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TDP4_Bem Jurídico e Bem Jurídico-Penal

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Enviado por Brenda Caramês em

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BEM JURÍDICO E BEM JURÍDICO-PENAL�
01. Introdução:
Bem é tudo aquilo que tem valor para o ser humano; tudo aquilo que venha a satisfazer uma necessidade humana (conceito utilitário). Trata-se daquilo que é valorado pelos indivíduos enquanto pessoas, antes mesmo de ser considerada sua condição de elemento do convívio social. Seria o bem existencial.
Por sua vez, utilidade é a idoneidade de uma coisa a satisfazer uma necessidade humana (idoneidade, nesse caso, é a garantia de que a coisa é um bem). Portanto, utilidade é um atributo inseparável do bem.
O juízo de utilidade de um objeto, emitido por um sujeito que sente a necessidade a ser satisfeita, é o interesse. É a valoração que um sujeito faz da utilidade de um objeto, a fim de satisfazer uma sua necessidade.
O conceito de interesse é de natureza subjetiva, enquanto que o de bem é de natureza objetiva e sociológica. Interesse nada mais é que o reflexo subjetivo do bem e, freqüentemente, se apresenta no evolver das relações sociais�.
O bem (existencial) pode ser: a) material (por ex., vida, matrimônio, parentesco, propriedade etc.) ou; b) imaterial (por ex., honra, tranqüilidade do lar, dever de fidelidade do funcionário público).
Obs: Claro está que, tendo em vista que a idéia de bem adere à idéia de interesse e esse se manifesta, especialmente, nas relações sociais, essa idéia [de bem] encerra em si uma noção de valor. Note, contudo, o aluno que, na classificação acima, o bem considerado material relaciona-se mais diretamente com o mundo fenomênico, ainda que de difícil definição (p. ex., vida); por sua vez, o bem considerado imaterial relaciona-se mais diretamente com valores (p. ex., honra).
02. Bem jurídico e bem jurídico-penal:
O bem adquire significação jurídica no ato de sua positivação, sua integração na norma jurídica de determinado lugar, em um determinado tempo.
Ensina Luiz Regis Prado que “os bens jurídicos têm como fundamento valores culturais [sem grifo, no original] que se baseiam em necessidades individuais [sem grifo, no original]. Essas se convertem em valores culturais quando são socialmente dominantes. E os valores culturais transformam-se em bens jurídicos quando a confiança em sua existência surge necessitada de proteção jurídica”.
O bem jurídico é o interesse juridicamente protegido.
O interesse é o substrato empírico do bem jurídico�. É a vida, e não o direito que produz o interesse, mas só a proteção jurídica converte o interesse em bem jurídico, ou seja, o interesse é uma relação social valorada positivamente pelo legislador�.
A proteção do bem jurídico dada pela norma penal converte-o em bem jurídico-penal, ou seja, bem jurídico-penal é o bem penalmente protegido. Para L.F. Gomes, a norma penal somente tutela o bem no contexto de uma relação conflitiva�.
Para Welzel, bem jurídico é um “bem vital da comunidade ou do indivíduo, que por sua significação social é protegido juridicamente”.
Portanto, bem jurídico representa objetos subjetivos� de grande importância para a sociedade, coletiva e individualmente, tutelados pelo ordenamento jurídico em determinado tempo e local. O direito deve ser compreendido em seu contexto histórico, cultural, social e econômico�.
A necessidade da tutela do bem jurídico faz nascer um ramo do direito inteiramente voltado à sua proteção – o Direito Penal. Dentre as finalidades do Direito Penal encontra-se a de tutelar os bens jurídicos primordiais da sociedade, em termos de garantir-lhe a sobrevivência, a conservação e seu desenvolvimento.
Além de sua característica jusnaturalista, que os coloca como entes intrínsecos à condição humana, os bens jurídicos necessitam de classificação positiva para poderem ser penalmente tutelados; positivação essa que, conquanto idealmente seja constitucionalmente estabelecida, não é logicamente necessária para sua existência. Por outro lado, especialmente no Estado Democrático de Direito, essa tutela estabelecida pela norma, conquanto positiva, não pode voltar-se contra os princípios e regras constitucionais, sob pena de serem invalidados.
03. História:
Ao longo da história do Direito Penal, o conceito de bem jurídico vai de uma concepção subjetivista, passando por uma concepção materialista (no plano da realidade), por uma concepção formal, por concepções metodológicas até diferentes concepções sistêmicas e funcionalistas-sistêmicas contemporâneas, dentre elas a concepção constitucional.
Obs: Ao longo da história houve momentos em que rejeitaram-se ou ficou-se indiferente para qualquer concepção de bem jurídico.
Antes da Revolução Francesa, o Direito Penal preocupava-se com a tutela de direitos subjetivos, visão não contestada pelos ideais iluministas que, no entanto, defendiam um ordenamento jurídico simples e claro, onde as penas fossem estritas e necessárias.
Os iluministas não fizeram uso dessa expressão – bem jurídico – mas sua concepção de crime (“uma ação contrária ao direito do outro, cominada em uma lei penal”), deixa claro que o Direito Penal, para eles, estruturava-se na idéia de lesão aos direitos subjetivos�. Para os iluministas, os fundamentos da punição estatal estavam na danosidade social e na violação de direitos subjetivos�.
A partir da Revolução Francesa de 1789, desde o momento em que a burguesia revolucionária “logrou uma certa autonomia e hegemonia (política, econômica e social)”�, tornando-se politicamente conservadora, desenvolveu-se uma concepção materialista (ôntica) do Direito Penal, com este voltando-se a tutelar bens jurídicos essencialmente materiais�.
Em meados do século XIX surgem novas doutrinas, fundamentadas em uma visão positivista-legalista (Binding) com uma concepção formal de bem jurídico, na qual o bem jurídico é compreendido como bem ou interesse protegido pelo Direito Penal através de criações do legislador, sendo o delito a lesão do direito de mandar do Estado (lesão ao ordenamento jurídico). Nessa concepção formal, o legislador cria o delito, sem consultar a parcela menos privilegiada da sociedade, ou seja, a maioria da população.
Para Von Liszt, com uma concepção materialista (axiológica; visão mais avançada que a anterior) acerca de bem jurídico no âmbito penal, esse era o interesse vital juridicamente protegido. De acordo com essa visão, tais interesses independem da ordem jurídica, pois são criados e estabelecidos pela vida em sociedade, cabendo ao direito reconhecê-los e protegê-los (conceituação liberal de bem jurídico).
A partir do início do Século XX, com o surgimento da Constituição de Weimar, aparecem concepções metodológicas acerca do conceito de bem jurídico, qualificando-o como um valor abstrato de cunho ético-social, tutelado pela norma penal como um valor social juridicamente protegido.� Nessa concepção metodológica, o bem jurídico ganha um papel voltado para uma função interpretativa.
Após a Segunda Grande Guerra, reformula-se a legislação penal e resgata-se a concepção material delimitadora do poder punitivo do Estado, fundamentada nas finalidades da pena e, também, nas concepções funcionais ou sistêmicas sobre o bem jurídico.�
Desenvolve-se a doutrina da danosidade social. Baseada na visão sistêmica, a sociedade é concebida como um sistema global de interações, sendo o direito um de seus subsistemas (cujo papel fundamental é preservar a existência desse sistema como um todo)�, e o Direito Penal o instrumento mais importante no subsistema jurídico, pois através da pena assegura a conservação do sistema contra fatos de alta nocividade social. Os bens jurídicos são as funções necessárias para a conservação do sistema social.
Hans Welzel, o pai da teoria finalista do delito, concebeu uma importante concepção sistêmica estabelecendo para o bem jurídico um conceito pré-jurídico existente na realidade social, influenciando e sendo influenciado por essa realidade. Torna-se o bem vital do indivíduo ou da comunidade e, por sua importância na manutenção do sistema
social, é protegido juridicamente.
Atualmente, prevalece a teoria constitucional do bem jurídico, que defende que o legislador deve buscar na Constituição os bens aptos a receber a proteção penal. De um lado, preconiza a Constituição os princípios informadores para a definição e delimitação dos bens jurídicos (especialmente quando se tratam de bens jurídicos novos, surgidos posteriormente à promulgação da Carta Magna)�; por outro lado, possibilita ao legislador, localizar, especifica e explicitamente, bens jurídicos na Constituição.
04. Funções do bem jurídico-penal:
4.1. Fundamentar o crime�: 
Crime, em um sentido garantista, é concebido como lesão ou perigo concreto de lesão a um bem jurídico, portanto, o bem jurídico fundamenta o crime. Não pode haver crime sem ofensa ao bem jurídico.
 
4.2. Garantir ou limitar o direito de punir do Estado:
Constrói-se o bem jurídico como conceito limite na dimensão material (axiológica) da norma penal. O princípio estabelecido pelo aforisma nullum crimen sine iniuria prescreve o compromisso exigido do legislador, sobretudo no Estado Democrático de Direito, em não tipificar senão aquelas condutas graves que ofendam bens jurídicos fundamentais para a sociedade, isto é, condutas que lesionem ou coloquem em perigo bens jurídicos essenciais à sociedade. Trata-se de uma função de caráter político-criminal que visa: a) limitar a atividade precípua do legislador no momento de produzir normas penais; b) limitar a atividade do julgador no momento de reconhecer a materialidade e a autoria do delito, bem como de fixar a pena em face daquele reconhecimento; c) limitar a própria execução da pena.
4.3. Função teleológica ou interpretativa:
Como um critério de interpretação da norma penal definidora de tipos penais, constitui o bem jurídico o conceito central do tipo, em torno do qual giram os elementos objetivos e subjetivos, condicionando, assim, o sentido e alcance da norma à finalidade de proteção de determinado bem jurídico.
4.4. Função individualizadora:
Como critério de medição da pena, no momento de sua fixação, levando-se em conta a importância do bem jurídico na vida social, bem como a gravidade de sua ofensa pela conduta prevista em abstrato na norma.
4.5. Função processual:
O bem jurídico pode ser utilizado para definir a competência�.
4.6. Função sistemática:
Como elemento classificatório decisivo na formação dos grupos de tipos da parte especial do Código Penal, ou de leis especiais.
05. A relação entre bem jurídico e direito penal: 
Sem a presença de um bem jurídico de proteção prevista no preceito punitivo, o próprio Direito Penal, além de resultar materialmente injusto e ético-socialmente intolerável, careceria de sentido como ordem de direito.
Nesse sentido, o legislador tem que se manter atento em proteger, através de normas penais, unicamente os valores mais elevados da sociedade. De qualquer modo, nada impede o julgador de, na medida em que busca assegurar a integridade dos direitos e garantias fundamentais, constitucionalmente positivados, estabelecer o necessário controle da atividade legislativa, tendo o bem jurídico como parâmetro axiológico de ordem político-criminal.
06. Classificação dos Bens jurídicos:
6.1. Conforme estabelecido no Código Penal: ver Parte Especial do CP (a pessoa humana [a vida, a integridade corporal e a saúde, a intimidade, a honra, a liberdade], o patrimônio etc.).
6.2. Conforme o interesse e o caráter do conflito:
a) Bens jurídicos penais de natureza individual:
Referentes a determinados indivíduos, de cujos bens têm disponibilidade�, sem afetar os demais indivíduos. São, portanto, bens jurídicos divisíveis em relação ao titular. Citamos, como exemplo, a vida, a integridade física, a propriedade, a honra etc.
b) Bens jurídicos penais de natureza coletiva:
Que se referem à coletividade, de forma que os indivíduos não têm disponibilidade sem afetar os demais titulares do bem jurídico. São, dessa forma, indivisíveis em relação aos titulares. No Direito Penal, os bens de natureza coletiva estão compreendidos dentro do interesse público. Podemos exemplificar com a tutela da incolumidade pública, da paz pública, da saúde pública, da organização política.
c) Bens jurídicos penais de natureza difusa:
Também se referem à sociedade como um todo, de forma que os indivíduos não têm disponibilidade sem afetar a coletividade e são, igualmente, indivisíveis em relação aos titulares. Contudo, os bens de natureza difusa trazem uma conflituosidade social que contrapõe diversos grupos dentro da sociedade, como na proteção ao meio ambiente, em que os interesses econômico-industriais e o interesse na preservação ambiental se contrapõem, ou na proteção das relações de consumo (contrapostos os fornecedores e os consumidores), na proteção da saúde pública (no que se refere à produção alimentícia e de remédios), na segurança do tráfego, na proteção da economia popular, da infância e juventude, dos idosos etc.
Tanto os coletivos quanto os difusos são bens jurídicos metaindividuais ou transindividuais ou supra-individuais.�
Somente em face do caso concreto, da conduta praticada, poderemos afirmar quais dos bens jurídicos penais foram atingidos. Da mesma forma, existem condutas criminosas ofensivas a mais de um bem jurídico penal, o que só pode ser objeto de verificação diante do fato concreto.
 Os bens jurídicos penais difusos são distintos dos interesses coletivos, no sentido utilizado no Direito Penal. Quando a doutrina penal cita bens jurídicos coletivos, está fazendo referência ao interesse público, ou seja, àqueles bens que decorrem de um consenso coletivo, em que há unanimidade social de proteção e forma de proteção. Os conflitos que podem gerar, portanto, ocorrem entre o indivíduo que pratica o crime e a autoridade do Estado efetuando a punição. Em relação aos bens jurídicos difusos, a conflituosidade de massa está presente em suas manifestações, contrastando interesses entre grupos sociais na sua realização. Dessa forma, o Estado realiza muitas vezes uma intermediação, ou melhor, estabelece uma diretriz para as condutas socialmente consideradas, ao tipificar tais condutas como crime, ou não tipificá-las, deixando outros ramos do Direito realizarem a solução.
� O presente texto tem como única finalidade orientar o aluno nos seus estudos que devem ser realizados nos livros que são normalmente publicados, indicados ou não na bibliografia do Conteúdo Programático da disciplina. Como o professor não tem revisor para os seus textos, eles não serão aceitos como matéria de prova nos pedidos de revisão de notas nas avaliações que serão realizadas ao longo do semestre.
� Nesse sentido, L.F. Gomes, in GOMES , Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de e BIANCHINI, Alice. Direito Penal. Vol.1: Introdução e Princípios Fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 432, ensina que “o objeto de proteção [.] é uma relação social, que tem como protagonista a pessoa humana”.
� Ibidem, p. 382.
� Ibidem.
� GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de e BIANCHINI, Alice. Obra citada, p. 383.
� Em razão da subjetividade dos interesses.
� SILVA, Ângelo Roberto da. Dos Crimes de Perigo Abstrato em Face da Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 29.
� GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de e BIANCHINI, Alice. Obra citada, p. 409.
� Ibidem, p. 411.
� GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de e BIANCHINI, Alice. Obra citada, p. 411.
� Ibidem, p. 411: Birnbaum, em 1834, afirmava que para tratar o delito como lesão era necessário relacionar esse conceito não com um direito, mas com um bem.
� Ibidem, p. 413: Antes disso, ocorreu de a Escola Positiva mudar a concepção de delito, como sintoma de periculosidade individual e não como violação, seja a um direito subjetivo ou a um bem jurídico da vida. Nessa época, o conceito de bem jurídico foi frontalmente
atacado ou menosprezado.
� Antes dessa época, na primeira metade do século XX, seja por conta do positivismo acrítico (legalista), ou do relativismo neokantiano, o bem jurídico havia perdido a capacidade de limitar o ius puniendi. 
� Além do subsistema jurídico – formal – temos subsistemas informais (família, escola, igreja etc.), igualmente utilizados como instrumentos de controle social.
� O bem jurídico penal não precisa estar previsto no texto constitucional, mas seu reconhecimento não pode conflitar com os princípios e regras da Carta Magna.
� GOMES , Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de e BIANCHINI, Alice. obra citada, p. 386. Note o estudante que LFGomes fala em injusto, mas crime não é injusto.
� Ibidem, p. 388.
� Ainda que nem sempre se trate de disponibilidade jurídica, axiológica, mas, meramente, naturalística, fenomenológica. Por ex., o sujeito pode dispor, ônticamente, de sua vida ao deixar-se matar, ou matar-se, mas não pode fazê-lo, sob a ótica jurídica, uma vez que esse bem é de tal modo essencial para a ordem jurídica (bem personalíssimo), que sua disponibilidade afetaria a própria sobrevivência da sociedade, do que resulta o entendimento de crime para a Eutanásia.
� GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de e BIANCHINI, Alice. Obra citada, p. 395. L.F. Gomes divide os bens supra-individuais em: a) bens públicos ou gerais (os bens coletivos); b) bens institucionais: pertencentes ao Estado ou órgãos ou entidades públicas ou à sociedade em seu conjunto (interesses da administração de justiça, segurança do Estado etc.).
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