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TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ TEORIA DO CRIME __________________________________________________________________________________________________ CONCEITO E ELEMENTOS DO CRIME CONCEITO ANALÍTICO: Há várias formas de se conceituar o crime. Mas, partiremos direto para o conceito analítico, que é o que contém os elementos integrantes do crime. O conceito analítico é um conceito científico do crime, através de elementos que a ciência penal enxerga no crime. No Brasil, o conceito analítico é tripartido (divide o crime em três elementos), nos termos do aperfeiçoamento da teoria de Bettiol por Welzel. Assim, o crime é considerado o fato típico, antijurídico (ilícito) e culpável . Isso representa os 3 elementos que compõem o crime (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade1). FATO TÍPICO - conduta - resultado (naturalístico do crime) - nexo causal - tipicidade formal - tipicidade material2 ANTIJURÍDICO (ILÍCITO) Excludentes legais gerais - normas permissivas - art. 23, CP: - estado de necessidade - legítima defesa - estrito cumprimento de dever legal - exercício regular de direito - excludentes específicas Excludente supralegal: - consentimento do ofendido, quando não previsto no tipo penal3 CULPÁVEL - imputabilidade (capacidade) - potencial consciência da ilicitude4 (erro de proibição) - exigibilidade de conduta diversa (coação moral irresistível ou obediência hierárquica - art. 22, CP) 1 A rigor, culpável é o homem, e não o fato, que é típico e antijurídico. 2 A doutrina trata da tipicidade conglobante, dividindo-a em tipicidade formal e conglobante. O STF e a OAB reconhecem, dessa teoria, de Zaffaroni, apenas a tipicidade material. Assim, a tipicidade material é um dos elementos da tipicidade conglobante, tendo a doutrina brasileira a incorporado. 3 Senão, o que se exclui é a tipicidade, e não a antijuridicidade. 4 É aqui que incide o erro de proibição - o sujeito pratica o fato típico e ilícito mas não sabia que era crime - erra quanto à ilicitude do fato. "Achado não é roubado, quem perdeu foi relaxado" - um homem consciente disso acha algo e se apropria, não sabendo que, agindo assim, ele está se apropriando indebitamente de algo perdido por outrem. É pior ainda isso quando o sujeito desconhece de quem é a coisa. 1 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ A conduta, o resultado e o nexo causal correspondem ao fato, e isso não decorre de lei, mas sim do nosso mundo naturalístico. Primeiro, então, deve se verificar se houve uma conduta; se essa conduta causou um resultado; e verificar se houve uma relação entre o cometimento da conduta e o resultado (nexo causal ). A tipicidade formal diz da subsunção do fato à lei, e a tipicidade material diz da lesividade relevante ou não ao bem jurídico tutelado (se não, o fato será atípico). Sendo típico o fato, parte-se para a análise do segundo elemento, que é a antijuridicidade. Antijurídico e ilícito significam contrariedade à lei, ao ordenamento jurídico. Ora, sendo verificado que o fato cometido pelo agente é previsto em lei (tipicidade formal) e que sua conduta causou uma lesão relevante a um bem jurídico (tipicidade material), a probabilidade é que essa conduta tenha sido ilícito5. Quais as circunstâncias que excluem a ilicitude? O art. 23, do CP, prevê várias hipóteses; estando na Parte Geral do CP, em tese, essas hipóteses são norma geral, podendo ser, então, em tese, aplicado para excluir a ilicitude de qualquer crime. Por isso, são chamadas excludentes legais gerais . Diante disso, qualquer crime praticado na presença de quaisquer dessas excludentes legais gerais não é crime. Esses elementos devem ser reais, e não putativos. Ex.: achei que estava em legítima defesa e não estava. Achei que estava cumprindo estritamente um dever legal meu. O policial do BOPE que entrou na favela e matou um homem que portava uma furadeira cometeu um crime - não era uma descriminante real, mas sim putativa. Além das 4 excludentes gerais, não se afasta a possibilidade de a lei prever excludentes específicas (previstas para um determinado crime ou, no máximo, a um conjunto de crimes)6. Ex.: art. 128, CP, e a conduta do médico que aborta o filho de uma mulher que foi estuprada. Basta a mulher afirmar ter sido estuprada para que o médico pratique um aborto lícito. Além das excludentes gerais legais e das excludentes específicas, a doutrina prevê excludentes supralegais (não existentes na lei). Assim, o consentimento do ofendido, desde que preenchidos alguns requisitos7, exclui a ilicitude do fato quando ele for típico. Dependendo do caso, o consentimento do ofendido pode influenciar a tipicidade - ora, quando ele está no tipo. Sendo colocado no tipo, quando presente o consentimento, o fato se torna atípico. Ex.: violação de domicílio - a autorização de quem de direito está prevista no tipo penal. O "sem autorização" é um elemento do tipo. Assim, se se ingressa com autorização, o fato é atípico. Isso não ocorre em crimes em que não está previsto o consentimento do ofendido no tipo (caso de roubo, furto, dano, etc). Sendo típico e antijurídico, passa-se à análise da culpabilidade da conduta. A culpabilidade é um elemento que leva em conta o homem, e não o fato. É um juízo de reprovação do homem8. Deve o homem ser reprovado pelo que ele fez? Se puder ser reprovado, o fato é crime; se não, não será crime9. 5 Welzel desenvolveu a teoria da ratio cognoscendi - quando se conhece a tipicidade, se conhece, também, a ilicitude. É uma teoria intermediária, estando entre a teoria do tipo puramente descritivo e a teoria da ratio essendi (tipo como a razão de ser da ilicitude). Assim, segundo Welzel, quando concluímos pela tipicidade, quase que reconhecemos a antijuridicidade - há um indício da ilicitude; a antijuridicidade é indiciada pelo fato típico. Porém, temos que alguma norma penal permissiva pode permitir a prática dessa conduta (ao contrário da norma proibitiva, que proíbe aquela ação). A prática de um ato permitido é lícito, apesar de típico. 6 Importante: há uma nova excludente de ilicitude, prevista na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), para os crimes de pichação (art. 65). Não há crime quando for realizado grafite com valor artístico autorizado (§ 2º), em caso de patrimônio privado, pelo responsável pelo imóvel; em caso de monumento público, do órgão competente pela sua manutenção. É um caso de abolitio criminis, pois grafitar com autorização não é crime. É exatamente o caso da homenagem feita pelos amigos do filho da Cissa Guimarães no túnel; embora não houvesse autorização, o Prefeito, posteriormente, expediu autorização, retroagindo essa lei mais benéfica. 7 São eles (i) a capacidade do ofendido para consentir; (ii) disponibilidade do bem sobre o qual recai a conduta do agente; e (iii) que o consentimento tenha sido anterior ou, ao menos, simultâneo à conduta. Ou seja, capacidade para consentir , disponibilidade do bem lesado e anterioridade ou simultaneidade do consentimento . 8 A reprovação se dá não sobre o estado do agente, mas sim sobre a sua conduta. O direito penal não pune o homem por ele ser como ele é, mas sim por ter agido como agiu. O homem é punido pelo fato. 9 Para alguns autores, o crime é o fato típico e antijurídico. A culpabilidade, para eles, está inserida nos dois elementos do crime (conceito 2 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ Imputabilidade é a capacidade penal. Investiga-se se o homem era capaz ou não. A capacidade penal é a capacidade de auto-determinação10 (determinismo - entender e saber se controlar). O homem entende o que é certo e errado? Em entendendo, ele sabe se controlar? Se o homem é capaz de se controlar (além de entender o que é certo e errado), é óbvio que ele só irá se controlar se tiver a consciência de que fazer aquilo é um crime. Para se controlar, é necessário saber que não pode fazer aquilo - é o que se chama da potencial consciência da ilicitude . Ilícito o fato é - mas o homem tinha consciência da ilicitude? Não há que se confundir, então, potencial consciência da ilicitude com a ilicitude em si. O homem compreendia, conseguia se controlar e sabia ou podia saber que aquilo era crime? Se sim, passa-se ao terceiro elemento: se ele compreendia (ser capaz), podia se controlar, sabia ou podia saber que aquilo era ilícito - era esperado dele uma conduta diversa? Ele poderia, naquelas circunstâncias, agir diversamente? Assim, a exigibilidade de conduta diversa é a possibilidade de se exigir que o sujeito se comporte diversamente. Era exigível dele uma conduta lícita, conforme o Direito, ou não? Ex.: é o típico caso do gerente do banco que recebe uma ligação do homem que sequestrou seu filho e que exige que ele pegue 100 mil no banco como condição de resgate. Nesse ponto, a lei prevê duas circunstâncias de inexigibilidade de conduta diversa - é o caso da coação moral irresistível (vis compulsiva) e obediência hierárquica (art. 22, CP). bipartido). 10 Não se questiona se o homem sabia que era proibido. Isso vem num segundo momento. O que se perquire é a capacidade de compreensão, e não se ele sabia ou não que era crime. O homem era capaz de compreender, por mais que não soubesse? O homem é, além disso, capaz de se auto-determinar, de determinar o seu comportamento com base na sua compreensão (o que não tem a ver com o Direito, e sim com as ciências da saúde)? Se, embora sabendo o que é certo e errado, tendo capacidade de entender o errado e de se auto-determinar, se se faz o errado, o agente há que ser punido. Ou seja: (i) o sujeito tem capacidade de compreender o que é certo ou errado? (ii) o sujeito tem capacidade de, sabendo o que é certo e o que é errado, se auto-determinar? 3 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________ 1. FATO TÍPICO 1.1. CONDUTA É uma ação ou omissão humana voluntária regida pelo dolo (se o crime for doloso) ou culpa (se o crime for culposo) (Welzel). O nosso objetivo, aqui, é ver se a conduta pode ser tipificada com relação a determinado crime. Para que seja uma conduta relevante ao Direito Penal, deve ser uma ação/omissão, cometida pelo homem, voluntária (consciente do que faz e fazer aquilo), impelido pelo dolo ou culpa. AÇÃO: é o fazer, um comportamento positivo . É uma exteriorização de movimento. É falar, fazer, induzir, subtrair, matar. É um movimento corporal positivo. OMISSÃO: é o contrário da ação; é o não fazer , a inação, um comportamento negativo . Só tem relevância para o direito se o sujeito estava obrigado a fazer aquilo (está obrigado a fazer e deixou de fazê-lo - art. 13, § 2º, CP). TIPO PENAL: quem define o que é crime ou não (as condutas que terão relevância ou não) é a lei, e não o agente ou a sociedade. Não há crime sem lei que o defina. Portanto, para ser crime, o fato deve estar previsto em lei - o legislador deve descrever qual a conduta. Se matar é agir ou omitir-se, quem vai dizer é o legislador. O tipo penal é que define se a conduta prevista por ele é uma ação ou uma omissão. Tipo penal é o nome técnico da norma penal incriminadora. Todo tipo penal tem pelo menos um verbo, que é o chamado núcleo do tipo penal. O verbo é a conduta tipificável daquele crime. Quando se identifica o núcleo, identifica-se automaticamente a conduta. Daí, só há duas possibilidades: se prevista uma (i) ação, que é um fazer, o crime será comissivo e, no fato, deve ser encontrada a respectiva ação; (ii) omissão, um deixar de fazer, esse crime será omissivo próprio11. Se o tipo penal é uma ação, só se pode tipificar nele um fato que tenha uma ação, sob pena de violação do princípio da legalidade. Mas, se, ao invés de uma ação, se tenha praticado uma omissão, ainda que ela tenha levado ao mesmo resultado, o fato será atípico. 11 Crime omissivo próprio é aquele que possui, como núcleo, uma omissão, uma deixar de fazer. Sempre que se encontrar a palavra "próprio", ela estará dizendo que aquilo é aquilo. Um crime omissivo próprio, então, tem como conduta natural sua um deixar de fazer. É essa a conduta normal dele. Crime omissivo próprio não é um crime que virou omissivo; a omissão é a conduta normal dele. Isso não tem qualquer relação com o sujeito ativo (como é no caso do crime próprio )- o que faz com que um crime seja classificado como omissivo próprio, não importa quem é o sujeito ativo do crime, mas sim a conduta! A omissão de socorro não diz do agente que o comete, ao contrário do abandono intelectual, que só pode ser cometido pelo próprio pai. "Deixar o médico de denunciar doença de notificação compulsória" (art. 269, CP). Deixar de denunciar é uma omissão - é um crime omissivo próprio, então. Há crimes com mais de um núcleo (tipo misto ). Nesses crimes, podem ser encontradas ações e omissões. Se um crime tem várias condutas previstas nele, ele pode ser considerado como vários crimes, podendo ser perfeitamente separados. "Induzir, instigar e auxiliar suicídio" é um tipo misto (várias condutas juntas num tipo penal). Se um dos verbos for uma ação, o crime será comissivo naquela modalidade; se omissão, ele será omissivo próprio naquela modalidade. Ex.: falsidade ideológica (art. 299, CP). "Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar" ou "inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante". Omitir é uma omissão, e inserir ou fazer inserir é uma ação. Esse crime, então, pode ser cometido através de 3 modalidades: omitindo (omissão própria), inserindo (comissivo) ou fazendo inserir (comissivo). Ex.: prevaricação (art. 319, CP). Há 3 condutas: "retardar", "deixar de praticar" ou "praticar". Retardar é uma ação (fazer depois); deixar de praticar é uma omissão própria, e praticar, uma ação. 4 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ Ex.: sujeito vê seu inimigo infartando. Ele não pode responder por homicídio, já que "matar" é uma ação. Porém, uma conduta omissiva pode ser enquadrada num tipo penal omissivo próprio, como é o caso da omissão de socorro. Ex.: sujeito, na rua, vê um roubo acontecendo. Não faz nada. O roubo tem como conduta uma ação, que é subtrair. A omissão não pode ser enquadrada nesse tipo. Não pode ser omissão de socorro, pois havia risco pessoal. Essa conduta, então, é atípica. O legislador decidiu que, em alguma hipóteses específicas que um crime que, na lei, é comissivo, que deveria ser cometido por ação, poderá ser cometido por omissão. Alguém poderá responder por um crime comissivo em razão da omissão praticada por ele. A omissão poderá ser tipificada num crime que exige ação. Ex.: sujeito chega em casa e o filho pede para que o pai o leve para a piscina. A criança começa a se afogar sozinha, e o pai finge que não está vendo. O homicídio é uma ação; o pai não praticou a ação de matar - a conduta dele não poderia ser tipificada como homicídio? Isso soaria estranho, já que é o filho dele. Ex.: policial, na rua, vê um roubo. Se esconde, espera o roubo acabar e vai embora. Não é estranho não tipificar a sua conduta omissiva? Para não ferir o princípio da legalidade, exige-se lei para tanto. E mais: essa omissão é a conduta normal do crime comissivo? Não. A natureza do crime não é a omissão - ele só se torna omissivo por exceção legislativa. O crime não é uma omissão, mas assim se tornou. É, portanto, crime omissivo impróprio (ou comissivo por omissão) - o núcleo da sua conduta não é uma omissão. Ele está previsto no art. 13, § 2º, do CP: "a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado". Há, assim, dois requisitos: ter um dever e ter a possibilidade real. A possibilidade não é hipotética - é real. Só se pode tipificar uma omissão como uma ação quando se encaixar nos casos do § 2º, art. 13, do CP. Assim, se ele não devia ou não podia, não responderá pelo crime omissivo impróprio. DEVER DE AGIR: o próprio art. 13, § 2º, do CP, prevê quem deve agir (garantes): a) dever legal - a lei deu o dever de impedir um resultado. É o caso dos pais com relação aos filhos; os bombeiros, com relação às vítimas; a polícia, já que a CF diz que é ela responsável pela incolumidade pública (art. 144, V, CF); b) dever assumido por outro meio - é o caso do sujeito que voluntariamente assume o dever por outro meio. Não é apenas o caso do contrato (como a doutrina antiga previa), como o vigia noturno, o motorista particular, a babá, etc. Pode ser um favor, pode ter se oferecido, não importa o meio, desde que seja voluntariamente; c) criação do risco do resultado - não possui dever nem assumiu nada, mas criou o risco do resultado. Um sujeito praticou uma conduta anterior, independentemente da sua natureza, que criou o risco de que um resultado acontecesse. Ex.: na formatura, um amigo empurra o outro bêbado na piscina. Ao fazer isso, cria-se um risco12,13. 12 Cuidado: se morrer porque bateu no fundo da piscina, a causa da morte é a ação, e não a omissão (hipótese de aberratio causae - sujeito responde pelo dolo consumado). Porém, se quem jogou não pular na piscina para salvá-lo do afogamento, responde pelo homicídio por omissão imprópria (pois criou o risco de um resultado que não buscou evitar depois). 13 Pode ser que apareça uma questão assim: o salva-vidas não impediu a morte da vítima na piscina porque chegou atrasado. Não esquecer que a tipicidade exige a possibilidade real : se ele se atrasou, não podia realmente impedir. 5 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ CONDUTA HUMANA: a conduta tem que ser voluntária e regida pelo dolo (vontade de praticar ou assumir o risco aceitando o resultado) ou pela culpa (negligência, imprudência ou imperícia14). Por isso, como o dolo e a culpa se ligam à vontade do agente, apenas o homem pode ser agente, pois apenas ele tem vontade. Apenas o homem pode ter vontade, apenas ele pode reger suas ações dirigidas a uma finalidade . Se a conduta tem que ser humana, só pode praticar um fato típico quem é homem. Logo, apenas o homem pode praticar um crime! E só pode responder pelo crime quem o praticou15. VOLUNTÁRIA: em primeiro lugar, quer dizer da conduta praticada em estado de consciência. O sujeito estava consciente no momento em que agiu criminosamente. Se estava inconsciente, não há conduta; se não há conduta, é atípico. Portanto, os chamados estados de inconsciência tornam o fato atípico pelo simples fato de afastar a consciência (não houve conduta). Ex.: sonambulismo e hipnose. Ex.: professor desmaia em aula e cai em cima do computador da aluna. O computador quebra. Houve uma conduta para o Direito Penal? Não. Houve uma ação, e a ação era humana; muito embora isso, não foi um ato consciente, portanto, atípico. Ex.: ataque epilético. Ao tentar segurar a língua, o epilético morde a ponta do dedo e a arranca, causando lesão grave. O ato não foi consciente, portanto, é atípico. Pode ser, ainda, que o sujeito esteja consciente, mas não tenha controle do movimento praticado - a conduta será imputada a um caso fortuito ou força maior (coação física irresistível - vis absoluta). Ex.: sujeito tropeça, cai em cima de alguém e mata. O tropeção foi por caso fortuito. Como o sujeito não tinha controle do ato praticado, o ato é atípico. Ex.: pessoa carregada pelo vento na rua, que bate em alguém. Bem como pela onda na praia - é caso fortuito. Ex.: movimento reflexo, causado por um reflexo neurológico; espirro, tosse, engasgo, etc - todos são caso fortuito. 14 A culpa é uma vontade, mas não a de cometer o crime - e sim a de ser descuidado. Dirigir velozmente, deixar o ar-condicionado ligado em casa e sair o dia todo, deixar o portão de casa aberto por sair com pressa, etc. É a vontade não do crime, mas de deixar de observar deveres de cuidado . 15 Importante: se a questão falar sobre pessoa jurídica nos crimes ambientais , é diferente. Pessoa jurídica não pratica crime - com a exceção dos crimes ambientais. Isso é por vontade da Constituição. Na Lei nº 9.605/98, art. 3º, regulamentando a CF, o legislador previu que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas também penalmente (além de civil e administrativamente) quando o crime for praticado por seu representante lega, contratual, ou por membros do órgão colegiado no interesse ou em benefício da entidade. Quem praticou a conduta foi o homem. A lei diz isso no art. 3º - "quando a conduta for praticada pelo representante (...)". Porém, a lei inventou, e o STJ deixou, que as pessoas jurídicas fossem penalmente responsabilizadas pela conduta criminosa. Mais que isso, ela sofre as penalidades. Atenção: - é pacífico no STJ que, como quem pratica a conduta é o homem, a PJ só poderá ser denunciada pelo MP se a denúncia descrever a conduta do homem que praticou a conduta (art. 41, do CPP). A denúncia tem que conter a descrição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, e jamais poderá afirmar que a PJ agiu de tal ou qual modo criminosamente. Assim, para a denúncia satisfazer os requisitos do art. 41, do CPP, ela deve descrever a conduta humana. Demonstrando que a conduta foi praticada no interesse e benefício da PJ, ela deverá responder pelo crime; - na hora da condenação, o juiz deverá condenar tanto a PJ quanto o homem. Segundo o par. único do art. 3º, da responsabilidade da PJ não exclui a responsabilidade da pessoa física que tenha sido autora, coautora ou partícipe da mesma ação. Mas cuidado: o STF, no fim de 2011, julgou um caso concreto em que, durante o processo, o crime prescreveu para o homem (ele tinha dezenove anos, correndo a prescrição pela metade), tendo o juiz condenado somente a PJ, reconhecendo a extinção da punibilidade do homem. O STF disse que a responsabilização da PJ independe da responsabilização do homem; a exigência do STJ se dá para o oferecimento da denúncia, e não para a responsabilização . O que se faria, portanto, se o sócio da empresa morresse. Em suma, a responsabilidade da PJ independe da responsabilidade do homem, e vice-e-versa. 6 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ A força maior pode cair mais do que o caso fortuito. É a hipótese de coação física irresistível ( vis absoluta) - torna o ato involuntário (não houve controle, logo, não foi conduta). Ela exclui o controle do movimento corporal, a ação ou omissão. Ex.: sujeito é empurrado de propósito em cima de outrem para causar-lhe lesão. O empurrão exclui o controle do corpo, tornando atípica a conduta. Ou, então, o sujeito é amarrado na cadeira, é colocada uma arma em sua mão e outro sujeito aperta o seu dedo no gatilho. Houve coação física irresistível. A coação física exclui o controle? Ele foi usado como instrumento? Foi empurrado? A coação era física? Ele não controlava seu movimento? Ou foi obrigado a fazer? Se alguém obriga outrem a fazer, é ele quem faz: logo, há coação moral , e não irresistível. - portanto, afasta-se a culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa), e não a tipicidade por ausência de conduta . Ex.: mulher entra no carro, aparece alguém no banco de trás e a arranca do volante. Perde o controle do carro e mata uma pessoa. Sua conduta é atípica, pois trata-se de coação física irresistível. Seria diferente se, em vez de arrancá-la do volante, o sujeito colocasse uma arma em sua cabeça e mandasse dirigir rápido. Dirigindo rápido, ela perde o controle e mata uma pessoa. Aqui, é caso de coação moral irresistível (art. 22, CP), que, por sua vez, afasta não o tipo (conduta voluntária - ela quer dirigir mais rápido), mas sim a culpabilidade (não se pode exigir um agir diversamente). Ex.: salva-vidas foi amarrado na cadeira. Se o banhista se afogar, ele não responde pelo crime de homicídio por omissão imprópria - é ação física irresistível. Aqui também seria diferente se, em vez de ser amarrado na cadeira, o salva-vidas fosse ameaçado com uma arma - é outra hipótese de coação moral irresistível, já que o próprio sujeito opta por não agir diante da ameaça (o que é bem diferente de querer agir e não conseguir fisicamente). A coação física é sempre física. Por sua vez, a coação moral também pode ser realizada fisicamente - é o caso da tortura16. Não devemos confundir ambas, pois a coação física irresistível exclui o tipo (conduta voluntária) e a coação moral irresistível, a culpabilidade (agir diverso) . Atenção: se, entretanto, for caso de coação resistível (moral ou física) , o sujeito responderá pelo crime, mas contará com uma circunstância atenuante específica (art. 65, III, 'c', do CP). As coações resistíveis apenas atenuam a pena. DOLO17: é a vontade livre e consciente de produzir um resultado ou de aceitar o risco de produzir o resultado (advindo de uma conduta prevista pela lei como crime, senão não é relevante para o direito). O crime é doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzir o resultado. Há, portanto, dois dolos, no mínimo. 16 Ex.: sujeito é torturado para matar outrem. Através de uma dor física, sujeito foi obrigado a matar alguém. O torturador responderá por tortura (Lei nº 9.455/97, art. 1º, I, 'b') como autor direto e por homicídio (art. 121, CP) como autor indireto (mediato), sob a forma do concurso material. O outro sujeito, torturado, não via responder por nada, pois sua culpabilidade será excluída (coação moral irresistível). 17 Dolo e culpa foram transferidos para a conduta por Welzel, com sua teoria finalista. Até então, estavam contidos na culpabilidade (dolo normativo da teoria causalista - vontade de praticar o fato proibido por uma norma, dentro da consciência da ilicitude). A grande mudança de Welzel foi tirar da culpabilidade o dolo e a culpa e passá-los para o tipo. Até o finalismo, todo o conhecimento penal estava contido na culpabilidade. Com Welzel, a consciência da ilicitude permaneceu na culpa (potencial) e trouxe parte da consciência para o tipo (dolo - "sei o que eu estou fazendo e eu quero fazer" - consciência da conduta). O erro que incide nessa consciência da conduta (elementos reais da conduta) é o erro de tipo. Isso é diferente da consciência da ilicitude - sabe-se o que se está fazendo, mas não se sabe que aquilo é crime. Isso constitui erro de ilicitude, que se encontra na culpabilidade (potencial consciência da ilicitude). Portanto, há duas consciências hoje em dia, e, por isso, há dois erros. O dolo do finalismo é o dolo natural, humano, que não tem a ver com o direito, não é normativo. Esse dolo não necessariamente diz com a ilicitude (que está na culpabilidade). 7 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ Mais que isso, há, ainda, outra divisão: (i) dolo direto - querer o resultado é o dolo direto, a vontade de realizar uma conduta (art. 18, I, 1ª parte, CP). Possui dois elementos: conjuga a consciência (" eu sei o que estou fazendo ") e a vontade (" eu quero fazer ") . Eu dirijo a minha conduta para um objetivo, uma finalidade. Pode ser dolo direto de 1º grau (vontade de realizar o objetivo principal do agente) ou dolo direto de 2º grau (vontade de realizar qualquer outro resultado necessário - certo - para alcançar o objetivo principal ). Ex.: matar alguém que vai fazer uma viagem de avião. Para tanto, coloca-se uma bomba para o avião explodir. Não é certo que, se o avião explodir no ar, várias outras pessoas vão morrer? Isso é certo, não um mero risco. Ex.: matar a grávida. A morte da mulher grávida, entretanto, acarretará, certamente, a morte do feto. O dolo de 1º grau é o homicídio da mulher e o 2º, o aborto do feto. Ex.: terrorista decide sequestrar um avião para atirá-lo contra um prédio público para praticar terrorismo, o dolo de 1º grau será o crime de terrorismo; a morte de todos os outros indivíduos será o dolo de 2º grau. (ii) dolo indireto - é dividido em dolo alternativo18 e dolo eventual. O dolo alternativo, por sua vez, é dividido em dolo alternativo objetivo (quando o agente prevê uma pluralidade de resultados para a conduta que quer realizar e aceita produzir qualquer um deles ) e dolo alternativo subjetivo (o agente pratica a conduta com a vontade de causar um resultado , mas aceita que esse resultado atinja um ou outro sujeito )19. Ex.: "Se eu bater em João com o pedaço de ferro, ele pode morrer ou ficar paraplégico" - eu assumo ambas as possibilidades e assim ajo - é caso de dolo alternativo objetivo. Ex.: "Dois dos meus inimigos estão ali, só tenho um projétil, de modo que eu atiro e tanto faz quem eu vou atingir" - a alternatividade está na pessoa, e não no crime - é caso de dolo alternativo subjetivo. O dolo eventual ocorre quando o agente assume o risco de produzir um resultado (art. 18, I, 2ª parte, CP). O agente prevê que a conduta que irá realizar pode causar um resultado e, embora não queira, aceita causá-lo20. CULPA: ocorre culpa quando o agente dá causa a um resultado que foi por ele previsto ou lhe era, ao menos, previsível, e que poderia ter sido evitado se ele tivesse observado os deveres de cuidado (foi descuidado). O crime culposo tem 2 elementos: (i) inobservância do dever objetivo de cuidado (imprudência, negligência ou imperícia - art. 18, II, CP) e a (ii) previsibilidade 21 do resultado . 18 A rigor, o dolo alternativo integra o dolo direto, e não indireto. 19 Por isso que, para a doutrina, o dolo alternativo é um misto de dolo direto com dolo eventual : há o dolo direto com relação ao objeto (visar determinada vítima, p.e.) e o dolo eventual com relação ao resultado (lesionar ou matar aquela vítima, tanto faz) - dolo alternativo objetivo; ou o dolo direto com relação ao resultado (querer ferir) e o dolo eventual com relação ao sujeito (tanto faz quem eu ferir) - dolo alternativo subjetivo. 20 Importante: o dolo eventual é regido pela teoria do consentimento: é necessário ter (i) previsão (visão prévia, anterior, dolo vidente), pois antes de agir o sujeito já tem consciência de que aquela conduta é arriscada; (ii) conduta, agindo mesmo representando o resultado; e (iii) aceitação do resultado - ele previu o resultado e só agiu porque aceitou causar o resultado. Ou seja, o agente age mesmo prevendo que é possível a ocorrência do resultado, pois o aceita. Aceitar produzir o resultado é fundamental: é o que o diferencia da culpa consciente, pois, nesta, o agente deixaria de agir se soubesse que o resultado iria acontecer. Ex.: embriaguez ao volante. No final do ano passado, o STF decidiu que, na embriaguez ao volante, não há, necessariamente, dolo eventual. Isso porque, para haver dolo eventual, o agente há que ter aceitado agir com risco . Numa questão, se o examinador falar que ele dirigiu embriagado e imaginou que poderia matar alguém, ele aceitou o resultado e há dolo eventual. 21 Previsibilidade não se confunde com previsão - a previsibilidade é uma possibilidade, sendo a previsão a realização dessa previsibilidade 8 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ A imprudência é uma ação descuidada - pratica-se uma ação descuidada . O dever de cuidado diz "não corra", e ele corre; "não jogue fogo no mato seco", e ele joga. A negligência é uma omissão descuidada - "faça isso", e ele deixa de fazer; "tranque as portas", e ele não tranca. A imperícia é a inobservância de um dever técnico para o exercício de uma profissão, arte ou ofício. O motorista do ônibus não deve colocá-lo em movimento com as portas abertas - se alguém cair e morrer, será homicídio culposo na modalidade imperícia22. Haverá culpa consciente quando a previsibilidade vira previsão - é uma culpa com previsão do resultado23. Na culpa inconsciente, embora previsível, não houve a previsão - é uma culpa sem previsão do resultado. 1.2. RESULTADO Para nós, o resultado, aqui, é o resultado naturalístico do crime. Está ligado à natureza, e não ao mundo do Direito. Resultado naturalístico é a consequência real, fática, produzida num bem jurídico tutelado pela conduta 24 . Há, portanto, um bem jurídico tutelado pelo direito e uma conduta tipificada. Na natureza, o bem jurídico sofre uma modificação quando há a prática da conduta . Entretanto, há crimes que não têm resultado naturalístico25. Há, assim, uma importante classificação dos crimes em: (no caso da culpa consciente, há mais do que previsibilidade: há previsão). Para fins de crime culposo, nesse ponto, é necessário apenas que o resultado seja previsível. Se se causa um resultado imprevisível, impossível de ser previsto, não se pode responder culposamente. Em não havendo previsibilidade, a culpa não se configura. Ex.: amigos brincam na praia para derrubar o outro. É uma imprudência derrubar outrem. Mas é previsível que essa pessoa caia de mal jeito e se machuque? Sim. Mas, na areia, havia uma garrafa de cerveja quebrada com as pontas voltadas para cima, de modo que o sujeito caiu e feriu-se no pescoço, vindo a óbito. Isso não é previsível (cair em cima da garrafa enterrada na areia e morrer). Não houve homicídio culposo, já que não houve culpa. Isso porque a culpa exige não só o dever de cuidado, como também a previsibilidade do resultado . 22 Importante: essa diferença de modalidade culposa é importante porque deve haver correlação entre denúncia e condenação . Se for oferecida denúncia por imprudência, o juiz não pode condenar por imperícia ou negligência. Isso é causa de nulidade da sentença, ensejadora de apelação defensiva. Um motorista que é acusado de matar por estar correndo (imprudência) e condenado por não ter feito a manutenção do freio (negligência) pode recorrer alegando falta de correlação entre acusação e condenação. 23 Dolo eventual não se confunde com culpa consciente. A diferença está na teoria do consentimento : enquanto no dolo eventual o sujeito aceita o resultado ("foda-se!, não to nem aí, venha o que vier"), na culpa consciente, o sujeito acredita, sinceramente, ser capaz de evitar o resultado ("eu sou capaz de dirigir embriagado e confio que não irei atropelar ninguém, seja lá pelo motivo que for - fudeu!"). Ou seja, no dolo eventual, se o sujeito pudesse prever o futuro e ver que o resultado ocorreria, mesmo assim ele teria agido ("foda-se!"); na culpa consciente, ele deixaria de agir, pois não aceitaria a ocorrência do resultado ("fudeu!"). Repita-se: o STF entendeu já que o fato de alguém dirigir embrigado não significa automaticamente que houve o aceite do resultado - poderia o sujeito ter dirigido acreditando ser capaz de não atropelar ninguém. 24 A conduta "matar" causa na vida um resultado prático real, que é a morte. A morte é o resultado naturalístico do homicídio. 25 Ex.: o crime de violação de domicílio tem como bem jurídico a inviolabilidade de domicílio (que é um direito). Quando alguém invade a casa, o dono tem alterado naturalisticamente o direito? Não. Como o bem jurídico tutelado não é material, a conduta praticada não o altera - mantém-se, depois, o mesmo direito que se tinha antes da entrada ilegal na casa. O direito não muda. 9 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ (i) crime material - o tipo penal prevê uma conduta capaz de produzir no bem jurídico um resultado naturalístico e esse resultado naturalístico é imprescindível para a consumação . Ex.: matar muda a vida. A morte é necessária para consumar o homicídio? Sim. Então, ele é um crime material. Ex.: estelionato - o bem jurídico é o patrimônio; a conduta é "obter vantagem em prejuízo alheio". O resultado é a diminuição de um patrimônio para o incremento de outro. Portanto, o crime é material. (ii) crime formal - o tipo penal prevê uma conduta capaz de causar um resultado naturalístic o, mas esse resultado não é essencial para a consumação . Os crimes formais são crimes de consumação antecipada (consumação ocorre com a prática da conduta - dispensa-se o resultado) - caso o resultado ocorra, será mero exaurimento do crime . A conduta é capaz de causar um resultado, mas ele não é necessário para a consumação. O legislador dispensa o resultado e, por isso, fala-se em crime de consumação antecipada. Ex.: extorsão mediante sequestro - o bem jurídico é o patrimônio. A conduta é "sequestrar pessoa com o fim de obter vantagem". Não é necessária, portanto, a obtenção de vantagem para a consumação. É crime formal. Ex.: concussão (art. 316, CP) - funcionário público que exige em razão de sua função uma vantagem indevida - um sujeito dirige com droga na mala, mas o policial exige 100 mil para não prendê-lo. Não é necessária, para a configuração do crime, a consumação. O tipo não pede a obtenção da vantagem, mas apenas a exigência. É um crime de natureza formal - ele é capaz de produzir resultado, mas não é necessário para a sua configuração. Ex.: testemunha que mente no processo - o juiz não precisa errar na sentença, basta a mentira. (iii) crime de mera conduta - o tipo penal descreve uma conduta incapaz de causar qualquer mudança no bem jurídico tutelado . Ou seja, não há resultado naturalístico . Aqui, a consumação ocorre com a prática da conduta . Em outras palavras, o legislador prevê uma conduta que não causa um resultado. Logo, tais crimes não têm resultado naturalístico . A conduta descrita no tipo não altera o bem jurídico. Logo, se não há resultado, a consumação ocorre com a mera conduta. Rogério Greco, com base na teoria de Muñoz Conde, desenvolvida por Jakobs, prevê o resultado jurídico/normativo, que é a violação jurídica do bem jurídico tutelado. Esse resultado todo crime tem. 1.3. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE O CP, quando trata da relação entre a conduta e o resultado, ou seja, o nexo de causalidade, adota, no art. 13, caput, a chamada teoria da equivalência dos antecedentes causais (conditio sine qua non)26. Ex.: se o homicídio exige o resultado morte, ele somente será imputado a quem lhe deu causa. Se o autor da conduta causou o resultado, o resultado pode ser imputado a ele. Considera-se causa "a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido". Ou seja, há uma conduta e um resultado. Quem praticou essa conduta pratica responde apenas pela sua conduta ou pelo resultado também? Só responderá quando a conduta causou o resultado . Ex.: atirou e acertou, mas a vítima morreu de atropelamento. O agente não poderá responder pelo resultado, mas somente pela conduta (tentativa de homicídio). 26 Diferentemente do CC, que adotou a teoria da equivalência adequada. 10 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ A conduta será a causa quando, sem ela, o resultado não teria ocorrido . "Se essa conduta não tivesse sido praticada, esse resultado teria acontecido? Não. Então há nexo-causal". Porém, se, sem a conduta, o resultado continua, não foi aquela conduta a causa do resultado. Quando essa matéria cai em prova, não cai de forma tão simples. Geralmente, há outras causas possíveis para o resultado. Pode ser que o examinador trabalhe com a teoria das concausas - há mais de uma causa aparentemente possível para o resultado. Ex.: além do tiro, teve um veneno, um atropelamento, etc. Sempre que isso acontecer, deve-se descobrir qual a conduta a se analisar. Assim, fixa-se a conduta para a análise. Essa conduta responderá pelo resultado? Após a fixação da conduta, é necessário verificar se, entre a conduta fixada e as outras causas, existe algum tipo de relação ? Elas se relacionaram de alguma forma ou não? Ex.: sujeito homofílico morreu depois de tanto sangrar após levar facadas - as causas se uniram para provocar o resultado morte; sujeito leva um tiro e é colocado numa ambulância, que bateu. Essas causas devem ser separadas em (i) absolutamente independentes (quando entre elas não há relação) e (ii) relativamente independentes (quando entre elas há relação). Depois, há que se verificar quando ocorreu a outra causa - se antes da conduta, ao mesmo tempo da conduta ou depois da conduta. Se ocorreu antes, será chamada causa preexistente; se ao mesmo tempo, será chamada causa concomitante; se depois, causa superveniente. Assim, entendida a teoria da conditio sine qua non27, com o arranjo dessas características (existência de relação entre as causas e sua relação temporal), há 6 combinações possíveis de concausas: (i) causa absolutamente independente preexistente - João toma veneno, depois leva um tiro e é levado ao hospital, onde morre, sendo a causa da sua morte o envenenamento. Com relação ao tiro, o veneno não teve nenhuma relação. Em relação ao tiro, o veneno aconteceu antes, logo, é preexistente e absolutamente independente. Sem o tiro, João teria morrido. Assim, quem deu o tiro responde por tentativa28. O inimigo de João deve responder por tentativa de homicídio uma vez que a causa da morte foi o veneno, e não os disparos efetuados por ele, por isso, o resultado não poderá ser a ele imputado (art. 13, CP)29. Se a causa da morte fosse tida como sendo o tiro? Sem a conduta do tiro, João não teria morrido como morreu. Assim, se o tiro foi o que causou o resultado, o agente deve responder pelo crime consumado. (ii) causa absolutamente independente concomitante - ao mesmo tempo que João leva um tiro, cai um raio em cima dele e João morre. Se a causa da morte fosse o tiro, o agente responderia pelo homicídio consumado. Mas, se a causa da morte fosse o raio, o agente responderia apenas pela sua conduta, ou seja, por tentativa. (iii) causa absolutamente independente superveniente - João leva um tiro de seu inimigo e é atropelado. Se a causa da morte fosse o tiro, o agente responde pelo homicídio consumado; senão, responderá apenas pela tentativa. 27 Importante: a única hipótese das 6 combinações em que não se pode usar a tal teoria é a da causa relativamente independente superveniente! 28 Não é crime impossível porque, quando levou um tiro, estava vivo, podendo ter morrido - seria crime impossível se houvesse o envenenamento, a morte e, só então, o tiro. 29 Importante: a dúvida quanto à causa determinante deve ser sempre benéfica ao réu. Vejamos: oana colocou veneno 1; Maria colocou veneno 2. A vítima morreu, tendo sido a morte causada pela ação do veneno 1, pois o veneno 2 nem chegou a fazer efeito. É caso de causas absolutamente independentes, respondendo Maria por tentativa e Joana, consumado. Porém, se não houver como saber qual dos venenos agiu primeiro, a dúvida será benéfica ao réu, respondendo ambas somente pela conduta (tentativa) . 11 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ (iv) causa relativamente independente preexistente - João é hemofílico. Caio, com o dolo de matar, esfaqueia João, que é levado para o hospital e morre. A perícia afirmou que a morte foi causada por uma hemorragia produzida pelos orifícios causados pela facada. Portanto, a hemofilia e a conduta somaram forças , se uniram, para causar o resultado. Sem as facadas, ele estaria vivo? Sim. Então, as facadas foram a causa da morte. Houve conduta, resultado, bem como causalidade. Caio responde por crime consumado . (v) causa relativamente independente concomitante - ao mesmo tempo que a conduta, ocorreu outra causa concomitante. A perícia afirmou que ambas se uniram para produzir o resultado . Portanto, aqui, também, o agente responderá pelo crime consumado, pois sem a sua conduta, o resultado não teria ocorrido30. (vi) causa relativamente independente superveniente - João pratica conduta com dolo de matar. Caio é colocado numa ambulância, que colidiu com o poste. A perícia afirma que a morte ocorreu em decorrência do traumatismo craniano causado pelo choque da ambulância. Ele só estava na ambulância por causa do tiro. Cuidado: sempre que houver um novo fato, é necessário verificar se o segundo fato é algo normal para quem sofreu a conduta . O novo fato é algo esperado? Ou o novo fato é inesperado? "Normalmente, sofrida tal conduta, acontece isso? Quem leva um tiro e é levado numa ambulância morre de traumatismo craniano?"31. Se o novo acontecimento é algo normal, ele não rompe a causalidade - o sujeito responderá pelo crime consumado. O desdobramento, o novo fato, era normal. Porém, se o novo acontecimento é anormal, ele rompe a causalidade, não podendo mais o resultado ser imputado ao agente. Mas, como fundamentar isso? Segundo a conditio sine qua non, sem a conduta, não tem ambulância, não tem morte - o sujeito responde por tentativa com base no art. 13, § 1º. A superveniência de causa relativamente independente que exclui a imputação quando, por si só (algo inesperado, anormal), produziu o resultado. O agente, então, responde pela tentativa apenas. 30 Importante: tanto nas causas relativamente independentes preexistentes e concomitantes, tem prevalecido na doutrina que não é necessário ter a consciência da outra causa, afinal houve dolo , houve ação e resultado. Ex.: a funcionária da copa, quer matar o professor. Ela entrega uma xícara de café envenenado a outra funcionária para entregá-la ao professor. Essa também quer matá-lo e coloca outro veneno. Ele bebe o café e morre. No sangue da vítima, são encontrados dois venenos, de modo que cada um seria incapaz de produzir a morte, resultando a morte do somatório de ambos . Ambas as funcionárias respondem pela morte do professor na modalidade consumada. O mesmo ocorreria se cada veneno fosse suficiente, por si só, para produzir o resultado. Assim, se isso cair numa questão seca, a resposta será a ocorrência de dois crimes consumados. Entretanto, se cair como tese de defesa, é possível defender uma responsabilização por tentativa. Para Rogério Greco, nessas hipóteses, é necessária a consciência da outra causa , pois, segundo ele, se não fosse assim, haveria uma responsabilização penal objetiva . 31 Os tribunais superiores têm decidido, p.e., que complicações hospitalares e omissão no atendimento médico são sim consequências normais: "(...) O fato de a vítima ter falecido no hospital em decorrência das lesões sofridas, ainda que se alegue eventual omissão no atendimento médico, encontra-se inserido no desdobramento físico do ato de atentar contra a vida da vítima, não caracterizando constrangimento ilegal a responsabilização criminal por homicídio consumado, em respeito à teoria da equivalência dos antecedentes causais adotada no Código Penal e diante da comprovação do animus necandi do agente (...)" (STJ - HC 42.559/PE, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 04/04/2006). 12 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ 1.4. TIPICIDADE Já foi analisado o fato (conduta, resultado naturalístico e nexo causal). TIPICIDADE FORMAL32: é a adequação típica, adequação do fato ao tipo penal . Adequação típica é lealidade: não há crime sem lei que o defina. Qual foi o fato? Esse fato está previsto na lei como crime? Se sim, é típico. Olha-se o fato, olha-se a lei, e vê-se se o fato se enquadra na lei. A lei é o tabuleiro e as peças, os fatos; se os fatos se encaixarem, é crime. Isso pode acontecer de duas formas: (i) adequação típica direta ou imediata - fato se encaixa diretamente e com perfeição ao tipo . Matar alguém é crime - fato diretamente típico33; (ii) adequação típica indireta ou mediata - para tipificar o fato, é necessário combinar o tipo penal com outra norma para que haja o enquadramento . Ex.: omissão imprópria do garantidor - a mãe não teve conduta sexual com a filha, mas responde pelo estupro de vulnerável porque uma outra norma prevê seu dever de impedir (art. 13, § 2º, I, CP). Ex.: homicídio tentado - a pessoa não mata, mas o art. 14, II, do CP, junto com o art. 121, diz que ele irá responder. TIPICIDADE MATERIAL: Zaffaroni criou uma teoria afirmando que, além da tipicidade formal, o fato só será típico se tiver outros elementos - é a chamada tipicidade conglobante. A tipicidade penal é um conjunto de tipicidade formal + tipicidade conglobante. Dentro da tipicidade conglobante, Zaffaroni, ao lado da antinormatividade, destacou a tipicidade material34 (isso porque não adianta afirmar os princípios do direito e considerar apenas a legalidade para fins de tipicidade). Assim, um fato para ser típico precisa evidenciar uma lesão ou um perigo de lesão relevante/grave para o bem jurídico tutelado . Embora formalmente típico, um fato pode ser materialmente atípico, o que afasta a tipicidade conglobante e, portanto, a tipicidade penal. Exatamente nesse ponto é que incide o princípio da insignificância 35, que atua como causa de exclusão da tipicidade quando não houver lesão ou perigo de lesão relevante. Segundo a teoria brasileira, Zaffaroni adota, ainda, dentro da tipicidade conglobante, a antinormatividade. Ela desvia a excludente da ilicitude para dentro da tipicidade: "um fato que uma norma penal permite não pode ser crime". Ex.: um policial, ao prender em flagrante, está cometendo um fato típico (cercear a liberdade, como é o caso do sequestro). Para Zaffaroni, sua conduta é atípica, pois seu fato foi determinado por uma norma penal permissiva. Portanto, dessa teoria, devemos ficar só com a tipicidade material , pois o elemento antinormatividade não foi reconhecido pelo STJ, STF e pela doutrina brasileira, pois conflita com a nossa estrutura da teoria do crime . 32 A palavra "formal" sempre indica lei. Tipicidade formal, então, diz da lei: adequação do fato ao tipo penal. 33 Atenção: quando há uma norma penal em branco, a adequação típica é direta - não é necessário combinar a norma do tráfico de drogas com outra para que haja crime; a Portaria da ANVISA, que complementa a Lei de Drogas, integra o próprio tipo penal . 34 Quando se falar em "material", aqui, deve-se considerar o bem jurídico. 35 Nas provas, em vez de aparecer como "princípio da insignificância", pode aparecer sua consequência, que é a atipicidade material. 13 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________ 2. ANTIJURÍDICO TIPO COM CARÁTER INDICIÁRIO (RATIO CONGNOSCENDI) DA ILICITUDE Quando se chega à conclusão de que o fato é típico, para o direito brasileiro, que adotou a teoria finalista de Welzel, a conclusão pela tipicidade, em si, já é um indício da antijuridicidade36. Portanto, sendo, a princípio, antijurídico o fato típico, devemos estudar as excludentes de ilicitude. 2.1. EXCLUDENTES DE ILICITUDE Essas excludentes, em regra, estão previstas em lei - só o Direito pode retirar a antijuridicidade do fato (norma permissiva, que permita a prática do fato dentro de certas hipóteses). 2.1.1. EXCLUDENTES GERAIS LEGAIS (ART. 23, CP) O art. 23, CP, traz as excludentes gerais de ilicitude. Estão na Parte Geral - portanto, qualquer crime, em tese, seja do CP, seja de legislação extravagante, podem ter sido praticados sob elas (desde que os requisitos sejam preenchidos). Ex.: estupro praticado por estrito cumprimento do dever legal - revista íntima (o delito de estupro não exige especial fim de agir). Ex.: homicídio praticado por estrito cumprimento do dever legal (difícil de imaginar). ESTADO DE NECESSIDADE (ART. 23, I, E ART. 2437, CP) O Direito Penal brasileiro adotou apenas um desses estados de necessidade, que é o justificante - ele justifica a prática do fato perante a lei, tornando-o um fato lícito38. 36 Tipicidade como a ratio cognoscendi da antijuridicidade. 37 "Art. 24, CP - considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços". 38 Há duas teorias (meramente teóricas) sobre o estado de necessidade: (i) unitária, adotada pelo nosso CP - só temos um estado de necessidade; (ii) dualista,adotada por ordenamentos estrangeiros e pelo nosso CPM - um estado de necessidade atua na ilicitude e outro, na culpabilidade. O que atua na ilicitude é o estado de necessidade justificante (justifica legalmente a prática do fato, tornando-o lícito); o que atua na culpabilidade é o estado de necessidade exculpante (não torna o fato ilícito e nem atípico, o agente apenas não será reprovado, afastando a culpabilidade). Todo estado de necessidade envolve um direito que será sacrificado para salvar outro. A diferença entre o justificante e o exculpante se dá exatamente nesse sacrifício - no justificante, o direito que se vai salvar deve valer mais do que o direito que será lesionado. Aqui, a ilicitude estará afastada. Ex.: para salvar a vida, foi sacrificado o patrimônio de outrem - se a vida vale mais, o patrimônio poderá ser sacrificado. No exculpante, o direito que irá ser salvo terá igual valor ou menor do que o do direito lesionado. Aqui, em alguns casos, será afastada a culpabilidade. Ex.: para salvar um patrimônio, matou-se outrem. 14 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ Se ele é justificante, o direito salvo será sempre maior que o direito lesionado . Como não temos o estado de necessidade exculpante, a doutrina flexibilizou o estado de necessidade admitindo o sacrifício de um direito de igual valor . Por outro lado, sacrificar um bem de maior valor, ainda que não seja estado de necessidade, será considerado como uma causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa . Ex.: uma menina, desde os 9 anos de idade, sofria violências sexuais do próprio pai. Teve 13 filhos dele, dos quais 7 viveram - 2 meninas e 5 meninos. Quando ela chega em casa, ela se depara com o pai violentando a filha/neta. Sentindo-se desprotegida, pediu demissão do emprego para vigiar a filha. Ela contratou dois pistoleiros para matar o pai. Ela foi denunciada. No plenário do júri, o promotor pediu a absolvição, fundada numa causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa (não foi lícito, não foi estado de necessidade, mas afastou-se a culpabilidade). Ainda que a lei não tenha previsto, como justificante (ou seja atua na tipicidade), o salvamento de um direito de igual valor, se o direito sacrificado valia mais, se for situação extrema, poderá ser considerada uma causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa afastando a culpabilidade. O nosso estado de necessidade é sempre justificante - embora o seja, admite o sacrifício de um direito de maior ou igual valor . Art. 24 - sujeito quer salvar um direito próprio ou alheio, de um perigo atual39. O que não serve é um perigo iminente - ainda não há uma situação de estado de necessidade. Ex.: pessoa jogando fogo no mato seco para preparar para plantio - se o vento começa a trazer o fogo para a casa, a casa já estará em perigo; é diferente da mera possibilidade de o vento trazer o fogo para a minha casa. O perigo atual não pode ter sido praticado pela vontade (dolo) do agente ("que não provocou por sua vontade"). Se ele, dolosamente, provocou o perigo, ele não pode agir em estado de necessidade. Mas, se, culposamente, causou o perigo, já se pode falar em estado de necessidade. Também não deve haver um outro modo de combater o perigo - ou seja, um outro modo atípico (se há outro modo atípico, o atípico é que deveria ser escolhido ) ou se o outro típico fosse pior. Existem, doutrinariamente, restrições à proteção do direito alheio (fundadas na razoabilidade da proteção de direitos disponíveis). Não era razoável exigir o sacrifício do direito. Não será razoável quando o direito ameaçado for maior ou igual ao direito sacrificado . Ex.: vejo no estacionamento que o meu carro está pegando fogo. Quebro o vidro do carro de outrem para pegar um extintor. Ex.: passando num tiroteio, usa-se alguém como escudo humano e esse alguém morre - havia estado de necessidade. Art. 24, § 1º - dever legal de enfrentar o perigo: quem tem o dever legal 40 de enfrentar o perigo não pode se beneficiar do estado de necessidade . Ex.: um bombeiro está na porta de uma casa em chamas, que ameaça cair. Ele se recusa a entrar e salvar a pessoa, já que ele correria o risco. Não é estado de necessidade. Ora, ele não praticou a morte da pessoa, e nem cometeu crime comissivo por omissão (exige-se o dever e a possibilidade de salvar). O fato de não salvar não exclui a antijuridicidade, mas sim de atipicidade, já que não havia atipicidade. Ex.: bombeiro está com a pessoa salvando-a e, ao ver uma labareda vindo na sua direção, joga a vítima para proteger-se. Ele praticou uma ação. A ação é típica. Mas ele não pode se eximir do seu dever. 39 Atenção: o perigo atual envolve tanto o dano atual a um direito, quanto um dano iminente a um direito - ou já se está sofrendo um dano, ou está na iminência de sofrê-lo; em ambos os casos há um perigo atual. 40 Aqui, só se fala em dever legal - não se fala em dever contratual, criação do risco, etc. 15 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ Ex.: policial numa troca de tiros não pode pegar alguém e colocar na frente - essa é uma ação. A gente poderia colocar, o policial não, ele não pode se beneficiar do estado de necessidade. Art. 24, § 2º - causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa: incidirá se o sacrifício do direito ameaçado era razoável exigir-se . Isso acontecerá quando o bem protegido f or menos importante que o bem violado. Nesse caso, como não foi adotado o estado de necessidade exculpante, há crime - porém, pode haver (i) reconhecimento da causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa ou, caso o contrário, (ii) diminuição da pena de 1/3 a 2/341. LEGÍTIMA DEFESA (ART. 23, II E ART. 25) O que diferencia legítima defesa e estado de necessidade é o princípio da especialidade - a legítima defesa possui um elemento que atrai o fato para ela: a agressão injusta . São requisitos da legítima defesa: - meios necessários42 - moderação43: a moderação significa "até cessar a agressão". Usar moderadamente é usar o suficiente para fazer a agressão cessar . Quanto mais intenso for o meio empregado na agressão, mais intenso poderá ser o meio necessário a ser empregado para repeli-lo. É uma proporção entre a intensidade da agressão e a intensidade da defesa. Os meios necessários e a moderação são integrantes do elemento razoabilidade. - agressão injusta, atual ou iminente: agressão é ato humano praticado diretamente contra um direito ; um homem está agredindo um direito44. Pode ser que um animal, o fogo, etc, esteja sendo usado como instrumento. Injusto é algo ilícito 45 , proibido pelo direito. Essa agressão não precisa ser crime, basta ser contrária ao direito . Ex.: dentista, arrancando o dente, não está praticando uma agressão - sua conduta é lícita, pois está agindo em exercício regular de direito. Ex.: quem está em estado de necessidade não age ilicitamente - sua conduta é lícita. Qualquer excludente de tipicidade ou de ilicitude faz com que a agressão ou se torne irrelevante (atípica), ou, embora relevante, lícita (excludente de ilicitude) - se for lícita a ação, pode até autorizar um estado de necessidade, mas, jamais, legítima defesa . Agressão atual é a que começou, mas que ainda não acabou. É uma agressão em curso. Agressão iminente é aquela que, embora não iniciada, está prestes a começar. Há um grau de certeza. 41 Remeter para o art. 22, CP - todas são causas de inexigibilidade, mas a do § 2º é causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa. 42 O excesso no meio é excesso intensivo (usou-se um meio mais intenso do que precisava). 43 O excesso na moderação é excesso extensivo. 44 Se não houver um ato humano, não será uma agressão, mas sim um perigo. Portanto, o que diferencia o perigo da agressão é a presença do elemento humano nesta. 45 Para um fato ser ilícito, ele deve ser típico e contra o direito. Precisa ser culpável? Não. Basta ser ilícita. Assim, um sonâmbulo se dirigindo na direção de alguém não pode gerar legítima defesa: não há conduta. Não é legítima defesa porque não tem uma conduta humana ilícita - é o mesmo que um cachorro vindo atacar. Não há legítima defesa, mas tem estado de necessidade. A defesa de um direito perante uma situação de perigo é um estado de necessidade. 16 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ Portanto, só há legítima defesa quando um direito está sendo agredido ou está quase sendo agredido - ou seja, não há legítima defesa contra agressão passada (o que configura vingança, que é crime) ou futura (o que é futuro é incerto46). - direito: pode ser próprio ou alheio - qualquer direito, ou seja, direito de qualquer natureza pode ser defendido em legítima defesa (vida, integridade física, honra47, liberdade sexual, patrimônio, etc). * legítima defesa preordenada - é a defesa prévia criada, preparada antes. É a possibilidade de preordenar mecanismos predispostos de defesa que irão atuar quando a agressão for atual ou iminente. Para a doutrina majoritária, é a natureza jurídica dos ofendículos. Havia uma discussão entre Hungria e Aníbal Bruno quanto à natureza jurídica: exercício regular do direito de propriedade ou legítima defesa. Em sendo exercício regular do direito, a origem da ideia está no CC, quando fala da autotutela do esbulho possessório (se o Direito Civil me deu o direito de autotutela contra o esbulho...); porém, o que se quer tutelar não é o bem imóvel, mas sim a vida, a segurança, bens móveis, etc. Ora, se é pra se defender também no que diz respeito a outros bens jurídicos que não o imóvel, não pode ser exercício regular do direito, mas sim legítima defesa . Para alguns autores, a natureza é mista (quando instalo, é exercício regular; quando alguém toma choque, é estado de necessidade). Uma solução é entender como legítima defesa preordenada - é diferente da agressão futura: quando o sujeito estiver invadindo, a agressão será futura. Se o ofendículo for ostensivo, diz-se que não é necessário colocar aviso. Mas isso não é requisito para a legítima defesa. Ora, se o art. 25 não exige que se avise o outro acerca da legítima defesa, por que seria esse um requisito? Mas, pra que a placa serve? Quando se coloca a cerca elétrica, se quer lesionar um agressor - é esse o dolo. Ora, uma criança não é agressor. Se causar lesão a uma criança, o sujeito não responderá por dolo (não havia a intenção de atingi-la); mas, o sujeito responde por culpa (há lesão corporal culposa). Portanto, a placa é a observância do dever objetivo de cuidado para evitar uma tipicidade culposa quando se atinge um inocente . ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL (ART. 23, III) Não há previsão legal específica. Estrito é regrado, sem excesso, dentro dos limites . O cumprimento é de um dever legal - uma norma jurídica, penal ou não, determinou ao sujeito a prática de um fato. Uma norma jurídica mandou ele fazer algo, ele não tem uma opção, senão, sofrerá sanção . Esse fato que a norma mandou praticar é um fato típico - normalmente, o fato é típico, mas, para o sujeito, é um dever dado pela lei. Portanto, o fato típico é um dever dele. Se o fato típico não foi determinado pela norma jurídica, não haverá exclusão da ilicitude . Ex.: privar alguém da liberdade individual - em regra, é crime, é típico. Mas, se a polícia estiver cumprindo um ordem de prisão, a ordem torna o fato lícito. Ex.: busca e apreensão - é a subtração de coisa alheia móvel para si ou para outrem. Mas, o oficial de justiça cumpre uma determinação judicial48. 46 Pode ser que, em algumas situações extremas, embora não haja legítima defesa, possa haver inexigibilidade de conduta diversa. Ex.: grupo em rebelião na cadeia diz que vai matar um preso por dia. No primeiro dia mata. No segundo, também. No terceiro dia, ao ver os membros do grupo dormindo, um dos presos, que não faz parte do grupo, mata todos com álcool e fogo. Embora não seja caso de legítima defesa, pode ser de inexigibilidade de conduta diversa. 47 Fato típico de ameaça pode estar sendo praticado em legítima defesa. 48 Se o endereço estiver errado, o OJ deverá comunicar tal fato ao juiz. Ele não pode entrar no imóvel do lado, senão, estará praticando fato típico sem uma ordem legal (o que não afasta a ilicitude). 17 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ Ex.: policial, durante a troca de tiros, devia prender mas acabou matando. Ora, a lei não mandou matar. Logo, estava havendo exagero? Se matar, será legítima defesa, e não um dever legal de matar, de lesionar. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO (ART. 23, III) Tudo o que não está expressamente proibido pela lei pode ser feito. O que não é proibido é lícito. Porém, em muitos casos, um direito pode trazer em si a prática de um fato típico. Se não permitir o seu exercício, esvaziaria o direito. Portanto, o fato será típico, mas lícito. Ex.: se a lei não proibiu a luta, não seria razoável afirmar que, se houver lesão, há crime. Ex.: tatuagem - é uma atividade lícita? É. É regulada pelo Estado - há normas técnicas, há fiscalização. Ora, se é regulado pelo direito, a tatuagem é um direito do tatuador. Ao causar lesão corporal, ela é típica, mas lícita (exercício regular de direito). Porém, deve a prática ser regular - não pode tatuar um menor. O exercício irregular do direito não afasta a antijuridicidade. Para outros autores, o que exclui a antijuridicidade não é o exercício regular do direito, mas sim o consentimento do ofendido; mas, a rigor, o que afasta a antijuridicidade é o exercício regular do direito, e não o consentimento - o consentimento é requisito para a prática regular do direito . Ex.: quando um lutador bate 3 vezes no tatame, o outro deve parar de bater. 2.1.2. EXCLUDENTES LEGAIS ESPECÍFICAS Nada impede que um artigo específico da Parte Especial (art. 128, CP, e a atuação do médico49, que pratica fato típico do art. 126, p.e.) ou um dispositivo da lei especial preveja uma excludente específica. 2.1.3. EXCLUDENTE SUPRALEGAL CONSENTIMENTO DO OFENDIDO: essa excludente supralegal só será utilizada quando as excludentes legais não forem suficientes. Portanto, deve ser utilizado residualmente (somente na falta de uma excludente legal) . Ex.: para que um sujeito lute regularmente judô com outrem, o consentimento é requisito do próprio exercício regular do direito. Portanto, o exercício regular do direito exclui a ilicitude, não sendo necessário lançar mão da excludente supralegal. Em algumas excludentes, o consentimento do ofendido pode ser elemento dela (não é que seja necessariamente)50. Alguns direitos precisam do consentimento para ser exercido regularmente; outros não. Ex.: art. 150, CP - violação de domicílio - entrar ou permanecer clandestina ou astuciosamente ou sem autorização da quem de direito . Assim, se o sujeito entrou com o consentimento do ofendido, a conduta será atípica (e não antijurídica, pois o consentimento é elemento do tipo). Entretanto, em vários crimes, o consentimento não está no tipo penal, nem expressa, nem implicitamente51. Ex.: art. 163, CP - crime de dano - o tipo penal do dano ignorou o consentimento. Sendo assim, se o sujeito 49 A hipótese do art. 128, I, CP (aborto terapêutico) encaixa-se também em estado de necessidade. Pelo princípio da especialidade, as normas específicas prevalecem com relação às normas gerais - a excludente da ilicitude é específica, nos termos do art. 128, CP. Se há uma excludente específica, não se vai usar uma excludente geral. 50 Atenção: se o consentimento do ofendido for elemento do tipo , essa causa será excludente da tipicidade, e não da antijuridicidade. O momento de verificar o consentimento, quando elementar do tipo, é na tipicidade, e não na antijuridicidade. 51 Atenção: todo tipo penal que tem como conduta constranger tem, implicitamente, o não consentimento. Quem não quer fazer é constrangido a fazê-lo - portanto, nesses casos, o consentimento afasta a tipicidade, e não a antijuridicidade. 18 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ destrói coisa alheia, o fato é típico. Porém, se houver consentimento, apesar de típico, o fato será lícito. Em suma: embora o legislador não tenha dado relevância ao consentimento do ofendido, a doutrina brasileira previu que: quando o consentimento do ofendido não estiver previsto como elemento do tipo penal, o consentimento, na falta de uma excludente legal, será causa supralegal de exclusão da ilicitude. Mas, não será sempre assim! Para que o consentimento exclua a ilicitude, esse consentimento deve ter os seguintes requisitos: - capacidade: o ofendido tem que ser capaz. A doutrina fala em capacidade penal, mas o mais correto é a capacidade civil (capacidade de dispor de seus bens). Mas, devemos trabalhar com a capacidade penal (deve ter mais de 18 anos e estar são52). - consentimento livre: o consentimento deve ser válido, sem fraude, sem vícios, ameaça ou qualquer causa que vicie o consentimento (coação, etc). - disponibilidade do bem jurídico: tirando os extremos, como a vida53, a maioria dos bens jurídicos são disponíveis. A honra54, a liberdade55, o patrimônio, tudo é disponível. Ex.: vizinho diz que está cansado de viver e autoriza que o outro o mate. Não há exclusão da ilicitude, pois o bem jurídico não é disponível. Mas, e a saúde e a integridade física (arts. 129, 130, 131, CP)? A integridade física e a saúde são, classicamente, vistos como direitos indisponíveis. Entretanto, com a Lei 9099/95, no art. 88, previu-se que a lesão corporal leve (dolosa) e a lesão corporal culposa são crimes de ação penal pública condicionada à representação 56. A doutrina, entretanto, entendeu o seguinte: se 52 Uma criança ou um louco não têm capacidade para consentir. 53 Ora, se o induzimento ao suicídio é crime, qualquer outra conduta que suprima a vida é crime - como a eutanásia. Para Zaffaroni, entretanto, se o direito é individual, e não coletivo, esse direito será disponível. 54 Sendo assim, é totalmente possível uma injúria autorizada. 55 Senão, um programa como o BBB não seria possível. 56 A lesão corporal decorrente de violência doméstica contra a mulher é de ação penal pública condicionada ou incondicionada? A lesão leve é de competência dos juizados, razão pela qual a ação penal é pública condicionada (art. 88, Lei 9099/95). A lesão grave, gravíssima ou com resultado morte são de competência do juízo comum, sendo a ação pena pública incondicionada. No caso do §9º, em que se fala em violência doméstica (abrangendo qualquer visita, parente, empregado doméstico, companheiro de apartamento, tudo isso independentemente de sexo, etc), a natureza da lesão é leve; se a pena máxima é de 3 anos, o juízo será o comum, sob o rito sumário (art. 394, § 1º, II, CPP), com ação penal pública condicionada à representação (em razão do mesmo art. 88). Em 2006, a Lei 11.340 traz os crimes de violência cometida no âmbito doméstico contra a mulher (seja o agressor homem ou mulher). A lei não criou crimes, mas simplesmente incluiu crimes já existentes em seu âmbito: lesões corporais, homicídio, periclitação, etc (art. 7º, I). Então, vários crimes podem ser cometidos atraindo a Lei 11.340, desde que se encaixem nos seus arts. 5º e 7º. Mas, a lei traz também previsões absurdas: subtração é crime patrimonial; mas e a escusa absolutória (imunidade) do art. 181, do CP? Não se aplicará quando a vítima for mulher e se enquadrar no art. 5º? O art. 41, da Lei 11340, diz que não se aplica a Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher, independente da pena. E se o crime for uma injúria (art. 7º, V) cometida pelo homem contra a mulher? De quem será a competência? É crime de menor potencial ofensivo, mas não se aplica a Lei 9.099, não havendo competência do JECrim. O art. 29 da Lei prevê os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, razão pela qual a esse juizado deve ser endereçada a queixa relativa a todos os crimes que se encaixarem na Lei. Ademais, em razão do art. 41, não cabem a transação penal, o sursis processual ou a composição civil como renúncia ao direito de queixa , todos institutos previstos na Lei 9.099/95. Assim, se eu lesiono levemente minha mulher, o crime é aquele do art. 129, §9º. O procedimento será sumário de competência do Juizado 19 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ alguém praticar um fato típico, antijurídico e culpável de lesão corporal leve contra alguém, o Estado, ainda assim, deveria perguntar à vítima se ela queria ou não ver aquele fato punido - porém, não se dava à vítima o direito de, antes da lesão, autorizá-la (ou seja, permitia-se o consentimento posterior, mas não o anterior). Então, como que, depois do crime, a vítima pode decidir consentir com a lesão, mas não possa fazê-lo antes? A partir de então, a doutrina passou a admitir que a saúde e a integridade física são bens disponíveis, autorizando o consentimento do ofendido . Ex.: transmissão de doença venérea leve (art. 130, caput, CP), com conhecimento e consentimento do parceiro sexual - como a doença não é grave, o consentimento afasta a ilicitude. Se a doença fosse grave, a lesão seria grave (§ 1º), não podendo ser afastada a antijuridicidade nesse caso. - consentimento anterior ou, ao menos, concomitante ao fato : o consentimento não pode ser futuro - deve ter sido dado antes ou deve guardar, ao menos, uma relação de simultaneidade com a conduta. de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, mas qual será a ação penal? Como não se aplica a lei 9.099, a ação penal será pública incondicionada, não se aplicando a retratação da representação do art. 16, da Lei 11340. Isso porque, segundo recentíssimo julgado do STF, o art. 41 da Lei é constitucional, afastando integralmente a aplicação da Lei 9.099. Se for uma calúnia praticada pela mulher contra o homem, a competência será do JECrim; se o homem calunia a mulher, a ação continua sendo privada (art. 145, CP), mas a competência será do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Se o homem estupra a mulher, a ação penal será condicionada à representação (art. 225, CP), porém de competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; caberá retratação, mas, nesse caso em especial, a retratação só poderá ser feita perante o juiz, na forma do art. 16. Para atrair a Lei Maria da Penha, não basta que haja relação íntima, devendo constar também o afeto, independente da orientação sexual (art. 5º, III e par. único). Se 2 mulheres têm relação íntima de afeto, e uma bate na outra, incide a Lei Maria da Penha. É preciso olhar para o art. 5º e, depois, procurar encaixar a conduta no art. 7º. Depois nós devemos olhar no CP a pena e a ação penal cabível. Se a violência doméstica for contra a mulher, a competência será do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, em qualquer crime, derrubando a competência do JECrim e do Juízo comum, salvo se houver competência constitucional absoluta: Júri (crimes dolosos contra a vida) ou foro por prerrogativa de função, uma vez que a Lei Maria da Penha é infra-constitucional. Em suma, então, importante é saber que, aqui, como não se aplica a lei 9.099, a competência é do Juizado de violência doméstica, sem os benefícios da lei 9.099. Regra geral, se a lesão é aquela do § 9º do art. 129 (leve), a ação penal é condicionada (art. 88, Lei 9.099), de competência da vara criminal e haverá a incidência do sursis processual (já que trata-se de crime com pena mínima inferior a 1 ano - art. 89, Lei 9.099). Atenção: porém, se incidir a Lei Maria da Penha (arts. 5º c/c 7º): - a ação é pública incondicionada (não se aplica o art. 88, Lei 9.099); - não serão aplicados os institutos da Lei 9.099 - art. 41, LMP (não comportará sursis processual); - a competência será do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher - art. 14; - sem pena de cesta básica ou meramente pecuniária - art. 17 (penas assim fixadas ou resultantes de substituição). 20 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________ 3. CULPABILIDADE É um juízo de reprovação : um agente que praticou um ato típico e antijurídico deve ser reprovado? Os outros elementos (tipicidade e antijuridicidade) dizem do crime; a culpabilidade diz do agente . Somente alguém que é capaz de se controlar , que sabia ou podia saber que o que fazia era crime, e se podia se determinar de acordo com esse entendimento é que poderá ser punido. 3.1. IMPUTABILIDADE PENAL É a capacidade penal . Deve-se analisar se o sujeito era ou não capaz penalmente. Aqui, a capacidade é de autodeterminação, de autocontrole - não tem nada a ver com a capacidade civil, embora, hoje, as idades coincidam. Esse elemento é bio-psicológico57, e não jurídico: o sujeito que praticou um ato típico e antijurídico tinha a capacidade de se controlar? Sendo capaz de entender (consciência) e capaz de se autodeterminar (autocontrole), mas age optando por fazer o que é errado, o sujeito deverá ser punido. IMPUTÁVEL: é quem é capaz . Ele tem capacidade penal. Portanto, o imputável será condenado; ele é culpável e sofrerá a punição. SEMI-IMPUTÁVEL: é capaz , mas tem a capacidade reduzida . Também será condenado, mas tem direito a uma diminuição de pena . INIMPUTÁVEL: é incapaz. Ainda que se diga que é errado, proibido, o sujeito não tem capacidade de compreender as proibições, o certo e o errado. O inimputável, portanto, não pratica crime ; ele será absolvido ou sofrerá uma sanção específica , fora da esfera penal (como os menores, de acordo com o ECA). 57 Biológico porque diz da idade, etc; psicológico porque diz do entendimento, do estado mental. 21 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ IMPUTÁVEL SEMI-IMPUTÁVEL INIMPUTÁVEL Regra geral capaz58 Art. 27, CP (biológico) menor de 18 anos - ECA (medida sócio-educativa)59 Art. 26, caput, CP par. único doença mental (não tinha plena capacidade - é capaz - condenação com diminuição da pena de 1/3 a 2/360) doença mental (torna inteiramente incapaz - é inimputável - absolvição imprópria61) Art. 28, CP I - emoção e paixão II - embriaguez voluntária e embriaguez culposa § 2º - embriaguez involuntária incompleta (não tinha plena capacidade - é capaz - condenação - diminuição da pena) § 1º - embriaguez involuntária completa (proveniente de caso fortuito e força maior - isento de pena - absolvição imprópria, sem medida de segurança) 58 O sujeito pode sim ter algum distúrbio - mas, se esse distúrbio não influenciar na sua capacidade mental, o sujeito será capaz. 59 O STJ, recentemente, tem entendido que os menores de 18 anos são aqueles que não têm 18 anos ainda. Se ele cometeu o crime antes dos 18 anos, ele é considerado inimputável . Não existe semi-imputabilidade com relação à idade. Ex.: um rapaz de 17 anos, 11 meses e 10 dias se uniu a adultos para cometer o crime de extorsão mediante sequestro. Durante a duração do sequestro, ele completou 18 anos. Quando descobriram a quadrilha, ele foi denunciado como menor. O crime é permanente (conduta se prolonga no tempo - a liberdade se mantém privada ao longo do tempo), e a permanência dele ultrapassou a maioridade - há, portanto, crime permanente para ele. É um crime só, um ato só, não devendo responder por ato infracional + crime. Cuidado: crime permanente não é crime continuado. Se houver dois primeiros estupros quando menor e um quando maior, embora haja continuidade, o juiz não poderá condená-lo aumentando a sua pena por concurso. A continuidade é concurso de crimes , não podendo ser reconhecida a continuidade nesse caso. 60 O CP permite, no art. 98, a substituição da pena por medida de segurança para o inimputável (especial tratamento curativo). Logo, se o sujeito semi-inimputável precisar ser tratado, será aplicada uma medida de segurança. Cuidado: não é cumular pena, é substituir. Portanto, o semi-imputável é condenado, sofre uma pena, que é reduzida , podendo o juiz substituí-la por uma medida de segurança (art. 26, par. único c/c art. 98, CP). 61 O agente não será reprovado porque é inimputável, porque tem doença. Embora seja absolvido, ele vai sofrer algum tipo de sanção - essa absolvição é a absolvição imprópria (art. 386, VI, CPP; a aplicação da medida de segurança está no inciso III do par. único, art. 386, CPP). Logo, se o juiz o condenar, o pedido de absolvição será com base no art. 386, VI, CPP, pedindo a aplicação da medida de segurança (fundamentação: art. 386, IV c/c art. 386, par. único, III, CPP). Para o STF, a medida de segurança é uma sanção: "a medida de segurança é espécie do gênero sanção penal e se sujeita, por isso mesmo, à regra contida no artigo 109 do Código Penal. Impossibilidade de considerar-se o mínimo da pena cominada em abstrato para efeito prescricional, por ausência de previsão legal" (STF - RHC 86888, Relator: Min. EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 08/11/2005). 22 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ ART. 27, CP: dispõe que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis. Portanto, adotou um critério biológico (a idade), e não psicológico (não importa se ele era maduro ou se sabia o que estava fazendo). O menores de 18 sujeitam-se ao ECA. ART. 26, CP: é isento de pena - ou seja, inimputável. "Era" ao tempo do fato - não interessa como é hoje. O sujeito sofre uma doença mental que torna ele incapaz de compreender a ilicitude. Ele não tem capacidade mental. ART. 28, CP - trata do que não altera a imputabilidade : I - emoção e paixão. Isso altera o ânimo, mas não a imputabilidade . Esses sentimentos alteram a forma de agir, mas não são suficientes para o legislador de modo a afastar a imputabilidade. Ainda que emocionado ou apaixonado, o sujeito deve se controlar. A emoção doentia e a paixão psicopata podem sim desencadear alguma patologia mental (de acordo com o especialista), o que aproxima o art. 26. O fato é típico, antijurídico e imputável, o que gera uma condenação. Mas, o legislador não foi tão perverso - ele deu relevância à emoção (sendo a paixão uma espécie de emoção) na teoria da pena , e não do crime. Genericamente, há uma circunstância atenuante genérica (art. 65, III, 'c', CP - as atenuantes pesam, no máximo, 1/6 da pena). Dependendo do crime, pode ser mais: pode ser uma causa de diminuição de pena , como no caso do homicídio (art. 121, § 1º, CP - pesando entre 1/6 e 1/3 da pena)62. Em suma, por mais que a emoção e a paixão não influenciem a teoria do crime, elas podem alterar a pena : pode ser circunstância atenuante genérica ou causa especial de diminuição de pena . II - embriaguez voluntária e embriaguez culposa. O CP adotou a teoria da actio libera in causa - é criada uma antecipação da análise. Não importa se, no momento do crime, embrigado, o sujeito era capaz ou não de saber o que fazia ou de se controlar. O que importa é o motivo da embriaguez . Se o sujeito bebe e dorme ao volante, não há exclusão da conduta - busca-se o motivo da embriaguez. Por que ele estava completamente embriagado? A razão vai dizer se ele será considerado imputável, semi-imputável ou inimputável. CASOS DE EMBRIAGUEZ São 6 hipóteses de embriaguez, 5 na lei, somente 1 de fora. (i) voluntária e a culposa estão no inciso II, do art. 28 - elas não excluem a imputabilidade penal . Quem pratica um crime porque bebeu voluntariamente (quero me embriagar, quero me colocar em estado de embriaguez - deve responder por tudo o que aconteceu) ou por embriaguez culposa (ocorre por descuido, não sabia do teor alcoólico, misturou duas bebidas - não queria se embriagar, mas acabou sem embriagando) responderá normalmente pelo crime. (i) involuntária completa, provocada por caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º, CP), torna o agente inimputável - é isento de pena. Por força maior se dará quando ele sofre uma força maior, uma coação ou fraude para se embriagar; fortuito é um acidente. Em ambos os casos, deve ser completa, tornando o agente incapaz. (iii) involuntária incompleta/parcial (art. 28, § 2º, CP) diminui a capacidade - torna o sujeito semi-imputável. 62 Uma mãe teve um filho estuprado. Na delegacia, disse que quem o estuprou foi o vizinho. O delegado mandou os agentes levá-los à delegacia. Lá chegando, não tinha sala de reconhecimento; assim, o delegado mandou algemá-lo para levá-lo à sala do delegado. O menino o reconheceu. Após provocação do sujeito, a mãe pegou o extrator de grampo e o matou com uma lesão no pescoço. Logo, é um homicídio cometido sob violenta emoção, em que incidiria causa de diminuição de pena. Cuidado: se, no caso do art. 121, § 1º, CP, não houver injusta provocação, mas sim agressão, o caso é de legítima defesa, que exclui a ilicitude, sendo causa de absolvição. 23 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ Há mais duas espécies de embriaguez voluntária: (iv) preordenada é uma agravante de pena (art. 61, II, 'l', CP). Preordenada é a embriaguez voluntária que ocorre quando o agente já queria praticar o crime quando se embriagou . (v) embriaguez patológica não está prevista no CP, mas sim na Lei de Drogas63 (art. 45). Patologia é uma doença; a doutrina costuma apontar como exemplo os casos de dependência química e doenças metabólicas que provocam a embriaguez (sujeito ingere determinado alimento que, por deficiência orgânica, gera alcoolização no organismo). O dependente químico se embriaga voluntariamente, ele é quem ingere a droga; mas, seria muito rigoroso que o direito, embora o tratasse como doente, o condenasse normalmente. Como ele é doente, o tratamento a ser dispensado deve ser diferente. Como o CP não tratou da dependência, e o único dispositivo que trata de doença é o art. 26, temos o seguinte: se, em virtude da doença, ele se torna incapaz, é caso do art. 26, caput; se somente diminui sua capacidade, cai na regra do par. único do art. 26; se não altera nada, ele será considerado capaz e sofrerá pena. QUADRO DE CORRESPONDÊNCIA ENTRE O CP E A LEI DE DROGAS CÓDIGO PENAL LEI DE DROGAS Embriaguez involuntária completa (art. 28, § 1º) Embriaguez de dependente químico completa (art. 45) Embriaguez involuntária parcial (art. 28, § 2º) Embriaguez de dependente químico parcial (art. 46) A análise da culpabilidade só vai continuar se se concluir pela imputabilidade. 63 Cuidado: a Lei de Drogas trata das drogas, mas é uma norma penal em branco (depende de Portaria da ANVISA que diga quais são as drogas - cabe ao Poder Executivo manter uma lista atualizada dos elementos químicos entorpecentes ilícitos). Há dois artigos (45 e 46) que tratam de imputabilidade penal. O art. 45, da LD, diz que é isento de pena, qualquer que seja o crime praticado (mesmo do CP), quem, por dependência química ou por embriaguem involuntária completa (forçado a usar) por droga era inteiramente incapaz de determinar o seu comportamento. Logo, os §§ 1º e 2º, do art. 28, do CP, só se aplicam quando a droga não estiver no rol da ANVISA. O mesmo no caso do art. 4 6 (como a cola de sapateiro) . O art. 46, da LD, trata também da dependência química ou da embriaguez voluntária (forçada a usar), por drogas, só que parcial. Portanto, se a questão falar em dependente químico ou uso involuntário, deve-se ver qual a droga: se estiver no rol da ANVISA, serão aplicáveis as normas da Lei de Drogas; senão, serão aplicáveis as normas do CP. 24 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ 3.2. POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE64 Aqui, o sujeito é capaz de compreender uma proibição e capaz de se controlar de acordo com essa compreensão , ainda que essa capacidade seja reduzida (imputável ou semi-imputável). Porém, de nada adiantaria ser capaz se ele não sabia que o seu ato era um crime. O fato é típico e é ilícito - mas o sujeito não tinha consciência da ilicitude 65 e, nem, ao menos, podia ter consciência da ilicitude (potencial consciência - não ter ou não poder ter consciência da ilicitude). Logo, por não saber que era proibido, não pode ser culpado. TER / NÃO TER CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE Há duas espécies de agentes que praticam o injusto penal: aqueles que têm a consciência da ilicitude e aqueles que não têm a consciência da ilicitude . Quem tem consciência da ilicitude deve ser reprovado. Mas, para saber se quem não tem a consciência deve ser punido ou não, há que se investigar se podia ou não podia saber naquelas circunstâncias. NÃO TER CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE: ERRO INEVITÁVEL OU ERRO EVITÁVEL Dentre os que não têm a consciência da ilicitude, há os que não têm e não podiam saber (erro inevitável) e os que não têm e que podiam saber (erro evitável)66. Quem não podia saber (erro inevitável), não será punido. Porém, quem tem consciência e quem não tem mas podia ter (erro evitável) serão punidos. Portanto, sendo imputável ou semi-imputável, e se tiver consciência ou se pudesse ter consciência (erro evitável/inescusável), passa-se à análise do próximo elemento da culpabilidade. 64 Veremos melhor isso quando estudarmos erro. 65 "Eu não sabia que não podia. Se soubesse, eu não faria". 66 "Achado não é roubado, quem perdeu foi relaxado". Porém, ficar com o dinheiro achado é apropriar-se indevidamente de algo perdido por outrem (art. 169, CP). 25 TEORIA DO CRIME – DIREITO PENAL Obs.: trata-se meramente de material de estudo – não pode ser utilizado como fundamento para pedido de revisão de prova! _________________________________________________________________________________________________________________________________ 3.3. EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA Exigibilidade é a possibilidade de exigir. Logo, exigibilidade de conduta diversa é a possibilidade de se exigir uma conduta diferente . A conduta praticada pelo sujeito é um fato típico e antijurídico. Era possível exigir dele uma conduta diversa da que praticou? Só se reprova alguém quando é possível exigir uma conduta diferente , de acordo com o direito. Ele deve ser "perdoado" por isso. HIPÓTESES DE INEXIGIBILIDADE A nossa legislação traz 2 hipóteses de inexigibilidade no art. 22, do CP: - coação moral irresistível67: pressupõe alguém que vai coagir (pratica a coação) e um coagido (alguém que sofre a coação). A coação se dá no sentido de obrigar a realizar uma conduta . Pratica a conduta dolosa ou culposamente, mas somente porque alguém o obrigou68. - obediência hierárquica: só existe obediência se existir hierarquia - hierarquia só existe em relações laborativas públicas; nas relações privadas, não69. Deve haver uma ordem ilegal 70 do superior hierárquico - tanto é ilegal que a conduta é um crime, já que já analisamos a sua tipicidade. Se for manifestamente ilegal , entretanto, não excluirá a culpabilidade. O funcionário que cumprir vai responder junto com quem deu a ordem71. Na verdade, o legislador não precisava criar a obediência hierárquica: sempre há uma descriminante putativa, alguém o induziu a erro . Porém, o legislador decidiu criar uma excludente específica, devendo prevalecer nessas hipóteses. * responderá por autoria mediata quem coagiu e quem deu a ordem não manifestamente ilegal . 67 Se por impelido fisicamente (tortura, p.e.) a matar alguém, é caso de coação moral! É diferente da coação física irresistível, em que o sujeito não controla a ação - é caso de excludente de conduta , e não de exigibilidade de conduta diversa. 68 Ex.: gerente do banco que tem o seu filho sequestrado e que é coagido a abrir o cofre e entregar todo o dinheiro aos sequestradores. Ele praticou o fato típico e antijurídico de subtrair coisa alheia móvel para outro. Ele é imputável e incapaz, além de saber que subtrair dinheiro de cofre é proibido. Mas, era exigível dele uma conduta diferente? Esse pensamento é que irá averiguar se há a exigibilidade ou não de conduta diversa. 69 Se um chefe obrigar um empregado na esfera privada, poderá haver coação moral irresistível , mas não hierarquia. Nem em sede de religião, de família, etc, apenas se dará em sede de relação pública de trabalho. Na área pública é mais rigoroso porque, numa empresa privada, se der uma ordem manifestamente ilegal e se praticar, será uma coação moral irresistível - para não perder o emprego, o sujeito acaba praticando a ordem ilegal. No setor público, em que a ordem é manifestamente ilegal , e em decorrência das garantias do servidor público , o agente não terá sua culpabilidade afastada. 70 Se fosse uma ordem legal, seria caso de estrito cumprimento do dever legal , uma excludente de antijuridicidade . 71 Se um delegado der uma ordem para o policial torturar um sujeito preso para que ele confesse, o policial, sabendo que é crime, irá responder também. 26