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1. A PESQUISA NORTE-AMERICANA
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Car/os A/bertó Araú/ô*
Os Estados Unidos abrigaram diferentes tradições de es
tudo da comunicação. No início do séG.~lo, pesquisadores
como Park, Burgess e Cooley, reunidos em tomo da Escola
de Chicago, procediam a estudos com uni enfoque microsso
ciológico de processos comunicativos, tendo a "cidade"
como local privilegiado de' observação. No me.smo período,
Charles Peirce "inaugura" a Semiótica, çampo de estudo
preocupado com os processos de formação de significados a
partir de uma perspectiva pragmática. Nos ànOs 30,.H. Blu
mer, um dos membros da Escola de Chicago, a partir das
idéias de G.H. Mead, inaugura o tenno "interacionismo sim
bólico", dando início a um outro campo de pesquisas na área,
com pressupostos teóriços próprios. Por fim, nos anos 40,
vários autores da Escola de PaIo Alto, procedentes de áreas
distintas como a Antropologia, a Lingüística, a Matemática,
a Sociologia e a Psiquiatria, inauguram uma outra tradição
de estudos em comunicação. Bateson, Goffman e Watzla
wick, entre outros, propõem uma compreensão da comuni
cação como processo social permanente, que deve ser estu
dado a partir de um modelo circular.
Todas essas correntes, no entanto, se desenvolveram de
forma marginal nos Estados Unidos, constituindo campos de
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• Professor da UFMG. 1« i~
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'Pe3";;:~\i?a re's'tdtos às 'áreas em que se originaram e com pouca arch. Apesar da enorme variedade de correntes que abriga,
'. ,in'11u6ncia nO resto do mundoft~ os anos 60. Todas essas tra ess~ grande campo de estudos pode ser dividido em três
dições de estudo só foram retomadas nesse período, quando grandes grupos.
então fizeram sentir sua in:O,ttência sobre o conjunto de estu:. o primeiro deles é a Teoria Matemática da Comunica
dos ~m comunicação em tedo o mundo. ção, também conhecida como Teoria da Informação. Elabo
Isso porque, entre os anos 20 e 60, os estudos norte-ame rada por dois engenheiros matemáticos, Shannon e Weaver,
ricanos/oram marcados.pela hegemonia de um campo de es em 1949, essa teoria é menos um conjunto acabado de con- ~
tudos denominado Mas"s Communication Research: Essa tra ceitos e pressupostos teóricos, mas sim uma sistematização ~"\~}\.
dição de estudos écomposta por abordagens e autores tão va do processo comunicativo a partir de uma perspectiva pura-C o(l,G
riados que vão desde a engenharia das comunicações, pas mente técnica, com ênfase nos aspectos quantitativos.
sando pela psicologia e sociologia, com pressupostos teóri Weaver l , descrevendo trabalho realizado por Claude Shan
cos e mesmo resultados distintos e, em muitos casos, quase ..
non, apresenta a seguinte representação de um sistema de coinconciliáveis. , ,.. ~.'....
municação:
"
'..
Contudo, o que permite dar unidade a esse conjunto de
Fonte de informação =:> Transmissor =:> Canal =:> Receptor =:> Destinoestudos são quatro características comuns. A primeira delas
é a orientação empiricista dos estudos, tendendo, na maiori.a sinal· ruído sinal
das vezes, para enfoques que privilegiam a dimensão quanti A comunicação é apresentada como um sistema no qual
tativa. A segunda é a orientação pragmática, mais política do
uma fonte de infonnação seleçiona uma mensagem desejada a que científica, que determinou a problemática de estudos. As partir de um conjunto de mensagens possíveis, codifica esta pesquisas em coniunicação desta tradição de estudos têm
mensagem transfonnando-a num sinal passível de ser enviada
origem em demandas instrumentais do Estado, das Forças por um canal ao receptor, que fará o trabalho do emissor ao inArmadas ou dos grandes monopólios da área de comunica
verso. Ou seja, a comunicação é entendida como um processoção de massa, e têm por objetivo compreender como funcio
de transmissão de uma mensagem por uma fonte de infonnanam os processos comunicativos com o objetivo de otimizar
ção, através de um canal, a um destinatário.seus resultados. A terceira característica é o objeto de estu
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dos: tratam-se de estudos voltados prioritariamente para a A problemática gira em tomo, de ,duas questões que se
comunicação mediática. Por fim, a quarta diz respeito ao colocam à comunicação: a da complexidade em oposição à
," modelo comunicativo que fundamenta todos os estudos simplificação; e a da acumulação do conhecimento em opo
conforme a discussão a seguir. sição à racionalização dessa acumulação.
Já nos anos 20, o Fundo Payne começou a financiar di Alguns conceitos correlatos são trabalhados por esta teo
versos estudos empíricos sobre os efeitos da comunicação de ria. A noção de infonnação (ligada à incerteza, à probabili
massa, inicialmente sobre a influência do cinema nas crian dade, ao grau de liberdade na escolha das mensagens), de en
ças. Contudo, é a obra de Lasswell, Propaganda Techniques
in the World War, publicada em 1927, que costuma seriden
tificada como o marco inicial da Mass Communication Rese- J. W, Wcavcr c C. Shannoll, "A Icori'l matemática da comunicação", in: G. Cohn (org.),
COilllmicaçlio e illdúslrÍlI Clt/lllm/, São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978.
121
120 \ ..-.
· . lP~~i,a (a .ji:(.1prc:-isfbilid.ad~, a desor~anização de uma m~n.sa campo de interesse de uma teoria dos meios de comunicação
"rem a tendência dos elementos fugIrem da ordem), o COdIgO d-e massa, mas sim a dinâmica do sistema social.
(que' orienta a escolha, atua:no' processo de produção da men A teoria sociológica de referência para estes estudos é o
sagem), o ruído (interfel:§ncia que~atu.a sobre ~ ~~nal.e.atra
estrutural-funcionalismo. O sistema social na sua globalida
palha a transmissão), e,.a redundancla (repetIçao utIhzad.a
de é entendido como um organismo cujas diferentes partes
para garantir o perfeito entendimento). Todos esses concei
desempenham funções de integração e de manute'l'!ção do
tos e os elementos do processo são encáixados em teoremas
sistema. A natureza organísmica da abordagem funcionalista
que litilizam matriz~s e logaritmos nUln estudo pur~ll1e?te
toma como estrutura o organismo do ser vivo, composto de
matemático e quantitativo. O objeto de estudó, pOIS, e a
partes, e no qual cada parte cumpre seu papel e gera o todo,
transmissão de mensagens através de canais mecânicos, e o
toma esse todo funcional ou não.
objetivo é medir a quantidade de informação passível de se
transmitir por um canal evitando-se as distorções possíveis Entre alguns modelos de funções, temos o de Wright, o
de Lasswell e o de Lazarsfeld-Me1'ton. Lasswele apresentade ocorrer neste processo. .
as seguintes funções: de vigilância (informativa, função de
A comunicação é vista, aqui, não como processo, mas
alanne); de cOITelação das partes da socieqade (integração);
como sistema, com elementos que podem ser relacion~dos e e de transmissão da herança cultural (educativa). Wright
montados num modelo. A proposta é de um modelo lmear, apresenta uma estrutura conceitual que prevê funções e dis
em que os elementos são encadeados e não podem se dispor funções dos meios, sendo que essas funções podem ser laten
de outra forma - há um enrijecimento da apreensão do fenô tes ou manifestas; às funções apresentadas por LassweI.l,
meno comunicativo com sua cristalização numa forma fixa. acrescenta a função recreativa. Já Lazarsfeld e Merton3 apre
A Teoria Matemática, como se pode ver, não está preo sentam outras funções: a atribuição de status (estabilizar e
cupada com a inserção social da comunicação. Sua influên dar coesão à hierarquia da sociedade); a execução de normas
cia sobre a pesquisa em comunicação está na definição de sociais (nonnatização); e o efeito narcotizante (que seria, de
um modelo de fenômeno comunicativo, modelo esse que ser acordo com os aut<?res, uma disfunção).
virá de "suporte" para todas as pesquisas que compõem a Uma das principais contribuições da Corrente Funciona
Mass Communication Research. lista para a consolidação da Mass Communication Research
O segundo grande grupo é a Corrente Funcionalista. Ori foi, assim como fez a Teoria Matemática, a ..tentativa de for
ginada a partir dos estudos de Lasswell, es~a corrente tem malização do processo comunicativo, a partir da "ques
sua motivação de pesquisa nas funções exercIdas pe~a COl~u tão-programa" de Lasswell, elaborada nos anos 30 e propos
nicação de massa na sociedade. A Con'en:e ~~nclOnahsta ta em 1948. Trata-se de um modelo que problematiza - e so
aborda hipóteses sobre as relações entre os mdrvlduos, ~ so luciona - a questão apontando que "uma maneira convenien
ciedade e os meios de comunicação de massa. A partIr de te para descrever um ato de comunicação consiste em res
uma linha sociopolítica, tem como centro de preocupações o
equilíbrio da sociedade, na perspectiva do funcionam~nt~ d~ 2. H. Lasswcll, "A cstrutura c a função da comunicação na sociedade", in: G. Cohn (org.),
sistema social no seu conjunto e seus componentes. Ja nao e COI/lllllicaçcio e indústria cullltrol, São Paulo: Nacíonal, 1978.
a dinâmica interna dos processos comunicativos que define o 3. P. Lazarsfcld e R. Mcrton, "Comunicação de massa, gosto popular c ação social organi.
zada", in: G. Cohn (org.), Comunicação e il/dústria culfl/ral, São Paulo: Naciopal, 1978.
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122 \
.lOliÜ) filU<;jiO ","ui" ..
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, '. p~ndei à~, ~eguipte~ perg.untas: QueT? Diz o quê? Em que
çàm,i? Paúl quem? C0l11 qúe.efeito?" Es~e modelo teve uma
graildc influência em tocla~a pesquis'ít americana, servindo
de paradigma para as distj;'itas tendências de pesquisa e per
manecendo durante muitQs anos como uma verdadeira "teo
ria' da comunicação". Além disso; a "questão-programa"
formalizou a estrutura do fenômeno' comunicativo, tornan
do-a 'rígida e, a partir da decomposição dos elementos,
abriu caminho para que os estudos científicos do processo
comunicativo pudessem concentrar-se em uma ou outra
dessas interrogações. Qualquer uma dessas variáveis defi
ne e organiza um setor específico de pesquisa - entre os
quais se destacaram as análises de conteúdo e, principal
mente, os estudos sobre os efeitos.
A fórmula de Lasswell possui uma estreita ligação com o
outro modelo comunicativo dominante na Mass Communi
cation Research, o da Teoria da Informação. Os dois mode
los se caracterizam pela unidirecionalidade, pela pré-defini
ção de papéis, pelo congelamento e simplificação do proces
so. Se, no caso da Teoria da Informação, a preocupação inci
de sobre a eficácia do canal- cálculo da quantidade de infor
mação, entropia, ruído -, na "questão-programa" de Lass
well o centro do problema está nos efeitos provocados pelas
mensagens (ou pelos meios de comunicação), e a ênfase so
bre a técnica é menor.
Por fim, o terceiro e principal grupo que compõe a Mass
Communication Research é a corrente voltada para o estudo
dos efeitos da comunicação. É um setor de pesquisa que se
originou na década de 20, composto por diversos estudos
pontuais e que guardam certas características comuns. A maior
parte destes estudos, sobre audiências, efeitos de campanhas
políticas e propaganda, eram encomendados e financiados
por entidades diretamente interessadas na otimização destes
4. H. Lasswell. "A estrutura c a função da comunicação na sociedade", in: G. Cohn (org.).
COlllllllicl/ç'(io 11 íl/lhíslría cultllral. São Paulo: Cia. Editora Nacional. 1978.
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efeitos. Diferentemente da abordagem funcionalista, aqui o
eixo·das preocupações é o indivíduo.
As pesquisas que se desenvolvem nesta época e nas duas
décadas seguintes têm em comum um mesmo modelo teórico
. ' denommado por vários autores "Teoria Hipodém1ica" (Wolf,
1986; Mattelart, 1999), numa referência ao tem10 ':.aguU1a hi
podénnica", criado por Lasswell para explicara natureza da
ação dos meios de comunicação junto aos indivíduos. Outros·
autores (De Fleur e Ball-Rokeach, 1993) vão apontar para a G{ 0 (;:,
utiliZação de outras denominações, tais como "Teoria da Bala
Mágica" ou "Teoria da Correia de Transmissão". Em qual
quer dos casos, contudo, é importante;iestacar que
A evolução teórica nos primeiros anos, pois foi descoor
denada e mesmo caótica. Ela não acompanhou o modelo·
ordeiro e preciso de uma ciência em desenvolvimento,
onde investigadores subseqüentes sistematicamente tes-'
tam as deixas dos que os precederam. Assim, diversas
teorias citadas aqui - "bala mágica", "infh.iência seleti
va" ( ... ) - são, em muitos casos, criações retrospectivas.
Pelo menos alguns destes nomes não são encontrados na
bibliografia do período inicial por não existirem então.
Foram reunidos, sintetizados e rotulados post hoc (..l.
Feita a ressalva, cabe identificar, a seguir, as principais
características da Teoria Hipodénnica. São estudos ancora
dos nas teorias da sociedade de massa (Le Bon e Ortega y
Gasset), que viam a sociedade industrial do século XX como
uma multidão onde os indivíduos estão isolados fisica e psi
cologicamente (não existem relações interpessoais, ou elas
não são importantes no processo), e nas teorias behavioristas
(Watson) que entendiam a ação humana como resposta a um
estímulo extem06• . .
5. M. De Fleur c S. [Jall·Rokcach, Teorias da cOlllllliicação de massa. Rio de Janeiro: Za
har. 1993, p. 187.
6. Para uma discussão lobre a formação c a superação da Teoria Hipodérmica, ver: M.
Wolf, Tcvrias da cO/lIl/llicaç(io, Lisboa, Hdilorial Presença, 1986 e. também, Armand Mat
Idar! c Michóle Mnttclart.llislóría das /(!orias da cOllumicaçüo. São Paulo: Loyola, 1999.
. .
125\
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: 1972'p'01 !\l'.;,~:oll1bse·Sháw no artigo "The Agenda-Setting
:f'uncucrâ ofMá'ss Media". Nas décildas de 70 e 80, diversos
autores como Cook, T~ier, Goetz, Gordon e outros vão reali
zar pesquisas e aperf\,':içoar os pressupostos da função de
agendamento dos m(Ios de comunicação.
Ao longo de mais de 60 anos, portanto, a Corrente Ame
ricana dos Estudos sobre os Efeitos conheceu uma grande
e-volução em termos do aparato teórico a ser qtilizado nos es
tudos. De um modelo de máxima simplicidade, que previa
um processo linear partindo dos meios, onipotentes, a recep
tores passivos e isolados, determinando efeitos diretos, che
gou-se a modelos que passaram a considerar a influência de
diversos outros fatores: as características psicológicas dos
receptores, as formas de organização das mensagens, a rede
de relações interpessoais em que os indivíduos se inserem,
elementos extramedia que atuam de forma concomitante nos
meios de comunicação, os usos que as pessoas fazem destes
meios, e a natureza da ação dos meios na sociedade.
A evolução da pesquisa norte-americana é marcada, por
tanto, pela consolidação de uma grande perspectiva teórica,
fonnalizada pela Teoria Matemática e pela "questão-progra
ma" de Lasswell, e que se desenvolve em estudos mais ope
racionais (voltados para os elementos internos do processo
comunicativo e sua otimização quantitativa), estudos preo
cupados com as funções da comuni.cação (de orientação éti
ca, voltados para a compreensão do todo social a partir de um
modelo organísmico de inspiração biológica) e, sobretudo,
preocupados com a questão dos efeitos, que têm origem no
modelo hipodérn1ico e alcançam sua superação. É a partir"
principalmente de correntes de estudo exteriores à Mass
Communication Research que os estudos norte-americanos,
vão desconstruir o paradigma hipodénnico, reabilitando cor~ "
rentes de estudo com pressupostos diversos (tais como a
Escola de Chicago e a Escola de PaIo Alto) e inaugurando'
novas frentes de estudo (como as formulações
do agenda
setting e dos usos e gratificações).
130
" .
2. A ESCOLA DE FRANKFURT
Francisco ~üdiget
Chama-se de Escola de Frankfurt ao coletivo de pen~
.d~res e cientistas sociais alemães :t'bnnado, sobretudo, por
TI!~odor Adorno, Max Horkheimer,l Eriçh Fromm e Herbert
!0-J!IÇ)Js.e. Devemos aos d_()is primeiros~a criação de um con-=
ceito que se tomou central p~lfa os estudos culturais e as aná:
lises de m,ídia: o conceito de indústria,cultural~Walter Ben
jamin e Siegfried Kracauer, embora situando-se na periferia
daquele grupo, não são menos importantes, podendo ser con
tados, junto com os demais, entre os criadores da pesquisa
crítica em comunicação.' .
Considerado atualmente como herdeiro espiritual dos
fundadores e principal expoente da chamada segunda gera
ção da Escola, .:!.ürgen Habemias também é autor que deve
~erJ~.m.bx:iliio neste contexto não só ~studo, hoje ê'fáS
sico, sQJJre..a esf~~blica como por sua am5ícÍosa tentativa
de criar uma teoria gerãIãiiçãõ-comullicativa. -m
• h_ Delmmos de lado, no que segue, essa seg~nda fase de ...
sua trajetória de investigação. Referindo-nos aos pioneiros
. . '
o pnmeIro ponto que devemos levar em conta, para bem en
tendê-los, é que nenhum deles pertenceu, de maneira autóc
, ton~, ao campo da co~un~cação ..Igdo~l~
.r~Jngependentes, c.llJQs .mteresses se ~1endiaIn-por diver
---=-----_.-...:-- -
• Professor da PUCRS.
131
.. '.
. Da ariic.ülaç.ào· .de~tas duas visões nasce o modelo comu
'7.' nicati:"o da Teoria Hipgdém1.ica: a de um processo iniciado
nos meios de comunioàçao, que atingem os indivíduos pro
vocando determinad,.QS efeitos. Os meios são vistos como
. onipotentes, causa única e suficiente dos efeitos verifica
dos. Os indivíduos são vistos como seres indiferenciados e
totalmente passivos, expostos ao estímulo vindo dos meios.
O máximo que as primeiros estudos distinguiram, em ter
mos de diferenciações entre o público, foi dividi-lo de acor
do com grandes categorias como idade, sexo e classe socio
econômica. Por fim, os efeitos eram entendidos como sen
do diretos, isto é, se dão sem a interferência de outros fato
res. Daí a concepção de que os meios agiam sobre a socie
dade à maneira de uma "agulha hipodérmica". Os estudos
mais numerosos desta época são aqueles que procuraram re
lacionar a quantidade de mensagens de violência nos meios a
atitudes violentas por parte do público, principalmente o pú··
blico infanto-juvenil.
A partir da década de 40, os estudos subseqüentes no âm- .
bito da Escola Americana dos Efeitos vão representar diretri
zes distintas, em muitos aspectos interligadas ou sobrepostas..
Todas elas, contudo, de diversas fonnas e em variados setores,
vão trazer contribuições para aperfeiçoar o modelo comunica
tivo da Teoria Hipodérmica, apontando para uma realidade
que é cada vez mais percebida em sua complexidade.
Um primeiro campo de estudos a promover essa supera
ção do modelo hipodénnico são as investigações empíri
co-experimentais conhecidas como "abordagem da persua
são". Ao se debruçarem sobre os fenômenos psicológicos in
dividuais que constituem a relação comunicativa, os estudio
sos desta corrente perceberam que, entre a ação dos meios e
os efeitos, atuava uma série de processos psicológicos, tais ..
como o interesse em obter determi,nada informação, a prefe
rência por detenninado tipo de meio, a predisposição a deter
minados assuntos, as diferentes capacidades de memoriza
ção. Carl Hovland é o principal representante deste ramo de
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cY.fo (p ,.1 . . , "
estud'os, com pesquisas sobre a eficácia da propaganda junt~
a soldados americanos. coP'l' P\.O'f
"'""Glt-\fl.\.Embora o modelo teórico seja muito semelhante ao da
Teoria Hipodénnica (a mesma concepção de causa-efeito, a
mesma negligência em relação às relações interpessoais), aqui
já se tem o desenho de um quadro analítico um.. pom~o mais
complexo, na medida em que percebe que os efeitos não são
diretos, a resposta ao estímulo se defronta com fatores psico
lógicos, quebrando a idéia de linearidade do processo.
Ainda dentro dessa corrente, um segundo campo de estu
dos procurou estabelecer fatores para garantir uma organiza
ção ótima das mensagens, de fonna..a atender às finalidades
persuasivas. Percebeu-se que detenninados fatores da orga
nização das mensagens (comQ. a credibilidade do comunica
dor, a ordem,da argumentação; a integralidade das argumen
tações e a explicitação de conclusões) interferem na~ficácia
do processo e, portanto, na natureza dos efeitos obtidos.
A segunda corrente de estudqs é denominada Teoria dos
Efeitos Limitados. Trata-se de um ramo"de estudos que abri
ga abordagens distintas, tanto psicológicas como sociológi
cas. No primeiro ramo, o principal representante é Kurt Le
win, interessado nas relações. dos indivíduos dentro de gru
pos e seus processos de decisão, nos efeitos das pressões,
nom1as e atribuiçõe's do grupo no comportamento e atitudes
de seus membros. Um de seus discípulos, Leon Festinger,
desenvolveu, em 1957, a Teoria da Dissonância Cognitiva,
um conjunto de pressupostos acerca da natureza do compor
tamento humano e suas motivações em relação ao mundo
que é experienciado por cada indivíduo.
Outros estudos dessa corrente, de natureza mais socioló
gica, foram desenvolvidos sobretudo por Paul Lazarsfeld.
Pesquisador de enonne influência nos Estados Unidos, La
zarsfeld iniciou seus estudos preocupado com reações ime
diatas da audiência dos conteúdos da comunicação de massa.
Com o passar "aos anos, desenvolveu estudos de abordagem
empírica de campo, procurando estudar os fatores de ~edia-
127
--
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, .,' '. 'l.
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r'"'" exisientés '~Iltre 'OS' 'Íi1di - ''lOS e Os meios de comunica-
ç~o de mass~. F~raÍn realizado,s div~rsos estudos sobre a
composição diferenciada:âo'S públicos e dos seus modelos de
consumo da comunicaçã.o de massa. Dois deles são de.cisi
. vos para a evolução da{eorização norte-americana: The Peo
ple's Choice, de 1944, e Personal Influence: The Part Pla
yed by People in the Flow oJMass Communication, de 1955.
Os resultados levaram àdescoberta do "líder de opinião", in
dividuo que, no meÍo da malha social, influencia outros indi
víduos na tomada de decisão. Criou-se então o modelo do
"two-step flow ofcommunication", que entende a comuni
cação como um processo que se dá num fluxo em dois níveis:
dos meios aos líderes e dos líderes às demais pessoas.
Trata-se da inclusão, nos estudos sobre a comunicação
de massa, dos contextos sociais em que vivem os indivíduos.
É o primeiro momento em que se percebe a influência das re
lações interpessoais na configuração dos "efeitos" da comu
nicação. Da idéia de efeitos diretos chega-se enfim à idéia de
um processo indireto de influência.
Uma variação desta corrente é o "enfoque fenomênico" .
desenvolvido por Klapper, aluno de Lazarsfeld. Trata-se de
um modelo teórico que prevê que os meios de comunicação
não são causa única dos efeitos, mas, antes, acham-se envol
vidos no meio de muitos outros fatores. Esta constatação obri
ga que se incorpore cada vez mais fatores extramedia nos es
tudos. Sobretudo, exige-se a incorporação da vivência das
pessoas, da rede de relações interpessoais em que cada indi
víduo se acha envolvido.
Até os anos 60, as grandes evoluções por que passa a in
vestigação sobre os Efeitos, nos Estados Unidos, devem-se
ainda principalmente aos resultados contraditórios e com
plexos encontrados nas pesquisas empíricas, que levavam
constantemente a reformulações dos quadros teóricos utili
zados pelos pesquisadores da época. A partir dos anos 60,
essa grande corrente de estudos vai dialogar de forma mais
consistente com diversas outras correntes de estudo,
tanto
128
'I'
norte-arnericJnas (aquelas antes relegadas à marginalidãde,
coma. o Interacionismo Simbólico, a Semiótica e a Escola de
PaIo Alto, e outras áreas de pesquisa como a Sociologia do
Conhecimento) como européias (a Corrente Culturológica
francesa, a Semiologia, os Cultural Studies de Birmingham).
Desse diálogo resultam novas abordagens da problemática
dos efeitos, que apontam para um quadro explicatiyo já.~as
tante diferente do primeiro modelo a orientar os estudos da
década de 30.
Uma destas abordagens é a Corrente dos "Usos e Gratifi
cações", trabalhada sobretudo por Katz, também discípulo
de Lazarsfeld, nos anos 70, e outros COmo Blumler e Elliott.
Aqui, o eixo das preocupações se desleca da pergunta "o que
os meios fazem com as pessoas" para pensar no uso que as
pessoas fazem dos meios. Surge a idéia de uma "leitura ne
gociada", isto é, abre-se a investigação para a atividade de
apropriação promovida pelos receptore3 das mensagens me
diáticas. O receptor passa a ser visto como sujeito agelite, ca
paz de praticar processos de interpretação e satisfação de ne
cessidades. Essa corrente de estudos vai aperfeiçoar 'seus mé
todos até 1990, ano em que Katz realiza uma grande pesqui
sa em parceria com Tamar Liebes e uma equipe da Universi
dade de Jerusalém: The Export oJMeaning.
Outra abordagem t a hipótese do agenda setting, também
conhecida como Teoria dos Efeitos a Longo Prazo. Trata-se
de uma construção teórica que pensa a ação dos meios não
como formadores de opinião, causadQres 'de efeitos diretos,
mas como alteradores da estrutura cognitivà.d3s"pessoas. É o
modo de cada indivíduo conhecer o mundo que é modificado
a partir da ação dos meios de comunicação de massa - ação
esta que passa a ser compreendida como um "agendamento",
isto é, a colocação de temas e assuntos na sociedade. Ao mes
mo tempo, essa corrente substitui a idéia de efeitos imediatos
por efeitos que se espalham num período maior de tempo.
Esse campo-de pesquisa teve origem em 1952, a partir de
um trabalho de Kurt e Gladys Lang, sendo formulada em
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