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4 - Fisiologia M%C3%A9dica (Guyton e Hall) 9a ed[1][1]. - Cap. 27 a 39

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258
CAPÍTULO 27
Formação da Urina pelo Rim: II.
Processamento do Filtrado nos Túbulos
REABSORÇÃO E SECREÇÃO NOS TÚBULOS
O filtrado glomerular que penetra nos túbulos do néfron
flui por (1) íúbulo proximal, (2) alça de Henle, (3) túbulo distal,
(4) duto coletor cortical, e (5) duto coletor, para o interior da
pelve renal. Ao longo desse trajeto, as substâncias são
reabsorvidas ou secretadas seletivamente pelo epitélio tubular, e o
líquido resultante desse processamento penetra na pelve renal
sob a forma de urina. A reabsorção desempenha papel muito
mais importante do que a secreção na formação da urina, porém
o processo de secreção é especialmente relevante no sentido de
determinar as quantidades de íons potássio, íons hidrogênio e
outras substâncias na urina, conforme discutido adiante.
Em geral, mais de 99% da água existente no filtrado
glomerular são reabsorvidos quando esse filtrado é processado
nos túbulos. Por conseguinte, se algum constituinte dissolvido
do filtrado glomerular não for reabsorvido ao longo de todo o
trajeto dos túbulos, essa reabsorção de água irá obviamente
concentrar a substância por mais de 99 vezes. Por outro lado,
alguns constituintes, como glicose e aminoácidos, são
reabsorvidos quase que por completo, de modo que suas
concentrações caem para quase zero antes de o líquido se
transformar em urina. Dessa maneira, os túbulos separam as
substâncias que devem ser conservadas no organismo das que
precisam ser eliminadas na urina, sendo essa separação efetuada
sem haver grande perda de água pela urina.
Os mecanismos básicos para o transporte através da
membrana tubular são essencialmente os mesmos descritos no
Cap. 4 para o transporte através de outras membranas do
organismo. Podem ser divididos em transporte ativo e transporte
passivo.
TRANSPORTE ATIVO ATRAVÉS DA MEMBRANA
TUBULAR
Como foi explicado no Cap. 4, existem dois mecanismos
básicos de transporte ativo: o transporte ativo primário e o
transporte ativo secundário. A melhor maneira de explicar esses
dois tipos de transporte é descrevê-los por meio de exemplos.
Transporte ativo primário de ions sódio através da
membrana tubular - função da Na+, K+-ATPase
A Fig. 27. IA ilustra o mecanismo básico para o transporte
de íons sódio através da membrana tubular, que ocorre sempre
na direção do lúmen tubular para o interstício. Nas superfícies
basal e lateral da célula epitelial tubular, a membrana celular
+, K+-ATPase, capaz de clivarcontém um extenso sistema de Na
o trifosfato de adenosina (ATP) e utilizar a energia liberada
para transportar os íons sódio da célula para o interstício,
transportando ao mesmo tempo íons potássio do interstício para
o interior da célula. No Cap. 4, também foi assinalado que esse
sistema de ATPase bombeia três íons sódio para cada dois íons
potássio bombeados. Todavia, as faces basolaterais da célula
epitelial tubular são tão permeáveis ao potássio que praticamente
todo esse íon se difunde imediatamente da célula para o
interstício. Por conseguinte, como ilustra a Fig. 27.IA, o efeito
final consiste no bombeamento de grande quantidade de sódio,
de modo que o sódio existente no interior da célula cai para
concentração muito baixa. Além disso, como três cargas elétricas
positivas são bombeadas para fora da célula com os íons sódio, o
interior da célula passa a ter potencial muito negativo de cerca
de -70 milivolts. Por. conseguinte, dois fatores são responsáveis
pela difusão dos íons sódio através da membrana luminal da
célula, do lúmen tubular para o interior da célula: (1) o grande
gradiente de concentração de sódio através da membrana, com
altas concentrações de sódio no lúmen tubular e baixas
concentrações no interior da célula, e (2) a atração dos íons
sódio positivos do lúmen tubular para o interior da célula pelo
potencial intracelular de -70 mV.
Na face tubular da célula epitelial, existe extensa borda em
escova que multiplica a área da superfície de exposição luminal
por cerca de 20 vezes. Na membrana dessa borda em escova,
existem proteínas transportadoras de sódio que se ligam aos íons
sódio sobre a superfície luminal da membrana e os liberam no
interior da célula, atuando, assim, por difusão facilitada do sódio
para o interior da célula. Esse processo garante a difusão rápida
de sódio através da borda luminal da célula epitelial, ao mesmo
tempo que o íon sódio é ativamente transportado para fora da
célula, nas faces basolaterais. As proteínas transportadoras de
sódio na borda em escova também desempenham papel
importante no transporte ativo secundário, conforme explicado
adiante.
Assim, o mecanismo efetivo para o transporte de sódio
através da parede epitelial tubular, ilustrado na Fig. 27.1B,
mostra que o sódio bombeado a partir do túbulo é
eventualmente absorvido pelo capilar peritubular e
transportado pelo sangue.
Embora a maior parte do transporte ativo primário em todo
o sistema tubular esteja, sem dúvida alguma, relacionada ao
transporte de sódio, o transporte ativo primário também é obser-
259
Fig. 27.1 A, Mecanismo básico do transporte ativo de sódio através da célula epitelial tubular. A figura mostra o transporte ativo pela bomba
de sódio-potássio, que bombeia o sódio para fora da membrana basolateral da célula, criando, simultaneamente, concentração intracelular muito
baixa de sódio, bem como potencial intracelular negativo. A baixa concentração intracelular de sódio e o potencial negativo determinam a
difusão de íons sódio do lúmen tubular para o interior da célula através da borda em escova. B, Mecanismo efetivo do transporte ativo de
sódio do lúmen tubular para o capilar peritubular.
vado para algumas outras substâncias. Por exemplo, ocorre
transporte secretor ativo de íons hidrogênio em algumas das
porções distais do sistema tubular, como veremos mais adiante,
enquanto o transporte absorvido ativo de cálcio ocorre em
outras porções do sistema tubular.
Absorção ativa secundária a partir do túmen tubular
No transporte ativo secundário, nenhuma energia é utilizada
diretamente do ATP ou de qualquer outra fonte de fosfato de
alta energia. Com efeito, o movimento dos íons sódio do lúmen
tubular para o interior da célula energiza a maior parte do
transporte secundário de outras substâncias. Essa forma de
transporte é realizada por vários tipos diferentes de proteínas
transportadores de sódio da borda em escova da célula epitelial.
Por exemplo, na Fig. 27.2, a célula da parte superior ilustra o
transporte ativo secundário de glicose, enquanto a segunda
célula ilustra o transporte ativo secundário de íons
aminoácidos. Em cada caso, a proteína transportadora da
membrana da borda em escova combina-se ao mesmo tempo
com a substância a ser transportada e com um íon sódio. À
medida que o sódio se desloca ao longo de seu gradiente
eletroquímico para o interior da célula, carrega consigo a
glicose ou o íon aminoácido. Em geral, cada tipo de proteína
transportadora é específico para o transporte de uma
substância ou classe de substâncias. Esse tipo de transporte
ativo secundário, em que o íon sódio carrega consigo outra
substância através da membrana, é denominado co-transporte.
A glicose, os aminoácidos e vários outros compostos
orgânicos são intensamente co-transportados nos túbulos
proximais. O co-transporte dos íons cloreto é feito
principalmente no segmento grosso do ramo ascendente da
alça de
Henle. Outras substâncias que também são
cotransportadas em algum ponto do sistema tubular incluem o
fosfato, o cálcio, o magnésio e íons hidrogênio. Essas
substâncias serão consideradas mais tarde.
Após o co-transporte de glicose, de aminoácidos ou de outras
substâncias do lúmen tubular para o interior da célula epitelial,
essas substâncias costumam atravessar a face basolateral da célula
por difusão facilitada, juntamente com outra proteína
transportadora.
Secreção ativa secundária nos túbulos
Algumas substâncias sofrem secreção ativa secundária nos
túbulos. Em geral, o processo é oposto ao descrito nos parágrafos
anteriores para a absorção secundária. Os íons hidrogênio,
potássio e urato são algumas das substâncias importantes que
são' secretadas dessa maneira em regiões específicas dos túbulos.
Como exemplo, a célula da parte inferior da Fig. 27.2 ilustra a
secreção ativa secundária de íons hidrogênio nos túbulos proxi-
mais. Para isso, um íon hidrogênio no interior da célula epitelial
liga-se à proteína transportadora na borda em escova, enquanto
um íon sódio no lúmen tubular liga-se à outra extremidade da
mesma proteína transportadora. A seguir, à medida que o íon
sódio penetra na célula, o íon hidrogênio é forçado para fora,
em direção oposta. Por razões óbvias, esse processo é
denominado contratransporte.
Para ter maior compreensão dos princípios relativos ao
transporte ativo primário e secundário, o leitor deverá consultar
também as descrições mais detalhadas apresentadas no Cap. 4.
ABSORÇÃO PASSIVA DE ÁGUA: OSMOSE
ATRAVÉS DO EPITÉUO TUBULAR
Quando os diferentes solutos são transportados para fora
do túbulo por transporte ativo primário ou secundário, sua
concentração total diminui no lúmen tubular, mas aumenta no
interstício. Obviamente, isso cria uma diferença de concentração
que irá produzir osmose de água na mesma direção em que
foram transportados os solutos.
Grande parte dessa osmose ocorre através das denominadas
junções fechadas existentes entre as células epiteliais, e não
através das próprias células. A razão disso é que as junções
não são tão fechadas quanto indicado por seu nome, mas
permitem a difusão rápida de água e de muitos outros íons
pequenos.
260
Fig. 27.2 Mecanismos de transporte ativo secundário. As duas células
de cima mostram o co-transporte da glicose e de aminoácidos através
da borda em escova das células epiteliais, juntamente com os íons sódio,
seguido de difusão, facilitada através das membranas basolaterais. A
terceira célula mostra o contrai/ansporte de íons hidrogênio através
da borda em escova para o lúmen tubular; o movimento para dentro
dos íons sódio fornece a energia para o movimento para fora dos íons
hidrogênio.
Esse processo é especialmente observado nos túbulos proximais,
onde as junções "fechadas" são muito frouxas. À medida que
os solutos são absorvidos através das células epiteliais tubulares
proximais, essa absorção aumenta a osmolalidade do interstício
e determina osmose quase instantânea de enorme volume de
água juntamente com os solutos. Por conseguinte, o líquido
absorvido dos túbulos proximais é quase isosmótico.
Nas partes mais distais do sistema tubular, começando na
alça de Henle e estendendo-se pelos demais túbulos, as junções
"fechadas" são muito mais fortes, e as células epiteliais também
apresentam superfícies menos extensas. Assim, de modo geral,
as últimas porções do sistema tubular são bem menos permeáveis
do que os túbulos proximais.
ABSORÇÃO PASSIVA DE ÍONS CLORETO, URÉIA
E OUTROS SOLUTOS PELO PROCESSO DE DIFUSÃO
Quando os íons sódio são transportados através da célula
epitelial tubular, um íon negativo, como o íon cloreto, é
geralmente transportado com cada íon sódio para manter a
neutralidade elétrica. Antes, tivemos oportunidade de assinalar
que, em alguns segmentos dos túbulos, os íons cloreto podem
ser transportados por transporte ativo secundário. Entretanto,
na maioria dos segmentos tubulares, os íons cloreto são
transportados principalmente por difusão passiva. Isso ocorre
especialmente através das junções "fechadas" dos túbulos
proximais, mas também, ainda que em menor grau, através das
junções "fechadas" das porções terminais do sistema tubular.
A uréia é outra substância reabsorvida passivamente, porém
em menor grau que os íons cloreto. Na verdade, uma das
principais finalidades funcionais dos rins não é reabsorver uréia,
mas permitir a passagem para a urina da maior quantidade
possível desse produto do metabolismo. Infelizmente, a molécula
de uréia é muito pequena, e os túbulos são parcialmente
permeáveis a ela. Por conseguinte, quando a água é reabsorvida
pelos túbulos, cerca da metade da uréia do filtrado glomerular
sofre reabsorção passiva ao se difundir junto com a água,
enquanto a outra metade passa para a urina.
Outro produto do metabolismo é a creatinina. Todavia, sua
molécula é um pouco maior que a da uréia, de modo que
praticamente não ocorre reabsorção. Com efeito,
virtualmente toda a creatinina filtrada do filtrado glomerular
passa pelo sistema tubular e é excretada na urina.
CAPACIDADES ABSORTIVAS DOS DIFERENTES
SEGMENTOS TUBULARES
Em capítulos subseqüentes, serão discutidas a absorção e
a secreção de substâncias específicas em diferentes segmentos
do sistema tubular. Todavia, é importante assinalar, em primeiro
lugar, as diferenças básicas existentes entre as capacidades
absortivas e secretoras dos diferentes segmentos tubulares.
Epitélio tubular próximal. A Fig. 27.3 ilustra as
características celulares da membrana tubular no (1) túbulo
proximal, (2) segmento delgado da alça de Henle, (3) túbulo
distal, e (4) duto coletor. As células tubulares proximais têm o
aspecto de
Fig. 27.3 Características das células epiteliais em diferentes
segmentos tubulares.
261
células altamente metabólicas, exibindo grande número de
mitocôndrias para manter os processos extremamente rápidos
de transporte ativo; verifica-se também que cerca de 65% do
filtrado glomerular são normalmente reabsorvidos antes de
alcançar as alças de Henle. Como já foi descrito em relação ao
transporte do sódio, as células epiteliais dos túbulos proximais
possuem extensa borda em escova. Além disso, são dotadas de
intrincado labirinto de canais intercelulares e basais que
formam extensa área de membrana na face epitelial voltada para
o líquido intersticial, isto é, o lado onde ocorre abundante
transporte ativo dos íons sódio.
Por outro lado, a extensa superfície de membrana da borda
em escova da célula epitelial é literalmente repleta de moléculas
transportadoras protéicas que promovem o co-transporte para
a absorção de certas substâncias do lúmen tubular para o
interstício, ou o contratransporte para a secreção de outras
substâncias pelos túbulos. A glicose e os aminoácidos são as
substâncias mais importantes que são absorvidas
especificamente por transporte ativo secundário nos túbulos
proximais. Os íons hidrogênio representam a substância mais
importante secretada por transporte ativo secundário.
Segmento delgado da alça de Henle. O epitélio do segmento
delgado da alça de Henle, como indica seu nome, é muito fino.
As células não possuem borda em escova e apresentam número
muito pequeno de mitocôndrias, indicando um nível mínimo de
atividade metabólica. O trecho descendente desse segmento
delgado é altamente permeável à água e moderadamente
permeável a uréia, ao sódio e à maioria dos outros íons. Por
conseguinte,
parece estar adaptado primariamente para a
difusão simples de substâncias através de suas paredes.
Por outro lado, acredita-se que o trecho ascendente do
segmento delgado seja diferente numa característica muito
importante; supõe-se que ele é muito menos permeável à
água do que o trecho descendente. Essa diferença é importante
para explicar o mecanismo de concentração da urina, que será
discutido mais tarde.
Segmento grosso da alça de Henle. O segmento grosso da
alça de Henle começa a meio caminho do ramo ascendente da
alça, onde as células epiteliais tornam-se acentuadamente
espessadas, conforme ilustrado na Fig. 26.2. A seguir, esse
segmento ascende e refaz todo o seu trajeto até o mesmo
glomérulo que deu origem ao túbulo e, a seguir, passa pelo
ângulo entre as arteríolas aferente e eferente, formando um
complexo com elas, denominado complexo justaglomerular,
discutido no capítulo anterior. Além desse ponto, o túbulo passa
a constituir o túbulo distal.
As células epiteliais do segmento grosso da alça de Henle
assemelham-se às dos túbulos proximais, exceto que possuem
borda em escova rudimentar, menor número de canais basais
e junções "fechadas" muito mais firmes onde as células se unem
umas às outras. As células estão especialmente adaptadas para
transporte ativo intenso de íons sódio e potássio,
transportando-os do lúmen tubular para o líquido intersticial.
Por outro lado, esse segmento grosso é quase totalmente
impermeável à água e à uréia. Por conseguinte, embora mais
de três quartos de todos os íons no líquido tubular sejam
transportados do segmento grosso para o interstício, quase
toda a água e a uréia permanecem no túbulo. Assim, o líquido
tubular no ramo ascendente torna-se muito diluído, exceto por
sua elevada concentração de uréia. Esse segmento grosso
desempenha papel extremamente importante sob diferentes
condições nos mecanismos renais de diluição ou concentração
da urina que acaba sendo formada pelo rim.
Túbulo distal. O túbulo distal começa no complexo
justaglomerular, dando continuidade ao segmento grosso do ramo
ascendente da alça de Henle. A parte inicial do túbulo distal é
altamente contornada e, eventualmente, coalesce com vários
outros túbulos distais para formar o duto coletor cortiçal, que foi
descrito antes.
O túbulo distal é dividido em dois segmentos funcionais
importantes: o segmento diluidor e o túbulo distal final.
Segmento diluidor. A primeira metade do túbulo distal
possui quase as mesmas características do segmento grosso do
ramo ascendente da alça de Henle. Absorve avidamente a
maioria dos íons, mas é quase totalmente impermeável à água e
à uréia. Por conseguinte, esse segmento diluidor também
contribui para a diluição do líquido tubular, da mesma maneira
que o segmento grosso do ramo ascendente da alça de Henle.
Túbulo distal final e duto coletor cortical. As características
funcionais do túbulo distal final e do duto coletor cortical são
semelhantes; até mesmo suas células epiteliais de revestimento
são similares. Esses segmentos tubulares apresentam diversas
características importantes:
1. O epitélio de ambos é quase totalmente impermeável
à uréia conforme observado no segmento diluidor do túbulo dis-
tal, de modo que praticamente toda a uréia penetra no duto
coletor para ser finalmente excretada na urina.
2. Esses dois segmentos reabsorvem avidamente os íons só-
dio, mas a velocidade dessa reabsorção é controlada, em grande
parte, pela aldosterona, como veremos com maiores detalhes
no próximo capítulo. Simultaneamente com o bombeamento de
sódio do lúmen tubular para o interstício peritubular, os íons
potássio são transportados na direção oposta para o lúmen tubu
lar; esse processo também é controlado pela aldosterona e por
vários outros fatores, incluindo a concentração de íons potássio
nos líquidos corporais. Por conseguinte, os íons potássio são
ativamente secretados nesses segmentos tubulares, sendo
principalmente através desse meio que a concentração de íons
potássio
é controlada nos líquidos extracelulares do organismo.
3. O túbulo distal final e o duto coletor cortical também
contêm um tipo especial de célula epitelial, a célula intercalada,
ou "célula marrom", que secreta íons hidrogênio por secreção
ativa primária. Isso difere acentuadamente da secreção ativa se-
cundária de íons hidrogênio que ocorre nos túbulos proximais
e em algumas outras partes do sistema tubular. As células interca-
ladas podem secretar íons hidrogênio contra um gradiente de
concentração de até 1.000:1, em contraste com o gradiente de
apenas algumas vezes para a secreção ativa secundária de íons
hidrogênio. Por conseguinte, essas células intercaladas desempe-
nham papel absolutamente essencial nos elevados graus finais
de acidificação que podem ocorrer na urina.
4. O túbulo distal final e o duto coletor cortical diferem
do segmento diluidor em outro aspecto muito importante: são
permeáveis à água na presença de hormônio antidiurético, porém
impermeáveis quando esse hormônio está ausente, propiciando,
assim, um meio para controlar o grau de diluição da urina, assunto
que será abordado mais tarde com maiores detalhes. O duto
coletor também apresenta responsividade ao hormônio
antidiurético.
Duto coletor. As células epiteliais do duto coletor possuem
forma quase cubóide, com superfície lisa, e contêm relativamente
poucas mitocôndrias. Esse epitélio apresenta duas características
particularmente importantes para a função renal:
1. A permeabilidade do duto coletor à água é controlada
principalmente pelo nível de hormônio antidiurético no sangue
circulante, conforme mencionado acima. Em presença de
quantidades excessivas de hormônio antidiurético, a água é
reabsorvida para o interstício medular com grande avidez,
reduzindo, assim, o volume de urina e concentrando a maioria
das substâncias dissolvidas na urina. O epitélio do duto coletor
também é ligeiramente permeável à uréia. Por conseguinte,
ocorre reabsorção de certa quantidade da uréia para o interstício
medular. A seguir, a maior parte sofre difusão retrógrada
para a alça de Henle, retornando novamente ao duto coletor
pelo túbulo distal para ser finalmente excretada.
262
2. A segunda característica importante do epitélio do duto
coletor é sua capacidade de secretar íons hidrogênio contra um
gradiente muito alto desses íons. Por conseguinte, como será
explicado no Cap. 30, o túbulo distal final e o sistema do duto
coletor desempenham um papel de suma importância no controle
do equilíbrio ácido-básico dos líquidos corporais.
REABSORÇÃO DE ÁGUA EM DIFERENTES
SEGMENTOS DOS TÚBULOS
O transporte da água ocorre totalmente por difusão
osmótica. Isso significa que, toda vez que algum soluto do
filtrado glomerular for absorvido por reabsorção ativa ou por
difusão causada por um gradiente eletroquímico, a diminuição
resultante da concentração de soluto no líquido tubular e sua
maior concentração no líquido intersticial irá determinar osmose
de água para fora dos túbulos. Por conseguinte, o volume de
líquido tubular diminui progressivamente ao longo do sistema
tubular.
A Fig. 27.4 mostra os volumes de líquido que fluem por
minuto em diferentes pontos do sistema tubular. Em ambos os
rins do ser humano, os volumes líquidos totais que fluem em
cada segmento por minuto (em condições normais de repouso)
são os seguintes:
Ml/ min
Filtrado glomerular 125
Fluindo para as alças de Henle 45
Fluindo para os túbulos distais 25
Fluindo para os túbulos coletores
12
Fluindo para as urinas 1
Fig. 27.4 Fluxo de volume de líquido em cada segmento do sistema
tubular por minuto. Observar que o fluxo é representado em escala
semilogaritmica, ilustrando a enorme diferença do fluxo entre os segmen-
tos iniciais e terminais dos túbulos.
tância no filtrado glomerular, conforme indicado à esquerda da
figura. À medida que o filtrado se move ao longo do sistema
tubular, a concentração eleva-se para valores progressivamente
maiores do que 1 se houver maior reabsorção de água do que
de soluto; a concentração torna-se progressivamente inferior a
1 se houver reabsorção de mais soluto que de água. Além disso,
se uma substância for secretada pelo epitélio tubular no túbulo,
essa secreção também irá determinar aumento de sua concen-
tração.
Com base neste quadro, também podemos deduzir a percentagem
aproximada da água glomerular filtrada que é reabsorvida em
cada segmento dos túbutos:
Por cento
Túbulos proximais 65
Alça de Henle 15
Túbulos distais 10
Dutos coletores 9,3
Elilinada na urina 0,7
A seguir, veremos neste capítulo, bem como nos próximos, que
alguns desses valores variam de modo acentuado em diferentes
condições operacionais do rim, em particular quando esse órgão
está formando urina muito diluída ou muito concentrada.
Concentrações de diferentes substâncias em
diferentes pontos nos túbulos
A concentração ou não de uma substância no líquido tubular
é determinada pelo grau relativo de reabsorção da substância
versus a reabsorção de água. Se houver reabsorção de maior
percentagem de água, a substância fica mais concentrada. Por
outro lado, se houver reabsorção de maior percentagem da subs-
tância, ela fica mais diluída.
A Fig. 27.5 ilustra o grau de concentração da maioria das
substâncias importantes nos diferentes segmentos tubulares. To-
dos os valores indicados na figura são concentrações relativas,
considerando-se uma concentração normal de 1 para cada subs-
Fig. 2.5 Figura composta mostrando as concentrações médias de
diferentes substâncias em diversos pontos do sistema tubular.
263
As substâncias representadas na parte superior da Fig. 27.5
são obviamente as que ficam mais concentradas na urina. Em
geral, essas substâncias não são necessárias para o organismo,
e os rins tornaram-se adaptados para não reabsorvê-las ou fazê-lo
apenas muito levemente, ou até mesmo secretá-las para o interior
dos túbulos, com a conseqüente excreção de grandes quantidades
na urina.
Por outro lado, todas as substâncias representadas na base
da figura são intensamente reabsorvidas; são substâncias que
precisam ser conservadas pelo organismo, de modo que quase
nenhuma é excretada na urina.
O Quadro 27.1 fornece um sumário da capacidade de
concentração do sistema tubular para as diferentes substâncias
excretadas na urina. Além disso, fornece as quantidades normais
das substâncias que penetram nos túbulos proximais a cada
minuto no filtrado glomerular. A quantidade de cada uma das
substâncias que penetra a cada minuto é denominada carga
tubular da substância por minuto.
Reabsorção de substâncias especificas em diferentes pontos ao
longo do sistema tubular
Reabsorção de substâncias de valor nutrícional para o orga-
nismo - glicose, proteínas, aminoácidos, íons acetoacetato e vita-
minas. Glicose, proteínas, aminoácidos, íons acetoacetato e vita-
minas são cinco substâncias diferentes, encontradas no filtrado
glomerular, de suma importância para a nutrição do corpo.
Normalmente, todas elas são quase ou totalmente reabsorvidas
por processos ativos nos túbulos proximais do rim. Assim, a
Fig. 27.5 mostra que as concentrações de glicose, proteínas e
aminoácidos diminuem até desaparecerem antes que o líquido
tubular tenha passado pelos túbulos proximais. Por conseguinte,
quase nenhuma dessas substâncias permanece no líquido que
penetra na alça de Henle.
Mecanismo especial para a absorção de proteínas. Até 30 g
de proteínas plasmáticas passam diariamente para o filtrado
glomerular. Isso representaria uma grande depleção metabólica
para o organismo, se a proteína não retornasse aos líquidos
corporais. Como a molécula de proteína é muito grande para ser
transportada pelos processos habituais de transporte, a proteína é
absorvida através da borda em escova do epitélio tubular
proximal por pinocitose, o que significa que a proteína fixa-se à
membrana e que essa porção da membrana invagina-se para o
interior da célula. Uma vez dentro da célula, a proteína é digerida
em seus aminoácidos constituintes, que são, então, absorvidos por
difusão
facilitada através da base e dos lados da célula para o interior
do líquido intersticial. Os detalhes do mecanismo da pinocitose
foram discutidos no Cap. 4.
Pequena reabsorção dos produtos metabólicos terminais:
uréia, creatínina e outros. A Fig. 27.5 também ilustra as
concentrações de dois importantes produtos metabólicos
terminais nos diferentes segmentos do sistema tubular -a uréia e
a creatinina. Apenas pequena quantidade de uréia é reabsorvida
durante todo o percurso do sistema tubular. Apesar disso,
ocorre reabsorção de cerca de 99,3% da água. Por conseguinte,
a remoção de toda essa água concentra a uréia por cerca de 65
vezes.
A creatinina não é reabsorvida pelos túbulos. De fato,
pequenas quantidades de creatinina são, na verdade,
secretadas para os túbulos pelos túbulos proximais, de modo que
a concentração de creatinina aumenta por cerca de 140 vezes.
O íon urato é outro produto terminal do metabolismo. É
reabsorvido mais do que a uréia, mas, mesmo assim, ainda
permanecem grandes quantidades de urato no líquido que
finalmente irá se transformar em urina. Vários outros produtos
terminais, como sulfatos, fosfatos e nitrato, são transportados
essencialmente da mesma maneira que os íons urato. Esses
produtos terminais também são normalmente reabsorvidos em
grau bem menor do que a água, de modo que suas concentrações
aumentam acentuadamente à medida que fluem ao longo dos
túbulos. Todavia, cada um é ativamente reabsorvido em certo
grau, o que impede redução muito acentuada de suas
concentrações no líquido extracelular.
Reabsorção de insulina e de ácido para-amino-hipúrico
pelos túbulos. Mais uma vez, observe na Fig. 27.5 que, quando a
substância insulina, que é um grande polissacarídio, é infundida
no sangue e, a seguir, filtrada para o filtrado glomerular, sua
concentração aumenta por 125 vezes quando atinge a urina. A
causa disso é que a insulina não é reabsorvida, nem secretada
por qualquer segmento dos túbulos, enquanto todos os 125 ml
de água do filtrado glomerular, à exceção de 1 ml, são
reabsorvidos.
Além disso, a Fig. 27.5 mostra que, quando o ácido p-amino-
hipúrico (PAH) é infundido no sangue e, a seguir, excretado
pelos rins, sua concentração aumenta 585 vezes à medida que
o líquido tubular passa pelo sistema tubular. Isso resulta da
secreção de grandes quantidades de PAH para o líquido
tubular, pelas células epiteliais dos túbulos proximais, não
havendo reabsorção em qualquer segmento do sistema tubular.
Essas duas substâncias desempenham importante papel nos
estudos experimentais da função tubular, conforme discutido
adiante neste capítulo.
Quadro 27.1 Concentrações relativas de substâncias no filtrado glomerular e na urina
Concentração na urina/
Filtrado glomerular (125 ml/min) Urina (1 ml/min) Concentração no plasma
(depuração plasmática
Quantidade/min Concentração Quantidade/min Concentração por minuto)
Na1 17,7 mEq 142 mEq/l 0,128 mEq 128mEq/i 0,9
K+ 0,63 5 0,06 60 12
Cat + 0,5 4 0.0048 4,8 1,2
Mg++ 0,38 3 0,015 15 5,0
ci- 12,9
103 0,134 134 1,3
HCO3 3,5 28 0,014 14 0,5
H2PO4
HPO4"J 0,25 2 0,05 50 25
SO4 0.09 0,7 0,033 33 47
Glicose 125 mg 100 mg/dl 0 mg 0 mg/dl 0
Uréia 33 26 18,2 1.820 70
Ácido úrico 3,8 3 0,42 42 14
Creatinina 1,4 1,1 1,96 196 140
Inulina — — — — 125
PAH — — — — 585
264
Reabsorção de diferentes íons pelos túbulos - sódio, potássio,
cloreto, bicarbonato, e outros. Por fim, vamos observar na Fig.
27.5 as alterações nas concentrações de vários íons importantes
- sódio, potássio, cloreto e bicarbonato. Algumas dessas concen
trações elevam-se acima de 1,0, o que significa concentração
maior do que no filtrado glomerular, ao passo que outras apresen-
tam redução para menos de 1,0. O grau de concentração ou
de diluição depende de vários mecanismos que aumentam ou
diminuem a reabsorção dos diferentes íons com a finalidade de
controlar suas concentrações no líquido extracelular. Nos próxi-
mos capítulos, trataremos em particular de vários desses sistemas
de controle.
Para excretar uma quantidade suficiente de íons potássio
e hidrogênio, é necessário que ambos sejam ativamente
secretados para o sistema tubular; a intensidade dessa secreção
é precisamente determinada pelas concentrações de íons
potássio e hidrogênio nos líquidos extracelulares.
O íon bicarbonato é transportado de maneira muito peculiar;
com efeito, é convertido em dióxido de carbono que, a seguir,
difunde-se simplesmente através da parede tubular para o líquido
intersticial. O mecanismo de conversão do íon bicarbonato em
dióxido de carbono envolve, em primeiro lugar, a secreção de
um íon hidrogênio para o túbulo. A seguir, esse íon liga-se ao
íon bicarbonato para formar H3CO3. Por sua vez, o H2CO3
dissocia-se em água e dióxido de carbono. Após difusão do
dióxido de carbono através da membrana tubular, ele
recombina-se com a água para formar novo íon bicarbonato.
Finalmente, tanto os íons cálcio quanto os íons magnésio
são ativamente reabsorvidos em alguns dos túbulos; muitos íons
negativos, em particular os íons cloreto, são principalmente
reabsorvidos por difusão passiva, em conseqüência do gradiente
elétrico que se desenvolve através da parede tubular, quando
ocorre reabsorção de íons positivos. Além disso, alguns íons
negativos urato, fosfatos, sulfato e nitrato podem ser
reabsorvidos por transporte ativo, que ocorre em maior grau nos
túbulos proximais.
EFEITO DA "CARGA TUBULAR" E DO
"TRANSPORTE TUBULAR MÁXIMO" SOBRE OS
CONSTITUINTES DA URINA
Carga tubular. A carga tubular de uma substância é a quantidade
total dessa substância que filtra através da membrana glomerular para
o interior dos túbulos a cada minuto. Por exemplo, se houver formação
de 125 ml de filtrado glomerular a cada minuto, com concentração de
glicose de 100 mg/dl, a carga tubular de glicose será de 100 mg x 1,25,
ou 125 miligramas de glicose por minuto. De forma semelhante, a carga
de sódio que penetra nos túbulos a cada minuto é de aproximadamente
18 mEq/min, a carga do íon cloreto é de cerca de 13 mEq/min, a carga
de uréia, de aproximadamente 33 mg/min, e assim por diante.
Habitualmente, entretanto, a carga tubular da glicose é de apenas 125
mg/min, de modo que, para finalidades práticas, toda ela é reabsorvida.
A Fig. 27.6 demonstra a relação existente entre a carga tubular
de glicose, o transporte tubular máximo para a glicose e a intensidade
de sua perda na urina. Observe que, quando a carga tubular encontra-se
em seu nível normal de 125 mg/min, não há perda detectável de glicose
na urina. Entretanto, quando a carga tubular aumenta para mais de
cerca de 220 mg/min, começam a aparecer quantidades significativas
de glicose na urina. Quando a carga atinge valores superiores à cerca
de 400 mg/min, a perda na urina é igual à carga tubular menos 320
mg/min. Por conseguinte, para uma carga tubular de 400 mg/min, a
perda é de 80 mg/min, e, para uma carga tubular de 800 mg/min, a
perda é de 480 mg/min. Em outras palavras, 320 mg/min da carga tubular,
que representam o transporte tubular máximo para a glicose, são
reabsorvidos, sendo todo o restante perdido na urina.
Limiar para as substâncias que possuem transporte tubular
máximo. Cada substância que possuí transporte reabsortivo máximo
também apresenta uma concentração limiar no plasma, abaixo da qual
nenhuma quantidade aparece na urina, e acima da qual aparecem
quantidades progressivamente maiores.
Assim, a Fig. 27.6 mostra que a glicose começa a aparecer na urina
quando sua carga tubular ultrapassa 220 mg/min. O limiar de
concentração da glicose no plasma que causa essa carga tubular é de 180
m/dl, quando os rins estão operando em sua intensidade de filtração
glomerular normal de 125 ml/min.
Transporte tubular máximo de substâncias importantes absorvidas
a partir dos túbulos. Alguns dos valores de transporte tubular máximo
importantes para substâncias absorvidas, a partir dos túbulos são os
seguintes;
Glicose 320 mg/min
Fosfato 0,1 mM/tnin
Sulfato 0,06 mM/min
Aminoácidos 1,5 mM/min
Urato 15 mg/min
Proteína plasmática 30 mg/min
Hemoglobina 1 mg/min
Lactato 75 mg/min
Acetoacetato variável (cerca de 30mg/min)
Transportes tubulares máximos para secreção. As substâncias
que são ativamente secretadas pelos túbulos também exibem os
seguintes transportes tubulares máximos:
Mg/ min
Creatina 16
PAH 80
intensidade máxima do transporte de substâncias ativamente
reabsorvidas ou secretadas - O "transporte tubular máximo"
(Tm)
Como cada substância que é reabsorvida (ou secretada) ativamente
requer um sistema de transporte específico nas células epiteliais
tubulares, a quantidade máxima passível de ser reabsorvida depende
quase sempre da intensidade máxima com que o próprio sistema de
transporte pode operar; por sua vez, isso depende das quantidades totais
de transportador e de enzimas específicas disponíveis, como já foi
explicado no Cap. 4. Conseqüentemente, para quase todas as
substâncias que sofrem reabsorção ativa, existe uma intensidade
máxima com que cada uma pode ser reabsorvida; essa intensidade é
denominada transporte tubular máximo para a substância, sendo
abreviado por Tm. Por exemplo, o Tm para a glicose é, em média, de
320 mg/min para o ser humano adulto; se a carga tubular de glicose for
superior a 320 mg/min, o excesso acima dessa carga não é reabsorvido,
mas, pelo contrário, passa para a urina.
Substâncias que não exibem transporte máximo
especialmente os íons sódio nos túbulos proximais
Na lista anterior de substâncias que apresentam transportes máxi-
mos, é notável assinalar a ausência de todas as substâncias que são
reabsorvidas por difusão. Com efeito, sua velocidade de transporte é
determinada por dois fatores: (1) o gradiente de concentração da
substância através da membrana, sem qualquer máximo, e (2) o tempo
em que o líquido que contém a substância permanece no interior do
túbulo. Por conseguinte, esse tipo de transporte é denominado
transporte por gradiente-tempo.
É interessante observar que muitas das substâncias com absorção
rápida e transportadas ativamente, como os íons sódio, também estão
ausentes da lista de substâncias que exibem transportes máximos. A
razão disso é que outros fatores, além da velocidade máxima do trans-
porte ativo, atuam como fatores limitantes que determinam a intensidade
do transporte. Por exemplo, nos túbulos proximais, a intensidade do
transporte ativo do sódio pela membrana basolateral da célula epitelial
tubular é bem maior do que a velocidade de difusão de íons sódio do
lúmen tubular para o interior da célula através da borda em escova.
Por conseguinte, a intensidade máxima com que o mecanismo de trans-
265
minuto não deve variar mais do que alguns pontos percentuais.
O CONCEITODE
"DEPURAÇÃOPLASMÁTICA" -SEU
USO NAAVALIAÇÃO DAFUNÇÃORENAL
g. 27.6 Relação da carga tubular de glicose com a perda de glicose
na urina.
porte ativo da membrana basolateral pode transportar o sódio nunca
será praticamente o fator limitante na determinação da intensidade da
absorção do sódio. Outro fator atua na limitação da reabsorção do sódio.
Trata-se do extravasamento retrógrado de grande parte do sódio
transportado do interstício para o lúmen tubular através das junções
epiteliais. Por conseguinte, o transporte de sódio pelos túbulos proximais
também obedece mais a princípios de transporte de gradiente-tempo
do que os princípios de transporte tubular máximo. Isso significa que,
quanto maior a concentração de sódio nos túbulos proximais, maior sua
reabsorção; além disso, quanto mais tempo o líquido tubular permanecer
nos túbulos proximais, maior será a reabsorção de sódio.
Nas partes mais distais do sistema tubular, nos túbulos distais e
além deles, as células epiteliais diferem acentuadamente das que ocorrem
nos túbulos proximais; com efeito, possuem junções epiteliais muito
mais fechadas e também transportam quantidades bem menores de sódio.
Devido a essas diferenças, o transporte de sódio nesses segmentos distais
tem um transporte máximo, como no caso da maioria das outras
substâncias transportadas ativamente. Além disso, esse transporte máximo
modifica-se em resposta aos hormônios aldosterona e angiotensina,
proporcionando, assim, uma maneira de controlar a intensidade da
excreção do sódio pela urina.
Balanço glomerulo tubular nos túbulos proximais. O efeito conhecido
como balanço glomerulotubular representa uma descoberta
especialmente importante no que diz respeito à absorção de sódio e
de líquido pelos túbulos proximais. Isso significa qge, em condições
normais, uma percentagem quase constante de ambos, de cerca de 65%, é
reabsorvida durante sua passagem pelos túbulos proximais,
independentemente da velocidade com que o filtrado glomerular
penetra no sistema tubular. A razão disso ainda permanece incerta. É
possível que decorra da maior distensão dos túbulos ou de algum outro
efeito físico na presença de maiores velocidades de fluxo. Entretanto,
qualquer que seja a causa, quando a intensidade da filtração glomerular
é de 100 ml/min, a reabsorção tubular proximal é de cerca de 65 ml/min;
a elevação do filtrado glomerular para 200 ml/min aumenta a reabsorção
proximal para cerca de 130 ml/min, mantendo o "balanço" proporcional
muito perto de 65%. A importância do balanço glomerulotubular é que
ele ajuda a evitar a sobrecarga dos segmentos mais distais do sistema
tubular quando a intensidade da filtração glomerular aumenta. Além
disso, os mecanismos de feedback tubuloglomerulares que controlam a
própria intensidade da filtração glomerular, conforme discutido no
capítulo anterior, também desempenham papel importante ao impedir a
sobrecarga dos segmentos tubulares distais. É essência! que não sejam
sobrecarregados, uma vez que, nesses segmentos finais do sistema
tubular, a quantidade de cada substância excretada na urina deve ser
controlada. Se a carga tubular que penetra nos túbulos distais variar
significativamente para cima ou para baixo, os sistemas do controle
tubular não poderão funcionar adequadamente. Por exemplo, a
aldosterona só tem faixa limitada de controle para a reabsorção de
sódio; por conseguinte, para que seja eficaz no controle da excreção de
sódio na urina, a carga de sódio que penetra nos túbulos distais a cada
O termo "depuração piasmática" é utilizado para definir a
capacidade dos rins de limpar ou "depurar" o plasma de várias
substâncias. Por conseguinte, se o plasma que passa pelos rins tiver 0,1 g
de uma substância em cada decilitro, e se 0,1 g dessa substância
também chegar à urina a cada minuto, haverá "depuração" de um
decilitro do plasma por minuto.
Consultando novamente o Quadro 27.1, podemos observar que a
concentração normal de uréia em cada mililitro de plasma e de filtrado
glomerular é de 0,26 mg, sendo a quantidade de uréia que penetra
na urina a cada minuto de aproximadamente 18,2 mg. Por conseguinte,
a quantidade equivalente de plasma que perde totalmente seu conteúdo
de uréia a cada minuto pode ser calculada dividindo-se a quantidade
de uréia que penetra na urina a cada minuto pela quantidade de uréia
em cada mililitro de plasma. Assim, 18,2 ÷ 0,26 = 70, isto é, 70 ml de
plasma são depurados de uréia a cada minuto. A quantidade que é
depurada a cada minuto é conhecida como depuração plasmática da
uréia. Obviamente, portanto, a depuração plasmática de cada substância
constitui uma medida da eficácia dos rins em remover a substância do
líquido extracelular.
A depuração plasmática para qualquer substância pode ser calculada
pela seguinte fórmula:
Depuração plasmática (ml/min)
Fluxo urinário (ml/min) x Concentração na urina
Concentração no plasma
As depurações plasmáticas dos constituintes habituais da urina estão
indicadas na última coluna do Quadro 27.1.
DEPURAÇÃO DA INULINA COMO MEDIDA DA
INTENSIDADE DA FILTRAÇÃO GLOMERULAR
A inulína é um polissacarídio que possui os atributos específicos
de não sofrer grau significativo de reabsorção pelos túbulos do néfron,
além de ter peso molecular pequeno o suficiente (cerca de 5.200) para
passar através da membrana glomerular tão livremente quanto os
cristalóides e a água do plasma. Além disso, a inulina não é secretada
ativamente, mesmo em quantidades mínimas, pelos túbulos. Em
conseqüência, o filtrado glomerular contém praticamente a mesma
concentração de inulina que o plasma, e, à medida que o filtrado flui
pelos túbulos, toda a inulina filtrada permanece na urina. Por
conseguinte, todo o filtrado glomerular formado é depurado de inulina.
Assim, a depuração piasmática por minuto de inulina é igual à intensidade
da filtração glomerular.
Como exemplo, suponhamos que a análise química mostre que a
concentração piasmática de inulina ê de 0,001 g em cada mililitro, com
passagem de 0,125 g na urina por minuto. Ao dividirmos 0,125 por
0,001, verificamos que devem ser formados 125 ml de filtrado glomerular
a cada minuto para fornecer â urina a quantidade analisada na inulina.
Em outras palavras, ao se medir a depuração plasmática da inulina,
determina-se que a intensidade da filtração glomerular é de 125 ml/min.
A inulina não é a única substância que pode ser utilizada para
determinar a quantidade de filtrado glomerular formada a cada minuto,
visto que a depuração plasmática de qualquer outra substância totalmente
difusível através da membrana glomerular, mas que não seja absorvida
nem secretada pelas paredes tubulares, é igual à intensidade da filtração
glomerular. O manitol é um monossacarídeo quase sempre utilizado em
lugar da inulina para essas determinações; o iotalamato radiativo é outra
substância freqüentemente empregada, uma vez que sua radiatividade
permite fácil análise quantitativa.
DEPURAÇÃO DO ÁCIDO PARA-AMINO-HIPÚRICO
COMO MEDIDA DO FLUXO PLASMÁTICO PELOS RINS
Como a inulina, o PAH passa através da membrana glomerular
com grande facilidade. Todavia, difere da inulina pelo fato de que a
266
maior parte do PAH que permanece no plasma após a formação de
filtrado glomerular é secretada a partir dos capilares peritubulares para
o interior dos túbulos pelo epitélio tubular proximal (se a concentração
plasmática de PAH for muito baixa). Com efeito, apenas cerca de um
décimo do PAH original permanece no plasma no momento em que
o sangue deixa os rins.
Pode-se utilizar a depuração do PAH para estimar o fluxo de plasma
pelos rins. Como exemplo, suponhamos que 1 mgde PAH esteja presente
em cada decilitro de plasma, e que 5,85 mg de PAH penetrem na urina
por minuto. Em conseqüência, 585 ml de plasma são depurados do
PAH a cada minuto. Obviamente, se esse plasma for depurado do PAH,
pelo menos essa quantidade de plasma deverá ter passado pelos rins no
mesmo
período de tempo. Como sabemos que quase todo o PAH é
depurado do sangue ao passar através dos rins, o valor de 585 ml seria
uma primeira aproximação razoável do verdadeiro fluxo plasmático por
minuto.
Contudo, para sermos ainda mais exatos, podemos corrigir a
quantidade média de PAH que ainda se encontra no sangue quando este
deixa o rim. Em diferentes experimentos, foi constatado que a
depuração do PAH é de cerca de 91% da carga plasmática do PAH
que penetra nos rins; essa percentagem é conhecida como proporção
da extração do PAH. Assim, os 585 ml de plasma calculados
representariam apenas 91% da quantidade total de plasma que flui
através dos rins. Dividindo 585 por 0,91, obtemos um fluxo plasmático
total por minuto de aproxima-
damente 650 ml.
Pode-se calcular o fluxo sanguíneo total pelos rins a cada minuto
com base no fluxo plasmático e no hematócrito (percentagem de eritró-
citos no sangue). Se o hematócrito for de 45%, e o fluxo plasmático,
de 650 ml/min, o fluxo sanguíneo total pelos rins será 650 x 100 ÷ 55
ou 1.182 ml/min.
CALCULO DA FRAÇÃO DE FILTRAÇÃO A PARTIR DAS
DEPURAÇÕES PLASMÁTICAS
Para se calcular a fração de filtração isto é, a fração do plasma que
filtra através da membrana glomerular é preciso determinar (1) o fluxo
plasmático pelos dois rins (depuração de PAH) e (2) a intensidade da
filtração glomerular por minuto (depuração da inulina). Utilizando 650
ml para o fluxo plasmático e 125 ml para a intensidade da filtração
glomerular como valores normais, verificamos que a fração de filtração
calculada é de 125/650, ou, para expressá-la na forma de percentagem,
19%.
REFERÊNCIAS
Ver referências do Cap. 26.
267
CAPÍTULO 28
Mecanismos Renais e Associados para o
Controle da Osmolalidade do Líquido Extracelular
e da Concentração de Sódio
Nos capítulos anteriores, abordamos os mecanismos pelos quais
se forma o filtrado glomerular, bem como o modo como é
processado nos túbulos até transformar-se em urina. Os capítulos
seguintes serão dedicados aos mecanismos pelos quais os rins
utilizam sistemas de feedback negativo para controlar a
composição do líquido extracelular, incluindo o volume do
líquido, sua osmolalidade e as concentrações das várias
substâncias dissolvidas nele. Esses controles por feedback
envolvem quase sempre o sistema nervoso, mecanismos
hormonais e, inclusive, fatores físicos, como os efeitos de
variação dos níveis da pressão arterial sobre o débito urinário.
O presente capítulo irá considerar especificamente (1) os
mecanismos pelos quais os rins são capazes de eliminar o excesso
de água, ao excretarem urina diluída, ou de conservá-la, ao
excretarem urina concentrada; (2) os mecanismos nervosos e
hormonais que controlam a osmolalidade dos líquidos corporais,
ao induzir ou inibir os mecanismos de diluição ou de
concentração dos rins; e (3) os mecanismos da sede e do apetite
de sal, para determinar a ingestão de água e de sal, ajudando,
assim, a controlar a osmolalidade do líquido extracelular e a
concentração de sódio.
MECANISMO PARA A EXCREÇÃO DO EXCESSO
DE ÁGUA: EXCREÇÃO DE URINA DILUÍDA
Uma das funções mais importantes do rim consiste em
controlar a osmolalidade dos líquidos corporais. Quando a
osmolalidade cai para valores demasiado baixos - isto é, quando
os líquidos ficam muito diluídos - , os mecanismos de feedback
nervoso e hormonal atuam sobre os rins, que passam a excretar
grande excesso de água na urina. Obviamente, isso produz urina
diluída, mas também remove água do organismo, aumentando,
assim, a osmolalidade dos líquidos corporais até seu valor normal.
Por outro lado, quando a osmolalidade dos líquidos corporais
é demasiado alta, os rins excretam excesso de solutos, reduzindo
novamente a osmolalidade dos líquidos corporais até seu valor
normal, excretando ao mesmo tempo urina concentrada
Papel do hormônio antidiurético no controle da
concentração urinária. O sinal que mostra ao rim a
necessidade de excretar urina diluída ou concentrada é dado
pelo hormônio conhecido como hormônio antidiurético (ADH)
(também denominado "va-sopressina") que é secretado pela
neuro-hipófise.
Quando os líquidos corporais estão excessivamente
concentrados, a neuro-hipófise secreta grandes quantidades de
ADH, induzindo os rins a excretarem grandes quantidades de
solutos, mas a conservar água. Por outro lado, na ausência do
ADH, os rins excretam urina diluída, perdendo, assim, o
excesso de água do corpo. Os mecanismos de feedback para o
controle desse sistema são descritos adiante neste capítulo; por
enquanto, vamos analisar os mecanismos renais para a excreção
de urina diluída ou concentrada.
Mecanismo renal para a excreção de urina diluída. A Fig.
28.1 ilustra o mecanismo para a excreção de urina diluída.
Quando o filtrado glomerular é formado inicialmente pelo
glomérulo, sua osmolalidade é quase a do plasma, ou seja,
aproximadamente 300 mOsm/1. Para excretar o excesso de água,
é necessário diluir o filtrado à medida que ele passa pelos
túbulos. Essa diluição é obtida mediante a reabsorção de maior
proporção de solutos que de água.
As setas coloridas na Fig. 28.1 representam a reabsorção
da maior parte dos solutos tubulares (além dos produtos de
degradação) em todos os segmentos distais do sistema tubular.
Esses mesmos segmentos tubulares são mostrados na figura com
paredes espessas e escuras, para indicar que seus epitélios são
quase impermeáveis à água quando os rins estão excretando urina
diluída. O ramo ascendente da alça de Henle e o segmento
diluidor do túbulo distal, até mesmo em condições normais, são
muito impermeáveis à água, enquanto o túbulo distal terminal, o
duto coletor cortical e o duto coletor também ficam quase
impermeáveis à água na ausência de ADH, nos líquidos corporais
circulantes.
A reabsorção dos solutos nesses segmentos distais do sistema
tubular é intensa e ativa. No segmento grosso do ramo ascendente
da alça de Henle, a reabsorção ativa de íons sódio, potássio
e cloreto é especialmente intensa, e, com base nos valores
numéricos da figura, podemos verificar que a osmolalidade do
líquido no ramo ascendente da alça de Henle diminui
progressivamente para cerca de 100 mOsm/1, quando o líquido
abandona esse segmento tubular. Isto é, a maior parte dos solutos,
salvo os produtos de degradação, é reabsorvida, ao passo que a
água permanece. A seguir, quando esse líquido diluído
remanescente passa pelos túbulos distal, duto coletor cortical e
duto coletor, alguma reabsorção adicional de solutos, em
particular de íons sódio, determina diluição ainda maior do líquido
tubular, diminuindo quase sempre sua osmolalidade para apenas
65 mOsm/1 e, raramente, para níveis inferiores a 50 mOsm/1,
ao deixar o duto coletor para entrar na urina.
268
Esse grupo de néfrons com alças de Henle longas é denominado
néfrons justamedulares. Paralelamente às longas alças de Henle
existem alças de capilares peritubulares, denominadas vasos retos
essas alças também penetram na medula e, a seguir, retornam ao
córtex. Essas disposições das diferentes partes do néfron
justamedular e dos vasos retos estão ilustradas de modo
esquemático na Fig. 28.2.
Hiperosmolalidade do liquido intersticial medular e
mecanismos para a sua produção
Fig. 28.1 Mecanismo renal para a formação de urina diluída. As paredes
escuras das porções distais do sistema tubular indicam que essas porções
dos túbulos são relativamente impermeáveis à reabsorção de água na
ausência de hormônio antidiurético. As setas contínuas indicam os
processos
ativos para a absorção da maior parte dos solutos, além dos
produtos de degradação urinários. (Os valores numéricos estão em
miliosmóis por litro.)
Em resumo, o processo de excreção de urina diluída é muito
simples; consiste em absorver solutos dos segmentos distais do
sistema tubular, enquanto a água permanece nos túbulos.
Entretanto, essa falta de reabsorção de água só ocorre na
ausência de ADH.
primeira etapa na excreção do excesso de solutos na urina
- isto é, excreção de urina concentrada - consiste em criar uma
pressão osmótica muito elevada (hiperosmolalidade) do líquido
intersticial medular. Como veremos adiante, essa
hiperosmolalidade é, por sua vez, necessária para concentrar a
urina. Entretanto, explicaremos a princípio o mecanismo para
criar essa hiperosmolalidade.
Em quase todas as partes do organismo, a osmolalidade
normal dos líquidos é de cerca de 300 mOsm/l. Todavia, conforme
indicado pelos números na Fig. 28.2, a osmolalidade do líquido
intersticial na medula do rim é muito maior do que esse valor
e torna-se progressivamente mais elevada, quanto mais
profundamente mergulharmos na medula, aumentando de 300
mOs/1 no córtex para 1.200 mOs/1 (ocasionalmente, até 1.400
mOsm/1) na extremidade pélvica da medula. Três mecanismos
diferentes de concentração de solutos são responsáveis por essa
hiperosmolalidade.
Em primeiro lugar, a causa principal do acentuado aumento
da osmolalidade medular reside no transporte ativo de íons sódio
(mais o co-transporte de íons potássio, cloreto, e outros íons)
pela porção grossa do ramo ascendente da alça de Henle para
o interstício. As grandes setas coloridas mostradas nesse
segmento tubular na Fig. 28.2 ilustram esse transporte para o
líquido intersticial medular externo. O sódio e seus íons
associados ficam concentrados nesse líquido. Além disso, são
transportados em sentido descendente para a medula interna
peio sangue que flui nos ramos descendentes dos vasos retos e,
também, pela difusão para o ramo delgado descendente da alça
de Henle, como veremos em breve.
MECANISMO PARA A EXCREÇÃO DE EXCESSO DE
SOLUTOS:OMECANISMO DEÇONTRA CORRENTE PARA
A EXCREÇÃO DE URINA CONCENTRADA
O processo de concentração da urina não é tão simples
quanto o de sua diluição. Contudo, às vezes, é extremamente
importante concentrar a urina ao máximo, a fim de que o
excesso de solutos possa ser eliminado com a menor perda
possível de água do organismo por exemplo, quando ficamos
expostos a condições desérticas, com suprimento inadequado
de água. Felizmente, os rins desenvolveram um mecanismo
especial, ainda que muito complexo, para concentrar a urina,
denominado mecanismos de contracorrente.
O mecanismo de contracorrente depende da disposição
anatômica peculiar das alças de Henle e dos vasos retos na
medula renal. No ser humano, as alças de Henle de um terço
a um quinto dos néfrons mergulham profundamente na medula
e, a seguir, retomam ao córtex; algumas mergulham até as
pontas das papilas que se projetam na pelve renal.
Fig. 28.2 O mecanismo de contracorrente para a concentração da urina.
(Os valores numéricos estão em miliosmóis por litro.)
269
Em segundo lugar, quantidades menores de íons também
são transportadas do duto coletor para o líquido intersticial
medular, principalmente como conseqüência do transporte
ativo de íons sódio e da absorção eletrogênica passiva de íons
cloreto juntamente com os íons sódio.
Em terceiro lugar, quando a concentração de hormônio
antidiurético no sangue está elevada, verifica-se também a
absorção de grandes quantidades de uréia do duto coletor para
o líquido da medula interna. A razão disso é a seguinte: a porção
medular interna do duto coletor é moderadamente permeável
à uréia, e o ADH aumenta ainda mais essa permeabilidade.
Ainda mais importante é o fato de o ADH fazer com que o
duto coletor medular interno se torne muito permeável à água.
O fato de tornar-se muito permeável à água permite que a alta
pressão osmótica do sódio no interstício induza a reabsorção
osmótica de água para fora do duto coletor, resultando em
elevação pronunciada da concentração de uréia no duto. Nesse
estágio, devido à elevada concentração de uréia, ela também sofre
difusão através da parede do duto coletor para o interstício
medular. Conseqüentemente, a concentração de uréia no líquido
intersticial medular eleva-se até quase igualar sua concentração
no duto coletor. No ser humano, durante a estimulação máxima
pelo hormônio antidiurético, essa concentração pode atingir
valores de até 400 a 500 mOsm/1, o que, é óbvio, eleva
acentuadamente a osmolalidade do líquido intersticial medular
interno.
Em resumo, pelo menos três fatores diferentes contribuem
para o acentuado aumento da osmolalidade do líquido intersticial
medular. Esses fatores são: (1) transporte ativo dos íons para
o interstício pela porção grossa do ramo ascendente da alça de
Henle, (2) transporte ativo de íons do duto coletor para o inters-
tício, e (3) difusão passiva de grandes quantidades de uréia do
duto coletor para o interstício. O resultado final consiste em
aumento da osmolalidade do líquido intersticial medular, quando
existem quantidades adequadas de ADH, até atingir valores de
1.200 a 1.400 mOsm/1 perto das pontas das papilas.
Mecanismo pelo qual o hormònio antidiurético aumenta a
reabsorção de água. Os detalhes finais do mecanismo pelo qual
o ADH aumenta a reabsorção de água pela porção terminal
dos túbulos distais, pelos dutos coletores corticais e dutos
coletores ainda não foram estabelecidos. Entretanto, existem
vários fatos definidos sobre esse mecanismo: o próprio ADH
não atua sobre a membrana luminal das células epiteliais
tubulares, mas sobre a membrana basolateral dessas células.
Ativa a enzima adenilciclase nessa membrana, causando a
formação de mono-fosfato de adenosina cíclico (AMP cíclico) no
citoplasma da célula. A seguir, o AMP cíclico difunde-se para o
lado luminal da célula e, em poucos minutos, determina o
desenvolvimento de estruturas vesiculares alongadas no
citoplasma que se fundem com a membrana luminal da célula.
Dessa maneira, as membranas dessas vesículas tornam-se parte
da membrana celular luminal, formando áreas de membrana
contendo agregados de partículas protéicas que possuem canais
condutores de água muito grandes. Por conseguinte, a membrana
luminal torna-se extremamente permeável à água, contrastando
com seu estado normal de impermeabilidade quase total. À
medida que a água se difunde para o interior da célula epitelial,
ela continua a difundir-se de modo normal pela célula até a
membrana basolateral e, a seguir, para o líquido intersticial.
Quando o ADH não está mais presente, as estruturas vesicu-
lares destacam-se da membrana luminal em 10 a 15 minutos
e retornam à sua posição interna no citoplasma. Os túbulos ficam
novamente impermeáveis à água.
Mecanismo para aumentar ainda mais a
hiperosmolalidade medular — O "multiplicador de
contracorrente"
Na exposição anterior, assinalamos que, quando o sódio
e seus íons cloreto associados são transportados do lúmen do
ramo ascendente espesso da alça de Henle para o interstício
medular, grande parte desses íons sofre difusão imediata para
os ramos descendentes dos vasos retos e os ramos delgados des-
cendentes das alças de Henle. Esse cloreto de sódio é então
transportado pelo fluxo de líquido até a ponta das papilas. Nesse
local, grande parte do cloreto de sódio difunde-se para o
interstício papilar, aumentando
ainda mais sua osmolalidade.
Entretanto, o cloreto de sódio remanescente flui pelo ramo
ascendente da alça de Henle, onde o segmento ascendente
grosso transporta novamente o cloreto de sódio para o interstício
medular. Essa reabsorção repetitiva de cloreto de sódio pelo
segmento ascendente grosso da alça de Henle, juntamente com o
fluxo contínuo de novo cloreto de sódio do túbulo proximal
para a alça de Henle, é denominada multiplicador de
contracorrente. Obviamente, o cloreto de sódio reabsorvido é
somado ao novo cloreto de sódio que chega, "multiplicando",
assim, sua concentração no interstício medular.
Mecanismo de troca por contracorrente nos vasos
retos - mecanismo para manter os solutos na medula
Já discutimos os mecanismos pelos quais aparecem
concentrações elevadas de solutos no interstício medular.
Todavia, na falta de um sistema vascular medular especial, o
fluxo de sangue pelo interstício removeria rapidamente o excesso
de solutos, impedindo elevação muito pronunciada da
concentração. Felizmente, o fluxo sanguíneo medular possui duas
características, ambas de suma importância, para manter a
elevada concentração de solutos nos líquidos intersticiais
medulares. Em primeiro lugar, o fluxo sanguíneo medular
interno é, do ponto de vista quantitativo, muito pequeno,
correspondendo a apenas 1 a 2% do fluxo sanguíneo total do
rim. Devido a esse fluxo sanguíneo muito lento, a. remoção de
solutos é minimizada. Em segundo lugar, os vasos retos
funcionam como trocador de contracorrente, o que também
minimiza a remoção de solutos da medula. Isso pode ser
explicado da seguinte maneira: o mecanismo de troca de
líquido por contracorrente é aquele em que o líquido flui por
um longo tubo em U, com os dois ramos do U situados
muito próximos um do outro, de forma que o líquido e os
solutos podem passar facilmente de um ramo para outro.
Obviamente, isso também requer que cada um dos ramos do U
seja muito permeável, o que ocorre com os vasos retos. Quando
os líquidos e os solutos nos dois sistemas paralelos de fluxo
podem executar troca rápida, enormes concentrações de solutos
podem ser mantidas na extremidade da alça, com remoção
insignificante de soluto. Por conseguinte, na Fig. 28.2, quando o
sangue flui pelos ramos descendentes dos vasos retos, o cloreto
de sódio e a uréia difundem-se para o sangue a partir do líquido
intersticial, enquanto a água passa, por difusão, para o interstício.
Esses dois efeitos determinam elevação progressivamente maior
da concentração osmolar do sangue capilar até atingir a
concentração máxima de 1.200 mOs/1 nas extremidades dos
vasos retos. A seguir, quando o sangue retorna pelos ramos
ascendentes, a extrema difusibilidade de todas as moléculas
através da membrana capilar faz com que quase todo o
excesso de cloreto de sódio e de uréia passe, por difusão, do
sangue para o líquido intersticial, enquanto a água se difunde de
volta para o sangue. Por conseguinte, quando o sangue finalmente
270
abandona a medula, sua concentração osmolar é apenas pouco
maior que a do sangue que inicialmente penetrou nos vasos retos.
Em conseqüência, o sangue que flui pelos vasos retos só
transporta diminuta quantidade de solutos intersticiais medulares
para fora da medula.
Mecanismo de excreção de urina concentrada - papel do
hormônio antidiurético
Agora que já explicamos o mecanismo pelo qual o rim cria
hiperosmoialidade no interstício medular, torna-se mais simples
explicar o mecanismo de excreção de urina concentrada.
Quando a concentração sanguínea de ADH está elevada,
o epitélio do duto coletor cortical, do duto coletor e, em algumas
espécies de animais, da porção terminal do túbulo distal fica
muito permeável à água. Esse processo é ilustrado na Fig. 28.2
pelas paredes delgadas desses segmentos do sistema tubular.
Ainda mais importante, quando o líquido tubular flui pelo duto
coletor, a água é atraída, por osmose, para o líquido altamente
concentrado do interstício medular. Por conseguinte, o líquido
no duto coletor também fica muito concentrado e sai da papila
para a pelve renal com concentração de cerca de 1.200 mOsm/l,
quase igual à concentração osmolal dos solutos no interstício
medular perto da papila.
Resumo das alterações da concentração osmolal
nos diferentes segmentos dos túbulos
A Fig. 28.3 ilustra as mudanças da osmolalidade do líquido
tubular à medida que passa pelos diferentes segmentos dos
túbulos. Nos túbulos proximais, as membranas tubulares são tão
altamente permeáveis à água que, toda vez que um soluto é
transportado através da membrana, uma quantidade quase
exatamente proporcional de água atravessa ao mesmo tempo a
membrana por osmose; por conseguinte, a osmolalidade do
líquido permanece quase exatamente igual à do filtrado
glomerular, isto é, de 300 mOsm/l, em toda a extensão do
túbulo proximal.
A seguir, na alça de Henle, a osmolalidade eleva-se
rapidamente devido ao mecanismo de contracorrente explicado
nos parágrafos anteriores. Quando está sendo formada urina
concentrada - isto é, quando a concentração sanguínea de ADH
está elevada - , a osmolalidade na alça de Henle aumenta
muito mais do que quando está sendo formada urina diluída,
devido
à grande quantidade de uréia que é reabsorvida passivamente
dos dutos coletores para o interstício medular.
Em seguida, começando na porção grossa do ramo
ascendente da alça de Henle, a osmolalidade cai novamente a
um. nível muito baixo, geralmente de cerca de 100 mOsm/l.
Por fim, na porção terminal do túbulo distal, no duto coletor
cortical e no duto coletor, a osmolalidade depende totalmente
da presença ou ausência de ADH. Na ausência de ADH, ocorre
reabsorção de quantidade muito pequena de água a partir desses
segmentos. Por conseguinte, a osmolalidade continua sendo
inferior a 100 mOsm/l e, inclusive, cai por alguns miliosmóis,
devido ao transporte ativo de íons através do epitélio desses
túbulos. Assim, forma-se urina muito diluída.
Todavia, na presença de ADH em quantidades excessivas,
o duto coletor cortical, o duto coletor e, em algumas espécies
animais, a porção terminal do túbulo distal tornam-se
extremamente permeáveis à água, de modo que é reabsorvida a
maior parte da água, produzindo, assim, urina muito
concentrada.
Convém observar em particular as áreas sombreadas da Fig.
28.3. Essas áreas indicam as faixas de concentração do líquido
tubular, bem como a faixa habitual de concentração da urina
entre 65 e 1.200 mOsm/l nos seres humanos, dependendo da
concentração sanguínea de ADH a qualquer momento.
DEPURAÇÃO OSMOLAR: DEPURAÇÃO DA ÁGUA
LIVRE
Pode-se calcular a depuração de substâncias osmolares (Cosm) em
termos do volume de plasma depurado por minuto, da mesma maneira
como se calcula a depuração de determinada substância, utilizando a
seguinte fórmula:
Com = Osmóis que penetram na urina por minuto
Concentração plasmática osmolar
Por exemplo, se a osmolalidade plasmática for de 300 mOsm/l,
e a quantidade de miliosmóis que penetram na urina por minuto for
de 1,5, a depuração osmolar será de 1,5/300 l/min ou 5 ml/min.
Depuração de água livre. Quando o rim forma urina osmoricamente
mais diluída que o plasma, é óbvio que a água do filtrado glomerular
está sendo excretada em maior proporção do que as substâncias
osmolares. O excesso de água que é excretado é denominado água
livre, e o volume plasmático total que é depurado desse excesso de
água a cada minuto recebe a designação de depuração
de água livre. A
depuração da água livre pode ser calculada determinando-se, em
primeiro lugar, a depuração osmolar e, a seguir, subtraindo esse valor
da velocidade do fluxo urinário por minuto. Assim, a fórmula para a
depuração de água livre ( CH2O) é a seguinte:
CH2O = Volume de urina por minuto — COSM
A depuração da água livre é importante por indicar a rapidez com
que os rins estão modificando a osmolalidade dos líquidos corporais.
A depuração da água livre pode ser positiva, caso em que está sendo
removido o excesso de água, ou negativa, caso em que está sendo
removido o excesso de solutos.
ig. 28.3 Alterações da osmolalidade do líquido tubular ao passar pelo
sistema tubular.
CONTROLE DA OSMOLALIDADE DO LÍQUIDO
EXTRACELULAR E DA CONCENTRAÇÃO DE
SÓDIO
Uma vez descritos os mecanismos pelos quais os rins podem
excretar urina diluída ou concentrada, explicaremos, nas páginas
que se seguem, o modo como esses mecanismos são manipulados
para controlar a osmolalidade do líquido extracelular e a
concentração de sódio. A osmolalidade e a concentração de
sódio estão inextricavelmente relacionadas entre si, visto que
os íons sódio
271
nos líquidos extracelulares desempenham o papel dominante na
determinação da osmolalidade do líquido extracelular, como
veremos na seção seguinte.
A osmolalidade do líquido extracelular atinge, em média,
quase exatamente 300 mOsm/l enquanto a concentração de íons
sódio é de 142 mEq/1. Raramente esses valores se modificam
por mais de ±3% dia a dia, o que nos dá uma ideia de seu
rigoroso controle.
Relação entre a osmolalidade do líquido extracelular e a
concentração de sódio. A osmolalidade dos líquidos
extracelulares é determinada quase totalmente pela
concentração de sódio no líquido extracelular. A razão disso é
que o sódio constitui, sem dúvida alguma, o íon positivo mais
abundante do líquido extracelular, representando mais de 90%
desses íons. Além disso, toda vez que um íon positivo é
reabsorvido pelos túbulos renais, também ocorre reabsorção de
um íon negativo. Assim, o controle dos íons positivos regula a
concentração iônica total. Além disso, a glicose e a uréia, que são
os mais abundantes dos solutos osmolares não-iônicos nos
líquidos extracelulares, representam normalmente apenas 3% da
osmolalidade total; apesar disso, a uréia exerce pressão osmótica
efetiva muito pequena, visto que penetra nas células com
demasiada facilidade para causar resultados osmóticos
significativos. Por conseguinte, os íons sódio do líquido
extracelular determinam, direta ou indiretamente, mais de 90%
da pressão osmótica do líquido extracelular. Assim, de modo
geral, podemos falar ao mesmo tempo em termos do controle
da osmolalidade e do controle da concentração de íons sódio.
Três sistemas distintos de controle operam em estreita
associação para regular a osmolalidade extracelular e a
concentração de sódio: (1) o sistema dos osmorreceptores -
hormônio antidiurético, (2) o mecanismo da sede, e (3) o
mecanismo do apetite de sal.
O SISTEMA DE CONTROLE DE RETROALIMEN-
TAÇÃO DOS OSMORRECEPTORES – HORMÔNIO
ANTIDIURÉTICO
A Fig. 28.4 ilustra o sistema dos osmorreceptores-hormônio
antidiurético para o controle da osmolalidade e da concentração
de sódio do líquido extracelular. Trata-se de um típico sistema
de controle por feedback que opera por meio das seguintes etapas:
1. O aumento da osmolalidade (principalmente excesso de
sódio e de íons negativos que o acompanham) estimula os osmor-
receptores localizados no hipotálamo anterior, próximo aos
núcleos supra-ópticos.
2. A excitação dos osmorreceptores estimula, por sua vez,
os núcleos supra-ópticos, que, então, induzem a neuro-hipófise
a liberar ADH.
3. O ADH aumenta a permeabilidade à água da porção
terminal dos túbulos distais, dos dutos coletores corticais e dos
dutos coletores, conforme explicado anteriormente, determinam
do, assim, maior conservação de água pelos rins.
4. A conservação de água com perda de sódio e de outras
substâncias osmolares na urina produz diluição do sódio e de
outras substâncias no líquido extracelular, corrigindo, assim, o
líquido extracelular inicial excessivamente concentrado.
Por outro lado, quando o líquido extracelular fica muito
diluído (hiposmótico), ocorre formação de menos ADH, e o
excesso de água é eliminado, em comparação com os solutos
do líquido extracelular, concentrando e normalizando, assim,
os líquidos corporais.
Os osmorreceptores (ou receptores de osmossódio) - a região
"AV3V" do cérebro. A Fig. 28.5 ilustra o hipotálamo e a hipófise.
O hipotálamo contém duas áreas importantes para o controle
da secreção de ADH e da sede. Uma delas é representada pelos
núcleos supra-ópticos. Nesse local, cerca de cinco sextos do ADH
são formados nos corpos celulares de grandes células neuronais;
o sexto restante é formado próximo aos núcleos paraventriculares.
Este hormônio é transportado ao longo dos axônios dos neurônios
até suas extremidades, terminando na neuro-hipófise. Quando
os núcleos supra-ópticos e paraventriculares são estimulados, os
impulsos nervosos são transmitidos para essas terminações
nervosas, ocasionando a liberação de ADH no sangue capilar da
neuro-hipófise.
A segunda área neuronal importante no controle da osmola-
lidade é representada por ampla área situada ao longo da borda
ântero-ventral do terceiro ventrículo, denominada região AV3V,
também ilustrada na Fig. 28.5. Na parte superior dessa área,
existe uma estrutura especial denominada órgão subfornical\ na
parte inferior existe outra estrutura conhecida como organum
vasculosum da lâmina terminal. Entre esses dois "órgãos",
encontra-se o núcleo pré-óptico mediano, que possui múltiplas
conexões nervosas com eles, bem como com os núcleos supra-
ópticos e os centros de controle da pressão arterial no bulbo.
As lesões da região AV3V produzem múltiplos déficits no
controle da secreção de ADH, na sede, no apetite de sódio e na
pressão arterial. Além disso, a estimulação elétrica, bem como
a estimulação pelo hormônio angiotensina II, pode alterar a
secreção de ADH, a sede e o apetite de sódio.
Na vizinhança da região AV3V e dos núcleos supra-ópticos,
Fig. 28.4 Controle da osmolalidade do líquido extracelular e da
concentração de íon sódio pelo sistema de controle de feedback de
receptor de osmossódio-hormônio antidiurético.
Fig. 28.5 O sistema antidiurético supra-óptico-hipofisário e sua relação
com o centro da sede no hipotálamo.
272
encontram-se outras células neuronais que são excitadas por
aumentos muito pequenos da osmolalidade do líquido
extracelular e inibidas por reduções da osmolalidade. Esses
neurônios são denominados osmorreceptores. Por sua vez, eles
enviam sinais nervosos para os núcleos supra-ópticos para
controlar a secreção de ADH. É provável que também induzam
a sede.
Tanto o órgão subfornical quanto o organum vasculosum
da lâmina terminal possuem suprimentos vasculares desprovidos
da típica barreira hematoence fálica existente no cérebro, que
impede a difusão da maioria dos íons do sangue para o tecido
cerebral. Por conseguinte, a ausênciadessa barreira torna possível
a fácil movimentação de íons e outros solutos entre o sangue
e o líquido intersticial local. Dessa maneira, os osmorreceptores
respondem rapidamente a variações da osmolalidade do líquido
do sangue, exercendo acentuado controle sobre a secreção de
ADH e, provavelmente, sobre a sede.
Resumo domecanismo do hormônioantidiurético, no controle
da osmolalidade do líquido extracelular e da concentração de sódio
no líquido extracelular. Com base nessa
exposição, podemos
reiterar a importância do mecanismo do ADH para controlar ao
mesmo tempo a osmolalidade do líquido extracelular e a
concentração de sódio no líquido extracelular. Isto é, o aumento
da concentração de sódio determina elevação quase exatamente
paralela da osmolalidade, que, por sua vez, excita os
osmorreceptores do hipotálamo. A seguir, esses receptores
ocasionam a secreção de ADH, cujo efeito é o de aumentar
acentuadamente a reabsorção de água nos túbulos renais.
Conseqüentemente, a perda de água na urina é muito pequena,
enquanto os solutos urinários continuam sendo eliminados. Por
conseguinte, a proporção relativa de água no líquido extracelular
aumenta, ao passo que a proporção de solutos diminui. Dessa
maneira, a concentração de íons sódio do líquido extracelular e a
osmolalidade diminuem até o nível normal. Trata-se de um
mecanismo muito potente para controlar tanto a osmolalidade
do líquido extracelular quanto a concentração de sódio no
líquido extracelular.
Função do mecanismo do hormônio antidiurético
em condições especiais
Diurese hídrica. Quando uma pessoa ingere grande quantidade de
água, ocorre o fenômeno denominado diurese hídrica, cujo registro típico
é mostrado na Figura 28.6. Nesse exemplo, um homem bebeu 1 1 de
água, e, cerca de 45 minutos depois, seu débito urinário aumentou oito
vezes em relação ao normal. Manteve-se nesse nível por 2 horas isto
é até que a osmolalidade do líquido extracelular tivesse retornado
essencialmente ao normal. A demora do início da diurese hídrica é
causada, em parte, pela demora da absorção da água pelo tubo
gastrintestinal, mas principalmente pelo tempo necessário para a
destruição do ADH que já tinha sido liberado pela hipófise antes da
ingestão de água.
Síndrome de secreção inadequada de hormônio antidiurético.
Certos tipos de tumores, em particular tumores broncogênicos dos
pulmões ou tumores das regiões basais do cérebro, secretam
ocasionalmente ADH ou um hormônio semelhante. Essa condição é
conhecida como sindrome de secreção inapropriada de ADH. O excesso
de ADH causa apenas aumento ligeiro no volume de líquido extracelular.
Com efeito, sua principal ação consiste em reduzir acentuadamente a
concentração de sódio (e a osmolalidade) do liquido extracelular. A
explicação desse efeito é a seguinte: a princípio, o ADH determina
redução do débito urinário e, simultaneamente, ligeiro aumento do
volume sanguíneo. Por sua vez, esse aumento provoca elevação discreta
da pressão arterial que, a seguir, provoca aumento secundário do débito
urinário. Contudo, a urina excretada ainda está muito concentrada, visto
que o ADH ainda está causando reabsorção excessiva de água pelos
túbulos renais. Por conseguinte, os rins excretam enormes quantidades
de íons sódio e de outros íons na urina, mas conservam a água no
líquido extracelular. Assim, a concentração de sódio fica
acentuadamente reduzida, caindo algumas vezes de seu valor normal
de 142 mEq/l para apenas 110 a 120 mEq/1. Com esses valores tão
baixos, os pacientes sofrem quase sempre morte súbita devida à coma e
a convulsões.
A doença é particularmente instrutiva, pois ilustra a extrema
importância do mecanismo do ADH no controle da concentração de
sódio e da osmolalidade extracelular, bem como seu efeito relativamente
leve sobre o controle do volume de líquidos corporais.
SEDE E SEU PAPEL NO CONTROLE DA
OSMOLALIDADE DO LIQUIDO EXTRACELULAR E
DA CONCENTRAÇÃO DE SÓDIO
Na regulação da água corporal, da osmolalidade e da
concentração de sódio, o fenômeno da sede é tão importante
quanto o mecanismo osmorreceptor-renal antes descrito, uma
vez que a quantidade de água no organismo, a qualquer
momento, é determinada pelo equilíbrio entre a ingestão e a
eliminação de água. A sede, que é o regulador primário da
ingestão de água, é definida como o desejo consciente de beber
água.
Integração neural da sede — o centro da "sede'
Fig. 28.6 Diurese hídrica num ser humano após a ingestão de 1.000
ml de água. (Redesenhado de Smith: The Kidney: Structure and
Functions in Health and Disease. New York, Oxford University Press,
1951.)
Consultando novamente a Fig. 28.5, verificamos que a
mesma área ao longo da parede ântcro-ventral do terceiro
ventrículo, que promove a antidiurese, também pode causar sede.
Também com localização antero-lateral na área pré-óptica,
encontram-se outras pequenas áreas que, quando estimuladas
eletricamente, determinam o início imediato da ingestão de água,
que prossegue enquanto persistir a estimulação. Todas essas áreas
reunidas constituem o centro da sede.
A injeção de solução salina hipertônica em partes do centro
da sede induz osmose de água para fora das células neuronais,
levando o indivíduo a beber. Por conseguinte, essas células atuam
como osmorreceptores para ativar o mecanismo da sede. É
provável que esses osmorreceptores sejam os mesmos que
ativam o sistema antidiurético.
Além disso, o aumento da pressão osmótica do líquido cefa-
lorraquidiano no terceiro ventrículo exerce essencialmente o
mesmo efeito no sentido de promover a ingestão de água.
Alguns experimentos sugerem que o local desse efeito é o organum
vasculosum da lâmina terminal, situado imediatamente abaixo
da superfície ventricular, na extremidade mais inferior da
região AV3V.
273
As células neuronais localizadas nessa região são excitadas pelo
aumento da osmolalidade.
Estímulo básico para excitar o centro da sede - desidratação
intracelular. Qualquer fator passível de causar desidratação
intracelular irá geralmente causar a sensação de sede. A causa
mais comum disso é o aumento da concentração osmolar do
líquido extracelular, especialmente o aumento da concentração de
sódio, que produz osmose de líquido para fora das células
neuronais do centro da sede. Todavia, outra causa importante
reside na perda excessiva de potássio do organismo, que reduz o
potássio intracelular das células da sede, diminuindo, portanto,
seu volume.
Alívio temporário da sede causado pelo ato de beber
Uma pessoa sedenta consegue aliviar a sede imediatamente
após a ingestão de água, até mesmo antes de a água ter sido
absorvida pelo tubo gastrintestinal. De fato, nas pessoas que
apresentam fístula esofágica aberta para o exterior, de modo
que a água é perdida e nunca chega ao tubo gastrintestinal,
ainda ocorre alívio parcial da sede, embora esse alívio seja apenas
temporário e a sede retorne depois de 15 minutos ou mais. Se
a água penetrar no estômago, a distensão desse órgão e de outras
porções do tubo gastrintestinal superior proporciona alívio
temporário adicional da sede. Na verdade, a simples inflação
de um balão colocado no estômago pode alivia r a sede
durante 5 a 30 minutos.
Pode-se questionar o valor desse alívio temporário da sede;
todavia, existem boas razões para sua ocorrência. Após a ingestão
de água, pode ser necessário um período de meia hora a 1 hora
para que toda a água seja absorvida e distribuída por todo o
organismo. Se a sensação de sede não fosse aliviada
temporariamente após a ingestão de água, a pessoa continuaria
bebendo cada vez mais. Por fim, quando toda essa água fosse
absorvida, os líquidos corporais ficariam muito mais diluídos do
que o normal, e surgiria uma condição anormal, oposta à que a
pessoa estava tentando corrigir. Sabe-se muito bem que o animal
sedento quase nunca bebe mais do que a quantidade de água
necessária para aliviar seu estado de desidratação. Com efeito, é
fantástico o fato de o animal beber habitualmente quase a
quantidade certa.
PAPÉIS COMBINADOS DOS MECANISMOS
ANTIDURÉTICO E DA SEDE NO CONTROLE DA
OSMOLALIDADE E DA CONCENTRAÇÃO DE SÓDIO
DO LÍQUIDO EXTRACELULAR
Quando o mecanismo do ADH ou o mecanismo
da sede
falha, o outro habitualmente consegue controlar com razoável
eficácia tanto a concentração de sódio quanto a osmalidade do
líquido extracelular. Por outro lado, se ambos falharem
simultaneamente, nem o sódio, nem a osmolalidade serão
controlados de modo adequado.
A Fig 28.7 ilustra de modo notável a capacidade do sistema
de ADH-sede de controlar a concentração de sódio do líquido
extracelular (e, portanto, da osmolalidade). Essa figura mostra
a capacidade do mesmo animal de controlar a concentração de
sódio do líquido extracelular em duas condições diferentes: (1)
no estado normal e (2) após bloqueio dos mecanismos do ADH
e da sede. Observe que, no estado normal (curva contínua),
um aumento de seis vezes na ingestão de sódio determinou
alteração da concentração de sódio de apenas dois terços de 1%
(de 142 mEq/1 para 143 mEq/1) ou seja, um excelente grau de
controle da concentração de sódio. Observe agora a curva
tracejada da figura, que mostra a alteração da concentração de
sódio quando o sistema de ADH-sede foi bloqueado. Nesse
caso, a concentração de sódio aumentou 10% com aumento de
apenas cinco vezes na ingestão de sódio (mudança da
concentração de sódio de 137 mEq/1 para 151 mEq/l)? o que
constitui alteração extrema da concentração de sódio, quando se
sabe que a concentração normal de sódio raramente aumenta
ou diminui por mais de 1% de um dia para outro.
Por conseguinte, o principal mecanismo de feedback para
o controle da concentração de sódio (e também da osmolalidade
extracelular) é o mecanismo de ADH-sede. Na ausência desse
duplo mecanismo, não há mecanismo de feedback capaz de levar
o organismo a aumentar a ingestão de água ou a conservá-la
Papel da sede no controle da osmolalidade do líquido
extracelular e da concentração de sódio
Limiar para a ingestão de água - o mecanismo atívador.
Os rins estão excretando líquido continuamente; além disso,
ocorre perda de água por evaporação a partir da pele e dos
pulmões. Por conseguinte, a pessoa está sendo continuamente
desidratada, acarretando a diminuição do volume de liquido
extracelular, com aumento da concentração de sódio e de outros
elementos osmolares. Quando a concentração de sódio
aumenta por cerca de 2 mEq/1 acima do normal (ou quando a
osmolalidade aumenta por cerca de 4 mOsm/1 acima do
normal), o mecanismo da sede fica "ativado"; isto é, a pessoa
atinge um nível de sede forte o suficiente para ativar o
esforço motor necessário que induz à ingestão de água. Este é
o chamado limiar da sede. A rigor, a pessoa bebe exatamente
a quantidade necessária de líquido para normalizar os líquidos
extracelulares - isto é, até atingir o estado de saciedade. A
seguir, o processo de desidratação e de concentração de sódio
começa novamente, e, depois de certo período de tempo, o ato
de beber é de novo ativado, sendo o processo perpetuado
indefinidamente.
Dessa maneira, tanto a osmolalidade quanto a concentração
de sódio do líquido extracelular são controladas com muita
precisão.
Fig. 28.7 Efeito sobre a concentração de sódio no líquido extracelular
de cães causado por grandes variações da ingestão de sódio (1) em
condições normais e (2) após bloqueio dos sistemas do hormônio
antidiurético e do mecanismo da sede. Esta figura mostra a falta de
controle do íon sódio na ausência desses sistemas. (Cortesia de Dr.
David B. Young.)
274
pelos rins quando um excesso de sódio penetra no corpo. Por
conseguinte, a concentração de sódio simplesmente aumenta.
Efeito dos reflexos cardiovasculares sobre o sistema de
controle de ADH-sede
Dois reflexos cardiovasculares também exercem potentes
efeitos sobre o mecanismo de ADH-sede: (1) o reflexo
barorreceptor arterial e (2) o reflexo dos receptores de volume,
ambos descritos no Cap. 18. Quando o volume sanguíneo cai,
ambos os mecanismos determinam o aumento da secreção de
ADH, bem como aumento da sede. Isto é, a redução do volume
sanguíneo provoca perda da pressão arterial e ativa o reflexo
barorreceptor arterial. O reflexo dos receptores de volume é
ativado quando as pressões nos dois átrios, na artéria pulmonar
e em outras áreas de baixa pressão da circulação pulmonar caem
para valores abaixo do normal, devido a volume demasiado
pequeno na circulação. O resultado final é a ativação do sistema
de ADH-sede, com o conseqüente aumento do volume dos
líquidos corporais.
Para comparar os efeitos da osmolalidade na ativação do
sistema de ADH com os efeitos dos reflexos circulatórios, a
Fig. 28.8 ilustra com círculos abertos os efeitos do aumento da
osmolalidade dos líquidos corporais sobre a secreção de ADH;
os círculos cheios indicam o efeito da redução do volume
sangüíneo.
EXCREÇÃO DE SÓDIO E SEU CONTROLE PELA
ALDOSTERONA
Normalmente, o filtrado glomerular contém cerca de 26.000
mEq de sódio por dia; apesar disso, a ingestão média de sódio
a cada dia é de apenas 150 mEq. Por conseguinte, os rins só
podem excretar cerca de 150 do total de 26.000 mEq, visto que,
de outro modo, ocorreria depleção corporal de sódio. Conseqüen-
Fig. 28.8 Efeito de variações da osmolalidade plasmática ou do volume
sanguíneo sobre o nível plasmático de hormônio antidiurético (ADH)
(arginina vasopressina [AVPJ. (De Dunn et ai.: /. Clin. Invest., 52:
3212, 1973. Por cessão de copyright da American Society for Clinicai
Investigation.)
temente, Q principal papel do sistema tubular na excreção de
sódio consiste em reabsorvê-lo, e não em excretá-lo.
Reabsorção da maior parte do sódio tubular nos túbulos
próxima e nas alças de Henle. Quando o líquido tubular
atinge os túbulos distais, todo o sódio, à exceção de cerca
de 8%, já sofreu reabsorção. Cerca de 65% dessa quantidade são
reabsorvidos nos túbulos proximais, devido ao transporte ativo de
sódio pelas células epiteliais tubulares proximais. Além disso,
como já foi explicado no capítulo anterior, quando o sódio é
reabsorvido, a carga positiva dos íons sódio determina a difusão
passiva ou o co-transporte de íons negativos, especialmente dos
íons cloreto, através do epitélio. A seguir, a reabsorção
cumulativa de íons cria uma diferença de pressão osmótica que
também desloca a água através da membrana. Com efeito, o
epitélio é tão permeável à água que ocorre reabsorção de quase a
mesma proporção de água e de íons sódio.
Na porção grossa do ramo ascendente da alça de Henle,
aproximadamente outros 27% de sódio são reabsorvidos, de
modo que apenas 8% penetram nos túbulos distais. Todavia, a
reabsorção de sódio nesse local é muito diferente da observada
nos túbulos proximais, visto que esse segmento grosso da alça é
quase impermeável à água, conforme assinalado antes neste
capítulo. Por conseguinte, a concentração de íons sódio cai para
valores muito baixos no líquido tubular do ramo ascendente
antes de penetrar nos túbulos distais, atingindo apenas um quarto
de sua concentração no plasma - até uma concentração de 30 a
40 mEq/1, em contraste com o nível plasmático de 140 mEq/1.
Por conseguinte, os túbulos proximais e as alças de Henle
são responsáveis pelo retorno ao plasma da maior parte do sódio
que penetra no sistema tubular no filtrado glomerular,
conservando, assim, o sódio.
Reabsorção variável de sódio na parte terminal dos
tubulos distais e nos dutos coletores corticais - papel da
aldosterona
A reabsorção de sódio na porção terminal dos túbulos distais
e nos dutos coletores corticais é extremamente variável. A
intensidade da reabsorção é controlada sobretudo pela
concentração sanguínea de aldosterona, hormônio secretado pelo
córtex supra-renal. Na presença de grandes quantidades de
aldosterona, quase os últimos vestígios do sódio tubular são
reabsorvidos por essas porções do sistema tubular, de modo que
praticamente
nenhum sódio chega à urina. Por outro lado, na
ausência de aldosterona, quase todo o sódio que penetra na
porção terminal dos túbulos distais, isto é, cerca de 800 mEq/dia,
não é reabsorvido e, assim, passa para a urina. Assim, a
excreção de sódio pode ser de apenas 0,1 g por dia ou de até
20 g por dia, dependendo da quantidade secretada de
aldosterona.
Mecanismo pelo qual a aldosterona aumenta o transporte
de sódio. Ao penetrar na célula epitelial tubular, a aldosterona
combina-se com uma proteína receptora; essa combinação
difunde-se dentro de poucos minutos para o interior do núcleo,
onde ativa as moléculas de ADN para formar um ou mais tipos
de ARN-mensageiro. A seguir, acredita-se que o ARN
determine a formação de proteínas transportadoras ou de
enzimas protéicas necessárias para o processo de transporte do
sódio. Foram sugeridas várias teorias: (1) a de que uma proteína
específica poderia aumentar a permeabilidade da borda luminal
da célula ao sódio, (2) a de que uma maior quantidade de Na\
K+-ATPase (que é a proteína bombeadora de sódio) apareceria
na membrana basolateral da célula epitelial, ou (3) a de que
uma ou mais enzimas protéicas poderiam aumentar a
disponibilidade de ATP para a ATPase, de modo que possa
funcionar mais ativamente. Infelizmente, ainda se desconhece o
mecanismo preciso envolvido.
275
Em geral, a aldosterona não exerce qualquer efeito sobre
o transporte de sódio dentro dos primeiros 45 minutos após sua
administração; depois desse período, as proteínas específicas
importantes para o transporte começam a aparecer nas células
epiteliais, seguidas por aumento progressivo do transporte
durante algumas horas subseqüentes.
Controle da secreção de aldosterona. A aldosterona é
secretada pelas células da zona glomerular no córtex das
glândulas supra-renais, conforme discutido com maiores
detalhes no Cap. 77. A secreção de aldosterona é
reconhecidamente estimulada por três fatores diferentes: (1)
aumento da angiotensina II no sangue, (2) aumento da
concentração de íons potássio do líquido extracelular e (3)
diminuição da concentração de íons sódio do líquido
extracelular. O segundo desses três fatores é importante para o
controle da concentração dos íons potássio, conforme discutido
no próximo capítulo. O primeiro e o terceiro são de suma
importância no controle da excreção renal de sódio, bem como
no controle do volume extracelular.
Quando ocorre redução excessiva do volume do líquido
extracelular, os efeitos resultantes sobre o sistema circulatório
consistem em queda da pressão arterial e aumento da
estimulação reflexa do sistema nervoso simpático. Ambos
reduzem o fluxo sanguíneo pelos rins e estimulam a secreção de
renina, conforme explicado no Cap. 19. Por sua vez, a renina
determina a formação de angiotensina I que, mais tarde, é
convertida em angiotensina II. Por fim, a angiotensina II
exerce efeito direto sobre as células da zona glomerular,
aumentando a secreção de aldosterona.
Além disso, a redução da concentração de íons sódio no
líquido extracelular também parece exercer fraco efeito
estimulante direto sobre a secreção de aldosterona, embora esse
efeito seja muito menos potente do que o efeito da angiotensina
II.
Por conseguinte, sempre que o volume de líquido
extracelular ou a concentração de íons sódio do líquido
extracelular ficarem reduzidos abaixo da faixa normal, ocorre
secreção de aldosterona, e os túbulos renais reabsorvem
quantidades adicionais de sódio e de água, resultando em
normalização do sódio e do volume de líquido extracelular.
Relativa falta de importância do mecanismo de feedback da
aldosterona para a determinação da concentração de íons sódio em
condições normais. Apesar de a aldosterona aumentar a quantidade de
sódio no líquido extracelular, a maior reabsorção de água juntamente
com o sódio impede, em geral, LI elevação na concentração de sódio,
porém aumenta principalmente a quantidade total do líquido
extracelular. Esse processo é ilustrado pelo experimento da Fig. 28.9.
Essa figura mostra o efeito, sobre a concentração de sódio, do aumento
por mais de seis vezes da ingestão de sódio no mesmo cão (1) em
condições normais e (2) após bloqueio do sistema de feedback da
aldosterona - isto é, as glândulas supra-renais foram removidas, e os
animais receberam infusão de aldosterona com intensidade constante,
que não podia ser modificada nem para mais, nem para menos.
Observe que, em ambos os casos, a concentração de sódio não se alterou
por mais de 1 a 2%. Em outras palavras, até mesmo na ausência de um
sistema funcional de feedback da aldosterona (visto o harmônio não ter
sua concentração nem aumentada nem diminuída), a concentração de
sódio ainda é muito bem regulada. Devido ao efeito acentuado que a
aldosterona exerce sobre a reabsorção tubular de sódio, essa falta de
importância do controle da concentração de sódio por feedback da
aldosterona parece ser um paradoxo, mas resulta do seguinte efeito
muito simples: quando a aldosterona induz maior reabsorção de sódio dos
túbulos, conforme discutido antes, esse efeito determina reabsorção
simultânea de água e aumento do volume de líquido extracelular.
Aumento de apenas alguns pontos percentuais no volume de líquido
extracelular acaba resultando em elevação da pressão arterial; esta
elevação leva a aumento da filtração glomerular, efeito bem conhecido
na presença de quantidades excessivas de aldosterona, 0 rápido fluxo
do filtrado pelo sistema tubular compensa, então, o efeito
reabsortivo excessivo da aldosterona e, assim, anula quase por com-
Fig. 28.9 Efeito sobre a concentração de sódio do líquido extracelular
de cães, causado por grandes variações da ingestão de sódio (1) em
condições normais e (2) após bloqueio do sistema de feedback da aldoste-
rona. Observar que o sódio é extremamente bem controlado, com ou
sem controle de feedback da aldosterona. (Cortesia de Dr. David B.
Young.)
pleto o efeito da aldosterona sobre a concentração de sódio do líquido
extracelular.
Além disso, conforme explicado antes, o sistema de ADH-sede
é um controlador muito potente da concentração de sódio - muito
mais poderoso do que o sistema de feedback da aldosterona -, de
modo que, em condições normais, o sistema de ADH-sede supera de
longe o sistema da aldosterona para o controle da concentração de sódio.
Com efeito, mesmo em pacientes com atdosteronismo primário (esses
pacientes secretam enormes quantidades de aldosterona), a concentração
de sódio ainda aumenta apenas cerca de 2 a 3 mEq/l acima do normal.
CONTROLE DA INGESTÃO DE SÓDIO PELO
MECANISMO DO APETITE POR SAL
A manutenção da normalidade do sódio extracelular requer não
apenas o controle da excreção de sódio, mas também o controle de
sua ingestão. Felizmente, o organismo utiliza o mecanismo do apetite
por sal para controlar a ingestão de sódio, que é análogo ao mecanismo
da sede para o controle da ingestão de água.
Da mesma forma que a sede é eliciada por dois estímulos principais,
o apetite por sal também é induzido por dois estímulos fundamentais:
(1) diminuição da concentração de sódio no líquido extracelular e (2)
insuficiência circulatória, quase sempre causada pela redução do volume
sanguíneo. Entretanto, uma importante diferença entre a sede e o apetite
por sal é que a primeira é induzida quase imediatamente, enquanto
o desejo por sal só costuma manifestar-se depois de várias horas, para,
em seguida, aumentar progressivamente.
O mecanismo neuronal do apetite por sal também é análogo ao
mecanismo da
sede. Alguns dos centros neuronais na região AV3V do
cérebro parecem estar envolvidos, visto que a ocorrência de lesões nessa
região quase sempre afeta tanto a sede quanto o apetite pelo sal. Além
disso, reflexos circulatórios eliciados pela pressão arterial baixa ou pela
redução do volume sanguíneo são transmitidos do bulbo para a região
AV3V, onde afetam simultaneamente a sede e o apetite por sal.
A importância do desejo por sal é especialmente ilustrada em
pacientes portadores de doença de Addison. Nesses indivíduos,
praticamente nenhuma aldosterona é secretada, com conseqüente perda
excessiva de sal na urina, resultando em baixas concentrações de íons
sódio no líquido extracelular e redução do volume sanguíneo; ambos os
efeitos estimulam fortemente o desejo por sal. De forma semelhante,
sabe-se muito bem que os animais que vivem em áreas onde existe
pouco sal quase sempre procuram ativamente depósitos minerais,
conhecidos como pedras de sal, que são lambidas.
276
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277
CAPÍTULO 29
Regulação Renal do Volume Sanguíneo e do Volume
do Líquido Extracelular; Excreção da Uréia, do
Potássio e de Outras Substâncias
Um mecanismo, acima de todos os demais, domina o
controle do volume sanguíneo e do volume de líquido
extracelular. Trata-se do efeito do volume sanguíneo sobre a
pressão arterial, por um lado, e o efeito da pressão arterial
sobre a excreção urinária de sódio e de água, por outro lado.
Essa interação entre os rins e o sistema circulatório é tão forte
para o controle do volume sanguíneo - e, secundariamente,
também para o controle do volume de líquido extracelular - que
ela domina todos os demais mecanismos que participam do
controle da ingestão ou da excreção de sal e de água.
CONTROLE DO VOLUME SANGUÍNEO
Constância do volume sanguíneo. A Fig. 29.1 ilustra o elevado
grau de precisão com que o volume sanguíneo é controlado.
Mostra que quase não ocorre variação do volume sanguíneo.
a despeito de acentuadas alterações na ingestão diária de água
e eletrólitos, exceto quando essa ingestão for tão baixa a ponto
de não ser mais suficiente para compensar as perdas líquidas
causadas por evaporação ou outras perdas inevitáveis.
Natríurese de pressão e diurese de pressão como base para
o controle do volume sanguíneo
Apesar de todos os fatores hormonais mencionados nos dois
últimos capítulos — hormônio antidiurético (ADH), aldosterona,
angiotensina e fator natriurético atrial (FNA) — desempenharem
algum papel no controle do volume sanguíneo, a base mais
importante para este controle é, sem dúvida alguma, um
mecanismo puramente mecânico: o efeito mecânico da elevação
da pressão arterial, ocasionando aumento acentuado do débito
de volume de líquido pelos rins. Este mecanismo é denominado
diurese depressão. Juntamente com essa diurese, também ocorre
aumento da eliminação de sal: é a denominada natriurese de
pressão.
A Fig. 29.2 ilustra esse efeito da pressão arterial sobre a
eliminação urinária de sódio ou sobre o débito de volume. Ob-
serve que a elevação da pressão arterial por até duas vezes o
normal aumenta em cerca de oito vezes o débito urinário. O
líquido é, então, rapidamente perdido do organismo, até que
o volume sanguíneo se torne pequeno o suficiente para normalizar
a pressão arterial. Por outro lado, quando a pressão arterial
cai de sua faixa normal para cerca de 50 mm Hg, o débito urinário
diminui praticamente para zero. A seguir, acumula-se líquido
no organismo devido à ingestão contínua de líquido até que o
volume sanguíneo aumente o suficiente para normalizar a pressão
arterial.
Por conseguinte, esse simples efeito mecânico da pressão
sobre o débito urinário proporciona um mecanismo de feedback
negativo para o controle do volume sanguíneo. A seguir, apresen-
tamos as etapas específicas desse sistema de controle por feed-
back.
Mecanismo global para o controle do volume sanguíneo. O
mecanismo global para o controle do volume sanguíneo é
ilustrado na Fig. 29.3. É essencialmente idêntico ao mecanismo
básico para o controle da pressão arterial descrito no Cap. 19.
Nesse
Fig. 29.1 Efeito aproximado de grandes alterações na ingestão diária
de líquidos sobre o volume sanguíneo. Observar a precisão do controle
do volume sanguíneo na faixa normal.
278
Fig. 29.2 Efeito das mudanças da pressão arterial sobre o débito uri-
nário.
capítulo, foi assinalado que o volume do Líquido extracelular,
o volume sanguíneo, o débito cardíaco, a pressão arterial e o
débito urinário são todos controlados, ao mesmo tempo, como
partes distintas de um mecanismo básico comum de feedback.
Neste mecanismo, existem seis etapas principais que se
relacionam ao controle do volume sanguíneo:
1. O aumento do volume sanguíneo aumenta o débito car-
díaco.
2. O aumento do débito cardíaco eleva a pressão arterial.
3. A elevação da pressão arterial determina aumento do débi-
to urinário; a curva cont ínua nesse bloco indica que o efeito
da pressão sobre o débito é especialmente potente quando a
pressão permanece elevada durante dias ou semanas.
4. Esse bloco mostra o total da ingestão de líquido menos
as perdas de líquido pelo organismo; essas perdas incluem tanto
o débito urinário quanto às outras perdas de líquido. O efeito
nesse bloco consiste na velocidade de variação do volume do
líquido extracelular. Se a ingestão for maior do que o débito,
a velocidade de variação será positiva; se o débito for maior
do que a ingestão, a velocidade de variação será negativa.
5. Esse bloco integra a velocidade de variação do volume
do líquido extracelular — isto é, mostra o acúmulo de um maior
ou menor volume de líquido com o decorrer do tempo,
dependendo de a variação ser positiva ou negativa. O
produto do
bloco 5 representa o verdadeiro volume do líquido extracelular.
6. Esse bloco fornece a relação entre o volume de líquido
extracelular e o volume sanguíneo, mostrando que, em geral,
à medida que o volume de líquido extracelular aumenta, o volume
sanguíneo também aumenta.
Resumo dos mecanismos básicos para o controle do
volume sanguíneo. Para resumir os princípios ilustrados na Fig.
29.3, podemos definir o que ocorre quando o volume sanguíneo
fica anormal. Nos casos em que o volume sanguíneo aumenta
demais, o débito cardíaco também torna-se demasiado grande,
por conseguinte, determina a elevação da pressão arterial. Esta
última, por sua vez, exerce profundo efeito sobre os rins,
acarretando a perda de líquido pelo organismo e normalmente o
volume sanguíneo. Por outro lado, se o volume sanguíneo cair
abaixo do normal, o débito cardíaco e a pressão arterial
diminuem, os rins passam a reter líquido, e o acúmulo
progressivo do líquido ingerido eventualmente normaliza o
volume sanguíneo.
Em geral, também ocorrem processos paralelos para
reconstituir a massa de eritrócitos, as proteínas plasmáticas etc,
caso tenha havido alguma anormalidade simultânea desses
elementos. Todavia, se o volume de eritrócitos permanecer
anormal, o volume plasmático irá simplesmente compensar a
diferença, tornando-se essencialmente normal, a despeito da
baixa massa eritrocítica.
Razão para a precisão do mecanismo de regulação do
volume sanguíneo. Ao estudar atentamente o esquema da Fig.
29.3, podemos verificar por que o volume sanguíneo permanece
quase exatamente constante, a despeito das enormes mudanças na
ingestão diária de líquidos. A razão para isso é que as
inclinações das curvas nos blocos 1, 2 e 3 são muito íngremes,
significando que (a) pequena mudança do volume sanguíneo
provoca alteração pronunciada do débito cardíaco, (b) ligeira
alteração do débito cardíaco provoca acentuada mudança da
pressão arterial, e (c) variação moderada da pressão arterial
determina acentuada alteração do débito urinário. Todos esses
fatores multiplicam-se para proporcionar um ganho
extremamente
alto para o controle do volume sanguíneo por
feedback.
EFEITO DOS FATORES NERVOSOS E HORMONAIS
SOBRE O CONTROLE DO VOLUME SANGUÍNEO
Fig. 29.3 Mecanismo básico de feedback para o controle do volume
sanguíneo e do volume de líquido extracelular (os pontos sobre cada
uma das curvas representam os valores normais).
As discussões do capítulo anterior tornaram bem claro que
tanto os fatores nervosos quanto os fatores hormonais podem
causar mudanças agudas na excreção renal de sal e de água.
Esses efeitos agudos são quase sempre muito acentuados em
experimentos a curto prazo; por conseguinte, a maioria dos textos
de fisiologia dá muita ênfase a esses mecanismos de controle
do volume sanguíneo. Todavia, após o ajuste total do mecanismo
básico renal para o controle do volume sanguíneo discutido acima,
as alterações crônicas do volume sanguíneo ocasionadas por
qualquer um dos fatores nervosos ou hormonais não costumam
ser superiores a 5 a 10%. Comentaremos cada um desses
fatores em separado.
Reflexos dos barorreceptores arteriais e dos receptores
de estiramento de baixa pressão — o "reflexo volêmico".
Quando o volume sanguíneo torna-se demasiado grande, verifica-
se elevação da pressão arterial; além disso, as pressões na artéria
pulmonar e em outras regiões de baixa pressão do tórax também
aumentam. O estiramento dos receptores arteriais e dos
receptores de estiramento de baixa pressão causa, por sua vez,
inibição reflexa do sistema nervoso simpático, o que dilata
agudamente as arteríolas renais, determinando quase sempre
aumento imediato de até várias vezes no
279
débito urinário. Por essa razão, esse conjunto de reflexos é
algumas vezes denominado reflexo volêmico.
Todavia, em condições crônicas, a desnervação simpática
total não está associada à variação significativa do volume
sangüíneo. Além disso, em pacientes portadores de tumores
secretores de norepinefrina e epinefrina, com enorme secreção
desses hormônios simpáticos, verificou-se que o volume
sanguíneo estava normal ou diminuído em apenas 5 a 10%. Esses
hormônios exercem sobre os rins o efeito de causar retenção de
líquido; todavia, exercem efeito vasoconstritor simultâneo sobre
os vasos sangüíneos, diminuindo a capacidade do sistema
circulatório. É o segundo desses efeitos que parece prevalecer, de
modo que o volume sanguíneo pode diminuir por alguns pontos
percentuais.
Efeito do fator natriurético atrial. A excessiva distensão dos
dois átrios em conseqüência de volume sanguíneo excessivo
determina a liberação de FNA no sangue. Esse fator atua
agudamente sobre os rins, aumentando por três a 10 vezes a
excreção de sódio e o volume urinário. Todavia, esse efeito
extremo sobre o débito urinário não persiste, de modo que, no
estado crônico, verifica-se apenas ligeira redução do volume
sanguíneo associada a leve redução da pressão arterial.
Efeito da aldosterona. A aldosterona provoca reabsorção
muito intensa de sódio nos segmentos distais do sistema tubular
renal. A princípio, quase todo o sódio que penetra no filtrado
glomerular pode ser reabsorvido pelos rins no sangue,
ocasionando reabsorção secundária de água. Em conseqüência, o
volume sanguíneo aumenta por até 10 a 20% durante o
primeiro dia. A seguir, à medida que a pressão arterial aumenta
em resposta ao volume sanguíneo crescente, ocorre o fenômeno
de "escape da aldosterona", isto é, os rins começam a excretar
quantidade de sódio igual à ingestão diária, a despeito da
presença contínua de aldosterona. A razão desse escape é
principalmente a natriurese de pressão e a diurese de pressão que
ocorrem com a elevação da pressão arterial. Em experimentos
nos quais se impede a elevação da pressão arterial renal
juntamente com o aumento da pressão arterial, a natriurese de
pressão é impedida e não ocorre o escape.
Depois do escape da aldosterona, o volume sanguíneo atinge
valor de apenas 5 a 10% acima do normal dentro de poucos
dias, associado à elevação contínua, porém moderada, da pressão
arterial.
Somente nos pacientes que não secretam aldosterona (pa-
cientes portadores de doença de Addison que quase sempre ex-
cretam até 20 g de sódio por dia) é que se verifica alteração
significativa do volume urinário, visto que a depleção de sódio
causa, por sua vez, depleção de água. Entretanto, essa alteração
ultrapassa acentuadamente o padrão normal do controle do
volume sanguíneo. Mesmo assim, se o indivíduo ingerir todo o
sal que deseja, poderá não ocorrer redução de mais de 5% no
volume sanguíneo.
Papel da angioténsina. Nem a diminuição da angiotensina
II circulante até zero, nem a acentuada elevação da angiotensina
possuem efeito crônico de mais de 5 a 10% sobre o volume
sanguíneo, a despeito do fato de a angiotensina exercer efeito
renal direto, causando retenção renal de sal e de água, bem
como um efeito indireto ao estimular a secreção de aldosterona.
Efeito do hormônio antidiurético. A infusão em animais de
grandes quantidades de ADH (também denominado vasopres-
sina) pode causar retenção pronunciada de água pelos rins a
ponto de o volume sanguíneo aumentar de 15 a 25% durante
os primeiros dias. Entretanto, a pressão arterial também aumenta
e, a seguir, determina a excreção do excesso do volume. Depois
de várias semanas de infusão contínua, o volume sanguíneo não
ultrapassa 5 a 10% de seu valor normal, e a pressão arterial
também retorna, dentro de uma faixa de 10 mm Hg, ao normal.
Por conseguinte, não ocorre qualquer mudança acentuada do
volume. Entretanto, os animais geralmente apresentam grave
redução na concentração extracelular de íons sódio. A razão
disso é que a água retida pelos rins dilui o sódio extracelular,
e, ao mesmo tempo, a ligeira elevação da pressão determina
perda excessiva de sódio na urina.
Nos pacientes que perderam a capacidade de secretar ADH,
devido à destruição dos núcleos supra-ópticos, o débito urinário
pode atingir 5 a 10 vezes o seu valor normal por dia; todavia,
esse aumento é quase sempre compensado pela ingestão de água
suficiente para equilibrar a diferença. Por conseguinte, o volume
sanguíneo raramente diminui por mais de 5% enquanto houver
disponibilidade de água em quantidade suficiente.
Resumo
Em resumo, dentro das variações normais de atuação dos
reflexos nervosos e dos vários fatores hormonais que afetam
o débito urinário de sódio e de líquido, o volume sanguíneo
raramente sofre alteração por mais de 5 a 10%, tanto para mais
quanto para menos. Todavia, mesmo essas ligeiras alterações
do volume podem algumas vezes exercer um efeito considerável
sobre a pressão arterial a longo prazo.
Por conseguinte, o elemento fundamental e mais importante
do controle do volume sanguíneo é o mecanismo combinado
da natriurese e da diurese de pressão, pelo qual as variações
da pressão arterial provocam alterações pronunciadas no débito
urinário. Esse mecanismo controla ao mesmo tempo a pressão
arterial, o volume sanguíneo, o volume de líquido extracelular
e a excreção normal de sal e de água, todos juntos, por alça
de feedback comum. A importância desse mecanismo para o
controle da pressão arterial também foi apresentada no Cap.
19.
Condições que produzem aumentos pronunciados do volume
sanguíneo
Existem três condições, nenhuma delas relacionadas a
mecanismos nervosos ou hormonais, que quase sempre
ocasionam grandes aumentos do volume sanguíneo. Todas
elas resultam de anormalidades circulatórias.
Aumento do volume sanguíneo causado por cardiopatia. O
volume sanguíneo quase sempre aumenta por até 15 a 20% em
conseqüência de cardiopatia, podendo, em certas ocasiões,
aumentar por 30 a 40%. A razão desse
aumento é que o coração
enfraquecido é quase sempre incapaz de gerar pressão arterial
elevada o suficiente para produzir o débito urinário necessário.
Como conseqüência, os rins conservam o líquido até que o
indivíduo morra ou até que a pressão de enchimento do coração
se torne suficientemente alta para escorvá-lo em excesso,
atingindo, finalmente, a pressão arterial necessária para permitir
o débito urinário normal. Por conseguinte, na insuficiência
miocárdica, nas valvulopatias e em anormalidades cardíacas
congênitas, uma das compensações circulatórias mais
importantes é o aumento do volume sanguíneo. Esse aumento
permite ao coração enfraquecido bombear um nível de débito
cardíaco capaz de manter a vida do indivíduo.
Aumento do volume sanguíneo na policitemia. Nos indivíduos
que possuem excesso de eritrócitos (policitemia), a viscosidade
sanguínea aumenta, o que, por sua vez, eleva acentuadamente
a resistência periférica e até mesmo a resistência ao fluxo
sangüíneo nas vênulas e pequenas veias, o que tende a reduzir o
retorno venoso para o coração. Para compensar, os rins
conservam o líquido até que o volume sanguíneo se torne
grande o suficiente para permitir um retorno venoso normal.
Quando isso acontece,
280
a pressão arterial está elevada o suficiente para estabelecer o
débito urinário necessário e evitar a retenção adicional de líquido.
Na policitemia vera, condição em que a medula óssea produz
números elevados de eritrócitos por alguma razão desconhecida
(presumivelmente, uma condição tumoral do sistema eritropoé-
tico), o volume sanguíneo quase sempre aumenta por mais de
50% acima do normal.
Aumento do volume sanguíneo causado pelo aumento de capa-
cidade da circulação. Qualquer condição passível de aumentar
a capacidade total do sistema circulatório também determinará
aumento do volume sanguíneo para ocupar essa capacidade adi-
cional. Por exemplo, na mulher grávida, a capacidade vascular
adicional do útero, da placenta e de outros órgãos da mãe au-
menta regularmente o volume sanguíneo por 15 a 25%. De forma
semelhante, nos pacientes com veias varicosas volumosas nas
pernas, que, em raros casos, podem receber até 1 litro de sangue
adicional, o volume sanguíneo simplesmente aumenta para
ocupar essa capacidade adicional. Isto é, o sal e a água são
retidos pelos rins até que a capacidade vascular total seja
suficiente para elevar a pressão arterial ao nível necessário para
equilibrar o débito renal de líquidos com a ingestão diária de
líquidos.
Fig. 29.4 Relação aproximada entre o volume de líquido extracelular
e o volume sanguíneo, mostrando uma relação quase linear dentro da
faixa normal, mas indicando a incapacidade do volume sanguíneo em
continuar aumentando quando o volume de líquido extracelular se torna
CONTROLE DO VOLUME DE LÍQUIDO
EXTRACELULAR
Com base na exposição acima sobre os mecanismos básicos
de controle do volume sanguíneo, torna-se evidente que o volume
do líquido extracelular é controlado ao mesmo tempo. Isto é,
o líquido penetra em primeiro lugar no sangue, porém distribui-se
rapidamente entre os espaços intersticiais e o plasma. Por
conseguinte, é impossível controlar o volume sanguíneo em
qualquer nível determinado sem controlar ao mesmo tempo o
volume do líquido extracelular. Contudo, os volumes relativos
de distribuição entre os espaços intersticiais e o sangue podem
variar acentuadamente, dependendo das características físicas do
sistema circulatório e dos espaços intersticiais. Em condições
normais, o líquido nos espaços intersticiais encontra-se preso
numa matriz semelhante a gel, constituída de moléculas de
proteoglicanos, de modo que praticamente não há qualquer
líquido livre. Todavia, em outras ocasiões, certas condições
anormais podem determinar a formação de edema. Essas
condições anormais foram discutidas detalhadamente no Cap.
25. Os principais fatores que podem causar edema são: (1)
aumento da pressão capilar, (2) diminuição da pressão
coloidosmótica do plasma, (3) elevação da pressão
coloidosmótica tecidual, e (4) maior permeabilidade dos
capilares. Na presença de qualquer uma dessas condições, uma
proporção muito grande de líquido extracelular distribui-se para
os espaços intersticiais.
Distribuição normal do volume de líquido entre os espaços
intersticiais e o sistema vascular. A Fig. 29.4 ilustra a relação
normal aproximada entre o volume do líquido extracelular e
o volume sanguíneo. Quando uma quantidade adicional de
líquido acumula-se no espaço do líquido extracelular, em
conseqüência da ingestão excessiva de líquido, ou devido à
redução do débito renal de líquido, cerca de um sexto a um terço
do líquido adicional permanece normalmente no sangue e aumenta
o volume sanguíneo. O restante do líquido distribui-se nos
espaços intersticiais. Todavia, quando o volume de líquido
extracelular aumenta por mais de 30 a 50% acima do normal,
como mostra a figura, quantidade muito pequena do líquido
adicional permanece no sangue — visto que quase todo ele passa
para os espaços intersticiais. Isso ocorre pelo fato de a pressão
do líquido intersticial aumentar de seu valor negativo normal
(subatmosférico) até um valor positivo, causando o rápido
intumescimento dos tecidos frouxos e permitindo literalmente a
saída de líquido dos capilares.
Isto é, os espaços intersticiais passam a constituir literalmente
um reservatório de "transbordamento" para o excesso de líquido,
aumentando, algumas vezes, o volume por até 10 a 30 litros.
Obviamente, esse processo causa edema, como foi explicado
no Cap. 25; todavia, também pode atuar como importante válvula
de transbordamento para o sistema circulatório, um fenômeno
bem conhecido, utilizado diariamente pelo clínico para permitir
a administração de quantidades quase ilimitadas de líquido por
via venosa, sem, contudo, forçar o coração até a insuficiência
cardíaca.
Para resumir, o volume de líquido extracelular é controlado
simultaneamente com a regulação do volume sanguíneo;
entretanto, a proporção relativa entre o volume de líquido
extracelular e o volume sanguíneo depende das propriedades
físicas da circulação e dos espaços intersticiais, bem como da
dinâmica das trocas líquidas entre as membranas capilares.
EXCREÇÃO DE URÉIA
O organismo forma diariamente, em média, 25 a 30 g de
uréia — podendo ser atingida uma quantidade ainda maior em
pessoas que ingerem dieta muito rica em proteínas e menor nas
pessoas que adotam dieta com baixo teor protéico. Toda essa
uréia deve ser excretada na urina; do contrário, irá acumular-se
nos líquidos corporais. Sua concentração normal no plasma é
de cerca de 26 mg/dl; entretanto, os pacientes com insuficiência
renal quase sempre apresentam níveis elevados, de até 200 mg/dl,
e já foram registrados valores de até 800 mg/dl.
Os dois fatores principais que determinam a velocidade de
excreção da uréia são: (1) a concentração plasmática de uréia
e (2) a intensidade da filtração glomerular. Esses fatores
aumentam a excreção de uréia principalmente pelo fato de a
"carga" de uréia que penetra nos túbulos proximais ser igual ao
produto da concentração plasmática de uréia pela intensidade da
filtração glomerular. Em geral, a quantidade de uréia que passa
pelos túbulos para a urina corresponde, em média, a 40 a
60% da carga de uréia que penetra nos túbulos proximais.
Somente quando a função renal está irregular é que essa fração da
carga tubular afasta-se muito de sua faixa normal.
Efeito da diminuição da intensidade da
filtração glomerular
sobre a excreção e a concentração plasmática de uréia. Em muitas
281
doenças renais, a intensidade da filtração glomerular de ambos
os rins cai consideravelmente abaixo do normal. Como a excreção
de uréia está diretamente relacionada à sua filtração glomerular,
ocorre redução de sua excreção quando a filtração glomerular
diminui. Todavia, o organismo continua formando grandes quan-
tidades de uréia, o que significa que ela se acumula progressi-
vamente nos líquidos corporais até que sua concentração plasmá-
tica atinja valores muito elevados. A seguir, a uréia filtrada no
filtrado glomerular, que é igual à concentração plasmática de
uréia multiplicada pela intensidade da filtração glomerular, fica
eventualmente elevada, a ponto de permitir que sua excreção
seja tão rápida quanto sua formação. Contudo, é preciso reconhe-
cer que isso só ocorre porque a concentração plasmática de uréia
sofreu elevação muito pronunciada, o que, por si só, representa
um estado muito anormal, passível de prejudicar gravemente
o organismo.
Por conseguinte, talvez a razão mais importante para a for-
mação diária de grandes quantidades de filtrado glomerular pelos
dois rins seja a excreção das quantidades necessárias de uréia.
Muitos dos outros produtos de degradação que devem ser
excretados pelos rins obedecem aos mesmos princípios de excre-
ção da uréia, uma vez que suas velocidades de excreção também
dependem sobremaneira da quantidade de filtrado glomerular
formado diariamente. Essas substâncias incluem creatinina, ácido
úrico e vários outros produtos de degradação tóxicos, que serão
discutidos com mais detalhes no Cap. 31.
Mecanismo para excretar grandes quantidades de uréia, po-
rém com quantidades mínimas de água. Não fosse a capacidade
do sistema tubular de concentrar a uréia, os rins só poderiam
excretar a quantidade necessária de uréia eliminando, ao mesmo
tempo, grandes quantidades de água na urina. Na verdade, a
uréia é normalmente concentrada por pelo menos 50 vezes,
podendo, eventualmente, ser concentrada por várias centenas
de vezes, quando a água é conservada pelo organismo e ocorre
excreção de urina concentrada. A Fig. 29.5 ilustra esse aumento
progressivo da concentração de uréia do líquido tubular, ao passar
através do sistema tubular. Os números indicados no diagrama
são os valores medidos durante antidiurese moderada, o que
Fig. 29.5 Recirculação da uréia absorvida pelo duto coletor, passando
pela alça de Henle e pelo túbulo distal para, finalmente, retornar ao
duto coletor. Os valores numéricos são miliosmolalidades da uréia
durante antidiurese causada pela presença de grandes quantidades de
hormônio antidiurético.
significa a formação de pequenas quantidades de urina
concentrada. Observe que a concentração da uréia no líquido
tubular proximal é de apenas 4,5 mOsm/1, mas que ela
aumenta por cerca de 100 vezes (para 450 mOsm/1) ao ser
excretada na urina.
Recirculação da uréia do duto coletor para a alça de Henle
como meio especial para concentrar a uréia. Na Fig. 29.5, pode-
mos observar a elevada concentração de uréia na parte inferior
do duto coletor, bem como a reabsorção de uréia da porção
medular desse duto para o interstício medular, o que aumenta
a concentração de uréia para até 400 a 500 mOsm/1. Pequena
fração dessa uréia é então reabsorvida pelo ramo delgado da
alça de Henle, de modo que ela ascende pelo túbulo distal, passa
pelo duto coletor cortical e, novamente, pelo duto coletor. Dessa
maneira, a uréia, antes de ser excretada, pode ser recirculada
várias vezes por essas porções terminais do sistema tubular. Cada
volta por esse circuito contribui para as altas concentrações mos-
tradas na figura, de modo que ocorre excreção de quantidade
muito pequena de água juntamente com a uréia.
Por conseguinte, esse mecanismo de recirculação da uréia
pelas alças de Henle, pelo túbulo e duto coletores constitui uma
maneira de concentrar a uréia no interstício medular e na urina
ao mesmo tempo. Como a uréia é o mais abundante dos produtos
de degradação que devem ser excretados pelos rins, esse meca-
nismo de concentração da uréia antes de ser excretada é essencial
para a economia dos líquidos corporais quando a pessoa precisa
viver com pequenas rações de água.
EXCREÇÃO DE POTÁSSIO
A quantidade de potássio que penetra a cada dia no filtrado
glomerular é de cerca de 800 mEq, enquanto a ingestão diária
de potássio é de apenas cerca de 100 mEq. Por conseguinte,
para manter o balanço normal do potássio corporal, deve ser
excretado apenas um oitavo da carga tubular diária total de potás-
sio. Além disso, como no caso da excreção de sódio, a velocidade
de excreção do potássio deve ser cuidadosamente controlada,
de modo a corresponder exatamente à sua ingestão diária.
Reabsorção de grandes quantidades de potássio nos túbulos
proximais e nas alças de Henle. Grandes quantidades de potássio
são reabsorvidas em conseqüência de seu co-transporte com o
sódio nos túbulos proximais e nos ramos ascendentes espessos
da alça de Henle. O transporte ativo pelas células epiteliais dos
túbulos proximais reabsorve cerca de 65% de todo o potássio
filtrado. A seguir, outros 27%, aproximadamente, são reabsor-
vidos na porção grossa do ramo ascendente da alça de Henle,
deixando cerca de 8% do potássio original filtrado, que penetram
nos túbulos distais. Isso representa apenas 65 mEq de potássio
por dia, sendo, portanto, inferior à ingestão diária média de
100 mEq de potássio na maioria das pessoas.
Reabsorção adicional de potássio pelos túbulos distais e dutos
coletores corticais. Além da absorção de potássio pelos túbulos
proximais e alças de Henle, ocorre pequena reabsorção de potás-
sio nos túbulos distais e dutos coletores corticais. Apesar de
essa reabsorção ser pequena, é, entretanto, suficiente para remo-
ver quase todo o potássio tubular restante. Isso é exatamente
o que ocorre quando a concentração de potássio no líquido extra-
celular está muito baixa, conservando assim o potássio no orga-
nismo.
Por outro lado, quando a concentração de potássio no líquido
extracelular está normal ou elevada, é preciso que haja excreção
de grandes quantidades de potássio na urina para simplesmente
livrar o organismo das quantidades normais de potássio ingeridas
diariamente. Para isso, os segmentos tubulares distais desenvol-
veram um mecanismo específico de secreção do potássio, descrito
a seguir.
282
Secreção de potássio na porção terminal dos tubulos
distais e nos dutos coletores corticais
Na porção terminal dos túbulos distais e, ainda mais, nos
dutos coletores corticais, as denominadas células principais, que
compõem cerca de 90% das células epiteliais nessas regiões, têm
a capacidade especial de secretar grandes quantidades de potássio
para o lúmen tubular. Entretanto, essa secreção só ocorre quando
a concentração de potássio no líquido extracelular se eleva acima
de um nível crítico. O mecanismo dessa secreção está ilustrado
na Fig. 29.6. Começa com a bomba de Na+ ,K+-adenosina trifosfa-
tase (ATPase) na membrana basolateral da célula, que bombeia
o sódio da célula para o interstício e, ao mesmo tempo, o potássio
para o interior da célula. Ao contrário das células epiteliais nas
outras regiões dos túbulos renais, a borda luminal das células
principais é muito permeável ao potássio. Por conseguinte, o
acentuado aumento de potássio no interior da célula promove
sua rápida difusão para o lúmen tubular.
Por conseguinte, a força impulsora básica para o mecanismo
secretor de potássio é a bomba de Na+,K+ na membrana basola-
teral. Para que essa bomba opere, os íons sódio devem sofrer
difusão contínua do lúmen tubular para o interior da célula e,
a seguir, serem trocados por íons potássio na membrana basola-
teral. Portanto,
quanto maior a quantidade de sódio disponível
no lúmen tubular para difundir-se para a célula, maior a
velocidade de secreção de potássio. Esse mecanismo é algumas
vezes importante clinicamente, visto que os indivíduos que
seguem dietas com baixo teor de sódio em geral não conseguem
excretar quantidades adequadas de potássio, com o conseqüente
desenvolvimento de hipercalemia.
Exceto quando o indivíduo está ingerindo quantidade extre-
mamente baixa de potássio, a secreção tubular de potássio é
geralmente necessária para evitar a morte. Com freqüência, sur-
gem arritmias cardíacas quando a concentração plasmática de
potássio eleva-se de seu valor normal de 4,5 mEq/1 para um
nível de cerca de 8 mEq/1. Concentrações ainda mais elevadas
de potássio podem resultar em parada cardíaca ou fibrilação.
periféricos, no Cap 45 para o sistema nervoso central e no Cap.
10 para o coração. A concentração normal é de cerca de 4,5
mEq/1; só raramente esta concentração aumenta ou diminui por
mais de ± 0,3 mEq.
Dois fatores principais desempenham papéis importantes no
controle da concentração do íon potássio: (1) o efeito direto
do aumento da concentração de potássio no líquido extracelular,
que determina maior secreção de potássio nos túbulos, e (2)
o efeito da aldosterona, que aumenta a secreção de potássio.
Efeito direto da concentração extracelular de potássio
sobre sua secreção
A velocidade de secreção de íons potássio na porção terminal
dos túbulos distais e nos dutos coletores corticais é diretamente
estimulada por aumento da concentração do íon potássio do líqui-
do extracelular, conforme ilustrado pela curva em negro da Fig.
29.7, principalmente quando a concentração extracelular de po-
tássio eleva-se acima de cerca de 4,1 mEq/1. Por conseguinte,
esse efeito serve como um dos dois mecanismos de feedback
muito importantes para o controle da concentração de íon potás-
sio no líquido extracelular.
A seguir, apresentamos o mecanismo postulado para explicar
o aumento da secreção de potássio quando o potássio extracelular
aumenta. O aumento do potássio extracelular eleva o gradiente
de potássio do líquido intersticial renal para o interior da célula
epitclial. Isso diminui o extravasamento retrógrado de íons
potássio do interior da célula através da membrana basolateral
e, também, permite que o potencial elétrico muito negativo no
interior da célula possa atrair mais íons potássio para o interior,
através da membrana basolateral. Esses dois efeitos, em seu
conjunto, aumentam a concentração de íons potássio no interior
da célula, o que, por sua vez, aumenta a troca de potássio pelo
sódio através da membrana luminal. Qualquer que seja o
mecanismo atuante, é preciso lembrar que até mesmo ligeira
elevação
CONTROLE DA EXCREÇÃO DE POTÁSSIO E DE SUA
CONCENTRAÇÃO NO LIQUIDO EXTRACELULAR
É particularmente importante controlar a concentração de
íons potássio no líquido extracelular, visto que a ocorrência de
variações muito pequenas pode alterar seriamente as funções
nervosas e cardíacas, conforme discutido no Cap. 5 para os nervos
Fig. 29.6 Mecanismos para o transporte de Na' e K+ através do epitélio
tubular distal.
Fig. 29.7 Efeito (1) da concentração plasmática de aldosterona e (2)
da concentração extracelular de íons potássio sobre a velocidade de
excreção urinária do potássio. Estes são os dois fatores mais importantes
que regulam a velocidade de excreção de potássio na urina. (Desenho
a partir de dados de Young: Am. J. PHysiol. 244.F28, 1983.)
283
da concentração extracelular de potássio irá determinar aumento
significativo de sua excreção na urina.
Efeito da aldosterona no controle da secreção de íons
potássio
No capítulo anterior, vimos que a reabsorção ativa de íons
sódio pelas células principais na porção terminal dos túbulos
distais e nos dutos coletores corticais é fortemente controlada
pelo hormônio aldosterona. A aldosterona também exerce o
mesmo efeito poderoso de controle da secreção de íons potássio
por essas mesmas células, uma vez que ativa a bomba de Na+,K+-
ATPase que bombeia sódio do lúmen tubular para o líquido
intersticial e, ao mesmo tempo, o potássio na direção oposta.
A curva vermelha na Fig. 29.7 ilustra esse mecanismo, mostrando
aumento de três vezes da excreção urinária de potássio quando
a aldosterona está aumentada.
Por conseguinte, a aldosterona representa o segundo fator
importante no controle da excreção de potássio; dessa maneira,
o hormônio também ajuda a controlar a concentração de íons
potássio no líquido extracelular, como veremos em maiores deta-
lhes nas próximas seções.
Efeito da concentração de íons potássio sobre a velocidade
de secreção da aldosterona. Em qualquer sistema de controle
por feedback que estiver funcionando adequadamente, o fator
que é controlado quase sempre exerce efeito de feedback para
o controle do controlador. No caso do sistema de controle de
aldosterona-potássio, a velocidade de secreção da aldosterona
pelas células da zona glomerular do córtex supra-renal é
rigorosamente controlada pela concentração de potássio no
líquido extracelular. A Fig. 29.8 ilustra esse controle, mostrando
que a ocorrência de aumento da concentração de potássio por
cerca de 3 mEq/1 pode elevar a concentração plasmática de
aldosterona de quase zero para 60 ng/dl, ou seja, uma
concentração quase 10 vezes acima do normal.
Reunindo os efeitos ilustrados na Fig. 29.8, e considerando-
se o fato de que a aldosterona aumenta acentuadamente a
excreção renal de potássio (como mostra a Fig. 29.7), pode-se
construir um sistema muito simples para o controle da
concentração de potássio por feedback negativo, ilustrado na
Fig. 29.9. Isto é, o aumento da concentração de potássio
determina a eleva-
Fig. 29.9 Esquema simplificado do sistema da aldosterona para o
controle da concentração de potássio no liquido extracelular.
ção da concentração de aldosterona no sangue circulante (bloco
1). A seguir, o aumento da concentração de aldosterona
determina aumento pronunciado da excreção de potássio pelos
rins (bloco 2). A maior excreção de potássio diminui e
normaliza a concentração de potássio no líquido extracelular
(blocos 3 e 4).
Importância do sistema de feedback da aldosterona para o
controle da concentração de potássio. Na ausência de um sistema
funcionante de feedback da aldosterona, um animal pode
facilmente morrer por hiperpotassemia.
A Fig. 29.10 ilustra o potente efeito do sistema de feedback
da aldosterona no controle da concentração de potássio. No expe-
rimento dessa figura, vários cães foram submetidos a aumento
de quase sete vezes da ingestão de potássio em dois estados
diferentes: (1) estado normal e (2) após bloqueio do sistema
de feedback da aldosterona mediante remoção das glândulas su-
Fig. 29.8 Efeito de alterações da concentração de íons potássio sobre a
concentração de aldosterona no líquido extracelular. Observar a grande
variação da concentração de aldosterona para mudanças muito pequenas
na concentração de potássio.
Fig. 29.10 Efeito de grandes mudanças da ingestão de potássio sobre
a concentração de potássio no líquido extracelular (1) em condições
normais e (2) após bloqueio do sistema de feedback da aldosterona.
Esta figura demonstra que a concentração de potássio é muito mal contro-
lada após bloqueio do sistema da aldosterona. (Cortesia do Dr. Davíd
B. Young.)
284
pra-renais e administração de infusão,de aldosterona com
velocidade fixa.
Observe que, no animal normal, o aumento de sete vezes na
ingestão de potássio produziu aumento da concentração
plasmática de potássio de apenas 2,4% — de uma
concentração de 4,2 mEq/1 para 4,3 mEq/l. Por conseguinte,
quando o sistema de feedback da aldosterona estava
funcionando normalmente, a concentração de potássio
manteve-se controlada com muita precisão, a despeito da enorme
mudança na ingestão de potássio. Por outro lado, a curva
tracejada na figura mostra o efeito após bloqueio do sistema da
aldosterona. Observe que o mesmo aumento da ingestão de
potássio determinou, neste caso, aumento de 26% na
concentração de potássio. Por conseguinte, o controle da
concentração de potássio nos animais normais era muitas vezes
mais efetivo do que nos animais sem mecanismo de feedback da
aldosterona.
Efeito do aldosteronismo primário e da doença de
Addison sobre a concentração de potássio no líquido
extracelular. O aldosteronismo primário é causado por tumor
da zona glomerular em uma das glândulas supra-renais. Esse tumor
secreta grandes quantidades de aldosterona. Um dos efeitos mais
importantes do aldosteronismo primário consiste no acentuado
aumento da excreção de potássio estimulado pela aldosterona; isso
ocasiona redução pronunciada da concentração de potássio do líquido
extracelular, de modo que muitos desses pacientes apresentam paralisia
causada por falha da transmissão nervosa, como foi explicado no Cap. 5.
Por outro lado, na doença de Addison, as glândulas supra-renais
são destruídas, a secreção de aldosterona aproxima-se de zero, a secreção
renal de potássio fica muito reduzida e, com freqüência, a concentração
de potássio no líquido extracelular se eleva e atinge duas vezes o valor
normal. Isso quase sempre leva à morte do paciente, devido à parada
cardíaca.
tos sendo acentuadamente aumentados pelo hormônio parati-
reóideo.
O efeito do hormônio paratireóideo sobre a mobilização
do cálcio pelos rins mostra-se estreitamente paralelo ao efeito
da aldosterona sobre a manipulação do sódio. Isto é, mesmo
na ausência de hormônio paratireóideo, grande parte do cálcio
é reabsorvida do liquido tubular nos túbulos proximais, na alça
de Henle e no segmento diluidor dos túbulos distais; todavia,
cerca de 10% da carga filtrada de cálcio ainda permanecem e
penetram na porção terminal dos túbulos distais. A seguir, se
houver grandes quantidades de hormônio paratireóideo nos
líquidos corporais, praticamente todo o cálcio restante será
reabsorvido da porção terminal dos túbulos distais e dos dutos
coletores corticais, conservando, assim, o cálcio no organismo.
Por conseguinte, o principal mecanismo para o controle a
longo prazo da concentração de íon cálcio é o seguinte: a
presença de baixos níveis de cálcio no líquido extracelular
resulta em secreção de hormônio paratireóideo; a seguir, esse
hormônio promove intensa conservação de cálcio pelos rins, além
de aumentar acentuadamente a absorção de cálcio pelo tubo
gastrintestinal. Esses efeitos serão discutidos com maiores
detalhes no Cap. 79.
A reabsorção ativa de cálcio na porção terminal dos túbulos
distais e nos dutos coletores corticais não parece ocorrer
secundariamente ao transporte de sódio. Com efeito, acredita-se
que funcione um mecanismo de transporte ativo primário para o
cálcio nas membranas basolaterais das células epiteliais desses
segmentos tubulares. Por outro lado, nos segmentos tubulares
renais iniciais, o transporte do cálcio, como o de muitos outros
íons, provavelmente ocorre secundariamente ao transporte de
sódio, na forma de transporte ativo secundário ou na forma de
reabsorção passiva de cálcio ao longo de um gradiente
eletroquímico.
CONTROLE DAS CONCENTRAÇÕES
EXTRACELULARES DE OUTROS ÍONS
Regulação da concentração de íons cálcio
O pape! do cálcio no organismo e o controle de sua
concentração no líquido extracelular são discutidos
detalhadamente no Cap. 79 em relação à endocrinologia do
hormônio paratireóideo, a calcitonina e ao osso. Aqui, será
considerado brevemente.
A concentração diária de íons cálcio permanece dentro de
uma faixa de poucos por cento em torno de 2,4 mEq/1, sendo
controlada principalmente pelo efeito do hormônio paratireóideo
sobre a reabsorção óssea. Quando a concentração de cálcio no
líquido extracelular cai para níveis muito baixos, as paratireóides
são diretamente estimuladas, favorecendo a secreção de
hormônio paratireóideo. Por sua vez, esse hormônio atua
diretamente sobre os ossos e aumenta a reabsorção de sais
ósseos, com a conseqüente liberação de grandes quantidades de
cálcio no líquido extracelular e elevação do nível de cálcio até seu
valor normal. Por outro lado, quando a concentração de cálcio se
torna muito alta, a secreção de hormônio paratireóideo fica
deprimida, de modo que quase não ocorre reabsorção óssea.
Contudo, o sistema osteoblástico para a formação de novo osso
continua depositando cálcio, removendo assim o cálcio do
líquido extracelular, com a conseqüente redução da
concentração de íons cálcio até sua faixa normal.
Todavia, os ossos não representam fonte inesgotável de
cálcio, de modo que, eventualmente, sofrerão depleção do
íon. Por conseguinte, o controle a longo prazo da concentração
de íons cálcio resulta do efeito do hormônio paratireóideo
sobre a reabsorção de cálcio dos túbulos renais e sobre a sua
absorção pelo intestino através da mucosa gastrintestinal —
ambos os efei-
Regulação da concentração de íons magnésio
Sabe-se muito menos sobre a regulação da concentração
de íons magnésio do que sobre a concentração de íons cálcio.
Os íons magnésio são reabsorvidos por todas as porções dos
túbulos renais. Todavia, o próprio íon magnésio afeta
diretamente as células epiteliais tubulares ao diminuir essa
reabsorção. Por conseguinte, quando a concentração de magnésio
no líquido extracelular está elevada, ocorre excreção de
quantidades excessivas de magnésio; por outro lado, quando a
concentração de magnésio está diminuída, o magnésio é
conservado.
Regulação da concentração de fosfato
A concentração de fosfato é regulada primariamente por
um mecanismo de transbordamento, que pode ser explicado como
se segue. Os túbulos renais apresentam transporte máximo
normal para a absorção de fosfato de cerca de 0,1 mmol/min.
Quando existe "carga" menor de fosfato no filtrado
glomerular, toda ela é reabsorvida. Quando essa quantidade é
ultrapassada, o excesso é excretado. Por conseguinte, em
condições normais, o íon fosfato é derramado na urina
quando sua concentração no líquido extracelular está acima do
valor limiar de aproximadamente 0,8 mmol/1, o que corresponde
à carga tubular de fosfato de 1,0 mmol/min. Como a maioria das
pessoas ingere diariamente grandes quantidades de fosfato, tanto
no leite quanto na carne, a concentração de fosfato costuma ser
mantida no nível de cerca de 1,0 mmol/1, ou seja, o nível em
que ocorre transbordamento contínuo do excesso de fosfato na
urina.
Papel do hormônio paratireóideo na regulação do íon fosfato.
O hormônio paratireóideo, que desempenha papel importante
na regulação da concentração de íons cálcio, conforme explicado
acima, também afeta a concentração de íons fosfato por duas
285
maneiras diferentes. Em primeiro lugar, o hormônio
paratireóideo promove a reabsorção óssea, descarregando dos
sais ósseos grandes quantidades de íons fosfato no líquido
extracelular. Em segundo lugar, esse hormônio diminui o
transporte máximo do fosfato pelos túbulos renais, de modo que
ocorre perda de maior proporção de fosfato tubular pela urina. A
combinação desses
fatores determina perda acentuada de
fosfatos na urina. As inter-relações entre o fosfato, o cálcio e o
controle pelo hormônio paratireóideo serão discutidas no Cap.
79.
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286
CAPÍTULO 30
Regulação do Equilíbrio Ácido-Básico
Quando falamos em regulação do equilíbrio ácido-básico,
referimo-nos, na verdade, à regulação da concentração do íon-hi-
drogênio nos líquidos corporais. A concentração do íon
hidrogênio em diferentes soluções pode variar desde menos 10-14
Eq/1 até mais de 10º, o que significa uma variação total de mais
de um quatrilhão de vezes. Numa base logarítmica, a
concentração de íon hidrogênio no organismo humano situa-se
aproximadamente a meia distância entre esses dois extremos.
Bastam ligeiras alterações da concentração do íon hidrogênio
em relação ao seu valor normal para ocasionar alterações
pronunciadas na velocidade das reações químicas nas células,
sendo algumas deprimidas, enquanto outras são aceleradas. Por
essa razão, a regulação da concentração de íon-hidrogênio
constitui um dos aspectos mais importantes da homeostasia.
Mais tarde, neste capítulo, serão considerados os efeitos das
altas concentrações de íons hidrogênio (acidose) ou de suas
baixas concentrações (alcalose) sobre o organismo. Em geral,
quando uma pessoa fica acidótica, ela tem probabilidade de
morrer em estado de coma; quando se torna alcalótica, pode
morrer de tetania ou de convulsões.
Ácidos e bases — definições e significados
O ácido é definido como a molécula ou íon passível de atuar como
doador de próíons. A base é definida como a molécula ou íon que
pode funcionar como aceptor de prótons. Se lembrarmos que um próton
é, na verdade, um íon hidrogênio, podemos enunciar essas definições
como se segue.
O ácido é a molécula ou íon capaz de contribuir com um íon
hidrogênio para a solução. Assim, o HCÍ ioniza-se na água, formando
íons hidrogênio e íons cloreto; por conseguinte, esse ácido é
denominado ácido hidroclórico, ou clorídrico. De forma semelhante, o
H2CO3 se ioniza na água para formar H+ ou HCO3 contribuindo
também com íons hidrogênio para a solução; esse ácido é conhecido
como ácido carbônico. Outros ácidos importantes do organismo são o
ácido acético, o fosfato ácido de sódio, o ácido úrico, o ácido
acetoacético etc.
A base é a molécula ou íon que irá se combinar com íons hidrogênio
para removê-los da solução. Por exemplo, o íon bicarbonato, HCO3
Por fim, é preciso compreender a relação existente entre uma "base"
e um "álcali". Um álcali é a combinação de um dos metais alcalinos
— sódio, potássio etc. — com um íon altamente básico, como o
fonhidroxila (OH- ). As porções básicas dessas moléculas reagem
vigorosamente com os íons hidrogênio para removê-los das soluções e,
por conseguinte,
são bases típicas. Como os álcalis são bem conhecidos,
o termo álcali é quase sempre utilizado como sinônimo para o termo
base. E, por razões semelhantes, o termo "alcalose" é empregado para
referir-se ao oposto da "acidose", isto é, a remoção excessiva de íons
hidrogênio da solução, em contraste com o acréscimo excessivo de íons
hidrogênio (acidose).
Ácidos e bases fortes e fracos. Um ácido forte é aquele que possui
tendência muito forte a dissociar-se em íons e, portanto, a liberar seu
íon hidrogênio na solução. Um exemplo típico é o ácido clorídrico.
Por outro lado, os ácidos que liberam íons hidrogênio com menor
intensidade são denominados ácidos fracos. Como exemplos,
destacam-se o ácido carbônico e o fosfato ácido de sódio. Uma base
forte é aquela que reage intensamente com íons hidrogênio, removendo-
os com extrema avidez da solução. Um exemplo típico é o íon
hidroxila (OH"). Uma base fraca típica é o íon bicarbonato (HCO3),
devido à sua ligação muito fraca a íons hidrogênio.
A maioria dos ácidos e das bases envolvidos na regulação normal
do equilíbrio ácido-básico do organismo consiste em ácidos e bases fracos,
dos quais os mais importantes são o ácido carbônico e a base bicarbonato.
Concentração de íons hidrogênio e pH dos líquidos corporais
normais, bem como na acidose e na alcalose. A concentração
dos íons hidrogênio no líquido extracelular é normalmente regu-
lada no valor constante de cerca de 4 x 10-8 Eq/1; este valor
pode variar desde apenas 1 x 10-8 até 1,6 x 10-7 sem causar
morte.
Com base nesses valores, torna-se evidente que a expressão
da concentração de íons hidrogênio em termos de sua
concentração real é um procedimento incomodo. Por isso, o
símbolo pH passou a ser utilizado para expressar a
concentração; o pH está relacionado à concentração real de
íons hidrogênio pela seguinte fórmula (quando a concentração
de H+ é expressa em equivalentes por litro):
é uma base, visto poder combinar-se com íons hidrogênio para formar
H2CO3. De forma semelhante, HPO4 é uma base, visto que pode combi-
nar-se com íons hidrogênio para formar H2PO4 As proteínas do
p H - l o g 1 = -log cone. H+
conC. H+
(1)
organismo também funcionam como bases, uma vez que certos
aminoácidos nas moléculas protéicas atuam como íons negativos que se
ligam rapidamente a excesso de íons hidrogênio. De fato, a hemoglobina,
nos eritrócitos, e as outras proteínas, nas demais células do
organismo, estão entre as bases mais importantes do corpo. Em geral,
certas moléculas, como o bicarbonato de sódio e o fosfato de sódio,
também são denominadas bases. Entretanto, os íons negativos dessas
moléculas são realmente as bases verdadeiras, de acordo com a
definição mais utilizada do termo "base".
A partir desta equação, verifica-se que valor baixo do pH
corresponde à concentração elevada de íons hidrogênio; esta
situação é denominada acidose. Por outro lado, valor alto do
pH corresponde à concentração baixa de íons hidrogênio, sendo
o processo denominado alcalose.
O pH normal do sangue arterial é de 7,4, enquanto o pH
do sangue venoso e dos líquidos intersticiais é de cerca de 7,35,
287
devido às quantidades adicionais de dióxido de carbono que
formam ácido carbônico nesses líquidos.
Como o pH normal do sangue arterial é de 7,4, considera-se
a presença de acidose na pessoa toda vez que o pH for inferior
a esse valor; considera-se a presença de alcalose quando o valor
do pH for superior a 7,4. O limite inferior compatível com a
vida de uma pessoa durante algumas horas é de cerca de 6,8,
enquanto o limite superior é de cerca de 8,0.
na mesma solução. Em primeiro lugar, é preciso assinalar que
o ácido carbônico é um ácido muito fraco, visto que seu grau
de dissociação em íons hidrogênio e íons bicarbonato é pequeno
em comparação com o de diversos outros ácidos.
Quando um ácido forte, como o ácido clorídrico, é
acrescentando à solução tampão de bicarbonato, ocorre a
seguinte reação:
pH intracelular. Com base em medidas indiretas, verificou-se
que o pH intracelular costuma variar entre 6,0 e 7,4 nas diferentes
HCI + NaHCO3 -?3 H2CO3 + NaCL (2)
células, talvez com media de 7,0. A intensidade rápida do metabo-
lismo nas células aumenta a velocidade de formação de ácido,
sobretudo de ácido carbônico (H2CO3) e, conseqüentemente,
reduz o pH. Além disso, o fluxo sanguíneo reduzido para
qualquer tecido determina o acúmulo de ácido e a diminuição do
pH.
Com base nesta equação, verifica-se que o ácido clorídrico forte
é convertido em ácido carbônico muito fraco. Por conseguinte,
a adição de HCI reduz apenas ligeiramente o pH da solução.
Vejamos agora o que acontece quando uma base forte, como
o hidróxido de sódio, é acrescentada a uma solução tampão con-
tendo ácido carbônico. Ocorre a seguinte reação:
DEFESA CONTRA ALTERAÇÕES NA NaOH + H2CO2 -> NaHCO3 + H2O (3)
CONCENTRAÇÃO DE ÍONS HIDROGÊNIO
Para impedir o desenvolvimento de acidose ou de alcalose,
o organismo dispõe de diversos sistemas especiais de controle:
(1) Todos os líquidos corporais possuem sistemas tampões ácido-
básicos que imediatamente se combinam com qualquer ácido
ou base, impedindo assim a ocorrência de mudanças excessivas
da concentração de íons-hidrogênio. (2) Se a concentração de
íons-hidrogênio sofrer alguma alteração detectável, o centro
respiratório é imediatamente estimulado para alterar a freqüência
respiratória. Em conseqüência, a velocidade de remoção do
dióxido de carbono dos líquidos corporais é automaticamente
modificada; por razões que serão explicadas adiante, esse
Esta equação mostra que o íon hidroxila do hidróxico de sódio
combina-se com o íon hidrogênio do ácido carbônico para formar
água, enquanto o outro produto formado é bicarbonato de sódio.
O resultado final consiste na troca da base forte NaOH pela
base fraca NaHCO3.
Dinâmica quantitativa dos sistemas tampões
Dissociação do ácido carbônico. Todos os ácidos são ionizados em
certo grau, e a percentagem de ionização é conhecida como grau de
dissociação. A equação 4 ilustra a relação reversível entre o ácido
carbônico não-dissociado e os dois íons que ele forma, H+ e HCO3.
processo permite a normalização da concentração de íons-
hidrogênio. (3) Quando a concentração de íons-hidrogênio afasta- H2CO3 H
+ HCO3 (4)
se do normal, os rins excretam urina ácida ou alcalina, ajudando,
assim, a reajustar e a normalizar a concentração de íons hidrogênio
dos líquidos corporais.
Os sistemas tampões podem atuar dentro de fração de segun-
Existe uma lei físico-química que se aplica à dissociação de todas
as moléculas; quando aplicada especificamente ao ácido carbônico, ela
é expressa pela seguinte fórmula:
do para impedir a ocorrência de alterações excessivas na
concentração de íons-hidrogênio. Por outro lado, são
necessários 1 a 12 minutos para que o sistema respiratório
H+ x HCO3
H2CO3
(5)
possa fazer ajustes agudos e outro dia ou mais para efetuar
ajustes adicionais crônicos. Por fim, os rins, apesar de
constituírem o mais potente de todos os sistemas de regulação
ácido-básica, necessitam de muitas horas a vários dias para
reajustar a concentração de íons hidrogênio.
FUNÇÃO DOS TAMPÕES ÁCIDO-BÁSICOS
O tampão ácido-básico é a solução de dois ou mais compostos
químicos que impede a ocorrência de alterações pronunciadas
da concentração de íons-hidrogênio quando se acrescenta ácido
ou base à solução. Por exemplo, se forem adicionadas apenas
algumas gotas de ácido clorídrico concentrado a um recipiente
com água pura, o pH da água poderá cair imediatamente de
seu valor neutro de 7,0 para 1,0. Todavia, na presença de um
sistema tampão satisfatório, o ácido clorídrico
combina-se
instantaneamente com o tampão, e o pH só diminui
ligeiramente. Talvez a melhor maneira de explicar a ação de um
tampão ácido-básico seja considerar um verdadeiro sistema
tampão simples, como o tampão bicarbonato, que é de suma
Esta fórmula estabelece que, em qualquer solução de ácido carbônico,
a concentração de íons hidrogênio multiplicada pela concentração de
íons bicarbonato e dividida pela concentração das moléculas não-disso-
ciadas de ácido carbônico é igual a uma constante, K'.
Todavia, é quase impossível medir a concentração do ácido
carbônico não-dissociado em solução, visto que ele também se dissocia
rapidamente em CO2 dissolvido e H2O, bem como em Hf e HCO,. Por
outro lado, a concentração de dióxido de carbono dissolvido é facilmente
medida; e, como a quantidade de ácido carbônico não-dissociado é
proporcional à de dióxido de carbono dissolvido, a equação 5 também
pode ser expressa da seguinte maneira:
(6)
H+ x HCO3 = K
CO2
A única diferença real entre as duas fórmulas acima é que a constante
K é aproximadamente 1/400 vezes a constante K', visto que a relação
de proporcionalidade entre o ácido carbônico e o dióxido de carbono
é de 1 paTa 400.
A fórmula 6 pode ser modificada na seguinte forma:
importância na regulação do equilíbrio ácido-básico do
organismo.
H+ = K CO2
HCO3
SISTEMA TAMPÃO BICARBONATO
O sistema tampão bicarbonato típico consiste numa mistura
de ácido carbônico (H2CO3) e de bicarbonato de sódio (NaHCO3)
Se tomarmos ologaritmo de cada termo da equação 7, obteremos a
seguinte fórmula:
CO
logH+ = logK + log 2HCO3
(H)
288
Os sinais de log H+ e log K são mudados de positivos para negativos,
e o dióxido de carbono e o bicarbonato são invertidos no último termo,
que é o mesmo que mudar seu sinal, resultando na seguinte fórmula:
HCO3
-log H+ = -log K + log CO,
(9)
Conforme assinalado antes neste capítulo -log H+ é igual ao pH da
solução. De forma semelhante, -log K é denominado pK do tampão.
Por conseguinte, esta fórmula ainda pode ser modificada para a seguinte:
HCO3
pH = pK + log (10)CO,
Equação de Henderson-Hasselbalch. Para o sistema tampão de bicar-
bonato, o pK é de 6,1, e a Equação 10 pode ser expressa da seguinte
maneira: Fig. 30.1 "Curva de titulação" para o sistema tampão do bicar
Ph = 6,1 + log HCO3
CO3
(11)
Esta é a chamada equação de Henderson-Hasselbalch, com a qual se
pode calcular o pH de uma solução com razoável precisão, se forem
conhecidas as concentrações molares de íons bicarbonato e do dióxido
de carbono dissolvido. Se a concentração de bicarbonato for igual à
concentração do dióxido de carbono dissolvido, o segundo membro da
parte direita da equação passa a ser log de 1, que é igual a zero. Por
conseguinte, para concentrações iguais, o pH da solução é igual ao pK.
A partir da equação de Henderson-Hasselbalch, pode-se constatar
facilmente que aumento da concentração de íon bicarbonato determina
elevação dopH, ou, em outras palavras, desloca o equilíbrio ácido-básico
para o lado alcalino. Por outro lado, aumento da concentração de dióxido
de carbono dissolvido diminui o pH ou desloca o equilíbrio ácido-básico
para o lado ácido.
Mais tarde, neste capítulo, veremos que a concentração de dióxido
de carbono dissolvido nos líquidos corporais pode ser modificada ao
se aumentar ou diminuir a freqüência respiratória. Dessa maneira, o
sistema respiratório pode modificar o pH dos líquidos corporais. Por
outro lado, os rins são capazes de aumentar ou diminuir a concentração
de íon bicarbonato nos líquidos corporais e, assim, aumentar ou diminuir
o pH. Por conseguinte, esses dois mecanismos principais de regulação
da concentração de íons hidrogênio operam principalmente ao alterar
um dos dois elementos do sistema tampão de bicarbonato.
A "curva de titulação" do sistema tampão do bicarbonato. A Fig.
30.1 mostra as alterações do pH dos líquidos corporais quando a relação
entre o íon bicarbonato e o dióxido de carbono se modifica. Quando
as concentrações dos dois elementos do tampão são iguais, verificamos
que o pH da solução é de 6,1, que é igual ao pK do sistema tampão
bicarbonato. Quando se acrescenta uma base ao tampão, grande propor-
ção do dióxido de carbono dissolvido é convertida em íons bicarbonato,
com a conseqüente alteração da relação. Como resultado, o pH aumenta,
conforme indicado pela inclinação.da curva para adiante. Por outro
lado, quando se acrescenta ácido, grande proporção do íon bicarbonato
é convertida em dióxido de carbono dissolvido, de modo que o pH
cai, conforme ilustrado pela inclinação da curva para baixo.
Capacidade de tamponamento do sistema tampão bicarbonato.
Observando mais uma vez a Fig. 30.1, verificamos que, no ponto
central da curva, a adição de pequenas quantidades de ácido ou de base
causa variação mínima do pH. Todavia, em direção a cada extremidade
da curva, a adição de uma pequena quantidade de ácido ou de base
determina alteração acentuada do pH. Por conseguinte, a denominada
capacidade de tamponamento do sistema tampão é maior quando o pH é
igual ao pK, que está exatamente no centro da curva. A capacidade de
pequena quantidade de ácido ou de base à solução irá modificar
consideravelmente o pH. Por conseguinte, a capacidade de
tamponamento de um tampão também é diretamente proporcional às
concentrações das substâncias do tampão.
SISTEMAS TAMPÕES DOS LÍQUIDOS CORPORAIS
Os três principais sistemas tampões dos líquidos corporais
são o tampão bicarbonat o, que foi descrito acima, o tampão
fosfato e o tampão de proteínas. Cada um deles exerce funções
importantes de tamponamento em diferentes condições.
Sistema tampão bicarbonato. O sistema do bicarbonato não
é um tampão muito potente por duas razões. Em primeiro lugar,
o pH nos líquidos extracelulares é de cerca de 7,4, enquanto
o pK do sistema tampão bicarbonato é de 6,1. Isso significa
que, no tampão bicarbonato, a concentração dos íons bicarbonato
é 20 vezes maior que a do dióxido de carbono dissolvido. Por
esse motivo, o sistema opera em trecho de sua curva de tampona-
mento onde a capacidade de tamponamento é baixa. Em segundo
lugar, as concentrações dos dois elementos do sistema bicarbo-
nato, CO2 e HCO3, não são grandes.
Contudo, apesar do fato de o sistema tampão bicarbonato
não ser especialmente potente, ele é realmente mais importante
do que todos os outros no organismo, visto que a concentração
de cada um dos dois componentes do sistema bicarbonato pode
ser regulada: o dióxido de carbono, pelo sistema respiratório,
e o íon bicarbonato, pelos rins. Como conseqüência, o pH do
sangue pode ser deslocado para cima ou para baixo pelos sistemas
de regulação respiratório e renal.
Sistema tampão fosfato. O sistema tampão fosfato atua de
maneira quase idêntica à do bicarbonato; todavia, é composto
pelos dois seguintes elementos: H2PO4 e HPO4. Quando se
acrescenta ácido forte, como o ácido clorídrico, à mistura dessas
duas substâncias, ocorre a seguinte reação:
tamponamento é ainda razoavelmente eficaz até que a proporção entre
os elementos do sistema tampão atinja 8:1 ou 1:8; todavia, além desses
HC1 + Na2HPO4 -» NaH2PO4 + NaCl (12)
limites, a capacidade de tamponamento diminui rapidamente. Quando
todo o dióxido de carbono foi convertido em íons bicarbonato, ou quando
todos os íons bicarbonato foram convertidos em dióxido de carbono,
o sistema não apresenta mais qualquer capacidade de tamponamento.
O segundo fator que determina a capacidade de tamponamento
é a concentração dos dois elementos da solução tampão, CO2 e HCO3.
Obviamente, se as concentrações forem pequenas, a adição de apenas
O resultado final dessa reação consiste na remoção do ácido clorí-
drico, com formação de uma quantidade adicional de NaH2PO4.
Como o NaH2PO4 é apenas um ácido fraco, o ácido forte acrescen-
tado é imediatamente substituído
por um ácido muito fraco, de
modo que o pH muda relativamente pouco.
Por outro lado, se for adicionada uma base forte, como
289
o hidróxido de sódio, ao sistema tampão, ocorrerá a seguinte
reação:
NaOH + NaH2PO4 -»• Na2HPO4 + H2O
Neste caso, o hidróxido de sódio é decomposto para formar
dade, trabalham em conjunto, visto que o hidrogênio é comum às reações
químicas de todos os sistemas. Por conseguinte, toda vez que alguma
condição produzir alterações na concentração de íons hidrogênio, causará
a alteração simultânea no equilíbrio de todos os sistemas tampões. Esse
fenômeno, denominado princípio isoidrico, é representado pela seguinte
fórmula:
+ = K
água e Na2HPO4. Isto é, uma base forte é trocada pela base
muito fraca, Na2HPO, permitindo apenas ligeiro desvio do pH
para o lado alcalino.
O sistema tampão fosfato possui pK de 6,8, valor que não
H 1 x HA1 = K2 x HA2 K3 x HA3
A A2 A3
(14)
se afasta muito do pH normal de 7,4 nos líquidos corporais.
Isso permite ao sistema fosfato operar próximo de sua capacidade
máxima de tamponamento. Todavia, apesar de o sistema tampão
operar em faixa razoavelmente boa da curva tampão, sua concen-
tração no líquido extracelular é de apenas 1/12 daquela do tampão
bicarbonato. Por conseguinte, sua capacidade de tamponamento
total no líquido extracelular é bem menor que a do sistema bicarbonato.
Por outro lado, o tampão fosfato é especialmente importante
nos líquidos tubulares dos rins, por duas razões: em primeiro
lugar, o fosfato fica geralmente muito concentrado nos túbulos,
aumentando sobremaneira a capacidade de tamponamento do
sistema fosfato. Em segundo lugar, o líquido tubular geralmente
é mais ácido do que o líquido extracelular, trazendo a faixa
de operação do tampão mais próximo ao pK do sistema.
O tampão fosfato também é muito importante nos líquidos
intracelulares, visto que a concentração de fosfato nesses líquidos
é muitas vezes maior que a dos líquidos extracelulares e, também,
pelo fato de o pH do líquido intracelular estar geralmente mais
próximo ao pK do sistema tampão fosfato do que o pH do líquido
extracelular.
Sistema tampão de proteínas. O tampão mais abundante
do organismo é constituído pelas proteínas das células e do plas-
ma, principalmente devido às suas concentrações muito altas.
Verifica-se pequena difusão dos íons hidrogênio através da mem-
brana celular; ainda mais importante é a capacidade do dióxido
de carbono de difundir-se em poucos segundos através das mem-
branas celulares, enquanto os íons bicarbonato podem sofrer
certo grau de difusão (os íons hidrogênio e bicarbonato neces-
sitam de várias horas para entrar em equilíbrio na maioria das
células, à exceção dos eritrócitos). A difusão de íons hidrogênio
e dos dois componentes do sistema tampão bicarbonato deter-
mina alteração do pH dos líquidos intracelulares aproximada-
mente na mesma proporção da alteração observada no pH dos
líquidos extracelulares. Por conseguinte, todos os sistemas tam-
pões no interior das células também ajudam a tamponar os líqui-
dos extracelulares, embora possam ser necessárias várias horas.
Esses sistemas incluem as quantidades muito grandes de proteínas
no interior das células. De fato, estudos experimentais demons-
traram que cerca de três quartos de toda a capacidade de tampo-
namento químico dos líquidos corporais encontram-se no interior
das células, sendo a maior parte proveniente das proteínas intra-
celulares. Todavia, à exceção dos eritrócitos, a lentidão de movi-
mento dos íons hidrogênio e bicarbonato, através das membranas
celulares, quase sempre retarda por várias horas a capacidade
dos tampões intracelulares de tamponar as anormalidades ácido-
básicas extracelulares.
O método pelo qual o sistema tampão de proteínas atua
é exatamente o mesmo do sistema tampão de bicarbonato. É
preciso lembrar que uma proteína ê constituída de aminoácidos
unidos por ligações peptídicas; todavia, alguns dos aminoácidos,
em particular a histidina, possuem radicais ácidos livres que po-
dem dissociar-se para formar base mais H+. Além disso, o pK
onde K1 K2 e K3 são as constantes de dissociação dos três ácidos respec-
tivos, HA1 HA2 e HA3 enquanto A1 A2 e A3 são as concentrações dos
íons negativos livres que constituem as bases respectivas dos três
sistemas tampões.
O aspecto importante desse princípio é que qualquer condição capaz
de modificar o equilíbrio de um dos sistemas tampões também afeta
o equilíbrio de todos os demais, visto que os sistemas tampões, na reali-
dade, íamponam um ao outro ao deslocar os íons hidrogênio de um
para outro.
REGULAÇÃO RESPIRATÓRIA DO EQUILÍBRIO
ÁCIDO-BÁSICO
Na discussão da equação de Henderson-Hasselbalch, foi assi-
nalado que a ocorrência de aumento da concentração de dióxido
de carbono nos líquidos corporais diminui o pH para o lado
ácido, enquanto a redução do dióxido de carbono eleva o pH
para o lado alcalino. É com base neste efeito que o sistema
respiratório é capaz de alterar o pH, aumentando-o ou redu-
zindo-o.
Equilíbrio entre a formação metabólica e a expiração pulmo-
nar de dióxido de carbono. O dióxido de carbono é continuamente
formado no organismo pelos diferentes processos metabólicos
intracelulares, sendo o carbono dos alimentos oxidado pelo
oxigênio para formar dióxido de carbono. Este, por sua vez,
difunde-se pelos líquidos intersticiais e no sangue e é
transportado até os pulmões, onde sofre difusão para os
alvéolos, para ser, então, transferido à atmosfera pela ventilação
pulmonar. Todavia, são necessários vários minutos para a
passagem de dióxido de carbono das células para a atmosfera, de
modo que, em qualquer momento, os líquidos extracelulares
contém normalmente uma média de 1,2 mmol/1 de dióxido de
carbono dissolvido.
Se a intensidade de formação metabólica do dióxido de car-
bono aumentar, sua concentração nos líquidos extracelulares tam-
bém irá aumentar. De modo inverso, a redução do metabolismo
diminui a concentração de dióxido de carbono.
Por outro lado, se a ventilação pulmonar aumentar, o dióxido
de carbono será eliminado dos pulmões, resultando em diminui-
ção da quantidade de dióxido de carbono nos líquidos extrace-
lulares.
Efeito do aumento ou da diminuição da ventilação
alveolar sobre o pH dos líquidos extracelulares
Se admitirmos que a intensidade de formação metabólica
de dióxido de carbono permanece constante, o único fator que
irá afetar sua concentração nos líquidos corporais é a ventilação
alveolar, conforme expresso pela seguinte fórmula:
1
C O
de alguns desses sistemas tampões de aminoácidos não está muito
distante de 7,4. Isso também ajuda a tornar o sistema tampão
2 aá
Ventilação alveolar
(15)
de proteínas o mais potente dos tampões do organismo.
O princípio isoidrico
Cada um dos sistemas tampões acima foi discutido como se pudesse
operar individualmente nos líquidos corporais. Todavia, eles, na reali-
Como o aumento do dióxido de carbono diminui o pH, as altera-
ções da ventilação alveolar determinam variações recíprocas da
concentração de íons hidrogênicr.
A Fig. 30.2 ilustra a variação aproximada do pH do sangue
290
Fig. 30.2 Alteração aproximada do pH do líquido extracelular causada
por aumento ou diminuição da freqüência da ventilação alveolar.
passível de ocorrer devido ao aumento ou à diminuição da venti-
lação pulmonar. Observe que o aumento da ventilação alveolar,
de duas vezes o valor normal, eleva em cerca de 0,23 o pH
dos líquidos extracelulares. Isso significa que, se o pH dos líquidos
corporais é de 7,4 na presença de ventilação alveolar normal,
a duplicação da ventilação irá elevar o pH para 7,63. Por outro
lado, a diminuição da ventilação alveolar para um quarto de
seu valor normal reduz o pH em 0,45.
Isto é, se o pH é de
7,4 com ventilação aíveolar normal, a redução da ventilação para
um quarto diminui o pH para 6,95. Como a ventilação alveolar
pode ser reduzida a zero ou aumentada por cerca de 15 vezes
o seu valor normal, pode-se facilmente entender até que ponto
o pH dos líquidos corporais pode ser modificado por alterações
na atividade do sistema respiratório.
Efeito da concentração de íons hidrogênio sobre a
ventilação alveolar
Não só a ventilação alveolar afeta a concentração de tons
hidrogênio dos líquidos corporais, como também a concentração
de íons hidrogênio afeta, por sua vez, a ventilação alveolar. Isso
resulta da ação direta dos íons hidrogênio sobre o centro
respiratório no bulbo que controla a respiração, o que será
discutido com maiores detalhes no Cap. 41.
A Fig. 30.3 ilustra as alterações da ventilação alveolar produ-
zidas pela variação do pH do sangue arterial de 7,0 para 7,6.
Ao se analisar o gráfico, fica evidente que a redução do pH
de seu valor normal de 7,4 para o nível fortemente acídico de
7,0 pode elevar a freqüência da ventilação alveolar por até 4
a 5 vezes o seu valor normal, enquanto o aumento do pH para
a faixa alcalina pode diminuir a ventilação alveolar por apenas
fração do nível normal.
Controle por feedback da concentração de íons hidrogênio
pelo sistema respiratório. Devido à capacidade do centro respira-
tório de responder à concentração de íons hidrogênio, e conside-
rando-se o fato de que as variações na ventilação alveolar alteram,
por sua vez, a concentração de íons hidrogênio dos líquidos corpo-
rais, o sistema respiratório atua como um controlador típico da
concentração de íons hidrogênio por feedback. Isto é, toda vez
que a concentração de íons hidrogênio estiver elevada, o sistema
respiratório também fica mais ativo, e a ventilação alveolar au-
menta. Em conseqüência, a concentração de dióxido de carbono
nos líquidos extracelulares diminui, com a conseqüente redução
da concentração de íons hidrogênio para seu valor normal. Por
Fig. 30.3 Efeito do pH sanguíneo sobre a freqüência de ventilação
alveolar. (Construído a partir de dados obtidos por Gray: Pulmonary
Venti-lation and Its Regulaíion. Springfield, 111., Charles C Thomas.)
outro lado, se a concentração de íons hidrogênio cair para níveis
muito baixos, o centro respiratório fica deprimido, e a ventilação
alveolar também diminui, com elevação da concentração de íons
hidrogênio até a faixa normal.
Eficiência do controle respiratório da concentração de íons
hidrogênio. Infelizmente, o controle respiratório é incapaz de
fazer com que a concentração de íons hidrogênio retorne exata-
mente ao valor normal de 7,4 quando alguma anormalidade exter-
na ao sistema respiratório altera o pH normal. A razão disso
é que, à medida que o pH retorna a seu valor normal, o estímulo
que causou o aumento ou a diminuição da respiração começa
a dissipar-se. Em geral, o mecanismo respiratório para regular
a concentração de íons hidrogênio possui eficiência de controle
situada entre 50 a 75% (ganho do feedback de 1 a 3). Isto é,
se a concentração de íons hidrogênio fosse subitamente diminuída
de 7,4 para 7,0 por algum fator estranho, o sistema respiratório
faria com que o pH retornasse, em 3 a 12 minutos, a um valor
de cerca de 7,2 a 7,3.
Capacidade de tamponamento do sistema respiratório.
Com efeito, a regulação respiratória do equilíbrio ácido-básico é
um tipo fisiológico de sistema tampão que possui quase a mesma
importância dos sistemas tampões químicos do organismo consi-
derados antes neste capítulo. A "capacidade de tamponamento"
global do sistema respiratório é uma a duas vezes maior que
a de todos os tampões químicos combinados. Isso significa que,
normalmente, uma a duas vezes mais ácido ou base podem ser
tamponados por esse mecanismo em relação aos tampões quí-
micos.
CONTROLE RENAL DA CONCENTRAÇÃO DE
ÍONS HIDROGÊNIO
Os rins controlam a concentração de íons hidrogênio do
líquido extracelular ao excretarem urina ácida ou básica. A excre-
ção de urina ácida reduz a quantidade de ácido nos líquidos
extracelulares, enquanto a excreção de urina alcalina remove
a base dos líquidos extracelulares.
Os meios pelos quais o organismo determina se a urina será
ácida ou alcalina são os seguintes: grandes quantidades de íons
bicarbonato são filtradas continuamente no filtrado glomerular,
291
removendo base do sangue. Por outro lado, grandes quantidades
de íons hidrogênio são secretadas ao mesmo tempo no lúmen
tubular pelo epitélio tubular, com conseqüente remoção do ácido.
Se a secreção de íons hidrogênio for maior que a filtração de
íons bicarbonato, haverá perda efetiva de ácido dos líquidos
extracelulares. Por outro lado, se a filtração de bicarbonato for
maior que a secreção de hidrogênio, haverá perda efetiva de
base. As seções que se seguem descrevem os diferentes
mecanismos renais que atuam nesses processos.
SECREÇÃO TUBULAR DE ÍONS HIDROGÊNIO
As células epiteliais de todo sistema tubular, à exceção do
ramo grosso da alça de Henle, secretam íons hidrogênio para
o líquido tubular. Todavia, em diferentes segmentos tubulares,
existem dois mecanismos muito diferentes, cada qual com caracte-
rísticas próprias e finalidades distintas.
Transporte ativo secundário de tons hidrogênio nos segmentos
tubulares iniciais. As células epiteliais do túbulo proximal. do
segmento grosso do ramo ascendente da alça de Henle e do
túbulo distal secretam íons hidrogênio para o líquido tubular
por transporte ativo secundário. Esse mecanismo é ilustrado na
Fig. 30.4. Quantidades enormes de íons hidrogênio são secretadas
dessa maneira, atingindo vários milhares de miliequivalentes por
dia, porém nunca contra gradiente muito elevado de íons
hidrogênio, visto que o líquido tubular só se torna muito ácido
nos segmentos terminais do sistema tubular.
A Fig. 30.4 mostra que o processo secretor começa com
o dióxido de carbono, que se difunde para o interior das células
ou que é formado pelo metabolismo das células epiteliais tubula-
res. O dióxido de carbono, sob influência da enzima anidrase
carbônica, combina-se com água para formar ácido carbônico.
A seguir, este se dissocia em íon bicarbonato e íon hidrogênio.
Por fim, os íons hidrogênio são secretados no túbulo por um
mecanismo de contra-transporte de Na+-H+. Isto é, quando o
sódio se desloca do lúmen do túbulo para o interior da célula,
ele se combina inicialmente com uma proteína transportadora
na borda luminal da membrana celular, e, ao mesmo tempo,
um íon hidrogênio no interior da célula se combina com a extremi-
dade oposta da mesma proteína transportadora. A seguir, como
a concentração de sódio é muito mais baixa dentro da célula
do que no lúmen celular, isso determina o movimento de sódio
ao longo de seu gradiente de concentração para o interior, propor-
cionando ao mesmo tempo a energia necessária para mover o
íon hidrogênio na direção oposta (a direção "contra") para o
lúmen tubular.
Transporte ativo primário de íons hidrogênio na porção ter-
minal dos segmentos tubulares. Começando na porção terminal
dos túbulos distais e prosseguindo por todo o resto do sistema
tubular até a pelve renal, os túbulos secretam íons hidrogênio
por transporte ativo primário. As características desse transporte
diferem muito do sistema de transporte ativo secundário nos
segmentos tubulares iniciais. Em primeiro lugar, é normalmente
responsável por menos de 5% dos íons hidrogênio totais excre-
tados. Por outro lado, é capaz de concentrar os íons hidrogênio
por até 900 vezes, em contraste com a concentração de apenas
3 a 4 vezes obtida nos túbulos proximais e a concentração de
10 a 15 vezes observada nos túbulos distais iniciais pelo meca-
nismo de transporte secundário. A concentração de íons
hidrogênio por
até 900 vezes pode diminuir o pH do líquido
tubular em cerca de 4,5, o que representa, portanto, o limite
inferior do pH passível de ser obtido na urina excretada.
O mecanismo do transporte ativo primário de íons
hidrogênio está ilustrado na Fig. 30.5. Ocorre na membrana
luminal da célula tubular, onde os íons hidrogênio são
transportados diretamente por proteína transportadora
específica, a adenosina trifosfatase (ATPase) transportadora de
hidrogênio. A energia necessária para bombear os íons
hidrogênio contra o gradiente de concentração de 900 vezes
provém da degradação do ATP em difosfato de adenosina
(ADP).
Os íons hidrogênio bombeados por este processo são gerados
no interior da célula nas duas etapas seguintes: (1) o dióxido
de carbono dissolvido combina-se com a água no interior da
célula, formando-se ácido carbônico (H2CO3); (2) a seguir, o
ácido carbônico se dissocia em íons bicarbonato (HCOj), que
são absorvidos pelo sangue, e em íons hidrogênio (H + ), que
são secretados na urina.
Acredita-se que esse transporte ativo primário de íons
hidrogênio seja uma função do tipo especial de célula
denominada célula intercalada. Essas células aparecem pela
primeira vez na porção terminal dos túbulos distais e, a seguir,
estendem-se até o final do sistema de dutos coletores, atingindo
seu número máximo — cerca de 10% das células epiteliais totais
— nos dutos coletores medulares externos. Essas células têm
aspecto escuro e, portanto, são quase sempre denominadas
células escuras.
Fig. 30.4 Reações químicas para (1) a secreção auva secunuaria de íons
hidrogênio pelo túbulo, (2) a reabsorção de íons sódio em troca dos
íons hidrogênio secretados, e (3) a combinação de íons hidrogênio com
íons bicarbonato nos túbulos para formar dióxido de carbono e água.
Fig. 30.5 Transporte ativo primário de íons hidrogênio através da mem-
brana lurmnal da célula epitelial tubular. Observe que é absorvido um
íon bicarbonato para cada íon hidrogênio secretado, enquanto um íon
cloreto é secretado passivamente com o íon hidrogênio.
292
Regulação da secreção de íons hidrogênio pela
concentração de ions hidrogênio nos líquidos
extracelulares
A intensidade da secreção de íons hidrogênio nos túbulos
modifica-se acentuadamente em resposta a alterações apenas li-
geiras na concentração de íons hidrogênio no líquido extracelular.
Por conseguinte, quando a concentração de íons hidrogênio está
elevada (pH de menos 7,4), a secreção de íons hidrogênio pode
aumentar por várias vezes. Por outro lado, com pH extracelular
acima de 7,4, a secreção de íons hidrogênio também diminui.
O controle dessas alterações é efetuado da seguinte maneira:
Na acidose, a proporção entre o dióxido de carbono e os
íons bicarbonato no líquido extracelular está acima do normal,
como se pode verificar ao se consultar novamente a equação
de Henderson-Hasselbalch. Além disso, verifica-se proporção
semelhante no interior da célula epitelial secretora, produzindo
nível elevado de íons hidrogênio e intensidade corresponden-
temente alta de secreção de íons hidrogênio no lúmen tubular.
Na alcalose, ocorre exatamente o processo oposto, com a conse-
quente redução da secreção de íons hidrogênio.
No pH normal do líquido extracelular, a intensidade da se-
creção de íons hidrogênio é de cerca de 3,5 mM/min, porém
ela aumenta ou diminui de modo quase diretamente proporcional
à variação da concentração extracelular de íons hidrogênio.
Interação dos ions bicarbonato com os íons
hidrogênio nos túbutos — "reabsorção" de íons
bicarbonato
Os túbulos renais não são muito permeáveis ao íon bicarbo-
nato, visto ele ser grande e eletricamente carregado. Todavia,
o íon bicarbonato, pode ser, com efeito, "reabsorvido" pelo
processo especial ilustrado na Fig. 30.4.
A reabsorção de íons bicarbonato é iniciada por uma reação
nos túbulos entre os íons bicarbonato filtrados no filtrado glome-
rular e os íons hidrogênio secretados pelas células tubulares,
conforme ilustrado na figura. A seguir, o ácido carbônico disso-
cia-se em dióxido de carbono e água. O dióxido de carbono,
por ter a capacidade de se difundir com extrema rapidez através
de todas as membranas celulares, difunde-se instantaneamente
para a célula tubular, enquanto a água permanece no túbulo.
Se observarmos agora, na Fig. 30.4, as reações químicas
responsáveis pela formação do íons hidrogênio nas células epite-
liais, veremos que, toda vez que ocorre formação de um íon
hidrogênio, forma-se também um íon bicarbonato no interior
dessas células pela dissociação de H2CO, em H1 e HCOj. A
seguir, esse íon bicarbonato se difunde para o líquido extracelular
através da membrana basolateral.
Por conseguinte, o efeito final de todas essas reações é um
mecanismo para a "reabsorção" de íons bicarbonato a partir
dos túbulos, embora os íons bicarbonato que penetram no líquido
extracelular não sejam os mesmos íons que são removidos do
líquido tubular.
Titulação dos íons bicarbonato contra os íons hidrogênio nos
túbulos. Em condições normais, a intensidade da secreção do
íon hidrogênio é de cerca de 3,5 mmollmin, enquanto a filtração
de íons bicarbonato no filtrado glomerular é de cerca de 3,46
mmollmin. Por conseguinte, as quantidades dos dois íons que
penetram nos túbulos são quase iguais, e eles se combinam entre
si, anulando-se, sendo os produtos terminais dióxido de carbono
e água. Por isso, diz-se que os íons bicarbonato e o íons hidrogênio
normalmente se "titulam" um ao outro nos túbulos.
Todavia, é preciso observar também que esse processo de
titulação não é totalmente exato, visto que, em geral, um ligeiro
excesso de íons hidrogênio (componente ácido) permanece nos
túbulos para ser excretado na urina. A razão disso é que, em
condições normais, os processos metabólicos de uma pessoa for-
mam continuamente uma pequena quantidade de ácido em exces-
so (cerca de 60 mEq/dia), originando ligeiro excesso de íons
hidrogênio nos túbulos em relação aos íons bicarbonato.
Em raras ocasiões, os íons bicarbonato estão em excesso,
como veremos em discussões subseqüentes. Quando isso ocorre,
o processo de titulação mais uma vez não é completo; nesse
caso, permanece um excesso de íons bicarbonato (componente
básico) nos túbulos, que, em seguida, passa para a urina.
Por conseguinte, o mecanismo básico pelo qual os rins corri-
gem a acidose ou a alcalose consiste na titulação incompleta
dos íons hidrogênio contra os do bicarbonato, deixando que um
ou outro passe para a urina e, assim, seja removido do líquido
extracelular.
CORREÇÃO RENAL DA ACIDOSE - AUMENTO
DOS ÍONS BICARBONATO NO LIQUIDO
EXTRACELULAR
Uma vez descritos os mecanismos pelos quais os túbulos
renais secretam íons hidrogênio e reabsorvem íons bicarbonato,
podemos explicar a maneira pela qual os rins reajustam o pH
dos líquidos extracelu lares quando ele se torna anormal.
Em primeiro lugar, vamos considerar a acidose. Consultando
novamente a equação LI', isto é, a equação de Henderson-Has-
selbalch, verificamos que, na acidose, a proporção entre dióxido
de carbono e íons bicarbonato no líquido extracelular aumenta.
Por conseguinte, a intensidade da secreção dos íons hidrogênio
eleva-se até um nível superior à filtração dos íons bicarbonato
nos túbulos. Em conseqüência, ocorre secreção de excesso de
íons hidrogênio nos túbulos, enquanto quantidades diminuídas
de bicarbonato penetram no filtrado glomerular, de modo que,
nesse estágio, existe um número muito pequeno de íons bicarbo-
nato para reagir com os íons hidrogênio. Esses íons hidrogênio
em excesso combinam-se com os tampões existentes no líquido
tubular, como será explicado nos parágrafos
subseqüentes, sendo
então excretados na urina.
A Fig. 30.4 mostra que, toda vez que um íon hidrogênio
é secretado nos túbulos, ocorrem simultaneamente dois outros
efeitos: em primeiro lugar, forma-se um íon bicarbonato na célula
epitelial tubular; e, em segundo lugar, ocorre absorção de um
íon sódio do túbulo para a célula epitelial. O íon sódio e o
íon bicarbonato são então transportados juntos da célula epitelial
para o líquido extracelular.
Por conseguinte, o efeito final da secreção de excesso de
íons hidrogênio nos túbulos consiste em aumentar a quantidade
de íons bicarbonato no líquido extracelular. Esse processo au-
menta o teor de bicarbonato do sistema tampão bicarbonato,
o que, de acordo com a equação de Henderson-Hasselbalch e
com o princípio isoídrico, desvia todos os tampões na direção
alcalina, aumentando o pH e, dessa maneira, corrigindo a aci-
dose.
CORREÇÃO RENAL DA ALCALOSE —
DIMINUIÇÃO DOS ÍONS BICARBONATO NO
LÍQUIDO EXTRACELULAR
Na alcalose, a proporção entre os íons bicarbonato e as
moléculas de dióxido de carbono dissolvido aumenta. O efeito
desse aumento sobre o processo de titulação nos túbulos consiste
em aumentar a proporção entre os íons bicarbonato filtrados
nos túbulos e os íons hidrogênio secretados. Esse aumento ocorre
porque a elevada concentração extracelular de íons bicarbonato
aumenta os íons bicarbonato filtrados no filtrado glomerular,
enquanto, ao mesmo tempo, a baixa concentração de dióxido
de carbono no líquido extracelular diminui a secreção de íons
293
hidrogênio. Por conseguinte, o delicado equilíbrio que
normalmente existe nos túbulos entre os íons hidrogênio e
bicarbonato deixa de ocorrer. Com efeito, penetram nos túbulos
quantidades muito maiores de íons bicarbonato do que de íons
hidrogênio. Como quase nenhum íon bicarbonato pode ser
reabsorvido sem antes reagir com os íons hidrogênio, todo o
excesso de íons bicarbonato passa para a urina, transportando
com ele os íons sódio ou outros íons positivos. Assim, o
bicarbonato de sódio é removido do líquido extracelular.
A perda de bicarbonato de sódio do líquido extracelular
diminui a porção de íons bicarbonato do sistema tampão bicarbo-
nato; de acordo com a equação de Henderson-Hasselbalch, esse
processo desvia o pH dos líquidos corporais novamente na direção
ácida. Além disso, devido ao princípio isoídrico, todos os demais
tampões do organismo também são desviados na direção ácida.
Dessa maneira, a alcalose é corrigida.
COMBINAÇÃO DO EXCESSO DOS ÍONS
HIDROGÊNIO COM TAMPÕES TUBULARES E
TRANSPORTE NA URINA
Quando o excesso de íons hidrogênio é secretado nos túbu-
los, apenas pequena parte desses íons pode ser transportada na
forma livre pelo líquido tubular para a urina. A razão disso
é que a concentração máxima de íons hidrogênio que pode ocorrer
no sistema tubular é de 10-4,5 molar, o que corresponde ao pH
de 4,5. Na presença de fluxo urinário diário normal, apenas
1% da excreção diária do excesso de íons hidrogênio pode ser
transportado na urina nessa concentração.
Por conseguinte, para transportar o excesso de íons
hidrogênio na urina, esses íons devem fazê-lo de alguma outra
forma que não seja a de íons livres. Esse transporte é efetuado
pela combinação inicial dos íons hidrogênio com tampões
intratubulares e, a seguir, pelo seu transporte sob essa forma.
Os líquidos tubulares possuem dois sistemas tampões muito
importantes que transportam o excesso de íons hidrogênio para
a urina: (1) o tampão fosfato e (2) o tampão amônia. Além
disso, existem vários sistemas tampões fracos, como o urato e
o citrato, que têm importância muito menor.
Transporte do excesso de íon hidrogênio na urina pelo tampão
fosfato. O tampão fosfato é constituído por mistura de HPO4 e
H2PO4. Ambos estão muito concentrados no líquido tubular,
devido à sua reabsorção relativamente pequena e à remoção
de água do líquido tubular. Por conseguinte, apesar de o tampão
fosfato ser muito fraco no sangue, trata-se de um tampão muito
mais potente no líquido tubular.
Outro fator que aumenta a importância do tampão fosfato
nos líquidos tubulares durante a acidose é o pK desse tampão,
que é de 6,8. Quando são secretados íons hidrogênio em excesso,
o líquido tubular começa normalmente com pH próximo a 7,4
na parte inicial dos túbulos proximais, que, a seguir, cai para
cerca de 6,0 nos túbulos distais e dutos coletores. Por conseguinte,
nesses túbulos, o tampão fosfato funciona em sua faixa mais
eficaz, muito perto de seu valor de pK, conforme explicado antes
neste capítulo.
A Fig. 30.6 ilustra a maneira pela qual os íons hidrogênio
são removidos do líquido tubular pelo sistema tampão fosfato,
bem como isso funciona no processo total de controle ácido-básico
renal. Observe que, para cada íon hidrogênio ligado pelo tampão
fosfato, é formado um novo íon bicarbonato pela célula epitelial
e transportado no sangue. Isso contribui ainda mais para a
correção da acidose quando são secretados íons hidrogênio em
excesso.
Transporte do excesso de íons hidrogênio na urina pelo siste-
ma tampão amônia. Outro sistema tampão do líquido tubular
ainda mais importante e mais complexo para os íons hidrogênio
é composto por amônia (NH3) e íon amônio (NH4). As células
Fig. 30.6 Reações químicas nos túbulos envolvendo os íons hidrogênio,
os íons sódio e o sistema tampão fosfato.
epiteliais de todos os túbulos, à exceção das encontradas no
segmento delgado da alça de Henle, sintetizam amônia
continuamente, a qual se difunde para o interior dos túbulos. A
seguir, a amônia reage com íons hidrogênio, como é ilustrado
na Fig. 30.7, formando íons amônio. Estes últimos são, então,
excretados na urina em combinação com íons cloreto e outros
ânions tubulares. Observe, na figura, que o efeito final dessas
reações consiste, mais uma vez, em aumentar a concentração de
bicarbonato no líquido extracelular.
Esse mecanismo do íon amônio para o transporte do excesso
de íons hidrogênio nos túbulos é especialmente importante por
duas razões: (1) Toda vez que uma molécula de amônia (NH3)
se combina com um íon hidrogênio para formar um íon amônio
(NHJ), a concentração de amônia no líquido tubular diminui,
o que provoca maior difusão de amônia das células epiteliais
para o líquido tubular. Por conseguinte, a velocidade da secreção
de amônia no líquido tubular é realmente controlada pela
quantidade de íons hidrogênio em excesso a serem
transportados. (2) A maior parte dos íons negativos do líquido
tubular consiste em íons cloreto. Apenas alguns íons hidrogênio
poderiam ser transportados na urina em combinação direta
com o cloreto, visto que o ácido clorídrico é um ácido muito
forte e considerando-se o fato de que o pH tubular cairia
rapidamente além do valor crítico de 4,5, abaixo do qual cessa a
secreção adicional dos íons hidrogênio. Todavia, quando os íons
hidrogênio se combinam com amônia e os íons amônios
resultantes se combinam
Fig. 30.7 Secreção de amônia pelas células epiteliais tubulares e reação
da amônia com íons hidrogênio nos túbulos.
294
a seguir com cloreto, o pH não cai de modo significativo, visto
que o cloreto de amônio é apenas muito fracamente ácido.
Sessenta por cento da amônia secretada pelo epitélio tubular
derivam da glutamina, enquanto os 40% restantes provêm de
outros aminoácidos ou aminas.
Intensificação do sistema tampão de amônia na acidose
crônica. Se os líquidos celulares permanecerem fortemente
ácidos por longo período de tempo, a formação de amônia irá
aumentar de modo uniforme nos primeiros 2 a 3 dias, atingindo
um nível 10 vezes maior do que o normal. Por exemplo, logo
após o
início da acidose, a secreção diária de amônia é de apenas
30 milimoles, mas, depois de vários dias, podem ser secretados
até 300 a 450 milimoles, ilustrando o fato de que o mecanismo
secretor de amônia pode adaptar-se facilmente para mobilizar
cargas muito aumentadas de eliminação de ácidos. A principal
causa da formação crescente de amônia é que a acidose local das
células tubulares induz a produção de grandes quantidades da
enzima glutaminase, a responsável pela liberação da amônia
a partir da glutamina.
RAPIDEZ DA REGULAÇÃO ÁCIDO-BASICA
PELOS RINS
O mecanismo renal para a regulação do equilíbrio ácido-
básico é incapaz de reajustar o pH dentro de segundos, como
o fazem os sistemas tampões do líquido extracelular, nem dentro
de minutos, como ocorre com o mecanismo respiratório compen-
sador; entretanto, difere desses dois outros mecanismos por sua
capacidade de continuar funcionando durante horas ou dias até
trazer o pH quase exatamente a seu valor normal. Em outras
palavras, sua capacidade final de regular o pH dos líquidos corpo-
rais, apesar de ser de ação lenta, é infinitamente mais potente
que a dos outros dois mecanismos reguladores. Os parágrafos
que se seguem explicarão a importância quantitativa dos rins
na regulação da concentração de íons hidrogênio.
A Fig. 30.8 ilustra o efeito do pH do líquido extracelular
sobre a velocidade de perda ou de ganho de íons bicarbonato
dos líquidos extracelulares a cada minuto. Por exemplo, com
pH de 7,0, cerca de 2,3 mmol de íons bicarbonato são ganhos
a cada minuto; todavia, à medida que o pH retorna a seu valor
normal de 7,4, a velocidade desse ganho cai para 0. A seguir,
quando o pH aumenta significativamente acima de 7,4, os líquidos
extracelulares perdem íons bicarbonato. Por exemplo, em pH
de 7,6, cerca de 1,5 mmol de íons bicarbonato é perdido por
minuto.
A quantidade total de tampões em todo o organismo (dentro
da faixa de pH de 7,0 a 7,8) é de cerca de 1.000 mmol. Se
todos eles pudessem ser subitamente desviados para o lado básico
ou ácido por meio de injeção de base ou de ácido, os rins seriam
capazes de trazer o pH dos líquidos corporais quase de volta
a seu valor normal dentro de 1 a 3 dias. Entretanto, o aspecto
mais importante é que esse mecanismo continua atuando até
que o pH retorne quase que exatamente ao valor norma], e
não até certa percentagem dessa normalidade. Por conseguinte,
o verdadeiro valor do mecanismo renal na regulação da
concentração de íons hidrogênio não é a rapidez de sua ação,
porém sua capacidade de neutralizar por completo qualquer
excesso de ácido ou de álcali que penetre nos líquidos
corporais, a não ser quando o excesso persiste.
Em geral, os rins podem remover até 500 mmol de ácido
ou de base por dia. Quando quantidades maiores penetram nos
líquidos corporais, os rins tornam-se incapazes de lidar com essa
carga adicional, e ocorre desenvolvimento de acidose ou de alca-
lose grave.
Faixa do pH urinário. No processo de ajuste da concentração
de íons hidrogênio do líquido extracelular, os rins quase sempre
excretam urina com pH baixo, da ordem de 4,5, ou elevado,
da ordem de 8,0. Quando está havendo excreção de ácido, o
pH urinário cai; quando ocorre excreção de álcali, o pH aumenta.
Mesmo quando o pH dos líquidos extracelulares está situado
no valor normal de 7,4, ainda ocorre perda de fração de 1 mmol
de ácido por minuto. A razão disso é que o organismo forma
diariamente cerca de 50 a 80 mmol a mais de ácido do que
de álcali, devendo esse ácido ser continuamente removido. Devi-
do à presença desse excesso de ácido na urina, o pH urinário
normal é, em média, de cerca de 6,0 em lugar de 7,4, que é
o pH sanguíneo.
REGULAÇÃO RENAL DA CONCENTRAÇÃO
PLASMÃTICA DE CLORETO - RELAÇÃO ENTRE
CLORETO E BICARBONATO
Nas discussões precedentes, demos ênfase à capacidade dos
rins de conservar o íon bicarbonato nos líquidos extracelulares
sempre que houvesse desenvolvimento de um estado de acidose
ou de remover os íons bicarbonato na presença de alcalose. As-
sim, o íon bicarbonato move-se de um lado para outro entre
valores elevados e baixos como um dos principais meios de ajuste
do equilíbrio ácido-básico dos sistemas tampões extracelulares,
ajustando também o pH do líquido extracelular.
Todavia, no processo de equilibração da concentração de
íon bicarbonato dos líquidos extracelulares, é essencial remover
algum outro ânion do líquido extracelular toda vez que o bicarbo-
nato aumentar, ou aumentar algum outro ânion toda vez que
a concentração de bicarbonato diminuir. Em geral, o ânion que
varia reciprocamente para cima ou para baixo com o íon
bicarbonato é o cloreto, por ser o ânion encontrado em maior
concentração no líquido extracelular.
ANORMALIDADES CLÍNICAS DO EQUILÍBRIO
ÁCIDO-BÁSICO
Acidose e alcalose respiratórias
Com base nas descrições efetuadas neste capítulo, é óbvio que
qualquer fator passível de reduzir a ventilação pulmonar irá aumentar
a concentração de dióxido de carbono dissolvido no liquido extracelular.
Esse aumento, por sua vez, determina aumento de ácido carbônico e
de íons hidrogênio, com conseqüente desenvolvimento de acidose. Como
essa forma de acidose é causada por anormalidade de respiração, é
denominada acidose respiratória.
Por outro lado, a ventilação pulmonar excessiva inverte o processo
e diminui a concentração de íons hidrogênio, resultando em alcalose;
essa condição é denominada alcalose respiratória.
Uma pessoa pode provocar em si mesma acidose respiratória sim-
Fig. 30.8 Efeito do pH do líquido extracelular sobre a velocidade de
perda ou ganho de íons bicarbonato dos líquidos corporais a cada minuto.
295
plesmente ao prender sua respiração, o que pode fazer até que o pH
dos líquidos corporais caia para um valor tão baixo quanto 7,0. Por
outro lado, pode voluntariamente hiperventilar-se e causar alcalose até
um pH de cerca de 7,9.
A acidose respiratória quase sempre resulta de condições patológicas.
Por exemplo, a lesão do centro respiratório no bulbo que reduz a respira-
ção, a obstrução das vias aéreas no aparelho respiratório, a pneumonia,
a diminuição da área de superfície da membrana pulmonar e qualquer
outro fator capaz de interferir na troca de gases entre o sangue e o
ar alveolar podem resultar no desenvolvimento de acidose respiratória.
Por outro lado, só raramente é que condições patológicas causam
alcalose respiratória. Todavia, em certas ocasiões, a psiconeurose pode
causar hiperventilação a ponto de o indivíduo se tornar alcalótico. Além
disso, ocorre um tipo fisiológico de alcalose respiratória quando a pessoa
sobe a grandes altitudes. O baixo teor de oxigênio do ar estimula a
respiração, causando perda excessiva de dióxido de carbono e resultando
no desenvolvimento de alcalose respiratória leve.
ACIDOSE E ALCALOSE METABÓLICAS
Os termos acidose metabólica e alcalose metabólica referem-se a
todas as outras anormalidades do equilíbrio ácido-básico, à exceção da
causada por excesso ou insuficiência de dióxido de carbono nos líquidos
corporais. O uso do termo "metabólica" é inadequado neste caso, visto
que o dióxido de carbono também é um produto metabólico. Contudo,
por convenção, o ácido carbônico proveniente do dióxido de carbono
dissolvido é denominado ácido respiratório, enquanto qualquer outro
ácido no organismo, seja ele formado pelo metabolismo ou simplesmente
ingerido pelo indivíduo, é denominado ácido metabólico ou ácido fixo.
Causas da acidose metabólica
A acidose metabólica pode resultar (1) da incapacidade dos rins
de excretarem os ácidos metabólicos normalmente formados no orga-
nismo, (2) da formação de quantidades excessivas de ácidos metabólico
no organismo, (3) da administração venosa de ácidos metabólicos, ou
(4) do acréscimo de ácidos metabólicos por absorção do
tubo gastrin-
testinal. A acidose metabólica também pode resultar (5) da perda de
base dos líquidos corporais. Algumas das condições específicas que cau-
sam acidose metabólica são consideradas a seguir.
Diarréia. A diarréia grave é uma das causas mais freqüentes de
acidose metabólica pelas seguintes razões: as secreções gastrintestinais
contêm normalmente grandes quantidades de bicarbonato de sódio. Por
conseguinte, a perda excessiva dessas secreções durante o episódio de
diarréia equivale exatamente à excreção de grandes quantidades de bicar-
bonato de sódio pela urina. De acordo com a equação de Henderson-
Hasselbalch, isso provoca desvio do sistema tampão do bicarbonato em
direção ao ácido, resultando em acidose metabólica. De fato, a acidose
ocasionada pela diarréia grave pode ser tão intensa a ponto de consti-
tuir-se numa das causas mais comuns de morte em crianças de pouca
idade.
Vômito. O vômito é uma segunda causa de acidose metabólica.
O vômito do conteúdo gástrico apenas, que ocorre algumas vezes,
obviamente determina perda de ácido, visto que as secreções do
estômago são altamente ácidas e resultariam em alcalose. Todavia, o
vômito do conteúdo proveniente das porções mais distais do tubo
gastrintestinal, que quase sempre ocorre em quantidades muito maiores
do que a perda do conteúdo gástrico, provoca perda de álcalis,
resultando em acidose metabólica.
Uremia. Um terceiro tipo comum de acidose é a acidose urémica
que ocorre na doença renal grave. A causa desse tipo de acidose consiste
na incapacidade dos rins de depurar o organismo das quantidades normais
de ácidos formados diariamente pelos processos metabólicos.
Diabetes melito. Uma quarta causa extremamente importante de
acidose metabólica é o diabetes melito. Nessa condição, a ausência de
secreção de insulina pelo pâncreas impede o uso normal da glicose no
metabolismo. Dessa maneira, algumas gorduras são degradadas em ácido
acetoacético, que, por sua vez, é metabolizado pelos tecidos para produzir
energia em lugar da glicose. Simultaneamente, a concentração de ácido
acetoacético nos líquidos extracelulares quase sempre aumenta e atinge
valores muito elevados, causando acidose muito grave. Além disso, gran-
des quantidades de ácido acetoacético são excretadas na urina, atingindo
por vezes 500 a 1.000 mmol por dia.
Causas da alcalose metabólica
A alcalose metabólica não ocorre com a mesma freqüência
que". a acidose metabólica. Entretanto, existem várias causas comuns de
alcalose metabólica.
Alcalose causada pela administração de diuréticos là exceção
dos inibidores da anidrase carbônica. Todos os diuréticos produzem
aumento do fluxo de líquidos ao longo dos túbulos; em geral, esse
aumento resulta no fluxo de grande excesso de sódio pelos túbulos
distais e coletores, resultando também em rápida reabsorção de íons
sódio a partir desses túbulos. Essa reabsorção rápida está associada à
secreção aumentada de íons hidrogênio, devido aos mecanismos de
troca de Na+-H+ nas membranas luminais das células tubulares que ligam
a secreção de hidrogênio à absorção de sódio, levando à perda excessiva
de íons hidrogênio do organismo, com conseqüente alcalose do líquido
extracelular.
Ingestão excessiva de substâncias alcalinas. Talvez a segunda
causa mais comum de alcalose seja a ingestão excessiva de medicamentos
alcalinos, como o bicarbonato de sódio, no tratamento da gastrite ou
da úlcera péptica.
Alcalose causada pela perda de íons cloreto. O vômito
excessivo do conteúdo gástrico sem vômito do conteúdo gastrintestinal
inferior provoca perda excessiva de ácido clorídrico secretado pela
mucosa gástrica. O resultado final consiste na perda de ácido do líquido
extracelular, com desenvolvimento de alcalose metabólica. Esse tipo de
alcalose é observado em recém-nascidos com obstrução pilórica causada
por enorme hipertrofia do músculo do esfíncter pilórico.
Alcalose causada pelo excesso de aldosterona. Quando as
glândulas supra-renais secretam quantidades excessivas de aldosterona,
o líquido extracelular torna-se ligeiramente alcalótico. Isso decorre do
seguinte processo: a aldosterona promove a reabsorção intensa de
íons sódio dos segmentos distais do sistema tubular, acompanhada pela
secreção aumentada de íons hidrogênio, o que promove o
desenvolvimento de alcalose.
EFEITOS DA ACIDOSE E DA ALCALOSE SOBRE O
ORGANISMO
Acidose. O principal efeito clínico da acidose é a depressão do sistema
nervoso centrai Quando o pH do sangue cai abaixo de 7,0, o sistema
nervoso fica deprimido, a ponto de a pessoa ficar inicialmente desorien-
tada, entrando posteriormente em estado de coma. Por conseguinte,
os pacientes que falecem de acidose diabética, acidose urêmica ou outros
tipos de acidose morrem geralmente em estado de coma.
Na acidose metabólica, a concentração elevada de íons hidrogênio
provoca aumento da frequência e da profundidade da respiração. Por
conseguinte, um dos sinais diagnósticos da acidose metabólica é o aumento
da ventilação pulmonar. Por outro lado, na acidose respiratória, a
causa da acidose é a respiração deprimida que tem efeito oposto ao
da acidose metabólica.
Alcalose. O principal efeito clínico da alcalose é a hiperexcitabilidade
do sistema nervoso. Isso ocorre tanto no sistema nervoso central quanto
nos nervos periféricos; todavia, em geral, os nervos periféricos são
afetados antes do sistema nervoso central. Algumas vezes, os nervos
ficam tão excitáveis que disparam de modo automático e repetitivo,
mesmo não sendo excitados por estímulos normais. Em conseqüência, os
músculos entram em estado de tetania, o que significa estado de
espasmo tónico. Em geral, essa tetania aparece inicialmente nos
músculos do antebraço; a seguir, propaga-se para os músculos da face e,
por fim, estende-se por todo o corpo. Os pacientes extremamente
alcalóticos podem morrer por tetania dos músculos respiratórios.
Em certas ocasiões, a pessoa alcalótica desenvolve sintomas graves
de hiperexcitabilidade do sistema nervoso central. Os sintomas podem
manifestar-se na forma de nervosismo extremo ou, em pessoas suscetí-
veis, em forma de convulsões. Por exemplo, em pessoas com predispo-
sição a ataques epilépticos, uma simples hiperventilação resulta quase
sempre em crise. Na verdade, este é um dos métodos clínicos de avaliação
do grau de predisposição epiléptica.
COMPENSAÇÃO RESPIRATÓRIA DA ACIDOSE OU DA
ALCALOSE METABÓLICA
Anteriormente, assinalamos que a elevada concentração de íons
hidrogênio na acidose metabólica provoca aumento da ventilação pulmo-
296
nar, o que, por sua vez, resulta na rápida remoção de dióxido de carbono
nos líquidos corporais, com redução da concentração de íons hidrogênio
até seu valor normal. Por conseguinte, esse efeito respiratório ajuda
a compensar a acidose metabólica. Todavia, essa compensação é apenas
parcial. Em geral, o sistema respiratório tem capacidade de compensar
entre 50 e 75%. Isto é, se o fator metabólico fizer cair o pH do sangue
para 7,0 com ventilação pulmonar normal, a freqüência de ventilação
pulmonar normalmente aumenta o suficiente para fazer retornar o pH
sanguíneo a 7,2 a 7,3, conforme assinalado antes neste capítulo.
Observa-se o efeito oposto na alcalose metabólica. Isto é, a alcalose
diminui a ventilação pulmonar, o que, por sua vez, aumenta a
concentração de íons hidrogênio até seu valor normal. Nesse caso
também pode ocorrer compensação de cerca de 50 a 75%.
COMPENSAÇÃO RENAL DA ACIDOSE OU DA ALCALOSE
RESPIRATÓRIA
Se uma pessoa desenvolver acidose respiratória persistente por um
longo período de tempo, os rins irão secretar excesso de íons hidrogênio,
resultando em aumento do bicarbonato de sódio nos líquidos
extracelulares. Depois de 1 a 6 dias, o pH dos líquidos corporais terá
retornado a cerca de 65 a 75% de seu valor normal, mesmo que a
pessoa continue a respirar inadequadamente.
Observa-se um efeito exatamente oposto na alcalose
respiratória.
Ocorre perda de grandes quantidades de bicarbonato de sódio na urina,
diminuindo o íon bicarbonato extracelular, fazendo com que o pH dimi-
nua até quase atingir seu valor normal.
FISIOLOGIA NO TRATAMENTO DA ACIDOSE OU
ALCALOSE
Obviamente, o melhor tratamento para a acidose ou alcalose consiste
em remover a condição responsável pela anormalidade; todavia, se isto
não for possível, podem-se utilizar diferentes medicamentos para neutra-
lizar o excesso de ácido ou de álcali.
Para neutralizar o excesso de ácido, podem-se ingerir grandes quanti-
dades de bicarbonato de sódio por via oral. O bicarbonato de sódio
é absorvido para a corrente sanguínea e aumenta a porção de íons
bicarbonato do tampão bicarbonato, desviando, assim, o pH para o lado
alcalino. Em certas ocasiões, o bicarbonato de sódio também é utilizado
como terapia venosa; todavia, seu efeito fisiológico é muito acentuado e
quase sempre perigoso, de modo que outras substâncias são quase
sempre utilizadas em seu lugar, como o lactato de sódio ou o gliconato de
sódio. As porções lactato e gliconato das moléculas são metabolizadas no
organismo, deixando o sódio nos líquidos extracelulares sob a forma de
bicarbonato de sódio, desviando, assim, o pH dos líquidos na direção
alcalina.
Para o tratamento da alcalose, administra-se quase sempre cloreto
de amônio por via oral. Quando absorvido pelo sangue, a porção amônia
do cloreto de amônio é convertida pelo fígado em uréia; essa reação
libera ácido clorídrico que reage imediatamente com os tampões dos
líquidos corporais, desviando a concentração de íons hidrogênio para
o lado ácido. Em certas ocasiões, o cloreto de amônio é infundido por
via venosa; todavia, o íon amônio é altamente tóxico, de modo que
esse procedimento pode ser perigoso. Outra substância algumas vezes
utilizada é o monocloridrato de Usina.
DETERMINAÇÕES E ANÁLISES CLÍNICAS DAS
ANORMALIDADES DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO
Medida do pH. Ao avaliar um paciente com acidose ou alcalose,
é conveniente conhecer o pH dos líquidos corporais. Essa determinação
pode ser facilmente feita pela medida do pH do plasma com medidor
de pH com eletródio de vidro. Todavia, é preciso ter muita cautela
na retirada do plasma e na determinação, visto que até mesmo a menor
difusão do dióxido de carbono do plasma para o ar desvia o sistema
tampão bicarbonato na direção alcalina, resultando em valor muito
elevado do pH.
Diagrama pH-bicarbonato. O denominado diagrama pH-
bicarbonato, ilustrado na Fig. 30.9, pode ser utilizado para
determinar o tipo e a gravidade da acidose ou da alcalose. Seu uso
pode ser explicado como se segue.
Fig. 30.9 O diagrama do pH-bicarbonato para a determinação dos graus
relativos de acidose ou alcalose metabólica e respiratória num paciente.
(Modificado de Davenport: The ABC of Acid-Base Chemistry. Chicago,
The University of Chicago Press. Copyright 1947, 1949, 1950, 1958,
1969, 1974 by The University of Chicago. Todos os direitos reservados.
As curvas mais verticais do diagrama apresentam diferentes concen-
trações de dióxido de carbono. A concentração normal de dióxido de
carbono de 1,2 mmol/l é indicada pela linha colorida (equivalente a
Pco2 de 40 mm Hg). Os pontos ao longo dessa linha representam as
possíveis combinações da concentração do bicarbonato e do pH que
podem existir nos líquidos corporais quando a concentração de dióxido
de carbono é normal.
As linhas mais horizontais apresentam as concentrações dos ácidos
ou das bases metabólicas em excesso nos líquidos corporais. A linha
colorida, indicada pelo número zero, mostra o equilíbrio entre ambos.
Isto é, os pontos ao longo dessa linha representam as possíveis combi-
nações entre a concentração de bicarbonato e o pH passíveis de ocorrer
enquanto os ácidos e as bases metabólicas dos líquidos corporais estive-
rem normais. As duas linhas horizontais superiores indicam, respectiva-
mente, acréscimos de 5 a 10 mmol/l de base metabólica adicional aos
líquidos corporais, enquanto as duas linhas horizontais inferiores indicam
acréscimos de 5 a 10 mmol/l de ácido metabólico.
Para utilizar esse diagrama, determinamos simplesmente o pH do
sangue e a concentração do bicarbonato; a seguir, registra-se o ponto
apropriado no diagrama. Por exemplo, se o pH tiver o valor normal
de 7,4, e a concentração de bicarbonato, o valor normal de 25 mmol/l,
registramos o ponto A, que representa a condição normal.
Utilizando dados obtidos de outro paciente, estabelecemos um novo
ponto de pH de 7,63, bem como uma concentração de bicarbonato de
28 mmol/l. Este é o ponto B no diagrama, que representa concentração
de dióxido de carbono de 0,8 mmol/l e 7 mM/1 de base metabólica
adicional. Por conseguinte, essa pessoa apresenta alcalose metabólica,
devido ao considerável excesso de base metabólica nos líquidos corporais;
todavia, também apresenta alcalose respiratória, devido à hiperventilação
que faz com que a concentração de dióxido de carbono seja considera-
velmente inferior ao normal.
De forma semelhante, com base nos dados de outros pacientes,
estabelecemos os pontos C, D e E. O ponto C representa 6 mmol/l
de acidose metabólica e alcalose respiratória suficiente para reduzir a
concentração de dióxido de carbono para 0,7 mmol/l. Uma pessoa com
resultado deste tipo pode ter alcalose respiratória que foi parcialmente
compensada pela acidose metabólica produzida pelos rins.
O ponto D representa acidose metabólica leve, 2 mmol/l, combinada
com acidose respiratória grave. Uma pessoa pode chegar a esse estado
com acidose respiratória primária grave e acidose metabólica leve resul-
tante de alguma outra causa.
O ponto E representa acidose respiratória leve e alcalose metabólica
grave. Presume-se que, nesse caso, a alcalose metabólica tenha sido
primária, tendo a compensação respiratória causado acidose respiratória
leve na tentativa de compensar a alcalose metabólica.
Em resumo, ao utilizar o diagrama de pH-bicarbonato, podemos
297
determinar ao mesmo tempo o grau de acidose ou alcalose
metabólica e o grau de acidose ou alcalose respiratória no
paciente.
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298
CAPÍTULO 31
Doença Renal, Diurese e Micção
DOENÇA RENAL
A doença renal pode ser classificada em cinco categorias fisiológicas
diferentes: (1) insuficiência renal aguda, em que os rins cessam de funcio-
nar por completo ou quase totalmente, (2) insuficiência renal crônica,
quando ocorre destruição progressiva dos néfrons até chegar ao estágio
em que os rins simplesmente se tornam incapazes de desempenhar todas
as funções necessárias, (3) doença renal hipertensiva, em que as lesões
vasculares ou glomerulares provocam hipertensão, mas não insuficiência
renal, (4) síndrome nefrótica, em que os glomérulos se tornam mais
permeáveis do que o normal, com a conseqüente perda de grandes quanti-
dades de proteínas pela urina, e (5) anormalidades tubulares específicas,
que resultam em reabsorção anormal ou falta de reabsorção de certas
substâncias pelos túbulos.
INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA
Quase toda condição capaz de interferir seriamente na função renal
pode causar insuficiência renal aguda. Duas das causas mais comuns
são (l) a glomerulonefrite aguda e (2) a lesão e obstrução agudas dos
túbulos.
Insuficiência renal causada por glomerulonefrite aguda. A
glomerulonefrite aguda é uma doença causada por reação imune
anormal. Em cerca de 95% dos pacientes, surge dentro de 1 a 3 semanas
após uma infecção em outra parte do organismo, causada por certos tipos
de estreptococos beta do grupo A. A infecção pode ser uma faringite
estrepto-cócica, uma amigdalite estreptocócica ou até mesmo uma
infecção estreptocócica da pele. Não é a infecção em si que provoca a
lesão dos rins. Com efeito, à medida que surgem anticorpos contra o
antígeno estreptocócico dentro de poucas semanas após o início da
infecção, acredita-se que os anticorpos e o antígeno reajam entre si para
formar um complexo imune insolúvel que fica retido no glomérulo,
sobretudo na membrana basal do glomérulo. Uma vez depositado o
complexo imune nos glomérulos, todas as células glomerulares
começam a proliferar, porém principalmente as células epiteliais e as
células mesangiais situadas entre o endotélio e o epitélio. Além disso,
grande número de leucócitos fica retido nos glomérulos. Muitos dos
glomérulos são totalmente bloqueados por essa reação inflamatória, e os
que não estão bloqueados costumam ficar excessivamente permeáveis,
permitindo o extravasamento de proteínas e eritrócitos para o filtrado
glomerular. Em alguns dos casos mais graves, ocorre insuficiência renal
total ou quase total.
Em geral, a inflamação aguda dos glomérulos cede em 10 dias a
2 semanas, e, na maioria dos pacientes, os rins readquirem sua função
normal dentro de poucas semanas a alguns meses. Todavia, algumas
vezes, muitos dos glomérulos são destruídos de forma irreversível, e,
em pequena percentagem de pacientes, a deterioração renal progressiva
prossegue indefinidamente, de forma semelhante à descrita em seção
subseqüente no caso da glomerulonefrite crônica.
Necrose tubular como causa de insuficiência renal aguda.
Outra causa comum de insuficiência renal aguda é a necrose tubular,
que define a destruição das células epiteliais nos túbulos, conforme
ilustrado na Fig. 31.1.
As causas comuns de necrose tubular são (1) vários venenos que
destroem as células epiteliais tubulares e (2) a isquemia aguda grave dos
rins.
Venenos renais. Dentre as diferentes substâncias tóxicas renais desta-
cam-se o tetracloreto de carbono e os metais pesados, como o íon mercú-
rio. Essas substâncias possuem ação nefrotóxica específica sobre as célu-
las epiteliais tubulares, causando a morte de muitas delas. Em conse-
qüência, as células epiteliais destacam-se da membrana basal e causam
obstrução dos túbulos. Em alguns casos, a membrana basal também
é destruída; se não o for, novas células epiteliais tubulares podem geral-
mente crescer ao longo da superfície da membrana, de modo que o
túbulo é reparado dentro de 10 a 20 dias.
isquemia renal aguda grave. A isquemia grave do rim resulta prova-
velmente de choque circulatório grave. No choque, o coração simples-
mente não consegue bombear quantidades suficientes de sangue para
suprir a nutrição adequada das diferentes partes do organismo; o fluxo
sanguíneo renal, em particular, tende a ser vulnerável devido à constrição
simpática dos vasos renais ou devido à presença de substâncias
vasoconstritoras no sangue dos pacientes em estado de choque (Cap.
24).
Fig. 31.1 Lesão dos túbulos distais em conseqüência de choque.
(Modificado de MacLean: Acute Renal Failure. Springfield, III.,
Charles C Thomas.)
299
Por conseguinte, a falta de nutrição adequada quase sempre destrói
numerosas células epiteliais tubulares, com a conseqüente obstrução de
muitos néfrons.
Reação transfusional como causa de insuficiência renal aguda. A
ocorrência de reação transfusional grave resulta geralmente em hemólise
de grandes quantidades de eritrócitos, com liberação de hemoglobina
no plasma. O tamanho da molécula de hemoglobina é um pouco menor
que o dos poros existentes na membrana glomerular, de modo que grande
parte da hemoglobina atravessa essa membrana e penetra no filtrado
glomerular. Por conseguinte, após a ocorrência de reação transfusional,
a carga tubular de hemoglobina quase sempre é muito maior do que
a que pode ser reabsorvida pelos túbulos proximais. O excesso de
hemo-
globina fica concentrado a ponto de poder precipitar no interior do
néfron, causando bloqueio. Além disso, a hemólise dos eritrócitos tam-
bém libera provavelmente agentes vasoconstritores na corrente
sangüínea, e acredita-se que a vasoconstrição possa determinar
suprimento sanguíneo deficiente para os túbulos, atuando como causa
adicional de lesão tubular.
Efeitos fisiológicos da insuficiência renal aguda
Quando o grau de insuficiência renal aguda é moderado, o principal
efeito fisiológico consiste na retenção de sal e de água. A princípio,
os tecidos ficam edemaciados, mas o indivíduo apresenta poucos outros
sintomas. Todavia, em poucos dias, o paciente também desenvolve hiper-
tensão, geralmente com aumento de 30 a 40 mm Hg na pressão arterial;
em geral, isso prossegue até haver resolução da insuficiência renal aguda.
Nos casos mais graves, verifica-se o aparecimento de retenção urê-
mica de produtos de degradação, e, em pouco tempo, surge acidose.
Na insuficiência renal completa sem tratamento, o paciente morre dentro
de 8 a 14 dias. Outros efeitos da retenção renal serão discutidos na
seção seguinte.
INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA - DIMINUIÇÃO
DO NÚMERO DE NÉFRONS FUNCIONAIS
Em muitos tipos de doença renal, grande número de néfrons é
destruído ou lesado a ponto de os néfrons remanescentes não conse-
guirem desempenhar as funções normais do rim. Algumas das diferentes
causas desse processo incluem a glomerulonefrite crônica, a perda traumá-
tica de tecido renal, ausência congênita de tecido renal, doença policística
congênita (na qual se verifica o desenvolvimento de grandes cistos nos
rins que destroem os néfrons adjacentes por compressão), obstrução
das vias urinárias devido a cálculos renais, pielonefrite e doença da vascu-
latura renal.
Glomerulonefrite crônica. A glomerulonefrite crônica é causada
por qualquer uma das várias doenças que lesam principalmente os
glomérulos e quase sempre os túbulos. Em geral, a lesão glomerular
básica é muito semelhante à que ocorre na glomerulonefrite aguda.
Parece surgir com o acúmulo de complexos de antígeno-anticorpo
precipitados na membrana glomerular, embora só em poucos casos esse
processo seja decorrente de alguma infecção estreptocócica. O
resultado é a inflamação dos glomérulos. A membrana glomerular
sofre espessamento progressivo, sendo eventualmente invadida por
tecido fibroso. Nos últimos estágios da doença, o coeficiente de filtração
glomerular fica acentuadamente reduzido, devido ao menor número de
capilares filtrantes nos tufos glomerulares e devido ao espessamento das
membranas glomerulares. Nos estágios terminais da doença, muitos dos
glomérulos estão totalmente substituídos por tecido fibroso, de modo
que ocorre perda irreversível da função desses néfrons.
Pielonefrite. A pielonefrite é um processo infeccioso e inflamatório
que costuma ter início na pelve renal, estendendo-se progressivamente
para o parênquima renal. A infecção pode resultar de numerosos tipos
diferentes de bactérias, mas é causada principalmente por bacilos colôni-
cos que se originam da contaminação fecal das vias urinárias. A invasão
dos rins por essas bactérias resulta em destruição progressiva dos túbulos
renais, glomérulos e quaisquer outras estruturas no trajeto dos microrga-
nismos invasores. Conseqüentemente, verifica-se a perda de grandes
porções de tecido renal funcionante.
Um aspecto particularmente interessante da pielonefrite é que a
infecção invasora costuma afetar mais a medula do que o córtex renal.
Como uma das funções primárias da medula é proporcionar o mecanismo
de contracorrente para concentrar a urina, os pacientes portadores de
pielonefrite quase sempre apresentam função renal razoavelmente nor-
mal, à exceção de sua menor capacidade de concentrar a urina.
Destruição de néfrons por doença vascular renal —
nefrosclerose benigna. Muitos tipos diferentes de lesões vasculares
podem resultar em isquemia renal e morte do tecido renal; as mais
comuns incluem (1) aterosclerose das artérias renais mais calibrosas, com
constrição esclerótica progressiva dos vasos; (2) hiperplasia
fibromuscular de uma ou mais artérias de grande calibre, causando
também oclusão desses vasos calibrosos; e (3) nefrosclerose benigna, uma
afecção muito comum causada por lesões escleróticas das artérias de
menor calibre e arteríolas.
As lesões arterioscleróticas ou hiperplásicas das artérias mais calibro-
sas afetam quase sempre mais um rim do que o outro e, por conseguinte,
causam diminuição unilateral da função renal.
Acredita-se que a nefrosclerose benigna comece com o extravasa-
mento de plasma através da membrana íntima das artérias de pequeno
calibre e arteríolas. Isso determina o aparecimento de depósitos fibrinói-
des na média desses vasos, sendo o processo seguido pela invasão progres-
siva de tecido fibroso que eventualmente provoca constrição do vaso
— ocluindo-o por completo em muitos casos. Como não existe pratica-
mente circulação colateral entre as artérias renais de menor calibre,
a destruição de uma delas também determina a destruição de número
comparável de néfrons. Por conseguinte, grande parte do tecido renal
é substituída por pequenas áreas de tecido fibroso; os rins diminuem
acentuadamente de tamanho e desenvolvem progressivamente uma
superfície nodular. Esse processo é observado, pelo menos até certo
ponto, na maioria dos indivíduos de idade avançada, causando redução
progressiva do fluxo sanguíneo renal e da depuração plasmática renal.
A Fig. 31.2 ilustra a depuração de Diodrast pelos rins (medida do fluxo
plasmático renal, como a depuração de PAH) de indivíduos normais
sob os demais aspectos, em diferentes faixas etárias. Observe que, até
mesmo na pessoa "normal", o fluxo plasmática renal diminui, em
média, por cerca de 45% do normal por volta dos 80 anos de idade, com
redução concomitante da função excretora.
Função anormal do néfron na insuficiência renal crônica
Incapacidade dos rins com insuficiência de manter os constituintes
sanguíneos normais. Normalmente, apenas um terço do número normal
de néfrons é capaz de eliminar do organismo praticamente toda a "carga"
normal de produtos de degradação sem acúmulo significativo de qualquer
um deles nos líquidos corporais. Todavia, a ocorrência de maior redução
no número de néfrons resulta em retenção, em particular, dos produtos
de degradação que dependem de alta intensidade de filtração glomerular
para sua excreção. Os mais proeminentes desses produtos são a uréia
e a creatinina. Em geral, ocorre morte quando o número de néfrons
cai para menos de 5 a 20% do normal.
Função dos néfrons remanescentes na insuficiência renal — aumento
paradoxal do débito de volume urinário. Na insuficiência renal, os néfrons
que ainda funcionam costumam ficar extremamente sobrecarregados,
de diversas maneiras. Em primeiro lugar, por razões pouco compreen-
Fig. 31.2 Efeito do envelhecimento sobre a depuração de Diodrast pelos
rins. (Modificado de Wolstenholme et ai.: Ciba Foundation Colloquia
on Ageing. Boston, Little, Brown and Co.)
300
didas, o fluxo sanguíneo pelo glomérulo e a quantidade de filtrado glome-
rular que cada néfron forma quase sempre aumentam de 50 a 100%.
Em segundo lugar, grandes quantidades adicionais de substâncias a serem
excretadas, como uréia, fosfatos, sulfatos, ácido úrico e creatinina, acu-
mulam-se no líquido extracelular. Essas substâncias representam cargas
tubulares extremamente aumentadas que são pouco reabsorvidas, atin-
gido algumas vezes até 1.000% por néfron. Por conseguinte, apenas
pequena fração dos solutos tubulares é reabsorvida, e os solutos restantes
atuam como diurético osmótico, resultando no rápido escoamento do
líquido tubular pelos túbulos. Conseqüentemente, o volume de urina
formado em cada néfron pode aumentar e atingir 20 vezes o valor normal;
em certas ocasiões, a pessoa pode ter débito urinário total de duas a
três
vezes o valor normal, apesar da significativa insuficiência renal.
Essa situação paradoxal é ocasionada por aumento do débito de volume
urinário por néfron, maior que a redução do número de néfrons.
Isostenúria. Outro efeito do rápido fluxo de líquido pelos
túbulos é que os mecanismos normais de concentração e de diluição
dos rins deixam de funcionar adequadamente. Isso ocorre principalmente
devido ao fluxo demasiado rápido do líquido tubular pelos dutos
coletores, impedindo que ocorra absorção adequada de água. Por
conseguinte, à medida que ocorre destruição progressiva de mais
néfrons, a densidade da urina aproxima-se daquela do filtrado
glomerular, que é de cerca de 1,008. Esses efeitos estão ilustrados na
Fig. 31.3, que fornece os limites superiores e inferiores aproximados da
densidade urinária à medida que o número de néfrons diminui. Como o
mecanismo de concentração é mais afetado do que o mecanismo de
diluição, prova importante da função renal consiste em determinar até
que ponto os rins conseguem concentrar a urina quando a pessoa está
desidratada por 12 horas ou mais.
Efeitos da insuficiência renal sobre os líquidos corporais -
uremia
O efeito da insuficiência renal sobre os líquidos corporais depende,
em grande parte, da ingestão de água e de alimentos. Admitindo-se que
a pessoa continue a ingerir quantidades moderadas de água e de alimentos
após insuficiência renal completa, as mudanças da concentração de dife-
rentes substâncias no líquido extracelular são aproximadamente as indica-
das na Fig. 31.4. Os efeitos mais importantes incluem: (1) edema genera-
lizado, resultante da retenção de água e de sal; (2) acidose, devido
à incapacidade dos rins de remover os produtos ácidos normais do orga-
nismo; (3) concentrações elevadas de nitrogênio não-protéico, especial-
mente uréia, creatinina e ácido úrico, devido à incapacidade do organismo
de excretar os produtos metabólicos finais das proteínas; e (4) altas
concentrações de outros produtos de retenção urinária, incluindo fenóis,
bases de guanidina, sulfatos, fosfatos e potássio. Essa condição é conhe-
cida como uremia, devido às concentrações elevadas de uréia nos líquidos
corporais.
Retenção de água e edema. Se o tratamento para a restrição da
ingestão de água for iniciado imediatamente após a insuficiência renal
aguda, poderá não haver qualquer alteração do conteúdo total dos líqui-
dos corporais. Todavia, quando o paciente ingere água em resposta
Fig. 31.3 Desenvolvimento de isostenúria em pacientes com número
reduzido de néfrons ativos.
Fig. 31.4 Efeito da insuficiência renal sobre os constituintes do líquido
extracelular.
ao desejo normal, os líquidos corporais começam a aumentar imediata-
mente e com rapidez. Se, ao mesmo tempo, o paciente não ingerir
qualquer eletrólito, até metade da água pode penetrar nas células, e
não no líquido extracelular.
Acidose na insuficiência renal. Em condições normais, os processos
metabólicos do organismo produzem diariamente 50 a 80 mmol a mais
de ácido metabólico do que de substâncias alcalinas. Por conseguinte,
toda vez que os rins deixam de funcionar, o ácido começa a se acumular
nos líquidos corporais. Normalmente, os tampões dos líquidos podem
tamponar até um total de 500 a 1.000 mmol de ácido sem queda letal
do pH do líquido extracelular, e os compostos fosfatos existentes nos
ossos podem tamponar alguns milhares de milimoles adicionais; todavia,
essa capacidade de tamponamento é gradualmente utilizada, de modo
que o pH cai de maneira drástica. O paciente fica comatoso nesse estágio,
devido principalmente à acidose, conforme discutido adiante.
Aumento da uréia e de outros nitrogênios não-protéicos
(azotemia) na uremia. Os nitrogênios não-protéicos incluem a uréia, o
ácido úrico, a creatinina e alguns compostos menos importantes. Em
geral, trata-se dos produtos finais do metabolismo protéico, que devem
ser continuamente removidos do organismo, para assegurar o
metabolismo contínuo das proteínas nas células. As concentrações
desses produtos, em particular a da uréia, podem atingir até 10 vezes
o valor normal durante 1 a 2 semanas de insuficiência renal. Todavia,
mesmo esses elevados níveis não parecem afetar tanto a função
fisiológica quanto o fazem as altas concentrações de íons hidrogênio e
de algumas das outras substâncias menos evidentes, como as bases de
guanidina, muito tóxicas, íons amônio e outros. Contudo, uma das
maneiras mais importantes de se avaliar o grau de insuficiência renal
consiste em determinar as concentrações de uréia e creatinina.
Coma urêmico. Depois de 1 semana ou mais de insuficiência
renal, o sensório fica obnubilado, e o paciente logo evolui para o
estado de coma. Acredita-se que a acidose seja o principal fator
responsável pelo coma, visto que a acidose causada por outras
condições, como diabetes melito grave, também resulta em coma.
Todavia, muitas outras anormalidades também podem contribuir — o
edema generalizado, as elevadas concentrações de potássio e,
possivelmente, até mesmo as concentrações elevadas de nitrogênio não-
protéico. Em geral, a respiração é rápida e profunda no coma,
representando a tentativa respiratória de compensar a acidose
metabólica. Além disso, no último dia antes da morte, a pressão arterial
cai de modo progressivo e, a seguir, rapidamente nas últimas horas. Em
geral, a morte sobrevêm quando o pH do sangue cai para cerca de 6,8.
Anemia na insuficiência renal crônica. O paciente com
insuficiência renal crônica grave quase sempre desenvolve anemia grave.
A causa provável dessa anemia é a seguinte: em condições normais, os
rins secretam a substância eritropoetina que, por sua vez, estimula a
medula óssea a produzir eritrócitos. Obviamente, se os rins estiverem
gravemente lesados, serão incapazes de formar quantidades adequadas
de eritropoetina, do que resulta diminuição da produção de eritrócitos,
com conseqüente desenvolvimento de anemia. Todavia, outros
fatores, como as elevadas concentrações plasmáticas de uréia,
301
íons hidrogênio e outros produtos de degradação, também podem
desempenhar papéis importantes no desenvolvimento da anemia.
Osteomalacia na insuficiência renal. A insuficiência renal
prolongada também causa osteomalacia, condição em que os ossos são
parcialmente absorvidos e, por conseguinte, acentuadamente
enfraquecidos, conforme explicado em relação à fisiologia do osso no
Cap. 79. A causa mais importante dessa condição é a seguinte: a vitamina
D deve ser convertida por um processo em duas etapas — a primeira
no fígado e a segunda no rim — em 1,25-diidroxicolecalciferol antes que
seja capaz de promover a absorção de cálcio pelo intestino. Por
conseguinte, a lesão grave dos rins reduz acentuadamente a
disponibilidade de cálcio para os ossos.
Diálise de pacientes com rim artificial
Os rins artificiais têm sido utilizados por quase 40 anos para tratar
pacientes portadores de insuficiência renal grave. Em certos tipos de
insuficiência renal aguda, como a que ocorre após intoxicação por mercú-
rio ou após choque circulatório, o rim artificial é utilizado simplesmente
para manter o paciente por algumas semanas até haver resolução da
lesão renal, de modo que os rins possam reassumir sua função. Todavia,
na atualidade, o rim artificial foi desenvolvido a tal ponto que milhares
de pessoas com insuficiência renal permanente ou até mesmo submetidas
a remoção total dos rins vêm sendo mantidas com saúde por vários
anos, suas vidas dependendo totalmente do rim artificial.
O princípio básico do rim artificial consiste em fazer passar o sangue
por minúsculos canais sanguíneos envolvidos por uma delgada mem-
brana. No outro lado da membrana encontra-se um líquido dialisador
pelo qual as substâncias indesejáveis no sangue passam por difusão.
A Fig. 31.5 ilustra os componentes de um tipo de rim artificial
no qual o sangue flui continuamente entre duas membranas finas de
celofane; no
lado externo das membranas encontra-se o líquido dialisa-
dor. O celofane é poroso o suficiente para permitir que todos os consti-
tuintes do plasma, à exceção das proteínas plasmáticas, sofram difusão
em ambas as direções — do plasma para o líquido de diálise e deste
para o plasma. Se a concentração de uma substância for maior no plasma
do que no líquido de diálise, haverá transferência efetiva da substância
do plasma para o líquido de diálisa. A quantidade da substância que
é transferida depende (1) das características de permeabilidade da mem-
brana, bem como de sua área de superfície; (2) da diferença entre as
concentrações nos dois lados da membrana; (3) do tamanho molecular,
sendo a difusão das moléculas menores mais rápida que a das maiores;
e (4) do período de tempo em que o sangue e o líquido permanecem
em contato com a membrana.
Durante o funcionamento normal do rim artificial, o sangue flui
continuamente ou de modo intermitente para uma veia. A quantidade
total de sangue no rim artificial, a qualquer momento, costuma ser infe-
rior a 500 ml; a velocidade do fluxo pode ser de várias centenas de
mililitros por minuto, e a superfície difusora total costuma ser de 0,6
a 2,5 m;. Para evitar a coagulação do sangue no rim artificial, uma
pequena quantidade de heparina é infundida no sangue quando ele pene-
tra no "rim".
Líquido de diálise. O Quadro 31.1 compara os constituintes de líqui-
do dialisador típico com os do plasma normal e do plasma urêmico.
Observe que as concentrações dos íons e de outras substâncias no líquido
de diálise não são iguais às do plasma normal ou do plasma urêmico.
Com efeito, são ajustadas até os níveis necessários para permitir o movi-
mento apropriado de água e de cada soluto através da membrana durante
o período de diálise.
Observe também que não há fosfato, uréia, urato, sulfato ou creati-
nina no líquido de diálise, enquanto estão presentes em altas concen-
trações no sangue urêmico. Por conseguinte, quando o paciente urêmico
é submetido a diálise, essas substâncias são perdidas em grandes quanti
dades para o líquido de diálise, com a conseqüente remoção de grandes
proporções dessas substâncias do plasma.
Eficiência do rim artificial. A eficiência de um rim artificial é
expressa em termos da quantidade de plasma que pode ser depurada de
diferentes substâncias a cada minuto, o que, como foi visto no Cap. 27,
também constitui o principal meio de expressar a eficiência funcional dos
próprios rins. A maioria dos rins artificiais é capaz de depurar a uréia
de 100 a 225 ml de plasma por minuto, o que mostra que, pelo menos
no que diz respeito à excreção dessa substância, o rim artificial pode
funcionar com velocidade cerca de duas vezes maior que a dos dois rins
normais, cuja depuração da uréia é de apenas 70 ml/min.
Fig. 31.5 Princípios do rim artificial.
302
Quadro 31.1 Comparação do líquido de diálise com o
plasma normal
Plasma Líquido de Plasma
Constituinte normal diálise urêmico
Eletrólitos (mEq/1)
Na+ 142 133 142
5 1,0 7
Ca (t 3 3,0 2
Mg++ 1,5 1,5 1,5
ci- 107 105 107
HCO3 27 35,7 14
Lactato 1,2 1,2 1,2
HPO4 3 0 9
Urato 0,3 0 2
Sulfato 0,5 0 3
Não-eletrólitos (mg/dl)
Glicose 100 125 100
Uréia 26 0 200
Creatinina 1 0 6
Todavia, o rim artificial normalmente só é utilizado durante 4 a 6 horas,
três vezes por semana. Por conseguinte, a depuração plasmática total
ainda é consideravelmente limitada quando o rim artificial substitui os
rins normais.
DOENÇA RENAL HIPERTENSIVA
Muitos dos mesmos tipos de doença renal que levam à insuficiência
renal crônica também podem causar hipertensão. Todavia, isso nem
sempre é verdade, visto que a lesão de certas regiões do rim tende
a causar hipertensão, enquanto a lesão de outras porções provoca uremia
sem hipertensão. A seguir, apresentamos uma classificação da doença
renal com base nos seus efeitos hipertensivos ou não-hipertensivos.
Lesões renais hipertensivas. Praticamente todas as lesões renais que
levam a redução do fluxo sanguíneo ou da filtração glomerular por néfron
causam hipertensão. Essas duas condições tendem a produzir retenção
de sal e de água, resultando eventualmente em hipertensão {ver Cap.
19). Uma vez desenvolvida a hipertensão, a intensidade da filtração
glomerular pode normalizasse por completo. Se todos os túbulos estive-
rem normais, o filtrado é, então, processado normalmente nesses túbulos,
de modo que a excreção urinária pode ser totalmente normal, podendo
não haver qualquer sinal de insuficiência renal.
Doenças renais que levam a insuficiência renal, mas que podem
não causar hipertensão. A perda de grande número de néfrons,
como a que ocorre devido à perda de um rim e parte de outro rim,
resulta sempre em insuficiência renal se a quantidade de tecido renal
perdida tiver sido suficientemente grande. Todavia, se os néfrons
remanescentes estiverem totalmente normais, essa condição quase sempre
não irá produzir hipertensão, visto que até mesmo ligeira elevação da
pressão arterial aumentará a intensidade da filtração glomerular o
suficiente para promover a rápida perda de água e sal na urina —
mesmo em presença de poucos néfrons. Por outro lado, o paciente com
esse tipo de anormalidade renal, que ingere grandes quantidades de sal,
desenvolverá hipertensão muito grave, visto que os rins simplesmente
não conseguem depurar quantidades adequadas de sal nessas condições.
Hipertensão causada pela secreção renal de renina. Quando
parte da massa renal está isquêmica, e o restante não (tal como ocorre
quando se verifica a constrição acentuada de uma artéria renal), o tecido
renal isquêmico secreta grandes quantidades de renina. Essa secreção
leva à formação de angiotensina II que, por sua vez. determina o
desenvolvimento de hipertensão. Conforme discutido no Cap. 19, a
causa mais provável de hipertensão crônica é: (1) o tecido renal
isquêmico excreta quantidades de água e de sal menores do que o normal e
(2) a angiotensina afeta o tecido renal nâo-isquêmico, causando
retenção de água e de sal. (No passado, muitos fisiologistas acreditaram
que a hipertensão resultava da vasoconstrição periférica induzida pela
angiotensina. Todavia, experimentos recentes demonstraram de modo
quase conclusivo que este não é o caso, conforme discutido no Cap. 19.
De fato, a concentração sangüínea de angiotensina costuma estar muito
baixa para causar vasoconstrição periférica significativa, mas pode
afetar acentuadamente a excreção renal de sal.)
SÍNDROME NEFRÓTICA - AUMENTO DA
PERMEABILIDADE GLOMERULAR
Grande número de pacientes com doença renal desenvolve a denomi-
nada síndrome nefrótica, caracterizada, em particular, pela perda de
grandes quantidades de proteínas plasmáticas na urina. Em alguns casos,
esse processo ocorre sem qualquer sinal de outra anormalidade da função
renal; todavia, com mais freqüência, encontra-se associado a certo grau
de insuficiência renal.
A causa da perda de proteína na urina reside na maior permea-
bilidade da membrana glomerular. Por conseguinte, qualquer patologia
capaz de aumentar a permeabilidade dessa membrana pode causar a
síndrome nefrótica. Essas doenças incluem a glomerulonefrite crônica
(na discussão anterior, foi assinalado que essa doença afeta primaria-
mente os glomérulos e quase sempre determina aumento pronunciado
da permeabilidade da membrana glomerular); a amiloidose, que resulta
da deposição de uma substância proteinóide anormal nas paredes dos
vasos sanguíneos, com grave lesão da membrana basal do glomérulo,
e síndrome nefrótica com alterações mínimas, uma doença observada
principalmente em crianças de pouca idade.
Síndrome nefrótica por "alteração mínima". Na denominada síndro-
me nefrótica por alteração mínima, raramente se pode detectar qualquer
anormalidade da membrana glomerular ao microscópio óptico. Todavia,
com técnicas especiais, foi constatado que a carga elétrica negativa nor-
malmente apresentada
pela membrana glomerular está reduzida ou au-
sente. Além disso, estudos imunológicos revelam reações imunes anor-
mais em alguns casos, sugerindo que a perda da carga negativa pode
ser resultado do ataque da membrana por anticorpos.
A perda da carga negativa permite a fácil passagem de proteínas,
em particular albumina, através da membrana glomerular; com efeito,
convém lembrar que essa carga negativa afasta normalmente as moléculas
de proteínas plasmáticas de carga negativa, constituindo um dos princi-
pais meios para impedir o extravasamento das proteínas na urina.
A síndrome nefrótica por alteração mínima ocorre principalmente
em crianças entre 2 e 6 anos de idade, porém também é observada
ocasionalmente em adultos.
O acentuado aumento da permeabilidade da membrana glomerular
permite, algumas vezes, perda diária de até 40 gde proteínas plasmáticas
na urina, representando quantidade extrema para uma criança de pouca
idade. Por conseguinte, as proteínas plasmáticas caem quase sempre
para menos de 2 mg/dl, enquanto a pressão coloidosmótica cai de seu
valor normal de 28 mm Hg para 6 a 8 mm Hg. Em conseqüência, os
capilares sanguíneos de todo o corpo perdem enormes quantidades de
líquido para os tecidos, causando edema hipoprotéico muito grave. Mes-
mo na criança de pouca idade, ocorre algumas vezes acúmulo de até
10 1 de líquido tecidual adicional, bem como 10 1 de ascite no abdome.
Além disso, ocorre edema das articulações, e a cavidade pleural e o
pericárdio podem ficar parcialmente repletos de líquido.
Cerca de 90% dessas crianças respondem satisfatoriamente à admi-
nistração de esteróides glicocorticóides, que alteram certos tipos de anor-
malidades imunológicas. Todavia, os mecanismos celulares do efeito
glicocorticóide não estão elucidados.
Em todos os tipos de nefrose em que a concentração plasmática
de albumina cai para valores muito baixos, aparecem grandes quantidades
de lipídios no plasma sanguíneo, com aumento pronunciado do colesterol
sanguíneo. Acredita-se que a causa resida em efeito direto dos baixos
níveis plasmáticos de albumina sobre o fígado, aumentando a produção
das lipoproteínas plasmáticas.
DISTÚRBIOS TUBULARES ESPECÍFICOS
Na discussão sobre reabsorção e secreção ativas pelos túbulos no
Cap. 27, foi assinalado que o transporte de diferentes substâncias é
efetuado por mecanismos distintos de transporte. No Cap. 3, também
foi frisado que cada enzima celular e cada proteína transportadora são
formadas em resposta a um gene respectivo no núcleo. Se qualquer
gene necessário estiver ausente ou anormal, os túbulos podem tornar-se
303
deficientes em uma das enzimas ou transportadores adequados. Por essa
razão, sabe-se que ocorrem muitos distúrbios tubulares específicos dife-
rentes para o transporte de grupos individuais ou especiais de substâncias
através da membrana tubular. Praticamente, todos esses distúrbios são
hereditários. No presente capítulo, consideraremos alguns dos mais im-
portantes.
Glicosúria renal. Nessa condição, o nível de glicemia pode estar
totalmente normal, mas o mecanismo de transporte para a reabsorção
de glicose está acentuadamente limitado ou ausente. Conseqüentemente,
a despeito da glicemia normal, grandes quantidades de glicose passam
diariamente para a urina. Como um dos testes para o diabetes melito
(que resulta da ausência de secreção de insulina pelo pâncreas) é a
presença de glicose na urina, é preciso sempre excluir a glicosúria renal
(condição benigna que praticamente não causa disfunção do organismo)
antes de se estabelecer o diagnóstico de diabetes melito.
Excesso de reabsorção tubular proximal de íon urato — causa
da gota. Os íons urato representam um dos importantes produtos da
degradação do metabolismo celular. Por conseguinte, é importante
remover qualquer excesso desse íon dos líquidos corporais. Entretanto,
por razões desconhecidas, os túbulos renais têm capacidade de secretar
ativamente o íon urato e de reabsorvê-lo também ativamente. O
processo de reabsorção ativa ocorre nos túbulos proximais. Num
pequeno subgrupo de indivíduos, essa reabsorção é francamente ativa e
resulta em elevação persistente do íon urato no líquido extracelular.
Acima de uma concentração crítica, o urato se precipita em muitos
tecidos sob forma de cristais de ácido tirico. Ocorre precipitação
especialmente nas articulações, resultando na síndrome clínica da gota,
um tipo de artrite inflamatória capaz de afetar simultaneamente
múltiplas articulações.
Diabetes insípido nefrogênico. Em certas ocasiões, os túbulos
renais não respondem ao hormônio antidiurético secretado pelo sistema
supra-óptico-hipofisário; como conseqüência, verifica-se a excreção
contínua de grandes quantidades de urina diluída. Enquanto a pessoa
receber quantidades suficientes de água, essa condição raramente
provoca qualquer dificuldade grave. Entretanto, quando ela não dispõe
de quantidades adequadas de água, torna-se rapidamente desidratada.
Àcidose metabólica causada pela incapacidade dos túbulos de
secretar íons hidrogênio. Nessa condição, o indivíduo é incapaz de
secretar quantidades adequadas de íons hidrogênio; como conseqüência,
verifica-se perda contínua de grandes quantidades de bicarbonato de
sódio na urina, por razões que foram discutidas no capítulo anterior.
Esse processo determina um estado permanente de acidose metabólica.
Todavia, uma terapia de reposição adequada, com administração
contínua de álcali, pode manter a função corporal normal.
Hipofosfatemia renal. Na hipo fosfate mi a renal, os túbulos renais
não conseguem reabsorver quantidades adequadas de íons fosfato, mes-
mo quando a concentração de fosfato dos líquidos corporais cai para
valores muito baixos. Essa condição não causa qualquer anormalidade
imediata grave, visto que o nível de fosfato dos líquidos extracelulares
pode variar muito sem que haja disfunção celular significativa. Todavia,
no decorrer de longo período de tempo, o baixo nível de fosfato resulta
em menor calcificação dos ossos, com conseqüente desenvolvimento de
raquitismo. Além disso, esse tipo de raquitismo é refratário à terapia
com vitamina D, contrastando com a rápida resposta do tipo comum
de raquitismo, discutido no Cap. 79.
Aminoacidúria. Alguns aminoácidos partilham certos sistemas de
transporte comuns para sua reabsorção, enquanto outros aminoácidos
apresentam sistemas transportadores distintos e próprios. Em raras oca-
siões, a condição denominada aminoacidúria generalizada resulta da
reabsorção deficiente de todos os aminoácidos; todavia, com mais
freqüência, as deficiências de sistemas transportadores específicos
podem resultar em (1) cistinúria essencial, em que grandes quantidades de
cistina não podem ser reabsorvidas e quase sempre cristalizam na urina,
formando cálculos renais; (2) glicinúria simples, em que a glicina não
pode ser reabsorvida; ou (3) acidaria beta-aminoisobutírica, que ocorre
em cerca de 5% das pessoas, mas que aparentemente tem pouco ou
nenhum significado clínico.
? PROVAS DE FUNÇÃO RENAL
As provas de função renal podem ser divididas em três categorias:
(1) determinação das depurações renais, (2) determinação de substâncias
no sangue que normalmente são secretadas pelos rins e (3) análises
químicas e físicas da urina.
Provas de depuração renal. Qualquer uma das provas de
depuração, incluindo depuração do ácido para-amino-hipúríco, inulina,
manitol ou outras substâncias, como foi descrito no Cap. 27, pode ser
utilizada como prova de função renal. Com efeito, se todas essas provas
forem efetuadas, podem-se determinar intensidade da filtração
glomerular, o fluxo sanguíneo efetivo pelo rim por minuto, a fração de
filtração e muitas outras características da função renal. Todavia, é
difícil efetuar muitas dessas provas de depuração. Contudo, diversas
provas de depuração especiais, em que substâncias radiopacas ou
radiativas são excretadas do sangue para a pelve
renal, são facilmente
utilizadas. Duas dessas provas são a pielografia venosa e os estudos de
depuração com substâncias radiativas.
Pielografia venosa. Diversas substâncias contendo grandes quanti-
dades de iodo em suas moléculas — Diodrast, Hippuran e lopax —
são excretadas na urina por filtração glomerular e por secreção tubular
ativa. Conseqüentemente, sua concentração na urina fica muito elevada
dentro de poucos minutos após injeção venosa da substância. Além
disso, o iodo presente nesses compostos os torna relativamente opacos
aos raios X. Por conseguinte, podem ser realizadas radiografias mostran-
do sombras das pelves renais, dos ureteres e até mesmo da bexiga.
Em geral, ocorre excreção de quantidade suficiente — isto é, ''depurada"
— dentro de 5 minutos após a injeção, proporcionando imagens satisfa-
tórias das pelves renais. A incapacidade de demonstrar uma imagem
distinta no decorrer desse tempo indica depuração renal reduzida.
Estudos de depuração com substâncias radiativas. Se
qualquer uma das substâncias supracitadas (ou muitas outras) for
preparada com iodo radiativo ou algum outro nuclídeo radiativo, pode-
se medir a radiatividade de ambas, as pelves renais colocando-se
contadores de radiatividade apropriados sobre os rins. É preciso injetar
apenas diminuta quantidade da substância por via venosa e registrar o
grau de radiatividade durante os minutos seguintes para determinar,
aproximadamente, as depurações renais.
Um dos valores especiais da pielografia com raios X e radiativa
é que ambas medem a função de cada rim independentemente do outro,
em lugar de avaliar a função total dos dois rins em conjunto, como
ocorre nas outras provas de função renal.
Análises do sangue como provas de função renal. Pode-se,
também, estimar o grau de funcionamento dos rins de terminando-se as
concentrações de várias substâncias no sangue. Por exemplo, a
concentração normal de uréia no sangue é de 26 mg/dl; todavia, nos
casos graves de insuficiência renal, essa concentração pode aumentar e
atingir 300 mg/dl. A concentração sangüínea normal de creatinina é de
1,1 mg/dl; entretanto, essa concentração também pode aumentar por
10 vezes. Para determinar o grau de acidose metabólica resultante de
disfunção renal, pode-se recorrer ao diagrama de pH-bicarbonato ou a
algum outro procedimento semelhante, conforme discutido e ilustrado
no capítulo anterior. Embora esses diferentes testes não sejam tão
satisfatórios quanto as provas de depuração para determinar as
capacidades funcionais dos rins, são de fácil execução e mostram ao
médico o grau de perturbação do meio interno.
Medidas físicas da urina como provas de função renal.
Obviamente, uma das medidas urinárias mais importantes é o volume de
urina formado diariamente. Na insuficiência renal aguda, esse volume
pode cair para zero e, na insuficiência renal crônica, costuma estar
diminuído. Por outro lado, a insuficiência renal moderada pode, na
verdade, aumentar o débito urinário, conforme descrito antes, devido à
acentuada hiperdiurese dos néfrons remanescentes quando a maioria foi
destruída.
Um segundo fator que costuma ser medido é a densidade da urina.
Dependendo dos tipos de substâncias depuradas, a densidade pode variar
extraordinariamente; seu limite superior pode atingir 1,045, mas pode
cair até 1,002. Para testar a capacidade dos rins de diluir a urina, o
paciente ingere grandes quantidades de água, e efetuam-se medidas da
densidade mínima capaz de ser atingida. A seguir, em outra oportu-
nidade, o paciente não recebe água durante 12 horas ou mais, e, a
seguir, determina-se a concentração máxima da urina. Consultando nova-
mente a Fig. 31.3, podemos observar que a capacidade de concentração
dos rins apresenta-se especialmente comprometida à medida que o núme-
ro de néfrons diminui.
DIURÉTICOS E SEUS MECANISMOS DE AÇÃO
O diurético é uma substância que aumenta a velocidade de elimina-
ção da urina. A maioria dos diuréticos atua por reduzir a intensidade
304
da reabsorção de líquidos nos túbulos.
A principal utilidade dos diuréticos é reduzir a quantidade total
de líquido do organismo. São especialmente importantes no tratamento
do edema e da hipertensão.
Quando se utiliza um diurético, é geralmente importante que a
velocidade de perda de sódio na urina também seja aumentada, bem
como a velocidade de perda de água. A razão disso é a seguinte: se
apenas a água dos líquidos corporais fosse removida, esses líquidos fica-
riam hipertônicos e provocariam uma resposta osmorreceptora, seguida
de secreção pronunciada de hormônio antidiurético. A seguir, esse
hormônio determinaria a reabsorção de grandes quantidades de água
pelos túbulos, o que anularia o efeito do diurético. Todavia, se o sódio
for eliminado juntamente com a água, não haverá essa anulação de
efeito. Por conseguinte, todos os diuréticos valiosos causam natriurese
{perda de sódio) acentuada, bem como diurese.
Os vários tipos importantes de diuréticos são comentados a seguir.
Diuréticos osmóticos. A injeção na corrente sangüínea de uréia,
sacarose, manilolou de qualquer outra substância não facilmente reabsor-
vida pelos túbulos determina aumento acentuada das substâncias osmoti-
camente ativas existentes nos túbulos. A seguir, a pressão osmótica dessas
substâncias diminui a reabsorção de água, de modo que grandes quanti-
dades de líquido tubular passam para a urina.
Verifica-se o mesmo efeito quando a concentração de glicose no
sangue aumenta e atinge níveis muito elevados no diabetes melito. Acima
da concentração de glicose de cerca de 250 mg/dl, só quantidade muito
pequena de glicose é reabsorvida pelos túbulos; na verdade, ela atua
como diurético osmótico e determina rápida perda de líquido na urina.
O termo "diabetes" refere-se ao fluxo urinário muito acentuado.
Diuréticos que diminuem a reabsorção ativa. Qualquer
substância capaz de inibir os sistemas transportadores nas células
epiteliais tubulares e, portanto, capaz de diminuir a reabsorção ativa dos
solutos tubulares aumenta-a pressão osmótica tubular e provoca diurese
osmótica. A seguir, são mencionados alguns dos medicamentos desse
tipo mais comumente utilizados.
Diuréticos da "alça" —furosemida e ácido etacrínico. A furosemida
e o ácido etacrínico são os mais potentes de todos os diuréticos utilizados
clinicamente. São denominados diuréticos da alça em virtude de sua
função principal ser no sentido de reduzir a reabsorção ativa no ramo
ascendente da alça de Henle, embora também atuem nas porções iniciais
do túbulo distai. Seu mecanismo de ação consiste em bloquear o co-trans-
porte de sódio-cloreto na membrana luminal das células epiteliais, que
é o principal mecanismo de reabsorção dos íons cloreto e sódio. Esse
processo produz diurese por duas razões: (1) Permite a chegada de quanti-
dades muito aumentadas de soluto nas porções distais dos néfrons, que,
a seguir, passam a atuar como agentes osmóticos, impedindo a reabsorção
de água. (2) A incapacidade de absorver íons sódio e cloreto da alça
de Henle para o interstício medular diminui a concentração do líquido
intersticial medular. Conseqüentemente, verifica-se acentuada redução
da capacidade de concentração do rim, de modo que a reabsorção de
líquido nos dutos coletores fica ainda mais reduzida. Devido a esses
dois efeitos, a urina pode receber até 20 a 30% do filtrado glomerular,
produzindo, em condições agudas, débitos urinários de até 25 vezes
o normal durante um período de poucos minutos.
Clorotiazida. A clorotiazida e outros derivados tiazídicos atuam pri-
mariamente nos túbulos distais, impedindo a reabsorção ativa de sódio;
em condições favoráveis, podem determinar a passagem de até 8% do
filtrado glomerular para a urina.
Inibidores da anidrase carbônica — aceíazolamida. A actazolamióa
(Diamox) e outros inibidores da anidrase carbônica bloqueiam primaria-
mente a reabsorção de íons bicarbonato dos túbulos proximais.
Seu
mecanismo consiste em inibir a anidrase carbônica fixada à borda em
escova luminal das células epiteliais tubulares, que normalmente catalisa
a dissociação do ácido carbônico em água e dióxido de carbono. O
bloqueio dessa reação catalisada enzimaticamente impede a remoção
de íons bicarbonato do líquido tubular, que, assim, permanecem nos
túbulos, atuando como diurético osmótico. Todavia, o uso dessa subs-
tância também causa certo grau de acidose, devido ã perda excessiva
de íons bicarbonato na urina.
Inibidores competitivos da aldosterona — espironolactona. A
espironolactona e várias outras substâncias semelhantes competem com a
aldosterona por sítios receptores existentes nas células epiteliais dos
néfrons distais, bloqueando, assim, o efeito da aldosterona no sentido de
promover a reabsorção de sódio. Como conseqüência, o sódio
permanece nos túbulos e atua como diurético osmótico. Essas
substâncias também bloqueiam o efeito da aldosterona no sentido de
promover a secreção de potássio nos túbulos. Por conseguinte, em
alguns casos, a concentração de potássio no líquido extracelular fica
perigosamente elevada.
MICÇÃO
A micção refere-se ao processo pelo qual a bexiga se esvazia quando
fica cheia. Basicamente, a bexiga (1) enche-se progressivamente, até
que a tensão em suas paredes ultrapasse um valor limiar, quando (2)
ocorre reflexo nervoso, denominado "reflexo de micção" que determina
a micção ou, se não conseguir fazê-lo, pelo menos desencadeia desejo
consciente de urinar.
ANATOMIA FISIOLÓGICA E CONEXÕES NERVOSAS DA
BEXIGA
A bexiga, ilustrada na Fig. 31.6, é uma câmara muscular lisa constituída
por duas partes principais: (1) o corpo, que forma a maior parte da
bexiga, onde se acumula a urina, e (2) o colo, uma extensão do corpo,
em forma de funil, dirigindo-se inferior e anteriormente para o triângulo
Fig. 31.6 A bexiga urinária e sua inervação.
305
urogenital, conectando-se com a uretra. A parte inferior do colo vesical
também é denominada uretra posterior, devido à sua relação com a
uretra.
O músculo liso da bexiga é conhecido como músculo detrusor. Suas
fibras musculares se estendem em todas as direções e, quando contraídas,
podem aumentar a pressão na bexiga por até 40 a 60 mm Hg. Por
conseguinte, é o músculo detrusor que esvazia a bexiga. As células muscu-
lares lisas do músculo detrusor fundem-se umas com as outras, criando
entre si vias elétricas de baixa resistência. Por conseguinte, um potencial
de ação pode propagar-se por todo o músculo detrusor, causando a
contração de toda a bexiga de uma só vez.
Na parede posterior da bexiga, imediatamente acima do colo vesical,
existe uma pequena área triangular denominada trígono. No vértice mais
inferior do trígono encontra-se o orifício da bexiga que, a partir do
colo vesical, passa para a uretra posterior, enquanto os dois ureteres
penetram na bexiga nos ângulos mais superiores do trígono. O trígono
pode ser identificado pela sua mucosa muito lisa, em contraste com
o restante da mucosa vesical, que é pregueada, formando rugas. No
ponto em que cada ureter penetra na bexiga, ele segue um trajeto oblíquo
através do músculo detrusor e, a seguir, percorre ainda 1 a 2 cm por
baixo da mucosa vesical antes de desaguar na bexiga.
O colo vesical (uretra posterior) tem 2 a 3 cm de comprimento,
e sua parede é composta por músculo detrusor entrelaçado com grande
quantidade de tecido elástico. O músculo nessa área é quase sempre
denominado esfíncter interno. Seu tônus natural mantém normalmente
o colo vesical e a uretra posterior livres de urina e, por conseguinte,
impede o esvaziamento da bexiga até que a pressão no colo vesical
se eleve acima de seu limiar critico.
Depois da uretra posterior, a uretra passa através do diafragma
urogenital, que contém a camada de músculo denominada esfíncter exter-
no da bexiga. Trata-se de um músculo esquelético voluntário, ao contrário
do músculo do corpo e do colo vesical, que é totalmente liso. Esse
músculo externo encontra-se sob controle voluntário do sistema nervoso
e pode ser utilizado para impedir a micção, mesmo quando os controles
involuntários estão tentando esvaziar a bexiga.
Inervação da bexiga. A principal inervação para a bexiga é feita
por meio dos nervos pélvicos, que se conectam com a medula espinhal
através do plexo sacro, principalmente com os segmentos medulares
S-2 e S-3. Percorrendo os nervos pélvicos, existem fibras nervosas sensi-
tivas e fibras motoras. As fibras sensitivas detectam principalmente o
grau de distensão da parede vesical. Os sinais de distensão provenientes
da uretra posterior são particularmente potentes, sendo os principais
responsáveis pelo início dos reflexos que causam o esvaziamento da
bexiga.
As fibras nervosas motoras que trafegam pelos nervos pélvicos são
fibras parassimpáticas. Elas terminam em células ganglionares localizadas
na parede da bexiga. A seguir, nervos pós-ganglionares curtos inervam
o músculo detrusor.
Além dos nervos pélvicos, dois outros tipos de inervação são impor-
tantes para a função vesical. As mais importantes são as fibras motoras
esqueléticas que passam pelo nervo podendo até o esfíncter vesical exter-
no. Trata-se de fibras nervosas somáticas que inervam e controlam o
músculo esquelético voluntário desse esfíncter. Além disso, a bexiga
recebe inervação simpática da cadeia simpática pelos nervos hipogás-
tricos. que se conectam principalmente com o segmento L-2 da medula
espinhal. É provável que essas fibras simpáticas estimulem principal-
mente os vasos sanguíneos, exercendo pouco efeito sobre a contração
vesical. Algumas fibras nervosas sensitivas também passam pelos nervos
simpáticos c podem ser importantes para a sensação de plenitude e
dor em alguns casos.
cm/s, ocorre desde uma vez a cada 10 s até uma vez a cada 2 a 3
min. A onda peristáltica é capaz de deslocar a urina contra uma obstrução
com pressão de até 50 a 100 mm Hg. A transmissão da onda peristáltica
é provavelmente causada por potenciais de ação que passam ao longo
do sincício do músculo liso da parede ureteral. Todavia, a estimulação
parassimpática pode aumentar a freqüência das ondas e a estimulação
simpática pode diminuí-la, podendo também afetar, provavelmente, a
intensidade da contração.
Na extremidade inferior, o ureter penetra obliquamente na bexiga
através do trígono, conforme ilustrado na Fig. 31.6. O ureter segue
seu trajeto por vários centímetros sob o epitélio vesical, de modo que
a pressão na bexiga o comprime, impedindo, assim, o refluxo de urina
quando a pressão na bexiga aumenta durante a micção.
Sensações dolorosas dos ureteres e reflexo ureterorrenal. Os
ureteres são bem supridos com fibras nervosas de dor. Quando ocorre
bloqueio dos ureteres, como no caso de um cálculo ureteral, verifica-se
intensa constrição reflexa, associada a dor muito intensa. Além disso, os
impulsos dolorosos causam um reflexo simpático que retorna ao rim
e contrai as arteríolas renais, diminuindo, assim, o débito urinário do
rim. Esse efeito é denominado reflexo ureterorrenal; é obviamente
importante para impedir o fluxo excessivo de líquido para a pelve de um
rim com seu ureter bloqueado.
TÔNUS DA PAREDE VESICAL E CISTOMETROGRAMA
DURANTE O ENCHIMENTO DA BEXIGA
A curva contínua da Fig. 31.7 é denominada cistometrograma da
bexiga. Mostra as mudanças aproximadas da pressão intravesical quando
a bexiga se enche com urina. Quando não há praticamente urina na
bexiga, a pressão intravesical é aproximadamente zero; entretanto, com
o acúmulo de 30 a 50 ml de urina, a pressão eleva-se para 5 a 10 cm
de água. Pode haver acúmulo de quantidade adicional de urina de até
200 a 300 ml com apenas pequena elevação da pressão. Esse nível cons-
tante de pressão é causado pelo tônus intrínseco da própria parede vesical.
Acima de 300 a 400 ml, o acúmulo de mais urina determina elevação
muito rápida da pressão.
Superpostos às mudanças
da pressão tônica durante o enchimento
da bexiga estão os aumentos agudos periódicos na pressão, que duram
de poucos segundos a mais de 1 minuto. A pressão pode elevar-se por
apenas alguns centímetros de água ou pode atingir mais de 100 cm de
água. Estas são as ondas de micção no cistometrograma, causadas pelo
reflexo de micção, que é discutido a seguir.
REFLEXO DE MICÇÃO
Consultando novamente a Fig. 31.7, verifica-se que, à medida que a
bexiga se enche, começam a aparecer muitas contrações miccionais super-
TRANSPORTE DA URINA ATRAVÉS DOS URETERES
Os ureteres são pequenos tubos de músculo liso que se originam
nas pelves dos dois rins e descem para penetrar na bexiga. Cada ureter
é inervado por nervos simpáticos e parassimpáticos, e cada um deles
também possui um plexo intramural de neurônios e fibras nervosas que
se estendem ao longo de todo o seu comprimento.
À medida que a urina se acumula na pelve, a pressão em seu interior
aumenta e desencadeia uma contração peristáltica que começa na pelve
e propaga-se ao longo do ureter, forçando a urina em direção à bexiga.
Uma onda peristáltica, que se desloca com velocidade de cerca de 3
Fig. 31.7 Cistometrograma normal mostrando também as ondas
agudas de pressão (picos em pontilhado), causadas por reflexos de
micção.
306
postas, conforme indicado pelos picos tracejados. Resultam de um reflexo
de estiramento desencadeado por receptores de estiramento na parede
vesical, sobretudo pelos receptores existentes na uretra posterior quando
ela começa a encher-se de urina com as pressões vesicais mais elevadas.
Os sinais sensitivos são conduzidos até os segmentos sacros da medula
através dos nervos pélvicos e, a seguir, de volta à bexiga pelas fibras
parassimpáticas existentes nesses mesmos nervos.
Uma vez iniciado o reflexo da micção, ele é "auto-regenerativo".
Isto é, a contração inicial da bexiga ativa ainda mais os receptores,
ocasionando aumento ainda maior dos impulsos sensitivos da bexiga
e uretra posterior, determinando maior aumento da contração reflexa
da bexiga. O ciclo repete-se várias vezes até que a bexiga tenha alcançado
grau acentuado de contração. A seguir, depois de poucos segundos a
mais de um minuto, o reflexo começa a entrar em fadiga, e o ciclo
regenerativo do reflexo de micção cessa, permitindo a rápida redução
da contração vesical. Em outras palavras, o reflexo de micção é um só
ciclo completo de (1) elevação progressiva e rápida da pressão, (2) um
período de pressão mantida e (3) retorno da pressão à pressão tônica
basal da bexiga. Uma vez ocorrido o reflexo da micção, sem ser acompa-
nhado de esvaziamento da bexiga, os elementos nervosos desse reflexo
geralmente permanecem em estado de inibição durante pelo menos al-
guns minutos até, por vezes, 1 hora ou mais antes que ocorra outro
reflexo de micção. Todavia, à medida que a bexiga fica cada vez mais
cheia, os reflexos de micção ocorrem com maior freqüência e são cada
vez mais potentes.
Quando o reflexo da micção se torna intenso o suficiente, provoca
outro reflexo, que passa pelos nervos pudendos até o esfíncter externo,
inibindo-o. Se essa inibição for mais potente do que os sinais constritores
voluntários, provenientes do cérebro para o esfíncter externo, ocorrerá
micção. Caso contrário, não haverá micção até que a bexiga fique mais
cheia, e o reflexo de micção se torne mais potente.
Controle da micção pelo cérebro. O reflexo da micção é um reflexo
medular totalmente autônomo, mas que pode ser inibido ou facilitado
por centros no cérebro. Estes centros incluem: (1) fortes centros facilita-
dores e inibidores no tronco cerebral, provavelmente localizados na ponte,
e (2) vários centros localizados no córtex cerebral que são principalmente
inibidores, mas que algumas vezes podem ser excitatórios.
O reflexo da micção é a causa básica da micção; todavia, os centros
superiores normalmente exercem o controle final da micção através dos
seguintes meios:
1. Os centros superiores mantém todo o tempo o reflexo de micção
parcialmente inibido, exceto quando o indivíduo deseja urinar.
2. Os centros superiores impedem a micção, mesmo se ocorrer o
reflexo de micção, através da contração tônica contínua do esfíncter
vesical externo até que surja um momento conveniente.
3. Quando chega o momento de urinar, os centros corticais podem
(a) facilitar os centros sacros da micção, ajudando a desencadear o reflexo
de micção, e (b) inibir o esfíncter urinário externo para que possa ocorrer
micção.
Todavia, ainda mais importante é o fato de a micção voluntária
ser geralmente iniciada da seguinte maneira: em primeiro lugar, a pessoa
contrai os músculos abdominais, o que aumenta a pressão da urina na
bexiga, permitindo a entrada de mais urina no colo vesical e na uretra
posterior sob pressão, com conseqüente distensão de suas paredes. Isso
excita, então, os receptores de estiramento, estimulando o reflexo de
micção e inibindo simultaneamente o esfíncter uretral externo. Em geral,
toda a urina será eliminada, sendo rara a persistência de mais de 5
a 10 ml na bexiga.
ANORMALIDADES DA MICÇÃO
Bexiga atônica. A destruição das fibras nervosas sensitivas da- bexiga
para a medula espinhal impede a transmissão dos sinais de estiramento
da bexiga e, por conseguinte, também impede as contrações do reflexo
da micção. Assim, o indivíduo perde todo o controle da bexiga, apesar
da integridade das fibras eferentes da medula para a bexiga e das conexões
neurogênicas intactas com o cérebro. Hm lugar de haver esvaziamento
periódico, a bexiga enche-se até sua capacidade total e perde algumas
gotas de cada vez pela uretra. Esse processo é denominado incontinência
de vazamento.
A bexiga atônica era de ocorrência comum quando a sífilis era
disseminada, visto que essa doença quase sempre provoca fibrose cons-
tritiva em torno das fibras da raiz nervosa dorsal no ponto em que
penetram na medula, com destruição subseqüente dessas fibras. A condi-
ção é denominada tabes dorsal, e a patologia vesical resultante é conhe-
cida como bexiga tabética. Outra causa comum dessa condição é repre-
sentada pelas lesões de esmagamento na região sacral da medula.
Bexiga automática. Se a medula espinhal for lesada acima da região
sacral, porém com preservação dos segmentos sacros, ocorrerá o reflexo
típico da micção. Todavia, esses reflexos não podem ser mais controlados
pelo cérebro. Durante os primeiros dias a várias semanas após ter ocor-
rido a lesão medular, os reflexos de micção são totalmente suprimidos,
devido ao estado de "choque espinhal" causado pela súbita perda dos
impulsos facilitadores provenientes do tronco cerebral e do cérebro.
Todavia, se a bexiga for esvaziada periodicamente por cateterização
para evitar sua lesão física a excitabilidade do reflexo de micção aumenta
gradativamente até haver retorno dos reflexos miceionais típicos. -
É particularmente interessante assinalar que a estimulação da pele
na região genital pode, algumas vezes, desencadear o reflexo de micção
nessa condição, proporcionando um meio pelo qual alguns pacientes
ainda conseguem controlar a micção.
Bexiga neurogênica não-inibida. Outra anormalidade comum da
micção é a denominada bexiga neurogênica não-inibida, que resulta
em micção freqüente e relativamente incontrolável. Essa condição
resulta da lesão parcial da medula espinhal ou do tronco cerebral,
interrompendo a maioria dos sinais inibidores. Por conseguinte, os
impulsos facilitadores que passam continuamente pela medula mantêm
os centros sacrais tão excitáveis que até mesmo pequena quantidade de
urina irá desencadear o reflexo de micção incontrolável, promovendo a
micção.
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308
UNIDADE VI
CÉLULAS SANGÜÍNEAS, IMUNIDADE
E COAGULAÇÃO DO SANGUE
Eritrócitos, Anemia e Policitemia
Resistência do Organismo à Infecção: I. Leucócitos, Granulócitos, Sistema
dos Monócitos-Macrófagose Inflamação
Resistência do Organismo à Infecção: II. Imunidade e Alergia
Grupos Sanguíneos; Transfusão; Transplante de Tecidos e Órgãos
Hemostasia e Coagulação do Sangue
309
CAPÍTULO 32
Eritrócitos, Anemia e Policitemia
Com este capitulo, iniciamos a discussão sobre as células sangüíneas
e outras células intimamente relacionadas a elas: as células do sistema
de macrófagos e do sistema linfático. A princípio, consideraremos as
funções dos eritrócitos, que são as mais abundantes de todas as células
do organismo, necessárias para o suprimento de oxigênio aos tecidos.
ERITRÓCITOS (HEMÁCIAS)
A principal função dos eritrócitos, também conhecidos como
hemácias, consiste em transportar a hemoglobina que, por sua vez,
conduz o oxigênio dos pulmões para os tecidos. Em alguns animais
inferiores, a hemoglobina circula como proteína livre no plasma, não
encerrada no interior dos eritrócitos. Nos seres humanos, entretanto,
quando a hemoglobina encontra-se livre no plasma, cerca de 3%
atravessam a membrana capilar e penetram nos espaços teciduais ou
permeiam a membrana glomerular dos rins e passam para o filtrado
glomerular toda vez que o sangue flui pelos capilares. Por conseguinte,
para que a hemoglobina permaneça na corrente sangüínea, deve ser
mantida no interior dos eritrócitos.
Os eritrócitos desempenham outras funções além de simplesmente
transportar a hemoglobina. Por exemplo, ela contem grande quantidade
de anidrase carbônica, que catalisa a reação entre o dióxido de carbono
e a água, aumentando a velocidade dessa reação em muitos milhares
de vezes. A rapidez dessa reação permite que a água no sangue reaja
com grandes quantidades de dióxido de carbono, transportando-o dos
tecidos para os pulmões sob forma de íon bicarbonato (HCO3). Além
disso, a hemoglobina nas células é um excelente tampão ácido-básico
(como no caso da maioria das proteínas), de modo que os eritrócitos
são responsáveis por quase toda a capacidade de tamponamento do
sangue total.
Forma e tamanho dos eritrócitos. Os eritrócitos normais, ilustrados
na Fig. 32.3, são discos bicôncavos com diâmetro médio de
aproximadamente 7,5 µm e espessura de 1,9 µm em seu ponto mais
espesso e de 1 µm ou menos na parte central. O volume médio do
eritrócito é de 83 µm. cúbicos.
A forma dos eritrócitos pode ser muito modificada quando a célula
atravessa os capilares. Na verdade, o eritrócito é um "saco" que pode
ser deformado, adquirindo quase qualquer forma. Além disso, como
a célula normal possui excesso de membrana celular em relação à quanti-
dade de material em seu interior, a deformação não distende acentua-
damente
a membrana e, por conseguinte, não rompe a célula como
ocorreria com muitos outros tipos celulares.
Concentração dos eritrócitos no sangue. Em homens normais, o
número médio de eritrócitos por milímetro cúbico é de 5.200.000
(±300.000), enquanto nas mulheres normais é de 4.700.000 (±300.000).
Além disso, a altitude em que o indivíduo vive afeta o número de eritró-
citos, o que será discutido adiante.
Quantidade de hemoglobina nos eritrócitos. Os eritrócitos têm a
capacidade de concentrar hemoglobina no líquido celular até
aproximadamente 34 g/dl de células. A concentração nunca aumenta
acima desse valor, visto ser ele um limite metabólico do mecanismo
de formação da hemoglobina da célula.
Além disso, nos indivíduos normais, a percentagem de hemoglobina está
quase sempre próxima do máximo em cada célula. Todavia, quando a
formação de hemoglobina fica deficiente na medula óssea, sua
percentagem nas células pode cair consideravelmente abaixo desse valor,
e pode-se também verificar redução do volume celular devido ã menor
quantidade de hemoglobina para preencher a célula.
Quando o hematócrito (a percentagem de células no sangue —
normalmente de 40 a 45%) e a quantidade de hemoglobina em cada
célula estão normais, o sangue total contém, em média, 16 g de hemoglo-
bina por decilitro no homem e 14 g/dl na mulher. Como veremos quando
for descrito o transporte do oxigênio no Cap. 40. cada grama de hemoglo
bina pura é capaz de combinar-se com aproximadamente 1,39 ml de
oxigênio. Por conseguinte, no homem normal, mais de 21 ml de oxigênio
podem ser transportados em combinação com a hemoglobina, em cada
decilitro de sangue, ao passo que, na mulher normal, podem ser transpor-
tados 19 ml.
PRODUÇÃO DE ERITRÓCITOS
Áreas do organismo que produzem eritrócitos. Nas primeiras
semanas de vida embrionária, os eritrócitos primitivos nucleados são
produzidos no saco vitelino. No segundo trimestre da gestação, o fígado
passa a constituir o principal órgão de produção de eritrócitos, embora
também seja produzida uma quantidade razoável no baço e nos
linfonodos. Por fim, durante a última parte da gestação e após o
nascimento, os eritrócitos são produzidos exclusivamente pela medula
óssea.
Conforme representado na Fig. 32.1, a medula óssea de praticamente
todos os ossos produz eritrócitos até os 5 anos de idade, mas a medula
óssea dos ossos longos, à exceção das porções proximais do úmero e
da tíbia, fica muito gordurosa e não mais produz eritrócitos depois dos
20 anos de idade. Acima dessa idade, a maior parte dos eritrócitos
é produzida na medula dos ossos membranosos, como as vértebras,
o esterno, as costelas e ílios. Mesmo nesses ossos, a medula fica menos
produtiva com a idade.
Fig. 32.1 Velocidades relativas da produção de eritrócitos em diferentes
ossos em várias idades.
310
Gênese dos eritrócitos
Células-tronco hemopoéticas pluripotenciais, indutores do
crescimento e indutores da diferenciação. Na medula óssea, existem
células denominadas células-tronco hemopoéticas pluripotenciais (PHSC,
pluripotential hemopoietic s/em cells), a partir das quais derivam todas
as células do sangue circulante. A Fig. 32.2 ilustra as divisões sucessivas
das células pluripotenciais para formar as diferentes células sangüíneas
periféricas. À medida que essas células se reproduzem durante toda a
vida do indivíduo, uma parte permanece exatamente como a célula
pluripotencial original, sendo retida na medula óssea para manter o
suprimento dessas células, embora seu número diminua com a idade.
Todavia, a maior parte das células-tronco multiplicadas diferencia-se
para formar as outras células ilustradas à direta da Fig. 32.2. As primeiras
células assim formadas ainda não podem ser identificadas como
pertencentes aos diferentes tipos de células sangüíneas, embora já
estejam compromissadas para uma determinada linhagem, sendo,
portanto, denominadas células-tronco compromissadas.
As diferentes células-tronco compromissadas, quando se desenvol-
vem em cultura, produzem colônias de tipos específicos de células
sangüíneas. Assim, a célula-tronco compromissada que irá produzir os
eritrócitos é denominada unidade formadora de colônias de eritrócitos, e
utiliza-se a abreviação CFU-E (colony forming unit-erythrocyte) para
designar esse tipo de célula-tronco. De modo semelhante, as unidades
formadoras de colônias que produzem granulócitos e monócitos recebem a
designação CFU-GM, e assim por diante.
O crescimento e a reprodução das diferentes células-tronco são con-
trolados por diversas proteínas, denominadas indutores do crescimento.
Foram descritos quatro principais indutores do crescimento, tendo cada
um características diferentes. Um deles, a interleuquina-3, promove o
crescimento e a reprodução de praticamente todos os diferentes tipos
de células-tronco, enquanto os outros indutores só induzem o crescimento
de tipos específicos de células-tronco compromissadas.
Os indutores do crescimento promovem o crescimento, mas não
a diferenciação das células. Com efeito, essa função é desempenhada
por outro grupo de proteínas, conhecidas como indutores da diferen-
ciação. Cada um desses indutores determina a diferenciação de um tipo
de célula-tronco em uma ou mais etapas no tipo final de célula sangüínea
adulta.
A formação dos indutores do crescimento e da diferenciação é con-
trolada por fatores originados fora da medula óssea. Por exemplo, no
caso dos eritrócitos, a exposição a baixa concentração de oxigênio por
longos períodos de tempo resulta em indução do crescimento, diferen-
ciação e produção de número muito aumentado de eritrócitos, como
veremos adiante neste capítulo. No caso de alguns dos leucócitos, as
doenças infecciosas desencadeiam o crescimento, a diferenciação e a
formação dos tipos específicos de leucócitos necessários para combater
a infecção.
Estágios de diferenciação dos eritrócitos
A primeira célula que pode ser identificada como pertencendo à
série eritrocítica é o prô-eritroblasto, ilustrado na Fig. 32.3. Com estimu-
lação apropriada, formam-se grandes números dessas células a partir
das células-tronco CFU-E.
Uma vez formado, o pró-eritroblasto divide-se várias vezes, forman-
do eventualmente muitos eritrócitos maduros. As células da primeira
geração são denominadas eritroblastos basófilos, por se corarem com
corantes básicos; essas células acumulam quantidade muito pequena de
hemoglobina. Todavia, nas gerações seguintes, como ilustra a Fig. 32.3
as células tornam-se repletas de hemoglobina até a concentração
aproximada de 34%, o núcleo condensa-se até atingir tamanho muito
pequeno, sendo expelido da célula. Ao mesmo tempo, o retículo
endoplasmático é reabsorvido. Nesse estágio, a célula é denominada
reticulócito, uma vez que ainda contém pequena quantidade de
material basófilo, que consiste em resíduo do aparelho de Golgi, das
mitocôndrias e de outras organelas citoplasmáticas. É durante esse
estágio que o reticulócito passa para os capilares sanguíneos por
diapedese (espremendo-se através dos poros da membrana).
O material basofílico restante no reticulócito desaparece normal-
mente em 1 a 2 dias, e a célula transforma-se, então, no eritrócito maduro.
Devido à curta vida dos reticulócitos, sua concentração entre todos os
eritrócitos é, em condições normais, ligeiramente inferior a 1%.
Fig. 32.2 Formação dos diversos tipos
celulares do sangue periférico a partir
da célula-tronco nem a to poética
pluripotencial (PHSC) na medula
311
Fig. 32.3 Desenvolvimento dos eritrócitos, e seu aspecto em diferentes tipos de anemia.
Regulação da produção de eritrócitos — papel da
eritropoetina
A massa total de eritrócitos no sistema circulatório é regulada dentro
de limites muito estreitos, de modo que sempre existe um número adequa-
do de eritrócitos disponíveis para proporcionar oxigenação tecidual ade-
quada, sem que as células fiquem muito concentradas a ponto
de impedir
o fluxo sanguíneo. A Fig. 32.4 mostra, na forma de diagrama, os
conhecimentos disponíveis atualmente sobre esse mecanismo de
controle, descrito a seguir.
Oxigenação tecidual como regulador básico da produção de
eritrócitos. Qualquer condição passível de causar redução da
quantidade de oxigênio transportado para os tecidos em geral
aumenta a produção de eritrócitos. Assim, quando um indivíduo fica
extremamente anêmico devido à ocorrência de hemorragia ou de
qualquer outra condição, a medula óssea começa imediatamente a
produzir grandes quantidades de eritrócitos. Além disso, a destruição
de grandes porções da medula óssea por qualquer meio, sobretudo por
radioterapia, provoca hiperplasia da medula restante, na tentativa de
suprir a demanda de eritrócitos pelo organismo.
Nas grandes altitudes, onde a concentração de oxigênio do ar está
acentuadamente diminuída, verifica-se o transporte de quantidades insu-
ficientes de oxigênio para os tecidos; nesse caso, os eritrócitos são produ-
zidos com tanta rapidez que seu número aumenta consideravelmente
no sangue.
Por conseguinte, é óbvio que não é a concentração de eritrócitos
no sangue que controla a velocidade de sua produção, mas a capacidade
funcional das células de transportar oxigênio para os tecidos em relação
às demandas teciduais por oxigênio.
Diversas doenças circulatórias que causam redução do fluxo sanguí-
neo pelos vasos periféricos e, em particular, as que determinam absorção
deficiente de oxigênio pelo sangue ao passar pelos pulmões também
podem aumentar a velocidade de produção dos eritrócitos. Essa situação
é observada especialmente na insuficiência cardíaca prolongada e em
muitas doenças pulmonares, visto que a hipoxia tecidual resultante dessas
condições aumenta a velocidade de produção dos eritrócitos, com
conseqüente elevação do hematócrito e, em geral, aumento do volume
sanguíneo total.
Eritropoetina, sua formação em resposta à hipoxia e sua
função na regulação da produção de eritrócitos. O principal
fator que estimula a produção de eritrócitos é um hormônio circulante,
denominado eritropoetina, uma glicoproteína com peso molecular de
cerca de 34.000. Na ausência de eritropoetina, a hipoxia não tem
qualquer efeito ou exerce efeito mínimo sobre a estimulação da
produção de eritrócitos. Por outro lado, quando o sistema da
eritropoetina está funcional, a hipoxia determina aumento pronunciado
da produção de eritropoetina que, por sua vez, acelera a produção de
eritrócitos até que a hipoxia seja abolida.
Papel dos rins na formação de eritropoetina. No indivíduo
normal, 80 a 90% de toda a eritropoetina são formados nos rins; o
restante é sintetizado principalmente no fígado. Todavia, não se sabe
exatamente em que local do rim a eritropoetina é formada. Como local
possível foram sugeridas as células mesangiais localizadas no pólo do
glomérulo
Fig. 32.4 Função do mecanismo da eritropoetina para aumentar a
produção de eritrócitos quando vários fatores diminuem a oxigenação
tecidual.
312
e estendendo-se para o tufo dos capilares glomerulares. Essas células,
quando crescem em cultura de tecido e são submetidas a baixas concen-
trações de oxigênio, secretam grandes quantidades de eritropoetina.
Além disso, sua localização adjacente aos capilares glomerulares permite
que sejam banhadas pelo sangue arterial, o que é importante para a
detecção da saturação arterial, e não da venosa, de oxigênio. Isso expli-
caria por que a exposição de um indivíduo a baixas concentrações de
oxigênio em grandes altitudes resultará em produção acentuadamente
aumentada de eritrócitos.
Todavia, os indivíduos anêmicos também produzem grandes quanti-
dades de eritropoetina e grande número de eritrócitos quando a Po2
arterial está normal. Por conseguinte, deve existir algum outro meca-
nismo para estimular a secreção de eritropoetina, além da resposta das
células mesangiais a baixas concentrações de oxigênio. Uma hipótese,
baseada em outros estudos, admite que as células epiteliais tubulares
renais também secretem eritropoetina; o sangue anêmicu seria incapaz
de fornecer, a partir dos capilares peritubulares, uma quantidade sufi-
ciente de oxigênio às células tubulares, estimulando, assim, a produção
de eritrócitos.
Por fim, a hipoxia em outras partes do organismo, mas não nos
rins, também estimula a secreção de eritropoetina, sugerindo a possível
existência de algum sensor não-renal que enviaria um sinal adicional
aos rins para produzir o hormônio. Em particular, tanto a norepinefrina
quanto a epinefrina e várias prostaglandinas estimulam a produção de
eritropoetina,
Quando ambos os rins são removidos, ou quando são destruídos
por alguma doença renal, o indivíduo fica invariavelmente muito anêmi-
co, visto que os 10 a 20% da eritropoetina formados em outros tecidos
(principalmente no fígado) são apenas suficientes para produzir tão-so-
mente de um terço a metade dos eritrócitos necessários ao organismo.
Efeito da eritropoetina sobre a eritrogênese. Quando um animal ou
uma pessoa ficam expostos a atmosfera com baixo teor de oxigênio,
a eritropoetina começa a ser formada dentro de poucos minutos a horas,
atingindo sua produção máxima dentro de 24 horas. Contudo, quase
nenhum eritrócito novo aparece no sangue circulante no decorrer dos
5 dias seguintes. A partir dessa observação, bem como de outros estudos,
determinou-se que o efeito importante da eritropoetina consiste em esti-
mular a produção de pró-eritroblastos a partir das células-tronco hemo-
poéticas na medula óssea. Além disso, uma vez formados os pró-eritro-
blastos, a eritropoetina faz com que essas células passem pelos diferentes
estágios eritroblásticos mais rapidamente do que o normal, também acele-
rando a produção de novas células. A rápida produção de células prosse-
gue enquanto a pessoa permanecer nas condições de baixo teor de
oxigênio, ou até que haja produção suficiente de eritrócitos para
transportar quantidades adequadas de oxigênio para os tecidos, apesar
do baixo teor de oxigênio. Nesse estágio, a velocidade de produção de
eritropoetina declina até um nível que irá manter o número necessário de
eritrócitos, sem qualquer excesso.
Na ausência completa de eritropoetina, formam-se poucos eritrócitos
na medula óssea. No outro extremo, quando são formadas quantidades
muito grandes de eritropoetina, a velocidade de produção dos eritrócitos
pode aumentar por até 10 vezes ou mais em relação ao normal. Por
conseguinte, o mecanismo de controle da eritropoetina paTa a produção
de eritrócitos é muito potente.
Maturação dos eritrócitos — necessidade de vitamina B12
(clanocobalamina) e de ácido fólico
Devido ã necessidade contínua de repor os eritrócitos, as células
da medula óssea estão entre as que mais rapidamente crescem e se
reproduzem no organismo. Por conseguinte, como é de se esperar, sua
maturação e velocidade de produção são acentuadamente afetadas pelo
estado nutricional do indivíduo.
Duas vitaminas são especialmente importantes para a maturação
final dos eritrócitos: vitamina B12 e ácido fólico. Ambas são essenciais
para a síntese de ADN, visto que cada uma delas, de maneira diferente,
é necessária para a formação de trifosfato de timidina, um dos blocos
essenciais de construção do ADN. Por conseguinte, a falta de vitamina
B]3 ou de ácido fólico resulta em diminuição do ADN e.
conseqüentemente, em insuficiência da maturação e divisão
nucleares. Ademais, as células eritroblásticas da medula óssea, além
de sua incapacidade de proliferar rapidamente, tornam-se maiores do
que o normal, resultando nos denominados megaloblastos.
Nesse caso, o eritrócito adulto apresenta uma membrana frágil e quase
sempre forma irregular, grande e oval, em lugar do disco bicôncavo
habitual. Essas células malformadas, após penetrarem na circulação, são
capazes de transportar normalmente o oxigênio, mas sua fragilidade
determina a redução de seu tempo
de sobrevida para metade a um terço
do normal. Por conseguinte, diz-se que a deficiência de vitamina B,2 ou
de ácido fólico causa insuficiência de maturação no processo da
eritropoese.
A causa dessas células anormais parece ser a seguinte: a incapacidade
da célula de sintetizar quantidades adequadas de ADN determina a
lenta reprodução das células, mas não impede a formação de ARN
pelo ADN disponível em cada célula já existente. Por conseguinte, a
quantidade de ARN em cada célula torna-se bem maior do que o normal,
levando à produção excessiva de hemoglobina e de outros constituintes
citoplasmáticos, resultando cm aumento do volume da célula. Todavia,
devido a anormalidades em alguns genes (do ADN), ocorre malformação
dos componentes estruturais da membrana e do citoesqueleto da célula,
resultando em forma anormal das células e, sobretudo, em aumento
pronunciado da fragilidade da membrana celular.
Falta de maturação ocasionada pela absorção deficiente de
vitamina B12 — anemia perniciosa. A absorção insuficiente da vitamina
B12 pelo tubo gastrintestinal constitui uma causa comum de insuficiência
de maturação. Ocorre com freqüência na doença conhecida como anemia
perniciosa, em que a anormalidade básica é a atrofia da mucosa
gástrica que se torna incapaz de produzir as secreções gástricas
normais. As células parietais das glândulas gástricas secretam uma
glicoproteína denominada fator intrínseco, que se combina com a vitamina
B]2 dos alimentos, tornando-a disponível para absorção intestinal. O
mecanismo envolvido é o seguinte: (1) O fator intrínseco liga-se
fortemente à vitamina B]2. Nesse estado conjugado, a vitamina B,2 fica
protegida da digestão pelas enzimas gastrintestinais. (2) Ainda no estado
conjugado, o fator intrínseco liga-se a sítios receptores específicos
existentes nas membranas da borda em escova das células da mucosa
do íleo. (3) A vitamina B12 é transportada para o sangue nas próximas
horas pelo processo de pinocitose, carregando o fator intrínseco e a
vitamina através da membrana.
Por conseguinte, a falta de fator intrínseco determina a perda de
grande parte da vitamina, devido à ação enzimática no intestino e à
falta de sua absorção. Uma vez absorvida pelo tubo gastrintestinal, a
vitamina B]2 é armazenada em grandes quantidades no fígado e, a seguir,
liberada lentamente, de acordo com as necessidades da medula óssea
e de outros tecidos do organismo. A quantidade mínima de vitamina
B12 necessária a cada dia para manter a maturação normal dos
eritrócitos é de apenas 1 a 3 µm. A reserva normal da vitamina no
fígado e em outros tecidos é de cerca de 1.000 vezes essa quantidade,
de modo que são necessários até 4 a 5 anos de absorção deficiente de
vitamina B12 para que ocorra anemia por falta de maturação.
Falta de maturação causada pela deficiência de absorção de ácido
fólico (ácido pteroilglutâmico). O ácido fólico é um constituinte
normal de vegetais verdes, de algumas frutas, fígado e outas carnes.
Todavia, é facilmente destruído durante o cozimento. Além disso, os
indivíduos com anormalidades da absorção gastrintestinal, como a
doença comum do intestino delgado denominada espru, quase sempre
apresentam séria dificuldade na absorção de ácido fólico e de vitamina
B12. Por conseguinte, em muitos casos de falta de maturação, a causa
reside na deficiência de absorção de ácido fólico e de vitamina B12.
FORMAÇÃO DA HEMOGLOBINA
A síntese da hemoglobina começa nos pró-eritroblastos e prossegue
até o estágio de reticulócito, visto que, quando os reticulócitos abando-
nam a medula óssea e passam para a corrente sangüínea, continuam
a formar quantidades diminutas de hemoglobina durante cerca de mais
um dia A Fig. 32.5 mostra as etapas químicas básicas da formação da
hemoglobina. Com base em estudos com isótopos, sabe-se que a porção
heme da hemoglobina é sintetizada principalmente a partir do ácido
acético e da glicina, e que a maior parte dessa síntese ocorre nas
mitocôndrias. No ciclo de Krebs, que será explicado no Cap. 67, o ácido
acético é transformado em succinil-CoA; a seguir, duas dessas moléculas
combinam-se com duas moléculas de glicina para formar um composto
pirrólico. Por sua vez, quatro compostos pirrólicos combinam-se para
formar um composto protoporfirínico. Uma das protoporfirinas,
conhecida como protoporfirina IX, combina-se, então, com o ferro para
formar a molécula do heme.
313
Fig. 32.5 Formação da hemoglobina.
. Por fim, cada molécula de heme combina-se com uma cadeia
polipeptídica muito longa, denominada globina, sintetizada pelos ribosso-
mas, formando a subunidade de hemoglobina denominada cadeia hemo-
giobínica (Fig. 32.6). Cada uma dessas cadeias possui peso molecular
de cerca de 16.000; por sua vez, quatro delas ligam-se frouxamente
entre si para formar a molécula completa de hemoglobina.
Existem pequenas variações nas subunidades da cadeia hemoglo-
bínica, dependendo da composição de aminoácidos da fração polipep-
tídica. Os diferentes tipos de cadeias são denominados cadeias alfa, ca-
deias beta, cadeias gama e cadeias delta. No adulto, a forma mais comum
de hemoglobina, a hemoglobina A, é uma combinação de duas cadeias
alfa e de duas cadeias beta.
Como cada cadeia possui um grupo prostético heme, existem quatro
átomos de ferro em cada molécula de hemoglobina, e cada um deles
pode fixar uma molécula de oxigênio, de modo que cada molécula de
hemoglobina tem a capacidade de transportar o total de quatro moléculas
de oxigênio (ou oito átomos). A hemoglobina possui peso molecular
de 64.458 átomos.
A natureza das cadeias hemoglobínicas determina a afinidade de
ligação da hemoglobina ao oxigênio. As anormalidades das cadeias po-
dem alterar as características físicas da molécula de hemoglobina. Por
exemplo, na anemia falciforme, o ácido glutâmico é substituído pelo
aminoácido valina em um ponto de cada uma das duas cadeias beta.
Quando esse tipo de hemoglobina é exposto a baixo teor de oxigênio,
formam-se cristais alongados no interior dos eritrócitos que, por vezes.
Fig. 32.6 Estrutura básica da molécula de hemoglobina, mostrando um
dos quatro complexos heme ligados entre si para formar a molécula
da hemoglobina.
chegam a ter 15 /um de comprimento. Esses cristais tornam quase impos-
sível a passagem das células pelos capilares, e as extremidades afiladas
desses cristais tendem a causar ruptura da membrana celular, resultando
em anemia falctforme.
Combinação da hemoglobina com o oxigênio. A característica mais
importante da molécula de hemoglobina reside na sua capacidade de
se combinar frouxamente e de modo reversível com o oxigênio. Essa
capacidade é discutida detalhadamente no Cap. 40 em relação à respira-
ção , uma vez que a principal função da hemoglobina no organismo depen-
de de sua capacidade de combinar-se com o oxigênio nos pulmões e,
a seguir, liberá-lo rapidamente nos capilares teciduais. onde a tensão
gasosa do oxigênio é muito menor do que nos pulmões.
O oxigênio não se combina com as duas ligações positivas do ferro
da molécula de hemoglobina. Na verdade, liga-se fracamente a uma
das seis ligações de "coordenação" do átomo de ferro. Trata-se de ligação
extremamente fraca, de modo que a combinação é facilmente reversível.
Além disso, o oxigênio não se transforma em oxigênio iônico, mas é
transportado sob a forma de oxigênio molecular para os tecidos, onde,
devido a sua combinação fraca e rapidamente reversível, e liberado nos
líquidos teciduais sob a forma de oxigênio molecular dissolvido, e não
sob a forma iônica.
METABOLISMO DO FERRO
Devido à importância do ferro para a formação da hemoglobina,
da mioglobina e de outras substâncias, como os citocromos, a citocromo
oxidase, a peroxidase e a catalase. é essencial compreender o modo
pelo qual o ferro é utilizado no organismo.
A quantidade total de ferro no organismo é, em média, de 4 g,
dos quais 65%, aproximadamente, estão presentes sob forma
de hemo-
globina. Cerca de 4% ocorrem na forma de mioglobina, 1% na forma
dos vários compostos hêmicos que promovem a oxidação intracelular,
0,1% combinado com a proteína transferrina no plasma e 15 a 30%
armazenados principalmente no sistema reticuloendotelial e nas células
parenquimatosas do fígado, sob a forma de ferrítina.
Transporte e armazenamento do ferro. O transporte, o armazena-
mento e o metabolismo do ferro no organismo estão ilustrados na Fig.
32.7 e podem ser explicados como se segue. Quando o ferro é absorvido
pelo intestino delgado, combina-se imediatamente no plasma com uma
beta-globulina, a apotransferrina, formando transferrina, que é, então,
transportada no plasma. O ferro está fracamente combinado com a molé-
cula de globina, de modo que ele pode ser liberado para qualquer célula
tecidual em qualquer ponto do organismo. O excesso de ferro no sangue
é depositado em todas as células do organismo, porém especialmente
nas células reticuloendoteliais e nos hepatócitos. No citoplasma da célula,
combina-se principalmente com uma proteína, z apoferritina, para formar
ferritina. A apoferritina possui peso molecular de aproximadamente
460.000, e quantidades variáveis de ferro podem combinar-se em agrega-
dos de radicais de ferro com essa grande molécula. Pof conseguinte,
a ferritina pode conter desde pequena quantidade até grande quantidade
de ferro. O ferro armazenado na ferritina é conhecido como ferro de
armazenamento.
Quantidades menores de ferro no compartimento de deposito são
armazenadas sob forma extremamente insolúvel, denominada hemossi-
derina. Isso ocorre especialmente quando a quantidade total de ferro
no organismo é maior do que a capacidade do reservatório de depósito
da apoferritina. A hemossiderina forma agregados muito grandes nas
células e, conseqüentemente, pode ser corada e observada ao microscópio
sob forma de grandes partículas em cortes de tecidos preparados, por
técnicas histológicas. A ferritina também pode ser corada, porém suas
partículas são tão pequenas e dispersas que habitualmente só podem
ser observadas ao microscópio eletrônico.
Quando a quantidade de ferro no plasma cai para valores muito
baixos, o ferro é removido da ferritina com muita facilidade, porém
menos facilmente da hemossiderina. A seguir, o ferro é transportado
pela transferrina do plasma para as partes do organismo onde ele é
necessário.
Uma característica peculiar da molécula de transferrina reside na
sua ligação especialmente forte a receptores nas membranas celulares
dos eritroblastos na medula óssea. Em seguida, juntamente com o ferro
fixado a ela, é ingerida pelos eritroblastos por endocitose. Nessas células,
a transferrina libera o ferro diretamente nas mitocôndrias, onde ocorre
314
a síntese do heme. Nos indivíduos que não apresentam quantidades
adequadas de transferrina no sangue, a incapacidade de transportar o
ferro até os eritroblastos pode causar anemia hipoerômica grave — isto
é, número diminuído de eritrócitos contendo pouca hemoglobina.
Quando os eritrócitos completam seu tempo de sobrevida e são
destruídos, a hemoglobina liberada das células é ingerida pelas células
do sistema monócito-macrofago. Nesse sistema, o ferro livre é liberado
e pode ser, então, armazenado no compartimento da ferritina ou reutili-
zado para a formação de hemoglobina.
Perda diária de ferro. O homem excreta diariamente cerca de 1
mg de ferro, principalmente nas fezes. Ocorre perda de quantidades
adicionais de ferro toda vez que ocorre sangramento. Nas mulheres,
a perda menstrual de sangue faz com que a perda diária média de ferro
atinja um valor de aproximadamente 2 mg.
Obviamente, a quantidade média de ferro obtida diariamente da
dieta deve ser pelo menos igual à perdida pelo organismo.
Absorção do ferro pelo tubo gastrintestinal
O ferro é absorvido por todos os segmentos do intestino delgado,
principalmente por meio do seguinte mecanismo O fígado secreta quanti-
dades moderadas de apotransferrina na bile, que flui para o duodeno
pelo duto colédoco. No intestino delgado, a apotransferrina liga-se ao
ferro livre, bem como a alguns compostos de ferro, como a hemoglobina
e a mioglobina da carne, que constituem duas das mais importantes
fontes de ferro da dieta. Essa combinação é denominada transferrina.
Por sua vez, a transferrina liga-se a receptores existentes nas membranas
das células epiteliais intestinais. A seguir, pelo processo de pinocitose,
a molécula de transferrina com seu ferro de armazenamento é absorvida
pelas células epiteliais e, mais tarde, liberada no lado voltado para a
corrente sangüínea, sob forma de transferrina plasmática.
A velocidade de absorção do ferro é extremamente lenta, com máxi-
mo de apenas alguns miligramas por dia. Isso significa que, em presença
de grandes quantidades de ferro na alimentação, apenas pequena propor-
ção pode ser absorvida.
Regulação do ferro corporal total por alteração da velocidade
de absorção. Quando o organismo está saturado de ferro, de modo que
praticamente toda a apoferritina das áreas de armazenamento de ferro
já está combinada ao ferro, a velocidade de absorção do ferro pelo
tubo intestinal diminui acentuadamente. Por outro lado, quando ocorre
depleção das reservas de ferro, a velocidade de absorção aumenta até
cinco ou mais vezes em relação à velocidade observada quando as reservas
de ferro estão saturadas. Por conseguinte, o ferro corporal total é
regulado, em grande parte, pela variação da velocidade de absorção.
Mecanismos de feedback para a regulação de absorção de
ferro. Existem dois mecanismos que pelo menos desempenham algum
papel na regulação da absorção do ferro: (1) Quando praticamente toda
apoferritina no organismo está saturada de ferro, é difícil haver
liberação de ferro da transferrina para os tecidos. Por conseguinte, a
transferrina, cuja saturação normal com ferro é de apenas um terço, fica
quase totalmente ligada ao ferro, de modo que quase não aceita
nenhum ferro novo a partir das células da mucosa. A seguir, como
etapa final desse processo, o acumulo de excesso de ferro nas próprias
células da mucosa deprime a absorção ativa de ferro do lúmen intestinal.
Fíg. 32.7 Transporte e metabolismo do ferro.
(2) Quando o organismo apresenta reservas excessivas de ferro, o
fígado diminui sua velocidade de formação de apotransferrina,
reduzindo, assim, a concentração dessa molécula transportadora de
ferro no plasma, bem como na bile. Por conseguinte, ocorre menor
absorção de ferro pelo mecanismo intestinal da apotransferrina, e menor
quantidade pode ser transportada das células epiteliais intestinais pela
transferrina plasmática.
Todavia, apesar desses mecanismos de controle por feedback para
regular a absorção de ferro, quando o indivíduo ingere quantidades
excessivas de compostos de ferro, o ferro em excesso penetra no sangue
e pode resultar em deposição maciça de hemossiderina nas células reticu-
loendoteliais de todo organismo, o que, algumas vezes, pode ser muito
DESTRUIÇÃO DOS ERITRÓCITOS
Quando os eritrócitos são liberados pela medula óssea no sistema
circulatório, eles normalmente circulam durante 120 dias, em média,
antes de serem destruídos. Embora os eritrócitos maduros não tenham
núcleo, mitocôndrias ou retículo endoplasmático, eles, entretanto, pos-
suem enzimas citoplasmáticas capazes de metabolizar a glicose e formar
pequenas quantidades de trifosfato de adenosina (ATP). Por sua vez,
o ATP atua no eritrócito por diversas maneiras: (1) mantém a flexibi-
lidade da membrana celular, (2) mantém o transporte de íons através
da membrana, (3) mantém o ferro da hemoglobina na forma ferrosa,
e não na forma férrica (que causa a formação de metemoglobina, que
não transporta oxigênio), e (4) impede a oxidação das proteínas no
eritrócito. Todavia, com o decorrer do tempo, esses sistemas metabólicos
do eritrócito tornam-se progressivamente menos ativos e a célula fica
cada
vez mais frágil, presumivelmente devido ao desgaste de seus proces-
sos vitais.
Quando a membrana do eritrócito torna-se muito frágil, a célula
pode sofrer ruptura durante sua passagem através de algum ponto
estreitado da circulação. Muitos dos eritrócitos fragmentam-se no baço,
onde se espremem através da polpa vermelha do órgão. No baço, os
espaços entre as trabéculas estruturais da polpa têm apenas 3 µm de
largura, em comparação com o diâmetro de 8 µm do eritrócito.
Quando o baço é removido, o número de células anormais e de células
velhas que circulam no sangue aumenta de modo considerável.
Destruição da hemoglobina. A hemoglobina liberada pelas células
quando são destruídas é fagocitada quase imediatamente por macrófagos
presentes em muitas partes do organismo, porém sobretudo no fígado
(células de Kupffer), no baço e na medula óssea. A seguir, durante
período de algumas horas a vários dias, os macrófagos liberam o ferro
da hemoglobina que retorna ao sangue, onde é transportado pela
transferrina até a medula óssea para a produção de novos eritrócitos
ou até o fígado e outros tecidos para armazenamento na forma de
ferritina. A fração porfirínica da molécula de hemoglobina é convertida
pelos macrófagos, em várias etapas, no pigmento biliar bilirrubina,
liberado no sangue e, mais tarde, secretado pelo fígado na bile. Esse
processo será discutido, em relação à função hepática, no Cap. 70.
315
ANEMIAS
Anemia é uma deficiência de eritrócitos, que pode ser causada
por perda muito rápida ou produção demasiado lenta de eritrócitos.
A seguir, serão comentados alguns tipos de anemia e suas causas
fisiológicas.
Anemia por perda de sangue. Após a ocorrência de rápida
hemorragia, o organismo repõe o plasma dentro de 1 a 3 dias, mas não
corrige a baixa concentração de eritrócitos. Se não houver uma segunda
hemorragia, a concentração de eritrócitos normaliza-se em 3 a 4
semanas.
Na perda crônica de sangue, o indivíduo quase sempre não consegue
absorver ferro do intestino em quantidade suficiente para formar a hemo-
globina na mesma velocidade em que ela é perdida. Por conseguinte,
ocorre produção de eritrócitos com quantidade muito pequena de hemo-
globina em seu interior, dando origem à anemia microcítka hipocrômica,
que é ilustrada na Fig. 32.3.
Anemia aplástica. Aplasia medular é a ausência de medula óssea
funcionante. Por exemplo, pessoa exposta à irradiação com raios gama
proveniente de explosão nuclear tem probabilidade de sofrer destruição
completa da medula óssea, seguida por anemia letal em poucas semanas.
De forma semelhante, a radioterapia excessiva, certos produtos químicos
industriais e até mesmo determinados medicamentos a que a pessoa
pode ser sensível podem causar o mesmo efeito,
Anemia megaloblástica. A partir da exposição feita antes neste capí-
tulo sobre a vitamina B12, ácido fólico e o fator intrínseco da mucosa
gástrica, pode-se facilmente compreender que a perda de qualquer um
desses fatores pode levar à reprodução muito lenta dos eritroblastos
na medula óssea. Como conseqüência, essas células crescem demais,
adquirem formas irregulares e são denominadas megaloblastos. Por
conseguinte, a atrofia da mucosa gástrica, como a que ocorre na anemia
perniciosa, ou a perda de todo o estômago, em conseqüência de
gastrectomia total, podem resultar no desenvolvimento de anemia
megaloblástica. Além disso, os pacientes com espru intestinal,
caracterizado por absorção deficiente de ácido fólico, de vitamina B12 e de
outros compostos da vitamina B, quase sempre desenvolvem anemia
megaloblástica. Como os eritroblastos não podem proliferar com rapidez
suficiente para formar números normais de eritrócitos, as células
formadas apresentam, em sua maior parte, tamanho exagerado, com
formas bizarras e membranas frágeis. Por conseguinte, sofrem ruptura
com facilidade, de modo que o organismo passa a ter urgente
necessidade de número adequado de eritrócitos.
Anemia hemolítica. Numerosas anormalidades dos eritrócitos,
muitas das quais são hereditárias, tornam as células muito frágeis, de
modo que sofrem ruptura com facilidade ao passar pelos capilares, em
particular os do baço. Por conseguinte, embora o número de eritrócitos
formados esteja normal, ou até mesmo excessivo, como ocorre em
algumas doenças hemolíticas, a sobrevida dos eritrócitos é tão curta que
resulta no aparecimento de anemia grave. Dentre esses tipos de anemia
destacam-se os que se seguem.
Na esferocitose hereditária, os eritrócitos têm tamanho muito peque-
no e apresentam forma mais esférica do que bicôncava. Essas células
não podem ser comprimidas, visto não terem estrutura normal da mem-
brana, em forma de saco frouxo dos discos bicôncavos. Assim, ao atraves-
sarem a polpa esplênica, eles se rompem com facilidade, até mesmo
por leve compressão.
Na anemia falciforme, que ocorre em 0,3 a 1,0% dos negros ameri-
canos e da África Ocidental, as células contêm um tipo anormal de
hemoglobina, denominada hemoglobina S, resultante da composição
anormal das cadeias beta da hemoglobina, como foi explicado antes
neste capítulo. Quando a hemoglobina S é exposta a baixas concentrações
de oxigênio, ela precipita e forma longos cristais no interior dos eritró-
citos. Esses cristais alongam a célula, conferindo-lhe o aspecto de foice
em lugar de disco bicôncavo. A hemoglobina precipitada também lesa
a membrana celular, de modo que as células tornam-se muito frágeis,
com o conseqüente desenvolvimento de anemia grave. Os pacientes quase
sempre entram no ciclo vicioso denominado "crise" da anemia falciforme.
em que a baixa tensão de oxigênio nos tecidos provoca falcização. o
que provoca impedimento do fluxo sanguíneo pelos tecidos, determi-
nando, por sua vez, redução maior da tensão de oxigênio. Assim, uma
vez iniciado o processo, ele progride rapidamente, causando redução
acentuada da massa de eritrócitos em poucas horas e, com freqüência,
levando à morte.
Na eritroblastose fetal, os eritrócitos Rh-positivos do feto são ataca-
dos por anticorpos da mãe Rh-negativa. Esses anticorpos tornam as
células frágeis e fazem com que a criança nasça com anemia grave.
A eritroblastose fetal é discutida no Cap. 35, em relação ao fator sanguí-
neo Rh. A formação extremamente rápida de novos eritrócitos na eritro-
blastose fetal resulta na liberação de grande número de formas blásticas
de eritrócitos no sangue.
Em certas ocasiões, a hemólise também pode resultar de reações
transfusionais, de malária, de reações a certos medicamentos, e como
processo auto-imune.
EFEITOS DA ANEMIA SOBRE O SISTEMA
CIRCULATÓRIO
A viscosidade do sangue, que foi discutida no Cap. 14, depende
quase totalmente da concentração de eritrócitos. Na anemia grave, a
viscosidade do sangue pode cair para até uma vez e meia a da água
em relação ao valor normal de aproximadamente 3. Essa redução da
viscosidade diminui a resistência ao fluxo sanguíneo nos vasos periféricos,
de modo que o sangue retorna ao coração em quantidades maiores do
que o normal. Além disso, a hipoxia decorrente do menor transporte
de oxigênio pelo sangue determina a dilatação dos vasos teciduais, o
que permite retomo ainda maior de sangue ao coração, aumentando
o débito cardíaco até um nível mais elevado. Por conseguinte, um dos
principais efeitos da anemia consiste em aumento acentuado da carga
de trabalho sobre o coração. O aumento do débito cardíaco na anemia
compensa parcialmente muitos de seus efeitos. De fato, apesar de cada
unidade de sangue transportar apenas uma pequena quantidade de
oxigênio, a velocidade do fluxo sanguíneo pode estar aumentada a
ponto de permitir a liberação de quantidades quase normais de oxigênio
nos tecidos. Todavia, quando o indivíduo anêmico começa a efetuar
exercícios físicos, o coração não é capaz de bombear sangue em
quantidades muito maiores do que as que já está bombeando.
Conseqüentemente, durante o exercício, que aumenta acentuadamente
a
demanda de oxigênio dos tecidos, ocorre hipoxia tecidual extrema, c,
com freqüência, verifica-se o desenvolvimento de insuficiência cardíaca
aguda.
POLICITEMIA
Policitemia secundária. Toda vez que os tecidos se tornam hipóxicos,
devido a um teor de oxigênio muito baixo na atmosfera, como em grandes
altitudes, ou devido a liberação insuficiente de oxigênio nos tecidos,
como ocorre na insuficiência cardíaca, os órgãos hematopoéticos automa-
ticamente passam a produzir grandes quandidades de eritrócitos. Esta
condição é denominada policitemia secundária, e a contagem de eritró-
citos costuma aumentar e atingir 6 a 8 milhões/mm3.
Uma forma muito comum de policitemia secundária, denominada
policitemia fisiológica, ocorre em indivíduos que vivem em altitudes de
4.200 a 5.200 m. Em geral, a contagem atinge 6 a 8 milhões/mm1, e
esses indivíduos têm a capacidade de executar um trabalho contínuo
e intenso, mesmo em atmosfera rarefeita.
Policitemia vera (eritremia). Além dos indivíduos que apresentam
policitemia fisiológica, outros têm a condição conhecida como policitemia
vera, em que a contagem de eritrócitos pode atingir 7 a 8 milhões,
e o hematócrito, 60 a 70%. A policitemia vera é uma condição tumoral
dos órgãos produtores de eritrócitos. Causa uma produção excessiva
de eritrócitos, da mesma maneira que um tumor de mama leva à produção
excessiva de um tipo específico de célula mamaria. Em geral, também
provoca produção excessiva de leucócitos e plaquetas.
Na policitemia vera, não apenas o hematócrito aumenta, como tam-
bém o volume sanguíneo total, que raramente chega a atingir o dobro
do valor normal. Como conseqüência, todo o sistema vascular fica inten-
samente ingurgitado. Além disso, muitos dos capilares ficam obstruídos
devido à viscosidade do sangue, que, na policitemia vera, aumenta,
por vezes, de seu valor normal de três vezes para 10 vezes a viscosidade
da água.
EFEITO DA POLICITEMIA SOBRE O SISTEMA
CIRCULATÓRIO
Devido ao acentuado aumento da viscosidade do sangue na policite-
mia, o fluxo sanguíneo pelos vasos costuma ser muito lento. Com base
nos fatores que regulam o retorno de sangue ao coração, conforme
316
discutido no Cap. 20, é óbvio que o aumento da viscosidade tende a
reduzir a velocidade do retorno venoso ao coração. Por outro lado,
o volume sanguíneo na policitemia está tão aumentado que ele tende
a aumentar o retorno venoso. Na verdade, o débito cardíaco na polici-
temia não está muito afastado do normal, visto que estes dois fatores
se neutralizam mutuamente.
A pressão arterial apresenta-se normal na maioria dos indivíduos
com policitemia, embora esteja elevada em cerca de um terço dos casos.
Isso significa que os mecanismos reguladores da pressão arterial podem
geralmente compensar a tendência da viscosidade aumentada do sangue
de elevar a resistência periférica, aumentando a pressão arterial.
Contudo, além de certos limites, esses mecanismos deixam de
funcionar.
A cor da pele depende, em grande parte, da quantidade de sangue
no plexo subpapilar venoso. Na policitemia vera. a quantidade de sangue
nesse plexo fica acentuadamente aumentada. Além disso, como o sangue
flui lentamente pelos capilares cutâneos antes de penetrar no plexo
venoso, quantidade de hemoglobina maior do que o normal é
desoxigenada antes que o sangue penetre nesse plexo. A cor azul dessa
hemoglobina desoxigenada mascara a cor vermelha da hemoglobina
oxigenada. Por conseguinte, o indivíduo portador de policitemia vera
costuma apresentar aspecto corado, quase sempre com totalidade
azulada {cianótica) da pele. (Na policitemia secundária, a cianose
também é quase sempre evidente, visto ser a hipoxia a causa habitual
desse tipo de policitemia.)
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317
CAPÍTULO 33
Resistência do Organismo a Infecção: I. Leucócitos,
Granulócitos, Sistema dos Monócitos-
Macrófagos e Inflamação.
Normalmente, nosso organismo está exposto a bactérias, vírus, fun-
gos e parasitas, que ocorrem sobretudo na pele, na boca, nas vias respira-
tórias, no tubo intestinal, nas mucosas dos olhos e até mesmo nas vias
urinárias. Muitos desses agentes são capazes de produzir doença grave,
se invadirem os tecidos mais profundos. Além disso, podemos ficar inter-
mitentemente expostos a outras bactérias e vírus altamente infecciosos,
além dos normalmente presentes em nosso organismo, causando doenças
letais, como pneumonia, infecções estreptocócicas e febre tifóide.
Felizmente, nosso organismo possui um sistema especial para comba-
ter os diferentes agentes infecciosos e tóxicos. Esse sistema é formado
pelos leucócitos (glóbulos brancos) e por células teciduais originalmente
derivadas dos leucócitos. Essas células atuam em conjunto, de duas
maneiras distintas, para impedir a instalação de doença: (1) pela destrui-
ção efetiva dos agentes invasores pelo processo da fagocitose e (2) pela
formação de anticorpos e linfócitos sensibilizados que, isoladamente ou
em conjunto, podem destruir o agente invasor. O presente capítulo irá
tratar do primeiro desses mecanismos, enquanto o capítulo seguinte des-
creverá o segundo.
LEUCÓCITOS(GLÓBULOSBRANCOS)
Os leucócitos são as unidades móveis do sistema protetor do orga-
nismo. São formados, em parte, na medula óssea (os granulócitos e
monócitos, bem como alguns linfócitos), e, em parte, no tecido linfóide
( linfócitos e plasmócitos); todavia, após sua formação, são transportados
no sangue para as diferentes partes do organismo onde irão atuar O
verdadeiro valor dos leucócitos é que, em sua maior parte, são transpor-
tados especificamente para as áreas de inflamação grave, proporcio-
nando, assim, defesa rápida e potente contra qualquer agente infeccioso
que possa estar presente. Como veremos adiante, os granulócitos e os
monócitos têm a capacidade especial de "procurar e destruir" qualquer
invasor estranho.
CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS LEUCÓCITOS
Tipos de leucócitos. Normalmente, encontramos seis tipos diferentes
de leucócitos no sangue: neutrofilós polimorfonucleares, eosinófilos poli-
morfonucleares, basófilos polimorfonucleares, monócitos, linfócitos e al-
guns plasmócitos. Além disso, há um grande número de plaquetas, que
consistem em fragmentos de um sétimo tipo de célula encontrada na
medula óssea, o megacariócito. Os três tipos de células polimorfonu-
cleadas possuem aspecto granular, conforme ilustrado na Fig. 33.1, razão
pela qual são denominados granulócitos ou, na terminologia clínica, sim-
plesmente "poli".
Os granulócitos e os monócitos protegem o organismo contra os
microrganismos invasores ao ingeri-los — isto é, pelo processo da fagoci-
tose. Os linfócitos e os plasmócitos funcionam principalmente em conexão
com o sistema imune; isso será discutido no capítulo seguinte. Todavia,
certos linfócitos têm por função fixar-se a microrganismos invasores espe-
cíficos e destruí-los, atuando de forma semelhante aos granulócitos e
monócitos. Por fim, a função das plaquetas consiste principalmente em
ativar o mecanismo da coagulação sangüínea, discutido no Cap. 36.
Concentrações dos diferentes leucócitos no sangue. O ser
humano adulto possui aproximadamente 7.000 leucócitos por microlitro
de sangue. As percentagens normais dos diferentes tipos de leucócitos
são aproximadamente as seguintes:
Neutrófitos polimorfonucleares 62,0%
Eosinófitos polimorfonucleares 2,3 %
Basófilos polimorfonucleares 0,4 %
Monócitos 5,3 %
Linfócitos 30,0 %
O número de plaquetas, que consistem apenas em fragmentos celula-
res, é normalmente de cerca de 300.000 por mililitro de sangue.
GÊNESE DOS LEUCÓCITOS
No capítulo anterior, a diferenciação inicial da célula-tronco hemo-
poética pluripotencial nos diferentes tipos de células-tronco compro-
missadas foi mostrada na Fig. 32.2. Além das células compromissadas
para a formação de eritrócitos, existem também duas grandes linhagens
de leucócitos, as linhagens mielocítica e linfocítica. A Fig. 33.1 apresenta
à esquerda, a linhagem mielocítica, começando pelo mieloblasto; à direita
está a linhagem linfocitica, que começa pelo linfoblasto.
Os granulócitos e monócitos só são formados na medula óssea.
Os linfócitos e os plasmócitos são produzidos principalmente nos vários
órgãos linfogênicos, incluindo os gânglios linfáticos, o baço, o timo,
as amígdalas e vários restos linfóides na medula óssea, no intestino e
em outros locais.
Os leucócitos formados na medula óssea, sobretudo os granulócitos,
são armazenados no interior da medula até que sua presença seja neces-
sária no sistema circulatório. Quando surge essa necessidade, vários
fatores, que serão discutidos adiante, provocam sua liberação. Normal-
mente, existem cerca de três vezes mais granulócitos armazenados na
medula do que no sangue circulante. Isso representa um suprimento
de granulócitos para cerca de 6 dias.
Conforme ilustrado na Fig. 33.1 os megacariócitos também são for-
mados na medula óssea e fazem parte do grupo mielogênico de células
medulares. Esses megacariócitos fragmentam-se na medula óssea, e os
pequenos fragmentos, conhecidos como plaquetas, ou trombócitos, pas-
sam, então, para o sangue.
318
Fig. 33.1 Gênese dos leucócitos. As diversas células da série mielóide
são: 1, mieloblasto; 2, pró-mielócito; 3, megacariócito; 4, mielócito
neutrófilo; 5, metamie-lócito neutrófilo jovem; 6, metamielócito
neutrófilo "em bastão; 7, neutrófilo polimorfonuclear; 8, mielócito
eosinófilo; 9, metamielócito eosinófilo; 10, eosi-nófilo polimorfonuclear;
11, mielócito basófilo; 12, basófilo polimorfonuclear; 13-16, estágios de
formação dos monócitos.
TEMPO DE SOBREVIDA DOS LEUCÓCITOS
Os leucócitos estão presentes no sangue porque simplesmente são
transportados da medula óssea ou do tecido linfóide para as áreas do
corpo onde são necessários. Quando liberados pela medula óssea, a
sobrevida dos granulócitos é normalmente de 4 a 8 horas no sangue
e de mais 4 a 5 dias nos tecidos. Na presença de infecção tecidual grave,
esse tempo de sobrevida total quase sempre diminui para algumas horas,
visto que os granulócitos dirigem-se rapidamente para a área infectada,
desempenham sua função e. nesse processo, são destruídos.
Os monócitus também possuem tempo de trânsito curto no sangue,
da ordem de 10 a 20 horas, antes de atravessarem as membranas capilares
para se dirigirem aos tecidos. Todavia, uma vez nesses tecidos, aumentam
acentuadamente de tamanho e transformam-se em macrófagos teciduais;
sob essa forma, podem sobreviver durante meses ou até anos, a não
ser que sejam destruídos ao desempenhar sua função fagocítica. Esses
macrófagos teciduais formam a base do sistema de macrófagos teciduais,
responsável pela defesa contínua dos tecidos contra a infecção, como
discutiremos adiante neste capítulo.
Os linfócitos
penetram continuamente no sistema circulatório com
a drenagem da linfa dos linfonodos. A seguir, depois de algumas horas,
penetram nos tecidos por diapedese; a seguir, voltam ã linfa e retornam
ao sangue, repetidamente, de modo que existe circulação contínua de
linfócitos pelos tecidos. Os linfócitos possuem tempo de sobrevida de
vários meses ou anos, embora isso dependa das necessidades do orga-
nismo.
As plaquetas no sangue são totalmente substituídas a cada 10 dias,
aproximadamente. Em outras palavras, cerca de 30.000 plaquetas são
formadas, por dia, para cada microlitro de sangue.
Diapedese. Os neutrófilos e monócitos são capazes de espremer-se
através dos poros dos vasos sanguíneos pelo processo conhecido como
diapedese. Isto é. mesmo quando o poro é bem menor do que a célula,
uma pequena parte dessa célula desliza através do poro, ficando essa
porção reduzida ao tamanho do poro, como ilustra a Fig. 33.2.
Movimento amebóide. Tanto os neutrófilos como os macrófagos des-
locam-se pelos tecidos por movimento amebóide, que foi descrito no
Cap. 2. Algumas células podem deslocar-se com velocidade de até 40
µm / min, o que corresponde a várias vezes o seu próprio comprimento
a cada minuto.
Quimiotaxia. Muitas substâncias químicas nos tecidos induzem o
deslocamento de neutrófilos e macrófagos em direção à fonte dessa subs-
tância química. Esse fenômeno, ilustrado na Fig. 33.2, é conhecido como
quimiotaxia. Quando o tecido fica inflamado, verifica-se a formação
de pelo menos uma dúzia de diferentes produtos passíveis de induzir
quimiotaxia para a área inflamada. Essas substâncias incluem (1) algumas
das toxinas bacterianas, (2) produtos degenerativos dos próprios tecidos
inflamados, (3) vários produtos de reação do "complexo do comple-
mento" (que será discutido no próximo capítulo), e (4) diversos produtos
da reação produzidos durante a coagulação do plasma na área inflamada,
bem como outras substâncias.
PROPRIEDADES DE DEFESA DOS NEUTRÒFILOS E
MONÓCITOS-MACRÓFAGOS
São principalmente os neutrófilos e os monócitos que atacam e
destroem as bactérias e os vírus invasores, bem como outros agentes
lesivos. Os neutrófilos são células maduras capazes de atacar e destruir
bactérias e vírus, mesmo no sangue circulante. Por outro lado, os monó-
citos circulantes são células imaturas que possuem pouca capacidade
de combater agentes infecciosos. Entretanto, quando penetram nos teci-
dos, começam a intumescer, aumentando seu diâmetro por até cinco
vezes, isto é, até 80 µm. permitindo sua visualização a olho nu. Além
disso, um número extremamente elevado de lisossomas aparece no seu
citoplasma, conferindo-lhe o aspecto de uma bolsa repleta de grânulos.
Nesse estágio, as células são denominadas macrófagos e têm a capacidade
de combater os agentes patogênicos. Fig. 33.2 Movimento dos neutrófilos pelo processo da quimiotaxia para
uma área de lesão tecidual.
319
Conforme ilustrado na Fig. 33.2, a qurmiotaxia depende do gradiente
de concentração da substância quimiotáxica. Essa concentração é maior
próximo à sua origem, determinando o movimento direcional dos leucó-
citos. A quimiotaxia é muito eficaz até distâncias de 100 µm do tecido
inflamado; como quase nenhuma área de tecido está situada a distância
de mais de 30 a 50 µm de um capilar, o sinal quimiotáxico pode facilmente
atrair grandes hordas de leucócitos dos capilares para a área inflamada.
FAGOCITOSE
A mais importante função dos neutrófilos e macrófagos é a fago-
citose.
Obviamente, os fagócitos devem ser seletivos quanto ao material
a ser fagocitado, pois, do contrário, algumas das células e estruturas
normais do organismo poderiam ser ingeridas. A ocorrência ou não
de fagocitose depende, em particular, de três procedimentos seletivos.
Em primeiro lugar, se a superfície de uma partícula for áspera, a probabi-
lidade de ser fagocitada aumenta. Em segundo lugar, a maior parte
das substâncias naturais do organismo possui revestimentos protetores
de proteína que repelem os fagócitos. Por outro lado, os tecidos mortos
e as partículas estranhas quase sempre não possuem esse revestimento
protetor, e muitas exibem forte carga elétrica, tornando-as sujeitas ã
fagocitose. Em terceiro lugar, o organismo possui meio específico para
reconhecer certos materiais estranhos. Esta é a função do sistema imune,
que será descrito no capítulo seguinte. O sistema imune torna anticorpos
contra agentes infecciosos, como as bactérias. A seguir, as regiões variá-
veis dos anticorpos aderem às membranas bacterianas, tornando essas
bactérias especialmente suscetíveis à fagocitose. Para isso, a região cons-
tante da molécula de anticorpo combina-se com o produto C3 da cascata
do complemento, que representa outra parte do sistema imune que será
discutido no capítulo seguinte. A seguir, as moléculas de C3 fixam-se
aos receptores sobre a membrana do fagócito, iniciando, assim, a fagoci-
tose. Todo esse processo é denominado opsonização.
Fagocitose pelos neutrófilos. Os neutrófilos que penetram nos tecidos
já são células maduras capazes de iniciar imediatamente a fagocitose.
Ao aproximar-se da partícula a ser fagocitada, o neutrófilo fixa-se a
ela, projeta em seguida pseudópodos em todas as direções em torno
da partícula, que se unem no lado oposto e se fundem. Forma-se dessa
maneira uma câmara fechada contendo a partícula fagocitada. A seguir,
a câmara se invagina para o interior do citoplasma e separa-se da mem-
brana celular externa, formando uma vesícula fagocítica (também deno-
minada fagossoma ) que flutua livremente no citoplasma.
Um neutrófilo pode, em geral, fagocitar 5 a 20 bactérias antes de
se tornar inativo e morrer.
Fagocitose pelos macrófagos. Os macrófagos, quando ativados pelo
sistema imune descrito no capítulo seguinte, são fagócitos muito mais
potentes do que os neutrófilos e, com freqüência, são capazes de fagocitar
até 100 bactérias. Além disso, têm a capacidade de engolfar partículas
muito maiores, até mesmo eritrócitos ou parasitas da malária, enquanto
os neutrófilos são incapazes de fagocitar partículas muito maiores do
que as bactérias. Além disso, os macrófagos após digerir as partículas,
podem expelir os produtos residuais e, com freqüência, sobrevivem du-
rante muitos meses.
Digestão enzimática das partículas fagocitadas. Uma vez
fagocitada uma partícula estranha, os lisossomas e outros grânulos
citoplasmáticos entram imediatamente em contato com a vesícula
fagocítica e suas membranas se fundem com a da vesícula, permitindo a
passagem de muitas enzimas digestivas e agentes bactericidas para o
interior da vesícula. Por conseguinte, a vesícula fagocítica transforma-se
em vesícula digestiva, e a digestão da partícula fagocitada começa
imediatamente. Tanto os neutrófilos quanto os macrófagos possuem
quantidades abundantes de lisossomas repletos de enzimas proteolíticas,
especialmente apropriadas para a digestão de bactérias e outros
materiais protéicos estranhos. Os lisossomas dos macrófagos também
contêm grandes quantidades de lipa-ses, que digerem as espessas
membranas lipídicas de algumas bactérias.
Capacidade dos neutrófilos e dos macrófagos de matar
bactérias. Além da digestão das bactérias ingeridas nos fagossomas, os
neutrófilos e os macrófagos também contêm agentes bactericidas que
matam a maioria das bactérias, mesmo quando as enzimas lisossômicas
não conseguem digeri-las. Isso é especialmente importante
considerando-se o fato de que algumas bactérias possuem
revestimentos protetores ou outros fatores que impedem sua destruição
pelas enzimas digestivas. Grande parte desse efeito letal resulta de vários
agentes oxidantes poderosos, formados por enzimas na membrana da
fagossoma ou pela organela especial, denominada peroxissoma. Esses
agentes oxidantes incluem grandes quantidades de superâxido (O;),
peróxido de hidrogênio (H2O2) e íons hidroxila (—OH"), todos letais
para a maioria das bactérias, mesmo
em quantidades muito pequenas.
Além disso, uma das enzimas lisossômicas, a mieloperoxidase, catalisa
a reação entre H2O2 e os íons cloreto para formar hipoclorito, que é
extremamente bactericida.
Outra substância lisossômica letal para muitas bactérias no fagos-
soma é a Usozima, um composto químico passível de provocar a dissolu-
ção das membranas lipídicas das bactérias.
Todavia, infelizmente, algumas bactérias — em particular o bacilo
da tuberculose — possuem revestimentos resistentes à digestão lisossô-
mica e, ao mesmo tempo, secretam substâncias que resistem até mesmo
aos efeitos letais dos neutrófilos e macrófagos. Com freqüência, essas
bactérias são responsáveis por muitas das doenças crônicas.
O SISTEMA DOS MONÓCITOS-MACRÓFAGOS E O
SISTEMA RETICULOENDOTELIAL
Nos parágrafos anteriores, descrevemos os macrófagos principal-
mente como células móveis, capazes de se deslocarem através dos tecidos.
Todavia, numerosos monócitos, ao penetrarem nos tecidos e após se
transformarem em macrófagos, fixam-se aos tecidos e aí permanecem
durante meses ou até mesmo anos, a não ser que sua presença seja
exigida para o desempenho de funções protetoras específicas. Possuem
as mesmas capacidades dos macrófagos móveis de fagocitar grandes quan-
tidades de bactérias, vírus, tecido necrótico ou outras partículas estranhas
no tecido. Quando apropriadamente estimulados, podem desfazer seus
pontos de fixação, transformando-se em macrófagos móveis que respon-
dem à quimiotaxia e a todos os outros estímulos relacionados ao processo
inflamatório.
A combinação de monócitos, macrófagos móveis, macrófagos teci-
duais fixos e algumas células endoteliais especializadas na medula óssea,
no baço e nos linfonodos é conhecida como sistema reticuloendotelial.
A razão da reunião de todas essas células em sistema único é que todas
exibem propriedades fagocíticas semelhantes. Além disso, todas ou quase
todas essas células originam-se de células-tronco monocíticas. Por conse-
guinte, o sistema reticuloendotelial é quase sinônimo de sistema dos
monócitos-macrófagos. Todavia, como o termo "sistema reticuloendo-
telial" é muito mais conhecido na literatura médica do que o termo
"sistema dos monócitos-macrófagos", ele deve ser lembrado como siste-
ma fagocítico generalizado localizado em todos os tecidos, porém espe-
cialmente nas áreas onde grandes quantidades de partículas, toxinas
e outras substâncias não desejadas devem ser destruídas.
Macrófagos teciduais na pele e nos tecidos subcutâneos
( histiocitos ). Apesar de a pele ser normalmente inexpugnável a
agentes infecciosos, essa qualidade não se mantém quando sua
integridade é rompida. Nos casos em que a infecção se instala nos
tecidos subcutâneos, seguida de inflamação local, os macrófagos
teciduais podem reproduzir-se in situ, formando mais macrófagos. A
seguir, essas células desempenham suas funções habituais de atacar e
destruir os agentes infecciosos, conforme descrito antes.
Macrófagos dos linfonodos. Essencialmente, nenhum material
particulado que penetra nos tecidos pode ser diretamente absorvido
pelo sangue através das membranas capilares. Com efeito, se as
partículas não forem destruídas localmente nos tecidos, elas
penetram na linfa e fluem pelos vasos linfáticos para os linfonodos
situados intermitentemente ao longo dos linfáticos. As partículas
estranhas são aí capturadas na rede de seios revestidos de macrófagos
teciduais.
A Fig. 33.3 ilustra a organização geral do linfonodo, mostrando
a entrada da linfa pelos linfáticos aferentes, fluindo através dos seios
medulares e, finalmente, saindo pelo hilo para os linfáticos eferentes.
Os seios são revestidos por grande número de macrófagos, e, se alguma
partícula penetrar nos seios, os macrófagos a fagocitam e impedem sua
disseminação geral por todo o organismo.
Macrófagos alveolares. O sistema respiratório constitui outra via
pela qual os microrganismos invasores freqüentemente penetram no
organismo. Felizmente, os macrófagos teciduais estão presentes em
grande número como componentes integrantes das paredes alveolares.
São capazes de fagocitar partículas que ficaram retidas nos alvéolos. Se
as partículas forem digeríveis, os macrófagos também podem digeri-las e
liberar os produtos digestivos na linfa.
320
Fig. 33.3 Diagrama funcional de um linfonodo. (Redesenhado de Ham:
Histology. Philadelphia, J.B. Lippincott Co., 1971.) Fig. 33.5 Estruturas funcionais do baço (Modificado de Bloom e Faw-
cett. Textbook of Histology. Philadelphia, W.B. SaundersCo., 1975.)
Se as partículas não forem digeríveis, os macrófagos formam quase
sempre uma cápsula de "célula gigante" em torno da partícula até que
seja lentamente dissolvida. Essas cápsulas são quase sempre formadas
em torno dos bacilos da tuberculose, de partículas de pó de sílica e até
mesmo de partículas de carvão.
Macrófagos teciduais (células de Kupffer) nos seios hepáticos.
O tubo gastrintestinal é outra via favorita pela qual as bactérias invadem o
organismo. Grande número de bactérias passa constantemente através
da mucosa gastrintestinal para o sangue porta. Todavia, antes que esse
sangue entre na circulação geral, ele deve atravessar os seios hepáticos,
que são revestidos por macrófagos teciduais, denominados células de
Kupffer. Essas células, ilustradas na Fig. 33.4, formam um sistema de
filtração de partículas tão eficiente que quase nenhuma bactéria do tubo
gastrintestinal consegue passar do sangue porta para a circulação sistê-
mica geral. Na realidade, registros cinematográficos de fagocitose por
células de Kupffer demonstraram a fagocitose de bactéria única em menos
de 0,01 segundo.
Macrófagos do baço e da medula óssea. Sc um microrganismo invasor
conseguir atingir a circulação geral, ainda restam outras linhas de defesa
representadas pelo sistema de macrófagos teciduais, em particular pelos
macrófagos do baço e da medula óssea. Em ambos os tecidos, os macró-
fagos ficam retidos na rede reticular desses dois órgãos, e, quando partí-
culas estranhas entram em contato com eles, são fagocitadas. O baço é
semelhante aos linfonodos, exceto que o sangue, em vez de linfa,
flui através de seu tecido. A Fig. 33,5 ilustra a estrutura geral do baço,
mostrando um pequeno segmento periférico. Observe que uma
pequena artéria da cápsula esplênica penetra na polpa esplênica e
termina em pequenos capilares. Os capilares são muito porosos, permi-
tindo a passagem de grande número de células sangüíneas dos capilares
para os cordões da polpa vermelha. A seguir, essas células espremem-se
gradualmente através da rede trabecular dos cordões e, eventualmente,
retornam à circulação através das paredes arteriais dos seios venosos.
As trabéculas da polpa vermelha são revestidas por grande número de
macrófagos, da mesma forma que os seios venosos. Essa passagem carac-
terística do sangue através dos cordões da polpa vermelha constitui um
meio excepcional para a fagocitose de restos indesejáveis no sangue,
sobretudo eritrócitos velhos e anormais.
INFLAMAÇÃO E FUNÇÃO DOS NEUTRÓFILOS E
MACRÓFAGOS
Fig. 33.4 Células de Kupffer revestindo os sinusóides hepáticos,
mostrando a fagocitose de partículas de tinta nanquim. (Redesenhado
de Copenhaver et ai.: Bailey's Textbook of Histology. Baltimore,
Williams & Wilkins, 1969.)
O PROCESSO DA INFLAMAÇÃO
Quando ocorre lesão tecidual, seja ela causada por bactérias, trau-
matismo, agentes químicos, calor ou qualquer outro fenômeno, os tecidos
lesados liberam várias substâncias que provocam importantes alterações
secundárias nos tecidos. Todo o complexo dessas alterações teciduais
é conhecido como inflamação. A inflamação caracteriza-se (1) pela vaso-
dilatação dos vasos sanguíneos locais, com o conseqüente excesso do
fluxo sanguíneo local, (2) pelo aumento da permeabilidade dos capilares,
com extravasamento de grande quantidade de líquidos para os espaços
intersticiais, (3) quase sempre pela coagulação
do líquido nos espaços
intersticiais, devido às quantidades excessivas de fibrinogênio e de outras
proteínas que vazaram dos capilares, (4) pela migração de grande número
de granulócitos e monócitos para o tecido, e (5) pela intumescência
das células. Alguns dos produtos teciduais responsáveis por essas reações
incluem histamina, bradicinina. serotonina, prostagiandinas, diversos
produtos de reação do sistema do complemento (que serão descritos no
capítulo seguinte), produtos de reação do sistema da coagulação sangüínea
e diversas substâncias hormonais denominadas linfoquinas que são libera-
das por células T sensibilizadas (que fazem parte do sistema imune,
como também veremos no capítulo seguinte). Várias dessas substâncias
ativam fortemente o sistema dos macrófagos, de modo que. em poucas
horas, essas células começam a devorar o tecido destruído; entretanto,
algumas vezes, os macrófagos também lesam as células que ainda estão
vivas.
O efeito de "enclausuramento" da inflamação. Um dos
primeiros resultados da inflamação é o "enclausuramento" da área de
lesão em relação aos outros tecidos. 0s espaços teciduais e os linfáticos
da área inflamada são bloqueados por coágulos de fibrinogênio, de
modo que os líquidos circulam muito pouco através desses espaços. Por
conseguinte, esse processo de confinamento retarda a
321
propagação das bactérias ou dos produtos tóxicos.
A intensidade do processo inflamatório costuma ser proporcional
ao grau de lesão tecidual. Por exemplo, os estafilococos que invadem
os tecidos liberam toxinas celulares extremamente letais. Como
conseqüência, o processo de inflamação desenvolve-se rapidamente —
na realidade, muito mais rapidamente do que os próprios estafilococos
podem multiplicar-se e propagar-se. Por conseguinte, a infecção estafílo-
cócica é tipicamente enclausurada com muita rapidez. Por outro lado,
os estreptococos não causam essa intensa destruição tecidual local.
Assim, o processo de enclausuramento desenvolve-se lentamente,
enquanto os estreptococos reproduzem-se e migram. Assim, os
estreptococos têm tendência muito maior do que os estafilococos a
propagar-se por todo o organismo e a causar morte, embora os
estafilococos sejam muito mais destrutivos para os tecidos.
RESPOSTA DOS MACROFAGOS E NEUTRÓFILOS À
INFLAMAÇÃO
O macrófago tecidual como primeira linha de defesa. Dentro de
poucos minutos após o início da inflamação, os macrófagos que já estão
presentes nos tecidos, sejam eles histiócitos nos tecidos subcutâneas,
macrófagos alveolares nos pulmões, micróglia no cérebro, ou outros,
começam imediatamente sua ação fagocítica. Quando ativados pelos
produtos da inflamação, o primeiro efeito consiste no rápido aumento
do número de cada uma dessas células. A seguir, muitos dos macrófagos
antes fixos rompem sua fixação e tornam-se móveis, constituindo a pri-
meira linha de defesa contra a infecção dentro da primeira hora, Infeliz-
mente, seu número quase sempre não é muito grande.
Invasão da área inflamada pelos neutrófilos — a segunda linha de
defesa. Também nas primeiras horas após o início da inflamação, grande
número de neutrófilos começa a invadir a área inflamada, proveniente
da corrente sangüínea. Essa migração é determinada por produtos dos
tecidos inflamados que desencadeiam as seguintes reações: (1) alteram
a superfície interna do endotélio capilar, permitindo a aderência dos
neutrófilos às paredes capilares na área inflamada. Esse efeito, denomi-
nado marginação, é ilustrado na Fig. 32.2. (2) Causam a separação das
células endoteliais dos capilares e das pequenas vênulas. permitindo
a formação de orifícios grandes o suficiente para permitir a passagem
dos neutro"filós por diapedese para os espaços teciduais. (3) Outros produ-
tos da inflamação causam quimiotaxia dos neutrófilos para os tecidos
lesados, como foi explicado em seção anterior.
Por conseguinte, dentro de algumas horas após o início da lesão
tecidual, a área fica bem suprida com neutrófilos. Como os neutrófilos
circulantes são células já maduras, podem começar imediatamente sua
função de limpeza, removendo os materiais estranhos.
Aumento agudo dos neutrófilos no sangue — "neutrofilia".
Também dentro de poucas horas após o início de inflamação intensa
e aguda, o número de neutrófilos no sangue aumenta, algumas vezes,
por quatro a cinco vezes o seu valor normal — atingindo 15.000 a 25.000
por micro-litro. Esse fenômeno é denominado neutrofilia, que significa
aumento do número de neutrófilos no sangue. A neutrofilia é causada por
produtos da inflamação que penetram na corrente sangüínea e que são
transportados até a medula óssea, onde atuam sobre os capilares
medulares e os neutrófilos armazenados, mobilizando-os imediatamente
para o sangue circulante. Obviamente, esse processo faz com que
maior número de neutrófilos fique disponível para a área tecidual
inflamada.
Invasão do tecido inflamado por monócitos-macrófagos — a terceira
linha de defesa. Juntamente com a invasão dos neutrófilos, os monócitos
do sangue periférico também penetram no tecido inflamado. Todavia.
o número de monócitos no sangue circulante é baixo, e, além disso,
o compartimento de armazenamento dos monócitos na medula óssea
é muito menor que os dos neutrófilos. Por conseguinte, o estabelecimento
dos monócitos na área tecidual inflamada é muito mais lento do que
o dos neutrófilos, exigindo vários dias para se tornar efetivo. Além
disso, mesmo após invadirem o tecido inflamado, os monócitos são células
ainda imaturas, que necessitam de 8 horas ou mais para atingir tamanho
muito maior e produzir grande quantidade de lisossomas para adquirir
a plena capacidade de fagocitose. Assim, depois de alguns dias a várias
semanas, os macrófagos finalmente passam a ser as células fagocíticas
dominantes da área inflamada, devido ao enorme aumento da produção
medular de monócitos, conforme explicado adiante.
Antes, frisamos que os macrófagos são capazes de fagocitar um
número muito maior de bactérias e de partículas bem maiores que os
neutrófilos, fagocitando inclusive os próprios neutrófilos e grandes quan-
tidades de tecido necrótico. Além disso, os macrófagos desempenham
papel importante no desencadeamento da produção de anticorpos, como
discutiremos no próximo capítulo.
Aumento da produção de granulócitos e monócitos pela medula óssea
— a quarta linha de defesa. A quarta linha de defesa consiste no aumento
acentuado da produção de granulócitos e monócitos pela medula óssea.
Isso resulta da estimulação das células - tronco granulocíticas e
monocíticas compromissadas. Entretanto, são necessários 3 a 4 dias
para que os granulócitos e monócitos recém - formados cheguem ao
estágio de abandonar a medula óssea. Se o estímulo do tecido inflamado
prosseguir, a medula óssea pode continuar a produzir essas células em
quantidades enormes durante meses e até mesmo anos, algumas vezes
com velocidade de produção de ate 50 vezes o normal.
Controle por feedback das respostas dos macrófagos e
neutrófítos
Embora mais de duas dúzias de diferentes fatores tenham sido impli-
cados no controle da resposta dos macrófagos e neutrófilos à inflamação,
acredita-se que cinco desses fatores desempenhem os papéis dominantes.
Esses fatores, ilustrados na Fig. 33.6, incluem: (1) fator de necrose tumoral
(TNF), (2) interleuquina-1 (IL-1), (3) fator estimulante de colônias de
granulócitos - monócitos (GM-CSF), (4) fator estimulante de colônias de
granulócitos (G-CSF), e (5) fator estimulante de colônias de monócitos
(M-CSF).
Os dois primeiros, o TNF e a IL-1, parecem iniciar a maioria dos
outros eventos. H provável que todos os cinco fatores sejam formados
principalmente por macrófagos ativados nos tecidos inflamados e, em
menores quantidades, por outras células do tecido inflamado.
O aumento da produção de granulócitos e monócitos pela medula
óssea é devido principalmente aos três fatores estimulantes de colônias;
um
deles, o GM-CSF, estimula a produção de granulócitos e monócitos,
enquanto os outros dois, isto é, o G-CSF e o M-CSF, estimulam a
produção de granulócitos e monócitos.
Assim, essa combinação de TNF, IL-1 e de fatores estimulantes
de colônia, juntamente com outros fatores menos importantes, propor-
ciona um poderoso mecanismo de feedback que começa com a inflamação
tecidual, prossegue com a formação de leucócitos para defesa e, por
fim. termina com a remoção da causa da inflamação.
Formação de pus
Quando os neutrófilos e os macrófagos englobam grandes quanti-
dades de bactérias e de tecido necrótico, praticamente todos os neutró-
filos e muitos, se não todos, macrófagos eventualmente morrem. Depois
de vários dias, forma-se quase sempre uma cavidade no tecido inflamado
contendo quantidades variáveis de tecido necrótico, neutrófilos e macró-
fagos mortos. Essa mistura é geralmente conhecida como pus. Uma
vez suprimida a infecção, as células mortas e o tecido necrótico no pus
sofrem autólise gradual no decorrer de vários dias, e os produtos finais
dessa autólise costumam ser absorvidos pelos tecidos circundantes, até
desaparecimento da maioria dos sinais de lesão tecidual.
EOSINÓFILOS
Em condições normais, os eosinófilos constituem 2 a 3% de todos
os leucócitos circulantes. Os eosinófilos são fagócitos fracos, capazes
de quimiotaxia: todavia, em comparação com os neutrófilos, é duvidoso
que essas células tenham importância significativa na proteção do orga-
nismo contra os tipos comuns de infecção.
Por outro lado, os eosinófilos são quase sempre produzidos em
grande número por indivíduos com infecções parasitárias e migram para
os tecidos afetados pelos parasitas. Embora os parasitas sejam em sua
maior parte grandes demais para serem fagocitados pelos eosinófilos
ou por qualquer outra célula fagocítica, os eosinófilos fixam-se a eles
e liberam substâncias que matam muitos deles. Por exemplo, uma das
infecções mais disseminadas em todo o mundo é a esquistossomose,
uma parasitose encontrada em até um terço da população de alguns
países tropicais. O parasita invade literalmente qualquer parte do orga-
322
Fig. 33.6 Controle da produção pela medula óssea de granulócitos e
de monócitos-macrófagos em resposta aos múltiplos fatores de cresci-
mento liberados por macrófagos ativados no tecido inflamado. (TNF,
fator de necrose tecidual; IL-1, interleuquina-1; CM-CSF, fator estimu-
lante de colônias de granulócitos-monócitos; G-CSF, fator estimulante
de colônias de granulócitos; M-CSF, fator estimulante de colônias de
monócitos-macrófagos.)
nismo. Os eosinófilos fixam-se às formas juvenis do parasita, matando
muitas delas. Para isso. atuam de diversas maneiras: (1) liberam enzimas
hidrotíticas de seus grânulos, que são lisossomas modificados, (2) prova-
velmente também liberam formas de oxigênio altamente reativas, que
são muito letais, e (3) liberam de seus grânulos um polipeptidio altamente
larvicida, denominado proteína básica principal (MBP, major baste
protein). Nos Estados Unidos, outra doença parasitária que provoca
eosinofilia é a triquinose, que resulta da invasão dos músculos pelo
parasita Trichinella ("verme do porco") após a ingestão de carne de
porco não cozida.
Os eosinófilos também possuem tendência especial a acumular-se
em tecidos nos quais ocorreram reações alérgicas, como nos tecidos
peribrônquicos dos pulmões em pessoas asmáticas, na pele após reações
cutâneas alérgicas, e assim por diante. Esse acúmulo resulta, pelo menos
em parte, da participação de muitos mastócitos e basófilos nas reações
alérgicas, como veremos na seção seguinte; essas células liberam o fator
quimiotático dos eosinófilos, que provoca a migração de eosinófilos para
o tecido alérgico inflamado.
Acredita-se que os eosinófilos tenham capacidade de destoxificar
algumas das substâncias produtoras da inflamação, liberadas por
mastócitos e por basófilos, e, talvez de fagocitar e destruir complexos
alérgeno-anticorpo, impedindo a propagação do processo inflamatório
local.
BASÓFILOS
Os basófilos encontrados no sangue circulante são muito semelhan-
tes, embora não idênticos, aos grandes mastócitos localizados imediata-
mente na parte externa de muitos dos capilares do organismo. Ambas
as células liberam heparina no sangue, uma substância capaz de impedir
a coagulação sangüínea e que também pode acelerar a remoção de partí-
culas de gordura do sangue após refeição rica em gordura.
Os mastócitos e os basófiios também liberam histamina, bem como
quantidades menores de bradicinina e serotonina. Com efeito, são princi-
palmente os mastócitos nos tecidos inflamados que liberam essas substân-
cias durante a inflamação.
Os mastócitos e os basófilos desempenham papel extremamente
importante em alguns tipos de reação alérgica, visto que o tipo de anti-
corpo que provoca reações alérgicas, o IgE Cap. 34), tem tendência
especial a fixar-se aos mastócitos e basófilos. A seguir, o antígeno espe-
cífico reage com o anticorpo, e a ligação resultante do antígeno ao anti-
corpo faz com que o mastócito ou o basófilo sofra ruptura, liberando
quantidades extremamente grandes de histamina, bradicinina, seroto-
nina, heparina, substância de reação lenta da anafilaxia e várias enzimas
lisossômicas. Estas, por sua vez, produzem reações teciduais e vasculares
locais que causam as manifestações alérgicas. Esses efeitos serão discu-
tidos com maiores detalhes no capítulo seguinte.
LEUCOPENIA
A condição clínica conhecida como leucopenia ou agranulocitose
ocorre ocasionalmente e caracteriza-se pela interrupção da produção
de leucócitos pela medula óssea, deixando o organismo desprotegido
contra bactérias c outros agentes que possam invadir os tecidos.
Normalmente, o corpo humano vive em simbiose com muitas bacté-
rias, visto que todas as mucosas do organismo estão constantemente
expostas a grande número de bactérias. A boca quase sempre contém
várias bactérias — espiroquetas, pneumococos e estreptococos — e essas
mesmas bactérias podem ser encontradas, em menor número, em todo
o aparelho respiratório. O tubo gastrintestinal contém quantidades abun-
dantes de bacilos colônicos. Além disso, podemos encontrar quase sem-
pre bactérias nos olhos, na uretra e na vagina. Por conseguinte, qualquer
declínio do número de leucócitos permite imediatamente a invasão dos
tecidos por bactérias que já estão presentes no organismo. Dentro de
2 dias após a medula óssea interromper sua produção de leucócitos,
podem aparecer úlceras na boca e no cólon, ou o indivíduo pode desen-
volver alguma forma de infecção respiratória grave. As bactérias das
úlceras invadem rapidamente os tecidos circundantes e o sangue. Sem
tratamento, a morte quase sempre ocorre dentro de 3 a 6 dias após
o início da leucopenia total aguda.
A irradiação do corpo por raios gama de explosão nuclear ou a
exposição a medicamentos e substâncias químicas contendo núcleos de
henzeno ou de antraceno têm muita probabilidade de causar aplasia
da medula óssea. Com efeito, alguns medicamentos comuns, como o
cloranfenicol (antibiótico), o tiouracil (utilizado no tratamento da tireoto-
xicose) e até mesmo os vários barbitúricos hipnóticos provocam, em
certas ocasiões, agranulocitose (ou aplasia da medula óssea, em que
não há produção de nenhum tipo celular — inclusive eritrócitos — pela
medula óssea), desencadeando, assim, toda a sequência infecciosa dessa
doença.
Após lesão da medula óssea por irradiação, algumas células-tronco.
mieloblastos e hemocitoblastos geralmente não são destruídos e têm
capacidade de regenerar a medula óssea, contanto que haja tempo sufi-
ciente. Por conseguinte, o paciente adequadamente tratado com antibió-
ticos e outros medicamentos para deter a infecção costuma formar nova
medula óssea dentro de semanas a meses, permitindo a normalização
da concentração de células sangüíneas.
323
LEUCEMIAS
A produção descontrolada

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