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Estado e Sociedade: Novas Regras do Jogo?1 Oscar Oszlak2 1 Introdução............................................................................................................................1 2 As fases ou etapas da reforma estatal ...............................................................................3 3 Sobre papéis e agendas .....................................................................................................5 4 A tripla relação Estado-Sociedade......................................................................................9 5 As relações funcionais ......................................................................................................14 6 As relações materiais ........................................................................................................21 7 As relações de dominação................................................................................................27 8 Globalização, Internacionalização e Integração...............................................................36 9 Reflexões Finais ................................................................................................................43 10 Bibliografia .........................................................................................................................45 1 Introdução Em boa parte do mundo, a última década tem sido testemunha de transformações fundamentais, tanto nas relações entre os Estados e suas sociedades nacionais como nos padrões de organização econômica e política no plano internacional . Fenômenos como a desregulação e abertura de mercados, o ajuste do Estado e a economia, a desocupação e flexibilização trabalhista, a privatização de empresas e serviços públicos, a descentralização administrativa e a integração regional, têm redefinido os papéis tradicionais do Estado nacional -principalmente suas funções benfeitoras e empresarias- recolocando ao mesmo tempo o papel do mercado, a empresa privada, os atores e espaços sub e supranacionais. Estes processos têm contribuído para conformar distintas modalidades de um capitalismo desorganizado e difuso, mas hegemônico em relação a outras formas de organização econômica. Ao mesmo tempo, a história recente registra ondas democratizadoras, lutas por novos direitos sociais, desequilíbrios cada vez mais profundos entre pobres e ricos (tratando-se de 1 Revista Reforma y Democracia Nº 9 (1997) CLAD. Caracas. 2 Tradução do espanhol de Henrique Novaes e adaptação e revisão de Renato Dagnino (GAPI – Unicamp) 2 países ou de classes sociais), recrudescimento da xenofobia e os fundamentalismos religiosos, fenômenos que também têm contribuído para transformar radicalmente as relações sócio-políticas dentro de, e entre, Estados nacionais. Estes processos têm voltado a colocar no centro do debate acadêmico a problemática do Estado, que tão fertilmente foi tratada pela literatura especializada nos anos 70, e praticamente desaparecera da agenda acadêmica dos 80, substituída pelos temas da democracia e o renascimento da sociedade civil. Ao final dessa década e, sobretudo, ao longo dos 90, o tema do Estado voltou como problema de pesquisa e ação, mas sobretudo a partir da constatação de que sua dimensão e formas de intervenção estavam sofrendo uma transformação profunda. Entretanto, boa parte da recente e prolífica produção acadêmica e técnica em torno da reforma do Estado se caracteriza por um tratamento que tende a destacar alguns aspectos deste processo e a omitir outros, certamente significativos, razão pela qual se distorce ou obscurece sua devida interpretação. Um traço destacado desta nova produção é a alta proporção de trabalhos que, junto com a descrição e avaliação de processos concretos de reforma, expõem posições normativas ou prescritivas sobre modelos de Estado desejáveis que guardam escassa correspondência com a orientação que manifestam boa parte das reformas em curso. Neste trabalho, me proponho a desenvolver um esquema analítico que permita situar os processos de transformação do Estado e sociedade, no marco das profundas mudanças que se têm operado no capitalismo como sistema de produção e organização social. Neste sentido, analisarei particularmente se, no bojo de tais transformações, também vem sendo modificadas as regras do jogo que governam as relações Estado-Sociedade, com a intenção de contribuir para a construção de uma agenda de pesquisa mais sensível à multidimensionalidade e impacto das recentes transformações. Neste sentido, a hipótese central que orientará o trabalho é que as regras fundantes em que se baseiam os vínculos entre o Estado e a sociedade não têm variado, porque são as mesmas em que se funda o sistema capitalista como modo de organização social; o que provavelmente tem mudado são alguns dos atores, suas estratégias e os resultados do jogo em si. Antes de examinar esta hipótese, apresentarei sinteticamente algumas das tendências fundamentais das transformações que estão operando. 3 2 As fases ou etapas da reforma estatal Tanto as experiências recentes de reforma do Estado como a bibliografia que delas se tem ocupado tende a enfatizar: (a) a necessidade de menos Estado, mais que de menor Estado3; (b) as mudanças no nível nacional, em detrimento dos processos no nível sub- nacional; (c) os aspectos funcionais da reforma, descuidando dos relativos à redistribuição do poder e a renda; e (d) a aparente autonomia estatal -especialmente do Poder Executivo - na adoção das decisões sobre reforma, sem levar devidamente em conta sua forte dependência com relação às restrições e condicionamentos tanto domésticos como supranacionais . Em geral, estas ênfases coincidiram com o que se tem chamado a “primeira” fase ou etapa da reforma estatal, distinguindo esta de uma “segunda” fase cujas características são certamente distintas. Como no caso da substituição de importações, que teve sua “etapa fácil”, existiria uma semelhança na reforma do Estado, enquanto (en tanto) pareceria que muitos países estão completando a etapa mais espetacular deste processo mas, em última instância, mais simples desde o ponto de vista de sua implementação e êxito relativo. Esta etapa - que poderíamos denominar “cirúrgica”, por sua rapidez e radicalidade- se caracterizou pelos traços antes assinalados: uma aparente autonomia dos Poderes Executivos dos países latino-americanos para fixar novas fronteiras funcionais com a sociedade e reduzir o tamanho e intervenção do Estado nacional (Naim, 1996). A etapa que ainda não se iniciou na maioria das experiências nacionais é a “difícil”, a de “reabilitação pós-operatória”, a que está implícita em outros termos das opções colocadas mais acima, quer dizer, conseguir um melhor Estado (não somente menor), tecnológica e culturalmente mais avançado, contemplando o fortalecimento daquelas instituições e programas que promoveram novos equilíbrios nos planos da redistribuição da renda do poder social, e priorizando, ademais, as mudanças necessárias para introduzir nas instâncias sub-nacionais, incluindo especialmente os mecanismos de participação cidadã nesses níveis. O imperativo reducionista que caracterizou a primeira etapa da reforma teve, obviamente, uma íntima relação com a abertura externa, a liberalização econômica e a avassaladora 3 Ainda quando pode se considerar que um aparato estatal mais reduzido é condição necessária e etapa prévia para a obtenção de um melhor Estado. 4 instauração de uma ortodoxia capitalista desconhecida na experiência histórica mundial, processos promovidos compulsivamente em países com diferente orientação política ou ideológica. Ainda em casos extremos, como na China Popular, a reforma estatal se colocou como peça central da transição para uma economia de mercado que, sem renunciar aos postulados ideológicos do socialismo, exigia a adoção do que se denominou “Three Fixes” ou “Triple Decision Principle”: reduzir o conteúdo e alcances da intervenção estatal; diminuir o número de unidades organizativas e contrair o tamanho do quadro de pessoal . Com esta observação, quero marcar dois aspectos que parecem caracterizar os atuais projetos de reforma do Estado e os diferenciam de experiências prévias. Primeiro, a dificuldade para distinguir onde termina a reforma econômica e onde começa a reforma estatal; segundo, a relativa independência desta última tendo em vista a natureza da organização social e política pré-existente, assim como, até certo ponto, com relação às exigências da crise fiscal. Acerca deste diagnóstico dominante que observa a hipertrofia do Estado como principal responsável dos sérios desajustes produzidos no financiamento do gasto público, a associação entre crises fiscais e reforma estatal resulta óbvia: os programas de ajuste estrutural aparecem como a resposta tecnicamente racional para recuperar os equilíbrios macroeconômicos perdidos. Mas o até pouco tempo intocável edifício estatal não teria visto sacudidos seus alicerces se sua demolição ou reformulação fosse unicamente uma resposta ao desequilíbrio fiscal, por mais crônico que este aparecera aos olhos dos gestores políticos. Depois de tudo, as guerras e crises econômicas do passado só deram lugar a mais e não a menos Estado, como ilustram particularmente as políticas keynesianas adotadas em seguida à Grande Depressão ou às crescentes ampliações do gasto público – inflexíveis à baixa – alcançadas por Estados beligerantes em seguida a uma guerra (Peacock e Wiseman, 1961). Ademais, muitas das experiências atuais de reforma estatal têm lugar no contexto de economias prósperas, onde a crise fiscal não parece ser o fator determinante nem o ajuste ortodoxo de uma política que deva ser aplicada custe o que custar. Em países tão contrastantes como Nova Zelândia, Chile ou a República Tcheca, para citar só alguns exemplos, a força motora dos processos de reforma estatal parece ter se originado muito mais centralmente nas necessidades de inserção exitosa dentro de uma nova ordem capitalista globalizada. Nestes casos, pode-se afirmar que a reforma do Estado aparece como um complemento indispensável de uma transformação no plano da organização social e econômica, que 5 resulta muito mais significativa e a ela outorga sentido. Trata-se, no fundo, de um profundo re-estabelecimento do papel e da agenda do Estado, assim como de suas relações com a sociedade civil. 3 Sobre papéis e agendas Apesar de seu crescente descrédito e do virtual desmantelamento a que nos tem submetido à investida neo-conservadora, o Estado segue sendo a máxima instância de articulação social. Utopias extremas, como o anarquismo, o comunismo ou o ultra-liberalismo, jamais se têm visto concretadas historicamente sob a forma de sociedades plenamente desestatizadas. Contudo, as mudanças produzidas nos últimos anos no papel do Estado têm sido vertiginosas e radicais. Pelo menos, têm sido muito mais velozes que o ritmo demonstrado ver.Em um trabalho prévio afirmei que estas mudanças encobrem, na realidade, transformações muito mais profundas, que transcendem a esfera estatal e abarcam o conjunto da sociedade. Para dizer sobre isso em poucas palavras, a reforma do Estado e de seu papel entranha, também, uma reforma da sociedade civil. Ou, para ser mais preciso, uma redefinição das regras do jogo que governam as relações entre ambas esferas (Oszlak, 1994). Uma reflexão mais profunda sobre este ponto me leva agora a recolocar: tal como formula a minha hipótese central, talvez não se trate de uma mudança de regras senão bem mais de jogadores, estratégias e resultados do jogo. A mais visível destas regras que governam as relações Estado-Sociedade – e a que maior atenção tem recebido nos trabalhos sobre a reforma do Estado – é a relativa ao esquema de divisão social do trabalho. Se há algum fenômeno que captura de imediato a atenção do observador destes processos é a radical modificação produzida em poucos anos na responsabilidade assumida pelos Estados sub-nacionais e o setor privado na produção de bens e serviços dos que antes se ocupavam do Estado Nacional. Este fenômeno – que tenho caracterizado em termos de “novas fronteiras” traçadas entre os domínios legítimos da sociedade e o Estado nacional- (Oszlak, 1994), tem ofuscado os acadêmicos e analistas políticos, a ponto de que a reforma do Estado tem tendido freqüentemente a ser confundida com a privatização, a descentralização, a desregulação ou a lobotomizção de seu aparato institucional, medidas que somente instrumentam este 6 deslocamento fronteiriço e o conseqüente novo “tratado de limites” entre Sociedade e Estado. No referido trabalho, sustentei que para uma interpretação mais acabada das transformações que estão sendo produzidas, conviria observar as interações Estado- Sociedade em termos de uma tripla relação, que leve em conta os três tipos de vínculos através dos quais, em última instância, se resolvem os conteúdos da agenda social vigente e as formas de resolução das questões que a integram (Oszlak e O'Donnell, 1976). Estas relações têm considerável incidência na forma como se distribuem, entre ambas instâncias, a gestão do público, os recursos de poder e o excedente social. O foco central deste artigo é aprofundar a análise destes três planos de interação entre Estado e Sociedade, mostrando suas conexões recíprocas e sua vinculação com as características do modelo de organização econômica e reprodução social que subjaz a estes processos. Sobre essa base, indica-se a construção de um modelo analítico, com pretensões explicativas, que permita observar e interpretar, desde um novo ângulo, a lógica global em que parecem inscrever-se os atuais processos de reforma do Estado e deduzir, a partir deste, algo acerca dos padrões que estão se configurando nas relações Estado- Sociedade. Para começar a destrinchar o tema, farei uma afirmação categórica: O Estado é aquilo que faz. Pode-se inferir sua natureza a partir de suas ações. Estas se executam necessariamente através de um aparato institucional, cuja configuração e padrão de atribuição de recursos lhe conferem uma determinada identidade. Bastaria esta simples observação para sustentar a afirmação efetuada, se não deixasse pendente um questionamento prévio: o quê faz com que o Estado faça o que faz? A pergunta evoca de imediato – não casualmente – a questão da razão mesma de ser do Estado. Já não se trata somente do problema de sua identidade senão também de sua essência, de sua “necessidade” e de seu papel na trama das relações sociais. Afirma-se com freqüência que a reforma do Estado leva à transformação de seu papel. A afirmação é quase tautológica porque, se a reforma é real, o Estado já haverá assumido - nesse mesmo processo- um papel diferente. Entretanto, num sentido primitivo, genético, poderia se sustentar que o papel do Estado não muda porque, pelo contrário, estaria negando sua essência. Com efeito, se definimos o Estado como a principal instância de articulação de relações sociais e estas relações correspondem a um determinado padrão de organização e controle social -a ordem 7 capitalista- cuja vigência e reprodução o Estado contribui para garantir, as supostas mudanças de papéis seriam, simplesmente, adaptações funcionais condizentes para reafirmar esse papel originário. O quê é o que muda então? Para responder a esta pergunta recorrerei a uma breve digressão histórica. O surgimento do Estado-Nacional como forma de dominação, tem Estado identificado com a aparição e desenvolvimento do sistema capitalista. Sua formação tem sido parte constitutiva de um processo de construção social caracterizado -entre outros atributos- pela delimitação de um espaço territorial, o estabelecimento de relações de produção e troca, a conformação de classes sociais e o desenvolvimento de sentimentos de pertencimento e destino comum que deram conteúdo simbólico à idéia de nação (Oszlak, 1982, 1997). Portanto, a formação do Estado é um aspecto do processo de definição e construção dos diferentes planos e componentes que estruturam a vida social organizada. Em conjunto, estes planos conformam uma certa ordem cuja especificidade depende de circunstâncias históricas complexas. Contudo, esta ordem social não é simplesmente o reflexo ou resultado da justaposição de elementos que confluem historicamente e se encadeiam de maneira unívoca. Pelo contrário, o padrão resultante depende também dos problemas e desafios que o próprio processo de construção social encontra em seu desenvolvimento histórico, assim como das posições adotadas e recursos mobilizados pelos diferentes atores – inclusive o próprio Estado- para resolvê-los. Estes problemas e desafios são parte da agenda do Estado-Nacional sempre em mudança. A agenda estatal representa o “espaço problemático” de uma sociedade, o conjunto de questões não resolvidas que afetam a um ou mais de seus setores -ou à totalidade dos mesmos- e que, portanto, constituem em objeto de ação do Estado, seu domínio funcional. As políticas que este adota são, no fundo, tomadas de posição de seus representantes e instituições frente às diversas opções de resolução que essas questões vigentes admitem teórica, política ou materialmente. A vigência destas questões, quer dizer, sua presença permanente na agenda, revela a existência de tensões sociais, de conflitos não resolvidos e de atores mobilizados em torno da busca de soluções que expressem seus interesses particulares e valores. Disto se infere sobre a inerente conflitividade do processo de resolução de questões sociais e de agenda que elas contêm. O papel do Estado em cada momento histórico poderia ser concebido como uma expressão político-ideológica desta agenda vigente. Seria, em certo 8 sentido, uma decantação das políticas ou tomadas de posição predominantes e de sua conseqüência: a conformação de um aparato institucional orientado a resolver as questões no sentido escolhido, colocando em jogo para ele os diversos recursos de poder que em cada momento está em condições de mobilizar. Colocado neste plano de análise, esse papel estatal congênito e transcendente, pode expressar-se em termos de umas poucas questões constitutivas da agenda que insinua, basicamente, os problemas de reprodução de uma ordem social na qual podem desenvolver-se as forças produtivas. No século passado, estas questões se sintetizaram na fórmula “Ordem e Progresso”. Já neste século é transformada em tensão permanente da expansão do capitalismo, esta fórmula foi sucessivamente rebatizada “Segurança e Desenvolvimento”, “Estabilidade e Crescimento”, “Governabilidade e Produtividade” ou, em sua versão argentina atual, “Ajuste e Revolução Produtiva”. Assim como no século XIX era preciso gerar condições de “ordem” sob a quais pudesse prosperar a atividade econômica, a palavra de ordem atual tem características similares: demonstrar, mediante uma série de decisões genericamente denominadas “ajuste”, que se está apontando para a criação de um horizonte de previsibilidade, de permanência de certas regras do jogo, que supostamente deveriam induzir os agentes econômicos a realizar a “revolução produtiva”. Obviamente, a agenda não se esgota nestas duas grandes questões. Uma terceira, surgida e instalada firmemente na cena pública em fins do século passado, foi a “questão social”, quer dizer, os conflitos ao redor da distribuição eqüitativa da renda, a riqueza e as oportunidades, suscitados em virtude das tensões e contradições sociais geradas pela ordem capitalista que foi se conformando. Para enfrentá-la e tentar resolver seus aspectos mais críticos, o Estado-Nacional assumiu novas responsabilidades que gradualmente foram se formalizando juridicamente e cristalizando institucionalmente, através de sucessivas adições ao aparato burocrático existente. Esta nova manifestação do papel estatal na moderação do conflito social, se traduziu em programas e políticas que apontaram -entre outros objetivos- à redução da pobreza, à obtenção de melhores condições de trabalho e negociação trabalhista, enfim, à preservação da saúde, a instituição de regimes de previdência social ou a extensão da educação às camadas mais despossuídas da população, ações que foram definindo os traços característicos do denominado Estado de Bem-Estar . 9 Certamente, a adição desta terceira questão tampouco esgota a agenda, mas, em todo caso, poderia argumentar com certo fundamento que nas questões de ordem ou governabilidade da sociedade, do desenvolvimento das forças produtivas e da redução das desigualdades sociais, se concentra grande parte da agenda problemática do Estado. Todas elas geram necessidades e opções para sua intervenção mas, paradoxalmente, também originam pressões para que a responsabilidade de resolver essas questões seja transferida a outras instâncias e atores sociais... ou às forças do mercado. Por exemplo, para “descer a terra” estas reflexões abstratas, a reclusão de delinqüentes ou o controle do estacionamento de veículos numa via pública –gestões vinculadas principalmente com a manutenção da “ordem” - têm sido exercidas tradicionalmente pelo Estado, mas as experiências de gestão privada nesta área (geralmente, sob contratos de concessão de serviços) estão se estendendo. Outras funções que o Estado exerceu intensamente, como o controle de preços, da paridade cambial ou do investimento externo, têm sido gradualmente confiadas à mão visível do mercado. No que se refere à promoção do desenvolvimento, o papel preponderante cumprido pelo Estado como produtor de bens e serviços, como principal responsável pelo avanço científico e tecnológico, como regulador do mercado de trabalho, como construtor da infra-estrutura material dos países ou, inclusive, como interventor no comércio exterior, tem dado passo a um crescente abandono de suas funções reguladoras e empresariais, posição que tem tendido a favorecer o grande capital privado, nacional e transnacional. Por último, também as funções relativas ao bem-estar (saúde, educação, previdência social, moradia) têm sido praticamente abandonadas pelo Estado-Nacional tendo em vista seu papel como produtor direto de bens e serviços nestas áreas, as quais têm sido assumidas pelos Estados sub-nacionais, a empresa privada e as ONGs. Como resultado, a agenda de questões socialmente problematizadas e o papel do Estado- Nacional em sua resolução, têm sofrido uma profunda mutação quantitativa e qualitativa. Meu argumento central é que este processo deve ser interpretado não somente em termos funcionais – quer dizer, “de que deve ocupar-se O Estado-Nacional” - senão também desde a perspectiva de “quem decide de que tem que se ocupar” e “quanto custa a quem”. 4 A tripla relação Estado-Sociedade 10 Esta colocação propõe, definitivamente, observar as relações Estado-Sociedade em três planos diferentes: no funcional ou da divisão social do trabalho; no material ou da distribuição do excedente social; e no da dominação ou da correlação de poder. Na Figura 1 se observa que a agenda do Estado se vê modificada pelos processos que tem lugar em cada um destes planos, assim como pelos que vinculam aos mesmos entre si. Em cada plano tenta-se representar as relações Estado-sociedade em termos de esferas funcionais, fiscais e de poder, que tem um âmbito próprio (estatal ou social) e uma zona partilhada4. No caso das relações funcionais, ambas as esferas têm responsabilidades exclusivas mas também dividem um âmbito de intervenção comum (por exemplo, serviços educativos, de transporte, de pesquisa e desenvolvimento) representado na zona partilhada (em cinza) que exige, por parte do Estado, não só a prestação dos serviços que lhe cabe mas também – segundo os casos- diversas formas de regulação e promoção da atividade privada. No plano fiscal e re-distributivo, cada esfera participa na distribuição do excedente social mas a zona de superposição expressa a massa de recursos que o Estado nacional extrai da sociedade e devolve à mesma através de gastos, transferências ou inversões que favorecem a determinados setores, cumprindo um papel re-distributivo. Internacionalização Integração Globalização Governabilidade Desenvolvimento Equidade AGENDA Correlação de poder Redistribuição de renda Divisão Social do Trabalho G + D + E = Capitalismo Social e Democrático 4 Cabe esclarecer que a esfera estatal, em todos os casos, abarca exclusivamente o Estado nacional. Por razões de simplificação gráfica, as instâncias estatais sub-nacionais estão incluídas globalmente na esfera da sociedade. 11 Por último, nas relações de dominação, também se representam simbolicamente os recursos de poder que podem mobilizar o Estado e a sociedade, distinguindo-se uma zona comum que pretende expressar o espaço de legitimação do poder por parte da sociedade e que, enquanto se mantém, pode-se considerar como recurso de poder do Estado. As Figuras 1 e 2 destacam, também, uma dimensão externa ao espaço nacional, na qual caberia incluir as variáveis do contexto internacional que incidem sobre as relações dentro de, e entre, os três planos considerados, afetando em última instância os conteúdos da agenda de questões socialmente problematizadas. Refiro-me, fundamentalmente, aos impactos da globalização, à internacionalização do Estado e à integração regional, assim como aos atores institucionais que operam nesse âmbito supranacional, desencadeando processos que incidem sobre a distribuição do poder, os recursos materiais e a gestão pública dos países. Figura 2 REGRAS DO JOGO ESTADO E SOCIEDADE Governabilidade E N E NE N Desenvolvimento Equidade Legitimidade de poder Gestão LEGITIMIDADE CO-GESTÃO REDISTRIBUIÇÃO Imposição Representação Gestão Imposição Ainda que as relações em cada um destes planos estejam governadas por regras do jogo próprias, meu argumento central é que essas regras estão subordinadas, por sua vez, a outras de ordem superior, que se origina dos vínculos que se estabelecem entre os três planos considerados. Talvez a mais antiga destas regras de ordem superior, que remete aos papers do El Federalista, é a clássica "no taxatiom without representation", em óbvia alusão ao vínculo 12 entre o plano material e o plano das relações de poder entre Estado e sociedade. Num vocabulário mais vulgar, equivaleria a dizer: "me nego a pagar impostos se não se me outorga, previamente, o poder de designar meus representantes", principal recurso de poder cidadão no plano político. Mas por sua vez, esta regra suporta sua recíproca: "no power without taxation", já que no poder fiscal reside um dos pilares do poder do Estado, e esse poder não se adquire jamais sem recursos tributários. Poderíamos estender este raciocínio às relações recíprocas entre os outros dois planos. Por exemplo, a regra básica na relação entre os planos funcional e material (ou fiscal) seria, se me permitem continuar utilizando a forma austera da expressão inglesa, "no taxatiom without delivery”, ou seja, “também me nego a pagar impostos se não recebo em troca serviços medianamente satisfatórios”. A recíproca "no delivery without taxation” também seria certa, já que mal poderia o Estado entregar esses bens e serviços sem obter os recursos materiais para isto. De igual maneira, nas vinculações entre os planos funcional e de poder, se poderia delinear outro par de regras do jogo: "no legitimacy without delivery", mas ao mesmo tempo, "no delivery without power". Quer dizer, a legitimidade do Estado, fonte em parte de um poder que em última instância deriva da sociedade, dependerá em boa medida da magnitude e qualidade dos bens e serviços que presta, mas estes não poderão se originar se o Estado não dispõe do poder e a capacidade institucional necessários. A Figura 1 tenta representar estas relações. Ainda que as regras subjacentes sejam relativamente estáveis e marquem as características básicas do jogo de em que participam os atores sociais e atores estatais, o desenvolvimento das partidas em cada momento histórico e os resultados em cada um dos planos da relação são incertos, ainda que – e este é meu argumento – esses resultados sejam mutuamente determinantes. Esta afirmação requer alguns esclarecimentos. No plano funcional, a legitimidade do papel cumprido historicamente pelo Estado tem sido submetida a um profundo questionamento. A fronteira que separa os domínios funcionais do Estado e a sociedade moveu-se, diminuindo o campo de ação admitido de intervenção estatal. A divisão do trabalho entre uma e outra esfera fixa hoje limites muito mais extremos do que o Estado pode e deve fazer. Desde sua particular concepção ideológica, o discurso conservador justifica este novo “tratado de limites” em termos puramente funcionais: trata-se de que “a sociedade” recupere 13 a iniciativa frente a um aparato estatal parasitário e ineficiente, assumindo ou reassumindo tarefas que no momento oportuno foram expropriadas pelo Estado intervencionista. Observemos que, nesta perspectiva, os alcances da relação entre Estado e sociedade se reduzem a um problema de fixar novas regras do jogo entre ambos, a partir de uma análise “técnica” centrada na eficácia e eficiência relativas de uma ou outra gestão social. Deixemos de lado a ficção deste suposto novo protagonismo que estaria assumindo “a sociedade”, suposta herdeira de franjas de ação estatal privatizadas. Bem sabemos que os que efetivamente possuem direitos são os grupos econômicos mais poderosos e que, longe de conduzir a uma gestão mais democrática da coisa pública, a divisão da herança tende a criar um verdadeiro Estado privado5. O ponto que vale a pena destacar é que, ao expor o assunto do jogo novamente, os outros planos da relação – o material e o de poder- também sofrem profundas alterações. Com efeito, a divisão do trabalho entre Estado e Sociedade (quer dizer, quem gere o quê) pressupõe uma relação antecedente e outra resultante. A primeira delas é, simplesmente, a particular relação de poder existente entre ambos. É evidente que a decisão de minimizar o Estado não responde unicamente às exigências técnicas de sua crise fiscal, sendo especialmente a nova correlação de forças que tem se tem estabelecido entre os grupos econômicos altamente concentrados e os representantes estatais, em um marco de crescente globalização das relações econômicas e políticas. A relação resultante se vincula com a distribuição do excedente econômico, através das vinculações fiscais existentes entre Estado e sociedade. Se o Estado cede parcelas de seu domínio funcional a certos gestores privados ou a instâncias sub-nacionais, renuncia simultaneamente a sua pretensão de obter da sociedade os recursos que se requereriam para manter as respectivas funções dentro do âmbito estatal. Em outras palavras, a uma menor intervenção corresponderá uma menor participação no excedente, tanto para sustentar o funcionamento do aparato institucional do Estado nacional, como para cumprir uma função re-distributiva à que tem renunciado de antemão pela simultânea vigência de uma nova concepção sobre as responsabilidades estatais e sociais na gestão do público e de uma nova correlação de forças. 5 O conceito de “sociedade civil” tem sofrido nos anos recentes novas interpretações e alcances. Os autores tendem a coincidir que é preciso distinguir, dentro da sociedade, ao menos quatro setores: o coercitivo ou setor público estatal; o lucrativo, que coincide genericamente com o mercado; o voluntário ou não lucrativo, a que pode denominar-se mais propriamente sociedade civil e o lar, constituído pela família e a vizinhança. Ver Ilchman (1997). 14 Delineado assim o jogo, o resultado é previsível, ainda que não inevitável: uma menor presença do Estado na gestão dos assuntos sociais, unida a uma menor capacidade de extração e alocação de recursos, tenderia a debilitar ainda mais sua posição de poder frente aos setores economicamente dominantes da sociedade. O quadro revela-se ainda mais complexo quando se considera que este conjunto de relações, por sua vez, se vê crescentemente condicionado pelos processos de globalização, integração econômica e internacionalização do Estado, cuja influência em cada um dos planos analisados não se pode minimizar. Tanto o poder para definir as questões que integrarão a agenda estatal, os esquemas adotados para geri-la e as possibilidades de obter e alocar os recursos necessários para resolver as questões que a integram, encontram-se fortemente influenciados por decisões e ações adotadas por múltiplos atores supra- nacionais, se trate de governos estrangeiros, meios de comunicação, organismos de financiamento externo, investidores, terroristas, narcotraficantes, instâncias regionais ou mundiais para a compatibilização de políticas econômicas, de cooperação, de defesa, etc. Em seguida a esta apresentação geral das regras do jogo básicas, proponho que nos intermemos em cada um dos planos da relação Estado-sociedade, a fim de analisar com maior profundidade a natureza do jogo, que esta sendo jogado através da aplicação recente dessas regras e as mudanças produzidas como conseqüência disto. 5 As relações funcionais Consideremos a primeira questão: de que deve ocupar-se o Estado nacional? Desde a sua constituição como suprema instância de articulação social, a fixação dos conteúdos e alcances de seu papel tem sido tanto resultado de atos relativamente autônomos como de influências exercidas por diversas clientelas que circunstancial ou permanentemente têm controlado ou tido acesso privilegiado a seus mecanismos de decisão, incluindo à própria burocracia estatal vista como cliente6. Em alguns casos, as apropriações funcionais têm sido excludentes -como ocorre com as relações exteriores ou a administração da justiça, em que por considerações éticas, políticas ou de outra índole, não é aceitável que outro agente social -privado ou público- exerça tais funções . 6 Em Oszlak (1977), distingui os papéis "infra-estrutural", "clientelístico" e "setorial" para referir-me aos interesses representados no exercício de cada função. 15 Em outros casos, o Estado nacional tem partilhado com outros atores (empresas privadas, ONGs, governos locais) a responsabilidade de produzir bens ou prestar serviços (como nas áreas de transporte, educação ou saúde), entrando inclusive às vezes em situações de competição. Finalmente, em certas áreas, o Estado nacional tem se privado de intervir, ainda em presença de um interesse geral (por exemplo, em serviços de carga portuária, abatedouros, coleta de lixo, administração de cemitérios), por considerar que a empresa privada ou os municípios, por exemplo, se acham em melhores condições de proporcionar estes serviços Não tem existido uma “regra de ouro” para decidir os alcances destas diversas formas de intervenção. Dependendo do peso relativo de fatores ideológicos, falhas de mercado, capturas burocráticas, debilidade dos Estados sub-nacionais ou de outros fatores sociais relevantes (como, por exemplo, a inexistência de uma burguesia nacional), os Estados nacionais tenderão a cobrir esferas de atuação mais ou menos extensos. Entretanto, uma característica quase universal destes processos de delimitação funcional -e, portanto, de definição de seu papel frente à sociedade- tem sido sua contínua expansão. Nesse contexto, as reformas do Estado foram, tradicionalmente, tentativas de obter maior eficiência na gestão de campos de intervenção estatal cuja legitimidade normalmente não se questionava. Pelo contrário, a principal diferença das reformas iniciadas na segunda metade dos 80's, tendo em vista as levadas a cabo no passado, é que implicaram numa reversão do ciclo histórico de expansão permanente de seu aparato institucional. Pela primeira vez, se delineia não somente uma maior eficiência na atribuição do gasto público, como uma verdadeira demolição do Estado. A crise da dívida foi, sem dúvida, o detonador das reformas. Mas o clima ideológico que se via instalado no mundo e que se consolidou a partir da queda do Muro de Berlim, prepararam o terreno para que as políticas de ajuste incluíssem, centralmente, o recorte de um aparato estatal que havia crescido para além das possibilidades de sustentação por parte das sociedades em crise. No plano funcional se delinearam, de fato, dois tipos de reformas muito diferentes. A primeira, como já comentara, foi cirúrgica. A segunda se propõe como de "reabilitação e fortalecimento". A primeira eliminou partes completas do organismo estatal, seja diretamente através da venda de empresas ou a transferência de serviços, ou indiretamente mediante a eliminação de regulações que até então demandavam uma densa trama institucional para 16 sua administração. Na Argentina e outros países de América Latina -como Chile, Colômbia e Bolívia- foi relativamente fácil, em termos do grau de oposição encontrado para sua execução. Em outros casos, como no Uruguai e Brasil, os avanços foram muito mais difíceis devido à oposição enfrentada. No caso argentino, o Estado nacional se desprendeu até agora da totalidade das empresas produtoras de bens ou prestadoras de serviços. Contudo, muitas privatizações se levaram a cabo sem consultas, sem estudos prévios, e sem atentar para os passos que aconselham as melhores práticas neste campo7. A venda indiscriminada de empresas, freqüentemente estado quase falídas, despertaram sérias suspeitas de corrupção. As principais privatizações concretizadas nos primeiros ano criaram condições excessivamente vantajosas aos concessionários, seja em termos de tarifas, prazos de concessão, preço da operação, condições de pagamento, etc. Ao contrário, tanto na experiência internacional como nos casos verificados mais recentemente na Argentina, as privatizações mais exitosas apelam aos mercados de capitais e a colocação de ações em condições mais transparentes. Sem pretender realizar uma análise exaustiva destes processos – o que excederia ao alcance do presente trabalho – gostaria de marcar algumas conseqüências da privatização, particularmente no caso argentino, que podem ilustrar algumas das hipóteses exploradas no trabalho. Tem se assinalado, por exemplo, que os processos de privatização não foram, neutros tendo em vista a organização econômica preexistente. No caso argentino, a aquisição de ativos do setor público se produzir no periodo de muito poucos anos e mobilizou capitais consideráveis, gerando um fenômeno de crowding out8 dos projetos de investimento no resto do aparato produtivo. Katz (1993) sugere que por esta razão, seu custo de oportunidade em termos de crescimento industrial e capacidade exportadora esteve longe de ser nulo. Por outro lado, a experiência neste campo durante a última década, revela que a privatização não se reduziu a simples venda ou transferência de empresas públicas ao setor privado. O fenômeno foi muito mais abrangente e alcançado aspectos mais sutis, menos 7 O caso de Nova Zelândia, onde a privatização foi precedida pelos processos de comercialização e corporativização, antes de proceder à privatização. 8 A expressão crowding out descreve o efeito que o déficit público tem sobre a taxa de juros e sobre os investimentos das empresas. Crowd quer dizer multidão e também aperto, e um lugar está crowded quando muito cheio de gente. Se alguém ou algo está crowded out quer dizer que foi expulso ou deslocado para fora de um lugar porque ele ficou muito cheio. [Nota do Tradutor]. 17 evidentes. Esta idéia tem sido adequadamente colocada por Feigenbaum e Hening (1994), que denominam privatização sistêmica àquela que aponta a re-configurar a sociedade em seu conjunto, alterando as instituições e os interesses econômicos e políticos. As privatizações sistêmicas tratam de: 1) diminuir as expectativas da sociedade em relação às responsabilidades do Estado; 2) reduzir a manutenção e apoio da infra-estrutura por parte do setor público e 3) transformar o mosaico de grupos de interesse para fazê-lo menos propenso a apoiar o crescimento do aparato do Estado. Entre outras coisas, a privatização sistêmica envolve “uma mudança nos valores, cultura e expectativas sobre a atividade pública” (Feigenbaum e Hening, 1994). Ela produz uma expansão da esfera das atividades consideradas pessoais privadas e um encolhimento da esfera de atividades consideradas como áreas legítimas do domínio e da intervenção pública. A isto se refere, por exemplo, a tão celebrada noção de "reinvenção do governo", uma revisão radical da organização e práticas governamentais, que acompanhe as mudanças nas necessidades e expectativas das pessoas acerca do que o governo deve fazer e como deve fazê-lo (Gore, 1995) . A privatização, deste modo, produz a deslegitimação do setor público, solapando também seu poder relativo no jogo global das relações de força. A política de privatizações aparece, desde esta ótica, como o mecanismo mediante o qual o Estado se autodeslegitima, permitindo que os estratos privilegiados ampliem sua hegemonia cultural. Esta modalidade constitui o que Feigenbaum e Hening chamam "deslocamento de percepção”. A privatização também implica numa reestruturação irreversível dos acordos institucionais da sociedade (legais, políticos e econômicos), deslocando a confiança pública para soluções privadas ou orientadas ao mercado. O efeito é a realocação institucional das responsabilidades e a reorientação dos processos básicos de decisão para a esfera privada. Este “deslocamento institucional” tem como correlato uma transferência dos mecanismos de controle social da burocracia e das estruturas políticas para as forças de mercado, menos transparentes e responsáveis. Ao aumentar o peso econômico e político de certos atores em detrimento de outros, estas formas de “privatização” tendem assim mesmo a produzir “deslocamentos de poder”. Cabe esclarecer, contudo, que não se trata de fenômenos inteiramente novos. A dinâmica do Estado tem estado historicamente ligada a, e interpenetrada com, os processos de transformação social. O que se adverte na atual conjuntura é a exacerbação destas mútuas 18 determinações, com consideráveis conseqüências sobre a fisionomia que neste processo vão adquirindo tanto a sociedade como o Estado. Por exemplo, os processos de privatização têm gerado novos atores com peso político considerável, deslocando outros que no passado exibiram alto nível de poder. Algo disso tem ocorrido, por exemplo, nos países de Europa do Leste, com a nova classe empresarial surgida dos ex-executivos das empresas públicas agora privatizadas, a venda de ativos nacionais a estrangeiros, ou inclusive a empresas estatais estrangeiras (como sucede freqüentemente na América Latina) ou simplesmente o reforço da posição competitiva de alguns grupos em relação a outros na mesma sociedade, que como resultado da privatização pode tornar-se definitiva. Também os processos de descentralização têm sido polêmicos e somente em poucos países têm se consumado plenamente, ainda quando não tenham resolvido os problemas que-se pretendia resolver com a transferência. Quase em nenhum caso esses processos foram precedidos por sérios estudos econômicos ou por avaliações profundas sobre a capacidade de gestão disponível nas localidades para assumir estas novas responsabilidades. Bem se sabe que tanto a teoria econômica como a administração pública dispõem de ferramentas de análise que permitem determinar sob quais condições podem otimizar-se estes processos de transferência9. Na América Latina, a tendência para a descentralização, acelerada pela dinâmica política da democratização, tem tendido a piorar a crise organizativa do setor público. Se bem que os níveis sub-nacionais têm, potencialmente, melhores possibilidades de gestão eficaz (Streeten, 1992), na prática isso se tem verificado em poucos casos. É provável que a longo prazo, a descentralização política e administrativa constitua a única opção para melhorar certos serviços públicos que deveriam ser melhor administrados e controlados no nível local. Contudo, a curto prazo, o processo descentralizador tem conduzido freqüentemente a um pior desempenho do setor público. As decisões improvisadas de transferência de serviços e as pressões políticas, sobrecarregaram repentinamente os governos locais e estatais com tarefas para as quais não estavam capacitados ou não podiam assumir plenamente (Naim, 1995) . 9 Por exemplo, a existência ou não de efeitos derrame determina a distribuição de funções, e a conseqüente provisão de bens públicos, entre os diferentes níveis de governo. O princípio geral é que quanto maior forem as externalidades regionais, e menos exclusivo for o consumo do serviço em questão, mais alto será o nível de governo que terá a seu cargo sua provisão (Porto e Sanguinetti, 1993). Raras vezes se têm levado em conta este tipo de critérios ao se decidir sobre a descentralização de um serviço. 19 A descentralização, por outro lado, tem criado a ilusão de que a burocracia estatal tem se reduziu. Somados seus efeitos aos da privatização, de desregulação e da terceirização de serviços, é evidente que o tamanho da dotação do Estado nacional foi reduzido10. Mas junto com isso, as burocracias sub-nacionais têm aumentado suas dotações num n’vel incompatível com o volume dos serviços transferidos. Em 1950 havia na Argentina de três funcionários públicos nacionais para cada 100 habitantes, enquanto que as dotações estaduais registravam ao redor de 1,25 funcionários cada 100 habitantes. Hoje o governo federal viu reduzida sua dotação de 900.000 a 294.000 empregados públicos, motivo pelo qual sua relação com a população é menor do que 1. Pelo contrário, os Estados viram crescer sua burocracia a valores entre 3 e 20 funcionários por a cada 100 habitantes. Em resumo, considerando todos os níveis de governo, a proporção de funcionários públicos em relação à população total tem crescido significativamente, o que desfaz a ilusão reducionista. No caso das privatizações, as dotações se viram diminuídas em geral antes das transferências (sobretudo, pela via de aposentadorias antecipadas e saídas voluntárias), entretanto estudos recentes revelam que ao cabo de uns poucos anos, as empresas privatizadas continuaram reduzindo o tamanho de seu pessoal. Os processos de descentralização, privatização e desregulação têm recolocado a pergunta sobre "de que deve ocupar-se o Estado-Nacional", ainda que a mesma tenha sido formulada quase sempre desde o ponto de vista "do que não se deve fazer" e não desde que lhe é impossível delegar. Praticamente em cada um dos âmbitos em que o Estado federal se tem desprendido de funções de produção ou prestação direta, é necessário que assuma outras responsabilidades, geradas precisamente por essa renúncia funcional. Assim como a opção centralização-descentralização não é polar, mas uma fórmula mista, com opções ao longo de um contínuo, tampouco a privatização ou a desregulação implicam um abandono definitivo de toda responsabilidade de gestão. No caso da descentralização, o Estado federal não deve renunciar a certas funções tais como velar pela consistência normativa do marco jurídico vigente, analisar e avaliar a relação custo-efetividade dos serviços públicos prestados pelos governos locais, monitorar os efeitos re-distributivos das transferências ou exercer firmemente a condução 10 Na Figura 2 visualizam-se as tendências e mecanismos fundamentais através dos quais se produzem as atuais transformações nas relações Estado-Sociedade. Como se poderá ver, às transferências de funções até os níveis sub-nacionais e a sociedade, se agregam os efeitos da inserção internacional, que tende a reduzir a capacidade de decisão autônoma do Estado-Nacional. 20 macroeconômica resolvendo os desequilíbrios resultantes dos processos de descentralização (Kjellberg, 1994) . Bresser Pereira (1995) tem distinguido lucidamente os diferentes papéis que correspondem ao Estado federal e a outros atores sociais na gestão pública. Considera este autor que a regulação e intervenção estatal seguem sendo necessárias nas áreas de educação, saúde, cultura, desenvolvimento tecnológico, investimento em infra-estrutura, afirmando que as mesmas não somente devem tender a compensar os desequilíbrios distributivos provocados pelo mercado globalizado, senão, principalmente, para capacitar os agentes econômicos para competir em nível mundial (Bresser Pereira, 1996). De qualquer modo, existem setores nos quais, ainda que o Estado renuncie à produção direta de bens e serviços, deve continuar exercendo uma função reguladora. Por exemplo, a energia, o transporte, as telecomunicações ou o sistema financeiro devem submete-se sempre a alguma forma de regulação. A importância social de tais atividades, o interesse público envolvido, a assimetria de posições entre empresas e usuários, a dificuldade de criar um mercado plenamente aberto e transparente, as limitações técnicas e outros fatores assim o exigem (Ariño Ortiz, 1995) . Neste sentido, a decisão de privatizar ou descentralizar não deve ser vista simplesmente como um ato unilateral e unívoco, senão como o gatilho de um processo simétrico de criação de novos papéis que estatizam ou centralizam outras funções de regulação econômica ou político-administrativa, ou de coordenação e compatibilização de políticas públicas. Na preservação deste papel regulador (de re-regulação ou re-centralização, como também se denomina isso), o Estado não deve limitar-se a exercer um “papel arbitrário”. Assim como é desaconselhável retornar ao “Estado-babá”, tampouco é aceitável uma sociedade desestatizada. A desregulação estatal não deve significar desproteção social (Moharir, 1993) . A regulação deve tender a compensar imperfeições do mercado ou suprir a inexistência deste, tratando de criar condições as mais semelhantes possíveis às de mercado para facilitar a operação das respectivas empresas, proteger e informar os consumidores, regulamentar as tarifas e a qualidade dos serviços. A regulação deve emitir sinais e incentivos corretos que promovam a eficiente atribuição dos recursos. Como assinala Lahera, uma adequada regulação restringe ao mínimo ou elimina a discricionariedade, particularmente quanto à fixação de preços; pelo contrário, estabelece mecanismos 21 automáticos que aumentam a flexibilidade e a eficácia das normas. O papel indelegável do setor público é supervisionar a operação do sistema regulatório. Para conseguir esta capacidade reguladora, é preciso um marco normativo adequado, equipes técnicas de alto nível e uma institucionalidade que garanta a efetividade do aparato regulador (Lahera, 1994) . Ademais, o marco regulatório não deve ferir a autonomia dos atores sociais. Se tem proposto, inclusive, explorar a figura de uma “controladoria social”, fundada em que a exigência de prestação de contas às organizações sociais que são sujeitos da transferência de recursos e responsabilidades não pode recair somente no Estado, senão na própria cidadania receptora dos serviços (Cunill Grau, 1995) . Finalmente, a pergunta acerca “de que deve se ocupar o Estado-nacional” também pode ser formulada de outro modo: “sob qual modalidade ele deve cumprir as tarefas que lhe correspondem”. Esta é uma preocupação central dos atuais reformadores estatais, que em número crescente exploram permanentemente novas formas de gestão pública através de mecanismos de outsourcing ou tercerização, partnerships ou empreendimentos conjuntos com o setor privado, constituição de empresas públicas espelho, etc. Da mesma forma, se postula insistentemente a necessidade de incorporar ao administração pública, concepções e técnicas próprias da organização e funcionamento da grande empresa privada. Contudo, o alcance efetivo destas novas modalidades de gestão pública é ainda incipiente. A autêntica “reforma para dentro” do aparato estatal se encontra em grande medida pendente. A reestruturação efetiva das instituições burocráticas; a superação das deformidades na função produtiva do Estado; a profissionalização do setor público; a desburocratização de processos, normas e procedimentos; a capacitação sistemática do pessoal; a introdução de tecnologias que aumentem a eficiência da gestão ou inclusive a transformação das pautas culturais vigentes nas organizações estatais, têm tido até a presente somente tímidos avanços. Estas são as grandes questões que conformam a agenda da segunda reforma do Estado e que vão requerer uma grande dose de imaginação, recursos, e vontade política para sua resolução. 6 As relações materiais No plano das relações materiais, a pergunta essencial é: até que ponto as transformações produzidas no plano da divisão social do trabalho entre Estado e Sociedade e na estrutura 22 de poder têm modificado os padrões de equidade distributiva segundo níveis de governo e classes sociais? Para responder a esta questão, a análise pode ser feita sob diferentes perspectivas, examinando alternativamente: (1) os fatores que operam desde o lado dos entrantes dos diferentes setores sociais, observando o papel cumprido pelo Estado como organizador e executor de políticas tributárias que assegurem uma eqüitativa distribuição da carga tributária; (2) outras modalidades de transferências de renda por via de evasão tributária, corrupção ou alteração nos preços relativos, particularmente devidos aos processos de privatização e concessão de serviços; (3) as relações fiscais inter- governamentais, modificadas principalmente devido dos processos de descentralização; e (4) os mecanismos redistributivos empregados pelo Estado através do gasto público social, avaliando seu impacto sobre os setores de renda mais baixa. Desde a perspectiva do Estado, as regras do jogo em termos redistributivos consistem em garantir índices aceitáveis de equidade social na alocação dos custos e benefícios do desenvolvimento. Trata-se de estabelecer que proporção do produto deve reter cada setor social para si, quanto contribui para a sustentação do Estado e, por via de transferências e serviços deste último, para a redistribuição desse produto social. Para ele, o Estado deve fixar contribuições, exercer sua potestade fiscal para a arrecadação e fiscalização dos tributos, dirimir as bases da co-participação impositiva com os poderes subnacionais, decidir o tratamento de acordo com certos setores ou organizações, determinar quais setores devem contribuir mais e quais menos, e obter os recursos que permitam tanto o exercício das atividades estatais, quanto a transferência de recursos com um sentido redistributivo. Em última instância, se trata de consensuar um "pacto fiscal", em um sentido amplo, entre o Estado e os demais setores da sociedade. Além destas vinculações "fiscais", o plano da redistribuição se caracteriza, sob certas circunstâncias sociopolíticas, por importantes "desvios" ou transferências de recursos que tendem a modificar os padrões de equidade vigentes e, em última instância, a efetiva distribuição da renda e da riqueza. Entre eles, a evasão tributária e a corrupção, que significam numa apropriação ilegítima de renda por parte de certos setores sociais, com a inevitável cumplicidade do Estado, originando uma carga adicional para outros setores alheios a estas práticas . É significativo, nesse sentido, que a pressão tributária na América Latina continui sendo baixa e que a estrutura impositiva se baseie fundamentalmente em impostos ao consumo, com forte incidência sobre os setores populares. Na Argentina, a importância dos impostos 23 ao patrimônio e à renda constitui uma proporção mínima da arrecadação tributária global. Os índices de evasão fiscal, por outro lado, alcançam níveis escandalosos. Algo parecido ocorre com a corrupção. Segundo as estatísticas publicadas pela Transparency International, a Argentina passou a ocupar o 11o lugar entre os países com maiores índices de corrupção do mundo. Frente às denúncias de que a corrupção tem estado associada aos negócios realizados sob o amparo das privatizações e concessões produzidas durante os últimos oitos anos, o governo argentino sustenta que ao se privatizar as empresas públicas, eliminou as fontes de negociatas de todo tipo que se verificavam naquelas respectivas empresas. A polêmica parece ociosa porque, no balanço, os níveis de corrupção alcançados não têm antecedentes na experiência do país11. Dadas as condições em que se conduziu o processo de privatização, também é necessário compensa contabilizar como fatores negativos de redistribuição, as transferências regressivas originadas nas altas tarifas negociadas nos contratos de concessão, e que continuam se elevando sem que os entes reguladores criados nos diversos setores de serviço público tenham conseguido - por sua debilidade intrínseca e reduzida capacidade institucional- alterar as condições monopólicas ou oligopólicas em que a maioria das empresas privatizadas operam. Naturalmente, o impacto destas tarifas, usualmente elevadas em termos internacionais e em relação aos preços relativos históricos, tem muito maior incidência sobre a renda dos setores sociais menos favorecidos. O impacto agregado destes fatores é percebido claramente nas estatísticas publicadas recentemente pelos organismos financeiros internacionais. O Anuário 1997 do Banco Mundial mostra que na atualidade, os 20% mais ricos da população segundo regiões do mundo recebe entre 37,8% e 52,9% da renda anual, correspondendo os valores mais baixos a Europa e a Ásia Central, e os mais altos a América Latina e o Caribe. Por sua vez, os 20% mais pobre obtém nos mesmos blocos 8,8% e 4,5% da renda anual. Hoje em dia, Argentina e Chile estão crescendo a taxas verdadeiramente excepcionais, mas os 20% mais rico de sua população ganha mais de 12 vezes que os 20% mais pobres. Já nos países do sudeste asiático, os valores flutuam entre 9,6 vezes em Singapura e 4,2 em Taiwan12. 11 Ainda que seja impossível medir exatamente a quantidade de corrupção e evasão, todas as estimativas responsáveis situam a corrupção-evasão na Argentina acima dos 20.000 milhões de dólares anuais, o qual representa 50% do orçamento nacional. Algumas estimativas elevam esta quantidade a 40.000 milhões de dólares . 12 Taiwan e Japão têm uma distribuição mais eqüitativa que a França (7,5 vezes) e que os Estados Unidos (9 vezes). No caso argentino, as cifras mostram importantes variações a respeito do passado. Enquanto que em 24 Observa-se que nas relações fiscais intergovernamentais, os Estados sub-nacionais (regiões, Estados, províncias, municípios) disputam atualmente com os Estados nacionais o controle de uma parte importante dos recursos financeiros fiscais, a fim de desenvolver as novas tarefas incorporadas em seu âmbito funcional. Em alguns países iniciou-se um sério endividamento público destas entidades sub-nacionais, colocando em perigo os equilíbrios macroeconômicos que estavam evoluindo com muita dificuldade (Sulbrandt, 1995). Uma gestão pouco cuidadosa nos níveis locais pode levar a uma deterioração no uso e controle dos recursos, especialmente no curto prazo. As metas nacionais podem ser seriamente distorcidas e os recursos escassos podem ser desviados para fins inadequados. Inclusive, uma radical descentralização pode debilitar seriamente a capacidade do governo central para gerir a economia mediante instrumentos monetários e financeiros. Além do dano potencial à estabilidade macroeconômica, o Banco Mundial (1992) observa que no nível local existe maior possibilidade de captura dos recursos por parte de elites dominantes que no nível nacional. É por isto que, dada a baixa capacidade administrativa nos níveis locais, que favorecem o gasto desmedido e a corrupção, o enfoque do Banco Mundial sobre a descentralização e desenvolvimento do governo local coloca dá mais importância às ferramentas financeiras que permitam conseguir maior eficiência, mais que no empowerment da sociedade civil neste nível, e/ou ao melhoramento de suas condições de vida. É evidente que a transferência de competências administrativas e de serviços do governo central para unidades subnacionais tem sentido somente se vier acompanhada da entrega de instrumentos fiscais e financeiros que permitam sua aplicação. Em outras palavras, de nada serve transferir as amplas responsabilidades previstas nos processos de descentralização a Estados e municípios se não se lhes prover dos recursos econômicos necessários (Shah, 1994; Nzovankeu, 1994)13. 1974 os 10% mais ricos ganhavam 12,4 vezes mais que os 10% mais pobres, em 1997 a proporção se elevou a 23,4 vezes mais . 13 A experiência da Ásia indica que as altas taxas de crescimento nesta região foram acompanhadas de um enfraquecimento das autoridades centrais, mas paralelamente se fortaleceram as autoridades a nível local em suas capacidades de arrecadar, gastar e investir (Galbraith, 1995). Um caso particular, neste sentido, é o denominado federalismo chinês, que exibe uma grande capacidade dos governos locais para a geração de renda. Fórmulas de co-participação entre dos níveis de governo subnacionais, permitem aos de nível inferior o acesso a importantes recursos. A isto se agrega uma elevada estabilidade das regras do jogo econômicas e fiscais (Montinola, Quiam e Weingast, 1995). No Peru, se tem produzido um fenômeno inverso. Na análise do fracasso da reforma descentralizadora no Peru se assinalam déficits na designação jurídica de recursos para o financiamento das regiões, situação que se agrava pelo não cumprimento por parte do governo central dos compromissos com as regiões, mais preocupado, sobretudo, durante a administração Fujimori- com a perda de poder relativo que implicava o processo descentralizador (Thediek, 1994). 25 É previsível que em um futuro próximo os Estados subnacionais constituam o eixo principal ao redor do qual se estabelecerão as relações Estado-sociedade, de modo que o gasto público tenderá a transformar-se em grande medida até estes governos territoriais. A composição atual do gasto público nos mostra que, crescentemente, o Estado nacional tem assumido o papel de caixeiro, com cada vez menor capacidade para decidir o destino dos recursos que obtém e um crescente compromisso de alocação dos mesmos através de transferências, seja para o pagamento da dívida pública, seja para os subsídios a serviços públicos deficitários em mãos de operadores privados, seja para a coparticipação impositiva com as jurisdições subnacionais14 ou os adiantamentos do Tesouro a esses mesmos governos15. Ele torna mais crítica a disciplina fiscal nos níveis subnacionais para manter os equilíbrios macroeconômicos (Dela Cruz, 1992). À margem das relações fiscais entre níveis de governo, interessa também indagar sobre as conseqüências da mudança nas regras do jogo entre Estado e sociedade no que respeito às políticas estatais dirigidas a resolver as situações de desigualdade e pobreza extrema, particularmente através das chamadas políticas sociais focalizadas. A respeito, e em relação aos serviços sociais públicos, Draibe defende que, depois de uma primeira etapa na qual a preocupação neoliberal se centrou exclusivamente no volume e na eficácia do gasto social, se deveria enfrentar o problema da pobreza. As soluções se canalizaram através de diferentes mecanismos implícitos de privatização. Por exemplo, deixando nas mãos das organizações privados sem fins de lucro a provisão de certos bens ou serviços, privatizando empresas de serviços públicos, interrompendo programas públicos preexistentes ou abandonando algumas responsabilidades específicas dos governos. Também se implantaram diversas modalidades de privatização por atribuição, reduzindo 14 Não obstante, deve se registrar que na Argentina, a concentração de arrecadação em impostos que, segundo a lei vigente, deveriam ser compartilhadas com os estados da federação, tem provocado uma briga (puja) no destino destes fundos, o que motivou a busca de mecanismos para ludibriar a legislação. Embora a arrecadação do IVA e (Ganâncias) tenha registrado, entre 1991 e 1995, um incremento de 152%, as transferências por co-participação se mantiveram constantes. Em conseqüência, a participação dos recursos efetivamente co-participados no total nacional (sem considerar Seguridade Social) caiu de 65% a 54% neste mesmo período. Em vez disto, os recursos de atribuição específica cresceram 122% em moeda constante (Cetrángolo e Jiménez, 1996). A meu ver, deste modo se substitui a automaticidade (e conseqüente despolitização) da co-participação provincial por transferências específicas, e em boa medida discricionais, que constitui um mecanismo de cooptação política desde o momento mesmo da constituição do estado nacional . 15 A proliferação no Brasil de municípios (e de estados) sem autonomia fiscal e financeira, constitui, segundo Camargo (1994), uma verdadeira patologia do processo democrático recente. Em meio a uma difundida irresponsabilidade, um número cada vez maior de estados e municípios sobrevive quase integralmente de transferências federais, através de Fundos de Participação dos Estados e Municípios, sem que se exija dos mesmos nenhuma estrutura operacional e administrativa dos quais estes fundos deveriam ser apenas uma forma complementar de apoio. 26 (em volume, capacidade e qualidade) diversos serviços produzidos publicamente, induzindo sua demanda ao setor privado, alocando financiamento público ao consumo de serviços privados e estabelecendo formas de desregulação que permitem a entrada de firmas privadas em setores antes monopolizados pelo Estado (Draibe, 1994) . A autora critica este enfoque seletivo, "principalmente quando está dissociado de controles e garantias públicas e associado a práticas privatizantes stricto sensu" porque a experiência indica que introduzem uma precariedade e descontinuidade muito grande na política social, tendendo a torná-la assistencialista e abrindo amplo espaço à arbitrariedade dos que decidem sobre as necessidades dos beneficiários (Draibe, 1994). Em muitos casos, a falta de controles, os abusos da intermediação e a corrupção associada aos programas sociais focalizados, tem tornado totalmente ineficiente esta forma de assistencialismo. Confirmando isto, temos, por exemplo, o fato de que apesar do gasto social na Argentina ser o segundo da América Latina e alcançar um nível similar ao dos Estados Unidos, existe uma extensa faixa de setores em situação de extrema pobreza sem assistência oficial. Segundo dados da FIEL (Fundação de Investigações Econômicas Latino-americanas), 1/3 do gasto social se filtra em direção aos 40% mais ricos da população (cerca de 6 mil milhões de dólares anuais) . Referindo-se, em particular, ao caso da educação, Coraggio apresenta-nos a dualização da política social, ao criar cidadãos de primeira que ascendem aos serviços via renda, e cidadãos de segunda, que o fazem por via da ação pública. Deste modo, a focalização pode implicar uma redistribuição de recursos públicos dos setores médios em direção aos pobres, junto com uma redução na qualidade e complexidade dos serviços públicos (Coraggio, 1995) . Outro efeito importante da alteração de regras é que os princípios implícitos de justiça e solidariedade que caracterizava o Estado, já não têm vigência. Como adverte Rosanvallón, o caráter distribuído e aleatório dos riscos amparados pelo Estado, derivados das imperfeições do sistema de organização econômica, tem sido substituído por um estado permanente de precarização cuja irreversibilidade resulta quase "natural". A exclusão social, o desemprego crônico, a marginalidade extrema aparecem, assim, sob a luz de uma certeza fatalista que a ideologia hegemônica pretende legitimar em termos de pura eficácia econômica . Desta constatação nasce a justificação da renda de subsistência como resposta a uma situação estrutural criada pela própria lógica dos novos padrões de organização econômica . 27 Paradoxalmente, esta nova forma de Estado-providencia se transforma em condição do liberalismo selvagem: "um macro-contrato social legitima o funcionamento totalmente não social do mercado no nível microeconômico, porque estão completamente desconectadas à busca de eficácia e à preocupação com solidariedade. Ao dissociar de maneira radical o econômico do social, a renda de subsistência permite relegar a questão do emprego a um segundo plano" (Rosanvallón, 1995) . Inclusive em países com um desempenho econômico altamente exitoso, como é o caso do sudeste asiático, cabe perguntar-se sobre as possibilidades de continuidade dos modelos implícitos em que têm baseado seu êxito, tendo-se em conta - como mostra Evans - que os mais elevados níveis de vida alcançados, torna mais difícil a legitimação de um projeto nacional exclusivamente a base dos no crescimento do produto. Em tais circunstâncias, ante ao previsível ressurgimento de exigências distributivas, tanto políticas como econômicas, as estruturas burocráticas e as redes de elites que definiram o projeto original de acumulação industrial, não permitiram processar facilmente essas novas demandas (Evans, 1996). 7 As relações de dominação As novas formas de dominação nas sociedades que já atravessaram -ou nas que ele está em curso - a fase mais dura do ajuste estrutural e a reforma do Estado, têm suscitado na literatura uma preocupação central. A da governabilidade dessas sociedades devido as distorções criadas nos padrões de distribuição da renda e da riqueza, mais além de seu êxito ou fracasso relativos na estabilização da economia, redução do déficit fiscal ou diminuição da burocracia . Esta preocupação se relaciona à terceira e última das relações Estado-sociedade: a correspondente ao plano do poder e à dominação política. Ter deixado sua análise para o final pode ter interpretado, implicitamente, como uma forma de observar estas relações em quanto “variável dependente” das mudanças já examinadas nos planos funcional e material. Quer dizer, poderia considerar-se que o poder dos diferentes atores sociais tenha mudado seu peso relativo na medida em que se modificou sua participação no plano da divisão social do trabalho e a alocação de recursos resultante do novo pacto fiscal e redistributivo. Tal interpretação seria, em todo caso, uma meia verdade, já que não é menos certo que só na presença de constelações de poder como as que se verificaram nos países que avançaram mais decididamente no processo de reforma estatal, poderia ter se produzido 28 uma mudança tão profunda nas relações Estado-sociedade. Desta forma, o plano do poder adquiriria um caráter sobre determinante sobre os outros planos. A meu ver, como tento demonstrar, cada um destes planos tem sua própria dinâmica, que repercute sobre a dos outros e, por sua vez, é influenciada por estas. Neste plano da relação Estado-sociedade, pode notar-se que o poder estatal inclui três componentes principais: autonomia, capacidade institucional e legitimidade. a primeira implica a possibilidade de definir preferências em forma independente; a segunda é uma medida da capacidade de implementar as opções efetuadas; e a terceira é uma manifestação de consenso social acerca da ordem estabelecida e do papel desempenhado pelo Estado. A obtenção de um alto grau de consenso dentro do próprio aparato estatal é determinante da possibilidade de definir perspectivas independentes das dos grupos de interesses que atuam em seu interior. Por sua vez, a efetividade e coesão das instituições de governo determinam a capacidade estatal de implementação. Por outra parte, dado seu caráter relacional, o poder do Estado deve medir-se também com relação à força dos grupos sociais fundamentais e do grau de organização e de consenso dos atores afetados pela implementação das ações estatais (Mc Faul, 1995). Consideremos com maior detalhe cada um destes aspectos . A questão da governabilidade tem trazido novamente o tema da autonomia relativa do Estado, antigo problema da teoria marxista, assim como o do fortalecimento estatal, visto como condição necessária para que possa reassumir seu papel articulador e orientador da dinâmica sóciopolítica, estabelecendo deste modo novos equilíbrios nas relações de dominação. É discutido, assim, a nova configuração do cenário público; o surgimento, debilitamento ou desaparecimento de atores sociais; o "enraizamento" (embeddedness) do Estado na trama de relações sociais, em lugar de seu isolamento, considerando um papel catalítico; o novo peso político adquirido pelos Estados subnacionais, tanto no âmbito nacional como no local, devido ã assunção de novas funções e o acesso a maiores recursos; e, em última instância, a natureza do sistema político resultante da nova estrutura de poder e representação cidadã . O conceito de "autonomia relativa" é,no mínimo, equivocado. Como quase nenhum Estado é totalmente autônomo nem absolutamente prisioneiro de interesses hegemônicos, falar de autonomia relativa tem sentido unicamente quando se especificam o grau dessa autonomia, o âmbito institucional ou funcional onde se exerce, e os atores econômicos e políticos em relação aos quais o Estado pode exibir tal capacidade de ação . 29 Tem se considerado a autonomia do Estado como um pré-requisito para uma reforma exitosa. O argumento sustenta que inclusive aquelas reformas que tem por objetivo a expansão do papel das forças de mercado, precisam de capacidades administrativas e técnicas, escassas em países em desenvolvimento. Exigem habilidade para coordenar e conciliar reivindicações conflitivas dentro da própria burocracia. As políticas correm o risco de ser anuladas se os atores do setor privado forem capazes de utilizar canais burocráticos alternativos para garantir as “exceções” que tem os beneficiado. Países com mais alta capacidade tecnocrática e administrativa possui um maior leque de opções, já que podem combinar mais efetivamente a política de liberalização com uma intervenção estatal de apoio e explorar respostas mais heterodoxas (Haggarde e Kaufman, 1995) . Em geral, esta não tem sido a experiência dos países com sistemas democráticos débeis, onde se verifica habitualmente que seus aparatos estatais -especialmente parcelas ou instituições dos mesmos- estão colonizados por poderosos interesses privados, através do controle de certos mecanismos formais ou informais16. Um caso extremo de Estado caracterizado por difundidas práticas de captura burocrática é o que Evans denomina "predatório". Adotando esta categoria, Naim (1995) destaca a alta correlação existente entre Estados predatórios e altos níveis de desigualdade da renda e a riqueza. As políticas adotadas por estes Estados, ao reforçar a desigualdade social, facilitam a captura do Estado por parte daqueles que possuem quotas desproporcionais de riqueza e poder . O próprio Banco Mundial (1992) adverte o problema, especialmente com relação aos serviços públicos: o fenômeno de captura dos serviços e recursos públicos por interesses especiais relativamente estreitos é um problema sempre presente em todos os países. Está agravado pelos monopólios e às vezes pela capacidade limitada do público de demandar e monitorar o bom funcionamento, especialmente porque costuma ser difícil monitorar os benefícios dos serviços públicos. Estes fatores tornam especialmente complexas e difíceis de levar a cabo as melhoras em accountability pública"17. Dependendo das características da aliança ou coalizão dominante, o Estado também pode ficar preso, às vezes, a outros interesses não necessariamente econômicos, como é o caso 16 Por exemplo, a integração de Conselhos Diretivos de entidades descentralizadas (minimamente formalizada juridicamente em seus mapas orgânicos) ou a consulta à Igreja antes de designar a um Ministro de Educação. 17 No mesmo sentido, Rueschemeyer e Puttermam (1992) observam que "onde o Estado é débil e/ou dominado por interesses particulares, encontramos freqüentemente políticas de desperdício cujo efeito principal é encher os bolsos de atores poderosos e/ou reforçar a duvidosa autoridade do estado" . 30 do movimento trabalhadores organizados, a corporação militar ou uma hierarquia religiosa inspirada em valores fundamentalistas Quando, do contrario, o Estado atua desconsiderando as demandas setoriais, ou quando impede seu surgimento, também poderia considerar-se que existe autonomia relativa. É o caso de Taiwan e Coréia do Sul, em que seu desenvolvimento econômico exitoso se baseou na adoção de políticas de exclusão política e, inclusive, de repressão dos interesses de classes subordinadas. Ainda que eficiente, este tipo de autonomia tende, todavia, a ser instável ao longo prazo . Naturalmente, a incorporação de novos atores pode modificar as relações de força existentes. Por exemplo, de ONGs, que através da ampliação do espaço democrático e participativo, assumem a prestação de numerosos serviços públicos, ainda que neste processo seja importante evitar a apropriação destas organizações sociais por parte de grupos que possam utilizá-las como se fossem privadas. Com este propósito, no Brasil se propõe adotar disposições legais e administrativas. Será essencial o controle por resultados destas organizações, tanto por parte do Estado como da sociedade (Bresser Pereira, 1995) . Também é importante a incorporação de certas instituições e grupos sociais autônomos, surgidos freqüentemente como resultado inesperado de políticas estatais que precipitam respostas coletivas organizadas a fim de assegurar a sua sobrevivência mesma, ainda que por sua própria origem, estes novos atores coletivos tendem a estabelecer uma relação profundamente antagônica com o Estado (Ducatenzeiler e Oxhorn, 1994) . Não é casual que os governos levem adiante algumas reformas estruturais mas não outras. Embora a crise econômica possa forçar em certos casos a adoção de algumas reformas estruturais profundas, sua efetiva implementação dependerá de outros fatores igualmente relevantes: a) o poder político dos grupos afetados pelas medidas, seja para resistir a elas, detê-las ou desviá-las; b) a autoridade legal do governo central para impor as reformas unilateralmente; e c) a capacidade administrativa disponível para executar as modificações . A respeito do primeiro destes fatores, cabe assinalar que muitas reformas importantes têm sido facilitadas pela existência de grandes conglomerados econômicos com interesses muito diversificados, que têm incrementado a dificuldade de outros setores ou grupos para organizar uma oposição eficaz a essas reformas. Em outros casos, outrora poderosos atores 31 puderam ser neutralizados trocando seu antigo peso institucional por compensações econômicas não utilizáveis como recurso na arena política18. Mas talvez o fator mais decisivo tenha sido o elevado desemprego e a precarização do trabalho que acompanharam o ajuste, e que debilitou a capacidade dos trabalhadores e desalentou as greves e a militância sindical. A esse respeito, Maraval mostrou que os generosos auxílios-desemprego tornaram possível a liberalização relativamente não conflitiva ocorrida na Espanha, ainda que na maioria dos países os esforços por suavizar os custos tenham sido menos efetivos. Nesta paradoxal relação entre altos custos das reformas e baixas conseqüências políticas, Geddes (1995) observa uma anormalidade no paradigma convencional, concluindo que a razão pela qual as reformas econômicas têm prejudicado os governos democráticos menos do que o esperado, não se deve a que os custos tenham sido inesperadamente baixos senão a que os interesses resultaram inesperadamente débeis . Em relação à capacidade institucional do Estado -outro atributo de seu poder-, a literatura recente tem colocado sobre o tapete o problema de seu redesenho, cuja solução é vista como pré-requisito para que se consiga efetivamente governar. Um melhor desenho lhe permitirá uma mais adequada distribuição de competências e responsabilidades, um melhor controle, uma mais ajustada relação entre perfis ocupacionais e dotações, etc. O redesenho do Estado aparece, neste contexto, não somente como uma exigência para uma gestão eficiente, mas também como um meio de relegitimação social e política do mesmo, como um mecanismo de recuperação de quotas de poder agora duplamente necessárias frente à nova distribuição das responsabilidades sociais na provisão de bens e serviços, e a assunção de papéis que exigem capacidade de orientação, direção, coordenação e sanção . Observa a respeito Przeworski (1996) que quando o mercado não pode se ajustar por si só, é necessario resolver o problema do desenho do Estado, fixando as regras do jogo entre os agentes econômicos. Agrega o autor que a relação econômica, que é privada, está configurada pelo Estado19 via incentivos, proibições ou mudanças nos preços relativos pela via fiscal. Portanto, "os problemas de desenho institucional não podem evitar-se deixando o Estado fora da economia. Devem enfrentar-se como tais" . 18 Por exemplo, certos setores sindicais na Argentina se destinaram a desempenhar um papel acomodador dos previsíveis conflitos laborais surgidos do ajuste e a reforma do estado, em troca de diversos benefícios aos empregados, aos sindicatos ou seus dirigentes, consisti fundamentalmente na participação ativa ou controle de diversos negócios e empresas, ou na concessão de vultuosas indenizações aos empregados demitidos nos processos de privatização de empresas (Orlansky, 1995) 19 Nisto coincide com O'Donnell, quando assinala que o Estado co-constitui a relação capitalista . 32 Na ausência de um desenho deliberado e autônomo, a debilidade das instituições estatais é inevitável, já que sua fisionomia termina sendo o resultado da luta política entre os atores por conquistá-las e modelá-las de acordo com o seu desejo a fim de maximizar seus próprios interesses, para o que estão dispostos a usar todos os recursos de poder que tenham sob seu controle. Como bem se tem assinalado, nenhuma instituição permanece neutra ou despolitizada, e o Estado, incapaz de atuar como uma força mediadora entre os diferentes atores sociais e políticos, se encontra, no essencial, à sua mercê. (Ducatenzeiler e Oxhorm (1994) . Os problemas de desenho não foram tão críticos na primeira etapa da reforma estatal porque, no essencial, seu propósito foi reduzir a hipertrofia ainda que a custo de uma maior deformidade do aparato institucional remanescente. Ao contrário, a segunda reforma do Estado resulta mais exigente. Na primeira fase, o espaço político de manobra do Poder Executivos, era consideravelmente mais amplo que agora, dado que a legitimidade das categóricas medidas adotadas pelo Estado nacional se apoiavam em sua auto-imolação no altar do ajuste estrutural, ante o indissimulado, e o repetidamente entusiasta apoio dos organismos internacionais e os setores econômicos mais concentrados e poderosos que cresciam ao mesmo ritmo que encolhia o Estado. Além disto, a enorme fragmentação dos partidos políticos, a debilidade do Parlamento e a reduzida capacidade de mobilização dos sindicatos, facilitaram a iniciativa do Executivo . O problema agora é a construção de uma nova legitimidade. Mas ao ir em frente apesar de tudo, ao privar-se dos recursos e perder o consenso que antes envolvia suas formas de intervenção, o Estado deve criar uma legitimidade alternativa que já não se sustenta nos recursos que podia mobilizar anteriormente nem em sua capacidade executora. As capacidades estabilizadoras, promotoras, reguladoras, orientadoras ou assistencialistas (por oposição às redistributivas, que já não cabem no novo discurso hegemônico), se bem claras em seu sentido ideológico, não se constroem ao mesmo ritmo em que se destrói a velha legitimidade . A nova ideologia, que vê o ajuste econômico, as privatizações e o mercado não só como instrumentos mas como modelo da boa sociedade (Garretón, 1994), não tem ainda seu correlato em um Estado pró-ativo, com capacidade de iniciativa, e de resolver as contradições que coloca o novo modelo: aprofundamento da brecha social, desemprego, corrupção. Isto expõe a debilidade do Estado justamente quando, ao iniciar a segunda fase 33 da reforma, deve aparecer fortalecido frente à sociedade e, sobretudo, frente aos setores afetados nesta nova etapa . Agora são os próprios organismos financeiros internacionais, que impulsionaram o ajuste, os que "descobriram" a necessidade de consolidar a governabilidade, que demanda um componente de liderança, iniciativa e vontade política sustentados na consolidação de uma cultura e uma institucionalidade democráticas, e um componente de capacidade de gestão e implementação das políticas adotadas. Na primeira fase da reforma, o Estado se preocupou em se enxugar, não em se fortalecer. Agora, na segunda fase, lhe resta menos para fortalecer; o problema agora é dos estados da federação, e municípios, que contam com uma menor tradição de reforma administrativa e introdução de modernas técnicas de gestão. Nessa ocasião, o Estado central tenta assumir, novamente, um papel paternalista, tratando de introduzir reformas nos níveis subnacionais sem saber a exatamente como fazê-lo . Talvez uma das áreas em que o Estado central possa vir a se fortalecer, é a correspondente ao seu aparato regulatório; justamente aquela parcela de seu âmbito funcional mais diretamente enfrentada com os poderosos interesses dos monopólios e oligopólios privados criados pelo processo de privatização, desregulação e reestruturação econômica. Não devemos estranhar, então, que a questão do fortalecimento do Estado tenha ressurgido junto com a questão da governabilidade ante ao aviso expressado pelos próprios organismos internacionais de crédito e assistência técnica. Neste sentido, um documento de política do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [PNUD], ainda em elaboração no momento da escrita deste trabalho, delineia que o desafio que enfrenta qualquer sociedade é criar um sistema de governabilidade que promova, suporte e sustenteo desenvolvimento humano, particularmente dos setores mais pobres e marginais20. Também Bresser Pereira (1995) vincula ambos conceitos -capacidade estatal e governabilidade-, mas chama ao primeiro governança, sugerindo que a diferença entre uma proposta de reforma neoliberal e uma social democrata é o feito de que o objetivo da primeira é retirar o Estado da economia, enquanto que o da segunda é aumentar a capacidade de governo (governança) do Estado, outorgando-lhe os meios financeiros e 20 Este documento define governabilidade como o exercício da autoridade política, econômica e administrativa para gerir os assuntos de uma nação, agregando que se trata dos complexos mecanismos, processos e instituições através dos quais os cidadãos e grupos sociais articulam seus interesses, exercem seus direitos e obrigações legais, e medeiam suas diferencias (MDGD, 1997). Resulta sintomático que o nome do organismo que tenha preparado este documento, o Management Development Programme, tenha mudado recentemente sua denominação para Management and Governance Development Programme (grifo meu) . 34 administrativos para que possa intervir eficazmente naqueles casos em que o mercado acuse falhas de coordenação. Ao contrário, a questão da governabilidade se relaciona mais diretamente com a dinâmica social, tal como o delineia a definição do MGDP, ainda que os problemas que a suscitam – na opinião do citado autor- não provém do "excesso de democracia" nem do peso excessivo das demandas sociais, senão da ausência de um pacto ou coalizão política estável e não maximalista . A ilusão de um Estado mínimo, com pouco o que fazer e menores exigências que no passado em termos de capacidade de gestão, tem-se desvanecido. Agora, mais que nunca, uma crescente convicção vem ganhando consenso: o Estado executor necessita de capacidades bem diferentes das do novo Estado, responsável por cuidar para que os novos executores façam o devido. Mas ao oferecer o aparato burocrático no altar do ajuste, terminou arruinando sua capacidade institucional, deformando sua função de produção. "Downsizing" não resultou equivalente a "rightsizing", de forma que embora o futuro volume de tarefas externas seja menor, não alcançaria toda a capacidade disponível para enfrentá-las eficazmente. Neste sentido, concordo que "o poder e as capacidades dos governos permanecem perigosamente desproporcionais em comparação com as suas responsabilidades" (Naim, 1995) . Moharir destaca o surgimento de maiores demandas qualitativas sobre o Estado e, especialmente sobre a burocracia, para administrar criativamente os vínculos Estado- sociedade, assim como para monitorar e regular o desempenho de um número muito maior de atores responsáveis por promover o interesse dos cidadãos. E alude, para demonstrá-lo, à experiência britânica, provavelmente uma das mais radicais em matéria de reforma estatal, onde a transição do status de "eleitor" ao de "cidadão" e "consumidor", com poderes efetivos para reforçar sua "soberania", não tem sido fácil nem para o governo nem para os cidadãos (Moharir, 1993). As eleições de 1997, que possibilitaram o acesso ao poder dos Trabalhistas depois de longos anos de hegemonia conservadora, pode ser lida justamente como uma resposta da cidadania ao relativo fracasso da política anterior. Na segunda fase da reforma estatal, já não era simples adotar a postura "salvadora" e autocrática que caracterizou à primeira, onde o Executivo pôde obter plenos poderes, ainda sob regras formalmente democráticas, para impor transformações fundamentais. Hoje, estas mudanças já se produziram em muitos lugares; o cenário institucional é muito diferente. Governos locais (estados, municípios) e poderosos conglomerados de empresários provê a quase totalidade dos serviços públicos, mobilizando um volume de recursos muito superior 35 ao que os governos nacionais alocam às áreas que ainda controlam. Outros participantes, como o Parlamento ou as ONGs, têm adotado posições mais discriminadoras tendo em vista as iniciativas do Executivo e pedem uma maior participação nas decisões que afetam a provisão e financiamento de bens públicos21. É possível que a longo prazo, o desmantelamento de seu aparato intervencionista venha a fortalecer o Estado, mas no curto prazo, a liberalização econômica tem eliminado muitas alavancas políticas mediante as quais o Estado exercia seu poder e levava a cabo suas funções. Por exemplo, à medida que o capital privado se volta menos dependente dos recursos públicos fiscais, o predomínio relativo do Estado diminui, sobretudo em relação à situação em que seu papel subsidiador ou contratista era mais preponderante. A situação é menos clara tendo em vista os Estados subnacionais, sobretudo quando, nos processos de descentralização, as relações fiscais intergovernamentais ainda não alcançaram acordos mais ou menos permanentes, e as transferências de recursos são utilizadas seletivamente como instrumento de poder . Um último aspecto a se considerar é o relativo aos efeitos dos processos de descentralização sobre a estrutura de poder em nível local e, indiretamente, em nível nacional. Seguindo Marcou (1993), a descentralização, vista como processo e como reforma administrativa, implica profundas mudanças nos modos de ação do Estado. Implica o abandono de uma visão hierárquica e coercitiva da ação estatal e um maior respeito à autonomia das coletividades locais. Neste processo, contudo, o Estado nacional pode chegar a perder totalmente o controle sobre a execução final de suas próprias políticas, entregues agora a uma pluralidade de centros de poder locais, recém constituídos (Sulbrandt, 1995) . Outras conseqüências sobre a estrutura de poder, resultantes da descentralização, podem ser observadas nos programas de reforma impulsionados pelo Banco Mundial. Em sua análise deste processo no setor educativo, Coraggio (1995) delineia o paradoxo de que, por um lado, esta descentralização se justifica tendo em vista que facilitará a adoção das combinações de insumos educativos mais eficientes no nível de cada distrito ou estabelecimento, ao sustentar-se num melhor conhecimento das condições locais mas por 21 Um caso atual e extremamente ilustrativo é o novo papel que, logo depois do recente triunfo eleitoral da coalizão democrática, tenta assumir o Parlamento na Mongólia como órgão reitor, ou ao menos protagonista, da reforma estatal. Da mesma forma, vários países que avançam em direção à democracia e à economia de mercado depois do desmoronamento do bloco soviético, colocam em evidência este novo e necessário protagonismo do poder legislativo dentro dos processos de reforma do estado em curso. 36 outro se espera que reduza a capacidade dos interesses tradicionais (sindicatos de professores e burocratas do governo central, associações de estudantes universitários ou elites usualmente beneficiadas por subsídios indiscriminados) para influir sobre a política educativa22. O controle descentralizado pode tender a reforçar o poder das elites locais, agravar as disparidades inter-regionais (Streeten, 1992) ou produzir outros efeitos indesejáveis. De qualquer forma, as lutas políticas para a construção de uma ordem social alternativa não se darão já, necessariamente, no âmbito do Estado nacional. Precisamente, em razão do processo de deslegitimação dos Estados, muitas dessas batalhas -talvez a maioria delas- prosseguirão nos níveis locais (Wallerstein, 1994). 8 Globalização, Internacionalização e Integração As transformações das relações Estado-sociedade vêm incidido, creio que não casualmente, em uma série de processos no âmbito internacional cujo impacto sobre o cenário político e socioeconômico dos países não pode ser subestimado. Três conceitos, estreitamente vinculados, tentam dar conta destas transformações, são eles: globalização, internacionalização do Estado e integração regional. Ainda que possam ser confundidos, cada um deles deve ser analisado separadamente quanto a seu alcance e conseqüências. Seguindo as observações feitas em um trabalho recente (Oszkak, 1996), entendo que a globalização é uma explicação veiculada pelos deterministas, e a integração regional é veiculada pelos voluntaristas. As forças que explicam a globalização são muito mais englobantes, poderosas e complexas que as que governam o comércio internacional. Existe, hoje, uma “agenda mundial” que é composta, entre outras coisas, de questões relativas as migrações, ao meio ambiente, ao terrorismo, a corrupção, ao tráfico de entorpecentes, a revolução das comunicações, aos movimentos de capital e aos mercados financeiros on-line. Todas estas questões têm um elemento em comum: “desconsideram” as fronteiras nacionais, que se tornam móveis e porosas ou, simplesmente, se dissolvem diante das novas formas adotadas pelo intercâmbio e inter-relação entre forças e atores muito poderosos. 22 Não obstante, isso ainda não ocorreu na recente experiência argentina, no que se refere aos conflitos docentes. As greves em nível local se nacionalizaram. A organização sindical empregou novas formas de luta política, que tenderam a funcionar como um sistema de vasos comunicantes, produzindo solidariedade e efeitos em cadeia. 37 A globalização representa, então, a explosão de uma complexidade e de incerteza. Para os Estados nacionais supõe-se a necessidade de ir contra alguns de seus efeitos, de “ancorar” algumas das regras que governam esta nova dinâmica, numa tentativa de obter capacidade de previsão e visibilidade. Trata-se de uma luta desigual porque, em última instância, a nova agenda mundial parece originar-se, em grande parte, nas novas modalidades que tem adquirido o sistema capitalista como padrão dominante de organização social, o qual ultrapassa a capacidade de controle individual por parte de um determinado Estado nacional. Nesse caso, a integração regional pode ser vista como uma manifestação de voluntarismos não resignados, como uma concatenação de ações deliberadas e conjuntas e levadas a cabo por dois ou mais Estados nacionais, para resolver algumas das restrições ou efeitos indesejáveis de uma globalização tão determinante. Neste sentido, a integração não seria mais uma manifestação da globalização, mas sim o seu oposto, quer dizer, uma intenção de ordenar, da fronteira para dentro, o impacto de um mundo sem fronteiras. O que foi apresentado, no entanto, não dá conta totalmente da distinção que se pretende estabelecer conceitualmente. Se bem que a integração transcenda as fronteiras nacionais, fato que outorga a esta questão um caráter diferente ao de outras mais propriamente nacionais, também incorporadas à agenda estatal, na origem de muitas desta pressão internacional vem tendo um efeito determinante. Cito dois exemplos, o ocorrido com a Aliança para o Progresso, geradora da maioria das iniciativas de criação de instituições de reforma agrária e a criação dos Conselhos ou agências de desenvolvimento econômico, promovidas, em grande medida, pelo Banco Mundial, nos anos 50 e 60. Quero destacar com isto o papel decisivo da pressão internacional na conformação das relações de força no interior dos Estados e das próprias sociedades nacionais. Essa pressão é quase sempre seletiva: aponta para o fortalecimento de determinados atores sociais ou estatais e para o debilitamento daqueles que defendem interesses opostos. O jogo dos “anéis burocráticos”, que foi descrito por Cardoso (1972), se estende a um plano supranacional, tornando muito mais complexas as relações entre agências estatais, clientes locais e lobbies forâneos de distintas naturezas. Uma maneira de distinguir “esta outra fronteira”, vulnerável às forças internacionais, mais “institucionalizadas” (como a Iniciativa para as Américas, Fundo Monetário Internacional, OTAN, Fóruns, Conselhos ou lobbies supranacionais organizados), é buscando a noção de “internacionalização do Estado”. De uma certa forma, este processo poderia ser visto como mais um aspecto da globalização. A diferença, ao meu ver, está em que os efeitos desta 38 última são mais onipresentes e menos visíveis, enquanto que os derivados da internacionalização, no sentido expresso, podem ser atribuídos com maior facilidade a atores e decisões concretas (por exemplo, às condições provenientes de organismos financeiros internacionais, pressões de um governo sobre outro sobre legislação relativa a patentes de industrias farmacêuticas ao controle do narcotráfico, posições conjuntas sobre aborto ou direitos humanos). Nessas distinções, pode ser observado que a integração regional tem uma íntima relação com os novos rumos que estão tornando os Estados nacionais da região. De certo modo, poderia afirmar-se que os processos de integração regional que vêm sendo produzidos nas últimas décadas têm implicado a alienação da capacidade de decisão unilateral dos Estados nacionais sobre certos aspectos da gestão pública, que anteriormente estavam submetidos ao seu exclusivo arbítrio. Apesar de se tratar de uma submissão voluntário, a integração supõe abrir mão de uma porção do poder de decisão com a finalidade de promover interesses nacionais cuja realização poderia encontrar, através da integração, um meio apropriado. Quando a esta semi-vulnerabilidade de poderes e a uma instância supranacional de negociação se soma à vulnerabilidade que simultaneamente produzem a internacionalização e a globalização, se torna evidente que os Estados nacionais tenderão a diminuir sua autonomia decisória, tanto em relação aos assuntos externos quanto aos de sua própria agenda interna23. Os Estados nacionais estão transferindo recursos e instâncias decisórias a governos sub- nacionais e a operadores econômicos privados. Também, nesta dimensão interna de sua gestão, estão perdendo competências e capacidades decisórias. Paradoxalmente, então, a descentralização e a internacionalização operam como redutor dos espaços de decisão autônoma dos Estados nacionais. O certo é que os atores e processos supranacionais vêm se tornando participantes “naturais” dessa cena política nacional. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional têm, hoje, maiores recursos para orientar as políticas públicas do que a mais poderosa coalizão parlamentar. Um narcotráfico globalizado entroniza e derruba governos. Uma crise 23 Os países mais desenvolvidos não são imunes a estes processos e, crescentemente, suas decisões estão subordinadas aos condicionantes de sua inserção internacional ou regional. Por exemplo, na Nova Zelândia o Clerk of the House of Representatives assinalou há pouco que cerca de 30% da legislação desse país se vincula com o cumprimento de compromissos internacionais. Por sua vez, no Reino Unido, cerca de 40% de sua legislação é dedicada a questões vinculadas à Comunidade Européia. 39 econômica em um país produz efeitos em cascata sobre outras economias aparentemente sólidas. As pressões governamentais de um país central conduzem em outros, dependentes deste, legislações favoráveis aos interesses econômicos do centro. As mudanças na economia mundial, como observado por Lattuada (1996), reformulam as vantagens comparativas tradicionais, exigem uma maior articulação e dependência do setor primário em relação ao capital industrial, comercial e financeiro, e subordinam os instrumentos de política econômica doméstica a decisões supranacionais (Mercosul, GATT, entre outros). Sem pretender uma análise ordenada destas repercussões “internas”, vale a pena observar algumas de suas manifestações a fim de ilustrar os diversos planos da relação Estado- sociedade que são afetados. Wallersteim (1994) observa que durante o próximo meio século, os processos básicos da economia capitalista mundial continuarão funcionando como hoje funcionam. Os indivíduos e as empresas seguirão buscando a acumulação de capital de todas as maneiras conhecidas; os capitalistas buscarão o apoio das estruturas estatais como fizeram no passado e os Estados competirão entre si para se constituir nos principais centros de acumulação de capital. O que mudará, provavelmente, não será tanto a operação do mercado mundial, mas sim as operações das estruturas políticas e culturais mundiais. Basicamente os Estados nacionais perderão continuamente legitimidade e, portanto, terão dificuldades para garantir uma segurança mínima interna ou externa. Já em relação ao plano interno dos países, as novas formas de articulação que se estão produzindo entre o mercado globalizado e as economias regionais localizadas em determinados espaços do território nacional, rompem com as coordenadas do modelo anterior assentado no Estado-nação. A reprodução deste modelo parece depender das possibilidades de aprofundar a competitividade interurbana, em condições tais que podem resultar na exclusão das regiões que não tenham possibilidade de desenvolver novas vantagens comparativas (Loiola e Moura, 1995). Esta situação pode gerar movimentos separatistas, favorecidos pelo processo de globalização e a livre circulação do capital. Tratando desse tema Camargo (1994), referindo- se ao Brasil, destaca a importância de medidas políticas, fiscais e administrativas que permitam o fortalecimento da União frente ao surgimento desses movimentos. Outro aspecto que merece atenção é que, nos atuais processos integracionistas, se manifesta uma mudança da importância relativa do papel dos atores que os tornam 40 concretos. Como observa Regueira Bello (1995), muitas negociações bilaterais no âmbito do Mercosul têm sido diretamente realizadas pelo setor privado, como no caso da industria automobilística. As pressões sobre o Estado nacional se fundam na divergência de interesses que possuem diferentes atores. As empresas associadas ao capital transnacional se pronunciam por uma maior abertura ao exterior e por reduzir a proteção e regulação estatal; muitas das empresas privadas de capital nacional, menos competitivas, demandam uma maior proteção. Modificam-se, dessa forma, as formas de participação estatal. A integração continua sendo um processo vindo de cima, com um caráter inter-governamental, mas a presença do setor empresarial – como ator real do processo – descentraliza e desconcentra a gestão e decisão estatal, especialmente nas negociações de caráter setorial. Também os membros das organizações internacionais e supranacionais podem conduzir à mudanças na estrutura de poder e autoridade dos Estados individuais. Por exemplo, a pertinência à Comunidade Européia ou ao Mercosul pode outorgar a alguns dos Estados membros, os menores, maior voz sobre os assuntos internacionais do que a que teriam como nações separadas. Mas, como bem observa Corkey (1993), a mesma pertinência ilustra a disfunção legal entre o conceito de soberania e um grupo supranacional. A abertura econômica restringe a autonomia dos países na planificação de suas políticas socioeconômicas e modifica, inclusive, as formas de organização e gestão empresarial. No entanto, alguns autores observam que há uma tendência de se superestimar o grau em que as forças globais determinam o destino dos Estados de Bem-estar nacionais ou explicam o fracasso da gestão macroeconômica. Como resultado de análises comparativas, Esping- Andersem (1994), assinala que a permanência dos Welfare States se explica mais pela vigência de mecanismos de construção de consenso político. Krugmam (1997), também denuncia que a globalização tem sido responsabilizada muitas vezes por todos os males (instabilidade, desemprego, baixos salários), afirmando que nem os mercados globais são onipotentes e nem a autonomia nacional morreu. O “globalismo econômico desenfreado” é, segundo este autor, uma máscara para ocultar a insensatez e conseqüente fracasso de certas políticas domésticas (estatais ou privadas) que utilizam o argumento da competitividade para justificar reestruturações empresariais, criação de empregos ou promoção da flexibilização do trabalho. Também pode ser observado como uma intenção cínica, de encobrir um compromisso social com os setores mais desprotegidos, a adoção de medidas de defesa ambiental, que aumentam custos. Toda essa retórica, conclui o autor, coloca um risco muito sutil: estimula o 41 fatalismo, uma sensação de que não se pode enfrentar os problemas porque esses superam a capacidade dos países (o denominado horror econômico e seu impetuoso avanço na Europa Ocidental), tornando a consideração evidente – ou justificando – as falhas próprias das políticas nacionais. O último ponto a ser considerado é o do crescimento dos organismos financeiros internacionais em relação aos planos funcional, material e de governabilidade, que emolduram as relações Estado-sociedade. Existe consenso de que os resultados das atividades promovidas por instituições como o FMI ou o Banco Mundial não devem ser medidas somente a partir do volume de empréstimos outorgados. Seu poder sobre os governos dos países em desenvolvimento depende marginalmente de seu aporte financeiro (Haggard, Lafay e Morrison, 1995). As condições que acompanham esses empréstimos correspondem, nesta visão, à forma mais importante de sua atividade. O que é decisivo é a sua capacidade para interferir nas relações econômicas internacionais. Por exemplo, vinculando o acesso ao mercado de capitais ou mesmo firmando acordos prévios com o FMI ou o Banco Mundial que impõem, definitivamente, a política econômica e os parâmetros da relação Estado-sociedade. Isto outorga àqueles governos que controlam estes organismos um grande poder com baixos custos (Coraggio, 1995). Na atualidade, o volume dos empréstimos internacionais tem alcançado um peso considerável na composição da dívida externa dos países que, em alguns casos, vem crescendo persistentemente. Inicialmente, este financiamento se orientou a apoiar as políticas de ajuste estrutural e estabilização necessárias aos países receptores. Através das condições e exigências dos empréstimos (que incluem centralmente a intervenção dos organismos financeiros internacionais na avaliação dos conteúdos e orientação das políticas macroeconômicas e dos projetos financiados) foram transmitidas e impostas receitas e fórmulas cujo efeito comparativo foi uma crescente homogeneização das políticas nacionais dos países “beneficiários” dos créditos. Esta influência não se limitou ao domínio dos Estados nacionais; também se expandiu aos âmbitos sub-nacionais, à medida que a capacidade do Estado nacional se via restringida pelas condições externas (Teune, 1995). As preocupações mais recentes dos organismos internacionais mudaram para o fortalecimento institucional dos diversos níveis de governo. A prática do ajuste começou a assinalar o entorno político como a principal fonte de obstáculos para uma mudança econômica sustentada. 42 O tema do desenho institucional adequado começou a ocupar um lugar mais destacado nas análises de política econômica, refletindo em uma linguagem prescritiva o debate intelectual sobre a relação política e economia. Frischtak (1994) observa, a esse respeito, que as instituições financeiras internacionais que haviam começado a vender um pacote de receitas para que os Estados pudessem obter novos empréstimos, correram o risco de cometer excesso em sua própria agenda. Aparecia potencialmente questionado, não somente o modelo de desenvolvimento, mais além do controle e da capacidade objetiva destas instituições, como também a própria natureza do sistema político de países soberanos, consideração que excede tanto a experiência técnica como o mandato das instituições internacionais. Deve ser admitido, no entanto, que estas jogaram, quase sempre, um papel articulador das possíveis conseqüências negativas derivadas da aplicação de suas próprias receitas, efetuando oportunamente os ajustes ideológicos necessários. Isto nem sempre se traduz em imediata correção das políticas adotadas pelos governos, dado ao efeito inercial das políticas já adotadas ou à dificuldade para reorientar os projetos com financiamento externo em curso. Talvez, isso resulte do paradoxo do suposto discurso oficial desses organismos e se veja prontamente desmentidos pelas expressões retóricas de seus interlocutores, cujas manifestações públicas parecem contribuir como pano de fundo ao discurso. Atreveria-me a sustentar que nesse discurso travestido, parece existir uma seqüência em que os organismos internacionais têm deslocado a ênfase dos problemas vinculados com o “papel apropriado” do Estado nacional no plano funcional aos criados no plano do poder, para acentuar, finalmente, a problemática social gerada em redor do plano material ou de justiça distributiva. Ajuste e estabilização, ligados a um Estado também ajustado e descoberto de funções transferíveis; governabilidade, sustentada em um aparato estatal com capacidade institucional para observar os equilíbrios macroeconômicos e promover o desenvolvimento; e uma rede de contenção social, baseada em programas focalizados e assistenciais, parecem dar conteúdo às formas que aqueles organismos foram propondo sucessivamente aos países devedores. Os organismos multilaterais de crédito não vêm prestando atenção às conseqüências sociais e políticas de seus programas. Deve ser reconhecido, no entanto, que as mudanças de rumo na orientação de seus programas, geralmente tardias, têm representado muitas vezes uma saudável reação frente à cega obsessão dos gurus e aprendizes de feiticeiros locais, de empregar as fórmulas dos seus mestres. 43 9 Reflexões Finais Historicamente, as sociedades latino-americanas tenderam a privilegiar uma matriz sócio- política que incluía casos de fusão, imbricação, subordinação ou eliminação de certos elementos da relação entre Estado e sistema de representação de atores sociais (Garretón, 1994). O Estado constituía a referência central da ação coletiva e, inclusive, um fator decisivo no próprio processo de construção social. O Estado constituía também, portanto, o locus principal da política, onde desembocavam todas as pressões, demandas e tomadas de posição que deram sucessivos conteúdos à agenda política. No entanto, na interpretação entre Estado e sociedade prevaleceram componentes mobilizadores ao invés dos representativos ou autenticamente participativos. Capturado ou colonizado pelos interesses econômicos de turno o Estado, com escassa autonomia, foi orientando suas políticas segundo os ditados e preferências de quem controlava seu aparato institucional. Alcançados os limites de sua expansão frente a uma crise que se presumia em vias de acabar, a antiga matriz Estado-cêntrica foi se encaminhando a um modelo de relação cuja forma definitiva, ainda está sendo definida, porém, tendo como característica central uma incorporação diferente das instâncias estatais sub-nacionais, os demais setores que compõem a sociedade e os atores supranacionais. É ainda prematuro qualificar esta nova matriz como sócio-cêntrica, ainda que tal denominação esteja acentuada sobre o novo papel e que corresponderia jogar a sociedade na constituição de um novo modo de organização social. Uma ordem que inevitavelmente será capitalista, mas cuja adjetivação será o resultado de uma luta política incerta quanto a seus resultados. Será democrático no plano da governabilidade ou esse caráter será debilitado por um funcionamento da política que somente resgatará as manifestações formais da democracia? Será “social” ou “com rosto humano”, quanto aos pressupostos éticos de equidade distributiva, ou se limitará a suprir e conter as conseqüências mais ostensivamente prejudiciais que conduzem à marginalidade e desigualdade social? Qualquer que seja a resposta (e esta somente poderá ser confirmada em um sentido ou outro em cada experiência nacional), não há dúvida que a mesma deverá ter o Estado como protagonista central. Se me permitem uma tautologia, entenderia que no processo de 44 construção de um capitalismo social e democrático, o Estado deverá estatizar-se, o setor privado deverá privatizar-se e a sociedade civil deverá publicizar-se. Em outras palavras, Estado e sociedade deverão contribuir para a reconstrução de uma esfera pública em que nem o Estado tenha um protagonismo excludente nem o cidadão cumpra meramente um papel passivo em seu triplo caráter de votante, contribuinte e usuário de serviços. Esta é a contraparte especular dos três planos de relação entre Estado e sociedade. Mesmo que a “autonomia do Estado” e a “impermeabilidade”, típicas dos países asiáticos, tenham sido úteis, isso não significa que estas devam ser as características a emular na América Latina para resultar em transformações exitosas (Bradford, 1994). Para reforçar a autonomia estatal e seu papel como agente de articulação e desenvolvimento nacional, devem ser eliminadas suas tendências mais burocráticas para promover, ao mesmo tempo, os mecanismos de representação e participação social. Esta tarefa não pode ser empreendida exclusivamente pelo Estado. Como bem assinala Cunill Grai (1995): “o desafio, em todo caso, que cabe ao Estado, é o da mudança de enfoque em suas relações com a sociedade civil. Em vez de pretender que a sociedade crie canais institucionais para juntar-se ao Estado, em função de seus objetivos e necessidades, o que este último deve fazer é inverter o paradigma buscando apoiar á sociedade civil, no interesse da preservação de sua autonomia institucional, de maneira a não desprezar sua capacidade para negociar livremente as melhores opções que podem contribuir ao seu desenvolvimento”. Os termos que se tem proposto para se referir a este novo modelo de Estado desejável, necessário, inteligente, atlético, sensato, reinventado, catalítico, segundo a imaginação de cada um constituem, ao meu juízo, simples recursos retóricos para assinalar a necessidade de sua transformação ou, um catálogo de receitas, que o sentido comum aceitaria quase sem discussão. Tende-se esquecer que a exclusão, o apartamento e a atomização da sociedade civil, que têm acompanhado os processos de reforma estatal, tornam mais evidente a sensação de que a esfera pública tende a desvanecer-se, debilitando ainda mais o Estado pós-reforma. Portanto, não se trata unicamente de redefinir o papel do Estado, mas também de estabelecer, inclusive como condição necessária de seu reforço, o papel que cabe à sociedade na nova matriz sócio-política que se está configurando. Este tipo de preocupação recoloca a legitimidade do espaço público e do espaço privado, assim como a fronteira desejável entre sociedade e Estado. 45 Ele resgata, também, o papel de representação política e de participação social, quer dizer, dos novos espaços, atores e mecanismos através dos quais poderiam criar-se contrapesos sociais e institucionais inspirados em valores democráticos, para que a agenda pública seja efetiva e equivalente às demandas e necessidades do conjunto social. NIVEL SETORPÚBLICO PRIVADO SUPRA- NACIONAL NACIONAL S U B N A C I O N A L PROVINCIAL MUNICIPAL ORG. INTERNAC. GOV. ESTRANG. ESTADO NACIONAL Intercionalizaçao integração •ONG`S •EMPRESAS PRIVADAS •SOCIEDADE CIVIL Desregulação Privatização Terceirização •ONG`S •EMPRESAS PRIVADAS •SOCIEDADE CIVIL •ONG`S •EMPRESAS PRIVADAS •SOCIEDADE CIVIL ESTADO PROVINCIAL ESTADO MUNICIPAL Desregulação Privatização Terceirização Desregulação Privatização Terceirização Descentralização Regionalização Descentralização Regionalização Figura 3 Transformação Estado-Sociedade Tendências segundo níveis e setores 10 Bibliografia ARIÑO ORTIZ, Gaspar (1995) Teoría y práctica de la regulación para la competencia (Hacia un nuevo concepto de servicio público). Mimeo, ponencia presentada al Seminario sobre "Regulación de los Servicios Públicos Privatizados", Buenos Aires, Universidad de Belgrano, 5 al 7 de septiembre. BRADFORD, C. 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