Logo Passei Direto
Buscar

Aula 2 - Lopes (2007)

User badge image

Enviado por Mariana Spezani em

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

Laboratório de História do Português Brasileiro – Célia Lopes 1 
História da língua e lingüística histórica: alguns 
pressupostos teóricos sobre mudança 
Célia Lopes1 
 
Unidade I - Introdução 
 
Síntese: 
1) Lingüística histórica = objeto de estudo (mudança 
lingüística/relação entre língua e sociedade 
2) O que sofre mudança? 
3) Que mudanças são mais facilmente observáveis? 
4) Teorias e métodos de análise: 
- O método comparativo 
- Os neogramáticos: mudança fonética (a regularidade 
levada às últimas conseqüências) 
5) Perspectivas teóricas mais recentes 
- Sincronia x diacronia: aparente incompatibilidade 
- A heterogeneidade ordenada (sociolingüística): 
variação e mudança 
 
1) Lingüística histórica e história da língua 
 
O objeto de estudo da disciplina História da língua é 
uma língua em particular definida temporal e 
espacialmente. É possível estudar a história do português, 
do espanhol, do romeno, etc. A preocupação da disciplina é 
abordar os fenômenos evolutivos de uma língua particular, 
estudar as relações estabelecidas entre uma língua e a 
comunidade que a fala, ao longo da história dessa 
comunidade. Pressupõe-se, nesse sentido, que os fatos 
lingüísticos devem ser correlacionados com fatos 
históricos que os condicionaram. 
A lingüística histórica, por sua vez, estuda a mudança 
lingüística de uma ou várias línguas. A mudança é definida 
como processo pelo qual uma língua viva não fica 
estagnada, mas evolui, acompanhando o evoluir da 
sociedade que a utiliza como instrumento de comunicação 
Nos dois casos, se estabelece o aspecto mais 
importante na mudança que é a relação entre língua e 
sociedade, enfatizando a interferência social na mudança 
lingüística. 
Alguns autores postulam, por exemplo, que a 
palatalização do -s implosivo (s em final de sílaba ou 
palavra) comum à fala do Rio de Janeiro deve ser atribuída 
à vinda da família Real no século XIX. Esse uso, em 
Portugal, teve origem nos dialetos do sul e se propagou 
para o dialeto popular de Lisboa, sendo acolhido pela corte. 
Para Ivo Castro, colonos portugueses que para o Brasil 
vieram no século XVIII não eram portadores dessa 
variante. 
2) O que sofre mudança? 
Não é só o léxico que muda para atender às novas 
necessidades sociais, mas as estruturas gramaticais e o 
modo de produzir os sons também se alteram com o tempo. 
 
1 Material elaborado pela Profa. Dra. Célia Lopes (Faculdade de Letras - 
UFRJ) 
O significado das palavras se altera e novas 
palavras surgem para expressar objetos e coisas que são 
criados. 
Ex: carrus (celta) “carroça de 4 rodas” 
 uenatu > veado “caça morta” 
 escândalo “obstáculo, pedra em que se tropeça” 
 
3) Que mudanças são mais fáceis de detectar? 
 As mudanças fonéticas são mais perceptíveis e 
regulares e talvez por isso a lingüística tenha se dedicado 
a esse tipo de estudo nos primeiros tempos. 
filium > filho amatum > amado 
iulium > julho amicum > amigo 
foliam > folha sapere > saber 
4) Método comparativo 
No século XIX, no contexto do darwinismo, há um 
incremento na perspectiva de relacionar a língua e a 
biologia: as semelhanças entre línguas diversas faziam 
supor uma língua comum num passado remoto. A língua era 
regida por leis biológicas infalíveis. Em linhas gerais, a 
proposta era comparar as línguas para deduzir princípios 
gerais de evolução histórica das suas unidades 
gramaticais, lexicais e sonoras. Foi a descoberta do 
sânscrito (antiga língua clássica da Índia, a mais velha da 
família indo-européia) que deu impulso à orientação 
comparativista. A busca das afinidades de parentesco 
entre línguas da Ásia e da Europa ocupou os grandes 
lingüistas europeus ao longo do século XIX. Houve grande 
valorização do método de reconstrução comparada e suas 
hipóteses: relacionamento entre línguas e regularidade das 
mudanças lingüísticas para o estabelecimento do 
protolíngua (herança histórica comum) 
Exemplo de Tarallo: 
nábhas (sânscrito) (nuvem) 
nephos (grego antigo) 
nebo (eslavônico) 
*nebhos (protolíngua) língua mãe 
(proto-indo-europeu - grupo de línguas falado na Europa 
e Ásia Ocidental). 
O exemplo a seguir, extraído dos Serões Gammaticaes, 
de Ernesto Carneiro Ribeiro, de 1890, evidencia 
reflexos dessa postura nas obras gramaticais: 
“A parte da lexicologia que estuda a palavra em sua 
forma e estructura, isto é, como um todo composto de 
orgãos, chama-se MORPHOLOGIA.As partes ou membros 
de cada vocábulo, que têm uma funcção especifica, 
recebem a denominação de orgãos ou elementos 
morphologicos.” (p.103) 
No interior da escola de comparativistas, há um grupo 
que aplicou o modelo para o estudo da variação geográfica, 
social, etc no âmbito das línguas românicas. Buscava-se 
comparar as filhas latinas para chegar a origem “vulgar” da 
mãe latina (nada clássica). 
Ex: saber (português) 
 savoir (francês) 
 sapere (italiano) 
Latim vulgar = *saper(e) 
Laboratório de História do Português Brasileiro – Célia Lopes 2 
Latim clássico = sapěre (= saborear). No Latim Clássico 
(LC), existia sapěre conjugado como capěre (verbos de 3ª 
conjugação). Tal verbo no LC deve ter sido, no latim vulgar, 
conjugado como um verbo de 2ª conjugação do tipo 
delēre.2 
 
Os neogramáticos: a regularidade da mudança fonética 
O fascínio pela mudança fonética deveu-se à “aparente” 
regularidade e previsibilidade da seqüência de sons nas 
palavras. A palavra pode ter história semântica 
diferente, mas a história fonética de uma palavra é 
comum a de outras palavras. Discute-se, nesse 
contexto, o princípio da mudança fonética. Outro fator 
que pode ter sido primordial para a valorização da 
mudança fonética é a primazia que a fala passa a ter 
sobre a escrita, principalmente, a partir dos estudos 
descritivistas sobre línguas ágrafas. 
 Crítica dos neogramáticos à reconstrução 
histórica: 
 - Língua do papel (reconstrução leva em conta a 
escrita não a fala) 
 Busca da protolíngua a partir de documentos 
escritos acaba por abandonar as variações presentes 
nas filhas (dialetos vivos). 
 Princípios da escola: mudança obedece a leis sem 
exceção (regularidade levada às últimas conseqüências 
e analogia (associação de formas) 
O princípio da regularidade da mudança fonética leva 
em conta que o som varia com regularidade 1) quando 
não variam os seus condicionamentos fonéticos, 2) 
ocorre num período de tempo determinado e numa 
mesma região e 2) se nenhum fator de outra natureza 
interferir (condicionamento semântico ou outra norma 
dialetal). 
Observar os paradigmas abaixo e tentar formular 
uma regra que dê conta da mudança fonética: 
Grupo 1: Grupo 2: Grupo 3: 
vita > vida tres > três citare > citar (século XIII) 
rota > roda septem > sete explicitu > explícito (séc XIV) 
patre > padre tabula > tábua paternu > paterno (século XVI) 
 rotula > rótula (XVII) 
Observe agora outro paradigma: 
latim português espanhol italiano 
mutare mudar mudar mutare 
vita vida vida 
rota roda rueda 
patre padre padre 
materia madeira madera 
tabula tábua tabla 
 
rotula rótula rótula 
paternu paterno paterno 
capillu cabelo cabello 
acutu agudo agudo 
 
 
2
 amare (C1) – delēre (C2)- sapěre -(C3)-audire(C4) 
 
 
 
5) Perspectivas teóricas mais modernas (século 
XX) 
Sincronia x diacronia: aparente incompatibilidade 
Com o Estruturalismo de Saussure, há uma 
mudança de perspectiva em relação ao que havia 
até então. Contrapondo-se ao historicismo
reinante, há uma valorização do estudo sincrônico 
em detrimento do estudo diacrônico: duas são as 
maneiras de abordar a linguagem humana: análise 
do sistema lingüístico em nível abstrato nas suas 
relações de SIMULTANEIDADE (sincronia) e 
SUCESSIVIDADE (diacronia). Defende-se que a 
língua (langue) é homogênea e pode ser 
depreendida da fala (parole) que é heterogênea. 
O mais importante é buscar a relação entre os 
elementos sistêmicos simultâneos, não 
interessando os estágios anteriores. O sincrônico 
constitui uma realidade verdadeira e única e pode 
ser depreendido através do testemunho dos 
falantes: observar a língua num momento dado da 
história (estático). A sincronia seria para 
Saussure incompatível com a diacronia, a primeira 
por ser estática e a segunda por seu caráter 
evolutivo. Muitas vezes a interferência de 
aspectos históricos na análise descritiva pode nos 
levar a conclusões absurdas. Vejamos dois 
exemplos clássicos: 
Ex1: comer < comedere (lt.) (prefixo = com ~ 
cum + raiz = edere (deglutir um alimento) 
comedere = deglutir um alimento (comer) em 
companhia de alguém, confraternizando-se 
(significado social). 
comeder(e) (queda da consoante sonora 
oclusiva –d - em posição intervocálica e síncope 
da vogal átona final –e-) 
comeer (crase das vogais) > comer 
Resta ao verbo apenas o antigo prefixo que 
significava “reunião”. Sob o ponto de vista 
diacrônico, comer significaria “fazer alguma coisa 
com alguém”, mas não necessariamente “comer = 
deglutir...” 
Ex2: comigo < com + mecum > mecum > mecu > 
migo 
Entretanto, tal concepção dicotômica entre 
sincronia e diacronia e entre homogeneidade e 
estrutura inviabiliza o entendimento da mudança 
lingüística. Durante os períodos de mudança como as 
pessoas continuariam a se comunicar? A 
regularidade não implica em comportamentos 
Laboratório de História do Português Brasileiro – Célia Lopes 3 
homogêneos, unânimes e simultâneos, pois as línguas 
não mudam em blocos. Para que os sistemas mudem é 
preciso que tenha havido um período de variação. A 
história da língua é uma aventura em terrenos 
móveis e não estáticos., pois em qualquer recorte 
que se faça é possível observar a variação (relações 
com o passado mais remoto e com o futuro mais 
próximo). 
Pressupostos variacionistas: uma teoria da 
mudança lingüística 
Com o advento da Sociolingüística há uma 
mudança de perspectiva com relação à concepção de 
língua, mais especificamente com relação ao objeto 
de estudo da Lingüística. A contradição entre a 
concepção de língua como um sistema homogêneo e 
autônomo, e a noção de mudança lingüística foi 
talvez o estopim que desencadeou esse novo olhar 
sobre o objeto. Se o sistema lingüístico é 
homogêneo, autônomo, constituído por unidades 
invariáveis e articuladas, ou seja, se é 
sincronicamente “perfeito”, por que mudaria? A 
contradição entre mudança e sistema, que se 
discute com base principalmente em Weinreich et 
alii (1968), Labov (1994), Lucchesi (1998), fez com 
que a “dimensão sócio-histórica do fenômeno 
lingüístico” ganhasse um novo status nas análises 
lingüísticas neste final do milênio. 
É basicamente a partir dos estudos 
sociolingüísticos instaurados por Labov que se 
procura superar a perspectiva, até então reinante, 
de que o sistema é o domínio da invariância. 
Defende-se, pois, que a variação é inerente às 
línguas e que ela, na verdade, não é aleatória, mas 
sistemática e predizível tanto estrutural quanto 
socialmente. Dessa forma, há de se considerar na 
análise lingüística a inter-relação de fatores 
internos e externos ao sistema. Um dos aspectos 
mais interessantes dessa perspectiva é a 
possibilidade de se observar a dinamicidade da 
mudança em progresso quando se estudam 
fenômenos variáveis num determinado momento e 
nas diferentes faixas etárias, o que se convencionou 
chamar de estudo da mudança em tempo aparente. 
O estudo da mudança lingüística, ou os caminhos que 
ela tende a seguir, podem ser predizíveis, antes 
mesmo de a mudança estar concluída. A observação 
de processos em curso através de uma análise 
distribucional e quantitativa das variáveis por faixas 
etárias (tempo aparente) possibilita a inferência de 
fenômenos que operaram no passado. 
Entretanto, há de se considerar que os estudos 
em tempo aparente podem, na verdade, como 
discutido em Labov (1994), indicar apenas 
uma variação estável constituída por um padrão 
característico de gradação etária que se mantém em 
cada geração, não representando realmente 
mudanças na comunidade de fala. Por isso, para 
melhor caracterizar os fenômenos de mudança 
lingüística, aliam-se à análise em tempo aparente os 
estudos em tempo real, seja, nos termos de Mattos 
e Silva (1991, 1995,1997), de longa duração, 
analisando-se através de séculos um período 
dilatado de tempo, seja de curta duração, em que se 
comparam duas fases discretas de tempo, como 
duas décadas. Os estudos apresentados em Labov 
(1994), limitados às análises de fenômenos fonético-
fonológicos, procuram dar conta da mudança 
lingüística levando em conta o tempo real de curta 
duração, tendo em vista o que denomina de estudo 
de painel (panel study) e estudo de tendências 
(trendy study). O primeiro consiste no recontato 
dos mesmos falantes em período posterior e o 
segundo na constituição de uma nova amostra 
representativa. 
As observações em tempo real, ou seja, a 
observância de uma comunidade de fala em dois 
pontos discretos de tempo, podem, conjugadas às 
análises em tempo aparente, vir a facilitar a 
identificação do tipo de mudança lingüística que 
está em jogo, permitindo estabelecer os estágios de 
sua evolução com relativa certeza e confirmando as 
possibilidades levantadas em tempo aparente. Deve-
se considerar, no entanto, que estudos em tempo 
real levantam uma série de problemas metodológicos 
e até mesmo a falta de continuidade, de interesse e 
de financiamento para um projeto que demandará 
um largo período de tempo. 
Labov defende, pois, que no lugar de usar o 
passado para explicar o presente, como se faz na 
lingüística histórica, há de se empregar estratégia 
oposta: fazer uso do presente para interpretar o 
passado, colocando em cena um estudo prévio, 
repetindo-o sempre que possível, para que enfim se 
possa dizer se o processo de mudança observado 
tem continuidade em tempo real ou se permanece o 
mesmo tipo de variação identificada em tempo 
aparente. Tal perspectiva leva em conta que através 
da observação do desenvolvimento de um fenômeno 
lingüístico no presente pode-se inferir um 
processo que ocorreu no passado, pois a mudança 
é constante: por isso o exame atento do presente 
pode evidenciar que muito do passado está 
conosco. Os fatores que produzem mudanças, não só 
lingüísticas, mas na vida humana, não são abruptos e 
Laboratório de História do Português Brasileiro – Célia Lopes 4 
repentinos, mas atuam lentamente, num processo 
contínuo, por isso que a mudança lingüística requer a 
observação de dois ou mais estágios de uma língua. 
Na trajetória da mudança, há estágios 
intermediários em que formas em conflito se 
distribuem irregularmente entre falantes e ouvintes 
num processo que pode aparentemente durar 
séculos. 
Em suma, reconhece-se que a maior contribuição 
da concepção de mudança discutida sob a égide dos 
estudos labovianos e de seus pares (Weinreich et al 
1968, Labov, 1994) está na identificação de 
elementos sociais atuando na mudança lingüística. 
Os principais pressupostos sobre a natureza da 
mudança lingüística levam em conta, em síntese, que: 
1.Nem toda variabilidade e heterogeneidade
na 
estrutura da língua envolve mudança, mas toda 
mudança envolve variabilidade e heterogeneidade. 
2.A generalização de uma mudança lingüística 
através da estrutura lingüística não é nem uniforme, 
nem instantânea, nem aleatória, e envolve a 
covariação de mudanças associadas num largo 
período de tempo. (condicionadores da mudança). 
3.A mudança lingüística se inicia quando a 
generalização de uma alternância particular num 
dado subgrupo se propaga paulatinamente por toda a 
comunidade de fala. Ela não está confinada a um 
grupo discreto como a família. 
4.Como a mudança lingüística é encaixada na 
estrutura lingüística, a propagação de traços 
característicos de variação na fala é gradualmente 
generalizada para outros elementos do sistema. 
5.Fatores sociais e lingüísticos estão inter-
relacionados no desenvolvimento da mudança 
lingüística. 
6. O indivíduo pode ter maior ou menor consciência 
social da mudança e fazer avaliações subjetivas, 
chegando a ter, nos estágios finais um 
reconhecimento social aberto com reações negativas 
e estereótipos que incentivam uma certa 
preservação das formas conservadoras (evaluation 
problem). 
Para discutir I: 
Labov defende que “o exame atento do presente 
pode evidenciar que muito do passado está conosco”. 
Observe o que diz Mattoso sobre o léxico do 
português, analise o corpus (amostra) apresentado e 
tente explicar de forma generalizada as variantes 
encontradas atualmente no português. 
“O léxico do português (...) é 
fundamentalmente de origem latina. O acervo 
lexical latino divide-se em dois estratos 
essencialmente distintos. Há o núcleo lexical que se 
radicou no romanço lusitânico com a adoção do latim 
pelas populações nativas ibéricas (origem vulgar, 
termos populares), além de uma rica e complexa 
série de palavras, tomadas de empréstimo do latim 
clássico e de cunho literário lato sensu, através da 
vida espiritual da região em toda a sua história a 
partir da romanização (termos eruditos). A 
estrutura fonológica e morfológica dos termos 
populares deu origem aos padrões lexicais do 
português. Os empréstimos adaptaram-se a essa 
estrutura fixada a partir dos termos populares, 
provenientes do latim vulgar. (...) Ela é que 
estabeleceu os padrões de temas nominais e verbais, 
das desinências de plural e feminino no nome, das 
desinências número-pessoais e modo-temporais do 
verbo...”(p.189-190). 
Latim português 
vita > vida - vitalidade 
capillu > cabelo - capilar 
manu > mão - manufaturado 
pane > pão - panificadora 
plenu > cheo > cheo > cheio - plenitude 
luna > lua > lua - lunar 
dolore > door > dor - dolorido 
materia > madeira - matéria 
digitu > dedo - digital 
cane > cão - canino 
fidele > fiel - fidelíssimo 
crudele > cruel - crudelíssimo 
oculus > olho - óculos, ocular 
speculum > espelho - especulação 
A partir da discussão proposta e, principalmente, do 
fragmento em negrito (p.3), analise os dados a seguir: 
Variedade do PB falado Appendix Probi 
cosca por cócegas calida non calda 
abobra por abóbora speculum non speclum (espelho) 
arve por árvore masculus non masclus (macho) 
oclos por óculos oculus non oclus (olho) 
 viridis non virdis (verde) 
 
 
 
 
 
 
 
Laboratório de História do Português Brasileiro – Célia Lopes 5 
:
 
3 A variável é considerada dependente, pois o 
emprego das variantes não é aleatório, mas 
influenciado por grupos de fatores (variáveis 
independentes) de natureza social ou estrutural. 
Grupos de fatores condicionantes: 1) tipo 
morfológico do verbo e 2) posição do sujeito: 
1) a) formas verbais mais salientes favorecem a 
concordância (presença de marca) ex: eles beberam/ele 
bebeu 
 b)formas verbais menos salientes desfavorecem a 
concordância (ausência de marca) ex: eles bebe(m)/ele 
bebe 
2) a) sujeito pré-verbal [+ conc.] ex: Os ministros 
saíram 
 b) sujeito pós-verbal [- conc.] ex: Saiu rapidamente 
os ministros. 
 
Conceito Definição Exemplo: 
 
Variável lingüística/ 
Fenômeno 
variável/ 
Variável 
dependente 
É o objeto ou o foco da pesquisa. “Uma variável 
é concebida como dependente no sentido que o 
emprego das variantes não é aleatório, mas 
influenciado por grupos de fatores de natureza 
social ou estrutural” (Mollica e Braga, 2003:11). 
EX: 1) Alternância entre nós e a 
gente 
2) Concordância verbal3 
 
 
 
 
 
 
Variantes 
Formas lingüísticas alternantes que configuram 
um fenômeno variável. 
As variantes podem permanecer estáveis nos 
sistemas ou podem mudar quando uma das 
variantes desaparecer. 
1) Nós x a gente 
 
2) A concordância verbal se 
realiza através de duas variantes 
(alternativas possíveis): presença 
de marca de concordância x 
ausência de marca de 
concordância. 
Eles cantam x Eles cantaØ 
Variável 
independente ou 
Grupo de fatores: 
a) internos, 
intralingüísticos ou 
estruturais; 
b) externos, 
extralingüísticos ou 
sociais 
Condicionantes de natureza social e estrutural 
que influenciam no emprego das variantes 
(aumentando ou diminuindo sua freqüência e 
ocorrência). São os parâmetros reguladores dos 
fenômenos variáveis, condicionando positiva ou 
negativamente o emprego de formas variantes. 
a) Variável tempo verbal 
(presente do indicativo favorece a 
forma a gente e o pretérito nós” 
(fator interno) 
b) Grau de escolaridade, gênero, 
faixa etária (fatores externos) 
Laboratório de História do Português Brasileiro – Célia Lopes 6 
* Do latim ao português * No português do Brasil atual 
 
Redução dos seis casos do latim clássico ao 
acusativo 
 
Além das 5 declinações, havia, no latim, diferentes 
desinências para expressar os diferentes casos, ou 
categorias relacionais (as diversas funções exercidas pelo 
nome na frase (nominativo (sujeito), genitivo (adj. adn.), 
acusativo (obj. direto), dativo (obj. ind.) e ablativo (adj. 
adv.)), caracterizando o latim clássico como uma língua que 
apresentava um sistema rico de flexões (morfologia 
forte). 
A indicação morfológica do caso permitia à sentença 
clássica total liberdade na ordem dos seus constituintes. 
Entretanto, houve uma drástica redução dos casos 
latinos, restando, em português, basicamente o acusativo, 
por conta das seguintes razões fonéticas: 
1) existência de desinências idênticas para 
diferentes casos de uma mesma declinação ou para 
outros casos em outras declinações; 
2) tendência de se obscurecer o /m/ final.. 
3) perda da quantidade das vogais neutralizou a 
distinção entre o nominativo e o ablativo. 
1a declinação: Sg. Pl 
Nom. serv-a serv- ae 
Gen. serv- ae serv- arum 
Ac. serv- am serv- as 
Dat serv- ae serv- is 
Voc serv- a serv- ae 
Abl. serv- a serv- is 
 
Perda morfológica: redução dos casos 
Numa primeira etapa, com a identidade de certas 
desinências de caso, a oposição básica ficou estabelecida 
entre o nominativo e o acusativo, com a queda do /m/ 
final, essa oposição se perde também na primeira 
declinação. 
Ganhos sintáticos: ordem mais rígida na sentença e 
maior emprego das preposições 
No sistema do português, o caso passa a ser 
substituído/atribuído por uma ordem mais rígida na 
sentença ou ainda expressa por preposições. 
Há de se considerar ainda que numa fase intermediária 
o nominativo absorveu o vocativo, e o genitivo, ablativo e 
dativo são substituídos pelo acusativo precedido de 
preposição. 
Ex: cum discentibus (abl. Pl) > cum discentes (acusativo) 
Está no Appendix Probi: nobiscum nom noscum; vobiscum nom 
voscum (cum rege acusativo em vez de ablativo) 
Houve um uso mais freqüente das preposições com o 
acusativo para estabelecer relações
de dependência entre os 
constituintes da sentença, estabelecidas antes pela flexão 
casual. A preposição de, por exemplo, torna-se a 
“preposição favorita” assumindo o domínio funcional de 
outras preposições (a(b) “proveniência”, ex “movimento de 
dentro para fora” e a própria idéia de posse. 
 
 
Português do Brasil: de sujeito nulo a sujeito pleno 
 
Vários estudos já mostraram que o PB, na sua 
modalidade escrita, estaria passando de uma língua de sujeito 
nulo (parâmetro pro-drop, Chomsky, 1981) para língua de 
sujeito pleno (não pro-drop), na qual a presença do sujeito é 
obrigatória em função da ausência da desinência verbal. Uma 
das razões para o maior preenchimento do sujeito está 
relacionada ao enfraquecimento da concordância verbal. 
Segundo Naro & Lemle (1977) nos casos em que há menor 
saliência fônica, ou seja, quando a diferença entre o singular 
e o plural é menos marcada (fala/falam) a concordância 
tende a ocorrer menos, ao passo que quando a diferença 
fônica é maior, há maior presença da marca de concordância 
(é/são). 
Aqui novamente uma perda fonética (obscurecimento 
de elementos finais) levaria a uma perda morfológica e a 
um ganho sintático (preenchimento obrigatório do sujeito), 
uma vez que com a neutralização entre o singular e o plural 
cabe ao pronome a incumbência funcional de marcar a 
pessoa do verbo. Outras razões também contribuíram para 
tal mudança. Duarte (1993) mostra que a trajetória do pronome 
nulo para o pronome pleno na função de sujeito ocorre, 
principalmente, pela simplificação do sistema flexional de 6 
para 3 formas. 
Antes: 6 pessoas > agora: 3 pessoas 
P1 (Eu) canto P1 Eu canto 
P2 (Tu) cantas P2 Você canta 
P3 (Ele) canta P3 Ele canta 
P4 (Nós) cantamos P4 A gente canta 
P5 (Vós) cantais P5 Vocês cantam 
P6 (Eles) cantam P6 Eles cantam 
Perda morfológica: redução do paradigma verbal 
A gramaticalização das formas nominais V.M. > você e a 
gente acarretou na reorganização do nosso sistema 
pronominal, influenciando ainda na reorganização do sistema 
pronominal (sujeitos plenos e objetos nulos): Eu entreguei  pro 
João (PB) x  Entreguei-o pro João (PP) 
Ganhos sintáticos: ordem mais rígida na sentença, 
preenchimento obrigatório do sujeito e apagamento do 
objeto 
A presença de clíticos acusativos de 3a pessoa (o, a, os, as) em 
próclise no PB cria certas ambigüidades e, por isso, tais 
formas vem sendo eliminadas, gerando construções com 
objeto nulo ou construções com pronome tônico na posição 
de objeto: Entreguei  pro João ou Entreguei ele pro João (PB). No 
PB, preenche-se o sujeito em detrimento do objeto e no PP 
faz-se o contrário, os clíticos são retidos como objetos 
diretos. Paulo viu Maria ontem? (PB) Sim, ele viu  x(PE) Sim,  
a viu. 
Tais fenômenos causam a reorganização dos padrões 
sentenciais básicos do PB : uma ordem mais rígida (SVO). 
Por estar passando de língua de sujeito nulo para língua de 
sujeito pleno, o PB está perdendo as possibilidades de 
apresentar sujeito nulo e inverter o sujeito. Além de 
observarmos a emergência de objeto nulo e pronomes 
tônicos com OD, refletindo numa maior rigidez na ordem 
para evitar ambigüidade.

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Mais conteúdos dessa disciplina