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* * * PARASITOLOGIA MÉDICA 9. TREMATÓDEOS; Fasciola hepatica. Luís Rey Fundação Oswaldo Cruz Instituto Oswaldo Cruz Rio de Janeiro Complemento multimídia dos livros “Parasitologia” e “Bases da Parasitologia”. Para a terminologia, consultar “Dicionário de termos técnicos de Medicina e Saúde”, de * * * Helmintos parasitos do homem A espécie humana é parasitada freqüentemente por alguns helmintos dos filos Platyhelminthes e Nematoda. Os Platyhelminthes têm simetria bilateral, corpo achatado dorsoven-tralmente e um tegumento formado por um sincício anucleado, limitado externamente por dupla membrana. Aí insere-se grande número espinhos. Pontes citoplásmicas unem o sincício a células mergulhantes nucleadas localizada no parênquima. Sob o sincício há uma camada de fibras musculares que asseguram a locomoção do helminto. Tegumento de Platyhelminthes, com um espinho (E) implantado na camada sincicial, e tendo por baixo a camada muscular. Cm, células mergulhantes. * * * Os Trematoda Os Trematoda são helmintos Platyhelminthes, dotados de corpo não segmentado. Somente na subclasse Digenea há espécies de interesse médico e que serão objeto de nosso estudo. Eles não possuem cavidade geral (isto é, são acelomados). Os diferentes órgãos inter-nos ficam mergulhados e sustentados, in loco, por um parênquima formado de células estreladas que ocupam todo o interior desses helmintos. Entre as células encontra-se um líquido intersticial em que circulam os materiais nutri-tivos. Também não dispõem de sistema esquelético, respira-tório ou circulatório. O digestório, simples ou ramificado, termina geralmente em fundo cego, sem ânus. Trocas metabólicas podem ocorrer, também, através do tegumento. Em sua grande maioria, são organismos hermafroditas com aparelhos genitais complexos. * * * Os Trematoda O sistema digestório compreende a boca no fundo da ventosa oral (a), seguida da faringe musculosa (b), esôfago (c) e do intestino (d). O acetábulo ou ventosa ventral (e) pode ocupar posições variadas. O sistema reprodutor feminino compõe-se de um ovário (f), o canal de Laurer (g), que é por vezes o órgão copulador feminino; o receptáculo seminal (h), o oótipo (i) cercado pelas glândulas de Mehlis, o útero (j) e as glândulas vitelógenas (k) com seus ductos (l). Os órgãos masculinos são: 2 testículos (m), canais eferentes (n), um deferente (o) e bolsa do cirro (p), envolvendo um segmento prostático (q) e o cirro (r), que se abre no átrio genital (s), em comum com o útero (j). O sistema excretor compreende solenóci-tos (t), ductos (u), uma vesícula (v) e seu poro excretor (x). Esquema em que foram representadas as glândul-as vitelinas e o sistema excretor de um só lado, para maior clareza do desenho. * * * Ciclo vital dos trematódeos O verme adulto (A) põe ovos (B) que, embrionados, liberam no meio líquido uma larva ciliada, o miracídio (C). Este nada, até penetrar em um molusco hospedeiro, perdendo seu epitélio ciliado e adotando a forma sacular: é o esporocisto (D). No interior deste, forma-se, por brotamento, uma 2ª geração larvária – as rédias – capazes também de formar rédias de 3ª geração (E). Estas rédias (F) produzem uma nova geração larvária – as cercárias (G) – que voltam ao meio aquático e nadam até penetrarem em um hospedeiro vertebrado (hospedeiro definitivo). Ou encistam-se na vegetação (ou outros animais) – são as metacercárias (H) – que, ingeridas por determinados vertebrados, transformam-se a final nos estádios juvenis do trematódeo (I) que evoluem para vermes adultos (A). Algumas espécies não apresentam todas as fases aquí mencionadas. * * * Fasciola hepatica e fasciolíase * * * Fasciola hepatica O homem pode ser hospedeiro ocasional de diversos trematódeos de animais. Porém, a Fasciola hepatica que é um parasito de herbívoros (principalmente bovi-nos, ovinos e caprinos) é a que mais freqüen-temente produz infecções na espécie humana. A doença recebe os nomes de fasciolíase, fasciolose ou distomatose hepática. O verme adulto, de aspecto foliáceo e cor acinzentada, mede 2 a 4 cm de comprimento, sendo achatado dorsoventralmente e com extremidades afiladas. Possui uma ventosa oral (a) e pouco atrás uma ventosa ventral ou acetábulo (b). Seu sistema digestório é extremamente ramificado, tendo início na ventosa oral e bifurcando-se logo após o esôfago para formar dois canais longitudinais (c) que se ramificam abundantemente, formando inúme-ras terminações cecais. Não há ânus. Esquema de uma Fasciola hepatica com destaque para o sistema digestó-rio * * * Fasciola hepatica O sistema reprodutor é hermafrodita, mas prevalece a fecundação cruzada. Os órgãos femininos compre-endem o poro genital (a) seguido do útero enovelado (b) e ligado ao oótipo (c) por um curto oviduto. O ovário é único e ramificado (d). Ao oótipo vêm ter os canais (e) das glândulas vitelogênicas em cacho e muito abundantes (f), que ocupam todas as regiões marginais do helminto. Os órgãos masculinos pos-suem um cirro (a) envolvido pela bolsa do cirro (b). Aí vêm ter os 2 canais defe-rentes, cada qual ligado a um dos testículos ramificados (d), dispostos em linha na região central da fascíola. Esquema dos órgãos femininos da Fasciola hepatica. Esquema dos órgãos masculinos com um só testículo (o poste-rior) representado. * * * Ciclo vital da Fasciola O verme adulto vive na vesícula e canais biliares dos vertebrados, que ficam inflamados e dilatados. Ele se nutre-se de bile e de tecidos necrosados. Cada helminto produz entre 4 mil e 50 mil ovos por dia. Esses ovos, arrastados pela bile, saem com as fezes, eclo-dindo depois de embrionarem na água de pântanos e charcos onde pastam seus hospedeiros (sobretudo carneiros e bovinos). Os miracídios infectam molus-cos de água doce do gênero Lymnaea, onde se multiplicam, produzindo rédias e cercárias. As cercárias saem ao fim de 2 meses, nadam pouco tempo e logo se encistam (metacercárias) aderidas em geral à vegetação. Graças à proteção assegurada pelas glândulas cistógenas, as metacercárias podem sobreviver até serem ingeridas, com o pasto, por novos hospedeiros. O ciclo, segundo Markel et al. * * * Fasciolíase PATOLOGIA A Fasciola hepatica poucas vezes infecta o homem, o que parece decorrer de certo grau de resistência natural. Também o número de hel-mintos costuma ser pequeno, mas a eosinofilia é intensa e os testes imunológicos soem ser bem positivos. As lesões precoces resul-tam da migração das larvas. As metacercárias eclodem no intestino, atravessam sua parede e, a partir da cavidade peritoneal, perfuram a cápsula de Glisson, invadindo o fígado. Neste, abrem túneis que produzem inflamação, absces-sos eosinofílicos, necrose e fibrose. Ao atingirem a luz dos ca-nais biliares ou da vesícula, ai se instalam, crescem e as fêmeas adultas põem ovos. Então, causam dilatação e hipertrofia das paredes, infla-mação, lesões vasculares e necrose tecidual em torno. A vesícula biliar pode estar normal ou dilatada, com colecistite ou colelitíase. Nas formas mais graves, há cirrose biliar, compressão e atrofia dos tecidos adjacen-tes, formação de adenomas e insuficiência hepática. Migrações erráticas, raras, podem levar as fascíolas aos pulmões, produzindo dispnéia ou asfixia; mas também a outros órgãos. * * * Fasciolíase SINTOMATOLOGIA O período de incubação varia, com o número de hel-mintos, entre 6 e 9 semanas, com quadro clínico polimorfo. Na fase aguda, há poucos sintomas, muito vagos, poden-do se passarem quatro meses sem sintomatologia. Mas há leucocitose e inten-sa eosinofilia; hemossedimen-tação aumentada; por vezes, febre alta e aumento doloroso do fígado. As provas de função hepáti-ca estão, em geral, alteradas, havendo hipergamaglobuline-mia. No hospedeiro humano, as fascíolas podem viver 9 a 13 anos. Na fase crônica, uma longa história clínica costuma su-gerir colecistite, angiocolite, calculose ou outros quadros digestivos crônicos. Sintomas freqüentes são: dor abdominal localizada no hipocôndrio direito, anorexia e dispepsia, evacuações pou-co freqüentes ou constipa-ção intestinal. A febre é em geral baixa. Aparece icterícia quando se instala uma colelitíase obstrutiva. Pode haver hepatospleno-megalia e emagrecimento. Os quadros graves são devidos a infecção ou obstru-ção biliar. * * * Fasciolíase DIAGNÓSTICO O quadro clínico mais sugestivo compreende febre, eosinofilia (> 5.000 eosinófilos/mm³), aumento do fígado e dor no hipocôndrio direito. Em pequenos surtos epidêmicos, é possível relacionar os casos com uma refeição coletiva em que se consumiu agrião contaminado. Mas um diagnóstico seguro requer o encontro de ovos do parasito nas fezes ou no suco duodenal obtido por son-dagem (na bile B e C principalmente). Utilizar técnicas de concentração e repetir os exames se necessário, dada a escassez de ovos. Uma confusão diagnóstica pode ser devida à alimentação das pessoas com fígado de animal infectado. Os ovos de Fasciola transitam, então, pelo tubo digestivo sem eclodir e são eliminados com as fezes do paciente. O ovo de Fasciola (130-150 µm) possui casca fina e opérculo em um dos pólos (seta). O embrionamento, faz-se no meio aquático, em geral, em 10 a 20 dias. * * * Fasciolíase TRATAMENTO Os medicamentos empregados são: Triclabendazol, via oral, 2 vezes no mesmo dia, com 6 a 8 horas de intervalo, depois das refeições. Deidroemetina, como para o tratamento da amebíase. EPIDEMIOLOGIA A fasciolíase é uma zoonose cosmopolita, muito freqüente no gado ovino, caprino e bovino, bem como em outros herbívoros, causando grandes prejuízos econô-micos para a pecuária. Os casos humanos registrados no mundo reduzem-se a alguns milhares. No Brasil, foram notificados pouco mais de meia centena, a maioria no Paraná. Admite-se que muitos casos fiquem desconhecidos porque os médicos não pensam nessa infecção, porque o diagnóstico é difícil ou porque aceitam-se outras explicações para seu quadro clínico. * * * Fasciolíase ECOLOGIA E CONTROLE As condições para a existência dessa endemia encontram-se por toda parte, mas sobretudo em climas subtropicais e temperados. No Brasil a enzootia extende-se do Rio Grande do Sul a Minas Gerais. O ecossistema em que se criam as fascíolas é o de campos com alagados e áreas pantanosas, ha-bitadas por mo-luscos de água doce do gênero Lymnaea e onde haja criação de ovinos ou de bovinos. * * * Fasciolíase Os períodos de chuvas são os melhores para a transmissão. As metacercárias requerem umidade e suportam melhor as temperaturas baixas que as superiores a 25ºC, podendo viver meses na forragem úmida. Para prevenir a infecção humana, basta que todo o agrião consumido venha de hortas cercadas e irrigadas de modo a impedir o acesso e a poluição fecal pelo gado. Não usar adubo animal nessas culturas. O gado pode ser tratado com triclabendazol. A água de beber, nas regiões endêmicas, deve ser tratada ou submetida à filtração. Conchas de moluscos do gênero Lymnaea, hospedeiros de Fasciola hepatica. * * * Leituras complementares ACHA, P.N. & SZYFRES, B. – Zoonosis y enfermedades transmi-sibles comunes al hombre y a los animales. 2a edição. Washington, Organización Panamericana de la Salud, 1997. REY, L. – Bases da Parasitologia. 2a edição. Rio de Janeiro, Editora Guanabara, 2002 [380 páginas]. REY, L. – Parasitologia. 3a edição. Rio de Janeiro, Editora Guanabara, 2001 [856 páginas]. THIENPONT, D.; ROCHETTE, F. & VANPARIJS, O.F.J. – Diagnosing helminthiasis by coprological examination. Beerse, Belgium, Janssen Research Fondation, 1986.