.). Não podem ser objeto de relação jurídica, salvo sendo possível a sua apropriação em porções limitadas, hipótese em que tornam-se objeto do direito (gases comprimidos, água fornecida pela Administração Pública, etc.). 5) Res nullius – são as coisas sem dono, porque nunca foram apropriadas (ex.: caça solta, peixes no mar, etc.), podem sê-lo, pois acham-se à disposição de quem as encontrar ou apanhar, embora essa apropriação possa ser regulamentada (ex.: leis de proteção ambiental). 6) Res derelicta – é a coisa móvel abandonada, que foi objeto de relação jurídica mas o seu titular a lançou fora, com a intenção de não mais tê-la para si. Nesse caso, pode ser apropriada por qualquer outra pessoa. Classificação – a classificação dos bens é feita segundo critérios de importância científica, pois a inclusão de um bem em determinada categoria implica a aplicação automática de regras próprias e específicas, visto que não se podem aplicar as mesmas regras a todos os bens. Bens considerados em si mesmos – sob esta ótica, podem ser: Bens móveis e imóveis – é a mais importante classificação, fundada na efetiva natureza dos bens: Bens imóveis – Conceito – para Clóvis Beviláqua, bens imóveis são as coisas que não podem ser removidas de um lugar para outro sem destruição. Esse conceito, porém, não abrange os imóveis por determinação legal. Para o CC (art. 79), bens imóveis são o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente, bem como os que a lei assim considerar (art. 80). Classificação – os bens imóveis em geral podem ser classificados da seguinte forma: Imóveis por natureza – a rigor, somente o solo, com sua superfície, subsolo e espaço aéreo, é imóvel por natureza. Tudo o mais que a ele adere deve ser classificado como imóvel por acessão. OBS: Subsolo e espaço aéreo – embora se considerem propriedade o subsolo e o espaço aéreo, tais pontos apenas se consentirão presos à propriedade na medida de sua utilização pelo proprietário do solo. A utilização do solo e do espaço aéreo não pode ser ilimitada. A lei só ampara o direito de propriedade enquanto de utilidade para o titular. Nesse sentido, o art. 1229 dispõe que “a propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las”. Imóveis por acessão natural – incluem-se nessa categoria as árvores e os frutos pendentes, bem como todos os acessórios e adjacências naturais. OBS: 1) Árvores destinadas ao corte – são considerados bens móveis por antecipação. 2) Árvores plantadas em vasos – são considerados bens móveis, porque removíveis. Imóveis por acessão artificial ou industrial – acessão significa justaposição ou aderência de uma coisa a outra. Acessão artificial ou industrial é a produzida pelo trabalho do homem. São as construções e plantações. É tudo quanto o homem incorporar permanentemente ao solo, de modo que se não possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano. Logo, nesse conceito não se incluem as construções provisórias, que se destinam a remoção ou retirada, como os circos e parques de diversões, as barracas de feiras, pavilhões, etc. Entretanto, não perdem o caráter de imóveis: a) as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local (casas pré-fabricadas); b) os materiais provisoriamente separados de um prédio para nele se reempregarem (art. 81). Imóveis por determinação legal – o art. 80 assim considera: Os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram – os direitos são bens imateriais e, destarte, não poderiam ser entendidos como coisas móveis ou imóveis. Contudo, para maior segurança das relações jurídicas, a lei considera os direitos sobre imóveis (enfiteuse, servidões, usufruto, uso, habitação, rendas constituídas sobre imóveis, penhor, anticrese e hipoteca, além da propriedade) como imóveis, e, como tal, as respectivas ações, que são a própria dinâmica desses direitos (ações de reivindicação, confessória e negatória de servidão, hipotecárias, pignoratícias, de nulidade ou rescisão de compra e venda, etc.). O direito à sucessão aberta – o direito à sucessão aberta é o complexo patrimonial transmitido pela pessoa falecida a seus herdeiros. É considerado bem imóvel, ainda que a herança seja composta apenas de móveis. Não cogita a lei das coisas que compõem a herança, porém do direito a elas. Somente com a partilha e sua homologação judicial deixa de existir a herança, passando os bens a serem encarados individualmente. A sucessão aberta abarca tanto os direitos reais como os pessoais. Dessa ficção legal deflui que a renúncia da herança é renúncia de imóvel, devendo ser feita por escritura pública ou termo nos autos, conforme art. 1806, mediante autorização do cônjuge, se o renunciante for casado. Da mesma forma, sua cessão configura transmissão de direitos imobiliários sujeita a tributação respectiva (ITBI). OBS: 1) Imóveis por acessão intelectual ou destinação do proprietário – assim eram denominados, no regime do CC 1916, aqueles bens que o proprietário imobilizava por sua vontade, mantendo-os intencionalmente empregados em sua exploração industrial, aformoseamento, ou comodidade, como as máquinas (inclusive tratores) e ferramentas, os objetos de decoração, os aparelhos de ar-condicionado, etc. No art. 79 do novo CC, entretanto, não há alusão a estes bens. A razão é que o novo CC acolhe, seguindo a doutrina moderna, o conceito de pertença, que se encontra no art. 93. 2) Imobilização de partes cujo proprietário é distinto do proprietário do solo – nem sempre a imobilização das partes que se aderem ao solo serão de propriedade do titular do domínio do solo. Habitualmente ocorre isso. Assim, pode acontecer que a semente lançada ao solo seja de proprietário diverso, assim como os materiais de construção do edifício. Nesse caso, haverá perda dos móveis em favor do proprietário do solo, com direito à indenização a quem construiu ou plantou em terreno alheio de boa-fé (art. 1254), ou sem nenhum direito em caso de má-fé. Bens móveis – Conceito – o art. 82 considera móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social. Espécies – os bens móveis dividem-se em: Propriamente ditos – são os que admitem remoção por força alheia, sem dano, como os objetos inanimados, não imobilizados por sua destinação. OBS: Navios e aviões – são bens móveis, entretanto, são imobilizados para fins de hipoteca (art. 1473, VI e VII). Semoventes – são os que se movem por força própria (ex.: animais). Classificação – os bens móveis podem ser classificados: Móveis por determinação legal – são bens incorpóreos ou imateriais que adquirem a qualidade de bens móveis por expressa previsão em lei. Estes bens estão enumerados no art. 83, a saber: As energias que tenham valor econômico. Os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes. Os direitos pessoais de caráter patrimonial e as ações correspondentes (ex.: créditos, direito de autor, etc.). Móveis por antecipação – são os bens incorporados ao solo, mas com a intenção de separá-los oportunamente e convertê-los em móveis (ex.: árvores destinadas ao corte), ou então os que, por sua ancianidade, são vendidos para fins de demolição. Importância prática da distinção entre bens móveis e imóveis – os principais efeitos práticos da distinção são: Quanto a aquisição: Móveis – são adquiridos por simples tradição, independentemente de outorga uxória. Imóveis – demandam escritura pública e registro no Cartório de Registro de Imóveis e dependem, em regra, de outorga uxória (salvo se o regime for o da separação de bens, em que a outorga uxória é dispensada). Quanto ao prazo para usucapião – a usucapião de bens imóveis exige prazos maiores do que o de bens móveis. Quanto ao direito de superfície – só os imóveis são sujeitos à concessão da superfície (art. 1369). Quanto ao direito real de garantia: Móveis – o penhor é reservado aos bens móveis. Imóveis – a hipoteca é destinada aos bens imóveis. Quanto aos efeitos tributários: Móveis – estão sujeitos ao ICMS. Imóveis – estão sujeitos ao ITBI. Bens fungíveis e infungíveis – Bens fungíveis – são os móveis que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade (art. 85), como os metais preciosos, o dinheiro, os cereais, etc. Bens infungíveis – são os que não têm o atributo de poderem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade; porque são encarados de acordo com as suas qualidades individuais, como o quadro de um pintor célebre, uma escultura famosa, etc. Importância prática da distinção entre bens fungíveis e infungíveis – os principais efeitos práticos da distinção são: Mútuo x comodato – o mútuo só recai sobre bens fungíveis, ao passo que o comodato tem por objeto bens infungíveis. Compensação – a compensação só se efetua entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis (art. 369). OBS: 1) Excepcionalidade da fungibilidade de bens imóveis – a fungibilidade é característica dos bens móveis, como menciona o art. 85. Pode ocorrer, no entanto, em certos negócios, que venha a alcançar os imóveis, como por exemplo no ajuste entre sócios de um loteamento, sobre eventual partilha em caso de desfazimento da sociedade, quando o que se retira receberá certa quantidade de lotes. Enquanto não lavrada a escritura, será ele credor de coisas determinadas apenas pela espécie, qualidade e quantidade. 2) Fungibilidade ou infungibilidade como resultado da vontade das partes – a fungibilidade ou infungibilidade resultam não só da natureza do bem, como também da vontade das partes. A moeda é um bem fungível. Determinada moeda, porém, pode tornar-se infungível para um colecionador. Da mesma forma, um boi emprestado a um vizinho para serviços de lavoura é infungível e deve ser devolvido. Se, porém, foi destinado ao corte, poderá ser substituído por outro da mesma espécie e qualidade. Como último exemplo, uma cesta de frutas é bem fungível, mas emprestada para ornamentação, transforma-se em infungível. Vale destacar, no entanto, que há autores que sustentam que não é possível que um bem infungível se torne fungível. Sustentam, pois, que a fungibilidade resulta da própria coisa, de seu sentido econômico e não físico e do número de coisas iguais encontráveis. Para esta corrente, a fungibilidade é qualidade objetiva da própria coisa e não é dada pelas partes, que não podem arbitrariamente alterar a natureza dos objetos. 3) A falta de conceituação de bem infungível no novo CC – o novo CC adotou a orientação de só conceituar o indispensável, não fazendo alusões a noções meramente negativas, como as de bens infungíveis, inconsumíveis e indivisíveis. Não é, porém, pelo fato do art. 85 só haver definido bem fungível que, por isso, deixam de existir os bens infungíveis, mesmo porque se define o bem fungível para distingui-lo do infungível. Bens consumíveis e inconsumíveis – levam em consideração o sentido econômico dos bens. Bens consumíveis – podem ser: Consumíveis de fato, natural ou materialmente consumíveis – são os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância (ex.: gêneros alimentícios). Consumíveis de direito – são os destinados à alienação (ex.: dinheiro). Bens inconsumíveis – são os que admitem uso reiterado, sem destruição de sua substância (ex.: liquidificador, batedeira, televisão, rádio, etc.). Importância prática da distinção entre bens consumíveis e inconsumíveis – os principais efeitos práticos da distinção são: Usufruto impróprio ou quase-usufruto – certos direitos não podem recair, em regra, sobre bens consumíveis. É o caso do usufruto. Quando, no entanto, tem por objeto bens consumíveis, passa a chamar-se “usufruto impróprio” ou “quase-usufruto”, sendo neste caso o usufrutuário obrigado a restituir, findo o usufruto, os que ainda existirem e, dos outros, o equivalente em gênero, qualidade e quantidade, ou, não sendo possível, o seu valor, estimado ao tempo da restituição (art. 1392, §1º). OBS: 1) Possibilidade do bem ser consumível ou inconsumível por força da vontade das partes – pode um bem consumível tornar-se inconsumível pela vontade das partes, como um comestível ou uma garrafa de bebida rara emprestados para uma exposição. 2) Possibilidade de um bem inconsumível ser consumível de direito – um bem inconsumível pode transformar-se em juridicamente consumível, como os livros (que não desaparecem pelo fato de serem utilizados) colocados à venda nas prateleiras de uma livraria. Bens divisíveis e indivisíveis – Bens divisíveis – são divisíveis os bens que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor ou prejuízo do uso a que se destinam (art. 87). São divisíveis, portanto, os bens que se podem fracionar em porções reais e distintas, formando cada qual um todo perfeito. OBS: Critério da diminuição considerável do valor – o novo CC introduziu, na indivisibilidade dos bens, o critério da diminuição considerável do valor, seguindo a melhor doutrina e por ser, socialmente, o mais defensável, no dizer da Comissão Revisora, cujo relatório adverte: “Atente-se para a hipótese de 10 pessoas herdarem um brilhante de 50 quilates, que, sem dúvida, vale muito mais do que 10 brilhantes de 5 quilates; se esse brilhante for divisível (e, a não ser pelo critério da diminuição sensível do valor, o será), qualquer dos herdeiros poderá prejudicar todos os outros, se exigir a divisão da pedra”. Bens indivisíveis – podem ser: Indivisíveis por natureza – são os que se não podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor ou prejuízo do uso a que se destinam. A indivisibilidade, nesse caso, é física ou material. Indivisíveis por determinação legal – são aqueles que a lei não admite divisão (ex.: as servidões, as hipotecas, etc.). A indivisibilidade, nessa hipótese, é jurídica. Indivisíveis por vontade das partes – são os transformados em indivisíveis por convenção das partes. Nessa caso, a indivisibilidade é convencional e o acordo tornará a coisa indivisa por prazo não superior a 5 anos, suscetível de prorrogação ulterior (art. 1320, §1º). Se a indivisão for estabelecida pelo doador ou testador, não poderá exceder de 5 anos (art. 1320, §2º). OBS: A divisão dos bens indivisíveis (condomínio) – devemos ter em mira, no entanto, que uma coisa material ou legalmente indivisível pode ser dividida em partes ideais (pro indiviso), mantendo-se as partes em condomínio, sem ocorrer a decomposição. Importância prática da distinção entre bens divisíveis e indivisíveis – os principais efeitos práticos da distinção são: Direito das obrigações – as obrigações são divisíveis ou indivisíveis, conforme a natureza das prestações; cada caso dirá se a prestação pode ser fracionada (art. 259). Condomínio – na extinção do condomínio, se divisível o bem, cada consorte receberá o seu quinhão, mas se indivisível, ante a recusa de os comunheiros adjudicarem o bem a um só deles, indenizando os demais, o bem será vendido e o preço repartido entre eles (art. 1322). Na venda, o condômino em coisa indivisível não poderá vender a sua parte sem dar direito de preferência aos demais condôminos (art. 504), obrigação que não persiste se a coisa for divisível. Bens singulares e coletivos – Bens singulares – são os bens que, embora reunidos, se consideram de per si, independentemente dos demais (art. 89). Bens coletivos – são os resultantes da união de diferentes objetos, em um só todo, sem que desapareça a condição particular de cada um. São chamados também de universais ou universalidades e abrangem as universalidades de fato e as universalidades de direito. Estas constituem um complexo de direitos ou relações jurídicas. Universalidade de fato – é a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária (ex.: rebanho, biblioteca, etc.) (art. 90). Os bens que formam a universalidade de fato podem ser objeto de relações jurídicas próprias (art. 90, § único). Universalidade de direito – é o complexo de relações jurídicas de uma pessoa, dotadas de valor econômico (ex.: herança, patrimônio, fundo de comércio, etc.). Bens reciprocamente considerados – depois de haver classificado os bens considerando-os em si mesmos, muda o legislador de ponto de vista e os separa, tendo em conta a relação entre uns e outros. Sob esta ótica, podem ser: Principal – é o bem que tem existência própria, que existe por si só, abstrata ou concretamente (ex.: solo – existe por si, concretamente, sem qualquer dependência; contratos de locação e compra e venda – existem por si só) (art. 92). Acessório – é aquele cuja existência depende do principal (ex.: árvore – é acessório porque sua existência supõe a do solo onde foi plantada; fiança e cláusula penal – são acessórios porque derivam, dependem de um contrato principal). Na grande classe dos bens acessórios compreendem-se: Produtos – são as utilidades que se retiram da coisa, diminuindo-lhe a quantidade, porque não se reproduzem periodicamente (ex.: pedras que se extraem das pedreiras, minerais que se extraem das minas, etc.). Frutos – são as utilidades que uma coisa periodicamente produz. Nascem e renascem da coisa, sem acarretar-lhe a destruição no todo ou em parte (ex.: café, cereais, frutos das árvores, leite, crias dos animais, etc.). Dividem-se: Quanto a origem: Naturais – são os que se desenvolvem e se renovam periodicamente, em virtude da força orgânica da própria natureza (ex.: frutas, leite, cria dos animais, etc.). Industriais – são os que aparecem pela mão do homem, isto é, os que surgem em razão da atuação do homem sobre a natureza (ex.: produção de uma fábrica). Civis – são os rendimentos produzidos pela coisa, em virtude de sua utilização por outrem que não o proprietário (ex.: juros, aluguéis, etc.). Quanto ao estado: Pendentes – consideram-se pendentes os frutos enquanto unidos à coisa que os produziu. Percebidos ou colhidos – consideram-se percebidos ou colhidos os frutos depois de separados da coisa que os produziu. OBS: 1) Terminologia “percebido” e “colhido” – emprega-se o temo “percebido” para os frutos civis (ex.: juros aluguéis), ao passo que se utiliza o temo “colhido” para os frutos naturais (ex.: frutas, leite, cereais). 2) Momento em que se reputam colhidos ou percebidos os frutos – os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos tão logo sejam separados; os civis reputam-se percebidos dia a dia (art. 1215). Estantes – são os frutos separados e armazenados ou acondicionados para venda. Percipiendos – são os frutos que deviam ser mas não foram colhidos ou percebidos. Consumidos – são os frutos que não existem mais porque foram utilizados. Benfeitorias – são obras ou despesas feitas na coisa, para o fim de conservá- la, melhorá-la ou embelezá-la. Portanto, são obras decorrentes da ação humana, excluindo-se da sua noção os acréscimos naturais ou cômodos, que se acrescem à coisa sem intervenção humana (art. 97). As benfeitorias podem ser: Necessárias – são as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore (ex.: reparos na coluna de um edifício). Além disso, consideram-se necessárias as benfeitorias destinadas a permitir a normal exploração econômica do bem (ex.: adubação, esgotamento de pântanos, etc.). Úteis – são as que aumentam ou facilitam o uso do bem (ex.: aumento de área de estacionamento em um edifício). Voluptuárias – são as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor (ex.: substituição de um piso comum de um edifício por mármore). OBS: 1) Necessidade de avaliação casuística para classificação – a classificação das benfeitorias em necessárias, úteis ou voluptuárias não tem caráter absoluto, dependendo de análise casuística, pois uma mesma benfeitoria pode enquadrar-se em uma ou outra espécie, dependendo das circunstâncias (ex.: uma piscina pode ser considerada benfeitoria voluptuária numa casa residencial, mas útil ou necessária numa escola de natação). 2) Benfeitorias x acessões industriais ou artificiais – as benfeitorias não se confundem com acessões industriais ou artificiais, previstas nos arts. 1253 a 1259 e que constituem construções e plantações. Benfeitorias são obras ou despesas feitas em bem já existente. As acessões industriais são obras que criam coisas novas e têm regime jurídico diverso, sendo um dos modos de aquisição da propriedade imóvel. Pertenças – o novo CC incluiu, no rol dos bens acessórios, as pertenças, ou seja, os bens móveis que, não constituindo partes integrantes (como o são os frutos, produtos e benfeitorias), estão afetados por forma duradoura ao serviço, uso ou ornamentação de outro (ex.: trator destinado a uma melhor exploração da propriedade agrícola, os objetos de decoração de uma residência, as máquinas utilizadas numa fábrica, etc.). Assim, as pertenças conservam a sua identidade e não se incorporam à coisa a que se juntam. OBS: 1) Pertença x parte integrante – pertença e parte integrante (frutos, produtos e benfeitorias) distinguem-se porque a pertença não completa a coisa, por isso a coisa principal não se altera com a sua separação. 2) Regime jurídico próprio da pertença – contrariamente ao que ocorre com as partes integrantes (frutos, produtos e benfeitorias), os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade das partes ou das circunstâncias do caso concreto (art. 94). OBS: 1) Regime jurídico dos frutos e produtos – dispõe o art. 95 que, apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico. 2) Exceções que não configuram acessórios – não se consideram bens acessórios: a pintura em relação à tela, a escultura em relação à matéria-prima e a escritura ou qualquer trabalho gráfico em relação à matéria-prima que os recebe, considerando-se o maior valor do trabalho em relação ao do bem principal (art. 1270, §2º). A regra segundo a qual o bem acessório segue o principal, aplicável somente às partes integrantes (frutos, produtos ou benfeitorias) – como a existência do acessório supõe a do principal, tem-se por conseqüência que o bem acessório segue o principal. Para que tal não ocorra, é necessário que tenha sido convencionado o contrário (ex.: venda de um veículo, convencionando-se a retirada de alguns acessórios), ou que de modo contrário estabeleça algum dispositivo legal (ex.: art. 1284, pelo qual os frutos pertencem ao dono do solo onde caíram e não ao dono da árvore). As principais conseqüências da regra são: A natureza do acessório é a mesma do principal (ex: se o solo é imóvel, a árvore a ele anexada também o é). O acessório acompanha o principal em seu destino (ex: se é extinta a obrigação principal, extingue-se também a acessória; mas o contrário não é verdadeiro). O proprietário do principal, salvo exceção legal ou convencional, é proprietário do acessório (como corolário da acessoriedade, presume-se que o proprietário do principal seja também dono do acessório, embora essa presunção admita prova em contrário – ex: art. 1232) Bens quanto ao titular do domínio – podem ser: Bens públicos – são os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno (art. 98). Os bens públicos podem ser classificados segundo a sua destinação, da seguinte forma: Bens de uso comum do povo – são os que podem ser utilizados por qualquer um do povo, sem formalidades (ex.: rios, mares, estradas, ruas, praças, etc.). Não perdem essa característica se o Poder Público regulamentar o seu uso, ou torná-lo oneroso (ex.: instituição de pedágio nas rodovias) (art. 103). A Administração pode também restringir ou vedar o seu uso, em razão da segurança nacional ou de interesse público (ex.:interdição de rodovia, proibição de trânsito em determinado local, etc.). O povo somente tem o direito de usar tais bens, mas não tem o seu domínio. O domínio pertence à pessoa jurídica de direito público. Mas é um domínio com características especiais, que lhe confere a guarda, administração e fiscalização dos referidos bens, podendo ainda reivindicá-los. Segundo alguns autores, não haveria propriamente um direito de propriedade, mas um poder de gestão. Bens de uso especial – são os que se destinam especialmente à execução dos serviços públicos (ex.: edifícios em que se encontram instaladas as repartições públicas, escolas, secretarias, ministérios, etc.). São utilizados exclusivamente pelo Poder Público. Assim, distinguem-se dos bens de uso comum do povo porque o Poder Público não tem apenas a titularidade, mas também a sua utilização. Seu uso pelos particulares é regulamentado, e a Administração tanto pode permitir que os interessados ingressem em suas dependências, como proibir. Bens dominicais – são os que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades (art. 99, III). Sobre eles o Poder Público exerce poderes de proprietário (ex.: terras devolutas, estradas de ferro, oficinas e fazendas pertencentes ao Estado, etc.). Se nenhuma lei houvesse estabelecido normas especiais sobre esta categoria de bens, seu regime jurídico seria o mesmo que decorre do CC para os bens pertencentes aos particulares, pois enquanto os bens de uso comum e de uso especial são bens do domínio público do Estado, os dominicais são do domínio privado do Estado. OBS: Art. 99, § único – não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado. OBS: 1) Característica dos bens de uso comum do povo e dos bens de uso especial – inalienabilidade – os bens de uso comum do povo e os de uso especial apresentam a característica da inalienabilidade e, como conseqüência desta, a imprescritibilidade, a impenhorabilidade e a impossibilidade de oneração. Mas a inalienabilidade não é absoluta, a não ser com relação àqueles bens que, por sua própria natureza, são insuscetíveis de valoração patrimonial, como os mares, as praias, os rios, etc. Os suscetíveis de valoração patrimonial podem perder a inalienabilidade que lhes é peculiar pela desafetação (na forma que a lei determinar – art. 100) 2) Característica dos bens dominicais – alienabilidade – os bens dominicais, por sua vez, não estado afetados a finalidade pública específica, podem ser alienados por meio de institutos de direito privado ou de direito público, observadas as exigências da lei (art. 101). Contudo, a alienabilidade não é absoluta, porque podem perdê-la pelo instituto da afetação (ato ou fato pelo qual um bem passa da categoria de bem do domínio privado do Estado para a categoria de bem do domínio público). 3) Impossibilidade de se usucapir qualquer espécie de bem público – nenhum bem público, nem mesmo o dominical, está sujeito a usucapião (art. 102 e Súmula 340 STF). Bens particulares – são definidos por exclusão pelo art. 98: “todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”. Bens quanto a possibilidade de serem ou não comercializados – embora o novo CC não tenha dedicado um capítulo aos bens que estão fora do comércio, como o fizera o CC 1916 no seu art. 69, encontram-se nessa situação: Bens naturalmente indisponíveis – são aqueles insuscetíveis de apropriação pelo homem (ex.: a totalidade do ar atmosférico, as águas dos mares, o sol, etc.). Bens legalmente indisponíveis – são aqueles que normalmente poderiam ser alienados, mas a lei proíbe (ex.: bens públicos de uso comum do povo, os bens públicos de uso especial, os bens de incapazes, etc.). Além destes, incluem-se na categoria de legalmente indisponíveis os direitos de personalidade, preservados em respeito à dignidade humana, como a liberdade, a honra, a vida, etc (art. 11), bem como os órgãos do corpo humano, cuja comercialização é expressamente vedada pela CF (art. 199, §4º). Bens indisponíveis pela vontade humana – são aqueles bens aos quais se apõe a cláusula de inalienabilidade, em virtude de doações ou testamentos. Ninguém pode gravar os próprios bens; só nos atos de disposição mencionados (doação e testamento) o interessado poderá gravá-los. Prescreve o art. 1911 que a cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade (vide também Súmula 49 STF). OBS: 1) Limite temporal da cláusula de inalienabilidade – essa cláusula tem como limite temporal a vida do herdeiro ou do donatário; não pode ultrapassar esse lapso, mas pode ser fixada para tempo menor. 2) Exigência de justa causa para estabelecimento de cláusula de inalienabilidade sobre a legítima – é uma novidade do novo CC e tem como objetivo evitar abusos, exigindo que o testador decline expressamente a justa causa para a decisão de gravar os bens com a cláusula de inalienabilidade (art. 1848). 3) Exceções em que não é respeitada a cláusula de inalienabilidade – a alienação dos bens gravados com cláusula de inalienabilidade só é admitida nos casos de desapropriação, hipótese em que o quantum da indenização fica sub-rogado na cláusula até que os interessados adquiram novo bem que ficará clausulado; no caso de execução de dívidas referentes ao próprio bem (ex.: tributárias, condomínio, etc.), hipótese em que, se houver saldo na alienação judicial, este ficará sub-rogado na cláusula; e, finalmente, mediante autorização judicial e havendo justa causa, podem ser alienados os bens gravados, convertendo-se o produto em outros bens, que ficarão sub-rogados no ônus da inalienabilidade (art. 1848, §1º e 1911, § único). OBS: Bem de família – não mais consta da Parte Geral, como constava do CC 1916. Agora, no novo CC, é tratado no Livro IV, Do Direito de Família, arts. 1711 a 1722 (ver Venosa, vol. I, pg. 345 a 364). 6 DOS FATOS JURÍDICOS Conceito – fato jurídico é todo acontecimento da vida relevante para o direito, mesmo que seja ilícito. Os fatos jurídicos em sentido amplo podem ser classificados em: Fatos naturais (fatos jurídicos em sentido estrito) – são os fatos que decorrem da natureza. Dividem-se em: Ordinários – nascimento, morte, maioridade, decurso do tempo, etc. Extraordinários – terremoto, raio, tempestade e outros fatos que se enquadram na categoria do fortuito ou força maior. Fatos humanos (atos jurídicos em sentido amplo) – são os fatos que decorrem da atividade humana. Assim, são as ações humanas que criam, modificam, transferem ou extinguem direitos, dividindo-se em: Lícitos – são os atos humanos a que a lei defere os efeitos almejados pelo agente. Praticados em conformidade com o ordenamento jurídico, produzem efeitos jurídicos voluntários, queridos pelo agente. Dividem-se em: Ato jurídico em sentido estrito ou meramente lícito – no ato jurídico em sentido estrito, o efeito da manifestação da vontade está predeterminado na lei, não havendo, por isso, qualquer dose de escolha da categoria jurídica (ex.: notificação que constitui em mora o devedor, reconhecimento de filho, tradição, percepção de frutos, uso de algum bem, etc.). Assim, com a prática do ato jurídico em sentido estrito não se cria nada de novo, apenas se obtém o efeito que já está previsto em lei. É sempre unilateral porque se aperfeiçoa com uma única manifestação de vontade. De modo geral, no ato jurídico o destinatário da manifestação da vontade a ela não adere, como na notificação, por exemplo. Às vezes, nem existe destinatário, como na transferência de domicílio. É, também, potestativo porque permite que o agente interfira na esfera jurídica de outra pessoa sem que esta possa impedir. A ação humana se baseia não numa vontade qualificada, mas em simples intenção (ex.: alguém fisga um peixe, dele se tornando proprietário graças ao instituto da ocupação – o ato material dessa captura não demanda a vontade qualificada que se exige para a formação de um contrato). Por esta razão, nem todos os princípios do negócio jurídico, como os vícios do consentimento e as regras sobre nulidade e anulabilidade, aplicam-se aos atos jurídicos em sentido estrito. Dessa forma, um garoto de sete anos de idade torna-se proprietário dos peixes que pesca, pois a incapacidade, no caso, não acarreta nulidade ou anulação, ao contrário do que sucederia se essa mesma pessoa celebrasse um contrato de compra e venda. Isto porque, na hipótese de ocupação, a vontade exigida pela lei não é a vontade qualificada, necessária para a realização do contrato; basta simples intenção de tornar-se proprietário da res nullius, que é o peixe, e essa intenção podem tê-la todos os que possuem consciência dos atos que praticam. Verifica-se, assim, que o ato jurídico é menos rico de conteúdo e pobre na criação de efeitos. Não constitui exercício da autonomia privada e a sua satisfação somente se concretiza pelos modos determinados na lei. Negócio jurídico – no negócio jurídico, a ação humana visa diretamente a alcançar um fim prático permitido na lei (ex.: compra e venda de um bem), dentre a multiplicidade de efeitos possíveis, ou seja, permite a criação de situações jurídicas novas. Por essa razão, é necessária uma vontade qualificada, sem vícios. Fundamentalmente, o negócio jurídico consiste na manifestação de vontade que busca produzir determinado efeito jurídico permitido pela lei. Em regra, é bilateral, mas há exceções, isto é, negócios jurídicos unilaterais, que se aperfeiçoam com uma única manifestação de vontade e permitem a obtenção de múltiplos efeitos (ex.: testamento, instituição de fundação, renúncia de herança, etc. A doação não é unilateral, mas sim bilateral, pois depende da aceitação do donatário). No negócio jurídico há uma composição de interesses, um regramento geralmente bilateral de condutas, como ocorre na celebração de contratos. A manifestação da vontade tem finalidade negocial, que em geral é criar, adquirir, transferir, modificar, extinguir direitos, etc. Ato-fato jurídico ou fato jurídico em sentido estrito – ao contrário do que ocorre nos dois primeiros (ato jurídico em sentido estrito e negócio jurídico), em que se exige uma manifestação de vontade, no ato-fato jurídico não se leva em consideração a vontade do agente. O ato-fato jurídico é um fato jurídico qualificado pela ação humana. Nesse caso, é irrelevante para o direito se a pessoa teve ou não a intenção de praticá-lo. O que se leva em conta é o efeito resultante do ato que pode ter repercussão jurídica. Muitas vezes o efeito do ato não é buscado nem imaginado pelo agente, mas decorre de uma conduta e é sancionado pela lei, como a pessoa que acha casualmente um tesouro. A conduta do agente não tinha por fim imediato adquirir-lhe a metade, mas tal acaba ocorrendo por força do disposto no art. 1264, ainda que se trate de um louco. É que há certas ações humanas que a lei encara como fatos, sem levar em consideração a vontade, a intenção ou a consciência do agente, demandando apenas o ato material de achar. Assim, o louco, pelo simples achado do tesouro, torna-se proprietário de parte dele. Essas ações são denominadas pela doutrina atos-fatos jurídicos ou fatos jurídicos em sentido estrito. No ato-fato jurídico ressalta-se a conseqüência do ato, o fato resultante, sem se levar em conta a vontade praticá-lo. Ilícitos – os ilícitos, por serem praticados em desacordo com o prescrito no ordenamento jurídico, repercutem na esfera do direito, produzindo efeitos jurídicos involuntários, impostos por esse ordenamento. Em vez de direitos, geram obrigações (ex.: obrigação de reparar o dano – art. 927). Logo, modernamente, admite-se que integrem a categoria dos atos jurídicos pelos efeitos que produzem. OBS: Os atos jurídicos e os negócios jurídicos no novo CC – o novo CC substituiu a expressão genérica “ato jurídico”, que se encontrava no CC 1916, pela designação específica “negócio jurídico”, porque somente este é rico em conteúdo e justifica uma pormenorizada regulamentação, aplicando-se-lhes os preceitos constantes do Livro III. E, com relação aos atos jurídicos lícitos que não sejam negócios jurídicos, abriu-lhes um título, com artigo único (Título II, art. 185), em que se determina que se lhes apliquem, no que couber, as disposições disciplinadoras do negócio jurídico. O negócio jurídico – Elementos – Essenciais – alguns elementos do negócio jurídico podem ser chamados de essenciais porque constituem requisitos de existência e de validade do negócio jurídico, a saber: Requisitos de existência – são os elementos estruturais do negócio jurídico, não havendo uniformidade na sua enumeração pela doutrina. Faltando qualquer deles, o negócio não existe. São eles: Manifestação de vontade – a vontade é pressuposto básico do negócio jurídico e é imprescindível que se exteriorize. A manifestação da vontade pode ser: Expressa – é a palavra escrita ou falada, gestos, mímica, etc. Tácita – é a que se infere da conduta do agente. OBS: 1) Manifestação de vontade nos contratos – nos contratos, a manifestação de vontade pode ser tácita, quando a lei não exigir que seja expressa. 2) Silêncio – dispõe o art. 111 que “o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”. Portanto, o silêncio pode ser interpretado como manifestação tácita da vontade quando a lei der a ele tal efeito (ex.: doação pura – art. 539, mandato – art. 659), ou quando tal efeito ficar convencionado em contrato, ou ainda, resultar dos usos e costumes (art. 432). 3) Reserva mental – prescreve o art. 110 que “a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”. Ocorre a reserva mental quando um dos declarantes oculta a sua verdadeira intenção, isto é, quando não quer um efeito jurídico que declara querer. Tem por objetivo enganar o outro contratante ou declaratário. Se este, entretanto, não soube da reserva, o ato subsiste e produz os efeitos que o declarante não desejava. A reserva, isto é, o que se passa na mente do declarante é indiferente ao mundo jurídico e irrelevante no que se refere à validade e eficácia do negócio jurídico. Se o declaratário conhece a reserva, a solução é outra. No sistema do atual CC, configura-se hipótese de ausência de vontade, considerando-se inexistente o negócio jurídico. 4) Princípio da Autonomia da Vontade – pelo tradicional Princípio da Autonomia da Vontade, as pessoas têm liberdade de, em conformidade com a lei, celebrar negócios jurídicos, criando direitos e contraindo obrigações. Esse princípio sofre algumas limitações pelo Princípio da Supremacia da Ordem Pública, pois muitas vezes, em nome da ordem pública e do interesse social, o Estado interfere nas manifestações de vontade, especialmente para evitar a opressão dos economicamente mais fortes sobre os mais fracos. Em nome desse princípio surgiram diversas leis: Lei do Inquilinato, Lei da Economia Popular, CDC, etc. 5) Princípio da Obrigatoriedade dos Contratos (pacta sunt servanda) – a vontade, uma vez manifestada, obriga o contratante. Esse princípio é o da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda) e significa que o contrato faz lei entre as partes, não podendo ser modificado pelo Judiciário. Destina-se, também, a dar segurança aos negócios em geral. Opõe-se a ele o Princípio da Revisão dos Contratos ou da Onerosidade Excessiva, baseado na cláusula rebus sic stantibus e na teoria da imprevisão, e que autoriza o recurso ao Judiciário para se pleitear a revisão dos contratos, ante a ocorrência de fatos extraordinários e imprevisíveis. Finalidade negocial – a finalidade negocial ou jurídica é a vontade de criar, conservar, modificar ou extinguir direitos. Sem essa intenção, a manifestação de vontade pode desencadear determinado efeito, preestabelecido no ordenamento jurídico, praticando o agente, então, um ato jurídico em sentido estrito e não um negócio jurídico. Com efeito, a existência do negócio jurídico depende da manifestação de vontade com finalidade negocial, isto é, com a finalidade de produzir os efeitos jurídicos mencionados. Idoneidade do objeto – a idoneidade do objeto é necessária para a realização do negócio que se tem em vista. Assim, se a intenção é celebrar um contrato de mútuo, a manifestação de vontade deve recair sobre coisa fungível. No comodato, o objeto deve ser coisa infungível. Para a constituição de uma hipoteca, é necessário que o bem dado em garantia seja imóvel, navio ou avião, pois os demais bens são inidôneos para a celebração de tal negócio. Requisitos de validade – são os requisitos para que o negócio jurídico seja válido. Os requisitos de validade podem ser de caráter geral ou específico: Requisitos de validade de caráter geral – são aqueles comuns a todo e qualquer negócio jurídico. Sem qualquer destes requisitos, o negócio jurídico não é válido, independentemente de qual seja o negócio. São eles (art. 104, I a III): Capacidade do agente (condição subjetiva) – a capacidade do agente é a aptidão para intervir em negócios jurídicos como declarante ou declaratário. A capacidade aqui é a de fato ou de exercício de direito, necessária para a prática dos atos da vida civil. Esta incapacidade é suprida pelos meios legais: a representação e a assistência (art. 1634, V). Os absolutamente incapazes não participam do ato, sendo representados pelos pais, tutores ou curadores. Já os relativamente incapazes participa, do ato, junto com os referidos representantes, que assim os assistem. OBS: Incapacidade x falta de legitimação – a incapacidade não se confunde com a falta de legitimação. Enquanto aquela é a inaptidão para exercer os atos da vida civil, a falta de legitimação é a incapacidade para a prática de determinados atos. O ascendente não estará legitimado a vender bens a um descendente enquanto não obtiver o consentimento do seu cônjuge e dos demais descendentes (art. 496), embora não seja um incapaz, genericamente, para realizar negócios jurídicos. A proibição imposta ao tutor de adquirir bens do pupilo, mesmo em hasta pública, cria um impedimento ou falta de legitimação que não importa em incapacidade genérica. Objeto lícito, possível, determinado ou determinável – Objeto lícito – a validade do negócio jurídico requer, ainda, objeto lícito, que é aquele que não atenta contra a lei, a moral ou os bons costumes. Quando o objeto do contrato é imoral, os tribunais por vezes aplicam o princípio de direito de que ninguém pode valer-se da própria torpeza, também aplicado pelo legislador, por exemplo, no art. 150, que reprime o dolo ou torpeza bilateral. Objeto possível – o objeto deve ser, também, possível. Quando impossível, o negócio é nulo. A impossibilidade do objeto pode ser: Impossibilidade física – é a que emana de leis físicas ou naturais. Deve ser absoluta, isto é, atingir a todos, indistintamente. A impossibilidade relativa, que atinge o devedor mas não outras pessoas não constitui obstáculo ao negócio jurídico (art. 106). Impossibilidade jurídica – a impossibilidade jurídica do objeto ocorre quando o ordenamento jurídico proíbe, expressamente, negócios a respeito de determinado bem (ex.: herança de pessoa viva – art. 426, alguns bens fora do comércio, etc.). Objeto determinado ou determinável – o objeto do negócio jurídico deve ser, também, determinado ou determinável (indeterminado relativamente ou suscetível de determinação no momento da execução). Admite-se, assim, a venda de coisa incerta, indicada ao menos pelo gênero e pela quantidade (art. 243), que será determinada pela escolha; bem como a venda alternativa, cuja indeterminação cessa com a concentração (art. 252). Forma prescrita ou não defesa em lei – o terceiro requisito de validade do negócio jurídico é a forma, que deve ser prescrita ou não defesa em lei. Em regra, a forma é livre (art. 107). As partes podem celebrar o contrato por escrito público ou particular, ou verbalmente, a não ser nos casos em que a lei, para dar maior segurança e seriedade ao negócio, exija a forma escrita, pública ou particular. É nulo o negócio jurídico quando não revestir a forma prescrita em lei ou for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade (art. 166, IV e V). Em alguns casos, a lei reclama também a publicidade, mediante o sistema de Registros Públicos (art. 221). Podem ser distinguidas as seguintes espécies de formas: Forma livre, especial e contratual: Forma livre – é a predominante no direito brasileiro. É qualquer meio de manifestação da vontade, não imposto obrigatoriamente pela lei (palavra escrita ou falada, escrito público ou particular, gestos, mímicas, etc.). Forma especial ou solene – é a exigida pela lei, como requisito de validade de determinados negócios jurídicos. Em regra, a exigência de que o ato seja praticado com observância de determinada solenidade tem por finalidade assegurar a autenticidade dos negócios e garantir a livre manifestação da vontade, demonstrar a seriedade do ato e facilitar a sua prova. A forma especial ou solene pode ser: Forma única – é a que, por lei, não pode ser substituída por outra (ex.: art. 108, que considera a escritura pública essencial à validade das alienações imobiliárias, não dispondo a lei em contrário; art. 1964, que autoriza a deserdação somente por meio de testamento; os arts. 1535 e 1536, que estabelecem formalidades para o casamento, etc.). Forma múltipla ou plural – diz-se quando o ato é solene mas a lei permite a formalização do negócio por diversos modos, podendo o interessado optar validamente por qualquer um deles (ex.: art. 1609 – o reconhecimento voluntário dos filhos, que pode ser feito de quatro modos; art. 842 – a transação, que pode efetuar-se por termo nos autos ou escritura pública; art. 62 – a instituição de uma fundação, que pode ocorrer por escritura pública ou por testamento; art. 1806 – a renúncia da herança, que pode ser feita por escritura pública ou termo judicial; etc). Forma contratual – é a convencionada pelas partes. O art. 109 dispõe que, no “negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato”. Os contratantes podem, portanto, mediante convenção, determinar que o instrumento público torne-se necessário para a validade do negócio. Forma “ad solemnitatem” e “ad probationem tantum”: Ad solemnitatem – diz-se que a forma é ad solemnitatem quando é da substância do ato, indispensável para que a vontade produza efeitos (ex.: art. 108 – escritura pública na alienação de imóveis, art. 1609 – modos de reconhecimento de filhos; etc.). Ad probationem tantum – diz-se que a forma é ad probationem tantum quando destina-se a facilitar a prova do ato. Exemplo clássico é a lavratura do assento de casamento no livro de registro (art. 1536), pois destina-se a facilitar a prova do casamento, embora não seja essencial à sua validade. Requisitos de validade de caráter específico – são aqueles pertinentes a determinado negócio jurídico específico (ex.: na compra e venda, são elementos essenciais a coisa, o preço e o consentimento). Acidentais – outros elementos são chamados de acidentais porque não exigidos pela lei, mas introduzidos pela vontade das partes. Assim, além dos elementos essenciais, que constituem requisitos de existência e validade do negócio jurídico, pode este conter outros elementos meramente acidentais, introduzidos facultativamente pela vontade das partes, não necessários à essência do negócio. Uma vez convencionados, passam porém a integrá-lo, de forma indissociável, constituindo requisitos de eficácia do negócio. São eles (a enumeração não é taxativa, porque muitos outros elementos acessórios podem ser apostos ao negócio jurídico, segundo a conveniência das partes e necessidade do mundo jurídico): Condição – é a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto (art. 121). OBS: Importância da expressão “derivando exclusivamente da vontade das partes” – a expressão “derivando exclusivamente da vontade das partes” afasta do terreno das condições em sentido técnico as condições impostas pela lei. Não foi repetido no novo CC o art. 117 do CC 1916, que dispunha que “não se considera condição a cláusula que não derive, exclusivamente, da vontade das partes, mas decorra, necessariamente, da natureza do direito a que acede”. Enfatizava o dispositivo que a condição deve derivar da vontade das partes. Como vimos, este aspecto foi incluído na própria definição de condição no novo CC (art. 121). A condição deve ser proposta por um dos contraentes e aceita pelo outro. É esse justamente o sentido (Clóvis Beviláqua tece o seguinte exemplo: alugo uma casa se o locador me garantir o seu uso pacífico, durante o tempo do contrato – aqui, não se trata de condição, mas de obrigação inerente ao contrato de locação). Requisitos – são requisitos da condição: Futuridade – não se considera condição o fato passado ou presente, mas somente o futuro. Incerteza – o evento a que se subordina o negócio deve ser incerto. Se for certo, como a morte por exemplo, não haverá condição, mas sim termo. Espécies – há várias espécies de condições que podem ser classificadas: Quanto à licitude: Lícitas – dispõe o art. 122 que são lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes. Ilícitas – a contrario sensu, serão ilícitas todas as que atentarem contra proibição expressa ou implícita do ordenamento jurídico, a moral ou os bons costumes (vide tópico acerca de condições ilícitas abaixo). Quanto à possibilidade: Possíveis – são as que podem ser cumpridas. Impossíveis – estas podem ser: Fisicamente impossíveis – são as que não podem ser cumpridas por nenhum ser humano (ex.: colocar toda a água de um oceano num copo). Não se consideram fisicamente impossíveis se a impossibilidade não atingir a toda e qualquer pessoa, indistintamente. Juridicamente impossíveis – é a que esbarra em proibição expressa do ordenamento jurídico, ou fere a moral e os bons costumes (ex.: adotar pessoa da mesma idade, realizar negócio que tenha por objeto herança de pessoa viva, etc.). Quanto à fonte de onde promanam: Causais – são as que dependem do acaso, do fortuito, de fato alheio à vontade das partes (ex.: dar-te-ei tal quantia se chover amanhã). Potestativas – são as que decorrem da vontade de uma das partes. Podem ser: Puramente potestativas – são as que sujeitam todo o efeito do ato ao puro arbítrio de uma das partes, sem a influência de qualquer fato externo (ex.: se eu quiser, se eu entender conveniente, se eu assim decidir, etc.). É uma condição ilícita (art. 122). Simplesmente potestativas – dependem não só da manifestação de vontade de uma das partes como também de algum acontecimento ou circunstância exterior que escapa ao seu controle (ex.: se eu viajar a tal lugar, se eu vender a minha casa, etc.). Estas condições não são consideradas ilícitas. Mistas – são as condições que dependem simultaneamente da vontade de uma das partes e da vontade de um terceiro (ex.: dar-te-ei tal quantia se casares com fulano, se constituíres sociedade com beltrano, se for eleito deputado, etc.). Quanto ao modo de atuação: Suspensiva – impede que o ato produza efeitos até a realização do evento futuro e incerto (ex.: dar-te-ei tal bem se lograres tal feito). Assim, não se terá adquirido o direito enquanto não se verificar a condição suspensiva (art. 125). O titular tem apenas situação jurídica condicional, mera expectativa de direito. Verificada a condição suspensiva, o direito é adquirido. OBS: 1) Princípio da Retroatividade das Condições – a retroatividade ou irretroatividade das condições é um tema bastante controvertido na doutrina. Prescreve o art. 126 que “se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis” (ex.: doação sob condição suspensiva e posterior oferecimento do bem em penhor a terceiro pelo donatário – realizada a condição, extingue-se o penhor). Assim, com o implemento da condição, os seus efeitos retroagem à data do negócio, maculando todo o negócio jurídico posterior que seja incompatível com a condição. Este princípio vem reafirmado no art. 1359: “resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha”. Quem adquire domínio resolúvel está assumindo um risco, não podendo alegar prejuízo se advier a resolução. Em regra, extinguem- se os direitos constituídos pendente conditione, valendo apenas os atos de administração, bem como os de percepção de frutos (art. 1214 e s.). A retroatividade da condição suspensiva não é aplicável, contudo, aos direitos reais, uma vez que só há transferência do domínio após a entrega do objeto sobre o qual versam ou após o registro da escritura. Na verdade, vê-se que os efeitos das condições são relativamente retroativos, pois respeitam todos os atos de gestão feitos na pendência da cláusula que não interfiram no cumprimento da prestação dele decorrente, e invalidam, por outro lado, todos os atos de disposição que sejam incompatíveis com o cumprimento da obrigação, uma vez implementada a condição. 2) Transmissibilidade da condição e impossibilidade de resilição/retratação – vale lembrar que o ato sob condição suspensiva está formado, perfeito. Já não podem as partes retratar- se, porque o vínculo derivado da manifestação de vontade está estabelecido. Desse modo, o direito condicional, desde que o negócio jurídico não seja intuitu personae, é transmissível, inter vivos e causa mortis, mas é transmissível com a característica de direito condicional, pois ninguém pode transferir mais direitos do que tem. Resolutiva – é a que extingue, resolve o direito transmitido pelo negócio, ocorrido o evento futuro e incerto (ex.: o beneficiário da doação, depois de recebido o bem, casa-se com a pessoa que o doador proibira, tendo este conferido ao eventual casamento o caráter de condição resolutiva). Em outras palavras, é a condição cujo implemento faz cessar os efeitos do ato ou negócio jurídico. Logo, até que seja implementada a condição, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde o momento deste o direito por ele estabelecido (art. 127). OBS: 1) Condição resolutiva e negócio jurídico de execução continuada ou periódica – o art. 128 deixa claro que, o implemento da condição resolutiva, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, que se reputam válidos para todos os fins e efeitos de direito, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme os ditames da boa-fé. 2) A “cláusula resolutiva tácita” – a condição resolutiva pode ser expressa ou tácita. O atual CC suprimiu a referência que o § único do art. 119 do CC 1916 fazia à condição resolutiva tácita, por não se tratar propriamente de condição em sentido técnico, considerando-se que esta só se configura se aposta ao negócio jurídico. E a denominada condição resolutiva expressa – que é, juridicamente, condição – opera, como qualquer outra condição em sentido técnico, de pleno direito. No entanto, em qualquer caso, a resolução precisa ser judicialmente pronunciada (em sentido contrário, Venosa sustenta que se houver cláusula resolutiva expressa, não há necessidade de pronunciamento judicial para a resolução do contrato, tampouco notificação ou interpelação). A regra do CC 1916, contudo, foi repetida pelo art. 475, pelo qual em todos os contratos bilaterais ou sinalagmáticos presume-se a existência de uma cláusula resolutiva tácita, que não é propriamente condição e depende de interpelação, sendo denominada conditiones juris. OBS: Possibilidade do titular do direito sob condição suspensiva ou resolutiva praticar atos destinados a conservar o seu direito – o CC estatui em seu art. 130 que “ao titular do direito eventual, no caso de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo”. Nessa hipótese, pode o titular desse direito, sob condição suspensiva geralmente mas também sob condição resolutiva, lançar mão das medidas processuais necessárias para fazer valê-lo no futuro. No caso de medida cautelar, parece que nesta hipótese, o prazo de 30 dias para a propositura da ação principal deve ser sobrestado até o implemento da condição, ou melhor, até 30 dias após o implemento da condição ou sua frustração. Quanto ao estado: Pendente – a condição encontra-se pendente enquanto não se verifica o evento futuro e incerto. Implementada – diz-se implementada a condição quando se verifica a ocorrência do evento futuro e incerto, isto é, quando o evento efetivamente ocorre. Frustrada – diz-se frustrada a condição quando não se verifica a ocorrência do evento futuro e incerto, ou seja, quando o evento definitivamente não tem mais a possibilidade de ocorrer. Condições que invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados e condições que se reputam não escritas – Condições que invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados – se pactuada qualquer das condições abaixo, tanto a condição como o negócio jurídico serão nulos: Condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas – consideram-se impossíveis as condições que violam as leis naturais ou o direito expresso. No primeiro caso, dizem-se fisicamente impossíveis; no segundo, juridicamente impossíveis. Estas, quando suspensivas, são inválidas, assim como os negócios jurídicos que lhes são subordinados. Condições ilícitas ou de fazer coisa ilícita – o CC considera ilícitas as seguintes condições (art. 122), tornando-as inválidas e anulando também o negócio jurídico a que são subordinadas (art. 123, II): Condições contrárias ordenamento jurídico, a moral ou os bons costumes - serão ilícitas todas as que atentarem contra proibição expressa ou implícita do ordenamento jurídico, a moral ou os bons costumes (ex.: cláusula que obriga alguém a mudar de religião, por contrariar a liberdade de credo assegurada pela CF; cláusula que obriga alguém a entregar-se à prostituição, etc.). Em geral, as cláusulas que afetam a liberdade das pessoas só são consideradas ilícitas quando absolutas, como a que proíbe o casamento ou exige a conservação do estado de viuvez. Sendo relativas, como a de se casar ou de não se casar com determinada pessoa, não se reputam proibidas. Condições perplexas - são as que privam de todo efeito o negócio jurídico. Neste caso, há uma impossibilidade lógica. Condições puramente potestativas - diz-se potestativa a condição quando a realização do fato, de que depende a relação jurídica, subordina-se à vontade de uma das partes, que pode provocar ou impedir a sua ocorrência. Nem todas as condições potestativas são ilícitas. Só o são as puramente potestativas, isto é, aquelas em que a eficácia do negócio fica ao inteiro arbítrio de uma das partes sem a interferência de qualquer fator externo; é a cláusula si voluero, ou seja, se me aprouver. As condições simplesmente potestativas diferem das acima mencionadas porque, embora sujeitas à manifestação de vontade de uma das partes, dependem, por igual, de algum acontecimento que escapa à sua alçada. Condições incompreensíveis ou contraditórias condições incompreensíveis são aquelas cujo teor não se pode compreender, ao passo que contraditórias são aquelas que trazem alguma incompatibilidade lógica em seu texto. Condições que se reputam não escritas – as condições abaixo enumeradas, sempre que pactuadas, se reputarão não escritas, mantendo-se, contudo, a validade e eficácia do negócio jurídico a elas subordinado. Assim, somente as condições ficam prejudicadas. São elas: Condições impossíveis, quando resolutivas – reputam-se não escritas porque, na hipótese, sendo impossíveis, jamais se implementarão e, portanto, o negócio jurídico em vigor jamais será resolvido, permanecendo válido e eficaz. Condições que imponham a obrigação de não fazer coisa impossível – sendo impossível, é óbvio que jamais será feito, de forma que tal condição é totalmente inócua, razão pela qual se reputa não escrita. Implemento ou não-implemento das condições por malícia do interessado – de conformidade com o art. 129 CC, reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição, cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte, a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada por aquele a quem aproveita o seu implemento”. O CC pune, em ambas as situações, que, impede e quem força, respectivamente, a realização do evento em proveito próprio (ex.: condição de pagar somente se as ações de determinada empresa alcançarem certo valor e posterior manipulação na Bolsa de Valores, pelo interessado, para evitar que o valor estipulado se verifique). A malícia, ou seja, o dolo, é requisito expressamente exigido pelo art. 129 para verificação da hipótese, não bastando, pois, por vontade do legislador, simples culpa (no caso de culpa, tem-se a condição por verificada ou não, conforme o caso, mas nem por isso deixa de ser aplicável a regra da responsabilidade decorrente da violação das obrigações, responsabilidade que se traduz no dever de ressarcimento das perdas e danos causados, não se aplicando o art. 129, que exige o dolo). Presentes os pressupostos do dispositivo, o dano é ressarcido de modo específico, considerando-se verificada a condição obstada e não verificada aquela cujo implemento foi maliciosamente causado pela parte interessada. Entretanto, a execução específica da avença não impede que a parte prejudicada pela malícia pleiteie perdas e danos se ocorrerem os requisitos. OBS: 1) Condição imprópria ou condição legal – é um pressuposto do negócio jurídico, exigido pela lei, sendo impropriamente chamado de condição (ex.: exigência de escritura pública na alienação de imóvel). 2) Negócios jurídicos que não admitem condição – geralmente, todos os atos com conteúdo econômico permitem a pactuação de condição. Há, contudo, certos negócios jurídicos que não a admitem. São exemplos os direitos de família puros e os direitos personalíssimos. Termo – é o dia em que começa ou se extingue a eficácia do negócio jurídico. É sempre um evento futuro e certo. O termo pode ser Termo certo e termo incerto – Termo certo – quando se reporta a determinada data certa do calendário ou a determinado lapso de tempo Termo incerto – é o termo que, embora certo quando a sua ocorrência (por isso não é uma condição), é incerto quanto a sua data (ex.: morte – a morte é uma certeza, mas a data não). Termo inicial ou suspensivo (dies a quo) e termo final ou resolutivo (dies ad quem): Termo inicial ou suspensivo (dies a quo) – é aquele a partir do qual se pode exercer o direito. Termo final ou resolutivo (dies ad quem) – é aquele no qual termina a produção de efeitos do negócio jurídico OBS 1) Exercício e aquisição do direito em face de termo inicial – o termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito (art. 131). Assim, ao contrário da condição suspensiva, em que não se adquire o direito a que o ato visa; no termo inicial, pelo contrário, não se impede a aquisição do direito, mas se retarda seu exercício. 2) Termo inicial ou suspensivo x condição suspensiva – em ambos o exercício do direito está suspenso até o implemento do termo ou condição. A diferença entre ambos é que a condição suspensiva, além de suspender o exercício do direito, suspende também a sua aquisição. O termo inicial ou suspensivo não suspende a aquisição do direito, mas apenas protela o seu exercício. Em outras palavras, na condição, enquanto não se verifica seu implemento, não se adquire o direito a que o ato visa; no termo inicial, pelo contrário, não se impede a aquisição do direito, apenas se retarda seu exercício. Além disso, no termo o evento é futuro e certo, ao passo que na condição é futuro e incerto. Por isso é correto dizer que na condição há direito eventual, pois o direito poderá jamais se cristalizar, ao passo que no termo é incorreto o emprego desta terminologia, devendo-se dizer que no termo há direito deferido, pois o direito a que o termo se refere será inexoravelmente do credor. 3) Aplicação subsidiária das disposições relativas às condições suspensivas e resolutivas aos termos inicial ou suspensivo e final ou resolutivo – em razão da semelhança entre os institutos, apontada no item anterior, o CC (art. 135) manda aplicar ao termo inicial ou suspensivo e final ou resolutivo, no que couber, as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva. 4) Possibilidade do titular do direito sob termo de praticar atos destinados a conservar o seu direito – em razão do referido art. 135, que manda aplicar no que for compatível as regras referentes à condição resolutiva e suspensiva, conclui-se que o termo, ainda que inicial ou suspensivo, não obsta o exercício dos atos destinados a conservar o direito a ele subordinado (ex.: interrupção de prescrição, rechaçar atos de esbulho ou turbação, etc.). Termo de direito, convencional, judicial e de graça: Termo de direito – é o que decorre da lei. Termo convencional – é o que decorre da vontade das partes. Termo judicial – é o fixado por decisão judicial. Termo de graça – é a dilação de prazo concedida ao devedor. OBS: 1) Termo x prazo – enquanto termo é o dia em que começa ou se extingue a eficácia do negócio jurídico, prazo é o intervalo entre o termo “a quo” e o termo “ad quem”. Logo, os dois institutos não se confundem, sendo certo que o CC regulamenta o prazo nos seus arts. 132 a 134. 2) Prazo certo e incerto – diz-se que o prazo é certo se op ato é a termo certo, e prazo incerto se o ato é a termo incerto. 3) Contagem do prazo – na contagem dos prazos, exclui-se o dia do começo e inclui-se o do vencimento (art. 132). Se este cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o dia útil seguinte (art. 132, §1º). Se cair em sábado, fica igualmente prorrogado até o dia útil subseqüente, por força do art. 3º da Lei 1408/51 e Lei 4178/62. 4) Contagem do prazo em meses e anos – os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência (ex.: ano bissexto) (art. 132, §3º). 5) Contagem do prazo em horas – os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto (ex.: pedido de falência) (art. art. 132, §4º). 6) Prazo nos testamentos – nos testamentos, presume-se o prazo em favor do herdeiro (art. 133). Assim, se o testador fixar prazo para a entrega do legado, entender-se-á que foi estabelecido em favor do herdeiro, obrigado ao pagamento, e não do legatário. 7) Prazo nos contratos – nos contratos, presume-se o prazo em favor do devedor (art. 133). Desse modo, pode o devedor renunciar ao prazo e antecipar o pagamento da dívida, para livrar-se, por exemplo, de um índice de atualização monetária que estaria vigorando na data do seu vencimento, sem que o credor possa impedi-lo. No entanto, se do teor do instrumento, ou das circunstâncias, resultar que o prazo se estabeleceu a benefício do credor (ex.: contrato de depósito) ou ambos os contratantes, tal renúncia não poderá ocorrer (art. 133, 2ª parte), salvo se a avença for regida pelo CDC, que permite, sem qualquer distinção, a liquidação antecipada do débito, com redução proporcional dos juros (art. 52, §2º, CDC). 8) Negócios jurídicos sem prazo pactuado para sua execução – dispõe o art. 134 que os negócios jurídicos entre vivos, para os quais não se estabeleça prazo, são exeqüíveis desde logo. A regra, entretanto, não é absoluta, como ressalva o próprio art. 134, pois alguns atos dependem de certo tempo, seja porque terão de ser praticados em lugar diverso, seja pela sua própria natureza. Assim, se a execução do negócio jurídico tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo (ex.: empreitada, contrato de fornecimento, etc.), os negócios jurídicos, ainda que sem prazo pactuado, não serão exeqüíveis desde logo. De qualquer modo, a expressão “desde logo” não deve ser entendida ao pé da letra: temos que entender que o negócio jurídico deve ser realizado em tempo razoável, ainda que exeqüível desde logo, isto é, deve haver prazo razoável para que o ato seja realizado. Encargo ou modo – trata-se de cláusula acessória às liberalidades (doações, testamentos), pela qual se impõe um ônus ou obrigação ao beneficiário. É admissível, também, em declarações unilaterais da vontade (ex.: na promessa de recompensa). É comum nas doações feitas ao município, em geral com a obrigação de construir um hospital, escola, creche ou algum outro melhoramento público; e nos testamentos, em que se deixa a herança a alguém, com a obrigação de cuidar de determinada pessoa ou de animais de estimação. Em regra, é identificada pelas expressões “para que”, “a fim de que”, “com a obrigação de”. Destarte, o encargo apresenta-se como restrição à liberdade, quer estabelecendo uma finalidade ao objeto do negócio, que impondo uma obrigação ao favorecido, em benefício do instituidor ou de terceiro, ou mesmo da coletividade. Não deve, porém, o encargo se configurar em contraprestação; não pode ser visto como contrapartida ao benefício concedido. Se houver contraprestação típica, a avença deixa de ser liberal para ser onerosa, não se configurando o encargo. O fato é que ninguém é obrigado a aceitar a liberalidade. Se o faz, sabendo ser gravada com encargo, fica sujeito ao seu cumprimento. Embora o encargo não se possa configurar em contraprestação, não há para ele limitação quantitativa: a instituição pode deixar intacto o montante do benefício (ex.: doação de uma área à Municipalidade com a obrigação de esta colocar o nome do doador em uma das vias públicas); ou pode a disposição abater parte do benefício (ex.: doação de quantia a alguém com o ônus de o donatário pagar pensão aos pobres do lugar); ou pode até a instituição esgotar todo o benefício (ex.: legado com a obrigação do legatário erigir um túmulo ao testador que absorva toda a quantia legada). Em nenhum caso, no entanto, o encargo pode constituir contraprestação. OBS: 1) O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito – nos termos do art. 136, o encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito. Assim, por exemplo, aberta a sucessão, o domínio e a posse dos bens transmitem-se desde logo aos herdeiros nomeados, com a obrigação, porém, de cumprir o encargo a eles imposto. Se esse encargo não for cumprido, a liberalidade poderá ser revogada. 2) Execução do encargo – dispõe o art. 553 que “o donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral”. Acrescenta o parágrafo único: “Se desta última espécie for o encargo, o MP poderá exigir sua execução, depois da morte do doador, se este não tiver feito”. O art. 1938 acresce que ao legatário, nos legados com encargo, aplica-se o disposto quanto às doações de igual natureza, o mesmo acontecendo com o substituto, por força do art. 1949. O instituidor e o beneficiário também podem reclamar o cumprimento do encargo. O MP só poderá fazê-lo depois da morte do instituidor, se este não tiver feito e se o encargo foi imposto no interesse geral. 3) Revogação da liberalidade por descumprimento do encargo – o art. 562 prevê que a doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatário incorrer em mora. Tal dispositivo aplica-se, por analogia, às liberalidades “causa mortis”. O terceiro beneficiário pode exigir o cumprimento do encargo mas não está legitimado a propor ação revocatória. Esta é privativa do instituidor, podendo os herdeiros apenas prosseguir na ação por ele intentada, caso venha a falecer depois do ajuizamento. 4) Encargo x condições suspensiva e resolutiva – em que pese a aparente semelhança, o encargo não se confunde com a condição. O encargo é coercitivo, o que não ocorre com a condição, uma vez que ninguém pode ser obrigado a cumpri-la. O encargo difere da condição suspensiva porque esta impede a aquisição do direito, enquanto aquele não suspende a aquisição nem o exercício do direito. Entretanto, o encargo pode ser imposto como condição suspensiva e com efeitos próprios deste elemento acidental, desde que tal disposição seja expressa (art. 136, 2ª parte). Difere também da condição resolutiva, porque não conduz, por si só, à revogação do ato. O instituidor do benefício poderá ou não propor a ação revocatória, cuja sentença não terá efeito retroativo. 5) Encargo ilícito ou impossível – preenchendo lacuna do antigo CC, o novo disciplina o encargo ilícito ou impossível, dispondo, no art. 137: “considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico”. Representação – geralmente é o próprio interessado, com sua vontade, que atua em negócio jurídico. Dentro da autonomia privada, o interessado contrai pessoalmente obrigações e, assim, pratica seus atos da vida civil. Contudo, há a possibilidade de outro praticar atos da vida no lugar do interessado, por meio da representação. Entretanto, para que esta situação ocorra, é necessário, primeiramente, que o ordenamento jurídico a permita e, em segundo lugar, que os requisitos desse mesmo ordenamento tenham sido cumpridos. Espécies de representação – há duas espécies de representação (art. 115): Representação legal – ocorre quando a lei estabelece a representação em certas situações (ex.: incapazes, tutela, curatela, etc.). Nesses casos, o poder de representação decorre diretamente da lei, que estabelece a extensão do âmbito da representação, os casos em que é necessária, o poder de administrar e quais as situações em que se permite dispor dos direitos do representado. Representação voluntária – é baseada, em regra, no mandato, cujo instrumento é a procuração. A figura da representação não se confunde com a do mandato. Regras gerais relativas a representação – A manifestação de vontade do representante, no limite de seus poderes, vincula o representado – a vontade do representado é materialmente refletida pela declaração do representante, de tal arte que fica aquele fica vinculado às manifestações de vontade exaradas por este, nos limite dos poderes que lhe foram outorgados (art. 116). Anulabilidade do contrato consigo mesmo ou autocontrato, salvo se o permitir a lei ou o representado – ocorre o chamado contrato consigo mesmo ou autocontrato em duas situações: a) as duas partes têm o mesmo representante; b) o representante de uma das partes é a outra parte. Como o contrato, por definição, é um acordo de vontades, não se admite a existência de contrato consigo mesmo, sendo este anulável, salvo se o permitir a lei (ex.: mandato em causa própria - art. 685) ou o representado (art. 117). OBS: 1) Súmula 60 STJ – “é nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste”. A razão é que tal situação configura modalidade de contrato consigo mesmo. Observe-se que pela nova sistemática do CC, a obrigação cambial será apenas anulável. 2) Substabelecimento e contrato consigo mesmo – a lei cuida da hipótese em que os poderes tenham sido substabelecidos pelo representante a um terceiro, aduzindo no § único do art. 117 que “tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em que os poderes houverem sido substabelecidos”. Anulabilidade dos atos praticados contra o interesse do representado – outro dispositivo inovador e bastante útil é o que cogita de atos pelo representante contra o interesse do representado. Aqui se trata de atos praticados pelo representante, em nome do representado, objetivamente legais, mas que prejudicam este último. Estamos, na hipótese, na presença de dois interesses possivelmente antagônicos: de um lado, o interesse do representado, que se almeja proteger, pois a idéia é de que o representante deva atuar na defesa do interesse do representado; de outro, o interesse do terceiro de boa-fé, que contratou com o representante, na persuasão de que este atuava de acordo com as suas instruções. O CC, em seu art. 119, protege os interesse do terceiro de boa-fé, tornando anulável o negócio apenas se o fato era ou devia ser do conhecimento do terceiro, pois nesta hipótese não existe mais a figura do terceiro de boa-fé. Eis a redação do art. 119: “É anulável o negócio jurídico concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou”. Obrigatoriedade de provar a condição de representante – segundo dispõe o art. 118, “o representante é obrigado a provar às pessoas com quem tratar em nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederam”. Assim, sem que o terceiro tenha plena ciência da representação, sua extensão e qualidade, seja ela voluntária ou legal, o dito representante responderá perante este terceiro pela prática de atos que excederem os poderes. Interpretação – não só a lei, mas também o negócio jurídico, deve ser interpretado. Muitas vezes sua execução exige, antes, a interpretação de suas cláusulas, nem sempre muito claras. O CC traz algumas regras importantes para a interpretação: Teoria da Vontade – a vontade das partes exterioriza-se por meio de sinais e símbolos, dentre os quais as palavras. Nos contratos escritos, a análise do texto conduz, em regra, à descoberta da intenção dos pactuantes. Parte-se, portanto, da declaração escrita para se chegar à vontade dos contratantes. Quando, no entanto, determinada cláusula mostra-se obscura e passível de dúvida, alegando um dos contratantes que não representa com fidelidade a vontade manifestada por ocasião da celebração da avença, e tal alegação resta demonstrada, deve-se considerar a efetiva vontade das partes. Neste sentido, o art. 112 declara que, nas declarações de vontade, atender-se-á mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. Portanto, o CC brasileiro deu prevalência à teoria da vontade sobre a da declaração. Boa-fé, usos e costumes – preceitua o art. 113 que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da celebração. Deve o intérprete presumir que os contratantes procedem com lealdade e que tanto a proposta como a aceitação foram formuladas dentro do que podiam e deviam eles entender razoável, segundo a regra da boa-fé. A boa-fé, portanto, se presume; a má-fé, ao contrário, deve ser provada. Além disso e nos termos do referido art. 113, devem ser considerados na interpretação do negócio jurídico os usos e costumes de cada localidade. Interpretação estrita dos negócios jurídicos benéficos e da renúncia – dispõe o art. 114 que os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente. Benéficos ou gratuitos são os que envolvem uma liberalidade: somente um dos contratantes se obriga, enquanto o outro apenas aufere um benefício (ex.: doação pura). Devem ter interpretação estrita porque representam renúncia de direitos. Interpretação restritiva da transação – a transação interpreta-se restritivamente (art. 843). Interpretação restritiva da fiança – a fiança não admite interpretação extensiva (art. 819). Interpretação mais favorável ao aderente nos contratos de adesão – quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente (art. 423). Interpretação da cláusula testamentária passível de diferentes interpretações – sendo a cláusula testamentária suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador (art. 1899). Interpretação de cláusulas em contratos de consumo – as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (art. 47 CDC). OBS: Algumas regras práticas – algumas regras práticas podem ser observadas no tocante à interpretação dos contratos. A melhor maneira de apurar a intenção dos contratantes é verificar o modo pelo qual vinham executando o contrato, de comum acordo. Deve-se, ainda, interpretar o contrato, na dúvida, da maneira menos onerosa para o devedor. Por fim, as cláusulas contratuais não devem ser interpretadas isoladamente, mas em conjunto com as demais. Classificação – os negócios jurídicos podem ser classificados em: Unilaterais, bilaterais e plurilaterais – Unilaterais – são os que se aperfeiçoam com uma única manifestação de vontade (ex.: testamento, codicilo, instituição de fundação, aceitação e renúncia da herança, promessa de recompensa, etc.). São de duas espécies: Receptícios – são aqueles em que a declaração de vontade tem de se tornar conhecida do destinatário para produzir efeitos (ex.: denúncia ou resilição de um contrato, revogação de mandato, etc.). Não receptícios – são aqueles em que o conhecimento por parte de outras pessoas é irrelevante (ex.: testamento, confissão de dívida, etc.). Bilaterais – são os que se perfazem com duas manifestações de vontade, coincidentes sobre o objeto. Essa coincidência chama-se consentimento mútuo ou acordo de vontades (contratos em geral). Podem existir várias pessoas no pólo ativo e também várias no pólo passivo, sem que o contrato deixe de ser bilateral pela existência de duas partes. Em outras palavras, o que torna o contrato bilateral é a existência de dois pólos distintos, independentemente do número de pessoas que integre cada pólo. Plurilaterais – são os contratos que envolvem mais de duas partes, ou seja, mais de dois pólos distintos (ex.: contrato social de sociedades com mais de dois sócios). Gratuitos, onerosos, neutros e bifrontes – Gratuitos – são aqueles em que só uma das partes aufere vantagens ou benefícios (ex.: doação pura). Onerosos – são aqueles em que ambos os contratantes auferem vantagens, às quais, porém, corresponde uma contraprestação (ex.: compra e venda, locação, etc.). Conclui-se, portanto, que todo o negócio oneroso é bilateral, mas a recíproca não é verdadeira (ex.: doação, comodato). Os negócios jurídicos onerosos podem ser: Comutativos – quando as prestação de uma parte depende de uma contraprestação da outra, que é equivalente, certa e determinada. Aleatórios – quando a prestação de uma das partes depende de acontecimentos incertos e inesperados. A álea, a sorte, é elemento do negócio (ex.: contrato de seguro). Neutros – há negócios que não podem ser incluídos na categoria dos onerosos, nem dos gratuitos, pois lhes falta atribuição patrimonial. São chamados de neutros e se caracterizam pela destinação dos bens. Em geral, coligam-se aos negócios translativos, que têm atribuição patrimonial, como por exemplo a instituição das cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade. Bifrontes – são os contratos que podem ser onerosos ou gratuitos, segundo a vontade das partes (ex.: mútuo, mandato, depósito, etc.). OBS: Conversão de negócio jurídico gratuito em oneroso e vice-versa – a conversão só se torna possível se o contrato é definido na lei como negócio gratuito, pois a vontade das partes não pode transformar um contrato oneroso em gratuito, uma vez que subverteria a sua causa. Frise-se que nem todos os contratos gratuitos podem ser convertidos em onerosos por convenção das partes. A doação e o comodato, por exemplo, ficariam desfigurados, se tal acontecesse, pois se transformariam, respectivamente, em venda e locação. “Inter vivos” e “Mortis causa” – “Inter vivos” – destinam-se a produzir efeitos desde logo, isto é, estando as partes ainda vivas (ex.: promessa de venda e compra). “Mortis causa” – são os negócios jurídicos destinados a produzir efeitos após a morte do agente (ex.: testamento). Principais e acessórios – Principais – são os negócios jurídicos que têm existência própria e não dependem da existência de qualquer outro para produzir efeitos (ex.: compra e venda, locação, etc.). Acessórios – são os que têm sua existência subordinada a um negócio jurídico principal (ex.: cláusula penal, fiança, etc.), de forma que seguem o destino do principal (nulo este, nulo também será o negócio acessório, sendo que a recíproca não é verdadeira). Solenes ou formais e não solenes ou de forma livre – Solenes ou formais – são os negócios jurídicos que devem obedecer à forma prescrita em lei para que se aperfeiçoem. Quando a forma é exigida como condição de validade do negócio, este é solene e a formalidade é “ad solemnitatem”, isto é, constitui a própria substância do ato (ex.: escritura pública na alienação de imóvel, no testamento público, etc.). Mas determinada forma pode ser exigida apenas como prova do ato. Nesse caso, se diz tratar-se de uma formalidade “ad probationem tantum” (ex.: assento do casamento no livro de registro – art. 1536). Não solenes ou de forma livre – são os negócios jurídicos de forma livre. Como a lei não reclama nenhuma formalidade para o seu aperfeiçoamento, podem ser celebrados por qualquer forma, inclusive a verbal (art. 107). Simples, complexos e coligados – Simples – são os negócios que se constituem por ato único. Complexos – são os que resultam da fusão de vários atos com eficácia independente. Compõem-se de várias declarações de vontade, que se completam, emitidas pelo mesmo sujeito ou diferentes sujeitos, para a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos na sua unidade (ex.: alienação de um imóvel em prestações, que se inicia pela celebração de um compromisso de compra e venda, e se completa com a outorga da escritura definitiva). O negócio jurídico complexo é único e não se confunde com o coligado. Coligados – são os que se compõem de vários outros negócios jurídicos distintos (ex.: arrendamento de posto de gasolina, coligado pelo mesmo instrumento ao contrato de locação das bombas, de comodato de área para funcionamento de lanchonete, de fornecimento de combustível, de financiamento, etc.). Defeitos do negócio jurídico – a vontade é a mola propulsora dos atos e dos negócios jurídicos. Essa vontade deve ser manifestada de forma idônea para que o ato tenha vida normal na atividade jurídica e no universo negocial. Se essa vontade não corresponder ao desejo do agente, o negócio jurídico é defeituoso. O CC menciona e regula seis defeitos: erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores. No art. 171, II, diz ser anulável o negócio jurídico que contenha tais vícios. Os referidos defeitos, exceto a fraude contra credores, são chamados de vícios do consentimento porque provocam uma manifestação de vontade não correspondente com o íntimo e verdadeiro querer do agente. Criam uma divergência, um conflito entre a vontade manifestada e a real intenção de quem a exteriorizou. A fraude contra credores não conduz a um descompasso entre o íntimo querer do agente e a sua declaração. A vontade manifestada corresponde exatamente ao seu desejo. Mas é exteriorizada com a intenção de prejudicar terceiros. Por essa razão, a fraude contra credores é considerada vício social (a simulação também é um vício social, mas é tratada no capítulo que versa sobre da invalidade do negócio jurídico, já que o CC reputa nulo o negócio jurídico simulado, subsistindo porém o dissimulado, se válido for na substância e na forma). Vícios do consentimento – são cinco: Erro – no erro, o agente engana-se sozinho. Quando é induzido em erro pelo outro contratante ou por terceiro, caracteriza-se o dolo. Poucas são as ações anulatórias ajuizadas com base no erro, porque difícil se torna penetrar no íntimo do autor para descobrir o que se passou em sua mente no momento da celebração do negócio. Por isso, são mais comuns as ações fundadas no dolo, pois o induzimento pode ser comprovado e aferido objetivamente. O CC equiparou os efeitos do erro à ignorância. Erro é a idéia falsa da realidade. Ignorância é o completo desconhecimento da realidade. Não é, porém, qualquer espécie de erro que torna anulável o negócio jurídico. Para tanto, o erro deve ser substancial (ou essencial), escusável e real: Erro substancial ou essencial – é o erro sobre circunstâncias e aspectos relevantes do negócio. Há de ser a causa determinante, ou seja, se conhecida a realidade, o negócio não seria celebrado. Segundo o art. 139, é o que: Interessa à natureza do negócio (“error in negotio”) – ex.: o contrato é de compra e venda e o adquirente imagina tratar-se de doação; interessa ao objeto principal da declaração (“error in corpore”) – ex.: aquisição de um terreno que se supõe valorizado porque situado em rua importante mas que na verdade tem pouco valor, pois se situa em rua do mesmo nome, porém de outra localidade; interessa a alguma das qualidades essenciais do objeto (error in substantia) – ex.: aquisição de candelabros prateados, mas de material inferior, como se fosse de prata. Diz respeito à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração da vontade (error in persona), desde que tenha influído nesta de modo relevante – ex.: doação ou deixa testamentária a pessoa que o doador imagina, equivocadamente, ser seu filho natural ou quem lhe salvou a vida. Sendo de direito (error juris) e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico – ex.: pessoa que contrata a importação de determinada mercadoria ignorando existir lei que proíbe tal importação. Como tal ignorância foi a causa determinante do ato, pode ser alegada para anular o contrato, sem com isso se pretender que a lei seja descumprida (art. 3º LICC – “ninguém se escusa de cumprir a lei” – se não existe a intenção de descumprir a lei, admite-se o erro). Portanto, quem é levado a falso entendimento, por ignorância da lei cogente, não está desobedecendo-a. Logo, em nossa sistemática, nada impede que se alegue erro de direito se seu reconhecimento não ferir norma de ordem pública ou cogente e servir para demonstrar descompasso entre a vontade real do declarante e a vontade manifestada. Erro escusável – é o erro justificável, desculpável, exatamente o contrário de erro grosseiro, de erro decorrente do não emprego da diligência ordinária. O art. 138 adotou um padrão abstrato, o do “homem médio”, para a aferição da escusabilidade. Adotou, assim, o critério de comparar a conduta do agente com a da média das pessoas. Erro real – é o erro efetivo, causador de real prejuízo para o interessado. Assim, o erro sobre o ano de fabricação do veículo adquirido (1994 em vez de 1999) é substancial e real, porque, se o adquirente tivesse conhecimento da realidade, não o teria comprado. Tendo-o adquirido, sofreu grande prejuízo. No entanto, se o erro dissesse respeito somente à cor do veículo (preto em vez de azul escuro), seria acidental e não tornaria o negócio anulável. OBS: 1) Erro acidental – é o erro que se opõe ao substancial e real, porque se refere a circunstâncias de somenos importância e que não acarretam efetivo prejuízo. Refere-se, portanto, a qualidades secundárias do objeto ou da pessoa, de tal arte que, ainda que conhecida a realidade, mesmo assim o negócio seria realizado. 2) Erro acidental na indicação de pessoa ou coisa – segundo dispõe o art. 142, o erro na indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada. No direito das sucessões há regra semelhante (art. 1903). Por exemplo, o doador beneficia o seu sobrinho Antônio. Na realidade, não tem nenhum sobrinho com esse nome. Apura-se, porém, que tem um afilhado de nome Antônio, a quem sempre chamou de sobrinho. Essa pessoa receberá o bem doado. 3) Equiparação da transmissão defeituosa da vontade ao erro – o CC equipara o erro à transmissão defeituosa da vontade (art. 141). Se o declarante não se encontra na presença do declaratário e se vale de um intermediário (interposta pessoa ou núncio) ou de um meio de comunicação (fax, telégrafo, internet, etc.) e a transmissão da vontade, nesses casos, não se faz com fidelidade, estabelecendo-se uma divergência entre o querido e o que foi transmitido erroneamente, caracteriza-se o vício que propicia a anulação do negócio jurídico. 4) Motivos – o motivo do negócio não precisa ser mencionado pelas partes. Motivos são as idéias, as razões subjetivas, interiores, consideradas acidentais e sem relevância para a apreciação da validade do negócio. Em uma compra e venda, os motivos podem ser diversos: a necessidade de venda, investimento, edificação de moradia, etc. São estranhos ao direito e não precisam ser mencionados. O CC não se refere a eles, a não ser, excepcionalmente, no art. 140, ao prescrever que “o falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante”. Quando expressamente mencionados como razão determinante, os motivos passam à condição de elementos essenciais do negócio. O art. 140 permite, portanto, que as partes promovam o erro acidental a erro relevante. Os casos mais comuns são as deixas testamentárias, com expressa declaração do motivo determinante (ex.: filiação, parentesco), que entretanto se revelam, posteriormente, falsos. 5) Erro quanto às qualidades essenciais do objeto x vício redibitório – embora a teoria dos vícios redibitórios se assente na existência de um erro e guarde semelhança com este quanto às qualidades essenciais do objeto, não se confundem os dois institutos. O vício redibitório é o erro objetivo sobre a coisa, que contém um defeito oculto que a torna imprestável ao uso a que se destina. O seu fundamento é a obrigação que a lei impõe a todo alienante de garantir ao adquirente o uso da coisa. Provado o defeito oculto, não facilmente perceptível, cabem as ações edilícias (redibitória e “quanti minoris” ou estimatória), respectivamente para rescindir o contrato ou pedir abatimento do preço, sendo decadencial e exíguo o prazo para a sua propositura (30 dias se se tratar de bem móvel e 1 ano se imóvel). O erro quanto às qualidades essenciais do objeto é subjetivo, pois reside na manifestação da vontade. Dá ensejo ao ajuizamento de ação anulatória, sendo de 4 anos o prazo decadencial. Se alguém adquire um relógio que funciona perfeitamente, mas não é de ouro como o adquirente imaginava (e somente por essa circunstância o adquiriu), trata-se de erro quanto à qualidade essencial do objeto. Se, no entanto, o relógio é mesmo de ouro mas não funciona em razão do defeito de uma peça interna, a hipótese é de vício redibitório. 6) Erro de cálculo – o art. 143 é expresso no sentido de que o erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade. 7) Aceitação da manifestação de vontade errônea pelo declaratário – o art. 144 preceitua que o “erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá- la na conformidade da vontade real do manifestante”. Tal oferta afasta o prejuízo do que se enganou, deixando o erro de ser real e, portanto, anulável. 8) Interesse negativo – questão pouco comentada, quando se estuda o erro, é a relativa ao interesse negativo, que decorre do fato de o vendedor ver-se surpreendido com uma ação anulatória, julgada procedente, com os consectários da sucumbência, sem que tenha concorrido para o erro do outro contratante – o que se configura injusto, máxime já tendo dado destinação ao numerário recebido. O Código alemão prevê, para esses casos, o que a doutrina chama de “interesse negativo”, uma compensação para o contratante que não concorreu para o erro. O CC brasileiro não prevê a hipótese, mas ela decorre dos princípios gerais do direito, especialmente o que protege a boa-fé. Poderá, porém, o declaratário, como mencionado, evitar a anulação oferecendo-se para executar a avença na conformidade da vontade real do manifestante, se lhe for possível (art. 144). Dolo – é o induzimento malicioso de alguém à prática de um ato que lhe é prejudicial, mas proveitoso ao autor do dolo ou a terceiro. Requisitos – parte da doutrina enumera os requisitos do dolo baseados em Eduardo Espínola: Intenção de induzir o declarante a praticar o ato jurídico. Utilização de recursos fraudulentos graves. Que esses artifícios sejam a causa determinante da declaração de vontade. Que procedam do outro contratante ou seja por este conhecidos como procedentes de terceiros. Dolo principal e dolo acidental ou incidental – Dolo principal – assim se diz do artifício ou manejo que possa ser a causa determinante do ato jurídico (“dolus causam dans”). Mostra-se, assim, a série de manobras, que, viciando o consentimento da parte, a induz à prática do ato jurídico, de que resulta prejuízo para si. Nesta hipótese, o negócio jurídico é anulável. Dolo acidental ou incidente – assim se diz do que, sem ter tido influência decisiva sobre a manifestação da vontade, visto que, a despeito dele, o ato se teria praticado, embora de outro modo, forçou, entretanto, a pessoa a consentir na prática do ato em forma mais onerosa para ela. O dolo acidental (“dolus incidens”), dito também de dolo incidente, não tem a propriedade de viciar o ato, a ponto de torná-lo anulável, pois a seu despeito o negócio seria realizado, embora por outro modo. Mas, evidenciado, só obriga à satisfação de perdas e danos, pelos prejuízos que tenham advindo ao prejudicado ou enganado (art. 146). Dolus bonus e dolus malus – Dolus bonus – é o dolo tolerável no comércio em geral. É considerado normal, e até esperado, o fato de os comerciantes exagerarem as qualidades das mercadorias que estão vendendo. Não torna anulável o negócio jurídico, porque de certa maneira as pessoas já contam com ele e não se deixam envolver, a menos que não tenham a diligência que se espera do homem médio. O dolus bonus não vicia o ato. Dolus malus – somente vicia o ato o dolus malus, exercido com o propósito de causar prejuízo. Dolo por omissão, dolo negativo, reticência ou omissão dolosa – pode, o dolo, tanto ser praticado por ação (dolo positivo) como por omissão. O último é definido, no art. 147 do CC, como o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado. Provando-se que, sem a omissão, o negócio não se teria celebrado, pode ser pleiteada a sua anulação. Esteia-se tal dispositivo no princípio da boa-fé, que deve nortear todos os negócios. Tal princípio é reiterado em outros dispositivos que cuidam de hipóteses de omissão dolosa, como os art. 180 e 766 CC. Dolo do representante – é tratado no art. 149, que distingue o representante legal do convencional. Torna, também, anulável o negócio jurídico se constituir a sua causa determinante. Se o dolo for acidental, só obrigará à satisfação de perdas e danos, respondendo o representante pela indenização, como autor do dolo. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve. Se o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos (art. 149), por ter escolhido mal o mandatário. Dolo bilateral – o dolo pode ser, também, bilateral, isto é, de ambas as partes (art. 150). Nesse caso, se ambas têm culpa, uma vez que cada qual quis prejudicar a outra, nenhuma delas pode alegá-lo para anular o negócio ou reclamar indenização. Há uma compensação, porque ninguém pode valer-se da própria torpeza (“nemo auditur propriam turpitudinem allegans”). Dolo de aproveitamento – o chamado dolo de aproveitamento constitui o elemento subjetivo de outro defeito do negócio jurídico, que é a lesão. Configura-se quando alguém se aproveita da situação de premente necessidade ou da inexperiência do outro contratante para obter lucro exagerado, manifestamente desproporcional à natureza do negócio (art. 157). Dolo de terceiro – o dolo pode ser proveniente do outro contratante ou de terceiro, estranho ao negócio (art. 148). O dolo de terceiro, no entanto, somente ensejará a anulação do negócio se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento. Se o beneficiado pelo dolo de terceiro não adverte a outra parte, está tacitamente aderindo ao expediente astucioso, tornando-se cúmplice. Entretanto, se a parte a quem aproveita não soube do dolo de terceiro, não se anula o negócio. Mas o lesado poderá reclamar perdas e danos do autor do dolo (art. 148, 2ª parte), pois este praticou um ato ilícito. OBS: 1) Erro x dolo – o erro mostra-se à vista de todos, da mesma forma que o dolo, ou seja, como representação errônea da realidade. A diferença é que no erro o vício da vontade decorre de íntima convicção do agente, enquanto no dolo há induzimento ao erro por parte do declaratário ou de terceiro. 2) Fraude x dolo – a fraude é processo astucioso e ardiloso tendente a burlar a lei ou convenção preexistente ou futura. O dolo, por seu lado, surge concomitantemente ao negócio e tem como objetivo enganar o próximo. O dolo tem em mira o declaratário do negócio. A fraude, que na maioria das vezes se apresenta de forma mais velada, tem em vista burlar dispositivo de lei ou número indeterminado de terceiros que travam contrato com o fraudador. A fraude geralmente visa à execução do negócio, enquanto o dolo visa à sua própria conclusão. Desse modo, pode-se exemplificar: há dolo quando alguém omite dados importantes para elevar o valor do seguro a ser pago no caso de eventual sinistro; há fraude se o sinistro é simulado para o recebimento do valor do seguro. Coação – é toda ameaça ou pressão exercida sobre um indivíduo para forçá-lo, contra a sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio. O que caracteriza a coação é o emprego da violência psicológica para viciar a vontade. Requisitos – nem toda ameaça, entretanto, configura coação. O art. 151 especifica os requisitos para que a coação possa viciar o consentimento: Deve ser a causa do ato – deve haver uma relação de causalidade entre a coação e o ato extorquido, ou seja, o negócio deve ter sido realizado somente por ter havido grave ameaça ou violência, que provocou na vítima fundado receio de dano à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens. Sem ela, o negócio não se teria concretizado. Deve ser grave – a coação deve ser de tal intensidade que efetivamente incuta ao paciente um fundado temor de dano a bem que considera relevante. Para aferir a gravidade ou não da coação, segue-se o critério do caso concreto (e não do homem médio), ou seja, o de avaliar, em cada caso, as condições particulares ou pessoais da vítima. Algumas pessoas, em razão de diversos fatores, são mais suscetíveis de se sentir atemorizadas do que outras. Por essa razão, determina o art. 152 que, no apreciar a coação, “ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela”. OBS: Simples temor reverencial não é coação – o art. 153, 2ª parte, não considera coação “o simples temor reverencial”. Assim, não se reveste de gravidade suficiente para anular o ato o receio de desgostar os pais ou outras pessoas a quem se deve obediência e respeito, como os superiores hierárquicos. O emprego do vocábulo “simples” evidencia que o temor reverencial não vicia o consentimento quando desacompanhado de outros atos de violência. Pode, entretanto, ter tal conseqüência se acompanhado de ameaças ou violências (ex.: pais que ameaçam castigar a filha se ela não se casar com determinada pessoa). Deve ser injusta – deve ser ilícita, contrária ao direito, abusiva. OBS: Exercício regular de direito – prescreve, com efeito, o art. 153, 1ª parte, que “não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito”. Assim, não constitui coação a ameaça feita pelo credor de protestar ou executar o título de crédito. O referido dispositivo emprega o adjetivo “normal”, referindo-se ao exercício do direito. Desse modo, configura-se a coação não apenas quando o ato praticado pelo coator contraria o direito, como também quando sua conduta, conquanto jurídica, constitui exercício anormal ou abusivo de um direito. Assim, é injusta a conduta de quem se vale dos meios legais para obter vantagem indevida (ex.: credor que ameaça proceder à execução da hipoteca contra sua devedora caso esta não concorde em desposá-lo). Deve ser de dano atual ou iminente – a lei refere-se ao dano próximo e provável, afastando, assim, o impossível, remoto ou eventual. Tem em vista aquele prestes a se consumar, variando a apreciação temporal segundo as circunstâncias de cada caso. Deve acarretar justo receio de dano – não mais se exige que este seja igual, pelo menos, ao decorrente do dano extorquido, visto que essa proporção ou equilíbrio entre o sacrifício exigido e o mal evitado, prevista no CC 1916, era alvo de críticas e não consta em outras legislações. Deve constituir ameaça de prejuízo à pessoa ou a bens da vítima, ou a pessoas de sua família – o termo “família” tem hoje acepção ampla, compreendendo não só a que resulta do casamento, como também a decorrente de união estável. Também não se faz distinção entre parentesco legítimo ou ilegítimo ou decorrente da adoção, qualquer que seja a sua espécie (art. 227, §6º, CF). Para os fins de intimidação, incluem-se também as ameaças a parentes afins, como cunhados, sogros, etc. OBS: Pessoa não pertencente à família – o novo CC consignou, no parágrafo único do art. 151, que, se a coação “disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação”. O texto é bastante amplo, abrangendo inclusive pessoas não ligadas ao coacto por laços de amizade. Coação absoluta, física ou “vis absoluta” e coação relativa, moral ou “vis compulsiva” – Coação absoluta, física ou “vis absoluta” – na coação absoluta, não ocorre qualquer consentimento ou manifestação da vontade. A vantagem pretendida pelo coator é obtida mediante o emprego de força física (ex.: a colocação da impressão digital do analfabeto em contrato, agarrando-se à força o seu braço). Trata-se, neste caso, de inexistência do negócio jurídico, por ausência do primeiro e principal requisito de existência, que é a vontade. Coação relativa, moral ou “vis compulsiva” – esta é a coação que constitui vício da vontade e torna anulável o negócio jurídico. Nesta, deixa-se uma opção ou escolha à vítima: praticar o ato exigido pelo coator ou correr o risco de sofrer as conseqüências da ameaça por ele feita. Trata-se, portanto, de uma coação psicológica. Coação principal e acidental – embora o CC não faça a distinção, a doutrina entende existir coação principal e acidental, como no dolo. Aquela seria causa determinante do negócio; esta influenciaria apenas as condições da avença, ou seja, sem ela o negócio assim mesmo se realizaria, mas em condições menos desfavoráveis à vítima A coação principal constitui causa de anulação do negócio; a acidental somente obriga ao ressarcimento do prejuízo. Coação exercida por terceiro – a coação vicia o ato, ainda quando exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos (art. 154). Subsistirá, no entanto, o negócio jurídico se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responder por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto (art. 155). A disciplina é similar à do dolo exercido por terceiro. Estado de perigo – configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. O estado de perigo ocorre, assim, quando alguém se encontra em situação equiparada ao “estado de necessidade” e, por isso, assume obrigação excessivamente onerosa (o exemplo clássico é o da pessoa que está se afogando e, desesperada, promete toda a sua fortuna para ser salva). Elementos – o estado de perigo compõe-se de dois elementos: Objetivo – é a assunção de obrigação excessivamente onerosa. Subjetivo – caracterizado pelo constrangimento de “salvar-se” ou “salvar pessoa de sua família” do risco grave existente. Este último elemento deve ser complementado pela adesão da parte beneficiada ao desvio psicológico, que há de ser conhecedora do grave perigo por que passa o declarante. OBS: 1) Estado de perigo e pessoa não pertencente à família – tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias (art. 156, § único). Considerou o legislador que, na prática, podem ocorrer vínculos de afetividade que atuem psicologicamente de forma tão intensa como a do parentesco (ex.: noiva, amigo de infância, etc.). Deixou, então, ao juiz a tarefa de verificar, no exame do caso concreto, a ocorrência ou não de liame similar ao que normalmente se presume existir entre os membros da família. 2) Estado de perigo x coação moral – sustenta uma parte da doutrina que o estado de perigo se aproxima da coação moral, pois a vítima não se encontra em condições de declarar livremente a sua vontade. Não se confundem, contudo, esses dois vícios do consentimento. No estado de perigo não ocorre a hipótese de um dos contratantes constranger o outro à prática de determinado ato ou a consentir na celebração de determinado contrato. 3) Críticas – se, por uma lado, a nova lei merece elogios por ter trazido ao ordenamento a conceituação que faltava ao CC 1916, por outro lado, o fato de permitir aparentemente a anulação do ato em estado de perigo merece críticas. Melhor seria a solução aceita pela doutrina de manter o ato, mas reduzir o valor do pagamento ao justo limite pelo serviço prestado. Na solução do novo CC, em tese, uma vez anulado o negócio, só restaria ao agente recorrer à ação de enriquecimento sem causa para haver o pagamento. Contudo, ao estampar o conhecimento do estado de perigo por parte do beneficiário (“grave dano conhecido da outra parte”), entende o legislador que houve abuso da situação; o agente valeu-se do terror incutido a outra parte para realizar o negócio, tendo cessado a boa-fé. Nesse caso, o negócio não poderia subsistir. Nada impede, porém, e se harmoniza com o sistema, a solução de o juiz manter a validade do negócio, atendendo às circunstâncias do caso, determinando que a prestação seja reduzida ou reconduzida a seu justo valor, a exemplo do que a nova lei alvitra para o caso de lesão (art. 157, §2º). Lesão – configura-se quando alguém obtém um lucro exagerado, desproporcional, aproveitando-se da inexperiência ou da situação de necessidade do outro contratante. Segundo o art. 157, ocorre o referido vício do consentimento “quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”. Elementos – a lesão compõe-se de dois elementos: Objetivo – consistente na manifesta desproporção entre as prestações recíprocas, geradora de lucro exagerado. Não se contenta o art. 157 com qualquer desproporção: há de ser manifesta. OBS: Avaliação da desproporção – exige-se, ainda, que a avaliação da desproporção entre as prestações seja feita “segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico” (art. 157, §1º). Subjetivo – caracterizado pela “inexperiência” ou “premente necessidade” do lesado. OBS: 1) Desnecessidade do conhecimento, pelo contratante, das condições de premente necessidade ou inexperiência do outro – o contrato é anulável porque foi viciado o consentimento da parte prejudicada, mesmo que o outro contratante não tenha tido conhecimento das suas condições de necessidade ou inexperiência, pois o CC brasileiro não se preocupa em punir a atitude maliciosa do favorecido. Malgrado a parte beneficiada tire vantagem da situação (alguns denominam “dolo de aproveitamento”), não se exige tenha induzido a vítima a celebrar o contrato lesivo, nem que tivesse ciência da sua premente necessidade ou inexperiência. Diversamente do que ocorre no dolo, o contratante não induz o outro à prática do ato lesivo, mas apenas tira proveito de sua situação. 2) Suplementação da contraprestação ou redução do proveito e validade do negócio – o CC considera a lesão um vício do consentimento, que torna anulável o negócio (art. 178, II). Faz, porém, uma ressalva: não se decretará a anulação do negócio se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito (art. 157, §2º). O lesado poderá, assim, optar pela anulação ou pela revisão do contrato. Mesmo que escolha a anulação, será facultado ao outro contratante ilidir a pretensão de ruptura do negócio, mediante o referido suplemento, suficiente para afastar a manifesta desproporção entre as prestações e recompor o patrimônio daquele. 3) Lesão x estado de perigo – não se confunde a lesão também com o estado de perigo, pois exige desequilíbrio das prestações, enquanto este último pode conduzir a negócios unilaterais em que a prestação assumida seja unicamente da vítima (ex.: promessa de recompensa, doação, etc.). A lesão ocorre quando não há estado de perigo, decorrente da necessidade de salvar-se. A “premente necessidade” mencionada no art. 157 pode ser a de obter recursos. No estado de perigo alguém se obriga a uma prestação de dar ou fazer, por uma contraprestação sempre de fazer. Por essa razão, não é admirida a suplementação da contraprestação para validar o negócio. O §2º do art. 157, ao disciplinar a lesão, admite a referida suplementação. Tal fato demonstra que ela só ocorre em contratos comutativos (e não nos aleatórios, pois nestes as prestações envolvem risco e, por sua própria natureza, não precisam ser equilibradas), em que a contraprestação é um dar, e não um fazer. Além disso, não se exige, para a caracterização da lesão, que a outra parte saiba da necessidade ou da inexperiência do lesado, enquanto no estado de perigo tal ciência é considerada requisito essencial para a sua configuração. Vício social – Fraude contra credores – a fraude contra credores é vício social. Não é vício do consentimento porque não há vício algum na manifestação da sua vontade. Com efeito, a fraude contra credores é praticada com o intuito de prejudicar terceiros, ou seja, os credores. A sua regulamentação jurídica assenta-se no princípio do direito das obrigações segundo o qual o patrimônio do devedor responde por suas obrigações. Se ele o desfalca maliciosa e substancialmente, a ponto de não garantir mais o pagamento de todas as dívidas, tornando-se assim insolvente, com o seu passivo superando o ativo, configura-se a fraude contra credores. Elementos – Anterioridade do crédito – a anterioridade do crédito em face da prática fraudulenta está expressamente prevista no art. 158, §2º. É facilmente perceptível a razão dessa exigência. Quem contrata com alguém já insolvente não encontra patrimônio garantidor. Os credores posteriores não encontram a garantia almejada pela lei. Sua obrigação é certificar-se da situação patrimonial do devedor. OBS: 1) Sub-rogação e novação – uma hipótese a ser enfocada é a sub-rogação de crédito, quando esta é posterior ao ato fraudulento. Como a dívida é anterior, existe a anterioridade; a sub-rogação ou a cessão de crédito não desnaturam essa característica. O mesmo não se pode dizer da novação, em que há extinção da obrigação anterior e constituição de uma nova. 2) Créditos condicionais – quanto aos créditos condicionais, no que tange ao crédito sob condição resolutiva, não há dúvida de que o ato fraudulento o atinge. Com relação aos créditos sob condição suspensiva, há divergências na doutrina, pois, sendo seu implemento futuro, resta saber como colocar o requisito da anterioridade do crédito. Mesmo no caso de suspensividade da condição, há direito eventual do credor; existe, portanto, anterioridade e a proteção legal. Consilium fraudis ou conluio fraudulento – é a má-fé do terceiro adquirente, isto é, a ciência deste da situação de insolvência do alienante. Ao tratar da fraude contra credores, o legislador teve de optar entre proteger os interesses dos credores ou o do adquirente de boa-fé. Preferiu proteger o interesse deste. Assim, se ignorava a insolvência do alienante, nem tinha motivos para conhecê-la, conservará o bem, não se anulando o negócio. Não se exige, no entanto, que o adquirente esteja mancomunado ou conluiado com o alienante para lesar os credores deste. Basta a prova da ciência da sai situação de insolvência. OBS: Má-fé presumida – a lei (art. 159) presume a má-fé do adquirente quando a insolvência do alienante for notória (títulos protestados, várias execuções em andamento) ou quando houver motivo para ser conhecida do primeiro (parentesco próximo, preço vil, continuação dos bens alienados na posse do devedor, etc.). Eventus damni – é o prejuízo decorrente da insolvência. Assim, só se caracteriza a fraude contra credores se o devedor já for insolvente à época da alienação, ou se ele se tornou insolvente em razão do desfalque patrimonial promovido. Se for solvente, isto é, se o seu patrimônio bastar, com sobra, para o pagamento de suas dívidas, ampla é a sua liberdade de dispor de seus bens. Outras hipóteses legais – não só nas transmissões onerosas pode ocorrer fraude aos credores. O CC regulamenta, também, a ocorrida em atos de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, no pagamento antecipado de dívidas vincendas e na constituição de garantias a algum credor quirografário: Transmissão gratuita de bens (doações) ou remissão de dívida (perdão) – o art. 158 declara que poderão ser anulados pelos credores quirografários os atos de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, quando os pratique devedor já insolvente ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore. Nesses casos, os credores não precisam provar o conluio fraudulento (“consilium fraudis”), pois a lei presume a existência do propósito de fraude. Tendo de optar entre o direito dos credores, que procuram evitar um prejuízo, e o dos donatários (em geral, filhos ou parentes próximos do doador insolvente), que procuram assegurar um lucro, o legislador desta vez preferiu proteger os primeiros, que buscam evitar um prejuízo. A remissão de dívida também constitui uma liberalidade, que reduz o patrimônio do devedor. Daí a sua inclusão no aludido dispositivo legal. Pagamento pelo devedor já insolvente a credor quirografário de dívida ainda não vencida – a intenção da lei é colocar em situação de igualdade todos os credores. Presume-se, na hipótese, o intuito fraudulento e o credor beneficiado ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu (art. 162). Se a dívida já estiver vencida, o pagamento será considerado normal. Concessão de garantias de dívidas pelo devedor já insolvente a algum credor – também se presume o intuito fraudulento na concessão de garantias de dívidas (hipoteca, penhor, anticrese) pelo devedor já insolvente a algum credor, colocando-o em posição mais vantajose do que os demais, em detrimento da igualdade que deve existir entre os credores (art. 163). O que se anula, na hipótese, é somente a garantia, a preferência concedida a um dos credores (art. 165, § único). Continua ele, porém, como credor, retornando à condição de quirografário. OBS: 1) Validade dos negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família – presumem-se de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família (art. 164). Assim, o dono de uma loja não fica, só pelo fato de estar insolvente, impedido de continuar a vender as mercadorias expostas nas prateleiras de seus estabelecimento. Não poderá, contudo, alienar o próprio estabelecimento. 2) Depósito judicial do preço como forma de evitar a consumação da fraude contra credores e a anulação do negócio – admite-se, também, que o adquirente dos bens do devedor insolvente, que ainda não tiver pago o preço e desde que este seja, aproximadamente, o corrente, evite a consumação da fraude e a anulação do negócio, depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados, bem como que possa conservá-los, se o preço for inferior ao corrente, depositando em juízo a quantia que corresponda ao valor real (art. 160, § único). Ação pauliana ou revocatória – a ação anulatória do negócio celebrado em fraude contra os credores é chamada de “pauliana” (em atenção ao pretor Paulo, que a introduziu no direito romano) ou revocatória. O novo diploma civil manteve o sistema do anterior, segundo o qual a fraude contra credores acarreta a anulabilidade do negócio jurídico. Não adotou, assim, a tese de que se trataria de ineficácia relativa, defendida por grande parte da doutrina, segundo a qual, demonstrada a fraude ao credor, a sentença não anulará a alienação, mas simplesmente, como nos casos de fraude a execução, declarará a ineficácia do ato fraudatório perante o credor, permanecendo o negócio válido entre os contratantes, o devedor alienante e o terceiro adquirente. O STJ adotou a tese de anulabilidade, não admitindo a alegação de fraude contra credores em embargos de terceiro (Súmula 195 STJ – em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores). Legitimidade ativa – só estão legitimados a ajuizar ação pauliana os credores quirografário e que já o eram ao tempo da alienação fraudulenta (art. 158, caput, e §2º). Os que se tornaram credores depois da alienação já encontraram desfalcado o patrimônio do devedor e mesmo assim negociaram com ele. Nada podem, pois, reclamar. Os credores com garantia real não podem, em princípio, ajuizá-la porque já existe um bem determinado especialmente afetado à solução da dívida. Se for alienado, o credor privilegiado poderá exercer o direito de seqüela, penhorando-o nas mãos de quem quer que esteja. Poderão propô-la, no entanto, se a garantia se tornar insuficiente (art. 158, §1º). Legitimidade passiva – a ação pauliana deve ser proposta contra o devedor insolvente e também contra a pessoa com quem ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, bem como contra terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé (art. 161). Embora o dispositivo legal use o verbo “poderá”, que dá a impressão de ser uma faculdade do credor propor a ação contra todos, na verdade ele assim deverá proceder para que a sentença produza efeitos em relação também aos adquirentes (art. 472 CPC). De nada adianta acionar somente o alienante se o bem se encontra em poder dos adquirentes. Fraude contra credores x fraude à execução – a fraude contra credores não se confunde com a fraude à execução pelos seguintes motivos: A fraude contra credores visa à anulação e a fraude à execução, à declaração de ineficácia da alienação fraudulenta em relação ao credor, permanecendo o negócio válido entre os contratantes (devedor alienante e terceiro adquirente). A fraude contra credores é defeito do negócio jurídico regulado no CC. A fraude à execução é incidente do processo disciplinado pelo direito público. A fraude contra credores caracteriza-se quando ainda não existe nenhuma ação ou execução em andamento contra o devedor, embora possam existir protestos cambiários. A fraude a execução pressupõe demanda em andamento, capaz de reduzir o alienante à insolvência (art. 593, II, CPC). A jurisprudência dominante nos tribunais é no sentido de que esta somente se caracteriza quando o devedor já havia sido citado, na época da alienação. A doutrina, entretanto, considera fraude à execução qualquer alienação efetivada depois que a ação fora proposta (distribuída, segundo o art. 263 CPC). Sem dúvida, esta é a corrente mais justa, por impedir que o réu se oculte, enquanto cuida de dilapidar o seu patrimônio, para só depois então aparecer para ser citado, e a que mais se ajusta às expressões do art. 593, II, CPC (“quando ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo a insolvência”). A fraude contra credores deve ser pronunciada em ação pauliana ou revocatória, enquanto a fraude à execução pode ser reconhecida mediante simples petição, nos próprios autos. A caracterização da fraude contra credores, nas alienações onerosas, depende de prova do “consilium fraudis”, isto é, da má-fé do terceiro (prova esta dispensável quando se trata de alienação a título gratuito ou de remissão de dívida), enquanto a referida má-fé é sempre presumida na fraude a execução. Aduza-se que, se o adquirente, porventura, já transferiu o bem a outra pessoa, não se presume a má-fé desta, a qual deve, então, ser demonstrada, salvo se a alienação se deu depois do registro da penhora do bem. Decadência – art. 178, I e II – é de 4 anos o prazo de decadência para pleitear- se a anulação do negócio jurídico, contado: a) no caso da coação, do dia em que ela cessar; b) no caso do erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico. Invalidade do negócio jurídico – a expressão “invalidade” abrange a nulidade e a anulabilidade do negócio jurídico. É empregada para designar o negócio que não produz os efeitos desejados pelas partes, o qual será classificado pela forma mencionada (nulidade ou anulabilidade) de acordo com o grau de imperfeição verificado. Negócio jurídico inexistente – o negócio é inexistente quando lhe falta algum elemento estrutural, como o consentimento (manifestação da vontade), por exemplo. Se não houve qualquer manifestação de vontade, o negócio não chegou a se formar; inexiste, portanto. A teoria do negócio jurídico inexistente é, hoje, admitida em nosso direito. Por se constituir em um nada no mundo jurídico, não reclama ação própria para combatê-lo, nem há necessidade de o legislador mencionar os requisitos de existência, visto que o seu conceito encontra-se na base do sistema dos fatos jurídicos. Às vezes, no entanto, a aparência material do ato apresenta evidências que enganam, justificando-se a propositura da ação para discutir e declarar a sua inexistência. Para efeitos práticos, tal declaração terá as mesmas conseqüências da declaração de nulidade. Negócio jurídico nulo – o negócio é nulo quando ofende preceitos de ordem pública, que interessam à sociedade. Assim, quando o interesse público é lesado, a sociedade o repele, fulminando-o de nulidade, evitando que venha a produzir os efeitos esperados pelo agente. São as hipóteses legais de nulidade, considerando-se nulo o ato quando: Praticado por pessoa absolutamente incapaz (art. 166, I). For ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto (art. 166, II). O motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito (art. 166, III). Não revestir a forma prescrita em lei (art. 166, IV). For preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade (art. 166, V). Tiver por objetivo fraudar a lei imperativa (art. 166, VI). A lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção (art. 166, VII) – algumas vezes, a lei expressamente declara nulo determinado negócio (ex.: arts. 489, 548, 549, 1428, 1475, 1548, etc.). Nesses casos, diz-se que a nulidade é expressa ou textual. Outras vezes a lei não declara expressamente a nulidade do ato mas proíbe a sua prática ou submete a sua validade à observância de certos requisitos de interesse geral. Utiliza-se, então, de expressões como “não pode” (arts. 426 e 1521), “não se admite” (art. 380), “ficará sem efeito” (arts. 483 e 485), etc. Em tais hipóteses, dependendo da natureza da disposição violada, a nulidade será subentendida, sendo chamada de virtual ou implícita. For simulado, subsistindo o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma (art. 167). Negócio jurídico anulável – o negócio é anulável (nulidade relativa) quando ofende interesse particular. Quando a ofensa atinge o interesse particular de pessoas que o legislador pretendeu proteger, sem estar em jogo interesses sociais, faculta-se a estas, se desejarem, promover a anulação do ato. Trata-se de negócio anulável, que será considerado válido se o interessado se conformar com os seus efeitos e não o atacar, nos prazos legais, ou confirmar. A anulabilidade visa à proteção do consentimento ou refere-se à incapacidade do agente. Assim, o CC declara que, além dos casos expressamente previstos em lei, é anulável o negócio jurídico por: Incapacidade relativa do agente (art. 171, I). Vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores (art. 171, II). Nulidade x anulabilidade (nulidade relativa) – Principais diferenças – A anulabilidade é decretada no interesse privado da pessoa prejudicada. Nela não se vislumbra o interesse público mas a mera conveniência das partes. A nulidade é de ordem pública e decretada no interesse da própria coletividade. A anulabilidade pode ser suprida pelo juiz, a requerimento das partes (art. 168, § único, a contrario sensu), ou sanada, expressa ou tacitamente, pela confirmação (art. 172). Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validado se este a der posteriormente (art. 176). A nulidade não pode ser sanada pela confirmação nem suprida pelo juiz. A anulabilidade não pode ser pronunciada de ofício. Depende de provocação dos interessados (art. 177) e não opera antes de julgada por sentença. O efeito de seu reconhecimento é, portanto, “ex nunc” (o negócio produz efeitos até o momento em que é anulado). A nulidade, ao contrário, deve ser pronunciada de ofício pelo juiz (art. 168, § único) e seu efeito é “ex tunc”, pois retroage à data do negócio, para lhe negar efeitos. A manifestação judicial nesse caso é, então, de natureza meramente declaratória. Na anulabilidade a sentença é de natureza desconstitutiva, pois o negócio anulável vai produzindo efeitos até ser pronunciada a sua invalidade. A anulabilidade, assim, deve ser pleiteada em ação judicial. A nulidade quase sempre opera de pleno direito e deve ser pronunciada de ofício pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e a encontrar provada (art. 168, § único). Somente se justifica a propositura de ação para esse fim quando houver controvérsia sobre os fatos constitutivos da nulidade (dúvida sobre a existência da própria nulidade). Se tal não ocorre, ou seja, se ela consta do instrumento, ou se há prova literal, o juiz a pronuncia de ofício. A anulabilidade só pode ser alegada pelos interessados, isto é, pelos prejudicados (o relativamente incapaz e o que manifestou a vontade viciada), sendo que os seus efeitos aproveitam apenas aos que a alegaram, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade (art. 177). A nulidade pode ser alegada por qualquer interessado, em nome próprio, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir, em nome da sociedade que representa (art. 168). Ocorre a decadência da anulabilidade em prazos mais ou menos curtos. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de 2 anos, a contar da data da conclusão do ato (art. 179). Negócio nulo não se valida com o decurso do tempo, nem é suscetível de confirmação (art. 169). Mas a alegação do direito pode esbarrar no usucapião consumado. OBS: O ato nulo não produz nenhum efeito? Deve-se ponderar a afirmação de que o ato nulo nenhum efeito, pois ela não tem sentido absoluto e significa, na verdade, que o ato é destituído dos efeitos que normalmente lhe pertencem. Isto porque, algumas vezes, determinadas conseqüências emanam do ato nulo, como ocorre no casamento putativo. Outras vezes, a venda nula não acarreta a transferência do domínio mas vale como causa justificativa da posse de boa-fé. No direito processual, a citação nula por incompetência do juiz interrompe a prescrição e constitui o devedor em mora (art. 219 CPC). Confirmação ou ratificação – é cabível somente nas hipóteses de anulabilidade. A confirmação pode ser expressa ou tácita e retroage à data do ato. Expressa quando há uma declaração de vontade que contenha a substância do negócio celebrado, sendo necessário que a vontade de mantê-lo seja explícita (art. 173), devendo observar a mesma forma do ato praticado. Tácita quando a obrigação já foi cumprida em parte pelo devedor, ciente do vício que a inquinava (art. 174), ou quando deixa consumar-se a decadência de seu direito. Expressa ou tácita, importa a extinção de todas as ações ou exceções de que dispusesse o devedor contra o negócio anulável (art. 175). A confirmação não poderá, entretanto, ser efetivada para prejudicar terceiro (art. 172). Seria a hipótese, por exemplo, da venda de imóvel feita por relativamente incapaz, sem estar assistido, e que o vendeu também a terceiro, assim que completou a maioridade. Nesse caso, não poderá confirmar a primeira alienação para não prejudicar os direitos do segundo adquirente. Conversão do negócio jurídico - o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo, como se viu. Porém, se o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade, conforme preceitua o art. 170. Trata-se de hipótese em que o negócio jurídico nulo não pode prevalecer na forma querida pelas partes, mas seus elementos são suficientes para caracterizar outro. Analisa-se a pressuposição das partes. É a transformação de um negócio jurídico nulo em outro de natureza diversa. Não será fácil sua existência, na prática. Aproveita- se a finalidade do ato desejado pelas partes sempre que for possível e não for obstado pelo ordenamento. Trata-se da denominada conversão substancial do negócio jurídico, quando o negócio vale, em síntese, em sua substância, em seu conteúdo formal (ex.: uma escritura pública nula de compra e venda de imóvel poderia ser admitida como compromisso de compra e venda, para o qual não existe necessidade de escritura; uma nota promissória nula por não conter os requisitos formais pode ser convertida em uma confissão de dívida plenamente válida; etc.). Para viabilidade da conversão há necessidade de requisitos que a doutrina aponta: identidade de substância e de forma entre os dois negócios (nulo e convertido), isto é, identidade de objeto num e noutro e adequação do negócio substitutivo à vontade hipotética das partes. Na conversão do negócio jurídico, vê-se um fenômeno posto à disposição das partes, no sentido de que seja aproveitada a manifestação de vontade que fizeram, desde que não seja contrariada sua intenção. Disposições especiais – Anulado o negócio jurídico por nulidade ou anulabilidade, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente – art. 182 – a parte final aplica-se às hipóteses em que a coisa não mais existe ou foi alienada a terceiro de boa-fé. Exceção – o CC, no art. 181, abre uma exceção em favor dos incapazes, ao dispor que “ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga”. Provado que o pagamento nulo reverteu em proveito do incapaz, determina-se a restituição, porque ninguém pode locupletar-se à custa alheia. Sem tal prova, mantém-se inalterada a situação. O ônus da prova incumbe a quem pagou. Relativamente incapaz que oculta dolosamente a sua idade – art. 180 – o menor, entre 16 e 18 anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, espontaneamente declarou-se maior, perdendo, por isso, a proteção da lei. A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico, sempre que este puder provar-se por outro meio – art. 183 – assim, por exemplo, a nulidade da escritura de mútuo de pequeno valor não invalida o contrato, porque pode ser ele provado por testemunhas. Mas será diferente se a escritura pública for da substância do ato, como no contrato de mútuo com garantia hipotecária. A invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável – art. 184 – trata-se da aplicação do princípio “utile per inutile non vitiatur”. Assim, por exemplo, se o testador, ao mesmo tempo em que dispôs dos seus bens para depois da sua morte, aproveitou a cédula testamentária para reconhecer filho havido fora do casamento, invalidada esta por inobservância das formalidades legais, não será prejudicado o referido reconhecimento, que pode ser feito até por instrumento particular, sem formalidades (art. 1609, II). A invalidade da hipoteca também, por falta de outorga uxória, impede a constituição do ônus real, mas é aproveitável como confissão de dívida. A invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal – art. 184 – a regra consiste em aplicação do princípio “accessorium sequitur suum principale”. Assim, a nulidade da obrigação principal acarreta a nulidade da cláusula penal e a da dívida acarreta a da hipoteca. Mas a nulidade da obrigação acessória não importa a da obrigação principal. Simulação – é uma declaração falsa, enganosa, da vontade, visando aparentar um negócio diverso do efetivamente desejado. Negócio simulado é, assim, o que tem aparência contrária à realidade. A simulação é produto de um conluio entre os contratantes, visando obter efeito obter efeito diverso daquele que o negócio aparenta conferir. É um vício social porque objetiva iludir terceiros e fraudar a lei. Pelo regime do novo CC, a simulação (absoluta ou relativa) acarreta a nulidade do negócio simulado. Se relativa, subsistirá o negócio dissimulado, se válido for na forma e substância (art. 167). Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado (art. 167, §2º) Simulação absoluta e relativa – a simulação pode ser: Absoluta – na simulação absoluta, as partes na realidade não realizam nenhum negócio. Apenas fingem, para criar uma aparência, uma ilusão externa, sem que na verdade desejem o ato. Em geral, destina-se a prejudicar terceiro , subtraindo os bens do devedor à execução ou partilha (ex.: a falsa confissão de dívida perante amigo, com concessão de garantia real, para esquivar-se da execução de credores quirografários). Relativa – na simulação relativa, as partes pretendem realizar determinado negócio, prejudicial a terceiro ou em fraude à lei. Para escondê-lo ou dar-lhe aparência diversa, realizam outro negócio. Compõe, pois, de dois negócios: um deles é o simulado, aparente, destinado a enganar; o outro é o dissimulado, oculto, mas verdadeiramente desejado. O negócio aparente, simulado, serve apenas para ocultar a efetiva intenção dos contratantes, ou seja, o negócio real (ex.: partes passam escritura por valor menor para burlar o fisco; homem casado que, para contornar a proibição legal de fazer doação à concubina, simula a venda a um terceiro que transferirá o bem àquela; etc.). Hipóteses legais de simulação – Por interposição de pessoa – é a hipótese do negócio que aparenta conferir ou transmitir direitos a pessoa diversa daquela à qual realmente se confere ou transmite (ex.: homem casado que, para contornar a proibição legal de fazer doação à concubina, simula a venda a um terceiro que transferirá o bem àquela). Por ocultação da verdade na declaração – outra hipótese é a do negócio que contenha declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira (ex.: partes passam escritura por valor menor para burlar o fisco) Por falsidade de data – é a hipótese do instrumento particular ser antedatado ou pós-datado. OBS: 1) Simulação x dolo – a simulação difere do dolo porque neste a vítima participa da avença, porém sendo induzida em erro. Na simulação, as vítimas são os terceiros iludidos pelo negócio, que dele não participaram (daí porque trata-se de um vício social e não de um vício do consentimento). 2) Simulação x dissimulação – a simulação não se confunde com a dissimulação, embora em ambas haja o propósito de enganar. Na simulação, procura-se aparentar o que não existe; na dissimulação, oculta-se o que é verdadeiro. Na simulação há o propósito de enganar sobre a existência de situação não verdadeira; na dissimulação, sobre a inexistência de situação real. 3) Prova – tendo em vista a dificuldade para se provar o ardil, expediente astucioso, admite-se a prova da simulação por indícios e presunções (arts. 332 e 335 CPC). 4) Negócio jurídico fiduciário x negócio jurídico simulado – no negócio fiduciário, o meio excede o fim. Verifica-se, por exemplo, quando alguém transfere a propriedade ou titularidade de um bem ou direito a outra pessoa, para determinado fim (em geral, de administração), com a obrigação de restituí- la ou transmiti-la a terceiro. Trata-se de negócio lícito e sério, perfeitamente válido, e que se desdobra em duas fases. Na primeira, ocorre verdadeiramente a transmissão da propriedade. Na segunda, o adquirente fiduciário se obriga a restituir o bem ao fiduciante. Esses negócios compõem-se de dois elementos: a confiança e o risco. A transmissão da propriedade é ato verdadeiro, tanto que se o fiduciário recusar-se a restituir o bem, caberá ao fiduciante somente pleitear as perdas e danos, como conseqüência do inadimplemento da obrigação de o devolver. Não é considerado negócio simulado, malgrado a transferência da propriedade seja feita sem a intenção de que o adquirente se torne verdadeiramente proprietário do bem. Não há a intenção de prejudicar terceiros ou fraudar a lei. Já o negócio simulado, por sua vez, é o que tem aparência contrária à realidade. Embora neste ponto haja semelhança com o negócio fiduciário, as declarações de vontade são falsas. As partes aparentam conferir direitos a pessoas diversas daquelas a quem realmente os conferem. Ou fazem declarações não verdadeiras, para fraudar a lei ou o fisco. O negócio simulado é nulo (art. 167). 7 DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA Introdução à prescrição – o decurso do tempo tem influência na aquisição e na extinção de direitos. Distinguem-se, pois, duas espécies de prescrição: a extintiva e a aquisitiva (usucapião). O CC regulamentou a prescrição extintiva na Parte Geral (arts.189 a 196) e seus prazos (arts. 205 e 206), dando ênfase à força extintora do direito. No direito das coisas, na parte referente aos modos de aquisição do domínio, tratou da prescrição aquisitiva, em que predomina a força geradora. Em um e outro caso, no entanto, ocorrem dois fenômenos: alguém ganha e, em conseqüência, alguém perde. Como o elemento “tempo” é comum às duas espécies de prescrição, dispõe o art. 1244 que as causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição também se aplicam à usucapião. Finalidade da prescrição – o instituto da prescrição é necessário para que haja tranqüilidade na ordem jurídica, pela consolidação de todos os direitos. Dispensa a infinita conservação de todos os recibos de quitação, bem como o exame dos títulos do alienante e de todos os seus sucessores, sem limite de tempo. Com a prescrição da dívida, basta conservar os recibos até a data em que esta se consuma,, ou examinar o título do alienante e os de seus predecessores imediatos, em um período de 10 anos, apenas. Prescrição extintiva – é a perda da pretensão pelo não exercício de um direito durante certo lapso de tempo. Hoje predomina o entendimento, na moderna doutrina, de que a prescrição extingue a pretensão, que é a exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio. O direito material violado dá origem à pretensão (art. 189), que é deduzida em juízo por meio da ação. Extinta a pretensão, não há ação. Portanto, a prescrição extingue a pretensão, atingindo também a ação. Requisitos – a prescrição tem como requisitos: A inércia do titular, ante a violação de um direito seu. O decurso do tempo fixado em lei. Prazos prescricionais – Prazo geral – art. 205 – é de 10 anos, quando a lei não fixar prazo especial menor. Prazos especiais – art. 206 – prescreve: Em 1 ano – A pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos. A pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo: a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador; b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão. A pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários. A pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital da sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo. A pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade. Em 2 anos – A pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem. Em 3 anos – A pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos. A pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias. A pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de 1 ano, com capitalização ou sem ela. A pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa. A pretensão de reparação civil. A pretensão de restituição dos lucros e dividendos havidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição. A pretensão contra as pessoas em seguida indicadas, por violação da lei do estatuto, contado o prazo: a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima; b) para os administradores ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deve tomar conhecimento; c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação. A pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial. A pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório. Em 4 anos – A pretensão, relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas. Em 5 anos – A pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular. A pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato. A pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo. Termo de início de contagem do prazo prescricional – a prescrição se inicia no momento em que há violação do direito (art. 189). Causas que impedem ou suspendem a prescrição – o CC agrupou as causas que suspendem ou impedem a prescrição em uma mesma seção, entendendo que estão subordinadas a uma unidade fundamental. As mesmas causas ora impedem, ora suspendem a prescrição, dependendo do momento em que surgem. Se o prazo ainda não começou a fluir, a causa ou obstáculo impede que comece. Se, entretanto, o obstáculo surge após o prazo ter-se iniciado, dá- se a suspensão. Nesse caso, somam-se os períodos, isto é, cessada a causa de suspensão temporária, o lapso prescricional volta a fluir somente pelo tempo restante (diferentemente da interrupção, que será estudada a seguir, em que o período já decorrido é desconsiderado e o prazo volta a correr novamente por inteiro). A justificativa para a suspensão da prescrição está na consideração legal de que certas pessoas, por sua condição ou pela situação em que se encontram, estão impedidas de agir. Assim, não corre a prescrição (arts. 197, 198 e 199): Entre cônjuges, na constância da sociedade conjugal. Entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar. Entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela. Contra os absolutamente incapazes – não corre prescrição contra os absolutamente incapazes, ou seja, quando teriam o direito de propor a ação; mas corre prescrição a favor dos absolutamente incapazes, isto é, quando poderiam ser acionados). Contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios e contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra. – o CC buscou proteger pessoas que se encontram em situações especiais Pendendo condição suspensiva – o direito ainda não se tornou exigível, não sendo possível falar, pois, em prescrição. Não estando vencido o prazo – o direito ainda não se tornou exigível, não sendo possível falar, pois, em prescrição. Pendendo ação de evicção – se terceiro propõe ação de evicção, fica suspensa a prescrição até o seu desfecho final. Nesse dispositivo, observa-se a aplicação do princípio da “actio nata”, pelo qual somente se pode falar em fluência de prazo prescricional desde que haja uma ação a ser exercitada, em virtude da violação do direito. Enquanto não nasce a pretensão, não começa a fluir o prazo prescricional. É da violação do direito que nasce a pretensão, que por sua vez dá origem à ação. E a prescrição começa a correr desde que a pretensão teve origem, isto é, desde a data em que a violação do direito se verificou. Outras hipóteses legais e jurisprudenciais – outros casos de suspensão foram criados por leis especiais (ex.: art. 440 CLT, art. 147 da Lei de Falências, etc.). A jurisprudência admite a suspensão da prescrição em caso de obstáculo judicial (ex.: greve dos servidores). OBS: 1) Fatos que devam ser apurados no juízo criminal – tendo em vista que a sentença penal condenatória constitui título executivo judicial (art. 935 CC e art. 584, II, CPC), prescreve o art. 200 que, quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva. 2) Suspensão da prescrição e solidariedade – dispõe o art. 201 que, “suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível”. A prescrição é benefício pessoal e só favorece as pessoas taxativamente mencionadas, mesmo na solidariedade. Assim, existindo três credores contra devedor comum de importância em dinheiro, sendo um dos credores absolutamente incapaz, por exemplo, a prescrição correrá contra os demais credores, pois a obrigação de efetuar pagamento em dinheiro é divisível, ficando suspensa somente em relação ao menor. Se se tratasse, porém de obrigação indivisível (ex.: entregar um animal), a prescrição somente começaria a fluir, para todos, quando o incapaz completasse 16 anos. Sendo o direito indivisível, a suspensão aproveita a todos os credores. Causas que interrompem a prescrição – a interrupção da prescrição depende, em regra, de um comportamento ativo do credor. Qualquer ato de exercício ou proteção ao direito interrompe a prescrição, extinguindo o tempo já decorrido, que volta a correr por inteiro. O efeito da interrupção é instantâneo: “a prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para interromper (art. 202, § único). Sempre que possível a opção, ela se verificará pela maneira mais favorável ao devedor. Além disso, os efeitos da prescrição são pessoais. Em conseqüência, a interrupção da prescrição feita por um credor não aproveita aos outros, assim como aquela promovida contra um devedor não prejudica os demais coobrigados (art. 204). Essa regra, porém, admite exceção: a interrupção por um dos credores solidários (solidariedade ativa) aproveita aos outros; assim como a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros (solidariedade passiva). A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedores (o prazo para estes continuará a correr), a não ser quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis. Nesse caso, todos os herdeiros ou devedores solidários sofrem os efeitos da interrupção da prescrição, passando a correr contra todos eles o novo prazo prescricional. Anote-se, ainda, que a interrupção da prescrição somente poderá ocorrer uma vez (art. 202). A restrição é justificável para que não se eternizem as interrupções da prescrição. A prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado (art. 203), como, por exemplo, o próprio titular do direito em via de prescrição, quem legalmente o represente ou, ainda, terceiro que tenha legítimo interesse (herdeiros do prescribente, seus credores e o fiador do devedor). O art. 202 indica as causas que interrompem a prescrição: Despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual – pelo sistema do vigente estatuto processual civil, a prescrição considera-se interrompida na data da distribuição, onde houver mais de uma vara, ou do despacho inicial, nas comarcas de vara única. Mas não é este nem aquela que a interrompem, mas sim a citação, operando, porém, retroativamente à referida data. O efeito interruptivo decorre, pois, da citação válida, que retroagirá à data da distribuição ou despacho inicial, conforme o caso, se promovida no prazo e na forma estabelecida no CPC, isto é, nos 10 dias seguintes à prolação do despacho inicial. Frise-se que a parte não pode ser prejudicada por obstáculo judicial para o qual não tenha concorrido, isto é, pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário. Não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de 90 dias. Efetuada a citação nos 10 dias ou nos 90 da prorrogação, a interrupção da prescrição retroagirá. De acordo, porém, com o art. 202, I, CC, que é lei posterior, a interrupção retroagirá à data do despacho. Mas, proposta a ação no prazo fixado para seu exercício, a demora na obtenção do despacho ou na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência (Súmula 106 STJ). Se os prazos legais de 10 e 90 dias forem ultrapassados, nem por isso a citação valida deixa de produzir seus efeitos regulares, exceto quanto ao efeito de interromper a prescrição retroativamente. Se o prazo prescricional já decorreu, haver-se-á por não interrompida a prescrição, não se efetuando a citação nos aludidos prazos. A citação ordenada por juiz incompetente interrompe a prescrição, para beneficiar aqueles que de boa-fé peticionam perante juiz incompetente. Não se admitem, porém, abusos. É preciso, também, que seja válida, isto é, não seja nula por inobservância das formalidades legais. OBS: Interrupção da prescrição e citação em processo anulado – tem-se entendido que a citação em processo anulado é idônea para interromper a prescrição, não tendo a nulidade sido decretada exatamente por vício de citação. Assim, decretada a nulidade do processo, sem ser atingida a citação, houve interrupção e continua eficaz. A Comissão Revisora do Projeto do Novo Código Civil observou que: “o efeito interruptivo não se dá em atenção à sentença, mas decorre da citação. A propositura da ação demonstra inequivocamente que o autor, cujo direito diz violado, não está inerte. Se o simples protesto judicial basta para interromper a prescrição, por que não bastará a citação em processo que se extinga sem julgamento de mérito?”. A referida Comissão acrescentou que “a interrupção da prescrição, pelo Projeto, se dá com a inequivocidade de que o titular do direito violado não está inerte”. Se há nulidade processual, nem por isso se deve desproteger o titular do direito violado, que demonstrou não estar inerte, para beneficiar o violador do direito. Protesto judicial, ainda que ordenado por juiz incompetente – trata-se do protesto judicial, medida cautelar autorizada pelo art. 867 CPC, ainda que ordenado por juiz incompetente. Protesto cambial – é o protesto efetivado nos Cartórios de Protestos e que indica, inequivocamente, que o titular do direito violado não está inerte. Apresentação de título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores – a habilitação do credor em inventário, nos autos da falência ou da insolvência civil, constitui comportamento ativo que demonstra a intenção do titular do direito em interromper a prescrição. Qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor – diante da generalização, inclui-se na hipótese toda manifestação ativa do credor, em especial a propositura de medidas cautelares, notadamente notificações e interpelações. Qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor – esta é a única hipótese em que a interrupção da prescrição ocorre sem a manifestação volitiva do credor. Incluem-se, nesses atos de reconhecimento de dívida, por exemplo, pagamentos parciais, pedidos de prorrogação de prazo ou de parcelamento, pagamento de juros, etc. Outras causas previstas em leis especiais – ressalte-se que outras causas interruptivas da prescrição são previstas em leis especiais. OBS: Interrupção da prescrição do devedor principal x fiador – dispõe o art. 204, §3º, que a interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador. Como a fiança é contrato acessório, e este segue o destino do principal, se a interrupção foi promovida apenas contra o principal devedor ou afiançado, o prazo se restabelece também contra o fiador, que fica, assim, prejudicado. O contrário, entretanto, não é verdadeiro: a interrupção operada contra o fiados não prejudica o devedor, pois o principal não segue o destino do acessório. Pretensões imprescritíveis – a pretensão é deduzida em juízo por meio da ação. À primeira vista, tem-se a impressão de que não há ações imprescritíveis, na sistemática do CC, pois a prescrição ocorre em prazos especiais, discriminados no art. 206, ou no prazo geral de dez anos, previsto no art. 205. Entretanto, a doutrina aponta várias pretensões imprescritíveis, afirmando que a prescritibilidade é a regra e a imprescritibilidade, a exceção. Assim, não prescrevem as seguintes pretensões: As que protegem os direitos da personalidade, como direito à vida, à honra, à liberdade, à integridade física ou moral, etc. As que se prendem ao estado das pessoas, como estado de filiação, qualidade de cidadania, condição conjugal, etc. Não prescrevem, assim, as ações de separação judicial, de interdição, de investigação de paternidade, etc. As de exercício facultativo ou potestativo, assim entendidas as pretensões cuja existência não depende de direito violado, como as destinadas a extinguir o condomínio, a de pedir meação no muro vizinho, etc. As referentes a bens públicos de qualquer natureza, que são imprescritíveis. As que protegem o direito de propriedade, que é perpétuo (reivindicatória). As de reaver bens confiados à guarda de outrem, a título de depósito, penhor ou mandato. Renúncia da prescrição – o CC não admite a renúncia prévia da prescrição, isto é, antes que se tenha consumado (art. 191). Não se admite a renúncia prévia nem de prescrição em curso, porque o referido instituto é de ordem pública e a renúncia tornaria a ação imprescritível por vontade da parte. Entretanto, poderá haver renúncia da prescrição desde que: A prescrição já esteja consumada. A renúncia não prejudique terceiros (terceiros eventualmente prejudicados são os credores, pois a renúncia à possibilidade de alegar a prescrição pode acarretar a diminuição do patrimônio do devedor). Disposições legais específicas sobre prescrição – A exceção prescreve nos mesmos prazos da pretensão – art. 190 – o que se quer evitar é que, prescrita a pretensão, o direito com pretensão prescrita possa ser utilizado perpetuamente a título de exceção como defesa. Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes – art. 192 – a prescrição em curso não cria direito adquirido, podendo o seu prazo ser reduzido ou ampliado por lei superveniente, ou transformado em prazo decadencial. Não se admite, porém, ampliação ou redução de prazo prescricional pela vontade das partes. No primeiro caso, importaria renúncia antecipada da prescrição, vedada por lei (art. 191). A possibilidade de se reduzir o prazo, que constituída questão polêmica, foi afastada pelo art. 192. A prescrição pode ser alegada pela parte a quem aproveita em qualquer grau de jurisdição – art. 193 – a prescrição pode ser alegada em qualquer fase ou estado da causa, em primeira ou em segunda instância. Pode, portanto, ser alegada em qualquer fase do processo de conhecimento, ainda que o réu tenha deixado de invocá-la na contestação, não significando renúncia tácita a falta de invocação na primeira oportunidade em que falar no processo. Considera-se que, se essa defesa não foi, desde o primeiro momento, invocada, é porque o réu, provavelmente, teria confiado nos outros meios de defesa, o que não tolhe o efeito da prescrição. A única conseqüência da tardia alegação diz respeito aos ônus da sucumbência: são indevidos honorários advocatícios em favor do réu, se este deixou de alegar a prescrição de imediato, na oportunidade da contestação, deixando para fazê-lo somente em grau de apelação (art. 22 CPC). OBS: 1) Inadmissibilidade de invocação da prescrição na fase de liquidação de sentença – na fase de liquidação de sentença, é inadmissível a invocação de prescrição, que deve ser objeto de deliberação se argüida na fase cognitiva do processo. A que pode ser alegada mesmo na fase de execução é a prescrição superveniente à sentença (art. 741, VI, CPC). 2) Inadmissibilidade de invocação da prescrição em Resp e RE se a matéria não foi ventilada anteriormente – se a prescrição não foi suscitada na instância ordinária (primeira e segunda instância), é inadmissível a sua argüição no recurso especial, perante o STJ, ou no recurso extraordinário, interposto perante o STF, por faltar o prequestionamento exigido nos regimentos internos desses tribunais. O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz – art. 194 – não pode o juiz, portanto, conhecer da prescrição, se não foi invocada pelas partes, salvo em benefício de absolutamente incapaz. Essa ressalva, que não favorece o relativamente incapaz, constitui inovação, pois não constava no CC 1916. Direito de regresso dos relativamente incapazes e pessoas jurídicas contra os seus assistentes ou representantes legais que deram causa à prescrição – art. 195 – os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes ou representantes legais que deram causa à prescrição ou não a alegaram oportunamente. Se o tutor do menor púbere, por exemplo, culposamente, permitir que a ação do tutelado prescreva, deverá indenizá-lo pelo prejuízo ocasionado. Trata-se de uma regra de proteção dos incapazes e das pessoas jurídicas em geral, que reafirma o art. 186. Entretanto, não abrange os absolutamente incapazes porque contra estes não corre a prescrição (art. 198, I). A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu sucessor – art. 196 – é a chamada “accessio praescriptionis”. Assim, o herdeiro do “de cujus” disporá apenas do prazo faltante para exercer a ação, quando esse prazo iniciou-se com o autor da herança. O prazo, desse modo, não se inicia novamente, com a morte deste. Não só o prazo contra mas também a favor do sucessor, que tanto pode ser inter vivos como causa mortis, a título universal (herdeiro) como a título singular (legatário), continua a correr. Prescrição e institutos afins – Preclusão – consiste na perda de uma faculdade processual, por não ter sido exercida no momento próprio. Impede que se renovem as questões já decididas, dentro da mesma ação. Só produz efeitos dentro do próprio processo em que advém. Perempção – consiste na perda do direito de ação pelo autor contumaz, que deu causa a três arquivamentos sucessivos (art. 268, § único, CPC). Não extingue o direito material nem a pretensão, que passam a ser oponíveis somente como defesa. OBS: Retroatividade da lei prescricional – com respeito à retroatividade da lei prescricional, preleciona Câmara Leal: “Estabelecendo a nova lei um prazo mais curto de prescrição, essa começará a correr da data da nova lei, salvo se a prescrição iniciada na vigência da lei antiga viesse a completar-se em menos tempo, segundo essa lei, que, nesse caso, continuaria a regê-la, relativamente ao prazo”. O CDC, por exemplo, estabeleceu prazo prescricional de cinco anos para as ações pessoais. Os prazos vintenários do CC 1916 que estavam em curso, referentes a relações de consumo, recomeçaram a correr por cinco anos, a contar da nova lei, nos casos em que o tempo faltante era superior. Quando a lei nova estabelece um prazo mais longo de prescrição, a consumação se dará ao final desse novo prazo, contando-se, porém, para integrá-lo, o tempo já decorrido na vigência da lei antiga. Nas “Disposições Transitórias”, o novo CC estabeleceu a seguinte regra: “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”. Decadência – é a perda de um direito pela falta de seu exercício no prazo assinalado em lei. O CC 1916 não se referia, expressamente, à decadência. Englobava, indiscriminadamente, em um mesmo capítulo, as causas devidas à fluência do tempo, aparecendo todas sob a denominação genérica de prescrição. O novo CC, contudo, optou por uma fórmula segura de distinção, considerando prescricionais somente os prazos taxativamente discriminados na Parte Geral, nos arts. 205 (regra geral) e 206 (regras especiais), sendo decadenciais todos os demais, estabelecidos como complemento de cada artigo que rege a matéria, tanto na Parte Geral como na Especial. Na decadência, que é instituto de direito substantivo, há a perda de um direito previsto em lei. O legislador estabelece que certo ato terá de ser exercido dentro de determinado tempo, fora do qual ele não poderá mais efetivar-se porque dele decaiu o seu titular. A decadência se consubstancia, pois, no decurso infrutífero de um termo prefixado para o exercício do direito. O tempo age em relação à decadência como um requisito do ato, pelo que a própria decadência é a sanção conseqüente da inobservância de um termo. Quando um direito potestativo não é exercido, extrajudicialmente ou judicialmente, conforme o caso, dentro do prazo para exercê-lo, ocorre a decadência desse direito potestativo. Ora, os direitos potestativos são direitos sem pretensão, pois são insuscetíveis de violação, já que a eles não se opõe um dever de quem quer que seja, mas uma sujeição de alguém (o meu direito de anular um negócio jurídico não pode ser violado pela parte a quem a anulação prejudica, pois esta está apenas sujeita a sofrer as conseqüências da anulação decretada pelo juiz, não tendo, portanto, dever algum que possa descumprir). Assim, se a hipótese não é a de violação de um direito (quando se exerce, judicialmente, o direito de anular um negócio jurídico, não se está pedindo condenação de ninguém por violação de direito, mas, apenas, exercendo um direito por via judicial), mas há prazo para exercer esse direito, prazo esse que não é nem do art. 205, nem do art. 206, mas se encontra em outros artigos, esse prazo é de decadência. Decadência legal e decadência convencional – a decadência pode resultar da lei (decadência legal), ou do contrato ou testamento (decadência convencional). Quando a decadência é legal, o juiz está obrigado a conhecê-la de ofício (art. 210), ainda que se trate de direitos patrimoniais. Já se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação (art. 211). Inaplicabilidade à decadência das normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição – art. 207 – prescreve o CC, em seu art. 207, que, “salvo disposição em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição”. Em princípio, pois, os prazos decadenciais são fatais e peremptórios, pois não se suspendem, nem se interrompem. A inserção da expressão “salvo disposição em contrário” no aludido dispositivo tem a finalidade de definir que tal regra não é absoluta, bem como de esclarecer que não são revogados os casos em que um dispositivo legal, atualmente em vigor (ex.: art. 26, §2º, CDC), determine, para atender a hipótese especialíssima, a interrupção ou suspensão do prazo de decadência. Tal ressalva também tem o condão de acentuar que a regra do art. 207 é de caráter geral, só admitindo exceções por lei, e não pela simples vontade das partes quando a lei não lhes dá tal faculdade. Direito de regresso dos relativamente incapazes e pessoas jurídicas, e não fluência do prazo decadencial contra absolutamente incapazes – art. 208 – o art. 208 determina que se aplique à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, I, que dizem respeito a incapazes. Assim, assegura-se aos relativamente incapazes e pessoas jurídicas o direito de ação contra seus assistentes ou representantes legais que deixarem fluir o prazo decadencial ou não o alegarem oportunamente. Além disso, não flui o prazo decadencial contra os absolutamente incapazes. Impossibilidade de renúncia à decadência fixada em lei – art. 209 – proclama o art. 209 que “é nula a renúncia à decadência fixada em lei”. A irrenunciabilidade decorre da própria natureza da decadência. O referido dispositivo, contudo, considera irrenunciável apenas o prazo de decadência estabelecido em lei, e não os convencionais, como o pactuado na retrovenda, em que, por exemplo, pode-se estabelecer que o prazo de decadência do direito de resgate seja de um ano a partir da compra e venda e, depois, renunciar-se a esse prazo, prorrogando-se-o até 3 anos, que é o limite máximo estabelecido em lei. Prescrição x decadência – para diferenciar ambos os institutos, pode-se afirmar que: A prescrição não corre contra determinadas pessoas, enquanto a decadência corre contra todos. A prescrição pode suspender-se ou interromper-se, enquanto a decadência tem curso fatal, não se suspendendo ou interrompendo pelas causas suspensivas ou interruptivas da prescrição, só podendo ser obstada a sua consumação pelo efetivo exercício do direito de ação, quando esta constitui o meio pelo qual deve ser exercido o direito (há uma exceção em que se admite a suspensão de prazo decadencial no CDC). A prescrição atinge diretamente a ação e, por via oblíqua, faz desaparecer o direito por ela tutelado (o que perece é a ação que protege o direito). A decadência, ao contrário, atinge diretamente o direito e, por via oblíqua, extingue a ação (é o próprio direito que perece). A prescrição resulta exclusivamente da lei, enquanto a decadência pode resultar da lei, do contrato e do testamento. Prazos de prescrição são unicamente os taxativamente discriminados na Parte Geral, nos arts. 205 (regra geral) e 206 (regras especiais), sendo de decadência todos os demais, estabelecidos como complemento de cada artigo que rege a matéria, tanto na Parte Geral como na Especial. 8 OBRIGAÇÕES Introdução – o direito pode ser dividido em dois grandes ramos: do dos direitos não patrimoniais, referentes à pessoa humana (direito à vida, à liberdade, ao nome, etc.), e dos direitos patrimoniais, de valor econômico, que por sua vez se dividem em reais e obrigacionais. Direitos obrigacionais x direitos reais – o direitos obrigacionais diferem dos reais: Quanto ao objeto – os direitos reais incidem sobre uma coisa, enquanto os obrigacionais visam ao cumprimento de determinada prestação. Quanto ao sujeito – nos direitos reais, o sujeito passivo é indeterminado (o direito pode ser exercido “erga omnes”, ou seja, são sujeitos passivos todas as pessoas do universo, que deve abster-se de molestar o titular), enquanto nos obrigacionais o sujeito passivo é determinado ou determinável. Quanto ao exercício – os direitos reais são exercidos diretamente sobre a coisa, sem a necessidade da existência de um sujeito passivo, enquanto o exercício dos direitos obrigacionais exige uma figura intermediária, que é o devedor. Quanto à ação – nos direitos reais, a ação pode ser exercida contra quem quer que detenha a coisa, ao passo que a ação, no direito obrigacional, é dirigida somente contra quem figura na relação jurídica como sujeito passivo. Quanto à duração – os direitos reais são perpétuos, não se extinguindo pelo não-uso, mas somente nos casos expressos em lei (ex.: desapropriação, usucapião, etc.), enquanto os pessoais são transitórios se extinguem pelo cumprimento ou por outros meios. Quanto à formação – os direitos reais só podem ser criados pela lei, sendo o seu número limitado e regulado por esta (o rol é “numerus clausus”), ao passo que os obrigacionais podem resultar da vontade das partes, sendo ilimitado o número de contratos inominados (o rol é “numerus apertus”). Conceito de obrigação – é o vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação. Corresponde a uma relação de natureza pessoal, de crédito e débito, de caráter transitório (extingue-se pelo cumprimento), cujo objeto consiste numa prestação economicamente aferível. É o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações, constituindo ele, pois, a garantia do adimplemento com que pode contar o credor. A obrigação nasce de diversas fontes e deve ser cumprida livre e espontaneamente. Quando tal não ocorre e sobrevém o inadimplemento, surge a responsabilidade. OBS: 1) Obrigação x responsabilidade – não se confundem, pois, obrigação e responsabilidade. A responsabilidade só surge se o devedor não cumpre espontaneamente a obrigação. A responsabilidade é, pois, a conseqüência jurídica patrimonial do descumprimento da relação obrigacional. 2) Obrigação sem responsabilidade e responsabilidade sem obrigação – malgrado a correlação entre obrigação e responsabilidade, uma pode existir sem a outra. As dívidas prescritas e as de jogo constituem exemplos de obrigação sem responsabilidade. O devedor, nestes casos, não pode ser condenado a cumprir a prestação, isto é, ser responsabilizado, embora continue devedor. Como exemplo de responsabilidade sem obrigação pode ser mencionado o exemplo do fiador, que é responsável pelo pagamento do débito somente na hipótese de inadimplemento da obrigação por parte do afiançado, este sim originariamente obrigado ao pagamento dos aluguéis, por exemplo. Elementos constitutivos da obrigação – a obrigação compõe-se de três elementos essenciais: Sujeitos ativo e passivo (credor e devedor) – os sujeitos da obrigação podem ser pessoa natural como jurídica, de qualquer natureza, bem como as sociedades em comum (ou de fato). Devem ser determinados ou, ao menos, determináveis (ex: no contrato de doação, o donatário, às vezes, é indeterminado, mas determinável no momento de seu cumprimento, pelos dados nele constantes – o vencedor de um concurso, o melhor aluno de uma classe, etc.). Se não forem capazes, serão representados ou assistidos por seus representantes legais, dependendo, ainda, em alguns casos, de autorização judicial. Vínculo jurídico – é o vínculo existente entre o credor e o devedor. O vínculo jurídico resulta de diversas fontes e sujeita o devedor a determinada prestação em favor do credor. Divide-se em: a) débito ou vínculo espiritual ou pessoal – é o vínculo que une o devedor ao credor e exige que aquele cumpra pontualmente a obrigação; b) responsabilidade ou vínculo material – confere ao credor não satisfeito o direito de exigir judicialmente o cumprimento da obrigação, submetendo àquele os bens do devedor. Há portanto, de um lado o dever da pessoa obrigada (“debitum”), e de outro a responsabilidade, em caso de inadimplemento. O sujeito passivo deve e também responde, de forma coativa, pelo cumprimento da obrigação. Pode existir, no entanto, o desmembramento desses elementos, como no caso da fiança (responsabilidade sem débito) e na dívida de jogo (débito sem responsabilidade). Objeto – o objeto da relação jurídica é sempre uma conduta humana (dar, fazer ou não fazer) e chama-se prestação ou objeto imediato. O objeto da prestação (que se descobre indagando: dar, fazer ou não fazer o quê?) é o objeto mediato da obrigação. Há de ser lícito, possível, determinado ou determinável (art. 104, II) e suscetível de apreciação econômica (obrigações jurídicas, mas sem conteúdo patrimonial, como o dever de fidelidade entre os cônjuges e outros do direito de família, são excluídas do direito das obrigações). OBS: Causa – aduza-se, por fim, que a causa, embora referida de forma indireta em alguns dispositivos (arts. 140, 373, 876), não foi incluída em nosso ordenamento como elemento constitutivo da relação obrigacional. Fontes das obrigações – fonte da obrigação é o seu elemento gerador, o fato que lhe dá origem, de acordo com as regras de direito. Indagar das fontes do direito é buscar as razões pelas quais alguém se torna credor ou devedor de outrem. O CC considera fontes de obrigações: a) contratos; b) declarações unilaterais de vontade; c) atos ilícitos, dolosos e culposos. Há obrigações, entretanto, que resultam diretamente da lei, como a de prestar alimentos a parentes (art. 1694), a de indenizar os danos causados por seu empregado (art. 932, III), a “propter rem” imposta aos vizinhos, etc. Mesmo no caso do contrato, da declaração unilateral da vontade e do ato ilícito, a lei aparece como fonte primária, pois os referidos atos e negócios jurídicos somente geram obrigações porque assim dispõe a lei. Pode-se afirmar, pois, que a obrigação resulta da vontade do Estado, por intermédio da lei, ou da vontade humana, manifestada no contrato, na declaração unilateral ou na prática de um ato ilícito. No primeiro caso, a lei é a fonte imediata da obrigação; no segundo, a mediata. Modalidades das obrigações – Classificação quanto ao seu objeto – o CC brasileiro, inspirado na técnica romana, classifica as obrigações, quanto a seu objeto, em três espécies: a) obrigação de dar; b) obrigação de fazer; c) obrigação de não fazer. Portanto, duas positivas (de dar e de fazer) e uma negativa (de não fazer). Todas as obrigações que venham a se constituir na vida jurídica compreenderão sempre alguma dessas condutas, que resumem o objeto da prestação. Em alguns casos, elas caminham juntas (ex.: contrato de empreitada, em que a obrigação de fazer pode abranger a de dar – art. 610, parte final). Diverso é o processo de execução de sentença, conforme se trate de execução para entrega de coisa certa (obrigação de dar), regida pelos arts. 621 a 631 CPC, ou de execução das obrigações de fazer e de não fazer, reguladas pelos arts. 632 a 645 do mesmo diploma. Classificação quanto aos seus elementos – em relação aos elementos constitutivos da obrigação (sujeitos ativo e passivo, vínculo jurídico e objeto), dividem-se as obrigações em: Simples – são as que se apresentam com um sujeito ativo, um sujeito passivo e um único objeto, ou seja, com todos os elementos no singular. Compostas ou complexas – são aquelas em que um de seus elementos (sujeitos ativo e passivo, vínculo jurídico e objeto) se apresenta no plural. Assim, basta que um deles esteja no plural para que a obrigação se denomine composta ou complexa, podendo ser: Composta pela multiplicidade de objetos – é aquela em que a obrigação tem mais de um objeto. Por exemplo: “José obrigou-se a entregar a João um veículo e um animal” (dois objetos). Essas obrigações podem ser: Cumulativas ou conjuntivas – nestas, os objetos apresentam-se ligados pela conjunção “e”, como na obrigação de entregar um veículo e um animal, ou seja, os dois, cumulativamente. Efetiva-se o seu cumprimento somente pela prestação de todos eles. Alternativas ou disjuntivas – nas alternativas, os objetos estão ligados pela disjuntiva “ou”, podendo haver duas ou mais opções. Assim, se a obrigação for de entregar um veículo ou um animal, o devedor libera-se da obrigação entregando apenas um deles e não ambos. Tal modalidade de obrigação exaure-se com a simples prestação de um dos objetos que a compõem. A obrigação alternativa extingue-se somente com o perecimento de todos os objetos, e será válida se apenas uma das prestações estiver eivada de vício, permanecendo eficaz a outra. OBS: Obrigação facultativa – os doutrinadores costumam mencionar uma espécie “sui generis” de obrigação alternativa, a que denominam facultativa. Trata-se da obrigação simples, em que é devida uma única prestação, ficando, porém, facultado ao devedor, e só a ele, exonerar-se mediante o cumprimento de prestação diversa e predeterminada. É obrigação com faculdade de substituição. O credor só pode exigir a prestação obrigatória, mas o devedor se exonera cumprindo a obrigação facultativa. Embora apresente semelhança com a obrigação alternativa, pode assim ser considerada somente quando observada pela ótica do devedor. Visualizada pelo prisma do credor, é obrigação simples, de um só objeto. Se este perece, sem culpa do devedor, resolve-se o vínculo obrigacional, não podendo aquele exigir a prestação acessória. A obrigação facultativa restará totalmente inválida se houver defeito na obrigação principal, mesmo que não o haja na acessória. Composta pela multiplicidade de sujeitos – é a obrigação que ostenta mais de um sujeito ativo e passivo, concomitantemente ou não. Podem ser: Divisíveis – são aquelas cujo objeto pode ser dividido entre os sujeitos. Nas obrigações divisíveis, cada credor só tem direito à sua parte, podendo reclamá- la independentemente do outro. E cada devedor responde exclusivamente pela sua quota. Assim, se duas pessoas se obrigam a entregar duas sacas de café a um terceiro, este, o credor, só poderá exigir de um dos devedores a entrega de uma delas. Se quiser as duas, deve exigi-las dos dois devedores (art. 257). Indivisíveis – são aquelas cujo objeto não pode ser dividido entre os sujeitos. Nas obrigações indivisíveis, cada devedor só deve, também, a sua quota-parte. Mas, em razão da indivisibilidade física do objeto (ex.: um cavalo), a prestação deve ser cumprida por inteiro. Se dois são os credores, um só pode exigir a entrega do animal, mas somente por ser indivisível, devendo prestar contas ao outro credor (arts. 259 e 261). Solidárias – a solidariedade independe da divisibilidade ou indivisibilidade do objeto da prestação, porque resulta da vontade das partes ou da lei. Pode ser, também, ativa ou passiva. Se existirem vários devedores solidários passivos, cada um deles responde pela dívida inteira. O devedor que cumprir sozinho a prestação pode cobrar, regressivamente, a quota-parte de cada um dos co- devedores (art. 283). Quanto aos elementos acidentais – o negócio jurídico, além dos elementos essenciais, pode conter cláusulas acessórias, pelas quais as partes modificam seus efeitos naturais, como a condição, o termo e o encargo ou modo, denominados elementos acidentais. Quanto a estes, as obrigações classificam- se em: Puras e simples – são as não sujeitas a condição, termo ou encargo. Condicionais – são aquelas cujo efeito está subordinado a um evento futuro e incerto, isto é, a uma condição. A termo – são aquelas cuja eficácia está subordinada a um evento futuro e certo, a determinada data. Modais ou com encargo – são as oneradas com algum gravame. Quanto ao momento em que devem ser cumpridas – quando ao momento em que devem ser cumpridas, as obrigações classificam-se em: Momentâneas ou de execução instantânea – são as que se consumam num só ato, sendo cumpridas imediatamente após a sua constituição, como na compra e venda à vista. De execução diferida – são aquelas cujo cumprimento deve ser realizado também em um só ato, mas em momento futuro (ex.: entrega, em determinada data, do objeto alienado). De execução continuada ou de trato sucessivo – é a que se cumpre por meio de atos reiterados, como ocorre na prestação de serviços, na compra e venda a prazo ou em prestações periódicas, etc. Obrigações de meio e de resultado – Obrigações de meio – diz-se que a obrigação é de meio quando o devedor promete empregar seus conhecimentos, meios e técnicas para a obtenção de um determinado resultado, sem no entanto se responsabilizar por ele. É o caso dos advogados, que não se obrigam a vencer a causa, mas a bem defender os interesses dos clientes; bem como o dos médicos, que não se obrigam a curar, mas a tratar bem os enfermos, fazendo uso de seus conhecimentos científicos. Se a obrigação assumida por esses profissionais fosse de resultado, seriam eles responsabilizados civilmente se a causa não fosse ganha ou se o paciente viesse a falecer. Obrigações de resultado – quando a obrigação é de resultado, o devedor dela se exonera somente quando o fim prometido é alcançado. Não o sendo, é considerado inadimplente, devendo responder pelos prejuízos decorrentes do insucesso. Exemplo clássico de obrigação dessa natureza é a assumida pelo transportador, que promete tacitamente, ao vender o bilhete, levar o passageiro são e salvo ao seu destino. Costuma ser mencionada, também, a obrigação assumida pelo cirurgião plástico quando realiza trabalho de natureza estética, assumindo o risco do resultado. Obrigações civis e naturais – Obrigações civis – são as que encontram respaldo no direito positivo, podendo seu cumprimento ser exigido pelo credor, por meio de ação. Obrigações naturais – nas obrigações naturais o credor não tem o direito de exigir a prestação, e o devedor não está obrigado a pagar. Em compensação, se este, voluntariamente, efetua o pagamento, não tem o direito de repeti-lo. Não cabe o pedido de restituição da importância paga, em razão da “soluti retentio” (expressão usada no direito romano e que significa retenção do pagamento) existente em favor do credor. A referida retenção é o único efeito que o direito positivo atribui à obrigação natural. O CC refere-se à obrigação natural em dois dispositivos: o art. 882 (“não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível”) e o art. 564, III (não se revogam por ingratidão as doações “que se fizerem em cumprimento de obrigação natural”). Os casos de obrigação natural no CC são dois: dívidas prescritas (art. 882) e dívidas de jogo (art. 814). Em todos eles encontram-se presentes os elementos caracterizadores da referida espécie de obrigação: inexigibilidade do cumprimento, inexistência do dever de prestar e inadmissibilidade de repetição em caso de pagamento voluntário. Não é possível revitalizar obrigação natural por novação, nem se admite possa ser objeto de compensação, que ocorre somente entre dívidas vencidas, isto é, exigíveis. Não comporta fiança nem ônus reais, e não tem eficácia a simples promessa de cumpri-la Seu pagamento parcial não autoriza o credor a reclamar o cumprimento do restante. Obrigações líquidas e ilíquidas – Líquida – é a obrigação certa quanto a sua existência e determinada quanto ao seu objeto. É expressa por uma cifra, por um algarismo. Ilíquida – é a que depende de prévia apuração, pois o seu valor, o montante da prestação, apresenta-se incerto. Obrigações principais e acessórias – reciprocamente consideradas, as obrigações dividem-se em: Principais – são as que subsistem por si, sem depender de qualquer outra (ex.: a obrigação de entregar a coisa no contrato de compra e venda). Acessórias – são as que têm a sua existência subordinada a outra relação jurídica, ou seja, dependem da obrigação principal (ex.: fiança, cláusula penal, juros, etc.). Por esta razão, a nulidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas é recíproca não é verdadeira, pois a destas não induz a da principal (art. 184, 2ª parte). Obrigações com cláusula penal – são aquelas em que há a cominação de uma multa ou de uma pena para o caso de inadimplemento ou de retardamento do cumprimento da avença. A cláusula penal tem caráter acessório, e como principal função servir como meio de coerção. Pode ser: Compensatória – quando a cláusula penal for estipulada para o caso de total inadimplemento da obrigação. Moratória – quando a cláusula penal se destinar a garantir o cumprimento de alguma cláusula especial ou simplesmente evitar a mora. Obrigações “propter rem” ou ambulatórias – as obrigações “propter rem” ou ambulatórias pertencem à categoria das obrigações híbridas, assim denominadas por constituírem um misto de direito pessoal e de direito real, ou por se situarem entre o direito pessoal ou real. Nessa categoria podem ser incluídas, também, as com ônus reais e as com eficácia real. Assim, obrigação “propter rem” é a que recai sobre uma pessoa, por força de determinado direito real. Só existe em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de determinada coisa (ex.: obrigação imposta aos proproetários e inquilinos de um prédio de não prejudicarem a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos – art. 1277; a obrigação do condômino de contribuir para a conservação da coisa comum – art. 1315; a do condômino, no condomínio em edificações, de não alterar a fachada do prédio – art. 1336, III; a dos donos de imóveis confinantes, de concorrerem para as despesas de construção e conservação de tapumes divisórios – art. 1297, §1º; etc.). OBS: 1) Obrigações com ônus reais – são as obrigações que limitam o uso e gozo da propriedade, constituindo direitos reais sobre coisas alheias, oponíveis “erga omnes” (ex.: renda constituída sobre imóvel). 2) Obrigações com eficácia real – são as que, sem perder seu caráter de direito a uma prestação, transmitem-se e são oponíveis a terceiro que adquira direito sobre determinado bem (ex.: art. 576 – a locação pode ser oposta ao adquirente da coisa locada). Obrigações de dar coisa certa – na obrigação de dar coisa certa, obriga-se o devedor a dar coisa individualizada, que se distingue por características próprias, móvel ou imóvel. Por essa razão, o credor de coisa certa não pode ser obrigado a receber outra, ainda que mais valiosa. O devedor não pode, assim, modificar unilateralmente o objeto da prestação (art. 313). A recíproca também é verdadeira: o credor não pode exigir coisa diferente, ainda que menos valiosa. Por isso é que a dação em pagamento (entrega de um objeto em pagamento de dívida em dinheiro), por exemplo, depende do expresso consentimento do credor (art. 356). O referido art. 313 afasta a possibilidade de compensação nos casos de comodato e depósito (art. 373, II), porque o credor tem direito à restituição da própria coisa emprestada ou depositada, bem como impede que o devedor se desobrigue por partes, se assim não convencionado. Conteúdo – no tocante ao seu conteúdo, a obrigação de dar coisa certa confere ao credor simples direito pessoal, e não real. Aperfeiçoado o contrato de compra e venda, por exemplo, o vendedor não transfere desde logo o domínio: obriga-se apenas a transmiti-lo (art. 481). Não cumprida a obrigação, não pode o adquirente reivindicar a coisa, por não ter-lhe o domínio. Terá de contentar-se com a ação de perdas e danos e com a resolução da avença (arts. 389 e 475). Extensão – quanto a extensão da obrigação, prescreve o art. 233 que “a obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso”. É uma decorrência da regra geral de que o acessório segue o principal. Nada obsta que se convencione o contrário. No silêncio do contrato quanto a este aspecto, a venda de um terreno com árvores frutíferas inclui os frutos pendentes; a alienação de um imóvel inclui, como acessório, o ônus dos impostos; a de um veículo abrange os acessórios colocados pelo vendedor; etc. Pode o contrário não só resultar de convenção como de circunstâncias do caso. Por exemplo: embora o alienante responda pelos vícios redibitórios, certas circunstâncias podem excluir tal responsabilidade, como o conhecimento do vício por parte do adquirente. Tradição – cumpre-se a obrigação de dar coisa certa mediante entrega (como na compra e venda) ou restituição (como no comodato). Esses dois atos podem ser resumidos numa palavra: tradição. Como no direito brasileiro o contrato, por si só, não transfere o domínio, mas apenas gera a obrigação de entregar a coisa alienada, enquanto não ocorrer a tradição a coisa continuará pertencendo ao devedor “com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação” (art. 237). Assim, por exemplo, se o objeto da obrigação for um animal e este der cria, o devedor não poderá ser constrangido a entregá-la. Pelo acréscimo, tem o direito de exigir aumento do preço, se o animal não foi adquirido juntamente com a futura cria. Também os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes (art. 237, § único) Perecimento e deterioração da coisa – no geral, não havendo culpa, resolve-se a obrigação, sendo as partes repostas ao estado anterior, sem direito a perdas e danos. Havendo culpa, são devidas as perdas e danos, respondendo o culpado, ainda, pelo equivalente em dinheiro da coisa. Neste sentido: Perecimento – em caso de perecimento (perda total) da coisa antes da tradição, é preciso, primeiramente, verificar se o fato decorreu de culpa ou não do devedor. Não tendo havido culpa do devedor ou pendente condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes, que voltam à primitiva situação, tanto na obrigação de entregar como na de restituir (arts. 234, 1ª parte, e 238). Assim, se o vendedor já recebeu o preço da coisa, que veio a perecer sem culpa sua (ex.: em razão de caso fortuito ou da força maior), deve devolvê-lo ao adquirente, em virtude da resolução do contrato, não estando obrigado a pagar perdas e danos. Se o perecimento ocorreu pendente condição suspensiva, não se terá adquirido o direito a que o ato visa (art. 125), e o devedor suportará o risco da coisa. Quem sofre o prejuízo, na obrigação de entregar, é o próprio alienante, pois continua sendo o proprietário até a tradição. Segundo o princípio que vem do direito romano, a coisa perece para o dono (“res perit domino”). Na obrigação de restituir coisa certa ao credor, o prejudicado será este, na condição de dono (“res perit domino”). Assim, se o animal objeto de comodato não puder ser restituído, por ter perecido devido a um raio, resolve-se a obrigação do comodatário, que não responderá por perdas e danos (exceto se estiver em mora, conforme art. 399), suportando a perda o comodante, “ressalvados os seus direitos até o dia da perda” (art. 238). A culpa acarreta a responsabilidade pelo pagamento de perdas e danos. Neste caso, havendo perecimento do objeto, tem o credor direito a receber o seu equivalente em dinheiro, mais as perdas e danos comprovadas, tanto na obrigação de entregar como na de restituir (arts. 234, 2ª parte, e 239). Deterioração – em caso de deterioração (perda parcial), também importa saber, preliminarmente, se houve culpa ou não do devedor. Se o devedor não teve culpa, na obrigação de entregar, poderá o credor resolver a obrigação, por não lhe interessar receber o bem danificado, voltando as partes, neste caso, ao estado anterior, ou aceitá-lo no estado em que se acha, com abatimento do preço proporcional à perda (art. 235). Na obrigação de restituir, recebe-o no estado em que estiver, sem direito a qualquer indenização (art. 240). Havendo culpa pela deterioração, na obrigação de entregar, as alternativas deixadas ao credor são as mesmas do art. 235 (resolver a obrigação, exigindo o equivalente em dinheiro, ou aceitar a coisa, com abatimento), mas com direito, em qualquer caso, à indenização das perdas e danos (art. 236). Na obrigação de restituir, o credor também poderá exigir o equivalente em dinheiro mais perdas e danos (art. 240, 2ª parte). Obrigações de dar coisa incerta – a expressão “coisa incerta” indica que a obrigação tem objeto indeterminado, mas não totalmente, porque deve ser indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade. É, portanto, indeterminada, mas determinável. Falta apenas determinar a sua qualidade. Se faltar também o gênero ou a quantidade, a indeterminação será absoluta, e a avença com tal objeto não gerará obrigação. Assim, não pode ser objeto de prestação a de “entregar sacas de café”, por faltar quantidade; bem como a de entregar “dez sacas”, por faltar o gênero. Mas constitui obrigação de dar coisa incerta a de “entregar dez sacas de café”, porque o objeto é determinado pelo gênero e pela quantidade, faltando determinar somente a qualidade do café. Enquanto tal não ocorre, a coisa permanece incerta. A determinação dá-se pela escolha. Feita esta e cientificado o credor, acaba a incerteza e a coisa torna-se certa, vigorando, então, as normas da seção anterior do CC, que tratam das obrigações de dar coisa certa (art. 245). O ato unilateral de escolha denomina- se concentração. Para que a obrigação se concentre em determinada coisa não basta a escolha. É necessário que ela (escolha) se exteriorize pela entrega, pelo depósito em pagamento, pela constituição em mora ou por outra ato jurídico que importe a cientificação do credor. Rege-se a obrigação de dar coisa incerta pelo disposto nos arts. 629 a 631 CPC. O direito de escolha competirá ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação (art. 244). Portanto, só competirá ao credor se o contrato assim dispuser. Sendo omisso, pertencerá ao devedor. Referido dispositivo estabelece, no entanto, limites à atuação do devedor, dispondo que “não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor”. Deve, portanto, guardar o meio-termo entre os congêneres da melhor e da pior qualidade. Podem as partes convencionar que a escolha competirá a terceiro estranho à relação obrigacional, aplicando- se, por analogia, o disposto no art. 1930. Determinada a qualidade, torna-se a coisa individualizada, certa. Antes da escolha (a definição somente se completa com a cientificação do credor), “não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito” (art. 246), pois o gênero nunca perece (“genuns nunquan perit”). Assim, se alguém, por exemplo, obriga-se a entregar dez sacas de café, não se eximirá da obrigação, ainda que se percam todas as sacas que possui, porque pode obter, no mercado, o café prometido. Entram nessa categoria também as obrigações em dinheiro, pois o devedor não se exonera se vem a perder as cédulas que havia separado para solver a dívida. Diferente será a solução se se tratar de gênero limitado, ou seja, circunscrito a coisas que se acham em determinado lugar (ex.: animais de determinada fazenda, cereais de determinado depósito, etc.). Sendo delimitado dessa forma o “genus”, o perecimento de todas as espécies que o componham acarretará a extinção da obrigação. Obrigações de fazer – nas obrigações de fazer, a prestação consiste em atos ou serviços a serem executados pelo devedor. Obrigação de fazer personalíssima (intuitu personae), infungível ou imaterial – arts. 247 e 248 – quando for convencionado que o devedor cumpra pessoalmente a prestação, ou a própria natureza desta impedir a sua substituição, estaremos diante de uma obrigação de fazer personalíssima. A infungibilidade pode decorrer da própria natureza da prestação, ou seja, das qualidades artísticas ou profissionais do contratado (ex.: famoso pintor, consagrado cirurgião plástico, etc.), sendo neste caso subentendida; ou do contexto da avença, por convencionado que o devedor a cumpra pessoalmente. Obrigação de fazer impessoal, fungível ou material – art. 249 – quando não há a exigência de que o devedor cumpra pessoalmente a prestação, nem se trata de ato ou serviço cuja execução depende de qualidades pessoais do devedor, podendo ser realizado por terceiro, diz-se que a obrigação de fazer é impessoal. Inadimplemento – a impossibilidade de o devedor cumprir a obrigação de fazer, bem como a recusa ou mora em executá-la, acarretam o inadimplemento contratual. Impossibilidade – se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação (art. 248), desde que a impossibilidade seja absoluta (art. 106). Se decorrer de culpa deste, ou seja, se o próprio devedor criou a impossibilidade, responderá ele por perdas e danos (art. 248, 2ª parte). Como ninguém pode fazer o impossível (“impossibilia nemo tenetur”), resolve- se a obrigação, sem conseqüências para o devedor sem culpa, e com a responsabilidade pela satisfação das perdas e danos, para o culpado. Assim, o ator que fica impedido de se apresentar em determinado espetáculo em razão de acidente a que não deu causa, ocorrido no trajeto para o teatro, sendo hospitalizado, não responde por perdas e danos. Mas a resolução do contrato o obriga a restituir eventual adiantamento da remuneração. Responde por elas, no entanto, se a impossibilidade foi por ele criada, ao viajar para local distante às vésperas da apresentação contratada. Recusa ou mora – Obrigação de fazer personalíssima – em caso de recusa do devedor em cumprir a prestação a ele só imposta no contrato ou por ele só exeqüível devido a suas qualidades pessoas (obrigação personalíssima), haverá a responsabilização por perdas e danos (art. 247). A recusa voluntária induz culpa. O cantor que se recusa a se apresentar no espetáculo contratado responde pelos prejuízos acarretados aos promotores do evento. A recusa ao cumprimento de obrigação de fazer impessoal resolve-se, tradicionalmente, em perdas e danos, pois não se pode constranger fisicamente o devedor a executá-la. No entanto, admite-se a execução específica das obrigações de fazer, como se pode verificar pelos arts. 287, 461 e 644 CPC, que contemplam meios de, indiretamente, obrigar o devedor a cumpri-las, mediante a cominação de multa diária (astreinte). Atualmente, portanto, a regra quanto ao descumprimento da obrigação de fazer ou não fazer é a da execução específica, sendo exceção a resolução em perdas e danos. Obrigação de fazer impessoal – em se tratando de obrigação de fazer impessoal, que pode ser executada por terceiro, “será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível”. Em caso de urgência, “pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido” (art. 249 e § único). Para o credor, não importa que a prestação venha a ser cumprida por terceiro, às expensas do substituído. Interessa-lhe o cumprimento, a utilidade prometida (art. 634 CPC). OBS: 1) Obrigações de fazer x obrigações de dar – as obrigações de fazer diferem das obrigações de dar, principalmente porque o credor pode, conforme as circunstâncias, não aceitar a prestação por terceiro, enquanto nestas se admite o cumprimento por outrem, estranho aos interessados (art. 305). 2) Obrigação de emitir declaração de vontade – a obrigação de fazer pode consistir em emitir declaração de vontade, como, por exemplo, outorgar escritura definitiva em cumprimento a compromisso de compra e venda, endossar o certificado de propriedade de veículo, etc. Caso se trate de compromisso de compra e venda de bem imóvel, irretratável e irrevogável, vendido em prestações, o inadimplemento dá ensejo à propositura da ação de adjudicação compulsória, de rito sumário (art. 1418 CC; DL 58/37; Lei 649/49; Lei 6766/79), em que o juiz, substituindo-se ao devedor inadimplente, adjudica o imóvel compromissado ao credor. O STJ vem admitindo a propositura da aludida ação com base em compromisso de compra e venda irretratável, mesmo não estando registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Se o objeto for bem móvel, cabe ação de obrigação de fazer, fundada no art. 641 CPC. A sentença, neste caso, tem como pressuposto a fungibilidade jurídica da atividade a ser exercida pelo devedor, pois não pode o juiz sub-rogar-se ao devedor nas prestações infungíveis. Obrigações de não fazer - a obrigação de não fazer ou negativa impõe ao devedor um dever de abstenção: o de não praticar o ato que poderia livremente fazer, se não se houvesse obrigado. O adquirente que se obriga a não construir, no terreno adquirido, prédio além de certa altura, ou a cabeleireira alienante que se obriga a não abrir outro salão de beleza no mesmo bairro, por exemplo, devem cumprir o prometido. Se praticam o ato que se obrigaram a não praticar, tornar-se-ão inadimplentes, podendo o credor exigir o desfazimento do que foi realizado, “sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos” (art. 251). Assim, ou o devedor desfaz pessoalmente o ato, ou poderá vê-lo desfeito por terceiro, por determinação judicial. Em ambas as hipóteses sujeita-se ao pagamento de perdas e danos, como conseqüência do inadimplemento. Nada impede que o credor peça somente o pagamento destas. Há casos em que somente lhe resta esse caminho, como na hipótese de alguém divulgar um segredo industrial que prometer não revelar. Feita a divulgação, não há como pretender a restituição das partes ao “statu quo ante”. Tal como ocorre nas obrigações de fazer, “extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar” (art. 250). Assim, por exemplo, não pode deixar de atender à determinação de autoridade competente, para construir muro ao redor de sua residência, o devedor que prometera manter cercas vivas, assim como será obrigado a fechar a passagem existente em sua propriedade, por ordem de autoridade, aquele que prometera não obstar seu uso por terceiros. Preceitua o art. 251, § único, que “em caso de urgência”, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer o ato, “independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido”. Obrigações alternativas ou disjuntivas – trata-se de obrigações compostas pela multiplicidade de objetos. Têm, assim, por conteúdo duas ou mais prestações, das quais somente uma será escolhida para pagamento ao credor e liberação do devedor. Direito de escolha – o direito pátrio, seguindo a tradição romana, conferiu o direito de escolha ao devedor, “se outra coisa não se estipulou” (art. 252). Portanto, para que a escolha caiba ao credor é necessário que o contrato assim o determine expressamente. Pode, ainda, a opção ser deferida a terceiro, de comum acordo. Se este não puder ou não quiser aceitar a incumbência, “caberá ao juiz a escolha se não houver acordo entre as partes” (art. 252, §4º). Cientificada a escolha, dá-se a concentração, ficando determinado, de modo definitivo, sem possibilidade de retratação unilateral, o objeto da obrigação. As prestações “in obligatione” reduzem-se a uma só e a obrigação torna-se simples. Segundo o §1º do art. 252, não pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte em outra, pois deve ser uma ou outra. Se se obriga a entregar duas sacas de café ou duas sacas de arroz, por exemplo, não poderá compelir seu credor a receber uma saca de café e uma de arroz. Todavia, quando a obrigação for de prestações periódicas, “a faculdade de opção poderá ser exercida em cada período” (art. 252, §2º). Poderá, assim, em um deles, entregar somente sacas de café, e no outro somente sacas de arroz, e assim sucessivamente. Também nesta hipótese não poderá dividir o objeto da prestação. OBS: Prazo para a opção – o contrato deve estabelecer o prazo para a opção. Se não o fizer, o devedor será notificado, para efeito de sua constituição em mora. Esta não o priva, entretanto, do direito de escolha, salvo se a convenção dispuser que passa ao credor. Quando a eleição compete a este, e o contrato não fixa o prazo, será ele citado para, em 5 dias, exercer o direito, ou aceitar que o devedor o faça a escolha (art. 894 CPC), depositando-se a coisa. A execução do título que consagra obrigação alternativa rege-se pelo art. 571 CPC. No caso de pluralidade de optantes, não havendo acordo unânime entre eles, “decidirá o juiz, findo o prazo por este assinalado para a deliberação” (art. 252, §3º). Impossibilidade das prestações – Impossibilidade material – Impossibilidade material de apenas uma das prestações – se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou se tornada inexeqüível (ex.: não se fabrica mais a coisa que o devedor se obrigou a entregar), “subsistirá o débito quanto à outra” (art. 253). Assim, se uma das obrigações não puder ser cumprida em razão de impossibilidade material, será alternativa apenas na aparência, constituindo, na verdade, uma obrigação simples. Quando a impossibilidade de uma das prestações é superveniente e inexiste culpa do devedor, dá-se a concentração da dívida na outra, ou nas outras. Assim, por exemplo, se alguém se obriga a entregar um veículo ou um animal, e este último vem a morrer depois de atingido por um raio, concentra-se o débito no veículo. Mesmo que o perecimento decorra de culpa do devedor, competindo a ele a escolha, poderá concentrá-la na prestação remanescente. Entretanto, Se a escolha for do credor e o perecimento decorrer de culpa do devedor, aquele poderá exigir ou a prestação subsistente ou o valor da outra, com perdas e danos (art. 255). Neste caso, o credor não é obrigado a ficar com o objeto remanescente, pois a escolha era sua. Pode dizer que pretendia escolher justamente o que pereceu, optando pode exigir seu valor, mais perdas e danos. Impossibilidade material de todas as prestações – se a impossibilidade for de todas as prestações, sem culpa do devedor, “extinguir-se-á a obrigação, por falta de objeto, sem ônus para este” (art. 256). Se houver culpa de sua parte, cabendo-lhe a escolha, ficará obrigado “a pagar o valor da que por último se impossibilitou, mais perdas e danos que o caso determinar” (art. 254). Isto porque, com o perecimento do primeiro objeto, concentrou-se o débito no que por último pereceu. Mas, se a escolha couber ao credor, pode este exigir o valor de qualquer das prestações (e não somente da que por último pereceu, pois a escolha é sua), além das perdas e danos. Impossibilidade jurídica – se a impossibilidade é jurídica, por ilícito um dos objetos (ex.: praticar um crime), toda a obrigação fica contaminada de nulidade, sendo inexigíveis ambas as prestações. OBS: 1) Obrigações alternativas x obrigações cumulativas ou conjuntivas – distinguem-se as obrigações alternativas das cumulativas ou conjuntivas, em que também há uma pluralidade de prestações, mas todas devem ser solvidas, sem exclusão de qualquer delas, sob pena de se não haver por cumprida (ex.: obrigação de entregar o cavalo e o boi). 2) Obrigações alternativas x obrigações de dar coisa incerta – diferem as obrigações alternativas das de dar coisa incerta, malgrado tenham um ponto em comum, que é a escolha, em ambas necessária. Nas alternativas, há vários objetos, devendo a escolha recair em apenas um deles; nas de dar coisa incerta, o objeto é um só, apenas indeterminado quanto à qualidade. Nas primeiras, a escolha recai sobre um dos objetos “in obligatione”, enquanto nas últimas, sobre a qualidade do único objeto existente. Obrigações divisíveis e indivisíveis – as obrigações divisíveis e indivisíveis são compostas pela multiplicidade de sujeitos. Tal classificação só oferece interesse jurídico havendo pluralidade de credores ou de devedores, pois havendo um único devedor obrigado a um só credor a obrigação é indivisível, ou seja, a prestação deverá ser cumprida por inteiro, seja divisível ou indivisível seu objeto. Obrigações divisíveis são aquelas cujo objeto pode ser dividido entre os sujeitos, o que não ocorre com as indivisíveis, ou seja, a obrigação é divisível quando é possível ao credor executá-la por partes, e indivisível no caso contrário. Nesse sentido, proclama o CC que “a obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de ordem econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico”. Assim, se dois devedores prometem entregar duas sacas de café, a obrigação é divisível, devendo cada qual uma saca. Se, no entanto, o objeto for um cavalo ou um relógio, a obrigação será indivisível, pois não podem fracioná-los. A indivisibilidade decorre, em geral, da natureza das coisas (indivisibilidade natural), mas os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se indivisíveis por determinação da lei (indivisibilidade legal – ex.: art. 1386 CC – indivisibilidade das servidões prediais), em decorrência da vontade das partes (indivisibilidade intelectual), ou ainda, por determinação judicial (indivisibilidade judicial – ex.: obrigação de indenizar nos acidentes do trabalho, cuja indenização deve ser paga por inteiro à mãe, embora o pai não a pleiteie). Divisibilidade e indivisibilidade nas obrigações da dar, fazer e não fazer – Obrigações de dar – a obrigação de dar será divisível ou indivisível, dependendo da natureza do objeto. Se este for divisível (ex.: entregar dez sacas de café a dois credores, sendo cinco para cada um), a obrigação também o será. Se no entanto, a coisa a ser entregue for indivisível (ex.: um animal), será ela indivisível. Obrigação de fazer – também será divisível ou indivisível. A de fazer uma estátua é indivisível, mas será divisível se o escultor for contratado para fazer dez estátuas, realizando uma a cada cinco dias. Obrigação de não fazer – em geral, é indivisível. Se alguém, por exemplo, obrigar-se a não construir além de certa altura, bastará que inicie a construção além da altura convencionada para que se torne inadimplente. Poderá, no entanto, ser divisível, se o devedor obrigou-se a não praticar determinados atos, completamente independentes, como não vender e não alugar. Efeitos da divisibilidade e da indivisibilidade – Obrigação divisível – se a obrigação é divisível, presume-se esta dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou devedores (art. 257). Cada devedor só deve a sua quota-parte. A insolvência de um não aumentará a quota dos demais. Havendo vários credores e um só devedor, cada credor receberá somente a sua parte. Assim, se alguém se obriga a entregar duas sacas de café a dois credores, cada credor receberá uma saca. Obrigação indivisível – quando a obrigação é indivisível (ex.: entregar um animal) e há pluralidade de devedores, cada um será obrigado pela dívida toda (art. 259). Mas somente porque o objeto não pode ser dividido, sob pena de perecer. Por isso, o que paga a dívida “sub-roga-se no direito do credor em relação aos outros coobrigados (art. 259, § único), dispondo de ação regressiva para cobrar a quota-parte de cada um deles. Se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida inteira; mas o devedor ou devedores se desobrigarão, pagando: a) a todos conjuntamente; b) a um, dando este caução de ratificação dos outros credores (art. 260). Se um só dos credores receber a prestação por inteiro, a cada um dos outros assistirá o direito de exigir dele em dinheiro a parte que lhe caiba no total (art. 261). Desse modo, se um só dos credores receber sozinho o objeto da prestação (ex.: um animal), poderá cada um dos devedores exigir dele a parte que lhe competir, na coisa recebida, em dinheiro. Remissão de dívida por um dos credores na obrigação indivisível – se um dos credores remir (perdoar) a dívida, não ocorrerá a extinção da obrigação com relação aos demais credores. Estes, entretanto, não poderão exigir o objeto da prestação se não pagarem a vantagem obtida pelos devedores, ou seja, o valor da quota do credor que a perdoou. Assim, se o animal vale R$ 30.000,00 e três são os credores, a quota do credor remitente é de R$ 10.000,00. Os outros dois somente poderão exigir a entrega daquele se pagarem R$ 10.000,00 ao devedor. É o teor do art. 262: “se um dos credores remir a dívida, a obrigação não ficará extinta para com os outros; mas estes só a poderão exigir, descontada a quota do credor remitente”. É criticado o emprego da expressão “descontada a quota do credor remitente”, por ser impossível o desconto no caso de prestação de coisa indivisível. O correto seria dizer: “reembolsando o devedor pela quota do credor remitente”. Aduz o § único do art. 262 que “o mesmo critério se observará no caso de transação, novação, compensação ou confusão”. Obrigação indivisível que se resolve em perdas e danos por culpa do devedor – perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e danos, em caso de perecimento com culpa do devedor (art. 263). No lugar do objeto desaparecido o devedor entregará seu equivalente em dinheiro, mais perdas e danos (estas também em dinheiro). O objeto, transformado em dinheiro, pode agora ser dividido. Se houver culpa de todos os devedores, responderão todos por partes iguais (art. 263, §1º). Como a culpa é meramente pessoal, se for de um só, somente ele ficará responsável pelo pagamento das perdas e danos, ficando exonerados dessa responsabilidade os demais, não culpados, que responderão, no entanto, pelo pagamento de suas quotas (art. 263, §2º). Obrigações solidárias – nas obrigações solidárias, havendo vários devedores, cada um responde pela dívida inteira, como se fosse o único devedor. O credor pode escolher qualquer deles e compeli-lo a solver a dívida toda. Se a pluralidade for de credores, pode qualquer deles exigir a prestação integral, como se fosse único credor (art. 264). A solidariedade não se presume; resulta da lei (ex.: art. 942, § único) ou da vontade das partes (art. 265). Como a solidariedade deve resultar da lei ou do contrato, a obrigação não será solidária se tal qualidade não for expressamente estabelecida, mas divisível ou indivisível, dependendo da natureza do objeto. Pode-se dizer que somente a solidariedade passiva resulta da lei ou da vontade das partes. A ativa resulta praticamente só desta última fonte, pois nosso ordenamento prevê um único caso de solidariedade ativa “ex lege”, no art. 12 da Lei 209/48, que dispõe sobre a forma de pagamento dos débitos dos pecuaristas. Havendo pluralidade de credores ou devedores solidários, uns podem obrigar-se pura e simplesmente, e outros, sob condição ou a termo. O lugar e o tempo do pagamento podem ser iguais ou diferentes para todos os interessados (art. 266). Também a causa pode ser diferente para os diversos coobrigados. A solidariedade pode advir de ato separado e posterior, desde que faça referência à obrigação originária. Nos títulos de crédito origina-se, em regra, de atos distintos e autônomos, como o aceite, o aval e o endosso. Características – as obrigações solidárias apresentam as seguintes características: Pluralidade de credores, de devedores ou de uns e outros – verifica-se que a solidariedade pode ser ativa (pluralidade de credores), passiva (pluralidade de devedores) ou recíproca ou mista (pluralidade de credores e de devedores). Integralidade da prestação – qualquer devedor responde pela dívida toda e/ou qualquer credor pode exigi-la integralmente. Co-responsabilidade dos interessados – satisfeita a obrigação devida, liberam- se todos os co-devedores perante o credor. Mas o que solve pode reaver dos demais as quotas de cada um (co-responsabilidade). Da mesma forma, o credor que recebe sozinho o pagamento fica obrigado perante os demais, aos quais deve prestar contas, pelas quotas de cada um. Solidariedade x indivisibilidade – a solidariedade assemelha-se à indivisibilidade por um único aspecto: em ambos os casos, o credor pode exigir de um só dos devedores o pagamento da totalidade do objeto devido. Diferem, no entanto, por várias razões: Primeiramente, porque cada devedor solidário pode ser compelido a pagar, sozinho, a dívida inteira, por ser devedor do todo. Assim, o avalista escolhido pelo credor para responder pela execução pode ser condenado a pagar a dívida inteira, mesmo havendo um devedor principal e outros avalistas. Esta é a principal característica da solidariedade. Contudo, nas obrigações indivisíveis, o co-devedor só deve a sua quota-parte. Pode ser compelido ao pagamento da totalidade do objeto somente porque é impossível fracioná-lo. Assim, o co-devedor do animal, embora deva apenas a sua quota, pode ser obrigado a responder, sozinho, por sua entrega, se escolhido pelo credor, somente em razão da indivisibilidade do objeto da prestação, sub-rogando-se no direito deste. Por outro lado, perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e danos (art. 263). Se o animal for substituído pelo equivalente em dinheiro, além das perdas e danos, também em dinheiro, a obrigação perderá sua qualidade de indivisível, fazendo-se o rateio entre as partes. Entretanto, na solidariedade tal não ocorre. Mesmo que a obrigação venha a se converter em perdas e danos, continuará indivisível seu objeto no sentido de que não se dividirá entre todos os devedores, ou todos os credores. Cada devedor continuará responsável pelo pagamento integral do equivalente em dinheiro do objeto perecido; e o culpado, pela solução das perdas e danos. Assim, se no contrato constar que a obrigação assumida por dois devedores, de entregar um animal, é solidária, mesmo que este venha a perecer por culpa de algum deles, ou de ambos, subsistirá a solidariedade, podendo qualquer deles ser compelido a pagar, sozinho, o equivalente em dinheiro do animal. Mas as perdas e danos serão pagas somente pelo culpado (art. 263, §2º). Solidariedade ativa – na solidariedade ativa, concorrem dois ou mais credores, podendo qualquer deles receber integralmente a prestação devida (art. 267). O devedor libera-se do pagamento pagando a qualquer dos credores, que, por sua vez, pagará aos demais a quota de cada um. É muito raro, hoje, encontrar um caso de solidariedade ativa no mundo dos negócios, por oferecer alguns inconvenientes: o credor que recebe pode tornar-se insolvente; pode, ainda, não pagar aos consortes as quotas de cada um. Na conta bancária conjunta (a conta-corrente “e/ou”) encontramos um exemplo dessa espécie, por permitir que cada correntista saque todo o dinheiro depositado. Nossa lei não prevê casos de solidariedade ativa, salvo a hipótese já mencionada do art. 12 da Lei 209/48, que dispõe sobre a forma de pagamento dos débitos dos pecuaristas. Os poucos que existem decorrem de convenção das partes. Tem sido utilizado, com vantagem, o sistema de outorga de mandato entre os credores conjuntos, porque pode a todo o tempo ser revogado. Pagamento – enquanto algum dos credores solidários não demandar o devedor comum, qualquer deles poderá este pagar (art. 268). Cessa esse direito, porém, se um deles já ingressou em juízo com ação de cobrança, pois só a ele o pagamento deve ser efetuado. O pagamento feito a um dos credores solidários extingue a dívida até o montante do que foi pago (art. 269). Se, também, um dos credores nova, compensa, remite ou transige, com isso exonera o devedor do pagamento aos demais sujeitos ativos. Morte de um dos credores solidários – vindo a falecer um dos credores solidários, deixando herdeiros, cada um deles só terá direito a exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível (art. 270). Assim, os herdeiros do credor falecido não podem exigir a totalidade do crédito, mas apenas a própria quota no crédito solidário de que o falecido era titular, juntamente com outros credores. Mas, se este deixou um único herdeiro, ou se todos os herdeiros agirem conjuntamente, ou se indivisível a prestação, pode ser reclamada a prestação por inteiro. Conversão da prestação em perdas e danos – convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste, para todos os efeitos, a solidariedade (art. 271). Fixado o seu valor, cada credor continua com direito a exigir a sua totalidade. Remissão da dívida ou recebimento do pagamento por um credor solidário – o credor que tiver remitido a dívida ou recebido o pagamento, responderá aos outros pela parte que lhes caiba (art. 272), podendo sofrer ação de regresso por estes movida. Solidariedade passiva – na solidariedade passiva, o credor tem o direito de exigir de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto. Em outras palavras, o pagamento total extingue não só a solidariedade como a própria obrigação. O parcial extingue em parte a obrigação em mantém a solidariedade no tocante ao remanescente. Embora o art. 275 use a expressão “receber de um ou alguns dos devedores”, pode o credor exigi-la de todos os devedores, sendo esta uma característica da solidariedade passiva. Ademais, não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores (art. 275, § único). Desse modo, o credor, propondo ação contra um dos devedores, não fica inibido de acionar os outros. Direito de regresso do devedor solidário que cumpre a obrigação – reza o art. 283: “o devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-devedores”. Se um avalista paga toda a dívida, tem ação regressiva contra os outros avalistas, para receber a quota de cada um. Sendo três os avalistas, cada um, no final, terá pago um terço do total devido pelo emitente do título. Se um deles for insolvente, a quota deste reparte-se entre os demais, aumentando, assim, a quota dos solventes. Assim, o avalista que pagou sozinho o débito poderá, no exemplo dado, cobrado do avalista solvente a quota deste (um terço), mas a metade da pertencente ao insolvente. Participam do rateio da quota do devedor insolvente entre os co-devedores também os exonerados da solidariedade pelo credor (art. 284). Dívida solidária que interessa exclusivamente a um dos devedores – se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores, ou seja, ao emitente de nota promissória, por exemplo, responderá este por toda ela para com aquele que pagar (art. 285). Se um dos avalistas saldá-la sozinho, terá ação regressiva contra o referido emitente, podendo dele cobrar todo o valor pago. Mas dos co-avalistas só poderá cobrar a quota de cada um, segundo dispõe o art. 283. Alteração posterior do contrato que agrave a situação dos demais devedores solidários – qualquer alteração posterior do contrato, estipulada ente um dos devedores solidários e o credor, que venha a agravar a situação dos demais, só terá validade se for efetivada com a concordância destes (art. 278). Oposição de exceções pelo devedor solidário – dispõe o art. 281 que o devedor demandado pode opor ao credor as exceções (defesas) que lhe forem pessoais (ex.: vício do consentimento, incapacidade, etc.) e as comuns a todos (ex.: ilicitude do objeto). Não lhe aproveitam, porém, as pessoais a outro co- devedor (ex.: coação). Prestação que se torna impossível – se a prestação se tornar impossível, pelo perecimento do objeto, por exemplo, sem culpa dos devedores, extinguir-se-á a obrigação. Havendo culpa destes, todos responderão pelo equivalente em dinheiro da coisa, mais perdas e danos. Se a culpa for de apenas um dos devedores solidários, “subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado” (art. 279), pois a culpa é sempre pessoal. Morte de um dos devedores solidários – se morrer um dos devedores solidários, deixando herdeiros, nenhum destes será obrigado a pagar senão a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível, caso em que responderá por toda ela, porque nesta hipótese o objeto não poderá fracionar-se. Mas todos os herdeiros, em conjunto, serão considerados como um devedor solidário em relação aos demais devedores (art. 276). Renúncia da solidariedade pelo credor – o art. 282 permite ao credor, sem abrir mão de seu crédito, “renunciar a solidariedade em favor de um, de alguns ou de todos os devedores”. Se a renúncia for total, cada devedor passa a responder somente por sua quota. Se parcial, ocorrerá divisão da obrigação em duas partes: uma pela qual responde o devedor favorecido; e a outra pela qual respondem os demais, que continuam solidários (art. 282, § único). 9 DA TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES Cessão de crédito – é negócio jurídico bilateral pelo qual o credor transfere a outrem seus direitos na relação obrigacional. Trata-se de um dos mais importantes instrumentos da vida econômica atual, especialmente na modalidade de desconto bancário, pelo qual o empresário transfere seus créditos a uma instituição financeira. O crédito constitui, pois, bem de caráter patrimonial suscetível de transferência. O instituto em estudo pode configurar tanto alienação onerosa como gratuita, preponderando, no entanto, a primeira espécie. Pode caracterizar, também, dação em pagamento (datio in solutum), quando a transferência é feita em pagamento de uma dívida. A alienação onerosa assemelha-se a uma venda, desempenhando papel idêntico a esta. A cessão, contudo, tem por objeto bem incorpóreo (crédito), enquanto a compra e venda destina-se à alienação de bens corpóreos. O credor que transfere os seus direitos denomina-se cedente. O terceiro a quem são eles transmitidos, investindo-se na sua titularidade, é o cessionário. O terceiro personagem, o devedor ou cedido, não participa necessariamente da cessão que pode ser realizada sem a sua anuência. Deve ser, entretanto, dela comunicado para que possa solver a obrigação ao legítimo detentor do crédito. Como a cessão importa alienação, o cedente há de ser pessoa capaz e legitimada a praticar atos de alienação. O pai, no exercício da administração dos bens dos filhos menores, não pode realizá-la sem prévia autorização do juiz (art. 1691) Para ser efetuada por mandato, deve o mandatário ter poderes especiais e expressos (art. 661, §1º). O tutor e o curador não podem constituir-se cessionários de créditos contra, respectivamente, o pupilo e o curatelado. Objeto – em regra, todos os créditos podem ser objeto de cessão, constem de título ou não, vencidos ou por vencer, salvo se a isso se opuser “a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor” (art. 286). Pela sua natureza, não podem ser objeto de cessão relações jurídicas de caráter personalíssimo e as de direito de família (ex.: alimentos). Por lei, não pode haver cessão do direito de preferência ou preempção (art. 520), do benefício da justiça gratuita (art. 10 da Lei 1060/50), da indenização derivada de acidente do trabalho, etc. Por convenção das partes, pode ser, ainda, estabelecida a incessibilidade do crédito. A cessão pode ser total ou parcial, e abrange todos os acessórios do crédito, como os juros e os direitos de garantia (art. 287). Assim, por exemplo, se o pagamento da dívida é garantido por hipoteca, o cessionário torna-se credor hipotecário; se por penhor, o cedente é obrigado a entregar o objeto empenhado ao cessionário. Formas – em regra, a cessão convencional não exige forma especial para valer entre as partes, salvo se tiver por objeto direitos em que o instrumento público seja da substância do ato. Neste caso, a cessão efetuar-se-á também por escritura pública. Nessa consonância, a escritura pública deverá ser utilizada na cessão de crédito hipotecário ou de direitos hereditários, por exemplo. Entretanto, para valer contra terceiros, o art. 288 exige “instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do §1º do art. 654”. O instrumento particular deve conter, assim, a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do cedente e do cessionário, a data e o objetivo da cessão com a designação e a extensão dos direitos cedidos, e ser registrado no Cartório de Títulos e Documentos (art. 221 CC; art. 129, §9º da Lei 6015/73). Tais formalidades somente são exigidas para a cessão valer contra terceiros, sendo desnecessárias, porém, em relação ao devedor cedido. O cessionário hipotecário tem o direito de fazer averbar a cessão no registro do imóvel (art. 289). Notificação do devedor – dispõe o art. 290 que “a cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita”. Qualquer dos intervenientes, cessionário ou cedente, tem legitimidade para efetuar a notificação, que pode ser judicial ou extrajudicial. Mas o maior interessado é o cessionário, pois o devedor ficará desobrigado se, antes de ter conhecimento da cessão, pagar ao credor primitivo (art. 292). Se não foi notificado, a cessão é inexistente para ele, e válido se tornará o pagamento feito ao cedente. Mas não se desobrigará se a este pagar depois de cientificado da cessão. Ficará desobrigado, também, no caso de lhe ter sido feita mais de uma notificação, se pagar ao cessionário que lhe apresentar o título comprobatório da obrigação. Se a obrigação for solidária, devem ser notificados todos os co-devedores. Tem-se entendido que a citação para a ação de cobrança equivale à notificação da cessão, assim como a habilitação de crédito na falência do devedor produz os mesmos efeitos de sua notificação. Alguns créditos dispensam a notificação, porque sua transmissão obedece a forma especial (ex.: títulos ao portador, que se transferem por simples tradição). Oposição de exceções pelo devedor ao cessionário – o devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente (art. 294). Se o devedor, notificado da cessão, não opõe, nesse momento, as exceções pessoais que tiver contra o cedente, não poderá mais argüir contra o cessionário as exceções pessoais que eram cabíveis contra o primeiro (ex.: pagamento da dívida, compensação, etc.). Mas, se dela não foi notificado, poderá opor ao cessionário as exceções pessoais que tinha contra o cedente, antes da transferência. Já as exceções oponíveis diretamente contra o cessionário podem ser argüidas a todo tempo, tanto no momento da cessão como no de sua notificação, pois se apresenta ele ao devedor como um novo credor. E todo devedor tem a faculdade de opor qualquer exceção contra a pretensão de seu credor. Responsabilidade do cedente – preceitua o art. 295 que, “na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que se não responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé”. A responsabilidade imposta pela lei ao cedente não se refere à solvência do devedor. Por esta o cedente não responde, correndo os riscos por conta do cessionário, salvo estipulação em contrário (art. 296). Se ficar convencionado expressamente que o cedente responde pela solvência do devedor, sua responsabilidade limitar-se-á ao que recebeu do cessionário, com os respectivos juros, mais as despesas da cessão e as efetuadas com a cobrança (art. 297). Assim, por exemplo, se o crédito era de R$ 20.000,00 e foi cedido por R$ 16.000,00, o cessionário só terá direito a esta última importância, com os referidos acréscimos, e não o valor do crédito. Na realidade, a obrigação imposta ao cedente pelo art. 295 diz respeito somente à existência do crédito ao tempo de sua cessão. Se o cedente transferiu onerosamente um título nulo ou inexistente, deverá ressarcir os prejuízos causados ao cessionário. Se a cessão tiver sido efetuada a título gratuito, o cedente responde só se tiver procedido de má-fé. Quando a transferência do crédito se opera por força da lei, o credor originário não responde pela realidade da dívida, nem pela solvência do devedor. Nos casos de transferências impostas pela lei, não se pode exigir do cedente que responda por um efeito para o qual não concorreu. OBS: Penhora – edita o art. 298 que o crédito, uma vez penhorado, não pode mais ser transferido pelo credor que tiver conhecimento da penhora; mas o devedor que o pagar, não tendo notificação dela, fica exonerado, subsistindo somente contra o credor os direitos de terceiro. O crédito, uma vez penhorado, deixa de fazer parte do patrimônio do devedor. Por isso, não poderá ser cedido, tornando-se indisponível. OBS: 1) Cessão de crédito x cessão de contrato – a cessão de crédito não se confunde com a cessão de contrato, em que se procede à transmissão, ao cessionário, da inteira posição contratual do cedente. Como exemplo, pode ser mencionada a transferência a terceiro, feita pelo promitente comprador, de sua posição no compromisso de compra e venda de imóvel loteado, sem anuência do credor. Na hipótese, o cedente se libera das obrigações contratuais, que são transferidas ao cessionário, juntamente com os direitos relativos ao imóvel, especialmente a posse. 2) Cessão de crédito x novação subjetiva ativa – a cessão de crédito distingue- se, também, da novação subjetiva ativa, porque nesta, além da substituição do credor, ocorre a extinção da obrigação anterior, substituída por novo crédito. Naquela, porém, subsiste o crédito primitivo, que é transmitido ao cessionário, com todos os seus acessórios (art. 287). 3) Cessão de crédito x sub-rogação legal e convencional – não se confunde, ainda, com a sub-rogação legal. O sub-rogado não pode exercer os direito e ações do credor além dos limites de seu desembolso, não tendo, pois, caráter especulativo (art. 350). A cessão de crédito, embora excepcionalmente possa ser gratuita, em geral encerra o propósito de lucro. A sub-rogação convencional, porém, na hipótese do art. 347, I, será tratada como cessão de crédito (art. 348). 4) Endosso – a cessão de títulos de crédito é feita mediante endosso. O posterior ao vencimento produz os mesmos efeitos do anterior (art. 920). A aquisição de título à ordem, por meio diverso do endosso, tem efeito de cessão civil de crédito (art. 919). Assunção de dívida ou cessão de débito – é o negócio jurídico pelo qual o devedor transfere a outrem a sua posição na relação jurídica. Ocorre freqüentemente na venda do fundo de comércio, em que o adquirente declara assumir o passivo, e na cessão de financiamento para aquisição de casa própria. A assunção de dívida ou cessão de débito constitui novidade introduzida pelo novo CC. Embora não regulada pelo CC 1916, nada impedia a sua celebração, em face da autonomia da vontade e da liberdade contratual, desde que houvesse aceitação do credor. Assim, prescreve o art. 299 que “é facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava”. Requer, portanto, anuência expressa do credor, mas qualquer das partes pode assinalar-lhe prazo para que consinta, “interpretando-se o seu silêncio como recusa” (art. 299, § único). Com a assunção da dívida por terceiro, extinguem-se as garantias especiais originariamente dadas pelo devedor primitivo ao credor, salvo se expressamente assentir em sua manutenção (art. 300). Anulada a substituição do devedor, restaura-se o débito, com todas as suas garantias, salvo as prestadas por terceiro, exceto se este conhecia o vício que maculava a obrigação (art. 301). O novo devedor não pode opor ao credor as exceções pessoais que competiam ao devedor primitivo (art. 302). O adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do crédito garantido. Na hipótese, entender-se-á concordado o credor se, notificado, não impugnar, em 30 dias, a transferência do débito (art. 303). OBS: Assunção de dívida x novação subjetiva – haverá novação subjetiva e não assunção de dívida se o negócio jurídico acarretar a criação de obrigação nova e a extinção da anterior. Na assunção de dívida, muda-se o devedor sem alteração na substância da relação obrigacional, como nos exemplos citados da cessão de financiamento para aquisição da casa própria e da alienação de fundo de comércio. 10 DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES Pagamento – o principal efeito das obrigações é gerar para o credor o direito de exigir do devedor o cumprimento de uma prestação, e para este o dever de prestar. As obrigações têm, também, um ciclo vital: nascem de diversas fontes (lei, contrato, declarações unilaterais e atos ilícitos), vivem e desenvolvem-se por meio de suas várias modalidades (dar, fazer, não fazer); e, finalmente, extinguem-se. A extinção dá-se, em regra, pelo seu cumprimento, que o CC denomina pagamento. Embora essa palavra seja usada, comumente, para indicar a solução em dinheiro de alguma dívida, o legislador a empregou no sentido técnico-jurídico de execução de qualquer espécie de obrigação. Assim, paga a obrigação o escultor que entrega a estátua que lhe havia sido encomendada, bem como o pintor que realiza o trabalho solicitado pelo cliente. Assim, pagamento é cumprimento ou adimplemento da obrigação. O pagamento normal pode ser direto ou indireto. Entre os diversos meios indiretos encontram-se o pagamento por consignação, a novação, a compensação, a transação, etc. Além do meio normal, que é o pagamento, direto ou indireto, a obrigação pode extinguir-se também por meios anormais, isto é, sem pagamento, como no caso de impossibilidade de impossibilidade de execução sem culpa do devedor, do advento do termo, da prescrição, da nulidade ou anulação, etc. O pagamento, por sua vez, pode ser efetuado voluntariamente ou por meio de execução forçada, em razão de sentença judicial. Natureza jurídica – predomina o entendimento na doutrina de que o pagamento tem natureza contratual. Corresponde a um contrato, por também resultar de um acordo de vontades, estando sujeito a todas as suas normas. Há entendimento minoritário sustentando que a natureza jurídica do pagamento é de fato jurídico, e para outros um ato não livre ou um ato devido. Requisitos de validade – para que o pagamento produza seu principal efeito, que é o de extinguir a obrigação, devem estar presentes os seus requisitos essenciais de validade, que são: A existência de um vínculo obrigacional – o pagamento pressupõe um vínculo obrigacional. Se este não existe, não há o que pagar, o que extinguir. Qualquer pagamento será, então, indevido, obrigando à restituição do que recebeu. O ânimo de solvê-lo (“animus solvendi”) – o “animus solvendi” também é necessário. Não basta, por exemplo, entregar certo numerário ao credor, com outra intenção que não a de solver a obrigação. O cumprimento da prestação – naturalmente, o cumprimento da prestação é fundamental para a extinção da obrigação. A pessoa que efetua o pagamento (“solvens”) – o cumprimento da prestação deve ser feito pelo devedor (“solvens”), por seu sucessor ou por terceiro (arts. 304 e 305). A pessoa que recebe o pagamento (“accipiens”) – exige-se, ainda, a presença do credor (“accipiens”), de seu sucessor ou de quem de direito os represente (art. 308), pois o pagamento efetuado a quem não desfruta dessas qualidades não extingue a obrigação, caracterizando-se como indevido e propiciando o direito à repetição. Quem deve pagar – Devedor e terceiro interessado – preceitua o art. 304 que “qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor”. Só se considera interessado quem tem interesse jurídico na extinção da dívida, isto é, quem está vinculado ao contrato, como o fiador, o avalista, o solidariamente obrigado, o herdeiro, o adquirente do imóvel hipotecado, o sublocatário, etc., que podem ter seu patrimônio afetado caso não ocorra o pagamento. O principal interessado na solução da dívida, a quem compete o dever de pagá-la, é o devedor. Mas os que se encontram em algumas das situações mencionadas (fiador, sublocatário, etc.) a ele são equiparados, pois têm legítimo interesse no cumprimento da obrigação. A recusa do credor em receber o pagamento oferecido pelo devedor ou por qualquer outro interessado lhes dá o direito de promover a consignação. Efeito do pagamento feito por terceiro interessado – como vimos, ao terceiro interessado assiste o direito de efetuar o pagamento, hipótese em que ficará sub-rogado, de pleno direito, nos direitos do credor (art. 346, III). A sub-rogação transfere-lhe todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo credor, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores (art. 349). Terceiro não interessado – entretanto, não é somente o devedor e o terceiro interessado quem pode efetuar o pagamento. Podem fazê-lo, também, terceiros não interessados, que não têm interesse jurídico na solução da dívida, mas outra espécie de interesse (art. 304, § único), como o moral (caso do pai, que paga dívida do filho, pela qual não podia ser responsabilizado), o decorrente de amizade, de relacionamento amoroso, etc. Podem até mesmo consignar o pagamento, em caso de recusa do credor em receber, desde que, porém, o façam em nome e por conta do devedor, agindo assim como seu representante ou gestor de negócios. Trata-se de hipótese de legitimação extraordinária, prevista na parte final do art. 6º do CPC. Não podem consignar em seu próprio nome por falta de legítimo interesse. Efeito do pagamento feito por terceiro não interessado – o terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito de reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do credor (art. 305). E, se efetuar o pagamento antes de vencida a dívida, só terá direito ao reembolso no vencimento (art. 305, § único). O pagamento de dívida que não é sua, efetuado em seu próprio nome, apesar de revelar o propósito de ajudar o devedor, demonstra também a intenção de obter o reembolso, por meio da ação de “in rem verso”, específica para os casos de enriquecimento sem causa. Entretanto, por não fazer parte da relação jurídica, e também para evitar que um terceiro mal-intencionado pretenda formular contra o devedor exigências mais rigorosas que as do credor primitivo, não pode substituir o credor por ele pago. Somente, pois, o terceiro interessado que efetua o pagamento sub-roga-se nos direitos do credor. Como o referido art. 305 só dá direito a reembolso ao terceiro não interessado que paga a dívida em seu próprio nome, conclui-se que não desfruta desse direito o que a paga em nome e por conta do devedor. Entende-se que, neste caso, quis fazer uma liberalidade, uma doação, sem qualquer direito a reembolso. Admissibilidade do pagamento por terceiro – o credor não pode recusar o pagamento de terceiro, por implicar a satisfação de seu crédito, salvo se houver, no contrato, expressa declaração proibitiva, ou se a obrigação, por sua natureza, tiver de ser cumprida pelo devedor (personalíssima). Por outro lado, é inoperante a oposição do devedor ao pagamento de sua dívida por terceiro não interessado, se o credor desejar receber. Só há um meio de evitar tal pagamento: é o próprio devedor antecipar-se. Mas, se credor e devedor acordaram em não admitir pagamento por terceiro não interessado, não poderá este pretender fazer desaparecer a dívida, por sua iniciativa. Não havendo tal acordo, admite-se o pagamento por terceiro, apesar da oposição ou desconhecimento do devedor. Se o devedor tiver meios para ilidir a ação, totalmente, como a argüição de prescrição ou decadência, compensação, novação, etc., não ficará obrigado a reembolsar aquele que pagou (art. 306). O terceiro só terá direito a reembolso até a importância que realmente aproveite ao devedor. Assim, se a dívida era de R$ 100,00, por exemplo, mas o devedor, por outro negócio entre as mesmas partes, tornou-se credor de R$ 50,00, a dívida reduziu-se à metade, em virtude da compensação parcial operada. Se o terceiro não interessado pagar os R$ 100,00 contra a vontade do devedor, só terá direito a reembolsar-se de R$ 50,00, correspondentes ao benefício auferido por este. Pagamento que importa transmissão da propriedade – art. 307 – dispõe o art. 307 que “só terá eficácia o pagamento que importar em transmissão da propriedade, quando feito por quem possa alienar o objeto, em que ele consistiu”. Aduz o § único: “se se der em pagamento coisa fungível, não se poderá mais reclamar do credor que, de boa-fé, a recebeu e consumiu, ainda que o solvente não tivesse direito de aliená-la”. Nem sempre o pagamento consiste na entrega de dinheiro ao credor. Como tal locução tem o significado de “cumprimento ou adimplemento de obrigação”, pode consistir na entrega de algum objeto, seja porque assim foi estipulado, seja porque o credor concordou com a dação em pagamento proposta pelo devedor. Segundo dispõe o aludido art. 307, o pagamento só terá eficácia, nestes casos, quando feito por quem tinha capacidade para alienar. O § único, porém, abre uma exceção: se a coisa entregue ao credor for fungível, e este a tiver recebido de boa-fé e a consumido, o pagamento terá eficácia, extinguindo-se a relação jurídica, ainda que o devedor não fosse o dono. Só resta ao verdadeiro proprietário voltar-se contra quem a entregou indevidamente. A quem se deve pagar – o pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de não extinguir a obrigação (art. 308). Deve-se acrescentar que pode também ser efetuado aos sucessores daquele, que o substituíram na titularidade do crédito, a título universal (herdeiro e o legatário) ou a título particular (ex.: cessionário, sub-rogado). Nem sempre, contudo, quem paga mal paga duas vezes, como diz conhecido adágio, pois o art. 308, na segunda parte, considera válido o pagamento feito a terceiro ser for ratificado pelo credor (se este confirmar o recebimento por via do referido terceiro ou fornecer recibo) ou se reverter em seu proveito. Representantes do credor – há três espécies de representantes do credor: Legal – é o que decorre da lei, como os pais, tutores e curadores, respectivamente representantes legais dos filhos, tutelados e curatelados. Judicial – é o nomeado pelo juiz, como o inventariante, o síndico da falência, o administrador da empresa penhorada, etc. Convencional – é o que recebe mandato outorgado pelo credor, com poderes especiais para receber e dar quitação. OBS: Mandato tácito – o art. 311 considera portador de mandato tácito quem se apresenta ao devedor portando quitação assinada pelo credor, “salvo se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultante”. Trata-se, portanto, de presunção relativa (“juris tantum”), que admite prova em contrário, pois não se descarta a hipótese de ter sido extraviado ou furtado o recibo. Credor putativo – será válido, também, o pagamento feito ao credor putativo, isto é, àquele que se apresenta aos olhos de todos como o verdadeiro credor. Recebe tal denominação, portanto, quem aparenta ser credor, como é o caso do herdeiro aparente. Se, por exemplo, o único herdeiro conhecido de uma pessoa abonada, e que veio a falecer, é seu sobrinho, o pagamento a ele feito de boa-fé é válido, mesmo que se apure, posteriormente, ter o “de cujus”, em disposição de última vontade, nomeado outra pessoa como seu herdeiro testamentário. Prescreve, com efeito, o art. 309 que “o pagamento feito de boa- fé ao credor putativo é válido, ainda provado depois que não era credor”. Pode ser ainda lembrada, como exemplo de credor putativo, a situação do locador aparente, que se intitula proprietário de um apartamento e o aluga a outrem. Provada a boa-fé deste, os pagamentos de aluguéis por ele efetuados serão considerados válidos, ainda que aquele não seja o legítimo dono. A boa-fé tem, assim, o condão de validar atos que, em princípio, seriam nulos. Ao verdadeiro credor, que não recebeu o pagamento, resta somente voltar-se contra o “accipiens”, isto é, contra o credor putativo, que recebeu indevidamente, embora também de boa-fé, pois o “solvens” nada mais deve. O pagamento deve ser efetuado a pessoa capaz de fornecer quitação – o pagamento deve ser efetuado a pessoa capaz de fornecer a devida quitação, sob pena de não valer. Dispõe o art. 310 que “não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de quitar, se o devedor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu”. A quitação reclama capacidade e sem ela o pagamento não vale. No entanto, provado que reverteu em proveito do incapaz, cessa a razão da ineficácia. Note-se que o pagamento feito a pessoa incapaz de quitar pode ser confirmado pelo representante legal ou pelo próprio credor, se relativamente incapaz, cessada a incapacidade (art. 172). Há quem entenda que essa solução somente se aplica ao relativamente incapaz, sendo sempre nulo o pagamento feito ao absolutamente incapaz. No entanto, o dispositivo legal mencionado não faz tal distinção. E também não se justifica a exigência de novo pagamento a este, se o primeiro reverteu em seu benefício. Além do empobrecimento do “solvens”, acarretaria enriquecimento indevido do “accipiens”. Como o citado art. 310 considera inválido somente o pagamento cientemente feito ao credor incapaz, será válido o ato se se provar erro escusável do devedor, por supor estar tratando com pessoa capaz, ou dolo do credor, por ocultar maliciosamente a idade. Hipótese em que o pagamento ao verdadeiro credor não vale – há uma hipótese em que, mesmo sendo feito ao verdadeiro credor, o pagamento não valerá. Isso ocorre quando o devedor é intimado da penhora feita sobre o crédito, ou da impugnação a ele oposta por terceiros (art. 312). Quando a penhora recai sobre um crédito, o devedor é intimado a não pagar ao credor mas a depositar em juízo o valor devido. Se mesmo assim pagar ao credor, o pagamento não valerá contra o terceiro exeqüente ou embargante, “que poderão constranger o devedor a pagar de novo, ficando-lhe ressalvado o regresso contra o credor”. Objeto do pagamento – o objeto do pagamento é a prestação. Disposições gerais – o credor não é obrigado a receber outra prestação, “diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa” (art. 313). Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, o pagamento não pode ser efetuado por partes, se assim não se ajustou, nem o devedor é obrigado a receber dessa forma (art. 314). Pagamento em dinheiro – na seção que trata especificamente do objeto do pagamento, o CC disciplina o pagamento em dinheiro, que é a forma mais importante e na qual todas as demais podem transformar-se. Preceitua o art. 315 que as dívidas em dinheiro “deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subseqüentes, que prevêem a possibilidade de corrigi-lo monetariamente. Princípio do nominalismo – o CC adotou o princípio do nominalismo, pelo qual se considera como valor da moeda o valor nominal que lhe atribui o Estado, no ato da emissão ou da cunhagem. De acordo com o referido princípio, o devedor de uma quantia em dinheiro libera-se entregando a quantidade de moeda mencionada no contrato ou título da dívida, e em curso no lugar do pagamento, ainda que desvalorizada pela inflação para a compra dos mesmos bens que podiam ser adquiridos, quando contraída a obrigação. Cláusula de escala móvel – desde o CC 1916 e com o passar dos tempos, buscaram os credores outros meios para fugir aos efeitos ruinosos da inflação, dentre eles a adoção da cláusula de escala móvel, pela qual o valor da prestação deve varia segundo os índices de custo de vida. Surgiram, assim, os diversos índices de correção monetária, que podiam ser aplicados sem limite temporal, até a edição da Medida Provisória nº 1106/95 (posteriormente convertida na Lei 10192/01), que, pretendendo desindexar a economia, declarou “nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano” (art. 2º, §1º). Aumento progressivo de prestações sucessivas – dispõe o CC que “é lícito convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas” (art. 316). Pagamento em ouro e em moeda estrangeira – prescreve o art. 318 que “são nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional, excetuando-se os casos previstos na legislação especial”. A Lei 9069/95, que dispõe sobre o Plano Real, recepcionou o Decreto-lei 857/69, que veda o pagamento em moeda estrangeira, mas estabelece algumas exceções, das quais se destacam a permissão de tal estipulação nos contratos referentes a importação e exportação de mercadorias, e naqueles em que o credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior. Deve, entretanto, ser efetuada a conversão de seu valor para a moeda nacional por ocasião do pagamento ou de sua cobrança. Dívida em dinheiro x dívida de valor – distingue-se a dívida em dinheiro da dívida de valor. Na primeira, o objeto da prestação é o próprio dinheiro, como ocorre no contrato de mútuo, em que o tomador do empréstimo obriga-se a devolver, dentro de determinado prazo, a importância levantada. Quando, no entanto, o dinheiro não constitui o objeto da prestação, mas apenas representa seu valor, diz-se que a dívida é de valor. A obrigação de indenizar, decorrente da prática de um ato ilícito, constitui dívida de valor. Se o prejuízo consiste no amassamento da porta do veículo da vítima, por exemplo, o “quantum” orçado é a medida do valor da referida porta. Sempre se entendeu que, nas dívidas de valor, a correção monetária incide desde a data do fato, porque seu montante deve corresponder ao do bem lesado. Ademais, correção monetária não é pena e não constitui nenhum “plus”. Apenas atualiza o valor do débito, evitando o enriquecimento sem causa do devedor. Outros exemplos dessa espécie de dívida podem ser mencionados, como a decorrente da desapropriação (o montante da indenização corresponde ao valor da coisa desapropriada) e a resultante da obrigação alimentar (cujo valor representa a medida da necessidade do alimentando). Moeda de curso legal x moeda de curso forçado – toda moeda, admitida pela lei como meio de pagamento, tem curso legal no País, não podendo ser recusada. Quando o CC 1916 entrou em vigor, o dinheiro brasileiro tinha curso legal, mas não forçado, porque o devedor podia liberar-se pagando em qualquer moeda estrangeira. A partir do Decreto 23501/33, instaurou-se o curso forçado, não podendo o pagamento ser efetuado em outro padrão monetário, salvo algumas exceções, como consignado no Decreto-lei 857/69. já mencionado. Moeda de curso forçado, portanto, é a única admitida pela lei como meio de pagamento no País. Pagamento por medida ou peso – se o pagamento se houver de fazer por medida, ou peso, entender-se-á, no silêncio das partes, que “aceitaram os do lugar da execução” (art. 326). Teoria da imprevisão – a esse propósito, preceitua o art. 317: “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção entre o valor da prestação devida e do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”. Assim, a teoria da imprevisão poderá ser aplicada pelo juiz quando fatos extraordinários e imprevisíveis tornarem excessivamente oneroso para um dos contratantes o cumprimento do contrato, e recomendarem a sua revisão. Despesas com o pagamento e a quitação – presumem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação, mas, se ocorrer aumento por fato do credor, suportará este a despesa acrescida (art. 325). Prova do pagamento – a regra dominante em matéria de pagamento é a de que ele não se presume. Prova-se-o pela regular quitação fornecida pelo credor. Requisitos da quitação – os requisitos que a quitação deve conter encontram- se especificados no art. 320: O valor e a espécie da dívida quitada. O nome do devedor ou por quem esse pagou. Tempo e o lugar do pagamento. Assinatura do credor ou de quem o represente. Quitação sempre por escrito – tendo em vista os requisitos da quitação, esta deverá ser dada por escrito, público ou particular. Segundo dispõe a primeira parte do aludido art. 320, a quitação “sempre poderá ser dada por instrumento particular”. Desse modo, ainda que o contrato de que se originou tenha sido celebrado por instrumento público, valerá a quitação dada por instrumento particular. Quitação sem a observância dos requisitos – sem os referidos requisitos, “valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida (art. 320, § único). Direito de retenção e consignação do pagamento pelo devedor se não lhe for dada quitação – o devedor tem o direito de exigir a quitação, podendo reter o pagamento e consigná-lo, se não lhe for dada (arts. 319 e 335, I). Presunções legais que facilitam a prova do pagamento – o CC estabelece três presunções, que facilitam a prova do pagamento, dispensando a quitação: Quando a dívida é representada por título de crédito, que se encontra na posse do devedor – dispõe, com efeito, o art. 324: “a entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento”. Aduz o parágrafo único que, porém, “ficará sem efeito a quitação assim operada se o credor provar, em 60 dias, a falta de pagamento”. Extinta a dívida pelo pagamento, o título que a representava deve ser restituído ao devedor, que pode exigir sua entrega, salvo se nele existirem co-devedores cujas obrigações ainda não se extinguiram. A presunção de pagamento é, entretanto, relativa (“juris tantum”), pois o credor pode provar, no prazo legal, que o título se encontra indevidamente em mãos do devedor (ex.: furto, extravio, conluio com o encarregado da cobrança, etc.). OBS Título perdido – se o título foi perdido, poderá o devedor exigir, retendo o pagamento , declaração do credor que inutilize o título desaparecido (art. 321). Como tal declaração, entretanto, não é oponível ao terceiro detentor de boa-fé, melhor se mostra a observância do procedimento do art. 907 CPC, referente à ação de anulação e substituição de títulos ao portador, citando-se o credor e eventual detentor, e, por edital, terceiros interessados, julgando-se, a final, ineficaz o título reclamado, ordenando o juiz que outro seja lavrado, em substituição. Quando o pagamento é feito em quotas periódicas, existindo quitação da última – preceitua o art. 322: “quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores”. Assenta-se a regra na idéia de que não é natural o credor concordar em receber a última prestação sem haver recebido as anteriores. Mas a presunção é relativa, admitindo prova em contrário. Algumas vezes, por exemplo, condôminos de edifícios pagam as despesas condominiais do último mês e deixam de solver as do mês anterior, porque pretendem discutir em juízo a validade de sua cobrança. Neste caso, a administração recebe a última, ressalvando no recibo o não-pagamento da prestação anterior. Não feita a ressalva, a presunção poderá ser elidida pelos meios de prova em geral. Quando há quitação do capital, sem reserva dos juros, que se presumem pagos – estabelece o art. 323: “sendo a quitação do capital sem reserva dos juros, estes presumem-se pagos”. Como os juros não produzem rendimento, é de supor que o credor imputaria neles o pagamento parcial da dívida, e não no capital, que continuaria a render. Determina a lógica, portanto, que os juros devem ser pagos em primeiro lugar. Em regra, quando o recibo está redigido em termos gerais, sem qualquer ressalva, presume-se ser plena a quitação. Lugar do pagamento – dispõe o art. 327: “efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias”. As partes podem, ao celebrar o contrato, escolher livremente o local em que a obrigação deverá ser cumprida. Da mesma forma, a lei também pode contrariar a presunção estabelecida em favor do domicílio do devedor. Lei municipal que crie determinado tributo, por exemplo, pode determinar que o pagamento seja efetuado na Prefeitura ou em determinado banco com ela conveniado. A legislação sobre títulos de crédito também contém regras especiais sobre o lugar do pagamento. Outra exceção à regra geral decorre da natureza da obrigação, como acontece, por exemplo, nos despachos de mercadoria por via férrea, com frete a pagar, em que este deve ser solvido na estação de destino, pelo destinatário, por ocasião de sua retirada. Algumas vezes, circunstâncias especiais determinam o pagamento, tornando inaplicável a regra que privilegia o domicílio do devedor. É o que ocorre, por exemplo, nos contratos de empreitada, em que a prestação prometida só poderá ser cumprida no local em que se realiza a obra, ou nos contratos de trabalho. Se as partes não pactuarem diversamente em contrato, nem a lei dispuser de forma distinta, ou se o contrário não resultar das circunstâncias, nem da natureza da obrigação, efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor. Neste caso, diz-se que a dívida é “quérable”, expressão traduzida como “quesível”, devendo o credor buscar, procurar o pagamento no domicílio daquele. O referido art. 327 constitui, pois, norma supletiva da vontade das partes, caso não concorram os outros fatores mencionados. Sendo o benefício instituído em seu favor, pode o devedor a ele renunciar, efetuando o pagamento no domicílio do credor. Quando se estipula, no local do cumprimento da obrigação, o domicílio do credor, diz-se que a dívida é “portable” ou portável, pois o devedor deve levar e oferecer o pagamento nesse local. A regra geral é que as dívidas são quesíveis, devendo ser pagas no domicílio do devedor. Para serem portáveis, é necessário que o contrato expressamente consigne o domicílio do credor como o local do pagamento. No silêncio do contrato, aplica-se o princípio geral. Fatos posteriores podem transformar em portável uma dívida quesível, e vice-versa. É muito comum, em contratos de locação, estabelecer-se o domicílio de um dos contratantes como local de pagamento, e ocorrer tacitamente a posterior mudança em razão dos reiterados pagamentos efetuados no domicílio do outro. A propósito, dispõe o art. 330: “o pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato”. Dois ou mais lugares de pagamento designados – se dois ou mais lugares de pagamento forem designados, cabe ao credor escolher entre eles (art. 327, § único). Motivo grave para que não se efetue o pagamento no lugar determinado – ocorrendo motivo grave para que não se efetue o pagamento no lugar determinado (ex.: doença, acidente, greve), “poderá o devedor fazê-lo em outro, sem prejuízo para o credor” (art. 329). Pagamento consistente na tradição de imóvel ou em prestações relativas a imóvel – prescreve o art. 328 que, se “o pagamento consistir na tradição de um imóvel ou em prestações relativas a imóvel, far-se-á no lugar onde situado o bem”. Prestações relativas a imóvel devem ser entendidas como serviços, reparações, construções, etc., não abrangendo, porém, os aluguéis, que podem ser pagos em outro local. Tempo do pagamento – interessa tanto ao credor como ao devedor saber a data exata do pagamento, porque não pode este ser exigido antes, salvo nos casos em que a lei determina o vencimento antecipado da dívida. Não pode o credor reclamar pagamento no último dia do prazo, pois o devedor dispõe desse dia por inteiro. O CC regulamenta o tempo de pagamento nas obrigações puras, distinguindo-as das condicionais. Trata, também, separadamente, das dívidas cujo vencimento foi fixado no contrato e das que não contêm tal ajuste. Obrigações puras Com estipulação de data para pagamento – as obrigações puras com estipulação de data para o pagamento devem ser solvidas nesta ocasião, isto é, no vencimento, sob pena de inadimplemento. A falta de pagamento constitui em mora o devedor de pleno direito, segundo a máxima “dies interpellat pro homine” (o dia do vencimento interpela pelo homem), reproduzida no art. 397. Não há necessidade de notificação ou interpelação do devedor, pois a chegada do vencimento corresponde a uma interpelação. Desse modo, o inadimplemento constitui em mora de pleno direito. A regra de que a obrigação deve ser cumprida no vencimento sofre duas exceções: Antecipação do vencimento – dispõe o art. 333 que “ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código”: No caso de falência do devedor ou de concurso de credores. Se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor. Se cessarem, ou se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las. OBS: Outras hipóteses legais – outros dispositivos legais consignam hipóteses de vencimento antecipado da dívida, como o art. 1425 CC, art. 25 da Lei de Falências, art. 751, I, CPC, etc. Pagamento antecipado – nos contratos, o prazo se presume estabelecido em favor do devedor (art. 133). Desse modo, se o desejar, poderá abrir mão do favor concedido pela lei, antecipando o pagamento. Mas, se o prazo for estipulado em favor do credor, pode este não aceitar o pagamento antecipado, por preferir, por exemplo, continuar recebendo os juros fixados a uma taxa conveniente, até o dia do vencimento da obrigação. Será obrigado a aceitá-lo, porém, e com redução proporcional dos juros, se o contrato for regido pelo CDC (art. 5º, §2º). Sem estipulação de data para pagamento – se não se ajustou época para pagamento, o credor pode exigi-lo imediatamente, salvo disposição especial do CC (art. 331), que estabelece, efetivamente, alguns prazos especiais, como, por exemplo, para o comodato, que se presumirá o necessário para o uso concedido, se outro não se houver fixado (art. 581). Deve ser lembrado que, não havendo prazo avençado, é necessário que o devedor seja informado do propósito do devedor de receber, pois nas obrigações sem estipulação de prazo para o seu cumprimento, a mora do devedor só começa depois da interpelação judicial ou extrajudicial. Inúmeros julgados, no entanto, proclamam que a citação para a causa é a mais enérgica das interpelações, podendo o pagamento ser efetuado no prazo da contestação. O art. 134 demonstra que nem sempre os atos sem prazo são exeqüíveis desde logo, ou desde que feita a interpelação, pois ressalva expressamente as hipóteses em que a execução tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo. Se alguém, por exemplo, obriga-se a entregar a outrem determinado objeto que se encontra em local distante, não se pode exigir o cumprimento imediato da prestação, pois o devedor necessitará de tempo suficiente para buscá-lo. Se a obrigação, em outro exemplo, for a de entregar o produto de determinada lavoura, deve-se aguardar a época certa para a colheita. Obrigações condicionais – as obrigações condicionais “cumprem-se na data do implemento da condição, cabendo ao credor a prova de que deste teve ciência o devedor” (art. 332). Refere-se o dispositivo à condição suspensiva, pois a resolutiva não impede a aquisição do direito desde logo (art. 127). Porém, este se extingue ocorrendo evento futuro e incerto. Pagamento em consignação – o pagamento em consignação consiste no depósito, pelo devedor, da coisa devida, com o objetivo de liberar-se da obrigação. É meio indireto de pagamento, ou pagamento especial, incluindo-se nessa categoria, também, o pagamento com sub-rogação, a imputação do pagamento e a dação em pagamento. Pagar não é apenas um dever, mas também um direito do devedor. Se não for possível realizar o pagamento diretamente ao credor, em razão de recusa injustificada deste em receber, ou alguma outra circunstância, poderá valer-se da consignação em pagamento, para não sofrer as conseqüências da mora. Segundo o art. 334, “considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais”. Ao usar a expressão “coisa devida”, o aludido dispositivo permitiu a consignação não só de dinheiro como também de bens móveis ou imóveis. O credor, por exemplo, que se recusar a receber os móveis encomendados só porque não está preparado para efetuar o pagamento convencionado dá ensejo ao marceneiro de consigná-los judicialmente. O dispositivo legal alude, ainda, ao depósito judicial ou em estabelecimento bancário. Portanto, se o devedor, sem justa causa, recusa-se a receber o pagamento em dinheiro, poderá o devedor optar pelo depósito extrajudicial ou pelo ajuizamento da ação de consignação em pagamento. Esta não é mais considerada, como outrora, ação executiva inversa, somente admissível quando a dívida fosse de valor líquido e certo, mas sim de natureza declaratória, podendo ser ajuizada também quando houver dúvida sobre o exato valor da obrigação. É o que ocorre, com freqüência, com os mutuários do SFH, que consignam judicialmente o valor da prestação, que consideram devido, diverso do pretendido pelo agente financeiro. A ação é proposta para que se declare o valor correto das prestações. Só não cabe a consignação, por sua natureza, nas obrigações de fazer e de não fazer. A consignação, por sua natureza, é instituto de direito material e de direito processual. O CC menciona os fatos que autorizam a consignação. O modo de fazê-lo é previsto no diploma processual. Fatos que autorizam a consignação – o art. 335 apresenta um rol não taxativo dos casos que autorizam a consignação. Outros são mencionados em artigos esparsos, como nos arts. 341 e 342, bem como em leis avulsas (art. 17, § único, do Decreto-lei 58/37; arts. 19 e 21, III, da Lei 492/37; etc.) e no Código Comercial (art. 437). Se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma – só a recusa injusta, não fundada em motivo legítimo, a autoriza. Se o locador, por exemplo, não quiser receber o aluguel porque o inquilino não incluiu aumento autorizado por lei, não haverá lugar para a consignação. O motivo apresentado para a recusa é justo, pois ninguém é obrigado a receber menos do que lhe é devido. Se, no entanto, não houver base legal para o acréscimo pretendido, a consignação será procedente. Observe-se que a consignação ainda terá lugar se o credor concordar em receber o pagamento, mas recusar-se a fornecer a quitação, ou se não puder recebê-lo nem fornecê-lo, porque se trata de meio liberatório do devedor. A hipótese legal contempla caso de dívida “portable”, em que o pagamento deve ser efetuado no domicílio do credor. É necessário que tenha havido oferta real, efetiva, incumbindo ao autor prová-la, bem como a recusa injustificada do credor. A este incumbe, ao contrário, o ônus de provar a existência de justa causa para a recusa. Se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos – trata-se de dívida “quérable”, em que o pagamento deve efetuar-se fora do domicílio do credor, cabendo a este a iniciativa. Permanecendo inerte, faculta-se ao devedor consignar judicialmente a coisa devida, ou extrajudicialmente a importância em dinheiro, para liberar-se da obrigação. Credor incapaz de receber, desconhecido, ter sido declarado ausente ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil – o incapaz, em razão de sua condição, não deve receber o pagamento. A exigência da lei é que o devedor pague ao seu representante legal. Mas se, por algum motivo, o pagamento não puder ser efetuado a este (ex.: por inexistência momentânea, por ser desconhecido, ou se recusar a recebê-lo sem justa causa; etc.), a solução será consigná-lo. Em geral, as obrigações são contraídas com pessoas conhecidas. Mas pode o “accipiens”, por fato posterior, tornar-se desconhecido, como, por exemplo, na hipótese de sucessão decorrente da morte do credor originário ou da transferência de título ao portador. Ausente é a pessoa que desaparece de seu domicílio, sem dar notícia de seu paradeiro nem deixar um representante ou procurador para administrar-lhe os bens (art. 22). Como a ausência há de ser declarada por sentença, caso em que se lhe nomeará curador, dificilmente se caracterizará a hipótese descrita na lei, pois o pagamento pode ser feito ao referido representante legal do ausente. E dificilmente será este desconhecido, podendo o seu nome ser apurado no processo de declaração de ausência. A residência em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil, constitui também circunstância que enseja a consignação, pois não se pode exigir que o devedor arrisque a vida para efetuar o pagamento. Se houver dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento – se dois credores mostram-se interessados em receber o pagamento, e havendo dúvida sobre quem tem direito a ele, deve o devedor valer-se da consignação para não correr o risco de pagar mal, requerendo a citação de ambos. É o caso, por exemplo, de dois municípios que se julgam credores de impostos devidos por determinada empresa, que tem estabelecimentos em ambos. Somente se justifica a consignação se houver dúvida quanto a quem seja o credor legítimo. Inexistindo, será decretada a carência da consignatória, por falta de interesse de agir. Comparecendo mais de um pretendente ao crédito, o devedor é excluído do processo, declarando- se extinta a obrigação. O processo prossegue entre os credores. Se comparecer apenas um pretendente, terá o direito de levantar a quantia depositada. Não comparecendo nenhum, converter-se-á o depósito em arrecadação de bens de ausentes (art. 898 CPC). Se pender litígio sobre o objeto do pagamento – estando o credor e terceiro disputando em juízo o objeto do pagamento, não deve o devedor antecipar-se ao pronunciamento judicial e entregá-lo a um deles, assumindo o risco (art. 344), mas sim consigná-lo judicialmente, para ser levantado pelo que vencer a demanda. Requisitos de validade – para que a consignação tenha força de pagamento, preceitua o art. 336, “será mister concorram, em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento”. Pessoas – em relação às pessoas, o pagamento deve ser feito pelo devedor ao verdadeiro credor, sob pena de não valer, salvo se ratificado por este ou se reverter em seu proveito (arts. 304 e s., 308 e 376). Objeto – quanto ao objeto, exige-se a integralidade do depósito, porque o credor não é obrigado a aceitar pagamento parcial. Modo – o modo será o convencionado, não se admitindo, por exemplo, pagamento em prestações quando estipulado que deve ser à vista. Tempo – quanto ao tempo, deve ser, também, o fixado no contrato, não podendo efetuar-se antes de vencida a dívida, se assim foi convencionado. A mora do devedor, por si só, não impede a propositura da ação de consignação em pagamento, se ainda não provocou conseqüências irreversíveis, pois tal ação pode ser utilizada tanto para prevenir como para emendar a mora. Regulamentação – Lugar do depósito – o depósito requerer-se-á no lugar do pagamento. Sendo quesível a dívida, o pagamento efetua-se no domicílio do devedor; sendo portável, no do credor (art. 327), podendo haver, ainda, foro de eleição. Juros e riscos da coisa – uma vez ultimado o depósito, cessa para o depositante os juros da dívida e os riscos, salvo se for julgado improcedente (art. 337). Imóvel e coisa certa – se a coisa devida for imóvel ou corpo certo (coisa certa) que deva ser entregue no mesmo lugar onde está, poderá o devedor citar o credor para vir ou mandar recebê-la, sob pena de ser depositada (art. 341). Coisa incerta ou indeterminada – em se tratando de coisa indeterminada (coisa incerta), faltando a escolha da qualidade e se esta competir ao credor, o devedor não será obrigado a permanecer aguardando indefinidamente que ela se realize, podendo citá-lo para esse fim, sob cominação de perder o direito e ser depositada a coisa que o devedor escolher; feita a escolha por este, proceder-se-á como no depósito de coisa certa (art. 342). Levantamento do depósito pelo devedor depositante – o art. 338 autoriza o devedor a levantar o depósito, pagando as respectivas custas, enquanto o credor não declarar que o aceita, ou não o impugnar. Se ocorre o levantamento, a obrigação subsiste, com todas as suas conseqüências. Levantamento do objeto depositado, depois de julgado procedente o depósito, se houverem outros devedores – o art. 339 trata da impossibilidade de levantamento do objeto depositado, depois de julgado procedente o depósito, mesmo havendo anuência do credor, quando existirem outros devedores e fiadores. Procura-se, dessa forma, resguardar os direitos destes, pois a procedência da ação extingue a obrigação, acarretando a exoneração dos devedores solidários. Se estes, no entanto, concordarem com o levantamento, deixará de existir o impedimento legal. Prestações periódicas – o art. 892 CPC permite, quando se trata de prestações periódicas, a continuação dos depósitos no mesmo processo, depois de efetuado o da primeira, desde que se realizem até 5 dias da data do vencimento. Alegação de insuficiência do depósito e indicação do montante devido – o art. 896 CPC obriga o demandado que alegar insuficiência do depósito a indicar o montante que entende devido. Pagamento com sub-rogação – sub-rogação é a substituição de uma pessoa, ou de uma coisa, por outra pessoa, ou outra coisa, em uma relação jurídica. No primeiro caso, a sub-rogação é pessoal; no segundo, real. Nesta, a coisa que toma o lugar da outra fica com os mesmos ônus e atributos da primeira (ex.: sub-rogação do vínculo da inalienabilidade, em que a coisa gravada pelo testador ou doador é substituída por outra, ficando esta sujeita àquela restrição – art. 1911, § único). Na sub-rogação pessoal, ocorre a transferência dos direitos do credor para aquele que solveu a obrigação, ou emprestou o necessário para solvê-la. Assim, o avalista que paga a dívida pela qual se obrigou solidariamente, sub-roga-se nos direitos do credor, ou seja, toma o lugar deste na relação jurídica. É desta espécie de sub-rogação que trata o capítulo referente ao pagamento com sub-rogação. O instituto em estudo constitui uma exceção à regra de que o pagamento extingue a obrigação. A sub-rogação é uma figura jurídica anômala, pois o pagamento promove apenas uma alteração subjetiva da obrigação, mudando o credor. A extinção obrigacional ocorre apenas em relação ao credor, que nada mais poderá reclamar depois de haver recebido do terceiro interessado (avalista, fiador, coobrigado, etc.) o seu crédito. Nada se altera, porém, para o devedor, visto que o terceiro, que paga, toma o lugar do credor satisfeito e passa a ter o direito de cobrar a dívida. A sub-rogação pode ser: Sub-rogação legal – é a que decorre da lei. Encontra-se regulamentada no art. 346 e se opera de pleno direito em três casos: Credor que paga dívida do devedor comum – cogita o dispositivo da hipótese de o devedor ter mais de um credor. Se um deles promover a execução judicial de seu crédito, preferencial ou não, poderá o devedor ficar sem meios para atender aos compromissos com os demais credores. Qualquer destes pode, então, pagar ao credor exeqüente, sub-rogando-se em seus direitos, e aguardar a melhor oportunidade para a cobrança de seu crédito. Pode o credor, com segunda hipoteca sobre determinado imóvel do devedor, preferir pagar ao titular do crédito garantido por primeira hipoteca sobre o mesmo bem, sub-rogando-se nos direitos deste, para posteriormente executar os dois créditos hipotecários e não ter de aguardar a execução do primeiro, e apenas contentar-se com o que restar. Adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel – pode, eventualmente, alguém adquirir imóvel hipotecado, porque faltam poucas prestações a serem pagas ao credor, pelo alienante. Se este, no entanto, deixa de pagá-las, pode o adquirente efetuar o pagamento, para evitar a excussão do imóvel hipotecado, sub-rogando-se nos direitos daquele. Estando o imóvel onerado por mais de uma hipoteca, o adquirente, que paga a primeira, sub- roga-se no crédito hipotecário satisfeito, adquirindo preferência em relação aos demais credores hipotecários. Pode valer-se dessa posição para dificultar a execução que estes pretendam promover. Terceiro interessado que paga dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte – terceiro interessado é o que pode ter seu patrimônio afetado caso a dívida, pela qual também se obrigou, não seja paga. É o que acontece com o avalista, com o fiador, com o coobrigado solidário, etc.; que pagam dívida pela qual eram ou podiam ser obrigados. Sub-rogam-se, automaticamente, nos direitos do credor. Embora extinta para este a dívida, subsiste ela em relação ao devedor, que deverá saldá-la ao terceiro interessado, que a pagou, investindo-se, em virtude desse pagamento, em todos os direitos e garantias do primitivo credor. Esta terceira hipótese é a mais comum, mas favorece apenas o terceiro interessado. O terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, malgrado tenha direito de reembolsar-se do que pagou, não se sub-roga nos direitos do credor (art. 305). Sendo estranho à relação obrigacional, não lhe assiste tal direito. Sub-rogação convencional – a regulamentação da sub-rogação convencional está contida no art. 347, que prevê duas hipóteses: Quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos – o terceiro interessado já se sub-roga, automaticamente, nos direitos do credor. Não necessita, pois, dessa transferência feita pelo credor. Cuida o dispositivo, pois, da hipótese de terceiro não interessado. A transferência, por vontade do credor, pode ser feita sem a anuência do devedor. É uma espécie de cessão de crédito, muito embora não se confunda com esta, que tem características próprias. Mas, do ponto de vista puramente legal, ambas se regulam pelos mesmos princípios, dispondo o art. 348 que, nesta hipótese, vigorará o disposto quanto à cessão de crédito. Quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito – é o que ocorre, com freqüência, nos financiamentos regulados pelo SFH, em que o agente financeiro (ex.: CEF) empresta ao adquirente da casa própria (mutuário) a quantia necessária para o pagamento ao alienante, sob a condição expressa de ficar sub-rogada nos direitos deste. O devedor paga seu débito com a quantia que lhe foi emprestada, transferindo expressamente ao agente financeiro os direitos do credor (alienante) satisfeito. Assim, o adquirente da casa própria não é mais devedor do alienante, e sim do terceiro (agente financeiro), que lhe emprestou o numerário. Efeitos – a sub-rogação “transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e fiadores” (art. 349). O efeito translativo da sub-rogação é, portanto, amplo. O novo credor será um credor privilegiado se o primitivo o era. O avalista, que paga a dívida, sub-rogando-se nos direitos do primitivo credor, poderá cobrá-la também na forma de execução. O dispositivo em tela aplica-se às duas modalidades de sub-rogação, legal e convencional. Nesta, porém, devido a sua natureza contratual, podem as partes limitar os direitos do sub- rogado. OBS: 1) Limitação na sub-rogação legal – na sub-rogação legal, o sub- rogado não pode reclamar do devedor a totalidade da dívida, mas só aquilo que houver desembolsado (art. 350). Assim, quem pagar soma menor que a do crédito sub-roga-se pelo valor efetivamente pago, e não pelo daquele. Na sub- rogação convencional, em que predomina a autonomia da vontade e o caráter especulativo, como na cessão de crédito, pode ser estabelecido o contrário, ou seja, que haverá sub-rogação total, mesmo não tendo havido desembolso integral da importância necessária à satisfação do credor primitivo. Apesar da controvérsia existente a respeito do tema, não nos parece razoável entender que, no silêncio do contrato, a sub-rogação convencional será total, mesmo não tendo havido desembolso integral. 2) Preferência do credor originário em relação ao sub-rogado, na hipótese de pagamento parcial – dispõe o art. 351 que “o credor originário, só em parte reembolsado, terá preferência ao sub- rogado, na cobrança da dívida restante, se os bens do devedor não chegarem para saldar inteiramente o que a um e outro dever”. Assim, na execução do patrimônio do devedor, terá preferência, pelo saldo, o credor originário, que não foi pago integralmente, sobre o sub-rogado que, por ter efetuado pagamento parcial, sub-rogou-se apenas em parte do crédito deste. OBS: 1) Pagamento com sub-rogação x cessão de crédito – malgrado a semelhança existente ente pagamento com sub-rogação e cessão de crédito, os dois institutos não se confundem. O aspecto especulativo, o fim de lucro, é elementar nesta, mas não o é na sub-rogação. A cessão de crédito é feita, em geral, por valor diverso deste, enquanto a sub-rogação legal ocorre na exata proporção do pagamento efetuado. Neste, ocorre pagamento, enquanto a cessão de crédito é feita antes da satisfação do débito. 2) Pagamento com sub-rogação x novação subjetiva – o pagamento com sub- rogação também não se confunde com novação subjetiva por substituição do credor, por lhe faltar o “animus novandi”. Trata-se, na realidade, de instituto autônomo e anômalo, em que o pagamento promove apenas uma alteração subjetiva da obrigação, mudando o credor. A extinção obrigacional ocorre somente em relação ao credor, que fica satisfeito. Nada se altera para o devedor, que deverá pagar ao terceiro, sub-rogado no crédito. Imputação do pagamento – consiste na indicação ou determinação da dívida a ser quitada, quando uma pessoa se encontra obrigada, por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, e efetua pagamento não suficiente para saldar todas elas. É o que ocorre quando alguém é devedor de várias importâncias em dinheiro ao mesmo credor. Há três espécies de imputação: Imputação do devedor – preceitua o art. 352 que “a pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem o direito de indicar a qual deles oferece o pagamento, se todos forem líquidos e vencidos”. Pressupostos – diante da definição legal supra, podemos extrair os seguintes pressupostos da imputação do pagamento pelo devedor: Identidade de credor e devedor. Existência de dois ou mais débitos. Dívidas da mesma natureza (se uma das dívidas for em dinheiro e a outra consistir na entrega de algum bem, havendo o pagamento de certa quantia não haverá necessidade de imputação do pagamento). Dívidas líquidas e vencidas (como, entretanto, em geral, o prazo para pagamento é estipulado em favor do devedor – art. 133 –, poderá este imputar o pagamento em dívida não vencida) A importância entregue ao credor a título de pagamento deve ser suficiente para extinguir ao menos uma das diversas dívidas (do contrário, estar-se-ia constrangendo o credor a receber pagamento parcial, a despeito da proibição constante do art. 314). Limitações – a imputação do pagamento por vontade ou indicação do devedor é assegurada a este no art. 352, pelo qual a pessoa obrigada tem o direito de escolher qual débito deseja saldar. Esse direito sofre, no entanto, algumas limitações: O devedor não pode imputar pagamento em dívida ainda não vencida se o prazo se estabeleceu a benefício do credor (art. 133). Como, em geral, é convencionado em favor do devedor, pode este, em princípio, renunciá-lo. Mas a imputação em dívida não vencida não se fará sem consentimento do credor (art. 352, “in fine”). O devedor não pode imputar o pagamento em dívida cujo montante seja superior ao valor ofertado, salvo acordo entre as partes, pois pagamento parcelado do débito só é permitido quando convencionado (art. 314). O devedor não pode pretender que o pagamento seja imputado no capital, quando há juros vencidos, “salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar quitação por conta do capital” (art. 354). Imputação do credor – a imputação por indicação do credor ocorre quando o devedor não declara qual das dívidas quer pagar. O direito é exercido na própria quitação. Com efeito, dispõe o art. 353 que, “não tendo o devedor declarado em qual das dívidas líquidas e vencidas quer imputar o pagamento, se aceitar a quitação de uma delas, não terá direito a reclamar contra a imputação feita pelo credor, salvo provando haver ele cometido violência ou dolo”. Imputação legal – dá-se a imputação por determinação legal se o devedor não fizer a indicação do art. 352 e a quitação for omissa quanto à imputação. Verifica-se, assim, que o credor que não fez a imputação no momento de fornecer a quitação não poderá fazê-lo posteriormente, verificando-se, então, a imputação legal. Os critérios desta são os seguintes: Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos (art. 354). Entre dívidas vencidas e não vencidas, a imputação far-se-á nas primeiras. Se algumas forem líquidas e outras ilíquidas, a preferência recairá sobre as primeiras, segundo a ordem de seu vencimento (art. 355). Se todas forem líquidas e vencidas, ao mesmo tempo, considerar-se-á paga a mais onerosa (art. 355). Mais onerosa é, por exemplo, a que rende juros, comparativamente à que não os produz; a cujos juros são mais elevados, em relação à de juros módicos; a sobre a qual pesa algum gravame, como hipoteca ou outro direito real, relativamente à que não contém tais ônus; a que pode ser cobrada pelo rito executivo, comparada à que enseja somente ação ordinária; a garantida por cláusula penal, em relação à que não prevê nenhuma sanção; etc. OBS: Todas as dívidas líquidas, vencidas ao mesmo tempo e igualmente onerosas – não prevê o CC solução para a hipótese de todas as dívidas serem líquidas, vencidas ao mesmo tempo e igualmente onerosas. Não tem a jurisprudência, nestes casos, determinado a imputação na mais antiga, como pretendem alguns, mas aplicado, por analogia, a regra do art .433, IV, do Código Comercial, pelo qual “sendo as dívidas da mesma data e de igual natureza, entende-se feito o pagamento por conta de todas em devida proporção”. Dação em pagamento – é um acordo de vontades entre credor e devedor, por meio do qual o primeiro concorda em receber do segundo, para exonerá-lo da dívida, prestação diversa da que lhe é devida. Em regra, o credor não é obrigado a receber outra coisa, ainda que mais valiosa (art. 313). No entanto, se aceitar a oferta de uma coisa por outra, caracterizada estará a dação em pagamento. Tal não ocorrerá se as prestações forem da mesma espécie. Preceitua o art. 356 que “o credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida”. Essa substituição conhece várias modalidades. A “datio in solutum” (dação em pagamento) só não pode ter por objeto dinheiro de contado. Pode haver, mediante acordo, substituição de dinheiro por bem móvel ou imóvel, de coisa por outra, de coisa por fato, de dinheiro por título de crédito, de coisa por obrigação de fazer, etc. Natureza jurídica – verifica-se, pela redação do art. 356, que a dação em pagamento é considerada uma forma de pagamento indireto. Entre nós, diferentemente do que ocorre no direito francês, não constitui novação objetiva, nem se situa entre os contratos. Regulamento – Quando o objeto da prestação é dinheiro e houver substituição por outra coisa – de acordo com o art. 357, “determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as partes regular-se-ão pelas normas do contrato de compra e venda”. Como ocorre uma verdadeira compra, e sendo idênticas as regras, responde o alienante pela evicção (art. 359). Se quem entregou bem diverso em pagamento não for o verdadeiro dono, o que o aceitou tornar-se-á evicto. A quitação dada ficará sem efeito e perderá este o bem para o legítimo dono, restabelecendo-se a relação jurídica originária, inclusive a cláusula penal, ou seja, o débito continuará a existir, na forma inicialmente convencionada. Na aplicação dos princípios da compra e venda, tem a jurisprudência proclamado a nulidade da dação em pagamento de todos os bens do devedor (art. 548), bem como sua anulabilidade quando feita pr ascendente a descendente sem o consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante (art. 496). Quando o objeto da prestação não é dinheiro e houver substituição por outra coisa – se o objeto da prestação não for dinheiro e houver substituição por outra coisa, não haverá analogia com a compra e venda, mas com a troca ou permuta. Se for título de crédito a coisa dada em pagamento, a transferência importará em cessão (art. 358). O fato deverá ser, por essa razão, notificado ao cedido, nos termos do art, 290. Novação – é a criação de uma obrigação nova, para extinguir uma anterior. É a substituição de uma dívida por outra, extinguindo-se a primeira. Ocorre, por exemplo, quando o pai, para ajudar o filho, procura o credor deste e lhe propõe substituir o devedor, emitindo novo título de crédito. Se o credor concordar, emitido o novo título e inutilizado o assinado pelo filho, ficará extinta a primitiva dívida, substituída pela do pai. A novação não produz, como o pagamento, a satisfação imediata do crédito, sendo, pois, modo extintivo não satisfatório. Natureza jurídica – tem natureza contratual, pois opera-se em conseqüência de ato de vontade dos interessados, jamais por força de lei. Requisitos – são requisitos da novação: Existência de obrigação anterior – o primeiro requisito consiste na existência de obrigação jurídica anterior, visto que a novação visa exatamente à sua substituição. É necessário que seja válida a obrigação a ser novada. Dispõe, com efeito, o art. 367: “salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem ser objeto de novação as obrigações nulas ou extintas”. Não se pode novar o que não existe, nem extinguir o que não produz efeitos jurídicos. A obrigação simplesmente anulável, entretanto, pode ser confirmada pela novação, pois tem existência, enquanto não rescindida judicialmente. Podendo ser confirmada, interpreta-se a sua substituição como renúncia do interessado ao direito de pleitear a anulação. OBS: 1) Obrigações naturais não comportam novação – as obrigações naturais não comportam novação, porque seu pagamento não pode ser exigido compulsoriamente. Não se pode revitalizar ou validar relação obrigacional juridicamente inexigível. A matéria, entretanto, é controvertida, havendo entendimentos contrários a este. 2) Obrigações condicionais comportam novação – as obrigações condicionais podem ser novadas. A nova dívida poderá ser pura e simples, ou também condicional. No último caso, a validade da novação dependerá do implemento da condição estabelecida. Constituição de nova obrigação – o segundo requisito é a constituição de nova dívida para extinguir e substituir a anterior. A novação só se configura se houver diversidade substancial entre a dívida anterior e a nova. Não há novação quando se verificam alterações secundárias na dívida (ex.: exclusão de uma garantia, alongamento ou encurtamento de prazo, estipulação de juros, etc.). A nova obrigação há de ser válida. Se for nula, ineficaz será a novação, subsistindo a antiga. Se anulável e vier a ser anulada, restabelecida ficará a primitiva, porque a extinção é conseqüência da criação da nova. Desfeita esta, a anterior não desaparece. Intenção de novar (“animus novandi”) – o terceiro requisito diz respeito ao “animus novandi”. É imprescindível que o credor tenha a intenção de novar, pois importa renúncia ao crédito e aos direitos acessórios que o acompanham. Quando não manifestada expressamente, deve resultar de modo claro e inequívoco das circunstâncias que envolvem a estipulação. Na dúvida, entende-se que não houve novação, pois esta não se presume. Dispõe, com efeito, o art. 361: “não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco, a segunda obrigação confirma apenas a primeira”. Coexistem a duas dívidas que, entretanto, não se excluem. Não ocorre novação, por exemplo, quando o credor simplesmente concede facilidades ao devedor, como a dilatação do prazo, o parcelamento do pagamento ou ainda a modificação da taxa de juros, pois a dívida continua a mesma, apenas modificada em aspectos secundários. Espécies – há três espécies de novação: Novação objetiva – nesta, altera-se o objeto da prestação. Dá-se novação objetiva “quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior” (art. 360, I). Ocorre, por exemplo, quando o devedor, não estando em condições de saldar a dívida em dinheiro, propõe ao credor, que aceita, a substituição da obrigação por prestação de serviços. Pode haver novação objetiva mesmo que a segunda obrigação consista também no pagamento em dinheiro, desde que haja alteração substancial em relação à primeira. É muito comum a obtenção, pelo devedor, de novação da dívida contraída junto ao banco, mediante pagamento parcial e renovação do saldo por novo prazo, com emissão de outra nota promissória, nela se incluindo os juros do novo período, despesas bancárias, correção monetária, etc.; e com a quitação do título primitivo. A novação objetiva pode decorrer de mudança no objeto principal, da obrigação, em sua natureza ou na causa jurídica (ex.: quando alguém deve a título de adquirente e passa a dever a título de mutuário). Novação subjetiva – nesta, ocorre a substituição dos sujeitos da relação jurídica, no pólo passivo ou ativo. Pode ocorrer por substituição do devedor (“quando novo devedor sucede o antigo, ficando este quite com o credor” – art. 360, II), ou por substituição do credor (“quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este” – art. 360, III). A novação subjetiva por substituição do devedor (novação passiva) “pode ser efetuada independente de consentimento deste” (art. 362), e, neste caso, denomina-se expromissão. Pode ser efetuada, ainda, por ordem ou com o consentimento deste, havendo neste caso um novo contrato de que todos os interessados participam, dando o seu consentimento, hipótese em que o fenômeno recebe o nome de delegação. O fenômeno da delegação não foi mencionado no CC, por desnecessário, já que este autoriza a substituição até mesmo sem o consentimento do devedor. Assim, o pai pode substituir o filho, na dívida por este contraída, com ou sem o consentimento deste. Na novação subjetiva por substituição do devedor ocorre o fenômeno da cessão de débito, especialmente quando se trata de delegação, em que o devedor indica terceira pessoa para resgatar seu débito (mudança de devedor e também da obrigação. Mas a referida cessão pode ocorrer sem novação, ou seja, com a mudança do devedor e sem alteração na substância da relação obrigacional (ex.: cessão de financiamento, cessão de fundo de comércio), hipótese essa disciplinada no CC, denominada assunção de dívida (arts. 209 a 303). Na novação ativa (por substituição do credor) ocorre um acordo de vontades, pelo qual muda a pessoa do credor. Mediante nova obrigação, o primitivo credor deixa a relação jurídica e outro lhe toma o lugar. Assim, o devedor se desobriga para com o primeiro, estabelecendo novo vínculo para com o segundo, pelo acordo dos três (ex.: A deve para B, que deve igual importância para C. Por acordo entre os três, A pagará diretamente a C, sendo que B se retirará da relação jurídica. Extinto ficará o crédito de B em relação a A, por ter sido criado o de C em face de A). Não se trata de cessão de crédito, porque surgiu dívida inteiramente nova. Extinguiu-se um crédito por ter sido criado outro. De certa forma se configurou uma assunção de dívida. Todavia, a hipótese não se confunde com a disciplinada no CC, por ter havido novação. O CC, relativamente à novação subjetiva pos substituição do devedor, traz algumas regras específicas: Insolvência do devedor por conta e risco do credor que o aceitou, salvo má-fé – diz o art. 363: “se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou, ação regressiva contra o primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição”. A insolvência do novo devedor corre por conta e risco do credor, que o aceitou. Não tem direito a ação regressiva contra o primitivo devedor, mesmo porque o principal efeito da novação é extinguir a dívida anterior. Mas, em atenção ao princípio da boa-fé, que deve sempre prevalecer sobre a malícia, abriu-se uma exceção, deferindo-se ao credor ação regressiva conta o devedor primitivo, se este, ao obter a substituição, ocultou, maliciosamente, a insolvência de seu substituto na obrigação. A má-fé deste tem, pois, o condão de reviver a obrigação anterior, como se a novação fosse nula. Exoneração dos devedores solidariamente responsáveis pela extinta obrigação – o art. 365 prescreve a exoneração dos devedores solidariamente responsáveis pela extinta obrigação, estabelecendo que só continuarão obrigados se participarem da novação. Operada a novação entre o credor e apenas um dos devedores solidários, os demais, que não contraíram a nova obrigação, ficam por esse fato exonerados. Assim, extinta a obrigação antiga, exaure-se a solidariedade. Esta só se manterá se for também convencionada na última. Da mesma forma, “importa exoneração do fiador a novação feita sem seu consenso com o devedor principal” (art. 366). Novação mista – nesta, ocorrem, simultaneamente, mudança do objeto e substituição das partes. A novação mista é expressão da doutrina, não mencionada no CC. Decorre da fusão das duas primeiras espécies e se configura quando ocorre, ao mesmo tempo, mudança do objeto da prestação e de um dos sujeitos da relação jurídica obrigacional (ex.: pai assume dívida em dinheiro do filho – mudança de devedor –, mas com a condição pagá-la mediante a prestação de determinado serviço – mudança de objeto). Efeitos – são dois efeitos: Extinção da primitiva obrigação e constituição de uma nova – o principal efeito da novação consiste na extinção da obrigação original, substituída por outra, constituída exatamente para provocar a referida extinção. Extinção dos acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário – art. 364 – a novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário. Entre os primeiros encontram-se os juros e outras prestações cuja existência depende da dívida principal. Nas garantias incluem-se as reais, como o penhor, a hipoteca e a anticrese; e as pessoais, como a fiança. Incluem-se também os privilégios. Aduz o referido art. 364, a segunda parte, que “não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a terceiro que não foi parte na novação”. Compensação – é meio de extinção de obrigações entre pessoas que são, ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra. Acarreta a extinção das duas obrigações cujos credores são, simultaneamente, devedores um do outro. É modo indireto de extinção de obrigações, sucedâneo do pagamento, por produzir o mesmo efeito deste. Prescreve, com efeito, o art. 368: “se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”. A compensação visa eliminar a circulação inútil de moeda, evitando duplo pagamento. Espécies – a compensação pode ser: Total e parcial – Total – quando extingue totalmente os créditos dos credores recíprocos. Parcial – quando extingue parcialmente os créditos de um dos credores recíprocos. Legal, convencional e judicial – Legal – é a que decorre de lei. Opera-se automaticamente, de pleno direito. No mesmo instante em que o segundo crédito é constituído, extinguem-se as duas dívidas. O juiz apenas reconhece, declara sua configuração, desde que provocado, pois não pode ser proclamada de ofício. Pode ser argüida em contestação, em reconvenção e até mesmo em embargos à execução (art. 741, IV, CPC). Nesta última hipótese, exige-se que a compensação seja fundada em execução aparelhada. Não existindo ação ou execução em andamento, pode ajuizar ação declaratória o devedor que desejar fazer reconhecer a compensação legal, que depende de alguns requisitos, como se verá adiante. Convencional – é a que resulta de um acordo de vontades, incidindo em hipóteses que não se enquadram nas de compensação legal. As partes, de comum acordo, passam a aceitá-la, dispensando alguns de seus requisitos, como, por exemplo, a identidade de natureza ou a liquidez das dívidas. Pela convenção celebrada, dívida ilíquida ou não vencida passa a compensar-se com dívida líquida ou vencida, dívida de café com dívida de dinheiro, etc. Sem ela, inocorreria compensação, pelo não-preenchimento de todos os seus requisitos. Judicial – é a determinada pelo juiz, nos casos em que se acham presentes os pressupostos legais. Ocorre principalmente nas hipóteses de procedência da ação e também da reconvenção. Se o autor cobra do réu a importância de R$ 100,00, e este cobra, na reconvenção, R$ 110,00, e ambas são julgadas procedentes, o juiz condenará o autor a pagar somente R$ 10,00, fazendo a compensação. O art. 21 CPC também determina que, se casa litigante for em parte vencedor e vencido, sejam compensados entre eles os honorários advocatícios e as despesas. Requisitos da compensação legal e da judicial – os requisitos da compensação legal, que valem também para a judicial, são: Reciprocidade das obrigações – o primeiro requisito é, pois, a existência de obrigações e créditos recíprocos, isto é, entre as mesmas partes, visto que a compensação provoca a extinção de obrigações pelo encontro de direitos opostos. Assim, a compensação só pode extinguir obrigações de uma das partes ante a outra, não se incluindo obrigações de terceiros. A lei abre, no entanto, uma exceção em favor do fiador, permitindo que se alegue, em seu favor, a compensação que o devedor (afiançado) poderia argüir perante o credor (art. 371, 2ª parte). Preceitua o art. 376 que uma pessoa, obrigando-se por terceiro, “não pode compensar essa dívida com a que o credor dele lhe dever”. A regra não se confunde com a do citado art. 371, e se aplica precipuamente aos contratos com estipulação em favor de terceiro. Assim, quem se obriga (ex.: seguradora) em favor de terceiro (beneficiário) não lhe paga o que lhe prometeu, mas sim o que prometeu ao estipulante (contratante). É em virtude de obrigação contraída com este que a seguradora realiza o pagamento ao terceiro. Não há, pois, reciprocidade entre a seguradora e o beneficiário. Referido dispositivo aplica-se igualmente à hipótese de o mandante dever ao credor, que por sua vez deve ao mandatário. Inexiste a reciprocidade dos débitos. Liquidez e exigibilidade das dívidas – dispõe o art. 369 que “a compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis”. Quanto à liquidez, somente se compensam dívidas cujo valor seja certo e determinado, expresso por uma cifra. Não pode o devedor de uma nota promissória opor compensação com base em crédito a ser futuramente apurado, se vencer ação de indenização que move contra o exeqüente. Não basta, porém, que as dívidas sejam líquidas. Exige-se que estejam vencidas. OBS: 1) Obrigações condicionais e a termo – nas obrigações condicionais, só é permitida a compensação após o implemento da condição. E, nas obrigações a termo, somente depois do vencimento deste. 2) Prazos de favor – os prazos de favor, embora consagrados pelo uso geral, não obstam a compensação legal (art. 372). Fungibilidade das prestações – é necessário que as obrigações sejam fungíveis, isto é, da mesma natureza. Não basta que as obrigações tenham por objeto coisas fungíveis (ex.: dinheiro, café, milho, etc.). É necessário que sejam fungíveis entre si. Assim, dívida em dinheiro só se compensa com outra dívida em dinheiro; dívida consistente em entregar sacas de café só se compensa com outra dívida cujo objeto também seja a entrega de sacas de café. Não se admite a compensação de dívida em dinheiro com dívida em saca de café. A restrição legal vai além: “embora sejam da mesma natureza as coisas fungíveis, objeto das duas prestações, não se compensarão, verificando-se que diferem na qualidade, quando especificada no contrato” (art. 370). Nessa conformidade, se uma das dívidas for de café tipo “A” (qualidade especificada), só se compensará com outra dívida também de café tipo “A”. Dívidas não compensáveis – em alguns casos especiais, não se admite a compensação. A exclusão pode ser: Convencional – neste caso, o obstáculo é criado pelas próprias partes. De comum acordo, credor e devedor excluem-na (exclusão bilateral, permitida no art. 375, 1ª parte). Admite-se, também, a renúncia unilateral. Com efeito, não cabe compensação havendo renúncia prévia de um dos devedores (art. 375, 2ª parte), ou seja, quando uma das partes abre mão do direito eventual de argüir a compensação. É necessário, porém, que os requisitos da compensação não estejam ainda presentes, Caso contrário, já estará concretizada. Mesmo assim, qualquer dos devedores ainda pode renunciar aos seus efeitos, respeitados os direitos de terceiros. Legal – a exclusão legal decorre, em alguns casos, da causa de uma das dívidas, e, em outros, da qualidade de um dos devedores. Em regra, a diversidade de causa não impede a compensação das dívidas. Se ambas são da mesma natureza (ex.: em dinheiro, líquidas e vencidas), compensam-se ainda que a causa de uma delas seja o mútuo e a da outra uma compra e venda. O art. 373, que traz essa regra, consigna, no entanto, algumas exceções: Se provier de esbulho, furto ou roubo – nesta primeira hipótese, a razão é de ordem moral: esbulho, furto e roubo constituem atos ilícitos. Se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos – nesta hipótese, a razão está na causa do contrato: comodato e depósito baseiam-se na confiança mútua, somente se admitindo o pagamento mediante restituição da própria coisa emprestada ou depositada. Ninguém pode apropriar-se da coisa alegando compensação, pois a obrigação de restituir não desaparece. Além disso, as dívidas não seriam homogêneas, mas de natureza diversa. As alimentares, obviamente, não podem ser objeto de compensação porque sua satisfação é indispensável para a subsistência do alimentando. Permiti-la seria privar o hipossuficiente do mínimo necessário a seu sustento. Se uma for de coisa não suscetível de penhora – por último, não se opera a compensação se uma das dívidas se relaciona a coisa insuscetível de penhora. É que a compensação pressupõe dívida judicialmente exigível. Não se compensa, por exemplo, crédito proveniente de salários, que são impenhoráveis, com outro de natureza diversa. Dívidas fiscais – dispunha o art. 1017 do CC 1916 que não podiam ser objeto de compensação as dívidas fiscais da União, dos Estados e dos Municípios, exceto autorização prevista nas leis e regulamentos. O art. 170 CTN repete a regra, afirmando que a lei pode atribuir à autoridade administrativa poderes para autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública, nas condições e sob as garantias que estipular. O novo CC, contudo, em seu art. 374, admitiu a compensação de dívidas fiscais e parafiscais, todavia referido dispositivo foi revogado pela Lei 10677/02, de forma que o tema continua sendo regulado pelo art. 170 CTN. Não se tratando de dívidas fiscais, mas de natureza diversa, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública, a compensação é amplamente admitida. Compensação em prejuízo do direito de terceiro – também não se admite compensação em prejuízo do direito de terceiro. O devedor que se torne credor de seu credor, depois de penhorado o crédito deste, não pode opor ao exeqüente a compensação, de que contra o próprio credor disporia (art. 380). Sendo modo abreviado de pagamento, a compensação não pode prejudicar terceiros estranhos à operação. Regras específicas – Compensação nas obrigações solidárias – o art. 1020 do CC 1916 tratava da compensação nas obrigações solidárias e dispunha: “o devedor solidário só pode compensar como credor o que este deve a seu coobrigado, até o equivalente da parte desta na dívida comum”. Admitia, assim, que o devedor solidário, cobrado, compensasse com o credor o que este devia a seu coobrigado, mas só até o limite da quota deste na dívida comum. Embora, no débito solidário, cada devedor responda pela dívida inteira perante o credor, entre eles, no entanto, cada qual só deve a sua quota. O legislador, no dispositivo em questão, levou em consideração o princípio da reciprocidade, que deve existir entre os coobrigados solidários, pois o escolhido pelo credor tem ação regressiva contra os demais, para cobrar de cada um a respectiva quota. Malgrado o novo CC não contenha dispositivo igual a esse, o princípio da reciprocidade, acolhido pelo novo diploma, bem como as normas atinentes às obrigações solidárias (arts. 264 a 285), autorizam a solução de casos futuros com base na referida regra. Desse modo, se o credor cobra, por exemplo, R$ 90,00 do devedor solidário A, este pode opor compensação com aquilo que o credor deve ao coobrigado C: R$ 50,00, por exemplo. Como, no entanto, a quota de cada devedor solidário (A, B e C) na dívida comum é de R$ 30,00 (R$ 90,00 dividido por três), a compensação é circunscrita a esse valor (R$ 30,00), pois cessa a reciprocidade das obrigações no que excedê-lo. Assim, o coobrigado A, cobrado, pagará ao credor somente R$ 60,00 (R$ 90,00 - R$ 30,00). Compensação na cessão de crédito – o art. 377 trata da compensação na cessão de crédito, prescrevendo: “o devedor que, notificado, nada opõe à cessão que o credor faz a terceiros dos seus direitos, não pode opor ao cessionário a compensação, que antes da cessão teria podido opor ao cedente. Se, porém, a cessão lhe não tiver sido notificada, poderá opor ao cessionário compensação do crédito que antes tinha contra o cedente”. O devedor, que pode contrapor compensação ao credor, ao ser notificado por este da cessão do crédito a terceiro (cessionário), deve opor-se a ela, cientificando o cessionário da exceção que iria apresentar ao cedente. Como não há reciprocidade de débitos entre o devedor e o cessionário, se não se opuser à cessão, que lhe é notificada, estará o primeiro tacitamente renunciando ao direito de compensar. Assim acontecendo, passará a ser devedor do cessionário, embora continue credor do cedente. Desconto das despesas ocorridas em compensação de débitos, quando não forem pagáveis no mesmo lugar – o art. 378 autoriza o desconto das despesas ocorridas em compensação de débitos, quando estes não forem pagáveis no mesmo lugar. Pluralidade de débitos suscetíveis de compensação e aplicação das normas fixadas para imputação do pagamento – o art. 379 determina a aplicação das normas fixadas para imputação do pagamento, quando houver pluralidade de débitos suscetíveis de compensação. Confusão – na confusão, reúnem-se numa só pessoas as duas qualidades, de credor e devedor, ocasionando a extinção da obrigação. A obrigação pressupõe a existência de dois sujeitos: o ativo e o passivo. Credor e devedor devem ser pessoas diferentes. Se essas duas qualidades, por alguma circunstância, encontrarem-se numa só pessoa, extingue-se a obrigação, porque ninguém pode ser juridicamente obrigado para consigo mesmo ou propor demanda contra si próprio. Em razão desse princípio, dispõe o art. 381: “extingue-se o obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor”. Em geral, a confusão resulta da herança. O caso mais comum é o do filho que deve ao pai e é sucessor deste. Morto o credor, o crédito transfere-se ao filho, que é exatamente o devedor. Opera-se, neste caso, a confusão, desaparecendo a obrigação. Mas a confusão pode resultar, também, da cessão de crédito, do casamento pelo regime da comunhão universal de bens e da sociedade. O fenômeno ocorre, igualmente, em outros ramos do direito, embora às vezes com outra denominação. No direito das coisas significa a reunião de coisas líquidas (art. 1272) e é causa de extinção das servidões, pela reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa (art. 1389, I), bem como extingue o usufruto, pela consolidação (art. 1410, VI), quando o usufrutuário adquire o domínio do bem, por ato “inter vivos” ou “causa mortis”. Espécies – a confusão pode ser (art. 382): Total ou própria – quando a confusão verifica-se a respeito de toda a dívida. Parcial ou imprópria – quando a confusão verifica-se a respeito de parte da dívida. Nesta, o credor não recebe a totalidade da dívida (ex.: sucessores do credor são dois filhos e o valor da quota recebida pelo descendente devedor é menor do que o de sua dívida). Efeitos – a confusão extingue não só a obrigação principal como também os acessórios, como a fiança, por exemplo. Mas a recíproca não é verdadeira. A obrigação principal, contraída pelo devedor, permanece se a confusão operar- se nas pessoas do credor e do fiador. Extingue-se a fiança, mas não a obrigação. Igualmente se houver confusão entre fiador e devedor: desaparece a garantia, mas subsiste a obrigação principal. Porém, “cessando a confusão, para logo se restabelece com todos os seus acessórios, a obrigação anterior” (art. 384). O fenômeno pode acontecer, por exemplo, no caso de abertura da sucessão provisória em razão da declaração de ausência e posterior aparecimento do presumidamente morto, ou ainda em caso de anulação de testamento já cumprido. Nestas hipóteses, não se pode falar que a confusão efetivamente extinguiu a obrigação, mas que somente a neutralizou ou paralisou, até ser restabelecida por um fato novo. Confusão operada na pessoa do credor ou devedor solidário – a confusão operada na pessoa do credor ou devedor solidário só extingue a obrigação até à concorrência da respectiva parte no crédito, ou na dívida, subsistindo, quanto ao mais, a solidariedade (art. 383). Em se tratando de obrigação solidária passiva, e na pessoa de um só dos devedores reunirem-se as qualidades de credor e devedor, a confusão operará somente até à concorrência da quota deste. Se ativa a solidariedade, a confusão será também parcial ou imprópria, permanecendo, quanto aos demais, a solidariedade. Remissão das dívidas – remissão é a liberalidade efetuada pelo credor, consistente em exonerar o devedor do cumprimento da obrigação. É o perdão da dívida. Nesse sentido dispõe o art. 385: “a remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obrigação, mas sem prejuízo de terceiro”. Aduz o art. 386 que “a devolução voluntária do título da obrigação, quando por escrito particular, prova a desoneração do devedor e seus coobrigados, se o credor for capaz de alienar, e o devedor, capaz de adquirir”. Incumbe ao devedor provar que foi o próprio credor quem espontaneamente lhe efetuou a entrega. Embora o art. 324 declare que a entrega do título ao devedor firma a presunção de pagamento, sua posse, na hipótese de ter havido remissão, não é suficiente, devendo ser complementada pela prova da entrega voluntária, efetuada pelo credor ou por quem o represente, e não por terceiro. Espécies – a remissão pode ser: Expressa – é a que resulta de declaração do credor, em instrumento público ou particular, por ato “inter vivos” ou “causa mortis”, perdoando a dívida. Tácita – é a que decorre do comportamento do credor, incompatível com sua qualidade de credor. Resulta, por exemplo, da “devolução voluntária do título da obrigação” ao devedor, conforme preceitua o art. 386 já transcrito. Regras específicas – Restituição voluntária do objeto empenhado – a restituição voluntária do objeto emprenhado prova a renúncia do credor somente à garantia real, mas não a extinção da dívida (art. 387). Assim, se o credor devolve ao devedor o trator dado em penhor, entende-se que renunciou somente à garantia, não ao crédito. Remissão e dívida solidária – a remissão concedida a um dos co-devedores “extingue a dívida na parte a ele correspondente; de modo que, ainda reservando o credor a solidariedade contra os outros, já lhes não pode cobrar o débito sem dedução da parte remitida” (art. 388). Remissão e obrigação indivisível – preceitua o art. 262 que, sendo indivisível a obrigação, se um dos credores remitir a dívida, a obrigação não ficará extinta para com os outros; mas estes só a poderão exigir descontada a quota do credor remitente. OBS: Remissão x renúncia – a remissão é espécie do gênero renúncia. Embora esta seja unilateral, aquele se reveste de caráter convencional, porque depende de aceitação. O remitido pode recusar o perdão e consignar o pagamento. A renúncia é,