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I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A Água subterrânea água subterrânea corresponde a, aproximadamente, 30% das reservas de água doce do mundo. Desconsiderando a água doce na forma de gelo, a água subterrânea corresponde a 99% da água doce do mundo. Seu uso é especialmente interessante porque, em geral, exige menos tratamento antes do consumo do que a água superficial, em função de uma qualidade inicial melhor. Em regiões áridas e semi-áridas a água subterrânea pode ser o único recurso disponível para consumo. Armazenamento de água subterrânea A água no subsolo fica contida em formações geológicas consolidadas ou não, em que os poros estão saturados de água, denominadas aqüíferos. A capacidade de um aqüífero de conter água é definida pela sua porosidade, definida como a relação entre o volume de vazios e o volume total. Uma formação geológica que é pouco porosa, contém pouca água e, principalmente, que impede a passagem da água, é denominada aqüitardo. Existem dois tipos de aqüíferos: confinados e não-confinados, ou livres. Um aqüífero confinado está inserido entre duas camadas impermeáveis (aquitardos). Um aqüífero livre é o aquífero que pode ser acessado desde a superfície, sem a necessidade de passar através de uma camada impermeável. A porosidade é a medida relativa do volume de vazios em um meio poroso. É calculada pela divisão entre o volume de vazios e o volume total: total vazios V V =φ Capítulo 9 A 93 A pressão, ou carga hidráulica em um determinado ponto de um aqüífero depende do tipo de aqüífero e da posição em que está sendo medida. A carga hidráulica é medida através de piezômetros, que são poços estreitos para medição do nível da água. Em aqüíferos livres a carga hidráulica pode ser considerada igual à cota do lençol freático, como mostra a Figura 9. 1. Em aqüíferos confinados, a carga hidráulica pode ser maior do que a altura da água. Isto ocorre quando a água no aqüífero está sob pressão (ver figura do exemplo a seguir). Figura 9. 1: Piezômetros para medição de nível da água subterrânea em um aqüífero livre. Fluxo de água subterrânea A água subterrânea se movimenta através dos espaços vazios interconectados do solo e do subsolo e ao longo de linhas de fratura das rochas. O fluxo da água em um meio poroso pode ser descrito pela equação de Darcy. Em 1856, Henry Darcy desenvolveu esta relação básica realizando experimentos com areia, concluindo que o fluxo de água através de um meio poroso é proporcional ao gradiente hidráulico, ou às diferenças de pressão. x hKq ∂ ∂ ⋅= e x hAKQ ∂ ∂ ⋅⋅= onde Q é o fluxo de água (m3.s-1); A é a área (m2) q é o fluxo de água por unidade de área (m.s-1); K é a condutividade hidráulica (m.s-1); h é a carga hidráulica e x a distância. A condutividade hidráulica K é fortemente dependente do tipo de material poroso. Assim, o valor de K para solos arenosos é próximo de 20 cm.hora-1. Para solos siltosos este valor cai para 1,3 cm.hora-1 e em solos argilosos este valor cai ainda mais para 0,06 cm.hora-1. Portanto os solos arenosos conduzem mais facilmente a água do que os 94 solos argilosos, e a infiltração e a percolação da água no solo são mais intensas e rápidas nos solos arenosos do que nos solos argilosos. A condutividade hidráulica das rochas também depende do tipo de rocha, sendo maior em rochas sedimentares, como o arenito , e menor em rochas ígneas ou metamórficas, exceto quando estas são muito fraturadas, neste caso sua condutividade pode ser relativamente alta. A Tabela 9. 1 apresenta faixas de valores de condutividade hidráulica normalmente encontrados em diferentes tipos de solos e rochas. Tabela 9. 1: Condutividade hidráulica de materiais porosos e rochas. Material Limite inferior (mm.s-1) Limite superior (mm.s-1) Karst 10-3 103 Rochas ígneas e metamórficas fraturadas 10-5 10 Arenito 10-8 10-4 Rochas ígneas e metamórficas não fraturadas 10-10 10-4 Areia 10-2 102 Seixos 10-1 103 A transmissividade de um aquífero é definida como a condutividade hidráulica vezes a espessura do aquífero. As unidades da transmissividade hidráulica são m2.s-1, ou cm2.s-1, ou m2.dia-1. Assim, um aqüífero com condutividade de 10-4 cm.s-1, e com uma espessura de 10 m, tem uma transmissividade de 10-1 cm2.s-1. EXEMP LO 1) Considere um aqüífero confinado entre duas camadas impermeáveis, como mostra a figura a seguir. Dois piezômetros, instalados a uma distância dL de 1000 metros mostram níveis de 42,1 (A) e 38,3 (B) metros? A espessura do aqüífero (m) é de 10,5 metros, e a condutividade hidráulica é de 83,7 m.dia-1. Calcule a transmissividade do aqüífero e a vazão através do aqüífero, por unidade de largura, em m3.dia-1.m-1. 95 O gradiente de pressão no aqüífero é 00380 1000 83 1000 338142 dL dh , ,,, == − = m.m-1 a transmissividade é o produto da condutividade e da espessura do aqüífero: 879510783mKT =⋅=⋅= ,, m2.dia-1 A vazão através do aqüífero é dL dhKAQ ⋅⋅= Considerando a área A como o produto da espessura m e da largura (B) a vazão é calculada por 343B 1000 338142879B dL dhTB dL dhKmBQ ,.. ⋅=−⋅⋅=⋅⋅=⋅⋅⋅= m3.dia-1 Considerando uma largura unitária do aqüífero (1m) a vazão é de 3,34 m3.dia-1.m-1. Assim, se a largura do aqüífero for de 100 m, a vazão é de 334 m3.dia-1. Equação de continuidade Considerando um volume de controle em um aqüífero como o ilustrado na figura a seguir, a massa de água que entra no volume de controle menos a quantidade de água que deixa um volume de controle ao longo de um intervalo de tempo deve ser igual à variação da massa de água armazenada no volume de controle durante este intervalo de tempo. 96 Figura 9. 2: Princípio da conservação de massa em um volume de controle de um aqüífero. A massa de água entrando no volume de controle é o produto da massa específica e da vazão de entrada. A massa de água saindo do volume é o produto da massa específica e da vazão de saída. A variação da massa de água armazenada é dada por: ( )V t ρ ∂ ∂ Assim, a a equação da continuidade para este volume de controle é: ( )V t qq xxx ρρρ ∂ ∂ −=⋅−⋅ ∆+ Reescrevendo esta equação para um volume de controle infinitesimal: ( )V tx q ρ ∂ ∂ −= ∂ ∂ Considerando um volume de controle tridimensional, a equação fica: ( )V tz q y q x q ρ ∂ ∂ −= ∂ ∂ + ∂ ∂ + ∂ ∂ E, introduzindo a equação de Darcy, a equação acima pode ser escrita como: ( )V tz hK zy hK yx hK x zyx ρ∂ ∂ −= ∂ ∂ ⋅ ∂ ∂ + ∂ ∂ ⋅ ∂ ∂ + ∂ ∂ ⋅ ∂ ∂ em que h é a pressão, ou carga hidráulica e onde Kx, Ky e Kz correspondem à condutividade hidráulica nas direções x, y e z, respectivamente. 97 Considerando o escoamento em regime permanente, não há variação de volume armazenado, por isso o lado direito da equação acima é nulo. Além disso, considerando um meio saturado e isotrópico, isto é, em que a condutividade hidráulica é constante e igual em todas as direções, a equação acima pode ser reescrita como: 0 z h y h x h 2 2 2 2 2 2 = ∂ ∂ + ∂ ∂ + ∂ ∂ que é conhecida como equação de Laplace. Se o aqüífero tem um comportamento bidimensional, a equação acima pode ser reduzida para: 0 y h x h 2 2 2 2 = ∂ ∂ + ∂ ∂ As equações acima podem ser resolvidas para algumas situações típicas de muito interesse na hidrologia, como o fluxo de água entre dois canais, e o fluxo de água para um poço. Fluxo de água em regime permanente entre dois canais – aqüífero livre Em um aqüífero não-confinado localizado entre dois poços ou canais, com recarga constante (Figura 9. 3), a solução das equações de movimento da água subterrânea em regime permanente pode ser obtida pela aproximação de Dupuit. Figura 9. 3: Aquífero livre entre dois cursos de água, com recarga constante (w). 98 O nível da água h, em um ponto qualquer x, a partir do canal da esquerda, como mostra a figura, pode ser calculado a partir da equação: ( ) ( ) xxL K w L xhhhh 2 2 2 12 1 2 ⋅−⋅+ ⋅− −= onde h é o nível da água do aqüífero livre num ponto qualquer x; h1 é o nível da água constante no canal da esquerda da figura; h2 é o nível constante no canal a direita da figura; x é a distância a partir do canal da esquerda; L é a distância total entre os canais; w é a taxa de recarga (m.s-1); e K é a condutividade hidráulica (m.s-1). A distância d onde ocorre o máximo nível da água no aqüífero pode ser estimada por: ( ) L2 hh w K 2 Ld 2 2 2 1 ⋅ − −= A vazão por unidade de largura do aqüífero (q) em um ponto qualquer x pode ser calculada por: ( ) −⋅− ⋅ −⋅ = x 2 L w L2 hhK q 2 2 2 1 e a vazão total do aqüífero, considerando uma largura B, pode ser estimada por: Q = q.B Se h1 e h2 forem iguais, d deve ser igual a L/2. E, em qualquer situação de h1 e h2, na posição x = d o fluxo de água é igual a zero (q=0). EXEMP LO 2) Dois canais paralelos, distantes entre si 200 m estão interligados por um aqüífero cuja condutividade hidráulica é de 10 mm.dia-1, de forma semelhante à situação da Figura 9. 3. O nível da água nos dois canais é igual a 10m. Calcule o nível da água máximo no aqüífero, considerando uma recarga constante e igual a 0.3 mm.dia-1. E se a recarga for igual a zero? A condutividade hidráulica do arenito consolidado varia entre 10-5 e 10-2 m.dia-1. Assumindo o valor de 10-4 m.dia-1 e transformando para mm.dia-1 temos K = 0.1 mm.dia-1. 99 A recarga w corresponde a 0.3 mm.dia-1. Neste tipo de problema é possível calcular o nível da água em qualquer ponto pela equação ( ) ( ) xxL K w L xhhhh 2 2 2 12 1 2 ⋅−⋅+ ⋅− −= O nível da água máximo nesta situação vai ocorrer a uma distância d igual a L/2. Substituindo x por L/2 na equação acima, e resolvendo para h, encontramos ( ) ( ) 400100 10 30100 2 L 2 LL 10 30 L 2 L1010 10h 2 22 22 =⋅+=⋅ −⋅+ ⋅− −= ,, e h=20 m. Ou seja, o nível da água máximo no aqüífero é de 20 m. Já se a recarga for zero, o nível da água máximo é igual ao nível da água nos canais. Fluxo de água em regime permanente para um poço – aqüífero confinado Em um aqüífero confinado em torno de um poço, que retira água a uma taxa constante Q, sem recarga significativa em torno do poço (Figura 9. 4), a solução das equações de movimento da água subterrânea em regime permanente resulta na equação de Theim: ( ) −⋅⋅⋅ = 1 2 12 r r hhT2Q ln pi onde T é a transmissividade hidráulica (m2.s-1); h1 e h2 são alturas piezométricas distantes respectivamente r1 e r2 do poço, respectivamente (m); e Q é a vazão sendo retirada do poço (m3.s-1). A uma distância R do poço a altura piezométrica do aqüífero não sofre influência da extração de água do poço e permanece em seu valor original H (Figura 9. 4). A equação anterior pode ser utilizada, entre outras coisas, para estimar o rebaixamento do nível piezométrico em função da extração de água de um poço. 100 Figura 9. 4: Esquema do impacto de retirada de água de um aqüífero confinado. EXEMP LO 3) Considere um poço retirando água de um aqüífero confinado de forma semelhante à ilustrada na figura anterior. O poço tem um diâmetro de 40 cm, o raio de influência máximo é de 500 m, a condutividade hidráulica do aqüífero é igual a 10-3 mm.s-1, e sua espessura é igual a 30 m. A vazão retirada do poço é de 6 m3.hora-1. Calcule o rebaixamento do nível piezométrico que deve ocorrer no local do poço. A vazão retirada do poço equivale a 0,001667 m3.s-1. A transmissividade T pode ser calculada pelo produto da espessura (30 m) e da condutividade hidráulica (10-6 m.s-1). O rebaixamento do aqüífero pode ser encontrado reorganizando a equação de Theim, considerando que o rebaixamento é a diferença entre h2 e h1, e considerando que r1 é o raio do poço e que r2 é o raio do poço (R). ( ) ⋅ ⋅⋅ =− 1 12 r R T2 Qhh ln pi ( ) 269 20 500 10302 0016670hh 612 , , ln, = ⋅ ⋅⋅⋅ =− −pi m Assim, o rebaixamento do nível piezométrico no local do poço será de 69,2 m. 101 Fluxo de água em regime permanente para um poço – aqüífero livre Uma solução semelhante pode ser encontrada para o fluxo de água em regime permanente para um poço que retira água de um aqüífero livre. Neste caso a equação a seguir descreve a relação entre a vazão do poço (Q) e as outras variáveis: ( ) −⋅⋅ = 1 2 2 1 2 2 r r hhKQ ln pi onde K é a condutividade hidráulica (m.s-1); h1 e h2 são alturas piezométricas distantes respectivamente r1 e r2 do poço, respectivamente (m); e Q é a vazão sendo retirada do poço (m3.s-1). Figura 9. 5: Esquema do impacto de retirada de água de um aqüífero não-confinado. Recarga de água subterrânea A recarga de água subterrânea ocorre por percolação da água da camada superior do solo que normalmente não está saturada. Em geral a recarga de um aqüífero não é 102 contínua, mas depende dos eventos de chuva. Durante os períodos de mais chuva e ou menos evapotranspiração é que ocorre a recarga mais significativa dos aqüíferos. A recarga de um aqüífero pode ser estimada por cálculos de balanço hídrico da camada superior do solo, entretanto este método não é muito preciso em função do grande número de variáveis que precisam ser estimadas. Para valores médios de longo prazo, um método indireto de estimar a recarga dos aqüíferos de uma bacia hidrográfica é baseado na separação de escoamento superficial e subterrâneo nos hidrogramas observados. Interação rio-aquífero As águas superficiais e subterrâneas são parte de um único ciclo hidrológico. Sua interface, normalmente ocorre na forma de infiltração e percolação e na ocorrência de nascentes, ou fontes. Normalmente, durante as estiagens a vazão dos rios é mantida pela descarga de aqüíferos. Isto ocorre pontualmente em alguns locais em que existe descarga do aqüífero ou de forma distribuída, ao longo do curso de água, como mostra a Figura 9. 6a. Em alguns casos pode ocorrer o inverso: o rio abastece o aqüífero com água Figura 9. 6b. (a) (b) Figura 9. 6: Rio recebendo água do aqüífero durante uma estiagem (a); e rio abastecendo o aquífero de água. Considerando que toda a água, superficial e subterrânea, faz parte do mesmo ciclo hidrológico, pode-se imaginar que a extração de água em poços deve causar impactos sobre a disponibilidade de água superficial. 103 A Figura 9. 7 apresenta situações em que a presença de um poço diminui o aporte de água do aqüífero para um rio. Na situação da Figura 9. 7a não existe extração de água superficial e o aqüífero descarrega para o rio, mantendo a vazão do rio na estiagem. Na situação da Figura 9. 7b a extração de água do poço ocorre e influencia o fluxo de água subterrânea. Parte do fluxo que seguiria para o rio é desviado para o poço, mas não há fluxo do rio para dentro do aqüífero. Já na situação da Figura 9. 7c a vazão retirada pelo poço é tão alta que além de modificar o fluxo subterrâneo, a extração de água gera uma recarga induzida do aqüífero. Figura 9. 7: Interação entre um rio e um aquífero que descarrega para um rio na ausência de poços (a); na presença de um poço que elimina parte do aporte do aqüífero para o rio (b); e na presença de um poço que induz recarga do aqüífero (c). Exercícios 1) Um fazendeiro A acusa o seu vizinho B de que a extração de água de um novo poço de B afetou a vazão do poço de A. Os dois poços estão distantes cerca de 1 Km em uma região relativamente plana. Os dois poços tem raio de 30 cm, e estão retirando água do mesmo aqüífero livre, cuja condutividade hidráulica é de 10-2 m.dia-1. O vizinho B retira 40 m3.dia-1 do seu novo poço e o nível da água se estabilizou 10 m abaixo do original. Verifique se a acusação pode ter fundamento utilizando a equação da vazão para um poço em aqüífero livre. 2) Considere um poço retirando água de um aqüífero confinado de forma semelhante à ilustrada na figura anterior. O poço tem um diâmetro de 40 cm, o raio de influência máximo é de 500 m, a condutividade hidráulica do aqüífero é igual a 10-3 mm.s-1, e sua espessura é igual a 30 m. Qual é a máxima vazão que pode ser retirada para que o rebaixamento do nível piezométrico no local do poço não exceda 20 m. E qual é a vazão máxima que pode ser retirada para que o rebaixamento do nível piezométrico não exceda 2 m a 500 m do local do poço?