Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original
O PALEOLÍTICO INFERIOR1 O que chamamos de Paleolítico Inferior é uma etapa do desenvolvimento cultural extremamente longa e controversa, que abrange a existência humana desde o Homo habilis e alguns contemporâneos Australopitecinos até o Homo sapiens neanderthalensis, mais ou menos entre 2,5 milhões de anos até cerca de 300.000 anos atrás. A questão mais controversa dentro dessa periodização é a inclusão de uma espécie de hominídeo contemporâneo, mas mais evoluído, aos últimos Australopitecinos, ao qual foi dado o nome de Homo habilis, inclusive classificando-o como um novo gênero biológico. Esta espécie foi responsável, aparentemente, pela produção da primeira cultura material, sendo esse um dos critérios fundamentais de sua inserção no gênero humano. O Homo habilis Desde sua primeira descoberta em Olduvai, na Tanzânia, esta forma antiga de hominídeo foi classificada como um novo gênero e espécie: Homo habilis (com sua variedade H. rudolfensis). Durante algum tempo, foi contemporâneo aos Australopitecinos e seu aparecimento está datado em 2,5 milhões de anos. No entanto, sua ligação filogenética com as formas australopitecinas ainda não foi bem esclarecida. Sua abóbada craniana é mais arredondada, mas possui ainda um forte prognatismo facial. Seu peso médio está em torno de 50 kg e sua capacidade craniana varia entre 650 e 700 cc. A área pélvica das fêmeas mostra um grande alargamento, o que significa um desenvolvimento mais prolongado do feto. Outra diferença significativa entre essa forma e os demais Australopitecinos é que no Homo habilis tanto os membros inferiores, associados à locomoção bípede, quanto os superiores, associados à manipulação e produção de artefatos, mostram-se mais evoluídos. Sua 1 Le Paléolithique Inférieur. In: La Préhistoire (OTTE, Marcel). Bruxelles, De Boeck Université, 1999. Tradução e síntese de Jairo Henrique Rogge. Crânios e reconstituição do Homo habilis 2 2 origem parece estar mais ligada à linhagem evolutiva do Australopithecus afarensis e Australopithecus africanus. No entanto, essa questão permanece ainda em aberto. O Homo habilis parece ter sido o primeiro a produzir uma cultura sistemática, sendo que vestígios de uma indústria lítica ainda muito bruta estão associados à sua presença. Os primeiros artefatos produzidos por uma técnica de lascamento intencional e sistematizada foram feitos sobre seixos de quartzo e sílex (Olduvai, na Tanzânia e Ommo, na Etiópia). Essa indústria, difundida posteriormente pela África oriental e meridional, recebeu o nome de Olduvaiense. Os poucos artefatos que caracterizam essa indústria são classificados em dois grandes tipos: “choppers” (uma única face lascada) e “chopping-tools” (duas faces lascadas) e correspondem a instrumentos toscos, com gume abrupto, feitos para quebrar ou trinchar. O Homo erectus Muitos arqueólogos consideram a primeira cultura “puramente paleolítica” aquela associada ao Homo erectus, surgido entre 2,1 e 1,9 milhões de anos atrás na África e tendo se dispersado por outras áreas como o Oriente Médio (1,6 milhões de anos), a Indonésia (1,8 milhões de anos), a China (1,7 milhões de anos) e a Europa, aí com variantes morfológicas de características mais modernas, onde o mais conhecido representante é chamado Homo heidelbergensis, datado em 650.000 anos. Durante esse longo período, que engloba o Pleistoceno Inferior e Médio, o Homo erectus distribuiu-se por uma ampla área, com exceção das latitudes mais altas (acima de 50° norte), mostrando já uma alta capacidade adaptativa. Por toda essa imensa área, um padrão comportamental muito semelhante se reproduziu, deixando traços bastante parecidos com relação à produção tecnológica. Mesmo assim, essa etapa da evolução biológica e cultural ainda é pouco compreendida, devido à provável baixa densidade demográfica dessas populações, que se reflete na baixa densidade de sítios e vestígios. Características Anatômicas A forma humana fóssil genérica é o Homo erectus, chamado assim pelo fato de que foram seus restos os primeiros a serem encontrados e que indicavam uma ligação com a evolução do homem moderno e por apresentar inequívocas características bípedes. A mesma espécie ficou conhecida, em outras regiões em que foi descoberta, por outros nomes como Pithecantropus (Java), Atlanthropus (norte da África) e Sinanthropus (China). Percussão direta e manufatura de um chopping-tool, características da Indústria Olduvaiense 3 3 Características Gerais O primeiro resto esqueletal fóssil encontrado foi um fêmur, no final do século XIX, em Java, por Eugéne Dubois e mostrava evidências concretas de uma posição ereta “normal”. Em geral, sua altura média está em cerca de 1,70 m e sua capacidade craniana entre 800 e 1.100 cc. No entanto, algumas características consideradas arcaicas ainda ocorrem: arcos orbitais e crista sagital pronunciadas, prognatismo e ausência de queixo. Características Regionais A forma geral Homo erectus desenvolveu, ao longo do tempo uma certa variedade de formas particulares. A mais antiga (Homo ergaster) é tipicamente africana e possui datações que variam entre 1,6 e 1,1 milhões de anos. No norte da África, vestígios de Homo erectus (localmente chamado Atlanthropus) foram encontrados na Argélia e no Marrocos. O mais conhecido sítio é Ternifine, na Argélia, datado em 700.000 anos. No sudeste asiático, à descoberta de Dubois em Java (1892) seguiram-se achados em Trinil, Sangiran e N’Gandong, o primeiro datado em cerca de 1 milhão de anos. Recentemente, reavaliações do contexto estratigráfico e novas datas foram feitas sobre estes fósseis, elevando as datas para 2 e 1,6 milhões de anos. Na China, os primeiros vestígios de Homo erectus (localmente chamado Sinanthropus) foram descobertos por Teilhard de Chardin, mas muitos outros achados foram feitos posteriormente por equipes chinesas, norte-americanas e francesas. Os sítios mais importantes são Chou-kou-tien, Lantian e Yanmou, o primeiro apresentando uma datação de 1,7 milhões de anos. Na Europa existem evidências de um grupo regional associado ao Homo erectus, sendo a forma mais conhecida denominada Homo heidelbergensis, classificado a partir de uma mandíbula encontrada em Mauer, próximo a Heidelberg, na Alemanha, em 1907 e datado de 650.000 anos. Mais recentemente, foram encontrados vestígios de uma Crânios e reconstituição do Homo erectus 4 4 variante regional de Homo erectus em Atapuerca, na Espanha, datada em 700.000 anos. Outros vestígios foram encontrados em Petralona, na Grécia (400.000 anos), Arago, na França (450.000 anos), Verteszöllos, na Hungria (250.00 anos) e Bilzingsleben, na Alemanha (280.000 anos). Todos estes últimos, assim como os fósseis encontrados anteriormente como em Steinheim, na Alemanha (400.000 anos) e Swanscombe, na Inglaterra (200.000 anos), são considerados “pré-sapiens” (ou “sapiens arcaicos”) e são todos considerados variações mais modernas de Homo erectus, mas já recebendo o nome da espécie ao qual pertence o Homem moderno. As diversificações e evoluções regionais européias são oriundas de migrações de grupos de Homo erectus vindas da Ásia (especialmente) e da África (secundariamente) e que irão convergir para o Homo sapiens neanderthalensis.2 Cultura Material e Tecnologia Em função da ampla dispersão e diversidade adaptativa das populações humanas durante o Paleolítico Inferior, é lógica a presença de uma certa variabilidade nos artefatos produzidos. No entanto, existem tipos “clássicos” de artefatos que foram disseminados e que podem servir como “marcadores” dessa etapa do desenvolvimento cultural. A própria tecnologia de produção de artefatos, sobretudo os líticos, é bastante homogênea. A percussão direta, feita bifacialmente, cuja concepção inicial é oriunda da indústria Olduvaiense da África, foi a técnica recorrente e produziu um tipo muito característico e amplamente difundido de instrumento: o biface ou “machado de mão”. Esses artefatos atingiram seu maior grau de elaboração entre as variedades mais modernas (sapiens arcaicos) do Paleolítico Inferior europeu, recebendo o nome de indústria Acheulense. No entanto, a cultura material não se resume somente nesses artefatos-tipo. Uma série de outros artefatos (raspadores, talhadores) foram fabricados a partir da mesma técnica de lascamento direto. Muitas lascas foram também usadas, brutas ou retocadas e existem evidências do uso da madeira como matéria-prima para a fabricação de outros artefatos. Fragmentos ou partes inteiras de lanças de madeira foram encontradas em 2 Recentemente existe uma tendência em suprimir o nome específico sapiens, ficando apenas Homo neanderthalensis, como uma subespécie do Gênero Homo. Técnica de lascamento e produção de um biface Acheulense 5 5 Melka Kunturé (África), em Ambrona (Espanha), em Clacton (Inglaterra) e em Schöningen (Alemanha). Além disso, muitos artefatos líticos mostram vestígios de terem sido usados no beneficiamento da madeira. Outro elemento cultural extremamente significativo é o uso do fogo. O uso intencional do fogo está registrado em sítios como Melka Kunturé (África), Verteszöllos (Hungria), Chou-kou-tien (China) e Terra Amata (França). O uso do fogo tem, nesse contexto, um significado muito especial, já que possui um papel social importante no sentido de proteção e união do grupo. Modos de Vida São recorrentes os sítios localizados próximos a pontos de abastecimento de água (lagos, riachos) e próximos a fontes de matéria-prima lítica (especialmente depósitos de seixos). Em geral, os sítios encontrados estão representados por locais onde a matéria-prima era tecnologicamente transformada em artefatos (são os chamados “sítios-oficina”); raramente encontram-se sítios de habitação. Uma exceção importante é o sítio de Terra Amata (França), onde foram encontrados vestígios de pequenas cabanas ovais, a partir da disposição do material arqueológico no solo. Estruturas semelhantes parecem ocorrer em Bilzingsleben (Alemanha) e em Melka Kunturé (África), mas estas foram menos estudadas. Com relação à economia, a caça parece ter sido um componente bastante importante, sendo que as práticas de caça foram, ao mesmo tempo, o produto e a causa de uma organização social mais eficiente. Os animais caçados eram, em geral, grandes herbívoros, fornecendo grande rentabilidade em termos alimentares. As armas utilizadas foram, provavelmente, variadas. No entanto, é certo o uso de lanças de madeira, algumas com pontas endurecidas ao fogo (como a encontrada em Clacton, Inglaterra). Artefatos característicos da indústria Acheulense 6 6 Outras técnicas, como o encurralamento ou a abertura de fossos deveriam também ter sido empregadas. Por outro lado, não somente a carne faria parte da dieta das populações do Paleolítico Inferior mas também os vegetais, especialmente nas regiões de clima mais temperado. Aspectos Sociais As reconstituições da demografia, com base na intensidade dos vestígios arqueológicos presentes nos sítios, sugerem a existência de “bandos” com cerca de cinqüenta indivíduos em média, provavelmente formados por grupos nômades e exógamos, o que é sugerido pela homogeneidade das tradições culturais encontradas, fenômeno que é facilitado pela circulação de indivíduos (e idéias) entre os bandos. A prática da caça sugere e exige uma organização social razoável, a fim de estabelecer planos de ação e tomadas de decisão coordenadas, para definir o papel de cada indivíduo nessa e em outras atividades. Isso implica na existência de laços sociais e familiares, já que tais laços facilitam muito o processo de enculturação, pelo qual padrões tecnológicos e de comportamento passam de geração a geração. O papel do uso do fogo, já mencionado anteriormente, possui também um significado social e simbólico muito grande, especialmente como elemento de integração social.