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Ideias 76 www.cartacapital.com.br Ideias E m um consultório no terceiro andar do pré- dio do Hospital do Cora- ção (HCor), em São Pau- lo, o cardiologista Daniel Magnoni recebe a repor- tagem de CartaCapital para apresentar um panorama preocu- pante da obesidade no Brasil. Uma pes- quisa (quadro à pág. 78) conduzida pelo médico, com base em dados do alista- mento militar obrigatório, mostra que jovens na faixa etária de 18 anos estão ficando mais pesados a cada ano. De acordo com o estudo, que obser- vou a ficha de indivíduos nascidos en- tre 1957 e 1991, a porcentagem de pes- soas com sobrepeso no alistamento do Exército passou de 6,6% para 15,5% no período analisado. “É alarmante termos encontrado tamanha propor- ção de pessoas com Índice de Massa Corporal (IMC) igual ou maior que 25 nesta faixa etária”, explica Magnoni, diretor de Nutrição do HCor e do Ins- tituto Dante Pazzanese. A preocupação com a obesidade e a ali- mentação transformou-se na principal bandeira da carreira do cardiologista, que ocupou a presidência da Socieda- de Brasileira de Nutrição e a vice-presi- dência da Federação Latino-americana de Nutrição. O médico também lançou oito livros e o projeto Obesidade Zero, focado no combate ao problema. Magnoni conta que os nove passos do programa, criado há um ano e meio e aprovado como modelo para a Amé- rica Latina pela federação de nutrição da região, pretende modificar a forma como o Brasil lida com a doença, a co- meçar pela inversão da hierarquia do sistema de saúde do País. “Os postos de saúde devem obrigatoriamente medir e pesar os pacientes para termos dados objetivos e encaminhar essas pessoas para tratamento médico.” O cardiologista também propõe a in- dicação para atividades físicas com base no perfil econômico, etário e cultural do indivíduo. “Uma mulher de 50 anos não quer ir à academia porque há um desfi- le de corpos bonitos e jovens, mas o ho- mem vai porque é safado”, comenta. Um panorama que precisa ser alte- rado, pois segundo dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Es- tatística (IBGE), 50,1% dos homens Uma das propostas do cardiologista é distribuir pelas ruas barracas de comida saudável, como há na Alemanha Ferramentas. Magnoni também estudou marketing. “Queria criar estratégias mais efetivas para os meus projetos” Vigilante do peso protagonista| À frente do projeto Obesidade Zero, Daniel Magnoni combate a epidemia do excesso de gordura com ideias simples e testadas em outros países Por Gabriel bonis d r . d a n ie l m a g n o n i •CCIdeiasMedico_671.indd 76 11/3/11 7:07:42 PM IdeiasIdeias cartacapital | 9 de novembro de 2011 77 acima de 20 anos estavam com sobre- peso, assim como 48% das mulheres na mesma faixa etária. O estudo registrou ainda que 12,4% dos brasileiros e 16,9% das brasileiras estavam obesos. O cenário, segundo o médico, é causa- do pela falta de políticas públicas em vi- gor para solucionar o problema. “Pensa- se na tuberculose, na hipertensão e na Aids, mas não na nossa maior epidemia.” Ele acrescenta que a obesidade e suas doenças relacionadas, como diabetes e hipertensão, aumentam as despesas do sistema de saúde com tratamentos mais prolongados em relação a pacientes sau- dáveis. “Se você tossir em posto de saú- de, eles isolam a área”, brinca. Mag noni é a rt iculado e bem- humorado. Além da graduação pe- la Unicamp e de um mestrado na área clínica, fez MBA em marketing. “Que- ria conhecer melhor o mundo, saber li- dar corretamente com o público e criar estratégias mais efetivas para os meus projetos.” Hoje o especialista em nu- trição encontra tempo até para lecio- nar marketing em saúde. Graças aos conhecimentos adquiridos na área de comunicação, seus projetos, como o Obesidade Zero, têm desper- tado a atenção de autoridades brasilei- ras e internacionais. O programa, que propõe a redução de impostos para os alimentos considerados saudáveis, en- tre eles, frutas, legumes, verduras e cereais, interessou ao cônsul da Bolí- via. De acordo com o médico, o diplo- mata tenta inclusive agendar um en- contro com o presidente Evo Morales para a apresentação da ideia. No Brasil, as articulações parecem mais avançadas. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, conheceu o pro- grama e teria demonstrado interes- se em partes do plano, incluindo o in- centivo fiscal. “Ele (Padilha) entendeu perfeitamente a necessidade de mudar a hierarquia da saúde, além do interes- se pelo estudo do Exército.” Outra in- teressada seria a cidade de São Paulo, onde o vereador Paulo Frange (PTB) criou um projeto de lei para implantar o Obesidade Zero no município. Frange vai ainda mais longe: quer apresentar o plano ao prefeito Gilberto Kassab. Entusiasmado com o assunto, Mag- noni destaca mais uma iniciativa ca- paz de melhorar a alimentação dos o l g a v l a h o u •CCIdeiasMedico_671.indd 77 11/3/11 7:07:49 PM 78 www.cartacapital.com.br Ideias Protagonista brasileiros, utilizada amplamente na Alemanha. A licitação de barracas de frutas limpas e padronizadas pelas ci- dades, explica, geraria empregos e in- vestimentos. “Estive em Munique e lá essa ação funciona há tempos, ofere- cendo uma opção saudável à coxinha.” O cardiologista aproveita a menção ao popular salgadinho gorduroso para lembrar da necessidade de proporcio- nar uma educação alimentar às crian- ças. Ele defende, por exemplo, ser preci- so banir alimentos industrializados das merendas e incluir, em porções peque- nas, produtos ricos em fibras e vitami- nas. “Conscientizar os jovens é muito importante, pois se formam educadores capazes de mudar a dieta da família.” Fundamental, martela o médico, é alterar a relação da sociedade com os alimentos, uma vez que as interações interpessoais estão majoritariamente ligadas à comida. “A mãe sempre quer premiar o filho estudioso ou o que co- me toda a refeição com um sorvete ou chocolate. Além disso, quando saímos com alguém vamos a uma pizzaria ou a uma lanchonete.” Segundo Magnoni, essa percepção é construída desde a in- fância e muitas vezes se baseia na pu- blicidade. Por isso, pede um maior con- trole dos comerciais, em geral de tevê, que incentivam o consumo de alimen- tos prejudiciais à saúde. “As crianças são vítimas de um forte bombardeio de propagandas destes produtos e são influenciadas a consumir dois ou três ‘lanches felizes’ apenas para ganhar os brinquedos que os acompanham.” • Para o médico, é preciso alterar a relação da sociedade com os alimentos. E propõe restrições à publicidade infantil Cenário. Nas praias, os sinais de um país que engorda g u il h e r m e d io n iz io / f u t u r a p r e s s N os últimos 40 anos, aumentou o número de jovens obesos na faixa dos 18 anos. Segundo estudo de Daniel Magnoni, baseado em dados do alistamento militar obrigatório feito pelo Exército brasileiro, a proporção de indivíduos com esse perfil subiu de 0,9% entre os jovens nascidos em 1960 para 2,8% entre os nascidos em 1990. O levantamento analisa apenas homens com a idade mínima para servir às Forças Armadas no Brasil. A pesquisa, que observou 2.540.099 jovens, 99,1% deles habitantes do estado de São Paulo, identificou uma evolução do peso maior que a da altura. Em 1960, os alistados tinham em média 168,4 centímetros de altura e pesavam 61,8 quilos. Em 1991, o peso médio era de 69 quilos e a estatura 174,8 centímetros. No período, os indivíduos analisados ficaram 10,5% mais gordos e apenas 3,7% mais altos. Outra variação registrada foi a proporção de pessoas bem nutridas (eutróficas), ou com o IMC inferior a 25, que caiu de 92,5% para 81,7%. Segundo o levantamento, a partir de 1968 o peso médio dos alistados passa a aumentar em média um quilo por ano. “Nessa época, houve algumas mudanças sociais e de políticas públicas no País. Deixa-se de fortalecer a amamentação materna em apoio ao uso do leite em pó para ganhar peso”, diz o médico. “Havia inclusive o prêmio Bebê Johnson, que premiava a criança mais gordinha. Hoje isso seria um crime”, diz Magnoni. Recrutas balofos Estudo de Magnoni com jovens de 18 anos alistados no Exército mapeia a evolução da obesidade nos últimos 40 anos •CCIdeiasMedico_671.indd 78 11/3/11 7:07:51 PM