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258 CAPÍTULO 27 Formação da Urina pelo Rim: II. Processamento do Filtrado nos Túbulos REABSORÇÃO E SECREÇÃO NOS TÚBULOS O filtrado glomerular que penetra nos túbulos do néfron flui por (1) íúbulo proximal, (2) alça de Henle, (3) túbulo distal, (4) duto coletor cortical, e (5) duto coletor, para o interior da pelve renal. Ao longo desse trajeto, as substâncias são reabsorvidas ou secretadas seletivamente pelo epitélio tubular, e o líquido resultante desse processamento penetra na pelve renal sob a forma de urina. A reabsorção desempenha papel muito mais importante do que a secreção na formação da urina, porém o processo de secreção é especialmente relevante no sentido de determinar as quantidades de íons potássio, íons hidrogênio e outras substâncias na urina, conforme discutido adiante. Em geral, mais de 99% da água existente no filtrado glomerular são reabsorvidos quando esse filtrado é processado nos túbulos. Por conseguinte, se algum constituinte dissolvido do filtrado glomerular não for reabsorvido ao longo de todo o trajeto dos túbulos, essa reabsorção de água irá obviamente concentrar a substância por mais de 99 vezes. Por outro lado, alguns constituintes, como glicose e aminoácidos, são reabsorvidos quase que por completo, de modo que suas concentrações caem para quase zero antes de o líquido se transformar em urina. Dessa maneira, os túbulos separam as substâncias que devem ser conservadas no organismo das que precisam ser eliminadas na urina, sendo essa separação efetuada sem haver grande perda de água pela urina. Os mecanismos básicos para o transporte através da membrana tubular são essencialmente os mesmos descritos no Cap. 4 para o transporte através de outras membranas do organismo. Podem ser divididos em transporte ativo e transporte passivo. TRANSPORTE ATIVO ATRAVÉS DA MEMBRANA TUBULAR Como foi explicado no Cap. 4, existem dois mecanismos básicos de transporte ativo: o transporte ativo primário e o transporte ativo secundário. A melhor maneira de explicar esses dois tipos de transporte é descrevê-los por meio de exemplos. Transporte ativo primário de ions sódio através da membrana tubular - função da Na+, K+-ATPase A Fig. 27. IA ilustra o mecanismo básico para o transporte de íons sódio através da membrana tubular, que ocorre sempre na direção do lúmen tubular para o interstício. Nas superfícies basal e lateral da célula epitelial tubular, a membrana celular +, K+-ATPase, capaz de clivarcontém um extenso sistema de Na o trifosfato de adenosina (ATP) e utilizar a energia liberada para transportar os íons sódio da célula para o interstício, transportando ao mesmo tempo íons potássio do interstício para o interior da célula. No Cap. 4, também foi assinalado que esse sistema de ATPase bombeia três íons sódio para cada dois íons potássio bombeados. Todavia, as faces basolaterais da célula epitelial tubular são tão permeáveis ao potássio que praticamente todo esse íon se difunde imediatamente da célula para o interstício. Por conseguinte, como ilustra a Fig. 27.IA, o efeito final consiste no bombeamento de grande quantidade de sódio, de modo que o sódio existente no interior da célula cai para concentração muito baixa. Além disso, como três cargas elétricas positivas são bombeadas para fora da célula com os íons sódio, o interior da célula passa a ter potencial muito negativo de cerca de -70 milivolts. Por. conseguinte, dois fatores são responsáveis pela difusão dos íons sódio através da membrana luminal da célula, do lúmen tubular para o interior da célula: (1) o grande gradiente de concentração de sódio através da membrana, com altas concentrações de sódio no lúmen tubular e baixas concentrações no interior da célula, e (2) a atração dos íons sódio positivos do lúmen tubular para o interior da célula pelo potencial intracelular de -70 mV. Na face tubular da célula epitelial, existe extensa borda em escova que multiplica a área da superfície de exposição luminal por cerca de 20 vezes. Na membrana dessa borda em escova, existem proteínas transportadoras de sódio que se ligam aos íons sódio sobre a superfície luminal da membrana e os liberam no interior da célula, atuando, assim, por difusão facilitada do sódio para o interior da célula. Esse processo garante a difusão rápida de sódio através da borda luminal da célula epitelial, ao mesmo tempo que o íon sódio é ativamente transportado para fora da célula, nas faces basolaterais. As proteínas transportadoras de sódio na borda em escova também desempenham papel importante no transporte ativo secundário, conforme explicado adiante. Assim, o mecanismo efetivo para o transporte de sódio através da parede epitelial tubular, ilustrado na Fig. 27.1B, mostra que o sódio bombeado a partir do túbulo é eventualmente absorvido pelo capilar peritubular e transportado pelo sangue. Embora a maior parte do transporte ativo primário em todo o sistema tubular esteja, sem dúvida alguma, relacionada ao transporte de sódio, o transporte ativo primário também é obser- 259 Fig. 27.1 A, Mecanismo básico do transporte ativo de sódio através da célula epitelial tubular. A figura mostra o transporte ativo pela bomba de sódio-potássio, que bombeia o sódio para fora da membrana basolateral da célula, criando, simultaneamente, concentração intracelular muito baixa de sódio, bem como potencial intracelular negativo. A baixa concentração intracelular de sódio e o potencial negativo determinam a difusão de íons sódio do lúmen tubular para o interior da célula através da borda em escova. B, Mecanismo efetivo do transporte ativo de sódio do lúmen tubular para o capilar peritubular. vado para algumas outras substâncias. Por exemplo, ocorre transporte secretor ativo de íons hidrogênio em algumas das porções distais do sistema tubular, como veremos mais adiante, enquanto o transporte absorvido ativo de cálcio ocorre em outras porções do sistema tubular. Absorção ativa secundária a partir do túmen tubular No transporte ativo secundário, nenhuma energia é utilizada diretamente do ATP ou de qualquer outra fonte de fosfato de alta energia. Com efeito, o movimento dos íons sódio do lúmen tubular para o interior da célula energiza a maior parte do transporte secundário de outras substâncias. Essa forma de transporte é realizada por vários tipos diferentes de proteínas transportadores de sódio da borda em escova da célula epitelial. Por exemplo, na Fig. 27.2, a célula da parte superior ilustra o transporte ativo secundário de glicose, enquanto a segunda célula ilustra o transporte ativo secundário de íons aminoácidos. Em cada caso, a proteína transportadora da membrana da borda em escova combina-se ao mesmo tempo com a substância a ser transportada e com um íon sódio. À medida que o sódio se desloca ao longo de seu gradiente eletroquímico para o interior da célula, carrega consigo a glicose ou o íon aminoácido. Em geral, cada tipo de proteína transportadora é específico para o transporte de uma substância ou classe de substâncias. Esse tipo de transporte ativo secundário, em que o íon sódio carrega consigo outra substância através da membrana, é denominado co-transporte. A glicose, os aminoácidos e vários outros compostos orgânicos são intensamente co-transportados nos túbulos proximais. O co-transporte dos íons cloreto é feito principalmente no segmento grosso do ramo ascendente da alça de Henle. Outras substâncias que também são cotransportadas em algum ponto do sistema tubular incluem o fosfato, o cálcio, o magnésio e íons hidrogênio. Essas substâncias serão consideradas mais tarde. Após o co-transporte de glicose, de aminoácidos ou de outras substâncias do lúmen tubular para o interior da célula epitelial, essas substâncias costumam atravessar a face basolateral da célula por difusão facilitada, juntamente com outra proteína transportadora. Secreção ativa secundária nos túbulos Algumas substâncias sofrem secreção ativa secundária nos túbulos. Em geral, o processo é oposto ao descrito nos parágrafos anteriores para a absorção secundária. Os íons hidrogênio, potássio e urato são algumas das substâncias importantes que são' secretadas dessa maneira em regiões específicas dos túbulos. Como exemplo, a célula da parte inferior da Fig. 27.2 ilustra a secreção ativa secundária de íons hidrogênio nos túbulos proxi- mais. Para isso, um íon hidrogênio no interior da célula epitelial liga-se à proteína transportadora na borda em escova, enquanto um íon sódio no lúmen tubular liga-se à outra extremidade da mesma proteína transportadora. A seguir, à medida que o íon sódio penetra na célula, o íon hidrogênio é forçado para fora, em direção oposta. Por razões óbvias, esse processo é denominado contratransporte. Para ter maior compreensão dos princípios relativos ao transporte ativo primário e secundário, o leitor deverá consultar também as descrições mais detalhadas apresentadas no Cap. 4. ABSORÇÃO PASSIVA DE ÁGUA: OSMOSE ATRAVÉS DO EPITÉUO TUBULAR Quando os diferentes solutos são transportados para fora do túbulo por transporte ativo primário ou secundário, sua concentração total diminui no lúmen tubular, mas aumenta no interstício. Obviamente, isso cria uma diferença de concentração que irá produzir osmose de água na mesma direção em que foram transportados os solutos. Grande parte dessa osmose ocorre através das denominadas junções fechadas existentes entre as células epiteliais, e não através das próprias células. A razão disso é que as junções não são tão fechadas quanto indicado por seu nome, mas permitem a difusão rápida de água e de muitos outros íons pequenos. 260 Fig. 27.2 Mecanismos de transporte ativo secundário. As duas células de cima mostram o co-transporte da glicose e de aminoácidos através da borda em escova das células epiteliais, juntamente com os íons sódio, seguido de difusão, facilitada através das membranas basolaterais. A terceira célula mostra o contrai/ansporte de íons hidrogênio através da borda em escova para o lúmen tubular; o movimento para dentro dos íons sódio fornece a energia para o movimento para fora dos íons hidrogênio. Esse processo é especialmente observado nos túbulos proximais, onde as junções "fechadas" são muito frouxas. À medida que os solutos são absorvidos através das células epiteliais tubulares proximais, essa absorção aumenta a osmolalidade do interstício e determina osmose quase instantânea de enorme volume de água juntamente com os solutos. Por conseguinte, o líquido absorvido dos túbulos proximais é quase isosmótico. Nas partes mais distais do sistema tubular, começando na alça de Henle e estendendo-se pelos demais túbulos, as junções "fechadas" são muito mais fortes, e as células epiteliais também apresentam superfícies menos extensas. Assim, de modo geral, as últimas porções do sistema tubular são bem menos permeáveis do que os túbulos proximais. ABSORÇÃO PASSIVA DE ÍONS CLORETO, URÉIA E OUTROS SOLUTOS PELO PROCESSO DE DIFUSÃO Quando os íons sódio são transportados através da célula epitelial tubular, um íon negativo, como o íon cloreto, é geralmente transportado com cada íon sódio para manter a neutralidade elétrica. Antes, tivemos oportunidade de assinalar que, em alguns segmentos dos túbulos, os íons cloreto podem ser transportados por transporte ativo secundário. Entretanto, na maioria dos segmentos tubulares, os íons cloreto são transportados principalmente por difusão passiva. Isso ocorre especialmente através das junções "fechadas" dos túbulos proximais, mas também, ainda que em menor grau, através das junções "fechadas" das porções terminais do sistema tubular. A uréia é outra substância reabsorvida passivamente, porém em menor grau que os íons cloreto. Na verdade, uma das principais finalidades funcionais dos rins não é reabsorver uréia, mas permitir a passagem para a urina da maior quantidade possível desse produto do metabolismo. Infelizmente, a molécula de uréia é muito pequena, e os túbulos são parcialmente permeáveis a ela. Por conseguinte, quando a água é reabsorvida pelos túbulos, cerca da metade da uréia do filtrado glomerular sofre reabsorção passiva ao se difundir junto com a água, enquanto a outra metade passa para a urina. Outro produto do metabolismo é a creatinina. Todavia, sua molécula é um pouco maior que a da uréia, de modo que praticamente não ocorre reabsorção. Com efeito, virtualmente toda a creatinina filtrada do filtrado glomerular passa pelo sistema tubular e é excretada na urina. CAPACIDADES ABSORTIVAS DOS DIFERENTES SEGMENTOS TUBULARES Em capítulos subseqüentes, serão discutidas a absorção e a secreção de substâncias específicas em diferentes segmentos do sistema tubular. Todavia, é importante assinalar, em primeiro lugar, as diferenças básicas existentes entre as capacidades absortivas e secretoras dos diferentes segmentos tubulares. Epitélio tubular próximal. A Fig. 27.3 ilustra as características celulares da membrana tubular no (1) túbulo proximal, (2) segmento delgado da alça de Henle, (3) túbulo distal, e (4) duto coletor. As células tubulares proximais têm o aspecto de Fig. 27.3 Características das células epiteliais em diferentes segmentos tubulares. 261 células altamente metabólicas, exibindo grande número de mitocôndrias para manter os processos extremamente rápidos de transporte ativo; verifica-se também que cerca de 65% do filtrado glomerular são normalmente reabsorvidos antes de alcançar as alças de Henle. Como já foi descrito em relação ao transporte do sódio, as células epiteliais dos túbulos proximais possuem extensa borda em escova. Além disso, são dotadas de intrincado labirinto de canais intercelulares e basais que formam extensa área de membrana na face epitelial voltada para o líquido intersticial, isto é, o lado onde ocorre abundante transporte ativo dos íons sódio. Por outro lado, a extensa superfície de membrana da borda em escova da célula epitelial é literalmente repleta de moléculas transportadoras protéicas que promovem o co-transporte para a absorção de certas substâncias do lúmen tubular para o interstício, ou o contratransporte para a secreção de outras substâncias pelos túbulos. A glicose e os aminoácidos são as substâncias mais importantes que são absorvidas especificamente por transporte ativo secundário nos túbulos proximais. Os íons hidrogênio representam a substância mais importante secretada por transporte ativo secundário. Segmento delgado da alça de Henle. O epitélio do segmento delgado da alça de Henle, como indica seu nome, é muito fino. As células não possuem borda em escova e apresentam número muito pequeno de mitocôndrias, indicando um nível mínimo de atividade metabólica. O trecho descendente desse segmento delgado é altamente permeável à água e moderadamente permeável a uréia, ao sódio e à maioria dos outros íons. Por conseguinte, parece estar adaptado primariamente para a difusão simples de substâncias através de suas paredes. Por outro lado, acredita-se que o trecho ascendente do segmento delgado seja diferente numa característica muito importante; supõe-se que ele é muito menos permeável à água do que o trecho descendente. Essa diferença é importante para explicar o mecanismo de concentração da urina, que será discutido mais tarde. Segmento grosso da alça de Henle. O segmento grosso da alça de Henle começa a meio caminho do ramo ascendente da alça, onde as células epiteliais tornam-se acentuadamente espessadas, conforme ilustrado na Fig. 26.2. A seguir, esse segmento ascende e refaz todo o seu trajeto até o mesmo glomérulo que deu origem ao túbulo e, a seguir, passa pelo ângulo entre as arteríolas aferente e eferente, formando um complexo com elas, denominado complexo justaglomerular, discutido no capítulo anterior. Além desse ponto, o túbulo passa a constituir o túbulo distal. As células epiteliais do segmento grosso da alça de Henle assemelham-se às dos túbulos proximais, exceto que possuem borda em escova rudimentar, menor número de canais basais e junções "fechadas" muito mais firmes onde as células se unem umas às outras. As células estão especialmente adaptadas para transporte ativo intenso de íons sódio e potássio, transportando-os do lúmen tubular para o líquido intersticial. Por outro lado, esse segmento grosso é quase totalmente impermeável à água e à uréia. Por conseguinte, embora mais de três quartos de todos os íons no líquido tubular sejam transportados do segmento grosso para o interstício, quase toda a água e a uréia permanecem no túbulo. Assim, o líquido tubular no ramo ascendente torna-se muito diluído, exceto por sua elevada concentração de uréia. Esse segmento grosso desempenha papel extremamente importante sob diferentes condições nos mecanismos renais de diluição ou concentração da urina que acaba sendo formada pelo rim. Túbulo distal. O túbulo distal começa no complexo justaglomerular, dando continuidade ao segmento grosso do ramo ascendente da alça de Henle. A parte inicial do túbulo distal é altamente contornada e, eventualmente, coalesce com vários outros túbulos distais para formar o duto coletor cortiçal, que foi descrito antes. O túbulo distal é dividido em dois segmentos funcionais importantes: o segmento diluidor e o túbulo distal final. Segmento diluidor. A primeira metade do túbulo distal possui quase as mesmas características do segmento grosso do ramo ascendente da alça de Henle. Absorve avidamente a maioria dos íons, mas é quase totalmente impermeável à água e à uréia. Por conseguinte, esse segmento diluidor também contribui para a diluição do líquido tubular, da mesma maneira que o segmento grosso do ramo ascendente da alça de Henle. Túbulo distal final e duto coletor cortical. As características funcionais do túbulo distal final e do duto coletor cortical são semelhantes; até mesmo suas células epiteliais de revestimento são similares. Esses segmentos tubulares apresentam diversas características importantes: 1. O epitélio de ambos é quase totalmente impermeável à uréia conforme observado no segmento diluidor do túbulo dis- tal, de modo que praticamente toda a uréia penetra no duto coletor para ser finalmente excretada na urina. 2. Esses dois segmentos reabsorvem avidamente os íons só- dio, mas a velocidade dessa reabsorção é controlada, em grande parte, pela aldosterona, como veremos com maiores detalhes no próximo capítulo. Simultaneamente com o bombeamento de sódio do lúmen tubular para o interstício peritubular, os íons potássio são transportados na direção oposta para o lúmen tubu lar; esse processo também é controlado pela aldosterona e por vários outros fatores, incluindo a concentração de íons potássio nos líquidos corporais. Por conseguinte, os íons potássio são ativamente secretados nesses segmentos tubulares, sendo principalmente através desse meio que a concentração de íons potássio é controlada nos líquidos extracelulares do organismo. 3. O túbulo distal final e o duto coletor cortical também contêm um tipo especial de célula epitelial, a célula intercalada, ou "célula marrom", que secreta íons hidrogênio por secreção ativa primária. Isso difere acentuadamente da secreção ativa se- cundária de íons hidrogênio que ocorre nos túbulos proximais e em algumas outras partes do sistema tubular. As células interca- ladas podem secretar íons hidrogênio contra um gradiente de concentração de até 1.000:1, em contraste com o gradiente de apenas algumas vezes para a secreção ativa secundária de íons hidrogênio. Por conseguinte, essas células intercaladas desempe- nham papel absolutamente essencial nos elevados graus finais de acidificação que podem ocorrer na urina. 4. O túbulo distal final e o duto coletor cortical diferem do segmento diluidor em outro aspecto muito importante: são permeáveis à água na presença de hormônio antidiurético, porém impermeáveis quando esse hormônio está ausente, propiciando, assim, um meio para controlar o grau de diluição da urina, assunto que será abordado mais tarde com maiores detalhes. O duto coletor também apresenta responsividade ao hormônio antidiurético. Duto coletor. As células epiteliais do duto coletor possuem forma quase cubóide, com superfície lisa, e contêm relativamente poucas mitocôndrias. Esse epitélio apresenta duas características particularmente importantes para a função renal: 1. A permeabilidade do duto coletor à água é controlada principalmente pelo nível de hormônio antidiurético no sangue circulante, conforme mencionado acima. Em presença de quantidades excessivas de hormônio antidiurético, a água é reabsorvida para o interstício medular com grande avidez, reduzindo, assim, o volume de urina e concentrando a maioria das substâncias dissolvidas na urina. O epitélio do duto coletor também é ligeiramente permeável à uréia. Por conseguinte, ocorre reabsorção de certa quantidade da uréia para o interstício medular. A seguir, a maior parte sofre difusão retrógrada para a alça de Henle, retornando novamente ao duto coletor pelo túbulo distal para ser finalmente excretada. 262 2. A segunda característica importante do epitélio do duto coletor é sua capacidade de secretar íons hidrogênio contra um gradiente muito alto desses íons. Por conseguinte, como será explicado no Cap. 30, o túbulo distal final e o sistema do duto coletor desempenham um papel de suma importância no controle do equilíbrio ácido-básico dos líquidos corporais. REABSORÇÃO DE ÁGUA EM DIFERENTES SEGMENTOS DOS TÚBULOS O transporte da água ocorre totalmente por difusão osmótica. Isso significa que, toda vez que algum soluto do filtrado glomerular for absorvido por reabsorção ativa ou por difusão causada por um gradiente eletroquímico, a diminuição resultante da concentração de soluto no líquido tubular e sua maior concentração no líquido intersticial irá determinar osmose de água para fora dos túbulos. Por conseguinte, o volume de líquido tubular diminui progressivamente ao longo do sistema tubular. A Fig. 27.4 mostra os volumes de líquido que fluem por minuto em diferentes pontos do sistema tubular. Em ambos os rins do ser humano, os volumes líquidos totais que fluem em cada segmento por minuto (em condições normais de repouso) são os seguintes: Ml/ min Filtrado glomerular 125 Fluindo para as alças de Henle 45 Fluindo para os túbulos distais 25 Fluindo para os túbulos coletores 12 Fluindo para as urinas 1 Fig. 27.4 Fluxo de volume de líquido em cada segmento do sistema tubular por minuto. Observar que o fluxo é representado em escala semilogaritmica, ilustrando a enorme diferença do fluxo entre os segmen- tos iniciais e terminais dos túbulos. tância no filtrado glomerular, conforme indicado à esquerda da figura. À medida que o filtrado se move ao longo do sistema tubular, a concentração eleva-se para valores progressivamente maiores do que 1 se houver maior reabsorção de água do que de soluto; a concentração torna-se progressivamente inferior a 1 se houver reabsorção de mais soluto que de água. Além disso, se uma substância for secretada pelo epitélio tubular no túbulo, essa secreção também irá determinar aumento de sua concen- tração. Com base neste quadro, também podemos deduzir a percentagem aproximada da água glomerular filtrada que é reabsorvida em cada segmento dos túbutos: Por cento Túbulos proximais 65 Alça de Henle 15 Túbulos distais 10 Dutos coletores 9,3 Elilinada na urina 0,7 A seguir, veremos neste capítulo, bem como nos próximos, que alguns desses valores variam de modo acentuado em diferentes condições operacionais do rim, em particular quando esse órgão está formando urina muito diluída ou muito concentrada. Concentrações de diferentes substâncias em diferentes pontos nos túbulos A concentração ou não de uma substância no líquido tubular é determinada pelo grau relativo de reabsorção da substância versus a reabsorção de água. Se houver reabsorção de maior percentagem de água, a substância fica mais concentrada. Por outro lado, se houver reabsorção de maior percentagem da subs- tância, ela fica mais diluída. A Fig. 27.5 ilustra o grau de concentração da maioria das substâncias importantes nos diferentes segmentos tubulares. To- dos os valores indicados na figura são concentrações relativas, considerando-se uma concentração normal de 1 para cada subs- Fig. 2.5 Figura composta mostrando as concentrações médias de diferentes substâncias em diversos pontos do sistema tubular. 263 As substâncias representadas na parte superior da Fig. 27.5 são obviamente as que ficam mais concentradas na urina. Em geral, essas substâncias não são necessárias para o organismo, e os rins tornaram-se adaptados para não reabsorvê-las ou fazê-lo apenas muito levemente, ou até mesmo secretá-las para o interior dos túbulos, com a conseqüente excreção de grandes quantidades na urina. Por outro lado, todas as substâncias representadas na base da figura são intensamente reabsorvidas; são substâncias que precisam ser conservadas pelo organismo, de modo que quase nenhuma é excretada na urina. O Quadro 27.1 fornece um sumário da capacidade de concentração do sistema tubular para as diferentes substâncias excretadas na urina. Além disso, fornece as quantidades normais das substâncias que penetram nos túbulos proximais a cada minuto no filtrado glomerular. A quantidade de cada uma das substâncias que penetra a cada minuto é denominada carga tubular da substância por minuto. Reabsorção de substâncias especificas em diferentes pontos ao longo do sistema tubular Reabsorção de substâncias de valor nutrícional para o orga- nismo - glicose, proteínas, aminoácidos, íons acetoacetato e vita- minas. Glicose, proteínas, aminoácidos, íons acetoacetato e vita- minas são cinco substâncias diferentes, encontradas no filtrado glomerular, de suma importância para a nutrição do corpo. Normalmente, todas elas são quase ou totalmente reabsorvidas por processos ativos nos túbulos proximais do rim. Assim, a Fig. 27.5 mostra que as concentrações de glicose, proteínas e aminoácidos diminuem até desaparecerem antes que o líquido tubular tenha passado pelos túbulos proximais. Por conseguinte, quase nenhuma dessas substâncias permanece no líquido que penetra na alça de Henle. Mecanismo especial para a absorção de proteínas. Até 30 g de proteínas plasmáticas passam diariamente para o filtrado glomerular. Isso representaria uma grande depleção metabólica para o organismo, se a proteína não retornasse aos líquidos corporais. Como a molécula de proteína é muito grande para ser transportada pelos processos habituais de transporte, a proteína é absorvida através da borda em escova do epitélio tubular proximal por pinocitose, o que significa que a proteína fixa-se à membrana e que essa porção da membrana invagina-se para o interior da célula. Uma vez dentro da célula, a proteína é digerida em seus aminoácidos constituintes, que são, então, absorvidos por difusão facilitada através da base e dos lados da célula para o interior do líquido intersticial. Os detalhes do mecanismo da pinocitose foram discutidos no Cap. 4. Pequena reabsorção dos produtos metabólicos terminais: uréia, creatínina e outros. A Fig. 27.5 também ilustra as concentrações de dois importantes produtos metabólicos terminais nos diferentes segmentos do sistema tubular -a uréia e a creatinina. Apenas pequena quantidade de uréia é reabsorvida durante todo o percurso do sistema tubular. Apesar disso, ocorre reabsorção de cerca de 99,3% da água. Por conseguinte, a remoção de toda essa água concentra a uréia por cerca de 65 vezes. A creatinina não é reabsorvida pelos túbulos. De fato, pequenas quantidades de creatinina são, na verdade, secretadas para os túbulos pelos túbulos proximais, de modo que a concentração de creatinina aumenta por cerca de 140 vezes. O íon urato é outro produto terminal do metabolismo. É reabsorvido mais do que a uréia, mas, mesmo assim, ainda permanecem grandes quantidades de urato no líquido que finalmente irá se transformar em urina. Vários outros produtos terminais, como sulfatos, fosfatos e nitrato, são transportados essencialmente da mesma maneira que os íons urato. Esses produtos terminais também são normalmente reabsorvidos em grau bem menor do que a água, de modo que suas concentrações aumentam acentuadamente à medida que fluem ao longo dos túbulos. Todavia, cada um é ativamente reabsorvido em certo grau, o que impede redução muito acentuada de suas concentrações no líquido extracelular. Reabsorção de insulina e de ácido para-amino-hipúrico pelos túbulos. Mais uma vez, observe na Fig. 27.5 que, quando a substância insulina, que é um grande polissacarídio, é infundida no sangue e, a seguir, filtrada para o filtrado glomerular, sua concentração aumenta por 125 vezes quando atinge a urina. A causa disso é que a insulina não é reabsorvida, nem secretada por qualquer segmento dos túbulos, enquanto todos os 125 ml de água do filtrado glomerular, à exceção de 1 ml, são reabsorvidos. Além disso, a Fig. 27.5 mostra que, quando o ácido p-amino- hipúrico (PAH) é infundido no sangue e, a seguir, excretado pelos rins, sua concentração aumenta 585 vezes à medida que o líquido tubular passa pelo sistema tubular. Isso resulta da secreção de grandes quantidades de PAH para o líquido tubular, pelas células epiteliais dos túbulos proximais, não havendo reabsorção em qualquer segmento do sistema tubular. Essas duas substâncias desempenham importante papel nos estudos experimentais da função tubular, conforme discutido adiante neste capítulo. Quadro 27.1 Concentrações relativas de substâncias no filtrado glomerular e na urina Concentração na urina/ Filtrado glomerular (125 ml/min) Urina (1 ml/min) Concentração no plasma (depuração plasmática Quantidade/min Concentração Quantidade/min Concentração por minuto) Na1 17,7 mEq 142 mEq/l 0,128 mEq 128mEq/i 0,9 K+ 0,63 5 0,06 60 12 Cat + 0,5 4 0.0048 4,8 1,2 Mg++ 0,38 3 0,015 15 5,0 ci- 12,9 103 0,134 134 1,3 HCO3 3,5 28 0,014 14 0,5 H2PO4 HPO4"J 0,25 2 0,05 50 25 SO4 0.09 0,7 0,033 33 47 Glicose 125 mg 100 mg/dl 0 mg 0 mg/dl 0 Uréia 33 26 18,2 1.820 70 Ácido úrico 3,8 3 0,42 42 14 Creatinina 1,4 1,1 1,96 196 140 Inulina — — — — 125 PAH — — — — 585 264 Reabsorção de diferentes íons pelos túbulos - sódio, potássio, cloreto, bicarbonato, e outros. Por fim, vamos observar na Fig. 27.5 as alterações nas concentrações de vários íons importantes - sódio, potássio, cloreto e bicarbonato. Algumas dessas concen trações elevam-se acima de 1,0, o que significa concentração maior do que no filtrado glomerular, ao passo que outras apresen- tam redução para menos de 1,0. O grau de concentração ou de diluição depende de vários mecanismos que aumentam ou diminuem a reabsorção dos diferentes íons com a finalidade de controlar suas concentrações no líquido extracelular. Nos próxi- mos capítulos, trataremos em particular de vários desses sistemas de controle. Para excretar uma quantidade suficiente de íons potássio e hidrogênio, é necessário que ambos sejam ativamente secretados para o sistema tubular; a intensidade dessa secreção é precisamente determinada pelas concentrações de íons potássio e hidrogênio nos líquidos extracelulares. O íon bicarbonato é transportado de maneira muito peculiar; com efeito, é convertido em dióxido de carbono que, a seguir, difunde-se simplesmente através da parede tubular para o líquido intersticial. O mecanismo de conversão do íon bicarbonato em dióxido de carbono envolve, em primeiro lugar, a secreção de um íon hidrogênio para o túbulo. A seguir, esse íon liga-se ao íon bicarbonato para formar H3CO3. Por sua vez, o H2CO3 dissocia-se em água e dióxido de carbono. Após difusão do dióxido de carbono através da membrana tubular, ele recombina-se com a água para formar novo íon bicarbonato. Finalmente, tanto os íons cálcio quanto os íons magnésio são ativamente reabsorvidos em alguns dos túbulos; muitos íons negativos, em particular os íons cloreto, são principalmente reabsorvidos por difusão passiva, em conseqüência do gradiente elétrico que se desenvolve através da parede tubular, quando ocorre reabsorção de íons positivos. Além disso, alguns íons negativos urato, fosfatos, sulfato e nitrato podem ser reabsorvidos por transporte ativo, que ocorre em maior grau nos túbulos proximais. EFEITO DA "CARGA TUBULAR" E DO "TRANSPORTE TUBULAR MÁXIMO" SOBRE OS CONSTITUINTES DA URINA Carga tubular. A carga tubular de uma substância é a quantidade total dessa substância que filtra através da membrana glomerular para o interior dos túbulos a cada minuto. Por exemplo, se houver formação de 125 ml de filtrado glomerular a cada minuto, com concentração de glicose de 100 mg/dl, a carga tubular de glicose será de 100 mg x 1,25, ou 125 miligramas de glicose por minuto. De forma semelhante, a carga de sódio que penetra nos túbulos a cada minuto é de aproximadamente 18 mEq/min, a carga do íon cloreto é de cerca de 13 mEq/min, a carga de uréia, de aproximadamente 33 mg/min, e assim por diante. Habitualmente, entretanto, a carga tubular da glicose é de apenas 125 mg/min, de modo que, para finalidades práticas, toda ela é reabsorvida. A Fig. 27.6 demonstra a relação existente entre a carga tubular de glicose, o transporte tubular máximo para a glicose e a intensidade de sua perda na urina. Observe que, quando a carga tubular encontra-se em seu nível normal de 125 mg/min, não há perda detectável de glicose na urina. Entretanto, quando a carga tubular aumenta para mais de cerca de 220 mg/min, começam a aparecer quantidades significativas de glicose na urina. Quando a carga atinge valores superiores à cerca de 400 mg/min, a perda na urina é igual à carga tubular menos 320 mg/min. Por conseguinte, para uma carga tubular de 400 mg/min, a perda é de 80 mg/min, e, para uma carga tubular de 800 mg/min, a perda é de 480 mg/min. Em outras palavras, 320 mg/min da carga tubular, que representam o transporte tubular máximo para a glicose, são reabsorvidos, sendo todo o restante perdido na urina. Limiar para as substâncias que possuem transporte tubular máximo. Cada substância que possuí transporte reabsortivo máximo também apresenta uma concentração limiar no plasma, abaixo da qual nenhuma quantidade aparece na urina, e acima da qual aparecem quantidades progressivamente maiores. Assim, a Fig. 27.6 mostra que a glicose começa a aparecer na urina quando sua carga tubular ultrapassa 220 mg/min. O limiar de concentração da glicose no plasma que causa essa carga tubular é de 180 m/dl, quando os rins estão operando em sua intensidade de filtração glomerular normal de 125 ml/min. Transporte tubular máximo de substâncias importantes absorvidas a partir dos túbulos. Alguns dos valores de transporte tubular máximo importantes para substâncias absorvidas, a partir dos túbulos são os seguintes; Glicose 320 mg/min Fosfato 0,1 mM/tnin Sulfato 0,06 mM/min Aminoácidos 1,5 mM/min Urato 15 mg/min Proteína plasmática 30 mg/min Hemoglobina 1 mg/min Lactato 75 mg/min Acetoacetato variável (cerca de 30mg/min) Transportes tubulares máximos para secreção. As substâncias que são ativamente secretadas pelos túbulos também exibem os seguintes transportes tubulares máximos: Mg/ min Creatina 16 PAH 80 intensidade máxima do transporte de substâncias ativamente reabsorvidas ou secretadas - O "transporte tubular máximo" (Tm) Como cada substância que é reabsorvida (ou secretada) ativamente requer um sistema de transporte específico nas células epiteliais tubulares, a quantidade máxima passível de ser reabsorvida depende quase sempre da intensidade máxima com que o próprio sistema de transporte pode operar; por sua vez, isso depende das quantidades totais de transportador e de enzimas específicas disponíveis, como já foi explicado no Cap. 4. Conseqüentemente, para quase todas as substâncias que sofrem reabsorção ativa, existe uma intensidade máxima com que cada uma pode ser reabsorvida; essa intensidade é denominada transporte tubular máximo para a substância, sendo abreviado por Tm. Por exemplo, o Tm para a glicose é, em média, de 320 mg/min para o ser humano adulto; se a carga tubular de glicose for superior a 320 mg/min, o excesso acima dessa carga não é reabsorvido, mas, pelo contrário, passa para a urina. Substâncias que não exibem transporte máximo especialmente os íons sódio nos túbulos proximais Na lista anterior de substâncias que apresentam transportes máxi- mos, é notável assinalar a ausência de todas as substâncias que são reabsorvidas por difusão. Com efeito, sua velocidade de transporte é determinada por dois fatores: (1) o gradiente de concentração da substância através da membrana, sem qualquer máximo, e (2) o tempo em que o líquido que contém a substância permanece no interior do túbulo. Por conseguinte, esse tipo de transporte é denominado transporte por gradiente-tempo. É interessante observar que muitas das substâncias com absorção rápida e transportadas ativamente, como os íons sódio, também estão ausentes da lista de substâncias que exibem transportes máximos. A razão disso é que outros fatores, além da velocidade máxima do trans- porte ativo, atuam como fatores limitantes que determinam a intensidade do transporte. Por exemplo, nos túbulos proximais, a intensidade do transporte ativo do sódio pela membrana basolateral da célula epitelial tubular é bem maior do que a velocidade de difusão de íons sódio do lúmen tubular para o interior da célula através da borda em escova. Por conseguinte, a intensidade máxima com que o mecanismo de trans- 265 minuto não deve variar mais do que alguns pontos percentuais. O CONCEITODE "DEPURAÇÃOPLASMÁTICA" -SEU USO NAAVALIAÇÃO DAFUNÇÃORENAL g. 27.6 Relação da carga tubular de glicose com a perda de glicose na urina. porte ativo da membrana basolateral pode transportar o sódio nunca será praticamente o fator limitante na determinação da intensidade da absorção do sódio. Outro fator atua na limitação da reabsorção do sódio. Trata-se do extravasamento retrógrado de grande parte do sódio transportado do interstício para o lúmen tubular através das junções epiteliais. Por conseguinte, o transporte de sódio pelos túbulos proximais também obedece mais a princípios de transporte de gradiente-tempo do que os princípios de transporte tubular máximo. Isso significa que, quanto maior a concentração de sódio nos túbulos proximais, maior sua reabsorção; além disso, quanto mais tempo o líquido tubular permanecer nos túbulos proximais, maior será a reabsorção de sódio. Nas partes mais distais do sistema tubular, nos túbulos distais e além deles, as células epiteliais diferem acentuadamente das que ocorrem nos túbulos proximais; com efeito, possuem junções epiteliais muito mais fechadas e também transportam quantidades bem menores de sódio. Devido a essas diferenças, o transporte de sódio nesses segmentos distais tem um transporte máximo, como no caso da maioria das outras substâncias transportadas ativamente. Além disso, esse transporte máximo modifica-se em resposta aos hormônios aldosterona e angiotensina, proporcionando, assim, uma maneira de controlar a intensidade da excreção do sódio pela urina. Balanço glomerulo tubular nos túbulos proximais. O efeito conhecido como balanço glomerulotubular representa uma descoberta especialmente importante no que diz respeito à absorção de sódio e de líquido pelos túbulos proximais. Isso significa qge, em condições normais, uma percentagem quase constante de ambos, de cerca de 65%, é reabsorvida durante sua passagem pelos túbulos proximais, independentemente da velocidade com que o filtrado glomerular penetra no sistema tubular. A razão disso ainda permanece incerta. É possível que decorra da maior distensão dos túbulos ou de algum outro efeito físico na presença de maiores velocidades de fluxo. Entretanto, qualquer que seja a causa, quando a intensidade da filtração glomerular é de 100 ml/min, a reabsorção tubular proximal é de cerca de 65 ml/min; a elevação do filtrado glomerular para 200 ml/min aumenta a reabsorção proximal para cerca de 130 ml/min, mantendo o "balanço" proporcional muito perto de 65%. A importância do balanço glomerulotubular é que ele ajuda a evitar a sobrecarga dos segmentos mais distais do sistema tubular quando a intensidade da filtração glomerular aumenta. Além disso, os mecanismos de feedback tubuloglomerulares que controlam a própria intensidade da filtração glomerular, conforme discutido no capítulo anterior, também desempenham papel importante ao impedir a sobrecarga dos segmentos tubulares distais. É essência! que não sejam sobrecarregados, uma vez que, nesses segmentos finais do sistema tubular, a quantidade de cada substância excretada na urina deve ser controlada. Se a carga tubular que penetra nos túbulos distais variar significativamente para cima ou para baixo, os sistemas do controle tubular não poderão funcionar adequadamente. Por exemplo, a aldosterona só tem faixa limitada de controle para a reabsorção de sódio; por conseguinte, para que seja eficaz no controle da excreção de sódio na urina, a carga de sódio que penetra nos túbulos distais a cada O termo "depuração piasmática" é utilizado para definir a capacidade dos rins de limpar ou "depurar" o plasma de várias substâncias. Por conseguinte, se o plasma que passa pelos rins tiver 0,1 g de uma substância em cada decilitro, e se 0,1 g dessa substância também chegar à urina a cada minuto, haverá "depuração" de um decilitro do plasma por minuto. Consultando novamente o Quadro 27.1, podemos observar que a concentração normal de uréia em cada mililitro de plasma e de filtrado glomerular é de 0,26 mg, sendo a quantidade de uréia que penetra na urina a cada minuto de aproximadamente 18,2 mg. Por conseguinte, a quantidade equivalente de plasma que perde totalmente seu conteúdo de uréia a cada minuto pode ser calculada dividindo-se a quantidade de uréia que penetra na urina a cada minuto pela quantidade de uréia em cada mililitro de plasma. Assim, 18,2 ÷ 0,26 = 70, isto é, 70 ml de plasma são depurados de uréia a cada minuto. A quantidade que é depurada a cada minuto é conhecida como depuração plasmática da uréia. Obviamente, portanto, a depuração plasmática de cada substância constitui uma medida da eficácia dos rins em remover a substância do líquido extracelular. A depuração plasmática para qualquer substância pode ser calculada pela seguinte fórmula: Depuração plasmática (ml/min) Fluxo urinário (ml/min) x Concentração na urina Concentração no plasma As depurações plasmáticas dos constituintes habituais da urina estão indicadas na última coluna do Quadro 27.1. DEPURAÇÃO DA INULINA COMO MEDIDA DA INTENSIDADE DA FILTRAÇÃO GLOMERULAR A inulína é um polissacarídio que possui os atributos específicos de não sofrer grau significativo de reabsorção pelos túbulos do néfron, além de ter peso molecular pequeno o suficiente (cerca de 5.200) para passar através da membrana glomerular tão livremente quanto os cristalóides e a água do plasma. Além disso, a inulina não é secretada ativamente, mesmo em quantidades mínimas, pelos túbulos. Em conseqüência, o filtrado glomerular contém praticamente a mesma concentração de inulina que o plasma, e, à medida que o filtrado flui pelos túbulos, toda a inulina filtrada permanece na urina. Por conseguinte, todo o filtrado glomerular formado é depurado de inulina. Assim, a depuração piasmática por minuto de inulina é igual à intensidade da filtração glomerular. Como exemplo, suponhamos que a análise química mostre que a concentração piasmática de inulina ê de 0,001 g em cada mililitro, com passagem de 0,125 g na urina por minuto. Ao dividirmos 0,125 por 0,001, verificamos que devem ser formados 125 ml de filtrado glomerular a cada minuto para fornecer â urina a quantidade analisada na inulina. Em outras palavras, ao se medir a depuração plasmática da inulina, determina-se que a intensidade da filtração glomerular é de 125 ml/min. A inulina não é a única substância que pode ser utilizada para determinar a quantidade de filtrado glomerular formada a cada minuto, visto que a depuração plasmática de qualquer outra substância totalmente difusível através da membrana glomerular, mas que não seja absorvida nem secretada pelas paredes tubulares, é igual à intensidade da filtração glomerular. O manitol é um monossacarídeo quase sempre utilizado em lugar da inulina para essas determinações; o iotalamato radiativo é outra substância freqüentemente empregada, uma vez que sua radiatividade permite fácil análise quantitativa. DEPURAÇÃO DO ÁCIDO PARA-AMINO-HIPÚRICO COMO MEDIDA DO FLUXO PLASMÁTICO PELOS RINS Como a inulina, o PAH passa através da membrana glomerular com grande facilidade. Todavia, difere da inulina pelo fato de que a 266 maior parte do PAH que permanece no plasma após a formação de filtrado glomerular é secretada a partir dos capilares peritubulares para o interior dos túbulos pelo epitélio tubular proximal (se a concentração plasmática de PAH for muito baixa). Com efeito, apenas cerca de um décimo do PAH original permanece no plasma no momento em que o sangue deixa os rins. Pode-se utilizar a depuração do PAH para estimar o fluxo de plasma pelos rins. Como exemplo, suponhamos que 1 mgde PAH esteja presente em cada decilitro de plasma, e que 5,85 mg de PAH penetrem na urina por minuto. Em conseqüência, 585 ml de plasma são depurados do PAH a cada minuto. Obviamente, se esse plasma for depurado do PAH, pelo menos essa quantidade de plasma deverá ter passado pelos rins no mesmo período de tempo. Como sabemos que quase todo o PAH é depurado do sangue ao passar através dos rins, o valor de 585 ml seria uma primeira aproximação razoável do verdadeiro fluxo plasmático por minuto. Contudo, para sermos ainda mais exatos, podemos corrigir a quantidade média de PAH que ainda se encontra no sangue quando este deixa o rim. Em diferentes experimentos, foi constatado que a depuração do PAH é de cerca de 91% da carga plasmática do PAH que penetra nos rins; essa percentagem é conhecida como proporção da extração do PAH. Assim, os 585 ml de plasma calculados representariam apenas 91% da quantidade total de plasma que flui através dos rins. Dividindo 585 por 0,91, obtemos um fluxo plasmático total por minuto de aproxima- damente 650 ml. Pode-se calcular o fluxo sanguíneo total pelos rins a cada minuto com base no fluxo plasmático e no hematócrito (percentagem de eritró- citos no sangue). Se o hematócrito for de 45%, e o fluxo plasmático, de 650 ml/min, o fluxo sanguíneo total pelos rins será 650 x 100 ÷ 55 ou 1.182 ml/min. CALCULO DA FRAÇÃO DE FILTRAÇÃO A PARTIR DAS DEPURAÇÕES PLASMÁTICAS Para se calcular a fração de filtração isto é, a fração do plasma que filtra através da membrana glomerular é preciso determinar (1) o fluxo plasmático pelos dois rins (depuração de PAH) e (2) a intensidade da filtração glomerular por minuto (depuração da inulina). Utilizando 650 ml para o fluxo plasmático e 125 ml para a intensidade da filtração glomerular como valores normais, verificamos que a fração de filtração calculada é de 125/650, ou, para expressá-la na forma de percentagem, 19%. REFERÊNCIAS Ver referências do Cap. 26. 267 CAPÍTULO 28 Mecanismos Renais e Associados para o Controle da Osmolalidade do Líquido Extracelular e da Concentração de Sódio Nos capítulos anteriores, abordamos os mecanismos pelos quais se forma o filtrado glomerular, bem como o modo como é processado nos túbulos até transformar-se em urina. Os capítulos seguintes serão dedicados aos mecanismos pelos quais os rins utilizam sistemas de feedback negativo para controlar a composição do líquido extracelular, incluindo o volume do líquido, sua osmolalidade e as concentrações das várias substâncias dissolvidas nele. Esses controles por feedback envolvem quase sempre o sistema nervoso, mecanismos hormonais e, inclusive, fatores físicos, como os efeitos de variação dos níveis da pressão arterial sobre o débito urinário. O presente capítulo irá considerar especificamente (1) os mecanismos pelos quais os rins são capazes de eliminar o excesso de água, ao excretarem urina diluída, ou de conservá-la, ao excretarem urina concentrada; (2) os mecanismos nervosos e hormonais que controlam a osmolalidade dos líquidos corporais, ao induzir ou inibir os mecanismos de diluição ou de concentração dos rins; e (3) os mecanismos da sede e do apetite de sal, para determinar a ingestão de água e de sal, ajudando, assim, a controlar a osmolalidade do líquido extracelular e a concentração de sódio. MECANISMO PARA A EXCREÇÃO DO EXCESSO DE ÁGUA: EXCREÇÃO DE URINA DILUÍDA Uma das funções mais importantes do rim consiste em controlar a osmolalidade dos líquidos corporais. Quando a osmolalidade cai para valores demasiado baixos - isto é, quando os líquidos ficam muito diluídos - , os mecanismos de feedback nervoso e hormonal atuam sobre os rins, que passam a excretar grande excesso de água na urina. Obviamente, isso produz urina diluída, mas também remove água do organismo, aumentando, assim, a osmolalidade dos líquidos corporais até seu valor normal. Por outro lado, quando a osmolalidade dos líquidos corporais é demasiado alta, os rins excretam excesso de solutos, reduzindo novamente a osmolalidade dos líquidos corporais até seu valor normal, excretando ao mesmo tempo urina concentrada Papel do hormônio antidiurético no controle da concentração urinária. O sinal que mostra ao rim a necessidade de excretar urina diluída ou concentrada é dado pelo hormônio conhecido como hormônio antidiurético (ADH) (também denominado "va-sopressina") que é secretado pela neuro-hipófise. Quando os líquidos corporais estão excessivamente concentrados, a neuro-hipófise secreta grandes quantidades de ADH, induzindo os rins a excretarem grandes quantidades de solutos, mas a conservar água. Por outro lado, na ausência do ADH, os rins excretam urina diluída, perdendo, assim, o excesso de água do corpo. Os mecanismos de feedback para o controle desse sistema são descritos adiante neste capítulo; por enquanto, vamos analisar os mecanismos renais para a excreção de urina diluída ou concentrada. Mecanismo renal para a excreção de urina diluída. A Fig. 28.1 ilustra o mecanismo para a excreção de urina diluída. Quando o filtrado glomerular é formado inicialmente pelo glomérulo, sua osmolalidade é quase a do plasma, ou seja, aproximadamente 300 mOsm/1. Para excretar o excesso de água, é necessário diluir o filtrado à medida que ele passa pelos túbulos. Essa diluição é obtida mediante a reabsorção de maior proporção de solutos que de água. As setas coloridas na Fig. 28.1 representam a reabsorção da maior parte dos solutos tubulares (além dos produtos de degradação) em todos os segmentos distais do sistema tubular. Esses mesmos segmentos tubulares são mostrados na figura com paredes espessas e escuras, para indicar que seus epitélios são quase impermeáveis à água quando os rins estão excretando urina diluída. O ramo ascendente da alça de Henle e o segmento diluidor do túbulo distal, até mesmo em condições normais, são muito impermeáveis à água, enquanto o túbulo distal terminal, o duto coletor cortical e o duto coletor também ficam quase impermeáveis à água na ausência de ADH, nos líquidos corporais circulantes. A reabsorção dos solutos nesses segmentos distais do sistema tubular é intensa e ativa. No segmento grosso do ramo ascendente da alça de Henle, a reabsorção ativa de íons sódio, potássio e cloreto é especialmente intensa, e, com base nos valores numéricos da figura, podemos verificar que a osmolalidade do líquido no ramo ascendente da alça de Henle diminui progressivamente para cerca de 100 mOsm/1, quando o líquido abandona esse segmento tubular. Isto é, a maior parte dos solutos, salvo os produtos de degradação, é reabsorvida, ao passo que a água permanece. A seguir, quando esse líquido diluído remanescente passa pelos túbulos distal, duto coletor cortical e duto coletor, alguma reabsorção adicional de solutos, em particular de íons sódio, determina diluição ainda maior do líquido tubular, diminuindo quase sempre sua osmolalidade para apenas 65 mOsm/1 e, raramente, para níveis inferiores a 50 mOsm/1, ao deixar o duto coletor para entrar na urina. 268 Esse grupo de néfrons com alças de Henle longas é denominado néfrons justamedulares. Paralelamente às longas alças de Henle existem alças de capilares peritubulares, denominadas vasos retos essas alças também penetram na medula e, a seguir, retornam ao córtex. Essas disposições das diferentes partes do néfron justamedular e dos vasos retos estão ilustradas de modo esquemático na Fig. 28.2. Hiperosmolalidade do liquido intersticial medular e mecanismos para a sua produção Fig. 28.1 Mecanismo renal para a formação de urina diluída. As paredes escuras das porções distais do sistema tubular indicam que essas porções dos túbulos são relativamente impermeáveis à reabsorção de água na ausência de hormônio antidiurético. As setas contínuas indicam os processos ativos para a absorção da maior parte dos solutos, além dos produtos de degradação urinários. (Os valores numéricos estão em miliosmóis por litro.) Em resumo, o processo de excreção de urina diluída é muito simples; consiste em absorver solutos dos segmentos distais do sistema tubular, enquanto a água permanece nos túbulos. Entretanto, essa falta de reabsorção de água só ocorre na ausência de ADH. primeira etapa na excreção do excesso de solutos na urina - isto é, excreção de urina concentrada - consiste em criar uma pressão osmótica muito elevada (hiperosmolalidade) do líquido intersticial medular. Como veremos adiante, essa hiperosmolalidade é, por sua vez, necessária para concentrar a urina. Entretanto, explicaremos a princípio o mecanismo para criar essa hiperosmolalidade. Em quase todas as partes do organismo, a osmolalidade normal dos líquidos é de cerca de 300 mOsm/l. Todavia, conforme indicado pelos números na Fig. 28.2, a osmolalidade do líquido intersticial na medula do rim é muito maior do que esse valor e torna-se progressivamente mais elevada, quanto mais profundamente mergulharmos na medula, aumentando de 300 mOs/1 no córtex para 1.200 mOs/1 (ocasionalmente, até 1.400 mOsm/1) na extremidade pélvica da medula. Três mecanismos diferentes de concentração de solutos são responsáveis por essa hiperosmolalidade. Em primeiro lugar, a causa principal do acentuado aumento da osmolalidade medular reside no transporte ativo de íons sódio (mais o co-transporte de íons potássio, cloreto, e outros íons) pela porção grossa do ramo ascendente da alça de Henle para o interstício. As grandes setas coloridas mostradas nesse segmento tubular na Fig. 28.2 ilustram esse transporte para o líquido intersticial medular externo. O sódio e seus íons associados ficam concentrados nesse líquido. Além disso, são transportados em sentido descendente para a medula interna peio sangue que flui nos ramos descendentes dos vasos retos e, também, pela difusão para o ramo delgado descendente da alça de Henle, como veremos em breve. MECANISMO PARA A EXCREÇÃO DE EXCESSO DE SOLUTOS:OMECANISMO DEÇONTRA CORRENTE PARA A EXCREÇÃO DE URINA CONCENTRADA O processo de concentração da urina não é tão simples quanto o de sua diluição. Contudo, às vezes, é extremamente importante concentrar a urina ao máximo, a fim de que o excesso de solutos possa ser eliminado com a menor perda possível de água do organismo por exemplo, quando ficamos expostos a condições desérticas, com suprimento inadequado de água. Felizmente, os rins desenvolveram um mecanismo especial, ainda que muito complexo, para concentrar a urina, denominado mecanismos de contracorrente. O mecanismo de contracorrente depende da disposição anatômica peculiar das alças de Henle e dos vasos retos na medula renal. No ser humano, as alças de Henle de um terço a um quinto dos néfrons mergulham profundamente na medula e, a seguir, retomam ao córtex; algumas mergulham até as pontas das papilas que se projetam na pelve renal. Fig. 28.2 O mecanismo de contracorrente para a concentração da urina. (Os valores numéricos estão em miliosmóis por litro.) 269 Em segundo lugar, quantidades menores de íons também são transportadas do duto coletor para o líquido intersticial medular, principalmente como conseqüência do transporte ativo de íons sódio e da absorção eletrogênica passiva de íons cloreto juntamente com os íons sódio. Em terceiro lugar, quando a concentração de hormônio antidiurético no sangue está elevada, verifica-se também a absorção de grandes quantidades de uréia do duto coletor para o líquido da medula interna. A razão disso é a seguinte: a porção medular interna do duto coletor é moderadamente permeável à uréia, e o ADH aumenta ainda mais essa permeabilidade. Ainda mais importante é o fato de o ADH fazer com que o duto coletor medular interno se torne muito permeável à água. O fato de tornar-se muito permeável à água permite que a alta pressão osmótica do sódio no interstício induza a reabsorção osmótica de água para fora do duto coletor, resultando em elevação pronunciada da concentração de uréia no duto. Nesse estágio, devido à elevada concentração de uréia, ela também sofre difusão através da parede do duto coletor para o interstício medular. Conseqüentemente, a concentração de uréia no líquido intersticial medular eleva-se até quase igualar sua concentração no duto coletor. No ser humano, durante a estimulação máxima pelo hormônio antidiurético, essa concentração pode atingir valores de até 400 a 500 mOsm/1, o que, é óbvio, eleva acentuadamente a osmolalidade do líquido intersticial medular interno. Em resumo, pelo menos três fatores diferentes contribuem para o acentuado aumento da osmolalidade do líquido intersticial medular. Esses fatores são: (1) transporte ativo dos íons para o interstício pela porção grossa do ramo ascendente da alça de Henle, (2) transporte ativo de íons do duto coletor para o inters- tício, e (3) difusão passiva de grandes quantidades de uréia do duto coletor para o interstício. O resultado final consiste em aumento da osmolalidade do líquido intersticial medular, quando existem quantidades adequadas de ADH, até atingir valores de 1.200 a 1.400 mOsm/1 perto das pontas das papilas. Mecanismo pelo qual o hormònio antidiurético aumenta a reabsorção de água. Os detalhes finais do mecanismo pelo qual o ADH aumenta a reabsorção de água pela porção terminal dos túbulos distais, pelos dutos coletores corticais e dutos coletores ainda não foram estabelecidos. Entretanto, existem vários fatos definidos sobre esse mecanismo: o próprio ADH não atua sobre a membrana luminal das células epiteliais tubulares, mas sobre a membrana basolateral dessas células. Ativa a enzima adenilciclase nessa membrana, causando a formação de mono-fosfato de adenosina cíclico (AMP cíclico) no citoplasma da célula. A seguir, o AMP cíclico difunde-se para o lado luminal da célula e, em poucos minutos, determina o desenvolvimento de estruturas vesiculares alongadas no citoplasma que se fundem com a membrana luminal da célula. Dessa maneira, as membranas dessas vesículas tornam-se parte da membrana celular luminal, formando áreas de membrana contendo agregados de partículas protéicas que possuem canais condutores de água muito grandes. Por conseguinte, a membrana luminal torna-se extremamente permeável à água, contrastando com seu estado normal de impermeabilidade quase total. À medida que a água se difunde para o interior da célula epitelial, ela continua a difundir-se de modo normal pela célula até a membrana basolateral e, a seguir, para o líquido intersticial. Quando o ADH não está mais presente, as estruturas vesicu- lares destacam-se da membrana luminal em 10 a 15 minutos e retornam à sua posição interna no citoplasma. Os túbulos ficam novamente impermeáveis à água. Mecanismo para aumentar ainda mais a hiperosmolalidade medular — O "multiplicador de contracorrente" Na exposição anterior, assinalamos que, quando o sódio e seus íons cloreto associados são transportados do lúmen do ramo ascendente espesso da alça de Henle para o interstício medular, grande parte desses íons sofre difusão imediata para os ramos descendentes dos vasos retos e os ramos delgados des- cendentes das alças de Henle. Esse cloreto de sódio é então transportado pelo fluxo de líquido até a ponta das papilas. Nesse local, grande parte do cloreto de sódio difunde-se para o interstício papilar, aumentando ainda mais sua osmolalidade. Entretanto, o cloreto de sódio remanescente flui pelo ramo ascendente da alça de Henle, onde o segmento ascendente grosso transporta novamente o cloreto de sódio para o interstício medular. Essa reabsorção repetitiva de cloreto de sódio pelo segmento ascendente grosso da alça de Henle, juntamente com o fluxo contínuo de novo cloreto de sódio do túbulo proximal para a alça de Henle, é denominada multiplicador de contracorrente. Obviamente, o cloreto de sódio reabsorvido é somado ao novo cloreto de sódio que chega, "multiplicando", assim, sua concentração no interstício medular. Mecanismo de troca por contracorrente nos vasos retos - mecanismo para manter os solutos na medula Já discutimos os mecanismos pelos quais aparecem concentrações elevadas de solutos no interstício medular. Todavia, na falta de um sistema vascular medular especial, o fluxo de sangue pelo interstício removeria rapidamente o excesso de solutos, impedindo elevação muito pronunciada da concentração. Felizmente, o fluxo sanguíneo medular possui duas características, ambas de suma importância, para manter a elevada concentração de solutos nos líquidos intersticiais medulares. Em primeiro lugar, o fluxo sanguíneo medular interno é, do ponto de vista quantitativo, muito pequeno, correspondendo a apenas 1 a 2% do fluxo sanguíneo total do rim. Devido a esse fluxo sanguíneo muito lento, a. remoção de solutos é minimizada. Em segundo lugar, os vasos retos funcionam como trocador de contracorrente, o que também minimiza a remoção de solutos da medula. Isso pode ser explicado da seguinte maneira: o mecanismo de troca de líquido por contracorrente é aquele em que o líquido flui por um longo tubo em U, com os dois ramos do U situados muito próximos um do outro, de forma que o líquido e os solutos podem passar facilmente de um ramo para outro. Obviamente, isso também requer que cada um dos ramos do U seja muito permeável, o que ocorre com os vasos retos. Quando os líquidos e os solutos nos dois sistemas paralelos de fluxo podem executar troca rápida, enormes concentrações de solutos podem ser mantidas na extremidade da alça, com remoção insignificante de soluto. Por conseguinte, na Fig. 28.2, quando o sangue flui pelos ramos descendentes dos vasos retos, o cloreto de sódio e a uréia difundem-se para o sangue a partir do líquido intersticial, enquanto a água passa, por difusão, para o interstício. Esses dois efeitos determinam elevação progressivamente maior da concentração osmolar do sangue capilar até atingir a concentração máxima de 1.200 mOs/1 nas extremidades dos vasos retos. A seguir, quando o sangue retorna pelos ramos ascendentes, a extrema difusibilidade de todas as moléculas através da membrana capilar faz com que quase todo o excesso de cloreto de sódio e de uréia passe, por difusão, do sangue para o líquido intersticial, enquanto a água se difunde de volta para o sangue. Por conseguinte, quando o sangue finalmente 270 abandona a medula, sua concentração osmolar é apenas pouco maior que a do sangue que inicialmente penetrou nos vasos retos. Em conseqüência, o sangue que flui pelos vasos retos só transporta diminuta quantidade de solutos intersticiais medulares para fora da medula. Mecanismo de excreção de urina concentrada - papel do hormônio antidiurético Agora que já explicamos o mecanismo pelo qual o rim cria hiperosmoialidade no interstício medular, torna-se mais simples explicar o mecanismo de excreção de urina concentrada. Quando a concentração sanguínea de ADH está elevada, o epitélio do duto coletor cortical, do duto coletor e, em algumas espécies de animais, da porção terminal do túbulo distal fica muito permeável à água. Esse processo é ilustrado na Fig. 28.2 pelas paredes delgadas desses segmentos do sistema tubular. Ainda mais importante, quando o líquido tubular flui pelo duto coletor, a água é atraída, por osmose, para o líquido altamente concentrado do interstício medular. Por conseguinte, o líquido no duto coletor também fica muito concentrado e sai da papila para a pelve renal com concentração de cerca de 1.200 mOsm/l, quase igual à concentração osmolal dos solutos no interstício medular perto da papila. Resumo das alterações da concentração osmolal nos diferentes segmentos dos túbulos A Fig. 28.3 ilustra as mudanças da osmolalidade do líquido tubular à medida que passa pelos diferentes segmentos dos túbulos. Nos túbulos proximais, as membranas tubulares são tão altamente permeáveis à água que, toda vez que um soluto é transportado através da membrana, uma quantidade quase exatamente proporcional de água atravessa ao mesmo tempo a membrana por osmose; por conseguinte, a osmolalidade do líquido permanece quase exatamente igual à do filtrado glomerular, isto é, de 300 mOsm/l, em toda a extensão do túbulo proximal. A seguir, na alça de Henle, a osmolalidade eleva-se rapidamente devido ao mecanismo de contracorrente explicado nos parágrafos anteriores. Quando está sendo formada urina concentrada - isto é, quando a concentração sanguínea de ADH está elevada - , a osmolalidade na alça de Henle aumenta muito mais do que quando está sendo formada urina diluída, devido à grande quantidade de uréia que é reabsorvida passivamente dos dutos coletores para o interstício medular. Em seguida, começando na porção grossa do ramo ascendente da alça de Henle, a osmolalidade cai novamente a um. nível muito baixo, geralmente de cerca de 100 mOsm/l. Por fim, na porção terminal do túbulo distal, no duto coletor cortical e no duto coletor, a osmolalidade depende totalmente da presença ou ausência de ADH. Na ausência de ADH, ocorre reabsorção de quantidade muito pequena de água a partir desses segmentos. Por conseguinte, a osmolalidade continua sendo inferior a 100 mOsm/l e, inclusive, cai por alguns miliosmóis, devido ao transporte ativo de íons através do epitélio desses túbulos. Assim, forma-se urina muito diluída. Todavia, na presença de ADH em quantidades excessivas, o duto coletor cortical, o duto coletor e, em algumas espécies animais, a porção terminal do túbulo distal tornam-se extremamente permeáveis à água, de modo que é reabsorvida a maior parte da água, produzindo, assim, urina muito concentrada. Convém observar em particular as áreas sombreadas da Fig. 28.3. Essas áreas indicam as faixas de concentração do líquido tubular, bem como a faixa habitual de concentração da urina entre 65 e 1.200 mOsm/l nos seres humanos, dependendo da concentração sanguínea de ADH a qualquer momento. DEPURAÇÃO OSMOLAR: DEPURAÇÃO DA ÁGUA LIVRE Pode-se calcular a depuração de substâncias osmolares (Cosm) em termos do volume de plasma depurado por minuto, da mesma maneira como se calcula a depuração de determinada substância, utilizando a seguinte fórmula: Com = Osmóis que penetram na urina por minuto Concentração plasmática osmolar Por exemplo, se a osmolalidade plasmática for de 300 mOsm/l, e a quantidade de miliosmóis que penetram na urina por minuto for de 1,5, a depuração osmolar será de 1,5/300 l/min ou 5 ml/min. Depuração de água livre. Quando o rim forma urina osmoricamente mais diluída que o plasma, é óbvio que a água do filtrado glomerular está sendo excretada em maior proporção do que as substâncias osmolares. O excesso de água que é excretado é denominado água livre, e o volume plasmático total que é depurado desse excesso de água a cada minuto recebe a designação de depuração de água livre. A depuração da água livre pode ser calculada determinando-se, em primeiro lugar, a depuração osmolar e, a seguir, subtraindo esse valor da velocidade do fluxo urinário por minuto. Assim, a fórmula para a depuração de água livre ( CH2O) é a seguinte: CH2O = Volume de urina por minuto — COSM A depuração da água livre é importante por indicar a rapidez com que os rins estão modificando a osmolalidade dos líquidos corporais. A depuração da água livre pode ser positiva, caso em que está sendo removido o excesso de água, ou negativa, caso em que está sendo removido o excesso de solutos. ig. 28.3 Alterações da osmolalidade do líquido tubular ao passar pelo sistema tubular. CONTROLE DA OSMOLALIDADE DO LÍQUIDO EXTRACELULAR E DA CONCENTRAÇÃO DE SÓDIO Uma vez descritos os mecanismos pelos quais os rins podem excretar urina diluída ou concentrada, explicaremos, nas páginas que se seguem, o modo como esses mecanismos são manipulados para controlar a osmolalidade do líquido extracelular e a concentração de sódio. A osmolalidade e a concentração de sódio estão inextricavelmente relacionadas entre si, visto que os íons sódio 271 nos líquidos extracelulares desempenham o papel dominante na determinação da osmolalidade do líquido extracelular, como veremos na seção seguinte. A osmolalidade do líquido extracelular atinge, em média, quase exatamente 300 mOsm/l enquanto a concentração de íons sódio é de 142 mEq/1. Raramente esses valores se modificam por mais de ±3% dia a dia, o que nos dá uma ideia de seu rigoroso controle. Relação entre a osmolalidade do líquido extracelular e a concentração de sódio. A osmolalidade dos líquidos extracelulares é determinada quase totalmente pela concentração de sódio no líquido extracelular. A razão disso é que o sódio constitui, sem dúvida alguma, o íon positivo mais abundante do líquido extracelular, representando mais de 90% desses íons. Além disso, toda vez que um íon positivo é reabsorvido pelos túbulos renais, também ocorre reabsorção de um íon negativo. Assim, o controle dos íons positivos regula a concentração iônica total. Além disso, a glicose e a uréia, que são os mais abundantes dos solutos osmolares não-iônicos nos líquidos extracelulares, representam normalmente apenas 3% da osmolalidade total; apesar disso, a uréia exerce pressão osmótica efetiva muito pequena, visto que penetra nas células com demasiada facilidade para causar resultados osmóticos significativos. Por conseguinte, os íons sódio do líquido extracelular determinam, direta ou indiretamente, mais de 90% da pressão osmótica do líquido extracelular. Assim, de modo geral, podemos falar ao mesmo tempo em termos do controle da osmolalidade e do controle da concentração de íons sódio. Três sistemas distintos de controle operam em estreita associação para regular a osmolalidade extracelular e a concentração de sódio: (1) o sistema dos osmorreceptores - hormônio antidiurético, (2) o mecanismo da sede, e (3) o mecanismo do apetite de sal. O SISTEMA DE CONTROLE DE RETROALIMEN- TAÇÃO DOS OSMORRECEPTORES – HORMÔNIO ANTIDIURÉTICO A Fig. 28.4 ilustra o sistema dos osmorreceptores-hormônio antidiurético para o controle da osmolalidade e da concentração de sódio do líquido extracelular. Trata-se de um típico sistema de controle por feedback que opera por meio das seguintes etapas: 1. O aumento da osmolalidade (principalmente excesso de sódio e de íons negativos que o acompanham) estimula os osmor- receptores localizados no hipotálamo anterior, próximo aos núcleos supra-ópticos. 2. A excitação dos osmorreceptores estimula, por sua vez, os núcleos supra-ópticos, que, então, induzem a neuro-hipófise a liberar ADH. 3. O ADH aumenta a permeabilidade à água da porção terminal dos túbulos distais, dos dutos coletores corticais e dos dutos coletores, conforme explicado anteriormente, determinam do, assim, maior conservação de água pelos rins. 4. A conservação de água com perda de sódio e de outras substâncias osmolares na urina produz diluição do sódio e de outras substâncias no líquido extracelular, corrigindo, assim, o líquido extracelular inicial excessivamente concentrado. Por outro lado, quando o líquido extracelular fica muito diluído (hiposmótico), ocorre formação de menos ADH, e o excesso de água é eliminado, em comparação com os solutos do líquido extracelular, concentrando e normalizando, assim, os líquidos corporais. Os osmorreceptores (ou receptores de osmossódio) - a região "AV3V" do cérebro. A Fig. 28.5 ilustra o hipotálamo e a hipófise. O hipotálamo contém duas áreas importantes para o controle da secreção de ADH e da sede. Uma delas é representada pelos núcleos supra-ópticos. Nesse local, cerca de cinco sextos do ADH são formados nos corpos celulares de grandes células neuronais; o sexto restante é formado próximo aos núcleos paraventriculares. Este hormônio é transportado ao longo dos axônios dos neurônios até suas extremidades, terminando na neuro-hipófise. Quando os núcleos supra-ópticos e paraventriculares são estimulados, os impulsos nervosos são transmitidos para essas terminações nervosas, ocasionando a liberação de ADH no sangue capilar da neuro-hipófise. A segunda área neuronal importante no controle da osmola- lidade é representada por ampla área situada ao longo da borda ântero-ventral do terceiro ventrículo, denominada região AV3V, também ilustrada na Fig. 28.5. Na parte superior dessa área, existe uma estrutura especial denominada órgão subfornical\ na parte inferior existe outra estrutura conhecida como organum vasculosum da lâmina terminal. Entre esses dois "órgãos", encontra-se o núcleo pré-óptico mediano, que possui múltiplas conexões nervosas com eles, bem como com os núcleos supra- ópticos e os centros de controle da pressão arterial no bulbo. As lesões da região AV3V produzem múltiplos déficits no controle da secreção de ADH, na sede, no apetite de sódio e na pressão arterial. Além disso, a estimulação elétrica, bem como a estimulação pelo hormônio angiotensina II, pode alterar a secreção de ADH, a sede e o apetite de sódio. Na vizinhança da região AV3V e dos núcleos supra-ópticos, Fig. 28.4 Controle da osmolalidade do líquido extracelular e da concentração de íon sódio pelo sistema de controle de feedback de receptor de osmossódio-hormônio antidiurético. Fig. 28.5 O sistema antidiurético supra-óptico-hipofisário e sua relação com o centro da sede no hipotálamo. 272 encontram-se outras células neuronais que são excitadas por aumentos muito pequenos da osmolalidade do líquido extracelular e inibidas por reduções da osmolalidade. Esses neurônios são denominados osmorreceptores. Por sua vez, eles enviam sinais nervosos para os núcleos supra-ópticos para controlar a secreção de ADH. É provável que também induzam a sede. Tanto o órgão subfornical quanto o organum vasculosum da lâmina terminal possuem suprimentos vasculares desprovidos da típica barreira hematoence fálica existente no cérebro, que impede a difusão da maioria dos íons do sangue para o tecido cerebral. Por conseguinte, a ausênciadessa barreira torna possível a fácil movimentação de íons e outros solutos entre o sangue e o líquido intersticial local. Dessa maneira, os osmorreceptores respondem rapidamente a variações da osmolalidade do líquido do sangue, exercendo acentuado controle sobre a secreção de ADH e, provavelmente, sobre a sede. Resumo domecanismo do hormônioantidiurético, no controle da osmolalidade do líquido extracelular e da concentração de sódio no líquido extracelular. Com base nessa exposição, podemos reiterar a importância do mecanismo do ADH para controlar ao mesmo tempo a osmolalidade do líquido extracelular e a concentração de sódio no líquido extracelular. Isto é, o aumento da concentração de sódio determina elevação quase exatamente paralela da osmolalidade, que, por sua vez, excita os osmorreceptores do hipotálamo. A seguir, esses receptores ocasionam a secreção de ADH, cujo efeito é o de aumentar acentuadamente a reabsorção de água nos túbulos renais. Conseqüentemente, a perda de água na urina é muito pequena, enquanto os solutos urinários continuam sendo eliminados. Por conseguinte, a proporção relativa de água no líquido extracelular aumenta, ao passo que a proporção de solutos diminui. Dessa maneira, a concentração de íons sódio do líquido extracelular e a osmolalidade diminuem até o nível normal. Trata-se de um mecanismo muito potente para controlar tanto a osmolalidade do líquido extracelular quanto a concentração de sódio no líquido extracelular. Função do mecanismo do hormônio antidiurético em condições especiais Diurese hídrica. Quando uma pessoa ingere grande quantidade de água, ocorre o fenômeno denominado diurese hídrica, cujo registro típico é mostrado na Figura 28.6. Nesse exemplo, um homem bebeu 1 1 de água, e, cerca de 45 minutos depois, seu débito urinário aumentou oito vezes em relação ao normal. Manteve-se nesse nível por 2 horas isto é até que a osmolalidade do líquido extracelular tivesse retornado essencialmente ao normal. A demora do início da diurese hídrica é causada, em parte, pela demora da absorção da água pelo tubo gastrintestinal, mas principalmente pelo tempo necessário para a destruição do ADH que já tinha sido liberado pela hipófise antes da ingestão de água. Síndrome de secreção inadequada de hormônio antidiurético. Certos tipos de tumores, em particular tumores broncogênicos dos pulmões ou tumores das regiões basais do cérebro, secretam ocasionalmente ADH ou um hormônio semelhante. Essa condição é conhecida como sindrome de secreção inapropriada de ADH. O excesso de ADH causa apenas aumento ligeiro no volume de líquido extracelular. Com efeito, sua principal ação consiste em reduzir acentuadamente a concentração de sódio (e a osmolalidade) do liquido extracelular. A explicação desse efeito é a seguinte: a princípio, o ADH determina redução do débito urinário e, simultaneamente, ligeiro aumento do volume sanguíneo. Por sua vez, esse aumento provoca elevação discreta da pressão arterial que, a seguir, provoca aumento secundário do débito urinário. Contudo, a urina excretada ainda está muito concentrada, visto que o ADH ainda está causando reabsorção excessiva de água pelos túbulos renais. Por conseguinte, os rins excretam enormes quantidades de íons sódio e de outros íons na urina, mas conservam a água no líquido extracelular. Assim, a concentração de sódio fica acentuadamente reduzida, caindo algumas vezes de seu valor normal de 142 mEq/l para apenas 110 a 120 mEq/1. Com esses valores tão baixos, os pacientes sofrem quase sempre morte súbita devida à coma e a convulsões. A doença é particularmente instrutiva, pois ilustra a extrema importância do mecanismo do ADH no controle da concentração de sódio e da osmolalidade extracelular, bem como seu efeito relativamente leve sobre o controle do volume de líquidos corporais. SEDE E SEU PAPEL NO CONTROLE DA OSMOLALIDADE DO LIQUIDO EXTRACELULAR E DA CONCENTRAÇÃO DE SÓDIO Na regulação da água corporal, da osmolalidade e da concentração de sódio, o fenômeno da sede é tão importante quanto o mecanismo osmorreceptor-renal antes descrito, uma vez que a quantidade de água no organismo, a qualquer momento, é determinada pelo equilíbrio entre a ingestão e a eliminação de água. A sede, que é o regulador primário da ingestão de água, é definida como o desejo consciente de beber água. Integração neural da sede — o centro da "sede' Fig. 28.6 Diurese hídrica num ser humano após a ingestão de 1.000 ml de água. (Redesenhado de Smith: The Kidney: Structure and Functions in Health and Disease. New York, Oxford University Press, 1951.) Consultando novamente a Fig. 28.5, verificamos que a mesma área ao longo da parede ântcro-ventral do terceiro ventrículo, que promove a antidiurese, também pode causar sede. Também com localização antero-lateral na área pré-óptica, encontram-se outras pequenas áreas que, quando estimuladas eletricamente, determinam o início imediato da ingestão de água, que prossegue enquanto persistir a estimulação. Todas essas áreas reunidas constituem o centro da sede. A injeção de solução salina hipertônica em partes do centro da sede induz osmose de água para fora das células neuronais, levando o indivíduo a beber. Por conseguinte, essas células atuam como osmorreceptores para ativar o mecanismo da sede. É provável que esses osmorreceptores sejam os mesmos que ativam o sistema antidiurético. Além disso, o aumento da pressão osmótica do líquido cefa- lorraquidiano no terceiro ventrículo exerce essencialmente o mesmo efeito no sentido de promover a ingestão de água. Alguns experimentos sugerem que o local desse efeito é o organum vasculosum da lâmina terminal, situado imediatamente abaixo da superfície ventricular, na extremidade mais inferior da região AV3V. 273 As células neuronais localizadas nessa região são excitadas pelo aumento da osmolalidade. Estímulo básico para excitar o centro da sede - desidratação intracelular. Qualquer fator passível de causar desidratação intracelular irá geralmente causar a sensação de sede. A causa mais comum disso é o aumento da concentração osmolar do líquido extracelular, especialmente o aumento da concentração de sódio, que produz osmose de líquido para fora das células neuronais do centro da sede. Todavia, outra causa importante reside na perda excessiva de potássio do organismo, que reduz o potássio intracelular das células da sede, diminuindo, portanto, seu volume. Alívio temporário da sede causado pelo ato de beber Uma pessoa sedenta consegue aliviar a sede imediatamente após a ingestão de água, até mesmo antes de a água ter sido absorvida pelo tubo gastrintestinal. De fato, nas pessoas que apresentam fístula esofágica aberta para o exterior, de modo que a água é perdida e nunca chega ao tubo gastrintestinal, ainda ocorre alívio parcial da sede, embora esse alívio seja apenas temporário e a sede retorne depois de 15 minutos ou mais. Se a água penetrar no estômago, a distensão desse órgão e de outras porções do tubo gastrintestinal superior proporciona alívio temporário adicional da sede. Na verdade, a simples inflação de um balão colocado no estômago pode alivia r a sede durante 5 a 30 minutos. Pode-se questionar o valor desse alívio temporário da sede; todavia, existem boas razões para sua ocorrência. Após a ingestão de água, pode ser necessário um período de meia hora a 1 hora para que toda a água seja absorvida e distribuída por todo o organismo. Se a sensação de sede não fosse aliviada temporariamente após a ingestão de água, a pessoa continuaria bebendo cada vez mais. Por fim, quando toda essa água fosse absorvida, os líquidos corporais ficariam muito mais diluídos do que o normal, e surgiria uma condição anormal, oposta à que a pessoa estava tentando corrigir. Sabe-se muito bem que o animal sedento quase nunca bebe mais do que a quantidade de água necessária para aliviar seu estado de desidratação. Com efeito, é fantástico o fato de o animal beber habitualmente quase a quantidade certa. PAPÉIS COMBINADOS DOS MECANISMOS ANTIDURÉTICO E DA SEDE NO CONTROLE DA OSMOLALIDADE E DA CONCENTRAÇÃO DE SÓDIO DO LÍQUIDO EXTRACELULAR Quando o mecanismo do ADH ou o mecanismo da sede falha, o outro habitualmente consegue controlar com razoável eficácia tanto a concentração de sódio quanto a osmalidade do líquido extracelular. Por outro lado, se ambos falharem simultaneamente, nem o sódio, nem a osmolalidade serão controlados de modo adequado. A Fig 28.7 ilustra de modo notável a capacidade do sistema de ADH-sede de controlar a concentração de sódio do líquido extracelular (e, portanto, da osmolalidade). Essa figura mostra a capacidade do mesmo animal de controlar a concentração de sódio do líquido extracelular em duas condições diferentes: (1) no estado normal e (2) após bloqueio dos mecanismos do ADH e da sede. Observe que, no estado normal (curva contínua), um aumento de seis vezes na ingestão de sódio determinou alteração da concentração de sódio de apenas dois terços de 1% (de 142 mEq/1 para 143 mEq/1) ou seja, um excelente grau de controle da concentração de sódio. Observe agora a curva tracejada da figura, que mostra a alteração da concentração de sódio quando o sistema de ADH-sede foi bloqueado. Nesse caso, a concentração de sódio aumentou 10% com aumento de apenas cinco vezes na ingestão de sódio (mudança da concentração de sódio de 137 mEq/1 para 151 mEq/l)? o que constitui alteração extrema da concentração de sódio, quando se sabe que a concentração normal de sódio raramente aumenta ou diminui por mais de 1% de um dia para outro. Por conseguinte, o principal mecanismo de feedback para o controle da concentração de sódio (e também da osmolalidade extracelular) é o mecanismo de ADH-sede. Na ausência desse duplo mecanismo, não há mecanismo de feedback capaz de levar o organismo a aumentar a ingestão de água ou a conservá-la Papel da sede no controle da osmolalidade do líquido extracelular e da concentração de sódio Limiar para a ingestão de água - o mecanismo atívador. Os rins estão excretando líquido continuamente; além disso, ocorre perda de água por evaporação a partir da pele e dos pulmões. Por conseguinte, a pessoa está sendo continuamente desidratada, acarretando a diminuição do volume de liquido extracelular, com aumento da concentração de sódio e de outros elementos osmolares. Quando a concentração de sódio aumenta por cerca de 2 mEq/1 acima do normal (ou quando a osmolalidade aumenta por cerca de 4 mOsm/1 acima do normal), o mecanismo da sede fica "ativado"; isto é, a pessoa atinge um nível de sede forte o suficiente para ativar o esforço motor necessário que induz à ingestão de água. Este é o chamado limiar da sede. A rigor, a pessoa bebe exatamente a quantidade necessária de líquido para normalizar os líquidos extracelulares - isto é, até atingir o estado de saciedade. A seguir, o processo de desidratação e de concentração de sódio começa novamente, e, depois de certo período de tempo, o ato de beber é de novo ativado, sendo o processo perpetuado indefinidamente. Dessa maneira, tanto a osmolalidade quanto a concentração de sódio do líquido extracelular são controladas com muita precisão. Fig. 28.7 Efeito sobre a concentração de sódio no líquido extracelular de cães causado por grandes variações da ingestão de sódio (1) em condições normais e (2) após bloqueio dos sistemas do hormônio antidiurético e do mecanismo da sede. Esta figura mostra a falta de controle do íon sódio na ausência desses sistemas. (Cortesia de Dr. David B. Young.) 274 pelos rins quando um excesso de sódio penetra no corpo. Por conseguinte, a concentração de sódio simplesmente aumenta. Efeito dos reflexos cardiovasculares sobre o sistema de controle de ADH-sede Dois reflexos cardiovasculares também exercem potentes efeitos sobre o mecanismo de ADH-sede: (1) o reflexo barorreceptor arterial e (2) o reflexo dos receptores de volume, ambos descritos no Cap. 18. Quando o volume sanguíneo cai, ambos os mecanismos determinam o aumento da secreção de ADH, bem como aumento da sede. Isto é, a redução do volume sanguíneo provoca perda da pressão arterial e ativa o reflexo barorreceptor arterial. O reflexo dos receptores de volume é ativado quando as pressões nos dois átrios, na artéria pulmonar e em outras áreas de baixa pressão da circulação pulmonar caem para valores abaixo do normal, devido a volume demasiado pequeno na circulação. O resultado final é a ativação do sistema de ADH-sede, com o conseqüente aumento do volume dos líquidos corporais. Para comparar os efeitos da osmolalidade na ativação do sistema de ADH com os efeitos dos reflexos circulatórios, a Fig. 28.8 ilustra com círculos abertos os efeitos do aumento da osmolalidade dos líquidos corporais sobre a secreção de ADH; os círculos cheios indicam o efeito da redução do volume sangüíneo. EXCREÇÃO DE SÓDIO E SEU CONTROLE PELA ALDOSTERONA Normalmente, o filtrado glomerular contém cerca de 26.000 mEq de sódio por dia; apesar disso, a ingestão média de sódio a cada dia é de apenas 150 mEq. Por conseguinte, os rins só podem excretar cerca de 150 do total de 26.000 mEq, visto que, de outro modo, ocorreria depleção corporal de sódio. Conseqüen- Fig. 28.8 Efeito de variações da osmolalidade plasmática ou do volume sanguíneo sobre o nível plasmático de hormônio antidiurético (ADH) (arginina vasopressina [AVPJ. (De Dunn et ai.: /. Clin. Invest., 52: 3212, 1973. Por cessão de copyright da American Society for Clinicai Investigation.) temente, Q principal papel do sistema tubular na excreção de sódio consiste em reabsorvê-lo, e não em excretá-lo. Reabsorção da maior parte do sódio tubular nos túbulos próxima e nas alças de Henle. Quando o líquido tubular atinge os túbulos distais, todo o sódio, à exceção de cerca de 8%, já sofreu reabsorção. Cerca de 65% dessa quantidade são reabsorvidos nos túbulos proximais, devido ao transporte ativo de sódio pelas células epiteliais tubulares proximais. Além disso, como já foi explicado no capítulo anterior, quando o sódio é reabsorvido, a carga positiva dos íons sódio determina a difusão passiva ou o co-transporte de íons negativos, especialmente dos íons cloreto, através do epitélio. A seguir, a reabsorção cumulativa de íons cria uma diferença de pressão osmótica que também desloca a água através da membrana. Com efeito, o epitélio é tão permeável à água que ocorre reabsorção de quase a mesma proporção de água e de íons sódio. Na porção grossa do ramo ascendente da alça de Henle, aproximadamente outros 27% de sódio são reabsorvidos, de modo que apenas 8% penetram nos túbulos distais. Todavia, a reabsorção de sódio nesse local é muito diferente da observada nos túbulos proximais, visto que esse segmento grosso da alça é quase impermeável à água, conforme assinalado antes neste capítulo. Por conseguinte, a concentração de íons sódio cai para valores muito baixos no líquido tubular do ramo ascendente antes de penetrar nos túbulos distais, atingindo apenas um quarto de sua concentração no plasma - até uma concentração de 30 a 40 mEq/1, em contraste com o nível plasmático de 140 mEq/1. Por conseguinte, os túbulos proximais e as alças de Henle são responsáveis pelo retorno ao plasma da maior parte do sódio que penetra no sistema tubular no filtrado glomerular, conservando, assim, o sódio. Reabsorção variável de sódio na parte terminal dos tubulos distais e nos dutos coletores corticais - papel da aldosterona A reabsorção de sódio na porção terminal dos túbulos distais e nos dutos coletores corticais é extremamente variável. A intensidade da reabsorção é controlada sobretudo pela concentração sanguínea de aldosterona, hormônio secretado pelo córtex supra-renal. Na presença de grandes quantidades de aldosterona, quase os últimos vestígios do sódio tubular são reabsorvidos por essas porções do sistema tubular, de modo que praticamente nenhum sódio chega à urina. Por outro lado, na ausência de aldosterona, quase todo o sódio que penetra na porção terminal dos túbulos distais, isto é, cerca de 800 mEq/dia, não é reabsorvido e, assim, passa para a urina. Assim, a excreção de sódio pode ser de apenas 0,1 g por dia ou de até 20 g por dia, dependendo da quantidade secretada de aldosterona. Mecanismo pelo qual a aldosterona aumenta o transporte de sódio. Ao penetrar na célula epitelial tubular, a aldosterona combina-se com uma proteína receptora; essa combinação difunde-se dentro de poucos minutos para o interior do núcleo, onde ativa as moléculas de ADN para formar um ou mais tipos de ARN-mensageiro. A seguir, acredita-se que o ARN determine a formação de proteínas transportadoras ou de enzimas protéicas necessárias para o processo de transporte do sódio. Foram sugeridas várias teorias: (1) a de que uma proteína específica poderia aumentar a permeabilidade da borda luminal da célula ao sódio, (2) a de que uma maior quantidade de Na\ K+-ATPase (que é a proteína bombeadora de sódio) apareceria na membrana basolateral da célula epitelial, ou (3) a de que uma ou mais enzimas protéicas poderiam aumentar a disponibilidade de ATP para a ATPase, de modo que possa funcionar mais ativamente. Infelizmente, ainda se desconhece o mecanismo preciso envolvido. 275 Em geral, a aldosterona não exerce qualquer efeito sobre o transporte de sódio dentro dos primeiros 45 minutos após sua administração; depois desse período, as proteínas específicas importantes para o transporte começam a aparecer nas células epiteliais, seguidas por aumento progressivo do transporte durante algumas horas subseqüentes. Controle da secreção de aldosterona. A aldosterona é secretada pelas células da zona glomerular no córtex das glândulas supra-renais, conforme discutido com maiores detalhes no Cap. 77. A secreção de aldosterona é reconhecidamente estimulada por três fatores diferentes: (1) aumento da angiotensina II no sangue, (2) aumento da concentração de íons potássio do líquido extracelular e (3) diminuição da concentração de íons sódio do líquido extracelular. O segundo desses três fatores é importante para o controle da concentração dos íons potássio, conforme discutido no próximo capítulo. O primeiro e o terceiro são de suma importância no controle da excreção renal de sódio, bem como no controle do volume extracelular. Quando ocorre redução excessiva do volume do líquido extracelular, os efeitos resultantes sobre o sistema circulatório consistem em queda da pressão arterial e aumento da estimulação reflexa do sistema nervoso simpático. Ambos reduzem o fluxo sanguíneo pelos rins e estimulam a secreção de renina, conforme explicado no Cap. 19. Por sua vez, a renina determina a formação de angiotensina I que, mais tarde, é convertida em angiotensina II. Por fim, a angiotensina II exerce efeito direto sobre as células da zona glomerular, aumentando a secreção de aldosterona. Além disso, a redução da concentração de íons sódio no líquido extracelular também parece exercer fraco efeito estimulante direto sobre a secreção de aldosterona, embora esse efeito seja muito menos potente do que o efeito da angiotensina II. Por conseguinte, sempre que o volume de líquido extracelular ou a concentração de íons sódio do líquido extracelular ficarem reduzidos abaixo da faixa normal, ocorre secreção de aldosterona, e os túbulos renais reabsorvem quantidades adicionais de sódio e de água, resultando em normalização do sódio e do volume de líquido extracelular. Relativa falta de importância do mecanismo de feedback da aldosterona para a determinação da concentração de íons sódio em condições normais. Apesar de a aldosterona aumentar a quantidade de sódio no líquido extracelular, a maior reabsorção de água juntamente com o sódio impede, em geral, LI elevação na concentração de sódio, porém aumenta principalmente a quantidade total do líquido extracelular. Esse processo é ilustrado pelo experimento da Fig. 28.9. Essa figura mostra o efeito, sobre a concentração de sódio, do aumento por mais de seis vezes da ingestão de sódio no mesmo cão (1) em condições normais e (2) após bloqueio do sistema de feedback da aldosterona - isto é, as glândulas supra-renais foram removidas, e os animais receberam infusão de aldosterona com intensidade constante, que não podia ser modificada nem para mais, nem para menos. Observe que, em ambos os casos, a concentração de sódio não se alterou por mais de 1 a 2%. Em outras palavras, até mesmo na ausência de um sistema funcional de feedback da aldosterona (visto o harmônio não ter sua concentração nem aumentada nem diminuída), a concentração de sódio ainda é muito bem regulada. Devido ao efeito acentuado que a aldosterona exerce sobre a reabsorção tubular de sódio, essa falta de importância do controle da concentração de sódio por feedback da aldosterona parece ser um paradoxo, mas resulta do seguinte efeito muito simples: quando a aldosterona induz maior reabsorção de sódio dos túbulos, conforme discutido antes, esse efeito determina reabsorção simultânea de água e aumento do volume de líquido extracelular. Aumento de apenas alguns pontos percentuais no volume de líquido extracelular acaba resultando em elevação da pressão arterial; esta elevação leva a aumento da filtração glomerular, efeito bem conhecido na presença de quantidades excessivas de aldosterona, 0 rápido fluxo do filtrado pelo sistema tubular compensa, então, o efeito reabsortivo excessivo da aldosterona e, assim, anula quase por com- Fig. 28.9 Efeito sobre a concentração de sódio do líquido extracelular de cães, causado por grandes variações da ingestão de sódio (1) em condições normais e (2) após bloqueio do sistema de feedback da aldoste- rona. Observar que o sódio é extremamente bem controlado, com ou sem controle de feedback da aldosterona. (Cortesia de Dr. David B. Young.) pleto o efeito da aldosterona sobre a concentração de sódio do líquido extracelular. Além disso, conforme explicado antes, o sistema de ADH-sede é um controlador muito potente da concentração de sódio - muito mais poderoso do que o sistema de feedback da aldosterona -, de modo que, em condições normais, o sistema de ADH-sede supera de longe o sistema da aldosterona para o controle da concentração de sódio. Com efeito, mesmo em pacientes com atdosteronismo primário (esses pacientes secretam enormes quantidades de aldosterona), a concentração de sódio ainda aumenta apenas cerca de 2 a 3 mEq/l acima do normal. CONTROLE DA INGESTÃO DE SÓDIO PELO MECANISMO DO APETITE POR SAL A manutenção da normalidade do sódio extracelular requer não apenas o controle da excreção de sódio, mas também o controle de sua ingestão. Felizmente, o organismo utiliza o mecanismo do apetite por sal para controlar a ingestão de sódio, que é análogo ao mecanismo da sede para o controle da ingestão de água. Da mesma forma que a sede é eliciada por dois estímulos principais, o apetite por sal também é induzido por dois estímulos fundamentais: (1) diminuição da concentração de sódio no líquido extracelular e (2) insuficiência circulatória, quase sempre causada pela redução do volume sanguíneo. Entretanto, uma importante diferença entre a sede e o apetite por sal é que a primeira é induzida quase imediatamente, enquanto o desejo por sal só costuma manifestar-se depois de várias horas, para, em seguida, aumentar progressivamente. O mecanismo neuronal do apetite por sal também é análogo ao mecanismo da sede. Alguns dos centros neuronais na região AV3V do cérebro parecem estar envolvidos, visto que a ocorrência de lesões nessa região quase sempre afeta tanto a sede quanto o apetite pelo sal. Além disso, reflexos circulatórios eliciados pela pressão arterial baixa ou pela redução do volume sanguíneo são transmitidos do bulbo para a região AV3V, onde afetam simultaneamente a sede e o apetite por sal. A importância do desejo por sal é especialmente ilustrada em pacientes portadores de doença de Addison. Nesses indivíduos, praticamente nenhuma aldosterona é secretada, com conseqüente perda excessiva de sal na urina, resultando em baixas concentrações de íons sódio no líquido extracelular e redução do volume sanguíneo; ambos os efeitos estimulam fortemente o desejo por sal. De forma semelhante, sabe-se muito bem que os animais que vivem em áreas onde existe pouco sal quase sempre procuram ativamente depósitos minerais, conhecidos como pedras de sal, que são lambidas. 276 REFERÊNCIAS Andersson, B., and Rundgren, M.: Thirst and its diaordera. Annu. Rev. Med., 33:231, 1982. Arendahorst, W. J.: Altered reactivity of tubuloglomerular feedback. Annu. Rev. Phyaiol., 49:295, 1987. 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Mostra que quase não ocorre variação do volume sanguíneo. a despeito de acentuadas alterações na ingestão diária de água e eletrólitos, exceto quando essa ingestão for tão baixa a ponto de não ser mais suficiente para compensar as perdas líquidas causadas por evaporação ou outras perdas inevitáveis. Natríurese de pressão e diurese de pressão como base para o controle do volume sanguíneo Apesar de todos os fatores hormonais mencionados nos dois últimos capítulos — hormônio antidiurético (ADH), aldosterona, angiotensina e fator natriurético atrial (FNA) — desempenharem algum papel no controle do volume sanguíneo, a base mais importante para este controle é, sem dúvida alguma, um mecanismo puramente mecânico: o efeito mecânico da elevação da pressão arterial, ocasionando aumento acentuado do débito de volume de líquido pelos rins. Este mecanismo é denominado diurese depressão. Juntamente com essa diurese, também ocorre aumento da eliminação de sal: é a denominada natriurese de pressão. A Fig. 29.2 ilustra esse efeito da pressão arterial sobre a eliminação urinária de sódio ou sobre o débito de volume. Ob- serve que a elevação da pressão arterial por até duas vezes o normal aumenta em cerca de oito vezes o débito urinário. O líquido é, então, rapidamente perdido do organismo, até que o volume sanguíneo se torne pequeno o suficiente para normalizar a pressão arterial. Por outro lado, quando a pressão arterial cai de sua faixa normal para cerca de 50 mm Hg, o débito urinário diminui praticamente para zero. A seguir, acumula-se líquido no organismo devido à ingestão contínua de líquido até que o volume sanguíneo aumente o suficiente para normalizar a pressão arterial. Por conseguinte, esse simples efeito mecânico da pressão sobre o débito urinário proporciona um mecanismo de feedback negativo para o controle do volume sanguíneo. A seguir, apresen- tamos as etapas específicas desse sistema de controle por feed- back. Mecanismo global para o controle do volume sanguíneo. O mecanismo global para o controle do volume sanguíneo é ilustrado na Fig. 29.3. É essencialmente idêntico ao mecanismo básico para o controle da pressão arterial descrito no Cap. 19. Nesse Fig. 29.1 Efeito aproximado de grandes alterações na ingestão diária de líquidos sobre o volume sanguíneo. Observar a precisão do controle do volume sanguíneo na faixa normal. 278 Fig. 29.2 Efeito das mudanças da pressão arterial sobre o débito uri- nário. capítulo, foi assinalado que o volume do Líquido extracelular, o volume sanguíneo, o débito cardíaco, a pressão arterial e o débito urinário são todos controlados, ao mesmo tempo, como partes distintas de um mecanismo básico comum de feedback. Neste mecanismo, existem seis etapas principais que se relacionam ao controle do volume sanguíneo: 1. O aumento do volume sanguíneo aumenta o débito car- díaco. 2. O aumento do débito cardíaco eleva a pressão arterial. 3. A elevação da pressão arterial determina aumento do débi- to urinário; a curva cont ínua nesse bloco indica que o efeito da pressão sobre o débito é especialmente potente quando a pressão permanece elevada durante dias ou semanas. 4. Esse bloco mostra o total da ingestão de líquido menos as perdas de líquido pelo organismo; essas perdas incluem tanto o débito urinário quanto às outras perdas de líquido. O efeito nesse bloco consiste na velocidade de variação do volume do líquido extracelular. Se a ingestão for maior do que o débito, a velocidade de variação será positiva; se o débito for maior do que a ingestão, a velocidade de variação será negativa. 5. Esse bloco integra a velocidade de variação do volume do líquido extracelular — isto é, mostra o acúmulo de um maior ou menor volume de líquido com o decorrer do tempo, dependendo de a variação ser positiva ou negativa. O produto do bloco 5 representa o verdadeiro volume do líquido extracelular. 6. Esse bloco fornece a relação entre o volume de líquido extracelular e o volume sanguíneo, mostrando que, em geral, à medida que o volume de líquido extracelular aumenta, o volume sanguíneo também aumenta. Resumo dos mecanismos básicos para o controle do volume sanguíneo. Para resumir os princípios ilustrados na Fig. 29.3, podemos definir o que ocorre quando o volume sanguíneo fica anormal. Nos casos em que o volume sanguíneo aumenta demais, o débito cardíaco também torna-se demasiado grande, por conseguinte, determina a elevação da pressão arterial. Esta última, por sua vez, exerce profundo efeito sobre os rins, acarretando a perda de líquido pelo organismo e normalmente o volume sanguíneo. Por outro lado, se o volume sanguíneo cair abaixo do normal, o débito cardíaco e a pressão arterial diminuem, os rins passam a reter líquido, e o acúmulo progressivo do líquido ingerido eventualmente normaliza o volume sanguíneo. Em geral, também ocorrem processos paralelos para reconstituir a massa de eritrócitos, as proteínas plasmáticas etc, caso tenha havido alguma anormalidade simultânea desses elementos. Todavia, se o volume de eritrócitos permanecer anormal, o volume plasmático irá simplesmente compensar a diferença, tornando-se essencialmente normal, a despeito da baixa massa eritrocítica. Razão para a precisão do mecanismo de regulação do volume sanguíneo. Ao estudar atentamente o esquema da Fig. 29.3, podemos verificar por que o volume sanguíneo permanece quase exatamente constante, a despeito das enormes mudanças na ingestão diária de líquidos. A razão para isso é que as inclinações das curvas nos blocos 1, 2 e 3 são muito íngremes, significando que (a) pequena mudança do volume sanguíneo provoca alteração pronunciada do débito cardíaco, (b) ligeira alteração do débito cardíaco provoca acentuada mudança da pressão arterial, e (c) variação moderada da pressão arterial determina acentuada alteração do débito urinário. Todos esses fatores multiplicam-se para proporcionar um ganho extremamente alto para o controle do volume sanguíneo por feedback. EFEITO DOS FATORES NERVOSOS E HORMONAIS SOBRE O CONTROLE DO VOLUME SANGUÍNEO Fig. 29.3 Mecanismo básico de feedback para o controle do volume sanguíneo e do volume de líquido extracelular (os pontos sobre cada uma das curvas representam os valores normais). As discussões do capítulo anterior tornaram bem claro que tanto os fatores nervosos quanto os fatores hormonais podem causar mudanças agudas na excreção renal de sal e de água. Esses efeitos agudos são quase sempre muito acentuados em experimentos a curto prazo; por conseguinte, a maioria dos textos de fisiologia dá muita ênfase a esses mecanismos de controle do volume sanguíneo. Todavia, após o ajuste total do mecanismo básico renal para o controle do volume sanguíneo discutido acima, as alterações crônicas do volume sanguíneo ocasionadas por qualquer um dos fatores nervosos ou hormonais não costumam ser superiores a 5 a 10%. Comentaremos cada um desses fatores em separado. Reflexos dos barorreceptores arteriais e dos receptores de estiramento de baixa pressão — o "reflexo volêmico". Quando o volume sanguíneo torna-se demasiado grande, verifica- se elevação da pressão arterial; além disso, as pressões na artéria pulmonar e em outras regiões de baixa pressão do tórax também aumentam. O estiramento dos receptores arteriais e dos receptores de estiramento de baixa pressão causa, por sua vez, inibição reflexa do sistema nervoso simpático, o que dilata agudamente as arteríolas renais, determinando quase sempre aumento imediato de até várias vezes no 279 débito urinário. Por essa razão, esse conjunto de reflexos é algumas vezes denominado reflexo volêmico. Todavia, em condições crônicas, a desnervação simpática total não está associada à variação significativa do volume sangüíneo. Além disso, em pacientes portadores de tumores secretores de norepinefrina e epinefrina, com enorme secreção desses hormônios simpáticos, verificou-se que o volume sanguíneo estava normal ou diminuído em apenas 5 a 10%. Esses hormônios exercem sobre os rins o efeito de causar retenção de líquido; todavia, exercem efeito vasoconstritor simultâneo sobre os vasos sangüíneos, diminuindo a capacidade do sistema circulatório. É o segundo desses efeitos que parece prevalecer, de modo que o volume sanguíneo pode diminuir por alguns pontos percentuais. Efeito do fator natriurético atrial. A excessiva distensão dos dois átrios em conseqüência de volume sanguíneo excessivo determina a liberação de FNA no sangue. Esse fator atua agudamente sobre os rins, aumentando por três a 10 vezes a excreção de sódio e o volume urinário. Todavia, esse efeito extremo sobre o débito urinário não persiste, de modo que, no estado crônico, verifica-se apenas ligeira redução do volume sanguíneo associada a leve redução da pressão arterial. Efeito da aldosterona. A aldosterona provoca reabsorção muito intensa de sódio nos segmentos distais do sistema tubular renal. A princípio, quase todo o sódio que penetra no filtrado glomerular pode ser reabsorvido pelos rins no sangue, ocasionando reabsorção secundária de água. Em conseqüência, o volume sanguíneo aumenta por até 10 a 20% durante o primeiro dia. A seguir, à medida que a pressão arterial aumenta em resposta ao volume sanguíneo crescente, ocorre o fenômeno de "escape da aldosterona", isto é, os rins começam a excretar quantidade de sódio igual à ingestão diária, a despeito da presença contínua de aldosterona. A razão desse escape é principalmente a natriurese de pressão e a diurese de pressão que ocorrem com a elevação da pressão arterial. Em experimentos nos quais se impede a elevação da pressão arterial renal juntamente com o aumento da pressão arterial, a natriurese de pressão é impedida e não ocorre o escape. Depois do escape da aldosterona, o volume sanguíneo atinge valor de apenas 5 a 10% acima do normal dentro de poucos dias, associado à elevação contínua, porém moderada, da pressão arterial. Somente nos pacientes que não secretam aldosterona (pa- cientes portadores de doença de Addison que quase sempre ex- cretam até 20 g de sódio por dia) é que se verifica alteração significativa do volume urinário, visto que a depleção de sódio causa, por sua vez, depleção de água. Entretanto, essa alteração ultrapassa acentuadamente o padrão normal do controle do volume sanguíneo. Mesmo assim, se o indivíduo ingerir todo o sal que deseja, poderá não ocorrer redução de mais de 5% no volume sanguíneo. Papel da angioténsina. Nem a diminuição da angiotensina II circulante até zero, nem a acentuada elevação da angiotensina possuem efeito crônico de mais de 5 a 10% sobre o volume sanguíneo, a despeito do fato de a angiotensina exercer efeito renal direto, causando retenção renal de sal e de água, bem como um efeito indireto ao estimular a secreção de aldosterona. Efeito do hormônio antidiurético. A infusão em animais de grandes quantidades de ADH (também denominado vasopres- sina) pode causar retenção pronunciada de água pelos rins a ponto de o volume sanguíneo aumentar de 15 a 25% durante os primeiros dias. Entretanto, a pressão arterial também aumenta e, a seguir, determina a excreção do excesso do volume. Depois de várias semanas de infusão contínua, o volume sanguíneo não ultrapassa 5 a 10% de seu valor normal, e a pressão arterial também retorna, dentro de uma faixa de 10 mm Hg, ao normal. Por conseguinte, não ocorre qualquer mudança acentuada do volume. Entretanto, os animais geralmente apresentam grave redução na concentração extracelular de íons sódio. A razão disso é que a água retida pelos rins dilui o sódio extracelular, e, ao mesmo tempo, a ligeira elevação da pressão determina perda excessiva de sódio na urina. Nos pacientes que perderam a capacidade de secretar ADH, devido à destruição dos núcleos supra-ópticos, o débito urinário pode atingir 5 a 10 vezes o seu valor normal por dia; todavia, esse aumento é quase sempre compensado pela ingestão de água suficiente para equilibrar a diferença. Por conseguinte, o volume sanguíneo raramente diminui por mais de 5% enquanto houver disponibilidade de água em quantidade suficiente. Resumo Em resumo, dentro das variações normais de atuação dos reflexos nervosos e dos vários fatores hormonais que afetam o débito urinário de sódio e de líquido, o volume sanguíneo raramente sofre alteração por mais de 5 a 10%, tanto para mais quanto para menos. Todavia, mesmo essas ligeiras alterações do volume podem algumas vezes exercer um efeito considerável sobre a pressão arterial a longo prazo. Por conseguinte, o elemento fundamental e mais importante do controle do volume sanguíneo é o mecanismo combinado da natriurese e da diurese de pressão, pelo qual as variações da pressão arterial provocam alterações pronunciadas no débito urinário. Esse mecanismo controla ao mesmo tempo a pressão arterial, o volume sanguíneo, o volume de líquido extracelular e a excreção normal de sal e de água, todos juntos, por alça de feedback comum. A importância desse mecanismo para o controle da pressão arterial também foi apresentada no Cap. 19. Condições que produzem aumentos pronunciados do volume sanguíneo Existem três condições, nenhuma delas relacionadas a mecanismos nervosos ou hormonais, que quase sempre ocasionam grandes aumentos do volume sanguíneo. Todas elas resultam de anormalidades circulatórias. Aumento do volume sanguíneo causado por cardiopatia. O volume sanguíneo quase sempre aumenta por até 15 a 20% em conseqüência de cardiopatia, podendo, em certas ocasiões, aumentar por 30 a 40%. A razão desse aumento é que o coração enfraquecido é quase sempre incapaz de gerar pressão arterial elevada o suficiente para produzir o débito urinário necessário. Como conseqüência, os rins conservam o líquido até que o indivíduo morra ou até que a pressão de enchimento do coração se torne suficientemente alta para escorvá-lo em excesso, atingindo, finalmente, a pressão arterial necessária para permitir o débito urinário normal. Por conseguinte, na insuficiência miocárdica, nas valvulopatias e em anormalidades cardíacas congênitas, uma das compensações circulatórias mais importantes é o aumento do volume sanguíneo. Esse aumento permite ao coração enfraquecido bombear um nível de débito cardíaco capaz de manter a vida do indivíduo. Aumento do volume sanguíneo na policitemia. Nos indivíduos que possuem excesso de eritrócitos (policitemia), a viscosidade sanguínea aumenta, o que, por sua vez, eleva acentuadamente a resistência periférica e até mesmo a resistência ao fluxo sangüíneo nas vênulas e pequenas veias, o que tende a reduzir o retorno venoso para o coração. Para compensar, os rins conservam o líquido até que o volume sanguíneo se torne grande o suficiente para permitir um retorno venoso normal. Quando isso acontece, 280 a pressão arterial está elevada o suficiente para estabelecer o débito urinário necessário e evitar a retenção adicional de líquido. Na policitemia vera, condição em que a medula óssea produz números elevados de eritrócitos por alguma razão desconhecida (presumivelmente, uma condição tumoral do sistema eritropoé- tico), o volume sanguíneo quase sempre aumenta por mais de 50% acima do normal. Aumento do volume sanguíneo causado pelo aumento de capa- cidade da circulação. Qualquer condição passível de aumentar a capacidade total do sistema circulatório também determinará aumento do volume sanguíneo para ocupar essa capacidade adi- cional. Por exemplo, na mulher grávida, a capacidade vascular adicional do útero, da placenta e de outros órgãos da mãe au- menta regularmente o volume sanguíneo por 15 a 25%. De forma semelhante, nos pacientes com veias varicosas volumosas nas pernas, que, em raros casos, podem receber até 1 litro de sangue adicional, o volume sanguíneo simplesmente aumenta para ocupar essa capacidade adicional. Isto é, o sal e a água são retidos pelos rins até que a capacidade vascular total seja suficiente para elevar a pressão arterial ao nível necessário para equilibrar o débito renal de líquidos com a ingestão diária de líquidos. Fig. 29.4 Relação aproximada entre o volume de líquido extracelular e o volume sanguíneo, mostrando uma relação quase linear dentro da faixa normal, mas indicando a incapacidade do volume sanguíneo em continuar aumentando quando o volume de líquido extracelular se torna CONTROLE DO VOLUME DE LÍQUIDO EXTRACELULAR Com base na exposição acima sobre os mecanismos básicos de controle do volume sanguíneo, torna-se evidente que o volume do líquido extracelular é controlado ao mesmo tempo. Isto é, o líquido penetra em primeiro lugar no sangue, porém distribui-se rapidamente entre os espaços intersticiais e o plasma. Por conseguinte, é impossível controlar o volume sanguíneo em qualquer nível determinado sem controlar ao mesmo tempo o volume do líquido extracelular. Contudo, os volumes relativos de distribuição entre os espaços intersticiais e o sangue podem variar acentuadamente, dependendo das características físicas do sistema circulatório e dos espaços intersticiais. Em condições normais, o líquido nos espaços intersticiais encontra-se preso numa matriz semelhante a gel, constituída de moléculas de proteoglicanos, de modo que praticamente não há qualquer líquido livre. Todavia, em outras ocasiões, certas condições anormais podem determinar a formação de edema. Essas condições anormais foram discutidas detalhadamente no Cap. 25. Os principais fatores que podem causar edema são: (1) aumento da pressão capilar, (2) diminuição da pressão coloidosmótica do plasma, (3) elevação da pressão coloidosmótica tecidual, e (4) maior permeabilidade dos capilares. Na presença de qualquer uma dessas condições, uma proporção muito grande de líquido extracelular distribui-se para os espaços intersticiais. Distribuição normal do volume de líquido entre os espaços intersticiais e o sistema vascular. A Fig. 29.4 ilustra a relação normal aproximada entre o volume do líquido extracelular e o volume sanguíneo. Quando uma quantidade adicional de líquido acumula-se no espaço do líquido extracelular, em conseqüência da ingestão excessiva de líquido, ou devido à redução do débito renal de líquido, cerca de um sexto a um terço do líquido adicional permanece normalmente no sangue e aumenta o volume sanguíneo. O restante do líquido distribui-se nos espaços intersticiais. Todavia, quando o volume de líquido extracelular aumenta por mais de 30 a 50% acima do normal, como mostra a figura, quantidade muito pequena do líquido adicional permanece no sangue — visto que quase todo ele passa para os espaços intersticiais. Isso ocorre pelo fato de a pressão do líquido intersticial aumentar de seu valor negativo normal (subatmosférico) até um valor positivo, causando o rápido intumescimento dos tecidos frouxos e permitindo literalmente a saída de líquido dos capilares. Isto é, os espaços intersticiais passam a constituir literalmente um reservatório de "transbordamento" para o excesso de líquido, aumentando, algumas vezes, o volume por até 10 a 30 litros. Obviamente, esse processo causa edema, como foi explicado no Cap. 25; todavia, também pode atuar como importante válvula de transbordamento para o sistema circulatório, um fenômeno bem conhecido, utilizado diariamente pelo clínico para permitir a administração de quantidades quase ilimitadas de líquido por via venosa, sem, contudo, forçar o coração até a insuficiência cardíaca. Para resumir, o volume de líquido extracelular é controlado simultaneamente com a regulação do volume sanguíneo; entretanto, a proporção relativa entre o volume de líquido extracelular e o volume sanguíneo depende das propriedades físicas da circulação e dos espaços intersticiais, bem como da dinâmica das trocas líquidas entre as membranas capilares. EXCREÇÃO DE URÉIA O organismo forma diariamente, em média, 25 a 30 g de uréia — podendo ser atingida uma quantidade ainda maior em pessoas que ingerem dieta muito rica em proteínas e menor nas pessoas que adotam dieta com baixo teor protéico. Toda essa uréia deve ser excretada na urina; do contrário, irá acumular-se nos líquidos corporais. Sua concentração normal no plasma é de cerca de 26 mg/dl; entretanto, os pacientes com insuficiência renal quase sempre apresentam níveis elevados, de até 200 mg/dl, e já foram registrados valores de até 800 mg/dl. Os dois fatores principais que determinam a velocidade de excreção da uréia são: (1) a concentração plasmática de uréia e (2) a intensidade da filtração glomerular. Esses fatores aumentam a excreção de uréia principalmente pelo fato de a "carga" de uréia que penetra nos túbulos proximais ser igual ao produto da concentração plasmática de uréia pela intensidade da filtração glomerular. Em geral, a quantidade de uréia que passa pelos túbulos para a urina corresponde, em média, a 40 a 60% da carga de uréia que penetra nos túbulos proximais. Somente quando a função renal está irregular é que essa fração da carga tubular afasta-se muito de sua faixa normal. Efeito da diminuição da intensidade da filtração glomerular sobre a excreção e a concentração plasmática de uréia. Em muitas 281 doenças renais, a intensidade da filtração glomerular de ambos os rins cai consideravelmente abaixo do normal. Como a excreção de uréia está diretamente relacionada à sua filtração glomerular, ocorre redução de sua excreção quando a filtração glomerular diminui. Todavia, o organismo continua formando grandes quan- tidades de uréia, o que significa que ela se acumula progressi- vamente nos líquidos corporais até que sua concentração plasmá- tica atinja valores muito elevados. A seguir, a uréia filtrada no filtrado glomerular, que é igual à concentração plasmática de uréia multiplicada pela intensidade da filtração glomerular, fica eventualmente elevada, a ponto de permitir que sua excreção seja tão rápida quanto sua formação. Contudo, é preciso reconhe- cer que isso só ocorre porque a concentração plasmática de uréia sofreu elevação muito pronunciada, o que, por si só, representa um estado muito anormal, passível de prejudicar gravemente o organismo. Por conseguinte, talvez a razão mais importante para a for- mação diária de grandes quantidades de filtrado glomerular pelos dois rins seja a excreção das quantidades necessárias de uréia. Muitos dos outros produtos de degradação que devem ser excretados pelos rins obedecem aos mesmos princípios de excre- ção da uréia, uma vez que suas velocidades de excreção também dependem sobremaneira da quantidade de filtrado glomerular formado diariamente. Essas substâncias incluem creatinina, ácido úrico e vários outros produtos de degradação tóxicos, que serão discutidos com mais detalhes no Cap. 31. Mecanismo para excretar grandes quantidades de uréia, po- rém com quantidades mínimas de água. Não fosse a capacidade do sistema tubular de concentrar a uréia, os rins só poderiam excretar a quantidade necessária de uréia eliminando, ao mesmo tempo, grandes quantidades de água na urina. Na verdade, a uréia é normalmente concentrada por pelo menos 50 vezes, podendo, eventualmente, ser concentrada por várias centenas de vezes, quando a água é conservada pelo organismo e ocorre excreção de urina concentrada. A Fig. 29.5 ilustra esse aumento progressivo da concentração de uréia do líquido tubular, ao passar através do sistema tubular. Os números indicados no diagrama são os valores medidos durante antidiurese moderada, o que Fig. 29.5 Recirculação da uréia absorvida pelo duto coletor, passando pela alça de Henle e pelo túbulo distal para, finalmente, retornar ao duto coletor. Os valores numéricos são miliosmolalidades da uréia durante antidiurese causada pela presença de grandes quantidades de hormônio antidiurético. significa a formação de pequenas quantidades de urina concentrada. Observe que a concentração da uréia no líquido tubular proximal é de apenas 4,5 mOsm/1, mas que ela aumenta por cerca de 100 vezes (para 450 mOsm/1) ao ser excretada na urina. Recirculação da uréia do duto coletor para a alça de Henle como meio especial para concentrar a uréia. Na Fig. 29.5, pode- mos observar a elevada concentração de uréia na parte inferior do duto coletor, bem como a reabsorção de uréia da porção medular desse duto para o interstício medular, o que aumenta a concentração de uréia para até 400 a 500 mOsm/1. Pequena fração dessa uréia é então reabsorvida pelo ramo delgado da alça de Henle, de modo que ela ascende pelo túbulo distal, passa pelo duto coletor cortical e, novamente, pelo duto coletor. Dessa maneira, a uréia, antes de ser excretada, pode ser recirculada várias vezes por essas porções terminais do sistema tubular. Cada volta por esse circuito contribui para as altas concentrações mos- tradas na figura, de modo que ocorre excreção de quantidade muito pequena de água juntamente com a uréia. Por conseguinte, esse mecanismo de recirculação da uréia pelas alças de Henle, pelo túbulo e duto coletores constitui uma maneira de concentrar a uréia no interstício medular e na urina ao mesmo tempo. Como a uréia é o mais abundante dos produtos de degradação que devem ser excretados pelos rins, esse meca- nismo de concentração da uréia antes de ser excretada é essencial para a economia dos líquidos corporais quando a pessoa precisa viver com pequenas rações de água. EXCREÇÃO DE POTÁSSIO A quantidade de potássio que penetra a cada dia no filtrado glomerular é de cerca de 800 mEq, enquanto a ingestão diária de potássio é de apenas cerca de 100 mEq. Por conseguinte, para manter o balanço normal do potássio corporal, deve ser excretado apenas um oitavo da carga tubular diária total de potás- sio. Além disso, como no caso da excreção de sódio, a velocidade de excreção do potássio deve ser cuidadosamente controlada, de modo a corresponder exatamente à sua ingestão diária. Reabsorção de grandes quantidades de potássio nos túbulos proximais e nas alças de Henle. Grandes quantidades de potássio são reabsorvidas em conseqüência de seu co-transporte com o sódio nos túbulos proximais e nos ramos ascendentes espessos da alça de Henle. O transporte ativo pelas células epiteliais dos túbulos proximais reabsorve cerca de 65% de todo o potássio filtrado. A seguir, outros 27%, aproximadamente, são reabsor- vidos na porção grossa do ramo ascendente da alça de Henle, deixando cerca de 8% do potássio original filtrado, que penetram nos túbulos distais. Isso representa apenas 65 mEq de potássio por dia, sendo, portanto, inferior à ingestão diária média de 100 mEq de potássio na maioria das pessoas. Reabsorção adicional de potássio pelos túbulos distais e dutos coletores corticais. Além da absorção de potássio pelos túbulos proximais e alças de Henle, ocorre pequena reabsorção de potás- sio nos túbulos distais e dutos coletores corticais. Apesar de essa reabsorção ser pequena, é, entretanto, suficiente para remo- ver quase todo o potássio tubular restante. Isso é exatamente o que ocorre quando a concentração de potássio no líquido extra- celular está muito baixa, conservando assim o potássio no orga- nismo. Por outro lado, quando a concentração de potássio no líquido extracelular está normal ou elevada, é preciso que haja excreção de grandes quantidades de potássio na urina para simplesmente livrar o organismo das quantidades normais de potássio ingeridas diariamente. Para isso, os segmentos tubulares distais desenvol- veram um mecanismo específico de secreção do potássio, descrito a seguir. 282 Secreção de potássio na porção terminal dos tubulos distais e nos dutos coletores corticais Na porção terminal dos túbulos distais e, ainda mais, nos dutos coletores corticais, as denominadas células principais, que compõem cerca de 90% das células epiteliais nessas regiões, têm a capacidade especial de secretar grandes quantidades de potássio para o lúmen tubular. Entretanto, essa secreção só ocorre quando a concentração de potássio no líquido extracelular se eleva acima de um nível crítico. O mecanismo dessa secreção está ilustrado na Fig. 29.6. Começa com a bomba de Na+ ,K+-adenosina trifosfa- tase (ATPase) na membrana basolateral da célula, que bombeia o sódio da célula para o interstício e, ao mesmo tempo, o potássio para o interior da célula. Ao contrário das células epiteliais nas outras regiões dos túbulos renais, a borda luminal das células principais é muito permeável ao potássio. Por conseguinte, o acentuado aumento de potássio no interior da célula promove sua rápida difusão para o lúmen tubular. Por conseguinte, a força impulsora básica para o mecanismo secretor de potássio é a bomba de Na+,K+ na membrana basola- teral. Para que essa bomba opere, os íons sódio devem sofrer difusão contínua do lúmen tubular para o interior da célula e, a seguir, serem trocados por íons potássio na membrana basola- teral. Portanto, quanto maior a quantidade de sódio disponível no lúmen tubular para difundir-se para a célula, maior a velocidade de secreção de potássio. Esse mecanismo é algumas vezes importante clinicamente, visto que os indivíduos que seguem dietas com baixo teor de sódio em geral não conseguem excretar quantidades adequadas de potássio, com o conseqüente desenvolvimento de hipercalemia. Exceto quando o indivíduo está ingerindo quantidade extre- mamente baixa de potássio, a secreção tubular de potássio é geralmente necessária para evitar a morte. Com freqüência, sur- gem arritmias cardíacas quando a concentração plasmática de potássio eleva-se de seu valor normal de 4,5 mEq/1 para um nível de cerca de 8 mEq/1. Concentrações ainda mais elevadas de potássio podem resultar em parada cardíaca ou fibrilação. periféricos, no Cap 45 para o sistema nervoso central e no Cap. 10 para o coração. A concentração normal é de cerca de 4,5 mEq/1; só raramente esta concentração aumenta ou diminui por mais de ± 0,3 mEq. Dois fatores principais desempenham papéis importantes no controle da concentração do íon potássio: (1) o efeito direto do aumento da concentração de potássio no líquido extracelular, que determina maior secreção de potássio nos túbulos, e (2) o efeito da aldosterona, que aumenta a secreção de potássio. Efeito direto da concentração extracelular de potássio sobre sua secreção A velocidade de secreção de íons potássio na porção terminal dos túbulos distais e nos dutos coletores corticais é diretamente estimulada por aumento da concentração do íon potássio do líqui- do extracelular, conforme ilustrado pela curva em negro da Fig. 29.7, principalmente quando a concentração extracelular de po- tássio eleva-se acima de cerca de 4,1 mEq/1. Por conseguinte, esse efeito serve como um dos dois mecanismos de feedback muito importantes para o controle da concentração de íon potás- sio no líquido extracelular. A seguir, apresentamos o mecanismo postulado para explicar o aumento da secreção de potássio quando o potássio extracelular aumenta. O aumento do potássio extracelular eleva o gradiente de potássio do líquido intersticial renal para o interior da célula epitclial. Isso diminui o extravasamento retrógrado de íons potássio do interior da célula através da membrana basolateral e, também, permite que o potencial elétrico muito negativo no interior da célula possa atrair mais íons potássio para o interior, através da membrana basolateral. Esses dois efeitos, em seu conjunto, aumentam a concentração de íons potássio no interior da célula, o que, por sua vez, aumenta a troca de potássio pelo sódio através da membrana luminal. Qualquer que seja o mecanismo atuante, é preciso lembrar que até mesmo ligeira elevação CONTROLE DA EXCREÇÃO DE POTÁSSIO E DE SUA CONCENTRAÇÃO NO LIQUIDO EXTRACELULAR É particularmente importante controlar a concentração de íons potássio no líquido extracelular, visto que a ocorrência de variações muito pequenas pode alterar seriamente as funções nervosas e cardíacas, conforme discutido no Cap. 5 para os nervos Fig. 29.6 Mecanismos para o transporte de Na' e K+ através do epitélio tubular distal. Fig. 29.7 Efeito (1) da concentração plasmática de aldosterona e (2) da concentração extracelular de íons potássio sobre a velocidade de excreção urinária do potássio. Estes são os dois fatores mais importantes que regulam a velocidade de excreção de potássio na urina. (Desenho a partir de dados de Young: Am. J. PHysiol. 244.F28, 1983.) 283 da concentração extracelular de potássio irá determinar aumento significativo de sua excreção na urina. Efeito da aldosterona no controle da secreção de íons potássio No capítulo anterior, vimos que a reabsorção ativa de íons sódio pelas células principais na porção terminal dos túbulos distais e nos dutos coletores corticais é fortemente controlada pelo hormônio aldosterona. A aldosterona também exerce o mesmo efeito poderoso de controle da secreção de íons potássio por essas mesmas células, uma vez que ativa a bomba de Na+,K+- ATPase que bombeia sódio do lúmen tubular para o líquido intersticial e, ao mesmo tempo, o potássio na direção oposta. A curva vermelha na Fig. 29.7 ilustra esse mecanismo, mostrando aumento de três vezes da excreção urinária de potássio quando a aldosterona está aumentada. Por conseguinte, a aldosterona representa o segundo fator importante no controle da excreção de potássio; dessa maneira, o hormônio também ajuda a controlar a concentração de íons potássio no líquido extracelular, como veremos em maiores deta- lhes nas próximas seções. Efeito da concentração de íons potássio sobre a velocidade de secreção da aldosterona. Em qualquer sistema de controle por feedback que estiver funcionando adequadamente, o fator que é controlado quase sempre exerce efeito de feedback para o controle do controlador. No caso do sistema de controle de aldosterona-potássio, a velocidade de secreção da aldosterona pelas células da zona glomerular do córtex supra-renal é rigorosamente controlada pela concentração de potássio no líquido extracelular. A Fig. 29.8 ilustra esse controle, mostrando que a ocorrência de aumento da concentração de potássio por cerca de 3 mEq/1 pode elevar a concentração plasmática de aldosterona de quase zero para 60 ng/dl, ou seja, uma concentração quase 10 vezes acima do normal. Reunindo os efeitos ilustrados na Fig. 29.8, e considerando- se o fato de que a aldosterona aumenta acentuadamente a excreção renal de potássio (como mostra a Fig. 29.7), pode-se construir um sistema muito simples para o controle da concentração de potássio por feedback negativo, ilustrado na Fig. 29.9. Isto é, o aumento da concentração de potássio determina a eleva- Fig. 29.9 Esquema simplificado do sistema da aldosterona para o controle da concentração de potássio no liquido extracelular. ção da concentração de aldosterona no sangue circulante (bloco 1). A seguir, o aumento da concentração de aldosterona determina aumento pronunciado da excreção de potássio pelos rins (bloco 2). A maior excreção de potássio diminui e normaliza a concentração de potássio no líquido extracelular (blocos 3 e 4). Importância do sistema de feedback da aldosterona para o controle da concentração de potássio. Na ausência de um sistema funcionante de feedback da aldosterona, um animal pode facilmente morrer por hiperpotassemia. A Fig. 29.10 ilustra o potente efeito do sistema de feedback da aldosterona no controle da concentração de potássio. No expe- rimento dessa figura, vários cães foram submetidos a aumento de quase sete vezes da ingestão de potássio em dois estados diferentes: (1) estado normal e (2) após bloqueio do sistema de feedback da aldosterona mediante remoção das glândulas su- Fig. 29.8 Efeito de alterações da concentração de íons potássio sobre a concentração de aldosterona no líquido extracelular. Observar a grande variação da concentração de aldosterona para mudanças muito pequenas na concentração de potássio. Fig. 29.10 Efeito de grandes mudanças da ingestão de potássio sobre a concentração de potássio no líquido extracelular (1) em condições normais e (2) após bloqueio do sistema de feedback da aldosterona. Esta figura demonstra que a concentração de potássio é muito mal contro- lada após bloqueio do sistema da aldosterona. (Cortesia do Dr. Davíd B. Young.) 284 pra-renais e administração de infusão,de aldosterona com velocidade fixa. Observe que, no animal normal, o aumento de sete vezes na ingestão de potássio produziu aumento da concentração plasmática de potássio de apenas 2,4% — de uma concentração de 4,2 mEq/1 para 4,3 mEq/l. Por conseguinte, quando o sistema de feedback da aldosterona estava funcionando normalmente, a concentração de potássio manteve-se controlada com muita precisão, a despeito da enorme mudança na ingestão de potássio. Por outro lado, a curva tracejada na figura mostra o efeito após bloqueio do sistema da aldosterona. Observe que o mesmo aumento da ingestão de potássio determinou, neste caso, aumento de 26% na concentração de potássio. Por conseguinte, o controle da concentração de potássio nos animais normais era muitas vezes mais efetivo do que nos animais sem mecanismo de feedback da aldosterona. Efeito do aldosteronismo primário e da doença de Addison sobre a concentração de potássio no líquido extracelular. O aldosteronismo primário é causado por tumor da zona glomerular em uma das glândulas supra-renais. Esse tumor secreta grandes quantidades de aldosterona. Um dos efeitos mais importantes do aldosteronismo primário consiste no acentuado aumento da excreção de potássio estimulado pela aldosterona; isso ocasiona redução pronunciada da concentração de potássio do líquido extracelular, de modo que muitos desses pacientes apresentam paralisia causada por falha da transmissão nervosa, como foi explicado no Cap. 5. Por outro lado, na doença de Addison, as glândulas supra-renais são destruídas, a secreção de aldosterona aproxima-se de zero, a secreção renal de potássio fica muito reduzida e, com freqüência, a concentração de potássio no líquido extracelular se eleva e atinge duas vezes o valor normal. Isso quase sempre leva à morte do paciente, devido à parada cardíaca. tos sendo acentuadamente aumentados pelo hormônio parati- reóideo. O efeito do hormônio paratireóideo sobre a mobilização do cálcio pelos rins mostra-se estreitamente paralelo ao efeito da aldosterona sobre a manipulação do sódio. Isto é, mesmo na ausência de hormônio paratireóideo, grande parte do cálcio é reabsorvida do liquido tubular nos túbulos proximais, na alça de Henle e no segmento diluidor dos túbulos distais; todavia, cerca de 10% da carga filtrada de cálcio ainda permanecem e penetram na porção terminal dos túbulos distais. A seguir, se houver grandes quantidades de hormônio paratireóideo nos líquidos corporais, praticamente todo o cálcio restante será reabsorvido da porção terminal dos túbulos distais e dos dutos coletores corticais, conservando, assim, o cálcio no organismo. Por conseguinte, o principal mecanismo para o controle a longo prazo da concentração de íon cálcio é o seguinte: a presença de baixos níveis de cálcio no líquido extracelular resulta em secreção de hormônio paratireóideo; a seguir, esse hormônio promove intensa conservação de cálcio pelos rins, além de aumentar acentuadamente a absorção de cálcio pelo tubo gastrintestinal. Esses efeitos serão discutidos com maiores detalhes no Cap. 79. A reabsorção ativa de cálcio na porção terminal dos túbulos distais e nos dutos coletores corticais não parece ocorrer secundariamente ao transporte de sódio. Com efeito, acredita-se que funcione um mecanismo de transporte ativo primário para o cálcio nas membranas basolaterais das células epiteliais desses segmentos tubulares. Por outro lado, nos segmentos tubulares renais iniciais, o transporte do cálcio, como o de muitos outros íons, provavelmente ocorre secundariamente ao transporte de sódio, na forma de transporte ativo secundário ou na forma de reabsorção passiva de cálcio ao longo de um gradiente eletroquímico. CONTROLE DAS CONCENTRAÇÕES EXTRACELULARES DE OUTROS ÍONS Regulação da concentração de íons cálcio O pape! do cálcio no organismo e o controle de sua concentração no líquido extracelular são discutidos detalhadamente no Cap. 79 em relação à endocrinologia do hormônio paratireóideo, a calcitonina e ao osso. Aqui, será considerado brevemente. A concentração diária de íons cálcio permanece dentro de uma faixa de poucos por cento em torno de 2,4 mEq/1, sendo controlada principalmente pelo efeito do hormônio paratireóideo sobre a reabsorção óssea. Quando a concentração de cálcio no líquido extracelular cai para níveis muito baixos, as paratireóides são diretamente estimuladas, favorecendo a secreção de hormônio paratireóideo. Por sua vez, esse hormônio atua diretamente sobre os ossos e aumenta a reabsorção de sais ósseos, com a conseqüente liberação de grandes quantidades de cálcio no líquido extracelular e elevação do nível de cálcio até seu valor normal. Por outro lado, quando a concentração de cálcio se torna muito alta, a secreção de hormônio paratireóideo fica deprimida, de modo que quase não ocorre reabsorção óssea. Contudo, o sistema osteoblástico para a formação de novo osso continua depositando cálcio, removendo assim o cálcio do líquido extracelular, com a conseqüente redução da concentração de íons cálcio até sua faixa normal. Todavia, os ossos não representam fonte inesgotável de cálcio, de modo que, eventualmente, sofrerão depleção do íon. Por conseguinte, o controle a longo prazo da concentração de íons cálcio resulta do efeito do hormônio paratireóideo sobre a reabsorção de cálcio dos túbulos renais e sobre a sua absorção pelo intestino através da mucosa gastrintestinal — ambos os efei- Regulação da concentração de íons magnésio Sabe-se muito menos sobre a regulação da concentração de íons magnésio do que sobre a concentração de íons cálcio. Os íons magnésio são reabsorvidos por todas as porções dos túbulos renais. Todavia, o próprio íon magnésio afeta diretamente as células epiteliais tubulares ao diminuir essa reabsorção. Por conseguinte, quando a concentração de magnésio no líquido extracelular está elevada, ocorre excreção de quantidades excessivas de magnésio; por outro lado, quando a concentração de magnésio está diminuída, o magnésio é conservado. Regulação da concentração de fosfato A concentração de fosfato é regulada primariamente por um mecanismo de transbordamento, que pode ser explicado como se segue. Os túbulos renais apresentam transporte máximo normal para a absorção de fosfato de cerca de 0,1 mmol/min. Quando existe "carga" menor de fosfato no filtrado glomerular, toda ela é reabsorvida. Quando essa quantidade é ultrapassada, o excesso é excretado. Por conseguinte, em condições normais, o íon fosfato é derramado na urina quando sua concentração no líquido extracelular está acima do valor limiar de aproximadamente 0,8 mmol/1, o que corresponde à carga tubular de fosfato de 1,0 mmol/min. Como a maioria das pessoas ingere diariamente grandes quantidades de fosfato, tanto no leite quanto na carne, a concentração de fosfato costuma ser mantida no nível de cerca de 1,0 mmol/1, ou seja, o nível em que ocorre transbordamento contínuo do excesso de fosfato na urina. Papel do hormônio paratireóideo na regulação do íon fosfato. O hormônio paratireóideo, que desempenha papel importante na regulação da concentração de íons cálcio, conforme explicado acima, também afeta a concentração de íons fosfato por duas 285 maneiras diferentes. Em primeiro lugar, o hormônio paratireóideo promove a reabsorção óssea, descarregando dos sais ósseos grandes quantidades de íons fosfato no líquido extracelular. Em segundo lugar, esse hormônio diminui o transporte máximo do fosfato pelos túbulos renais, de modo que ocorre perda de maior proporção de fosfato tubular pela urina. A combinação desses fatores determina perda acentuada de fosfatos na urina. As inter-relações entre o fosfato, o cálcio e o controle pelo hormônio paratireóideo serão discutidas no Cap. 79. REFERÊNCIAS Altura, B. M., and Altura, B. T.: Magnesium, electrolyte transport, and coronary vascular tone. Drugs, 28(Suppl. l):120,1984. Anagnostopoulos, T., et ai.: Transport of chlorine in the proximal tubule. Its effectson water-electrolyte absorption. J. Physíol. (Paria), 79:132, 1984. Andersson, D., and Rundgren, M.: Thirst and it disorders. Annu. Rev. Med, 33:231, 1982. Angus, Z. S., et a).: PTH, calcitonín, cyclic nucleotides, and the kidney. Annu. Rev. Physiol,. 43:583, 1981. Arendshoret, W. J.: Altered reactivity of tubuloglomuerular feedback. Annu. Rev. Physiol., 49:295, 1987. Baer, P. G.T and McGifF, J. C: Hormonal syatems and renal hemodynamica. Annu. Rev. Physiol., 42:589, 1980. Bell, P. D., et ai.: Calcium as a mediator of tubuloglomerular feedback. Annu. Rev. Physiol., 49:275, 1987. Boron, W. 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Bastam ligeiras alterações da concentração do íon hidrogênio em relação ao seu valor normal para ocasionar alterações pronunciadas na velocidade das reações químicas nas células, sendo algumas deprimidas, enquanto outras são aceleradas. Por essa razão, a regulação da concentração de íon-hidrogênio constitui um dos aspectos mais importantes da homeostasia. Mais tarde, neste capítulo, serão considerados os efeitos das altas concentrações de íons hidrogênio (acidose) ou de suas baixas concentrações (alcalose) sobre o organismo. Em geral, quando uma pessoa fica acidótica, ela tem probabilidade de morrer em estado de coma; quando se torna alcalótica, pode morrer de tetania ou de convulsões. Ácidos e bases — definições e significados O ácido é definido como a molécula ou íon passível de atuar como doador de próíons. A base é definida como a molécula ou íon que pode funcionar como aceptor de prótons. Se lembrarmos que um próton é, na verdade, um íon hidrogênio, podemos enunciar essas definições como se segue. O ácido é a molécula ou íon capaz de contribuir com um íon hidrogênio para a solução. Assim, o HCÍ ioniza-se na água, formando íons hidrogênio e íons cloreto; por conseguinte, esse ácido é denominado ácido hidroclórico, ou clorídrico. De forma semelhante, o H2CO3 se ioniza na água para formar H+ ou HCO3 contribuindo também com íons hidrogênio para a solução; esse ácido é conhecido como ácido carbônico. Outros ácidos importantes do organismo são o ácido acético, o fosfato ácido de sódio, o ácido úrico, o ácido acetoacético etc. A base é a molécula ou íon que irá se combinar com íons hidrogênio para removê-los da solução. Por exemplo, o íon bicarbonato, HCO3 Por fim, é preciso compreender a relação existente entre uma "base" e um "álcali". Um álcali é a combinação de um dos metais alcalinos — sódio, potássio etc. — com um íon altamente básico, como o fonhidroxila (OH- ). As porções básicas dessas moléculas reagem vigorosamente com os íons hidrogênio para removê-los das soluções e, por conseguinte, são bases típicas. Como os álcalis são bem conhecidos, o termo álcali é quase sempre utilizado como sinônimo para o termo base. E, por razões semelhantes, o termo "alcalose" é empregado para referir-se ao oposto da "acidose", isto é, a remoção excessiva de íons hidrogênio da solução, em contraste com o acréscimo excessivo de íons hidrogênio (acidose). Ácidos e bases fortes e fracos. Um ácido forte é aquele que possui tendência muito forte a dissociar-se em íons e, portanto, a liberar seu íon hidrogênio na solução. Um exemplo típico é o ácido clorídrico. Por outro lado, os ácidos que liberam íons hidrogênio com menor intensidade são denominados ácidos fracos. Como exemplos, destacam-se o ácido carbônico e o fosfato ácido de sódio. Uma base forte é aquela que reage intensamente com íons hidrogênio, removendo- os com extrema avidez da solução. Um exemplo típico é o íon hidroxila (OH"). Uma base fraca típica é o íon bicarbonato (HCO3), devido à sua ligação muito fraca a íons hidrogênio. A maioria dos ácidos e das bases envolvidos na regulação normal do equilíbrio ácido-básico do organismo consiste em ácidos e bases fracos, dos quais os mais importantes são o ácido carbônico e a base bicarbonato. Concentração de íons hidrogênio e pH dos líquidos corporais normais, bem como na acidose e na alcalose. A concentração dos íons hidrogênio no líquido extracelular é normalmente regu- lada no valor constante de cerca de 4 x 10-8 Eq/1; este valor pode variar desde apenas 1 x 10-8 até 1,6 x 10-7 sem causar morte. Com base nesses valores, torna-se evidente que a expressão da concentração de íons hidrogênio em termos de sua concentração real é um procedimento incomodo. Por isso, o símbolo pH passou a ser utilizado para expressar a concentração; o pH está relacionado à concentração real de íons hidrogênio pela seguinte fórmula (quando a concentração de H+ é expressa em equivalentes por litro): é uma base, visto poder combinar-se com íons hidrogênio para formar H2CO3. De forma semelhante, HPO4 é uma base, visto que pode combi- nar-se com íons hidrogênio para formar H2PO4 As proteínas do p H - l o g 1 = -log cone. H+ conC. H+ (1) organismo também funcionam como bases, uma vez que certos aminoácidos nas moléculas protéicas atuam como íons negativos que se ligam rapidamente a excesso de íons hidrogênio. De fato, a hemoglobina, nos eritrócitos, e as outras proteínas, nas demais células do organismo, estão entre as bases mais importantes do corpo. Em geral, certas moléculas, como o bicarbonato de sódio e o fosfato de sódio, também são denominadas bases. Entretanto, os íons negativos dessas moléculas são realmente as bases verdadeiras, de acordo com a definição mais utilizada do termo "base". A partir desta equação, verifica-se que valor baixo do pH corresponde à concentração elevada de íons hidrogênio; esta situação é denominada acidose. Por outro lado, valor alto do pH corresponde à concentração baixa de íons hidrogênio, sendo o processo denominado alcalose. O pH normal do sangue arterial é de 7,4, enquanto o pH do sangue venoso e dos líquidos intersticiais é de cerca de 7,35, 287 devido às quantidades adicionais de dióxido de carbono que formam ácido carbônico nesses líquidos. Como o pH normal do sangue arterial é de 7,4, considera-se a presença de acidose na pessoa toda vez que o pH for inferior a esse valor; considera-se a presença de alcalose quando o valor do pH for superior a 7,4. O limite inferior compatível com a vida de uma pessoa durante algumas horas é de cerca de 6,8, enquanto o limite superior é de cerca de 8,0. na mesma solução. Em primeiro lugar, é preciso assinalar que o ácido carbônico é um ácido muito fraco, visto que seu grau de dissociação em íons hidrogênio e íons bicarbonato é pequeno em comparação com o de diversos outros ácidos. Quando um ácido forte, como o ácido clorídrico, é acrescentando à solução tampão de bicarbonato, ocorre a seguinte reação: pH intracelular. Com base em medidas indiretas, verificou-se que o pH intracelular costuma variar entre 6,0 e 7,4 nas diferentes HCI + NaHCO3 -?3 H2CO3 + NaCL (2) células, talvez com media de 7,0. A intensidade rápida do metabo- lismo nas células aumenta a velocidade de formação de ácido, sobretudo de ácido carbônico (H2CO3) e, conseqüentemente, reduz o pH. Além disso, o fluxo sanguíneo reduzido para qualquer tecido determina o acúmulo de ácido e a diminuição do pH. Com base nesta equação, verifica-se que o ácido clorídrico forte é convertido em ácido carbônico muito fraco. Por conseguinte, a adição de HCI reduz apenas ligeiramente o pH da solução. Vejamos agora o que acontece quando uma base forte, como o hidróxido de sódio, é acrescentada a uma solução tampão con- tendo ácido carbônico. Ocorre a seguinte reação: DEFESA CONTRA ALTERAÇÕES NA NaOH + H2CO2 -> NaHCO3 + H2O (3) CONCENTRAÇÃO DE ÍONS HIDROGÊNIO Para impedir o desenvolvimento de acidose ou de alcalose, o organismo dispõe de diversos sistemas especiais de controle: (1) Todos os líquidos corporais possuem sistemas tampões ácido- básicos que imediatamente se combinam com qualquer ácido ou base, impedindo assim a ocorrência de mudanças excessivas da concentração de íons-hidrogênio. (2) Se a concentração de íons-hidrogênio sofrer alguma alteração detectável, o centro respiratório é imediatamente estimulado para alterar a freqüência respiratória. Em conseqüência, a velocidade de remoção do dióxido de carbono dos líquidos corporais é automaticamente modificada; por razões que serão explicadas adiante, esse Esta equação mostra que o íon hidroxila do hidróxico de sódio combina-se com o íon hidrogênio do ácido carbônico para formar água, enquanto o outro produto formado é bicarbonato de sódio. O resultado final consiste na troca da base forte NaOH pela base fraca NaHCO3. Dinâmica quantitativa dos sistemas tampões Dissociação do ácido carbônico. Todos os ácidos são ionizados em certo grau, e a percentagem de ionização é conhecida como grau de dissociação. A equação 4 ilustra a relação reversível entre o ácido carbônico não-dissociado e os dois íons que ele forma, H+ e HCO3. processo permite a normalização da concentração de íons- hidrogênio. (3) Quando a concentração de íons-hidrogênio afasta- H2CO3 H + HCO3 (4) se do normal, os rins excretam urina ácida ou alcalina, ajudando, assim, a reajustar e a normalizar a concentração de íons hidrogênio dos líquidos corporais. Os sistemas tampões podem atuar dentro de fração de segun- Existe uma lei físico-química que se aplica à dissociação de todas as moléculas; quando aplicada especificamente ao ácido carbônico, ela é expressa pela seguinte fórmula: do para impedir a ocorrência de alterações excessivas na concentração de íons-hidrogênio. Por outro lado, são necessários 1 a 12 minutos para que o sistema respiratório H+ x HCO3 H2CO3 (5) possa fazer ajustes agudos e outro dia ou mais para efetuar ajustes adicionais crônicos. Por fim, os rins, apesar de constituírem o mais potente de todos os sistemas de regulação ácido-básica, necessitam de muitas horas a vários dias para reajustar a concentração de íons hidrogênio. FUNÇÃO DOS TAMPÕES ÁCIDO-BÁSICOS O tampão ácido-básico é a solução de dois ou mais compostos químicos que impede a ocorrência de alterações pronunciadas da concentração de íons-hidrogênio quando se acrescenta ácido ou base à solução. Por exemplo, se forem adicionadas apenas algumas gotas de ácido clorídrico concentrado a um recipiente com água pura, o pH da água poderá cair imediatamente de seu valor neutro de 7,0 para 1,0. Todavia, na presença de um sistema tampão satisfatório, o ácido clorídrico combina-se instantaneamente com o tampão, e o pH só diminui ligeiramente. Talvez a melhor maneira de explicar a ação de um tampão ácido-básico seja considerar um verdadeiro sistema tampão simples, como o tampão bicarbonato, que é de suma Esta fórmula estabelece que, em qualquer solução de ácido carbônico, a concentração de íons hidrogênio multiplicada pela concentração de íons bicarbonato e dividida pela concentração das moléculas não-disso- ciadas de ácido carbônico é igual a uma constante, K'. Todavia, é quase impossível medir a concentração do ácido carbônico não-dissociado em solução, visto que ele também se dissocia rapidamente em CO2 dissolvido e H2O, bem como em Hf e HCO,. Por outro lado, a concentração de dióxido de carbono dissolvido é facilmente medida; e, como a quantidade de ácido carbônico não-dissociado é proporcional à de dióxido de carbono dissolvido, a equação 5 também pode ser expressa da seguinte maneira: (6) H+ x HCO3 = K CO2 A única diferença real entre as duas fórmulas acima é que a constante K é aproximadamente 1/400 vezes a constante K', visto que a relação de proporcionalidade entre o ácido carbônico e o dióxido de carbono é de 1 paTa 400. A fórmula 6 pode ser modificada na seguinte forma: importância na regulação do equilíbrio ácido-básico do organismo. H+ = K CO2 HCO3 SISTEMA TAMPÃO BICARBONATO O sistema tampão bicarbonato típico consiste numa mistura de ácido carbônico (H2CO3) e de bicarbonato de sódio (NaHCO3) Se tomarmos ologaritmo de cada termo da equação 7, obteremos a seguinte fórmula: CO logH+ = logK + log 2HCO3 (H) 288 Os sinais de log H+ e log K são mudados de positivos para negativos, e o dióxido de carbono e o bicarbonato são invertidos no último termo, que é o mesmo que mudar seu sinal, resultando na seguinte fórmula: HCO3 -log H+ = -log K + log CO, (9) Conforme assinalado antes neste capítulo -log H+ é igual ao pH da solução. De forma semelhante, -log K é denominado pK do tampão. Por conseguinte, esta fórmula ainda pode ser modificada para a seguinte: HCO3 pH = pK + log (10)CO, Equação de Henderson-Hasselbalch. Para o sistema tampão de bicar- bonato, o pK é de 6,1, e a Equação 10 pode ser expressa da seguinte maneira: Fig. 30.1 "Curva de titulação" para o sistema tampão do bicar Ph = 6,1 + log HCO3 CO3 (11) Esta é a chamada equação de Henderson-Hasselbalch, com a qual se pode calcular o pH de uma solução com razoável precisão, se forem conhecidas as concentrações molares de íons bicarbonato e do dióxido de carbono dissolvido. Se a concentração de bicarbonato for igual à concentração do dióxido de carbono dissolvido, o segundo membro da parte direita da equação passa a ser log de 1, que é igual a zero. Por conseguinte, para concentrações iguais, o pH da solução é igual ao pK. A partir da equação de Henderson-Hasselbalch, pode-se constatar facilmente que aumento da concentração de íon bicarbonato determina elevação dopH, ou, em outras palavras, desloca o equilíbrio ácido-básico para o lado alcalino. Por outro lado, aumento da concentração de dióxido de carbono dissolvido diminui o pH ou desloca o equilíbrio ácido-básico para o lado ácido. Mais tarde, neste capítulo, veremos que a concentração de dióxido de carbono dissolvido nos líquidos corporais pode ser modificada ao se aumentar ou diminuir a freqüência respiratória. Dessa maneira, o sistema respiratório pode modificar o pH dos líquidos corporais. Por outro lado, os rins são capazes de aumentar ou diminuir a concentração de íon bicarbonato nos líquidos corporais e, assim, aumentar ou diminuir o pH. Por conseguinte, esses dois mecanismos principais de regulação da concentração de íons hidrogênio operam principalmente ao alterar um dos dois elementos do sistema tampão de bicarbonato. A "curva de titulação" do sistema tampão do bicarbonato. A Fig. 30.1 mostra as alterações do pH dos líquidos corporais quando a relação entre o íon bicarbonato e o dióxido de carbono se modifica. Quando as concentrações dos dois elementos do tampão são iguais, verificamos que o pH da solução é de 6,1, que é igual ao pK do sistema tampão bicarbonato. Quando se acrescenta uma base ao tampão, grande propor- ção do dióxido de carbono dissolvido é convertida em íons bicarbonato, com a conseqüente alteração da relação. Como resultado, o pH aumenta, conforme indicado pela inclinação.da curva para adiante. Por outro lado, quando se acrescenta ácido, grande proporção do íon bicarbonato é convertida em dióxido de carbono dissolvido, de modo que o pH cai, conforme ilustrado pela inclinação da curva para baixo. Capacidade de tamponamento do sistema tampão bicarbonato. Observando mais uma vez a Fig. 30.1, verificamos que, no ponto central da curva, a adição de pequenas quantidades de ácido ou de base causa variação mínima do pH. Todavia, em direção a cada extremidade da curva, a adição de uma pequena quantidade de ácido ou de base determina alteração acentuada do pH. Por conseguinte, a denominada capacidade de tamponamento do sistema tampão é maior quando o pH é igual ao pK, que está exatamente no centro da curva. A capacidade de pequena quantidade de ácido ou de base à solução irá modificar consideravelmente o pH. Por conseguinte, a capacidade de tamponamento de um tampão também é diretamente proporcional às concentrações das substâncias do tampão. SISTEMAS TAMPÕES DOS LÍQUIDOS CORPORAIS Os três principais sistemas tampões dos líquidos corporais são o tampão bicarbonat o, que foi descrito acima, o tampão fosfato e o tampão de proteínas. Cada um deles exerce funções importantes de tamponamento em diferentes condições. Sistema tampão bicarbonato. O sistema do bicarbonato não é um tampão muito potente por duas razões. Em primeiro lugar, o pH nos líquidos extracelulares é de cerca de 7,4, enquanto o pK do sistema tampão bicarbonato é de 6,1. Isso significa que, no tampão bicarbonato, a concentração dos íons bicarbonato é 20 vezes maior que a do dióxido de carbono dissolvido. Por esse motivo, o sistema opera em trecho de sua curva de tampona- mento onde a capacidade de tamponamento é baixa. Em segundo lugar, as concentrações dos dois elementos do sistema bicarbo- nato, CO2 e HCO3, não são grandes. Contudo, apesar do fato de o sistema tampão bicarbonato não ser especialmente potente, ele é realmente mais importante do que todos os outros no organismo, visto que a concentração de cada um dos dois componentes do sistema bicarbonato pode ser regulada: o dióxido de carbono, pelo sistema respiratório, e o íon bicarbonato, pelos rins. Como conseqüência, o pH do sangue pode ser deslocado para cima ou para baixo pelos sistemas de regulação respiratório e renal. Sistema tampão fosfato. O sistema tampão fosfato atua de maneira quase idêntica à do bicarbonato; todavia, é composto pelos dois seguintes elementos: H2PO4 e HPO4. Quando se acrescenta ácido forte, como o ácido clorídrico, à mistura dessas duas substâncias, ocorre a seguinte reação: tamponamento é ainda razoavelmente eficaz até que a proporção entre os elementos do sistema tampão atinja 8:1 ou 1:8; todavia, além desses HC1 + Na2HPO4 -» NaH2PO4 + NaCl (12) limites, a capacidade de tamponamento diminui rapidamente. Quando todo o dióxido de carbono foi convertido em íons bicarbonato, ou quando todos os íons bicarbonato foram convertidos em dióxido de carbono, o sistema não apresenta mais qualquer capacidade de tamponamento. O segundo fator que determina a capacidade de tamponamento é a concentração dos dois elementos da solução tampão, CO2 e HCO3. Obviamente, se as concentrações forem pequenas, a adição de apenas O resultado final dessa reação consiste na remoção do ácido clorí- drico, com formação de uma quantidade adicional de NaH2PO4. Como o NaH2PO4 é apenas um ácido fraco, o ácido forte acrescen- tado é imediatamente substituído por um ácido muito fraco, de modo que o pH muda relativamente pouco. Por outro lado, se for adicionada uma base forte, como 289 o hidróxido de sódio, ao sistema tampão, ocorrerá a seguinte reação: NaOH + NaH2PO4 -»• Na2HPO4 + H2O Neste caso, o hidróxido de sódio é decomposto para formar dade, trabalham em conjunto, visto que o hidrogênio é comum às reações químicas de todos os sistemas. Por conseguinte, toda vez que alguma condição produzir alterações na concentração de íons hidrogênio, causará a alteração simultânea no equilíbrio de todos os sistemas tampões. Esse fenômeno, denominado princípio isoidrico, é representado pela seguinte fórmula: + = K água e Na2HPO4. Isto é, uma base forte é trocada pela base muito fraca, Na2HPO, permitindo apenas ligeiro desvio do pH para o lado alcalino. O sistema tampão fosfato possui pK de 6,8, valor que não H 1 x HA1 = K2 x HA2 K3 x HA3 A A2 A3 (14) se afasta muito do pH normal de 7,4 nos líquidos corporais. Isso permite ao sistema fosfato operar próximo de sua capacidade máxima de tamponamento. Todavia, apesar de o sistema tampão operar em faixa razoavelmente boa da curva tampão, sua concen- tração no líquido extracelular é de apenas 1/12 daquela do tampão bicarbonato. Por conseguinte, sua capacidade de tamponamento total no líquido extracelular é bem menor que a do sistema bicarbonato. Por outro lado, o tampão fosfato é especialmente importante nos líquidos tubulares dos rins, por duas razões: em primeiro lugar, o fosfato fica geralmente muito concentrado nos túbulos, aumentando sobremaneira a capacidade de tamponamento do sistema fosfato. Em segundo lugar, o líquido tubular geralmente é mais ácido do que o líquido extracelular, trazendo a faixa de operação do tampão mais próximo ao pK do sistema. O tampão fosfato também é muito importante nos líquidos intracelulares, visto que a concentração de fosfato nesses líquidos é muitas vezes maior que a dos líquidos extracelulares e, também, pelo fato de o pH do líquido intracelular estar geralmente mais próximo ao pK do sistema tampão fosfato do que o pH do líquido extracelular. Sistema tampão de proteínas. O tampão mais abundante do organismo é constituído pelas proteínas das células e do plas- ma, principalmente devido às suas concentrações muito altas. Verifica-se pequena difusão dos íons hidrogênio através da mem- brana celular; ainda mais importante é a capacidade do dióxido de carbono de difundir-se em poucos segundos através das mem- branas celulares, enquanto os íons bicarbonato podem sofrer certo grau de difusão (os íons hidrogênio e bicarbonato neces- sitam de várias horas para entrar em equilíbrio na maioria das células, à exceção dos eritrócitos). A difusão de íons hidrogênio e dos dois componentes do sistema tampão bicarbonato deter- mina alteração do pH dos líquidos intracelulares aproximada- mente na mesma proporção da alteração observada no pH dos líquidos extracelulares. Por conseguinte, todos os sistemas tam- pões no interior das células também ajudam a tamponar os líqui- dos extracelulares, embora possam ser necessárias várias horas. Esses sistemas incluem as quantidades muito grandes de proteínas no interior das células. De fato, estudos experimentais demons- traram que cerca de três quartos de toda a capacidade de tampo- namento químico dos líquidos corporais encontram-se no interior das células, sendo a maior parte proveniente das proteínas intra- celulares. Todavia, à exceção dos eritrócitos, a lentidão de movi- mento dos íons hidrogênio e bicarbonato, através das membranas celulares, quase sempre retarda por várias horas a capacidade dos tampões intracelulares de tamponar as anormalidades ácido- básicas extracelulares. O método pelo qual o sistema tampão de proteínas atua é exatamente o mesmo do sistema tampão de bicarbonato. É preciso lembrar que uma proteína ê constituída de aminoácidos unidos por ligações peptídicas; todavia, alguns dos aminoácidos, em particular a histidina, possuem radicais ácidos livres que po- dem dissociar-se para formar base mais H+. Além disso, o pK onde K1 K2 e K3 são as constantes de dissociação dos três ácidos respec- tivos, HA1 HA2 e HA3 enquanto A1 A2 e A3 são as concentrações dos íons negativos livres que constituem as bases respectivas dos três sistemas tampões. O aspecto importante desse princípio é que qualquer condição capaz de modificar o equilíbrio de um dos sistemas tampões também afeta o equilíbrio de todos os demais, visto que os sistemas tampões, na reali- dade, íamponam um ao outro ao deslocar os íons hidrogênio de um para outro. REGULAÇÃO RESPIRATÓRIA DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO Na discussão da equação de Henderson-Hasselbalch, foi assi- nalado que a ocorrência de aumento da concentração de dióxido de carbono nos líquidos corporais diminui o pH para o lado ácido, enquanto a redução do dióxido de carbono eleva o pH para o lado alcalino. É com base neste efeito que o sistema respiratório é capaz de alterar o pH, aumentando-o ou redu- zindo-o. Equilíbrio entre a formação metabólica e a expiração pulmo- nar de dióxido de carbono. O dióxido de carbono é continuamente formado no organismo pelos diferentes processos metabólicos intracelulares, sendo o carbono dos alimentos oxidado pelo oxigênio para formar dióxido de carbono. Este, por sua vez, difunde-se pelos líquidos intersticiais e no sangue e é transportado até os pulmões, onde sofre difusão para os alvéolos, para ser, então, transferido à atmosfera pela ventilação pulmonar. Todavia, são necessários vários minutos para a passagem de dióxido de carbono das células para a atmosfera, de modo que, em qualquer momento, os líquidos extracelulares contém normalmente uma média de 1,2 mmol/1 de dióxido de carbono dissolvido. Se a intensidade de formação metabólica do dióxido de car- bono aumentar, sua concentração nos líquidos extracelulares tam- bém irá aumentar. De modo inverso, a redução do metabolismo diminui a concentração de dióxido de carbono. Por outro lado, se a ventilação pulmonar aumentar, o dióxido de carbono será eliminado dos pulmões, resultando em diminui- ção da quantidade de dióxido de carbono nos líquidos extrace- lulares. Efeito do aumento ou da diminuição da ventilação alveolar sobre o pH dos líquidos extracelulares Se admitirmos que a intensidade de formação metabólica de dióxido de carbono permanece constante, o único fator que irá afetar sua concentração nos líquidos corporais é a ventilação alveolar, conforme expresso pela seguinte fórmula: 1 C O de alguns desses sistemas tampões de aminoácidos não está muito distante de 7,4. Isso também ajuda a tornar o sistema tampão 2 aá Ventilação alveolar (15) de proteínas o mais potente dos tampões do organismo. O princípio isoidrico Cada um dos sistemas tampões acima foi discutido como se pudesse operar individualmente nos líquidos corporais. Todavia, eles, na reali- Como o aumento do dióxido de carbono diminui o pH, as altera- ções da ventilação alveolar determinam variações recíprocas da concentração de íons hidrogênicr. A Fig. 30.2 ilustra a variação aproximada do pH do sangue 290 Fig. 30.2 Alteração aproximada do pH do líquido extracelular causada por aumento ou diminuição da freqüência da ventilação alveolar. passível de ocorrer devido ao aumento ou à diminuição da venti- lação pulmonar. Observe que o aumento da ventilação alveolar, de duas vezes o valor normal, eleva em cerca de 0,23 o pH dos líquidos extracelulares. Isso significa que, se o pH dos líquidos corporais é de 7,4 na presença de ventilação alveolar normal, a duplicação da ventilação irá elevar o pH para 7,63. Por outro lado, a diminuição da ventilação alveolar para um quarto de seu valor normal reduz o pH em 0,45. Isto é, se o pH é de 7,4 com ventilação aíveolar normal, a redução da ventilação para um quarto diminui o pH para 6,95. Como a ventilação alveolar pode ser reduzida a zero ou aumentada por cerca de 15 vezes o seu valor normal, pode-se facilmente entender até que ponto o pH dos líquidos corporais pode ser modificado por alterações na atividade do sistema respiratório. Efeito da concentração de íons hidrogênio sobre a ventilação alveolar Não só a ventilação alveolar afeta a concentração de tons hidrogênio dos líquidos corporais, como também a concentração de íons hidrogênio afeta, por sua vez, a ventilação alveolar. Isso resulta da ação direta dos íons hidrogênio sobre o centro respiratório no bulbo que controla a respiração, o que será discutido com maiores detalhes no Cap. 41. A Fig. 30.3 ilustra as alterações da ventilação alveolar produ- zidas pela variação do pH do sangue arterial de 7,0 para 7,6. Ao se analisar o gráfico, fica evidente que a redução do pH de seu valor normal de 7,4 para o nível fortemente acídico de 7,0 pode elevar a freqüência da ventilação alveolar por até 4 a 5 vezes o seu valor normal, enquanto o aumento do pH para a faixa alcalina pode diminuir a ventilação alveolar por apenas fração do nível normal. Controle por feedback da concentração de íons hidrogênio pelo sistema respiratório. Devido à capacidade do centro respira- tório de responder à concentração de íons hidrogênio, e conside- rando-se o fato de que as variações na ventilação alveolar alteram, por sua vez, a concentração de íons hidrogênio dos líquidos corpo- rais, o sistema respiratório atua como um controlador típico da concentração de íons hidrogênio por feedback. Isto é, toda vez que a concentração de íons hidrogênio estiver elevada, o sistema respiratório também fica mais ativo, e a ventilação alveolar au- menta. Em conseqüência, a concentração de dióxido de carbono nos líquidos extracelulares diminui, com a conseqüente redução da concentração de íons hidrogênio para seu valor normal. Por Fig. 30.3 Efeito do pH sanguíneo sobre a freqüência de ventilação alveolar. (Construído a partir de dados obtidos por Gray: Pulmonary Venti-lation and Its Regulaíion. Springfield, 111., Charles C Thomas.) outro lado, se a concentração de íons hidrogênio cair para níveis muito baixos, o centro respiratório fica deprimido, e a ventilação alveolar também diminui, com elevação da concentração de íons hidrogênio até a faixa normal. Eficiência do controle respiratório da concentração de íons hidrogênio. Infelizmente, o controle respiratório é incapaz de fazer com que a concentração de íons hidrogênio retorne exata- mente ao valor normal de 7,4 quando alguma anormalidade exter- na ao sistema respiratório altera o pH normal. A razão disso é que, à medida que o pH retorna a seu valor normal, o estímulo que causou o aumento ou a diminuição da respiração começa a dissipar-se. Em geral, o mecanismo respiratório para regular a concentração de íons hidrogênio possui eficiência de controle situada entre 50 a 75% (ganho do feedback de 1 a 3). Isto é, se a concentração de íons hidrogênio fosse subitamente diminuída de 7,4 para 7,0 por algum fator estranho, o sistema respiratório faria com que o pH retornasse, em 3 a 12 minutos, a um valor de cerca de 7,2 a 7,3. Capacidade de tamponamento do sistema respiratório. Com efeito, a regulação respiratória do equilíbrio ácido-básico é um tipo fisiológico de sistema tampão que possui quase a mesma importância dos sistemas tampões químicos do organismo consi- derados antes neste capítulo. A "capacidade de tamponamento" global do sistema respiratório é uma a duas vezes maior que a de todos os tampões químicos combinados. Isso significa que, normalmente, uma a duas vezes mais ácido ou base podem ser tamponados por esse mecanismo em relação aos tampões quí- micos. CONTROLE RENAL DA CONCENTRAÇÃO DE ÍONS HIDROGÊNIO Os rins controlam a concentração de íons hidrogênio do líquido extracelular ao excretarem urina ácida ou básica. A excre- ção de urina ácida reduz a quantidade de ácido nos líquidos extracelulares, enquanto a excreção de urina alcalina remove a base dos líquidos extracelulares. Os meios pelos quais o organismo determina se a urina será ácida ou alcalina são os seguintes: grandes quantidades de íons bicarbonato são filtradas continuamente no filtrado glomerular, 291 removendo base do sangue. Por outro lado, grandes quantidades de íons hidrogênio são secretadas ao mesmo tempo no lúmen tubular pelo epitélio tubular, com conseqüente remoção do ácido. Se a secreção de íons hidrogênio for maior que a filtração de íons bicarbonato, haverá perda efetiva de ácido dos líquidos extracelulares. Por outro lado, se a filtração de bicarbonato for maior que a secreção de hidrogênio, haverá perda efetiva de base. As seções que se seguem descrevem os diferentes mecanismos renais que atuam nesses processos. SECREÇÃO TUBULAR DE ÍONS HIDROGÊNIO As células epiteliais de todo sistema tubular, à exceção do ramo grosso da alça de Henle, secretam íons hidrogênio para o líquido tubular. Todavia, em diferentes segmentos tubulares, existem dois mecanismos muito diferentes, cada qual com caracte- rísticas próprias e finalidades distintas. Transporte ativo secundário de tons hidrogênio nos segmentos tubulares iniciais. As células epiteliais do túbulo proximal. do segmento grosso do ramo ascendente da alça de Henle e do túbulo distal secretam íons hidrogênio para o líquido tubular por transporte ativo secundário. Esse mecanismo é ilustrado na Fig. 30.4. Quantidades enormes de íons hidrogênio são secretadas dessa maneira, atingindo vários milhares de miliequivalentes por dia, porém nunca contra gradiente muito elevado de íons hidrogênio, visto que o líquido tubular só se torna muito ácido nos segmentos terminais do sistema tubular. A Fig. 30.4 mostra que o processo secretor começa com o dióxido de carbono, que se difunde para o interior das células ou que é formado pelo metabolismo das células epiteliais tubula- res. O dióxido de carbono, sob influência da enzima anidrase carbônica, combina-se com água para formar ácido carbônico. A seguir, este se dissocia em íon bicarbonato e íon hidrogênio. Por fim, os íons hidrogênio são secretados no túbulo por um mecanismo de contra-transporte de Na+-H+. Isto é, quando o sódio se desloca do lúmen do túbulo para o interior da célula, ele se combina inicialmente com uma proteína transportadora na borda luminal da membrana celular, e, ao mesmo tempo, um íon hidrogênio no interior da célula se combina com a extremi- dade oposta da mesma proteína transportadora. A seguir, como a concentração de sódio é muito mais baixa dentro da célula do que no lúmen celular, isso determina o movimento de sódio ao longo de seu gradiente de concentração para o interior, propor- cionando ao mesmo tempo a energia necessária para mover o íon hidrogênio na direção oposta (a direção "contra") para o lúmen tubular. Transporte ativo primário de íons hidrogênio na porção ter- minal dos segmentos tubulares. Começando na porção terminal dos túbulos distais e prosseguindo por todo o resto do sistema tubular até a pelve renal, os túbulos secretam íons hidrogênio por transporte ativo primário. As características desse transporte diferem muito do sistema de transporte ativo secundário nos segmentos tubulares iniciais. Em primeiro lugar, é normalmente responsável por menos de 5% dos íons hidrogênio totais excre- tados. Por outro lado, é capaz de concentrar os íons hidrogênio por até 900 vezes, em contraste com a concentração de apenas 3 a 4 vezes obtida nos túbulos proximais e a concentração de 10 a 15 vezes observada nos túbulos distais iniciais pelo meca- nismo de transporte secundário. A concentração de íons hidrogênio por até 900 vezes pode diminuir o pH do líquido tubular em cerca de 4,5, o que representa, portanto, o limite inferior do pH passível de ser obtido na urina excretada. O mecanismo do transporte ativo primário de íons hidrogênio está ilustrado na Fig. 30.5. Ocorre na membrana luminal da célula tubular, onde os íons hidrogênio são transportados diretamente por proteína transportadora específica, a adenosina trifosfatase (ATPase) transportadora de hidrogênio. A energia necessária para bombear os íons hidrogênio contra o gradiente de concentração de 900 vezes provém da degradação do ATP em difosfato de adenosina (ADP). Os íons hidrogênio bombeados por este processo são gerados no interior da célula nas duas etapas seguintes: (1) o dióxido de carbono dissolvido combina-se com a água no interior da célula, formando-se ácido carbônico (H2CO3); (2) a seguir, o ácido carbônico se dissocia em íons bicarbonato (HCOj), que são absorvidos pelo sangue, e em íons hidrogênio (H + ), que são secretados na urina. Acredita-se que esse transporte ativo primário de íons hidrogênio seja uma função do tipo especial de célula denominada célula intercalada. Essas células aparecem pela primeira vez na porção terminal dos túbulos distais e, a seguir, estendem-se até o final do sistema de dutos coletores, atingindo seu número máximo — cerca de 10% das células epiteliais totais — nos dutos coletores medulares externos. Essas células têm aspecto escuro e, portanto, são quase sempre denominadas células escuras. Fig. 30.4 Reações químicas para (1) a secreção auva secunuaria de íons hidrogênio pelo túbulo, (2) a reabsorção de íons sódio em troca dos íons hidrogênio secretados, e (3) a combinação de íons hidrogênio com íons bicarbonato nos túbulos para formar dióxido de carbono e água. Fig. 30.5 Transporte ativo primário de íons hidrogênio através da mem- brana lurmnal da célula epitelial tubular. Observe que é absorvido um íon bicarbonato para cada íon hidrogênio secretado, enquanto um íon cloreto é secretado passivamente com o íon hidrogênio. 292 Regulação da secreção de íons hidrogênio pela concentração de ions hidrogênio nos líquidos extracelulares A intensidade da secreção de íons hidrogênio nos túbulos modifica-se acentuadamente em resposta a alterações apenas li- geiras na concentração de íons hidrogênio no líquido extracelular. Por conseguinte, quando a concentração de íons hidrogênio está elevada (pH de menos 7,4), a secreção de íons hidrogênio pode aumentar por várias vezes. Por outro lado, com pH extracelular acima de 7,4, a secreção de íons hidrogênio também diminui. O controle dessas alterações é efetuado da seguinte maneira: Na acidose, a proporção entre o dióxido de carbono e os íons bicarbonato no líquido extracelular está acima do normal, como se pode verificar ao se consultar novamente a equação de Henderson-Hasselbalch. Além disso, verifica-se proporção semelhante no interior da célula epitelial secretora, produzindo nível elevado de íons hidrogênio e intensidade corresponden- temente alta de secreção de íons hidrogênio no lúmen tubular. Na alcalose, ocorre exatamente o processo oposto, com a conse- quente redução da secreção de íons hidrogênio. No pH normal do líquido extracelular, a intensidade da se- creção de íons hidrogênio é de cerca de 3,5 mM/min, porém ela aumenta ou diminui de modo quase diretamente proporcional à variação da concentração extracelular de íons hidrogênio. Interação dos ions bicarbonato com os íons hidrogênio nos túbutos — "reabsorção" de íons bicarbonato Os túbulos renais não são muito permeáveis ao íon bicarbo- nato, visto ele ser grande e eletricamente carregado. Todavia, o íon bicarbonato, pode ser, com efeito, "reabsorvido" pelo processo especial ilustrado na Fig. 30.4. A reabsorção de íons bicarbonato é iniciada por uma reação nos túbulos entre os íons bicarbonato filtrados no filtrado glome- rular e os íons hidrogênio secretados pelas células tubulares, conforme ilustrado na figura. A seguir, o ácido carbônico disso- cia-se em dióxido de carbono e água. O dióxido de carbono, por ter a capacidade de se difundir com extrema rapidez através de todas as membranas celulares, difunde-se instantaneamente para a célula tubular, enquanto a água permanece no túbulo. Se observarmos agora, na Fig. 30.4, as reações químicas responsáveis pela formação do íons hidrogênio nas células epite- liais, veremos que, toda vez que ocorre formação de um íon hidrogênio, forma-se também um íon bicarbonato no interior dessas células pela dissociação de H2CO, em H1 e HCOj. A seguir, esse íon bicarbonato se difunde para o líquido extracelular através da membrana basolateral. Por conseguinte, o efeito final de todas essas reações é um mecanismo para a "reabsorção" de íons bicarbonato a partir dos túbulos, embora os íons bicarbonato que penetram no líquido extracelular não sejam os mesmos íons que são removidos do líquido tubular. Titulação dos íons bicarbonato contra os íons hidrogênio nos túbulos. Em condições normais, a intensidade da secreção do íon hidrogênio é de cerca de 3,5 mmollmin, enquanto a filtração de íons bicarbonato no filtrado glomerular é de cerca de 3,46 mmollmin. Por conseguinte, as quantidades dos dois íons que penetram nos túbulos são quase iguais, e eles se combinam entre si, anulando-se, sendo os produtos terminais dióxido de carbono e água. Por isso, diz-se que os íons bicarbonato e o íons hidrogênio normalmente se "titulam" um ao outro nos túbulos. Todavia, é preciso observar também que esse processo de titulação não é totalmente exato, visto que, em geral, um ligeiro excesso de íons hidrogênio (componente ácido) permanece nos túbulos para ser excretado na urina. A razão disso é que, em condições normais, os processos metabólicos de uma pessoa for- mam continuamente uma pequena quantidade de ácido em exces- so (cerca de 60 mEq/dia), originando ligeiro excesso de íons hidrogênio nos túbulos em relação aos íons bicarbonato. Em raras ocasiões, os íons bicarbonato estão em excesso, como veremos em discussões subseqüentes. Quando isso ocorre, o processo de titulação mais uma vez não é completo; nesse caso, permanece um excesso de íons bicarbonato (componente básico) nos túbulos, que, em seguida, passa para a urina. Por conseguinte, o mecanismo básico pelo qual os rins corri- gem a acidose ou a alcalose consiste na titulação incompleta dos íons hidrogênio contra os do bicarbonato, deixando que um ou outro passe para a urina e, assim, seja removido do líquido extracelular. CORREÇÃO RENAL DA ACIDOSE - AUMENTO DOS ÍONS BICARBONATO NO LIQUIDO EXTRACELULAR Uma vez descritos os mecanismos pelos quais os túbulos renais secretam íons hidrogênio e reabsorvem íons bicarbonato, podemos explicar a maneira pela qual os rins reajustam o pH dos líquidos extracelu lares quando ele se torna anormal. Em primeiro lugar, vamos considerar a acidose. Consultando novamente a equação LI', isto é, a equação de Henderson-Has- selbalch, verificamos que, na acidose, a proporção entre dióxido de carbono e íons bicarbonato no líquido extracelular aumenta. Por conseguinte, a intensidade da secreção dos íons hidrogênio eleva-se até um nível superior à filtração dos íons bicarbonato nos túbulos. Em conseqüência, ocorre secreção de excesso de íons hidrogênio nos túbulos, enquanto quantidades diminuídas de bicarbonato penetram no filtrado glomerular, de modo que, nesse estágio, existe um número muito pequeno de íons bicarbo- nato para reagir com os íons hidrogênio. Esses íons hidrogênio em excesso combinam-se com os tampões existentes no líquido tubular, como será explicado nos parágrafos subseqüentes, sendo então excretados na urina. A Fig. 30.4 mostra que, toda vez que um íon hidrogênio é secretado nos túbulos, ocorrem simultaneamente dois outros efeitos: em primeiro lugar, forma-se um íon bicarbonato na célula epitelial tubular; e, em segundo lugar, ocorre absorção de um íon sódio do túbulo para a célula epitelial. O íon sódio e o íon bicarbonato são então transportados juntos da célula epitelial para o líquido extracelular. Por conseguinte, o efeito final da secreção de excesso de íons hidrogênio nos túbulos consiste em aumentar a quantidade de íons bicarbonato no líquido extracelular. Esse processo au- menta o teor de bicarbonato do sistema tampão bicarbonato, o que, de acordo com a equação de Henderson-Hasselbalch e com o princípio isoídrico, desvia todos os tampões na direção alcalina, aumentando o pH e, dessa maneira, corrigindo a aci- dose. CORREÇÃO RENAL DA ALCALOSE — DIMINUIÇÃO DOS ÍONS BICARBONATO NO LÍQUIDO EXTRACELULAR Na alcalose, a proporção entre os íons bicarbonato e as moléculas de dióxido de carbono dissolvido aumenta. O efeito desse aumento sobre o processo de titulação nos túbulos consiste em aumentar a proporção entre os íons bicarbonato filtrados nos túbulos e os íons hidrogênio secretados. Esse aumento ocorre porque a elevada concentração extracelular de íons bicarbonato aumenta os íons bicarbonato filtrados no filtrado glomerular, enquanto, ao mesmo tempo, a baixa concentração de dióxido de carbono no líquido extracelular diminui a secreção de íons 293 hidrogênio. Por conseguinte, o delicado equilíbrio que normalmente existe nos túbulos entre os íons hidrogênio e bicarbonato deixa de ocorrer. Com efeito, penetram nos túbulos quantidades muito maiores de íons bicarbonato do que de íons hidrogênio. Como quase nenhum íon bicarbonato pode ser reabsorvido sem antes reagir com os íons hidrogênio, todo o excesso de íons bicarbonato passa para a urina, transportando com ele os íons sódio ou outros íons positivos. Assim, o bicarbonato de sódio é removido do líquido extracelular. A perda de bicarbonato de sódio do líquido extracelular diminui a porção de íons bicarbonato do sistema tampão bicarbo- nato; de acordo com a equação de Henderson-Hasselbalch, esse processo desvia o pH dos líquidos corporais novamente na direção ácida. Além disso, devido ao princípio isoídrico, todos os demais tampões do organismo também são desviados na direção ácida. Dessa maneira, a alcalose é corrigida. COMBINAÇÃO DO EXCESSO DOS ÍONS HIDROGÊNIO COM TAMPÕES TUBULARES E TRANSPORTE NA URINA Quando o excesso de íons hidrogênio é secretado nos túbu- los, apenas pequena parte desses íons pode ser transportada na forma livre pelo líquido tubular para a urina. A razão disso é que a concentração máxima de íons hidrogênio que pode ocorrer no sistema tubular é de 10-4,5 molar, o que corresponde ao pH de 4,5. Na presença de fluxo urinário diário normal, apenas 1% da excreção diária do excesso de íons hidrogênio pode ser transportado na urina nessa concentração. Por conseguinte, para transportar o excesso de íons hidrogênio na urina, esses íons devem fazê-lo de alguma outra forma que não seja a de íons livres. Esse transporte é efetuado pela combinação inicial dos íons hidrogênio com tampões intratubulares e, a seguir, pelo seu transporte sob essa forma. Os líquidos tubulares possuem dois sistemas tampões muito importantes que transportam o excesso de íons hidrogênio para a urina: (1) o tampão fosfato e (2) o tampão amônia. Além disso, existem vários sistemas tampões fracos, como o urato e o citrato, que têm importância muito menor. Transporte do excesso de íon hidrogênio na urina pelo tampão fosfato. O tampão fosfato é constituído por mistura de HPO4 e H2PO4. Ambos estão muito concentrados no líquido tubular, devido à sua reabsorção relativamente pequena e à remoção de água do líquido tubular. Por conseguinte, apesar de o tampão fosfato ser muito fraco no sangue, trata-se de um tampão muito mais potente no líquido tubular. Outro fator que aumenta a importância do tampão fosfato nos líquidos tubulares durante a acidose é o pK desse tampão, que é de 6,8. Quando são secretados íons hidrogênio em excesso, o líquido tubular começa normalmente com pH próximo a 7,4 na parte inicial dos túbulos proximais, que, a seguir, cai para cerca de 6,0 nos túbulos distais e dutos coletores. Por conseguinte, nesses túbulos, o tampão fosfato funciona em sua faixa mais eficaz, muito perto de seu valor de pK, conforme explicado antes neste capítulo. A Fig. 30.6 ilustra a maneira pela qual os íons hidrogênio são removidos do líquido tubular pelo sistema tampão fosfato, bem como isso funciona no processo total de controle ácido-básico renal. Observe que, para cada íon hidrogênio ligado pelo tampão fosfato, é formado um novo íon bicarbonato pela célula epitelial e transportado no sangue. Isso contribui ainda mais para a correção da acidose quando são secretados íons hidrogênio em excesso. Transporte do excesso de íons hidrogênio na urina pelo siste- ma tampão amônia. Outro sistema tampão do líquido tubular ainda mais importante e mais complexo para os íons hidrogênio é composto por amônia (NH3) e íon amônio (NH4). As células Fig. 30.6 Reações químicas nos túbulos envolvendo os íons hidrogênio, os íons sódio e o sistema tampão fosfato. epiteliais de todos os túbulos, à exceção das encontradas no segmento delgado da alça de Henle, sintetizam amônia continuamente, a qual se difunde para o interior dos túbulos. A seguir, a amônia reage com íons hidrogênio, como é ilustrado na Fig. 30.7, formando íons amônio. Estes últimos são, então, excretados na urina em combinação com íons cloreto e outros ânions tubulares. Observe, na figura, que o efeito final dessas reações consiste, mais uma vez, em aumentar a concentração de bicarbonato no líquido extracelular. Esse mecanismo do íon amônio para o transporte do excesso de íons hidrogênio nos túbulos é especialmente importante por duas razões: (1) Toda vez que uma molécula de amônia (NH3) se combina com um íon hidrogênio para formar um íon amônio (NHJ), a concentração de amônia no líquido tubular diminui, o que provoca maior difusão de amônia das células epiteliais para o líquido tubular. Por conseguinte, a velocidade da secreção de amônia no líquido tubular é realmente controlada pela quantidade de íons hidrogênio em excesso a serem transportados. (2) A maior parte dos íons negativos do líquido tubular consiste em íons cloreto. Apenas alguns íons hidrogênio poderiam ser transportados na urina em combinação direta com o cloreto, visto que o ácido clorídrico é um ácido muito forte e considerando-se o fato de que o pH tubular cairia rapidamente além do valor crítico de 4,5, abaixo do qual cessa a secreção adicional dos íons hidrogênio. Todavia, quando os íons hidrogênio se combinam com amônia e os íons amônios resultantes se combinam Fig. 30.7 Secreção de amônia pelas células epiteliais tubulares e reação da amônia com íons hidrogênio nos túbulos. 294 a seguir com cloreto, o pH não cai de modo significativo, visto que o cloreto de amônio é apenas muito fracamente ácido. Sessenta por cento da amônia secretada pelo epitélio tubular derivam da glutamina, enquanto os 40% restantes provêm de outros aminoácidos ou aminas. Intensificação do sistema tampão de amônia na acidose crônica. Se os líquidos celulares permanecerem fortemente ácidos por longo período de tempo, a formação de amônia irá aumentar de modo uniforme nos primeiros 2 a 3 dias, atingindo um nível 10 vezes maior do que o normal. Por exemplo, logo após o início da acidose, a secreção diária de amônia é de apenas 30 milimoles, mas, depois de vários dias, podem ser secretados até 300 a 450 milimoles, ilustrando o fato de que o mecanismo secretor de amônia pode adaptar-se facilmente para mobilizar cargas muito aumentadas de eliminação de ácidos. A principal causa da formação crescente de amônia é que a acidose local das células tubulares induz a produção de grandes quantidades da enzima glutaminase, a responsável pela liberação da amônia a partir da glutamina. RAPIDEZ DA REGULAÇÃO ÁCIDO-BASICA PELOS RINS O mecanismo renal para a regulação do equilíbrio ácido- básico é incapaz de reajustar o pH dentro de segundos, como o fazem os sistemas tampões do líquido extracelular, nem dentro de minutos, como ocorre com o mecanismo respiratório compen- sador; entretanto, difere desses dois outros mecanismos por sua capacidade de continuar funcionando durante horas ou dias até trazer o pH quase exatamente a seu valor normal. Em outras palavras, sua capacidade final de regular o pH dos líquidos corpo- rais, apesar de ser de ação lenta, é infinitamente mais potente que a dos outros dois mecanismos reguladores. Os parágrafos que se seguem explicarão a importância quantitativa dos rins na regulação da concentração de íons hidrogênio. A Fig. 30.8 ilustra o efeito do pH do líquido extracelular sobre a velocidade de perda ou de ganho de íons bicarbonato dos líquidos extracelulares a cada minuto. Por exemplo, com pH de 7,0, cerca de 2,3 mmol de íons bicarbonato são ganhos a cada minuto; todavia, à medida que o pH retorna a seu valor normal de 7,4, a velocidade desse ganho cai para 0. A seguir, quando o pH aumenta significativamente acima de 7,4, os líquidos extracelulares perdem íons bicarbonato. Por exemplo, em pH de 7,6, cerca de 1,5 mmol de íons bicarbonato é perdido por minuto. A quantidade total de tampões em todo o organismo (dentro da faixa de pH de 7,0 a 7,8) é de cerca de 1.000 mmol. Se todos eles pudessem ser subitamente desviados para o lado básico ou ácido por meio de injeção de base ou de ácido, os rins seriam capazes de trazer o pH dos líquidos corporais quase de volta a seu valor normal dentro de 1 a 3 dias. Entretanto, o aspecto mais importante é que esse mecanismo continua atuando até que o pH retorne quase que exatamente ao valor norma], e não até certa percentagem dessa normalidade. Por conseguinte, o verdadeiro valor do mecanismo renal na regulação da concentração de íons hidrogênio não é a rapidez de sua ação, porém sua capacidade de neutralizar por completo qualquer excesso de ácido ou de álcali que penetre nos líquidos corporais, a não ser quando o excesso persiste. Em geral, os rins podem remover até 500 mmol de ácido ou de base por dia. Quando quantidades maiores penetram nos líquidos corporais, os rins tornam-se incapazes de lidar com essa carga adicional, e ocorre desenvolvimento de acidose ou de alca- lose grave. Faixa do pH urinário. No processo de ajuste da concentração de íons hidrogênio do líquido extracelular, os rins quase sempre excretam urina com pH baixo, da ordem de 4,5, ou elevado, da ordem de 8,0. Quando está havendo excreção de ácido, o pH urinário cai; quando ocorre excreção de álcali, o pH aumenta. Mesmo quando o pH dos líquidos extracelulares está situado no valor normal de 7,4, ainda ocorre perda de fração de 1 mmol de ácido por minuto. A razão disso é que o organismo forma diariamente cerca de 50 a 80 mmol a mais de ácido do que de álcali, devendo esse ácido ser continuamente removido. Devi- do à presença desse excesso de ácido na urina, o pH urinário normal é, em média, de cerca de 6,0 em lugar de 7,4, que é o pH sanguíneo. REGULAÇÃO RENAL DA CONCENTRAÇÃO PLASMÃTICA DE CLORETO - RELAÇÃO ENTRE CLORETO E BICARBONATO Nas discussões precedentes, demos ênfase à capacidade dos rins de conservar o íon bicarbonato nos líquidos extracelulares sempre que houvesse desenvolvimento de um estado de acidose ou de remover os íons bicarbonato na presença de alcalose. As- sim, o íon bicarbonato move-se de um lado para outro entre valores elevados e baixos como um dos principais meios de ajuste do equilíbrio ácido-básico dos sistemas tampões extracelulares, ajustando também o pH do líquido extracelular. Todavia, no processo de equilibração da concentração de íon bicarbonato dos líquidos extracelulares, é essencial remover algum outro ânion do líquido extracelular toda vez que o bicarbo- nato aumentar, ou aumentar algum outro ânion toda vez que a concentração de bicarbonato diminuir. Em geral, o ânion que varia reciprocamente para cima ou para baixo com o íon bicarbonato é o cloreto, por ser o ânion encontrado em maior concentração no líquido extracelular. ANORMALIDADES CLÍNICAS DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO Acidose e alcalose respiratórias Com base nas descrições efetuadas neste capítulo, é óbvio que qualquer fator passível de reduzir a ventilação pulmonar irá aumentar a concentração de dióxido de carbono dissolvido no liquido extracelular. Esse aumento, por sua vez, determina aumento de ácido carbônico e de íons hidrogênio, com conseqüente desenvolvimento de acidose. Como essa forma de acidose é causada por anormalidade de respiração, é denominada acidose respiratória. Por outro lado, a ventilação pulmonar excessiva inverte o processo e diminui a concentração de íons hidrogênio, resultando em alcalose; essa condição é denominada alcalose respiratória. Uma pessoa pode provocar em si mesma acidose respiratória sim- Fig. 30.8 Efeito do pH do líquido extracelular sobre a velocidade de perda ou ganho de íons bicarbonato dos líquidos corporais a cada minuto. 295 plesmente ao prender sua respiração, o que pode fazer até que o pH dos líquidos corporais caia para um valor tão baixo quanto 7,0. Por outro lado, pode voluntariamente hiperventilar-se e causar alcalose até um pH de cerca de 7,9. A acidose respiratória quase sempre resulta de condições patológicas. Por exemplo, a lesão do centro respiratório no bulbo que reduz a respira- ção, a obstrução das vias aéreas no aparelho respiratório, a pneumonia, a diminuição da área de superfície da membrana pulmonar e qualquer outro fator capaz de interferir na troca de gases entre o sangue e o ar alveolar podem resultar no desenvolvimento de acidose respiratória. Por outro lado, só raramente é que condições patológicas causam alcalose respiratória. Todavia, em certas ocasiões, a psiconeurose pode causar hiperventilação a ponto de o indivíduo se tornar alcalótico. Além disso, ocorre um tipo fisiológico de alcalose respiratória quando a pessoa sobe a grandes altitudes. O baixo teor de oxigênio do ar estimula a respiração, causando perda excessiva de dióxido de carbono e resultando no desenvolvimento de alcalose respiratória leve. ACIDOSE E ALCALOSE METABÓLICAS Os termos acidose metabólica e alcalose metabólica referem-se a todas as outras anormalidades do equilíbrio ácido-básico, à exceção da causada por excesso ou insuficiência de dióxido de carbono nos líquidos corporais. O uso do termo "metabólica" é inadequado neste caso, visto que o dióxido de carbono também é um produto metabólico. Contudo, por convenção, o ácido carbônico proveniente do dióxido de carbono dissolvido é denominado ácido respiratório, enquanto qualquer outro ácido no organismo, seja ele formado pelo metabolismo ou simplesmente ingerido pelo indivíduo, é denominado ácido metabólico ou ácido fixo. Causas da acidose metabólica A acidose metabólica pode resultar (1) da incapacidade dos rins de excretarem os ácidos metabólicos normalmente formados no orga- nismo, (2) da formação de quantidades excessivas de ácidos metabólico no organismo, (3) da administração venosa de ácidos metabólicos, ou (4) do acréscimo de ácidos metabólicos por absorção do tubo gastrin- testinal. A acidose metabólica também pode resultar (5) da perda de base dos líquidos corporais. Algumas das condições específicas que cau- sam acidose metabólica são consideradas a seguir. Diarréia. A diarréia grave é uma das causas mais freqüentes de acidose metabólica pelas seguintes razões: as secreções gastrintestinais contêm normalmente grandes quantidades de bicarbonato de sódio. Por conseguinte, a perda excessiva dessas secreções durante o episódio de diarréia equivale exatamente à excreção de grandes quantidades de bicar- bonato de sódio pela urina. De acordo com a equação de Henderson- Hasselbalch, isso provoca desvio do sistema tampão do bicarbonato em direção ao ácido, resultando em acidose metabólica. De fato, a acidose ocasionada pela diarréia grave pode ser tão intensa a ponto de consti- tuir-se numa das causas mais comuns de morte em crianças de pouca idade. Vômito. O vômito é uma segunda causa de acidose metabólica. O vômito do conteúdo gástrico apenas, que ocorre algumas vezes, obviamente determina perda de ácido, visto que as secreções do estômago são altamente ácidas e resultariam em alcalose. Todavia, o vômito do conteúdo proveniente das porções mais distais do tubo gastrintestinal, que quase sempre ocorre em quantidades muito maiores do que a perda do conteúdo gástrico, provoca perda de álcalis, resultando em acidose metabólica. Uremia. Um terceiro tipo comum de acidose é a acidose urémica que ocorre na doença renal grave. A causa desse tipo de acidose consiste na incapacidade dos rins de depurar o organismo das quantidades normais de ácidos formados diariamente pelos processos metabólicos. Diabetes melito. Uma quarta causa extremamente importante de acidose metabólica é o diabetes melito. Nessa condição, a ausência de secreção de insulina pelo pâncreas impede o uso normal da glicose no metabolismo. Dessa maneira, algumas gorduras são degradadas em ácido acetoacético, que, por sua vez, é metabolizado pelos tecidos para produzir energia em lugar da glicose. Simultaneamente, a concentração de ácido acetoacético nos líquidos extracelulares quase sempre aumenta e atinge valores muito elevados, causando acidose muito grave. Além disso, gran- des quantidades de ácido acetoacético são excretadas na urina, atingindo por vezes 500 a 1.000 mmol por dia. Causas da alcalose metabólica A alcalose metabólica não ocorre com a mesma freqüência que". a acidose metabólica. Entretanto, existem várias causas comuns de alcalose metabólica. Alcalose causada pela administração de diuréticos là exceção dos inibidores da anidrase carbônica. Todos os diuréticos produzem aumento do fluxo de líquidos ao longo dos túbulos; em geral, esse aumento resulta no fluxo de grande excesso de sódio pelos túbulos distais e coletores, resultando também em rápida reabsorção de íons sódio a partir desses túbulos. Essa reabsorção rápida está associada à secreção aumentada de íons hidrogênio, devido aos mecanismos de troca de Na+-H+ nas membranas luminais das células tubulares que ligam a secreção de hidrogênio à absorção de sódio, levando à perda excessiva de íons hidrogênio do organismo, com conseqüente alcalose do líquido extracelular. Ingestão excessiva de substâncias alcalinas. Talvez a segunda causa mais comum de alcalose seja a ingestão excessiva de medicamentos alcalinos, como o bicarbonato de sódio, no tratamento da gastrite ou da úlcera péptica. Alcalose causada pela perda de íons cloreto. O vômito excessivo do conteúdo gástrico sem vômito do conteúdo gastrintestinal inferior provoca perda excessiva de ácido clorídrico secretado pela mucosa gástrica. O resultado final consiste na perda de ácido do líquido extracelular, com desenvolvimento de alcalose metabólica. Esse tipo de alcalose é observado em recém-nascidos com obstrução pilórica causada por enorme hipertrofia do músculo do esfíncter pilórico. Alcalose causada pelo excesso de aldosterona. Quando as glândulas supra-renais secretam quantidades excessivas de aldosterona, o líquido extracelular torna-se ligeiramente alcalótico. Isso decorre do seguinte processo: a aldosterona promove a reabsorção intensa de íons sódio dos segmentos distais do sistema tubular, acompanhada pela secreção aumentada de íons hidrogênio, o que promove o desenvolvimento de alcalose. EFEITOS DA ACIDOSE E DA ALCALOSE SOBRE O ORGANISMO Acidose. O principal efeito clínico da acidose é a depressão do sistema nervoso centrai Quando o pH do sangue cai abaixo de 7,0, o sistema nervoso fica deprimido, a ponto de a pessoa ficar inicialmente desorien- tada, entrando posteriormente em estado de coma. Por conseguinte, os pacientes que falecem de acidose diabética, acidose urêmica ou outros tipos de acidose morrem geralmente em estado de coma. Na acidose metabólica, a concentração elevada de íons hidrogênio provoca aumento da frequência e da profundidade da respiração. Por conseguinte, um dos sinais diagnósticos da acidose metabólica é o aumento da ventilação pulmonar. Por outro lado, na acidose respiratória, a causa da acidose é a respiração deprimida que tem efeito oposto ao da acidose metabólica. Alcalose. O principal efeito clínico da alcalose é a hiperexcitabilidade do sistema nervoso. Isso ocorre tanto no sistema nervoso central quanto nos nervos periféricos; todavia, em geral, os nervos periféricos são afetados antes do sistema nervoso central. Algumas vezes, os nervos ficam tão excitáveis que disparam de modo automático e repetitivo, mesmo não sendo excitados por estímulos normais. Em conseqüência, os músculos entram em estado de tetania, o que significa estado de espasmo tónico. Em geral, essa tetania aparece inicialmente nos músculos do antebraço; a seguir, propaga-se para os músculos da face e, por fim, estende-se por todo o corpo. Os pacientes extremamente alcalóticos podem morrer por tetania dos músculos respiratórios. Em certas ocasiões, a pessoa alcalótica desenvolve sintomas graves de hiperexcitabilidade do sistema nervoso central. Os sintomas podem manifestar-se na forma de nervosismo extremo ou, em pessoas suscetí- veis, em forma de convulsões. Por exemplo, em pessoas com predispo- sição a ataques epilépticos, uma simples hiperventilação resulta quase sempre em crise. Na verdade, este é um dos métodos clínicos de avaliação do grau de predisposição epiléptica. COMPENSAÇÃO RESPIRATÓRIA DA ACIDOSE OU DA ALCALOSE METABÓLICA Anteriormente, assinalamos que a elevada concentração de íons hidrogênio na acidose metabólica provoca aumento da ventilação pulmo- 296 nar, o que, por sua vez, resulta na rápida remoção de dióxido de carbono nos líquidos corporais, com redução da concentração de íons hidrogênio até seu valor normal. Por conseguinte, esse efeito respiratório ajuda a compensar a acidose metabólica. Todavia, essa compensação é apenas parcial. Em geral, o sistema respiratório tem capacidade de compensar entre 50 e 75%. Isto é, se o fator metabólico fizer cair o pH do sangue para 7,0 com ventilação pulmonar normal, a freqüência de ventilação pulmonar normalmente aumenta o suficiente para fazer retornar o pH sanguíneo a 7,2 a 7,3, conforme assinalado antes neste capítulo. Observa-se o efeito oposto na alcalose metabólica. Isto é, a alcalose diminui a ventilação pulmonar, o que, por sua vez, aumenta a concentração de íons hidrogênio até seu valor normal. Nesse caso também pode ocorrer compensação de cerca de 50 a 75%. COMPENSAÇÃO RENAL DA ACIDOSE OU DA ALCALOSE RESPIRATÓRIA Se uma pessoa desenvolver acidose respiratória persistente por um longo período de tempo, os rins irão secretar excesso de íons hidrogênio, resultando em aumento do bicarbonato de sódio nos líquidos extracelulares. Depois de 1 a 6 dias, o pH dos líquidos corporais terá retornado a cerca de 65 a 75% de seu valor normal, mesmo que a pessoa continue a respirar inadequadamente. Observa-se um efeito exatamente oposto na alcalose respiratória. Ocorre perda de grandes quantidades de bicarbonato de sódio na urina, diminuindo o íon bicarbonato extracelular, fazendo com que o pH dimi- nua até quase atingir seu valor normal. FISIOLOGIA NO TRATAMENTO DA ACIDOSE OU ALCALOSE Obviamente, o melhor tratamento para a acidose ou alcalose consiste em remover a condição responsável pela anormalidade; todavia, se isto não for possível, podem-se utilizar diferentes medicamentos para neutra- lizar o excesso de ácido ou de álcali. Para neutralizar o excesso de ácido, podem-se ingerir grandes quanti- dades de bicarbonato de sódio por via oral. O bicarbonato de sódio é absorvido para a corrente sanguínea e aumenta a porção de íons bicarbonato do tampão bicarbonato, desviando, assim, o pH para o lado alcalino. Em certas ocasiões, o bicarbonato de sódio também é utilizado como terapia venosa; todavia, seu efeito fisiológico é muito acentuado e quase sempre perigoso, de modo que outras substâncias são quase sempre utilizadas em seu lugar, como o lactato de sódio ou o gliconato de sódio. As porções lactato e gliconato das moléculas são metabolizadas no organismo, deixando o sódio nos líquidos extracelulares sob a forma de bicarbonato de sódio, desviando, assim, o pH dos líquidos na direção alcalina. Para o tratamento da alcalose, administra-se quase sempre cloreto de amônio por via oral. Quando absorvido pelo sangue, a porção amônia do cloreto de amônio é convertida pelo fígado em uréia; essa reação libera ácido clorídrico que reage imediatamente com os tampões dos líquidos corporais, desviando a concentração de íons hidrogênio para o lado ácido. Em certas ocasiões, o cloreto de amônio é infundido por via venosa; todavia, o íon amônio é altamente tóxico, de modo que esse procedimento pode ser perigoso. Outra substância algumas vezes utilizada é o monocloridrato de Usina. DETERMINAÇÕES E ANÁLISES CLÍNICAS DAS ANORMALIDADES DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO Medida do pH. Ao avaliar um paciente com acidose ou alcalose, é conveniente conhecer o pH dos líquidos corporais. Essa determinação pode ser facilmente feita pela medida do pH do plasma com medidor de pH com eletródio de vidro. Todavia, é preciso ter muita cautela na retirada do plasma e na determinação, visto que até mesmo a menor difusão do dióxido de carbono do plasma para o ar desvia o sistema tampão bicarbonato na direção alcalina, resultando em valor muito elevado do pH. Diagrama pH-bicarbonato. O denominado diagrama pH- bicarbonato, ilustrado na Fig. 30.9, pode ser utilizado para determinar o tipo e a gravidade da acidose ou da alcalose. Seu uso pode ser explicado como se segue. Fig. 30.9 O diagrama do pH-bicarbonato para a determinação dos graus relativos de acidose ou alcalose metabólica e respiratória num paciente. (Modificado de Davenport: The ABC of Acid-Base Chemistry. Chicago, The University of Chicago Press. Copyright 1947, 1949, 1950, 1958, 1969, 1974 by The University of Chicago. Todos os direitos reservados. As curvas mais verticais do diagrama apresentam diferentes concen- trações de dióxido de carbono. A concentração normal de dióxido de carbono de 1,2 mmol/l é indicada pela linha colorida (equivalente a Pco2 de 40 mm Hg). Os pontos ao longo dessa linha representam as possíveis combinações da concentração do bicarbonato e do pH que podem existir nos líquidos corporais quando a concentração de dióxido de carbono é normal. As linhas mais horizontais apresentam as concentrações dos ácidos ou das bases metabólicas em excesso nos líquidos corporais. A linha colorida, indicada pelo número zero, mostra o equilíbrio entre ambos. Isto é, os pontos ao longo dessa linha representam as possíveis combi- nações entre a concentração de bicarbonato e o pH passíveis de ocorrer enquanto os ácidos e as bases metabólicas dos líquidos corporais estive- rem normais. As duas linhas horizontais superiores indicam, respectiva- mente, acréscimos de 5 a 10 mmol/l de base metabólica adicional aos líquidos corporais, enquanto as duas linhas horizontais inferiores indicam acréscimos de 5 a 10 mmol/l de ácido metabólico. Para utilizar esse diagrama, determinamos simplesmente o pH do sangue e a concentração do bicarbonato; a seguir, registra-se o ponto apropriado no diagrama. Por exemplo, se o pH tiver o valor normal de 7,4, e a concentração de bicarbonato, o valor normal de 25 mmol/l, registramos o ponto A, que representa a condição normal. Utilizando dados obtidos de outro paciente, estabelecemos um novo ponto de pH de 7,63, bem como uma concentração de bicarbonato de 28 mmol/l. Este é o ponto B no diagrama, que representa concentração de dióxido de carbono de 0,8 mmol/l e 7 mM/1 de base metabólica adicional. Por conseguinte, essa pessoa apresenta alcalose metabólica, devido ao considerável excesso de base metabólica nos líquidos corporais; todavia, também apresenta alcalose respiratória, devido à hiperventilação que faz com que a concentração de dióxido de carbono seja considera- velmente inferior ao normal. De forma semelhante, com base nos dados de outros pacientes, estabelecemos os pontos C, D e E. O ponto C representa 6 mmol/l de acidose metabólica e alcalose respiratória suficiente para reduzir a concentração de dióxido de carbono para 0,7 mmol/l. Uma pessoa com resultado deste tipo pode ter alcalose respiratória que foi parcialmente compensada pela acidose metabólica produzida pelos rins. O ponto D representa acidose metabólica leve, 2 mmol/l, combinada com acidose respiratória grave. Uma pessoa pode chegar a esse estado com acidose respiratória primária grave e acidose metabólica leve resul- tante de alguma outra causa. O ponto E representa acidose respiratória leve e alcalose metabólica grave. Presume-se que, nesse caso, a alcalose metabólica tenha sido primária, tendo a compensação respiratória causado acidose respiratória leve na tentativa de compensar a alcalose metabólica. Em resumo, ao utilizar o diagrama de pH-bicarbonato, podemos 297 determinar ao mesmo tempo o grau de acidose ou alcalose metabólica e o grau de acidose ou alcalose respiratória no paciente. REFERENCIAS Aickin, C. C: Intracellular pH regulation by vertebrate muscle. Annu Rev. Physiol., 48:349, 1986. Aronson, P. S.: Kinetic properties of the plasma membrane Na+-H+ eichanger. Annu. Rev. Physiol., 47:545, 1985. Brenner, B. M., and Rector, F. C, Jr.: The Kidney, 3rd Ed. Philadelphia, W. B. 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Physiol., 47:127, 1985. 298 CAPÍTULO 31 Doença Renal, Diurese e Micção DOENÇA RENAL A doença renal pode ser classificada em cinco categorias fisiológicas diferentes: (1) insuficiência renal aguda, em que os rins cessam de funcio- nar por completo ou quase totalmente, (2) insuficiência renal crônica, quando ocorre destruição progressiva dos néfrons até chegar ao estágio em que os rins simplesmente se tornam incapazes de desempenhar todas as funções necessárias, (3) doença renal hipertensiva, em que as lesões vasculares ou glomerulares provocam hipertensão, mas não insuficiência renal, (4) síndrome nefrótica, em que os glomérulos se tornam mais permeáveis do que o normal, com a conseqüente perda de grandes quanti- dades de proteínas pela urina, e (5) anormalidades tubulares específicas, que resultam em reabsorção anormal ou falta de reabsorção de certas substâncias pelos túbulos. INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA Quase toda condição capaz de interferir seriamente na função renal pode causar insuficiência renal aguda. Duas das causas mais comuns são (l) a glomerulonefrite aguda e (2) a lesão e obstrução agudas dos túbulos. Insuficiência renal causada por glomerulonefrite aguda. A glomerulonefrite aguda é uma doença causada por reação imune anormal. Em cerca de 95% dos pacientes, surge dentro de 1 a 3 semanas após uma infecção em outra parte do organismo, causada por certos tipos de estreptococos beta do grupo A. A infecção pode ser uma faringite estrepto-cócica, uma amigdalite estreptocócica ou até mesmo uma infecção estreptocócica da pele. Não é a infecção em si que provoca a lesão dos rins. Com efeito, à medida que surgem anticorpos contra o antígeno estreptocócico dentro de poucas semanas após o início da infecção, acredita-se que os anticorpos e o antígeno reajam entre si para formar um complexo imune insolúvel que fica retido no glomérulo, sobretudo na membrana basal do glomérulo. Uma vez depositado o complexo imune nos glomérulos, todas as células glomerulares começam a proliferar, porém principalmente as células epiteliais e as células mesangiais situadas entre o endotélio e o epitélio. Além disso, grande número de leucócitos fica retido nos glomérulos. Muitos dos glomérulos são totalmente bloqueados por essa reação inflamatória, e os que não estão bloqueados costumam ficar excessivamente permeáveis, permitindo o extravasamento de proteínas e eritrócitos para o filtrado glomerular. Em alguns dos casos mais graves, ocorre insuficiência renal total ou quase total. Em geral, a inflamação aguda dos glomérulos cede em 10 dias a 2 semanas, e, na maioria dos pacientes, os rins readquirem sua função normal dentro de poucas semanas a alguns meses. Todavia, algumas vezes, muitos dos glomérulos são destruídos de forma irreversível, e, em pequena percentagem de pacientes, a deterioração renal progressiva prossegue indefinidamente, de forma semelhante à descrita em seção subseqüente no caso da glomerulonefrite crônica. Necrose tubular como causa de insuficiência renal aguda. Outra causa comum de insuficiência renal aguda é a necrose tubular, que define a destruição das células epiteliais nos túbulos, conforme ilustrado na Fig. 31.1. As causas comuns de necrose tubular são (1) vários venenos que destroem as células epiteliais tubulares e (2) a isquemia aguda grave dos rins. Venenos renais. Dentre as diferentes substâncias tóxicas renais desta- cam-se o tetracloreto de carbono e os metais pesados, como o íon mercú- rio. Essas substâncias possuem ação nefrotóxica específica sobre as célu- las epiteliais tubulares, causando a morte de muitas delas. Em conse- qüência, as células epiteliais destacam-se da membrana basal e causam obstrução dos túbulos. Em alguns casos, a membrana basal também é destruída; se não o for, novas células epiteliais tubulares podem geral- mente crescer ao longo da superfície da membrana, de modo que o túbulo é reparado dentro de 10 a 20 dias. isquemia renal aguda grave. A isquemia grave do rim resulta prova- velmente de choque circulatório grave. No choque, o coração simples- mente não consegue bombear quantidades suficientes de sangue para suprir a nutrição adequada das diferentes partes do organismo; o fluxo sanguíneo renal, em particular, tende a ser vulnerável devido à constrição simpática dos vasos renais ou devido à presença de substâncias vasoconstritoras no sangue dos pacientes em estado de choque (Cap. 24). Fig. 31.1 Lesão dos túbulos distais em conseqüência de choque. (Modificado de MacLean: Acute Renal Failure. Springfield, III., Charles C Thomas.) 299 Por conseguinte, a falta de nutrição adequada quase sempre destrói numerosas células epiteliais tubulares, com a conseqüente obstrução de muitos néfrons. Reação transfusional como causa de insuficiência renal aguda. A ocorrência de reação transfusional grave resulta geralmente em hemólise de grandes quantidades de eritrócitos, com liberação de hemoglobina no plasma. O tamanho da molécula de hemoglobina é um pouco menor que o dos poros existentes na membrana glomerular, de modo que grande parte da hemoglobina atravessa essa membrana e penetra no filtrado glomerular. Por conseguinte, após a ocorrência de reação transfusional, a carga tubular de hemoglobina quase sempre é muito maior do que a que pode ser reabsorvida pelos túbulos proximais. O excesso de hemo- globina fica concentrado a ponto de poder precipitar no interior do néfron, causando bloqueio. Além disso, a hemólise dos eritrócitos tam- bém libera provavelmente agentes vasoconstritores na corrente sangüínea, e acredita-se que a vasoconstrição possa determinar suprimento sanguíneo deficiente para os túbulos, atuando como causa adicional de lesão tubular. Efeitos fisiológicos da insuficiência renal aguda Quando o grau de insuficiência renal aguda é moderado, o principal efeito fisiológico consiste na retenção de sal e de água. A princípio, os tecidos ficam edemaciados, mas o indivíduo apresenta poucos outros sintomas. Todavia, em poucos dias, o paciente também desenvolve hiper- tensão, geralmente com aumento de 30 a 40 mm Hg na pressão arterial; em geral, isso prossegue até haver resolução da insuficiência renal aguda. Nos casos mais graves, verifica-se o aparecimento de retenção urê- mica de produtos de degradação, e, em pouco tempo, surge acidose. Na insuficiência renal completa sem tratamento, o paciente morre dentro de 8 a 14 dias. Outros efeitos da retenção renal serão discutidos na seção seguinte. INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA - DIMINUIÇÃO DO NÚMERO DE NÉFRONS FUNCIONAIS Em muitos tipos de doença renal, grande número de néfrons é destruído ou lesado a ponto de os néfrons remanescentes não conse- guirem desempenhar as funções normais do rim. Algumas das diferentes causas desse processo incluem a glomerulonefrite crônica, a perda traumá- tica de tecido renal, ausência congênita de tecido renal, doença policística congênita (na qual se verifica o desenvolvimento de grandes cistos nos rins que destroem os néfrons adjacentes por compressão), obstrução das vias urinárias devido a cálculos renais, pielonefrite e doença da vascu- latura renal. Glomerulonefrite crônica. A glomerulonefrite crônica é causada por qualquer uma das várias doenças que lesam principalmente os glomérulos e quase sempre os túbulos. Em geral, a lesão glomerular básica é muito semelhante à que ocorre na glomerulonefrite aguda. Parece surgir com o acúmulo de complexos de antígeno-anticorpo precipitados na membrana glomerular, embora só em poucos casos esse processo seja decorrente de alguma infecção estreptocócica. O resultado é a inflamação dos glomérulos. A membrana glomerular sofre espessamento progressivo, sendo eventualmente invadida por tecido fibroso. Nos últimos estágios da doença, o coeficiente de filtração glomerular fica acentuadamente reduzido, devido ao menor número de capilares filtrantes nos tufos glomerulares e devido ao espessamento das membranas glomerulares. Nos estágios terminais da doença, muitos dos glomérulos estão totalmente substituídos por tecido fibroso, de modo que ocorre perda irreversível da função desses néfrons. Pielonefrite. A pielonefrite é um processo infeccioso e inflamatório que costuma ter início na pelve renal, estendendo-se progressivamente para o parênquima renal. A infecção pode resultar de numerosos tipos diferentes de bactérias, mas é causada principalmente por bacilos colôni- cos que se originam da contaminação fecal das vias urinárias. A invasão dos rins por essas bactérias resulta em destruição progressiva dos túbulos renais, glomérulos e quaisquer outras estruturas no trajeto dos microrga- nismos invasores. Conseqüentemente, verifica-se a perda de grandes porções de tecido renal funcionante. Um aspecto particularmente interessante da pielonefrite é que a infecção invasora costuma afetar mais a medula do que o córtex renal. Como uma das funções primárias da medula é proporcionar o mecanismo de contracorrente para concentrar a urina, os pacientes portadores de pielonefrite quase sempre apresentam função renal razoavelmente nor- mal, à exceção de sua menor capacidade de concentrar a urina. Destruição de néfrons por doença vascular renal — nefrosclerose benigna. Muitos tipos diferentes de lesões vasculares podem resultar em isquemia renal e morte do tecido renal; as mais comuns incluem (1) aterosclerose das artérias renais mais calibrosas, com constrição esclerótica progressiva dos vasos; (2) hiperplasia fibromuscular de uma ou mais artérias de grande calibre, causando também oclusão desses vasos calibrosos; e (3) nefrosclerose benigna, uma afecção muito comum causada por lesões escleróticas das artérias de menor calibre e arteríolas. As lesões arterioscleróticas ou hiperplásicas das artérias mais calibro- sas afetam quase sempre mais um rim do que o outro e, por conseguinte, causam diminuição unilateral da função renal. Acredita-se que a nefrosclerose benigna comece com o extravasa- mento de plasma através da membrana íntima das artérias de pequeno calibre e arteríolas. Isso determina o aparecimento de depósitos fibrinói- des na média desses vasos, sendo o processo seguido pela invasão progres- siva de tecido fibroso que eventualmente provoca constrição do vaso — ocluindo-o por completo em muitos casos. Como não existe pratica- mente circulação colateral entre as artérias renais de menor calibre, a destruição de uma delas também determina a destruição de número comparável de néfrons. Por conseguinte, grande parte do tecido renal é substituída por pequenas áreas de tecido fibroso; os rins diminuem acentuadamente de tamanho e desenvolvem progressivamente uma superfície nodular. Esse processo é observado, pelo menos até certo ponto, na maioria dos indivíduos de idade avançada, causando redução progressiva do fluxo sanguíneo renal e da depuração plasmática renal. A Fig. 31.2 ilustra a depuração de Diodrast pelos rins (medida do fluxo plasmático renal, como a depuração de PAH) de indivíduos normais sob os demais aspectos, em diferentes faixas etárias. Observe que, até mesmo na pessoa "normal", o fluxo plasmática renal diminui, em média, por cerca de 45% do normal por volta dos 80 anos de idade, com redução concomitante da função excretora. Função anormal do néfron na insuficiência renal crônica Incapacidade dos rins com insuficiência de manter os constituintes sanguíneos normais. Normalmente, apenas um terço do número normal de néfrons é capaz de eliminar do organismo praticamente toda a "carga" normal de produtos de degradação sem acúmulo significativo de qualquer um deles nos líquidos corporais. Todavia, a ocorrência de maior redução no número de néfrons resulta em retenção, em particular, dos produtos de degradação que dependem de alta intensidade de filtração glomerular para sua excreção. Os mais proeminentes desses produtos são a uréia e a creatinina. Em geral, ocorre morte quando o número de néfrons cai para menos de 5 a 20% do normal. Função dos néfrons remanescentes na insuficiência renal — aumento paradoxal do débito de volume urinário. Na insuficiência renal, os néfrons que ainda funcionam costumam ficar extremamente sobrecarregados, de diversas maneiras. Em primeiro lugar, por razões pouco compreen- Fig. 31.2 Efeito do envelhecimento sobre a depuração de Diodrast pelos rins. (Modificado de Wolstenholme et ai.: Ciba Foundation Colloquia on Ageing. Boston, Little, Brown and Co.) 300 didas, o fluxo sanguíneo pelo glomérulo e a quantidade de filtrado glome- rular que cada néfron forma quase sempre aumentam de 50 a 100%. Em segundo lugar, grandes quantidades adicionais de substâncias a serem excretadas, como uréia, fosfatos, sulfatos, ácido úrico e creatinina, acu- mulam-se no líquido extracelular. Essas substâncias representam cargas tubulares extremamente aumentadas que são pouco reabsorvidas, atin- gido algumas vezes até 1.000% por néfron. Por conseguinte, apenas pequena fração dos solutos tubulares é reabsorvida, e os solutos restantes atuam como diurético osmótico, resultando no rápido escoamento do líquido tubular pelos túbulos. Conseqüentemente, o volume de urina formado em cada néfron pode aumentar e atingir 20 vezes o valor normal; em certas ocasiões, a pessoa pode ter débito urinário total de duas a três vezes o valor normal, apesar da significativa insuficiência renal. Essa situação paradoxal é ocasionada por aumento do débito de volume urinário por néfron, maior que a redução do número de néfrons. Isostenúria. Outro efeito do rápido fluxo de líquido pelos túbulos é que os mecanismos normais de concentração e de diluição dos rins deixam de funcionar adequadamente. Isso ocorre principalmente devido ao fluxo demasiado rápido do líquido tubular pelos dutos coletores, impedindo que ocorra absorção adequada de água. Por conseguinte, à medida que ocorre destruição progressiva de mais néfrons, a densidade da urina aproxima-se daquela do filtrado glomerular, que é de cerca de 1,008. Esses efeitos estão ilustrados na Fig. 31.3, que fornece os limites superiores e inferiores aproximados da densidade urinária à medida que o número de néfrons diminui. Como o mecanismo de concentração é mais afetado do que o mecanismo de diluição, prova importante da função renal consiste em determinar até que ponto os rins conseguem concentrar a urina quando a pessoa está desidratada por 12 horas ou mais. Efeitos da insuficiência renal sobre os líquidos corporais - uremia O efeito da insuficiência renal sobre os líquidos corporais depende, em grande parte, da ingestão de água e de alimentos. Admitindo-se que a pessoa continue a ingerir quantidades moderadas de água e de alimentos após insuficiência renal completa, as mudanças da concentração de dife- rentes substâncias no líquido extracelular são aproximadamente as indica- das na Fig. 31.4. Os efeitos mais importantes incluem: (1) edema genera- lizado, resultante da retenção de água e de sal; (2) acidose, devido à incapacidade dos rins de remover os produtos ácidos normais do orga- nismo; (3) concentrações elevadas de nitrogênio não-protéico, especial- mente uréia, creatinina e ácido úrico, devido à incapacidade do organismo de excretar os produtos metabólicos finais das proteínas; e (4) altas concentrações de outros produtos de retenção urinária, incluindo fenóis, bases de guanidina, sulfatos, fosfatos e potássio. Essa condição é conhe- cida como uremia, devido às concentrações elevadas de uréia nos líquidos corporais. Retenção de água e edema. Se o tratamento para a restrição da ingestão de água for iniciado imediatamente após a insuficiência renal aguda, poderá não haver qualquer alteração do conteúdo total dos líqui- dos corporais. Todavia, quando o paciente ingere água em resposta Fig. 31.3 Desenvolvimento de isostenúria em pacientes com número reduzido de néfrons ativos. Fig. 31.4 Efeito da insuficiência renal sobre os constituintes do líquido extracelular. ao desejo normal, os líquidos corporais começam a aumentar imediata- mente e com rapidez. Se, ao mesmo tempo, o paciente não ingerir qualquer eletrólito, até metade da água pode penetrar nas células, e não no líquido extracelular. Acidose na insuficiência renal. Em condições normais, os processos metabólicos do organismo produzem diariamente 50 a 80 mmol a mais de ácido metabólico do que de substâncias alcalinas. Por conseguinte, toda vez que os rins deixam de funcionar, o ácido começa a se acumular nos líquidos corporais. Normalmente, os tampões dos líquidos podem tamponar até um total de 500 a 1.000 mmol de ácido sem queda letal do pH do líquido extracelular, e os compostos fosfatos existentes nos ossos podem tamponar alguns milhares de milimoles adicionais; todavia, essa capacidade de tamponamento é gradualmente utilizada, de modo que o pH cai de maneira drástica. O paciente fica comatoso nesse estágio, devido principalmente à acidose, conforme discutido adiante. Aumento da uréia e de outros nitrogênios não-protéicos (azotemia) na uremia. Os nitrogênios não-protéicos incluem a uréia, o ácido úrico, a creatinina e alguns compostos menos importantes. Em geral, trata-se dos produtos finais do metabolismo protéico, que devem ser continuamente removidos do organismo, para assegurar o metabolismo contínuo das proteínas nas células. As concentrações desses produtos, em particular a da uréia, podem atingir até 10 vezes o valor normal durante 1 a 2 semanas de insuficiência renal. Todavia, mesmo esses elevados níveis não parecem afetar tanto a função fisiológica quanto o fazem as altas concentrações de íons hidrogênio e de algumas das outras substâncias menos evidentes, como as bases de guanidina, muito tóxicas, íons amônio e outros. Contudo, uma das maneiras mais importantes de se avaliar o grau de insuficiência renal consiste em determinar as concentrações de uréia e creatinina. Coma urêmico. Depois de 1 semana ou mais de insuficiência renal, o sensório fica obnubilado, e o paciente logo evolui para o estado de coma. Acredita-se que a acidose seja o principal fator responsável pelo coma, visto que a acidose causada por outras condições, como diabetes melito grave, também resulta em coma. Todavia, muitas outras anormalidades também podem contribuir — o edema generalizado, as elevadas concentrações de potássio e, possivelmente, até mesmo as concentrações elevadas de nitrogênio não- protéico. Em geral, a respiração é rápida e profunda no coma, representando a tentativa respiratória de compensar a acidose metabólica. Além disso, no último dia antes da morte, a pressão arterial cai de modo progressivo e, a seguir, rapidamente nas últimas horas. Em geral, a morte sobrevêm quando o pH do sangue cai para cerca de 6,8. Anemia na insuficiência renal crônica. O paciente com insuficiência renal crônica grave quase sempre desenvolve anemia grave. A causa provável dessa anemia é a seguinte: em condições normais, os rins secretam a substância eritropoetina que, por sua vez, estimula a medula óssea a produzir eritrócitos. Obviamente, se os rins estiverem gravemente lesados, serão incapazes de formar quantidades adequadas de eritropoetina, do que resulta diminuição da produção de eritrócitos, com conseqüente desenvolvimento de anemia. Todavia, outros fatores, como as elevadas concentrações plasmáticas de uréia, 301 íons hidrogênio e outros produtos de degradação, também podem desempenhar papéis importantes no desenvolvimento da anemia. Osteomalacia na insuficiência renal. A insuficiência renal prolongada também causa osteomalacia, condição em que os ossos são parcialmente absorvidos e, por conseguinte, acentuadamente enfraquecidos, conforme explicado em relação à fisiologia do osso no Cap. 79. A causa mais importante dessa condição é a seguinte: a vitamina D deve ser convertida por um processo em duas etapas — a primeira no fígado e a segunda no rim — em 1,25-diidroxicolecalciferol antes que seja capaz de promover a absorção de cálcio pelo intestino. Por conseguinte, a lesão grave dos rins reduz acentuadamente a disponibilidade de cálcio para os ossos. Diálise de pacientes com rim artificial Os rins artificiais têm sido utilizados por quase 40 anos para tratar pacientes portadores de insuficiência renal grave. Em certos tipos de insuficiência renal aguda, como a que ocorre após intoxicação por mercú- rio ou após choque circulatório, o rim artificial é utilizado simplesmente para manter o paciente por algumas semanas até haver resolução da lesão renal, de modo que os rins possam reassumir sua função. Todavia, na atualidade, o rim artificial foi desenvolvido a tal ponto que milhares de pessoas com insuficiência renal permanente ou até mesmo submetidas a remoção total dos rins vêm sendo mantidas com saúde por vários anos, suas vidas dependendo totalmente do rim artificial. O princípio básico do rim artificial consiste em fazer passar o sangue por minúsculos canais sanguíneos envolvidos por uma delgada mem- brana. No outro lado da membrana encontra-se um líquido dialisador pelo qual as substâncias indesejáveis no sangue passam por difusão. A Fig. 31.5 ilustra os componentes de um tipo de rim artificial no qual o sangue flui continuamente entre duas membranas finas de celofane; no lado externo das membranas encontra-se o líquido dialisa- dor. O celofane é poroso o suficiente para permitir que todos os consti- tuintes do plasma, à exceção das proteínas plasmáticas, sofram difusão em ambas as direções — do plasma para o líquido de diálise e deste para o plasma. Se a concentração de uma substância for maior no plasma do que no líquido de diálise, haverá transferência efetiva da substância do plasma para o líquido de diálisa. A quantidade da substância que é transferida depende (1) das características de permeabilidade da mem- brana, bem como de sua área de superfície; (2) da diferença entre as concentrações nos dois lados da membrana; (3) do tamanho molecular, sendo a difusão das moléculas menores mais rápida que a das maiores; e (4) do período de tempo em que o sangue e o líquido permanecem em contato com a membrana. Durante o funcionamento normal do rim artificial, o sangue flui continuamente ou de modo intermitente para uma veia. A quantidade total de sangue no rim artificial, a qualquer momento, costuma ser infe- rior a 500 ml; a velocidade do fluxo pode ser de várias centenas de mililitros por minuto, e a superfície difusora total costuma ser de 0,6 a 2,5 m;. Para evitar a coagulação do sangue no rim artificial, uma pequena quantidade de heparina é infundida no sangue quando ele pene- tra no "rim". Líquido de diálise. O Quadro 31.1 compara os constituintes de líqui- do dialisador típico com os do plasma normal e do plasma urêmico. Observe que as concentrações dos íons e de outras substâncias no líquido de diálise não são iguais às do plasma normal ou do plasma urêmico. Com efeito, são ajustadas até os níveis necessários para permitir o movi- mento apropriado de água e de cada soluto através da membrana durante o período de diálise. Observe também que não há fosfato, uréia, urato, sulfato ou creati- nina no líquido de diálise, enquanto estão presentes em altas concen- trações no sangue urêmico. Por conseguinte, quando o paciente urêmico é submetido a diálise, essas substâncias são perdidas em grandes quanti dades para o líquido de diálise, com a conseqüente remoção de grandes proporções dessas substâncias do plasma. Eficiência do rim artificial. A eficiência de um rim artificial é expressa em termos da quantidade de plasma que pode ser depurada de diferentes substâncias a cada minuto, o que, como foi visto no Cap. 27, também constitui o principal meio de expressar a eficiência funcional dos próprios rins. A maioria dos rins artificiais é capaz de depurar a uréia de 100 a 225 ml de plasma por minuto, o que mostra que, pelo menos no que diz respeito à excreção dessa substância, o rim artificial pode funcionar com velocidade cerca de duas vezes maior que a dos dois rins normais, cuja depuração da uréia é de apenas 70 ml/min. Fig. 31.5 Princípios do rim artificial. 302 Quadro 31.1 Comparação do líquido de diálise com o plasma normal Plasma Líquido de Plasma Constituinte normal diálise urêmico Eletrólitos (mEq/1) Na+ 142 133 142 5 1,0 7 Ca (t 3 3,0 2 Mg++ 1,5 1,5 1,5 ci- 107 105 107 HCO3 27 35,7 14 Lactato 1,2 1,2 1,2 HPO4 3 0 9 Urato 0,3 0 2 Sulfato 0,5 0 3 Não-eletrólitos (mg/dl) Glicose 100 125 100 Uréia 26 0 200 Creatinina 1 0 6 Todavia, o rim artificial normalmente só é utilizado durante 4 a 6 horas, três vezes por semana. Por conseguinte, a depuração plasmática total ainda é consideravelmente limitada quando o rim artificial substitui os rins normais. DOENÇA RENAL HIPERTENSIVA Muitos dos mesmos tipos de doença renal que levam à insuficiência renal crônica também podem causar hipertensão. Todavia, isso nem sempre é verdade, visto que a lesão de certas regiões do rim tende a causar hipertensão, enquanto a lesão de outras porções provoca uremia sem hipertensão. A seguir, apresentamos uma classificação da doença renal com base nos seus efeitos hipertensivos ou não-hipertensivos. Lesões renais hipertensivas. Praticamente todas as lesões renais que levam a redução do fluxo sanguíneo ou da filtração glomerular por néfron causam hipertensão. Essas duas condições tendem a produzir retenção de sal e de água, resultando eventualmente em hipertensão {ver Cap. 19). Uma vez desenvolvida a hipertensão, a intensidade da filtração glomerular pode normalizasse por completo. Se todos os túbulos estive- rem normais, o filtrado é, então, processado normalmente nesses túbulos, de modo que a excreção urinária pode ser totalmente normal, podendo não haver qualquer sinal de insuficiência renal. Doenças renais que levam a insuficiência renal, mas que podem não causar hipertensão. A perda de grande número de néfrons, como a que ocorre devido à perda de um rim e parte de outro rim, resulta sempre em insuficiência renal se a quantidade de tecido renal perdida tiver sido suficientemente grande. Todavia, se os néfrons remanescentes estiverem totalmente normais, essa condição quase sempre não irá produzir hipertensão, visto que até mesmo ligeira elevação da pressão arterial aumentará a intensidade da filtração glomerular o suficiente para promover a rápida perda de água e sal na urina — mesmo em presença de poucos néfrons. Por outro lado, o paciente com esse tipo de anormalidade renal, que ingere grandes quantidades de sal, desenvolverá hipertensão muito grave, visto que os rins simplesmente não conseguem depurar quantidades adequadas de sal nessas condições. Hipertensão causada pela secreção renal de renina. Quando parte da massa renal está isquêmica, e o restante não (tal como ocorre quando se verifica a constrição acentuada de uma artéria renal), o tecido renal isquêmico secreta grandes quantidades de renina. Essa secreção leva à formação de angiotensina II que, por sua vez. determina o desenvolvimento de hipertensão. Conforme discutido no Cap. 19, a causa mais provável de hipertensão crônica é: (1) o tecido renal isquêmico excreta quantidades de água e de sal menores do que o normal e (2) a angiotensina afeta o tecido renal nâo-isquêmico, causando retenção de água e de sal. (No passado, muitos fisiologistas acreditaram que a hipertensão resultava da vasoconstrição periférica induzida pela angiotensina. Todavia, experimentos recentes demonstraram de modo quase conclusivo que este não é o caso, conforme discutido no Cap. 19. De fato, a concentração sangüínea de angiotensina costuma estar muito baixa para causar vasoconstrição periférica significativa, mas pode afetar acentuadamente a excreção renal de sal.) SÍNDROME NEFRÓTICA - AUMENTO DA PERMEABILIDADE GLOMERULAR Grande número de pacientes com doença renal desenvolve a denomi- nada síndrome nefrótica, caracterizada, em particular, pela perda de grandes quantidades de proteínas plasmáticas na urina. Em alguns casos, esse processo ocorre sem qualquer sinal de outra anormalidade da função renal; todavia, com mais freqüência, encontra-se associado a certo grau de insuficiência renal. A causa da perda de proteína na urina reside na maior permea- bilidade da membrana glomerular. Por conseguinte, qualquer patologia capaz de aumentar a permeabilidade dessa membrana pode causar a síndrome nefrótica. Essas doenças incluem a glomerulonefrite crônica (na discussão anterior, foi assinalado que essa doença afeta primaria- mente os glomérulos e quase sempre determina aumento pronunciado da permeabilidade da membrana glomerular); a amiloidose, que resulta da deposição de uma substância proteinóide anormal nas paredes dos vasos sanguíneos, com grave lesão da membrana basal do glomérulo, e síndrome nefrótica com alterações mínimas, uma doença observada principalmente em crianças de pouca idade. Síndrome nefrótica por "alteração mínima". Na denominada síndro- me nefrótica por alteração mínima, raramente se pode detectar qualquer anormalidade da membrana glomerular ao microscópio óptico. Todavia, com técnicas especiais, foi constatado que a carga elétrica negativa nor- malmente apresentada pela membrana glomerular está reduzida ou au- sente. Além disso, estudos imunológicos revelam reações imunes anor- mais em alguns casos, sugerindo que a perda da carga negativa pode ser resultado do ataque da membrana por anticorpos. A perda da carga negativa permite a fácil passagem de proteínas, em particular albumina, através da membrana glomerular; com efeito, convém lembrar que essa carga negativa afasta normalmente as moléculas de proteínas plasmáticas de carga negativa, constituindo um dos princi- pais meios para impedir o extravasamento das proteínas na urina. A síndrome nefrótica por alteração mínima ocorre principalmente em crianças entre 2 e 6 anos de idade, porém também é observada ocasionalmente em adultos. O acentuado aumento da permeabilidade da membrana glomerular permite, algumas vezes, perda diária de até 40 gde proteínas plasmáticas na urina, representando quantidade extrema para uma criança de pouca idade. Por conseguinte, as proteínas plasmáticas caem quase sempre para menos de 2 mg/dl, enquanto a pressão coloidosmótica cai de seu valor normal de 28 mm Hg para 6 a 8 mm Hg. Em conseqüência, os capilares sanguíneos de todo o corpo perdem enormes quantidades de líquido para os tecidos, causando edema hipoprotéico muito grave. Mes- mo na criança de pouca idade, ocorre algumas vezes acúmulo de até 10 1 de líquido tecidual adicional, bem como 10 1 de ascite no abdome. Além disso, ocorre edema das articulações, e a cavidade pleural e o pericárdio podem ficar parcialmente repletos de líquido. Cerca de 90% dessas crianças respondem satisfatoriamente à admi- nistração de esteróides glicocorticóides, que alteram certos tipos de anor- malidades imunológicas. Todavia, os mecanismos celulares do efeito glicocorticóide não estão elucidados. Em todos os tipos de nefrose em que a concentração plasmática de albumina cai para valores muito baixos, aparecem grandes quantidades de lipídios no plasma sanguíneo, com aumento pronunciado do colesterol sanguíneo. Acredita-se que a causa resida em efeito direto dos baixos níveis plasmáticos de albumina sobre o fígado, aumentando a produção das lipoproteínas plasmáticas. DISTÚRBIOS TUBULARES ESPECÍFICOS Na discussão sobre reabsorção e secreção ativas pelos túbulos no Cap. 27, foi assinalado que o transporte de diferentes substâncias é efetuado por mecanismos distintos de transporte. No Cap. 3, também foi frisado que cada enzima celular e cada proteína transportadora são formadas em resposta a um gene respectivo no núcleo. Se qualquer gene necessário estiver ausente ou anormal, os túbulos podem tornar-se 303 deficientes em uma das enzimas ou transportadores adequados. Por essa razão, sabe-se que ocorrem muitos distúrbios tubulares específicos dife- rentes para o transporte de grupos individuais ou especiais de substâncias através da membrana tubular. Praticamente, todos esses distúrbios são hereditários. No presente capítulo, consideraremos alguns dos mais im- portantes. Glicosúria renal. Nessa condição, o nível de glicemia pode estar totalmente normal, mas o mecanismo de transporte para a reabsorção de glicose está acentuadamente limitado ou ausente. Conseqüentemente, a despeito da glicemia normal, grandes quantidades de glicose passam diariamente para a urina. Como um dos testes para o diabetes melito (que resulta da ausência de secreção de insulina pelo pâncreas) é a presença de glicose na urina, é preciso sempre excluir a glicosúria renal (condição benigna que praticamente não causa disfunção do organismo) antes de se estabelecer o diagnóstico de diabetes melito. Excesso de reabsorção tubular proximal de íon urato — causa da gota. Os íons urato representam um dos importantes produtos da degradação do metabolismo celular. Por conseguinte, é importante remover qualquer excesso desse íon dos líquidos corporais. Entretanto, por razões desconhecidas, os túbulos renais têm capacidade de secretar ativamente o íon urato e de reabsorvê-lo também ativamente. O processo de reabsorção ativa ocorre nos túbulos proximais. Num pequeno subgrupo de indivíduos, essa reabsorção é francamente ativa e resulta em elevação persistente do íon urato no líquido extracelular. Acima de uma concentração crítica, o urato se precipita em muitos tecidos sob forma de cristais de ácido tirico. Ocorre precipitação especialmente nas articulações, resultando na síndrome clínica da gota, um tipo de artrite inflamatória capaz de afetar simultaneamente múltiplas articulações. Diabetes insípido nefrogênico. Em certas ocasiões, os túbulos renais não respondem ao hormônio antidiurético secretado pelo sistema supra-óptico-hipofisário; como conseqüência, verifica-se a excreção contínua de grandes quantidades de urina diluída. Enquanto a pessoa receber quantidades suficientes de água, essa condição raramente provoca qualquer dificuldade grave. Entretanto, quando ela não dispõe de quantidades adequadas de água, torna-se rapidamente desidratada. Àcidose metabólica causada pela incapacidade dos túbulos de secretar íons hidrogênio. Nessa condição, o indivíduo é incapaz de secretar quantidades adequadas de íons hidrogênio; como conseqüência, verifica-se perda contínua de grandes quantidades de bicarbonato de sódio na urina, por razões que foram discutidas no capítulo anterior. Esse processo determina um estado permanente de acidose metabólica. Todavia, uma terapia de reposição adequada, com administração contínua de álcali, pode manter a função corporal normal. Hipofosfatemia renal. Na hipo fosfate mi a renal, os túbulos renais não conseguem reabsorver quantidades adequadas de íons fosfato, mes- mo quando a concentração de fosfato dos líquidos corporais cai para valores muito baixos. Essa condição não causa qualquer anormalidade imediata grave, visto que o nível de fosfato dos líquidos extracelulares pode variar muito sem que haja disfunção celular significativa. Todavia, no decorrer de longo período de tempo, o baixo nível de fosfato resulta em menor calcificação dos ossos, com conseqüente desenvolvimento de raquitismo. Além disso, esse tipo de raquitismo é refratário à terapia com vitamina D, contrastando com a rápida resposta do tipo comum de raquitismo, discutido no Cap. 79. Aminoacidúria. Alguns aminoácidos partilham certos sistemas de transporte comuns para sua reabsorção, enquanto outros aminoácidos apresentam sistemas transportadores distintos e próprios. Em raras oca- siões, a condição denominada aminoacidúria generalizada resulta da reabsorção deficiente de todos os aminoácidos; todavia, com mais freqüência, as deficiências de sistemas transportadores específicos podem resultar em (1) cistinúria essencial, em que grandes quantidades de cistina não podem ser reabsorvidas e quase sempre cristalizam na urina, formando cálculos renais; (2) glicinúria simples, em que a glicina não pode ser reabsorvida; ou (3) acidaria beta-aminoisobutírica, que ocorre em cerca de 5% das pessoas, mas que aparentemente tem pouco ou nenhum significado clínico. ? PROVAS DE FUNÇÃO RENAL As provas de função renal podem ser divididas em três categorias: (1) determinação das depurações renais, (2) determinação de substâncias no sangue que normalmente são secretadas pelos rins e (3) análises químicas e físicas da urina. Provas de depuração renal. Qualquer uma das provas de depuração, incluindo depuração do ácido para-amino-hipúríco, inulina, manitol ou outras substâncias, como foi descrito no Cap. 27, pode ser utilizada como prova de função renal. Com efeito, se todas essas provas forem efetuadas, podem-se determinar intensidade da filtração glomerular, o fluxo sanguíneo efetivo pelo rim por minuto, a fração de filtração e muitas outras características da função renal. Todavia, é difícil efetuar muitas dessas provas de depuração. Contudo, diversas provas de depuração especiais, em que substâncias radiopacas ou radiativas são excretadas do sangue para a pelve renal, são facilmente utilizadas. Duas dessas provas são a pielografia venosa e os estudos de depuração com substâncias radiativas. Pielografia venosa. Diversas substâncias contendo grandes quanti- dades de iodo em suas moléculas — Diodrast, Hippuran e lopax — são excretadas na urina por filtração glomerular e por secreção tubular ativa. Conseqüentemente, sua concentração na urina fica muito elevada dentro de poucos minutos após injeção venosa da substância. Além disso, o iodo presente nesses compostos os torna relativamente opacos aos raios X. Por conseguinte, podem ser realizadas radiografias mostran- do sombras das pelves renais, dos ureteres e até mesmo da bexiga. Em geral, ocorre excreção de quantidade suficiente — isto é, ''depurada" — dentro de 5 minutos após a injeção, proporcionando imagens satisfa- tórias das pelves renais. A incapacidade de demonstrar uma imagem distinta no decorrer desse tempo indica depuração renal reduzida. Estudos de depuração com substâncias radiativas. Se qualquer uma das substâncias supracitadas (ou muitas outras) for preparada com iodo radiativo ou algum outro nuclídeo radiativo, pode- se medir a radiatividade de ambas, as pelves renais colocando-se contadores de radiatividade apropriados sobre os rins. É preciso injetar apenas diminuta quantidade da substância por via venosa e registrar o grau de radiatividade durante os minutos seguintes para determinar, aproximadamente, as depurações renais. Um dos valores especiais da pielografia com raios X e radiativa é que ambas medem a função de cada rim independentemente do outro, em lugar de avaliar a função total dos dois rins em conjunto, como ocorre nas outras provas de função renal. Análises do sangue como provas de função renal. Pode-se, também, estimar o grau de funcionamento dos rins de terminando-se as concentrações de várias substâncias no sangue. Por exemplo, a concentração normal de uréia no sangue é de 26 mg/dl; todavia, nos casos graves de insuficiência renal, essa concentração pode aumentar e atingir 300 mg/dl. A concentração sangüínea normal de creatinina é de 1,1 mg/dl; entretanto, essa concentração também pode aumentar por 10 vezes. Para determinar o grau de acidose metabólica resultante de disfunção renal, pode-se recorrer ao diagrama de pH-bicarbonato ou a algum outro procedimento semelhante, conforme discutido e ilustrado no capítulo anterior. Embora esses diferentes testes não sejam tão satisfatórios quanto as provas de depuração para determinar as capacidades funcionais dos rins, são de fácil execução e mostram ao médico o grau de perturbação do meio interno. Medidas físicas da urina como provas de função renal. Obviamente, uma das medidas urinárias mais importantes é o volume de urina formado diariamente. Na insuficiência renal aguda, esse volume pode cair para zero e, na insuficiência renal crônica, costuma estar diminuído. Por outro lado, a insuficiência renal moderada pode, na verdade, aumentar o débito urinário, conforme descrito antes, devido à acentuada hiperdiurese dos néfrons remanescentes quando a maioria foi destruída. Um segundo fator que costuma ser medido é a densidade da urina. Dependendo dos tipos de substâncias depuradas, a densidade pode variar extraordinariamente; seu limite superior pode atingir 1,045, mas pode cair até 1,002. Para testar a capacidade dos rins de diluir a urina, o paciente ingere grandes quantidades de água, e efetuam-se medidas da densidade mínima capaz de ser atingida. A seguir, em outra oportu- nidade, o paciente não recebe água durante 12 horas ou mais, e, a seguir, determina-se a concentração máxima da urina. Consultando nova- mente a Fig. 31.3, podemos observar que a capacidade de concentração dos rins apresenta-se especialmente comprometida à medida que o núme- ro de néfrons diminui. DIURÉTICOS E SEUS MECANISMOS DE AÇÃO O diurético é uma substância que aumenta a velocidade de elimina- ção da urina. A maioria dos diuréticos atua por reduzir a intensidade 304 da reabsorção de líquidos nos túbulos. A principal utilidade dos diuréticos é reduzir a quantidade total de líquido do organismo. São especialmente importantes no tratamento do edema e da hipertensão. Quando se utiliza um diurético, é geralmente importante que a velocidade de perda de sódio na urina também seja aumentada, bem como a velocidade de perda de água. A razão disso é a seguinte: se apenas a água dos líquidos corporais fosse removida, esses líquidos fica- riam hipertônicos e provocariam uma resposta osmorreceptora, seguida de secreção pronunciada de hormônio antidiurético. A seguir, esse hormônio determinaria a reabsorção de grandes quantidades de água pelos túbulos, o que anularia o efeito do diurético. Todavia, se o sódio for eliminado juntamente com a água, não haverá essa anulação de efeito. Por conseguinte, todos os diuréticos valiosos causam natriurese {perda de sódio) acentuada, bem como diurese. Os vários tipos importantes de diuréticos são comentados a seguir. Diuréticos osmóticos. A injeção na corrente sangüínea de uréia, sacarose, manilolou de qualquer outra substância não facilmente reabsor- vida pelos túbulos determina aumento acentuada das substâncias osmoti- camente ativas existentes nos túbulos. A seguir, a pressão osmótica dessas substâncias diminui a reabsorção de água, de modo que grandes quanti- dades de líquido tubular passam para a urina. Verifica-se o mesmo efeito quando a concentração de glicose no sangue aumenta e atinge níveis muito elevados no diabetes melito. Acima da concentração de glicose de cerca de 250 mg/dl, só quantidade muito pequena de glicose é reabsorvida pelos túbulos; na verdade, ela atua como diurético osmótico e determina rápida perda de líquido na urina. O termo "diabetes" refere-se ao fluxo urinário muito acentuado. Diuréticos que diminuem a reabsorção ativa. Qualquer substância capaz de inibir os sistemas transportadores nas células epiteliais tubulares e, portanto, capaz de diminuir a reabsorção ativa dos solutos tubulares aumenta-a pressão osmótica tubular e provoca diurese osmótica. A seguir, são mencionados alguns dos medicamentos desse tipo mais comumente utilizados. Diuréticos da "alça" —furosemida e ácido etacrínico. A furosemida e o ácido etacrínico são os mais potentes de todos os diuréticos utilizados clinicamente. São denominados diuréticos da alça em virtude de sua função principal ser no sentido de reduzir a reabsorção ativa no ramo ascendente da alça de Henle, embora também atuem nas porções iniciais do túbulo distai. Seu mecanismo de ação consiste em bloquear o co-trans- porte de sódio-cloreto na membrana luminal das células epiteliais, que é o principal mecanismo de reabsorção dos íons cloreto e sódio. Esse processo produz diurese por duas razões: (1) Permite a chegada de quanti- dades muito aumentadas de soluto nas porções distais dos néfrons, que, a seguir, passam a atuar como agentes osmóticos, impedindo a reabsorção de água. (2) A incapacidade de absorver íons sódio e cloreto da alça de Henle para o interstício medular diminui a concentração do líquido intersticial medular. Conseqüentemente, verifica-se acentuada redução da capacidade de concentração do rim, de modo que a reabsorção de líquido nos dutos coletores fica ainda mais reduzida. Devido a esses dois efeitos, a urina pode receber até 20 a 30% do filtrado glomerular, produzindo, em condições agudas, débitos urinários de até 25 vezes o normal durante um período de poucos minutos. Clorotiazida. A clorotiazida e outros derivados tiazídicos atuam pri- mariamente nos túbulos distais, impedindo a reabsorção ativa de sódio; em condições favoráveis, podem determinar a passagem de até 8% do filtrado glomerular para a urina. Inibidores da anidrase carbônica — aceíazolamida. A actazolamióa (Diamox) e outros inibidores da anidrase carbônica bloqueiam primaria- mente a reabsorção de íons bicarbonato dos túbulos proximais. Seu mecanismo consiste em inibir a anidrase carbônica fixada à borda em escova luminal das células epiteliais tubulares, que normalmente catalisa a dissociação do ácido carbônico em água e dióxido de carbono. O bloqueio dessa reação catalisada enzimaticamente impede a remoção de íons bicarbonato do líquido tubular, que, assim, permanecem nos túbulos, atuando como diurético osmótico. Todavia, o uso dessa subs- tância também causa certo grau de acidose, devido ã perda excessiva de íons bicarbonato na urina. Inibidores competitivos da aldosterona — espironolactona. A espironolactona e várias outras substâncias semelhantes competem com a aldosterona por sítios receptores existentes nas células epiteliais dos néfrons distais, bloqueando, assim, o efeito da aldosterona no sentido de promover a reabsorção de sódio. Como conseqüência, o sódio permanece nos túbulos e atua como diurético osmótico. Essas substâncias também bloqueiam o efeito da aldosterona no sentido de promover a secreção de potássio nos túbulos. Por conseguinte, em alguns casos, a concentração de potássio no líquido extracelular fica perigosamente elevada. MICÇÃO A micção refere-se ao processo pelo qual a bexiga se esvazia quando fica cheia. Basicamente, a bexiga (1) enche-se progressivamente, até que a tensão em suas paredes ultrapasse um valor limiar, quando (2) ocorre reflexo nervoso, denominado "reflexo de micção" que determina a micção ou, se não conseguir fazê-lo, pelo menos desencadeia desejo consciente de urinar. ANATOMIA FISIOLÓGICA E CONEXÕES NERVOSAS DA BEXIGA A bexiga, ilustrada na Fig. 31.6, é uma câmara muscular lisa constituída por duas partes principais: (1) o corpo, que forma a maior parte da bexiga, onde se acumula a urina, e (2) o colo, uma extensão do corpo, em forma de funil, dirigindo-se inferior e anteriormente para o triângulo Fig. 31.6 A bexiga urinária e sua inervação. 305 urogenital, conectando-se com a uretra. A parte inferior do colo vesical também é denominada uretra posterior, devido à sua relação com a uretra. O músculo liso da bexiga é conhecido como músculo detrusor. Suas fibras musculares se estendem em todas as direções e, quando contraídas, podem aumentar a pressão na bexiga por até 40 a 60 mm Hg. Por conseguinte, é o músculo detrusor que esvazia a bexiga. As células muscu- lares lisas do músculo detrusor fundem-se umas com as outras, criando entre si vias elétricas de baixa resistência. Por conseguinte, um potencial de ação pode propagar-se por todo o músculo detrusor, causando a contração de toda a bexiga de uma só vez. Na parede posterior da bexiga, imediatamente acima do colo vesical, existe uma pequena área triangular denominada trígono. No vértice mais inferior do trígono encontra-se o orifício da bexiga que, a partir do colo vesical, passa para a uretra posterior, enquanto os dois ureteres penetram na bexiga nos ângulos mais superiores do trígono. O trígono pode ser identificado pela sua mucosa muito lisa, em contraste com o restante da mucosa vesical, que é pregueada, formando rugas. No ponto em que cada ureter penetra na bexiga, ele segue um trajeto oblíquo através do músculo detrusor e, a seguir, percorre ainda 1 a 2 cm por baixo da mucosa vesical antes de desaguar na bexiga. O colo vesical (uretra posterior) tem 2 a 3 cm de comprimento, e sua parede é composta por músculo detrusor entrelaçado com grande quantidade de tecido elástico. O músculo nessa área é quase sempre denominado esfíncter interno. Seu tônus natural mantém normalmente o colo vesical e a uretra posterior livres de urina e, por conseguinte, impede o esvaziamento da bexiga até que a pressão no colo vesical se eleve acima de seu limiar critico. Depois da uretra posterior, a uretra passa através do diafragma urogenital, que contém a camada de músculo denominada esfíncter exter- no da bexiga. Trata-se de um músculo esquelético voluntário, ao contrário do músculo do corpo e do colo vesical, que é totalmente liso. Esse músculo externo encontra-se sob controle voluntário do sistema nervoso e pode ser utilizado para impedir a micção, mesmo quando os controles involuntários estão tentando esvaziar a bexiga. Inervação da bexiga. A principal inervação para a bexiga é feita por meio dos nervos pélvicos, que se conectam com a medula espinhal através do plexo sacro, principalmente com os segmentos medulares S-2 e S-3. Percorrendo os nervos pélvicos, existem fibras nervosas sensi- tivas e fibras motoras. As fibras sensitivas detectam principalmente o grau de distensão da parede vesical. Os sinais de distensão provenientes da uretra posterior são particularmente potentes, sendo os principais responsáveis pelo início dos reflexos que causam o esvaziamento da bexiga. As fibras nervosas motoras que trafegam pelos nervos pélvicos são fibras parassimpáticas. Elas terminam em células ganglionares localizadas na parede da bexiga. A seguir, nervos pós-ganglionares curtos inervam o músculo detrusor. Além dos nervos pélvicos, dois outros tipos de inervação são impor- tantes para a função vesical. As mais importantes são as fibras motoras esqueléticas que passam pelo nervo podendo até o esfíncter vesical exter- no. Trata-se de fibras nervosas somáticas que inervam e controlam o músculo esquelético voluntário desse esfíncter. Além disso, a bexiga recebe inervação simpática da cadeia simpática pelos nervos hipogás- tricos. que se conectam principalmente com o segmento L-2 da medula espinhal. É provável que essas fibras simpáticas estimulem principal- mente os vasos sanguíneos, exercendo pouco efeito sobre a contração vesical. Algumas fibras nervosas sensitivas também passam pelos nervos simpáticos c podem ser importantes para a sensação de plenitude e dor em alguns casos. cm/s, ocorre desde uma vez a cada 10 s até uma vez a cada 2 a 3 min. A onda peristáltica é capaz de deslocar a urina contra uma obstrução com pressão de até 50 a 100 mm Hg. A transmissão da onda peristáltica é provavelmente causada por potenciais de ação que passam ao longo do sincício do músculo liso da parede ureteral. Todavia, a estimulação parassimpática pode aumentar a freqüência das ondas e a estimulação simpática pode diminuí-la, podendo também afetar, provavelmente, a intensidade da contração. Na extremidade inferior, o ureter penetra obliquamente na bexiga através do trígono, conforme ilustrado na Fig. 31.6. O ureter segue seu trajeto por vários centímetros sob o epitélio vesical, de modo que a pressão na bexiga o comprime, impedindo, assim, o refluxo de urina quando a pressão na bexiga aumenta durante a micção. Sensações dolorosas dos ureteres e reflexo ureterorrenal. Os ureteres são bem supridos com fibras nervosas de dor. Quando ocorre bloqueio dos ureteres, como no caso de um cálculo ureteral, verifica-se intensa constrição reflexa, associada a dor muito intensa. Além disso, os impulsos dolorosos causam um reflexo simpático que retorna ao rim e contrai as arteríolas renais, diminuindo, assim, o débito urinário do rim. Esse efeito é denominado reflexo ureterorrenal; é obviamente importante para impedir o fluxo excessivo de líquido para a pelve de um rim com seu ureter bloqueado. TÔNUS DA PAREDE VESICAL E CISTOMETROGRAMA DURANTE O ENCHIMENTO DA BEXIGA A curva contínua da Fig. 31.7 é denominada cistometrograma da bexiga. Mostra as mudanças aproximadas da pressão intravesical quando a bexiga se enche com urina. Quando não há praticamente urina na bexiga, a pressão intravesical é aproximadamente zero; entretanto, com o acúmulo de 30 a 50 ml de urina, a pressão eleva-se para 5 a 10 cm de água. Pode haver acúmulo de quantidade adicional de urina de até 200 a 300 ml com apenas pequena elevação da pressão. Esse nível cons- tante de pressão é causado pelo tônus intrínseco da própria parede vesical. Acima de 300 a 400 ml, o acúmulo de mais urina determina elevação muito rápida da pressão. Superpostos às mudanças da pressão tônica durante o enchimento da bexiga estão os aumentos agudos periódicos na pressão, que duram de poucos segundos a mais de 1 minuto. A pressão pode elevar-se por apenas alguns centímetros de água ou pode atingir mais de 100 cm de água. Estas são as ondas de micção no cistometrograma, causadas pelo reflexo de micção, que é discutido a seguir. REFLEXO DE MICÇÃO Consultando novamente a Fig. 31.7, verifica-se que, à medida que a bexiga se enche, começam a aparecer muitas contrações miccionais super- TRANSPORTE DA URINA ATRAVÉS DOS URETERES Os ureteres são pequenos tubos de músculo liso que se originam nas pelves dos dois rins e descem para penetrar na bexiga. Cada ureter é inervado por nervos simpáticos e parassimpáticos, e cada um deles também possui um plexo intramural de neurônios e fibras nervosas que se estendem ao longo de todo o seu comprimento. À medida que a urina se acumula na pelve, a pressão em seu interior aumenta e desencadeia uma contração peristáltica que começa na pelve e propaga-se ao longo do ureter, forçando a urina em direção à bexiga. Uma onda peristáltica, que se desloca com velocidade de cerca de 3 Fig. 31.7 Cistometrograma normal mostrando também as ondas agudas de pressão (picos em pontilhado), causadas por reflexos de micção. 306 postas, conforme indicado pelos picos tracejados. Resultam de um reflexo de estiramento desencadeado por receptores de estiramento na parede vesical, sobretudo pelos receptores existentes na uretra posterior quando ela começa a encher-se de urina com as pressões vesicais mais elevadas. Os sinais sensitivos são conduzidos até os segmentos sacros da medula através dos nervos pélvicos e, a seguir, de volta à bexiga pelas fibras parassimpáticas existentes nesses mesmos nervos. Uma vez iniciado o reflexo da micção, ele é "auto-regenerativo". Isto é, a contração inicial da bexiga ativa ainda mais os receptores, ocasionando aumento ainda maior dos impulsos sensitivos da bexiga e uretra posterior, determinando maior aumento da contração reflexa da bexiga. O ciclo repete-se várias vezes até que a bexiga tenha alcançado grau acentuado de contração. A seguir, depois de poucos segundos a mais de um minuto, o reflexo começa a entrar em fadiga, e o ciclo regenerativo do reflexo de micção cessa, permitindo a rápida redução da contração vesical. Em outras palavras, o reflexo de micção é um só ciclo completo de (1) elevação progressiva e rápida da pressão, (2) um período de pressão mantida e (3) retorno da pressão à pressão tônica basal da bexiga. Uma vez ocorrido o reflexo da micção, sem ser acompa- nhado de esvaziamento da bexiga, os elementos nervosos desse reflexo geralmente permanecem em estado de inibição durante pelo menos al- guns minutos até, por vezes, 1 hora ou mais antes que ocorra outro reflexo de micção. Todavia, à medida que a bexiga fica cada vez mais cheia, os reflexos de micção ocorrem com maior freqüência e são cada vez mais potentes. Quando o reflexo da micção se torna intenso o suficiente, provoca outro reflexo, que passa pelos nervos pudendos até o esfíncter externo, inibindo-o. Se essa inibição for mais potente do que os sinais constritores voluntários, provenientes do cérebro para o esfíncter externo, ocorrerá micção. Caso contrário, não haverá micção até que a bexiga fique mais cheia, e o reflexo de micção se torne mais potente. Controle da micção pelo cérebro. O reflexo da micção é um reflexo medular totalmente autônomo, mas que pode ser inibido ou facilitado por centros no cérebro. Estes centros incluem: (1) fortes centros facilita- dores e inibidores no tronco cerebral, provavelmente localizados na ponte, e (2) vários centros localizados no córtex cerebral que são principalmente inibidores, mas que algumas vezes podem ser excitatórios. O reflexo da micção é a causa básica da micção; todavia, os centros superiores normalmente exercem o controle final da micção através dos seguintes meios: 1. Os centros superiores mantém todo o tempo o reflexo de micção parcialmente inibido, exceto quando o indivíduo deseja urinar. 2. Os centros superiores impedem a micção, mesmo se ocorrer o reflexo de micção, através da contração tônica contínua do esfíncter vesical externo até que surja um momento conveniente. 3. Quando chega o momento de urinar, os centros corticais podem (a) facilitar os centros sacros da micção, ajudando a desencadear o reflexo de micção, e (b) inibir o esfíncter urinário externo para que possa ocorrer micção. Todavia, ainda mais importante é o fato de a micção voluntária ser geralmente iniciada da seguinte maneira: em primeiro lugar, a pessoa contrai os músculos abdominais, o que aumenta a pressão da urina na bexiga, permitindo a entrada de mais urina no colo vesical e na uretra posterior sob pressão, com conseqüente distensão de suas paredes. Isso excita, então, os receptores de estiramento, estimulando o reflexo de micção e inibindo simultaneamente o esfíncter uretral externo. Em geral, toda a urina será eliminada, sendo rara a persistência de mais de 5 a 10 ml na bexiga. ANORMALIDADES DA MICÇÃO Bexiga atônica. A destruição das fibras nervosas sensitivas da- bexiga para a medula espinhal impede a transmissão dos sinais de estiramento da bexiga e, por conseguinte, também impede as contrações do reflexo da micção. Assim, o indivíduo perde todo o controle da bexiga, apesar da integridade das fibras eferentes da medula para a bexiga e das conexões neurogênicas intactas com o cérebro. Hm lugar de haver esvaziamento periódico, a bexiga enche-se até sua capacidade total e perde algumas gotas de cada vez pela uretra. Esse processo é denominado incontinência de vazamento. A bexiga atônica era de ocorrência comum quando a sífilis era disseminada, visto que essa doença quase sempre provoca fibrose cons- tritiva em torno das fibras da raiz nervosa dorsal no ponto em que penetram na medula, com destruição subseqüente dessas fibras. A condi- ção é denominada tabes dorsal, e a patologia vesical resultante é conhe- cida como bexiga tabética. Outra causa comum dessa condição é repre- sentada pelas lesões de esmagamento na região sacral da medula. Bexiga automática. Se a medula espinhal for lesada acima da região sacral, porém com preservação dos segmentos sacros, ocorrerá o reflexo típico da micção. Todavia, esses reflexos não podem ser mais controlados pelo cérebro. Durante os primeiros dias a várias semanas após ter ocor- rido a lesão medular, os reflexos de micção são totalmente suprimidos, devido ao estado de "choque espinhal" causado pela súbita perda dos impulsos facilitadores provenientes do tronco cerebral e do cérebro. Todavia, se a bexiga for esvaziada periodicamente por cateterização para evitar sua lesão física a excitabilidade do reflexo de micção aumenta gradativamente até haver retorno dos reflexos miceionais típicos. - É particularmente interessante assinalar que a estimulação da pele na região genital pode, algumas vezes, desencadear o reflexo de micção nessa condição, proporcionando um meio pelo qual alguns pacientes ainda conseguem controlar a micção. Bexiga neurogênica não-inibida. Outra anormalidade comum da micção é a denominada bexiga neurogênica não-inibida, que resulta em micção freqüente e relativamente incontrolável. Essa condição resulta da lesão parcial da medula espinhal ou do tronco cerebral, interrompendo a maioria dos sinais inibidores. Por conseguinte, os impulsos facilitadores que passam continuamente pela medula mantêm os centros sacrais tão excitáveis que até mesmo pequena quantidade de urina irá desencadear o reflexo de micção incontrolável, promovendo a micção. 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Imunidade e Alergia Grupos Sanguíneos; Transfusão; Transplante de Tecidos e Órgãos Hemostasia e Coagulação do Sangue 309 CAPÍTULO 32 Eritrócitos, Anemia e Policitemia Com este capitulo, iniciamos a discussão sobre as células sangüíneas e outras células intimamente relacionadas a elas: as células do sistema de macrófagos e do sistema linfático. A princípio, consideraremos as funções dos eritrócitos, que são as mais abundantes de todas as células do organismo, necessárias para o suprimento de oxigênio aos tecidos. ERITRÓCITOS (HEMÁCIAS) A principal função dos eritrócitos, também conhecidos como hemácias, consiste em transportar a hemoglobina que, por sua vez, conduz o oxigênio dos pulmões para os tecidos. Em alguns animais inferiores, a hemoglobina circula como proteína livre no plasma, não encerrada no interior dos eritrócitos. Nos seres humanos, entretanto, quando a hemoglobina encontra-se livre no plasma, cerca de 3% atravessam a membrana capilar e penetram nos espaços teciduais ou permeiam a membrana glomerular dos rins e passam para o filtrado glomerular toda vez que o sangue flui pelos capilares. Por conseguinte, para que a hemoglobina permaneça na corrente sangüínea, deve ser mantida no interior dos eritrócitos. Os eritrócitos desempenham outras funções além de simplesmente transportar a hemoglobina. Por exemplo, ela contem grande quantidade de anidrase carbônica, que catalisa a reação entre o dióxido de carbono e a água, aumentando a velocidade dessa reação em muitos milhares de vezes. A rapidez dessa reação permite que a água no sangue reaja com grandes quantidades de dióxido de carbono, transportando-o dos tecidos para os pulmões sob forma de íon bicarbonato (HCO3). Além disso, a hemoglobina nas células é um excelente tampão ácido-básico (como no caso da maioria das proteínas), de modo que os eritrócitos são responsáveis por quase toda a capacidade de tamponamento do sangue total. Forma e tamanho dos eritrócitos. Os eritrócitos normais, ilustrados na Fig. 32.3, são discos bicôncavos com diâmetro médio de aproximadamente 7,5 µm e espessura de 1,9 µm em seu ponto mais espesso e de 1 µm ou menos na parte central. O volume médio do eritrócito é de 83 µm. cúbicos. A forma dos eritrócitos pode ser muito modificada quando a célula atravessa os capilares. Na verdade, o eritrócito é um "saco" que pode ser deformado, adquirindo quase qualquer forma. Além disso, como a célula normal possui excesso de membrana celular em relação à quanti- dade de material em seu interior, a deformação não distende acentua- damente a membrana e, por conseguinte, não rompe a célula como ocorreria com muitos outros tipos celulares. Concentração dos eritrócitos no sangue. Em homens normais, o número médio de eritrócitos por milímetro cúbico é de 5.200.000 (±300.000), enquanto nas mulheres normais é de 4.700.000 (±300.000). Além disso, a altitude em que o indivíduo vive afeta o número de eritró- citos, o que será discutido adiante. Quantidade de hemoglobina nos eritrócitos. Os eritrócitos têm a capacidade de concentrar hemoglobina no líquido celular até aproximadamente 34 g/dl de células. A concentração nunca aumenta acima desse valor, visto ser ele um limite metabólico do mecanismo de formação da hemoglobina da célula. Além disso, nos indivíduos normais, a percentagem de hemoglobina está quase sempre próxima do máximo em cada célula. Todavia, quando a formação de hemoglobina fica deficiente na medula óssea, sua percentagem nas células pode cair consideravelmente abaixo desse valor, e pode-se também verificar redução do volume celular devido ã menor quantidade de hemoglobina para preencher a célula. Quando o hematócrito (a percentagem de células no sangue — normalmente de 40 a 45%) e a quantidade de hemoglobina em cada célula estão normais, o sangue total contém, em média, 16 g de hemoglo- bina por decilitro no homem e 14 g/dl na mulher. Como veremos quando for descrito o transporte do oxigênio no Cap. 40. cada grama de hemoglo bina pura é capaz de combinar-se com aproximadamente 1,39 ml de oxigênio. Por conseguinte, no homem normal, mais de 21 ml de oxigênio podem ser transportados em combinação com a hemoglobina, em cada decilitro de sangue, ao passo que, na mulher normal, podem ser transpor- tados 19 ml. PRODUÇÃO DE ERITRÓCITOS Áreas do organismo que produzem eritrócitos. Nas primeiras semanas de vida embrionária, os eritrócitos primitivos nucleados são produzidos no saco vitelino. No segundo trimestre da gestação, o fígado passa a constituir o principal órgão de produção de eritrócitos, embora também seja produzida uma quantidade razoável no baço e nos linfonodos. Por fim, durante a última parte da gestação e após o nascimento, os eritrócitos são produzidos exclusivamente pela medula óssea. Conforme representado na Fig. 32.1, a medula óssea de praticamente todos os ossos produz eritrócitos até os 5 anos de idade, mas a medula óssea dos ossos longos, à exceção das porções proximais do úmero e da tíbia, fica muito gordurosa e não mais produz eritrócitos depois dos 20 anos de idade. Acima dessa idade, a maior parte dos eritrócitos é produzida na medula dos ossos membranosos, como as vértebras, o esterno, as costelas e ílios. Mesmo nesses ossos, a medula fica menos produtiva com a idade. Fig. 32.1 Velocidades relativas da produção de eritrócitos em diferentes ossos em várias idades. 310 Gênese dos eritrócitos Células-tronco hemopoéticas pluripotenciais, indutores do crescimento e indutores da diferenciação. Na medula óssea, existem células denominadas células-tronco hemopoéticas pluripotenciais (PHSC, pluripotential hemopoietic s/em cells), a partir das quais derivam todas as células do sangue circulante. A Fig. 32.2 ilustra as divisões sucessivas das células pluripotenciais para formar as diferentes células sangüíneas periféricas. À medida que essas células se reproduzem durante toda a vida do indivíduo, uma parte permanece exatamente como a célula pluripotencial original, sendo retida na medula óssea para manter o suprimento dessas células, embora seu número diminua com a idade. Todavia, a maior parte das células-tronco multiplicadas diferencia-se para formar as outras células ilustradas à direta da Fig. 32.2. As primeiras células assim formadas ainda não podem ser identificadas como pertencentes aos diferentes tipos de células sangüíneas, embora já estejam compromissadas para uma determinada linhagem, sendo, portanto, denominadas células-tronco compromissadas. As diferentes células-tronco compromissadas, quando se desenvol- vem em cultura, produzem colônias de tipos específicos de células sangüíneas. Assim, a célula-tronco compromissada que irá produzir os eritrócitos é denominada unidade formadora de colônias de eritrócitos, e utiliza-se a abreviação CFU-E (colony forming unit-erythrocyte) para designar esse tipo de célula-tronco. De modo semelhante, as unidades formadoras de colônias que produzem granulócitos e monócitos recebem a designação CFU-GM, e assim por diante. O crescimento e a reprodução das diferentes células-tronco são con- trolados por diversas proteínas, denominadas indutores do crescimento. Foram descritos quatro principais indutores do crescimento, tendo cada um características diferentes. Um deles, a interleuquina-3, promove o crescimento e a reprodução de praticamente todos os diferentes tipos de células-tronco, enquanto os outros indutores só induzem o crescimento de tipos específicos de células-tronco compromissadas. Os indutores do crescimento promovem o crescimento, mas não a diferenciação das células. Com efeito, essa função é desempenhada por outro grupo de proteínas, conhecidas como indutores da diferen- ciação. Cada um desses indutores determina a diferenciação de um tipo de célula-tronco em uma ou mais etapas no tipo final de célula sangüínea adulta. A formação dos indutores do crescimento e da diferenciação é con- trolada por fatores originados fora da medula óssea. Por exemplo, no caso dos eritrócitos, a exposição a baixa concentração de oxigênio por longos períodos de tempo resulta em indução do crescimento, diferen- ciação e produção de número muito aumentado de eritrócitos, como veremos adiante neste capítulo. No caso de alguns dos leucócitos, as doenças infecciosas desencadeiam o crescimento, a diferenciação e a formação dos tipos específicos de leucócitos necessários para combater a infecção. Estágios de diferenciação dos eritrócitos A primeira célula que pode ser identificada como pertencendo à série eritrocítica é o prô-eritroblasto, ilustrado na Fig. 32.3. Com estimu- lação apropriada, formam-se grandes números dessas células a partir das células-tronco CFU-E. Uma vez formado, o pró-eritroblasto divide-se várias vezes, forman- do eventualmente muitos eritrócitos maduros. As células da primeira geração são denominadas eritroblastos basófilos, por se corarem com corantes básicos; essas células acumulam quantidade muito pequena de hemoglobina. Todavia, nas gerações seguintes, como ilustra a Fig. 32.3 as células tornam-se repletas de hemoglobina até a concentração aproximada de 34%, o núcleo condensa-se até atingir tamanho muito pequeno, sendo expelido da célula. Ao mesmo tempo, o retículo endoplasmático é reabsorvido. Nesse estágio, a célula é denominada reticulócito, uma vez que ainda contém pequena quantidade de material basófilo, que consiste em resíduo do aparelho de Golgi, das mitocôndrias e de outras organelas citoplasmáticas. É durante esse estágio que o reticulócito passa para os capilares sanguíneos por diapedese (espremendo-se através dos poros da membrana). O material basofílico restante no reticulócito desaparece normal- mente em 1 a 2 dias, e a célula transforma-se, então, no eritrócito maduro. Devido à curta vida dos reticulócitos, sua concentração entre todos os eritrócitos é, em condições normais, ligeiramente inferior a 1%. Fig. 32.2 Formação dos diversos tipos celulares do sangue periférico a partir da célula-tronco nem a to poética pluripotencial (PHSC) na medula 311 Fig. 32.3 Desenvolvimento dos eritrócitos, e seu aspecto em diferentes tipos de anemia. Regulação da produção de eritrócitos — papel da eritropoetina A massa total de eritrócitos no sistema circulatório é regulada dentro de limites muito estreitos, de modo que sempre existe um número adequa- do de eritrócitos disponíveis para proporcionar oxigenação tecidual ade- quada, sem que as células fiquem muito concentradas a ponto de impedir o fluxo sanguíneo. A Fig. 32.4 mostra, na forma de diagrama, os conhecimentos disponíveis atualmente sobre esse mecanismo de controle, descrito a seguir. Oxigenação tecidual como regulador básico da produção de eritrócitos. Qualquer condição passível de causar redução da quantidade de oxigênio transportado para os tecidos em geral aumenta a produção de eritrócitos. Assim, quando um indivíduo fica extremamente anêmico devido à ocorrência de hemorragia ou de qualquer outra condição, a medula óssea começa imediatamente a produzir grandes quantidades de eritrócitos. Além disso, a destruição de grandes porções da medula óssea por qualquer meio, sobretudo por radioterapia, provoca hiperplasia da medula restante, na tentativa de suprir a demanda de eritrócitos pelo organismo. Nas grandes altitudes, onde a concentração de oxigênio do ar está acentuadamente diminuída, verifica-se o transporte de quantidades insu- ficientes de oxigênio para os tecidos; nesse caso, os eritrócitos são produ- zidos com tanta rapidez que seu número aumenta consideravelmente no sangue. Por conseguinte, é óbvio que não é a concentração de eritrócitos no sangue que controla a velocidade de sua produção, mas a capacidade funcional das células de transportar oxigênio para os tecidos em relação às demandas teciduais por oxigênio. Diversas doenças circulatórias que causam redução do fluxo sanguí- neo pelos vasos periféricos e, em particular, as que determinam absorção deficiente de oxigênio pelo sangue ao passar pelos pulmões também podem aumentar a velocidade de produção dos eritrócitos. Essa situação é observada especialmente na insuficiência cardíaca prolongada e em muitas doenças pulmonares, visto que a hipoxia tecidual resultante dessas condições aumenta a velocidade de produção dos eritrócitos, com conseqüente elevação do hematócrito e, em geral, aumento do volume sanguíneo total. Eritropoetina, sua formação em resposta à hipoxia e sua função na regulação da produção de eritrócitos. O principal fator que estimula a produção de eritrócitos é um hormônio circulante, denominado eritropoetina, uma glicoproteína com peso molecular de cerca de 34.000. Na ausência de eritropoetina, a hipoxia não tem qualquer efeito ou exerce efeito mínimo sobre a estimulação da produção de eritrócitos. Por outro lado, quando o sistema da eritropoetina está funcional, a hipoxia determina aumento pronunciado da produção de eritropoetina que, por sua vez, acelera a produção de eritrócitos até que a hipoxia seja abolida. Papel dos rins na formação de eritropoetina. No indivíduo normal, 80 a 90% de toda a eritropoetina são formados nos rins; o restante é sintetizado principalmente no fígado. Todavia, não se sabe exatamente em que local do rim a eritropoetina é formada. Como local possível foram sugeridas as células mesangiais localizadas no pólo do glomérulo Fig. 32.4 Função do mecanismo da eritropoetina para aumentar a produção de eritrócitos quando vários fatores diminuem a oxigenação tecidual. 312 e estendendo-se para o tufo dos capilares glomerulares. Essas células, quando crescem em cultura de tecido e são submetidas a baixas concen- trações de oxigênio, secretam grandes quantidades de eritropoetina. Além disso, sua localização adjacente aos capilares glomerulares permite que sejam banhadas pelo sangue arterial, o que é importante para a detecção da saturação arterial, e não da venosa, de oxigênio. Isso expli- caria por que a exposição de um indivíduo a baixas concentrações de oxigênio em grandes altitudes resultará em produção acentuadamente aumentada de eritrócitos. Todavia, os indivíduos anêmicos também produzem grandes quanti- dades de eritropoetina e grande número de eritrócitos quando a Po2 arterial está normal. Por conseguinte, deve existir algum outro meca- nismo para estimular a secreção de eritropoetina, além da resposta das células mesangiais a baixas concentrações de oxigênio. Uma hipótese, baseada em outros estudos, admite que as células epiteliais tubulares renais também secretem eritropoetina; o sangue anêmicu seria incapaz de fornecer, a partir dos capilares peritubulares, uma quantidade sufi- ciente de oxigênio às células tubulares, estimulando, assim, a produção de eritrócitos. Por fim, a hipoxia em outras partes do organismo, mas não nos rins, também estimula a secreção de eritropoetina, sugerindo a possível existência de algum sensor não-renal que enviaria um sinal adicional aos rins para produzir o hormônio. Em particular, tanto a norepinefrina quanto a epinefrina e várias prostaglandinas estimulam a produção de eritropoetina, Quando ambos os rins são removidos, ou quando são destruídos por alguma doença renal, o indivíduo fica invariavelmente muito anêmi- co, visto que os 10 a 20% da eritropoetina formados em outros tecidos (principalmente no fígado) são apenas suficientes para produzir tão-so- mente de um terço a metade dos eritrócitos necessários ao organismo. Efeito da eritropoetina sobre a eritrogênese. Quando um animal ou uma pessoa ficam expostos a atmosfera com baixo teor de oxigênio, a eritropoetina começa a ser formada dentro de poucos minutos a horas, atingindo sua produção máxima dentro de 24 horas. Contudo, quase nenhum eritrócito novo aparece no sangue circulante no decorrer dos 5 dias seguintes. A partir dessa observação, bem como de outros estudos, determinou-se que o efeito importante da eritropoetina consiste em esti- mular a produção de pró-eritroblastos a partir das células-tronco hemo- poéticas na medula óssea. Além disso, uma vez formados os pró-eritro- blastos, a eritropoetina faz com que essas células passem pelos diferentes estágios eritroblásticos mais rapidamente do que o normal, também acele- rando a produção de novas células. A rápida produção de células prosse- gue enquanto a pessoa permanecer nas condições de baixo teor de oxigênio, ou até que haja produção suficiente de eritrócitos para transportar quantidades adequadas de oxigênio para os tecidos, apesar do baixo teor de oxigênio. Nesse estágio, a velocidade de produção de eritropoetina declina até um nível que irá manter o número necessário de eritrócitos, sem qualquer excesso. Na ausência completa de eritropoetina, formam-se poucos eritrócitos na medula óssea. No outro extremo, quando são formadas quantidades muito grandes de eritropoetina, a velocidade de produção dos eritrócitos pode aumentar por até 10 vezes ou mais em relação ao normal. Por conseguinte, o mecanismo de controle da eritropoetina paTa a produção de eritrócitos é muito potente. Maturação dos eritrócitos — necessidade de vitamina B12 (clanocobalamina) e de ácido fólico Devido ã necessidade contínua de repor os eritrócitos, as células da medula óssea estão entre as que mais rapidamente crescem e se reproduzem no organismo. Por conseguinte, como é de se esperar, sua maturação e velocidade de produção são acentuadamente afetadas pelo estado nutricional do indivíduo. Duas vitaminas são especialmente importantes para a maturação final dos eritrócitos: vitamina B12 e ácido fólico. Ambas são essenciais para a síntese de ADN, visto que cada uma delas, de maneira diferente, é necessária para a formação de trifosfato de timidina, um dos blocos essenciais de construção do ADN. Por conseguinte, a falta de vitamina B]3 ou de ácido fólico resulta em diminuição do ADN e. conseqüentemente, em insuficiência da maturação e divisão nucleares. Ademais, as células eritroblásticas da medula óssea, além de sua incapacidade de proliferar rapidamente, tornam-se maiores do que o normal, resultando nos denominados megaloblastos. Nesse caso, o eritrócito adulto apresenta uma membrana frágil e quase sempre forma irregular, grande e oval, em lugar do disco bicôncavo habitual. Essas células malformadas, após penetrarem na circulação, são capazes de transportar normalmente o oxigênio, mas sua fragilidade determina a redução de seu tempo de sobrevida para metade a um terço do normal. Por conseguinte, diz-se que a deficiência de vitamina B,2 ou de ácido fólico causa insuficiência de maturação no processo da eritropoese. A causa dessas células anormais parece ser a seguinte: a incapacidade da célula de sintetizar quantidades adequadas de ADN determina a lenta reprodução das células, mas não impede a formação de ARN pelo ADN disponível em cada célula já existente. Por conseguinte, a quantidade de ARN em cada célula torna-se bem maior do que o normal, levando à produção excessiva de hemoglobina e de outros constituintes citoplasmáticos, resultando cm aumento do volume da célula. Todavia, devido a anormalidades em alguns genes (do ADN), ocorre malformação dos componentes estruturais da membrana e do citoesqueleto da célula, resultando em forma anormal das células e, sobretudo, em aumento pronunciado da fragilidade da membrana celular. Falta de maturação ocasionada pela absorção deficiente de vitamina B12 — anemia perniciosa. A absorção insuficiente da vitamina B12 pelo tubo gastrintestinal constitui uma causa comum de insuficiência de maturação. Ocorre com freqüência na doença conhecida como anemia perniciosa, em que a anormalidade básica é a atrofia da mucosa gástrica que se torna incapaz de produzir as secreções gástricas normais. As células parietais das glândulas gástricas secretam uma glicoproteína denominada fator intrínseco, que se combina com a vitamina B]2 dos alimentos, tornando-a disponível para absorção intestinal. O mecanismo envolvido é o seguinte: (1) O fator intrínseco liga-se fortemente à vitamina B]2. Nesse estado conjugado, a vitamina B,2 fica protegida da digestão pelas enzimas gastrintestinais. (2) Ainda no estado conjugado, o fator intrínseco liga-se a sítios receptores específicos existentes nas membranas da borda em escova das células da mucosa do íleo. (3) A vitamina B12 é transportada para o sangue nas próximas horas pelo processo de pinocitose, carregando o fator intrínseco e a vitamina através da membrana. Por conseguinte, a falta de fator intrínseco determina a perda de grande parte da vitamina, devido à ação enzimática no intestino e à falta de sua absorção. Uma vez absorvida pelo tubo gastrintestinal, a vitamina B]2 é armazenada em grandes quantidades no fígado e, a seguir, liberada lentamente, de acordo com as necessidades da medula óssea e de outros tecidos do organismo. A quantidade mínima de vitamina B12 necessária a cada dia para manter a maturação normal dos eritrócitos é de apenas 1 a 3 µm. A reserva normal da vitamina no fígado e em outros tecidos é de cerca de 1.000 vezes essa quantidade, de modo que são necessários até 4 a 5 anos de absorção deficiente de vitamina B12 para que ocorra anemia por falta de maturação. Falta de maturação causada pela deficiência de absorção de ácido fólico (ácido pteroilglutâmico). O ácido fólico é um constituinte normal de vegetais verdes, de algumas frutas, fígado e outas carnes. Todavia, é facilmente destruído durante o cozimento. Além disso, os indivíduos com anormalidades da absorção gastrintestinal, como a doença comum do intestino delgado denominada espru, quase sempre apresentam séria dificuldade na absorção de ácido fólico e de vitamina B12. Por conseguinte, em muitos casos de falta de maturação, a causa reside na deficiência de absorção de ácido fólico e de vitamina B12. FORMAÇÃO DA HEMOGLOBINA A síntese da hemoglobina começa nos pró-eritroblastos e prossegue até o estágio de reticulócito, visto que, quando os reticulócitos abando- nam a medula óssea e passam para a corrente sangüínea, continuam a formar quantidades diminutas de hemoglobina durante cerca de mais um dia A Fig. 32.5 mostra as etapas químicas básicas da formação da hemoglobina. Com base em estudos com isótopos, sabe-se que a porção heme da hemoglobina é sintetizada principalmente a partir do ácido acético e da glicina, e que a maior parte dessa síntese ocorre nas mitocôndrias. No ciclo de Krebs, que será explicado no Cap. 67, o ácido acético é transformado em succinil-CoA; a seguir, duas dessas moléculas combinam-se com duas moléculas de glicina para formar um composto pirrólico. Por sua vez, quatro compostos pirrólicos combinam-se para formar um composto protoporfirínico. Uma das protoporfirinas, conhecida como protoporfirina IX, combina-se, então, com o ferro para formar a molécula do heme. 313 Fig. 32.5 Formação da hemoglobina. . Por fim, cada molécula de heme combina-se com uma cadeia polipeptídica muito longa, denominada globina, sintetizada pelos ribosso- mas, formando a subunidade de hemoglobina denominada cadeia hemo- giobínica (Fig. 32.6). Cada uma dessas cadeias possui peso molecular de cerca de 16.000; por sua vez, quatro delas ligam-se frouxamente entre si para formar a molécula completa de hemoglobina. Existem pequenas variações nas subunidades da cadeia hemoglo- bínica, dependendo da composição de aminoácidos da fração polipep- tídica. Os diferentes tipos de cadeias são denominados cadeias alfa, ca- deias beta, cadeias gama e cadeias delta. No adulto, a forma mais comum de hemoglobina, a hemoglobina A, é uma combinação de duas cadeias alfa e de duas cadeias beta. Como cada cadeia possui um grupo prostético heme, existem quatro átomos de ferro em cada molécula de hemoglobina, e cada um deles pode fixar uma molécula de oxigênio, de modo que cada molécula de hemoglobina tem a capacidade de transportar o total de quatro moléculas de oxigênio (ou oito átomos). A hemoglobina possui peso molecular de 64.458 átomos. A natureza das cadeias hemoglobínicas determina a afinidade de ligação da hemoglobina ao oxigênio. As anormalidades das cadeias po- dem alterar as características físicas da molécula de hemoglobina. Por exemplo, na anemia falciforme, o ácido glutâmico é substituído pelo aminoácido valina em um ponto de cada uma das duas cadeias beta. Quando esse tipo de hemoglobina é exposto a baixo teor de oxigênio, formam-se cristais alongados no interior dos eritrócitos que, por vezes. Fig. 32.6 Estrutura básica da molécula de hemoglobina, mostrando um dos quatro complexos heme ligados entre si para formar a molécula da hemoglobina. chegam a ter 15 /um de comprimento. Esses cristais tornam quase impos- sível a passagem das células pelos capilares, e as extremidades afiladas desses cristais tendem a causar ruptura da membrana celular, resultando em anemia falctforme. Combinação da hemoglobina com o oxigênio. A característica mais importante da molécula de hemoglobina reside na sua capacidade de se combinar frouxamente e de modo reversível com o oxigênio. Essa capacidade é discutida detalhadamente no Cap. 40 em relação à respira- ção , uma vez que a principal função da hemoglobina no organismo depen- de de sua capacidade de combinar-se com o oxigênio nos pulmões e, a seguir, liberá-lo rapidamente nos capilares teciduais. onde a tensão gasosa do oxigênio é muito menor do que nos pulmões. O oxigênio não se combina com as duas ligações positivas do ferro da molécula de hemoglobina. Na verdade, liga-se fracamente a uma das seis ligações de "coordenação" do átomo de ferro. Trata-se de ligação extremamente fraca, de modo que a combinação é facilmente reversível. Além disso, o oxigênio não se transforma em oxigênio iônico, mas é transportado sob a forma de oxigênio molecular para os tecidos, onde, devido a sua combinação fraca e rapidamente reversível, e liberado nos líquidos teciduais sob a forma de oxigênio molecular dissolvido, e não sob a forma iônica. METABOLISMO DO FERRO Devido à importância do ferro para a formação da hemoglobina, da mioglobina e de outras substâncias, como os citocromos, a citocromo oxidase, a peroxidase e a catalase. é essencial compreender o modo pelo qual o ferro é utilizado no organismo. A quantidade total de ferro no organismo é, em média, de 4 g, dos quais 65%, aproximadamente, estão presentes sob forma de hemo- globina. Cerca de 4% ocorrem na forma de mioglobina, 1% na forma dos vários compostos hêmicos que promovem a oxidação intracelular, 0,1% combinado com a proteína transferrina no plasma e 15 a 30% armazenados principalmente no sistema reticuloendotelial e nas células parenquimatosas do fígado, sob a forma de ferrítina. Transporte e armazenamento do ferro. O transporte, o armazena- mento e o metabolismo do ferro no organismo estão ilustrados na Fig. 32.7 e podem ser explicados como se segue. Quando o ferro é absorvido pelo intestino delgado, combina-se imediatamente no plasma com uma beta-globulina, a apotransferrina, formando transferrina, que é, então, transportada no plasma. O ferro está fracamente combinado com a molé- cula de globina, de modo que ele pode ser liberado para qualquer célula tecidual em qualquer ponto do organismo. O excesso de ferro no sangue é depositado em todas as células do organismo, porém especialmente nas células reticuloendoteliais e nos hepatócitos. No citoplasma da célula, combina-se principalmente com uma proteína, z apoferritina, para formar ferritina. A apoferritina possui peso molecular de aproximadamente 460.000, e quantidades variáveis de ferro podem combinar-se em agrega- dos de radicais de ferro com essa grande molécula. Pof conseguinte, a ferritina pode conter desde pequena quantidade até grande quantidade de ferro. O ferro armazenado na ferritina é conhecido como ferro de armazenamento. Quantidades menores de ferro no compartimento de deposito são armazenadas sob forma extremamente insolúvel, denominada hemossi- derina. Isso ocorre especialmente quando a quantidade total de ferro no organismo é maior do que a capacidade do reservatório de depósito da apoferritina. A hemossiderina forma agregados muito grandes nas células e, conseqüentemente, pode ser corada e observada ao microscópio sob forma de grandes partículas em cortes de tecidos preparados, por técnicas histológicas. A ferritina também pode ser corada, porém suas partículas são tão pequenas e dispersas que habitualmente só podem ser observadas ao microscópio eletrônico. Quando a quantidade de ferro no plasma cai para valores muito baixos, o ferro é removido da ferritina com muita facilidade, porém menos facilmente da hemossiderina. A seguir, o ferro é transportado pela transferrina do plasma para as partes do organismo onde ele é necessário. Uma característica peculiar da molécula de transferrina reside na sua ligação especialmente forte a receptores nas membranas celulares dos eritroblastos na medula óssea. Em seguida, juntamente com o ferro fixado a ela, é ingerida pelos eritroblastos por endocitose. Nessas células, a transferrina libera o ferro diretamente nas mitocôndrias, onde ocorre 314 a síntese do heme. Nos indivíduos que não apresentam quantidades adequadas de transferrina no sangue, a incapacidade de transportar o ferro até os eritroblastos pode causar anemia hipoerômica grave — isto é, número diminuído de eritrócitos contendo pouca hemoglobina. Quando os eritrócitos completam seu tempo de sobrevida e são destruídos, a hemoglobina liberada das células é ingerida pelas células do sistema monócito-macrofago. Nesse sistema, o ferro livre é liberado e pode ser, então, armazenado no compartimento da ferritina ou reutili- zado para a formação de hemoglobina. Perda diária de ferro. O homem excreta diariamente cerca de 1 mg de ferro, principalmente nas fezes. Ocorre perda de quantidades adicionais de ferro toda vez que ocorre sangramento. Nas mulheres, a perda menstrual de sangue faz com que a perda diária média de ferro atinja um valor de aproximadamente 2 mg. Obviamente, a quantidade média de ferro obtida diariamente da dieta deve ser pelo menos igual à perdida pelo organismo. Absorção do ferro pelo tubo gastrintestinal O ferro é absorvido por todos os segmentos do intestino delgado, principalmente por meio do seguinte mecanismo O fígado secreta quanti- dades moderadas de apotransferrina na bile, que flui para o duodeno pelo duto colédoco. No intestino delgado, a apotransferrina liga-se ao ferro livre, bem como a alguns compostos de ferro, como a hemoglobina e a mioglobina da carne, que constituem duas das mais importantes fontes de ferro da dieta. Essa combinação é denominada transferrina. Por sua vez, a transferrina liga-se a receptores existentes nas membranas das células epiteliais intestinais. A seguir, pelo processo de pinocitose, a molécula de transferrina com seu ferro de armazenamento é absorvida pelas células epiteliais e, mais tarde, liberada no lado voltado para a corrente sangüínea, sob forma de transferrina plasmática. A velocidade de absorção do ferro é extremamente lenta, com máxi- mo de apenas alguns miligramas por dia. Isso significa que, em presença de grandes quantidades de ferro na alimentação, apenas pequena propor- ção pode ser absorvida. Regulação do ferro corporal total por alteração da velocidade de absorção. Quando o organismo está saturado de ferro, de modo que praticamente toda a apoferritina das áreas de armazenamento de ferro já está combinada ao ferro, a velocidade de absorção do ferro pelo tubo intestinal diminui acentuadamente. Por outro lado, quando ocorre depleção das reservas de ferro, a velocidade de absorção aumenta até cinco ou mais vezes em relação à velocidade observada quando as reservas de ferro estão saturadas. Por conseguinte, o ferro corporal total é regulado, em grande parte, pela variação da velocidade de absorção. Mecanismos de feedback para a regulação de absorção de ferro. Existem dois mecanismos que pelo menos desempenham algum papel na regulação da absorção do ferro: (1) Quando praticamente toda apoferritina no organismo está saturada de ferro, é difícil haver liberação de ferro da transferrina para os tecidos. Por conseguinte, a transferrina, cuja saturação normal com ferro é de apenas um terço, fica quase totalmente ligada ao ferro, de modo que quase não aceita nenhum ferro novo a partir das células da mucosa. A seguir, como etapa final desse processo, o acumulo de excesso de ferro nas próprias células da mucosa deprime a absorção ativa de ferro do lúmen intestinal. Fíg. 32.7 Transporte e metabolismo do ferro. (2) Quando o organismo apresenta reservas excessivas de ferro, o fígado diminui sua velocidade de formação de apotransferrina, reduzindo, assim, a concentração dessa molécula transportadora de ferro no plasma, bem como na bile. Por conseguinte, ocorre menor absorção de ferro pelo mecanismo intestinal da apotransferrina, e menor quantidade pode ser transportada das células epiteliais intestinais pela transferrina plasmática. Todavia, apesar desses mecanismos de controle por feedback para regular a absorção de ferro, quando o indivíduo ingere quantidades excessivas de compostos de ferro, o ferro em excesso penetra no sangue e pode resultar em deposição maciça de hemossiderina nas células reticu- loendoteliais de todo organismo, o que, algumas vezes, pode ser muito DESTRUIÇÃO DOS ERITRÓCITOS Quando os eritrócitos são liberados pela medula óssea no sistema circulatório, eles normalmente circulam durante 120 dias, em média, antes de serem destruídos. Embora os eritrócitos maduros não tenham núcleo, mitocôndrias ou retículo endoplasmático, eles, entretanto, pos- suem enzimas citoplasmáticas capazes de metabolizar a glicose e formar pequenas quantidades de trifosfato de adenosina (ATP). Por sua vez, o ATP atua no eritrócito por diversas maneiras: (1) mantém a flexibi- lidade da membrana celular, (2) mantém o transporte de íons através da membrana, (3) mantém o ferro da hemoglobina na forma ferrosa, e não na forma férrica (que causa a formação de metemoglobina, que não transporta oxigênio), e (4) impede a oxidação das proteínas no eritrócito. Todavia, com o decorrer do tempo, esses sistemas metabólicos do eritrócito tornam-se progressivamente menos ativos e a célula fica cada vez mais frágil, presumivelmente devido ao desgaste de seus proces- sos vitais. Quando a membrana do eritrócito torna-se muito frágil, a célula pode sofrer ruptura durante sua passagem através de algum ponto estreitado da circulação. Muitos dos eritrócitos fragmentam-se no baço, onde se espremem através da polpa vermelha do órgão. No baço, os espaços entre as trabéculas estruturais da polpa têm apenas 3 µm de largura, em comparação com o diâmetro de 8 µm do eritrócito. Quando o baço é removido, o número de células anormais e de células velhas que circulam no sangue aumenta de modo considerável. Destruição da hemoglobina. A hemoglobina liberada pelas células quando são destruídas é fagocitada quase imediatamente por macrófagos presentes em muitas partes do organismo, porém sobretudo no fígado (células de Kupffer), no baço e na medula óssea. A seguir, durante período de algumas horas a vários dias, os macrófagos liberam o ferro da hemoglobina que retorna ao sangue, onde é transportado pela transferrina até a medula óssea para a produção de novos eritrócitos ou até o fígado e outros tecidos para armazenamento na forma de ferritina. A fração porfirínica da molécula de hemoglobina é convertida pelos macrófagos, em várias etapas, no pigmento biliar bilirrubina, liberado no sangue e, mais tarde, secretado pelo fígado na bile. Esse processo será discutido, em relação à função hepática, no Cap. 70. 315 ANEMIAS Anemia é uma deficiência de eritrócitos, que pode ser causada por perda muito rápida ou produção demasiado lenta de eritrócitos. A seguir, serão comentados alguns tipos de anemia e suas causas fisiológicas. Anemia por perda de sangue. Após a ocorrência de rápida hemorragia, o organismo repõe o plasma dentro de 1 a 3 dias, mas não corrige a baixa concentração de eritrócitos. Se não houver uma segunda hemorragia, a concentração de eritrócitos normaliza-se em 3 a 4 semanas. Na perda crônica de sangue, o indivíduo quase sempre não consegue absorver ferro do intestino em quantidade suficiente para formar a hemo- globina na mesma velocidade em que ela é perdida. Por conseguinte, ocorre produção de eritrócitos com quantidade muito pequena de hemo- globina em seu interior, dando origem à anemia microcítka hipocrômica, que é ilustrada na Fig. 32.3. Anemia aplástica. Aplasia medular é a ausência de medula óssea funcionante. Por exemplo, pessoa exposta à irradiação com raios gama proveniente de explosão nuclear tem probabilidade de sofrer destruição completa da medula óssea, seguida por anemia letal em poucas semanas. De forma semelhante, a radioterapia excessiva, certos produtos químicos industriais e até mesmo determinados medicamentos a que a pessoa pode ser sensível podem causar o mesmo efeito, Anemia megaloblástica. A partir da exposição feita antes neste capí- tulo sobre a vitamina B12, ácido fólico e o fator intrínseco da mucosa gástrica, pode-se facilmente compreender que a perda de qualquer um desses fatores pode levar à reprodução muito lenta dos eritroblastos na medula óssea. Como conseqüência, essas células crescem demais, adquirem formas irregulares e são denominadas megaloblastos. Por conseguinte, a atrofia da mucosa gástrica, como a que ocorre na anemia perniciosa, ou a perda de todo o estômago, em conseqüência de gastrectomia total, podem resultar no desenvolvimento de anemia megaloblástica. Além disso, os pacientes com espru intestinal, caracterizado por absorção deficiente de ácido fólico, de vitamina B12 e de outros compostos da vitamina B, quase sempre desenvolvem anemia megaloblástica. Como os eritroblastos não podem proliferar com rapidez suficiente para formar números normais de eritrócitos, as células formadas apresentam, em sua maior parte, tamanho exagerado, com formas bizarras e membranas frágeis. Por conseguinte, sofrem ruptura com facilidade, de modo que o organismo passa a ter urgente necessidade de número adequado de eritrócitos. Anemia hemolítica. Numerosas anormalidades dos eritrócitos, muitas das quais são hereditárias, tornam as células muito frágeis, de modo que sofrem ruptura com facilidade ao passar pelos capilares, em particular os do baço. Por conseguinte, embora o número de eritrócitos formados esteja normal, ou até mesmo excessivo, como ocorre em algumas doenças hemolíticas, a sobrevida dos eritrócitos é tão curta que resulta no aparecimento de anemia grave. Dentre esses tipos de anemia destacam-se os que se seguem. Na esferocitose hereditária, os eritrócitos têm tamanho muito peque- no e apresentam forma mais esférica do que bicôncava. Essas células não podem ser comprimidas, visto não terem estrutura normal da mem- brana, em forma de saco frouxo dos discos bicôncavos. Assim, ao atraves- sarem a polpa esplênica, eles se rompem com facilidade, até mesmo por leve compressão. Na anemia falciforme, que ocorre em 0,3 a 1,0% dos negros ameri- canos e da África Ocidental, as células contêm um tipo anormal de hemoglobina, denominada hemoglobina S, resultante da composição anormal das cadeias beta da hemoglobina, como foi explicado antes neste capítulo. Quando a hemoglobina S é exposta a baixas concentrações de oxigênio, ela precipita e forma longos cristais no interior dos eritró- citos. Esses cristais alongam a célula, conferindo-lhe o aspecto de foice em lugar de disco bicôncavo. A hemoglobina precipitada também lesa a membrana celular, de modo que as células tornam-se muito frágeis, com o conseqüente desenvolvimento de anemia grave. Os pacientes quase sempre entram no ciclo vicioso denominado "crise" da anemia falciforme. em que a baixa tensão de oxigênio nos tecidos provoca falcização. o que provoca impedimento do fluxo sanguíneo pelos tecidos, determi- nando, por sua vez, redução maior da tensão de oxigênio. Assim, uma vez iniciado o processo, ele progride rapidamente, causando redução acentuada da massa de eritrócitos em poucas horas e, com freqüência, levando à morte. Na eritroblastose fetal, os eritrócitos Rh-positivos do feto são ataca- dos por anticorpos da mãe Rh-negativa. Esses anticorpos tornam as células frágeis e fazem com que a criança nasça com anemia grave. A eritroblastose fetal é discutida no Cap. 35, em relação ao fator sanguí- neo Rh. A formação extremamente rápida de novos eritrócitos na eritro- blastose fetal resulta na liberação de grande número de formas blásticas de eritrócitos no sangue. Em certas ocasiões, a hemólise também pode resultar de reações transfusionais, de malária, de reações a certos medicamentos, e como processo auto-imune. EFEITOS DA ANEMIA SOBRE O SISTEMA CIRCULATÓRIO A viscosidade do sangue, que foi discutida no Cap. 14, depende quase totalmente da concentração de eritrócitos. Na anemia grave, a viscosidade do sangue pode cair para até uma vez e meia a da água em relação ao valor normal de aproximadamente 3. Essa redução da viscosidade diminui a resistência ao fluxo sanguíneo nos vasos periféricos, de modo que o sangue retorna ao coração em quantidades maiores do que o normal. Além disso, a hipoxia decorrente do menor transporte de oxigênio pelo sangue determina a dilatação dos vasos teciduais, o que permite retomo ainda maior de sangue ao coração, aumentando o débito cardíaco até um nível mais elevado. Por conseguinte, um dos principais efeitos da anemia consiste em aumento acentuado da carga de trabalho sobre o coração. O aumento do débito cardíaco na anemia compensa parcialmente muitos de seus efeitos. De fato, apesar de cada unidade de sangue transportar apenas uma pequena quantidade de oxigênio, a velocidade do fluxo sanguíneo pode estar aumentada a ponto de permitir a liberação de quantidades quase normais de oxigênio nos tecidos. Todavia, quando o indivíduo anêmico começa a efetuar exercícios físicos, o coração não é capaz de bombear sangue em quantidades muito maiores do que as que já está bombeando. Conseqüentemente, durante o exercício, que aumenta acentuadamente a demanda de oxigênio dos tecidos, ocorre hipoxia tecidual extrema, c, com freqüência, verifica-se o desenvolvimento de insuficiência cardíaca aguda. POLICITEMIA Policitemia secundária. Toda vez que os tecidos se tornam hipóxicos, devido a um teor de oxigênio muito baixo na atmosfera, como em grandes altitudes, ou devido a liberação insuficiente de oxigênio nos tecidos, como ocorre na insuficiência cardíaca, os órgãos hematopoéticos automa- ticamente passam a produzir grandes quandidades de eritrócitos. Esta condição é denominada policitemia secundária, e a contagem de eritró- citos costuma aumentar e atingir 6 a 8 milhões/mm3. Uma forma muito comum de policitemia secundária, denominada policitemia fisiológica, ocorre em indivíduos que vivem em altitudes de 4.200 a 5.200 m. Em geral, a contagem atinge 6 a 8 milhões/mm1, e esses indivíduos têm a capacidade de executar um trabalho contínuo e intenso, mesmo em atmosfera rarefeita. Policitemia vera (eritremia). Além dos indivíduos que apresentam policitemia fisiológica, outros têm a condição conhecida como policitemia vera, em que a contagem de eritrócitos pode atingir 7 a 8 milhões, e o hematócrito, 60 a 70%. A policitemia vera é uma condição tumoral dos órgãos produtores de eritrócitos. Causa uma produção excessiva de eritrócitos, da mesma maneira que um tumor de mama leva à produção excessiva de um tipo específico de célula mamaria. Em geral, também provoca produção excessiva de leucócitos e plaquetas. Na policitemia vera, não apenas o hematócrito aumenta, como tam- bém o volume sanguíneo total, que raramente chega a atingir o dobro do valor normal. Como conseqüência, todo o sistema vascular fica inten- samente ingurgitado. Além disso, muitos dos capilares ficam obstruídos devido à viscosidade do sangue, que, na policitemia vera, aumenta, por vezes, de seu valor normal de três vezes para 10 vezes a viscosidade da água. EFEITO DA POLICITEMIA SOBRE O SISTEMA CIRCULATÓRIO Devido ao acentuado aumento da viscosidade do sangue na policite- mia, o fluxo sanguíneo pelos vasos costuma ser muito lento. Com base nos fatores que regulam o retorno de sangue ao coração, conforme 316 discutido no Cap. 20, é óbvio que o aumento da viscosidade tende a reduzir a velocidade do retorno venoso ao coração. Por outro lado, o volume sanguíneo na policitemia está tão aumentado que ele tende a aumentar o retorno venoso. Na verdade, o débito cardíaco na polici- temia não está muito afastado do normal, visto que estes dois fatores se neutralizam mutuamente. A pressão arterial apresenta-se normal na maioria dos indivíduos com policitemia, embora esteja elevada em cerca de um terço dos casos. Isso significa que os mecanismos reguladores da pressão arterial podem geralmente compensar a tendência da viscosidade aumentada do sangue de elevar a resistência periférica, aumentando a pressão arterial. Contudo, além de certos limites, esses mecanismos deixam de funcionar. A cor da pele depende, em grande parte, da quantidade de sangue no plexo subpapilar venoso. Na policitemia vera. a quantidade de sangue nesse plexo fica acentuadamente aumentada. Além disso, como o sangue flui lentamente pelos capilares cutâneos antes de penetrar no plexo venoso, quantidade de hemoglobina maior do que o normal é desoxigenada antes que o sangue penetre nesse plexo. A cor azul dessa hemoglobina desoxigenada mascara a cor vermelha da hemoglobina oxigenada. Por conseguinte, o indivíduo portador de policitemia vera costuma apresentar aspecto corado, quase sempre com totalidade azulada {cianótica) da pele. (Na policitemia secundária, a cianose também é quase sempre evidente, visto ser a hipoxia a causa habitual desse tipo de policitemia.) REFERÊNCIAS Rarnes, D. M.: Blood-forming stem cells purified. Science, 241:24, 1988. Bauer, C, and Kurtz, A.: Erythropoietin produetion in the kidney. News Physiol. Sei., 2:69, 1987. Bauer, C, and Kurtz, A.: Oxygen sensing in the kidney and its relation to erythropoietin produetion. Annu. Rev. Physiol., 51:845,1989. Benz, E. H., Jr., andForge, B. G.: The thalassemia syndromes: Models for the molecular anatysis of human diaease, Annu. Rev. Med., 33:363, 1982 Brain, M. C: Current Therapy in Hematology-Oncology 1983-1984. St. Louis, C. V. Mosby Co.f 1983. Charache, S.: Treatment of sickle cell anemia. Annu. Rev. Med, 32:195,1981. Charlton, R. W., and Buthwell, T. H.: íron absorption. Annu. Rev. 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Além disso, podemos ficar inter- mitentemente expostos a outras bactérias e vírus altamente infecciosos, além dos normalmente presentes em nosso organismo, causando doenças letais, como pneumonia, infecções estreptocócicas e febre tifóide. Felizmente, nosso organismo possui um sistema especial para comba- ter os diferentes agentes infecciosos e tóxicos. Esse sistema é formado pelos leucócitos (glóbulos brancos) e por células teciduais originalmente derivadas dos leucócitos. Essas células atuam em conjunto, de duas maneiras distintas, para impedir a instalação de doença: (1) pela destrui- ção efetiva dos agentes invasores pelo processo da fagocitose e (2) pela formação de anticorpos e linfócitos sensibilizados que, isoladamente ou em conjunto, podem destruir o agente invasor. O presente capítulo irá tratar do primeiro desses mecanismos, enquanto o capítulo seguinte des- creverá o segundo. LEUCÓCITOS(GLÓBULOSBRANCOS) Os leucócitos são as unidades móveis do sistema protetor do orga- nismo. São formados, em parte, na medula óssea (os granulócitos e monócitos, bem como alguns linfócitos), e, em parte, no tecido linfóide ( linfócitos e plasmócitos); todavia, após sua formação, são transportados no sangue para as diferentes partes do organismo onde irão atuar O verdadeiro valor dos leucócitos é que, em sua maior parte, são transpor- tados especificamente para as áreas de inflamação grave, proporcio- nando, assim, defesa rápida e potente contra qualquer agente infeccioso que possa estar presente. Como veremos adiante, os granulócitos e os monócitos têm a capacidade especial de "procurar e destruir" qualquer invasor estranho. CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS LEUCÓCITOS Tipos de leucócitos. Normalmente, encontramos seis tipos diferentes de leucócitos no sangue: neutrofilós polimorfonucleares, eosinófilos poli- morfonucleares, basófilos polimorfonucleares, monócitos, linfócitos e al- guns plasmócitos. Além disso, há um grande número de plaquetas, que consistem em fragmentos de um sétimo tipo de célula encontrada na medula óssea, o megacariócito. Os três tipos de células polimorfonu- cleadas possuem aspecto granular, conforme ilustrado na Fig. 33.1, razão pela qual são denominados granulócitos ou, na terminologia clínica, sim- plesmente "poli". Os granulócitos e os monócitos protegem o organismo contra os microrganismos invasores ao ingeri-los — isto é, pelo processo da fagoci- tose. Os linfócitos e os plasmócitos funcionam principalmente em conexão com o sistema imune; isso será discutido no capítulo seguinte. Todavia, certos linfócitos têm por função fixar-se a microrganismos invasores espe- cíficos e destruí-los, atuando de forma semelhante aos granulócitos e monócitos. Por fim, a função das plaquetas consiste principalmente em ativar o mecanismo da coagulação sangüínea, discutido no Cap. 36. Concentrações dos diferentes leucócitos no sangue. O ser humano adulto possui aproximadamente 7.000 leucócitos por microlitro de sangue. As percentagens normais dos diferentes tipos de leucócitos são aproximadamente as seguintes: Neutrófitos polimorfonucleares 62,0% Eosinófitos polimorfonucleares 2,3 % Basófilos polimorfonucleares 0,4 % Monócitos 5,3 % Linfócitos 30,0 % O número de plaquetas, que consistem apenas em fragmentos celula- res, é normalmente de cerca de 300.000 por mililitro de sangue. GÊNESE DOS LEUCÓCITOS No capítulo anterior, a diferenciação inicial da célula-tronco hemo- poética pluripotencial nos diferentes tipos de células-tronco compro- missadas foi mostrada na Fig. 32.2. Além das células compromissadas para a formação de eritrócitos, existem também duas grandes linhagens de leucócitos, as linhagens mielocítica e linfocítica. A Fig. 33.1 apresenta à esquerda, a linhagem mielocítica, começando pelo mieloblasto; à direita está a linhagem linfocitica, que começa pelo linfoblasto. Os granulócitos e monócitos só são formados na medula óssea. Os linfócitos e os plasmócitos são produzidos principalmente nos vários órgãos linfogênicos, incluindo os gânglios linfáticos, o baço, o timo, as amígdalas e vários restos linfóides na medula óssea, no intestino e em outros locais. Os leucócitos formados na medula óssea, sobretudo os granulócitos, são armazenados no interior da medula até que sua presença seja neces- sária no sistema circulatório. Quando surge essa necessidade, vários fatores, que serão discutidos adiante, provocam sua liberação. Normal- mente, existem cerca de três vezes mais granulócitos armazenados na medula do que no sangue circulante. Isso representa um suprimento de granulócitos para cerca de 6 dias. Conforme ilustrado na Fig. 33.1 os megacariócitos também são for- mados na medula óssea e fazem parte do grupo mielogênico de células medulares. Esses megacariócitos fragmentam-se na medula óssea, e os pequenos fragmentos, conhecidos como plaquetas, ou trombócitos, pas- sam, então, para o sangue. 318 Fig. 33.1 Gênese dos leucócitos. As diversas células da série mielóide são: 1, mieloblasto; 2, pró-mielócito; 3, megacariócito; 4, mielócito neutrófilo; 5, metamie-lócito neutrófilo jovem; 6, metamielócito neutrófilo "em bastão; 7, neutrófilo polimorfonuclear; 8, mielócito eosinófilo; 9, metamielócito eosinófilo; 10, eosi-nófilo polimorfonuclear; 11, mielócito basófilo; 12, basófilo polimorfonuclear; 13-16, estágios de formação dos monócitos. TEMPO DE SOBREVIDA DOS LEUCÓCITOS Os leucócitos estão presentes no sangue porque simplesmente são transportados da medula óssea ou do tecido linfóide para as áreas do corpo onde são necessários. Quando liberados pela medula óssea, a sobrevida dos granulócitos é normalmente de 4 a 8 horas no sangue e de mais 4 a 5 dias nos tecidos. Na presença de infecção tecidual grave, esse tempo de sobrevida total quase sempre diminui para algumas horas, visto que os granulócitos dirigem-se rapidamente para a área infectada, desempenham sua função e. nesse processo, são destruídos. Os monócitus também possuem tempo de trânsito curto no sangue, da ordem de 10 a 20 horas, antes de atravessarem as membranas capilares para se dirigirem aos tecidos. Todavia, uma vez nesses tecidos, aumentam acentuadamente de tamanho e transformam-se em macrófagos teciduais; sob essa forma, podem sobreviver durante meses ou até anos, a não ser que sejam destruídos ao desempenhar sua função fagocítica. Esses macrófagos teciduais formam a base do sistema de macrófagos teciduais, responsável pela defesa contínua dos tecidos contra a infecção, como discutiremos adiante neste capítulo. Os linfócitos penetram continuamente no sistema circulatório com a drenagem da linfa dos linfonodos. A seguir, depois de algumas horas, penetram nos tecidos por diapedese; a seguir, voltam ã linfa e retornam ao sangue, repetidamente, de modo que existe circulação contínua de linfócitos pelos tecidos. Os linfócitos possuem tempo de sobrevida de vários meses ou anos, embora isso dependa das necessidades do orga- nismo. As plaquetas no sangue são totalmente substituídas a cada 10 dias, aproximadamente. Em outras palavras, cerca de 30.000 plaquetas são formadas, por dia, para cada microlitro de sangue. Diapedese. Os neutrófilos e monócitos são capazes de espremer-se através dos poros dos vasos sanguíneos pelo processo conhecido como diapedese. Isto é. mesmo quando o poro é bem menor do que a célula, uma pequena parte dessa célula desliza através do poro, ficando essa porção reduzida ao tamanho do poro, como ilustra a Fig. 33.2. Movimento amebóide. Tanto os neutrófilos como os macrófagos des- locam-se pelos tecidos por movimento amebóide, que foi descrito no Cap. 2. Algumas células podem deslocar-se com velocidade de até 40 µm / min, o que corresponde a várias vezes o seu próprio comprimento a cada minuto. Quimiotaxia. Muitas substâncias químicas nos tecidos induzem o deslocamento de neutrófilos e macrófagos em direção à fonte dessa subs- tância química. Esse fenômeno, ilustrado na Fig. 33.2, é conhecido como quimiotaxia. Quando o tecido fica inflamado, verifica-se a formação de pelo menos uma dúzia de diferentes produtos passíveis de induzir quimiotaxia para a área inflamada. Essas substâncias incluem (1) algumas das toxinas bacterianas, (2) produtos degenerativos dos próprios tecidos inflamados, (3) vários produtos de reação do "complexo do comple- mento" (que será discutido no próximo capítulo), e (4) diversos produtos da reação produzidos durante a coagulação do plasma na área inflamada, bem como outras substâncias. PROPRIEDADES DE DEFESA DOS NEUTRÒFILOS E MONÓCITOS-MACRÓFAGOS São principalmente os neutrófilos e os monócitos que atacam e destroem as bactérias e os vírus invasores, bem como outros agentes lesivos. Os neutrófilos são células maduras capazes de atacar e destruir bactérias e vírus, mesmo no sangue circulante. Por outro lado, os monó- citos circulantes são células imaturas que possuem pouca capacidade de combater agentes infecciosos. Entretanto, quando penetram nos teci- dos, começam a intumescer, aumentando seu diâmetro por até cinco vezes, isto é, até 80 µm. permitindo sua visualização a olho nu. Além disso, um número extremamente elevado de lisossomas aparece no seu citoplasma, conferindo-lhe o aspecto de uma bolsa repleta de grânulos. Nesse estágio, as células são denominadas macrófagos e têm a capacidade de combater os agentes patogênicos. Fig. 33.2 Movimento dos neutrófilos pelo processo da quimiotaxia para uma área de lesão tecidual. 319 Conforme ilustrado na Fig. 33.2, a qurmiotaxia depende do gradiente de concentração da substância quimiotáxica. Essa concentração é maior próximo à sua origem, determinando o movimento direcional dos leucó- citos. A quimiotaxia é muito eficaz até distâncias de 100 µm do tecido inflamado; como quase nenhuma área de tecido está situada a distância de mais de 30 a 50 µm de um capilar, o sinal quimiotáxico pode facilmente atrair grandes hordas de leucócitos dos capilares para a área inflamada. FAGOCITOSE A mais importante função dos neutrófilos e macrófagos é a fago- citose. Obviamente, os fagócitos devem ser seletivos quanto ao material a ser fagocitado, pois, do contrário, algumas das células e estruturas normais do organismo poderiam ser ingeridas. A ocorrência ou não de fagocitose depende, em particular, de três procedimentos seletivos. Em primeiro lugar, se a superfície de uma partícula for áspera, a probabi- lidade de ser fagocitada aumenta. Em segundo lugar, a maior parte das substâncias naturais do organismo possui revestimentos protetores de proteína que repelem os fagócitos. Por outro lado, os tecidos mortos e as partículas estranhas quase sempre não possuem esse revestimento protetor, e muitas exibem forte carga elétrica, tornando-as sujeitas ã fagocitose. Em terceiro lugar, o organismo possui meio específico para reconhecer certos materiais estranhos. Esta é a função do sistema imune, que será descrito no capítulo seguinte. O sistema imune torna anticorpos contra agentes infecciosos, como as bactérias. A seguir, as regiões variá- veis dos anticorpos aderem às membranas bacterianas, tornando essas bactérias especialmente suscetíveis à fagocitose. Para isso, a região cons- tante da molécula de anticorpo combina-se com o produto C3 da cascata do complemento, que representa outra parte do sistema imune que será discutido no capítulo seguinte. A seguir, as moléculas de C3 fixam-se aos receptores sobre a membrana do fagócito, iniciando, assim, a fagoci- tose. Todo esse processo é denominado opsonização. Fagocitose pelos neutrófilos. Os neutrófilos que penetram nos tecidos já são células maduras capazes de iniciar imediatamente a fagocitose. Ao aproximar-se da partícula a ser fagocitada, o neutrófilo fixa-se a ela, projeta em seguida pseudópodos em todas as direções em torno da partícula, que se unem no lado oposto e se fundem. Forma-se dessa maneira uma câmara fechada contendo a partícula fagocitada. A seguir, a câmara se invagina para o interior do citoplasma e separa-se da mem- brana celular externa, formando uma vesícula fagocítica (também deno- minada fagossoma ) que flutua livremente no citoplasma. Um neutrófilo pode, em geral, fagocitar 5 a 20 bactérias antes de se tornar inativo e morrer. Fagocitose pelos macrófagos. Os macrófagos, quando ativados pelo sistema imune descrito no capítulo seguinte, são fagócitos muito mais potentes do que os neutrófilos e, com freqüência, são capazes de fagocitar até 100 bactérias. Além disso, têm a capacidade de engolfar partículas muito maiores, até mesmo eritrócitos ou parasitas da malária, enquanto os neutrófilos são incapazes de fagocitar partículas muito maiores do que as bactérias. Além disso, os macrófagos após digerir as partículas, podem expelir os produtos residuais e, com freqüência, sobrevivem du- rante muitos meses. Digestão enzimática das partículas fagocitadas. Uma vez fagocitada uma partícula estranha, os lisossomas e outros grânulos citoplasmáticos entram imediatamente em contato com a vesícula fagocítica e suas membranas se fundem com a da vesícula, permitindo a passagem de muitas enzimas digestivas e agentes bactericidas para o interior da vesícula. Por conseguinte, a vesícula fagocítica transforma-se em vesícula digestiva, e a digestão da partícula fagocitada começa imediatamente. Tanto os neutrófilos quanto os macrófagos possuem quantidades abundantes de lisossomas repletos de enzimas proteolíticas, especialmente apropriadas para a digestão de bactérias e outros materiais protéicos estranhos. Os lisossomas dos macrófagos também contêm grandes quantidades de lipa-ses, que digerem as espessas membranas lipídicas de algumas bactérias. Capacidade dos neutrófilos e dos macrófagos de matar bactérias. Além da digestão das bactérias ingeridas nos fagossomas, os neutrófilos e os macrófagos também contêm agentes bactericidas que matam a maioria das bactérias, mesmo quando as enzimas lisossômicas não conseguem digeri-las. Isso é especialmente importante considerando-se o fato de que algumas bactérias possuem revestimentos protetores ou outros fatores que impedem sua destruição pelas enzimas digestivas. Grande parte desse efeito letal resulta de vários agentes oxidantes poderosos, formados por enzimas na membrana da fagossoma ou pela organela especial, denominada peroxissoma. Esses agentes oxidantes incluem grandes quantidades de superâxido (O;), peróxido de hidrogênio (H2O2) e íons hidroxila (—OH"), todos letais para a maioria das bactérias, mesmo em quantidades muito pequenas. Além disso, uma das enzimas lisossômicas, a mieloperoxidase, catalisa a reação entre H2O2 e os íons cloreto para formar hipoclorito, que é extremamente bactericida. Outra substância lisossômica letal para muitas bactérias no fagos- soma é a Usozima, um composto químico passível de provocar a dissolu- ção das membranas lipídicas das bactérias. Todavia, infelizmente, algumas bactérias — em particular o bacilo da tuberculose — possuem revestimentos resistentes à digestão lisossô- mica e, ao mesmo tempo, secretam substâncias que resistem até mesmo aos efeitos letais dos neutrófilos e macrófagos. Com freqüência, essas bactérias são responsáveis por muitas das doenças crônicas. O SISTEMA DOS MONÓCITOS-MACRÓFAGOS E O SISTEMA RETICULOENDOTELIAL Nos parágrafos anteriores, descrevemos os macrófagos principal- mente como células móveis, capazes de se deslocarem através dos tecidos. Todavia, numerosos monócitos, ao penetrarem nos tecidos e após se transformarem em macrófagos, fixam-se aos tecidos e aí permanecem durante meses ou até mesmo anos, a não ser que sua presença seja exigida para o desempenho de funções protetoras específicas. Possuem as mesmas capacidades dos macrófagos móveis de fagocitar grandes quan- tidades de bactérias, vírus, tecido necrótico ou outras partículas estranhas no tecido. Quando apropriadamente estimulados, podem desfazer seus pontos de fixação, transformando-se em macrófagos móveis que respon- dem à quimiotaxia e a todos os outros estímulos relacionados ao processo inflamatório. A combinação de monócitos, macrófagos móveis, macrófagos teci- duais fixos e algumas células endoteliais especializadas na medula óssea, no baço e nos linfonodos é conhecida como sistema reticuloendotelial. A razão da reunião de todas essas células em sistema único é que todas exibem propriedades fagocíticas semelhantes. Além disso, todas ou quase todas essas células originam-se de células-tronco monocíticas. Por conse- guinte, o sistema reticuloendotelial é quase sinônimo de sistema dos monócitos-macrófagos. Todavia, como o termo "sistema reticuloendo- telial" é muito mais conhecido na literatura médica do que o termo "sistema dos monócitos-macrófagos", ele deve ser lembrado como siste- ma fagocítico generalizado localizado em todos os tecidos, porém espe- cialmente nas áreas onde grandes quantidades de partículas, toxinas e outras substâncias não desejadas devem ser destruídas. Macrófagos teciduais na pele e nos tecidos subcutâneos ( histiocitos ). Apesar de a pele ser normalmente inexpugnável a agentes infecciosos, essa qualidade não se mantém quando sua integridade é rompida. Nos casos em que a infecção se instala nos tecidos subcutâneos, seguida de inflamação local, os macrófagos teciduais podem reproduzir-se in situ, formando mais macrófagos. A seguir, essas células desempenham suas funções habituais de atacar e destruir os agentes infecciosos, conforme descrito antes. Macrófagos dos linfonodos. Essencialmente, nenhum material particulado que penetra nos tecidos pode ser diretamente absorvido pelo sangue através das membranas capilares. Com efeito, se as partículas não forem destruídas localmente nos tecidos, elas penetram na linfa e fluem pelos vasos linfáticos para os linfonodos situados intermitentemente ao longo dos linfáticos. As partículas estranhas são aí capturadas na rede de seios revestidos de macrófagos teciduais. A Fig. 33.3 ilustra a organização geral do linfonodo, mostrando a entrada da linfa pelos linfáticos aferentes, fluindo através dos seios medulares e, finalmente, saindo pelo hilo para os linfáticos eferentes. Os seios são revestidos por grande número de macrófagos, e, se alguma partícula penetrar nos seios, os macrófagos a fagocitam e impedem sua disseminação geral por todo o organismo. Macrófagos alveolares. O sistema respiratório constitui outra via pela qual os microrganismos invasores freqüentemente penetram no organismo. Felizmente, os macrófagos teciduais estão presentes em grande número como componentes integrantes das paredes alveolares. São capazes de fagocitar partículas que ficaram retidas nos alvéolos. Se as partículas forem digeríveis, os macrófagos também podem digeri-las e liberar os produtos digestivos na linfa. 320 Fig. 33.3 Diagrama funcional de um linfonodo. (Redesenhado de Ham: Histology. Philadelphia, J.B. Lippincott Co., 1971.) Fig. 33.5 Estruturas funcionais do baço (Modificado de Bloom e Faw- cett. Textbook of Histology. Philadelphia, W.B. SaundersCo., 1975.) Se as partículas não forem digeríveis, os macrófagos formam quase sempre uma cápsula de "célula gigante" em torno da partícula até que seja lentamente dissolvida. Essas cápsulas são quase sempre formadas em torno dos bacilos da tuberculose, de partículas de pó de sílica e até mesmo de partículas de carvão. Macrófagos teciduais (células de Kupffer) nos seios hepáticos. O tubo gastrintestinal é outra via favorita pela qual as bactérias invadem o organismo. Grande número de bactérias passa constantemente através da mucosa gastrintestinal para o sangue porta. Todavia, antes que esse sangue entre na circulação geral, ele deve atravessar os seios hepáticos, que são revestidos por macrófagos teciduais, denominados células de Kupffer. Essas células, ilustradas na Fig. 33.4, formam um sistema de filtração de partículas tão eficiente que quase nenhuma bactéria do tubo gastrintestinal consegue passar do sangue porta para a circulação sistê- mica geral. Na realidade, registros cinematográficos de fagocitose por células de Kupffer demonstraram a fagocitose de bactéria única em menos de 0,01 segundo. Macrófagos do baço e da medula óssea. Sc um microrganismo invasor conseguir atingir a circulação geral, ainda restam outras linhas de defesa representadas pelo sistema de macrófagos teciduais, em particular pelos macrófagos do baço e da medula óssea. Em ambos os tecidos, os macró- fagos ficam retidos na rede reticular desses dois órgãos, e, quando partí- culas estranhas entram em contato com eles, são fagocitadas. O baço é semelhante aos linfonodos, exceto que o sangue, em vez de linfa, flui através de seu tecido. A Fig. 33,5 ilustra a estrutura geral do baço, mostrando um pequeno segmento periférico. Observe que uma pequena artéria da cápsula esplênica penetra na polpa esplênica e termina em pequenos capilares. Os capilares são muito porosos, permi- tindo a passagem de grande número de células sangüíneas dos capilares para os cordões da polpa vermelha. A seguir, essas células espremem-se gradualmente através da rede trabecular dos cordões e, eventualmente, retornam à circulação através das paredes arteriais dos seios venosos. As trabéculas da polpa vermelha são revestidas por grande número de macrófagos, da mesma forma que os seios venosos. Essa passagem carac- terística do sangue através dos cordões da polpa vermelha constitui um meio excepcional para a fagocitose de restos indesejáveis no sangue, sobretudo eritrócitos velhos e anormais. INFLAMAÇÃO E FUNÇÃO DOS NEUTRÓFILOS E MACRÓFAGOS Fig. 33.4 Células de Kupffer revestindo os sinusóides hepáticos, mostrando a fagocitose de partículas de tinta nanquim. (Redesenhado de Copenhaver et ai.: Bailey's Textbook of Histology. Baltimore, Williams & Wilkins, 1969.) O PROCESSO DA INFLAMAÇÃO Quando ocorre lesão tecidual, seja ela causada por bactérias, trau- matismo, agentes químicos, calor ou qualquer outro fenômeno, os tecidos lesados liberam várias substâncias que provocam importantes alterações secundárias nos tecidos. Todo o complexo dessas alterações teciduais é conhecido como inflamação. A inflamação caracteriza-se (1) pela vaso- dilatação dos vasos sanguíneos locais, com o conseqüente excesso do fluxo sanguíneo local, (2) pelo aumento da permeabilidade dos capilares, com extravasamento de grande quantidade de líquidos para os espaços intersticiais, (3) quase sempre pela coagulação do líquido nos espaços intersticiais, devido às quantidades excessivas de fibrinogênio e de outras proteínas que vazaram dos capilares, (4) pela migração de grande número de granulócitos e monócitos para o tecido, e (5) pela intumescência das células. Alguns dos produtos teciduais responsáveis por essas reações incluem histamina, bradicinina. serotonina, prostagiandinas, diversos produtos de reação do sistema do complemento (que serão descritos no capítulo seguinte), produtos de reação do sistema da coagulação sangüínea e diversas substâncias hormonais denominadas linfoquinas que são libera- das por células T sensibilizadas (que fazem parte do sistema imune, como também veremos no capítulo seguinte). Várias dessas substâncias ativam fortemente o sistema dos macrófagos, de modo que. em poucas horas, essas células começam a devorar o tecido destruído; entretanto, algumas vezes, os macrófagos também lesam as células que ainda estão vivas. O efeito de "enclausuramento" da inflamação. Um dos primeiros resultados da inflamação é o "enclausuramento" da área de lesão em relação aos outros tecidos. 0s espaços teciduais e os linfáticos da área inflamada são bloqueados por coágulos de fibrinogênio, de modo que os líquidos circulam muito pouco através desses espaços. Por conseguinte, esse processo de confinamento retarda a 321 propagação das bactérias ou dos produtos tóxicos. A intensidade do processo inflamatório costuma ser proporcional ao grau de lesão tecidual. Por exemplo, os estafilococos que invadem os tecidos liberam toxinas celulares extremamente letais. Como conseqüência, o processo de inflamação desenvolve-se rapidamente — na realidade, muito mais rapidamente do que os próprios estafilococos podem multiplicar-se e propagar-se. Por conseguinte, a infecção estafílo- cócica é tipicamente enclausurada com muita rapidez. Por outro lado, os estreptococos não causam essa intensa destruição tecidual local. Assim, o processo de enclausuramento desenvolve-se lentamente, enquanto os estreptococos reproduzem-se e migram. Assim, os estreptococos têm tendência muito maior do que os estafilococos a propagar-se por todo o organismo e a causar morte, embora os estafilococos sejam muito mais destrutivos para os tecidos. RESPOSTA DOS MACROFAGOS E NEUTRÓFILOS À INFLAMAÇÃO O macrófago tecidual como primeira linha de defesa. Dentro de poucos minutos após o início da inflamação, os macrófagos que já estão presentes nos tecidos, sejam eles histiócitos nos tecidos subcutâneas, macrófagos alveolares nos pulmões, micróglia no cérebro, ou outros, começam imediatamente sua ação fagocítica. Quando ativados pelos produtos da inflamação, o primeiro efeito consiste no rápido aumento do número de cada uma dessas células. A seguir, muitos dos macrófagos antes fixos rompem sua fixação e tornam-se móveis, constituindo a pri- meira linha de defesa contra a infecção dentro da primeira hora, Infeliz- mente, seu número quase sempre não é muito grande. Invasão da área inflamada pelos neutrófilos — a segunda linha de defesa. Também nas primeiras horas após o início da inflamação, grande número de neutrófilos começa a invadir a área inflamada, proveniente da corrente sangüínea. Essa migração é determinada por produtos dos tecidos inflamados que desencadeiam as seguintes reações: (1) alteram a superfície interna do endotélio capilar, permitindo a aderência dos neutrófilos às paredes capilares na área inflamada. Esse efeito, denomi- nado marginação, é ilustrado na Fig. 32.2. (2) Causam a separação das células endoteliais dos capilares e das pequenas vênulas. permitindo a formação de orifícios grandes o suficiente para permitir a passagem dos neutro"filós por diapedese para os espaços teciduais. (3) Outros produ- tos da inflamação causam quimiotaxia dos neutrófilos para os tecidos lesados, como foi explicado em seção anterior. Por conseguinte, dentro de algumas horas após o início da lesão tecidual, a área fica bem suprida com neutrófilos. Como os neutrófilos circulantes são células já maduras, podem começar imediatamente sua função de limpeza, removendo os materiais estranhos. Aumento agudo dos neutrófilos no sangue — "neutrofilia". Também dentro de poucas horas após o início de inflamação intensa e aguda, o número de neutrófilos no sangue aumenta, algumas vezes, por quatro a cinco vezes o seu valor normal — atingindo 15.000 a 25.000 por micro-litro. Esse fenômeno é denominado neutrofilia, que significa aumento do número de neutrófilos no sangue. A neutrofilia é causada por produtos da inflamação que penetram na corrente sangüínea e que são transportados até a medula óssea, onde atuam sobre os capilares medulares e os neutrófilos armazenados, mobilizando-os imediatamente para o sangue circulante. Obviamente, esse processo faz com que maior número de neutrófilos fique disponível para a área tecidual inflamada. Invasão do tecido inflamado por monócitos-macrófagos — a terceira linha de defesa. Juntamente com a invasão dos neutrófilos, os monócitos do sangue periférico também penetram no tecido inflamado. Todavia. o número de monócitos no sangue circulante é baixo, e, além disso, o compartimento de armazenamento dos monócitos na medula óssea é muito menor que os dos neutrófilos. Por conseguinte, o estabelecimento dos monócitos na área tecidual inflamada é muito mais lento do que o dos neutrófilos, exigindo vários dias para se tornar efetivo. Além disso, mesmo após invadirem o tecido inflamado, os monócitos são células ainda imaturas, que necessitam de 8 horas ou mais para atingir tamanho muito maior e produzir grande quantidade de lisossomas para adquirir a plena capacidade de fagocitose. Assim, depois de alguns dias a várias semanas, os macrófagos finalmente passam a ser as células fagocíticas dominantes da área inflamada, devido ao enorme aumento da produção medular de monócitos, conforme explicado adiante. Antes, frisamos que os macrófagos são capazes de fagocitar um número muito maior de bactérias e de partículas bem maiores que os neutrófilos, fagocitando inclusive os próprios neutrófilos e grandes quan- tidades de tecido necrótico. Além disso, os macrófagos desempenham papel importante no desencadeamento da produção de anticorpos, como discutiremos no próximo capítulo. Aumento da produção de granulócitos e monócitos pela medula óssea — a quarta linha de defesa. A quarta linha de defesa consiste no aumento acentuado da produção de granulócitos e monócitos pela medula óssea. Isso resulta da estimulação das células - tronco granulocíticas e monocíticas compromissadas. Entretanto, são necessários 3 a 4 dias para que os granulócitos e monócitos recém - formados cheguem ao estágio de abandonar a medula óssea. Se o estímulo do tecido inflamado prosseguir, a medula óssea pode continuar a produzir essas células em quantidades enormes durante meses e até mesmo anos, algumas vezes com velocidade de produção de ate 50 vezes o normal. Controle por feedback das respostas dos macrófagos e neutrófítos Embora mais de duas dúzias de diferentes fatores tenham sido impli- cados no controle da resposta dos macrófagos e neutrófilos à inflamação, acredita-se que cinco desses fatores desempenhem os papéis dominantes. Esses fatores, ilustrados na Fig. 33.6, incluem: (1) fator de necrose tumoral (TNF), (2) interleuquina-1 (IL-1), (3) fator estimulante de colônias de granulócitos - monócitos (GM-CSF), (4) fator estimulante de colônias de granulócitos (G-CSF), e (5) fator estimulante de colônias de monócitos (M-CSF). Os dois primeiros, o TNF e a IL-1, parecem iniciar a maioria dos outros eventos. H provável que todos os cinco fatores sejam formados principalmente por macrófagos ativados nos tecidos inflamados e, em menores quantidades, por outras células do tecido inflamado. O aumento da produção de granulócitos e monócitos pela medula óssea é devido principalmente aos três fatores estimulantes de colônias; um deles, o GM-CSF, estimula a produção de granulócitos e monócitos, enquanto os outros dois, isto é, o G-CSF e o M-CSF, estimulam a produção de granulócitos e monócitos. Assim, essa combinação de TNF, IL-1 e de fatores estimulantes de colônia, juntamente com outros fatores menos importantes, propor- ciona um poderoso mecanismo de feedback que começa com a inflamação tecidual, prossegue com a formação de leucócitos para defesa e, por fim. termina com a remoção da causa da inflamação. Formação de pus Quando os neutrófilos e os macrófagos englobam grandes quanti- dades de bactérias e de tecido necrótico, praticamente todos os neutró- filos e muitos, se não todos, macrófagos eventualmente morrem. Depois de vários dias, forma-se quase sempre uma cavidade no tecido inflamado contendo quantidades variáveis de tecido necrótico, neutrófilos e macró- fagos mortos. Essa mistura é geralmente conhecida como pus. Uma vez suprimida a infecção, as células mortas e o tecido necrótico no pus sofrem autólise gradual no decorrer de vários dias, e os produtos finais dessa autólise costumam ser absorvidos pelos tecidos circundantes, até desaparecimento da maioria dos sinais de lesão tecidual. EOSINÓFILOS Em condições normais, os eosinófilos constituem 2 a 3% de todos os leucócitos circulantes. Os eosinófilos são fagócitos fracos, capazes de quimiotaxia: todavia, em comparação com os neutrófilos, é duvidoso que essas células tenham importância significativa na proteção do orga- nismo contra os tipos comuns de infecção. Por outro lado, os eosinófilos são quase sempre produzidos em grande número por indivíduos com infecções parasitárias e migram para os tecidos afetados pelos parasitas. Embora os parasitas sejam em sua maior parte grandes demais para serem fagocitados pelos eosinófilos ou por qualquer outra célula fagocítica, os eosinófilos fixam-se a eles e liberam substâncias que matam muitos deles. Por exemplo, uma das infecções mais disseminadas em todo o mundo é a esquistossomose, uma parasitose encontrada em até um terço da população de alguns países tropicais. O parasita invade literalmente qualquer parte do orga- 322 Fig. 33.6 Controle da produção pela medula óssea de granulócitos e de monócitos-macrófagos em resposta aos múltiplos fatores de cresci- mento liberados por macrófagos ativados no tecido inflamado. (TNF, fator de necrose tecidual; IL-1, interleuquina-1; CM-CSF, fator estimu- lante de colônias de granulócitos-monócitos; G-CSF, fator estimulante de colônias de granulócitos; M-CSF, fator estimulante de colônias de monócitos-macrófagos.) nismo. Os eosinófilos fixam-se às formas juvenis do parasita, matando muitas delas. Para isso. atuam de diversas maneiras: (1) liberam enzimas hidrotíticas de seus grânulos, que são lisossomas modificados, (2) prova- velmente também liberam formas de oxigênio altamente reativas, que são muito letais, e (3) liberam de seus grânulos um polipeptidio altamente larvicida, denominado proteína básica principal (MBP, major baste protein). Nos Estados Unidos, outra doença parasitária que provoca eosinofilia é a triquinose, que resulta da invasão dos músculos pelo parasita Trichinella ("verme do porco") após a ingestão de carne de porco não cozida. Os eosinófilos também possuem tendência especial a acumular-se em tecidos nos quais ocorreram reações alérgicas, como nos tecidos peribrônquicos dos pulmões em pessoas asmáticas, na pele após reações cutâneas alérgicas, e assim por diante. Esse acúmulo resulta, pelo menos em parte, da participação de muitos mastócitos e basófilos nas reações alérgicas, como veremos na seção seguinte; essas células liberam o fator quimiotático dos eosinófilos, que provoca a migração de eosinófilos para o tecido alérgico inflamado. Acredita-se que os eosinófilos tenham capacidade de destoxificar algumas das substâncias produtoras da inflamação, liberadas por mastócitos e por basófilos, e, talvez de fagocitar e destruir complexos alérgeno-anticorpo, impedindo a propagação do processo inflamatório local. BASÓFILOS Os basófilos encontrados no sangue circulante são muito semelhan- tes, embora não idênticos, aos grandes mastócitos localizados imediata- mente na parte externa de muitos dos capilares do organismo. Ambas as células liberam heparina no sangue, uma substância capaz de impedir a coagulação sangüínea e que também pode acelerar a remoção de partí- culas de gordura do sangue após refeição rica em gordura. Os mastócitos e os basófiios também liberam histamina, bem como quantidades menores de bradicinina e serotonina. Com efeito, são princi- palmente os mastócitos nos tecidos inflamados que liberam essas substân- cias durante a inflamação. Os mastócitos e os basófilos desempenham papel extremamente importante em alguns tipos de reação alérgica, visto que o tipo de anti- corpo que provoca reações alérgicas, o IgE Cap. 34), tem tendência especial a fixar-se aos mastócitos e basófilos. A seguir, o antígeno espe- cífico reage com o anticorpo, e a ligação resultante do antígeno ao anti- corpo faz com que o mastócito ou o basófilo sofra ruptura, liberando quantidades extremamente grandes de histamina, bradicinina, seroto- nina, heparina, substância de reação lenta da anafilaxia e várias enzimas lisossômicas. Estas, por sua vez, produzem reações teciduais e vasculares locais que causam as manifestações alérgicas. Esses efeitos serão discu- tidos com maiores detalhes no capítulo seguinte. LEUCOPENIA A condição clínica conhecida como leucopenia ou agranulocitose ocorre ocasionalmente e caracteriza-se pela interrupção da produção de leucócitos pela medula óssea, deixando o organismo desprotegido contra bactérias c outros agentes que possam invadir os tecidos. Normalmente, o corpo humano vive em simbiose com muitas bacté- rias, visto que todas as mucosas do organismo estão constantemente expostas a grande número de bactérias. A boca quase sempre contém várias bactérias — espiroquetas, pneumococos e estreptococos — e essas mesmas bactérias podem ser encontradas, em menor número, em todo o aparelho respiratório. O tubo gastrintestinal contém quantidades abun- dantes de bacilos colônicos. Além disso, podemos encontrar quase sem- pre bactérias nos olhos, na uretra e na vagina. Por conseguinte, qualquer declínio do número de leucócitos permite imediatamente a invasão dos tecidos por bactérias que já estão presentes no organismo. Dentro de 2 dias após a medula óssea interromper sua produção de leucócitos, podem aparecer úlceras na boca e no cólon, ou o indivíduo pode desen- volver alguma forma de infecção respiratória grave. As bactérias das úlceras invadem rapidamente os tecidos circundantes e o sangue. Sem tratamento, a morte quase sempre ocorre dentro de 3 a 6 dias após o início da leucopenia total aguda. A irradiação do corpo por raios gama de explosão nuclear ou a exposição a medicamentos e substâncias químicas contendo núcleos de henzeno ou de antraceno têm muita probabilidade de causar aplasia da medula óssea. Com efeito, alguns medicamentos comuns, como o cloranfenicol (antibiótico), o tiouracil (utilizado no tratamento da tireoto- xicose) e até mesmo os vários barbitúricos hipnóticos provocam, em certas ocasiões, agranulocitose (ou aplasia da medula óssea, em que não há produção de nenhum tipo celular — inclusive eritrócitos — pela medula óssea), desencadeando, assim, toda a sequência infecciosa dessa doença. Após lesão da medula óssea por irradiação, algumas células-tronco. mieloblastos e hemocitoblastos geralmente não são destruídos e têm capacidade de regenerar a medula óssea, contanto que haja tempo sufi- ciente. Por conseguinte, o paciente adequadamente tratado com antibió- ticos e outros medicamentos para deter a infecção costuma formar nova medula óssea dentro de semanas a meses, permitindo a normalização da concentração de células sangüíneas. 323 LEUCEMIAS A produção descontrolada