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VALORIZAÇÃO DA ÁGUA NO MEIO URBANO: UM DESAFIO POSSÍVEL Marcus Aurélio Soares Cruz1, Paulo Roberto Araújo2, Sidnei Gusmão Agra3, Vladimir Caramori Borges de Souza4, Walter Collischonn4 Resumo - O crescimento desordenado da urbanização nas cidades tem provocado o aumento na freqüência e intensidade das cheias, por conta da impermeabilização do solo e da canalização do escoamento. Isto se justifica pela concepção dos profissionais da área de que a melhor solução para a drenagem dos centros urbanos é afastar, o mais rápido possível, o escoamento do seu local de geração. Esta abordagem apenas provoca o deslocamento dos alagamentos de um ponto para outro. Em países desenvolvidos a abordagem adotada é a solução na fonte, ou seja, reduzir as vazões ampliadas devido à urbanização onde são geradas, com medidas de contenção/redução dos volumes escoados. No Brasil se verifica a dominação da antiga concepção de transferência dos problemas de drenagem, com obras mais caras, pouco eficientes e sem integração ambiental. A adaptação das técnicas não-convencionais será possível no Brasil? Que dificuldades econômicas, sociais e culturais o poder público enfrentaria com esta mudança de paradigma? Será possível despertar no povo brasileiro uma cultura de valorização da água no meio urbano? Este artigo se propõe a contribuir no sentido de caracterizar as técnicas não-convencionais de controle do escoamento urbano e discutir questões relacionadas com essa mudança de concepção nos projetos de drenagem. 1 Departamento de Esgotos Pluviais - Prefeitura Municipal de Porto Alegre Rua Gen. Lima e Silva 972, Cidade Baixa, CEP 90050-102 Porto Alegre - RS Tel: 51 3227 2611 R244 fax : 51 3218 0021 e-mail: marcus@dep.prefpoa.com.br 2 Departamento Autônomo de Estradas e Rodagens - Setor de Hidrologia e Drenagem - CEPN Avenida Borges de Medeiros 1555 - Centro - CEP 90110-150 Porto Alegre - RS Tel: 51 3210 5158 fax : 51 3210 5159 e-mail: prarau@ig.com.br 3 Departamento de Recursos Hídricos - Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul Rua Carlos Chagas 55 - Sala 1109, Centro , CEP 90030-020 Porto Alegre - RS Tel: 51 3226 1503 fax : 51 3225 9659 e-mail: sidneiagra@bol.com.br 4 Instituto de Pesquisas Hidráulicas - Universidade Federal do Rio Grande do Sul Av. Bento Gonçalves 9500, Agronomia, CP 15029 CEP 91501-970 Porto Alegre - RS Tel: 51 3316 6327 fax : 51 3316 6565 e-mail: caramori@if.ufrgs.br / cllschnn@vortex.ufrgs.br Abstract - The disorganized development of urban environment implies in a growth of floods intensity and frequency, because the soil impermeabilization and streams canalization. The preponderant concept among engineers and planners is to turn out stormwater as faster is possible; but this approach just transfers floods to downstream. In old countries, this problem is treated with another approach: the source approach. This method consists in to reduce rate runoff with detentions and/or infiltration structures. In Brazil this concept is still in the beginning, and the spatial transference of floods dominate the projects, with very expensive, inefficient solutions and without environmental integration. Has this "new" concept the possibility of an efficient application in Brazil? What social, economic and cultural difficulties should the municipality find with this paradigm alteration? Is the valorization of water resource in urban environment possible to the Brazilian people? This work has the objective to provide elements of no-conventional urban drainage control design and to discuss these questions about changes in the planners and engineers thinking. Palavras-Chave - Impactos da urbanização; Drenagem urbana; Controle na fonte INTRODUÇÃO A evolução do ser humano o levou, naturalmente, a uma busca cada vez maior por conforto e bem estar, o que motivou o surgimento de crescentes inovações tecnológicas em diversos setores da sociedade, dentre estes o da habitação e locomoção, que auxiliados por novos materiais, mais duráveis e resistentes, possibilitaram concepções cada vez mais arrojadas nas técnicas construtivas. As regiões com aglomerações humanas tornaram-se assim áreas de concentração dessas tecnologias, criando o chamado ambiente urbanizado, que se por um lado permite melhores condições de vida à comunidade, por outro tem grande impacto nos processos naturais da região em que se estabelece. O ambiente urbano tornou-se atrativo para indivíduos de outras regiões não providas de tais recursos, gerando migrações de regiões rurais para as cidades. A ausência de um gerenciamento adequado por parte do poder público provoca uma ocupação desordenada e um inchaço populacional, pois face à carência de espaços estes indivíduos tendem a ocupar áreas "livres", como as margens de córregos e encostas de morros que representam regiões de alto grau de insalubridade e influência direta no escoamento urbano. A constatação do fenômeno de crescimento urbano verifica-se pelos seguintes números : No ano de 1990, mais de 75% de toda a população sul-americana estava vivendo em áreas urbanas, o mais alto grau de urbanização em qualquer região do mundo. O desenvolvimento das metrópoles é também intenso, pois em 1990 existiam 276 cidades no mundo com populações de um milhão de habitantes ou mais, sendo que a maioria (42%) no continente asiático, e com um terço da população sul-americana habitando em grandes cidades (Urban, 2000). No Brasil, observou-se celeridade do crescimento urbano principalmente após a década de 60, o que levou a surgimento de favelas e áreas sem nenhuma infra-estrutura, dada a escassez de recursos e investimentos; hoje tem-se taxas próximas a 80% (Popclock, 2001), provocando inchaço populacional e deficiências diversas do serviço público urbano. A preocupação da maioria dos planejadores urbanos com o provimento de infra-estrutura à população geralmente se dá apenas quando as conseqüências desta ocupação já tem proporções elevadas, com a ocorrência de enchentes, falhas no abastecimento urbano e poluição crítica dos mananciais. O crescimento de um ambiente urbanizado implica em alterações na cobertura e configuração do solo natural, pois pressupõe a delimitação de unidades de ocupação com implantação de diferentes estruturas de conforto, como casas, prédios, calçadas e ruas pavimentadas. Esse desenvolvimento urbano, com a impermeabilização de grandes áreas, modifica a ocorrência natural do ciclo hidrológico, através de alterações nas quantidades de água envolvidas nos processos constituintes do ciclo. A impermeabilização de um ambiente antes rural direciona maior parcela de água pluvial a um escoamento superficial, dada a redução da interceptação, infiltração e evaporação, além de provocar uma aceleração do movimento da água dentro da bacia, por reduzir o amortecimento e canalizar o escoamento. Como resultado, tem-se mais volume de água em menor tempo, levando a ocorrência de cheias com magnitudes variáveis (Lindsey,1990). Os danos causados por estas ocorrências podem variar bastante, indo desde transtornos ao trânsito até perdas humanas. A qualidade dos corpos d’água em meios urbanizados também é alterada, visto que a maioria dos dejetos da cidade é direcionada para estes (Hall,1986); a produção de sedimentos é intensificada por obras realizadas no meio urbano acelerando o processo de assoreamento dos leitos dos rios; grande quantidade de lixo sólido passa a ser produzida, e dada a deficiência da maioria dos sistemas de coleta, aliada à falta de educação ambiental da maioria da população, uma grande parte é acaba chegando aos mananciais. As alterações quantitativas e qualitativas da água no meio urbano estão interligadas, visto que a produção de lixo é responsável pela obstrução de boa parte das “bocas de lobo” e de galerias do sistema coletor pluvial das cidades durante as tormentas, ampliando os efeitos das enchentes localizadas e a ocorrência de doenças entre os atingidos pelas cheias. A atuação da sociedade em resposta a estas conseqüências tem se dado, geralmente através de obras que atuam no efeito, e que na maioria das vezes tornam-se ineficientes dada a variabilidade das respostas destas áreas de acordo com a evolução do ambiente urbano (Genz,1994). Outro aspecto inerente às soluções hoje implementadas é a sua capacidade de transferência do problema para regiões a jusante, como se percebe na construção de grandes canais. Em países com maior tempo de convivência com estes problemas, como França, Austrália, Japão e Estados Unidos, as técnicas empregadas passaram a visar o controle do escoamento na fonte, buscando reduzir as vazões que são ampliadas pelo processo de ocupação do solo através de técnicas de contenção e redução do escoamento superficial. Dentre estas técnicas predomina o uso de reservatórios de detenção e retenção, trincheiras de infiltração, pavimentos permeáveis e semi- permeáveis e planos de infiltração. No Brasil verifica-se ainda o predomínio das técnicas ultrapassadas de transferência dos impactos da drenagem urbana, apresentando apenas em algumas cidades, como Porto Alegre, São Paulo e outras, um início de mudança de conceitos sobre o controle do escoamento urbano. SISTEMAS DE DRENAGEM URBANA Na tentativa de minimizar os efeitos da urbanização no ciclo hidrológico, a engenharia lança mão do planejamento dos sistemas de drenagem urbana e de medidas de controle, que podem atuar em diversas escalas espaciais. Os sistemas de drenagem convencionais são constituídos por estruturas de controle e condução do escoamento, buscando a coleta das águas pluviais geradas no meio urbano e a sua condução a um emissário final. Botelho(1998) menciona que esta concepção de sistema de drenagem pluvial é baseada na máxima: "pegar e largar rápido!". O controle na fonte aparece como uma alternativa para a solução dos problemas de drenagem sem a sua transferência de um ponto a outro da bacia, pois promove a redução e a retenção do escoamento, desonerando os sistemas tradicionais existentes e evitando a sua ampliação. Técnicas retrógradas de abordagem da drenagem urbana Durante muito tempo a drenagem urbana se restringiu à aplicação de medidas higienistas, tratando o escoamento pluvial como problema de saúde pública que deveria ser retirado da cidade o mais rápido possível, conduzindo as águas "nocivas" para um corpo d'água receptor (Silveira, 2000). Este tipo de abordagem do problema da drenagem urbana foi ao longo do tempo sendo abandonada pelos países desenvolvidos, movidos pelo desenvolvimento de uma consciência ambientalista, que promove a manutenção dos corpos hídricos em seu estado natural, buscando a minimização dos impactos quantitativos e qualitativos. Nos países do Terceiro Mundo, como o Brasil, o sentimento higienista ainda predomina em engenheiros e planejadores, por conta de uma ausência de conscientização ambiental, e de percepção da esgotabilidade, no mínimo qualitativa, dos recursos hídricos. As técnicas de projeto usuais se referem a canalização direta do escoamento gerado pelas superfícies urbanas, seja através de canais abertos ou subterrâneos, direcionando o escoamento de forma acelerada a um receptor final, em geral um curso d'água próximo. Estes sistemas se caracterizam pela existência de pontos de captação ao longo das ruas, unidos por uma rede de microdrenagem, formando malhas que convergem para uma rede maior, chegando ao receptor sem nenhuma forma de tratamento intermediário. Nas bacias se verifica geralmente uma ocupação no sentido de jusante para montante, partindo das regiões mais baixas e planas para as encostas dos morros. Esta ocupação das regiões baixas provoca a aceleração do escoamento, o aumento do volume escoado e o crescimento dos picos de vazão da área, com a redução dos tempos de resposta e maior freqüência de alagamentos. Para solucionar estes problemas promove-se a ampliação da capacidade de condução do escoamento dos corpos receptores, através da sua retificação e canalização. O crescimento urbano solicita cada vez mais áreas para ocupação, obrigando a população a utilizar as áreas de maior declividade, repetindo o processo de ampliação das vazões de forma mais acentuada e provocando novamente os alagamentos nas regiões de jusante, uma vez que as obras anteriormente executadas não previam a ocupação de tais áreas. A solução agora apontada é novamente a ampliação da capacidade condutora da macrodrenagem existente, com custos exorbitantes. A figura 1 mostra o processo descrito. Este processo gera um ciclo vicioso, pois sempre haverá contribuição ampliada de regiões de montante, exigindo novas obras de aumento da capacidade do sistema. Figura 1 - Evolução do sistema de drenagem nas práticas convencionais (Fonte: Tucci, 1995) Quando a abordagem aos problemas de drenagem é realizada de forma isolada, sem o pensamento integrado do sistema e a visão da bacia hidrográfica como um todo, a única solução aplicável é a canalização dos arroios, a retificação de corpos d'água, construção de galerias, sempre buscando a máxima eficiência dos condutos. A atuação deste tipo de solução provoca aumentos de até seis vezes na vazão máxima de pré-urbanização (Tucci, 1995). Esta filosofia de desenvolvimento do sistema de drenagem, que considera apenas a eficiência hidráulica do sistema (sem pensar em aspectos ambientais, estéticos, de convívio da comunidade com os corpos d'água), em conjunto com um sistema de coleta e tratamento de lixos e esgotos domésticos ineficientes, provoca a degradação da qualidade da água no meio urbano e os corpos d'água se tornam grandes canais de escoamento de lixo e esgoto. A partir desta degradação dos corpos d'água, e com a justificativa de aproveitar o máximo do espaço possível, faz-se o fechamento das galerias, escondendo-se os corpos d'água e aproveitando- se o espaço para a construção das chamadas avenidas sanitárias. Este tipo de desenvolvimento do sistema de drenagem é feito tanto pelo poder público, de forma oficial, quanto pelo desenvolvimento "natural" da chamada cidade não-oficial (favelas, loteamentos clandestinos). Na Figura 2 pode-se perceber estes dois aspectos do desenvolvimento da drenagem: (a) desenvolvimento "natural", na cidade não-oficial, com máxima ocupação do espaço e (b) canalização de corpo d'água por parte do poder público, oficializando a ocupação deste espaço e criando avenidas sanitárias. O desenvolvimento do sistema convencional ocorreu a partir do fim do século XVIII e hoje apresenta muitas limitações, provocando a degradação gradual do corpos d'água e solicitando investimentos cada vez mais vultosos, havendo a necessidade da sociedade questionar a continuidade da sua utilização e difusão. Técnicas compensatórias de drenagem urbana As chamadas soluções alternativas, também ditas compensatórias ou novas tecnologias, têm uma concepção bastante diferente. Seu desenvolvimento é feito através da observação do comportamento natural da bacia, procurando recuperar funções perdidas durante a urbanização ou compensar os efeitos da urbanização sobre os processos componentes do ciclo hidrológico, ou seja, precipitação, interceptação, infiltração, evapotranspiração e geração do escoamento superficial. Neste sentido, cada alteração provocada no meio natural deve significar uma compensação para os efeitos gerados (Figura 3). Figura 2 (a) - Evolução "natural" do sistema de drenagem na cidade não-oficial (Arroio Moinho - Porto Alegre-RS) ⇒ Figura 2 (b) - Canalização de corpos d'água por parte do poder público, oficializando a ocupação de suas margens – Córrego Pirajá - Belém - PA. (Fonte: PRODEPA, 2001) Figura 3 - Medida compensatória para o efeito da urbanização (Fonte: Bettess, 1996) As técnicas alternativas têm por base uma adaptação de técnicas bastante antigas, algumas vezes destinadas prioritariamente à alimentação de água potável. Lagos destinados à retenção (ancestrais das bacias de retenção) foram construídos no rio Nilo (Lago Moeris) por volta do ano 3000 a.C. Estes lagos permitiam a prevenção contra cheias, a manutenção de vazões em períodos de estiagem, assim como forneciam água para irrigação. Na Índia se encontravam, na mesma época, poços de pedra que permitiam o acúmulo das águas pluviais que serviriam de reserva para os períodos de seca. Mais tarde esta técnica seria reutilizada na Índia, em seguida em Bizâncio, onde os poços seriam recobertos de pedra (Alfakih, 1991, apud Chocat, 1997). Estas técnicas não são, portanto, "inovadoras" pelo fato de que elas são novas ou modernas, mas sim pelo fato de que elas se opõem ao princípio do "tudo na rede". O "renascimento" destas técnicas está ligado aos impactos decorrentes do desenvolvimento histórico das redes convencionais de drenagem, às quais elas são alternativas (Chocat, 1997). Para a utilização de tais métodos, faz-se necessário um planejamento integrado do sistema, sendo a bacia hidrográfica como um todo a base de atuação. Neste sentido, busca-se a valorização da água no meio urbano, a sua integração paisagística com o espaço e a participação da comunidade na concepção e gestão. A partir do momento em que a comunidade toma conhecimento da presença da água no meio urbano, o trabalho de recuperação e preservação dos corpos d'água, e sua consequente utilização pela população se torna mais simples. Neste sentido, estas técnicas procuram a boa integração com o espaço urbano, criando ambientes agradáveis onde a presença da água é fundamental. Passa-se da filosofia de drenagem de "o mais rápido e o mais longe possível", adotada pelas soluções higienistas do início do século, para uma filosofia de "o mais lento possível, valorizando a água no meio urbano". Na utilização deste tipo de solução, é fundamental a participação de toda a comunidade, desde o processo de decisão da solução que será empregada até a gestão da mesma. CENÁRIOS DA DRENAGEM URBANA NO BRASIL E NO MUNDO O problema da drenagem urbana no Brasil tornou-se crítico. Nos últimos anos, os eventos de alagamentos no meio urbano têm se tornado cada vez mais freqüentes e intensos. Os transtornos e prejuízos gerados por estas inundações são cada vez maiores, com danos à veículos, casas, estabelecimentos comerciais e industriais e até mesmo perdas humanas (Figura 4). As conseqüências das enchentes urbanas são visíveis e amplamente divulgadas pela imprensa, tanto falada, como escrita e televisiva, como exemplos pode-se citar os problemas que sempre ocorrem com as pancadas de verão em cidades como Belo Horizonte, Maceió, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo e também no interior dos estados. Nem sempre estas cheias são conseqüências diretas da urbanização, mas boa parte delas se deve, ou pelo menos se agravamento, à crescente urbanização destas regiões. Em Maceió, o Distrito Industrial Luiz Cavalcante, localizado no Tabuleiro dos Martins, é constantemente palco de enchentes que prejudicam a população local e paralisam as indústrias ali presentes, trazendo grandes prejuízos à carente economia alagoana (Agra e Silva Jr, 1999). A perda de vidas humanas, diferentemente dos danos materiais, não podem ser monetariamente mensurada, constituindo-se assim no maior dos problemas decorrentes das enchentes. O Jornal Zero Hora de Porto Alegre, do dia 10/02/2000, informou que no início daquele ano morreram 20 pessoas vítimas de enchentes em Minas Gerais. O Jornal Gazeta de Alagoas noticiou que, em Maceió, devido as chuvas ocorridas em julho de 2000, a cidade teve de entrar em estado de emergência (Figura 4). No Estado foram mais de 100 mil desabrigados e alguns mortos e desaparecidos levados pelas águas. Rapidamente a água tomou conta de garagens subterrâneas em alguns bairros da cidade e várias encostas deslizaram. Em Pernambuco no mesmo período foram 22 vítimas, 70 mil desabrigados e 30 municípios atingidos, inclusive Recife, capital do Estado (Temporal, 2000; Chuvas, 2000; Nordeste, 2000). As tentativas de resolver este problema através do aumento da capacidade de condutos, canalização e retificação de corpos d'água, têm se mostrado ineficientes e com custos cada vez mais elevados e proibitivos para uma sociedade carente de recursos como a brasileira. Algum esforço tem sido feito no sentido de tornar as soluções de drenagem mais adaptadas, como pode ser visto em Porto Alegre (Figura 5), São Paulo (Figura 6), Belo Horizonte. No entanto, estas soluções ainda estão sendo utilizadas apenas como bacias de detenção, para amortecimento de cheias de grandes sub-bacias urbanas e nem sempre elas são bem integradas com o espaço urbano e/ou com outros usos. Nenhum ou pouco trabalho tem sido feito no sentido de utilização de medidas de controle na fonte, utilização de medidas de infiltração ou coisas do gênero. A utilização indiscriminada de bacias de detenção no meio urbano pode gerar um efeito de coincidência de picos, quando nenhuma medida para controlar também os volumes escoados (medidas de infiltração) é tomada. Assim, novas soluções como controle na fonte e uso de dispositivos de infiltração devem ser pensados. Vários países têm desenvolvido, sistematicamente, dispositivos de infiltração e/ou amortecimento, seja na parcela ou em pequenos loteamentos, com resultados bastante promissores, tanto do ponto de vista técnico quanto urbanístico/paisagístico e de convivência com a população. Algumas destas soluções são apresentadas nas figuras que se seguem (figuras 7 a 10). Diferentes combinações ou arranjos podem ser feitos com a utilização de soluções compensatórias, respeitando-se os aspectos paisagísticos e urbanísticos, e de convívio da comunidade com o espaço destinado à drenagem das águas pluviais. Figura 4 – Inundações em algumas cidades brasileiras (a) – Ipanema (b) – Av. Polônia Figura 5 - Bacia de detenção em Porto Alegre-RS (a) – sem integração com o espaço urbano (b) com tentativa de integração com outros usos Figura 6 - Bacias de detenção em São Paulo (a) Karlsruhe – Alemanha (Chocat, 1997) (b) Colorado – EUA (Maksimovic, 2000) Figura 7 - Pavimento permeável em estacionamento (a) Bordeaux – França (Chocat,1997) (b) Colorado – EUA (Maksimovic, 2000) Figura 8 - Bacias de detenção Figura 9 - Dois tipos de valas de infiltração em bairro residencial: Bordeaux-França (Chocat,1997) (a) - Bacia de detenção (b) - trincheira de infiltração Figura 10 – Estruturas de (a) e (b) em área comercial: Lyon-França Uma medida muito simples e que pode dar uma contribuição razoável, é a desconexão da fonte de geração do escoamento superficial com a rede de drenagem pluvial, fazendo com que a água escoe por gramados ou superfícies relativamente rugosas e promovendo um amortecimento nos hidrogramas, bem como o aumento do tempo de concentração. No Brasil, algumas pesquisas têm sido desenvolvidas no sentido de aumentar o conhecimento sobre o funcionamento de dispositivos alternativos, tais como microreservatório de detenção no lote (Cruz, 1998 e Agra, 2001), pavimentos permeáveis (Araújo, 1999) e trincheiras de infiltração (Goldenfum e Souza, 2001) (Figura 11). No entanto, estas pesquisas devem ser ampliadas e a utilização destes dispositivos deve ser estimulada, de forma a promover uma drenagem pluvial eficiente, em todos os sentidos (eficiência hidráulica, ambiental, urbanística, convivência do usuário). (a) Microreservatório de detenção (b) Pavimento permeável (c) Trincheira de infiltração Figura 11 - Alguns dispositivos alternativos pesquisados no IPH-UFRGS CONCLUSÃO A utilização de medidas compensatórias de drenagem é hoje uma necessidade, em função dos limites apresentados pelas soluções clássicas (rápida condução das águas para fora do meio urbano) e do seu alto custo de implantação e manutenção. Na tentativa de criar sistemas mais duráveis e sustentáveis, as medidas compensatórias se apresentam como excelentes alternativas, mas para sua correta implementação faz-se necessária a participação de equipes multidisciplinares (comunidade, engenheiros, planejadores, urbanistas e todos os outros agentes deste sistema). O grande desafio é, portanto, o de resolver os problemas de inundações urbanas, mas criando, ao mesmo tempo, espaços integrados, bem adaptados, criando condições para o aumento da qualidade de vida da população. É fundamental que os indivíduos tomem consciência da presença da água no meio urbano, para que, a partir daí, passem a trabalhar também na concepção e gestão destes sistemas. No sentido de aumentar o conhecimento sobre o funcionamento destas novas soluções, faz-se necessário o investimento em novos trabalhos de pesquisas (de concepção, modelagem, experimentação). A adaptação de soluções já empregadas em países mais desenvolvidos e a criação de soluções totalmente integradas à realidade brasileira é fundamental. AGRADECIMENTOS Os projetos experimentais e dissertações de mestrado que despertaram para a importância da utilização destas estruturas contaram com o apoio e financiamento da CAPES, CNPq, PRONEX- FINEP, RECOPE/REHIDRO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGRA, Sidnei, SILVA Jr., Omar. 1999. Caracterização da problemática das cheias na bacia do Tabuleiro dos Martins – Maceió/AL. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS, 13., 1999, Belo Horizonte. Anais. Belo Horizonte: ABRH. 13p. cd-rom. ARAÚJO, P. R. 1999. Análise Experimental da Eficiência dos Pavimentos Permeáveis na Redução do Escoamento Superficial. Porto Alegre: UFRGS - Curso de pós-graduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental. Dissertação de Mestrado. 137p. BETTESS, Roger. 1996. Infiltration drainage - manual of good practice. 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