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36 Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v. 2, n. 1, p. 36-49 - 2001 A BIOMECÂNICA EM EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR Prof. Dr. Luiz Alberto Batista Doutor em Ciências do Desporto Instituto de Educação Física e Desportos Universidade do Estado do Rio de Janeiro RESUMO. O professor de Educação Física recebe durante sua educação pro- fissional, uma grande quantidade de distintos conhecimentos. É fato conhe- cido que este conhecimento deve ser utilizado no momento em que ele está diante de seus alunos. Contudo, nem sempre essa aplicação ocorre. Em mui- tos casos o que acontece não é uma ina- bilidade do professor, mas sim, as carac- terísticas do conhecimento produzido. Diante dessa realidade, o principal obje- tivo desse artigo é discutir a possibilida- de de aplicar conhecimentos de Biome- cânica em aulas de Educação Física Es- colar. Para isso, procuramos demonstrar os reais propósitos da Biomecânica utili- zada nos cursos de formação de profes- sores e, finalmente, mostramos as estra- tégias para trabalhar com esse conheci- mento. Palavras- chaves: § Educação Física § Escola § Biomecânica § Conhecimento apli- cado ABSTRACT. The Physical Education teacher achieves during his professional education a great amount of distinct knowledge. Its known that this knowl- edge has to be used right in the moment that he is ‘in front his classes’. How- ever, not always this application occurs. In most cases what happens it is not an inability’s teacher, but the characteris- tics of the main purpose of this paper is to discuss the possibility to apply Bio- mechanics knowledge in elementary Physical Education classes. For this, we tried to demonstrate the real Biomechan- ics purposes, the kind of biomechanics used in undergraduate courses, and fi- nally showed the strategy for working with this knowledge. Keywords: § Physical Educa- tion § School § Biomechanics § Applied knowledge 1. Introdução Introdução Atuando profissionalmente como professor de Biomecânica em Licencia- turas de Educação Física e coordenador de estágios profissionais, sempre sou confrontado por um questionamento, expresso por meus alunos e estagiários, que procuram saber “Para que serve o conhecimento científico recebido du- rante a graduação na prática profis- sional?” A resposta parece obvia, porém se analisarmos detidamente a questão veremos que não é. Para alguns casos, em contextos de- terminados, é possível, com relativa facilidade, responder a essa pergunta e até fazer demonstrações. Já para outros, por mais que se tente, estabelecer a rela- ção entre conhecimento produzido e prática profissional efetiva é uma tarefa difícil. Tal dificuldade leva as pessoas a concluírem simplesmente que muitas das informações científicas provenientes desses setores não apresentam utilidade prática. Pode ser que algumas realmente não sejam tão importante como se julga, mas com certeza isso não deve ser regra geral. Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v. 2, n. 1, p. 36-49 – 2001 37 O fato de acreditar que a Biomecâni- ca pode ser extremamente útil ao profes- sor de Educação Física e que isso pode- ria não estar sendo visto com clareza em decorrência do valor do campo de co- nhecimento em foco estar sendo questi- onado a partir de algumas pistas falsas, passou a ser uma de nossas principais preocupações. Muito embora acredite- mos que esse campo de conhecimento tenha um papel a ser cumprido no con- texto da Educação Física, estamos con- victos de que a simples manifestação pública dessa crença não é o suficiente para provar que haja uma verdade cientí- fica contida nessa perspectiva. Diante dessa motivação desenvolve- mos uma série de investigações com o propósito de examinar a aplicabilidade dos conhecimentos produzidos em de- corrência de pesquisas em Biomecânica no universo de exercício profissional da Educação Física. Nesse artigo introduzimos a discus- são sobre o uso da Biomecânica em E- ducação Física Escolar. Questionamos se ela realmente possui algum conteúdo que possa ser útil a esse contexto e apon- tamos para cuidados metodológicos, fundamentais, a serem considerados nas fases iniciais de pesquisas que procuram estudar essa possibilidade de aplicação. Assim, o presente texto constitui uma singela introdução a uma proposta me- todológica para o estudo da aplicabilida- de do conhecimento científico no con- texto da Educação Física Escolar, com enfoque na Biomecânica como campo gerador de informações. Acreditamos que tal abordagem seja importante visto a necessidade que te- mos, na atualidade, de melhor utilizar o tempo acadêmico, o que pode envolve, também, trabalhar com conhecimentos que realmente sejam adequados e ao fazê-lo tomar o cuidado com a qualidade do processo de transmissão e utilização dos saberes. Biomecânica aplicada à Educação Física A presença da disciplina acadêmica Biomecânica na formação de professores de Educação Física é um fato muito re- cente, o que faz com que a grande maio- ria dos profissionais que estão atuando hoje no mercado de trabalho não possu- am conhecimentos de tal campo de co- nhecimento. Além da recentidade cronológica, e em decorrência da mesma, é preciso que levemos em conta o fato de um campo de conhecimento científico precisar de um certo tempo para amadurecer, de forma a melhor cumprir seu papel curri- cular como disciplina acadêmica. No caso em foco, os fatos demonstram, o tempo transcorrido ainda não foi sufici- ente para a consolidação dessa maturi- dade. Em outras palavras, não se pode afirmar nos dias de hoje que a Biomecâ- nica encontra-se organicamente integra- da às perspectivas curriculares. Isso a- grava a situação comentada no parágrafo anterior, visto que mesmo aqueles que tiveram contato com essa disciplina na graduação, receberam informações ainda imaturas e, sendo assim, pouco eficien- tes no que diz respeito à sua capacidade de instrumentalizar procedimentos didá- tico pedagógicos. Como se não bastasse essa sua evi- dente juventude epistemológica, a Bio- mecânica adentrou em Educação Física perpassada por um acentuado conteúdo folclórico, principalmente no que diz respeito aos seus propósitos. Isso tudo somado a uma boa quantidade de inter- pretações simplistas. É comum escutar- mos, por exemplo, a afirmação de que ela é um ramo do conhecimento científi- co que tem atendido somente ao esporte de alto rendimento e que por isso ela não teria um papel relevante a ser exercido no contexto da Educação Física Esco- lar. 38 Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v. 2, n. 1, p.36-49 – 2001 Objetamos tal tipo de declaração tendo em vista a noção de incapacidade que ela transmite. Uma coisa é dizer que a Biomecânica não tem procurado aten- der a outros setores que não o do esporte de alto rendimento, outra, completamen- te diferente, é atribuir-lhe total incapaci- dade para fazê-lo, o que não é o caso do campo de conhecimento em foco. É típico de indivíduos que conhecem muito pouco, quando nada, do ramo ci- entífico que criticam afirmarem que o mesmo só se presta a um determinado fim. Afirmações como essa, se tomadas como verdade, dificultam sobremaneira uma exata compreensão das reais possi- bilidades de aplicação das informações oriundas de qualquer campo de conhe- cimento científico. Por isso é de funda- mental importância que argumentações simplistas sejam examinadas quanto ao seu grau de veracidade, antes de serem adotadas como válidas de formas a evi- tar tanto uma adoção precoce quanto uma rejeição incondicional. Podemos começar o exercício de um exame crítico esclarecendo o que é esse ramo da Ciência, que competências lhe são atribuídas e o que ele tem feito efeti- vamente no contexto prático real. No universo científico como um todo a Bi- omecânica é considerada "...o estudo da mecânica de coisas vivas...” 1. Porém, quando nos inserimos no contexto espe- cífico dessa disciplina científica, perce- bemos que esse conceito é, no sentido operacional, muito pobre. Ele não nós informa, sequer aproximadamente, acer- ca das reais características do campo de conhecimento. Não há dúvida de que a situação si- naliza à prudência, sendo necessário desenvolver um exame mais apurado. Façamos isso iniciando por compilar a posição de alguns pesquisadores e/ou usuários confessos de Biomecânica pois que, tendo em vista o ponto de vista de 1 LAPEDES, Daniel N. Dictionary of Scientific and Techical terms. England, McGraw-Hill, 1993 uma epistemologia histórica, forma eles que estabeleceram os consensos que efetivaram a estruturação dessa região do saber2. O que é a Biomecânica e para o que serve? Gerhard Hochmuth esclarece que "...a Biomecânica estuda os movimentos do homem e do animal a partir do ponto de vista das leis mecânicas...". Com- plementa dizendo que, por conseguinte, o objeto de sua investigação "...é o mo- vimento mecânico (mudança de lugar de uma parte da massa) do homem e do animal, considerando as propriedades e pressupostos mecânicos do aparato do movimento os quais, por sua vez, depen- dem funcionalmente das condições bio- lógicas do organismo” 3. Hochmuth leva-nos a inferir, moti- vados por suas declarações, que esse campo de conhecimentos faz parte de um "... complexo científico de investiga- ção do movimento...", que tem como objetivo fornecer informações que de- vem ajudar na compreensão de certos elementos do ato motor, tais como: deta- lhes acerca do ciclo de movimentos mais eficientes; detalhes acerca de resultado obtidos a partir do exercício motriz, transformado em parâmetros mensurável e o esclarecimento dos pressupostos físicos e psíquicos do indivíduo assim como de sua capacidade de aprender e de assimilar. Doris I. Miller e Richard C. Nelson conceituam Biomecânica como sendo "...a ciência que investiga os efeitos de forças internas e externas sobre os cor- pos vivos...” 4. Os autores defendem a 2 BATISTA, Luiz Alberto. Aplicabilidade do Co- nhecimento Científico. Rio de Janeiro: (no prelo). 3 HOCHMUTH, Gerard. Biomecanica de los Mo- vimientos Deportivos. Madrid, Doncel, 1973, p.9. 4 MILLER, Doris I., NELSON, Richard C. Bio- mechanics of Sport - A Research Approach. Philadel- phia, Lea & Febiger, 1976, p.1 Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v. 2, n. 1, p. 36-49 – 2001 39 idéia de que esta disciplina deve possibi- litar, através das estratégias metodológi- cas que congrega, a realização de "...precisas avaliações quantitativas do desempenho humano...” 5. Para Wolfang Baumann a "...Biomecânica é uma matéria das ciências naturais que se preocupa com a análise física dos sistemas biológicos, examinando, entre outros, os efeitos de forças mecânicas sobre o corpo huma- no em movimentos cotidianos, de tra- balho e de esporte...". Para o autor estando revestida deste arcabouço conceptual, essa ciência deve preocupar-se com a "...medição técnica e de descrição quantitativa do desenrolar de movimentos por meio de grandezas mecânicas, a explicação mecânica dos movimentos assim como, baseado nisso, a perfeição da técnica do movimento com vistas à performance motora e à solicitação mecânica do aparelho loco- motor...".6 Assim conceituada, a Biomecânica, na visão do autor, deve cumprir diversas tarefas, dentre as quais ele destaca a "...descrição quantitativa dos movimen- tos...", a "...modelagem da estrutura e função do aparelho locomotor..." e a "...modelagem da estrutura do movimen- to..." 7 Apesar de não apresentarem uma conceituação explícita, os escritos de José Luiz Fraccaroli nos levam a acredi- tar que a Biomecânica é uma disciplina voltada ao estudo da "...máquina huma- na..." através da utilização das "...leis da física..." 8. Jorge de Hegedus ao apresentar as considerações acerca da técnica despor- tiva destaca que ela está "...baseada em 5 Idem, p.6. 6 BAUMANN, Wolfang, SCHONMETZLER, Sepp. Curso de Biomecânica. Santa Maria ,Rio Gran- de do Sul, Brasil: Universidade de Santa Maria, 1980, p.1 7 Op.cit, p. 8. 8 FRACCAROLI, José Luiz. Biomecânica - análi- se dos movimentos . (Introdução).Rio de Janeiro, Cultura Médica, 1981. leis Biomecânicas e que estas se apro- veitam em maior ou menor proporção da capacidade do desportista...” 9. Ele admite, para o desenvolvimento do seu trabalho, que a "...a Biomecânica pode ser definida, então, como a aplicação das leis físicas ao estudo dos seres vi- vos...” 10. James G. Hay, em uma dissertação de nove parágrafos os quais precedem a uma discussão sobre a tarefa da Biome- cânica, aborda o tema melhor técnica do movimento desportivo estabelecendo relações com o processo pedagógico11. Está contida nos escritos de Rolf Wi- rhed a crença de que as informações procedentes de uma descrição biomecâ- nica permitem ao professor entender melhor "...como e porque um exercício deve ser executado de uma determinada maneira...". 12 Jürgen Weineck faz uso de uma pro- posta de D. Martin na qual é defendida a idéia de que o "...o primeiro passo para estabelecer um modelo técnico ideal- típico é uma análise científica da estru- tura física do desenvolvimento motor de conjunto....". Após essa consideração inicial o autor defende a competência da Biomecânica para cumprir tal tarefa ar- gumentando que tal ramo científico “...contribui bastante para captar obje- tivamente os aspectos, sobretudo quanti- tativos, dos caracteres do movimento...". Diz ainda que ela "...permite a objetiva- ção da técnica, a descrição dos caracte- res cinemáticos e dinâmicos..." do mo- vimento corporal13. Luiz Irineu Cibilis Settineri esclarece que a Biomecânica pode ser considerada como uma disciplina preocupada com o "...estudo anatomofisiológico e mecâni- 9 HEGEDUS, Jorge. La ciencia del entrenamiento deportivo. Buenos Aires, Stadium, 1984, p.139. 10 Idem. 11 HAY, James G. The Biomechanics of Sports Techiniques. New Jersey, Prentice-Hall, 1985, p.2. 12 WIRHED, Rolf. Atlas de Anatomia do Movi- mento. São Paulo, Manole, 1986, p.94. 13 WINECK, Jurgen. Manual de treinamento es- portivo. 2ª ed. São Paulo, Manole, 1986, p. 196. 40 Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v. 2, n. 1, p.36-49 – 2001 co do movimento do homem e dos seus segmentos corporais...” 14. Harold M. Barrow e Janie P. Brown procuram, com o objetivo de esclarecer a terminologia utilizada em seu livro, tra- çar o perfil das relações existentes entre cinesiologia mecânica e Biomecânica. Na consecução de tal tarefa eles concei- tuam essa última como "...a ciência de movimento humano que descreve o mo- vimento do corpo humano utilizando os métodos da Mecânica...” 15. Fernando Vizcaíno argumenta que "...a Biomecânica joga um papel funda- mental na busca da melhor solução: a tarefa motora..." e que ela "...se ocupa do estudo dos movimentos humanos a partir do ponto de vista das leis da físi- ca...".16 Jaune A. Mirallas Sariola traz-nos a interessante visão de um especialista no desporto judo. Em seu modo de entender a "...importância das ciências de suporte ao treinamento dos desportos de elite é indiscutível...". Esclarece que a "... Bi- omecânica ocupa, nesse sentido, um nível destacado, como ajuda ao ensino da técnica desportiva” 17. Essa seqüência de declarações permi- te-nos tirar algumas ilações acerca do que seja Biomecânica e para que ela serve. Como se pode concluir, a partir do que é dito por esses autores, pesquisado- res ou usuários, considerar que o conhe- cimento produzido por essa ciência está relacionado, única e exclusivamente com o esporte de alto rendimento é um 14 SETTINERI, Luiz Irineu Cibilis. Biomecânica - Noções gerais. Rio de Janeiro, Livraria Atheneu, 1988, p. 1 15 BARROW, Harold M.; BROWN, Janie P. Bio- mechanics of Human Movement. Man and Move- ment: principles of Physical Education. Fourth edi- tion. Philadel phia, Lea & Febiger, 1988, p.249. 16 VIZCAÍNO, Fernando. L´ANÀLISE BIOME- CÀNIQUE DES LES TÈCNIQUES SPORTIVES. Apunts. nº 7-8, juny, 1987, p. 6. 17 SARIOLA, Jaume A. Mirallas. Bases Biomecánicas para una Didáctica del Judo. Apunts. n.21, septiembre, 1990, p.68. ato que carreia consigo, no mínimo, dois grandes equívocos que devem ser, de imediato, esclarecidos. Em primeiro lugar a Biomecânica não serve apenas para a discussão do movimento corporal esportivo, como é comum alguns afirmarem, e o segundo é que, mesmo quando ela está voltada para o esporte, o alto rendimento não é a úni- ca possibilidade, não obstante o fato de ser esse o universo mais explorado. De saída podemos constatar que, em verdade, estamos lidando com uma ciên- cia voltada ao estudo dos comportamen- tos Físico-mecânicos de corpo humano, dentre os quais o movimento corporal, segundo um ponto de vista claramente definido. No caso do movimento, por exemplo, não é examinado um tipo es- pecífico e sim de qualquer comporta- mento motor. Quem irá definir o tipo de motricidade a ser estudada será o inves- tigador. O fato de se ter investigado massivamente o desporto de alto rendi- mento está fundado em razões históricas e não significa, de forma alguma, que essa seja a única ou mesmo a principal aplicação. Voltaremos a isso mais adian- te. O outro ponto importante diz respei- to a inexistência de um enunciado que defina o que seja a Biomecânica. Pelo que é dito por especialistas e usuários, ainda hoje, não é possível apresentar uma definição clara e inequívoca deste campo de conhecimento. O desvelamen- to de tal fato vem reforçar a veracidade da proposição de que estamos lidando com uma ciência ainda em intenso pro- cesso de retificação, em outras palavras, uma ciência que ainda não atingiu seu melhor estágio de desenvolvimento epis- temológico ou, como referimos anteri- ormente, sua maturidade final. De certa forma isso é extremamente saudável pois é no decurso de constru- ção de sua estrutura epistemológica que uma ciência vai sendo moldada, dentre outras coisas, para apresentar uma de- Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v. 2, n. 1, p. 36-49 – 2001 41 terminado nível de aplicabilidade a seto- res específicos. Porém, se por um lado não é possível defini-la, por outro abundam-lhe concei- tos. Isso também é muito importante pois que a presença de diferentes concei- tos nos indica a grande gama de possibi- lidades operacionais de um ramo da ci- ência. No caso da Biomecânica pode ser que seja possível delinear um conceito, a partir de suas características particulares, que denote a pertinência de sua efetiva utilização como instrumento pedagógi- co. Essa possibilidade, por si só, de- monstra uma certa qualidade imanente, a qual denota alguma possibilidade de que ela venha a ser utilizada dentro da Edu- cação Física Escolar com resultados po- sitivos. O fato de podermos admitir uma grande quantidade de conceitos para Biomecânica significa que ela prova- velmente trabalha com diferentes obje- tos, além de abordá-los orientada por, também, distintos objetivos. Sendo as- sim não há como considerar a possibili- dade de aplicação concreta desse ramo do conhecimento a um universo qual- quer sem, a prior, esclarecer, com preci- são científica, os objetos sobre os quais ela deverá se debruçar e com que propó- sito deve fazê-lo. Alias essa não é uma prática exclusi- va desse caso. Sempre que pretendemos examinar a aplicabilidade de conheci- mento científico a um contexto qual- quer, o desvelamento dos detalhes das estruturas epistemológicas envolvidas deve ser admitido como ação primordial do fluxo investigatório18. Dentro dessa ação a identificação dos elementos acer- ca dos quais se conheceu ou se deseja conhecer algo é um passo fundamental. Visto como princípio fundamental essa tarefa virá cumprir o que denominamos 18 BATISTA, Luiz Alberto. Aplicabilidade do Conhecimento Científico. Rio de Janeiro: (no prelo). de “Princípio da Identificação dos Obje- tos de Conhecimento”. Tal comportamento metodológico não deve ser desprezado em nenhuma situação na qual é discutida a possibili- dade de efetiva aplicação de saberes. Por isso essa orientação vale também para o estudo acerca da utilização da Biomecâ- nica no contexto da Educação Física Escolar, que é claramente uma questão de aplicabilidade de conhecimento cien- tífico. Infelizmente, temos percebido que o não cumprimento dessa etapa constitui um dos erros mais freqüentes na obten- ção das informações que posteriormente são utilizadas na fundamentação de ar- gumentações ponderativas acerca da efetiva utilização da Biomecânica na Educação Física, seja no sentido de de- fendê-la ou rejeitá-la. A conseqüência disso é o que já sabemos. Uma série de críticas, positivas ou negativas, fundadas em folclore e senso-comum, as quais só contribuem com a construção de uma estrutura de conhecimento mais velada e inconsistente. Por tudo isso, reafirmamos, que do ponto de vista metodológico a imple- mentação desse primeiro procedimento é de fundamental importância. Ele não pode ser negligenciado quando exami- namos a aplicabilidade de conhecimen- tos científicos. Se a estratégia é correta- mente implementada e executada, os resultados obtidos permitiram, com uma boa margem de certeza científica, dizer por quê e para que um determinado a- cervo de conhecimento foi construído. Temos demonstrado que “...é epis- temologicamente contraproducente co- brar de um campo de conhecimento ci- entífico mais do que aquilo que sua his- tória gênica lhe deu condições de ofere- cer...” 19 , em outras palavras, não adian- ta esperar que a Biomecânica proporcio- ne mais do aquilo para o quê ela tem sido epistemologicamente estruturada 19 BATISTA. L. A., op.cit. 42 Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v. 2, n. 1, p.36-49 – 2001 para fazer. Qualquer aplicação de co- nhecimento que não leve em considera- ção esse compromisso, estará tendendo ao insucesso, ou, no melhor dos resulta- dos, ao sucesso casual, para o que não é preciso utilizar ciência sendo suficiente, e menos trabalhoso, o uso do senso- comum. Biomecânica e Educação Física Es- colar: o objeto de conhecimento Com base no exposto anteriormente façamos algumas reflexões acerca da aplicabilidade da Biomecânica à Educa- ção Física, considerando essa última a parte do currículo escolar que ajuda a educar pessoas. Veja-se a complexidade da situação. Mesmo com as delimitações estabeleci- das no parágrafo acima, havemos de considerar que o ato educativo, admitido como principal ação da Educação Física dentro do contexto escolar, determina um ainda amplo universo de possibilida- des. O ser humano congrega em si uma série de necessidades educacionais dos mais diferentes tipos. Isso nos remete a tarefa de identificar as necessidades edu- cativas para as quais o campo de conhe- cimento em questão pode gerar respostas culturais20. Para que conjunto delas es- tamos preconizando a utilização de co- nhecimentos de Biomecânica, quando falamos de sua aplicabilidade. De imediato deparamo-nos com uma situação digna de nota. Os cursos de licenciatura adotaram a denomina- da “Biomecânica do Desporto” como sendo a disciplina a ser implementada na formação do professor de Educação Física. Este setor da Biomecânica, segundo dados obtidos em nossas pesquisas21, 20 MALINOWSKI, B. A Scientific Theory of Cul- ture and other essays. New York: The University of North Carolina Press, 1976, p. 70. 21 BATISTA, L. A. O conhecimento aplicado: A efetiva utilização do conhecimento contido no campo da Biomecânica, nos processos de ensino de habili- gera conhecimento a partir de questões do tipo: Como obter o melhor rendimen- to técnico? Como examinar determinada técnica esportiva? Como avaliar biome- canicamente a execução dessa ou daque- la técnica esportiva? Quanto mede essa ou aquela técnica desportiva? Como realizar esta ou aquela técnica desportiva de forma mais eficiente e com menor gasto energético? Porque uma determi- nada técnica desportiva possui uma de- terminada forma? Diante de tal problemática podemos inferir quais são os compromissos do setor de conhecimento utilizado, cum- prindo um primeiro passo no sentido de examinarmos se eles estão de acordo com as necessidades em foco ou não, tendo em vista o fato do nível de compa- tibilidade entre as necessidades da Edu- cação Física Escolar e as questões a par- tir das quais as investigações têm se de- senvolvido, ser uma importante variável interveniente no estabelecimento do ní- vel de aplicabilidade. Como se pode perceber, no raciocí- nio conduzido nos parágrafos anteriores realizamos uma análise perfazendo um caminho no sentido de fora para dentro do universo de aplicação, ou seja, pri- meiro identificamos o que a Biomecâni- ca do Esporte tem feito, para depois, de posse dessa informação, propormos o questionamento de sua aplicabilidade à Educação Física Escolar. Façamos agora o fluxo contrário. Tomemos um objeto da Educação Física Escolar e conside- remos o que a Biomecânica tem produ- zido para tal. Para tal façamos uma análise da situ- ação assumindo o ensino de habilidade motoras esportivas pode ser “um dos” propósitos educativos da Educação Físi- ca escolar. A primeira vista tudo estaria perfeito, dado que estaríamos lidando dades motoras desportivas. (Dissertação de doutora- mento) Porto: UP, 1996.22 BEYER, E. F. Gymnastic Gimmicks: Another Gimmick for Quick Learning of Gymnastics - Use of Physics. Modern Gymnast. v. 3, v. 1, 1960, p. 20-21. Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v. 2, n. 1, p. 36-49 – 2001 43 com uma competência da Educação Fí- sica escolar e com um fenômeno ligado ao universo do esporte, adequado ao campo da Biomecânica do Esporte. Infe- lizmente essa primeira impressão não resistiria ao menor exercício de crítica, como veremos logo a seguir. Tendo como base nossas argumenta- ções anteriores, sabemos que a Biome- cânica do Esporte, para fornecer infor- mações a serem utilizadas em processos de ensino de habilidade motoras, preci- sa, necessariamente, ter promovido in- vestigações tendo como objetos de estu- do fenômenos pertinentes a esse contex- to. Com o objetivo de qualificar o co- nhecimento, quanto ao seu nível de apli- cabilidade nessa situação, examinamos a produção relativa à criança e ao ensino, investigando os títulos pertinentes ao campo de estudo da Biomecânica do Esporte veiculados entre 1893 até 1980. No período estudado a produção de conhecimentos voltados à discussão da criança e/ou do aprendizado básico de habilidades esportivas foi encontrada em 17 dos 1731 títulos examinados, consti- tuindo, como se vê, 0,98% da amostra. Em termos quantitativos tal produção é insignificante dada a quantidade de dife- rentes questões que permeiam o univer- so e o considerável intervalo de tempo, 87 anos, durante o qual se deu a produ- ção. Há muito tempo de estudos para tão poucos problemas científicos resolvidos. No entanto a superficialidade não pa- ra por ai, estendo-se também aos aspec- tos quantitativos. Levando-se em conta os interesses, que moveram os autores destes 17 artigos, vemos que o conheci- mento veiculado foi estruturado a partir da exploração de três temas diferentes, a saber: O aprendizado de habilidades motoras esportivas; O iniciante na práti- ca esportiva e A Criança. Em alguns casos estas três temáticas foram combi- nadas em único estudo. No item “aprendizado de habilidades motoras esportivas” os autores se preo- cuparam especificamente com o fato do indivíduo ter que aprender uma determi- nada habilidade motora esportiva. Dis- cutiram, baseados em conhecimentos da Física, formas de movimentos corporais catalisadores, ou seja, movimentos que levassem a um aprendizado mais rápi- do(22)(23); procuraram verificar em que medida as diferenças antropométricas24 ou a capacidade de flutuação em meio líquido25 dos indivíduos influenciam no sucesso do aprendizado de habilidades motoras da natação. Também aparece a preocupação em desenvolver tecnologia que permitisse ao professor realizar uma melhor observação dos gestos e, conse- quentemente, ajudasse a melhorar a qua- lidade do ensino26. No que diz respeito ao iniciante co- meçamos por apontar os casos nos quais o binômio iniciante Û aprendizado é textualmente referido pelos autores. Nesses procurou-se estudar a correlação entre o quadro antropométrico do inici- ante na natação com a velocidade de seu aprendizado27 ou o das mudanças na mecânica do comportamento motor de crianças iniciantes no waterpolo, induzi- das pela introdução de uma bola com características físicas diferentes das que 23 ___________ Gymnastic Gimnicks: Another Gimnick for Quick Learning of Gymnastics - The Use of Mechanics. Modern Gymnast. v. 3, n. 2, 1960, p. 22-23. 24 ROZIN, E. U. The Influence of Anthropometric Parameters on Sucessful Learning in Gymnastics. Theory and Practice of Physical Culture. N. 3, 1973, p. 50-52. 25 CAMPBELL, W. A., Jr. Relationship Between Buoyancy of the Black Male and Learning the Crawl Stroke. Biomechanics of Sport and Kineantropometry. P. 149-206. Miami, Symposia Specialist, 1978. 26 HOECKE, G.; GUENDLER, G. Use of Light Trace Photography in Teaching Swimming. Swim- ming II. P. Baltimore, University Park Press, 1975, p. 194-206. 27 GRAY, R. K.; WHEELER, D. K. The Relation- ship of Measures of Body Size and Density of Begin- ning Swimmers to Their Rate of Learning to Swim. Astraliaj Journal of Physical Education. N. 19, p. 16- 19, june/july, 1960. 44 Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v. 2, n. 1, p.36-49 – 2001 normalmente são utilizadas naquela prá- tica28. Outros trabalhos preocuparam-se em apresentar as melhores técnicas motoras a serem utilizadas por iniciantes na prá- tica do esqui29 e do atletismo30 ou mes- mo a descrição do quadro Biomecânico que se apresenta quando um iniciante executa uma habilidade31. Em outro caso o autor procurou e- xaminar as diferenças entre a expressão de uma mesma técnica motora quando executada por um iniciante e um atleta de alto rendimento32. Note-se que muito embora o enfoque desses estudos tenha sido sobre o apren- dizado nenhum deles preocupou-se em estudar o processo. Quando muito men- surou variação no estado motor compa- rando os resultados de um pré-teste com aqueles obtidos após o desenvolvimento do programa de ensino. Assim sendo as mudanças comportamentais motoras inerentes ao decurso do processo de a- prendizagem não foram enfaticamente examinadas. Os trabalhos que tiveram a criança como seu principal objeto de conheci- mento voltaram-se à descrição. Seja a descrição de características extrínsecas, como a flutuabilidade em meio líqui- do33, as características cinemáticas da corrida34, ou características intrínsecas 28 PITTUCK, D. E.; DAINTY, D. A. Effects of a Modified Ball on the Mechanics of Selected Water Polo Skills in Novice Children. Swimming III. Balti- more, University Park Press, p. 338-345, 1979. 29 REILLY, A. M. Skiing: A Beginner’s Guide. London, Lutterworth Press, 1970. 30 POWERS, S. K. Standing or Crouch Start for Beginners?. Track Technique. n. 67, 2126, 1977. 31 McFARLANE, B. Biomechanics of Beginning Pole Vaulting. Track and Field Quarterly Review. v. 80, n. 4, p. 38-40, 1980. 32 FLEISS, O.; FLEISS, H.; RUCKENBAUER, K. The Technique of the Diagonal Step of the Begin- ner and of the Skilled Athlete. Leistungssport. v. 9, n.6, p. 488-496, 1979. 33 COTTON, C. E.; NEWMAN, J. A. Buyoncy Characteristics of Children. Journal of Human Move- ment Studies. n.4, p. 129-143, 1978. 34 VILCHKOVSK, E. S.; ORESHCHUK, S. A.; SHPIIALNY, V. B. Investigation of th Running of como o comportamento cinematográfico e/ou eletromiográfico na execução de habilidades motoras da natação(35) (36). Dois estudos nos chamaram a aten- ção pelo fato de neles o autor ter procu- rado trabalhar com a perspectiva de lidar com a complexidade típica do mundo real do ensino do desporto. Não procu- rou fugir dela e nem mesmo utilizou como argumento para justificar a delimi- tação de seu estudo. Nestes dois casos o investigador bus- cou descrever não só as características dos movimentos de corridas de crianças em idade pré-escolar37 e escolar38, como também, para além disso, procurou de- monstrar as variações que denotam a evolução destes indivíduos ao final de um determinado período. Desta forma o autor realiza um tipo de trabalho que se aproxima da investigação voltada para o processo de desenvolvimento da criança e não simplesmente a um momento des- te processo. Nesse ponto de nossas apreciações é preciso deixar claro que ao admitirmos como verdadeiro o fato da Biomecânica não estar, em termos quantitativos e qua- litativos, atendendo as necessidades do universo do ensino de habilidades moto- ras esportivas, de forma alguma preten- demos estabelecer um juízo de valor. Queremos demonstrar que os interesses norteadores das investigações estão fin- cados muito mais na Biomecânica do que no universo do ensino. Nossa pro- Pre-School Age Children. Thory and Pratic of Physi- cal Culture. n. 2, p. 40-41, 1974. 35 OKA, H.; OKAMOTO, T.; YOSHIZAWA, M.; TOKUYAMA, H.; KUMAMOTO, M. Eletromyog- raphic and Cinematographic Study of the Flutter kick in Infants and Children. Swimming III. Baltimor, University Park Press, p. 167-172, 1979. 36 TOKUYAMA, .; OKAMOTO, T.; KUMA- MOTO, M. Electromyographic Study of Swimming in Infants and Children. Biomechanics V-B. Baltimore, University Park Press, p. 215-221, 1976. 37 WINTER, R. On the level of Development of Running Movements at the End of the Preschool Period. Leipzig. v.8, n.2, p. 65-67, 1966. 38 WINTER, R. The Development of Running Movements in Boys and Girls of School Age. Leipzig. v.8, n. 2, 1966. Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v. 2, n. 1, p. 36-49 – 2001 45 posta é que esse fluxo seja invertido no sentido de que as problemáticas imanen- tes ao processo de ensino desencadeiem as investigações. Voltando ao fato de ter sido escolhi- da a Biomecânica do Esporte para com- por os currículos das Escolas de Educa- ção Física, cabe fazer uma ressalva. Fa- zendo a devida contextualização essa escolha não era de todo injustificável. Durante um certo período histórico- temporal os cursos de formação de pro- fessores foram intensa e extensamente carregados com elementos do universo esportivo, pois entendia-se que esse era o principal objeto de trabalho do profis- sional do setor. Sendo assim durante aquela fase a escolha não foi tão desca- bida. Por outro lado é preciso ter claro que ao escolhermos um setor específico de conhecimento restringimos o universo de informações disponíveis. A Biome- cânica, nessas condições, só teria a obri- gação de fornecer informações, ou ins- trumentalizar o exercício profissional, em questões relativas à prática esportiva e, ainda mais, dentro desse universo so- mente acerca dos fenômenos que esta- vam sendo investigados. Promovendo um outro enquadramen- to histórico verificamos, também, que a Educação Física contemporânea trans- cende setores específicos do universo esportivo, como por exemplo o alto ren- dimento. Ela vai além disso e transcende o fenômeno esporte como um todo. Em virtude dessa neo-amplitude muitas ou- tras problemáticas possíveis de também serem examinadas pela ótica mecânico- biológica, ainda não o foram. Isso tudo tem feito com que o quadro geral se altere. Hoje temos claro que ao exercermos nossa prática pedagógica precisamos utilizar conhecimentos Bio- mecânicos, assim como os de outros ramos instrumentalizadores, que trans- cendam à mera abordagem do fenômeno esportivo. No entanto os novos objetos de estudo que viabilizarão essa trans- cendência ainda não estão plenamente identificados. Assim sendo o momento é de cumprirmos, na prática, o princípio da identificação dos objetos de conhe- cimento. Diante de tais fatos, adotar a Biome- cânica do Esporte como campo de co- nhecimento absoluto naquele momento histórico não pode, sequer, ser conside- rada uma atitude incoerente. Por outro lado, diante do atual estado da arte no campo da Educação Física, não evoluir para uma Biomecânica mais abrangente constitui, no mínimo, assumir um total desconhecimento das necessidades atu- ais que demandam do setor de aplicação. Possibilidade concreta Entrementes, como já assumimos an- teriormente, não estamos aqui pregando a tese da impossibilidade plena. Muito embora não seja perceptível em uma abordagem superficial, em verdade já há espaço aberto para a criação de condi- ções que favorecem a efetiva aplicação da Biomecânica à Educação Física Esco- lar. No decorrer da busca por soluções constatamos que um certo número de objetos inerentes ao universo da Educa- ção Física, para além daqueles típicos do ambiente esportivo, têm sido investiga- dos pela Biomecânica, o que denota, já, um certo grau de transcendência. Dentre esses objetos materiais o “Movimento Corporal” é um dos mais presentes nas investigações 39. Isto de certa forma é um ponto positivo no sen- tido de estabelecermos uma conexão coerente com o universo da Educação Física escolar. Não há dúvidas de que, de um ponto de vista genérico, o movi- mento corporal do ser humano faz parte do universo fenomenal da Educação Física como um todo. 39 BATISTA, L. A., 1996, op cit. 46 Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v. 2, n. 1, p.36-49 – 2001 Porém, antes de desencadearmos um entusiasmo desenfreado e prosseguirmos em nossas argumentações defensivas, cabe apresentar algumas noções funda- mentais acerca do conceito de “Objeto” adotadas por nos de forma a deixarmos claro os limites de nossas considerações. Estamos partindo, nesse caso em parti- cular, da possibilidade de existência de diferentes tipos de Objetos, dentre os quais dois serão utilizados por nos, a saber: os materiais e os formais. “O objeto material é como objeto indeterminado; a sua determinação ope- ra-se por meio do objeto formal. A dife- rença entre objeto formal e objeto mate- rial funda-se na diferença entre o co- nhecido e o objeto do conhecimento.” 40 Diante de tal premissa dizer que a Biomecânica estuda o “Movimento cor- poral” não é delimitação suficiente, visto ser esse um objeto material. Como tal ele tem a capacidade de gerar uma gran- de quantidade de diferenciados objetos formais, o que alias tem constituído uma ocorrência concreta.41 O problema aqui é que muitos dos objetos formalizados a partir do “Movimento Corporal” podem não fazer parte do universo da Educação Física Escolar, e é com base no objeto já formalizado que se determina a especifi- cidade do campo de conhecimento e, consequentemente seu nível de aplicabi- lidade a outros setores. Em decorrência de tais características não basta defendermos a pertinência da aplicação de conhecimentos oriundos da Biomecânica no contexto da Educação Física Escolar dizendo que ela investiga o movimento corporal. É de fundamental importância que ela investigue movi- mentos corporais pertinentes ao contexto ao qual pretende-se ela seja aplicada. 40 MORA, J. F. Dicionário de Filosofia. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1991, p. 67. 41 BATISTA, L. A., ibidem. Conclusão É certo que a Biomecânica constitui uma ciência de reconhecido valor em muitos setores de atividade profissio- nais. No entanto ela pode criar uma série de embaraços para aqueles que, acriti- camente, fazem uso, ou recomendam a utilização, de tudo o que dela provém, sem considerar o real valor do quê estão aplicando e para o quê estão aplicando. Também podem cair no ridículo os que defendem a tese de que esse ramo da ciência não apresenta nenhum tipo de conhecimento que possa ser utilizado em uma determinado campo de trabalho. Um fato interessante é que, a medida em que vamos ampliando o leque de atuação profissional e adentramos em diferentes campos de trabalho, percebe- mos que muitos dos conhecimentos da Biomecânica, os quais acreditávamos inúteis a princípio, se mostram, extre- mamente adequados ao entendimento de fenômenos que ali se apresentam. Nesse sentido, é nossa posição que a investigação acerca da possibilidade de efetiva utilização do conteúdo epistêmi- co da Biomecânica nos processos educa- tivos deve, obrigatoriamente, avançar para além do que hoje é ratificado com base no senso-comum e de forma folcló- rica. Dizer que várias partes do conteúdo de um livro de Biomecânica Básica “...serão eficazes no aprendizado e na aplicação dos conceitos...” 42 é fácil. O difícil é demonstrar cientificamente, e na prática, que essa proposição é verdadei- ra. No presente estágio de desenvolvi- mento de nossos estudos e, principal- mente, dado ao presente estado da arte do campo da Biomecânica, estamos convictos de que esse ramo do conheci- mento reúne muitas das condições ne- cessárias à geração de informações que podem efetivamente ser aplicadas nos processos educativos. Porém a precisa 42 HALL, S. Basic Biomechanics. St. Louis, Mosby-Year Book, preface, 1991. Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v. 2, n. 1, p. 36-49 – 2001 47 determinação de como isso pode ser efetivado carece ainda de exame cientí- fico mais aprofundado. Todo esse quadro não deve ser visto de maneira diferente quando tratamos do caso específico da Educação Física Es- colar. Como já aludimos, não temos dúvidas de que a Biomecânica pode contribuir com a efetivação de processos educativos, que envolvam comporta- mentos corporais motores, mais consci- entes, críticos e, consequentemente, marcados por concretas responsabilidade e intencionalidade pedagógica por parte de que conduz o processo. Nesse ensaio partimos da premissa básica de que a preocupação do profes- sor com a qualidade do movimento cor- poral constitui um elemento crítico no processo educativo influenciando, con- sequentemente, no tipo de resultado a ser produzido em decorrência do mes- mo43. Explicamos que, do ponto de vista da Biomecânica, entender e aceitar que o movimento corporal faz parte do univer- so educativo da Educação Física Esco- lar, não delimita, de forma suficiente, um objeto claro a partir do qual possa- mos examinar, de uma maneira cientifi- camente correta e precisa, se as informa- ções fornecidas por aquele campo de conhecimento podem ser aplicadas de forma proveitosa nesse contexto. Antes de qualquer coisa, é preciso identificar os objetos formais gerados a partir do objeto material “movimento corporal”, de forma que possamos veri- ficar se a Biomecânica os tem investiga- do e, se o tem feito, com que propósitos. Esse é o primeiro grande passo para que possamos comparar o tipo de produção com o tipo de demanda, aquilatar o grau de compatibilidade entre os dois e emitir um parecer acerca da aplicabilidade do conhecimento científico nesse caso. 43 GRAHAM, G., HEIMERE, E. Research on teacher effectiveness: A summary with implications for teaching. Quest. n.3, v. 33, 1981. Com base nas pesquisas realizadas até o momento conhecemos muito do que tem sido produzido pela Biomecâni- ca do esporte, sendo esse o setor da Bi- omecânica que mais espaço ocupa den- tro do contexto epistêmico da Educação Física. Sabemos que esse conteúdo pro- vavelmente não aponta no sentido de um razoável grau de aplicabilidade ao uni- verso escolar. De qualquer forma, apesar do tema ainda merecer um maior aprofundamen- to, temos uma idéia razoável do que a Biomecânica tem produzido, e, mais importante ainda, sabemos que ela está habilitada para investigar o movimento corporal. Ao contrário, no que diz respeito às informações necessárias ao processo crítica proposto, muito pouco, ou quase nada sabemos acerca do contexto da Educação Física Escolar, mais especifi- camente, não sabemos nem mesmo quais são as formas de movimento corporal que ela congrega. Como se vê, não está sendo defendi- da aqui a idéia de que a Biomecânica já tenha produzido o suficiente. Muito ao contrário, parafraseando conceitos da mecânica clássica, aqui identificamos uma situação de equilíbrio instável. O campo fornecedor de informações já possui, reconhecidamente, algum conte- údo com o qual contribuir, seja sobre a forma de informação, ou de acervo me- todológico para promover investigações adequadas. É preciso agora equilibrar a balança aumentando o lastro do lado da Educação Física Escolar, a qual deve ser examinada afim de que sejam desvela- dos os objetos formais passíveis se se- rem estudados pela Biomecânica. Diante desses fatos, se queremos, e- xaminar os conhecimentos existentes ou mesmo estabelecer, através de investiga- ções Biomecânicas, uma produção de conhecimentos que sejam efetivamente aplicáveis ao contexto da Educação Físi- ca Escolar, a melhor orientação metodo- 48 Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v. 2, n. 1, p.36-49 – 2001 lógica para o momento é promover estu- dos que busquem descrever o contexto da Educação Física Escolar com o pro- pósito de identificar, de forma científica, os objetos formais gerados a partir do movi44mento corporal. Se já há conhecimento adequado passa- remos a trabalhar na operacionalização de seu uso prático. Se, por outro lado, não existirem ainda as informações, uti- lizaremos os objetos desvelados para que, a partir deles, desencadeemos uma produção de conhecimento através de investigações de Biomecânicas. 7. Referências Bibliográficas BARROW, Harold M.; BROWN, Janie P. Biomechanics of Human Movement. 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