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VOLUME 11 • NÚMERO 2 •2010 REVISTA BRASILEIRA DE ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL (Brazilian Journal of Vocational Guidance) (Revista Brasileña de Orientación Profesional) Revista Semestral da Associação Brasileira de Orientadores Pro ssionais (ABOP) Volume 11, Número 2, 2010 ISSN 1679-3390 (versão impressa) / E-ISSN 1984-7270 (versão online) Indexadores REDALYC (Red de Revistas cientí cas de América Latina y el Caribe, España y Portugal) PEPSIC (Portal de Periódicos Eletrônicos em Psicologia) CLASE (Universidad Nacional Autônoma de México) LILACS (Literatura Latinoamericano e do Caribe de Informa- ção em Ciências da Saúde, Brasil) Catálogo LATINDEX Index Psi Periódicos (CFP/PUCCAMP) (www.bvs.psi.org.br) Disponível nas bibliotecas da Rede Brasileira de Bibliotecas da Área de Psicologia - (ReBAP) - (www.bvs-psi.org.br/rebap) Revista Qualis Psicologia B2 (Avaliação ANPEPP-CAPES 2009) A Revista Brasileira de Orientação Pro ssional (RBOP) é uma publicação semestral da Associação Brasileira de Orientadores Pro ssionais (ABOP), em parceria com a Faculdade de Filoso a, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP) e conta com o apoio da Vetor-Editora. A Revista Brasileira de Orientação Pro ssional (RBOP) publica trabalhos ori- ginais na área de Orientação Pro ssional e de Carreira nos contextos da Educação, Trabalho e Saúde e nas interfaces com outras áreas do conhecimento. São aceitos manuscritos nos idiomas português, espanhol e inglês, na versão original da língua dos autores. Os trabalhos publicados deverão enquadrar-se nas categorias: relatos de pesquisas, estudos teóricos, revisões críticas da literatura, relatos de experiência pro ssional, ensaios e resenhas. As normas nas três línguas estão disponíveis em http://pepsic.bvs-psi.org.br/rbop Avaliação dos Manuscritos Os trabalhos encaminhados para publicação deverão estar de acordo com as normas. Estes serão aceitos ou recusados com base no parecer do Conselho Editorial que poderá, a seu critério, fazer uso de consultores ad hoc. Direitos Autorais Os direitos autorais dos artigos publicados pertencem à Revista Brasileira de Orientação Pro ssional. A reprodução total dos artigos desta Revista em outras publicações, ou para qualquer outra utilidade, está condicionada à autorização escrita do Editor. Pessoas interessadas em reproduzir parcialmente os artigos desta Revista (partes do texto que excederem 500 palavras, tabelas, guras e outras ilustrações) deverão ter permissão escrita do(s) autor(es). Encaminhamento de Manuscritos A remessa de manuscritos para publicação, bem como toda a correspondência de seguimento que se zer necessária, deve ser endereçada para: Lucy Leal Melo-Silva Editora da Revista Brasileira de Orientação Pro ssional Departamento de Psicologia e Educação da FFCLRP-USP Av. Bandeirantes, 3900 - Monte Alegre 14040-901 - Ribeirão Preto-SP Telefone: +55 (16) 3602 3789 E-mail: rbop@ffclrp.usp.br / lucileal@ffclrp.usp.br http://pepsic.bvs-psi.org.br/rbop http://www.abopbrasil.org.br Direção Editora Cientí ca Lucy Leal Melo-Silva (Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil) Editores Associados Maria Célia Pacheco Lassance (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil) Manoel Antônio dos Santos (Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil) Comissão Executiva Marco Antonio Pereira Teixeira (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil) Sonia Regina Pasian (Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil) Conselho Editorial Dulce Consuelo Andreatta Whitaker (Universidade Estadual Paulista, Araraquara- SP, Brasil) Dulce Helena Penna Soares (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC, Brasil) Jorge Castellá Sarriera (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil) Julia Maria Silva (American Psychological Association, Washington, EUA) Julio Gonzáles (Universidad de Carabobo, Carabobo, Venezuela) Luciana Albanese Valore (Universidade Federal do Paraná, Curitiba-PR, Brasil) Marcos Alencar Abaide Balbinotti (Université de Sherbrooke, Sherbrooke, Canadá) Marcelo Afonso Ribeiro (Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil) Maria do Céu Taveira (Universidade do Minho, Braga, Portugal) Maria Luísa Rodrigues Moreno (Universidad de Barcelona, Barcelona, Espanha) Maria Odília Teixeira (Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal) Marina Müller (Universidad del Salvador, Buenos Aires, Argentina) Mauro de Oliveira Magalhães (Universidade Federal da Bahia, Salvador- BA, Brasil) Sílvia Helena Koller (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre- RS, Brasil) Thaís Zerbini (Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil) Equipe Técnica Mara de Souza Leal (Faculdade de Filoso a, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil) Eduardo Name Risk (Faculdade de Filoso a, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil) Marcia Regina da Silva (Universidade de São Paulo, Biblioteca Central, Ribeirão Preto-SP, Brasil) Maria Cristina Manduca Ferreira (Universidade de São Paulo, Biblioteca Central, Ribeirão Preto-SP, Brasil) Revisão Izaura Maria Lemos (inglês) Julia Oscar Marques (espanhol) Diagramação Murilo Ohswald Máximo Impressão Vetor Editora Psico-Pedagógica Ltda. Revista Brasileira de Orientação Pro ssional . – v. 4, n. 1/2 –Edição Especial São Paulo, SP, Brasil : Vetor Editora, 2003 - Substitui Revista da ABOP, 1997-1999. Semestral ISSN 1679-3390 1. Orientação Pro ssional – Periódico. I.Vetor Editora, São Paulo, SP. CDD 371.425 CDU 37.048.3 Revista Brasileira de Orientação Profissional Consultores Ad Hoc - 2010 O Conselho Editorial da Revista Brasileira de Orientação Pro ssional vem a público agradecer aos consultores pela valiosa colaboração na análise dos manuscritos submetidos: Adriana Cristina Ferreira Caldana – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (FEARP/USP) Ana Paula Porto Noronha – Universidade São Francisco, Itatiba-SP (USF) Ana Raquel Cian one – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (USP-RP) Ângela Carina Paradiso – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS (UFRGS) Antônio dos Santos Andrade – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (FFCLRP/USP) Carla Guanaes – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (FFCLRP/USP) Carlos Zanelli – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis -SC ( UFSC) Carmem Beatriz Neufeld – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (FFCLRP/USP) Carmen Lúcia Cardoso – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (FFCLRP/USP) Cynthia Borges de Moura – Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR (UEL) Delba Teixeira Rodrigues Barros – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG (UFMG) Denise Ruschel Bandeira – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS (UFRGS) Diana Margarida Pinheiro de Aguiar Vieira – Instituto Politécnico do Porto, Portugal Dulce Consuelo Andreatta Whitaker – Universidade Estadual Paulista, Araraquara-SP (UNESP) Dulce Helena Penna Soares – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC (UFSC) Edite Krawulski – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC (UFSC) Edmundo Narracci Gasparini - Universidade Federal de São João Del-Rei, São João Del-Rei-MG (UFSJ) Eduardo Name Risk – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (FFCLRP/USP) Erika Tiemi Kato Okino – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (FFCLRP/USP) Fabiana Hilário de Almeida – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (FFCLRP/USP) Fábio Scorsolini-Comin – Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba-MG (UFTM) Fernanda Aguillera – Centro Universitário de Araraquara, Araraquara-SP (UNIARA) Grabriela Cabrera – Universidad Nacional Autônoma del México, México Inês Nascimento – Universidade do Porto, Portugal Isabel Janeiro – Universidade de Lisboa, Portugal Izildinha Maria da Silva Munhoz – Consultório, Uberaba-MG Jorge Castellá Sarriera – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS (UFRGS) Julia Maria Silva – American Psychological Association, EUA (APA) Kathia Maria Costa Neiva – Consultório, São Paulo-SP Laura Vilela e Souza – Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba- MG (UFTM) Lícia Barcelos de Souza – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (FFCLRP/USP-RP) Liliana da Costa Faria – Universidade do Minho, Portugal Lincoln Coimbra Martins – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG (UFMG) Lúcia da Rocha Uchôa-Figueiredo – Centro Universitário Claretiano de Batatais, Batatais-SP Luciana Albanese Valore – Universidade Federal do Paraná, Curitiba-PR (UFPR) Luís Canêo – Universidade Estadual Paulista, Bauru-SP (UNESP) Maiana Farias Oliveira Nunes – Instituto de Educação Superior Avantis, Camboriú-SC Marcelo Afonso Ribeiro – Universidade de São Paulo, São Paulo-SP (IP/USP) Marco Antonio de Azevedo – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG (PUC-MG) Marco Antônio Pereira Teixeira – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS (UFRGS) Marcos Alencar Abaide Balbinotti – Universite de Sherbrooke, Canadá Maria Célia Pacheco Lassance – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS (UFRGS) Maria da Conceição Coropos Uvaldo – Universidade de São Paulo, São Paulo-SP (IP/USP) Maria do Céu Taveira – Universidade do Minho, Portugal Maria Eduarda Carlos Castanheira Fagundes Duarte – Universidade de Lisboa, Portugal Maria Imaculada Cardoso Sampaio – Universidade de São Paulo, São Paulo-SP (IP/USP) Maria Luísa Rodriguez Moreno – Universidad de Barcelona, Espanha Maria Luíza Camargos Torres – Universidade Vale do Rio Doce, Governador Valadares-MG (UNIVALE) Maria Odília Teixeira – Universidade de Lisboa, Portugal Marina Cardoso de Oliveira – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Paranaíba-MS (UFMT) Marina Müller – Universidad del Salvador de Buenos Aires, Argentina Marucia Patta Bardagi – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis- SC (UFSC) Mauro de Oliveira Magalhães – Universidade Federal da Bahia, Salvador-BA (UFBA) Mirta Graciela Gavilán – Universidad Nacional de La Plata, Argentina Mônica Sparta – Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro-RJ Noeli Prestes Padilha Rivas – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (FFCLRP/USP) Nuria Manzano Soto – Universidad Nacional de Educación a Distancia, Espanha Regina Yoneko Dakuzaku Carretta – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (FMRP/USP) Ricardo Primi – Universidade São Francisco, Itatiba-SP (USF) Rosane Schotgues Levenfus – Projecto, Porto Alegre-RS Sadao Omote – Universidade Estadual Paulista, Assis-SP (UNESP-Assis) Sérgio Fonseca – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (FFCLRP/USP) Silvia Gelvan de Veinsten – Universidad del Salvador de Buenos Aires, Argentina Sonia Regina Pasian – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (FFCLRP/USP) Sylvia Domingos Barrera – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (FFCLRP/USP) Thaís Zerbini – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (FFCLRP/USP) Valéria Barbieri – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP (FFCLRP/USP) Victoria Maria Brant Ribeiro – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ (UFRJ) Zandre Barbosa de Vasconcelos – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa-PB (UFPB) Zélia Miranda Kilimnik – Universidade FUMEC, Belo Horizonte-MG Zilda Aparecida Pereira Del Prette – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos-SP (UFSCar) Este foi um ano de conquistas na história da Revista Brasileira de Orientação Pro ssional com a inclusão nas bases de dados: CLASE, REDALYC e Catálogo Latindex, que indexam documentos publicados em periódicos de revistas la- tinoamericanas especializadas nas ciências sociais e humanas. Com vistas ao aprimoramento da Revista novas normas e diretrizes para a publicação também foram estabelecidas. Neste semestre a Revista se fez presente no III Congresso Brasileiro de Psicologia: Ciência e Pro ssão, realizado no período de 3 a 7 de setembro em São Paulo. A Associação Brasileira de Orientadores Pro ssionais (ABOP), como um das entidades organizadoras do evento, mobilizou os orientadores pro ssionais e pesquisadores que propuseram e participa- ram de diversas atividades. Como em 2006, essa participação está registrada na seção documentos. Neste fascículo o leitor terá a oportunidade de conhecer cinco contribuições internacionais, de Portugal. Em relação à autoria são onze autores internacionais, oito de outros estados brasileiros (Paraíba, Maranhão, Distrito Federal, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e oito do Estado de São Paulo advindos de três diferentes unidades da USP (FEA, FEARP e FFCLRP), um da FGV/EAESP, um da ESAGS e um da UNESP-Araraquara. Observa-se a abrangência da revista e sua inserção internacional, representada neste fascículo por diferentes instituições portuguesas (Porto, Lisboa e Funchal) e uma argentina. Abordando questões da prática pro ssional, Alexandra Figueiredo de Barros, da Universidade de Lisboa, Portugal, contribui com o primeiro estudo Desa os da Psicologia Vocacional: Modelos e intervenções na era da incerteza. A autora sintetiza os pressupostos dos modelos teóricos com mais impacto nesse domínio da Psicologia e analisa as contribuições dos diferentes modelos para a oferta de intervenções que respondam à multiplicidade de necessidades e diversidade de destinatários. A autora contribui com o debate sobre a oferta da orientação e do aconselhamento de carreira como processo de aprendizagem do enfrentamento das inevitáveis transições ao longo da vida. A seguir dois artigos tratam da transição para o mercado de trabalho. Assim, a segunda contribuição é o estudo intitula- do Diplomados do ensino superior na transição para o trabalho: Vivências e signi cados, de autoria de Ana Raquel Soares Paulino, Joaquim Luís Coimbra e Carlos Manuel Gonçalves, da Universidade do Porto, Portugal. O signi cado que a transição para o (des)emprego assume para os jovens adultos diplomados do ensino superior foi avaliado por meio da escala Latent and Manifest Bene ts of Work (LAMB-Scale) e do General Health Questionnaire – 12 (GHQ-12). A investigação com 577 diploma- dos do ensino superior evidenciou diferenças signi cativas entre desempregados e empregados. Os resultados contribuem para re exões sobre as principais implicações dessas situações para os trabalhadores nos níveis psicológico, social e institucional. O terceiro estudo focaliza a população jovem no artigo denominado Trajetórias juvenis: Signi cando projetos de vida a partir do primeiro emprego, de Regina Célia Borges e Maria Chal n Coutinho, da Universidade Federal de Santa Catarina. O estudo baseia-se no pressuposto da centralidade da categoria trabalho e nas perspectivas do materialismo histórico-dialético e da visão sócio-histórica sobre o conceito das juventudes/adolescências. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas e de fotogra as, técnica utilizada como ferramenta complementar. Os autores apontam que os sentidos do trabalho na primeira experiência pro ssional expressam sua centralidade. O quarto artigo é outra contribuição de investigadores portugueses, intitulado In uência do gênero, da família e dos ser- viços de psicologia e orientação na tomada de decisão de carreira, de autoria de Margarida Dias Pocinho, da Universidade da Madeira, Funchal; Armando Correia, Secretaria Regional de Educação da Madeira, Universidade da Madeira, Funchal; Renato Gil Carvalho, da Secretaria Regional de Educação da Madeira, Universidade da Madeira, Associação Educação & Psicologia, Funchal e Carla Silva, também da Secretaria Regional de Educação da Madeira, Associação Educação & Psicologia, Funchal. Trata-se de um estudo desenvolvido com 1930 estudantes portugueses do 10º ao 12º anos (equivalentes Disponível em http://pepsic.bvs-psi.org.br/rbop EDITORIAL Revista Brasileira de Orientação Pro ssional jul.-dez. 2010, Vol. 11, No. 2, 165-338 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 165-338 às três séries do ensino médio brasileiro). Os participantes do estudo responderam ao Questionário de Di culdades de Tomada de Decisão e informaram sobre dados escolares e familiares. Os resultados mostram que mais de metade apre- senta indecisão vocacional. Veri cou-se que há in uência positiva da família na tomada de decisão e da Orientação Vocacional na prontidão para a decisão. Diferenças entre os rapazes e as moças foram encontradas. Os autores contribuem com recomendações para as práticas de orientação vocacional. Maria Odilia Teixeira e Inês Calado, da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal, contribuem com o conhecimento acerca da prática pro ssional. Assim, o quinto artigo intitulado Avaliação de um programa de educação para a carreira: Um projecto de natureza exploratória examina os resultados de um programa destinado a estudantes do 9º ano no contex- to europeu. Enfatiza-se a “necessidade de práticas educativas da orientação possuírem uma natureza abrangente, de modo a perspectivarem de forma integrada o desenvolvimento de competências vocacionais, a promoção do sucesso académico e o bem-estar na comunidade educativa”. Tendo em vista o contexto brasileiro, o sexto artigo intitulado Psicologia Escolar e Orientação Pro ssional: Fortalecendo as convergências, é uma contribuição de Tatiana Oliveira de Carvalho, da Universidade de Ensino Superior do Maranhão e Claisy Maria Marinho-Araujo, da Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF. As autoras concebem a instituição educativa – preferencialmente a escolar – como espaço privilegiado para o desenvolvimento da Orientação Pro ssional a partir da interface Psicologia e Educação. O estudo contribui com re exões sobre as possibilidades de con- vergência entre a Psicologia Escolar e a Orientação Pro ssional, na perspectiva de intervenção com vistas à promoção do desenvolvimento da carreira e a construção da cidadania, fundamentada nos princípios da educação para a carreira. No Brasil fazem-se necessários não apenas serviços de intervenção de carreira, mas também de ações que resultem em políticas públicas de acesso e permanência em cursos pro ssionalizantes em todos os níveis de ensino. No que se refere aos debates sobre Ensino Superior, o sétimo estudo contribui com as re exões relevantes acerca do acesso à uni- versidade pública brasileira. O artigo é intitulado Universitários de camadas populares em cursos de alta seletividade: Aspectos subjetivos é de autoria de Débora Cristina Piotto, da Universidade de São Paulo (FFCLRP/USP). Por meio de entrevistas realizadas com cinco alunos de cursos de alta seletividade de uma importante universidade pública, oriundos das camadas populares, foi possível compreender algumas trajetórias marcadas por esforço, desenraizamento e humi- lhação. Em contrapartida, os resultados mostram também que a entrada na universidade pública traz possibilidades que transformam as perspectivas de vida dos alunos. Novas aprendizagens levam a novos comportamentos, necessários no mundo do trabalho. O oitavo artigo intitulado Aprendizagem transformativa e mudança comportamental a partir de dilemas desorientadores na carreira é assinado por Germano Glufke Reis, da Fundação Getúlio Vargas/Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV/EAESP) e das Faculdades de Campinas (FACAMP); Lina Eiko Nakata, da Escola Superior de Administração e Gestão (ESAGS); e Joel Souza Dutra, da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Trata de questões sobre mudanças nas organizações e ne- cessidades de adaptabilidade, de aprender e de adaptar-se, mesmo em situações adversas. O estudo com base no modelo de mudança transteórico buscou investigar como dilemas desorientadores nas carreiras catalisam processos re exivos e aprendizados. Os resultados mostram que situações desorientadoras na vida pro ssional con guram-se como oportunida- des especiais para aprendizados, o que fornece pistas para a intervenção em contextos organizacionais. A nona contribuição é o estudo de caso denominado O supervisor educacional no contexto da educação a distân- cia, de Fabio Scorsolini-Comin, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba-MG; David Forli Inocente do Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração (INEPAD); Alberto Borges Matias, Universidade de São Paulo vi Editorial (FEA-RP/USP) e Manoel Antônio dos Santos, Universidade de São Paulo (FFCLRP/USP). O estudo investigou a atua- ção dos supervisores de ensino de um instituto multidisciplinar, no contexto da educação a distância. Foram analisadas as descrições de cargo desses pro ssionais e suas funções, visando favorecer a assunção de uma identidade pro ssional “comprometida com os pressupostos da sociedade do conhecimento”. Dois relatos de experiências são divulgados nesta publicação. A décima contribuição, Intervir para ajudar e ajudar para construir: Um modelo de intervenção psicológica com estudantes do ensino superior é de autoria de Rosário Lima e Sandra Fraga, da Universidade de Lisboa. O modelo de intervenção psicológica baseia-se na abordagem desenvolvimen- tista de carreira tendo como ponto de partida a experiência em aconselhamento de carreira com estudantes do ensino su- perior que solicitaram ajuda. Diferentes tipos de solicitação em aconselhamento e gestão de carreira foram encontrados. A décima segunda contribuição – segundo relato de experiência – Amizade no processo de orientação pro ssio- nal: Três abordagens na intervenção com jovens é de autoria de Luciana Karine de Souza, da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG e de Maria Célia Pacheco Lassance, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS. As autoras, com base na experiência prática em orientação pro ssional, relatam três formas distintas de abordar as relações de amizade na demanda e no atendimento a adolescentes e jovens adultos, a saber: compreensiva, desa adora e mediadora. Dois ensaios compõem este fascículo. Um faz um resgate histórico de algumas das problemáticas do acesso ao en- sino superior e das práticas de cursos populares de preparação para o vestibular. O outro aborda antigas e novas questões conceituais e estratégicas de orientação pro ssional e de coaching. Assim a décima terceira contribuição, de Dulce Consuelo Andreatta Whitaker, UNESP-Araraquara, intitula-se Da “invenção” do vestibular aos cursinhos populares: Um desa o para a Orientação Pro ssional. Trata da origem dos exames vestibulares no Brasil e apresenta os cursinhos preparatórios. A autora, neste resgate histórico, aponta “o paradoxo de uma prática antipedagógica que se tornou condição essencial para o acesso aos cursos superiores de prestígio”. Este ensaio tem sua relevância por se tratar do registro de uma trajetória pessoal muito relevante na área de Orientação Pro ssional. Debates conceituais e estratégicos são focalizados na sessão ensaio. Assinada por Carlos Roberto Ernesto da Silva, da Ernesto & Associados, João Pessoa-PB, a décima quarta contribuição intitulada Orientação pro ssional, mentoring, coaching e counseling: Algumas singularidades e similaridades em práticas. O autor aponta que algumas estratégias de intervenção são usadas no contexto organizacional, restringindo-se a acompanhar jargões empresariais. As singularida- des e similaridades dessas estratégias são discutidas com vistas a contribuir para uma melhor compreensão das práticas e de seus pressupostos. O Conselho Editorial deseja a todos uma proveitosa leitura e trabalha para que a Revista possa continuar recebendo bons textos e assim siga contribuindo com a produção do conhecimento na área. Lucy Leal Melo-Silva Editora Cientí ca vii SUMÁRIO Revista Brasileira de Orientação Pro ssional jul.-dez. 2010, Vol. 11, No. 2, 165-338 Editorial.............................................................................................................................................................................v Lucy Leal Melo-Silva Artigos Originais Desafios da Psicologia Vocacional: Modelos e intervenções na era da incerteza.....................................165 Alexandra Figueiredo de Barros Diplomados do ensino superior na transição para o trabalho: Vivências e significados.......................177 Ana Raquel Soares Paulino, Joaquim Luís Coimbra, Carlos Manuel Gonçalves Trajetórias juvenis: Significando projetos de vida a partir do primeiro emprego..................................189 Regina Célia P. Borges, Maria Chalfin Coutinho Influência do gênero, da família e dos serviços de psicologia e orientação na tomada de decisão de carreira.................................................................................................201 Margarida Dias Pocinho, Armando Correia, Renato Gil Carvalho, Carla Silva Avaliação de um programa de educação para a carreira: Um projecto de natureza exploratória.................................................................................................................213 Maria Odilia Teixeira, Inês Calado Psicologia Escolar e Orientação Profissional: Fortalecendo as convergências..........................................219 Tatiana Oliveira de Carvalho, Claisy Maria Marinho-Araujo Universitários de camadas populares em cursos de alta seletividade: Aspectos subjetivos.................229 Débora Cristina Piotto Aprendizagem transformativa e mudança comportamental a partir de dilemas desorientadores na carreira...............................................................................................243 Germano Glufke Reis, Lina Eiko Nakata, Joel Souza Dutra O supervisor educacional no contexto da educação a distância...................................................................257 Fabio Scorsolini-Comin, David Forli Inocente, Alberto Borges Matias, Manoel Antônio dos Santos Relatos de Experiência Intervir para ajudar e ajudar para construir: Um modelo de intervenção psicológica com estudantes do ensino superior.............................................269 Rosário Lima, Sandra Fraga Amizade no processo de orientação profissional: Três abordagens na intervenção com jovens......................................................................................................279 Luciana Karine de Souza, Maria Célia Pacheco Lassance Ensaios Da “invenção” do vestibular aos cursinhos populares: Um desafio para a Orientação Profissional........................................................................................................289 Dulce Consuelo Andreatta Whitaker Orientação Profissional, mentoring, coaching e counseling: Algumas singularidades e similaridades em práticas......................................................................................299 Carlos Roberto Ernesto da Silva Documentos Informe sobre o Congresso Internacional da IAEVG-2010...............................................................................311 Julio González Bello A ABOP participa do III Congresso Brasileiro de Psicologia: Ciência e Profissão – Construindo referenciais éticos, democráticos e participativos.............................................313 Lucy Leal Melo-Silva, Marcelo Afonso Ribeiro Normas para Publicação............................................................................................................................................329 Disponível em http://pepsic.bvs-psi.org.br/rbop Disponível em http://pepsic.bvs-psi.org.br/rbop CONTENTS Revista Brasileira de Orientação Pro ssional jul.-dez. 2010, Vol. 11, No. 2, 165-338 Editorial.............................................................................................................................................................................v Lucy Leal Melo-Silva Original Articles Vocational Psychology Challenges: Theories and interventions in an era of uncertainty....................165 Alexandra Figueiredo de Barros University graduates in transition to the labor market: Experiences and meanings.............................177 Ana Raquel Soares Paulino, Joaquim Luís Coimbra, Carlos Manuel Gonçalves Adolescents’ paths: Giving meaning to life projects from the first job experience..................................189 Regina Célia P. Borges, Maria Chalfin Coutinho Influences of gender, family and vocational guidance services on career decision making.......................................................................................................................201 Margarida Dias Pocinho, Armando Correia, Renato Gil Carvalho, Carla Silva Evaluation of a career educational program: An exploratory project..............................................................................................................................................213 Maria Odilia Teixeira, Inês Calado School Psychology and Career Guidance: Strengthening the convergence..............................................219 Tatiana Oliveira de Carvalho, Claisy Maria Marinho-Araujo Undergraduates from the lower classes doing highly selective courses: Subjective aspects................229 Débora Cristina Piotto Transformative learning and behavior change caused by career disorienting dilemmas.............................................................................................................243 Germano Glufke Reis, Lina Eiko Nakata, Joel Souza Dutra The educational supervisor in the context of distance education................................................................257 Fabio Scorsolini-Comin, David Forli Inocente, Alberto Borges Matias, Manoel Antônio dos Santos Professional Reports Intervening to help and helping in order to construct: A psychological intervention model with higher education students.........................................................269 Rosário Lima, Sandra Fraga Friendship in career counseling: Three approaches with youngsters.......................................................................................................................279 Luciana Karine de Souza, Maria Célia Pacheco Lassance Essays From the “invention” of the university entrance exams to the communitarian courses: A challenge for Occupational Guidance..............................................................................................................289 Dulce Consuelo Andreatta Whitaker Vocational Guidance, mentoring, coaching and counseling: Some similarities and particularities in practice.............................................................................................299 Carlos Roberto Ernesto da Silva Reports Report about the International Congress of IAEVG-2010...............................................................................311 Julio González Bello The Brazilian Association for Career Guidance (BACG) participates in the III Brazilian Congress of Psychology: Science and job – Creating ethical, democratic and collaborative references.............313 Lucy Leal Melo-Silva, Marcelo Afonso Ribeiro Publication Norms.......................................................................................................................................................329 Disponível em http://pepsic.bvs-psi.org.br/rbop SUMARIO Revista Brasileira de Orientação Pro ssional jul.-dez. 2010, Vol. 11, No. 2, 165-338 Editorial.............................................................................................................................................................................v Lucy Leal Melo-Silva Artículos Originales Desafíos de la Psicología Vocacional: Modelos e intervenciones en la era de la incertidumbre..........165 Alexandra Figueiredo de Barros Diplomados de la enseñanza superior en la transición al trabajo: Vivencias y significados................177 Ana Raquel Soares Paulino, Joaquim Luís Coimbra, Carlos Manuel Gonçalves Trayectorias juveniles: Significando proyectos de vida a partir del primer empleo..............................189 Regina Célia P. Borges, Maria Chalfin Coutinho Influencia del género, de la familia y de los servicios de psicología y orientación en la toma de decisión de carrera............................................................................................201 Margarida Dias Pocinho, Armando Correia, Renato Gil Carvalho, Carla Silva Evaluación de un programa de educación para la carrera: Un proyecto de naturaleza exploratoria..............................................................................................................213 Maria Odilia Teixeira, Inês Calado Psicología Escolar y Orientación Profesional: Fortaleciendo las convergencias....................................219 Tatiana Oliveira de Carvalho, Claisy Maria Marinho-Araujo Universitarios de sectores populares en cursos de alta selectividad: Aspectos subjetivos...................229 Débora Cristina Piotto Aprendizaje transformador y cambio de comportamiento a partir de dilemas desorientadores en la carrera............................................................................................243 Germano Glufke Reis, Lina Eiko Nakata, Joel Souza Dutra El supervisor educacional en el contexto de la educación a distancia.......................................................257 Fabio Scorsolini-Comin, David Forli Inocente, Alberto Borges Matias, Manoel Antônio dos Santos Relatos de Experiencia Profesional Intervenir para ayudar y ayudar para construir: Un modelo de intervención psicológica con estudiantes de la enseñanza superior................................269 Rosário Lima, Sandra Fraga Amistad en el proceso de orientación profesional: Tres enfoques en la intervención con jóvenes....................................................................................................279 Luciana Karine de Souza, Maria Célia Pacheco Lassance Ensayos De la “invención” del examen de ingreso a los cursos populares: Un desafío para la Orientación Profesional........................................................................................................289 Dulce Consuelo Andreatta Whitaker Orientación Profesional, mentoring, coaching y counseling: Algunas singularidades y semejanzas en prácticas..........................................................................................299 Carlos Roberto Ernesto da Silva Documentos Informe del Congreso International de la IAEVG-2010...................................................................................311 Julio González Bello La ABOP participa en el III Congreso de Psicología: Ciencia y Profesión – Construyendo referenciales éticos, democráticos y participativos........................................313 Lucy Leal Melo-Silva, Marcelo Afonso Ribeiro Normas para Publicación...........................................................................................................................................329 165 Desafios da Psicologia Vocacional: Modelos e intervenções na era da incerteza Alexandra Figueiredo de Barros1 Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal 1 Endereço para correspondência: Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa, Rua: Alameda da Universidade, 1649-013, Lisboa, Portugal. Fone: 351 21 7943600. E-mail: afbarros@fp.ul.pt Disponível em http://pepsic.bvs-psi.org.br/rbop Revista Brasileira de Orientação Pro ssional jul.-dez. 2010, Vol. 11, No. 2, 165-175 Artigo Resumo O presente artigo procura fazer uma re exão sobre os desa os actuais da Psicologia Vocacional face à incerteza e à imprevisibilidade dos percursos individuais num contexto económico de mudança e de globalização. Sintetizam-se os pressupostos dos modelos teóricos com mais impacto neste domínio da Psicologia e analisam-se os contributos de cada um para uma intervenção que responda à multiplicidade de necessidades de uma cada vez maior diversidade de destinatários. Sugere-se a importância de lidar com esses novos desa os, expandindo os objectivos, recursos e técnicas na intervenção com cada cliente, de forma compatível com uma visão da orientação e do aconselhamento de carreira como processo de aprendizagem do enfrentamento das inevitáveis transições ao longo da vida. Palavras-chave: orientação vocacional, globalização, desenvolvimento de carreira Abstract: Vocational Psychology Challenges: Theories and interventions in an era of uncertainty The aim of the present article is to analyze the challenges of Vocational Psychology to face uncertainty and unpredictability of individual careers in an economic context of change and globalization. Theories of career development that have a major impact on career related issues are summarized and analyzed to address the multiplicity of needs of a growing diversity of clients. We suggest the importance of coping with those new challenges, expanding the goals, resources and techniques used with each client, in a way compatible with a vision of career guidance and counseling as a learning process of dealing with the unavoidable transitions during the life-span Keywords: career guidance, globalization, career development Resumen: Desafíos de la Psicología Vocacional: Modelos e intervenciones en la era de la incertidumbre El presente artículo intenta re exionar sobre los desafíos actuales de la Psicología Vocacional ante la incertidumbre y la imprevisibilidad de los trayectos individuales en un contexto económico de cambios y de globalización. Se sintetizan los presupuestos de los modelos teóricos con más impacto en este dominio de la Psicología y se analizan las contribuciones de cada uno para una intervención que responda a la multiplicidad de necesidades de una cada vez mayor diversidad de destinatarios. Se sugiere la importancia de lidiar con estos nuevos desafíos expandiendo los objetivos, recursos y técnicas en la intervención con cada cliente de forma compatible con una visión de la orientación y del asesoramiento de carrera como proceso de aprendizaje del enfrentamiento de las inevitables transiciones a lo largo de la vida. Palabras clave: orientación vocacional, globalización, desarrollo de carrera 166 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 165-175 Desa os da Psicologia Vocacional na actualidade Numa época marcada pela percepção da instabilida- de e da imprevisibilidade do futuro, em função de uma economia globalizada, os percursos de carreira individu- ais deixaram há muito de ser lineares passando a caracteri- zar-se por inúmeras transições ao longo da vida. As ques- tões vocacionais têm, cada vez mais, que ser integradas numa perspectiva holística do homem em que se inter-re- lacionam variáveis individuais, relacionais e contextuais. Nesse sentido, as intervenções de carreira podem ser di- versas nas concepções teóricas de base, nas metodologias e técnicas utilizadas mas terão que ser especi camente di- rigidas a cada indivíduo, elemento central desse processo, considerado nas suas diferentes dimensões. A diversidade de destinatários possíveis, de nidos a partir da pertença a um género ou a um de diversos grupos etários e culturais (Gysbers, Heppner, & Johnston, 2003) aumenta exponen- cialmente ao considerar-se a singularidade de cada pessoa e os contextos culturais diversos em que vivem (Schulteiss & Van Esbroeck, 2009). Se a intervenção de carreira é centrada no próprio cliente e na especi cidade dos desa- os que cada um traz para o processo, isto implica identi- car, clari car e especi car cada problema e trabalhar na sua resolução com base numa aliança terapêutica única e especí ca daquele conselheiro e daquele indivíduo. A inclusão do desenvolvimento vocacional numa concepção mais ampla de desenvolvimento pessoal, de que é consequência uma necessária aproximação entre o aconselhamento vocacional e o aconselhamento em geral (Guichard, 2003; Guindon & Richmond, 2005; Whiston & Oliver, 2005; Whiston & Rahardia, 2008) traz à Psicologia Vocacional novos desa os que cada vez enfatizam menos o conteúdo das escolhas e mais os processos de desenvol- vimento pessoal que permitem ao indivíduo o confronto de forma adaptada com as mudanças e transições que vão de- senhando o seu trajecto pessoal. A cada vez mais reduzida previsibilidade do percurso pro ssional requer adaptação, coping e resiliência (Betz, 2008), tornando a contínua ac- tualização de competências e de conhecimentos uma parte integrante do desenvolvimento de carreira (Van Esbroeck, 2008). A actualidade do conceito de adaptabilidade, de - nido a partir da relação de um indivíduo activo e dinâmico com uma realidade sempre em mudança (Savickas, 1997; Super & Knasel, 1981), assume novo impacto face à ac- tual necessidade de cada indivíduo desenvolver e adoptar competências e atitudes facilitadoras da adaptação às rápi- das transformações que caracterizam hoje os contextos de trabalho. A exigência de autonomia e de iniciativa, nesta construção permanente de um projecto de vida num con- texto de mudança e de imprevisibilidade constante, sugere que, para além de adaptabilidade, se torna essencial o que Silva (2002) designou por “criatividade de carreira”. Este conceito de criatividade pretende acrescentar uma dimen- são de expressividade e de autoria. Diferentes países partilham, actualmente, novos tipos de preocupações em relação à carreira como o desemprego, o subemprego, as mudanças na demogra a, o aumento da idade da reforma (ou aposentadoria, no contexto brasileiro) (Herr, 2008), adoptando um conceito de carreira caracterizado por constantes adaptações e pela responsabilidade pessoal na sua gestão (Savickas & Baker, 2005). Em simultâneo, partilham também um contexto ideológico que favorece e valoriza a aprendizagem ao longo da vida, não só como uma necessida- de de adaptação mas como um valor em si mesmo. Como forma de dar resposta a estes novos problemas colocados pela globalização e pelas profundas mudanças tecnológicas, com as consequentes implicações nas formas como e onde as pessoas trabalham e têm acesso a oportu- nidades formativas e pro ssionais, a interdisciplinarida- de na teorização e na prática dos problemas vocacionais ganha impacto nas re exões de fundo sobre a Psicologia Vocacional (Schulteiss & Van Esbroeck, 2009). Também a interligação entre as concepções teóricas e as metodo- logias de intervenção volta a ser uma preocupação domi- nante, com propostas da de nição do âmbito da Psicologia Vocacional que procuram ser inclusivas de múltiplas direc- ções para o campo. Richardson, Constantine e Washburn (2005) propõem que a de nição de Psicologia Vocacional inclua a referência à teoria, investigação e intervenções que, tendo em conta a importância do trabalho e das rela- ções na vida das pessoas, procurem ajudá-las a viver vidas saudáveis e produtivas. Salientam, ainda, tal como outros autores (Metz & Guichard, 2009; Niles, Engels, & Lenz, 2009) a preocupação que a Psicologia deve manter com a justiça social e com o acesso às oportunidades por todos os indivíduos, independentemente do seu grupo cultural, étnico, sexual, entre outros. Os novos desa os da Psicologia Vocacional passam, assim, pela necessidade de, a partir das concepções teóri- cas que as fundamentam, desenhar intervenções com base em metodologias que contemplem a diversidade de ob- jectivos e de transições de uma multiplicidade de sujeitos – in uenciados por factores de pertença grupal mas únicos e singulares – em interacção com contextos de mudança e em permanente mudança. Teorias com impacto na intervenção Face à mudança dos contextos económicos, sociais e ideológicos em que a Psicologia Vocacional tem evolu- ído desde que conquistou a sua autonomia cientí ca em Barros, A. F. (2010). Desa os da Psicologia Vocacional: Modelos e intervenções 167 relação a outros domínios da Psicologia com a publicação de Vocational Psychology (Crites, 1969), têm surgido dife- rentes abordagens conceptuais para enquadrar teoricamen- te variáveis, conceitos e/ou processos relacionados com o comportamento vocacional dos indivíduos. Mais centradas no conteúdo ou no processo das escolhas vocacionais, aque- las a que Leung (2008) se refere como as “cinco grandes teorias da carreira” podem designar os grandes campos teó- ricos que têm formatado a investigação e a prática da orien- tação e do aconselhamento de carreira. Embora nem sempre tenha havido uma ligação clara entre a teoria e a interven- ção na Psicologia Vocacional (Savickas, 1996), é objectivo deste artigo afastar-se de uma dicotomia teoria-intervenção e re ectir sobre as teorias ou as práticas derivadas dessas te- orias que, neste domínio da Psicologia, têm tido impacto na intervenção, partindo do conceito de “teoria relevante para a intervenção” de Richardson et al. (2005, p. 68). Modelos da correspondência ou do ajustamento Os modelos da correspondência ou do ajustamento de que são exemplos o modelo dos tipos de personalida- de e dos ambientes de trabalho de Holland (1997) ou o modelo do ajustamento ao trabalho (TWA) (Dawis, 2005) são modelos que se baseiam numa equação entre as carac- terísticas do indivíduo, as características do trabalho e as variáveis do próprio ajustamento. No caso do modelo de Holland, admite-se que os interesses são expressão da per- sonalidade do indivíduo e que podem categorizar-se em seis tipos correspondentes a um conjunto característico de competências, preferências, crenças, valores e formas de seleccionar e processar a informação. Também os ambien- tes de trabalho se podem categorizar com base nos mesmos seis tipos que podem ser mais ou menos diferenciados. A diferenciação representa o grau em que a pessoa ou o meio é bem de nido. A representação dos tipos num hexágono: R (Realista), I (Investigativo), A (Artístico), S (Social), E (Empreendedor) e C (Convencional) permite conceptuali- zar a relação entre os tipos a partir do seu posicionamento relativo, ilustrando a noção de consistência enquanto grau de relação entre tipos de personalidade ou entre ambientes de trabalho. O pressuposto é o de que tipos adjacentes são mais semelhantes entre si do que tipos opostos em relação aos vértices do hexágono. Como variável da interacção, a congruência re ecte o grau do ajustamento entre o tipo de personalidade e de interesses do indivíduo e o tipo domi- nante do ambiente de trabalho, permitindo prever o grau de satisfação e de estabilidade vocacional. Também o modelo do ajustamento ao trabalho (TWA) (Dawis, 2005) se foca em variáveis relacionadas com a inte- racção pessoa-meio, sendo a correspondência dinâmica que se vai estabelecendo entre as variáveis do indivíduo e as do trabalho, o que permite prever o grau de satisfação, de e cácia e de estabilidade numa função. Esse ajustamento depende da correspondência entre as variáveis do indivíduo – capacidades, necessidades vocacionais e estilo de perso- nalidade no trabalho – e as variáveis do trabalho – requisitos do trabalho, padrão de reforços característicos do trabalho e estilos do meio. Os estilos do meio são categorizados a par- tir das mesmas quatro variáveis que os estilos de persona- lidade do indivíduo: exibilidade, celeridade, actividade e reactividade. A exibilidade refere-se ao grau de tolerância face a uma falta de correspondência entre o indivíduo e o trabalho. A celeridade é a rapidez com que o indivíduo ou o trabalho reagem ao desajustamento (activa ou reactivamen- te), movendo-se de uma área de não correspondência into- lerável para uma área de não correspondência tolerável. A actividade e a reactividade são as formas (respectivamente proactiva ou passiva) de corrigir esse desajustamento, au- mentando a correspondência indivíduo-trabalho. Esses tipos de modelos, centrados em metodologias de intervenção com grande ênfase na avaliação psicoló- gica do indivíduo, nomeadamente de variáveis como a personalidade, interesses, valores ou aptidões, têm a van- tagem de operacionalizar e medir os seus conceitos, cate- gorizando informação de forma parcimoniosa e podendo, nalguns casos, facilitar a tomada de decisão na carreira. Contudo, podem, só por si, não dar resposta a muitos dos desa os que actualmente se colocam a cada indivíduo na gestão da sua própria carreira, uma vez que as questões vocacionais deixaram há muito de ser apenas as da esco- lha para incluírem as referentes ao desenvolvimento vo- cacional do indivíduo ao longo da sua vida, ao confronto com múltiplas transições nesse percurso e à integração de uma constelação de papéis em interacção. Modelos desenvolvimentistas, desenvolvimentistas constructivistas e desenvolvimentistas contextualistas Com a pessoa e as situações em mudança, o processo de correspondência (matching, no original), nunca está completo. A correspondência ocorre apenas tem- porariamente quando as decisões maiores são toma- das; e mesmo aí, continuam a ser tomadas decisões menores (Super, 1990, p. 225-226). No entanto, a questão da escolha, seja numa transição normativa (por exemplo, no m da escolaridade obrigató- ria) seja numa transição não normativa (por exemplo, numa mudança de emprego), continua a ser um dos elementos centrais nos processos de aconselhamento. A adaptabilida- de – conceito com origem no modelo desenvolvimentista 168 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 165-175 de Super (Super & Knasel, 1981) – ganha novo alento face à necessidade de considerar um indivíduo em frequente confronto com contextos em mudança, com transições no espaço da vida e no decurso da vida. Mas mais do que opostas, as teorias desenvolvi- mentistas complementam ou podem dar um enquadra- mento mais abrangente aos modelos mais diferenciais. De facto, e como é referido por Savickas (2002), as te- orias desenvolvimentistas partilham com a abordagem diferencial, um interesse na forma como os indivíduos encaixam ( t, no original) em diferentes pro ssões, num determinado momento da sua vida. Contudo, na aborda- gem desenvolvimentista, considera-se também o modo como os indivíduos encaixam ( t, no original) o trabalho nas suas vidas. As abordagens desenvolvimentistas vêm, então, alar- gar o estudo dos processos vocacionais, assumindo uma concepção da escolha vocacional como um processo de- senvolvido ao longo do tempo. O modelo de Gottfredson é uma das poucas tentativas de estudar especi camente o comportamento vocacional na infância. Para esta autora (Gottfredson, 2005), o desenvolvimento cognitivo próprio de cada fase é determinante da forma como os diferentes elementos do Eu: género, origem social, interesses, com- petências ou os valores vão sendo integrados na identida- de dos jovens. Será esse desenvolvimento cognitivo que enquadra a eliminação ou a circunscrição de determinadas alternativas pro ssionais começando por uma orientação para o tamanho ou a força (3/5 anos), para o género (6/8 anos), para o estatuto social ou o prestígio (9/13 anos) até uma fase (a partir dos 14 anos) em que são os aspectos re- ferentes à própria identidade que assumem a centralidade nesses processos de circunscrição e de compromisso. As estratégias de aconselhamento decorrentes do seu modelo são aplicáveis em ambientes escolares e a vários contextos culturais, visando optimizar nos destinatários (crianças e jovens), o conhecimento e a utilização de in- formação pro ssional, promover o conhecimento de si próprio, experimentando actividades que lhes permitam compreender as suas características relacionadas com a carreira, construir objectivos de carreira realistas e incen- tivar o investimento em si próprio como forma de aumen- tar a probabilidade dessas escolhas serem concretizáveis (Leung, 2008). Outros autores desenvolvimentistas, como Ginzberg (1984, 1952/1988), alargam a sua concepção da escolha vocacional, enquanto processo prolongado no tempo, até ao princípio da vida adulta. Super (1957) completa esta visão com uma concepção de desenvolvimento que con- tinua ao longo de toda a vida adulta. O desenvolvimen- to vocacional passa, assim, a ser conceptualizado como uma sequência de fases de desenvolvimento (estádio de Crescimento, Exploração, Estabelecimento, Manutenção e Desinvestimento) caracterizadas a partir das tarefas vo- cacionais, de nidas de acordo com a expectativa social em relação à preparação e à participação em actividades ligadas ao trabalho, com que os indivíduos se confrontam ao longo da vida (Super, 1990). Além desta dimensão longitudinal de desenvolvi- mento ao longo da vida (perspectiva life-span), Super con- sidera os diferentes papéis que o indivíduo desempenha e a sua interacção, numa dimensão latitudinal (perspectiva life-space) (Super, 1990). Sendo central para a intervenção, a importância relativa de cada papel considera dimensões cognitivas, comportamentais e afectivas, pressupondo que a importância de um papel pode manifestar-se por conhe- cimentos, por comportamentos, por atitudes ou emoções e constitui uma fonte de variabilidade que distingue os indi- víduos no seu envolvimento com o trabalho. Salientando a multidimensionalidade do indivíduo e, ao mesmo tempo, a singularidade do seu percurso, den- tro de certas linhas comuns e previsíveis, os modelos de- senvolvimentistas e, muito particularmente, o modelo de Super insere o comportamento vocacional do indivíduo num sistema mais vasto que é o do seu comportamento em geral, na multiplicidade dos papéis que desempenha e nas suas relações com os outros e com os diferentes contextos em que se insere. Exemplo de um tipo de in- tervenção baseado neste paradigma, o modelo C-DAC: Career Development Assessment and Counseling (Super, Osborne, Walsh, Brown, & Niles, 1992) é um modelo de- senvolvimentista de avaliação e de aconselhamento que une a avaliação e a intervenção. Aqui, a intervenção toma a forma de um aconselhamento em que se integram as di- mensões de avaliação clássicas com dimensões como a maturidade vocacional, num processo protagonizado pelo self (Super, 1980/1981/1982, 1983). A concepção longitudinal do desenvolvimento vo- cacional, própria dos modelos desenvolvimentistas, abre também o caminho para intervenções que deixam de ser apenas pontuais, para assumirem uma perspectiva edu- cativa, em que a ênfase é posta no desenvolvimento de programas de intervenção, estruturados em função de objectivos de nidos para promover o desenvolvimento vocacional dos jovens. Este movimento de Educação de Carreira posiciona a Orientação como Educação (Gysbers, 2008; Watts, 2001) e, não esquecendo a dimensão do auto- conhecimento do indivíduo e do conhecimento das opor- tunidades formativas e pro ssionais – comuns à interven- ção pontual – posiciona a intervenção como um processo educativo que visa preparar os indivíduos para, autonoma- mente, lidarem com as transições (Guichard, 2001). Barros, A. F. (2010). Desa os da Psicologia Vocacional: Modelos e intervenções 169 Encontra-se já em Super (1990) e, especi camente ilustrada na sua representação grá ca do Arco Normando, a concepção de um indivíduo enquanto sujeito activo que atribui signi cados individuais às experiências vividas, tornando-se esses signi cados variáveis que também têm repercussões no processo de desenvolvimento de carreira do indivíduo e nas suas transições. O indivíduo não é aqui considerado apenas como o objecto em que actuam dife- rentes variáveis. A uma perspectiva objectiva e pública do self, tal como ela é avaliada por testes psicológicos e pelos conselheiros, acrescenta-se uma perspectiva subjectiva re- sultante da compreensão e dos signi cados atribuídos pelo sujeito às suas experiências e aos dados que vai obtendo no seu processo de auto-conhecimento. A integração des- tas diferentes dimensões do indivíduo no modelo desen- volvimentista de Super, torna este autor no que Borgen (1991) designa por um “pensador supraordenado”. Super traz à Psicologia Vocacional conceitos com enorme im- pacto no pensamento, investigação e prática que mantêm a sua actualidade, neste início de milénio (Bingham, 2001; Brown, 2002) caracterizado pela incerteza e por rápidas mudanças. À actualidade, abrangência e aplicabilidade a diversas épocas e culturas do modelo desenvolvimentis- ta de Super, ao centrar-se nos processos gerais do desen- volvimento da carreira: as tarefas desenvolvimentistas, a saliência do papel de trabalhador, as expectativas sociais, a construção de um padrão de vida, processos que actuam independentemente da especi cidade dos percursos indi- viduais, liga-se a forma como o modelo desenvolvimen- tista de Super foi evoluindo desde os anos 50 até à sua morte. Esta evolução fez-se no sentido de atribuir mais importância a factores psicossociais, a factores culturais e sociológicos no desenvolvimento dos indivíduos e na construção dos seus projectos de carreira (Guichard & Huteau, 2001). Mantendo, assim, a sua actualidade, o mo- delo desenvolvimentista de Super constitui-se como base de muitas evoluções teóricas por parte de seguidores como Savickas (2002). Entre os seguidores deste modelo, e especi camen- te nas concepções construtivistas da carreira, abordagens pós-modernas (Savickas, 2002, 2005), consolida-se esta ideia de que, mais do que desenvolvimento, a carreira é uma construção. A perspectiva do desenvolvimento é aqui alterada, considerando-se que este vai sendo desencadea- do mais pela adaptação ao meio do que pela maturação de estruturas internas. A ideia de um sujeito que se constrói a si próprio e da subjectividade da realidade percebida, salientando-se a noção de que as carreiras vão sendo cons- truídas, dá protagonismo a novas formas de intervenção focadas nas histórias de vida dos sujeitos, carregadas de signi cados individuais e de representações subjectivas da realidade. A intervenção integra, assim, novas formas de aconselhamento que incluem métodos de entrevista em que os clientes narram a(s) sua(s) história(s), identi cam modelos e temas de vida, com a orientação dos conselhei- ros, debruçando-se sobre o seu passado e sobre o seu pre- sente para os ajudar a co-construir o passo seguinte das suas carreiras. Usando as palavras de Savickas (1995) “o processo de contar uma história serve como uma força in- tegradora da auto-consciência porque organiza o campo cognitivo ( …). Narrar uma história cria auto-conhecimen- to” (p. 514). A narração pode ainda permitir identi car determinados padrões de temas de vida ou de comporta- mentos do passado, mantendo uma perspectiva orientada para o futuro, que pode ser integrada com uma postura de desenvolvimento e de crescimento permanentes. Face às mudanças veri cadas quer nos padrões de vida socialmente aceitáveis para cada indivíduo, quer na forma como as relações do indivíduo com o trabalho e os outros papéis de vida (pai/mãe, cônjuge, Tempos Livres, Cidadania, entre outros) se têm modi cado, pode questio- nar-se se a ideia de estádios continuará a ser relevante numa época em que as transições são mais diversas e frequen- tes. Assim, se, no passado, os estádios de desenvolvimento do adulto (Levinson, Darrow, Klein, Levinson, & McKee, 1978; Super, 1990) apresentavam algum paralelismo com os estádios de desenvolvimento vocacional, actualmente, os estádios da carreira podem ser muito curtos. Assim, um in- divíduo, no meio da vida, pode estar num estádio de explo- ração do novo lugar que ocupa depois da última transição por que passou. Como exemplo, pode referir-se o caso de um adulto que, na proximidade da sua reforma (ou aposen- tadoria), começa a expor pinturas de sua autoria, depois de um percurso consolidado como arquitecto. Na verdade, a possibilidade do indivíduo passar por transições não normativas já estava prevista por Super (Super, 1990; Super, Savickas, & Super, 1996). Para este autor, o desenvolvimento faz-se dentro de linhas comuns e previsíveis (maxi-ciclos). No entanto, podem ocorrer várias transições dentro desse percurso, envolvendo pro- cessos de reciclagem, com mini-ciclos dentro de um ou mais dos estádios que de nem o maxi-ciclo. A proposta de Savickas (2002) de alterar a fase de Manutenção para fase de Gestão e a ideia de que algumas pessoas podem viver uma versão reduzida da fase de Manutenção, de que outras poderão ter apenas uma breve fase de Estabelecimento antes de nova reciclagem e outras ainda estarão em per- manentes ciclos de Exploração-Estabelecimento, em fun- ção da diversidade de indivíduos e de contextos, é um exemplo de como os conceitos foram repensados para fazer face a novas realidades. Talvez se possa concluir, com Harrington e Hall (2007) que os estádios de vida e de 170 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 165-175 carreira continuam a ser relevantes nas carreiras actuais mas têm interacções e momentos mais complexos. Cada transição é uma espécie de versão miniatura dos estádios de carreira mais tradicionais (Harrington & Hall, 2007). Em vez de um conjunto de estádios de carreira, ao longo da vida há uma série de ciclos de aprendizagem mais cur- tos (Hall & Mirvis, 1995). Em função das mudanças ideológicas que atribuem a cada um a responsabilidade de se construir a si mesmo (Guichard, 2001, 2005), é o indivíduo que vai assumindo cada vez mais o papel de protagonista na construção do seu percurso de vida, não podendo ser arti cialmente se- parado dos contextos com que se relaciona. No enquadra- mento actual da Psicologia Vocacional, também as abor- dagens contextualistas têm reforçado o seu impacto neste domínio. Mantendo uma perspectiva focada nos processos de desenvolvimento, salientam a importância das relações multidireccionais entre o indivíduo e os contextos múlti- plos – sociais, interpessoais, físicos, políticos, familiares e económicos – com que interage, na de nição de toda uma gama de trajectórias de carreira com possíveis alte- rações de trajecto ao longo da vida (Vondracek & Fouad, 1994; Vondracek, Lerner, & Schulenberg, 1986). A noção de contexto inclui não apenas condições observáveis, mas também os contextos construídos por um indivíduo que é também actor. As intersecções de múltiplas dimensões de factores contextuais são determinantes do comportamento vocacional: os factores individuais interagem com facto- res de pertença grupal e com factores culturais (Fouad & Kantamneni, 2008). Em termos de intervenção, os mode- los desenvolvimentistas-contextualistas sugerem activi- dades de orientação que envolvem ajudar o indivíduo a fazer o balanço das suas actividades, a re ectir sobre as suas relações interpessoais e os seus papéis em cada um dos contextos com que interage ou vai interagir, sendo a questão central a do ajustamento recíproco do indivíduo e dos seus contextos e o ajustamento do indivíduo a es- ses diferentes ajustamentos (Guichard & Huteau, 2001). A intervenção implica pensar quais as características dos indivíduos signi cativas para este contexto, quais as exi- gências deste contexto e o que podem eles fazer para se adaptarem e para adaptarem o contexto a si próprios. Modelos baseados no modelo da aprendizagem social e na teoria sociocognitiva A importância das variáveis cognitivas nos processos de desenvolvimento pessoal e vocacional é central na te- oria de Lent, Brown e Hackett (1990, 2002) e no modelo da aprendizagem social na tomada de decisão na carreira (Krumboltz, 1994; Mitchell & Krumboltz, 1996), ambas baseadas na teoria da aprendizagem social de Bandura (1977). Como consequência, enfatizam a natureza dinâmi- ca da relação pessoa-comportamento e ambiente: o com- portamento afecta as situações que, por sua vez afectam os pensamentos e afectos. Estes, por seu turno, afectam o comportamento. É enfatizada a acção – agenciamento – do indivíduo e, especi camente, o papel dos mediadores cognitivos através dos quais as experiências de aprendiza- gem condicionam os comportamentos ligados à carreira. Os processos de condicionamento e de modelagem sub- jacentes à aprendizagem de comportamentos são também relevantes para a construção e cristalização de crenças do indivíduo sobre si próprio e sobre o mundo. A teoria da aprendizagem social da tomada de deci- são na carreira (Krumboltz, 1994) procura explicar a forma como as escolhas relacionadas com a carreira são feitas, re- conhecendo o impacto dos factores genéticos nas tomadas de decisão e salientando as condições e as ocorrências do meio com que o indivíduo interage, factores sociais, edu- cacionais e condições do mercado de trabalho. Contudo, a ênfase é posta na importância das experiências de aprendi- zagem e nas competências de abordagem das tarefas que decorrem da interacção entre factores genéticos, ambientais e essas experiências de aprendizagem instrumental ou asso- ciativa. As competências de abordagem das tarefas podem ser muito relevantes para os percursos de carreira: é o caso dos hábitos de estudo, da forma como o indivíduo de ne objectivos ou procura informação pro ssional ou aborda a tomada de decisão. Resultantes da interacção de todos es- tes elementos, as crenças do indivíduo sobre si próprio e sobre o mundo exterior são importantes determinantes dos processos de tomada de decisão. A teoria da aprendizagem social de Krumboltz não desvaloriza o impacto objectivo das características do meio envolvente mas antes eviden- cia o papel activo do indivíduo na avaliação e no uso das condições e das oportunidades que o ambiente oferece. Ao nível da intervenção, o objectivo não é apenas o diagnóstico mas sim a mudança do próprio indivíduo e do meio, o que pode ser conseguido a partir de técnicas cognitivas de acon- selhamento, como a reestruturação cognitiva mas também do incentivo à acção, ao reconhecimento e aproveitamento de oportunidades inesperadas, do desenvolvimento de com- petências como a persistência, a exibilidade, a curiosida- de, o optimismo e a capacidade de aceitar riscos (Mitchell, Levin, & Krumboltz, 1999). Partindo também da teoria de Bandura (1977, 1986), a teoria sócio-cognitiva da carreira (SCCT) valoriza os mediadores cognitivos no desenvolvimento e nos compor- tamentos de carreira (Betz, 2004; Lent et al., 2002; Lent, 2005). Nesta teoria, os conceitos de auto-e cácia, expec- tativas de resultados e objectivos pessoais são variáveis Barros, A. F. (2010). Desa os da Psicologia Vocacional: Modelos e intervenções 171 transversais a uma concepção do indivíduo como produ- tor e produto do seu ambiente, envolvendo agenciamento, proactividade, auto-regulação e auto-re exão. O seu corpo teórico é abrangente e procura compreender o desenvolvi- mento dos interesses, a escolha de carreira e o desempe- nho, tendo mais recentemente sido aplicada ao trabalho e à satisfação no trabalho (Lent & Brown, 2006). É um modelo que tem servido de base a intervenções muito cen- tradas no fortalecimento das crenças de auto-e cácia e das expectativas de resultados, reduzindo as barreiras perce- bidas e potenciando os factores de apoio. O objectivo é promover nos indivíduos a compreensão do contexto em que a carreira se desenvolve e a relação das suas caracte- rísticas pessoais com esse meio, incentivando-se acções consistentes com esses factores. Integração das diferentes teorias e metodologias de intervenção O futuro da Psicologia Vocacional depende da sua capacidade para responder às mudanças na sociedade, ao oferecer modelos, métodos e materiais que permitam uma intervenção adaptada às transformações no contexto ac- tual (Walsh & Savickas, 2005). E qual o enquadramento teórico que melhor pode responder a estes novos desa os? Será possível e desejável a integração de vários modelos? No passado, houve já algum esforço no sentido da convergência, procurando semelhanças, pontes e formas de integração (Osipow, 1990; Savickas & Lent, 1994), mas hoje alguns autores salientam a impossibilidade ou mesmo a falta de interesse cientí co dessa convergência. Brown (2002), por exemplo, considera que o advento de novas teorias com grande impacto cientí co, entre as quais, as construtivistas, torna a convergência um ob- jectivo mais distante do que nunca e o mesmo Osipow (1994, p. 223) que procurou a convergência diz, poste- riormente, que à pergunta “Deverão as teorias conver- gir? teremos que responder com um enfático não, pois precisamos da criatividade dos teóricos”. Patton (2008) concilia estas duas perspectivas, admitindo o poder e di- namismo teórico que decorre da junção das in uências do construtivismo, por um lado, e da convergência, por outro. Também Betz (2008), por outro lado, salienta o facto de que, embora não estejamos perante uma integra- ção teórica completa, cada vez mais frequentemente, os investigadores usam conceitos que derivam de diferen- tes teorias, como é o caso dos conceitos de auto-e cácia, barreiras, auto-conceitos, cultura e contextos. Coexistem modelos que acentuam diferentes variá- veis e diferentes níveis de integração, numa ilustração da conhecida “metáfora do mapa”. Krumboltz (1994, p. 10) descreve a semelhança entre as teorias e os mapas enquan- to representações simpli cadas da realidade que utilizam diferentes escalas e relevam diferentes variáveis a diferen- tes níveis de análise consoante o fenómeno que se preten- de estudar: “uma teoria é construída para corresponder a determinados propósitos dos utilizadores – compreender fenómenos complexos, fazer predições sobre o futuro ou escolher cursos de acção. Tal como um mapa pode servir para um propósito e ser inútil para outro”. Serve essa poderosa metáfora como “justi cação” desta coexistência de diferentes teorias num mesmo mo- mento histórico sem que o seu valor deva ser analisado de forma hierárquica. A nal, teorias diferentes podem for- matar e enquadrar intervenções com objectivos diversos e de nidos a partir da diversidade dos destinatários e talvez seja essa riqueza deste campo teórico, a via que favorece a investigação, o pensamento criativo e o planeamento de formas de intervenção ecléticas e adaptadas às necessida- des de cada cliente. Betz (2008) valoriza a ideia de que se pode atingir uma melhor compreensão do comportamen- to vocacional e do desenvolvimento de carreira, a partir de múltiplos conceitos e postulados e da coexistência de teorias que sugerem conceitos mensuráveis e hipóteses testáveis. Outros autores (Hartung, 2005; Sharf, 2006) de- fendem também que a síntese de vários modelos e méto- dos pode equipar os conselheiros para, mais e cazmente, ajudar os indivíduos nas escolhas e no desenvolvimento de carreira e no ajustamento ao trabalho. Apesar desta falta de um corpo teórico único – ou precisamente graças a ele – a Psicologia Vocacional tem encontrado uma diversidade de metodologias que se adap- tam à orientação, educação e/ou ao aconselhamento de carreira – integrando métodos mais tradicionais como a entrevista ou a avaliação psicológica com métodos mais dinâmicos como as narrativas, a utilização de metáforas ou o confronto das crenças individuais (Amundson & Thrift, 2008) e que podem incluir actividades estruturadas realizadas em grupo, com conteúdos e processos tão di- versos quantos as populações destinatárias e os objectivos a de nir por cada indivíduo. Face às transformações nos contextos, o conceito de carreira pro ssional que valorizava a ideia de previsão, de planeamento e de controlo, tem sido renovado de forma mais consonante com esta época de transições em que vivemos (Savickas, 2005), centrando-se mais no desen- volvimento de competências e de atitudes, que situem o indivíduo próximo da adaptabilidade de Savickas (1997) e da criação e aproveitamento de oportunidades (Mitchell et al., 1999). Neste sentido, a intervenção pressupõe uma diversidade possível de objectivos para um indivíduo que, nos diferentes momentos da sua vida e na interacção com 172 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 165-175 diferentes contextos, vai construindo o seu percurso em função das suas percepções e experiências, das competên- cias que vai desenvolvendo ou que pretende desenvolver e dos objectivos que vai de nindo (Guindon & Richmond, 2005; Savickas, 2005). A ênfase terá que ser o carácter único daquele indivíduo, a subjectividade mais do que a objectividade, pelo foco nas suas crenças, nos signi ca- dos individuais, nas suas histórias. A intervenção deverá considerar mais do que a escolha, a preparação para as tomadas de decisão, deverá ver para além das aptidões, interesses e valores que caracterizam o sujeito, a forma como ele utiliza ou pode utilizar essas suas características, as competências ou os passos que deve desenvolver para se aproximar mais da pessoa que pretende ser. A sugestão de Krumboltz e Chan (2005) de um aconselhamento de carreira que passe a ser concebido como aconselhamento da transição, a partir da expansão dos objectivos, da inclu- são de todos os aspectos da vida e de uma diversidade de clientes, de problemas e de transições é coerente com os desa os da Psicologia Vocacional na actualidade. A im- plementação de políticas que assegurem a acessibilidade do aconselhamento de carreira é um contexto fundamental como forma de diminuir as desigualdades sociais (Metz & Guichard, 2009; Niles et al., 2009; Schulteiss & Van Esbroeck, 2009). A perspectiva subjacente às intervenções de carreira, consideradas nesta concepção holística de cada destinatá- rio, é a do desenvolvimento pessoal, económico e social, sem tirar desta equação um objectivo último que, mais do que o desenvolvimento do indivíduo, será o desenvolvi- mento da pessoa humana na direcção do “bem comum” (Guichard, 2003, 2005). Referências Amundson, N., & Thrift, E. (2008). The emergence of more dynamic counseling methods. In J. A. Athanasou & R. Van Esbroeck (Eds.), International handbook of career guidance (pp. 325-339). Philadelphia: Springer Science. Bandura, A. (1977). Social learning theory. New York: General Learning Press. Bandura, A. (1986). Social foundations of thought and action: A socialcognitive theory. 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As suas actividades lectivas e de investigação situam-se, predominantemente, na área da Psicologia Vocacional e das intervenções vocacionais com populações jovens e adultas. 177 Diplomados do ensino superior na transição para o trabalho: Vivências e significados Ana Raquel Soares Paulino1 Joaquim Luís Coimbra Carlos Manuel Gonçalves Universidade do Porto, Porto, Portugal 1 Endereço para correspondência: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto. Rua Dr. Manuel Pereira da Silva, 4200-392, Porto, Portugal. Fone: 351 22 6079700. E-mail: ana.rspaulino@gmail.com Disponível em http://pepsic.bvs-psi.org.br/rbop Revista Brasileira de Orientação Pro ssional jul.-dez. 2010, Vol. 11, No. 2, 177-188 Artigo Resumo O presente trabalho reporta os dados de uma investigação que procurou explorar o signi cado que a transição para o (des)emprego assume para os jovens adultos diplomados do ensino superior. Um questionário geral, a escala Latent and Manifest Bene ts of Work (LAMB-Scale) e o General Health Questionnaire – 12 (GHQ-12) foram aplicados a uma amostra de 577 diplomados do ensino superior (321 desempregados e 256 empregados). Os resultados indicam diferenças signi cativas na percepção de privação no acesso aos benefícios do trabalho e na percepção de mal- estar, entre desempregados e empregados, bem como entre desempregados à procura de um primeiro emprego e com experiência pro ssional prévia. Os resultados são apresentados e analisados, considerando as suas principais implicações a nível psicológico, social e institucional. Palavras-chave: desemprego, emprego, adultos, educação, orientação vocacional Abstract: University graduates in transition to the labor market: Experiences and meanings This work presents the results of a study aimed to explore the meanings of the transition to (un)employment for university graduates. A general questionnaire, the Latent and Manifest Bene ts of Work (LAMB-Scale) and the General Health Questionnaire – 12 (GHQ-12) were applied to a sample of 577 university graduates (321 unemployed and 256 employed). The main results show differences of perception about deprivation of work bene ts and perception of psychological distress among the employed and unemployed, and also among those who are looking for a rst job and those who have had some previous job experience. The results are presented and discussed, considering their main psychological, social and institutional implications. Keywords: unemployment, employment, adults, education, vocational guidance Resumen: Diplomados de la enseñanza superior en la transición al trabajo: Vivencias y signi cados Este trabajo informa los datos de una investigación que buscó explorar el signi cado que la transición al (des)empleo asume para los jóvenes adultos diplomados de la enseñanza superior. Un cuestionario general, la escala Latent and Manifest Bene ts of Work (LAMB-Scale) y el General Health Questionnaire – 12 (GHQ-12) se aplicaron a una muestra de 577 diplomados de la enseñanza superior (321 desempleados y 256 empleados). Los resultados indican diferencias signi cativas en la percepción de privación en el acceso a los bene cios del trabajo y en la percepción de malestar entre desempleados y empleados, así como entre desempleados en busca de un primer empleo y con experiencia profesional previa. Los resultados son presentados y analizados, considerando sus principales implicaciones a nivel psicológico, social e institucional. Palabras clave: desempleo, empleo, adultos, educación, orientación vocacional 178 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 177-188 A educação e a formação assumem-se como vecto- res essenciais das sociedades ocidentais contemporâne- as, onde a multiplicação de oportunidades formativas, a generalização do acesso à educação e o estabelecimento de compromissos individuais com oportunidades de for- mação/aprendizagem ao longo da vida, que proporcionam o acesso a quali cações escolares e pro ssionais mais elevadas, assumem a sua recorrência e ocupam um lugar de destaque nas (pre)ocupações individuais, sociais, polí- ticas e económicas. Contudo, num contexto de crise e de profundas mudanças socio-económicas e laborais como aquele em que vivemos, nem sempre essa relação de apro- ximação crescente à educação, à formação e à aprendiza- gem apresenta repercussões na estrutura de oportunidades sociais e pro ssionais a que cada indivíduo tem acesso. Ainda que este não represente o objectivo único/último da formação e da aprendizagem, será uma dimensão im- portante nomeadamente dos projectos dos indivíduos que escolheram prolongar os seus investimentos formativos, perseguindo uma quali cação académica de nível superior, e que encontram cada vez mais desa os e di culdades no processo de transição da formação para o trabalho. O que impõe, inevitavelmente, novas premissas à con guração e gestão dos seus projectos de vida, bem como das expecta- tivas pessoal e socialmente construídas que os sustentam, in uenciando o modo como a formação, a aprendizagem e a transição para o (des)emprego são vivenciadas e signi - cadas pelos indivíduos, pela sociedade e pelas instituições que nelas estão implicadas. Efectivamente, o desemprego representa, nas socie- dades ocidentais contemporâneas, uma realidade genera- lizada em crescimento, assumindo, nos países da Europa, uma preponderância crescente entre os jovens adul- tos diplomados com quali cação superior (Gonçalves, Carreira, Valadas, & Sequeira, 2006), em consequência da massi cação do acesso ao Ensino Superior e da evo- lução tanto da estrutura económica como do mercado de emprego que não a acompanham nem sustentam. Apesar de, em 2007, o desemprego entre diplomados represen- tar apenas 10.3% da taxa de desemprego total (Portugal, 2008a) e 4.5% do total da população de diplomados com habilitação superior residentes em Portugal (Portugal, 2008b), registando um ligeiro decréscimo quanto ao ano anterior, a percentagem de desempregados diplomados com habilitação superior tem apresentado uma tendên- cia crescente ao longo dos últimos anos. Paralelamente, na actual conjuntura social e económica, encontrar uma oportunidade de trabalho estável é uma tarefa cada vez mais complexa para os diplomados do ensino superior que, no seu percurso de inserção pro ssional tendem, isso sim, a confrontar-se, de modo recorrente, com situações de desemprego e de emprego precário, susceptíveis de “( …) afectar a [sua] construção identitária na medida em que fragiliza[m] os futuros pro ssionais e di culta[m] a concretização de projectos e aspirações” (Azevedo, 1999, p. 135), colocando novos desa os aos indivíduos, às instituições e à sociedade em geral. O desemprego, enquanto inactividade pro ssio- nal voluntária ou involuntária que se faz acompanhar da disponibilidade para trabalhar e de comportamentos de procura de emprego (Instituto do Emprego e Formação Pro ssional, 2009), remete os indivíduos, nas sociedades ocidentais contemporâneas, para um contexto de incerteza e risco, em que a diminuição do volume de trabalho so- cialmente necessário, a precarização das relações laborais, o crescimento dos fenómenos de desemprego e de formas de emprego atípicas, a entrada mais tardia dos jovens no mercado de trabalho e a desregulação das condições de acesso e de permanência no emprego (Parada & Coimbra, 1999-2000) coexistem com a exaltação do papel desem- penhado pelo trabalho (principalmente enquanto meio de subsistência e medida de valor pessoal) na estrutura de vida das sociedades e dos indivíduos (Schnapper, 1998). Todas estas transições e transformações comportam, inevitavelmente, profundas implicações psicossociais. Desde logo, motivam a extensão e a complexi cação dos processos de transição para o mundo do trabalho e para a idade adulta que se repercutem no adiamento da im- plementação e concretização dos projectos das gerações mais jovens, associado, tanto ao investimento mais pro- longado em actividades de formação académica e pro s- sional, como ao protelar da assunção de papéis de vida tradicionalmente identi cados com a idade adulta, em especial ao nível dos compromissos de índole relacional e familiar (Arnett, 2000, 2006; Bynner, 2005). Apesar de uma série de factores institucionais (por exemplo, como é gerida a transição da escola para o mundo do trabalho) e estruturais poderem representar constrangimentos sig- ni cativos na con guração da estrutura de oportunidades que se apresenta aos indivíduos no processo de transição da adolescência para a idade adulta, in uenciando o de- sempenho e a construção de papéis e identidades (Bynner, 2005), um novo estádio parece emergir no ciclo de vida e neste contexto de transição. Arnett denomina-o de adultez emergente, de nindo-o como período: (a) de possibilida- des e de exploração da identidade, com adiamento da to- mada de decisão quanto ao futuro; (b) de auto-focalização; (c) de instabilidade, consequências da ênfase no processo de exploração e na magnitude das possibilidades que o caracterizam; (d) em que os indivíduos experienciam um sentimento de que já não são adolescentes, mas também ainda não são adultos, associando-se a uma signi cativa Paulino, A. R. S., Coimbra, J. L., & Gonçalves, C. M. (2010). Diplomados do ensino superior na transição para o (des)emprego 179 instabilidade e imprevisibilidade de estatuto (Arnett, 2000, 2006). Por outro lado, o trabalho perde, progressivamen- te, valor enquanto elemento estruturante dos percursos de vida, favorecendo a multiplicação e a complexi cação dos determinantes do desenvolvimento vocacional, o que po- derá colocar novas exigências aos indivíduos, no sentido de uma re exão e (re)de nição de objectivos mais sistemá- tica e de uma maior adaptabilidade vocacional (Savickas, 1997). Isto é, de uma maior disponibilidade e capacidade para lidarem com as tarefas previsíveis e imprevisíveis que se impõem nos processos de transição para o trabalho (Coimbra, Parada, & Imaginário, 2001) que, no contex- to actual, implicam a sua ressigni cação à luz de novas formas de inserção pro ssional e o seu reposicionamento num contexto mais abrangente de investimentos pessoais e sociais que os indivíduos podem realizar (Gonçalves et al., 2006; Schnapper, 1998) e que podem con gurar con- textos de experimentação de novas formas do self em so- ciedade (Parada & Coimbra, 1999-2000). A transição para o desemprego, em particular, im- põe, na perspectiva de Jahoda (1979, 1981, 1982, 1992) e de Fryer (1988), restrições no acesso e/ou na percep- ção de acesso a uma série de funções que são tradicio- nalmente cumpridas pelo trabalho. Jahoda postula que o trabalho, enquanto instituição social, cumpre determi- nadas necessidades humanas, associando-se, portanto, a consequências manifestas ou deliberadamente contempla- das e a consequências latentes, isto é, que ocorrem como produto não planeado de acções intencionais. A disponi- bilidade nanceira constitui a consequência manifesta do trabalho, enquanto as consequências latentes designam: (a) a estruturação do tempo que é culturalmente valoriza- da/incentivada; (b) o contacto social que implica a parti- lha de experiências e contacto com outras pessoas fora do meio familiar, constituindo uma forma de ligação social; (c) o propósito colectivo, enquanto participação social que concorre para um m comum e que é promotora da in- terdependência; (d) o estatuto associado à situação socio- pro ssional e académica; (e) o estímulo à actividade, ou seja, o estímulo à realização de actividades pessoalmen- te signi cativas (Jahoda, 1979, 1981, 1982, 1992). Ora, o desemprego, enquanto ausência de trabalho, implicaria linearmente a privação no acesso a essas categorias de ex- periência psicológica, o que desencadearia consequências negativas, particularmente associadas à deterioração do bem-estar psicológico dos indivíduos desempregados e motivadas, primordialmente, pela privação dos benefícios latentes (Jahoda, 1979, 1981, 1982, 1992). Assim sendo, os indivíduos empregados teriam, de um modo global, um maior acesso aos benefícios do que os desempregados que, na sua essência, se vêem privados da relação com o trabalho, o que se tem veri cado numa série de inves- tigações desenvolvidas neste domínio (Creed & Machin, 2003; Creed & Reynolds, 2001; Jackson, 1999; Waters & Moore, 2002). Ainda que outras variáveis pessoais e existenciais, como por exemplo a experiência de trabalho prévia, a proeminência que o fenómeno do desemprego assume no contexto em que o indivíduo está integrado ou o investimento noutras instituições sociais que lhe permitam aceder às funções psicológicas cumpridas pelo trabalho possam mediar o impacto psicológico do desem- prego (Creed & Machin, 2003; Creed & Reynolds, 2001; Jackson, 1999; Waters & Moore, 2002). Fryer e Payne (1984), por seu turno, consideram que a privação nanceira e as dimensões latentes elicitadas por Jahoda (1979, 1981, 1982, 1992) concorrem, em conjunto, para a restrição da agência pessoal que condiciona o modo como os indivíduos procuram compreender e lidar com a transição para o desemprego e com todas as restrições que lhe estão inerentes. Consequentemente, a vivência negati- va da experiência de desemprego seria explicada tanto pela ausência das funções psicológicas do trabalho como pela restrição da acção (Fryer, 1988; Fryer & Payne, 1986), con- sequência das di culdades nanceiras que tendem a emer- gir em situações de desemprego (e que desempenham, na perspectiva do autor, um papel fundamental na percepção de restrição e na deterioração do bem-estar), mas também das normas, expectativas e representações sociais que alia- das à arbitrariedade e complexidade que caracteriza o con- texto social em que o indivíduo desempregado se integra, poderão limitar e desencorajar o papel activo que ele pode- ria desempenhar, no sentido de um maior controlo pesso- al sobre os acontecimentos e sobre o seu próprio percurso de vida (Fryer, 1988; Fryer & Payne, 1986). Não obstante, seria o papel activo do sujeito que, através da criação das suas próprias instituições sociais ou do acesso a instituições existentes, lhe permitiria lidar com as suas necessidades so- ciais e psicológicas. O desemprego, enquanto ausência de relação com o trabalho, con gurará, portanto e na perspec- tiva destes autores, um contexto de restrição de acesso a uma série de funções psicológicas tradicionalmente cum- pridas por aquele, ainda que outras dimensões de existência e investimentos pessoais e sociais possam funcionar como facilitadores do acesso a essas categorias de experiência. A transição para o (des)emprego representará, assim, um processo que, no contexto actual, se reveste de pro- fundas implicações psicossociais a diferentes níveis, in- uenciando o modo como os indivíduos, nomeadamente os diplomados do ensino superior, vivenciam e signi cam os seus projectos e percursos. Neste contexto, e contem- plando como objectivo geral da presente investigação a exploração do signi cado psicológico da transição para o 180 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 177-188 (des)emprego para os jovens adultos diplomados do ensino superior, em termos do modo como a vivenciam, signi - cam e integram na sua estrutura de vida e nos seus projec- tos vocacionais, de nem-se como objectivos especí cos deste estudo: (a) analisar a experiência de percepção de privação no acesso aos benefícios representados pela dis- ponibilidade nanceira, estruturação do tempo, propósito colectivo, contacto social e estatuto/posição social valo- rizada; (b) analisar a experiência de mal-estar subjectivo, operacionalizado pelas variáveis perda de ânimo, perda de con ança e ansiedade; (c) explorar e analisar diferenças e relações entre a percepção de privação no acesso aos benefícios, o mal-estar subjectivo e o estatuto face ao em- prego e face à procura de emprego; (d) (re)pensar as impli- cações psicológicas e sociais associadas ao (des)emprego entre diplomados do ensino superior. Desta forma, atendendo aos objectivos enunciados e partindo da revisão da literatura sobre o domínio em aná- lise, de niram-se, no estudo que aqui se apresenta, três hi- póteses e duas questões de investigação que se enunciam em seguida: (a) espera-se que os indivíduos desempregados apresentem níveis mais elevados de percepção de privação no acesso aos benefícios manifesto e latentes e níveis mais elevados de mal-estar subjectivo do que os indivíduos em- pregados; (b) espera-se que os indivíduos desempregados que se encontram à procura de um novo emprego (que têm alguma experiência pro ssional prévia) apresentem níveis mais elevados de percepção de privação no acesso aos be- nefícios manifesto e latentes e níveis mais elevados de mal- estar subjectivo do que os desempregados que se encontram à procura de um primeiro emprego; (c) espera-se que exista uma correlação positiva entre a percepção de privação no acesso aos benefícios e a experiência de mal-estar subjecti- vo; (d) espera-se que os diferentes benefícios tenham valor preditivo diferencial relativamente ao mal-estar subjectivo; (e) espera-se que o mal-estar subjectivo e suas dimensões tenham valor preditivo relativamente à percepção de priva- ção no acesso aos benefícios. Método Participantes A amostra foi, conforme explicitado anteriormente, constituída por conveniência, através da divulgação via e-mail da investigação e do questionário para resposta, re- correndo às bases de dados de diplomados do ensino supe- rior das faculdades e institutos politécnicos que se disponi- bilizaram para colaborar na investigação. É composta por 577 sujeitos, com idades compreendidas entre os 21 e os 35 anos (M = 26,69; SD = 3,01), sendo maioritariamente feminina (73%), licenciada (88%) e oriunda do ensino su- perior público (75%). Relativamente ao estatuto face ao emprego, há 256 indivíduos empregados e 321 que se de- signam desempregados, dos quais 146 estão à procura de um primeiro emprego, 156 à procura de um novo emprego e 19 não estão à procura de emprego, não sendo, portanto, considerados para efeitos de análise (porque não se inte- gram na de nição de desemprego adoptada neste estudo). A amostra é caracterizada na Tabela 1. Instrumentos e Procedimento Para operacionalização do estudo, estabeleceu-se contacto inicial com diferentes faculdades e institutos po- litécnicos de todo o país e de diferentes áreas de formação, solicitando a divulgação do estudo através do envio de um e- mail a todos os contactos de diplomados constantes nas suas bases de dados. No e-mail enviado constava um link atra- vés do qual os participantes (diplomados com habilitação superior, empregados ou desempregados) podiam aceder e responder ao questionário online. Todos os questionários fo- ram automaticamente guardados e, aquando do tratamento de dados, excluídos apenas aqueles que não cumpriam os critérios de idade de nidos (considerando-se válidos apenas os questionários dos participantes até aos 35 anos). Através do link disponibilizado, os participantes responderam a um questionário especi camente construído para o efeito, assim como à Latent and Manifest Bene ts of Work - LAMB-Scale (Muller, Creed, Waters, & Machin, 2000) e ao General Health Questionnaire-12 - GHQ-12 (Goldberg, 1972), am- bos adaptados e validados para a população Portuguesa por Sousa-Ribeiro e Coimbra (2005a, 2005b). O questionário visava a recolha de informações sobre di- mensões (sociodemográ cas, situacionais e de proactividade) consideradas pertinentes para o presente estudo, tanto para a caracterização da amostra como para a exploração de poten- ciais relações com as variáveis primordiais de investigação. A escala Latent and Manifest Bene ts of Work per- mite avaliar a percepção de privação no acesso aos bene- fícios manifesto e latentes (Į = 0,92), sendo constituída por 34 itens que con guram seis factores, equivalentes aos seis benefícios propostos por Jahoda. Os itens são apre- sentados como frases bipolares que representam, por um lado, o acesso e, por outro, a privação no acesso a um de- terminado benefício (ex. “Costumo ter demasiado tempo livre durante o dia”, “Não costumo ter demasiado tempo livre durante o dia”). Para cada item, os indivíduos têm de se posicionar, numa escala de sete pontos, em função do grau de concordância quanto ao mesmo, sendo os scores mais baixos indicadores de maior percepção de acesso aos benefícios ou a determinado benefício. Paulino, A. R. S., Coimbra, J. L., & Gonçalves, C. M. (2010). Diplomados do ensino superior na transição para o (des)emprego 181 O General Health Questionnaire-12 foi utilizado como medida de mal-estar subjectivo (Į = 0,90), sendo constituído por doze itens que se organizam em três fac- tores, identi cados como perda de ânimo, perda de con- ança e ansiedade. Os itens reportam os indivíduos para o modo como se têm sentido recentemente quanto a uma série de variáveis (ex. “nas últimas semanas sentiu que não conseguia ultrapassar as suas di culdades?”), sendo as respostas a cada item dadas numa escala de quatro pon- tos (ex.“não, de forma alguma”, “não mais do que o cos- tume”, “mais do que o costume” ou “muito mais do que o costume”). Os scores totais da escala podem variar entre 0 e 36, sendo que scores mais elevados são indicadores de níveis mais elevados de mal-estar subjectivo. Resultados Assim, após a recolha e tratamento de dados (re- correndo ao programa SPSS 15,0), e para testar as duas primeiras hipóteses que relacionam o estatuto face ao emprego e o estatuto face à procura de emprego, com a percepção de privação no acesso aos benefícios tradicio- nalmente cumpridos pelo trabalho e a percepção de mal- estar subjectivo, realizou-se uma análise t-Student para amostras independentes. Os resultados tendem, de uma forma geral, a con rmar a primeira hipótese, conforme se pode veri car na Tabela 2 e a in rmar a segunda hipótese, como se pode veri car pela Tabela 3. A análise da Tabela 2 permite constatar a existência de diferenças estatisticamente signi cativas entre em- pregados e desempregados quanto à percepção de pri- vação e suas dimensões, bem como quanto ao mal-estar subjectivo e suas dimensões. As diferenças ocorrem, de um modo global, no sentido esperado, com os desempre- gados a experienciarem níveis mais elevados de percep- ção de privação [t(556) = 12.086, p < .001] e de mal-estar subjectivo [t(553.574) = 7.081, p < .001]. O mesmo não se veri ca, contudo, na percepção de privação no estímulo à actividade, em que as diferenças ocorrem no sentido inverso (com os indivíduos empregados a apresentarem níveis mais elevados do que os desempregados), nem na percepção de privação no estatuto, em que não se veri - cam diferenças signi cativas entre os dois grupos. A análise da Tabela 3 permite, por outro lado, veri - car que, de um modo global, não existem diferenças sig- ni cativas entre os indivíduos desempregados que estão à procura de um primeiro emprego e os que estão à procu- ra de um novo emprego, nem na percepção de mal-estar [t(300) = 1.891, p > .05], nem nos níveis globais de per- cepção de privação no acesso aos benefícios do trabalho [t(300) = 1.823, p > .05], embora os indivíduos que se encontram à procura de um novo emprego apresentem especi camente níveis mais elevados de percepção de privação no estímulo à actividade, no contacto social e no estatuto. Para testar a terceira hipótese e às duas questões de investigação formuladas, realizou-se uma análise do co- e ciente de correlação de Pearson, cujos resultados se apresentam na Tabela 4, e uma análise de regressão line- ar, cujos resultados se apresentam nas Tabelas 5 e 6. A análise da Tabela 4 permite veri car a existência de uma correlação positiva e estatisticamente signi cativa entre a percepção de privação no acesso aos benefícios e o mal- estar subjectivo [r = 0,573, p < 0,001], tanto como medi- das globais, como considerando as dimensões que as com- põem, veri cando-se, contudo, valores transversalmente mais baixos de correlação entre a percepção de privação e suas componentes e a ansiedade [r = 0,301, p < 0,001]. A relação entre as duas variáveis (percepção de privação no acesso aos benefícios do trabalho e percepção de mal-estar) pode, ainda, ser con rmada tanto pela análise da Tabela 5, pela qual se pode constatar que a percepção de privação no acesso aos benefícios permite explicar 33,8% da variância da percepção de mal-estar subjectivo, como pela análise da Tabela 6 que permite observar que a percepção de mal- estar permite explicar 39,1% da variância na percepção de privação. Pela análise da Tabela 5 podemos ainda veri car que o factor privação na estruturação do tempo, seguido dos factores privação nanceira e privação no estímulo à actividade são os que mais contribuem signi cativamente para a percepção de mal-estar e que os factores privação no estatuto e estatuto face ao emprego não têm um con- tributo estatisticamente signi cativo. Da mesma forma, a análise da Tabela 6 permite veri car que a dimensão perda de con ança é a que mais contribui para a variância na percepção de privação no acesso aos benefícios do traba- lho, seguida da perda de ânimo e da ansiedade, sendo que o estatuto face ao emprego tem, também, um contributo signi cativo neste caso. Discussão De uma forma global, os resultados da investigação demonstram que os indivíduos desempregados vivenciam a transição para o desemprego de forma menos positiva do que os indivíduos empregados experienciam o trabalho/ experiência pro ssional, apresentando níveis mais eleva- dos de percepção de privação no acesso às funções psi- cológicas tradicionalmente cumpridas pelo trabalho e na percepção de mal-estar. No entanto, contrariamente ao esperado, emprega- dos e desempregados não diferem de forma signi cativa 182 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 177-188 na percepção de privação no estatuto, o que poderá sig- ni car que entre os diplomados com habilitação supe- rior o estatuto está mais associado à frequência e con- clusão de uma formação de nível superior do que à transição para o trabalho ou para o desemprego que lhe sucede. Poderá, paralelamente, signi car que também os indivíduos que se encontram empregados percepcio- nam privação no acesso ao estatuto, ao confrontarem- se com situações de precariedade laboral e de sobre- quali cação no mercado de trabalho, não diferindo, por isso, signi cativamente dos desempregados a este nível. Efectivamente, a massi cação do acesso ao en- sino superior aliada à generalização das di culdades em encontrar, na transição para o trabalho, oportuni- dades pro ssionais congruentes com os seus projectos e trajectórias formativas poderá contribuir para a perda do poder simbólico associado aos diplomas produzidos pelo ensino superior e, consequentemente, a uma dimi- nuição dos níveis de aspiração relativamente ao poten- cial de empregabilidade e ao estatuto associados. Por outro lado, contrariando também as evidências empíricas prévias, os empregados apresentam níveis mais elevados de percepção de privação no estímulo à actividade do que os desempregados, o que poderá ser explicado pelo facto de os indivíduos empregados, ao confrontarem-se com uma estruturação do tempo que lhes é externamente imposta pelos seus contextos e res- ponsabilidades pro ssionais, percepcionarem um nível mais elevado de restrição na oportunidade de realização de actividades pessoalmente signi cativas (Martella & Maass, 2000; Waters & Moore, 2002). Paralelamente, as condições de trabalho precárias, a dissonância entre ex- pectativas/representações pro ssionais e oportunidades pro ssionais conquistadas e a falta de reconhecimento pelo trabalho desenvolvido com que muitos diplomados do ensino superior frequentemente se vêem confrontados no mundo do trabalho poderão, também, contribuir para estes resultados. Relativamente ao estatuto face à procura de empre- go, os resultados in rmam, de uma forma global, a hipó- tese de que indivíduos que se encontram à procura de um novo emprego vivenciarão de forma signi cativamente diferente e mais negativa essa transição (em termos de percepção de privação no acesso aos benefícios e de mal-estar) do que aqueles que se encontram à procura de um primeiro emprego. Ora, se o trabalho é a instituição social que, por excelência, permite o acesso às funções psicológicas consideradas (Jahoda, 1981, 1982, 1992) e se os procuradores de um primeiro emprego não tiveram ainda contacto com aquela, então a inexistência de dife- renças a este nível relativamente aos procuradores de um novo emprego fará supor que a frequência de um curso superior e o investimento na realização da multiplicidade de actividades que lhe são paralelas podem constituir- se como instituições sociais que, para além do trabalho, permitem o acesso aos benefícios em questão (Jackson, 1999), reforçando a importância da realização de inves- timentos alternativos como forma de aceder a categorias de experiência das quais os indivíduos se sentirão priva- dos na situação de desemprego. Tabela 1 Caracterização sociodemográ ca da amostra Gênero Total ( )n=577 Empregados ( )n=256 Desempregados ( )n=302 Feminino Masculino n n = 421 = 156 73% 27% 66,8% 33,2% 33,2% 21,2% n n = 171 = 85 n n = 238 = 64 Idade Total ( )n=577 Empregados ( )n=256 Desempregados ( )n=302 21-25 anos 26-28 anos 29-35 anos n n n = 230 = 202 = 145 39,9% 35% 25,1% 34,4% 39,8% 25,8% 43,7% 31,5% 24,8% n n = 88 = 102 n = 66 n n = 132 = 95 n = 75 Estatuto face ao emprego Empregados Desempregados Procuradores de primeiro emprego Procuradores de novo emprego Não procuradores de emprego n n = 256 = 321 n n n = 146 = 156 = 19 Paulino, A. R. S., Coimbra, J. L., & Gonçalves, C. M. (2010). Diplomados do ensino superior na transição para o (des)emprego 183 Tabela 2 Análise das diferenças nos níveis de percepção de privação no acesso aos benefícios e nos níveis de mal-estar subjectivo em função do estatuto face ao emprego Tabela 4 Correlação entre a medida e respectivos índices de percepção de privação no acesso aos benefícios e a medida e respec- tivos índices de mal-estar subjectivo Privação Benefícios (escala total) P. Estrutura do Tempo P. Propósito Colectivo P. Estímulo à Actividade P. Financeira P. Contacto Social P. Estatuto Mal-estar subjectivo (escala total) Perda de ânimo Perda de confiança Ansiedade t-Student 12,086 12,773 8,763 -2,570 12,558 5,101 1,836 7,081 5,184 8,665 3,047 Estatuto face ao emprego Empregados ( )n=256 Desempregados ( )n=302 gl 556 552,564 555,025 556 505,980 555,497 556 553,547 555,674 555,886 551,596 p <0,001 <0,001 <0,001 0,01 <0,001 <0,001 0,067 <0,001 <0,001 <0,001 0,002 η 2 0,21 0,22 0,12 0,01 0,22 0,05 0,01 0,08 0,05 0,12 0,02 M 128,74 31,19 21,5 11,97 31,27 26,53 10,29 17,26 7,23 5,59 4,44 SD 27,60 11,13 6,72 4,89 7,84 8,84 4,63 7,87 3,14 3,57 2,15 M 101,23 20,46 16,98 12,99 22,13 22,87 9,59 13,03 5,97 3,15 3,91 SD 25,79 8,71 5,45 4,42 9,13 7,58 4,39 6,24 2,6 3,07 1,99 Tabela 3 Análise das diferenças nos níveis de percepção de privação no acesso aos benefícios e nos níveis de mal-estar subjectivo em função do estatuto face à procura de emprego Privação Benefícios P. Estrutura do Tempo P. Propósito Colectivo P. Estímulo à Actividade P. Financeira P. Contacto Social P. Estatuto Mal-estar subjectivo Perda de ânimo Perda de confiança Ansiedade t-Student 1,823 -1,440 1,357 2,594 1,637 2,551 2,230 1,891 1,828 1,471 1,821 Estatuto face ao emprego 1º Emprego ( )n=146 Novo Emprego ( )n=156 gl 300 300 300 297,394 300 300 300 300 294,284 300 300 p 0,069 0,151 0,176 0,01 0,103 0,01 0,026 0,060 0,069 0,142 0,070 η 2 0,011 0,007 0,006 0,022 0,009 0,021 0,016 0,012 0,011 0,007 0,011 M 131,5 30,3 22 12,7 32 23,7 10,9 18,1 7,5 5,9 4,7 SD 28,2 11,3 7 5,2 7,4 8,5 4,6 8,2 3,4 3,6 2,1 M 125,7 32,1 21 11,2 30,5 21,2 9,7 16,4 6,9 5,3 4,2 SD 26,7 10,9 6,4 4,4 8,3 8,4 4,6 7,5 2,8 3,6 2,2 Privação Benefícios P. Estrutura Tempo P. Propósito Colectivo P. Estímulo Actividade P. Financeira P. Contacto Social P. Estatuto Mal-estar subjectivo Perda de ânimo Perda de confiança Ansiedade 1 - 2 .66** - 3 .80** .42** - 4 .36** -.01 .23** - 5 .71** .35** .48** .10* - 6 .71** .19** .56** .26** .36** - 7 .64** .21** .52** .38** .24** .58** - 8 .57** .42** .43** .25** .41** .37** .32** - 9 .52** .39** .39** .24** .34** .35** .32** .87** - 10 .59** .46** .46** .21** .43** .36** .33** .91** .67** - 11 .30** .17** .21 .20** .25** .22** .14** .78** .54** .61** - 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. ** Correlação significativa a .001; * Correlação significativa a .01. Nota: O zero-vírgula foi omitido nos valores apresentados para tornar mais fácil a leitura da tabela. 184 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 177-188 Não obstante, os desempregados que já tiveram al- guma experiência pro ssional prévia apresentam níveis mais elevados de percepção de privação no estímulo à ac- tividade, no contacto social e no estatuto. Efectivamente, a transição do trabalho para o desemprego poderá signi- car para aqueles a privação no contacto com uma rede de relações que se criou nesse contexto e com rotinas e actividades que tendencialmente se foram estruturando, desencadeando di culdades em lidarem proactivamente com a percepção de privação no acesso a essas dimensões. Contrariamente, para os desempregados à procura de um primeiro emprego, principalmente os recém-licenciados, o contexto e o período de procura de trabalho poderão ser percebidos como oportunidades de exploração e de investimento na realização de actividades pessoalmen- te signi cativas, prolongando o contacto com a rede de relações anterior que, de um modo global, estará a lidar com desa os e transições semelhantes. Por outro lado, apesar de o desemprego poder representar sempre para os indivíduos um questionamento do estatuto associado à frequência e conclusão de uma formação de nível superior (considerando que ele continua a ter, pelo menos algum, poder simbólico), a importância relativa desta dimensão será menor para aqueles que percepcionam a experiência de desemprego como mais normativa na sua rede de rela- ções, facto que ocorrerá com maior probabilidade entre os procuradores de um primeiro emprego. A saliência da va- riável estatuto será também maior para os indivíduos que já contactaram com a possibilidade de ver reconhecido no contexto pro ssional o estatuto potencialmente associado à conclusão de uma formação de nível superior e que, em situação de desemprego, se vêem confrontados com a fra- gilidade desse estatuto, mesmo em termos do seu poder na facilitação do acesso a oportunidades de trabalho e a trajectórias de alguma estabilidade nesse contexto. Simultaneamente, os resultados da investigação per- mitem con rmar a existência de uma correlação entre a percepção de privação no acesso aos diferentes benefícios tradicionalmente cumpridos pelo trabalho e a percepção de mal-estar subjectivo, nas suas diferentes dimensões. Tabela 5 Valor preditivo das componentes da escala de percepção da privação no acesso aos benefícios e do estatuto face ao em- prego para a medida global de mal-estar subjectivo Privação Estrutura do Tempo Privação Propósito Colectivo Privação Estímulo à Actividade Privação Financeira Privação Contacto Social Privação Estatuto Privação Estrutura do Tempo Privação Propósito Colectivo Privação Estímulo à Actividade Privação Financeira Privação Contacto Social Privação Estatuto Estatuto face ao Emprego t 7,112 2,044 4,411 4,647 2,848 0,574 6,524 1,985 4,439 4,206 2,802 0,627 0,549 p <0,001 0,041 <0,001 <0,001 0,005 0,567 <0,001 0,048 <0,001 <0,001 0,005 0,531 0,583 β 0,280 0,100 0,167 0,190 0,133 0,027 0,272 0,098 0,170 0,182 0,131 0,029 0,024 B 0,183 0,114 0,265 0,147 0,121 0,044 0,178 0,111 0,270 0,141 0,120 0,049 0,357 R R 2 2 = 0,338 ajustado = 0,331 R R 2 2 = 0,338 ajustado = 0,331 Tabela 6 Valor preditivo das componentes da escala de mal-estar subjectivo e do estatuto face ao emprego para a medida global de percepção da privação no acesso aos benefícios Perda de ânimo Perda de confiança Ansiedade Perda de ânimo Perda de confiança Ansiedade Estatuto face ao emprego t 5,768 10,453 -3,491 6,108 8,137 -2,784 8,450 p <0,001 <0,001 0, 001 <0,001 <0,001 0,006 <0,001 β 0,263 0,507 -1,50 0,262 0,389 -0,113 0,282 B 2,660 4,282 -2,157 2,653 3,284 -1,629 17,027 R R 2 2 = 0,391 ajustado = 0,388 R R 2 2 = 0,461 ajustado = 0,457 Paulino, A. R. S., Coimbra, J. L., & Gonçalves, C. M. (2010). Diplomados do ensino superior na transição para o (des)emprego 185 Dentre as dimensões da percepção de privação no acesso aos benefícios, a privação na estruturação do tempo parece ser aquela que mais in uencia a percepção de mal-estar, o que poderá constituir um indicador de potenciais di cul- dades emergentes, tanto na transição dos indivíduos de- sempregados de um contexto formativo e/ou pro ssional que promove a estruturação do tempo para um contexto de desemprego que é temporalmente ausente de estrutu- ra (Creed & Macintyre, 2001; Jahoda, 1981, 1982, 1992; Waters & Muller, 2003), como na transição dos indivídu- os empregados de um contexto formativo em que poderá existir uma maior exibilidade na estruturação do tempo, para um contexto de trabalho em que essa permeabilidade será, potencialmente, mais limitada. A privação nanceira e a privação no estímulo à actividade são as duas dimen- sões que, sequencialmente, mais contribuem de modo sig- ni cativo para a experiência de mal-estar. Por um lado, a disponibilidade nanceira desempenha um importante papel na actual sociedade de consumo e na facilitação da concretização de uma multiplicidade de projectos de vida que tendencialmente pautam a transição para a idade adul- ta, pelo que a percepção de privação relativamente a esta dimensão desencadeará directamente níveis mais elevados de stress, promovendo, também, indirectamente a cons- trução de expectativas pessoais mais negativas relativa- mente ao futuro (Creed & Klisch, 2005). Por outro lado, o investimento em actividades pessoalmente signi cativas e a percepção pessoal de proactividade, nomeadamen- te em contextos de desemprego, poderão contribuir para um sentimento de maior integração do indivíduo nos seus contextos de existência, facilitando a percepção de acesso a outros benefícios (Creed & Macintyre, 2001; Haworth, 1997; Ullah, 1990) e tendo um efeito moderador no im- pacto psicológico daquela experiência (Fryer & Payne, 1984; Gore, 1978 citado por Borgen, Hatch, & Amundson, 1990). Consequentemente, a percepção de privação no es- tímulo à actividade desempenhará um papel importante na experiência de mal-estar, não só porque a percepção de um menor investimento na realização de actividades pessoalmente signi cativas contribui para a emergência de sentimentos mais negativos do indivíduo relativamente a si e à realidade, mas também porque favorece uma ava- liação mais negativa da possibilidade de acesso a outros benefícios, in uenciando indirectamente a experiência de bem-estar subjectivo. Explorando, por outro lado, a in uência da percep- ção de mal-estar na percepção de privação no acesso aos benefícios, veri ca-se que a perda de con ança é a di- mensão que tem um contributo mais signi cativo, o que poderá derivar da complexidade dos projectos e investi- mentos característicos da população em questão que se associam, geralmente, a elevadas expectativas e aspira- ções pessoais, frequentemente, inviabilizadas ou adiadas no confronto com a realidade, encetando nos indivídu- os processos de questionamento das suas competências e dos seus percursos e projectos. Este questionamento, associado à perda de ânimo e à ansiedade (que têm, ain- da assim, um contributo signi cativo para a percepção de privação), assim como ao estatuto face ao emprego, con gurará um contexto de mal-estar capaz de induzir o indivíduo numa avaliação mais negativa daquilo que o rodeia, inclusive na sua percepção de privação no acesso aos benefícios. Conclusões e Implicações Os principais resultados aqui apresentados indicam, desde logo, que também para os diplomados com quali - cação superior a transição para o desemprego é vivenciada como momento de desa os múltiplos, conduzindo a uma percepção global de menor possibilidade de acesso a uma série de funções psicológicas tradicionalmente cumpridas pelo trabalho e de redução da sua percepção de bem-estar. No entanto, estar empregado não é sinónimo, pelo menos nesta amostra, de uma experiência linearmente positiva para aqueles que se encontram nessa situação pro ssio- nal. Efectivamente, não só o estatuto face ao emprego de- sempenha um papel pouco signi cativo na experiência de mal-estar, como os empregados apresentam níveis mais elevados de percepção de privação no estímulo à activida- de e não diferem signi cativamente dos desempregados na percepção de privação no estatuto. Portanto, os processos de inserção pro ssional parecem originar desa os e di - culdades para estes diplomados, não apenas quando con- guram transições para o desemprego, mas também para oportunidades de trabalho muitas vezes precárias e des- quali cantes que, no conjunto, colidem com um discurso social que tende a incentivar e estimular o prosseguimento de estudos para níveis progressivamente superiores e em diferentes contextos e etapas de vida, como investimentos potencialmente facilitadores do acesso a mais oportunida- des sociais e pro ssionais que, na realidade, muitas vezes não se concretizam. Esta dissonância impõe, por conse- guinte, o questionamento de uma multiplicidade de valo- res socialmente construídos, designadamente em relação à educação, à formação e ao trabalho, o que faz antecipar a necessidade de que tanto os indivíduos como as insti- tuições e a própria sociedade de um modo global cons- truam novos signi cados para a educação e a formação e realizem novas aprendizagens que lhes permitam lidar de modo construtivo com as mudanças e desa os que se lhes impõem no contexto actual. 186 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 177-188 Importa, então, a nível social: (a) tematizar e discu- tir socialmente estas questões, facilitando o reposiciona- mento do trabalho, da quali cação e da aprendizagem, no contexto dos novos desa os que actualmente se colocam à sua gestão e implementação; (b) facilitando a emergên- cia de novos ‘lugares’ de realização pessoal e de novos papéis pessoal e socialmente viáveis e enriquecedores que con gurem modos alternativos de manutenção da relação do indivíduo com o mundo e da concretização do acesso a dimensões psicológicas importantes para a manutenção do bem-estar individual e para o desenvolvimento social. Isto implica, também, que o projecto das instituições de ensino superior (contextos privilegiados de investimento e promotores da vinculação social dos diplomados mais quali cados, ao menos no decurso do seu percurso for- mativo) se inscreva de modo premente neste projecto so- cial mais alargado: (a) promovendo não só o desenvol- vimento de competências pro ssionais articuladas com as necessidades do mercado de trabalho, mas acima de tudo o desenvolvimento do indivíduo a diferentes níveis, capacitando-o para a aprendizagem ao longo da vida, a tomada de posição crítica, a adaptabilidade, a gestão de projectos de vida e o empreendedorismo; (b) e assumindo, portanto, a missão de formar pro ssionais, mas também cidadãos críticos, conscientes e capazes de interacção e participação social, assim como de negociação dos seus projectos individuais no contexto dos constrangimentos e possibilidades decorrentes dos projectos sociais em que necessariamente se inscrevem. A intervenção psicológica e vocacional desenvolvi- da junto dos diplomados com quali cação superior deve, neste contexto, intencionalizar um esforço de capacita- ção e responsabilização progressiva dos indivíduos no sentido da construção, gestão e implementação de pro- jectos vocacionais da sua autoria, contextualizados, e- xíveis e que articulem investimentos e compromissos em diferentes contextos de vida, equilibrando o socialmente possível com o pessoalmente desejável. Neste sentido, deverá: (a) apoiar os indivíduos na (re)construção dos seus projectos vocacionais, por forma a que aqueles pas- sem a integrar as noções de risco, incerteza e imprevi- sibilidade, tornando-se pessoal e socialmente mais viá- veis; (b) promover o desenvolvimento e a mobilização de competências de exploração que facilitem a tomada de consciência relativamente à estrutura actual do mercado de trabalho (e às possibilidades e constrangimentos que interpõe à gestão de projectos vocacionais), contribuindo para uma projecção no futuro e uma orientação para a ac- ção dotadas de maior realismo; (c) promover o desenvol- vimento de competências de empregabilidade e de ges- tão de carreira, estimulando não só o desenvolvimento de competências que capacitem os indivíduos para uma procura de emprego mais e caz, mas também a explora- ção e a mobilização das competências pessoais transfe- ríveis, valorizadas no actual contexto sociopro ssional; (d) estimular a re exão e a ressigni cação do trabalho, em termos das funções psicológicas que este permite cumprir e do papel que ocupa na estrutura de vida e nos compromissos realizados pelos indivíduos, favorecendo a valorização do desempenho de outros papéis sociais; (e) apoiar os indivíduos na estruturação do seu tempo, incentivando-os e desa ando-os para a identi cação e realização de actividades pessoal e socialmente valori- zadas, que impliquem a mobilização e a valorização de competências pessoais, favorecendo o alargamento das redes sociais de apoio, o “empoderamento”, a melhoria da auto-con ança e a percepção de acesso a uma série de categorias de experiência psicológica, importantes na vivência desta transição. Num contexto social, económico e político que se re- conhece em acelerada mudança, que impõe novos desa os ao processo de integração pro ssional dos diplomados mais quali cados e que pre gura alterações nas premissas do desenvolvimento e da orientação vocacional, importa que as responsabilidades sociais, institucionais e indivi- duais sejam cada vez mais consideradas e repensadas, fa- vorecendo a construção, a implementação e a gestão de projectos pessoal e socialmente mais viáveis. Referências Arnett, J. J. (2000). A theory of development from the late teens through the twenties. American Psychologist, 55, 469-480. Arnett, J. J. (2006). Emerging adulthood in Europe: A response to Bynner. Journal of Youth Studies, 9, 111-123. Azevedo, J. (1999). Voos de borboleta: Escola, trabalho e pro ssão. Porto; Portugal: Edições Asa. Borgen, W. A., Hatch, W. E., & Amundson, N. E. (1990). The experience of unemployment for university graduates: An exploratory study. 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Coordenador do Centro de Desenvolvimento Vocacional e Aprendizagem ao Longo da Vida. Carlos Manuel Gonçalves é Professor Auxiliar da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Membro do Centro de Desenvolvimento Vocacional e Aprendizagem ao Longo da Vida. 189 Trajetórias juvenis: Significando projetos de vida a partir do primeiro emprego Regina Célia P. Borges1 Maria Chal n Coutinho Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC, Brasil 1 Endereço para correspondência: Rua Mediterrâneo, 145, 88037-610, Florianópolis-SC, Brasil. Fone: 48 32074704. E-mail: reginacl@uol.com.br Disponível em http://pepsic.bvs-psi.org.br/rbop Revista Brasileira de Orientação Pro ssional jul.-dez. 2010, Vol. 11, No. 2, 189-200 Artigo Resumo Com o propósito de compreender os sentidos do trabalho para jovens em sua primeira experiência pro ssional, realizou-se esta pesquisa de abordagem qualitativa. Para tanto, tomou-se como pressuposto a centralidade da categoria trabalho, através do materialismo histórico-dialético, e a visão sócio-histórica do conceito das juventudes/ adolescências. A principal técnica de coleta de informações foi a entrevista, a fotogra a foi utilizada como ferramenta complementar. A partir de um recorte dos resultados da pesquisa original, são apresentadas considerações analíticas sobre os seguintes núcleos: (a) Experiência, Registro Formal e Consumo, (b) Cotidiano, (c) Projetos. Os sentidos do trabalho na primeira experiência pro ssional expressam uma centralidade, apesar de serem fortemente in uenciados pelo sistema capitalista. Palavras-chave: trabalho, adolescentes, pro ssões, projeto de vida Abstract: Adolescents’ paths: Giving meaning to life projects from the rst job experience This qualitative research was done with the aim of understanding the meanings of labor for the young in their rst job experience. The centrality of labor category is assumed as seen in the historic-dialectic materialism and social-historic concept of youth/adolescence. The main technique for data collection used was the interview, and photography was used complementary. From a clipping of the data analytical considerations were made about three nuclei: (a) Experience, Formal Job Contract and Consumption, (b) Everyday life, and (c) Projects. The meanings of labor in their rst job experience express a centrality, even though they are strongly in uenced by the capitalist system. Keywords: labor, adolescents, job, life project Resumen: Trayectorias juveniles: Signi cando proyectos de vida a partir del primer empleo Con el propósito de comprender el sentido del trabajo para jóvenes en su primera experiencia profesional se realizó esta investigación de enfoque cualitativo. Para eso se tomó como presupuesto la centralidad de la categoría trabajo, a través del materialismo histórico-dialéctico, y de la visión socio-histórica del concepto de las juventudes/ adolescencias. La principal técnica de recolección de informaciones fue la entrevista y la fotografía fue utilizada como herramienta complementaria. A partir de un recorte de los resultados de la investigación original, se presentan consideraciones analíticas sobre los siguientes núcleos: (a) Experiencia, Registro Formal y Consumo, (b) Cotidiano y (c) Proyectos. El sentido del trabajo en la primera experiencia profesional expresa una centralidad a pesar de ser fuertemente in uenciado por el sistema capitalista. Palabras clave: trabajo, adolescentes, profesiones, proyecto de vida 190 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 189-200 O contexto do mundo do trabalho vive metamorfoses iniciadas de modo mais acentuado nas últimas décadas do sé- culo passado. Desse conjunto são destacados os processos de trabalho exibilizados, introdução de novas tecnologias, de- clínio dos modos de produção taylorista-fordista e sua substi- tuição ou mescla com toyotismo, entre outras características (Alves, 2005; Antunes, 2000; Baumgartem, 2006). As modi cações nos processos produtivos alcança- ram não somente a esfera material e objetiva, mas tam- bém a subjetiva, afetando a forma de ser dos trabalhado- res, sendo os jovens também integrantes desse panorama (Antunes, 2000). Surge um novo e precário mercado de trabalho, além de um inovador contexto sócio-histórico para a classe trabalhadora (Alves, 2005). Considerando a articulação entre as dimensões ob- jetivas e subjetivas da vida laboral, as mudanças concre- tas requerem a busca de novas compreensões dos sen- tidos e signi cados do trabalho sob a égide do sistema capitalista. Assim, a busca por articular tais inquietações àquelas vinculadas à temática da juventude, suscitou o desenvolvimento de uma dissertação de mestrado, no intuito de compreender os sentidos do trabalho para jo- vens em sua primeira experiência pro ssional (Borges, 2010). A importância de estudos nesse campo é referen- dada por Léon (2005), ao destacar o crescimento do in- teresse pela questão da juventude nas últimas décadas, a m de discutir políticas públicas, em diversas esferas sociais, e problematizar as temáticas trabalho/emprego para esse grupo. Este artigo traz um recorte dos resultados dessa pes- quisa, na qual tomaram-se concepções históricas de traba- lho e juventude como referências teóricas, além do traba- lho como atividade central da vida humana e fundante do ser social. Em seu sentido genérico, o trabalho foi conce- bido por Marx (1985) como um processo entre o homem e a natureza, ação exclusivamente humana imaginada ou planejada com prévia intencionalidade. No que diz respeito à concepção de juventude, adotou-se uma perspectiva histórica e social, que recu- sa o enquadramento dos jovens em categorias fechadas. Corrobora-se com Reis (2006), quando se contrapõe à idéia de homogeneizar, tipi car e categorizar as experi- ências juvenis. Considera-se que as adolescências/juven- tudes devem ser compreendidas e analisadas em cada con- texto sociocultural. Sentidos e signi cados do trabalho As análises sobre processos de signi cação no tra- balho devem levar em conta as distintas correntes episte- mológicas para a compreensão desse fenômeno, tais como a sócio-histórica, o construcionismo, o cognitivismo e a humanista (Tolfo, Coutinho, Almeida, Baasch, & Cugnier, 2005). Segundo Tolfo et al. (2005), estudos sobre os sen- tidos e signi cados no contexto laboral utilizam frequen- temente um ou outro sem explicitar uma distinção analíti- ca conceitual. Tal diferenciação é feita aqui por meio das “lentes” da psicologia sócio-histórica, tendo como refe- rência a obra de Vygotski. Na perspectiva adotada, as categorias sentidos e sig- ni cados são compreendidas como contornos privilegia- dos na busca da apreensão singular do ser humano. Os participantes pesquisados foram vistos como seres cons- tituídos em uma relação dialética com o social e o histó- rico. Assim, proclamam “a sua singularidade, o novo que é capaz de produzir, os signi cados sociais e os sentidos subjetivos” (Aguiar, 2006, p. 12). Ao diferenciar as duas categorias, Aguiar (2006) esclarece que, apesar da distin- ção, elas não devem ser analisadas separadamente, pois são constitutivas uma da outra. O sentido é a expressão mais subjetiva do sujeito, num conjunto de fatores biológicos, intelectuais e afeti- vos que “imprimem” sua particularidade, apresentando- se como uma categoria complexa. Para Vygotski (1992), toda palavra é dotada de múltiplos sentidos, unindo pen- samento e linguagem, fala interior e exterior. Assim, “o sentido é muito mais amplo que o signi cado, pois o primeiro constitui a articulação dos eventos psicológicos que o sujeito produz frente uma realidade” (Aguiar & Ozella, 2006, p. 226). Já o signi cado foi considerado por Vygostki (1992) como uma generalização ou um conceito, muitas vezes “dicionarizado”, mais in exível e em constante evolução sofrendo alterações quantitativas e externas de acordo com o momento histórico. Desse modo, os signi cados estabele- cidos na esfera social são históricos e culturais. Neste estudo, portanto, os sentidos foram compre- endidos como expressões sociais construídos a partir da vivência pessoal e dotados de emoções, sentimentos, contradições e ambivalências representativas na cons- trução histórica do sujeito. Assim, ao narrarem suas compreensões sobre trabalho, os participantes do estudo expressaram os sentidos atribuídos por cada um deles à experiência de trabalhar, articulada com os signi cados produzidos coletivamente. As juventudes e seu lugar no mundo do trabalho contemporâneo É necessário problematizar de qual juventude/ adolescência se está falando, de modo a explicitar sua “singularidade ante outros segmentos populacionais” Borges, R. C. P., & Coutinho, M. C. (2010). Trajetórias juvenis: Primeiro emprego e projetos de vida 191 (Abramo, 2005, p. 38). Há um panorama multifacetado de concepções sob a gênese da adolescência e juventude, umas mais cronológicas/biológicas, outras mais sociais. Cabe destacar o quanto estudos envolvendo os jovens, seus modos de vida, relações com o mercado de trabalho e com a educação (entre outros) vêm aumentando com maior ênfase nas últimas décadas em toda a América Latina (Abramo, 2005; León, 2005; Raitz, 2003; Raitz & Petters, 2008). De acordo com Raitz (2003), encontramos uma di- versidade bibliográ ca produzida por diversas áreas do conhecimento, sobre a temática da juventude, principal- mente desde a década de 90 do século passado. Mesmo diante de vastas opções, a autora comenta existirem ain- da muitos conhecimentos a ser apreendidos, já que os conceitos de adolescência e juventude tornam-se impre- cisos quando singularizados. Lyra et al. (2002) consideram cronologicamente como adolescência um período interfacial com a infân- cia e imediatamente anterior à juventude. De acordo com León (2005), têm-se utilizado com frequência as seguintes segmentações: de 12 a 18 anos para designar a adolescên- cia, e dos 15 a 29 anos para a juventude, sendo esta dividi- da em períodos (de 15 a 19 anos, de 20 a 24 anos e de 25 a 29 anos). O autor alerta para habituais alterações etárias entre as faixas e o prolongamento da juventude para um intervalo entre os 12 e 35 anos. Quanto às terminologias utilizadas, para León (2005) existem variações disciplinares. A Psicologia tem utilizado o termo adolescência, enquanto outras disciplinas sociais como a Sociologia, Antropologia, História e Educação re- correm à terminologia da juventude. Segundo o autor, há casos de utilização desses conceitos de modo sinônimo e homólogo entre si, em algumas rami cações da Psicologia Social, opção aqui adotada. En m, notam-se diferentes visões: de um lado aquelas que assinalam etapas da vida marcadas por fai- xas etárias homogêneas, enquanto outras, como a teoria sócio-histórica, compreendem a adolescência como uma construção humana, assumindo diferentes características de acordo com o contexto social. Desse modo, a concep- ção da adolescência adotada neste estudo vai considerar que “o jovem não é algo por natureza” (Aguiar, Bock, & Ozella, 2007, p. 168). Nesta perspectiva, as adolescências/juventudes são compreendidas por meio da contextualização das relações sociais num determinado tempo e espaço histórico em que vive o sujeito (Ozella, 2003). A partir dessa ótica, os participantes foram tomados como sujeitos ativos, sendo constituídos por meio da mediação de suas relações so- ciais (Aguiar, 2007). Pochmann (2007) destaca que os jovens “tomam a cena atual”, pois formam quase 20% da população mun- dial no século XXI. O autor destaca o grande número de crianças e adolescentes trabalhando e considera necessá- rio desacelerar esse processo. Segundo o autor, para cada dez jovens no Brasil, sete já iniciaram uma atividade pro- ssional. No entanto, a positividade associada ao “peso numérico” desse segmento tem sido afetada pelo fenôme- no mundial do desemprego. Antunes (2000), Corrochano, Ferreira, Freitas e Souza (2008), Coutinho e Silva (no prelo) e Pochmann (2007), veem os jovens como um dos grupos mais vulne- ráveis a sofrerem com o desemprego, tarefas e contratos precarizados. Além disso, predispostos a faixas salariais inferiores aos trabalhadores adultos. A inserção do jovem no mercado de trabalho é um dos complexos processos que compõem a chamada transição para a vida adulta (Camarano, 2006). Ressalte-se a concep- ção adotada, na qual a idéia de transição não tem o propósito de reiterar uma visão com etapas separadas de desenvolvi- mento. Desse modo, “o termo ‘transição’ traz a idéia de pas- sagem colocando-se entre situações limítrofes” e “juventude e adultez são multiplicidades em suas formas de ser, e estão cada vez menos segmentadas” (Reis, 2006, p. 68). Dentro da realidade brasileira o elo juventude/traba- lho, evidentemente expresso em diferentes contextos his- tóricos culturais, ocorre de modo geral por meio de uma antecipação do ingresso laboral na vida dos jovens, por vezes em prejuízo de uma adequada continuidade da vida escolar (Guimarães, 2006). Ao buscar inserir-se e ocupar um lugar no mercado de trabalho contemporâneo, o jovem se depara com uma realidade em que não há “lugar para todos” (Silva, 2009, p. 86). Fica então reiterada a necessidade de novos estudos e conhecimentos sobre os diversos modos de inserção do jovem no mercado e o lugar de trabalho em seu cotidiano, seus sentidos e como projeta seus caminhos futuros, já que inicia precocemente sua vida laboral. Método Na presente pesquisa, foram trabalhados processos de signi cação produzidos por seres humanos em suas realida- des sociais (Minayo, 2007). Através das palavras/signos, é possível compreender a constituição da subjetividade. Nas falas dos participantes, expressam-se signi cações cogniti- vas, afetivas e volitivas xadas num processo social, histó- rico e revelador dos sentidos (Aguiar, 2007). Os jovens entrevistados neste estudo tinham ida- des entre 15 e 17 anos e participavam de uma organiza- ção não-governamental (ONG), mantenedora de projetos 192 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 189-200 sociais. Essa ONG é conveniada com empresas da Grande Florianópolis para encaminhamento de jovens aprendizes por meio da Lei da Aprendizagem2. Esses jovens trabalham quatro dias da semana nas suas respectivas organizações e, num quinto dia, participam de módulos educacionais na sede da ONG, conforme prescri- ção da Lei. Os módulos ocorrem em turmas mistas, prove- nientes de diversos segmentos organizacionais e/ou em tur- mas exclusivas de uma única organização, em média com vinte jovens-aprendizes. Assim, realizou-se a divulgação do estudo em duas turmas mistas (uma pela manhã e outra à tarde). Inicialmente onze jovens demonstraram interesse. Porém, ao nal do estudo permaneceram nove. Após o primeiro contato e aceite dos participan- tes, houve a entrega do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE)3, que deveria ser assinado pelos jo- vens e seus pais e/ou responsáveis. Depois do retorno dos TCLE assinados, todos os encontros/ entrevistas ocorre- ram nas dependências da ONG, sendo os jovens liberados nesses momentos das suas atividades educacionais. Dentro da abordagem qualitativa, optou-se pelo uso de entrevistas semiestruturadas como instrumento principal para coleta de informações. Foi adotada a perspectiva com- preensiva de entrevista, tal como preconiza Zago (2003). Assim, com a organização de um roteiro com campos te- máticos, mas sem estrutura rígida, as questões poderiam ser alteradas conforme diálogo estabelecido com cada partici- pante. Foram realizadas duas entrevistas com cada jovem. A primeira pautada por informações relativas aos dados de identi cação e questões organizadas em três eixos temáti- cos: dados pessoais e familiares, atividades atuais, histó- ricos pro ssionais e projetos. As conversações foram gra- vadas, depois transcritas na íntegra e disponibilizadas aos participantes, durando em média cerca de 30 minutos. Ao nal da primeira entrevista, era solicitada a cada participante a realização de fotogra as, depois utilizadas como base para a segunda entrevista. Os jovens recebiam uma máquina fotográ ca, sendo convidados a produzirem no mínimo seis e no máximo doze fotos, de acordo com a seguinte premissa: fotografe cenas do seu cotidiano de trabalho ou cenas cotidianas de trabalho para você4. Segundo Maurente e Tittoni (2007), as imagens fo- tográ cas têm sido utilizadas como recurso metodológi- co por distintas áreas de estudo, tais como Antropologia, Comunicação Social, Psicologia, Sociologia e Educação. Também Maheirie, Boeing e Pinto (2005, p. 215) conside- ram que “a fotogra a é um recurso de conhecimento em marcante crescimento, expansão e importância”. Neiva-Silva e Koller (2002) enunciam quatro funções para o uso da fotogra a em pesquisas psicológicas: regis- tro, modelo, instrumento de feedback e autofotográ ca. O uso da fotogra a como registro tem uma ação documental apenas para registrar o conteúdo de determinada ocorrên- cia. Como função modelo, as fotos são apresentadas pelo pesquisador aos sujeitos e analisadas suas percepções, fa- las e reações. Na função feedback, as fotogra as, já previa- mente registradas por um terceiro, são apresentadas com o intuito de avaliar determinada temática em recorrentes encontros entre pesquisador e sujeitos. Neste trabalho, o uso dos recursos imagéticos foi concebido na função autofotográ ca, ou seja, cada su- jeito produziu suas próprias fotogra as. Assim sendo, combinou-se um novo encontro com os jovens na ONG para devolução da máquina fotográ ca, tomando os pes- quisadores providências para revelação das imagens. Cada participante produziu em média sete fotos, sendo o intervalo ajustado para a produção dos recursos imagéti- cos de uma semana5. Foi realizada nova entrevista também norteada por um roteiro semiestruturado. As fotogra as foram interpre- tadas pelos seus produtores sobre os sentidos atribuídos a cada cena de trabalho, nomeando e escolhendo a imagem mais signi cativa. Segundo Ramalho e Oliveira (2006, p. 216), “em cada texto visual está registrado um discurso, evidenciando uma visão especí ca, a do seu criador”. A partir dos instrumentos utilizados, buscou-se co- nhecer a constituição dos participantes em sua proces- sualidade histórico-dialética e compreender os sentidos produzidos por complexas relações em suas trajetórias. A análise das narrativas foi realizada através do procedimen- to de Núcleos de Signi cação, conforme preconizados por Aguiar e Ozella (2006). 2 A aprendizagem é estabelecida pela Lei nº.10.097/2000, regulamentada pelo Decreto nº. 5.598/2005. Estabelece que todas as empresas de médio e grande porte estão obrigadas a contratarem adolescentes e jovens entre 14 e 24 anos. Trata-se de um contrato especial de trabalho por tempo determinado, de no máximo dois anos. Disponível no site: www.mte.gov.br/aprendizagem. 3 Esse projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. 4 Tal possibilidade foi sugerida considerando que algumas das empresas contratantes dos jovens aprendizes não autorizassem a realização de imagens fotográ cas em seus ambientes de trabalho. 5 Entre os nove sujeitos participantes do estudo Camile, Mariana e Adriele solicitaram mais uma semana para a entrega das fotogra as, alegando que durante o período dos primeiros sete dias só conseguiram registrar um número menor de seis fotos, já que foram orientadas e incentivadas à produção de, no mínimo, seis recursos imagéticos. Borges, R. C. P., & Coutinho, M. C. (2010). Trajetórias juvenis: Primeiro emprego e projetos de vida 193 Através de recorrentes leituras, foram organizados dezessete pré-indicadores caracterizados por palavras e/ou frases destacadas pela sua repetição, reiteração, ambiva- lências, carga emocional ou contradições. Em novas leitu- ras, os pré-indicadores foram aglutinados pela similarida- de, complementaridade ou contraposição, caminhando-se para a formação de sete indicadores. Conforme Aguiar e Ozella (2006, p. 226), “alguns indicadores podem ser complementares pela semelhança do mesmo modo que pela contraposição” e se deve retornar às entrevistas dan- do início às primeiras seleções de trechos que identi quem e/ou esclareçam os indicadores, uma vez que deles serão formados os núcleos de signi cação. Num movimento dinâmico de idas e vindas nas entre- vistas foram “garimpados” todos os possíveis aspectos fu- turamente nuclearizados. Tais sentidos foram organizados neste recorte nos núcleos: Experiência, Registro Formal e Consumo, Cotidiano e Projetos. Os núcleos ora apresentados contemplam uma “di- mensão temporal (passado, presente e futuro) da vida laboral dos sujeitos entrevistados” (Coutinho, 2009, p. 200), per lando suas trajetórias vivenciadas no primeiro emprego. Apesar de uma aparente linearidade, as dimen- sões temporais são imbricadas e estabelecem referenciais coletivos e sociais próprios em cada momento histórico (Aquino, 2007). Trata-se aqui de uma divisão didática, uma vez que há entre os três núcleos uma interdependência. Numa análise metafórica, os núcleos seriam como peças de um quebra-cabeça. No entanto, ao invés de se ajustarem a um único local, podem ser encaixados em diferentes posições, pois, de acordo com Aguiar (2007), “sabemos que nada é isolado, que isolar um fato e conservá-lo no isolamento é privá-lo de sentido” (p. 137). Resultados e Discussões O primeiro núcleo “Experiência, Registro Formal e Consumo” contempla as signi cações dos processos de busca do primeiro emprego, suas formas de inserção, os processos seletivos e modos de utilização salarial dos participantes. A necessidade e iniciativa de buscar o primeiro emprego foram expressas pelos jovens de modo re- corrente, como reiterado nas falas de Carla e Camile6, respectivamente: “ai meu Deus, eu quero trabalhar, eu quero trabalhar, eu sempre falava pra minha mãe: eu quero trabalhar!” e “eu mesma tive a iniciativa; a minha amiga tinha me falado que ela veio na ONG, aí eu me informei com ela, daí eu fui e corri atrás”. As ações de busca por uma ocupação dessas jovens tiveram êxito por meio da oportunidade de inserção via ONG. No contexto de uma política pública, esses jovens, ainda que provisoriamente, conseguem ingressar no mer- cado de trabalho. Ao analisar a inclusão de jovens, Branco (2005)7 destaca a faixa etária entre 16 a 24 anos como aquela com maiores índices de inatividade pro ssional. Para o autor, “todos os indicadores disponíveis têm evi- denciado uma forte ‘pressão’ dos jovens na procura por ocupação” (p. 131). Pochmann (2007) denomina tal etapa como desemprego de inserção; fase na qual o jovem sai à procura do seu primeiro emprego, e por não dispor de experiência e/ou devido, às vezes, à baixa escolaridade, encontra di culdades de acesso ao mercado. A inserção no mercado de trabalho ocorreu de modo “mais tranquilo” para os participantes deste estudo, funcionando a política pública preconizada na Lei da Aprendizagem, via ONG, como uma “porta de entrada” no primeiro emprego. Carvalho (2006, p. 208) denomina de “políticas focalizadas, já que as categorias destina- tárias se de nem a partir de um nível de necessidades, pobreza ou risco”. Uma vez inscritos na instituição, os jovens cavam aguardando a ocorrência de oportunidades para participa- rem de processos seletivos. Giovana expressou, de um lado, o reconhecimento das di culdades de ingresso no mercado de trabalho: “é difícil conseguir emprego com essa idade”, e de outro a facilitação do processo via ONG: “eu achei bem fácil entrar... um dia me ligaram e na outra semana eu já estava no Banco trabalhando”. Outros participantes viven- ciaram o processo seletivo como um momento de tensão e ansiedade. Na expressão de Mariana: “daí foi à primeira entrevista que eu z... eu tava bem nervosa... daí eu tentei ser o máximo calma e pensei bem antes de falar as coisas, porque eu sabia que ia contar ali na hora”. Di culdades com processos seletivos também foram observadas por Câmara, Sarriera e Pizzinato (2004), segundo os quais, diante das exigências dos em- pregadores e da escassez de emprego, os jovens viven- ciam tais processos como uma etapa angustiante, pois se 6 Todos os nomes utilizados são ctícios. 7 A pesquisa Per l da Juventude Brasileira de 2004, desenvolvida pelo Projeto Juventude/Instituto Cidadania, com a parceria do Instituto de Hospitalidade e do Sebrae, com jovens de 15 a 24 anos, de todos os segmentos sociais. Os dados foram colhidos em novembro e dezembro de 2003. 194 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 189-200 espera do candidato um comportamento sempre asserti- vo, além do estabelecimento de uma boa relação com o selecionador. A difícil busca pelo primeiro emprego, quando con- cretizada pelos participantes pesquisados, motivou-se pela necessidade de obter uma experiência pro ssional, considerada um “passaporte” facilitador para a futura carreira. Esse “passo inicial” foi signi cado positiva- mente e expressado nas seguintes falas: “quero ganhar uma experiência, é bom!” (Patrícia) e “quando tu vai trabalhar eles perguntam: qual é a sua experiência? Logo de cara, assim, né? Tu tens alguma experiência no ramo?” (Adriele). A busca por se tornar um trabalhador através de um contrato de trabalho ou registro formal foi bastante valo- rizada no discurso dos jovens, como evidenciado na nar- rativa de Adriana: “trabalhei, antes de trabalhar aqui... não era um trabalho de carteira assinada. Aí eu insisti, vim aqui falei que eu queria, que eu tava lá só esperando eles me chamarem”. A valorização da experiência de ter um emprego também foi expressa por meio das guras autoproduzidas, como no caso de uma imagem produzida por Adriana e nomeada de “jovem aprendiz”, registrando seu primeiro emprego como tal. Ao descrever a foto, expressa sua satis- fação: “o trabalho ali é organizar arquivo,... fazer de tudo um pouco né... daí eu não sou uma jovem aprendiz; lá eu pareço uma trabalhadora”. Segundo Frigotto (2002), um dos elementos da ideo- logia capitalista consistiria em apresentar o trabalho assala- riado como uma relação aparentemente livre e igualitária, mascarando a desigualdade ou exploração da relação pa- trão-empregado. O contrato formal foi valorizado pelos jo- vens, diante da realidade e dos índices que os rodeiam como o desemprego, o subemprego ou outras formas de emprego com baixa qualidade (Coutinho & Silva, no prelo). Outro aspecto associado pelos participantes à busca pelo trabalho/emprego foi a remuneração e, como decor- rência, uma autonomia nanceira. Somente dois partici- pantes utilizavam efetivamente os valores recebidos para complementar a renda familiar; os demais faziam uso do seu salário com gastos de natureza pessoal. Essa situação contraria o expresso por Pochmann (2007), ao a rmar que em geral os jovens ingressam no mercado de trabalho por di culdades nanceiras familiares. A idéia do trabalho apenas como um meio para pos- sibilitar o consumo pode ser observado na narrativa de Carla: “eu compro tanta coisa (fala com muita ênfase), eu acho que faço milagre com aquele salário... eu gosto de comprar muito (nova ênfase). Minha mãe diz que eu sou muito consumista”. A palavra consumir signi ca destruir, gastar, utili- zar, para satisfação das próprias necessidades (Michaelis, 1998, p. 304). Os consumidores cam expostos num “mundo de mercadorias” produzidas em grandes quanti- dades provocando o cerceamento do valor de uso em pre- dominância do valor de troca. Na posse do seu próprio dinheiro, os jovens são estimulados por meios de comu- nicação e se tornam “presas fáceis” ante as demandas de consumirem cada vez mais uma gama de produtos rapi- damente obsoletos. Para Bock e Liebesny (2003), há um mercado consumidor juvenil através de roupas, hábitos e grifes culturalmente disseminados. Encontra-se aqui um sentido do trabalho relacionado à questão do ter um salário, em prejuízo do ser trabalha- dor, observando-se o quanto o sistema capitalista impele o indivíduo a um extenuado consumo “coisi cado e fe- tichizado, inteiramente desprovido de sentido” (Antunes, 2000, p. 178). Por outro lado, o trabalho também foi resgatado como produtor de valor de uso para atender às necessidades hu- manas. Esse sentido ca evidenciado através da imagem retratando um pescador, produzida e descrita por Giovana: “é ganha pão, não em forma de dinheiro, mas em forma de produto, de conseguir o produto direto da fonte. Acho que o título tem que ser pescador mesmo”. Diante da imagem do pescador e narrativa acima, pode-se conceber que esses jovens-trabalhadores são também capazes de signi car o trabalho para além das ideologias capitalistas. Segundo Aguiar (2007, p. 96), “o homem, ao construir seus registros (psicológicos), o faz na relação com o mundo, objetivando sua subjetividade e subjetivando sua objetividade... as dimensões do psicoló- gico re etirão essa diversidade: serão imagens, palavras, emoções, pensamentos.” Mesmo em outras formas de trabalho associadas à lógica do capitalismo, seria possível encontrar traba- lhadores satisfeitos com seu cotidiano laboral. Isso é evidenciado na fotogra a de uma cobradora de ônibus sorridente produzida e descrita por Mariana: “eu escolhi a foto da cobradora como a mais signi cativa, porque eu acho que tem cobrador que, às vezes, não gosta do que faz e ca emburrado... não dá a devida atenção e o devido carinho que o trabalho pede; e ela é diferente! Ela é atenciosa com todos e está sempre com um sorriso no rosto”. Para Mariana, o trabalhador é capaz de fazer com que seu trabalho não se limite “à execução de uma atividade técnica: ele se transforma no ser daquele/a que o exerce e pode determinar a qualidade das suas relações sociais” (Diogo, 2007, p. 485). O núcleo “Cotidiano: tudo cou mais corrido” con- templou a relação entre trabalho e vida cotidiana, processo Borges, R. C. P., & Coutinho, M. C. (2010). Trajetórias juvenis: Primeiro emprego e projetos de vida 195 pelo qual os participantes constituem-se jovens-trabalha- dores e transitam para a vida adulta. Na fala de Giovana encontra-se o sinal de transição: “por estar trabalhando... e também pela convivência dentro de casa que mudou, meus pais me tratavam como uma pessoa mais adulta... me dan- do mais liberdade pra fazer as coisas que eu queria”. Segundo Guimarães (2005), o trabalho é um dos com- ponentes clássicos de transição para a vida adulta. Tal opinião também é corroborada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA] (2008), ao indicar o mesmo entre outras fa- ses socioculturais que tipi cam a “passagem” do jovem para o mundo adulto, tais como tornar-se pai ou mãe. Outra alteração no cotidiano dos jovens participan- tes do estudo diz respeito aos tempos livres. Para alguns, a redução desse tempo foi signi cada negativamente, conforme podemos veri car na seguinte declaração: “eu sinto bastante falta daquele tempo que eu tinha à tarde; agora então, praticamente, eu não tô mais assistindo televisão, não tô mais na internet, essas coisas assim” (Camile). Contudo, outros participantes se consideram capazes de combinar vida pessoal e trabalho: “aí eu co- mecei a sair na sexta-feira, no sábado. No domingo não, porque eu tenho que arrumar as minhas coisas, dormir mais cedo” (Carla). Destarte, a vida anteriormente dedicada aos estudos é agora atravessada pelo trabalho e o chamado tempo livre que, por vezes, culturalmente caracteriza a adolescência/ juventude, passa por alterações. Sarriera, Tatim, Coelho e Busker (2007) comentam que o modo de utilização do tem- po livre é também subordinado a condições sociais, cultu- rais, econômicas, ideológicas e físicas de cada sujeito. Ainda que não fosse objeto deste estudo realizar uma análise com recorte de gênero, a referência frequen- te ao trabalho doméstico pelas jovens entrevistadas de- nota a reprodução de um lugar social tradicionalmente associado ao feminino. Assim, a “dupla jornada de traba- lho” também acontece nas vidas dessas jovens, conforme as colocações de Adriele: “chego em casa... daí eu pego faço a comida e tal, se não me alimentar aí não vou durar muito... aí no domingo eu ajudo minha mãe a lavar rou- pa, a limpar a casa”. Graf e Diogo (2009) destacam o quanto os lugares de gênero8 ainda se mantêm. Para as autoras, “mesmo com as mudanças sociais nas últimas décadas e com a entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho, pesquisas demonstram que as mulheres seguem responsáveis pelas lides domésticas” (p. 78). Entre outras dimensões da vida cotidiana, destaca-se a vida escolar dos jovens. Todos os pesquisados eram estu- dantes do ensino fundamental ou médio, pois os contratos dentro da Lei da Aprendizagem requerem vinculação tra- balho/escola, com a exigência de “bons” resultados nessa última. A maioria estuda em escolas públicas e foram fre- quentes as queixas quanto ao nível educacional recebido: “porque a escola pública não tá oferecendo uma qualidade de estudo boa” (Cristina). Entre outros, o comentário de Cristina reitera a ur- gência apontada por Pochmann (2007) em reformular os sistemas educacionais. Na mesma direção, Raitz e Petters (2008) consideram inconcebível que, em pleno século XXI, a escola ainda desconheça os problemas vi- venciados pelos jovens e aludem à necessidade de uma verdadeira interação entre os jovens, a educação, o tra- balho e a família. A relação estudo/trabalho é apontada criticamente por Pochmann (2007) dentro do grupo juvenil. Para o autor, a entrada precoce no mercado de trabalho impede a adequa- da formação teórica, e, somente com uma postergação nas inserções laborais, os jovens estariam “prontos” a atender aos desa os da chamada sociedade do conhecimento com requisitos educacionais cada vez mais ampliados. No contexto da vida cotidiana dos jovens entrevis- tados, agora perpassada pelo trabalho, nota-se a produ- ção de sentidos por vezes contraditórios e associados à primeira experiência pro ssional. Entre vantagens e des- vantagens de estarem trabalhando, perdem o tempo livre, mas ganham independência. Predominam falas destacan- do as positividades: “eu acho que quando eu comecei a trabalhar, comecei a ver que tem que ter mais respon- sabilidade... eu tenho que me focar em alguma coisa” (Mariana). A vida pessoal segue então com alterações nos horá- rios e nos comportamentos. No entanto, o trabalho como experiência de vida passa a ocupar um lugar, um valor ex- pressando sentidos antes inexistentes. A partir da experi- ência laboral, Patrícia observa: “mudou bastante; eu cava a tarde toda sem fazer nada em casa. Agora eu faço um monte de coisas; depois, com o trabalho, o tempo passa mais bom, passa mais rápido!”. Novamente cou reiterado o trabalho sobreposto de modo positivo. Conforme enunciado por Marx (1985), o trabalho, como processo entre o homem e a natureza, põe em movimento as forças naturais dos homens, sua corpo- ralidade e, por meio deste, ambos são transformados. 8 Graf e Diogo (2009, p. 74) declaram, numa perspectiva crítica, que a categoria gênero “é entrelaçada e construída nas relações sociais, refutando entendimentos fundamentos na biologia”. 196 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 189-200 O terceiro núcleo “Projetos: eu quero ter outra histó- ria de vida” foi constituído pelas primeiras escolhas pro- ssionais e os projetos enunciados pelos jovens entrevis- tados, considerando uma temporalidade iniciada com as brincadeiras de criança, as quais já foram vinculadas ao futuro pro ssional. Tais escolhas podem ser observadas na fala de Júnior: “brincava de bombeiro. Eu sempre falava pro meu pai: ‘quando eu crescer eu vou ser bombeiro’. Tinha muitos amigos que eram bombeiros mais velhos”. Soares (2002) aponta que a dimensão temporal da escolha é composta pelas in uências da infância, fatos marcantes da vida presente e pela de nição de um estilo de vida futuro. O projeto de futuro, de acordo com Bock e Liebesny (2003), é uma construção contínua pertinente ao grupo social no qual o sujeito está inserido e, embora se re ra a um porvir, tem seu feitio pautado nas relações passadas e presentes. As identi cações com algumas pessoas ou pro ssio- nais próximos ao universo infantil serão possivelmente presentes nas brincadeiras, e algumas escolhas podem persistir até a adolescência e/ou idade adulta, outras não (Lisboa, 1997; Soares, 2002). Também Natividade (2007), ao pesquisar os sentidos do trabalho atribuídos por crian- ças, con rmou a in uência familiar nessa constituição, ainda que, por vezes, pautada em informações restritas sobre as pro ssões. Por meio das falas, os participantes foram elaborando suas escolhas pro ssionais, bem como dúvidas e questio- namentos sobre não escolher. Cabe destacar que os jovens entrevistados, tal como observado por Ribeiro (2003), en- contram-se excluídos das camadas socioeconômicas com frequente acesso aos modelos de Orientação Pro ssional (OP), sendo esta mais utilizada na realidade brasileira pe- las camadas médias e altas. A articulação entre escolha pro ssional e projeto possibilita ao sujeito estabelecer sua futura trajetória produtiva com o mundo (Coutinho, 1993). A idéia de projeto ora apresentada segue a compreensão de Soares (1996) de construir um futuro desejado e esperado, numa dada temporalidade. De acordo com Velho (2003), “o projeto existe no mundo da intersubjetividade” (p. 103), é dinâmico e está em constante reelaboração, sendo tam- bém “resultado de uma deliberação consciente a partir de circunstâncias, do campo das possibilidades em que o sujeito está inserido”. Nos projetos dos participantes foram recorrentes as expectativas de um trabalho/emprego de modo contínuo em suas vidas. Esses dados foram consonantes com os encontrados por Graf e Diogo (2009) em pesquisa sobre ocupações pro ssionais juvenis. No entanto, nessa inves- tigação foram acrescidos também desejos e aspirações de uma história de vida ressigni cada em relação à vivida por seus pais. Os relatos de Cristina e Giovana, respectiva- mente, trazem certa “oposição” às expectativas parentais e desejos de ressigni cação em relação ao passado familiar: “não, pai! Meu futuro, eu não quero ter esse futuro que você teve, eu quero ter outra história de vida...” e “tenho muito interesse em conhecer o mundo... eu não quero car presa aqui na ilha como meus pais, meus avós... eu acho que tem muita coisa pelo mundo que a gente tem que co- nhecer... abrir vários caminhos”. Segundo Soares (2002), dialeticamente, encontram ou se desencontram os projetos dos pais e os projetos dos lhos. Normalmente, os projetos dos pais são contradi- tórios entre si, vislumbrando tanto uma perpetuação his- tórica familiar, como também que os lhos tenham sua própria vida e outra história mais individualizada. Assim, nas narrativas dos projetos havia ainda expres- sões com conotações emocionais, ou seja, o trabalho como lugar e/ou possibilidade de serem felizes, expressando dese- jos que movem o sujeito na busca de ser alguém, a partir do seu trabalho. Sentimentos expressos por Giovana: “eu vou fazer uma coisa mais minha, de repente, uma faculdade que hoje em dia não é considerada uma grande faculdade né, mas que eu vou ser feliz, que eu vou ter o meu trabalho”. De acordo com Maheirie e Pretto (2007), o projeto não é um acontecimento inesperado, pois ocorre no pla- no do vivido em signi cações históricas, dialéticas e não excludentes; é multidimensional e singular, interligando passado e futuro. Não deve ser visto, portanto, como hege- mônico. “O que vai existir sempre é uma escolha possível, dentro de determinadas possibilidades e contingências” (Soares, 2002, p. 95). Em síntese, apresentamos os três núcleos de signi ca- ção que perpassam uma temporalidade compondo a busca/ inserção da primeira experiência laboral, as mudanças na vida cotidiana e as projeções futuras, ou seja, o devir. Considerações Finais Esta pesquisa objetivou compreender quais os senti- dos do trabalho para jovens na primeira experiência pro- ssional. Os jovens pesquisados expressaram seu con- texto e os sentidos do trabalho vivenciados no início de suas vidas laborais e, por meio da articulação dos núcle- os de signi cação, foi possível conhecer suas realidades sociais e históricas. No primeiro núcleo, encontram-se as ações de busca pelo primeiro emprego, suas formas de inserção, os pro- cessos seletivos e os modos de utilização da remuneração recebida. Estatisticamente, os jovens são apontados como um dos grupos mais vulneráveis ao ingresso no mercado Borges, R. C. P., & Coutinho, M. C. (2010). Trajetórias juvenis: Primeiro emprego e projetos de vida 197 de trabalho. No entanto, no uso de uma das políticas públi- cas voltadas à criação de emprego e renda, eles puderam fazê-lo de modo mais “tranquilo” para a obtenção de um trabalho assalariado e concebido como um importante fa- tor pelos participantes. Ressalte-se que essa forma de inserção, aparente- mente mais rápida, não deve ser um fator de “acomoda- ção” na (re)de nição de outras políticas públicas para o grupo juvenil, pois ao término do contrato (no máximo dois anos, previsto na Lei da Aprendizagem), os jovens retornam ao mercado de trabalho geralmente desempre- gados. Tal situação possibilita re etir criticamente sobre programas de inserção ensejados por essas políticas, que “esquecem” de pensar no futuro dos jovens e se mostram incapazes de atender às suas reais necessidades. Além disso, outros questionamentos poderiam ser lançados em relação às políticas públicas, tais como: por que não (re)construí-los com novos fundamentos, privilegiando, ao invés da relação trabalho/educação, somente esta úl- tima? Não seria essa uma possibilidade para os jovens conquistarem uma trajetória educacional mais quali ca- da? Valorizando alternativas nas escolhas pro ssionais e objetivando melhorias dos nossos índices educacionais para uma formação mais efetiva? Quem sabe assim, po- deriam ser modi cadas as condições atuais nas quais os jovens-trabalhadores se tornam “reféns” do sistema ca- pitalista e, o trabalho possa transcender as questões de sobrevivência e consumo? Uma vez alcançado o trabalho/emprego remunerado e certa autonomia nanceira, os jovens zeram frequentes alusões ao consumo, rea rmando hábitos culturalmente produzidos nas sociedades capitalistas. Os sentidos do trabalho são associados a ter um salário, em prejuízo ao ser trabalhador. No segundo núcleo, conhecemos como o trabalho atravessa a vida cotidiana dos jovens. A partir do início da primeira experiência pro ssional, também principiam transições para a vida adulta. Assim, passam a dispor de menos tempo livre e ambiguamente, signi cam esse mo- mento, ora como perda de horários de lazer, ora ganhos de independência e amadurecimento pessoal. A vida escolar, vinculada ao programa do primeiro emprego, foi analisada de modo crítico pelos jovens entrevistados, particularmente no sistema público de ensino, expressando necessidades de mudança na busca de maior qualidade. Em prevalência, adaptam-se bem às novas rotinas de trabalho, vida pessoal e educação. Apesar de uma vida mais atribulada de horários e tarefas, essa é signi cada positi- vamente. Talvez se possa problematizar tal positividade e associá-la à própria atividade laboral realizada pelo jovem, expressando o valor positivo da conquista do primeiro em- prego formal, em um contexto de desemprego e precarieda- de das formas de emprego disponibilizadas para as juventu- des. Ainda, demonstram, mediante seus recursos imagéticos, uma realidade presente no cotidiano que espelha nas dife- rentes formas de trabalho assalariado e informal uma pre- dominância do atendimento à sobrevivência física. Assim, o ato de fotografar demarcou o chamado mundo do trabalho com precisão, trazendo registros da contemporaneidade. No terceiro núcleo arquitetam seus projetos, al- guns em conformidade com sua história de vida, outros buscam ressigni cações; reiterando que os projetos são construções dialéticas, singulares e não hegemônicos. Os pesquisados expressam possíveis escolhas pro ssionais e/ou dúvidas e incertezas em sua trajetória futura. Nota- se que fazem suas escolhas sem a possibilidade de par- ticiparem de programas de Orientação Pro ssional (de caráter elitista), geralmente pouco acessíveis a jovens oriundos de camadas populares. À guisa de conclusão é possível a rmar que, ape- sar de fortemente atravessados pelas signi cações sobre o trabalho produzidas em um contexto capitalista, esses jovens-trabalhadores vivenciam novos sentidos em suas vidas. Além disso, apresentam com destaque sentidos do trabalho/emprego como relativos a uma remuneração, prevalecendo o valor de troca sobre o de uso. No entanto, o trabalho/valor de uso também foi resgatado, como pos- sibilidade humana de interagir diretamente com a natureza e dela extrair seu produto, e num movimento constante, promover sua própria transformação e também do meio. O lugar do trabalho em suas vidas, apesar dessa dialética, é uma oportunidade para ressigni cações, pois seus desejos expressam uma busca de ser alguém e de ser feliz a partir do seu trabalho, o que corrobora com a compreensão do lugar de centralidade ocupado por essa categoria na vida dos jovens pesquisados. Referências Abramo, H. W. (2005). Condição juvenil no Brasil contemporâneo. In H. W. Abramo & P. P. M. Branco (Orgs.), Retratos da juventude brasileira: Análises de uma pesquisa nacional (pp. 37-72). São Paulo: Fundação Perseu Abramo. Aguiar, W. M. J. (2006). A pesquisa junto a professores: Fundamentos teóricos e metodológicos. In W. M. J. Aguiar (Org.), Sentidos e signi cados do professor na perspectiva sócio-histórica: Relatos de pesquisa (pp. 11-22). São Paulo: Casa do Psicólogo. 198 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 189-200 Aguiar, W. M. J. (2007). A pesquisa em Psicologia Sócio-Histórica: Contribuições para o debate metodológico. In A. M. B. Bock, M. G. M. 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Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós- Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina e integrante do Núcleo de Estudos do Trabalho e Constituição do Sujeito (NETCOS) da mesma instituição. Maria Chal n Coutinho é Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Professora Associado II da Universidade Federal de Santa Catarina, no Departamento de Psicologia do Centro de Filoso a e Ciências Humanas. Coordena, juntamente com outra colega da UFSC, o Núcleo de Estudos Trabalho e Constituição do Sujeito NETCOS. Bolsista produtividade do CNPq. 201 Influência do género, da família e dos serviços de psicologia e orientação na tomada de decisão de carreira Margarida Dias Pocinho1 Armando Correia Renato Gil Carvalho Carla Silva Universidade da Madeira, Funchal, Portugal 1 Endereço para correspondência: Centro de Competência de Artes e Humanidades, Universidade da Madeira, Campus Universitario da Penteada, 9000, Funchal, Portugal. Fone: 351 966511792. E-mail: mpocinho@uma.pt Disponível em http://pepsic.bvs-psi.org.br/rbop Revista Brasileira de Orientação Pro ssional jul.-dez. 2010, Vol. 11, No. 2, 201-212 Artigo Resumo Neste estudo analisa-se a in uência do género, da família e dos Serviços de Orientação Vocacional na decisão de carreira. Participaram deste estudo 1930 alunos do 10º ao 12º anos, de escolas portuguesas, respondendo ao Questionário de Di culdades de Tomada de Decisão e a outro de recolha de dados escolares e familiares. Mais de metade apresenta indecisão vocacional. Os resultados indicam uma in uência positiva da família na tomada de decisão, e da Orientação Vocacional na prontidão da decisão. Os rapazes consideram a orientação vocacional mais útil, apresentam maior con ança mas menos prontidão na decisão, recorrem menos aos pais, familiares e amigos, sendo mais in uenciáveis. As raparigas apresentam-se mais inseguras e menos informadas. A partir dos resultados, apresentam-se recomendações para as práticas de orientação vocacional. Palavras-chave: género, família, escolha de carreira, psicólogos escolares, ensino médio Abstract: In uences of gender, family and vocational guidance services on career decision making This study analyzes the in uence of gender, family and career guidance services in career decision making. The participants were 1930 students attending the 10th to 12th grades in Portuguese schools. They answered the Dif culties in Decision Making Questionnaire and a school and family data questionnaire. More than half of the students showed vocational indecision. Family was seen to have a positive in uence on career decision-making, and vocational guidance in the readiness of decision. As compared to the girls, the boys seem to consider the career guidance services more useful, show higher con dence, but greater lack of readiness in deciding, rely less on parents, family and friends, and seem to be more sensitive to in uence. The girls seem to be more insecure and less informed. Results implications for vocational guidance practices are discussed. Keywords: gender, family, career choice, school psychologists, secondary education Resumen: In uencia del género, de la familia y de los servicios de psicología y orientación en la toma de decisión de carrera En este estudio se analiza la in uencia del género, de la familia y de los Servicios de Orientación Vocacional en la decisión de carrera. Participaron en este estudio 1930 alumnos del 10º al 12º año, de escuelas portuguesas, respondiendo al Cuestionario de Di cultades de Toma de Decisión y a otro de recolección de datos escolares y familiares. Más de la mitad presenta indecisión vocacional. Los resultados indican una in uencia positiva de la familia en la toma de decisión y de la Orientación Vocacional en la rapidez de la decisión. Los jóvenes consideran la orientación vocacional más útil, presentan mayor con anza pero menos rapidez en la decisión, recurren menos a los padres, familiares y amigos, y son más in uenciables. Las jóvenes se presentan más inseguras y menos informadas. A partir de los resultados se presentan recomendaciones para las prácticas de orientación vocacional. Palabras clave: género, familia, elección de carrera, psicólogos escolares, enseñanza media 202 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 201-212 A investigação sobre a tomada de decisão de carreira tem mobilizado esforços no sentido de uma melhor com- preensão e clari cação do constructo da indecisão vocacio- nal, proporcionando diferentes estratégias de intervenção aos Serviços de Psicologia e Orientação em contexto esco- lar, privilegiando as dimensões relacionais alunos, pais e psicólogos (Abreu, 1996; Fuqua & Hartmann, 1983). O apoio ao processo de tomada de decisão nas es- colas do ensino básico pode ser uma tarefa difícil para os psicólogos, uma vez que uma grande parte desses alu- nos não responde, de uma forma efectiva, aos progra- mas de orientação vocacional, quer estes sejam baseados numa intervenção mais tradicional e orientada para a in- formação sobre o mundo do trabalho e das pro ssões, quer mesmo numa perspectiva mais desenvolvimentista, orientada para o conhecimento das características dos alunos, nomeadamente dos seus interesses, valores e ap- tidões. Por outro lado, professores e directores de turma, professores responsáveis pelo desenvolvimento e educa- ção do seu grupo de alunos, não estão sensibilizados nem possuem formação adequada à orientação na tomada de decisão vocacional. Mesmo que a dimensão relacional com os pais e encarregados de educação seja positiva, o que, por vezes, acontece em Portugal – país onde o nível socioeconómico e cultural é baixo ou médio-baixo – o re- pertório cultural próprio destas famílias não as predispõe para orientar os seus educandos, encaminhando-os para pro ssões e cursos que consideram ter mais saída para o mercado de trabalho e/ou cursos com elevado prestí- gio social (Pocinho, Correia, & Silva, 2009; Pocinho & Correia, 2009). Ao longo dos últimos anos, diferentes estratégias e abordagens teóricas têm sido utilizadas em contexto es- colar, para ajudar os alunos indecisos a avaliarem o seu repertório comportamental de forma a que o traduzam em escolhas vocacionais adequadas (Savickas, 2004). O locus de controlo, a auto-e cácia e a ansiedade são factores que têm sido vistos como componentes da personalidade que intervêm no processo de tomada de decisão (Pocinho & Correia, 2009). Os estudos sobre a auto-e cácia (Betz & Voyten, 1997; Hackett & Betz, 1981; Taylor & Betz, 1983) têm salientado a in uência que este factor pode exercer nas decisões de carreira, ao funcionar como um recurso ou como um obstáculo ao desenvolvimento vocacional. Estes estudos indicam que os alunos com uma baixa percepção de auto-e cácia têm di culdades na sua tomada de deci- são de carreira. O mesmo acontece com os alunos com um locus de controlo externo (Fuqua & Hartmann, 1983; Pocinho & Correia, 2009) ou com uma excessiva ansieda- de (Fuqua, Blum, & Hartman, 1988; Newman, Fuqua, & Seaworth, 1989). O género tem também sido apontado como uma va- riável que exerce uma in uência importante nos processo de tomada de decisão (Fitzgerald & Betz, 1994; Leong & Brown, 1995), na medida em que parece ter um efeito diferenciador dos jovens em termos da exploração e inde- cisão vocacional, e, assim, na elaboração e concretização de projectos vocacionais (Taveira, 2000). A importância da compreensão das diferenças associadas ao género não deve ser subestimada, pois este conhecimento pode abrir caminho ao desenvolvimento de práticas de orientação vocacional mais adequadas às características dos jovens rapazes e raparigas (Saavedra, Almeida, Gonçalves, & Soares, 2004). No entanto, no que diz respeito à indeci- são de carreira, é ainda escasso o registo de diferenças de género (Silva, 1997). Assim, com este estudo, pretende-se dar um contributo para a clari cação do papel do género nos processos de tomada de decisão de carreira. A investigação no campo da tomada de decisão de carreira não está, no entanto, centrada unicamente nas vari- áveis da personalidade e nas suas relações com a indecisão vocacional. Alguns investigadores reconhecem também a importância de factores externos ou de complexidade, que in uenciam a capacidade das pessoas para fazerem esco- lhas de carreira apropriadas, como sendo a família, a mol- dura social, económica e organizacional onde o sujeito se insere (Sampson, Reardon, Peterson, & Lenz, 2004). Para estes autores, estes factores contextuais podem di cultar o processamento da informação necessária, tanto na resolu- ção de problemas que o sujeito enfrenta como na tomada de decisão de carreira. A família aparece como um dos factores contextuais mais estudados, assim como o seu papel fulcral no desen- volvimento da carreira. Embora algumas opiniões divir- jam no que respeita às características familiares especí - cas que in uenciam tanto as aspirações dos jovens como a tomada de decisão de carreira, alguns estudos (Crockett & Binghham, 2000; Mau & Bikos, 2000) sugerem a exis- tência de uma relação entre as aspirações vocacionais e o nível educacional e socioeconómico das famílias. Vários outros autores (Mortimer, 1992; Pocinho, Correia, Camacho, & Rodrigues, 2007; Pocinho et al., 2009) sus- têm a importância do nível educativo dos pais na consecu- ção dos objectivos de carreira dos seus lhos. Ainda num outro aspecto do desenvolvimento de carreira, Hannah e Khan (1989) encontram no nível socioeconómico um fac- tor relevante que afecta as expectativas de auto-e cácia, ou seja, as suas crenças nas capacidades para desempe- nharem várias ocupações. As representações que os pais têm das pro ssões são transmitidas, de forma intencional ou não, aos lhos no âmbito das transacções familiares (O’Brien, Friedman, Tripton, & Linn, 2000), através da Pocinho, M. D., Correia, A., Carvalho, R. G., & Silva, C. (2010). Género, família e Orientação Vocacional 203 valorização das dimensões que eles consideram mais im- portantes para o sucesso pro ssional (por exemplo, prestí- gio, independência, remuneração, realização pessoal), dos estereótipos associados às pro ssões, e dos signi cados atribuídos ao trabalho. Outras variáveis familiares, como sendo a pro ssão dos pais, parecem estar relacionadas com as escolhas pro ssionais dos lhos (Trice, 1991). A in uência da fa- mília nas aspirações vocacionais dos jovens pode fazer- se sentir, quer seja através dos conceitos familiares sobre os valores, as regras e limites, crenças, tradições e mitos, quer na quantidade e qualidade da informação fornecida sobre as pro ssões e o mundo do trabalho. A dimensão relacional do contexto familiar assume também um papel fundamental no processo de desenvolvimento vocacio- nal, ao condicionar de forma signi cativa a exploração da relação do jovem consigo próprio e com os vários contextos da sua vida, e, desse modo, as oportunidades que se lhe oferecem. Por exemplo, Bratcher (1982) refe- riu que a existência de regras rígidas pode originar um sistema familiar fechado, impossibilitando o crescimento e a possibilidade de novas experiências. Outros estudos mais recentes (Kinnier, Brigman, & Noble, 1990; Young, 1994) também têm salientado os efeitos negativos que dos contextos familiares pautados por baixos níveis de comunicação, em que é rara ou até punida a expressão e partilha de sentimentos e de experiências, sobre o de- senvolvimento vocacional dos jovens. Por outro lado, também tem surgido evidência dos benefícios, para o desenvolvimento vocacional, dos ambientes familiares que conseguem proporcionar um equilíbrio entre os mo- mentos de apoio e os de desa o, que permitem e valo- rizam a comunicação aberta dos problemas que surgem na família, e que se constituem como fontes de suporte emocional (Young, Valach, Ball, Turktel, & Wong, 2003; Young et al., 1997). Também, o nível de expectativas dos pais parece estar correlacionado com as aspirações vocacionais dos lhos, embora nem sempre a in uência da relação com o pai ou com a mãe se exerça da mesma forma e com o mesmo nível. A in uência da dimensão maternal pa- rece ser mais evidente porquanto a maioria dos jovens prefere discutir os seus planos de carreira preferencial- mente com a mãe. Nos seus estudos sobre o papel da dimensão relacional da família no desenvolvimento da carreira, Guerra e Braungart-Rieker (1999) encontraram diferenças nas percepções dos jovens relativamente ao pai e à mãe, no que respeita à in uência na decisão de carreira: os pais eram vistos como mais encorajadores da independência ou da autonomia enquanto o papel das mães era percebido como fonte de um maior suporte na tomada de decisão. Os Serviços de Psicologia e Orientação (SPO) constituem também uma variável importante no estu- do do fenómeno de indecisão de carreira. Criados pelo Decreto-Lei n.º 190/91, de 17 Maio, estes serviços dis- tribuem-se por três eixos principais de intervenção: o apoio psicológico e/ou psicopedagógico, a orientação vocacional e o apoio ao sistema de relações da comu- nidade educativa. Uma gura central destes serviços, e na maioria das situações, o único representante, é o psicólogo escolar. Sendo um elemento de uma equipa, na qual partilha preocupações, medidas e programas com diversos agentes da comunidade educativa, este pro ssional deverá ser um modelo positivo de relações humanas, ajudar a criar um clima e um crescimen- to favorável na escola, e estar sensível às caracterís- ticas e necessidades associadas ao desenvolvimento, ao género, à etnia e ao estatuto socioeconómico das pessoas que atende (Taveira, 2005). Embora o terreno de intervenção do psicólogo em contexto escolar seja muito vasto e a delimitação das suas fronteiras este- ja bastante condicionada pelas diversas correntes que emergiram no campo da Psicologia e pela divisão do trabalho em Psicologia a que estas deram lugar, um dos principais objectivos deste pro ssional é: (a) facilitar a aprendizagem e o desenvolvimento psicossocial dos alunos, contribuindo para a aquisição de conhecimen- tos ao nível dos conteúdos curriculares e do aprender a aprender e a pensar, favorecendo o auto-conhecimento, estimulando a motivação, a construção de projectos de vida, e o desenvolvimento de capacidades e interesses (Almeida, 2005). Assim, a in uência dos SPO não deve ser descurada, dado o seu papel na preparação dos jo- vens para o seu futuro, no acompanhamento do fenóme- no educativo e na participação em processos de decisão (Carvalho, 2008). É também o Conselho da Europa2 a salientar o papel preventivo dos serviços de orientação no sentido de evitar o abandono escolar e o contributo por eles prestado para habilitar os cidadãos a gerirem a sua aprendizagem e as suas carreiras, bem como para a reintegração daqueles que abandonaram prematura- mente a escola em programas adequados de educação e formação (Conselho da União Européia, 2004, p. 7). 2 Projecto de Resolução do Conselho e dos Representantes dos Estados-Membros reunidos no Conselho relativo ao reforço das políticas, sistemas e práticas no domínio da orientação ao longo da vida na Europa (9286/04, de 18 de Maio de 2004). 204 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 201-212 Objectivo O objectivo deste estudo é analisar a in uência do gé- nero, da família e dos Serviços de Psicologia e Orientação (SPO) na indecisão vocacional, numa amostra de 1952 adolescentes portugueses. Assim, tendo em conta o género, investigaram-se as possíveis associações entre pais, psicó- logo (através da frequência dos programas de Orientação Escolar e Pro ssional nas escolas) e a indecisão de carrei- ra conceptualizada como um constructo referente aos pro- blemas que os sujeitos encontram na tomada de decisão das suas carreiras (Gati, Kraus, & Osipow, 1996). Método Participantes A amostra é composta por 1952 alunos3 de todas as Escolas Secundárias públicas portuguesas seleccionados aleatoriamente, distribuídos equitativamente pelos 10º (feminino = 336; masculino = 276), 11º (feminino = 331; masculino = 200) e 12º anos (feminino = 503; masculino = 306). A média das idades dos sujeitos situa-se nos 16,8 anos de idade (DP = 1,3), com mínimo de 13 anos e um máximo de 23 anos. A maioria destes alunos (60,3%) nun- ca reprovou e frequenta cursos vocacionados para o pros- seguimento de estudos de nível superior4 (72,2%). Cerca de metade dos pais (53,7%) possui grau de escolaridade até ao 6º ano de escolaridade, 14,6% possui a escolaridade obrigatória (9º ano), 16,5% o 12º ano e apenas 15% possui formação universitária. Instrumento O instrumento utilizado foi o Career Decison-Making Dif culties Questionnaire (CDDQ) de Gati et al. (1996). Estes investigadores desenvolveram uma taxonomia para compreender a contribuição das várias di culdades im- plicadas na indecisão de carreira. Na sua taxonomia, as di culdades foram de nidas como desvios a um modelo de decisor de carreira ideal – uma pessoa que está cons- ciente da necessidade de tomar uma decisão de carreira, disposto a tomar essa decisão e com capacidade de a fazer correctamente, baseado num processo compatível com os seus objectivos e recursos (Hijazi, Tatar, & Gati, 2004). Qualquer desvio deste modelo de decisor ideal de carreira é visto como uma potencial di culdade que pode afectar o processo de tomada de decisão do sujeito de duas formas possíveis: (a) ou inibindo o indivíduo de tomar uma deci- são ou, então (b) conduzindo-o tomar uma decisão abaixo da qualidade que seria desejada. A taxonomia, sendo estruturalmente hierárqui- ca (Silva, 2004), inclui três níveis de di culdade ma- jor que estão divididas, por sua vez, em dez categorias mais especí cas. A primeira categoria principal - Lack of Readiness (Falta de Prontidão) - inclui três categorias de di culdades que podem aparecer antes do início do pro- cesso de tomada de decisão: (a) falta de motivação para se empenhar no processo de tomada de decisão de carrei- ra, (b) indecisão geral relativa a todos os tipos de deci- sões e (c) crenças disfuncionais, incluindo expectativas irracionais. As duas outras categorias principais – Lack of Information (Falta de Informação sobre o Processo) e Inconsistent Information (Informação Inconsistente) – incluem tipos de di culdades que podem aparecer duran- te o processo de tomada de decisão de carreira. A falta de informação sobre o processo inclui quatro categorias de di culdades: (a) falta de informação sobre os dife- rentes passos envolvidos no processo, (b) falta de infor- mação sobre si mesmo, (c) falta de informação sobre as diferentes alternativas (percursos escolares, percursos formativos, pro ssões), (d) falta de informação sobre as fontes de obtenção de informação adicional. A terceira categoria principal – Informação Inconsistente – inclui três categorias relacionadas com os problemas que o su- jeito pode experimentar no uso da informação: (a) infor- mação pouco ável ou irrealista, (b) con itos internos tais como, preferências contraditórias ou di culdades relacionadas com a necessidade de se comprometer com o processo, (c) con itos externos como sendo con itos que envolvem a in uência de terceiros. Este questionário permite, então, examinar, empirica- mente, esta taxonomia. Na sua versão completa, o CDDQ contem 44 itens que permitem avaliar, em cada uma das 44 di culdades, através de uma escala do tipo Likert com 9 pontos, em que medida essa di culdade descreve 3 A amostra nal cou com 1930 alunos, tendo havido uma mortalidade experimental de 18 casos. 4 O Ensino Secundário em Portugal é realizado em cursos com diversas modalidades, mais adequadas a diferentes tipos de projectos vocacionais. Algumas dessas modalidades são, por exemplo, os Cursos Cientí co-Humanísticos (vocacionados para o prosseguimento de estudos de nível superior), os Cursos Tecnológicos (cursos pro ssionalmente quali cantes, que estão orientados numa dupla perspectiva: a inserção no mundo do trabalho e o prosseguimento de estudos para os cursos pós-secundários de especialização tecnológica e para o ensino superior), e os Cursos Pro ssionais (cursos fortemente ligados ao mundo pro ssional, e que valorizam o desenvolvimento de competências para o exercício de uma pro ssão, em articulação com o sector empresarial local). Pocinho, M. D., Correia, A., Carvalho, R. G., & Silva, C. (2010). Género, família e Orientação Vocacional 205 a situação do respondente. Pode ser registada num con- tinuum de 1 – Does not describe me (Não me descreve bem) a 9 – Describes me well (Não me descreve bem). A versão utilizada neste estudo foi um questionário traduzi- do da versão completa e reduzido de 44 para 34 itens por Silva (2004). Embora este instrumento permita, pelas potenciali- dades aqui descritas, avaliar as necessidades especí cas dos sujeitos relativamente aos problemas que apresenta, quer estes se centrem na categoria de problemas que ocor- rem antes do início do processo de tomada de decisão, quer pertençam à categoria daqueles que ocorrem duran- te o processo, optou-se por utilizar uma medida geral, a indecisão, ou seja, a tendência geral para apresentar di culdades no processo de tomada de decisão. Assim, o instrumento utilizado é constituído por dois questionários: o primeiro, que inclui dados biográ cos, escolares e familiares, e o segundo, que constitui o ques- tionário de di culdades de tomada de decisão de carreira de Silva (2004). Na presente amostra, o instrumento apre- senta boa consistência interna com alpha de Cronbach en- tre 0,50 e 0,91 (Tabela 1) (Pocinho & Correia, 2009). Tabela 1 Consistência interna do Questionário de Di culdades de Tomada de Decisão F1 - Falta de informação sobre o processo F2 - Falta de autoconhecimento vocacional F3 - Falta de prontidão F4 - Informação inconsistente influenciada por terceiros F5 - Insegurança F6 - Percepções erróneas de carreira Escala completa Factores Alfa de Cronbach 0,90 0,85 0,66 0,70 0,69 0,50 0,91 Resultados Através do questionário 1 (Dados biográ cos, es- colares e familiares) veri cou-se que 65,2% dos alu- nos frequentaram o programa de Orientação Escolar e Pro ssional (OEP) no 9º ano de escolaridade, nas suas escolas. Cerca de metade frequentou até 50% das ses- sões e os restantes frequentaram o programa a 100%. Relativamente à questão Consideras que as sessões do programa te ajudaram a tomar uma decisão para a es- colha do teu percurso no ensino secundário?, 67,5% dos alunos considerou que pouco ou nada ajudou. Cerca de metade dos sujeitos procurou também orientação de carreira junto dos pais e familiares (51,7%), sendo de realçar que apenas 2,2% procurou ajuda junto do di- rector de turma (n = 14), cujo suporte foi considerado insigni cante. Cerca de metade dos alunos da amostra (49,2%) possui muitas di culdades de tomada de decisão de car- reira. Apenas sete (7) alunos (0,04%) não têm quaisquer problemas de tomada de decisão. Estas di culdades diminuem tendencialmente, embora não de forma esta- tisticamente signi cativa, à medida que a escolaridade aumenta. A grande maioria dos alunos já pensou qual a área em que gostaria de se especializar ou qual a ocupa- ção que gostaria de escolher (n = 1516; 78%). Os outros alunos, os que ainda não pensaram nesta questão, têm muitas di culdades de tomada de decisão de carreira (M = 160,37; D = 36,9). Os alunos que já se decidiram tem menos di culdades do que os colegas que ainda não o zeram (t = 13,03; p < 0,001). In uência do género Existem diferenças signi cativas entre rapazes e raparigas (Ȥ2 = 439,901; gl = 8; p = 0,000) no que res- peita à questão Consideras que as sessões do progra- ma te ajudaram a tomar uma decisão para a escolha no teu percurso no ensino superior?, sendo os primeiros (M = 2,70; D = 0,86) os que registam valores mais eleva- dos do que as segundas (M = 2,53; D = 0,833). O mesmo se veri ca relativamente à questão Até que ponto está con ante na sua escolha?, em que o sexo masculino (M = 6,32; D = 2,16) supera o feminino (6,06; D = 2,89) (t = 2,060; gl = 1593; p = 0,040). Veri caram-se diferenças signi cativas entre rapari- gas e rapazes nos factores 1, 3, 4 e 5 do Questionário de Di culdades de Tomada de Decisão de Carreira, sendo as alunas as que apresentam mais falta de informação sobre o processo (F1) e insegurança (F5). Os rapazes revelam mais falta de prontidão (F3) e informação inconsistente e in uenciada por terceiros (F4) (Tabela 2). 206 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 201-212 Tabela 2 Diferenças de género nas Di culdades de Tomada de Decisão de Carreira Tabela 3 Diferenças entre os alunos que frequentaram os programas de OEP e os que não frequentaram relativamente às Di culdades de Tomada de Decisão de Carreira In uência dos Serviços de Psicologia e Orientação (SPO) Relativamente à percentagem de frequência do pro- grama de OEP, apenas 362 o frequentaram a 100%. Os dados mostram que não há diferenças signi cativas entre os alunos que frequentaram este programa e os que o fre- quentaram apenas a 25% ou 50% em termos de tomada de decisão (teste Scheffe, p = 0,37). Da totalidade da amostra, apenas 756 frequentaram o programa de OEP, dos quais apenas 311 consideram que as sessões foram muito ou bastante úteis. Os restantes 425 alunos consideram-nas pouco ou nada relevantes. No en- tanto, os participantes que apreciaram positivamente estas sessões, têm menos di culdades de tomada de decisão do que os outros colegas (t = -3,48; p = 0,001). No entanto, não se encontraram diferenças signi cativas entre os alunos que frequentaram o programa de OEP e os que não frequenta- ram (F = 0,288; p = 0,16, com correcção de Levene). Dentro do grupo de alunos que tem boa percepção da e cácia do programa de OEP, as di culdades diminuem à medida que as habilitações dos pais aumentam. Em todos os níveis de habilitações literárias dos pais, as di culdades de tomada de decisão são inferiores à média, mas esse re- sultado é muito mais destacado nos pais com habilitação académica superior. Dos alunos que possuem uma percep- ção negativa da e cácia do programa, os lhos de pais com habilitação académica inferior apresentaram uma média de 150 pontos na escala, muito superior à média dos alunos lhos de pais com escolaridade básica obrigatória (9º ano) e de pais com 12º ano (ensino secundário), com 136 e 131 pontos, respectivamente. Assim, a in uência positiva do psicólogo dos SPO veri ca-se de forma signi cativa, apenas, na diminuição da falta de prontidão. Paradoxalmente, a frequência do programa de OEP aumentou signi cativamente a insegu- rança dos alunos (F5) (Tabela 3). F1 - Falta de informação sobre o processo F2 - Falta de autoconhecimento vocacional F3 - Falta de prontidão F4 - Informação inconsistente influenciada por terceiros F5 – Insegurança F6 - Percepções erróneas de carreira Factores Género M D p M F M F M F M F M F M F 4.2354 4.4545 3.6199 3.4980 2.9176 2.3267 3.2182 3.0182 4.5346 5.1981 5.2761 5.3022 1.69035 1.81702 1.62505 1.66265 1.73942 1.50857 1.73934 1.78331 2.02736 1.99640 1.60617 1.55742 0,008 0,117 0,000 0,015 0,000 0,722 F1 - Falta de informação sobre o processo F2 - Falta de autoconhecimento vocacional F3 - Falta de prontidão F4 - Informação inconsistente influenciada por terceiros F5 – Insegurança F6 - Percepções erróneas de carreira Factores OEP M D p Não Sim Não Sim Não Sim Não Sim Não Sim Não Sim 4.2866 4.4114 3.5078 3.6182 2.8041 2.5463 3.1370 3.0779 4.4853 5.0095 5.3602 5.3021 1.78303 1.74559 1.60628 1.67731 1.73135 1.62993 1.79998 1.73787 1.88214 2.17004 1.60596 1.58205 0,235 0,269 0,009 0,570 0,000 0,538 Pocinho, M. D., Correia, A., Carvalho, R. G., & Silva, C. (2010). Género, família e Orientação Vocacional 207 Tabela 4 Diferenças entre os alunos que tiveram suporte familiar e os que não tiveram qualquer ajuda na Tomada de Decisão de Carreira In uência da família Para melhor estudar a relação entre di culdades de tomada de decisão e in uência da família (pais), come- çou-se por analisar a relação entre o nível socioeconómico e a indecisão vocacional. Para tal, agruparam-se os dados das habilitações literárias dos pais em três grupos: pais que possuem a escolaridade obrigatória do seu tempo de estudante, onde foram incluídos os pais que não sabem ler nem escrever, sabem ler e escrever mas não terminaram o 1º ciclo do ensino básico, possuem o 1º ou o 2º Ciclo do Ensino Básico (Grupo 1); pais que possuem o 9º ou o 12º ano de escolaridade (Grupo 2), e pais que possuem bacharelato, politécnico ou formação universitária (Grupo 3). Tal como a média nacional portuguesa, cerca de 50% dos pais destes alunos estão incluídos no Grupo 1, ou seja, possuem o 6º ano ou menos como habilitações literárias. Aplicando o teste de Kruskall-Wallis, veri ca-se que, na globalidade da amostra, as di culdades de to- mada de decisão diminuem signi cativamente à medi- da que as habilitações dos pais aumentam (Ȥ2 = 7,083; gl = 2; p = 0,029). Veri caram-se diferenças de género signi cativas, no que respeita ao suporte dos pais e/ou familiares à tomada de decisão vocacional (Ȥ2 = 166,913; p = 0,000; gl = 20). São as raparigas as que mais recorrem aos pais (119 contra 78 rapazes), bem como a outros familiares e amigos. Os alunos cujos pais os ajudaram a escolher o curso foram os que mais consideraram bené ca a frequência do programa de OEP (Ȥ2 = 32,683; gl = 8; p = 0,000). Os alunos que tive- ram mais ajuda na decisão são os que mais frequentaram as sessões de OEP (n = 434) (Ȥ2 = 17,651; gl = 4; p = 0,001). Os que tiveram ajuda dos pais são os que também tiveram menos reprovações (Ȥ2 = 10,761; gl = 4; p = 0,029). Não se veri caram diferenças em função das habilitações dos pais entre os que pediram e os que não pediram apoio parental, pelo que as habilitações dos pais não interferem no facto de os lhos lhes pedirem ajuda ou não. Veri caram-se diferenças signi cativas na indecisão vocacional entre os alunos que tiveram suporte dos pais e aqueles que não tiveram qualquer ajuda familiar em todos os factores, excepto nos factores 2 e 3, sendo os primeiros aqueles em que as pontuações revelaram mais di culda- des de tomada de decisão de carreira (Tabela 4). F1 - Falta de informação sobre o processo F2 - Falta de autoconhecimento vocacional F3 - Falta de prontidão F4 - Informação inconsistente influenciada por terceiros F5 – Insegurança F6 - Percepções erróneas de carreira Factores SuporteFamiliar M D p Não Sim Não Sim Não Sim Não Sim Não Sim Não Sim 4.2478 4.5174 3.4950 3.6626 2.6157 2.6398 2.9059 3.2810 4.6134 5.0562 5.2447 5.4302 1.78828 1.70541 1.70038 1.57094 1.68792 1.61660 1.72934 1.75380 2.17572 1.96442 1.58203 1.58866 0,007 0,074 0,796 0,000 0,000 0,038 Discussão Metade dos alunos do Ensino Secundário tem, de fac- to, muitas di culdades de tomada de decisão de carreira, proporção que corresponde à percentagem de alunos que mudam de curso no 1.º ano do ensino superior em Portugal (Pocinho et al. 2007). O cenário aqui obtido, através do Questionário de Di culdades de Tomada de Decisão de Carreira, é con rmado pela resposta à questão Já conside- rou qual a área em que gostaria de se especializar ou qual a ocupação que gostaria de escolher?. Os que responde- ram não a esta questão apresentam enormes di culdades de tomada de decisão. Os que responderam sim também possuem di culdades, embora menos acentuadas. Os alu- nos que já decidiram qual o seu projecto de vida, estão razoavelmente con antes na sua escolha. Para além da análise das di culdades de tomada de decisão de carreira dos alunos do Secundário, pretendeu- se analisar, especi camente, a in uência da dimensão re- lacional dos alunos com os pais, professores (Directores 208 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 201-212 de Turma) e psicólogos (dos serviços de OEP) na indeci- são vocacional. A dimensão relacional com o psicólogo parece não demonstrar efeitos positivos na diminuição das di culdades da tomada de decisão de carreira, excepto na prontidão, que melhorou signi cativamente. Para além disso, mais de metade dos alunos que frequentaram o pro- grama tem uma percepção negativa da e cácia das sessões do mesmo, havendo alunos que aumentaram a insegurança face ao futuro pro ssional. Este resultado poderá ter sido desencadeado pelo confronto com demasiada informação, na ausência de um nível de desenvolvimento vocacional su cientemente diferenciado para a integração dessa mes- ma informação. Com efeito, a experiência prática dos au- tores com a implementação de programas de orientação vocacional revela que, para muitos alunos, a participação nos programas de orientação vocacional coincide pratica- mente com o início dos comportamentos de exploração vocacional, com carácter mais sistemático e intencional. Observa-se frequentemente, nas primeiras sessões dos programas de orientação vocacional, que, para a maioria dos alunos, os comportamentos de exploração de carreira efectuados até então são ainda pouco elaborados, realizados ao acaso e baseados em critérios muito pou- co diferenciados de análise das alternativas de educação/ formação, das pro ssões e do mundo do trabalho. Este contacto “brusco” com uma exploração vocacional mais diferenciada pode desencadear um estado de confusão e indecisão resultante do confronto com grandes quantida- des de informação que lhes apresentam um vasto leque de alternativas e condições para a elaboração de projectos vocacionais, sem que os alunos estejam su cientemente desenvolvidos do ponto de vista vocacional para integrar e articular toda essa informação. Por outras palavras, os comportamentos de exploração em que se envolvem não encontram suporte na sua estrutura de desenvolvimento vocacional, resultando assim numa percepção de di - culdade acrescida ao nível da capacidade de tomada de decisão sobre a carreira. Por outro lado, os jovens que acharam que o programa de OEP foi útil são os que têm menos di culdades de tomada de decisão. Estes alunos poderão ter-se envolvido de forma mais autónoma nas actividades de exploração e ter encontrado uma melhor correspondência entre essas actividades e o seu grau de preparação para integrar a informação obtida através da exploração. Estes resultados ilustram como a indecisão de carreira pode ser encarada quer como um factor quer como um resultado dos comportamentos de exploração de carreira (Jordaan, 1963). Dos sujeitos que frequentaram este programa, os ra- pazes são aqueles que mais valorizaram as sessões do pro- grama considerando que estas os ajudaram a tomar uma decisão relativamente ao seu percurso no ensino superior e os que estão mais con antes na sua futura escolha. Por outro lado, as alunas apresentam mais falta de informação sobre o processo de tomada de decisão e insegurança e os rapazes revelam mais falta de prontidão e informação inconsistente e in uenciada por terceiros. Estes dados já haviam sido identi cados por Taveira (citado por Faria, Taveira, & Saavedra, 2008), ao demons- trar que, aquando das actividades de exploração, as alu- nas evidenciam maior insegurança e valorizam mais o self (por exemplo, características pessoais como interesses, aptidões, valores), como fonte de exploração, do que os rapazes, o que condiciona a procura de outro tipo de in- formação (por exemplo, características das pro ssões e do mundo do trabalho). Para além disso esta maior insegu- rança estará subjacente a expectativas mais baixas rela- tivamente aos resultados da exploração, comprometendo o seu envolvimento na mesma e, assim, condicionando o seu processo de tomada de decisão. Em consonância com estas observações, já havia sido referido na literatura que as expectativas de auto-e cácia afectam mais as mulheres, limitando o âmbito dos comportamentos de exploração da carreira, assim como o processo geral de desenvolvimento vocacional (Betz & Fitzgeral, 1987; Farmer, 1985). As habilitações académicas superiores dos pais e o apoio da família surgem como variáveis que parecem ter in uência positiva na ajuda à tomada de decisão de carrei- ra. Tal como foi referido no enquadramento teórico, a fa- mília aparece com um dos factores contextuais mais estu- dados, assim como o seu papel fulcral no desenvolvimento da carreira dos alunos (Mau & Bikos, 2000; Crockett & Binghham, 2000). É notório que à medida que as habili- tações escolares dos pais aumentam, as di culdades di- minuem signi cativamente, mesmo no grupo de alunos que faz uma boa apreciação do programa de OEP. Estes resultados não são surpreendentes e apoiam o que tem sido referido na literatura acerca da in uência do estatuto sociocultural e económico dos pais, cujos principais indi- cadores são precisamente os níveis de educação e quali - cação pro ssional (Gonçalves & Coimbra, 2007). Como salientam estes autores, o estatuto sociocultural e econó- mico da família apresenta um valor preditivo do sucesso pro ssional, na medida em que in uencia as expectativas dos jovens face ao seu percurso formativo e ao mundo do trabalho, e, consequentemente, as atitudes e os comporta- mentos de exploração da carreira. Por exemplo, Hoffman, Goldsmith e Hofacker (1992) veri caram que os pais de níveis socioculturais e económicos mais elevados valori- zam mais a autonomia dos lhos e proporcionam experi- ências exploratórias que estimulam a competitividade, a independência e a assertividade. Pelo contrário, os pais de Pocinho, M. D., Correia, A., Carvalho, R. G., & Silva, C. (2010). Género, família e Orientação Vocacional 209 níveis socioculturais e económicos mais desfavorecidos, cujo sucesso pro ssional está mais dependente da confor- midade à autoridade, tendem a valorizar e a estimular mais as atitudes de obediência/subserviência na educação dos seus lhos, o que, por sua vez, condiciona as oportuni- dades de exploração vocacional e as suas expectativas de formação e sucesso pro ssional. As diferenças observadas entre o género feminino e masculino em termos de suporte dos pais e/ou familiares à tomada de decisão vocacional, dando conta que são as raparigas que mais recorrem aos pais, bem como a ou- tros familiares e amigos, também encontram suporte na literatura, por exemplo, em Faria e Taveira (2006) que veri caram que as raparigas recorrem mais a si próprias como fontes de informação na exploração de carreira, ou seja, incorrem mais em comportamentos de exploração do self, investindo mais em actividades de auto-conheci- mento no que diz respeito às experiências passadas, aos interesses e às aptidões. Os participantes cujos pais foram mais apoiantes na escolha do curso foram os que mais consideraram que o programa de OEP foi bené co e os que mais frequentaram as sessões daquele programa. Os alunos que tiveram su- porte dos pais, embora tenham ainda falta de informação, têm informação mais consistente e são menos in uenciá- veis, sentem-se mais seguros e possuem percepções mais adequadas de carreira. Este resultado ilustra a in uência bené ca do suporte social proporcionado pelos contextos familiares que valorizam os momentos de comunicação para a expressão e a partilha de sentimentos e experiên- cias, e que tentam garantir um suporte emocional seguro aos lhos (Young et al., 2003). Por m, na tentativa de veri car a in uência dos pro- fessores na tomada de decisão vocacional, veri cou-se que o papel destes é mínimo ou inexistente, uma vez que apenas 14 casos referiram o apoio do professor. Este resul- tado é preocupante e poderá estar a re ectir a insu ciência ou até ausência da desejável integração de objectivos de exploração vocacional no currículo das várias disciplinas especí cas, implementando-se assim uma melhor arti- culação entre a aprendizagem escolar e a aprendizagem vocacional (Pinto, Taveira, & Fernandes, 2003), e promo- vendo assim um papel mais activo por parte dos professo- res no processo de desenvolvimento vocacional (Mouta & Nascimento, 2008). Com base na discussão aqui apresentada, surgiram algumas recomendações que passam agora a ser apresen- tadas. Como primeira recomendação, será importante re- alizar um trabalho que promova, cada vez mais, a relação alunos-pais, principalmente a relação com os pais com fracas habilitações académicas. Sugere-se, por exemplo, a estimulação da parceria entre família e a escola, através da realização de sessões de sensibilização/formação aos pais, no âmbito dos programas de orientação vocacional, para apresentação e discussão de estratégias parentais de apoio ao processo de tomada de decisão vocacional dos lhos. Este trabalho deverá ser realizado tanto pelos psicólogos escolares, como pelos professores/Directores de Turma e demais agentes educativos. Paralelamente, é também importante a contínua mo- bilização de esforços por parte das entidades governamen- tais portuguesas para a promoção do desenvolvimento sociocultural da população mais carenciada, investindo no aumento dos níveis de escolaridade e de quali cação pro ssional, assim como na promoção do contacto com actividades e experiências culturais. A segunda recomendação será que se faça uma aná- lise do papel dos psicólogos que dinamizam os programas de OEP e veri car: (1) por que é que há tão pouca adesão aos mesmos, (2) porque é que não há diferenças ao nível indecisão de carreira entre os alunos que frequentam este programa e os que não o frequentam, e (3) porque é que há percepção negativa das sessões destes programas. A di- mensão relacional psicólogo-aluno não estará a ser descu- rada pelos próprios responsáveis pelos programas de OEP? A re exão desencadeada por estas questões permite-nos avançar com algumas tentativas de resposta, que por sua vez deverão ser alvo de investigação subsequente. Assim, relativamente à pouca adesão aos programas e à percepção negativa das sessões, os baixos níveis de desenvolvimento vocacional observados na maioria dos alunos que come- çam a frequentar os programas de orientação no 9º ano, actuam, à partida como um factor de risco para o abando- no precoce desses programas. Provavelmente, a natureza e as exigências das actividades propostas nos programas não encontram suporte na estrutura de desenvolvimento vocacional desses alunos, que, dessa forma, não sentem a participação nos programas como uma necessidade de desenvolvimento, o que condicionará de forma signi ca- tiva a e cácia dos programas assim como a percepção de utilidade dos mesmos por parte dos alunos. Esta possível falta de sintonia entre as características dos programas e as necessidades da população alvo dos mesmos apela para a necessidade da contínua adequação dos programas às características dos participantes ao longo da sua imple- mentação, por oposição à perspectiva do programa como receita, igual para todos. A terceira recomendação é que se repense o papel re- lacional dos professores do 9º ano de escolaridade, papel este que aparece quase insigni cante na escolha do curso que os alunos frequentam actualmente. Para além da reali- zação de acções de formação de professores no âmbito da 210 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 201-212 OEP numa perspectiva relacional e educativa, transversal e instrumental para o futuro pessoal, académico e pro s- sional de qualquer aluno, será importante a realização de um trabalho de consultoria por parte dos psicólogos esco- lares junto dos professores de modo a potenciar o seu pa- pel de interlocutores na construção dos projectos vocacio- nais dos alunos (Mouta & Nascimento, 2008). Uma forma de estimular esta parceria poderá ser o estreitar da relação psicólogo escolar-Director de Turma. Por último, dever- se-á investir na mobilização e sensibilização de todos os professores para a problemática da dimensão relacional na tomada de decisão de carreira dos alunos do 9.º ano (ou ainda melhor, antes da frequência deste nível de escolari- dade, preferencialmente ao longo da vida dos alunos). Uma quarta recomendação relaciona-se com a lo- so a dos programas de OEP em Portugal, que deverá ser também alvo de re exão. O ideal seria a contemplação da dimensão relacional e afectiva da problemática da to- mada de decisão de carreira nas actividades incluídas nos programas de orientação vocacional e que estes progra- mas se desenvolvessem ao longo da vida dos indivíduos, iniciando-se o mais precocemente possível, e abrangendo o Ensino Secundário e o Ensino Superior Para nalizar, seria recomendável que, no âmbito das políticas educativas, o apoio aos processos de tomada de decisão de carreira fosse encarado como um valor central da cultura do trabalho, numa perspectiva de desenvolvi- mento ao longo da vida. Dependendo do grau e tipo de relação que é estabelecido com os alunos, os agentes edu- cativos e as entidades políticas e governamentais deverão continuamente envidar esforços no sentido de os ajudar de forma cada vez mais efectiva e e caz neste difícil, incerto e confuso futuro que caracteriza a sociedade pós-moderna na conhecida e inevitável aldeia global. Referências Abreu, M. V. (1996). Pais, professores e psicólogos: Contributos para uma prática relacional nas escolas. Coimbra, Portugal: Coimbra Editora. Almeida, L. S. (2005). Nota Prévia. In M. C. Taveira (Ed.), Psicologia escolar: Uma proposta cientí co-pedagógica (pp. 15-16). Coimbra, Portugal: Quarteto. Betz, N., & Voyten, K. (1997). Ef cacy and outcome expectations’ in uence on career exploration and decidedness. The Career Development Quarterly, 46, 179-189. Betz, N., & Fitzgerald, L. F. (1987). The career psychology of women. London: Academic Press. Bratcher, W. E. (1982). 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Armando Correia é licenciado em Psicologia pela Universidade de Coimbra, psicólogo na Divisão de Apoio Psicológico e de Orientação Escolar e Pro ssional da Secretaria Regional de Educação e Cultura da Madeira; Professor convidado da Universidade da Madeira. Renato Gil Carvalho é licenciado em Psicologia pela Universidade de Lisboa, Mestre em Educação pela Universidade Aberta e Doutorando em Avaliação Psicológica pela Universidade de Lisboa, Professor convidado da Universidade da Madeira, psicólogo escolar na Secretaria Regional de Educação e Cultura da Madeira, Portugal, Presidente da Associação Educação & Psicologia. Carla Silva é licenciada em Psicologia pela Universidade de Lisboa, Portugal, psicóloga escolar na Secretaria Regional de Educação e Cultura da Madeira, Portugal, Vice-Presidente da Associação Educação & Psicologia. 213 Avaliação de um programa de educação para a carreira: Um projecto de natureza exploratória Disponível em http://pepsic.bvs-psi.org.br/rbop Revista Brasileira de Orientação Pro ssional jul.-dez. 2010, Vol. 11, No. 2, 213-218 Artigo Maria Odilia Teixeira1 Inês Calado Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal Resumo O estudo examina os primeiros resultados de um programa de educação para a carreira em estudantes do 9º ano, considerando (a) a fundamentação teórica, (b) os objectivos, (c) as estratégias, (d) os procedimentos, (e) os resultados. A conclusão enfatiza a necessidade de práticas educativas da orientação possuírem uma natureza abrangente, e a perspectivarem de forma integrada o desenvolvimento de competências vocacionais, a promoção do sucesso académico e o bem-estar na comunidade educativa. Palavras-chave: educação para a carreira, avaliação de programas, competências vocacionais Abstract: Evaluation of a career educational program: An exploratory project This study examines the rst results of a career guidance program for students in the 9th grade, at two Portuguese schools, considering (a) the theoretical framework, (b) objectives, (c) strategies, (d) procedures and (e) results. The conclusion emphasizes the need for educational guidance practices to have a comprehensive nature in order to integrate the development of vocational skills, promotion of academic success and wellbeing in the educational community. Keywords: career education, program evaluation, vocational skills Resumen: Evaluación de un programa de educación para la carrera: Un proyecto de naturaleza exploratoria El estudio examina los primeros resultados de un programa de orientación para la carrera para estudiantes del 9º año considerando (a) la fundamentación teórica, (b) los objetivos, (c) las estrategias, (d) los procedimientos y (e) los resultados. La conclusión enfatiza la necesidad de que las prácticas educativas de la orientación tengan una naturaleza abarcadora, de modo que busquen de forma integrada el desarrollo de competencias vocacionales, la promoción del éxito académico y el bienestar en la comunidad educativa. Palabras clave: educación para la carrera, evaluación de programas, competencias vocacionales 1 Endereço para correspondência: Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade, 1649-013, Lisboa, Portugal. Fone: 351 21 7943600. E-mail: odilia@fp.ul.pt No âmbito educacional, a re exão sobre as inter- venções psicológicas no domínio da orientação é oportu- na e actual, por razões de ordem cientí ca, social e polí- tica. Entre as razões cientí cas, destaca-se a necessidade de analisar os paradigmas teóricos face às características dos clientes, salientando-se também a pertinência da sua avaliação perante os actuais contextos de trabalho e de formação, e esta circunstância tem óbvias implicações 214 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 213-218 na formação dos psicólogos educacionais. Nos dias de hoje, as questões da orientação estão inscritas em fe- nómenos como o abandono e o insucesso escolar, o de- semprego, a multiculturalidade e um certo niilismo face à educação, emergente em alguns grupos da sociedade portuguesa, nomeadamente nas populações com baixos níveis de quali cação. Por outro lado, as transformações vividas na escola, no trabalho e no sistema de quali - cação colocam questões muito especí cas nas relações pessoa/sociedade, que conduzem à indispensabilidade dos sistemas teóricos considerarem o desenvolvimento da carreira, num quadro conceptual, que permita associar orientação, educação e trabalho. Neste propósito, consi- dera-se que o referêncial sócio-cognitivo é prometedor, do ponto de vista dos conceitos e da fundamentação das práticas alicerçadas em princípios da aprendizagem e da mudança (Teixeira, 2008). As concepções sócio-cognitivas de autores como Bandura (2007), Krumboltz (1996) e Lent, Brown e Hackett (1996) entre outros, centram as questões da orientação numa abordagem integrada das dimensões educativas e vocacionais, que frequentemente são tratadas em separado. Especi camente, para a intervenção educativa da orientação, o paradigma sócio-cognitivo considera o desenvolvimento vocacional, tomando em consideração os aspectos básicos da formação dos interesses e da escolha e a construção das representações pessoais enquanto estudantes e trabalha- dores. A construção das crenças que formam a identidade psico-social é alicerçada nas experiências dos estudantes, desde os primeiros anos de aprendizagem e nas ligações que vão sedimentando entre os processos de aprendizagem e o trabalho (Watts, Guichard, Plant, & Rodrigues, 1994). Atendendo à prática da orientação, segundo os prin- cípios de educação da carreira (Guichard, 2001; Huteau, 2001), autores como Gysbers (2004, 2008) e Lapan e Kosciulek (2001) apresentam uma visão abrangente do ponto de vista das perspectivas teóricas, dos objectivos e dos recursos. A intervenção é equacionada como um plano programático e estratégico, dirigida a toda a co- munidade escolar, nomeadamente aos estudantes dos diferentes níveis de ensino, à família e aos professores. Esta concepção de educação da carreira implica também a preocupação de resultados mensuráveis, em termos do rendimento escolar dos estudantes, isto sem colocar em causa as nalidades últimas a alcançar, de natureza de- senvolvimentista e de bem-estar. Neste cenário, por um lado, a orientação assume um papel crucial na preparação das escolhas pro ssionais individuais ao longo da vida, perspectivando o trabalho como um dos meios mais relevantes de cada pessoa alcan- çar a realização pessoal, e, por outro lado, os serviços de orientação têm uma inquestionável missão de natureza so- cial, assegurando igualdade de oportunidades, no âmbito da democratização do ensino. A organização institucional dos serviços de orientação traduz a visão estratégica dos recursos humanos de um país, na forma como estão inse- ridos nos contextos da educação e do emprego e no grau de facilidade com que chegam aos seus destinatários, no- meadamente aos grupos com maiores carências do ponto de vista social. Pelas razões invocadas, advém a importância da visi- bilidade das intervenções. Esta passa, em muito, pelos as- pectos da avaliação, que proporcionam ao pro ssional da orientação elementos para aperfeiçoar as intervenções e, simultaneamente, facultam indicadores do impacto do seu trabalho, que devem ser transmitidas a todos os agentes educativos, de modo preciso e claro. A objectividade dos dados valida a qualidade das intervenções, sendo este o melhor argumento para consolidar o domínio da Psicologia da Orientação na comunidade educativa e social. De acordo com os pressupostos cientí cos enuncia- dos, nesta investigação as questões da avaliação reportam- se ao Programa de Planeamento da Carreira para jovens do 9º ano de escolaridade (Calado, 2009), no qual se adopta uma perspectiva de desenvolvimento vocacional abrangente, tomando em conta as características dos es- tudantes e do actual mundo do trabalho. No referencial teórico sócio-cognitivo (Lent et al., 1996) salientam-se as dimensões de re exividade, de auto-e cácia, de objecti- vos, de interesses, de competências e de experiências, e todos estes conceitos são inscritos numa concepção desen- volvimentista (Super, 1963, 1990) em termos das tarefas vocacionais da fase de exploração e respectivos processos da cristalização do projecto vocacional. A re exão sobre o modo como o programa é concebido no seio da comuni- dade é ainda um ponto central deste trabalho, pois apesar de o estudante continuar a ser o “objecto” prioritário da intervenção, esta é também dirigida à família e à comu- nidade, promovendo a participação activa dos pais e de outros agentes formativos e sociais. Método O objectivo geral do programa consubstancializa o desenvolvimento das competências vocacionais, nomea- damente do planeamento da carreira, da exploração e do conhecimento centrado na pessoa e nos outros (Seligman, 1994), bem como pretende promover a re exividade e a autonomia para a decisão. Em termos de objectivos voca- cionais, é ainda de grande relevância atender às dimensões motivacionais, no âmbito das quais os jovens equacionam a escolha vocacional na construção do seu projecto de Teixeira, M. O., & Calado, I. (2010). Avaliação de um programa de educação para a carreira 215 vida. O programa visa ainda fomentar condições facilita- doras de sucesso e bem-estar, envolvendo não só os alu- nos mas toda a comunidade educativa, designadamente os pais, professores e outras instituições representativas. A realização do programa envolve doze sessões, cujas temáticas incluem: (a) a identi cação do problema da esco- lha e das expectativas dos estudantes perante a intervenção, (b) a análise dos percursos pessoais e a respectiva identi- cação dos factores que determinam os acontecimentos signi cativos, (c) o auto-conhecimento, nomeadamente nas dimensões dos interesses, das crenças e das competências, (d) a informação sobre as alternativas de formação após o 9º ano, (e) a informação sobre emprego e o mercado de traba- lho, (f) a integração de todos os dados, numa síntese pessoal face a um projecto de carreira e de vida. Na organização do programa, destaca-se que no iní- cio foi realizada uma sessão sobre a informação das alter- nativas de formação após o 9º ano, para os estudantes e para os pais e encarregados de educação. Esta sessão con- junta, para pais e lhos, propiciou uma oportunidade para fomentar a comunicação entre pais e lhos, e justamente envolver a família no processo de desenvolvimento dos alunos, contribuindo para uma efectiva participação dos pais no mundo escolar dos seus lhos. O programa contou ainda com uma sessão realizada pelo Instituto de Emprego e Formação Pro ssional (IEFP), dirigida aos estudantes, sobre as informações relativas às oportunidades de formação quali cante e às condições de empregabilidade, no mundo do trabalho actual. Na generalidade, os temas desenvolvidos neste pro- grama convergem com os conteúdos presentes na maioria dos programas para adolescentes, nesta fase de desenvol- vimento, de que se destacam os dos autores portugueses como “Programa de Desenvolvimento da Carreira (POC)” (Ferreira Marques et al., 1996), o “Futuro Bué” (Faria, 2008; Faria & Taveira, 2006), o “Construir o Futuro” (Pinto, 2002) e o “Do sonho ao projecto” (Paixão & Silva, 2010). É ainda referência o programa australiano “Career Choice Cycle Course (CCCC) (Prideaux, Patton, & Creed, 2002), que incorpora a teoria sócio-cognitiva. Nas estratégias seleccionadas, destaca-se a priorida- de atribuída aos exercícios sobre as experiências, no sen- tido de que são um meio re exivo sobre o conhecimento pessoal. De salientar também a preocupação sobre uma real articulação com os pais, com os professores e com as instituições da comunidade. Participantes Os participantes são 53 alunos do 9º ano de escolari- dade, do ensino regular de duas escolas do Alentejo, sendo 37 (70%) do sexo feminino e 16 (30%) do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 14 e 18 anos (média 14,38). Procedimentos de avaliação No propósito de avaliar as mudanças operadas pela intervenção, foi elaborada uma Checklist (Teixeira & Calado, 2010), cujos conteúdos representam as compe- tências vocacionais e sociais exigidas na transição do 9º ano (Tabela 1). Teoricamente, este instrumento coloca os estudantes a re ectirem sobre os aspectos relevantes para a construção do seu projecto de carreira na vida, nomeadamente na con ança que sentem para lidar com a transição do 9º para o 10º ano, numa perspectiva de serem eles mesmos a regularem e a monitorizarem o pro- cesso. Este instrumento foi previamente analisado num estudo piloto. A versão nal contém 22 itens com forma- to de resposta tipo Likert, com uma amplitude de cinco pontos, em que 1 corresponde a “nada con ante” e 5 a “muito con ante”. Na preocupação de alargar o âmbito da avaliação, consideram-se ainda os indicadores obtidos na reunião de pais e encarregados de educação, ainda que de uma forma bastante mais generalista do que o realizado no procedi- mento anterior. Resultados A Tabela 1 contém os resultados do questionário, incluindo as médias e os desvios-padrão, com a respecti- va comparação das diferenças entre as médias no início e no nal do programa (teste t). Nos resultados, constata- se que em 18 dos 22 itens emergem diferenças estatis- ticamente signi cativas entre as médias. Estes índices demonstram mudanças nos domínios do desenvolvimen- to pessoal, especi camente nas áreas do auto-conheci- mento, do planeamento pessoal, da informação sobre as alternativas de formação e das opções pro ssionais, e sugerem que a intervenção teve impacto no domínio do relacionamento familiar. Por outro lado, os itens cujas diferenças não apresentam signi cado estatístico repre- sentam temáticas relacionadas com a pressão dos colegas nas escolhas, a relação entre as oportunidades pro ssio- nais e as probabilidades de emprego e a associação entre as actividades de tempos livres e os objectivos pro ssio- nais. Estes dados sugerem que a intervenção poderá/ de- verá aprofundar estes conteúdos, designadamente quanto à necessidade de incorporar no programa dados sobre as estratégias que podem ser adoptadas, face aos problemas das di culdades de emprego. 216 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 213-218 Tabela 1 Médias, desvios-padrão dos resultados na 1ª e 2ª aplicação: razão crítica das diferenças entre as médias 1. Identificar os meus pontos fortes e os meus pontos fracos 2. Conversar com os meus pais sobre o meu futuro profissional 3. Identificar as profissões que posso desempenhar no futuro com sucesso 4. Identificar as tarefas que as pessoas fazem nas diferentes profissões 5. Relacionar o meu rendimento escolar com os meus objectivos pessoais 6. Identificar em que medida a pressão dos colegas pode influenciar as minhas escolhas 7. Relacionar as actividades escolares com os meus objectivos profissionais 8. Identificar as diferentes alternativas após o 9ª ano 9. Identificar as exigências de cada uma das alternativas de formação 10. Avaliar as alternativas de formação de acordo com as minhas características pessoais 11. Avaliar as alternativas de formação de acordo com características actuais do mercado de trabalho 12. Conversar com os meus colegas da escola sobre os meus objectivos pessoais e profissionais 13. Relacionar o meu trabalho escolar com as alternativas de formação 14. Identificar as profissões que posso seguir considerando os meus interesses 15. Identificar as profissões que posso seguir considerando as minhas capacidades 16. Identificar as profissões a seguir considerando os meus hábitos de estudo 17. Identificar as oportunidades profissionais com maior probabilidade de emprego 18. Identificar as principais saídas profissionais na região onde resido 19. Relacionar as minhas experiências de vida com as escolhas profissionais 20. Relacionar os meus projectos de vida com os meus objectivos profissionais 21. Relacionar as actividades de tempos livres com os meus objectivos profissionais 22. Identificar quais os aspectos a que devo atender para tomar decisões Total Itens 1ª/2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª M D-P t 3,15 3,57 3,68 3,98 3,11 3,57 3,13 3,61 3,32 3,81 3,19 3,47 3,49 3,89 3,15 3,98 3,11 3,62 3,28 3,62 3,11 3,49 3,70 4,00 3,11 3,72 3,72 3,96 3,36 3,91 3,26 3,67 3,47 3,57 2,98 3,43 3,17 3,51 3,40 3,72 3,30 3,55 3,00 3,57 72,39 80,50 ,81 ,77 1,20 1,09 ,85 ,83 ,69 ,86 ,75 ,95 1,08 ,91 ,80 ,81 ,93 ,87 ,84 ,71 ,71 ,85 ,96 ,80 ,99 ,96 ,84 ,83 1,08 ,83 1,03 ,85 ,83 ,90 ,93 ,72 1,01 ,93 ,82 ,80 ,95 ,77 1,04 ,78 ,81 ,83 12,40 13,01 3,15** 2,97* 2,97* 3,76*** 4,04*** 3,26** 6,05*** 3,97*** 2,86** 2,65* 2,31* 4,27*** 3,81*** 3,48** 2,89** 2,55* 2,28* 4,48*** 5,84*** *** < 0.001 ** < 0.01 * < 0.05p p p Teixeira, M. O., & Calado, I. (2010). Avaliação de um programa de educação para a carreira 217 Considerando a reunião dos pais, cerca de 40% es- tiveram presentes na sessão realizada no início do pro- grama. Apesar de a a uência ser relativamente baixa, na nossa perspectiva esta participação é expressiva do envol- vimento da família, tendo em conta que nas escolas o - ciais portuguesas poucos pais cooperam na vida escolar dos seus lhos. Conclusões Apesar da natureza experimental do programa, os re- sultados obtidos indicam que a intervenção cumpriu, em grande medida, os objectivos estabelecidos, registando-se mudanças no âmbito das competências exigidas na esco- lha vocacional. A tendência destes resultados permite ainda inferências quanto à pertinência dos modelos sócio-cogniti- vos, que colocam o desenvolvimento vocacional em estrei- ta relação com as aprendizagens sociais e reforçam a ideia de que a e cácia das intervenções passa, em larga medida, pelas acções concertadas com os diferentes agentes educa- tivos. Apesar da intervenção da orientação ser direccionada para as competências no domínio vocacional, as acções não podem perder de vista o desenvolvimento integral do aluno e as especi cidades dos contextos em que este acontece. Sublinham-se as vantagens de se realizar logo no início da intervenção uma sessão conjunta para pais e - lhos, o que pode catalisar a comunicação familiar e fazer a diferença no envolvimento da família no processo de orientação, sem colocar em causa a autonomia do ado- lescente, mas, pelo contrário, contribuindo para melhorar as condições do seu fortalecimento. O envolvimento das famílias nas intervenções proporciona aos jovens um con- texto “securizante” (Gonçalves, 2008). Neste programa, foi feita a ligação com as institui- ções do emprego exteriores à escola, através de uma ses- são de informação que proporcionou aos estudantes uma perspectiva mais realista do mundo laboral e permitiu uma aproximação da escola ao mundo real. A utilização de to- dos estes meios cria sinergias e potencializa a e cácia da intervenção, aproximando expectativas e objectivos dos diferentes agentes educativos. Os dados da avaliação demonstram também que o programa pode ser aperfeiçoado em algumas das suas componentes, nomeadamente na ligação à dimensão da empregabilidade. Nesta fase do programa, as componen- tes da participação dos professores, dos pais e da comuni- dade exterior tiveram uma natureza pontual, devendo-se, em futuras versões, estabelecer um plano para que estas acções sejam alargadas e aprofundadas. Neste sentido, te- ria sido ainda oportuno realizar uma reunião com os pais e os professores no nal do programa e usar procedimentos mais objectivados para atender ao impacto da intervenção nos sistemas escolar e familiar. No caso português, a necessidade de implementar práticas integradas na comunidade educativa e social co- loca um especial enfoque de fortalecer os vínculos com instituições exteriores à escola, nomeadamente as ligadas à formação e ao emprego, o que permite conjugar recursos e potenciar o desenvolvimento das pessoas, das institui- ções e dos países. Referências Bandura, A. (2007). Adolescent development from an agentic perspective. In T. Urdan & F. Pajares (Eds.), Self-ef cacy beliefs of adolescentes (pp. 1-43). Charlotte, NC. Recuperado em 30 Janeiro 2007, de http://www.des.emory.edu/ mfp/001-BanduraAdoEd2006.pdf Calado, I. (2009). Um programa de planejamento da carreira para estudantes do 9º ano de escolaridade. Dissertação de Mestrado não publicada, Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, Lisboa. Faria, L. (2008). A e cácia da consulta psicológica vocacional de jovens. Estudo do impacto de uma intervenção. E cácia da consulta. 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Recebido: 22/02/2010 1ª Revisão: 08/07/2010 2ª Revisão: 13/08/2010 Aceite Final: 19/08/2010 Sobre as autoras Maria Odilia Teixeira é Doutora em Psicologia pela Universidade de Lisboa, Docente de Pós-graduação na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, investigadora do Centro de Investigação em Psicologia, da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Colabora com outras universidades portuguesas no âmbito dos estudos pós-graduados e, desde 2007, colabora com a Universidade de São Paulo, Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filoso a, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, no âmbito dos estudos pós-graduados e da investigação (Convênio CAPES/ GRICES). Inês Calado é Mestre em Psicologia pela Universidade de Lisboa e psicóloga de um Serviço de Psicologia e Orientação numa escola da rede do ensino público português. 219 Psicologia Escolar e Orientação Profissional: Fortalecendo as convergências Disponível em http://pepsic.bvs-psi.org.br/rbop Revista Brasileira de Orientação Pro ssional jul.-dez. 2010, Vol. 11, No. 2, 219-228 Artigo Tatiana Oliveira de Carvalho1 Instituto Geist, São Luís-MA, Brasil Claisy Maria Marinho-Araujo Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil Resumo Este estudo defende que a Orientação Pro ssional é um campo de atuação relevante em Psicologia Escolar. Concebe a instituição educativa, preferencialmente a escolar, como o espaço privilegiado em que este trabalho deve se organizar, a partir da interface Psicologia e Educação. Faz um breve resgate histórico dos avanços teórico-metodológicos presenciados nas últimas décadas, no Brasil, tanto na área da Psicologia Escolar quanto no campo da Orientação Pro ssional, elucidando a possibilidade de convergência entre ambas na constituição de uma perspectiva de atuação que almeje a promoção do desenvolvimento da carreira e a construção da cidadania, fundamentada nos princípios da educação para a carreira. Palavras-chave: psicologia escolar, orientação pro ssional, educação para a carreira Abstract: School Psychology and Career Guidance: Strengthening the convergence This paper supports the idea that Career Guidance is a relevant eld in School Psychology. It conceives the educational institution – preferably the school – as a privileged space in which that role must be played through the use of both Psychology and Education. The paper brie y describes the theoretical-methodological advancements that occurred in the last decades in both School Psychology and Career Guidance.Thus, it proposes the possibility of convergence of the two areas to constitute a perspective of a course of action aiming at the promotion of career development and the construction of citizenship, based on career education principles. Keywords: school psychology, career guidance, career education Resumen: Psicología Escolar y Orientación Profesional: Fortaleciendo las convergencias Este estudio de ende que la Orientación Profesional es un campo de actuación relevante en Psicología Escolar. Concibe la institución educativa, preferentemente la escolar, como el espacio privilegiado en que este trabajo debe organizarse a partir del intercambio en Psicología y Educación. Hace un breve rescate histórico de los avances teórico-metodológicos presenciados en las últimas décadas, en Brasil, tanto en el área de la Psicología Escolar como en el campo de la Orientación Profesional, dilucidando la posibilidad de convergencia entre ambas en la constitución de una perspectiva de actuación que busque la promoción del desarrollo de la carrera y la construcción de la ciudadanía, fundamentada en los principios de la educación para la carrera. Palabras clave: psicología escolar, orientación profesional, educación para la carrera 1 Endereço para correspondência: Av. Atlântica, qd. 03, cs. 07, Olho d’Água, 65.067-430, São Luís-MA, Brasil. Fone: 98 91289660. E-mail: tatiana@institutogeist.com.br 220 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 219-228 A Psicologia Escolar e a Orientação Pro ssional no Brasil têm passado por signi cativas transformações em seus fundamentos teórico-metodológicos, o que vem pos- sibilitando que em ambas as áreas se estabeleçam interven- ções cada vez mais focadas na promoção do desenvolvi- mento humano e na construção da cidadania. A concepção de intervenção do psicólogo escolar aqui defendida traz à luz a pertinência de se tomar a Orientação Pro ssional como um campo relevante de sua atuação. Defende-se que se fortaleçam as convergências entre as duas áreas, pro- pondo-se que, para isso, o psicólogo escolar fundamente- se nos princípios da educação para a carreira. Na primeira seção do artigo, faz-se uma contextuali- zação da Psicologia Escolar brasileira, demonstrando suas recentes revisões críticas e ampliação das perspectivas de atuação. Na segunda seção, traça-se um breve histórico da Orientação Pro ssional no Brasil, enfatizando-se os avan- ços que hoje ainda se fazem necessários para que esta seja cada vez menos restritiva e assuma um caráter genuina- mente educativo. Em seguida, na terceira seção, aborda-se a Orientação Pro ssional como campo de atuação do psi- cólogo escolar, para, na quarta seção, aprofundar-se essa discussão, apontando para a necessidade de fortalecimen- to das convergências entre essas duas áreas. Contextualizando a Psicologia Escolar brasileira A Psicologia Escolar é uma área de produção de co- nhecimentos, pesquisa e intervenção de psicólogos que atuam em estreita relação com o campo educativo. Tida como uma das mais antigas áreas da Psicologia, já men- cionada na Lei Federal nº 4.119/62, que regulamenta a pro ssão de psicólogo no Brasil, veio sofrendo profundas transformações paradigmáticas nas últimas décadas. Caracterizou-se, inicialmente, por práticas que foca- vam a avaliação e o atendimento de indivíduos, servindo muitas vezes à mera classi cação, estigmatização e nor- malização dos sujeitos. A partir da década de 1970, porém, surgiram fortes críticas e questionamentos quanto a seu pa- pel na transformação do cenário educacional. Identi cou- se que, ao atuar na escola, o psicólogo escolar acabava por corroborar a ideia de culpabilização do aluno nos con itos surgidos nesse contexto, quer estes se referissem a di cul- dades no processo de ensino-aprendizagem, a problemas comportamentais ou a problemáticas relacionadas ao de- senvolvimento da carreira, sem considerar as dimensões sócio-culturais e históricas neles implicadas. A década de 1980 foi marcada por re exões críticas e reformulações nos pressupostos teóricos e metodológi- cos da Psicologia Escolar, o que possibilitou que, espe- cialmente na década de 1990, fossem elaboradas novas propostas de atuação do psicólogo nos meios educacio- nais. Um novo paradigma estava surgindo, expresso na ideia de que esse pro ssional deveria estar inserido na educação não mais como um mero perpetuador das con- cepções e práticas educacionais vigentes, mas sim como um agente de transformação, incentivador de processos re exivos que levassem à ressigni cação de saberes e fa- zeres dos educadores. Da década de 1990 aos anos 2000, a bibliogra a de Psicologia Escolar foi ampliada, apontando para possibi- lidades críticas e inovadoras de atuação, na promoção do desenvolvimento humano. Tende-se a conceber a abran- gência institucional e o caráter transformador do trabalho do psicólogo, afastando-o de uma perspectiva curativa ou de mera solução de problemas (Correia & Campos, 2004; Cruces, 2003; Marinho-Araujo & Almeida, 2005; Meira & Antunes, 2003). Essa tendência está expressa no relatório que sintetiza as discussões realizadas por psicólogos de todo o Brasil, entre os anos de 2008 e 2009, que culminaram, neste últi- mo ano, no Seminário Nacional do Ano da Educação, pro- movido pelo Sistema Conselhos de Psicologia (Conselho Federal de Psicologia, 2009). O referido documento propõe diversos encaminhamentos, considerando como prioridade a construção de uma atuação pro ssional comprometida com a inclusão social, que rompa com concepções e práti- cas classi catórias, fragmentadas e individualizantes. Dentre outros aspectos, são ressaltados: a importân- cia da dimensão institucional do trabalho do psicólogo na educação formal e não formal; o compromisso com as funções sociais da escola de possibilitar o acesso aos bens culturais construídos pelo homem ao longo de sua história e de promover a autonomia dos indivíduos; o trabalho na perspectiva de projetos coletivos e contextualizados com os atores do cenário escolar/educacional; a necessidade de apropriação da dinâmica da escola e intervenção de forma interdisciplinar; o exercício da Psicologia Escolar/ Educacional como conjunto de práticas fortalecedoras de pessoas e grupos, agregando todos os que fazem parte da comunidade escolar; a consideração da dimensão subje- tiva, sem reduzi-la a uma perspectiva individualizante, afastando-se do modelo clínico; a importância de conec- tar-se com o saber dos alunos, sua vida, suas necessidades, de modo a oferecer uma educação que cumpra sua função social (Conselho Federal de Psicologia, 2009). Tais princípios são assumidos na visão de Psicologia Escolar aqui adotada. O que se defende coaduna-se ao que Marinho-Araujo e Almeida (2005) chamam de atu- ação institucional preventiva em Psicologia Escolar, que reconhece como objetivo central do psicólogo a promo- ção do desenvolvimento humano, considerando-o como Carvalho, T. O., & Marinho-Araujo, C. M. (2010). Psicologia Escolar e Orientação Pro ssional 221 um processo complexo, constituído pela interação contí- nua de fatores internos e externos ao indivíduo, em que a troca de signi cados entre sujeitos que interagem em um determinado contexto tem papel de nidor. Daí as autoras enfatizarem as relações sociais como o foco principal de análise e intervenção do psicólogo escolar. Nessa ótica, sua intervenção é entendida como dinâ- mica, participativa e sistemática. Uma grande diversidade de ações pode ser realizada, de acordo com as demandas especí cas de seu contexto de atuação, no sentido de pro- porcionar a construção de relações sociais propícias ao desenvolvimento dos atores institucionais, nas quais os sujeitos assumam um papel ativo, consciente e crítico. A atuação do psicólogo escolar, segundo Marinho-Araujo e Almeida (2005), deve ancorar-se em quatro dimensões in- terrelacionadas: (a) mapeamento institucional, (b) escuta psicológica, (c) assessoria ao trabalho coletivo, (d) acom- panhamento ao processo ensino-aprendizagem. O mapeamento institucional é um conjunto de ações voltadas à investigação, análise e re exão sobre o con- texto institucional, que cria subsídios para compreensão dessa realidade e para a intervenção do psicólogo esco- lar. Utiliza-se de análise documental, entrevistas, obser- vações, grupos de re exão e outros. Acompanha todo o processo de intervenção, mas tem seus momentos de “pico”, como na chegada do psicólogo escolar à institui- ção. Busca-se, através do mapeamento: investigar e evi- denciar convergências, con itos e contradições entre as práticas educativas e os discursos dos sujeitos; analisar as concepções que orientam as ações dos atores institu- cionais; discutir o processo de gestão escolar, incluindo relações entre grupos e entre a instituição e a comunida- de; contribuir na elaboração da proposta pedagógica da escola (Marinho-Araujo & Almeida, 2005). A escuta psicológica refere-se à sensibilidade do psi- cólogo escolar de estar com o outro, perscrutar os fenô- menos subjetivos no contexto escolar, encontrar as pes- soas, os grupos e a instituição por meio de suas histórias e de seus afetos, acolher as angústias, as ansiedades e o sofrimento psíquico de alunos, professores, pais e outros. Nesta dimensão de sua atuação pro ssional, encontra-se a especi cidade do suporte psicológico na escola (Marinho- Araujo & Almeida, 2005). Os espaços de escuta psicoló- gica podem se constituir tanto em situações emergenciais no cotidiano escolar quanto em atividades planejadas in- tencionalmente para esse m, como encontros para orien- tação à equipe escolar, alunos ou familiares, estudos de casos, relatos de experiências e outros. A dimensão de assessoria ao trabalho coletivo diz respeito ao suporte que o psicólogo deve fornecer a toda a equipe escolar para promover re exão, conscientização e transformação nas concepções orientadoras das práticas pedagógicas, através da criação de espaços de interlocu- ção com e entre professores, coordenadores pedagógicos e diretores, em fóruns constituídos institucionalmente. Inclui, também, a necessária contribuição do psicólogo à realização de formação continuada em serviço dos pro- ssionais, no que compete ao conhecimento psicológi- co, e no desenvolvimento de ações que dêem subsídios à ressigni cação da identidade pro ssional de professo- res e membros da equipe técnico-pedagógica (Marinho- Araujo & Almeida, 2005). O acompanhamento ao processo ensino-aprendiza- gem refere-se à meta do psicólogo de contribuir à melho- ria do desempenho escolar dos alunos, empenhando-se em promover uma cultura de sucesso, na qual suas ha- bilidades e competências sejam mais valorizadas do que as di culdades. Isso inclui avaliação co-participativa com o professor sobre a produção dos alunos que apresentam queixa escolar, utilização sistemática da observação da dinâmica de sala de aula e dos demais espaços socioedu- cativos, análise e intervenção sobre aspectos instersubje- tivos presentes na relação professor-aluno, além do tra- balho com professores subsidiando-os na construção de alternativas diversi cadas de ensino e de avaliação e na promoção de situações didáticas de apoio à aprendizagem do aluno (Marinho-Araujo & Almeida, 2005). A proposta teórico-metodológica de intervenção em Psicologia Escolar apresentada por Marinho-Araujo e Almeida (2005) subsidia uma atuação competente do psicólogo, uma vez que se compromete com o todo da instituição, consciente de que as relações estabelecidas no cotidiano escolar de nem e são de nidas por aspectos intersubjetivos que incidem signi cativamente no desen- volvimento acadêmico dos alunos. Reconhece-se nesse aporte uma via segura e consistente para fundamentar o trabalho do psicólogo enquanto orientador pro ssional, no contexto escolar, a partir de uma perspectiva desenvol- vimentista, ampliada pelos princípios da educação para a carreira. Essa discussão será aprofundada posteriormente, sendo necessário, na seção que se segue, fazer-se uma bre- ve análise dos percursos históricos e dos avanços necessá- rios à Orientação Pro ssional no Brasil. Orientação Pro ssional no Brasil: avanços necessários A Orientação Pro ssional (OP) é compreendida como uma intervenção processual que objetiva instrumen- tar a pessoa a realizar escolhas conscientes e autônomas na de nição de sua identidade pro ssional (Melo-Silva & Jacquemin, 2001). 222 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 219-228 A OP brasileira nasceu sob forte in uência da Psicometria, por volta da década de 1920, em institutos de Psicologia Aplicada. A metodologia utilizada abrangia diagnóstico das tendências vocacionais e aptidões dos in- divíduos, através do uso de testes psicológicos, e aconse- lhamento para seu melhor ajustamento ao trabalho. Seu desenvolvimento, nas décadas seguintes, esteve intima- mente relacionado à criação de cursos de formação e aper- feiçoamento de psicotécnicos e orientadores pro ssionais no Instituto de Seleção e Orientação Pro ssional (ISOP), organizado por Emilio Mira Y López, na Fundação Getúlio Vargas, cuja criação, segundo Cruces (2003), gurou como relevante para a consolidação da Psicologia brasileira, es- pecialmente em sua interface com a Educação. Desde a chegada da OP ao Brasil, portanto, ela esteve atrelada à ciência e à prática psicológica, embora mantives- se interfaces com outras áreas, como a Educação. Foi na dé- cada de 1940 que ela adentrou as escolas, estabelecendo-se gradualmente como campo de atuação de psicólogos e peda- gogos. Melo-Silva, Lassance e Soares (2004) demonstram que, no que diz respeito à atuação de pedagogos, a OP sur- giu como atividade no campo da Orientação Educacional, destinada às classes menos favorecidas que frequentavam as escolas pro ssionais. Na lei 5.692/71, chegou a ser es- tabelecida como atribuição especí ca do orientador educa- cional, devendo ser oferecida em todas as escolas. Quanto à atuação no âmbito da Psicologia, as autoras indicam que a OP desenvolveu-se em três domínios: (a) da Psicologia do Trabalho, vinculada à Seleção de Pessoal, cujas intervenções centraram-se na modalidade estatística; (b) da Psicologia Educacional, centrando-se na questão da passa- gem de um ciclo educativo a outro; e (c) do Aconselhamento, focalizando determinadas crises evolutivas no ciclo vital. Com a expansão das práticas de psicólogos após a regulamentação de sua pro ssão, na década de 1960, a OP foi-se vinculando cada vez mais à Psicologia Clínica, recebendo in uências teóricas diversas, conforme de- monstram diversos autores (Abade, 2005; Melo-Silva et al., 2004; Sparta, 2003). Dentre as principais in uências que os psicólogos receberam, a partir deste período, estão as advindas da Psicanálise e, especialmente, da estraté- gia clínica de orientação do psicólogo argentino Rodolfo Bohoslavsky (1977/1991). A ênfase, aqui, recai sobre o trabalho de autoconhecimento do indivíduo como forma de ajuda para a superação dos con itos psíquicos presen- tes na problemática pro ssional. A literatura da área indica, também, que os trabalhos da Prof.ª Maria Margarida de Carvalho, na Universidade de São Paulo, na década de 1970, foram responsáveis pela cria- ção e difusão do processo grupal em OP, que con gurou um modelo brasileiro peculiar de orientação, tendo in uenciado muitos psicólogos. Abade (2005) informa que o processo desenvolvido pela referida professora, fundamentado na di- nâmica de grupo, constava de cinco sessões de três horas de duração cada uma e tinha como objetivos ensinar a escolher a pro ssão e possibilitar a decisão por meio de autoconhe- cimento, informação ocupacional e de mercado de traba- lho. “Superando a abordagem estritamente estatística em Orientação Pro ssional, ela buscava ligar a aprendizagem experiencial com a cognitiva, num processo de valor tera- pêutico para os participantes” (Abade, 2005, pp. 20-21). A partir da década de 1980, novas contribuições teó- ricas in uenciaram a OP brasileira, levando-a a questionar pressupostos arraigados à abordagem clínica, em difu- são àquela época. Autores como Pimenta (1981), Ferretti (1997) e Bock (2002) apontavam para a insu ciência das teorias psicológicas para sustentar a intervenção sobre a escolha da pro ssão ou desenvolvimento da carreira dos indivíduos. Ferreti (1997) criticava, por exemplo, a ten- dência de se atribuir ao indivíduo a responsabilidade por sua “desorientação” frente à escolha de uma pro ssão, como se ela fosse fruto de um desajustamento psicológico. Tende-se a não se considerar, nessa perspectiva, que a fal- ta de orientação é mais efeito da complexidade do sistema produtivo do que de di culdades relacionadas à decisão. O autor sugere que a OP se proponha criar condições para que a pessoa a ela submetida re ita sobre o proces- so e o ato de escolha pro ssional no contexto mais geral da sociedade onde tais ações se processam. Considera-se que essa é uma premissa fundamental ao psicólogo esco- lar dedicado à intervenção de carreira, tendo em vista seu compromisso com a autonomia e fortalecimento de indiví- duos e grupos por meio de conscientização e acesso ao co- nhecimento construído pela humanidade. Desenvolver um conceito de si e de nir uma trajetória de carreira de forma consciente implica a possibilidade da pessoa se posicio- nar ativa e criticamente no contexto em que está inserida, reconhecendo-se como sujeito da e na história. Tal perspectiva crítica tem in uenciado psicólogos brasileiros, que compreendem a dimensão educativa e emancipatória de sua atuação, embora ela divida o cená- rio atual com outras perspectivas, que não comungam dos mesmos pressupostos, como a psicométrica, por exemplo, ainda presente nas práticas atuais. Alguns estudos realiza- dos sobre a con guração atual da OP no Brasil são anali- sados por Melo-Silva, Bon m, Esbrogeo e Soares (2003), que sintetizam resultados apontados pelos pesquisadores: (a) são fundamentalmente as teorias psicológicas que sustentam as práticas em OP; (b) além dos psicólogos, também pedagogos, professores, assistentes sociais, soci- ólogos, administradores de empresa, economistas, comu- nicólogos, dentre outros pro ssionais, atuam nesta área, o Carvalho, T. O., & Marinho-Araujo, C. M. (2010). Psicologia Escolar e Orientação Pro ssional 223 que não se dá, porém, de forma integrada; (c) os determi- nantes socioeconômicos e políticos da escolha pro ssional são abordados de forma genérica e distorcida; (d) predo- minam os modelos tradicionais de intervenção advindos da concepção psicologizante que valoriza as característi- cas individuais e das pro ssões em detrimento da análise crítica do contexto socioeconômico. Sabe-se, ainda, que a OP realizada no Brasil tem-se voltado essencialmente ao atendimento de jovens do ensino médio, e que são os psicólogos os pro ssionais que mais es- tão atuando neste campo, nas últimas décadas (Melo-Silva et al., 2004). Esta atuação se dá tanto no contexto educati- vo quanto no do consultório psicológico, ainda com grande ênfase no último. Em pesquisa realizada no Rio Grande do Sul, Crestani (2010) constatou que uma minoria das esco- las pesquisadas oferece OP. Quando oferecem, algumas o fazem num modelo curricular, mas a maioria utiliza estraté- gias desvinculadas do currículo escolar. Nas instituições educativas, tem-se que ainda é rara a presença do psicólogo, e quando ele está presente, a co- munidade escolar costuma criar expectativas de uma atu- ação voltada para resolução de problemas emergenciais, relativos a aprendizagem, comportamento e outros. “Com tantos problemas escolares, em um cenário de ausên- cia de equipe interdisciplinar, a atividade de Orientação Pro ssional, que é relevante em termos de promoção da saúde e educação de qualidade, acaba recebendo trata- mento secundário” (Melo-Silva et al., 2004, p. 42). Vê-se, portanto, que apesar dos inúmeros avanços teórico-metodológicos no contexto nacional, nas últimas décadas, muitos outros são ainda necessários. Além dos aspectos acima apontados, faz-se mister atentar-se para a pouca ênfase que tem sido dada à necessidade de aprimorar a formação dos psicólogos escolares para atuarem em OP no Brasil. É pela via da formação que se pode vislumbrar o desenvolvimento das competências necessárias a uma atuação mais ampliada e integradora (Carvalho, 2007). Outra inquietação diz respeito à quantidade restrita de pessoas que se bene ciam das intervenções de carreira, tão importantes em momentos críticos de decisão na trajetória de pessoas e grupos. Uma maior oferta de serviços dessa or- dem seria viabilizada por meio de políticas públicas que se comprometessem com essa questão. Destaque se dá às polí- ticas educacionais, que deveriam garantir que todos tivessem acesso a este tipo de intervenção ao longo de seu processo de escolarização, nos diversos níveis de ensino, tendo em vista a necessidade de auxílio aos alunos na tomada de decisões de carreira, em uma sociedade tão complexa quanto a atual. A institucionalização da OP nos espaços educativos le- varia a uma visão mais ampliada da mesma, a exemplo do que vem acontecendo no cenário internacional. Na medida em que vem tendo reconhecida sua importância, tem-se ad- mitido que a OP possui um papel signi cativo em debates sobre o currículo escolar. Isso deu espaço ao nascimento da Educação para a Carreira, em países desenvolvidos, que possibilitou que a orientação fosse progressivamente consi- derada mais como um processo evolutivo do que prescritivo, ou seja, “que pode promover, nos estudantes, a aquisição de atitudes, conhecimentos e capacidades necessárias para a to- mada das suas próprias decisões numa perspectiva desenvol- vimentista” (Moreno, 2008, pp. 38-39). O foco da OP passou a estar mais perto de uma concepção de natureza educativa, levando-a a integrar-se no currículo escolar. Considera-se que este é um dos mais signi cativos avanços que se fazem necessários no contexto brasileiro. A Educação para a Carreira, pouco difundida no Brasil, onde até a literatura especializada ainda trata do tema de forma bastante incipiente, reivindica a presença do psicó- logo nas instituições educativas, atuando no sentido de for- necer apoio intencional aos processos de desenvolvimento de carreira ao longo das diversas fases da vida dos alunos. Necessário se faz reconhecer a pertinência de se compre- ender a OP como um campo de atuação relevante do psi- cólogo escolar. Isso será abordado na seção seguinte. Orientação Pro ssional como campo de atuação do psicólogo escolar Apesar dos recentes avanços da Psicologia Escolar, pouco se tem re etido acerca de como estes podem contri- buir à ressigni cação das práticas do psicólogo escolar no âmbito da OP. Compreende-se que a pouca ênfase ao tema em questão relaciona-se ao fato de, nas últimas décadas do século XX, devido à extrema valorização da psicologia clínica no cenário brasileiro, muitos psicólogos conside- raram o consultório como o espaço característico no qual ocorreria essa intervenção. A OP nas instituições escola- res e educacionais, nessa perspectiva, foi tida como algo secundário; ou, como a rmam Correia e Campos (2004), uma atividade periférica do psicólogo escolar. Em oposição ao supracitado, defende-se que a OP é um campo de atuação relevante em Psicologia Escolar, embora ela não se encerre na intervenção psicológica, uma vez que requer a contribuição de outras áreas tam- bém. Como a rma Pimenta (1981), auxiliar uma pessoa na tomada de decisões pro ssionais não se reduz a “ajudá- la psicologicamente”, pois esta seria uma ajuda parcial e fragmentária. Contribuições advindas de ramos como a pedagogia, sociologia e economia, por exemplo, são tam- bém fundamentais nesse processo. Concebe-se a instituição educativa, preferencial- mente a escolar, como o espaço privilegiado em que este 224 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 219-228 trabalho deve se organizar, de forma interdisciplinar. Não se pretende, com isso, invalidar as práticas realizadas no âmbito clínico ou mesmo em outros contextos, como o do trabalho. Busca-se, sim, defender que a OP se insere muito apropriadamente na especi cidade da atuação da Psicologia Escolar, especialmente pelo caráter educativo que encerra, em qualquer contexto em que é realizada. O documento “Atribuições pro ssionais do psicólo- go no Brasil”, do Conselho Federal de Psicologia (1992), de ne, que o psicólogo escolar, “desenvolve programas de orientação pro ssional, visando um melhor aproveitamen- to e desenvolvimento do potencial humano, fundamenta- dos no conhecimento psicológico e numa visão crítica do trabalho e das relações do mercado de trabalho” (§ 65). Na escola, são inúmeras as possibilidades de inter- venção do psicólogo escolar para contribuir ao desenvol- vimento da carreira dos alunos. Uma perspectiva desen- volvimentista favorece que sua atuação supere o enfoque remediativo, estando mais focada nas competências do que nos dé cits ou di culdades da clientela. Ao ter como objetivo central de seu trabalho contribuir à promoção do desenvolvimento global dos alunos, cabe ao psicólogo escolar assumir como uma de suas tarefas essenciais im- plementar a OP na escola, encarando o desenvolvimento acadêmico e da carreira como processos relacionados, que se apoiam e suplementam mutuamente, em benefício do aluno (Taveira, 2005). A ideia básica aqui posta é a de que o desenvolvi- mento do indivíduo é um processo contínuo, ininterrupto. Portanto, os programas que visam promover o desenvolvi- mento humano no domínio da carreira, devem partir desse pressuposto, fazendo com que a orientação não se restrinja a uma sequência de ações pontuais, mas que se torne parte integrante do processo de educação formal. Nas origens dessa perspectiva desenvolvimentista, en- contra-se a teoria compreensiva de Super (1957, citado por Herr, 2008, p. 20), nascida na década de 1950, que concebia o desenvolvimento da carreira “como um processo de sínte- se no qual o seu principal constructo – o desenvolvimento e implementação do autoconceito – desempenha uma função importante”. Buscava compreender a forma como fatores, in uências e processos do comportamento relacionado com a carreira se desenvolviam ao longo da vida. A orientação pro ssional era entendida como o processo de ajudar a pes- soa a desenvolver e aceitar uma imagem integrada e ade- quada de si, e a transformar essa imagem numa realidade. A partir desse aporte teórico, ao longo dos anos, as propostas de intervenção de carreira foram se tornando cada vez mais integradoras e evidentes em instituições educativas. Discussões mais recentes foram dando cor- po a um “novo conceito de orientação” (Moreno, 2008, p. 32), de nido como Educação para a Carreira, dirigido por concepções sóciolaborais e psicopedagógicas comple- mentares às da orientação propriamente dita. A Educação para a Carreira, segundo Herr (2008), é uma das intervenções planejadas de carreira mais intencionaliza- das. Enquanto prática, pode assumir diversas formas, desde a infusão de conceitos do desenvolvimento da carreira no currí- culo escolar até a organização de sessões ou pequenos cursos que ajudem os estudantes a desenvolverem atitudes, compe- tências e conhecimentos necessários a uma transição favorá- vel da escola para o mundo do trabalho contemporâneo. Para efetivar essa prática no cotidiano escolar, faz-se necessário que o psicólogo conceba sua intervenção em termos macro. Taveira (2005, p. 150) recomenda que, para isso, ele recorra a teorias do desenvolvimento da carreira, contribuindo para que os alunos compreendam o conteúdo e o processo da tomada de decisão e formem um quadro de referência cognitivo-motivacional na escolha pro ssional, “que reduza a ambiguidade, a incerteza/indecisão e favo- reça o aumento da con ança na tomada de decisão”. Citando Gysbers, Heppner e Johnston, Taveira (2005) chama atenção para a necessidade de se enquadrar a inter- venção de carreira num quadro de referência mais geral, o do papel do psicólogo numa escola: O psicólogo a trabalhar numa escola é um elemento de uma equipa, partilha preocupações, medidas e progra- mas com professores, administradores, outros educado- res e membros da comunidade geral onde a escola se insere. Neste contexto, deve ser um modelo positivo de relações humanas, ajudar a criar um clima e um cresci- mento favorável na escola, e estar sensível às caracterís- ticas e necessidades associadas ao desenvolvimento, ao gênero, à etnia, e ao estatuto socioeconômico dos seus clientes (Taveira, 2005, p. 150). Observa-se que o trabalho de OP fundamentado na perspectiva desenvolvimentista, envolvendo os prin- cípios da Educação para a Carreira, vai muito além da mera orientação, apresentando convergências signi - cativas com a concepção de intervenção em Psicologia Escolar aqui defendida, que considera as relações sociais estabelecidas no contexto educativo como principal foco de análise e intervenção do psicólogo. Na seção seguin- te, são levantadas re exões que lançam luz às possibi- lidades do psicólogo escolar desenvolver intervenções de carreira ancorando-se nas dimensões propostas por Marinho-Araujo e Almeida (2005): mapeamento institu- cional, assessoria ao trabalho coletivo, acompanhamento ao processo ensino-aprendizagem e criação de espaços de escuta psicológica. Carvalho, T. O., & Marinho-Araujo, C. M. (2010). Psicologia Escolar e Orientação Pro ssional 225 Psicologia Escolar e Orientação Pro ssional: fortalecendo as convergências Embora pouco enfatizada nos meios educacionais, a atuação do psicólogo escolar em OP é tão legítima como necessária. Fala-se aqui de uma Psicologia Escolar compro- metida socialmente com a cidadania, cujas práticas estejam orientadas por nalidades transformadoras; que objetive a promoção do desenvolvimento humano, superando pers- pectivas meramente remediativas ou de solução de pro- blemas. Cabe ao psicólogo empenhar-se na re exão sobre a emergência da sociedade do conhecimento e como as transformações no contexto sócio-histórico têm afetado o desenvolvimento dos sujeitos, em todas as fases da vida. É indispensável que ele provoque debates acerca dos futuros papeis que os alunos desempenharão, enquanto cidadãos, perante uma nova dimensão do trabalho, em que será cada vez mais relevante a atitude e disposição para aprender con- tinuamente, ao longo do curso de vida. Para cumprir integralmente com seu objetivo de pro- mover o desenvolvimento dos alunos, o psicólogo escolar precisa atuar em sintonia com o que é defendido pela edu- cação para a carreira e que é assim expresso por Moreno (2008, p. 34): “preparar as pessoas para trabalhar deveria ser uma meta básica do sistema educativo total”. O trabalho é aqui de nido como um esforço consciente, dirigido para produzir benefícios socialmente aceitáveis para si e para os outros. A ideia de ser consciente implica em ser signi cativo para o indivíduo, em servir à sua necessidade de realização. Acrescenta-se aí a noção de que ser consciente tam- bém envolve a possibilidade da pessoa ter autonomia, autodeterminar-se e fazer escolhas de carreira a partir do reconhecimento de sua realidade pessoal e social, vendo-se na condição de transformá-la. O processo de conscientiza- ção, que deve iniciar cedo, no ensino básico, e com o qual o psicólogo escolar deve estar comprometido, “é mais do que uma mudança de opinião sobre a realidade, é a mudança na forma de se relacionar no mundo.” (Guzzo, 2005, p. 27). Compreende-se que, ao atuar na perspectiva da Educação para Carreira, o psicólogo escolar deve favo- recer a implicação de toda a instituição educativa na rea- lização de ações voltadas ao desenvolvimento da carreira dos alunos. Propõe-se que sua intervenção se inicie com o mapeamento institucional (Marinho-Araujo & Almeida, 2005), através do qual o psicólogo pode compreender as concepções de educação, escola, trabalho, desenvol- vimento humano e outras, que orientam as ações dos atores institucionais. Assim, ele constrói subsídios para contribuir com a re exão dos educadores acerca de como suas concepções direcionam suas práticas pedagógicas e in uenciam suas relações com os alunos. É também pelo mapeamento que se torna possível iden- ti car necessidades de grupos especí cos, de forma que o psicólogo possa planejar ações orientadoras direcionadas a estes. A depender da realidade da escola e dos alunos, pode ser necessária a organização de programas intencionalmen- te direcionados para o apoio às tomadas de decisão para a carreira. Nesse trabalho, junto aos alunos, sua função é mediar processos subjetivos envolvidos no desenvolvimen- to da carreira, tais como processos de autoconhecimento, de signi cação e ressigni cação das decisões, de conscien- tização acerca do mundo do trabalho, das pro ssões e da formação pro ssional. Uma dimensão essencial desse tra- balho é favorecer a percepção, por parte dos alunos, daquilo que condiciona suas decisões, por um lado, e, por outro, de sua condição de sujeito que se constrói em uma relação dialética com o contexto no qual está inserido. Promover o desenvolvimento humano, propiciando o exercício do pen- samento crítico dos sujeitos, deve ser a meta orientadora do trabalho do psicólogo. Valore (2003) propõe que o processo de OP, assim pensado, seja ofertado pelo psicólogo escolar mediante a realização de seis a dez encontros grupais, semanais, com duração de aproximadamente duas horas, de caráter não- obrigatório, com utilização de técnicas e instrumentos va- riados, incluindo dinâmica de grupo, dramatizações, jogos relativos às pro ssões, visitas a instituições de ensino su- perior e de trabalho e outros. Corroborando uma atuação em nível institucional, mediante o trabalho integrado à equipe pedagógica, a au- tora demonstra diversas outras possibilidades de atuação do psicólogo enquanto articulador de ações relacionadas à OP, tais como: desenvolvimento de instrumentos de ava- liação dos interesses e potencialidades dos alunos; elabo- ração de ações pedagógicas, visando à discussão de temas relacionados à escolha da pro ssão; realização de o cinas com os alunos, nas quais sejam trabalhados con itos, me- dos e mitos referentes à adolescência; realização de feiras e elaboração de material informativo sobre pro ssões e cursos de formação pro ssional e outros. A rma: Através de nossa experiência, tem se podido perceber o alcance da OP como importante instrumento de exercí- cio da cidadania, na medida em que incentiva a prática coletiva e o re-pensar de si e de seu projeto no interior dessa coletividade (seja o grupo de OP, seja o macro- grupo social). Seu alcance também se faz presente diante da pretensão de se ter no psicólogo um agente de mudança capaz de auxiliar na formação de sujeitos mais ativos (igualmente agentes de mudança), tanto na construção de seu destino individual, quanto no destino da comunidade à qual pertencem (Valore, 2003, p. 4) 226 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 219-228 Outros autores têm também enfatizado a riqueza do trabalho de OP em grupo (Bock, 2002; Lucchiari, 1993), seja na instituição escolar ou em outros espaços nos quais o processo assume uma intenção educativa. A diversidade de situações já vivenciadas pelos sujeitos orientandos faz com que se privilegie o trabalho grupal, por se entender que a dinâmica estabelecida no grupo enriquece o processo, pois permite aos participantes a observação mútua das di culda- des, opiniões, valores, interesses e projetos de vida. Ao mediar as relações sociais entre os integrantes do grupo, ou mesmo ao compartilhar suas próprias experi- ências, visões de mundo, conhecimentos, o psicólogo es- colar promove desenvolvimento psicológico, por meio do confronto dos signi cados anteriormente construídos pe- los participantes. Enquanto sujeitos ativos, os orientandos geram seus próprios sentidos subjetivos, em um processo contínuo de conscientização, desenvolvendo a capacidade de pensamento crítico e autocrítico. Dessa forma, enquan- to orientador pro ssional, o psicólogo escolar contribui à maximização do processo educativo de jovens. A OP numa perspectiva desenvolvimentista, dentro de um processo mais amplo de Educação para a Carreira, não se restringe, como vem sendo demonstrado, ao traba- lho de orientação propriamente dito. Dessa forma, torna- se relevante que as ações orientadoras do psicólogo esco- lar estejam articuladas a outra dimensão essencial de sua intervenção na escola: a assessoria ao trabalho coletivo (Marinho-Araujo & Almeida, 2005). O psicólogo pode criar espaços de interlocução com e entre educadores para promover transformação nas con- cepções orientadoras de suas práticas no sentido de assu- mirem-se como co-responsáveis pela formação de seus alunos e in uenciadores em suas decisões de carreira. A ressigni cação da identidade pro ssional de professores e membros da equipe técnico-pedagógica, resgatando e ela- borando aspectos subjetivos relacionados às suas próprias opções de carreira, muitas vezes se faz necessária. O psi- cólogo pode, no trabalho com professores, sensibilizá-los a perceberem os mecanismos pelos quais, a partir de seu discurso e de suas relações com os alunos, contribuem à construção da identidade pro ssional desses, uma vez que in uenciam na imagem que eles constroem de si mesmos e das pro ssões. Para isso, podem ser realizadas o cinas com os docentes, de forma que seja possível trabalhar con- ceitos de maneira vivencial, mobilizando processos subje- tivos que os levem à compreensão do desenvolvimento da carreira dos alunos e de sua mediação nesse processo. Valore (2003) propõe, ainda, que sejam trabalhados diversos temas com os docentes, como: a função do tra- balho na saúde mental, os fatores intervenientes na esco- lha e os con itos daí decorrentes, os diferentes conteúdos curriculares e sua relação com as ocupações, dentre outros. Vê-se que a participação do psicólogo na formação conti- nuada da equipe escolar é fundamental. Diversas estratégias podem ser utilizadas para este m, desde palestras, seminá- rios, grupos operativos, o cinas temáticas e outras. Sem um trabalho consistente de formação dos pro- fessores torna-se inviável concretizar uma proposta de Educação para a Carreira. É também por meio da for- mação continuada que o psicólogo escolar pode dar con- tribuições signi cativas ao envolvimento e motivação dos docentes para promoverem uma autêntica inovação educativa, aceitando o desa o de construir um currículo que inclua conceitos referentes ao desenvolvimento da carreira, além de valores, habilidades e competências ne- cessárias aos futuros trabalhadores. Cabe ao psicólogo escolar estar inteiramente impli- cado nessa construção coletiva da proposta curricular da escola, junto à equipe de educadores, o que envolve outra dimensão de sua intervenção, que é o acompanhamento ao processo ensino-aprendizagem (Marinho-Araujo & Almeida, 2005). Ele deve contribuir para que a equipe reconheça que o próprio currículo pode produzir efeitos orientadores. Deve incentivar os professores a desvenda- rem aos alunos a necessidade de aquisição de competên- cias acadêmicas básicas e as relações entre as disciplinas e as ocupações laborais; a utilizarem uma variedade de estratégias didáticas para contribuir com a aprendizagem dos alunos, enfatizando a importância das experiências ligadas ao mundo do trabalho; a estimular o trabalho em equipe, a iniciativa e a criatividade; a promoverem, no espaço escolar, a prática de hábitos de trabalho relevan- tes, como pontualidade, compromisso com o resultado, cooperação, responsabilidade e outros. Moreno (2008) apresenta diferentes estratégias através das quais se pode elaborar um currículo focado no desenvolvimento da carreira. As estratégias infusivas referem-se à disseminação de conceitos relativos à car- reira por todas as disciplinas e atividades curriculares. As estratégias aditivas dizem respeito à implementação da Educação para a Carreira integrada no horário escolar no formato de uma disciplina especí ca. As estratégias mis- tas promovem a integração da Educação para a Carreira nas disciplinas de ciências sociais e humanas. Independente da forma escolhida pelo coletivo da escola para trabalhar em prol do desenvolvimento da car- reira dos alunos, o psicólogo escolar tem contribuições relevantes a oferecer. Ainda no que diz respeito ao acom- panhamento ao processo ensino-aprendizagem, ele precisa se comprometer com a construção de uma cultura de su- cesso escolar, propondo, junto aos professores, alternativas teórico-metodológicas de ensino e de avaliação com foco Carvalho, T. O., & Marinho-Araujo, C. M. (2010). Psicologia Escolar e Orientação Pro ssional 227 no desenvolvimento de competências dos alunos (Marinho- Araujo & Almeida, 2005). Ter reconhecidas, valorizadas e ressaltadas suas competências se torna essencial para favo- recer o autoconhecimento e autoconceito dos educandos, a con guração de sua identidade e incentivar sua permanência no sistema de ensino, em direção à formação pro ssional. Muitas vezes, faz-se necessário que o psicólogo pro- voque os alunos à ressigni cação de sua história escolar, quando esta foi marcada por contínuos fracassos e deses- tímulos. Ele precisa envolver o professor como co-res- ponsável por este processo. Como bem sintetizam Meira e Antunes (2003), o psicólogo escolar deve favorecer os processos de humanização e reapropriação da capacidade de pensamento crítico dos indivíduos, contribuindo para que a escola cumpra sua função social de socialização do conhecimento historicamente acumulado e trabalhe para a formação ética e política dos sujeitos. Tudo o que foi exposto até agora leva à consideração de outra dimensão essencial da intervenção em Psicologia Escolar, a escuta psicológica (Marinho-Araujo & Almeida, 2005). Cabe ao psicólogo oportunizar “um lugar de fala e de escuta também para a escola” (Valore, 2003, p. 4). É essencialmente nessa possibilidade de criação de espa- ços de escuta psicológica no espaço educativo que reside a especi cidade da contribuição da Psicologia Escolar. Quaisquer que sejam as ações desenvolvidas pelo psicó- logo na escola, tal escuta deve ser compreendida como uma dimensão fundamental de seu trabalho, pois é a partir dessa que ele poderá compreender e intervir nos aspectos intersubjetivos presentes no cotidiano escolar. A escuta psicológica envolve o estar com o outro, perscrutando os fenômenos psicológicos; é encontrar a pes- soa, o grupo ou a instituição por meio de suas histórias e de seus afetos. É através desta escuta, tanto em momentos programados intencionalmente para isso como na urgência do cotidiano escolar, que o psicólogo escolar desenvolve meios de assessorar o trabalho coletivo da equipe técnico- pedagógica (Marinho-Araujo & Almeida, 2005). Uma atuação em Psicologia Escolar que busque abranger toda a instituição educacional e que se compro- meta com um trabalho de caráter mais desenvolvimentis- ta do que remediativo, não pode prescindir de ter como foco de intervenção as relações interpessoais que se pro- cessam no cotidiano institucional. É através dessas que se compartilham signi cados e se constroem concepções de mundo, de educação, de desenvolvimento humano. É tam- bém intervindo sobre elas, por meio da escuta psicológica, que o psicólogo pode se tornar um mediador de processos de ressigni cação que possibilitem aos educadores, alunos e familiares se reconhecerem como sujeitos históricos, as- sumindo suas responsabilidades no processo educacional. Cabe ao psicólogo escolar, nas intervenções de car- reira, dispor-se a ocupar um lugar de escuta, tanto junto aos sujeitos orientandos quanto junto aos demais atores do contexto educativo. Que ele esteja disponível a escu- tar e compreender as vivências dos educandos acerca da relação que estabelecem com o sistema educativo, com o mundo do trabalho e consigo mesmos, contribuindo à construção de processos de conscientização destes sujei- tos e de seus educadores. Muitas vezes se faz necessário que o psicólogo es- teja disponível, na escola, para fornecer apoio aos alunos com queixas relacionadas ao desenvolvimento da carrei- ra. Uma escuta psicológica atenta a questões dessa ordem pode contribuir para que os alunos consigam “elaborar e concretizar projetos de ação relacionados com o trabalho, com a educação e com a família, encarados como fenô- menos interrelacionados”, a rma Taveira (2005, p. 152). Ainda quando isso requer atendimento individualizado, quando praticado em contexto escolar, continua a auto- ra, demonstra-se mais efetivo, em termos de resultados. Não se deve perder de vista, porém, que as intervenções preventivas e promocionais são um meio privilegiado de ajudar os indivíduos com suas questões de carreira. Considerações nais Buscou-se demonstrar, aqui, que a perspectiva desen- volvimentista de intervenção de carreira na escola, inspira- da nos princípios da Educação para a Carreira, coaduna-se aos avanços teórico-metodológicos presenciados nas últi- mas décadas tanto na área da Psicologia Escolar quanto no campo da Orientação Pro ssional, trazendo à luz a conver- gência entre ambas. É assumindo esse tipo de intervenção como uma dimensão importante da atuação, que deve estar articulada às demais dimensões, que o psicólogo escolar pode contribuir e cazmente para a construção da cidadania dos educandos, fortalecendo, assim, tal convergência. Referências Abade, F. L. 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Claisy Maria Marinho-Araujo é psicóloga, Doutora em Psicologia, Pesquisadora e Professora do Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Humano e Saúde da Universidade de Brasília. 229 Universitários de camadas populares em cursos de alta seletividade: Aspectos subjetivos Disponível em http://pepsic.bvs-psi.org.br/rbop Revista Brasileira de Orientação Pro ssional jul.-dez. 2010, Vol. 11, No. 2, 229-242 Artigo Débora Cristina Piotto1 Universidade de São Paulo, FFCLRP, Ribeirão Preto - SP, Brasil Resumo Pesquisas que investigam o acesso e a permanência de estudantes das camadas populares no Ensino Superior tendem a enfocar predominantemente a ruptura cultural decorrente da diferença entre o mundo familar e escolar, o sofrimento e os prejuízos psíquicos daí provenientes. O objetivo deste artigo é discutir aspectos subjetivos presentes nas trajetórias escolares e nas experiências universitárias de estudantes das camadas populares em cursos de alta seletividade no Ensino Superior público. Para isso, apresentaremos os dados obtidos por meio de entrevistas realizadas com cinco alunos de cursos de alta seletividade de uma importante universidade pública oriundos das camadas populares. Os relatos dos estudantes permitem compreender que, se por um lado, suas trajetórias são marcadas por esforço, desenraizamento e humilhação, por outro, a entrada na universidade pública traz possibilidades que transformam suas perspectivas de vida. Palavras-chave: ensino superior, nível socioeconômico, camadas populares Abstract: Undergraduates from the lower classes doing highly selective courses: Subjective aspects Studies that investigate the entrance and continuation in college courses by students from the lower classes tend to look mostly at the cultural breach caused by the difference between their family and educational world, the suffering and the psychological harm caused by that transition. The aim of this article is to discuss subjective aspects of the educational paths and university experiences of students from the lower classes in highly selective courses in a public university in Brazil. To do that, we discuss interviews carried out with ve students doing highly selective courses. The students’ reports show that their pathways have been marked by hard work, uprooting and humiliation. On the other hand, entering a public university led to opportunities that changed their lifes’ prospects. Keywords: college courses, social class, lower class Resumen: Universitarios de sectores populares en cursos de alta selectividad: Aspectos subjetivos Las investigaciones que estudian el acceso y la permanencia de estudiantes de los sectores populares en la Enseñanza Superior tienden a enfocar predominantemente la ruptura cultural originada en la diferencia entre el mundo familiar y escolar, el sufrimiento y los perjuicios psíquicos derivados. El objetivo de este artículo es discutir aspectos subjetivos presentes en las trayectorias escolares y en las experiencias universitarias de estudiantes de los sectores populares en cursos de alta selectividad en la Enseñanza Superior pública. Con tal n, presentaremos los datos obtenidos por medio de entrevistas realizadas con cinco alumnos de cursos de alta selectividad de una importante universidad pública provenientes de los sectores populares. Los relatos de los estudiantes permiten comprender que, si por un lado sus trayectorias están marcadas por esfuerzo, desarraigo y humillación, por otro, la entrada a la universidad pública trae posibilidades que transforman sus perspectivas de vida. Palabras clave: enseñanza superior, nivel socioeconómico, sectores populares 1 Endereço para correspondência: Departamento de Psicologia e Educação, Faculdade de Filoso a Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Av. Bandeirantes, 3.900, 14040-901, Ribeirão Preto-SP, Brasil. Fone: 16 36024462. E-mail: dcpiotto@usp.br 230 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 229-242 Os trabalhos que versam sobre histórias de sucesso escolar nas camadas populares, no Brasil, são menos fre- quentes quando comparados à produção cientí ca sobre o fracasso escolar. Já no exterior, principalmente na literatura cientí - ca de língua francesa, a produção de conhecimento sobre sucesso escolar nos meios populares é menos incipiente. Na área da Sociologia da Educação, Romanelli, Nogueira e Zago (2000) identi cam abordagens inovadoras que trazem importantes contribuições ao chamarem a atenção para aspectos ainda pouco explorados sobre o tema. Uma dessas pesquisas é a realizada por Lahire (1997) – sociólogo francês – na qual ele investigou as re- lações entre as posições escolares de 26 crianças prove- nientes de camadas populares que frequentavam a 2ª sé- rie do correspondente ao Ensino Fundamental na França e suas con gurações familiares. Nos per s descritos, há casos que vão desde “fracassos” previsíveis – isto é, realidades escolares difíceis vividas por alunos cujos pais possuem baixa escolaridade, pro ssões não-quali cadas, o que caracterizaria uma situação de baixo capital cultu- ral –, passando por histórias de “fracassos” improváveis – ou seja, crianças que, apesar de viverem em condições mais favoráveis à escolarização (pais com maior nível de instrução, por exemplo), têm desempenho acadêmico bastante ruim –, até os casos de “sucessos” brilhantes de alunos que, embora sujeitos a condições extremamente difíceis no tocante ao trabalho acadêmico, possuem um desempenho escolar exemplar. A despeito da semelhança de origem social e condições de vida, os caminhos per- corridos pelas trajetórias escolares dessas crianças são heterogêneos e múltiplos. Antes de avançarmos, é importante esclarecer que Lahire, nessa obra, tem como principal interlocu- tor Pierre Bourdieu. O conceito de capital cultural, por exemplo, embora cunhado por Bourdieu, não é a ele re- ferido. Lahire o de ne apenas como princípio socializa- dor mais adequado ou próximo ao mundo escolar. Para Bourdieu (1996a), capital cultural é um conjunto de es- tratégias, valores e disposições proporcionados, sobretu- do, pela família, que cria no indivíduo uma predisposi- ção a uma atitude mais dócil e de reconhecimento frente às práticas educativas; esse capital é herdado e pressupõe sua incorporação, tornando-se parte inerente ao próprio indivíduo: “O capital cultural é um ter que se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte inte- grante da ‘pessoa’ ” (Bourdieu, 1998, p. 75). Ao a rmar a heterogeneidade e multiplicidade das trajetórias esco- lares analisadas, Lahire (1997) critica, indiretamente, a herança, a transmissão e a centralidade do conceito de capital cultural. Dada a impossibilidade de discussão das críticas de Lahire a Bourdieu no espaço deste artigo, sugere-se, para maior aprofundamento, a consulta a Brito (2002) e Nogueira e Nogueira (2002). Debruçando-se sobre as razões das improbabilidades encontradas, Lahire a rma que não se pode entender as posições escolares dos alunos como reprodução necessá- ria e direta das condições sociais, econômicas e culturais de suas famílias. Nem tampouco as situações estudadas encontram explicação via transmissão da herança cultural familiar. A lógica reprodutivista e a noção de “transmis- são” não re etem o trabalho ativo e complexo de apropria- ção e construção, pelos indivíduos, de grande variedade de fatores e que redunda na diversidade dos per s apre- sentados. Entre esses fatores, destacamos aqui os aspectos subjetivos de tais apropriações. Apesar de Lahire nem sempre nomear como psíquica a dimensão de muitas das questões por ele discutidas, é disso que se trata quando esse autor aborda, por exem- plo, os medos e os sofrimentos das experiências escolares paternas in uindo na relação que o lho estabelece com a escola. A importância assumida pelo aspecto subjetivo o faz a rmar que, entre um baixo ou inexistente capital cultural e um maior nível de escolaridade dos pais, porém, marcado por experiências infelizes, é preferível a primeira situação: “... é sem dúvida preferível ter pais sem capital escolar a ter pais que tenham sofrido na escola e que dela conservem angústias, vergonhas, complexos, remorsos, traumas ou bloqueios” (Lahire, 1997, p. 345). É essa herança psicológica que explica algumas das histórias de “sucessos” escolares improváveis (apesar da dimensão relativa que o autor atribui às noções de “suces- so” e “fracasso” escolar – colocando tais termos sempre entre aspas –, para a de nição dos per s, o parâmetro ado- tado foram as notas obtidas pelas crianças na avaliação nacional do sistema de ensino francês. Os alunos consi- derados em situação de “sucesso” escolar obtiveram notas acima de 6,0). Para Lahire, é a combinação de característi- cas da con guração familiar que possibilitará a explicação de êxitos escolares imprevistos. Mesmo nos casos em que os pais dispõem de certo capital cultural, transmite-se algo a mais do que esse ca- pital. Nesse sentido, algumas das histórias de “fracassos” improváveis podem ser compreendidas à luz das relações dos pais com suas próprias experiências escolares. Os adultos podem experimentar sentimentos de inferioridade ou de incompetência cultural diante da instituição escolar e transmiti-los às crianças. O inverso também pode ocor- rer e produzir histórias de “sucessos” inesperados. Nesse caso, transmitem-se às crianças sentimentos de orgulho e alegria diante da experiência escolar. Mas, em ambas as situações, trata-se de uma herança de sentimentos. Piotto, D. C. (2010). Universitários de camadas populares 231 Além disso, para que a “transmissão” do capital cul- tural ocorra, são necessárias interações efetivas e afeti- vas. Isto é, não basta a escolarização do pai ou da mãe, é preciso que o detentor desse capital escolar esteja dis- ponível, tanto objetiva quanto subjetivamente, de forma a possibilitar as adequadas condições para que o capital possa ser herdado. Alguns dos pressupostos teórico-metodológicos do trabalho de Lahire (1997) estão presentes em pesquisas bra- sileiras surgidas, a partir principalmente da década de 1990, na área da Sociologia da Educação, e que têm como objeto de estudo trajetórias escolares prolongadas nas camadas po- pulares, entendidas como a permanência no sistema escolar até o Ensino Superior. Como exemplo, podemos citar os trabalhos de Portes (2001) e Viana (1998). Uma característica marcante nos estudos que tratam desse tipo de trajetória é o fato de ela, em geral, ser enten- dida a partir de uma visão que enfoca predominantemente a ruptura ou o choque cultural decorrente da diferença en- tre o mundo escolar e o familiar e o sofrimento, a humilha- ção e os prejuízos psíquicos daí provenientes. Nessa direção está a pesquisa de Viana (1998), que atenta para a longevidade escolar vivida como ruptura e sofrimento nas camadas populares. A autora fez entrevis- tas com sete estudantes (cinco mulheres e dois homens) que tinham em comum o fato de terem ingressado no Ensino Superior (alunos de graduação e pós-graduação em universidades de Minas Gerais) e serem provenientes de famílias com di culdades econômicas, baixo nível de escolaridade, pais exercendo (ou tendo exercido) traba- lhos predominantemente manuais. Viana discute uma ordem de questões que se pode denominar de subjetivas. Di culdades psicológicas, ad- vindas do distanciamento cultural e social do mundo fa- miliar à medida que se trilham caminhos escolares mais longos, são apresentadas em várias das biogra as anali- sadas. O sofrimento pode ser vivido tanto no contexto da experiência escolar como no das relações familiares. O enfoque no choque ou na ruptura cultural está presente também na área da Psicologia da Educação. Nicolaci-da-Costa (1987) considera a possível exis- tência de problemas subjetivos para os membros das camadas populares com bom desempenho na escola. Entendendo tais problemas como resultados de um cho- que cultural entre escola e família, a autora a rma que o sucesso escolar do aluno dos meios populares tem o poder de roubar-lhe a identidade cultural. Embora no espaço deste artigo não seja possível realizar uma dis- cussão crítica sobre essa a rmação, sugerimos a con- sulta a A. Bosi (2004, 2005), Chauí (1993) e Sader e Paoli (1997). Observando uma classe considerada “fraca”, Patto (1990) refere-se às crianças tidas como “bons alunos” como aquelas que fazem exemplarmente o que a profes- sora lhes ordena, abrindo mão de seus desejos e de sua individualidade. Na turma onde os “bons alunos” são em maior número – na classe tida como “forte” –, a autora destaca a docilidade, a rmando que as crianças valem pela submissão e e ciência na execução do que lhes é solicita- do. Chamando atenção para o custo psíquico de tal subme- timento à ordem escolar, Patto fala sobre o sofrimento e o empobrecimento da personalidade que podem resultar da tentativa de a criança agradar ao professor através da ade- quação às suas expectativas e ao ideal de “bom aluno”. Dado o exposto, consideramos importante re etir tam- bém acerca de outras questões atinentes a trajetórias escola- res prolongadas nas camadas populares, como por exemplo: seriam essas suas únicas facetas? Trajetórias de escolariza- ção prolongada seriam sempre fonte de sofrimento? Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho é dis- cutir aspectos subjetivos presentes nas trajetórias escola- res e nas experiências universitárias de estudantes das ca- madas populares em cursos de alta seletividade no Ensino Superior público, bem como signi cados do ingresso e da permanência nesse nível de ensino. Antes, porém, de apresentarmos como procuramos responder a esse objetivo, consideramos importante escla- recer que, muito embora o acesso à Educação Superior no Brasil seja restrito, especialmente, quando se trata de instituições públicas, isso não signi ca dizer que o Ensino Superior público seja mais restritivo que o privado, como reiteradamente se a rma no senso comum. Como exemplo desse dado, podemos citar o estudo realizado por Sampaio, Limongi e Torres (2000) que mostra que estudantes mais pobres e lhos de pais com baixa escolaridade estão, pro- porcionalmente, em maior número no setor público do que no privado. Além disso, dada a elitização de alguns cursos, tanto nas instituições públicas quanto nas particu- lares, a presença de alunos das camadas populares neles é pequena; porém, é maior nas universidades públicas do que nas particulares. Método Para alcançar o objetivo proposto, apresentaremos entrevistas em profundidade realizadas com cinco alunos dos cursos de mais alta seletividade de um dos campi de uma importante universidade pública brasileira prove- nientes das camadas populares. A seleção dos cursos foi feita com base nos critérios re- lação candidato/vaga e nota de corte. Foram selecionados os cinco cursos com as taxas de seletividade mais altas nesses 232 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 229-242 dois critérios entre os anos 2001 e 2005, dentre os existentes no campus em 2001. Assim, os cursos selecionados e suas respectivas relações candidato/vaga foram: Medicina (31), Psicologia (25,2), Biologia (21,8), Administração (19,3) e Farmácia (15,4). A relação candidato/vaga refere-se ao ano de 2005 e é apenas ilustrativa, já que para a escolha dos cursos considerou-se uma série de cinco anos2. O acesso aos estudantes ocorreu através de indica- ções de assistentes sociais, de alunos e de funcionários das diferentes faculdades. Os estudantes a serem entrevistados deveriam reunir duas condições: serem provenientes das camadas populares e terem realizado, pelo menos, metade do curso. Para a caracterização da origem social, os es- tudantes deveriam provir de famílias cujos pais tivessem baixa escolaridade, ocupações braçais ou manuais e cujo per l socioeconômico diferisse do predominante em cada curso. Todos os estudantes entrevistados eram brancos e residiam na moradia estudantil. As entrevistas versaram sobre a vida escolar dos es- tudantes, que relataram suas trajetórias desde a entrada na escola até o ingresso na Universidade, bem como sua experiência no interior dela, tendo sido realizadas em dois momentos. Num primeiro momento, procurou-se conhecer a trajetória escolar e a experiência universitária de cada es- tudante e, num segundo, o encontro – que foi realizado em outra data – visava ao aprofundamento ou esclarecimento de algumas questões surgidas na primeira entrevista. Assim, foram feitas duas entrevistas com cinco estudantes (um alu- no de cada curso selecionado) com duração de aproxima- damente duas horas cada uma. Todas as entrevistas foram realizadas nas residências dos estudantes. Para a realização das entrevistas nos apoiamos na discussão de E. Bosi (1979) sobre a questão da memória. Entendendo-a como atributo humano estreitamente depen- dente da vida social e por esta alimentada (Queiroz, 1988), E. Bosi não concebe a memória como algo exclusivamente individual, na medida em que a família ou o grupo exerce função de testemunha das experiências relatadas. Também para a realização das entrevistas, baseamo-nos em contri- buições teórico-metodológicas de Gonçalves Filho (2003) que a rma ser necessária calma no olhar e no ouvir da entrevista, permitindo que o outro seja realmente outro e não uma idéia apressada que dele temos. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas de forma literal. Após a realização de cada uma delas, foi registrado em diário de campo fatos e outras observações que, porventura, pudessem contribuir para a interpretação de seu conteúdo. Depois de completada a transcrição de cada entrevista, entregamos uma cópia para cada estudante visando não só ao reconhecimento de sua narrativa na forma escrita, mas também permitir ao entrevistado realizar mudanças em seu relato, caso desejasse. Esse procedimento seguiu as orienta- ções de E. Bosi (2003) que a rma que “o depoimento deve ser devolvido ao seu autor. Se o intelectual quando escreve, apaga, modi ca volta atrás, o memoralista tem o mesmo di- reito de ouvir e mudar o que narrou” (p. 66). Esclarecemos, todavia, que os estudantes, não alteraram seus relatos; ape- nas um estudante, após ter lido a transcrição da primeira entrevista, quis explicar melhor determinado aspecto de sua fala durante a segunda entrevista. Foi solicitada autorização para a utilização das entrevis- tas em suas formas nais, garantindo sigilo e anonimato. A análise das entrevistas se realizou, primeiramen- te, através de um processo de “imersão” no material, por meio de leituras e releituras sucessivas das transcrições. Conforme Michelat (1987), as repetidas leituras permitem uma espécie de impregnação, suscitando interpretações pelo relacionamento de elementos diversos. Cada entrevista foi considerada e analisada em sua singularidade e totalidade, procurando conservar todos os detalhes que permitiram reconstituir sua lógica própria, constituindo uma análise vertical. Esta análise, por sua vez, contribuiu para a construção de categorias desenvol- vidas na análise horizontal. Tais categorias foram levan- tadas a partir do próprio material disponível através do agrupamento de temas recorrentes nas várias entrevistas ou que estavam, de alguma forma, relacionados. Resultados e Discussão Trajetórias escolares prolongadas: solidão e desenraizamento O caminho percorrido pelos estudantes entrevista- dos até a universidade pública é marcado pela solidão e pelo desenraizamento. Entendemos enraizamento com Weil (1996) que o de - ne como um sentimento de pertença, isto é, de pertencer ou participar ativamente de um certo “lugar” ou grupo, ou ainda, como um “sentir-se em casa”. Assim, por oposição, desen- raizamento signi ca um sentimento de não-pertencimento. Dentre os cinco estudantes entrevistados, dois reali- zaram o Ensino Fundamental em escolas públicas e todo o Ensino Médio em escolas particulares através de bolsas de estudos, um estudou parte do Ensino Médio em escolas 2 A título de comparação, informamos a relação candidato/vaga do curso de Licenciatura em Química: 6,7. Piotto, D. C. (2010). Universitários de camadas populares 233 privadas também através de bolsa e dois realizaram toda a escolarização em escolas públicas – tendo se valido de cur- sos preparatórios para obterem aprovação no vestibular. Para os três estudantes que cursaram o Ensino Médio em escolas particulares, essa experiência signi cou o en- contro e a convivência com a desigualdade social, tendo sido marcada pela solidão e pela tristeza daí oriunda. No entanto, as intensidades e as formas de reagir a esses sen- timentos foram diferentes. Pedro3, 22 anos, aluno do quarto ano do curso de Biologia, fala a respeito de tais sentimentos. Filho de um pedreiro que cursou até a 4ª série e de uma dona de casa que concluiu curso técnico, esse jovem conseguiu, com a ajuda de familiares, uma bolsa de estudos para realizar o Ensino Médio em colégio particular de uma cidade vizinha à sua, para onde viajava todos os dias. Os deslocamentos diários e o material escolar eram pagos por seus tios. Além da limitação de tempo que a nova rotina de es- tudos impunha, Pedro afastou-se dos antigos amigos pois esses, ndo o Ensino Fundamental, encaminharam-se para o trabalho (na lavoura ou no comércio). E, apesar de, se- gundo seu relato, relacionar-se bem com os novos colegas, a convivência com eles restringia-se ao período em que permanecia na escola. Estando longe dos antigos e dos novos amigos, os anos do Ensino Médio foram marcados pela solidão. Nas palavras de Pedro: “Foram anos tristes assim...!”. Ele ressalta que esse sentimento de solidão era fruto do grande esforço e da dedicação aos estudos, sobre- tudo no terceiro ano, em virtude da proximidade do ves- tibular. No entanto, reconhece que o fato de ter se sentido solitário durante esse período foi também consequência de uma di culdade sua em conciliar as novas amizades com a residência em outra cidade. Pelo seu relato, os obstácu- los para que isso acontecesse parecem ter sido muito mais de ordem subjetiva do que material, quando ele diz, por exemplo, que encontrar os novos amigos em outros mo- mentos fora da escola “era possível”, mas que não ocorria por “falta de jeito mesmo”. Se esse jovem não tivesse sido aprovado no exame do vestibular, a solidão seria comple- ta: “E então no terceiro ano, nossa! Eu quei muito infeliz, credo! Se eu não tivesse passado, acho que se eu não tives- se passado eu acho que não teria mais nenhum amigo...”. Iniciado o afastamento de seus antigos amigos com o estudo em outra cidade, afastamento esse que pode ser entendido também, de forma mais geral, como distancia- mento de um mundo cultural em direção a outra realidade representada pelo projeto de ingresso na universidade, o que Pedro parece dizer é que, se essa passagem não tivesse se concretizado com a aprovação no vestibular, a solidão seria completa pois ele não se sentiria pertencente a ne- nhum dos dois mundos. A solidão e o desenraizamento também marcaram o primeiro ano do Ensino Médio de Antônio, 23 anos, aluno do quinto ano do curso de Farmácia, lho de um fundidor aposentado que cursou até a 3ª série e de uma costureira que completou a 4ª série primária. Para esse jovem, que traba- lhou na adolescência em uma fábrica de estofados, em outra de vassouras, em uma grá ca e fez um curso de Guarda Mirim, seu destino natural, ndo o Ensino Médio, seria o trabalho. Após ter conseguido uma bolsa integral de estudos em uma escola particular por ter sido aprovado em primeiro lugar no “vestibulinho”, Antônio fez lá o Ensino Médio. Esse estudante é incisivo ao a rmar que resolveu fa- zer a prova do “vestibulinho” a partir da experiência na Guarda Mirim e que a idéia de se preparar para esse exame o “salvou na hora certa”. Apesar de questionado, Antônio não explicita muito claramente a que essa idéia de salva- mento remete; todavia, parece-nos que ele está falando a respeito de ter se desviado de um destino social mais pro- vável tendo em vista sua condição socioeconômica. Após ser aprovado em primeiro lugar no “vestibulinho” e obter bolsa integral de estudos para cursar o Ensino Médio em uma escola particular, Antônio continuou trabalhando na grá ca, onde fora empregado depois de terminar o curso da Guarda Mirim, até a véspera do início das aulas no ano seguinte e explica o porquê: “Para mim a vida era aquilo lá: trabalhar”4. Foi desse destino que a obtenção da bolsa de estudos o desviou. O prolongamento da escolarização através da aprovação no exame do vestibular e do ingresso no Ensino Superior público era algo absolutamente fora do horizonte da vida desse jovem naquele momento: Se eu não zesse essa prova, eu não teria entrado em escola particular e eu não chegaria onde eu estou hoje; estar onde eu estou hoje, quando eu estava no Guarda Mirim era inimaginável, eu nem sabia que tinha essa possibilidade, eu nem pensava nisso! (...) Por mim eu ia estar trabalhando hoje, se eu continu- asse lá, se eu não zesse essa prova, eu trabalharia numa grá ca, (...) e nem teria sentimento de perda nenhuma que eu não conhecia fazer Curso Superior, ter pro ssão, sabe, ter nível superior, nem passava 3 Todos os nomes próprios utilizados são ctícios. 4 Durante a realização do Ensino Médio, Antônio conta que trabalhou apenas aos nais de semana ajudando um tio a cuidar da lavoura de café, atividade que continuou realizando, até recentemente, durante as férias da faculdade. 234 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 229-242 pela cabeça, para mim era coisa de gente rica, sabe, de quem tem dinheiro e não era para o meu bico. Aí eu passei na prova, z o Capital [escola particular], quei estudando no Capital [escola particular] (...). Então, isso aí foi tipo uma ponte que fez com que eu entrasse em outro mundo, assim, que facilitou, me aju- dou, fez com que eu chegasse até hoje, assim, conse- guisse esses objetivos que eu não tinha antigamente... Se Antônio não tivesse se preparado, prestado e pas- sado no concurso de bolsas de estudo, ele vislumbra que hoje, provavelmente, seria um técnico de artes grá cas tendo pro ssão e remuneração razoáveis para os padrões de vida de sua cidade natal e não se sentiria perdendo nada. Para esse jovem, a realização do Ensino Superior era reservada a outra camada social, não sendo vislumbrada como objetivo possível a pessoas com origem semelhante à dele. Para Antônio, seu destino “natural” era o mundo do trabalho, assim, nenhuma outra possibilidade seria sequer aventada, não fosse o acesso a “outro mundo”. Mas, assim como ocorreu com Pedro, estudar em um colégio privado signi cou, para Antônio, o encontro e a convivência com a desigualdade social. Recém saído da Guarda Mirim onde convivia com “pessoas mais simples”, esse jovem passou a estudar com o que ele chama de “elite da cidade”, o que lhe causou um “choque”. O período mais difícil foi o primeiro ano marcado por solidão, demorada adaptação e grande confusão. Com a entrada na nova esco- la, Antônio foi pouco a pouco se afastando dos antigos ami- gos e, dado o estranhamento do novo ambiente, demorou a fazer outros, o que fez com que ele fosse se “isolando”. Ele conta que nesse período sua vida limitou-se a ir à escola e voltar para casa, sem convívio social extra-escolar, aspecto também semelhante à história do estudante Pedro. Ademais, o primeiro ano foi bastante confuso para Antônio, confusão que ia desde entender as novas possibilidades que se lhe apresentavam naquele momento, como prestar vestibular e realizar um curso superior, até uma confusão de ordem mais emocional quando esse jovem parece falar a respeito dos efeitos do desenraizamento. Ao distanciar-se de sua origem social, Antônio ca confuso e não sabe como agir: “o pri- meiro ano foi um período meio, assim, de mistura, foi meio misturado, eu não sabia ainda onde que eu estava, como eu devia me portar, pensar, sabe?”. A partir do segundo ano na escola particular seu sentimento de pertença parece aumen- tar, tendo contribuído para isso a monitoria que Antônio passa a exercer, conseguida por uma professora da escola; ser monitor – de todas as disciplinas, exceto de inglês, para todas as séries – o conduz a outro lugar, a saber, de destaque na escola, colaborando para sua melhor adaptação. Carlos, 33 anos, aluno do quinto ano do curso de Medicina, lho de um motorista de táxi que estudou até a 4ª série e de uma dona-de-casa que possui Ensino Fundamental completo, realizou o primeiro ano do Ensino Médio em escola particular. Aluno exemplar, com apenas um conceito “C” entre notas “A” e “B” nas oito séries do Ensino Fundamental, Carlos foi indicado pelo diretor da escola estadual em que estudava para ser bolsista em uma escola particular de grande prestígio de São Paulo – Colégio Paulista (nome ctício; escola conhecida por dispor de um corpo docente altamente selecionado, pela grande aprovação nos exa- mes vestibulares e por atender alunos com elevado per l socioeconômico). A bolsa foi oferecida por uma Fundação a dez alunos de escolas públicas da cidade. Essa experi- ência teve grande impacto para Carlos e representou uma ruptura em sua trajetória escolar. Assim como para Pedro e Antônio, também para Carlos estudar em um colégio particular representou o encontro e a convivência com a desigualdade social, mas com outro desfecho. Com um histórico escolar de “bom aluno”, Carlos assustou-se com as notas baixas, tendo ido mal em todas as disciplinas no primeiro bimestre, no que fora acompa- nhado por todos os colegas bolsistas. Carlos de ne como decepção e “depressão” a experiência de um fraco ren- dimento na escola. Como uma tentativa de melhorar seu desempenho, Carlos solicitou ajuda de um colega de clas- se que se sentava ao seu lado na sala de aula, mas que se recusou a fazê-lo. Ao relatar isso, Carlos compara tal postura com sua experiência anterior na escola pública: Um fato que marcou bastante: eu era acostumado sempre a fazer grupo de estudos, um ajudava o outro, eu sempre me destaquei na escola, eu sempre ajuda- va os outros, a gente se reunia, eu ensinava, lá quan- do eu fui pedir ajuda um menino chegou e: “não, eu não vou te ajudar porque se eu te ajudar você pode car na frente no currículo”. O adolescente referia-se a uma classi cação existente no colégio que divulgava a nota individual dos alunos e o quanto cada um encontrava-se acima ou abaixo da média de todos para cada série5. 5 Embora não seja possível, no espaço deste artigo, discutir esse tipo de procedimento por parte da escola, consideramos importante apontar a sua inadequação. Piotto, D. C. (2010). Universitários de camadas populares 235 Carlos tentou ainda estudar sozinho e melhorou um pouco o rendimento no segundo bimestre. Não obstante esse pequeno progresso, ele abandonou a tentativa de acompa- nhar o ritmo da escola e foi reprovado no nal do ano. Além da experiência de fracasso escolar, o impacto da recusa do colega de classe em prestar auxílio parecer ter sido decisivo para a desistência de Carlos de acompanhar o ritmo do Colégio. Essa é não só a primeira lembrança relatada em relação à escola como também o primeiro, e talvez um dos mais marcantes, fato que Carlos nos contou a respeito de toda a sua trajetória. A respeito da negação de ajuda, ele faz uma re exão bastante pessoal: aí eu desencanei, recebi o baque. Também, na ver- dade, eu acho que foi mais uma desculpa para mim mesmo para desistir. Não sei. Eu acho que eu não estava preparado na época para fazer a escola... Eu acho que a mudança foi muito brusca, eu tinha 13 anos quando isso aconteceu e não soube lidar com a situação. Mas, com o quê Carlos não soube lidar naquela época? A situação mais difícil a ser enfrentada por ele na nova escola não foi, parece-nos, a de ensino-aprendiza- gem. Após ser escolhido pelo diretor da escola em que es- tudava para ser bolsista no Colégio Paulista, Carlos teve de prestar um vestibulinho cuja pontuação de niria a turma onde ele estudaria, já que nessa escola as classes eram for- madas de acordo com o desempenho escolar dos alunos. Ele, e mais um aluno vindo também de escola pública, foram classi cados na melhor turma da primeira série do Ensino Médio. Não se trata aqui de defender esse tipo de procedimento de formação de classes; o que pretendemos mostrar é que Carlos não entrou nessa escola particular com defasagem ou grande diferença de conhecimentos em relação aos demais estudantes que já estudavam na escola ou que estavam nela ingressando. Apesar das di- culdades pedagógicas que podem ter surgido ao longo de sua adaptação à nova escola, parece-nos, com base em seu histórico escolar, que Carlos tinha condições poten- ciais para conseguir acompanhar sua turma. Assim, não se desconsiderando as di culdades presentes na experiência de estudar em um colégio cujo ritmo de ensino era muito mais forte do que ele estava habituado na escola anterior em que ele “ia bem sem estudar”, a situação mais difícil a ser enfrentada por Carlos no Colégio Paulista parece-nos ter sido a de humilhação social. De acordo com Gonçalves Filho (1995), humilhação social é um tipo de angústia disparada a partir do enigma da desigualdade de classes. A idéia de enigma remete à di- culdade subjetiva em decifrar uma mensagem misteriosa a que pessoas mais pobres estão continuamente sujeitas em diferentes contextos sociais: “vocês são inferiores”. A humilhação social é um sofrimento provocado pelo im- pacto psicológico dessa mensagem enigmática e represen- ta a impossibilidade de ser reconhecido como um igual (Gonçalves Filho, 1998). Importante lembrar que Pedro, Antônio e Carlos viviam, por ocasião das experiências nas escolas parti- culares em que estudaram, uma fase especí ca em seus ciclos vitais que corresponde à adolescência e ao início da juventude. Assim, consideramos que a tristeza, o iso- lamento e a solidão experimentados pelos estudantes que freqüentaram escolas particulares também estão, em certa medida, relacionados ao momento especí co de desenvol- vimento vivido, caracterizado por uma condição peculiar. Todavia, a vivência desses períodos do ciclo vital pode va- riar conforme, entre outros fatores, a condição socioeco- nômica. Madeira (2006) mostra que o prolongamento da juventude não tem sido observado de modo generalizado no Brasil, considerando-se a realidade vivida pela maior parte dos jovens. Também Camarano, Mello, Pasinato e Kanso (2004) destacam que o amadurecimento psicosso- cial é diferenciado de acordo com o estrato social em que os jovens estão inseridos. Carlos relaciona de alguma forma a sua desistência de tentar acompanhar o ritmo de estudo no colégio parti- cular com a segregação social que afetava a ele e a seus colegas provenientes de escolas públicas: “Aí logo no segundo [bimestre] foi meio assim, quando eu pedi essa ajuda e foi negado... A gente era meio separado, também, né, dos outros, né. Acho que era condição social mesmo”. Carlos fala também a respeito da enorme desigualdade so- cial que os distinguia dos demais alunos da escola: ...a gente cou, era meio discriminado, bolsa: “Mas, como você conseguiu bolsa? O colégio não dá bol- sa!” Aí eu falava (...) e explicava a situação. (...) Era diferente! A gente era diferente. A gente se vestia pior, os meninos chegavam e diziam que foram para Nova York, viajou, não sei o quê, a gente... Até hoje eu não andei de avião, né! Então, já cria um abismo socialmente entre nós e eles. E, não se juntou, sim- plesmente não se juntava! O ato de discriminar, por vezes, é algo sutil, tornando mais difíceis e sofridos a sua compreensão e o seu enfren- tamento por parte de quem é alvo. Embora Carlos tenha usado, ele mesmo, o termo “discriminado”, procurando explicar-se melhor, ele recusa o sentido de intencionali- dade individual da ação presente na discriminação sofrida por ele e seus colegas bolsistas na escola particular: 236 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 229-242 Então, não é bem... Não sei explicar direito. É... éra- mos diferentes, não é que tinha discriminação, que o pessoal isolava; a gente, simplesmente, não conseguia conversar as mesmas coisas. (...). Era como se fosse um mundo à parte. A gente não conseguia misturar! É mais complicado do que simplesmente dizer que era discriminado. Não, não era! Tipo, eles não chegavam e: “não vou falar com você”. Nada disso! Era sim- plesmente... Não batia! A gente não conseguia conver- sar das mesmas coisas. A gente não tinha os mesmos conhecimentos, a gente não se divertia igual. A fala de Carlos traz a complexidade do fenômeno da humilhação social e ao mesmo tempo a dimensão do enig- ma nele presente. A vivência da desigualdade social é tão misteriosa que descrevê-la torna-se uma tentativa difícil e dolorosa: “Sei lá, é como (...). Não discriminam, você não consegue se misturar, é diferente. É mais... nem sei dizer (ri)! Está fugindo a palavra...”. Os dois mundos à parte não conseguem conviver, comunicar-se ou trocar in uências (Weil, 1996). A pala- vra foge e Carlos não consegue encontrar no universo se- mântico um código que decifre o sofrimento vivido por ele no colégio particular. Aluno tímido, anteriormente exemplar, experimen- tando pela primeira vez um mau desempenho na escola, sentindo-se rebaixado, ao ter seu pedido de ajuda negado, num ambiente caracterizado como competitivo e individu- alista, Carlos, com 13 anos, viu-se sozinho na tarefa de en- frentar essas di culdades e desistiu. Ao nal do ano letivo, ele e mais cinco colegas provenientes de escolas públicas foram reprovados e perderam a bolsa de estudos. Se para os que estudaram em escolas particulares a con- vivência com a desigualdade social e a vivência dos efeitos de uma experiência de desenraizamento ocorreu nessa épo- ca, para os estudantes que realizaram toda a escolarização na rede pública, tal convivência deu-se na universidade. Exemplo disso é a história de Marcos, 27 anos, aluno do quarto ano do curso de Psicologia. Filho de um vigia aposentado e de uma dona de casa, ambos com a 4ª série do Ensino Fundamental, esse estudante levou cinco anos até conseguir ser aprovado no exame do vestibular, pe- ríodo durante o qual sempre conciliou trabalho e estudo para arcar com as despesas dos cursinhos preparatórios, trabalhando na maior parte do tempo como garçom em um restaurante-choperia. Ao chegar ao campus da Universidade, Marcos depa- rou-se com um mundo bastante diverso do que fora a sua realidade até então. Já no dia da matrícula, foi apelidado de “calouro independente”, pois chegou de outra cidade sozinho, enquanto os demais ingressantes, sobretudo os de fora do município, vinham acompanhados dos pais. Nesse mesmo dia, durante o almoço, perguntaram-lhe se ele traba- lhava, porque tinha “cara” de quem já o fazia. O contraste entre esses dois mundos – o seu e o da universidade – cou evidente na primeira festa para os calouros: seu sentimento de não-pertencimento àquele lugar foi tão grande que ele desejou ter uma bandeja nas mãos para saber como agir. Suas palavras falam a respeito desse sentimento: Era muito complicado para mim, é, num primeiro momento, estar estudando com um pessoal que eu servia no bar. Foi muito engraçado, no primeiro dia (...) teve uma mega festa (...). E esse último ano tinha sido muito cansativo para mim, muito estressante, eu praticamente não tive vida social, tudo o que eu que- ria naquele momento era uma bandeja na mão, para mim saber o que fazer! (risadas) Na festa eu percebi como eu estava, sei lá, um pouco deslocado, como eu não estava ainda, não sei exatamente te dizer, dentro daquele universo ainda, ainda não era o meu, eu queria a bandeja e, e eu via um amigo meu, hoje amigo meu, né, muito amigo meu, reclamando, indig- nado, porque estava sem telefone para ligar internet, sendo que a minha preocupação naquele momento era: “O que eu vou comer? Como é que eu vou me manter aqui?” A convivência com os colegas de turma foi “di cíli- ma”, nas palavras de Marcos, principalmente no início do curso. Com a entrada na Universidade, ele passou a con- viver com quem gastava em uma noite o que ele ganhava no mês como garçom. Para lidar com o choque de rea- lidades tão díspares, esse estudante procurou, principal- mente no início, rea rmar sua história e apoiou-se no que ele denomina de “discurso do proletário injustiçado”. Esse discurso consistia, por exemplo, na a rmação de Marcos de que, no Ensino Superior público, deveria haver cotas para “ricos”, pois esses sim eram “minorias”. Também envolvia uma postura de orgulho por manter-se, nancei- ramente, com recursos próprios – provenientes de econo- mias, seguro-desemprego e FGTS (Fundo de Garantia de Tempo de Serviço) –, durante o primeiro ano da faculdade. Assim, Marcos relata que pagar, ele mesmo, pela cerveja que bebia, ao contrário de seus colegas que dependiam do dinheiro dos pais, era algo simbolicamente muito impor- tante para ele, sendo isso “marcante” e “positivo”. Apoiar-se na sua história de vida foi um recurso mui- to importante para auxiliar Marcos na tarefa de encontrar um lugar no novo mundo que se lhe apresentava. Todavia, segundo sua avaliação, di cultou ainda mais a convivên- cia com os colegas, pois ele acabava, em suas palavras, Piotto, D. C. (2010). Universitários de camadas populares 237 “proletarizando” tudo e relacionando-se com represen- tações e não com as pessoas concretas que se tornaram seus novos companheiros no Ensino Superior. Se por um lado, a rmar-se como estudante-trabalhador foi bom, pois o ajudou a enfrentar a nova situação, por outro foi ruim, em sua opinião, já que impedia a real convivência com o outro. Ao repetir e enfatizar que tinha “toda essa história”, Marcos a rma que resistia a conhecer a história do outro. Entendendo que a aprovação no vestibular o havia coloca- do em posição de igualdade (“estamos igual todo mundo”) com os colegas, esse jovem avalia que a insistência em constantemente recorrer e rea rmar sua história não mais se justi caria e ainda o estaria impedindo de, de fato, co- nhecer e se relacionar com os colegas. Todavia, há que se pontuar que a diferença e a injusti- ça que marcam a história desse estudante não são “discur- so”. De fato, Marcos é “diferente” de seus colegas porque tem “toda essa história”: sua origem social, sua condição econômica, sua experiência de trabalhador, o distinguem da maioria dos estudantes da Psicologia. Mas, quando Marcos chama de “discurso do proletário injustiçado” a recorrência e a re-a rmação de sua história de estudante-trabalhador, cujo percurso entre a saída da es- cola pública e a entrada na Universidade foi permeado por muito cansaço e grandes di culdades, ele consegue inserir- se mais no mundo dos colegas, mudando a visão que pos- suía deles, relacionando-se melhor com eles e encontrando um ponto de equilíbrio entre dois extremos. Nesse proces- so, esse jovem tem feito um grande esforço para contempo- rizar, conciliar e integrar visões, por vezes, contraditórias, procurando superar as marcas da humilhação social. Marcos relata ter mudado bastante sua postura perante várias coisas no decorrer do curso, inclusive, em relação aos colegas de turma. Ele realizou, segundo suas palavras, o “efeito vareta”6. Conta que, no começo da graduação, foi a muitas festas, tomou muita cerveja – hábito que não possuía antes do ingresso na universidade –, telefonou menos para a casa dos pais, foi displicente com o curso, experimentando o que ele chama de “o outro lado” e deixando um pouco de ser o “bom moço”, o “bom lho”, o “bom aluno”. Com essa postura, Marcos parece ter tentado deixar um pouco de lado o peso da responsabilidade que assumiu em sua vida, procurando minimizar a pressão exercida pela grande ex- pectativa existente a seu respeito, tanto no âmbito familiar (“...todo mundo tinha muito perspectiva em cima de mim, sabe, de ‘ah, você vai!’, sei lá, para onde, mas de alguma forma vai!”), quanto entre os amigos por quem sempre fora considerado muito responsável, austero, correto. En m, Marcos tentou diminuir um pouco o peso da vida: “...eu queria ter isso, eu queria, né, não ser tão sério, tudo, tão denso, tudo. Nos últimos anos tinha sido tudo muito sério, tudo muito denso... Não ser tão... [ser] mais uido, ser mais leve, um pouco nesse sentido...”. No entanto, considerar discurso algo que esse estudante experimentou de fato, ou seja, todas as di culdades enfren- tadas em sua perseverante tentativa de entrar em uma uni- versidade pública, gera confusão e não se faz sem perdas. Assim, embora considere tal contemporização como algo bom, isso faz com que ele, em vários momentos, per- ca o sentido de estar na Universidade: “... acho que é, de uma forma geral, isso é positivo, apesar de, às vezes, eu perder algumas coisas, que, às vezes, eu tenho que buscar [estala os dedos], né: ‘Que nossa! Qual o sentido de eu estar aqui?’ ”. A tentativa de procurar acomodar-se mais às novas circunstâncias, de procurar adaptar-se ao “outro mundo” deixa-o confuso a ponto de ele esquecer-se do signi cado que tem, para ele, estar cursando Psicologia numa universidade pública: Acho que eu queria participar um pouco desse outro mundo, sabe, de ir muito em balada, de, de não ser tão preocupado com as coisas, né, não ser, eu sempre tive muita estima do, do bom moço, o lho mais velho, o neto mais velho, o sobrinho mais velho, nã, nã, nã, nã, nã [fala rapidamente], mesmo de, de aluno comporta- do, mesmo de, e era uma coisa alguém pisar na bola, pisar no tomate, era outra coisa o Marcos pisar na bola ou no tomate. Então eu dei uma, uma aliviada nisso, vamos dizer assim... As minhas notas caíram, eu não me envolvia muito com o curso, fazia o que, ãh, não sei, o que me convinha, vamos dizer assim, o que eu gostava... e isso é que ca um pouco vazio, né, ca um pouco, meio sem sentido do porquê você está fazendo isso... Para Marcos, que, em função de suas condições socio- econômicas e do desejo de realizar curso superior, sempre teve de levar “tudo tão a sério”, não mais agir assim o dei- xa confuso e perdido. Sua vida nunca pôde ser mais leve e quando ele procura experimentar certa uidez “perde o sentido” ou o sentido que se lhe apresenta parece pequeno ou insu ciente para dar signi cado às suas ações. Para esse estudante perder a necessidade é fonte de sofrimento. Outra história que retrata esse sentimento de não- pertencimento – efeito de uma situação de desenraiza- mento – é a de Felipe, 22 anos, aluno do terceiro ano do curso de Administração. Filho de um motorista e de uma 6 Com essa expressão, Marcos refere-se a um movimento que o levou de um extremo a outro. 238 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 229-242 funcionária pública aposentada, ambos com curso técnico, esse jovem realizou toda sua escolarização em uma escola pública. O Ensino Médio foi realizado no período noturno para conciliar os estudos com o trabalho em um banco, onde Felipe iniciou como of ce-boy e, posteriormente, passou para uma função de atendimento ao público. Felipe conta que realizar curso superior em uma uni- versidade pública era um sonho. No entanto, ao cursar o Ensino Médio no período noturno, ele a rma que sentia estar distanciando-se disso. O fraco ensino do colegial noturno, a perspectiva dos colegas de apenas obterem o diploma, a falta de compromisso dos professores, torna- vam esse contexto um meio adverso para a concretização de seu desejo. Porém, com a realização de um curso pre- paratório, aliado a esforço e determinação – Felipe estu- dava 12 horas todos os dias –, esse estudante consegue ser aprovado no vestibular. Contudo, o sentimento de “estar fora do lugar” que ele descreveu a respeito de sua convivência com os colegas no Ensino Médio, acompanhou-o na faculdade, embora por razões diversas. Se no colegial seus colegas eram muito mais pobres do que ele, falavam sobre brigas familiares e não tinham a realização de curso superior como meta, na faculdade, seus colegas são muito mais ricos, conver- sam sobre viagens ao exterior e possuem hábitos e estilos de vida que ele não compartilha. É essa diferença que faz Felipe a rmar que ainda não encontrou seu grupo. O senti- mento de não-pertencimento parece acompanhá-lo: Quando eu estava no colegial eu me sentia deslocado porque não era meu meio, e na faculdade eu também me sinto deslocado porque está muito discrepante do... (...) O pessoal é gente boa, assim, mas eu não consigo ter um entrosamento, sabe? Não consigo por- que as conversas, também o meio desse pessoal que eu estou agora, também é diferente do meu, sabe? Apesar disso, Felipe a rma que o período da faculda- de é, de toda sua trajetória escolar, o momento que ele está mais gostando: “Eu estou bem mais feliz, assim”. Nesse sentido, muito embora no percurso até o Ensino Superior e na experiência universitária dos estu- dantes entrevistados haja solidão, tristeza e situações de desenraizamento e humilhação social, o sofrimento não constitui a tônica de seus relatos. Exemplo disso é a visão de Carlos a respeito da sua experiência no Colégio Paulista. Apesar de esse estudante ter sofrido o golpe da humilhação social, não sucumbiu a ele; antes tirou proveito e aprendizado dessa experiência. Carlos considera que a vivência nessa escola representou uma quebra em sua trajetória escolar mas “positiva” e não “ruim”, classi cando-a como uma “experiência rica”. Uma das vantagens que tal experiência lhe trouxe foi proporcio- nar uma bagagem de conhecimentos que lhe possibilitou cursar o primeiro colegial7 novamente com muita facilida- de, na medida em que “já sabia muita coisa, era bem mais adiantado”, contribuindo para o resgate de uma posição de destaque na escola. Além disso, a experiência naquele colégio lhe permitiu conhecer a dimensão da desigualdade escolar ao mostrar-lhe a diferença existente entre o ensino da escola na qual estudava – uma boa escola pública – e onde era considerado “bom aluno” e uma escola particular destinada às mais altas camadas sociais. O conhecimento dessa discrepância foi importante para estimulá-lo a es- tudar e para preparar-se quando, tempos depois, resolveu prestar vestibular para o curso de Medicina: E a experiência de ver que eu estava bem, só que é meio ilusório, né. É bem para uma escola estadual, mas é bem distante do que é realmente as coisas. E isso foi um fator até que fez eu correr mais atrás, de estudar mais tarde, de estudar por conta (...) depois para eu mesmo car estudando para o vestibular. Eu vi que não bastava seguir, ou sei lá, achar que aprendeu, precisava de algo mais. Lá [no Colégio Paulista] foi interessante para mostrar isso: ver que o mundo é maior do que eu imaginava... Se o relato dos entrevistados retrata solidão, desenrai- zamento e humilhação, ele também mostra que o ingresso e a permanência na universidade não signi cam, necessaria- mente, fonte de sofrimento para os estudantes das camadas populares no tocante à relação com suas famílias. Para além do sofrimento Ingressar em uma universidade pública signi cou, na história de Antônio, por exemplo, também mudança de pensamento não só dele, mas de toda sua família. A expe- riência desse estudante nos permite a rmar que existem outros sentidos para a relação entre lho/aluno e família, diferentes do sofrimento advindos de um distanciamento cultural. A experiência de Antônio tem contribuído para que sua família mude a forma de pensar a escolarização. 7 Em outra escola particular onde também obteve bolsa de estudos. O segundo e o terceiro anos do Ensino Médio Carlos realizou em uma escola pública de outra cidade para onde se mudou com a família. Piotto, D. C. (2010). Universitários de camadas populares 239 Por ser o pioneiro no Ensino Superior público, tanto do lado paterno quanto materno, Antônio transformou-se numa espécie de exemplo a ser seguido. A trajetória da irmã mais nova está sendo facilitada por sua experiência, pois os pais compreendem melhor e conhecem mais sobre o acesso à universidade: “...eles estão estimulando; pela minha experiência eles já sabem mais como lidar com a minha irmã: ‘onde você vai estudar, com que você vai es- tudar, se precisar fazer cursinho...’ ”. Também um primo de 16 anos vai prestar vestibular, o que mostra que a sua experiência tem sido fonte de modi cação de pensamento em toda a família e não apenas em seu núcleo familiar. Pedro, por sua vez, conta que a sua opção pro ssio- nal nunca foi muito bem compreendida pelos pais: eles não entendiam o que era a pro ssão de biólogo, com o quê trabalhava, por conceberem como carreiras de nível superior apenas aquelas mais tradicionais como Medicina, Direito ou Engenharia. Todavia, ele relata que ao longo de sua graduação os pais puderam ir conhecendo melhor do que se tratava o curso de Biologia. A di culdade dos pais de Pedro entenderem sua escolha pro ssional pode ser considerada consequência da distância cultural que se- para seus cotidianos do Ensino Superior. Contudo, a pró- pria experiência universitária do lho pôde ajudar a mudar essa visão, permitindo uma ampliação de horizontes, não só a Pedro, mas também a seus pais. A distância cultural, que se acentua com a experiência universitária, entre pais e lho não nos parece ser vivida como sofrimento e sim como oportunidade de crescimento para ambos. Felipe refere-se a uma ampliação de hábitos por par- te de sua família e maior aceitação de diferentes estilos de vida proporcionados pelo fato de ele morar e estudar em uma cidade bem maior do que a cidade natal onde a família reside. De sua parte, ele relata maior compreensão acerca de atitudes e características familiares que antes ele reprovava. A grande mudança no grupo familiar, entretan- to, refere-se justamente à maior queixa desse estudante em relação à sua família: Felipe relata que, após seu ingres- so na Universidade, seus pais “abriram mais um pouco a cabeça” e passaram a valorizar o estudo, o que ele carac- teriza como mudança de “mentalidade”, e o faz a rmar que, atualmente, a partir de sua experiência, os pais “são diferentes do que eles já foram um dia...”. Com base no exposto, podemos a rmar que os relatos dos estudantes têm nos mostrado que a entrada no Ensino Superior pode trazer mudanças positivas também para suas famílias. Para além do orgulho e da alegria dos pais, a presença dos lhos em uma universidade pública parece representar para as famílias possibilidade de crescimento. Em relação à experiência universitária dos estudantes, embora eles relatem choques e embates, o sofrimento também não é a característica predominante em suas narrativas. Antes a experiência na Universidade aparece em suas falas como representando perspectivas de vida nunca imaginadas. Marcos a rma que a entrada na Universidade signi- cou uma completa transformação em sua vida – um giro de “180º” e permitiu que em quatro anos de curso ele “ti- rasse a limpo” os cinco em que tentou ingressar em uma universidade pública. O ingresso na Universidade repre- sentou, por exemplo, a possibilidade de resgate de sabe- res seus, como a loso a e o teatro, desvalorizados no cursinho e dispensados no seu trabalho como garçom. O que nesses espaços não fazia diferença, na Universidade foi aproveitado e permitiu a Marcos a entrada em um grupo de pesquisa sobre História da Psicologia e a parti- cipação no grupo de teatro. O ingresso na Universidade signi cou também a viabilidade de outra perspectiva de vida para Marcos. Sem o acesso ao Ensino Superior gratuito, esse estudante vislumbrava uma trajetória de vida pouco atraente: realizar um curso qualquer numa faculdade particular com muito sacrifício para pagá-lo, conseguir um emprego um pouco melhor e constituir fa- mília. A entrada na Universidade representou uma pers- pectiva de vida diferente da já traçada pela sua condição social. A diferença que a universidade tem feito na vida de Marcos ca evidente quando ele a rma que, antes, por mais que trabalhasse e se esforçasse, as coisas pareciam não acontecer, enquanto na Universidade, com um pe- queno esforço, o mundo se move: ...então acaba girando, acontecendo, as coisas acon- tecem aqui [Universidade], enquanto que antes não estavam acontecendo, eu tinha que labutar, labutar, e, às vezes, não conseguia nada, e aqui com um esforço mínimo parece que o mundo gira; não mínimo, né, vai, estou exagerando um pouquinho, mas só para fri- sar bem o que eu sinto a diferença de antes e depois. Além disso, a experiência na Universidade signi cou também a “possibilidade de sonhar um monte de coisas” antes completamente inviáveis ou inimagináveis, como, por exemplo, a possibilidade de fazer pós-graduação no exterior. Trilhar um caminho diferente do já traçado social- mente também foi o que o ingresso na Universidade re- presentou para Antônio. Realizar o curso de Farmácia signi cou uma transformação tão brusca em relação à posição social ocupada por sua família que ele reconhece que atualmente, mesmo já estando formado e tendo re- cém ingressado na pós-graduação, ainda se surpreende com as possibilidades que constantemente se lhe apresen- tam. Reforçando que considera a entrada na Universidade como um “divisor de águas” em sua vida, ele diz: 240 Revista Brasileira de Orientação Pro ssional, 11(2), 229-242 Para mim foi (...) um negócio que vai, assim, reper- cutir nos lhos, nos netos, assim, porque mudou o pensamento de toda a minha família, eu, tipo, mudei para melhor, certo, eu vou ter uma vida melhor que meu pai, bem melhor que meu pai, meu lho possi- velmente vai ter uma outra educação... Então foi um negócio que tirou a gente de uma posição estagnada já, (...) promoveu, me promoveu, né! (...). Então, foi uma mudança violenta assim na minha vida, eu não esperava isso... Então, para mim ainda está sendo uma surpresa até hoje fazer isso! Na minha família então, bem maior! Nesse sentido, os relatos dos estudantes têm permi- tido compreender não só as di culdades enfrentadas, mas também as possibilidades que se lhes apresentam quando ingressam em uma universidade pública, signi cando tal experiência completa transformação em suas perspectivas de vida e possibilidade de crescimento para as famílias. Assim, muito embora os estudantes, ao falarem a respeito de suas trajetórias até a Universidade e de suas experiências nela, relatem esforço, solidão, sentimento de não-pertencimento, suas narrativas não são predominante- mente marcadas pelo sofrimento. Esse fato pode dever-se a grande variedade de fatores. Poderíamos, por exemplo, interpretá-lo como resultante de um mecanismo psíquico de defesa, através do qual os estudantes estariam negan- do o sofrimento vivido por eles como forma de enfrentar as adversidades encontradas. Poderíamos, ainda, entender o fato como resultado da criação de uma biogra a ven- cedora, no sentido da “ilusão biográ ca” discutida por Bourdieu (1996b). Neste trabalho, no entanto, procuramos compreender esse fato a partir do que o próprio estudante a rmou a respeito de si e de sua experiência de vida. Ao contarem suas trajetórias, os estudantes aparecem como pessoas que aprofundam a dimensão da ação. Arendt (1993) diferencia três atividades que considera fundamentais no que ela chama de “vita activa”: o labor, o trabalho e a ação. O primeiro corresponde às atividades ligadas diretamente às necessidades biológicas humanas. O trabalho, por sua vez, diz respeito às atividades que pro- duzem um mundo de coisas que se distinguem do mundo natural e cujo produto é “artefato humano”. Já a ação é de- nida por Arendt como a característica distintiva da condi- ção humana e a única atividade exercida diretamente entre os homens sem a mediação das coisas, correspondendo à capacidade de iniciar algo novo, ou seja, agir, tomar inicia- tiva, iniciar, imprimir movimento a alguma coisa. Segundo Lafer (1993), apoiado em Bikhu Parek, para Arendt (1993) se no labor o homem revela suas necessidades corporais e no trabalho a sua criatividade artesanal, na ação ele revela a si mesmo; fonte de signi cado da vida humana, a ação é a capacidade de começar algo novo que permite ao indivíduo revelar a sua identidade. O agir desvia o homem da destrui- ção e da morte, sendo considerado pela autora um “milagre humano”, um “impulso” para a vida. Talvez se encontre aí uma pista que nos ajude a en- tender a posição dos estudantes diante de suas trajetórias escolares e experiências universitárias. Em que pese, por exemplo, em alguns momentos das entrevistas, a auto- identi cação espontânea deles como pessoas “pobres”, é claro em seus relatos que eles não se sentem desprovidos, pelo menos não de capacidades ou habilidades. Antes, eles procuram apoiar-se naquilo que possuem para buscar o que lhes falta. Apesar de sofrerem, eles não lamentam, buscam agir. Agir novamente, re-agir. Considerações nais As histórias dos cinco estudantes de cursos de alta seletividade de uma universidade pública discutidas aqui nos mostram que os caminhos para a construção de tra- jetórias escolares prolongadas nas camadas populares, como a rma Lahire (1997), são heterogêneos e múlti- plos, a despeito de semelhanças de condições de vida e de origem social. Todavia, não obstante este trabalho ter lidado com casos singulares, não entendemos as trajetórias anali- sadas apenas como individuais. Apesar do destaque a algumas questões e características subjetivas e da con- sideração da importância dessa dimensão no estudo do acesso e da permanência do estudante pobre no Ensino Superior, não entendemos as questões observadas como resultados de uma essência intrínseca aos estudantes nem como oriundas única e exclusivamente de seus empe- nhos pessoais. Com efeito, esforço, determinação, per- severança, autodisciplina, dedicação estiveram presentes nas trajetórias