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Universidade Federal de Ouro Preto Instituto de Cieˆncias Exatas e Aplicadas Ca´lculo Diferencial e Integral III Professor E´den Amorim 1 Integrais de linha no plano E´ preciso conhecer: Campos vetoriais, func¸o˜es vetoriais (curvas parametrizadas). 1.1 Mais um problema de a´rea A noc¸a˜o de integral de linha, ou integral de contorno, e´ uma generalizac¸a˜o da integral simples do Ca´lculo I: ao inve´s de integrar um func¸a˜o sobre um intervalo da reta (um segmento), estabelecemos o que significa integrar uma func¸a˜o (de va´rias varia´veis) sobre uma curva geral. Na figura1 a` esquerda, temos a representac¸a˜o geome´trica de uma integral simples da func¸a˜o positiva y = f(x) sobre o intervalo [a, b]. Como ja´ sabemos, isso representa a a´rea da regia˜o sob o gra´fico de f restrita ao intervalo em questa˜o. A figura a direita mostra uma situac¸a˜o ana´loga, mas em dimensa˜o superior: constru´ımos uma regia˜o (na˜o necessariamente plana) com base na curva C do plano xy e limitada por cima pelo gra´fico da func¸a˜o positiva z = f(x, y). Observe que podemos descrever essa regia˜o como formada por segmentos ligando um ponto (x0, y0) ∈ C a seu correspondente (x0, y0, f(x0, y0)). (a) A´rea de regia˜o plana (b) A´rea de regia˜o sobre uma curva Figura 1: Problemas de a´reas Grosseiramente, a regia˜o a` esquerda pode ser pensada como tendo base [a, b] e altura varia´vel f(x). Portanto, sua a´rea seria “medida da base × altura”, que e´ representado precisa e formalmente pela integral ∫ b a f(x)dx (base dx de a a b e altura f(x)). Da mesma forma, a regia˜o a` direita pode ser pensada como tendo base C e altura varia´vel f(x, y)|C (func¸a˜o f restrita a valores sobre a curva C). Usando novamente a 1Algumas figuras foram extra´ıdas do livro Ca´lculo, vol II, J. Stewart e outras foram produzidas com o Geogebra 5.0 fo´rmula “medida da base × altura”, gostar´ıamos de escrever de modo preciso e formal o valor da a´rea dessa regia˜o. E isso pode ser feito com a ideia de integrac¸a˜o. 1.2 Construc¸a˜o Repetimos a ideia de integrac¸a˜o: dividimos nosso problema em problemas menores, achamos uma aproximac¸a˜o para cada problema menor, reunimos (ou integramos) todas as aproximac¸o˜es... e atrave´s de um processo limite, transformamos essa aproximac¸a˜o em um valor exato. Antes de prosseguir, recomendo rever a construc¸a˜o da integral simples para tentar fazer um paralelo com a construc¸a˜o de agora. Figura 2: Partic¸a˜o da curva C e escolha de pontos 1 - Fac¸a uma partic¸a˜o da curva plana C com os pontos P0, P1, · · · , Pi−1, Pi, · · ·Pn. Seja Pi = (xi, yi) as coordenadas desses pontos no plano e Ci o arco da curva C ligando Pi−1 a Pi. Ale´m disso, seja ∆si e´ o comprimento do arco Ci, a “medida da base”. 2 - Em cada Ci, escolha um ponto P ∗ i = (x ∗ i , y ∗ i ) e calcule a “altura” f(x ∗ i , y ∗ i ). 3 - Com esses dados, construa a superf´ıcie sobre Ci e abaixo do gra´fico de f . Podemos aproximar a a´rea dessa superf´ıcie por f(x∗i , y ∗ i )∆si (altura × base). Quanto menor o comprimento do arco Ci, menor tambe´m o erro dessa aproximac¸a˜o. 4 - Reunimos as aproximac¸o˜es para cada i, obtendo uma aproximac¸a˜o para a a´rea da regia˜o inteira, pela soma de Riemann: n∑ i=1 f(x∗i , y ∗ i )∆si. Como observado, essa aproximac¸a˜o melhora quando ∆si → 0 para cada i, o que e´ equi- valente a escolher uma partic¸a˜o cada vez mais fina da curva, ou n→∞. Definimos enta˜o a integral de linha por ∫ C f(x, y)ds := lim n→∞ n∑ i=1 f(x∗i , y ∗ i )∆si Lembrando que s indica o comprimento de arco, lemos essa integral como sendo a a´rea de uma regia˜o de base C e altura varia´vel f(x, y). 1.3 Como calcular Observe que na construc¸a˜o acima usamos um coringa: o comprimento de arco s. Para avaliar a integral, devemos saber como operacionar o ca´lculo do comprimento de arco. A chave para essa questa˜o esta´ na parametrizac¸a˜o da curva. Entendendo: dizer que a curva C e´ parametrizada pela func¸a˜o vetorial ~r(t), a ≤ t ≤ b e´ um modo de associar a curva C com o segmento de reta dado pelo intervalo [a, b]. Assim, usamos a parametrizac¸a˜o para transferir o ca´lculo da integral sobre C para um integral simples sobre [a, b]. Mas isso na˜o e´ feito de modo direto: e´ preciso obter um ‘fator de compensac¸a˜o’ para a transfereˆncia. Para entender como transformamos o comprimento de arco s para o paraˆmetro t, recomendamos lembrar a construc¸a˜o da integral de comprimento de arco do gra´fico da func¸a˜o y = f(x). O que faremos agora e´ ana´logo, so´ que usando a parametrizac¸a˜o. Considere enta˜o C : ~r(t) = (x(t), y(t)), uma parametrizac¸a˜o suave, ou seja, x(t) e y(t) sa˜o diferencia´veis e na˜o sa˜o ambas nulas para o mesmo paraˆmetro t (isso garante que a curva na˜o sera´ descont´ınua nem tera´ quinas ou cu´spides, os pontos de na˜o diferenciabili- dade). Retomando a partic¸a˜o da construc¸a˜o anterior, seja ti o paraˆmetro para o ponto Pi, ou seja, Pi = ~r(ti) = (x(ti), y(ti)). Vamos aproximar ∆si, o comprimento de arco da curva Ci, pelo comprimento do segmento Pi−1Pi, como sugerido na figura. Assim ∆si ≈ ‖~r(ti)−~r(ti−1)‖. Agora, vamos escolher o ponto P ∗i = (x(t ∗ i ), y(t ∗ i )) de um modo especial, usando uma generalizac¸a˜o do TVM: a inclinac¸a˜o do seguimento Pi−1Pi coincide com a inclinac¸a˜o da tangente a Ci em um ponto P ∗ i (a figura deve ajudar a se convencer disso). Assim, e´ poss´ıvel mostrar que ‖~r(ti)−~r(ti1)‖ = ‖~r′(t∗i )‖(ti − ti−1). Figura 3: Aproximac¸a˜o do comprimento de arco Escrevendo ∆ti = ti − ti−1, temos enta˜o ∆si ≈ ‖~r′(t∗i )‖∆ti e portanto∫ C f(x, y)ds = lim n→∞ n∑ i=1 f(x∗i , y ∗ i )∆si = = lim n→∞ n∑ i=1 f(x(t∗i ), y(t ∗ i ))‖~r′(t∗i )‖∆ti = ∫ b a f(x(t), y(t))‖~r′(t)‖dt. Uma interpretac¸a˜o f´ısica pode ajudar no entendimento da construc¸a˜o: se s e´ o des- locamento, t o tempo, temos que ‖~r′(t)‖, a norma do vetor velocidade, e´ a velocidade escalar, ou seja: ‖~r′(t)‖ = ds dt . Ainda fazendo um paralelo a`s tranformac¸o˜es nas integrais duplas e triplas: pensando em ~r como uma transformac¸a˜o da reta sobre a curva C, ‖~r′(t)‖ faz o papel do Jacobiano dessa transformac¸a˜o. Resumindo: Se C : ~r(t) = (x(t), y(t)), com a ≤ t ≤ b, temos:∫ C f(x, y)ds := ∫ b a f(x(t), y(t))‖~r′(t)‖dt. 1.4 Um referencial mo´vel Figura 4: Base ortonormal sobre um ponto da curva Em um ponto da curva C : ~r(t), podemos associar dois vetores importantes: 1 - o vetor tangente unita´rio a` curva no ponto (x(t), y(t)), dado por ~T(t) = ~r′(t) ‖~r′(t)‖ = (x′(t), y′(t))√ x′(t)2 + y′(t)2 . 2 - o vetor normal unita´rio a` curva no ponto (x(t), y(t)), dado por ~N(t) = ~T′(t) ‖~T′(t)‖ = (−y′(t), x′(t))√ x′(t)2 + y′(t)2 . Observe que ~T e ~N sa˜o unita´rios (norma 1) e ortogonais (o produto escalar entre eles e´ nulo) qualquer que seja o paraˆmetro t. isso significa que, para cada t, temos uma base ortonormal para o plano (lembre-se de GAAL!). Fisicamente, se interpretarmos a curva C como a trajeto´ria de uma part´ıcula, sendo ~r(t) a posic¸a˜o dessa part´ıcula no instante t, temos que a base (~T, ~N) e´ o referencial dessa part´ıcula, ou seja, o plano a partir do ponto de vista dessa part´ıcula. Mais: ~T indica a tendeˆncia de direc¸a˜o do movimento da part´ıcula (a direc¸a˜o de “sair pela tangente”) e ~N a direc¸a˜o que cruza a curva de uma lado para o outro ortogonalmente. 1.5 Integrais de linha sob ac¸a˜o de um campo vetorial Dado um campo vetorial no plano ~F(x, y) temos uma distribuic¸a˜o de vetores: a cada ponto (x0, y0) do plano, associamos o vetor ~F(x0, y0). Em particular, se tivermos uma curva C parametrizada pela func¸a˜o vetorial ~r(t) = (x(t), y(t)), temos um vetor do campo sobre cada ponto da curva. Ao conjunto de vetores do campo ~F sobre a curva C, dizemos ser a restric¸a˜o de~F a` C e escrevemos ~F|C := ~F( ~r(t)) = ~F(x(t), y(t)). Observe que o campo restrito a` curva esta´ em func¸a˜o do paraˆmetro t da parametrizac¸a˜o da curva. Matematicamente, poder´ıamos nos perguntar como o vetor ~F(x(t), y(t)) se decompo˜e na base ~T(t), ~N(t) em cada ponto da curva C. Assim, como essa e´ uma base ortonogonal, ter´ıamos que as componentes de ~F|C seriam ~F(x(t), y(t)) = (~F · ~T)~T + (~F · ~N)~N, onde o ponto indica o produto escalar entre os vetores, e o paraˆmetro t foi omitido do lado direito da expressa˜o, apenas por uma questa˜o de clareza. Dizemos que ~F · ~T e´ a coordenada tangencial do campo ~F a` curva C e ~F · ~N a coordenada normal. Figura 5: Decomposic¸a˜o de um vetor do campo ~F sobre a base ~T, ~N Vamos interpretar a relac¸a˜o do campo vetorial ~F com a curva C : ~r(t) atrave´s desse referencial da pro´pria curva. 1.5.1 Integral de trabalho ou circulac¸a˜o Para a componente tangencial, temos uma interpretac¸a˜o f´ısica clara. Tome C como a trajeto´ria de uma part´ıcula no plano, onde ~r(t) representa a posic¸a˜o dessa part´ıcula no instante t. Interprete ~F como um campo de forc¸as agindo sobre os pontos do plano. Lembrando que o vetor tangente ~T indica a direc¸a˜o de movimento da part´ıcula sobre a curva, podemos interpretar a componente vetorial (~F · ~T)~T como a parcela do campo que interfere no movimento da part´ıcula em um dado instante. Comparando as grandezas, podemos interpretar a ac¸a˜o da componente tangencial de ~F ao longo de C como o Trabalho do campo de forc¸as sobre a part´ıcula ao longo de sua trajeto´ria. Isso pode ser expresso com uma integral de linha W = ∫ C ~F · ~T ds, lembrando que ~F · ~T e´ uma func¸a˜o que pode ser escrita em termos do paraˆmetro t. Assim, pela definic¸a˜o de integral de linha com C : ~r(t), a ≤ t ≤ b, temos W = ∫ b a (~F|C · ~T)‖~r′(t)‖dt = ∫ b a ( ~F|C · ~r ′(t) ‖~r′(t)‖ ) ‖~r′(t)‖dt = ∫ b a ~F|C ·~r′(t)dt. Devido a essa simplificac¸a˜o, e´ comum denotarmos o trabalho pela integral ∫ C ~F ·d~r. Ainda por essa simplificac¸a˜o, se ~F(x, y) = (P (x, y), Q(x, y)), P e Q as func¸o˜es compenentes do campo, podemos escrever na notac¸a˜o diferencial W = ∫ C P dx+Qdy, lembrando que dx = x′(t)dt e dy = y′(t)dt, quando considerado o paraˆmetro t da curva. Observe que para o ca´lculo do trabalho a componente normal (~F · ~N)~N na˜o contribui, uma vez que e´ perpendicular a` direc¸a˜o do movimento (trabalho nulo). Outra interpretac¸a˜o poss´ıvel: considere o campo vetorial ~F como um campo de velo- cidades em um fluido e a curva fechada C : ~r(t) como a trajeto´ria de uma part´ıcula se movendo nele. Nesse caso, a integral ∮ C ~F · ~T ds, e´ chamada integral de circulac¸a˜o e mede, grosso modo, a interfereˆncia do fluido no movi- mento da part´ıcula. 1.5.2 Integral de fluxo Agora, vamos interpretar a contribuic¸a˜o da componente normal do campo sobre a curva. Novamente, ~F e´ um campo de velocidades em um fluido e a curva fechada C : ~r(t) a trajeto´ria de uma part´ıcula. Sendo uma curva fechada, ela separa o plano em uma regia˜o interna (a limitada) e uma externa (a ilimitada). Tome os vetores normais ~N de tal modo que apontem para a regia˜o ilimitada, como mostrado na figura. Em cada ponto da curva, a direc¸a˜o do vetor ~N indica como “atravessar” a curva da regia˜o interna para a externa. Dessa forma, podemos pensar na compoenente normal do campo sobre a curva, (~F · ~N)~N, como sendo a parcela do campo que cruza a curva de uma regia˜o a outra. Reunindo a contribuic¸a˜o desse fluxo em cada ponto pelo processo de integrac¸a˜o, definimos o fluxo do campo ~F ao longo da curva C por Φ = ∮ C ~F · ~N ds. Pela definic¸a˜o de integral de linha ainda podemos escrever Φ = ∫ b a (~F|C · ~N)‖~r′(t)‖dt = ∫ b a ( ~F|C · (y ′(t),−x′(t)) ‖~r′(t)‖ ) ‖~r′(t)‖dt = ∫ b a ~F|C ·(y′(t),−x′(t)dt. Com coordenadas ~F(x, y) = (P (x, y), Q(x, y)), podemos escrever Φ = ∫ C −Qdx+ P dy. 1.5.3 Testando a intuic¸a˜o Considere os campos radial e circular, ~R(x, y) = (x, y) e ~C(x, y) = (−y, x). Considere tambe´m as circunfereˆncias Ca : ~r(t) = (a cos t, a sen t), t ∈ [0, 2pi] e os raios Lα : ~r(t) = (cosαe t, senαet), t ∈ [0, 2pi) Intua a circulac¸a˜o e fluxo desses campos ao longo dessas curvas. ... tempo pra pensar, espac¸o pra rascunhar ... Agora, confirme sua intuic¸a˜o com ca´lculos expl´ıcitos. 1.6 Rotacional e Divergente Uma vez definidos os conceitos de circulac¸a˜o e fluxo de um campo ao longo de uma curva fechada, podemos nos perguntar o que seria a circulac¸a˜o ou fluxo infinitesimal, ou seja, o comportamento intr´ınseco de um campo na vizinhanc¸a de um ponto. Comec¸amos pela ana´lise da ‘circulac¸a˜o infinitesimal’. Como usual, vamos usar um processo de limite. Suponha que o campo ~F esteja definido em uma regia˜o simplesmente conexa. Tomamos uma curva C em torno de A e definimos D como a regia˜o interna a` C. Calculamos enta˜o a circulac¸a˜o do campo por unidade de a`rea interna a` curva, ou seja 1 |D| ∫ C ~F · ~T ds. Em seguida tomamos o limite dessa expressa˜o quando C degenera a P (vamos explicitar esse limite mais adiante), denotado simbolicamente como abaixo lim C→A 1 |D| ∫ C ~F · ~T ds. Observe que temos uma indeterminac¸a˜o, uma que vez que ao degenerar a curva a a´rea de D e a circulac¸a˜o tendem a 0. Quando esse limite existe, chamamos-no de rotacional plano de ~F no ponto A. Isso define o rotacional como uma func¸a˜o (de duas varia´veis) que denotaremos por rot ~F. Obs.: O rotacional e´ definido em verdade como um campo vetorial no espac¸o, comumente denotado por rot ~F, enquanto que o rotacional plano e´ um caso particular quando esse campo e´ paralelo ao vetor ~k da base canoˆnica, como veremos no pro´ximo cap´ıtulo. Nesse sentido, o mais correto seria denotar nosso rotacional plano por rot ~F · ~k. Pore´m, iremos usar a mesma notac¸a˜o por simplicidade. A interpretac¸a˜o f´ısica do rotacional se da´ tomando nosso campo vetorial como um campo de velocidades em um fluido. O rotacional enta˜o seria a tendeˆncia de circulac¸a˜o do fluido em torno de um ponto, ou a densidade de circulac¸a˜o. Observe que, nesse caso, o rotacional tem unidade de velocidade angular. Apesar dessa construc¸a˜o ser bem intuitiva, ela na˜o e´ muito amiga´vel. Vamos obter uma expressa˜o simples para o rotacional plano usando as coordenadas do campo vetorial. Con- sidere o campo vetorial ~F(x, y) = (P (x, y), Q(x, y)) e uma famı´lia de circunfereˆnicas Ca de raio a e centro em um ponto A, com parametrizac¸o˜es dadas por ~ra = A+ (a cos t, a sen t), 0 ≤ t ≤ 2pi. Dessa forma, o limite Ca → A da definic¸a˜o de rotacional plano pode ser tomado simplesmente por a → 0, ou seja, fazendo o raio de um circunfereˆncia tender a zero: rot ~F(A) = lim a→0 1 pia2 ∫ Ca ~F · ~T ds = = lim a→0 1 pia2 ∫ 2pi 0 (−aP (~ra) sen t+ aQ(~ra) cos t) dt = = lim a→0 ∫ 2pi 0 (Q(~ra) cos t− P (~ra) sen t) dt pia . Para calcular esse limite, podemos usar a regra de L’Hospital. A derivada do denomi- nador em relac¸a˜o a a e´ simplesmente pi, enquanto que para o numerador temos d da ∫ 2pi 0 (Q(~ra) cos t− P (~ra) sen t) dt = ∫ 2pi 0 d da (Q(~ra) cos t− P (~ra) sen t) dt, onde usamos a comutac¸a˜o da integrac¸a˜o e derivac¸a˜o, uma vez que essas operac¸o˜es sa˜o realizadas em varia´veis diferentes nesse caso. Agora, pela regra da cadeia temos d da (P (~ra) sen t) = Px(~ra) sen t cos t+ Py(~ra) sen 2 t e d da (Q(~ra) cos t) = Qx(~ra) cos 2 t+Qy(~ra) cos t sen t. Ale´m disso, como o limite tambe´m e´ em uma varia´vel distinta a da integral, tambe´m podemos trocar a ordem das operac¸o˜es e obter 1 pi ∫ 2pi 0 (Qx(A) cos 2 t+Qy(A) cos t sen t− Px(A) sen t cos t− Py(A)sen2 t) dt = = Qx(A)− Py(A). Conclusa˜o... rot ~F = Qx − Py. De forma ana´loga, podemos definir um novo conceito a partir do fluxo de um campo. Ao ‘fluxo infinitesimal’ daremos o nome de divergente de um campo vetorial, definido por div ~F := lim C→A 1 |D| ∫ C ~F · ~N ds. A interpretac¸a˜o f´ısica aqui, novamente partindo de um campo de velocidades em um fluido, diz que o divergente de um campo em um ponto e´ a tendeˆncia de dispersa˜o do fluido a partir daquelo ponto, ou a densidade de fluxo. Ale´m disso, tambe´m de forma ana´loga com que calculamos acima, para um campo ~F = (P,Q) temos div ~F = Px +Qy. Para fixarmos a intuic¸a˜o sobre os conceitos de rotacional e divergente, vamos calcula´- los sobre os campos radial ~R = (x, y) e circular ~C = (−y, x): rot ~R = 0 e div ~R = 2 e rot ~C = 2 e div ~R = 0 Isso indica o que a representac¸a˜o geome´trica dos campos nos sugere: um fluido regido por um campo de velocidades radial na˜o apresenta circulac¸a˜o, tendo apenas dispersa˜o; para um campo de velocidades circular, ha´ apenas circulac¸a˜o sem dispersa˜o. O sinal do rotacional e divergente tambe´m teˆm sua interpretac¸a˜o: o sentido de rotac¸a˜o e o sentido da dispersa˜o, respectivamente. 1.7 Teorema(s) de Green A definic¸a˜o de rotacional e divergente tem como consequeˆncia direta uma bela relac¸a˜o entre as integrais de linha no plano e integrais duplas: em condic¸o˜es adequadas, a integral ao longo de uma curva fechada pode ser trocada por uma integral dupla sobre a regia˜o interna a essa curva. Primeiramente, vamos considerar um campo vetorial ~F definido em uma regia˜o limi- tada e simplesmente conexa. Sob esse campo, considere uma curva fechada parametrizada C : ~r(t) que e´ bordo de uma regia˜o plana D. Costumamos denotar a relac¸a˜o entre C e D por C = ∂D, indicando que C e´ o bordo de D, como mostrado na figura. Se D esta´ contindo em um retaˆngulo [a, b] × [c, d], tomamos uma partic¸a˜o a = x0 < x1 < · · · < xi < · · · < xm = b e c = y0 < y1 < · · · < yj < · · · < yn = d, considerando distaˆncias iguais ∆x = xi − xi−1 e ∆y = yj − yj−1, para i = 1, · · · ,m e j = 1, · · · , n. Considere os subregio˜es Rij = ([xi−1, xi] × [yj−1, yj]) ∩ D, de a´rea Aij e cujo bordo e´ a curva Cij, considerada com orientac¸a˜o positiva. Observe que, em termos de integrac¸a˜o, podemos considerar C como a unia˜o de todas Cij, ou seja C ∼ m⋃ i=1 m⋃ j=1 Cij. Isso se deve pois duas curvas vizinhas se encontram em sentidos opostos, de modo que sob a integrac¸a˜o se anulam. Assim, vemos que ∮ C ~F · ~T ds = m∑ i=1 m∑ j=1 ∫ Cij ~F · ~T ds. Agora, multiplicamos cada parcela do lado direito da expressa˜o acima por Aij Aij , obtendo∮ C ~F · ~T ds = m∑ i=1 m∑ j=1 1 Aij ∫ Cij ~F · ~T dsAij. Escolhendo pontos P ∗ij ∈ Rij , observe que tomando limites quando m,n → ∞, ou ∆x,∆y → 0, podemos considerar, pela definic¸a˜o e continuidade do rotacional: 1 Aij ∫ Cij ~F · ~T ds ≈ rot ~F(P ∗ij). Assim, tomando esses limites de ambos lados da equac¸a˜o, observe que o lado esquerdo se mantem inalterado (pois na˜o varia com m,n ou ∆x,∆y) enquanto que o lado direto definie uma integral dupla:∮ C ~F · ~T ds = lim ∆x,∆y→0 m∑ i=1 m∑ j=1 rot ~F(P ∗ij)Aij = ∫∫ D rot ~F dA. Apesar de usarmos coordenadas cartesianas, a construc¸a˜o pode ser adaptada para outros sistemas de coordenadas. O resultado que obtemos e´ uma das formas do Teorema de Green: Teorema 1.1. Seja ~F um campo vetorial definido em uma regia˜o simplesmente conexa, C uma curva simples fechada e D a regia˜o interna a` curva. Enta˜o∮ C ~F · ~T ds = ∫∫ D rot ~F dA. O teorema de Green pode apresentar outra forma: adaptando uma construc¸a˜o ana´loga para o fluxo (ou trocando as coordenadas de um campo (P,Q) por (−Q,P )...), obtemos∮ C ~F · ~N ds = ∫∫ D div F dA. Uma vez entendidos os conceitos de rotacional e divergente, o significado do Teorema de Green deve ser claro: podemos calcular a circulac¸a˜o de um campo vetorial ao longo de uma curva somando as circulac¸o˜es infinitesimais internas a` curva; para o fluxo, somamos as dirperso˜es infinitesimais. O teorema de Green tambe´m continua va´lido para o caso de uma regia˜o conexa, mas na˜o simplesmente conexa (uma regia˜o, que apresenta ‘buracos’ ou obstruc¸o˜es, e´ chamada multiplamente conexa). A ideia de verificar a extenc¸a˜o do teoriema para esses casos consiste em fazer ‘cortes’ na regia˜o D. (a) Bordo de uma regia˜o multi- plamente conexa (b) ‘Cortes’ na regia˜o Figura 6: Green para regio˜es multiplamente conexas Suponha que temos uma regia˜o D conexa com um buraco (para mais buracos, a mesma construc¸a˜o pode ser facilmente generalizada). Como indicado na figura acima, o bordo dessa regia˜o enta˜o e´ formada por duas curvas: o bordo externo C1 e o bordo interno C2, que iremos orientar no sentido anti-hora´rio e hora´rio respectivamente, de modo que o vetor normal a` curva sempre aponte para dentro da regia˜o. Enta˜o, escolha pontos A1, A ′ 1 ∈ C1 e A2, A ′ 2 ∈ C2 e defina duas curvas: C ligando A1 e A2 e C ′ ligando A′1 e A′2. As curvas C e C ′ funcionam como ‘cortes’ na regia˜o D, divindo D em duas regio˜es simplesmente conexas, com ∂D′ = C1(A1A′1) ∪ −C ′ ∪ C2(A′2A2) ∪ C. e ∂D′′ = C1(A′1A1) ∪ C ′ ∪ C2(A2A′2) ∪ −C. onde estamos denotando C1(A1A ′ 1) como o arco de C1 entre A1 e A ′ 1 respeitando a ori- entac¸a˜o da curva, analogamente aos demais. Assim, pela propriedade de integrais duplas temos∫∫ D div F dA = ∫∫ D1 rot F dA+ ∫∫ D2 rot F dA. Por outro lado, temos ∮ ∂D ~F · ~T ds = ∮ C1 ~F · ~T ds+ ∮ C2 ~F · ~T ds uma vez que a integral sobre as curvas C e C ′ se anulam. Pelo Teorema de Green em regio˜es simplesmente conexas, podemos concluir que∮ ∂D ~F · ~T ds = ∮ C1 ~F · ~T ds+ ∮ C2 ~F · ~T ds = ∫∫ D rot F dA, como quer´ıamos verificar. Resultado ana´logo vale para a versa˜o do Teorema de Green para o fluxo, verifique. 1.8 Campos conservativos Observe que, pelo teorema de Green, se rot F ≡ 0 numa regia˜o simplesmente conexa, a circulac¸a˜o ou trabalho ao longo de um caminho fechado e´ sempre nula! Proposic¸a˜o 1.1. Suponha ~F um campo vetorial com derivadas parciais cont´ınuas em uma regia˜o simplesmente conexa D. Se rot ~F ≡ 0 em D, enta˜o∮ C ~F · ~T ds = 0 para qualquer curva simples fechada C em D. Esse e´ um fato com uma se´rie de consequeˆncias interessantes a respeito do campo, as quais vamos investigar nessa sec¸a˜o. Primeiramente, observe que a integral de circulac¸a˜o ao longo de todo caminho fechado ser zero implica que a integral entre quais curvas abertas ligando dois dados pontos apre- sentam o mesmo valor. De fato, suponha que temos um campo com a propriedade que∮ C ~F · ~T = 0 para toda C. Tome C1 e C2 duas curvas abertas com extremidades sobre os pontos A e B e considere a curva C = C1 ∪ −C2. Observe que C e´ uma curva fechada e portanto 0 = ∮ C ~F · ~T ds = ∫ C1 ~F · ~T ds− ∫ C2 ~F · ~T ds⇒ ∫ C1 ~F · ~T ds = ∫ C2 ~F · ~T ds. Dizemos nesse caso que a integral de ∫ C ~F · ~T ds independe do caminho e costumamos denotar por ∫ B A ~F · ~T ds, indicando somente as extreminadas do caminho. Explicitando o resultado: Proposic¸a˜o 1.2. Se ∮ C ~F · ~T ds = 0 para qualquer curva simples fechada C em D regia˜o simplesmente conexa, enta˜o ∫ C ~F·~T ds e´ independente do caminho para qualquer curva aberta C. Na verdade, e´ fa´cil perceber que a afirmac¸a˜o rec´ıproca tambe´m e´ verdadeira nesse caso. Baseado em um campo vetorial ~F = (P,Q) com integral de trabalho independente do caminho, podemos construir a seguinte func¸a˜o: fixamos um ponto A em D e definimos f(x, y) := ∫ (x,y) A ~F · ~T ds. Assim como no Teorema fundamental doCa´lculo, essa func¸a˜o serve como uma ‘primitiva’ para ~F. Vamos verificar isso derivando essa func¸a˜o escolhendo curvas convenientes para isso. (a) Curva para a derivac¸a˜o em x (b) Curva para a derivac¸a˜o em x Figura 7: Definindo uma func¸a˜o potencial para o campo Tome C formada por duas partes: um arco C1 ligando A a (x1, y) e um segmento de reta horizontal C2 ligando (x1, y) a (x, y), com (x1, y) em uma vizinhanc¸a de (x, y) dentro de D. Com isso f(x, y) := ∫ (x1,y) A ~F · ~T ds+ ∫ (x,y) (x1,y) ~F · ~T ds. Tomando a derivada parcial em x, temos que a derivada da primeira integral e´ zero, pois ela na˜o depende de x: ∂ ∂x f(x, y) = ∂ ∂x ∫ (x,y) (x1,y) ~F · ~T ds. Por sua vez, como C2 tem como uma parametrizac¸a˜o t 7→ (t, y), constante na segunda coordenada, temos que ∂ ∂x f(x, y) = ∂ ∂x ∫ x x1 P (t, y) dt = P (x, y). pelo Teorema Fundamental do Ca´lculo. Analogamente, usando uma curva formada por um arco C ′1 ligando A a (x, y1) e um segmento de reta vertical C ′2 ligando (x, y1) a (x, y), podemos obter que ∂ ∂y f(x, y) = Q(x, y). Resumindo... Proposic¸a˜o 1.3. Se ~F e´ um campo vetorial definido em uma regia˜o simplesmente conexa com ∫ C ~F · ~T ds independente de caminhos, enta˜o existe func¸a˜o f(x, y) com derivadas parciais cont´ınuas tal que ~F(x, y) = ~∇f(x, y). A essa func¸a˜o f(x, y) que torna o campo ~F um campo gradiente xdamos o nome de func¸a˜o potencial. Por fim, observe que se ~F e´ um campo gradiente da forma ~∇f , temos que rot ~F = Qx − Py = (fy)x − (fx)y = fyx − fxy ≡ 0, pois as derivadas de segunda ordem mistas sa˜o iguais quando as derivadas parciais sa˜o cont´ınuas (Teorema de Clairaut). Ou seja... Proposic¸a˜o 1.4. Se ~F(x, y) = ~∇f(x, y), f com derivadas parciais cont´ınuas, enta˜o rot ~F(x, y) ≡ 0. Retome a primeira proposic¸a˜o da sec¸a˜o e perceba que observamos uma equivaleˆncia entre as seguintes afirmac¸o˜es: • rot ~F(x, y) ≡ 0 • ∮ C ~F · ~T ds = 0 para toda curva fechada C. • ∫ C ~F · ~T ds e´ independente de caminho. • Existe f tal que ~F(x, y) = ~∇f(x, y). Um campo com alguma dessas (e portanto todas essas) propriedades, e´ chamado campo conservativo. O nome prove´m da interpretac¸a˜o f´ısica: e´ um campo no qual a energia (tra- balho) e´ conservado. Exemplos desses campos incluem o campo gravitacional, ele´trico e magne´tico. Concluimos a sec¸a˜o demonstrando uma versa˜o do Teorema 1.2 (Teorema fundamental do Ca´lculo para integrais de linha). Se ~F e´ conser- vativo com func¸a˜o potencial f e C uma curva ligando os pontos A e B, enta˜o∫ C ~F · ~T ds = f(B)− f(A). Essa afirmac¸a˜o inclui o caso em que a curva e´ fechada, confirmando que a integral de trabalho e´ nula. A demonstrac¸a˜o segue de uma aplicac¸a˜o direta da regra da cadeia. Obs.: E se o rotacional e´ nulo em uma regia˜o com um buraco? Tente verificar que, pelo teorema de Green aplicado a regio˜es multiplamente conexas, teremos∫ C1 ~F · ~T ds = ∫ C2 ~F · ~T ds para duas curvas bordo de uma regia˜o conexa com um buraco, desde que orientadas no mesmo sentido.