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Laboratório de História do Português Brasileiro – Célia Lopes 1 História da língua e lingüística histórica: alguns pressupostos teóricos sobre mudança Célia Lopes1 Unidade I - Introdução Síntese: 1) Lingüística histórica = objeto de estudo (mudança lingüística/relação entre língua e sociedade 2) O que sofre mudança? 3) Que mudanças são mais facilmente observáveis? 4) Teorias e métodos de análise: - O método comparativo - Os neogramáticos: mudança fonética (a regularidade levada às últimas conseqüências) 5) Perspectivas teóricas mais recentes - Sincronia x diacronia: aparente incompatibilidade - A heterogeneidade ordenada (sociolingüística): variação e mudança 1) Lingüística histórica e história da língua O objeto de estudo da disciplina História da língua é uma língua em particular definida temporal e espacialmente. É possível estudar a história do português, do espanhol, do romeno, etc. A preocupação da disciplina é abordar os fenômenos evolutivos de uma língua particular, estudar as relações estabelecidas entre uma língua e a comunidade que a fala, ao longo da história dessa comunidade. Pressupõe-se, nesse sentido, que os fatos lingüísticos devem ser correlacionados com fatos históricos que os condicionaram. A lingüística histórica, por sua vez, estuda a mudança lingüística de uma ou várias línguas. A mudança é definida como processo pelo qual uma língua viva não fica estagnada, mas evolui, acompanhando o evoluir da sociedade que a utiliza como instrumento de comunicação Nos dois casos, se estabelece o aspecto mais importante na mudança que é a relação entre língua e sociedade, enfatizando a interferência social na mudança lingüística. Alguns autores postulam, por exemplo, que a palatalização do -s implosivo (s em final de sílaba ou palavra) comum à fala do Rio de Janeiro deve ser atribuída à vinda da família Real no século XIX. Esse uso, em Portugal, teve origem nos dialetos do sul e se propagou para o dialeto popular de Lisboa, sendo acolhido pela corte. Para Ivo Castro, colonos portugueses que para o Brasil vieram no século XVIII não eram portadores dessa variante. 2) O que sofre mudança? Não é só o léxico que muda para atender às novas necessidades sociais, mas as estruturas gramaticais e o modo de produzir os sons também se alteram com o tempo. 1 Material elaborado pela Profa. Dra. Célia Lopes (Faculdade de Letras - UFRJ) O significado das palavras se altera e novas palavras surgem para expressar objetos e coisas que são criados. Ex: carrus (celta) “carroça de 4 rodas” uenatu > veado “caça morta” escândalo “obstáculo, pedra em que se tropeça” 3) Que mudanças são mais fáceis de detectar? As mudanças fonéticas são mais perceptíveis e regulares e talvez por isso a lingüística tenha se dedicado a esse tipo de estudo nos primeiros tempos. filium > filho amatum > amado iulium > julho amicum > amigo foliam > folha sapere > saber 4) Método comparativo No século XIX, no contexto do darwinismo, há um incremento na perspectiva de relacionar a língua e a biologia: as semelhanças entre línguas diversas faziam supor uma língua comum num passado remoto. A língua era regida por leis biológicas infalíveis. Em linhas gerais, a proposta era comparar as línguas para deduzir princípios gerais de evolução histórica das suas unidades gramaticais, lexicais e sonoras. Foi a descoberta do sânscrito (antiga língua clássica da Índia, a mais velha da família indo-européia) que deu impulso à orientação comparativista. A busca das afinidades de parentesco entre línguas da Ásia e da Europa ocupou os grandes lingüistas europeus ao longo do século XIX. Houve grande valorização do método de reconstrução comparada e suas hipóteses: relacionamento entre línguas e regularidade das mudanças lingüísticas para o estabelecimento do protolíngua (herança histórica comum) Exemplo de Tarallo: nábhas (sânscrito) (nuvem) nephos (grego antigo) nebo (eslavônico) *nebhos (protolíngua) língua mãe (proto-indo-europeu - grupo de línguas falado na Europa e Ásia Ocidental). O exemplo a seguir, extraído dos Serões Gammaticaes, de Ernesto Carneiro Ribeiro, de 1890, evidencia reflexos dessa postura nas obras gramaticais: “A parte da lexicologia que estuda a palavra em sua forma e estructura, isto é, como um todo composto de orgãos, chama-se MORPHOLOGIA.As partes ou membros de cada vocábulo, que têm uma funcção especifica, recebem a denominação de orgãos ou elementos morphologicos.” (p.103) No interior da escola de comparativistas, há um grupo que aplicou o modelo para o estudo da variação geográfica, social, etc no âmbito das línguas românicas. Buscava-se comparar as filhas latinas para chegar a origem “vulgar” da mãe latina (nada clássica). Ex: saber (português) savoir (francês) sapere (italiano) Latim vulgar = *saper(e) Laboratório de História do Português Brasileiro – Célia Lopes 2 Latim clássico = sapěre (= saborear). No Latim Clássico (LC), existia sapěre conjugado como capěre (verbos de 3ª conjugação). Tal verbo no LC deve ter sido, no latim vulgar, conjugado como um verbo de 2ª conjugação do tipo delēre.2 Os neogramáticos: a regularidade da mudança fonética O fascínio pela mudança fonética deveu-se à “aparente” regularidade e previsibilidade da seqüência de sons nas palavras. A palavra pode ter história semântica diferente, mas a história fonética de uma palavra é comum a de outras palavras. Discute-se, nesse contexto, o princípio da mudança fonética. Outro fator que pode ter sido primordial para a valorização da mudança fonética é a primazia que a fala passa a ter sobre a escrita, principalmente, a partir dos estudos descritivistas sobre línguas ágrafas. Crítica dos neogramáticos à reconstrução histórica: - Língua do papel (reconstrução leva em conta a escrita não a fala) Busca da protolíngua a partir de documentos escritos acaba por abandonar as variações presentes nas filhas (dialetos vivos). Princípios da escola: mudança obedece a leis sem exceção (regularidade levada às últimas conseqüências e analogia (associação de formas) O princípio da regularidade da mudança fonética leva em conta que o som varia com regularidade 1) quando não variam os seus condicionamentos fonéticos, 2) ocorre num período de tempo determinado e numa mesma região e 2) se nenhum fator de outra natureza interferir (condicionamento semântico ou outra norma dialetal). Observar os paradigmas abaixo e tentar formular uma regra que dê conta da mudança fonética: Grupo 1: Grupo 2: Grupo 3: vita > vida tres > três citare > citar (século XIII) rota > roda septem > sete explicitu > explícito (séc XIV) patre > padre tabula > tábua paternu > paterno (século XVI) rotula > rótula (XVII) Observe agora outro paradigma: latim português espanhol italiano mutare mudar mudar mutare vita vida vida rota roda rueda patre padre padre materia madeira madera tabula tábua tabla rotula rótula rótula paternu paterno paterno capillu cabelo cabello acutu agudo agudo 2 amare (C1) – delēre (C2)- sapěre -(C3)-audire(C4) 5) Perspectivas teóricas mais modernas (século XX) Sincronia x diacronia: aparente incompatibilidade Com o Estruturalismo de Saussure, há uma mudança de perspectiva em relação ao que havia até então. Contrapondo-se ao historicismo reinante, há uma valorização do estudo sincrônico em detrimento do estudo diacrônico: duas são as maneiras de abordar a linguagem humana: análise do sistema lingüístico em nível abstrato nas suas relações de SIMULTANEIDADE (sincronia) e SUCESSIVIDADE (diacronia). Defende-se que a língua (langue) é homogênea e pode ser depreendida da fala (parole) que é heterogênea. O mais importante é buscar a relação entre os elementos sistêmicos simultâneos, não interessando os estágios anteriores. O sincrônico constitui uma realidade verdadeira e única e pode ser depreendido através do testemunho dos falantes: observar a língua num momento dado da história (estático). A sincronia seria para Saussure incompatível com a diacronia, a primeira por ser estática e a segunda por seu caráter evolutivo. Muitas vezes a interferência de aspectos históricos na análise descritiva pode nos levar a conclusões absurdas. Vejamos dois exemplos clássicos: Ex1: comer < comedere (lt.) (prefixo = com ~ cum + raiz = edere (deglutir um alimento) comedere = deglutir um alimento (comer) em companhia de alguém, confraternizando-se (significado social). comeder(e) (queda da consoante sonora oclusiva –d - em posição intervocálica e síncope da vogal átona final –e-) comeer (crase das vogais) > comer Resta ao verbo apenas o antigo prefixo que significava “reunião”. Sob o ponto de vista diacrônico, comer significaria “fazer alguma coisa com alguém”, mas não necessariamente “comer = deglutir...” Ex2: comigo < com + mecum > mecum > mecu > migo Entretanto, tal concepção dicotômica entre sincronia e diacronia e entre homogeneidade e estrutura inviabiliza o entendimento da mudança lingüística. Durante os períodos de mudança como as pessoas continuariam a se comunicar? A regularidade não implica em comportamentos Laboratório de História do Português Brasileiro – Célia Lopes 3 homogêneos, unânimes e simultâneos, pois as línguas não mudam em blocos. Para que os sistemas mudem é preciso que tenha havido um período de variação. A história da língua é uma aventura em terrenos móveis e não estáticos., pois em qualquer recorte que se faça é possível observar a variação (relações com o passado mais remoto e com o futuro mais próximo). Pressupostos variacionistas: uma teoria da mudança lingüística Com o advento da Sociolingüística há uma mudança de perspectiva com relação à concepção de língua, mais especificamente com relação ao objeto de estudo da Lingüística. A contradição entre a concepção de língua como um sistema homogêneo e autônomo, e a noção de mudança lingüística foi talvez o estopim que desencadeou esse novo olhar sobre o objeto. Se o sistema lingüístico é homogêneo, autônomo, constituído por unidades invariáveis e articuladas, ou seja, se é sincronicamente “perfeito”, por que mudaria? A contradição entre mudança e sistema, que se discute com base principalmente em Weinreich et alii (1968), Labov (1994), Lucchesi (1998), fez com que a “dimensão sócio-histórica do fenômeno lingüístico” ganhasse um novo status nas análises lingüísticas neste final do milênio. É basicamente a partir dos estudos sociolingüísticos instaurados por Labov que se procura superar a perspectiva, até então reinante, de que o sistema é o domínio da invariância. Defende-se, pois, que a variação é inerente às línguas e que ela, na verdade, não é aleatória, mas sistemática e predizível tanto estrutural quanto socialmente. Dessa forma, há de se considerar na análise lingüística a inter-relação de fatores internos e externos ao sistema. Um dos aspectos mais interessantes dessa perspectiva é a possibilidade de se observar a dinamicidade da mudança em progresso quando se estudam fenômenos variáveis num determinado momento e nas diferentes faixas etárias, o que se convencionou chamar de estudo da mudança em tempo aparente. O estudo da mudança lingüística, ou os caminhos que ela tende a seguir, podem ser predizíveis, antes mesmo de a mudança estar concluída. A observação de processos em curso através de uma análise distribucional e quantitativa das variáveis por faixas etárias (tempo aparente) possibilita a inferência de fenômenos que operaram no passado. Entretanto, há de se considerar que os estudos em tempo aparente podem, na verdade, como discutido em Labov (1994), indicar apenas uma variação estável constituída por um padrão característico de gradação etária que se mantém em cada geração, não representando realmente mudanças na comunidade de fala. Por isso, para melhor caracterizar os fenômenos de mudança lingüística, aliam-se à análise em tempo aparente os estudos em tempo real, seja, nos termos de Mattos e Silva (1991, 1995,1997), de longa duração, analisando-se através de séculos um período dilatado de tempo, seja de curta duração, em que se comparam duas fases discretas de tempo, como duas décadas. Os estudos apresentados em Labov (1994), limitados às análises de fenômenos fonético- fonológicos, procuram dar conta da mudança lingüística levando em conta o tempo real de curta duração, tendo em vista o que denomina de estudo de painel (panel study) e estudo de tendências (trendy study). O primeiro consiste no recontato dos mesmos falantes em período posterior e o segundo na constituição de uma nova amostra representativa. As observações em tempo real, ou seja, a observância de uma comunidade de fala em dois pontos discretos de tempo, podem, conjugadas às análises em tempo aparente, vir a facilitar a identificação do tipo de mudança lingüística que está em jogo, permitindo estabelecer os estágios de sua evolução com relativa certeza e confirmando as possibilidades levantadas em tempo aparente. Deve- se considerar, no entanto, que estudos em tempo real levantam uma série de problemas metodológicos e até mesmo a falta de continuidade, de interesse e de financiamento para um projeto que demandará um largo período de tempo. Labov defende, pois, que no lugar de usar o passado para explicar o presente, como se faz na lingüística histórica, há de se empregar estratégia oposta: fazer uso do presente para interpretar o passado, colocando em cena um estudo prévio, repetindo-o sempre que possível, para que enfim se possa dizer se o processo de mudança observado tem continuidade em tempo real ou se permanece o mesmo tipo de variação identificada em tempo aparente. Tal perspectiva leva em conta que através da observação do desenvolvimento de um fenômeno lingüístico no presente pode-se inferir um processo que ocorreu no passado, pois a mudança é constante: por isso o exame atento do presente pode evidenciar que muito do passado está conosco. Os fatores que produzem mudanças, não só lingüísticas, mas na vida humana, não são abruptos e Laboratório de História do Português Brasileiro – Célia Lopes 4 repentinos, mas atuam lentamente, num processo contínuo, por isso que a mudança lingüística requer a observação de dois ou mais estágios de uma língua. Na trajetória da mudança, há estágios intermediários em que formas em conflito se distribuem irregularmente entre falantes e ouvintes num processo que pode aparentemente durar séculos. Em suma, reconhece-se que a maior contribuição da concepção de mudança discutida sob a égide dos estudos labovianos e de seus pares (Weinreich et al 1968, Labov, 1994) está na identificação de elementos sociais atuando na mudança lingüística. Os principais pressupostos sobre a natureza da mudança lingüística levam em conta, em síntese, que: 1.Nem toda variabilidade e heterogeneidade na estrutura da língua envolve mudança, mas toda mudança envolve variabilidade e heterogeneidade. 2.A generalização de uma mudança lingüística através da estrutura lingüística não é nem uniforme, nem instantânea, nem aleatória, e envolve a covariação de mudanças associadas num largo período de tempo. (condicionadores da mudança). 3.A mudança lingüística se inicia quando a generalização de uma alternância particular num dado subgrupo se propaga paulatinamente por toda a comunidade de fala. Ela não está confinada a um grupo discreto como a família. 4.Como a mudança lingüística é encaixada na estrutura lingüística, a propagação de traços característicos de variação na fala é gradualmente generalizada para outros elementos do sistema. 5.Fatores sociais e lingüísticos estão inter- relacionados no desenvolvimento da mudança lingüística. 6. O indivíduo pode ter maior ou menor consciência social da mudança e fazer avaliações subjetivas, chegando a ter, nos estágios finais um reconhecimento social aberto com reações negativas e estereótipos que incentivam uma certa preservação das formas conservadoras (evaluation problem). Para discutir I: Labov defende que “o exame atento do presente pode evidenciar que muito do passado está conosco”. Observe o que diz Mattoso sobre o léxico do português, analise o corpus (amostra) apresentado e tente explicar de forma generalizada as variantes encontradas atualmente no português. “O léxico do português (...) é fundamentalmente de origem latina. O acervo lexical latino divide-se em dois estratos essencialmente distintos. Há o núcleo lexical que se radicou no romanço lusitânico com a adoção do latim pelas populações nativas ibéricas (origem vulgar, termos populares), além de uma rica e complexa série de palavras, tomadas de empréstimo do latim clássico e de cunho literário lato sensu, através da vida espiritual da região em toda a sua história a partir da romanização (termos eruditos). A estrutura fonológica e morfológica dos termos populares deu origem aos padrões lexicais do português. Os empréstimos adaptaram-se a essa estrutura fixada a partir dos termos populares, provenientes do latim vulgar. (...) Ela é que estabeleceu os padrões de temas nominais e verbais, das desinências de plural e feminino no nome, das desinências número-pessoais e modo-temporais do verbo...”(p.189-190). Latim português vita > vida - vitalidade capillu > cabelo - capilar manu > mão - manufaturado pane > pão - panificadora plenu > cheo > cheo > cheio - plenitude luna > lua > lua - lunar dolore > door > dor - dolorido materia > madeira - matéria digitu > dedo - digital cane > cão - canino fidele > fiel - fidelíssimo crudele > cruel - crudelíssimo oculus > olho - óculos, ocular speculum > espelho - especulação A partir da discussão proposta e, principalmente, do fragmento em negrito (p.3), analise os dados a seguir: Variedade do PB falado Appendix Probi cosca por cócegas calida non calda abobra por abóbora speculum non speclum (espelho) arve por árvore masculus non masclus (macho) oclos por óculos oculus non oclus (olho) viridis non virdis (verde) Laboratório de História do Português Brasileiro – Célia Lopes 5 : 3 A variável é considerada dependente, pois o emprego das variantes não é aleatório, mas influenciado por grupos de fatores (variáveis independentes) de natureza social ou estrutural. Grupos de fatores condicionantes: 1) tipo morfológico do verbo e 2) posição do sujeito: 1) a) formas verbais mais salientes favorecem a concordância (presença de marca) ex: eles beberam/ele bebeu b)formas verbais menos salientes desfavorecem a concordância (ausência de marca) ex: eles bebe(m)/ele bebe 2) a) sujeito pré-verbal [+ conc.] ex: Os ministros saíram b) sujeito pós-verbal [- conc.] ex: Saiu rapidamente os ministros. Conceito Definição Exemplo: Variável lingüística/ Fenômeno variável/ Variável dependente É o objeto ou o foco da pesquisa. “Uma variável é concebida como dependente no sentido que o emprego das variantes não é aleatório, mas influenciado por grupos de fatores de natureza social ou estrutural” (Mollica e Braga, 2003:11). EX: 1) Alternância entre nós e a gente 2) Concordância verbal3 Variantes Formas lingüísticas alternantes que configuram um fenômeno variável. As variantes podem permanecer estáveis nos sistemas ou podem mudar quando uma das variantes desaparecer. 1) Nós x a gente 2) A concordância verbal se realiza através de duas variantes (alternativas possíveis): presença de marca de concordância x ausência de marca de concordância. Eles cantam x Eles cantaØ Variável independente ou Grupo de fatores: a) internos, intralingüísticos ou estruturais; b) externos, extralingüísticos ou sociais Condicionantes de natureza social e estrutural que influenciam no emprego das variantes (aumentando ou diminuindo sua freqüência e ocorrência). São os parâmetros reguladores dos fenômenos variáveis, condicionando positiva ou negativamente o emprego de formas variantes. a) Variável tempo verbal (presente do indicativo favorece a forma a gente e o pretérito nós” (fator interno) b) Grau de escolaridade, gênero, faixa etária (fatores externos) Laboratório de História do Português Brasileiro – Célia Lopes 6 * Do latim ao português * No português do Brasil atual Redução dos seis casos do latim clássico ao acusativo Além das 5 declinações, havia, no latim, diferentes desinências para expressar os diferentes casos, ou categorias relacionais (as diversas funções exercidas pelo nome na frase (nominativo (sujeito), genitivo (adj. adn.), acusativo (obj. direto), dativo (obj. ind.) e ablativo (adj. adv.)), caracterizando o latim clássico como uma língua que apresentava um sistema rico de flexões (morfologia forte). A indicação morfológica do caso permitia à sentença clássica total liberdade na ordem dos seus constituintes. Entretanto, houve uma drástica redução dos casos latinos, restando, em português, basicamente o acusativo, por conta das seguintes razões fonéticas: 1) existência de desinências idênticas para diferentes casos de uma mesma declinação ou para outros casos em outras declinações; 2) tendência de se obscurecer o /m/ final.. 3) perda da quantidade das vogais neutralizou a distinção entre o nominativo e o ablativo. 1a declinação: Sg. Pl Nom. serv-a serv- ae Gen. serv- ae serv- arum Ac. serv- am serv- as Dat serv- ae serv- is Voc serv- a serv- ae Abl. serv- a serv- is Perda morfológica: redução dos casos Numa primeira etapa, com a identidade de certas desinências de caso, a oposição básica ficou estabelecida entre o nominativo e o acusativo, com a queda do /m/ final, essa oposição se perde também na primeira declinação. Ganhos sintáticos: ordem mais rígida na sentença e maior emprego das preposições No sistema do português, o caso passa a ser substituído/atribuído por uma ordem mais rígida na sentença ou ainda expressa por preposições. Há de se considerar ainda que numa fase intermediária o nominativo absorveu o vocativo, e o genitivo, ablativo e dativo são substituídos pelo acusativo precedido de preposição. Ex: cum discentibus (abl. Pl) > cum discentes (acusativo) Está no Appendix Probi: nobiscum nom noscum; vobiscum nom voscum (cum rege acusativo em vez de ablativo) Houve um uso mais freqüente das preposições com o acusativo para estabelecer relações de dependência entre os constituintes da sentença, estabelecidas antes pela flexão casual. A preposição de, por exemplo, torna-se a “preposição favorita” assumindo o domínio funcional de outras preposições (a(b) “proveniência”, ex “movimento de dentro para fora” e a própria idéia de posse. Português do Brasil: de sujeito nulo a sujeito pleno Vários estudos já mostraram que o PB, na sua modalidade escrita, estaria passando de uma língua de sujeito nulo (parâmetro pro-drop, Chomsky, 1981) para língua de sujeito pleno (não pro-drop), na qual a presença do sujeito é obrigatória em função da ausência da desinência verbal. Uma das razões para o maior preenchimento do sujeito está relacionada ao enfraquecimento da concordância verbal. Segundo Naro & Lemle (1977) nos casos em que há menor saliência fônica, ou seja, quando a diferença entre o singular e o plural é menos marcada (fala/falam) a concordância tende a ocorrer menos, ao passo que quando a diferença fônica é maior, há maior presença da marca de concordância (é/são). Aqui novamente uma perda fonética (obscurecimento de elementos finais) levaria a uma perda morfológica e a um ganho sintático (preenchimento obrigatório do sujeito), uma vez que com a neutralização entre o singular e o plural cabe ao pronome a incumbência funcional de marcar a pessoa do verbo. Outras razões também contribuíram para tal mudança. Duarte (1993) mostra que a trajetória do pronome nulo para o pronome pleno na função de sujeito ocorre, principalmente, pela simplificação do sistema flexional de 6 para 3 formas. Antes: 6 pessoas > agora: 3 pessoas P1 (Eu) canto P1 Eu canto P2 (Tu) cantas P2 Você canta P3 (Ele) canta P3 Ele canta P4 (Nós) cantamos P4 A gente canta P5 (Vós) cantais P5 Vocês cantam P6 (Eles) cantam P6 Eles cantam Perda morfológica: redução do paradigma verbal A gramaticalização das formas nominais V.M. > você e a gente acarretou na reorganização do nosso sistema pronominal, influenciando ainda na reorganização do sistema pronominal (sujeitos plenos e objetos nulos): Eu entreguei pro João (PB) x Entreguei-o pro João (PP) Ganhos sintáticos: ordem mais rígida na sentença, preenchimento obrigatório do sujeito e apagamento do objeto A presença de clíticos acusativos de 3a pessoa (o, a, os, as) em próclise no PB cria certas ambigüidades e, por isso, tais formas vem sendo eliminadas, gerando construções com objeto nulo ou construções com pronome tônico na posição de objeto: Entreguei pro João ou Entreguei ele pro João (PB). No PB, preenche-se o sujeito em detrimento do objeto e no PP faz-se o contrário, os clíticos são retidos como objetos diretos. Paulo viu Maria ontem? (PB) Sim, ele viu x(PE) Sim, a viu. Tais fenômenos causam a reorganização dos padrões sentenciais básicos do PB : uma ordem mais rígida (SVO). Por estar passando de língua de sujeito nulo para língua de sujeito pleno, o PB está perdendo as possibilidades de apresentar sujeito nulo e inverter o sujeito. Além de observarmos a emergência de objeto nulo e pronomes tônicos com OD, refletindo numa maior rigidez na ordem para evitar ambigüidade.