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Domício Proença Filho - a linguagem literária (pdf) (rev)

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Domício Proença Filho 
Doutor em Letras e livre-docente em Literatura Brasileira 
pela Universidade Federal de Santa Catarina 
Professor titular e emérito da Universidade Federal fluminense 
 
 
A linguagem literária 
 
Edição revista e atualizada 
 
 
http://groups.google.com.br/group/digitalsource 
 
Esta obra foi digitalizada pelo grupo Digital Source para proporcionar, de maneira 
totalmente gratuita, o benefício de sua leitura àqueles que não podem comprá-la 
ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos para ler. Dessa forma, a venda 
deste e-book ou até mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é totalmente 
condenável em qualquer circunstância. A generosidade e a humildade é a marca da 
distribuição, portanto distribua este livro livremente. 
Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original, 
pois assim você estará incentivando o autor e a publicação de novas obras. 
© Domício Proença Filho 
Diretor editorial Fernando Paixão 
Editor Carlos S. Mendes Rosa 
Editor assistente Frank de Oliveira 
Preparador de texto Eliel Silveira Cunha 
Coordenadora de revisão Ivany Picasso Batista 
Revisão Lumi Casa de Edição 
Estagiário Roberto Moregola 
 
ARTE 
Editora Cintia Maria da Silva 
Capa e projeto gráfico Homem de Mello & Tróia Design 
Editoração eletrônica Studio 3 
 
EDIÇÃO ANTERIOR 
Diretores Benjamin Abdala Júnior e Samira Youssef Campedelli 
Preparador de texto Pedro Cunha Júnior 
Coordenador de arte Antônio do Amaral Rocha 
 
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. 
 
P9531. 
8ª.ed. 
Proença Filho, Domício, 1936- 
A linguagem literária / Domício Proença Filho. — 8.ed. — São Paulo : Ática, 
2007. 95p. — (Princípios; 49) 
 
Inclui bibliografia comentada 
ISBN 978-85-08-10943-2 
1. Análise do discurso literário. I. Título. II. Série. 
07-0594. 
CDD 401.41 
CDU 81'42 
 
ISBN 978 85 08 10943-2 (aluno) 
ISBN 978 85 08 10944-9 (professor) 
 
2007 
8ª edição 
1ª impressão 
Impressão e acabamento: Yangraf Gáfica e Editora Ltda. 
Todos os direitos reservados pela Editora Ática, 2007 
Av. Otaviano Alves de Lima, 4400 — São Paulo, SP — CEP 02909-900 
Tel..:(11)3990-2100-Fax: (11)3990-1784 
Internet: www.atica.com.br - www.aticaeducacional.com.br 
 
SSuummáárriioo 
 
1. Introdução 5 
Texto literário, texto não-literário 5 
Literatura: conceitos 8 
2. Literatura e linguagem 12 
Mais um texto no percurso 12 
Literatura e conhecimento 15 
3. A linguagem 18 
Conceitos 18 
Sistema, comunicação e signo 20 
Fatores do processo linguístico da comunicação e 
funções da linguagem 21 
Linguagem, língua e discurso 23 
Discurso e estilo 25 
Dimensões da linguagem 27 
4. Arte literária, língua e cultura 30 
Literatura, mímese e universalidade 30 
Abertura e conotação 33 
Cultura e arte literária 36 
5. Características do discurso literário 40 
Literatura e especificidade 40 
Complexidade 41 
Multissignificação 43 
Predomínio da conotação 45 
Liberdade na criação 46 
Ênfase no significante 47 
Variabilidade 49 
Modos de realização 50 
Manifestações em prosa 50 
As visões da narrativa, 51; Os personagens, 55; A ação, 56; O 
tratamento do tempo, 57; O ambiente, 58; O estilo, 59 
Manifestações em verso 62 
O metro, 63; A rima, 67; As formas fixas, 69 
Verso, prosa, gêneros literários 69 
Questões em aberto 74 
A questão do referente 74 
Intertextualidade 75 
Fechamento 78 
6. Vocabulário crítico 80 
7. Bibliografia comentada 85 
Pág. 05 
 
11 
IInnttrroodduuççããoo 
 
 
TTeexxttoo lliitteerráárriioo,, tteexxttoo nnããoo--lliitteerráárriioo 
Imaginemos que, na comunicação cotidiana, alguém nos diga a 
seguinte frase: 
— Uma flor nasceu no chão da minha rua! 
Conforme as circunstâncias em que é dita, isto é, de acordo com a 
situação de fala, entendemos que se refere a algo que realmente ocorreu, 
corresponde a um fato anterior ao seu enunciado e de fácil comprovação. 
Mesmo diante de sua transcrição escrita, o que nela se comunica 
basicamente permanece. 
Num ou noutro caso, para veicular essa informação, o nosso 
interlocutor selecionou uma série de palavras do idioma que nos é comum 
e, de acordo com as regras que presidem o seu funcionamento e que todos 
conhecemos, as dispôs numa sequência. A seleção feita e a sucessão 
estabelecida conferem à frase uma significação que pode ser submetida à 
prova da verdade em relação à realidade imediata. Como é fácil concluir, é 
isso que acontece ao nos comunicarmos no dia-a-dia do nosso convívio 
social. 
Retomemos a nossa frase inicial, agora ligeiramente modificada e 
combinada com outros elementos: 
Pág. 06 
 
Uma flor nasceu na rua! 
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. 
Uma flor ainda desbotada 
ilude a polícia, rompe o asfalto. 
Façam completo silêncio, paralisem os negócios, 
garanto que uma flor nasceu. 
 
Sua cor não se percebe. 
Suas pétalas não se abrem. 
Seu nome não está nos livros, 
É feia. Mas é realmente uma flor. 
 
Percebemos, desde logo, que estamos diante de uma utilização 
especial da língua que falamos. O ritmo que caracteriza o texto, a natureza 
do que se comunica e, ao chegar até nós por escrito, a distribuição das 
palavras no espaço do papel justificam essa conclusão. A nossa frase-
exemplo depende também, como ato linguístico que é, da gesticulação e da 
entoação que a acompanharem ao ser enunciada; por força, entretanto, de 
sua situação nesse conjunto e da associação com as demais afirmações que 
a ela se vinculam, abre-se para um sentido múltiplo, ganha marcas de 
ambiguidade: no contexto do fragmento transcrito e da totalidade do poema 
de que faz parte "A flor e a náusea", de Carlos Drummond de Andrade
1
, 
podemos entender essa flor como esperança de mudança, por exemplo. Mas 
esse sentido que o texto a ela confere não reproduz nenhuma realidade 
imediata; nasce tão-somente do próprio texto. A flor dessa rua deixa de ser 
um elemento vegetal para alçar-se à condição de símbolo, ganha uma 
significação que vai além do real concreto e que passa a existir em função 
do conjunto em que a palavra se 
Pág. 07 
 
encontra. É claro que os versos remetem a uma realidade dos homens e do 
mundo, mas para além da realidade imediatamente perceptível e traduzida 
no discurso comum das pessoas, li o que acontece com essa modalidade de 
linguagem, a linguagem da literatura, tanto na prosa como nas 
manifestações em verso. 
Na prosa, por exemplo, podemos encontrar a palavra flor em outro 
 
1 ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. In:______. Nova reunião: 19 livros de poesia. Rio de 
Janeiro/Brasília: J. Olympio/INL, 1983. v. 1, p. 112-3. 
contexto linguístico e com outro sentido, que lhe c conferido exatamente 
por essa nova circunstância: trata-se do romance Memórias póstumas de 
Brás Cubas, em que o termo aparece numa afirmação vinculada a um 
famoso personagem criado pelo escritor: "Uma flor, o Quincas Borba"
2
. 
Aí está um conteúdo inteiramente distinto do que se configura no 
poema drummondiano e que só pode ser percebido de maneira plena 
quando a frase é considerada na totalidade do romance em que se insere. É 
possível perceber a estreita relação entre a dimensão linguística e a 
dimensão literária que envolve a significação das palavras quando estas 
integram o sistema semiótico que é o texto literário. 
Os três exemplos
que acabamos de examinar permitem algumas 
conclusões. 
A fala ou discurso é, no uso cotidiano, um instrumento da informação 
e da ação. A significação das palavras, nesse caso, tem por base o jogo de 
relações configuradoras do idioma que falamos. Vincula-se a uma verdade 
de correspondência. 
O mesmo não acontece com o discurso literário. Este se encontra a 
serviço da criação artística. O texto da literatura é um objeto de linguagem 
ao qual se associa uma representação de realidades físicas, sociais e 
emocionais mediatizadas pelas palavras da língua na configuração de um 
objeto estético. O texto repercute em nós na medida em que revele marcas 
profundas de 
 
Pág. 08 
 
psiquismo, coincidentes com as que em nós se abriguem como seres 
sociais. O artista da palavra, co-partícipe da nossa humanidade, incorpora 
elementos dessa dimensão que nos são culturalmente comuns. Nosso 
entendimento do que nele se comunica passa a ser proporcional ao nosso 
repertório cultural, enquanto receptores e usuários de um saber comum. 
O discurso literário traz, em certa medida, a marca da opacidade: abre-
se a um tipo específico de descodificação ligado à capacidade e ao universo 
 
2 MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: ______. Obra completa. 
Rio de Janeiro: J. Aguilar, 1959. v. 1, p. 433. 
cultural do receptor. 
Já se percebe o alto índice de multissignificação dessa modalidade de 
linguagem que, de antemão, quando com ela travamos contato, sabemos ser 
especial e distinta da modalidade própria do uso cotidiano. Quem se 
aproxima do texto literário sabe a priori que está diante de manifestação da 
literatura. 
 
LLiitteerraattuurraa:: ccoonncceeiittooss 
A literatura é tradicionalmente entendida como uma arte verbal. A arte 
da palavra, segundo Aristóteles. Mas isso diz pouco. Mesmo porque, 
durante longo tempo, limitava-se às composições poéticas. 
Considerado o termo, em sentido restrito, a partir de uma perspectiva 
estética, isto é, como o equivalente à criação estética, o conceito de 
literatura, como acontece com outros fatos culturais, não é matéria pacífica 
entre os estudiosos que a ela se dedicam. Resiste ao rigor de uma 
conceituação. Assim situado, tem vivido, ao longo da história, variações 
significativas. Foge ao propósito deste volume rastrear tal percurso; 
indicam-se, entretanto, na bibliografia do final do volume, algumas obras 
ampliadoras de esclarecimentos nessa direção. 
Tais circunstâncias não impedem, porém, que sejam deslocadas 
concepções que a têm identificado, com maior relevo, 
 
Pág. 09 
 
no âmbito da cultura ocidental, em que pese a crise vivida, há algum tempo, 
pela teoria da literatura. 
Há os que entendem que a obra literária envolve uma representação e 
uma visão do mundo, além de uma tomada de posição diante dele. Tal 
posicionamento centraliza, assim, suas atenções no criador de literatura e 
na imitação da natureza, compreendida como cópia ou reprodução. A 
linguagem é vista como mero veículo de comunicação, e, como assinala 
Maurice-Jean Lefebve, "a 'beleza' da obra resulta, então, de um lado, da 
originalidade da visão, e, de outro, da adequação de sua linguagem às 
coisas expressas"
3
. E a chamada concepção clássica da literatura. 
No século XIX, os românticos acrescentam algo a esse conceito: à luz 
da ideologia que os norteia, entendem que ao artista cabe a visão das coisas 
como ainda não foram vistas e como são profunda e autenticamente em si 
mesmas. Associa-se ao texto literário, desse modo, a valorização da 
subjetividade. O que não impede que teorizadores como Mme. de Staël, no 
seu De la Lit-térature considerée dans ses rapports avec les institutions 
sociales, livro de 1800, ainda entendam que, em sentido amplo, como 
assinala Luiz Costa Lima, a literatura englobe "todos os escritos filosóficos 
e as obras de imaginação, 'tudo o que, enfim, concerne ao exercício do 
pensamento nos escritos, com exceção das ciências físicas'"
4
. 
A segunda metade da mesma centúria assiste a uma mudança 
significativa: o núcleo da conceituação se desloca para o como a literatura 
se realiza. Sua especificidade, segundo essa nova visão, nasce do uso da 
linguagem que nela se configura. 
 
Pág. 10 
 
Em texto de 1972, Algirdas-Julien Greimas acentua a relatividade do 
conceito, ao vincular a interpretação da "literariedade", ou seja, das 
características que tornam "literário" um texto, "a uma conotação 
sociocultural e sua consequente variação no tempo e no espaço humanos"
5
. 
E, no ano seguinte, Michel Arrivé, reitera o posicionamento, ao 
afirmar que "a literatura é o conjunto dos textos recebidos como literários 
numa sincronia sociocultural dada"
6
. 
Paralelamente, o caráter ficcional que, durante largo tempo, foi 
considerado uma das características básicas do texto de literatura, entendida 
a ficção como fingimento, resultante do ato de fingir, tem sido posto em 
 
3 LEFEBVE, Maurice-Jean. Structure du discours de la poésie et du récit. Montreux: Éditions de La 
Baconnière, 1971. p. 14. 
4 Cf. LIMA, Luiz Costa. História. Ficção. Literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 326-27. 
V. STAËL-HOLSTEIN, L. G. de Necker. De la littérature considerée dans ses rapports avec les institutions 
sociales. G. Gengembre e J. Goldxink (eds.). Paris: Flammarion, 1991. 
5 GREIMAS, Algirdas-Julien et al. Essais de sémiotique poétique. Paris: Larousse, 1972. p. 6. 
6 ARRIVÉ . Michel. La sémiotique littéraire. In. POTTIER, Bernard (Dir.). Le langage. (Les dictionnaires du 
savoir moderne). Paris: Bibliothèque du CEPL, 1973. p. 271. 
questão. Para alguns especialistas contemporâneos, o ficcional não se 
confunde com o falso: nele se abriga alguma coisa captada da realidade.
7
 
A conceituação da literatura, assim, permanece em aberto, na medida 
em que acompanha o dinamismo da cultura em que se insere. 
A questão fundamental, e que continua desafiando os especialistas, é a 
caracterização da natureza das propriedades estéticas do texto literário e 
quais as ligações entre ambas. 
Se é difícil, entretanto, conceituar ou definir, por meio de palavras, 
certas realidades do mundo, isso não significa que deixem de existir os 
elementos que as singularizem. 
É consenso ainda, na atualidade, que os aspectos estéticos da obra 
literária podem ser alcançados por meio do texto e que todos eles têm uma 
base linguística (sintática, semântica ou estrutural). 
 
Pág. 11 
 
Acredito que, se não podemos, até o momento, caracterizar 
plenamente a especificidade da literatura, temos possibilidade, graças ao 
desenvolvimento dos estudos e das pesquisas na área, de indicar traços 
peculiares e identificadores do discurso literário enquanto tal. Sem a menor 
pretensão ou a veleidade de decifrar o mistério da esfinge. 
 
 
7 Cf. pro domo nostra, LIMA, Luiz Costa, op. cit., texto de Sérgio Alcides na orelha da 1ª capa e palavras 
do autor, na p. 21. Observe-se que o livro estabelece limites en-tre história, ficção e literatura, data de 
2006 e foi escrito entre 2002 e 2005. 
Pág. 12 
 
 
22 
LLiitteerraattuurraa ee lliinngguuaaggeemm 
 
 
MMaaiiss uumm tteexxttoo nnoo ppeerrccuurrssoo 
Vejamos agora um breve poema de Manuel Bandeira: 
 
Irene no céu 
Irene preta 
Irene boa 
Irene sempre de bom humor. 
Imagino Irene entrando no Céu: 
— Licença, meu branco! E São Pedro bonachão: 
— Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.1 
 
O texto centraliza-se na exaltação
da humildade e da simplicidade, à 
luz do cristianismo. Remete também a uma realidade social brasileira, não 
apenas na vinculação a tal dimensão de religiosidade mas ainda a uma 
atitude paternalista em relação 
 
Pág. 13 
 
ao negro, revelada na caracterização de Irene, no comportamento a ela 
atribuído diante de São Pedro bonachão e na reação do santo porteiro do 
Céu à sua atitude. 
O poema mobiliza elementos de nossa emoção relacionados com a 
formação cristã e com certos comportamentos sociais que, como 
 
1 LBERTINAGEM. In: ______. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1946. p. 125. 
brasileiros, nos são peculiares. 
Observe-se que a humildade e a simplicidade depreendidas dos versos 
não se configuram apenas na parte de sentido de cada palavra que 
corresponde à representação do mundo, mas sobretudo na parcela de 
significação que nelas corresponde à capacidade de manifestar estados de 
alma e exercer uma atuação sobre o próximo. O sentido do texto emerge do 
ambiente linguístico em que os termos se inserem. Estes, como ocorre com 
os citados versos drummondianos, também não reenviam necessariamente 
a uma realidade passível de ser comprovada de forma imediata. A 
"verdade" que neles se consubstancia funda-se na coerência. 
O poema, ainda que capte algo da realidade, é o que é porque foi feito 
como foi feito. Irene, essa Irene, passa a "viver" a partir de sua presença 
nesse texto, por força da linguagem de que este último se faz, onde alguns 
procedimentos se destacam em relação ao uso da língua portuguesa. O 
autor valeu-se de termos do falar cotidiano; reproduziu formas da fala 
coloquial despreocupada: ao atribuir ao santo o emprego da forma entra, 
em lugar de entre, exigida pelo tratamento você, afastou-se da norma culta 
da língua, em nome do efeito expressivo. Por norma, nesse sentido, 
entenda-se, como registra o Dicionário de filologia e gramática de Joaquim 
Mattoso Câmara Jr., "o conjunto de hábitos linguísticos vigentes no lugar 
ou na classe social mais prestigiosa do país". De forma mais ampla, a 
norma pode ser caracterizada, de acordo com Eugenio Coseriu, como "um 
sistema de realizações obrigatórias consagradas do ponto de vista social e 
culturalmente: não corresponde ao que 
 
Pág. 14 
 
se pode dizer, mas ao que já se disse e tradicionalmente se diz na 
comunidade considerada".
2
 
Em se tratando de Bandeira, o aparente "erro" ajuda a traduzir a 
naturalidade e a afetividade que marcam as palavras de São Pedro. O 
adjetivo "bonachão" e a simplicidade da expressão "— Licença, meu 
branco!" — popular, típica, coloquial — como que autorizam a forma 
 
2 COSERIU, Eugênio. Sincronia, diacronia e história: o problema da mudança linguística. Tradução de 
Carlos Alberto da Fonseca e Mário Ferreira. Rio de Janeiro: Presença; São Paulo: Edusp, 1979. p. 50. 
"entra". Por outro lado, para dar maior autenticidade ao que revela, o poeta 
recorreu ao diálogo; dividiu a composição em duas estrofes: a primeira 
centrada na caracterização da figuração de Irene; a segunda, feita de elipses 
e entoação, vinculada à caracterização de São Pedro e à ação de ambos, 
exigindo maior participação do leitor para melhor captar o que no poema se 
comunica. Os versos se fazem de emoção subjetiva, trazem elementos 
narrativos e até traços típicos da linguagem dramática. Na sua feitura, nota-
se, além disso, o aproveitamento do falar simples da gente simples do 
Brasil, que ganha condição de linguagem literária. 
No texto de Bandeira, literário que é, inter-relacionam-se, 
interdependem-se elementos fônicos, ópticos, sintáticos, morfológicos, 
semânticos, formando um conjunto de relações internas, por meio das quais 
se revela uma realidade que não preexiste ao poema, a não ser como 
potencialidade. Caracteriza-se uma perspectiva existencial relacionada com 
o complexo cultural de que essa manifestação literária é representativa, a 
partir das vivências de um escritor brasileiro. Configura-se um 
posicionamento ideológico na visão de mundo do autor. 
Na abertura para a descodificação, essa matéria cultural, veiculada por 
meio das palavras da língua aproveitadas no código literário, pode ser 
apreendida pelo leitor ou ouvinte do poema, 
 
Pág. 15 
 
com maior ou menor grau de informação estética, na dependência, reitero, 
do seu universo cultural. 
No percurso dessa apreensão, situa-se a dimensão conotativa, chave 
da plurissignificação do texto literário, como se explicitará adiante. 
 
LLiitteerraattuurraa ee ccoonnhheecciimmeennttoo 
Longe estamos de penetrar totalmente no mistério do processo criador 
da poesia. As considerações feitas sobre o texto de Bandeira limitaram-se a 
alguns aspectos da manifestação literária em verso. Elas permitem, 
entretanto, algumas deduções e conclusões. 
Para revelar o que se consubstancia no poema, o autor, como é óbvio, 
se valeu da língua portuguesa do Brasil e, a partir dela, buscou caracterizar 
uma realidade apoiada em vivências humanas. O que depreendemos de 
suas palavras, porém, ultrapassa os limites da mera reprodução ou 
referência, para nos atingir com um tipo de informação que não 
conseguimos mensurar ou traduzir plenamente, vai além dos limites 
individuais do codificador e atinge espaços totalizantes. A linguagem 
literária — concretização de uma arte, a literatura — é marcada por uma 
organização peculiar. 
A arte é um dos meios de que se vale o homem para conhecer a 
realidade. 
Esta última se efetiva na constante relação entre homem e mundo, vale 
dizer, entre sujeito e objeto, como costumam lembrar os filósofos. 
Nesse jogo dialético, o homem busca aceder à interioridade da sua 
essência, para melhor saber de si e situar-se. E, no seu percurso existencial, 
tem procurado conhecer a si mesmo, o mundo, a sua relação com os outros, 
a sua relação com o mundo. 
 
Pág. 16 
 
Todo conhecimento se caracteriza como uma representação, como um 
tornar de novo presente a realidade em que vivemos, para que dela 
tenhamos uma visão mais clara e profunda, que escapa à nossa percepção 
imediata. Toda representação, nesse sentido, configura uma interpretação. 
"O homem é a presença de todas as determinações de uma interpretação. 
Rejeitá-las seria negar a própria existência. Portanto, o homem é um 
arranjo existencial definido, articulado, situado. É uma circunstância, dizia 
Ortega y Gasset", e lembra Arcângelo Buzzi, na sua Introdução ao pensar.
3
 
Esse interpretar se clarifica por meio de uma linguagem. 
A linguagem converte-se, desse modo, como destaca Eduardo 
Portella, na "fonte de toda e qualquer realidade; é precisamente a realidade 
mais livre, a mais aberta".
4
 Claro está que a natureza do compromisso entre 
 
3 BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar. 3. ed. Petrópolis. Vozes. 1973. p. 51. 
4 PORTELLA, Eduardo. Fundamento da investigação literana. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1981. p. 
74. 
a literatura e a cidadania reveste-se de traços ideológicos. Mas a reflexão 
que propicia abre-se ao necessário questionamento. O oxigênio da arte é a 
liberdade. E isso vale tanto para o escritor como para o leitor. 
O texto literário repercute em nós, na condição de leitores ou ouvintes, 
na medida em que revele traços profundos do nosso psiquismo, 
coincidentes com o que em nós se abrigue como seres sociais. O artista da 
palavra, co-partícipe de nossa humanidade, incorpora elementos dessa 
dimensão que nos são culturalmente comuns. Nosso entendimento do que 
no texto se comunica
passa a ser proporcional ao nosso repertório cultural. 
O texto literário como tal pode ser lido, criticamente, no nível de 
superfície ou de profundidade, considerada a polissemia que o caracteriza, 
com base em três enfoques: em função de sua relação com aspectos 
existenciais, destacados processos 
 
Pág. 17 
 
cognitivos e éticos, e motivações nele configurados; podemos centrar a 
leitura nas dimensões sociais ou psicossociais que nele se fazem presentes, 
privilegiadas a relação entre a literatura e o social, a literatura e a história, a 
literatura e a cultura; podemos nuclearizá-la no diálogo intertextual, que 
privilegia influências. Alfredo Bosi, em livro de 2006 em que trata das 
Memórias póstumas de Brás Cubas, aponta tais linhas de abordagem e 
assinala que destacam respectivamente aspectos expressivos, miméticos e 
construtivos.
5
 
Uma leitura como a que o crítico propõe para a compreensão do olhar 
machadiano resiste à limitação da perspectiva centrada num determinado 
perfil do narrador, pautada numa autonomia compacta. Ela exige, como 
melhor resposta, "uma combinação peculiar de vetores formais, existenciais 
e miméticos, sem que uma instância monocausal tudo regule e 
sobredetermine".
6
 O crítico defende, desse modo, uma visão múltipla e 
integradora, que exige uma perspectiva hermenêutica, vale dizer, 
interpretativa, perspectiva que tem se revelado das mais promissoras nos 
 
5 Cf. Bosi, Alfredo. Brás Cubas em três versões: estudos machadianos. São Paulo: Companhia das Letras, 
2006. 
6 BOSI, Alfredo. Op. cit. p. 50-1. 
espaços da crítica literária, o que não invalida outras focalizações, desde 
que assumidas como setorizadas. 
O texto de literatura pode ainda ser considerado como pretexto para a 
compreensão da língua, seu ponto de partida, procedimento bastante 
comum na realidade pedagógica brasileira. Costuma também ser associado 
ao estudo de outras manifestações culturais. 
 
Pág. 18 
 
 
33 
AA lliinngguuaaggeemm 
 
 
CCoonncceeiittooss 
Apesar do ceticismo com que alguns estudiosos encaram a 
caracterização da linguagem, creio útil destacar, por pertinentes ao nosso 
objeto de estudo, alguns conceitos com que se tem tentado configurá-la: 
• A linguagem é uma das formas de apreensão do real. O ser humano 
vive em permanente e complexa interação com a realidade e a apreende de 
várias maneiras, por exemplo, através dos sentidos. Mas, como lembra o 
linguista Iouri Lotman, as informações que o envolvem, os sinais que a 
vida lhe envia exigem, para um melhor desempenho na luta pela 
sobrevivência, que ele os decifre e os transforme em signos capazes de 
permitir-lhe comunicar-se.
1
 Vale dizer, ele precisa transformar essas 
informações e esses sinais em elementos de uma linguagem para assegurar-
lhes a perfeita compreensão de que decorre o pleno aproveitamento de 
importantes oportunidades no seu percurso de vida. 
Para certos teóricos, acrescento, a linguagem, ao converter a realidade 
em signos, ultrapassa as limitações da apreensão 
Pág. 19 
 
sensorial para permitir um desvelamento (um "retirar de véus") do real em 
relação ao sujeito. É, por outro lado, uma forma de organizar o mundo que 
nos cerca. 
• A linguagem é a faculdade que o homem tem de expressar seus 
estados mentais através de um conjunto de sons vocais chamado língua, 
que é ao mesmo tempo representativo do mundo interior e do mundo 
 
1 Cf. LOTMAN, Iouri. La structure du texte artistique. Paris: Gallimard, 1973. p. 29. 
exterior, propõe a clássica lição de Ernst Cassirer que pode ser lida nas 
páginas 91 e 92 da sua obra lançada na tradução espanhola com o título 
Psicologia del lenguaje, pela Paidós, em Buenos Aires. 
Sob essa visão, centrada de maneira óbvia no sujeito, a linguagem é 
entendida como uma atividade que apresenta um aspecto psíquico 
(linguagem virtual) e um aspecto propriamente linguístico (linguagem 
realizada) que compreende, por sua vez, o ato linguístico (realidade 
imediata) e o repertório dos atos linguísticos (material linguístico). No 
âmbito desse posicionamento, a língua é uma abstração, um conjunto 
organizado de aspectos comuns aos atos linguísticos, vale dizer, em termos 
técnicos, um sistema de isoglossas.
2
 
Cabe esclarecer que a linguística tem como objeto o estudo da 
linguagem falada e articulada, ou seja, aquela que se concretiza nas línguas 
naturais. Os demais sistemas são objeto de interesse da semiótica ou 
semiologia, entre eles o sistema de comunicação usado pelos animais 
(zoossemiótica), as comunicações táteis, os sinais olfativos, os códigos do 
gosto, os códigos musicais, o sonho, a pintura, a literatura e outros. 
• A linguagem, como acentua Tatiana Slama-Casacu, na página 20 de 
seu Langage et contexte (Haia, 1961), é um conjunto complexo de 
processos — resultado de uma certa atividade psíquica profundamente 
determinada pela vida social — que 
 
Pág. 20 
 
torna possível a aquisição e o emprego concreto de uma língua qualquer. 
Eis-nos de novo ante um conceito restrito. Essa dimensão se amplia, ainda 
na palavra de Lotman, quando afirma que "por linguagem entendemos todo 
sistema de comunicação que utiliza signos organizados de modo 
particular".
3
 
 
SSiisstteemmaa,, ccoommuunniiccaaççããoo ee ssiiggnnoo 
 
2 Cf. COSERIU, E. Teoía del lenguaje y linguística general. 2. ed. Madri: Gredos, 1969. p. 91-2. 
3 LOTMAN, Iouri. Op. cit. Paris: Gallimard, 1973. p. 34-5. 
Esse último conceito de linguagem nos conduz didaticamente à 
explicitação de sistema, comunicação e signo. 
Sistema é um conjunto organizado. Dizer "organizado" pressupõe 
princípios organizatórios que conferem singularidade ao conjunto. Diante 
das múltiplas modalidades de linguagem, cumpre, pois, conhecer esses 
princípios, se desejarmos dela nos assenhorear e assegurar a eficácia da 
comunicação que por seu intermédio se processa. 
Por comunicação compreende-se, ainda em sentido restrito, a troca de 
mensagens ou informações entre seres humanos. Se se pensa na etimologia 
da palavra, pode ser entendida como a faculdade que o homem tem de 
tornar comum a outrem seus pensamentos, sentimentos e desejos e as coisas 
do mundo que o cercam. Em sentido amplo, envolve também a realidade 
técnica da relação entre o homem e as máquinas (por exemplo, os 
computadores) e das máquinas entre si, além de estender-se ao mundo 
animal e aos sistemas próprios do interior do indivíduo, como, por 
exemplo, os sinais transmitidos pelos feixes de nervos do organismo. 
Claro está que, quando alguém "fala consigo mesmo", está 
representando simultaneamente dois falantes. 
Signo é outro termo de conceituação ampla e complexa, mas, de 
maneira geral, e em sentido lato, pode ser entendido, se- 
Pág. 21 
 
 
gundo Charles Sanders Peirce, como qualquer elemento que, sob certos 
aspectos e em certa medida, representa outro. 
À luz das posições do mesmo estudioso, podemos identificar três 
modalidades de signo, em relação àquilo que designam: o signo índice ou 
índex, que mantém relação direta com o que representa (é o caso de uma 
impressão digital, por exemplo); o signo ícone, que tem analogia ou 
semelhança com o que representa (uma fotografia, uma estátua, um 
esquema); o signo símbolo, que se baseia numa convenção (as palavras de 
uma língua, as bandeirolas usadas na comunicação marinheira, os sinais de 
trânsito etc). Essas modalidades admitem superposições: a cruz, por 
exemplo, enquanto instrumento de flagelação, é um ícone;
enquanto 
representação do cristianismo, é um símbolo; a impressão digital pode 
envolver dimensões de ícone e de índice, e ganha caráter simbólico quando, 
por exemplo, passa a representar uma entidade ou uma empresa; as 
palavras onomatopaicas são símbolos-ícones: farfalhar (de sedas), cacarejar 
(de galinhas) etc.
4
 
 
FFaattoorreess ddoo pprroocceessssoo lliinngguuííssttiiccoo ddaa ccoommuunniiccaaççããoo ee 
ffuunnççõõeess ddaa lliinngguuaaggeemm 
O processo da comunicação implica fatores e funções que têm sido 
objeto de preocupação de vários estudiosos, entre eles Roman Jakobson, 
para ficarmos apenas numa perspectiva linguística. Para esse especialista, 
cada ato de comunicação verbal envolve, na linguagem comum, um 
remetente que envia uma mensagem por meio de um código a um 
destinatário, estabelecido entre os interlocutores um contato que envolve 
um canal físico e a necessária conexão psicológica. A mensagem enviada é 
compreendida por- 
 
Pág. 22 
 
que se refere a um contexto extra verbal e a uma situação efetivamente 
existente anteriores e exteriores ao ato da fala. 
Remetente ou emissor, mensagem, código, destinatário ou receptor, 
contato e contexto são, portanto, os seis fatores do processo linguístico da 
comunicação. 
A partir deles, o citado linguista aponta as conhecidas seis funções da 
linguagem: 
a) função referencial ou denotativa — pela linguagem nós nos 
referimos às coisas do mundo que nos cerca e às do nosso mundo interior; a 
linguagem denota, representa o mundo; 
b) função expressiva ou emotiva — a linguagem é um meio de 
exteriorização psíquica; as interjeições são um exemplo marcante dessa 
função; 
 
4 Cf. PIGNATARI, Décio. Informação. Linguagem. Comunicação. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1970. p. 
28-9. 
c) função conativa (de conação, que significa tendência consciente 
para atuar) ou apelativa — quando falamos ou escrevemos, exercemos 
maior ou menor influência sobre o nosso interlocutor. A linguagem 
funciona como atuação social ou como apelo. Os verbos no imperativo 
acentuam bem a presença dessa função, e, sob esse aspecto, é significativa 
a sua utilização tão frequente nas mensagens da propaganda e da 
publicidade; 
d) função fática — caracteriza-se quando a mensagem busca 
estabelecer ou interromper o que se está comunicando. São exemplos frases 
como "Alô!", "Estão me entendendo?", "Certo?", "Está tudo claro?"; 
e) função metalinguística — ocorre quando o emissor e o destinatário 
verificam se estão usando o mesmo código, quando explicitamos termos da 
própria linguagem usada: Literatura é a arte da palavra; 
f) função poética ou fantástica — evidencia-se quando, através dos 
signos, se "cria" intencionalmente uma realidade, configurada sobretudo 
numa obra de arte literária.
5 
 
Pág. 23 
 
As três primeiras funções apontadas por Jakobson — a representativa, 
a emotiva e a conativa — foram anteriormente caracterizadas por Karl 
Buhler, à luz da psicologia. Para esse estudioso alemão, a linguagem é um 
meio precípuo de exteriorização de estados de alma (manifestação 
psíquica), exerce uma atuação sobre o próximo na vida comum (atuação 
social ou apelo) e estrutura a nossa experiência mentada (função 
representativa). 
Nos atos de linguagem, várias dessas funções se apresentam 
concomitantemente e estabelece-se entre elas uma certa hierarquia. 
 
LLiinngguuaaggeemm,, llíínngguuaa ee ddiissccuurrssoo 
Linguagem nos faz voltar ao conceito de língua, tal a relação que as 
 
5 Cf. JAKOBSON, Roman. Essais de linguistique générale. Paris: Minuit, 1966. V. também______. 
Linguística e comunicação. 2. ed. rev. São Paulo: Cultrix, 1979. 
vincula. 
A língua é um sistema de signos, ou seja, é um conjunto organizado de 
elementos representativos. Como tal, é regida por princípios organizatórios 
específicos e marcados por alto índice de complexidade: envolve 
dimensões fônicas, morfológicas, sintáticas e semânticas que, além das 
relações intrínsecas peculiares a cada uma, são também caracterizadas por 
um significativo inter-relacionamento. A rigor, mais do que um sistema, a 
língua é um conjunto de subsistemas que se integram. 
Tomemos, por exemplo, a palavra rua: o seu significado tem a ver 
com o jogo de oposições que marca o sistema fônico da língua portuguesa, 
o que se aclara quando a comparamos com termos como lua, nua ou sua e 
lembramos que o fonema se caracteriza por marcar a distinção de 
significado entre as palavras de uma língua. A forma nasceu, no jogo 
morfológico dos verbos, termina por um fonema que nos indica pessoa, 
tempo, aspecto e modo da ação nela expressa; é a terceira pessoa do 
singular do pretérito perfeito do indicativo, diz a gramática: nasceu, por 
oposição a nasceram, nascemos, nascem, nascesse, indicadores 
 
Pág. 24 
 
de outras pessoas, outros tempos, modos, aspectos, no sistema morfológico 
da língua portuguesa; os aspectos sintáticos se fazem presentes na 
combinação de umas palavras com as outras na frase de que fazem parte. A 
significação global emerge, portanto, das relações fono-morfo-sintático-
semânticas que estão na base da organização desse complexo sistema. 
Já que estamos tratando de significação, vale lembrar que, em termos 
de palavra, esta resulta fundamentalmente, na sua condição de signo, da 
relação entre o significante e o significado, dois aspectos que o identificam: 
o primeiro, perceptível, audível; o segundo, produto dele, nele contido. E 
isso é ponto pacífico, desde os estudos pioneiros de Ferdinand de Saussure. 
Não nos esqueçamos também de que a língua, além de ser um 
conjunto organizado de valores, é, simultaneamente, uma instituição social, 
é a linguagem de urna sociedade. É constituída de elementos que têm um 
valor em si e um valor em relação aos demais; o signo linguístico, como 
explicita Barthes nos seus Elementos de semiologia, é como uma moeda: 
cada peça vale pelo seu poder aquisitivo, mas vale também em relação às 
outras moedas de valor maior ou menor. 
A língua pode ser entendida ainda como a realização de uma 
linguagem, um sistema de signos que permite configurar e traduzir a 
multiplicidade de vivências caracterizadoras do ser de cada um no mundo. 
Em sentido restrito, alguns linguistas a consideram um sistema de sons 
vocais peculiares ao uso da linguagem pelo ser humano. 
Outros, como Celso Cunha, por exemplo, em sua Gramática do 
português contemporâneo, a definem como "um sistema gramatical 
pertencente a um grupo de indivíduos" e, como expressão da consciência 
de uma coletividade, como o meio pelo qual esta concebe o mundo que a 
cerca e age sobre ele.
6
 
 
Pág. 25 
 
Podemos, ainda mais, entender saussurianamente com o citado 
Barthes que a língua (langue) é "a linguagem menos a fala (parole), é, ao 
mesmo tempo, uma instituição social e um sistema de valores. Como 
instituição social, ela não é absolutamente um ato; escapa a qualquer 
premeditação: é a parte social da linguagem"
7
. Língua e fala, diz ainda o 
semiólogo francês, "retiram sua definição do processo dialético que as une: 
não existe língua sem fala, não há fala fora da língua".
8
 
Criação social, a língua vive em permanente mutação, acompanha as 
mudanças da sociedade que a elege como instrumento primeiro de 
comunicação. 
Nesse processo, o exercício da linguagem produz uma espécie de 
depósito sedimentário que ganha valor de instituição e se impõe ao falar 
individual por meio do dicionário e da gramática. 
 
 
6
CUNHA, Celso. Gramática do português contemporâneo. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1970. p. 
15. 
7 BARTHES, Roland. Le degré zero de l'écriture suivi de éléments de sémiologie. Paris: Gonthier, 1964. p. 
85-6. 
8 Id., ibid. 
DDiissccuurrssoo ee eessttiilloo 
Se a língua envolve uma dimensão social e se caracteriza por ser 
sistemática, a utilização individual que dela fazemos, ou seja, a fala ou 
discurso, é um conglomerado de fatos assistemáticos e, em relação a ela, 
"um ato individual de seleção e atualização", para ficarmos com as palavras 
do mesmo Barthes. Em outra perspectiva, entende-se o discurso como um 
enunciado ou um conjunto de enunciados ditos e escritos por alguém na 
direção de um destinatário. Enunciado, segundo alguns linguistas, é, em 
função da significação, a unidade elementar da comunicação verbal, uma 
palavra ou sequência de palavras dotadas de sentido.
9
 
 
Pág. 26 
 
Cada pessoa tem o seu ideal linguístico. A língua coloca à disposição 
de cada um, um múltiplo repertório de possibilidades. Ao assumir o 
discurso, o indivíduo busca escolher os meios de expressão que melhor 
configurem suas idéias, pensamentos e desejos. Essa escolha é que 
caracteriza o estilo. 
Explicitando um pouco mais, podemos entender o estilo, em sua 
dimensão individual, e a partir de conceito de Helmut Hatzfeld 
10
, como o 
aspecto particular que caracteriza a utilização individual da língua e que se 
revela no conjunto de traços situados na escolha do vocabulário, na ênfase 
nos termos concretos ou abstratos, na preferência por formas verbais ou 
nominais, na propensão para determinadas figuras de linguagem, tudo isso 
estreitamente vinculado à organização do que se diz ou escreve e a um 
intento de expressividade. 
O estilo admite também uma dimensão coletiva, vinculada aos 
denominados estilos de época, vale dizer, ainda adaptando definição do 
mesmo Hatzfeld, à atitude de uma cultura que surge com tendências 
análogas nas manifestações artísticas, na religião, na psicologia, na 
sociologia, nas formas de polidez, nos costumes, vestuários, gestos etc. 
 
9 Os conceitos de discurso e enunciado variam em função do enfoque. 
10 Apud COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: São José, 1966. p. 
24. 
No que diz respeito à literatura, essa modalidade só pode ser avaliada 
"pelas contribuições dos estilos individuais, ambíguas em si mesmas, 
constituindo uma constelação que aparece em diferentes obras e autores da 
mesma era e parece informada pelos mesmos princípios perceptíveis nas 
artes vizinhas".
11
 São esses traços que aproximam os textos examinados de 
Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade e os situam 
 
Pág. 27 
 
como representativos do Modernismo na literatura brasileira, o que não 
impede que se diferenciem por força dos caracteres próprios do estilo 
individual de cada um, entre outros aspectos. Vale ressaltar: ambos os 
textos se valem da língua portuguesa do Brasil; a partir dela, criam-se 
realidades, num uso especial da linguagem, a arte literária; ao fazê-lo, os 
autores evidenciam atitudes individuais que singularizam os seus textos e, 
ao mesmo tempo, apresentam traços comuns que os aproximam como 
representativos de um determinado momento da cultura e da arte literária 
do Brasil. 
 
DDiimmeennssõõeess ddaa lliinngguuaaggeemm 
O texto literário, como se percebe, envolve dimensões universais, 
individuais, sociais e históricas, mas de forma peculiar. Já a propósito da 
linguagem em si, cabe a significativa afirmação de Coseriu: "A linguagem 
é uma atividade humana universal, que se realiza individualmente, mas 
sempre segundo técnicas historicamente determinadas (línguas)".
12
 
Exemplificando: se nos referimos à linguagem como uma atividade, 
quando, por exemplo, se diz de uma criança que ela ainda não fala, ou seja, 
não utiliza a linguagem como meio de comunicação, estamos no âmbito do 
nível universal; se sabemos que alguém, ao falar, está usando o português, 
o italiano, o espanhol, o inglês etc, referimo-nos ao nível histórico; se 
conseguimos identificar quem fala, estamos no âmbito do nível individual. 
 
11 HATZFELD, Helmut. In: COUTINHO, Afrânio. Op. cit, p. 211. A dinâmica do processo cultural, a diluição 
das fronteiras da literatura, tem tornado complexa, ao longo do século XX e do atual, a configuração dos 
estilos epocais. 
12 Lições de linguística geral. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980. p. 91. 
Podemos também considerar a linguagem, em cada um desses níveis, 
como atividade criadora (ou simplesmente atividade), como saber (ou fato 
de técnica) ou como produto. 
 
Pág. 28 
 
Desses critérios, resulta a caracterização de nove seções na estrutura 
geral da linguagem. Vejamo-las num quadro resumidor da lição de 
Coseriu: 
 
 
 
 
 
Atividade Saber Produto 
Universal A linguagem é "o 
falar (em geral) 
não determinado 
historicamente". 
A linguagem é "o 
saber falar em 
geral". 
A linguagem é "o 
'falado', a totalidade 
do que se disse ou 
ainda do que se 
pode dizer, sempre 
que se considere 
coisa feita". 
Individual A linguagem é o 
discurso, "o ato 
linguístico (ou a 
série de atos 
linguísticos 
conexos) de um 
determinado 
indivíduo numa 
dada situação". 
A linguagem é "o 
saber relativo à 
elaboração dos 
'discursos'". 
A linguagem "é um 
texto (falado ou 
escrito)". 
Histórico A linguagem "é a 
língua concreta, 
tal qual se 
manifesta no falar, 
como 
determinação 
histórica deste". 
A linguagem é o 
saber "idiomático", 
"a língua enquanto 
saber tradicional 
de uma 
comunidade". 
A linguagem "não 
se apresenta nunca 
de modo concreto, 
uma vez que tudo o 
que nesse nível se 
'produz' (se cria) 
'ou redunda numa 
expressão dita uma 
única vez' ou se 
adota e se fixa 
historicamente, 
passa a fazer parte 
do saber 
tradicional". 
Níveis 
Pontos 
de vista 
Pág. 29 
 
Aos três níveis citados correspondem três tipos de "conteúdo" 
linguístico que se apresentam simultaneamente nos textos: a designação, o 
significado e o sentido. 
A designação é a referência à "realidade", isto é, a relação cada vez 
determinada entre o signo e a "coisa" designada. 
O significado, nosso velho conhecido, é, ainda na palavra do linguista, 
"o conteúdo de um signo ou de uma expressão enquanto dado numa 
determinada língua e exclusivamente por intermédio dessa mesma língua". 
Por sentido, Coseriu entende "o conteúdo próprio de um texto, o que o 
texto exprime além e através da designação e do significado". Um exemplo 
clarificador: o sentido que, por força do ludismo, as palavras adquirem no 
texto de uma anedota. 
O plano de sentido e o plano do significado diferem, mas tanto o 
significado pode coincidir com a designação como o sentido pode coincidir 
com o significado; esta última coincidência se dá na linguagem comum 
informativa, o que não acontece com o sentido no texto literário. 
 
Pág. 30 
 
 
44 
AArrttee lliitteerráárriiaa,, llíínngguuaa ee ccuullttuurraa 
 
 
LLiitteerraattuurraa,, mmíímmeessee ee uunniivveerrssaalliiddaaddee 
Toda criação artística exige um suporte material. Como, entre outros, 
a tinta e a tela, na pintura; o mármore, a pedra, a madeira, o metal, na 
escultura. Trata-se, no caso, de produtos naturais. A literatura tem como 
suporte uma língua, um produto cultural. 
A realidade imediata não se diz em plenitude.
A língua, na sua condição de concretização da linguagem da 
comunidade, restringe-se à simples representação de fatos ou situações 
particulares, observados ou inventados. A literatura se configura, 
tradicionalmente, quando, ao tratar desses fatos ou situações, dimensiona-
lhes elementos universais. 
Se a linguagem verbal caracteriza uma "desrealização" da realidade ao 
transformá-la em signos-símbolos, a mímese poética leva ainda mais longe 
esse desrealizar-se, quando, a partir do fingimento do particular, atinge 
espaços da universalidade. 
O texto literário veicula uma forma específica de comunicação que 
evidencia um uso especial do discurso, colocado a serviço da criação 
artística reveladora. 
Por revelação compreenda-se a configuração mimética do real. Tal 
afirmação leva a um dos mais importantes conceitos ligados à arte literária: 
mímese. 
 
Pág. 31 
 
O conceito, importante para a compreensão do fato literário, também 
não é pacífico, e tem sido objeto da preocupação e do questionamento de 
inúmeros estudiosos, desde a sua caracterização pelos gregos. Notadamente 
por Platão e Aristóteles. Entendido como "imitação", levou, nesse sentido, 
a várias interpretações. Para os pitagóricos, por exemplo, correspondia à 
expressão ou representação de estados de alma, e o produto dela resultante 
teria função terapêutica, pois possibilitaria ao artista ou ao consumidor a 
liberação de suas próprias emoções. Para Platão, a arte envolveria a 
representação do mundo das aparências e das opiniões; a mímese, na 
concepção platônica, corresponde à imitação da aparência da realidade. 
Para ele, a realidade é "imagem" ("fantasma") de idéias eternas; a obra de 
arte seria "imagem de imagem", simulacro da realidade, e não 
caracterizaria conhecimento do real. Já para Aristóteles, a mímese 
corresponde à imitação das "essências"; imitar não é duplicar o referente; 
implica conhecimento da natureza profunda do ser humano e do mundo. O 
produto artístico que se concretiza a partir dela conduz ao efeito de 
"purgação" liberadora (catarse). 
Inicialmente mal descodificado com o sentido de "fotografia" ou 
"espelho" da realidade, o conceito atravessa os séculos e, com essa 
acepção, domina, não sem alguma controvérsia, a literatura clássica 
ocidental. A verdadeira natureza da teoria aristotélica sobre a arte em geral 
e a literatura em particular só começa a ser compreendida depois de Kant, 
de Hegel e de Croce, nos fins do século XIX, e, sobretudo, após os estudos 
de Hölderlin e a tradução e interpretação que da Arte poética de Aristóteles 
fez o escritor britânico S. H. Butcher. A partir de então, a mímese passou a 
ser entendida como revelação da plenitude do real. 
Se a linguagem verbal caracteriza uma "desrealização" da realidade ao 
transformá-la em símbolos que a essencializam, a arte literária amplia 
radicalmente essa "desrealização". A mímese poética, acentua Merquior, 
atinge, por meio da representação 
 
Pág. 32 
 
de particulares, os espaços do universal.
1
 Como lembra Eduardo Portella, 
"devemos ao poeta Hölderlin a moderna revitalização do conceito de 
 
1 Cf. MERQUIOR, J. Guilherme. A astúcia da mímese. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1972. p. 8. 
mímesis. Ele faz ver que imitar não é copiar; é descer ao plano de 
articulação das possibilidades subjacentes na coisa. A arte supre a natureza 
e, desse modo, se relacionam sem se confundirem".
2
 Em síntese, mímese 
implica imitação da natureza (physis para os gregos), no que esta tem de 
capacidade criadora. 
Ao conceito de mímese vincula-se imediatamente a noção de catarse. 
Aristóteles não deixou muito claro o sentido do termo. Como esclarece a 
"Introdução" da Arte poética na edição de que me valho, emprega-o "na 
Política (1341, livro VIII, cap. VII, 4) anteriormente à composição da Arte 
poética" e o entende como "purificação", "purgação"; "uma expulsão 
provocada de um humor incômodo por sua superabundância. Do mesmo 
modo que a música apaixonada, a tragédia bem concebida deve determinar 
no auditório, que se deixou empolgar pelas paixões expressas, um gozo 
que, no final do espetáculo, dá impressão de libertação e de calma, de 
apaziguamento, como se a obra tivesse dado ocasião para o escoamento do 
excesso de emoções".
3
 
Ao lado da tradição como imitação das essências, a mímese envolve 
ainda, na estética do Ocidente, conforme assinala Stefan Morawski, uma 
tradição platônica (imitação das aparências) e uma tradição democrítica 
(imitação das ações da natureza).
4
 
 
Pág. 33 
 
Como quer que seja, é consenso, entretanto, que, no texto literário, se 
configura uma situação que passa a "existir" a partir dele como tal e que 
caracteriza uma apreensão profunda do ser humano e do mundo, a partir de 
tensões de caráter individual, como ocorre, por exemplo, em A paixão 
segundo G. H., romance de Clarice Lispector, ou coletivo, como em O 
cortiço, de Aluísio Azevedo, e que podem ainda configurar-se juntamente 
num mesmo texto, com prevalência de uma ou de outra, ou de equilíbrio 
entre ambas. 
 
2 PORTELLA, Eduardo. Teoria da comunicação literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1973. p. 34. 
3 ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética [Art rhétorique et art poétique]. São Paulo: Difel, 1964. p. 
258-59. Cf., para o conceito de mímese, PROENÇA FILHO, DOmício. Estilos de época na literatura. 15. ed. 
5ª reimpressão. São Paulo: Ática, 2002, p. 23-4. 
4 Cf. Mimesis. Semiótica, Ncuchâtel, 2(1); 36, 1970. 
Isso se dá num processo de constante diferenciamento, que permite 
perceber dimensões de visões de mundo e a presença de ideologias. O 
fenômeno literário se efetiva na inter-relação autor/texto/leitor. Já se 
percebe por que a obra literária sempre admite diferentes interpretações. A 
linguagem que a caracteriza é necessariamente ambígua e em permanente 
atualização e abertura, vinculadas estreitamente ao caráter conotativo que a 
singulariza. 
 
AAbbeerrttuurraa ee ccoonnoottaaççããoo 
A conotação, à luz do processo linguístico da comunicação e das 
funções da linguagem, é, como registra Mattoso Câmara Jr., "a parte do 
sentido de uma palavra que corresponde à sua capacidade de funcionar para 
uma manifestação psíquica ou um apelo".
5
 Em outros termos, a conotação 
se centraliza na parte do sentido das palavras ligadas às funções emotiva e 
conativa. 
Assim entendida, ainda de acordo com o mesmo linguista, a conotação 
depende de fatores vários: 
a) de aspectos fônicos do vocábulo, que podem "impressionar pela 
harmonia ou pela cacofonia"; 
 
Pág. 34 
 
b) "da associação com outras palavras, num dado campo semântico ou 
em frases usuais e frequentes"; 
c) da própria denotação, que evoca sensações agradáveis ou 
desagradáveis; 
d) "de pertencer a palavra a uma dada língua especial, como uma 
língua profissional, a língua literária ou a gíria"; 
e) "de se situar entre os arcaísmos ou os regionalismos"; 
f) "de impressões emocionais coletivas ou mesmo individuais, 
caracterizando o estilo individual, como as coletivas caracterizam o estilo 
 
5 CÂMARA Jr., J. Mattoso. Dicionário de filologia e gramática referente à língua portuguesa. 2. ed. Rio de 
Janeiro: J. Ozon, 1964. p. 88. 
coletivo de uma dada época".
6
 
Numa forma linguística, a conotação se distingue da denotação, com a 
qual se combina para dar a significação integral da referida forma. 
Por denotação compreende-se a parte da significação linguística 
ligada à função representativa ou referencial da linguagem.
Esclarecedoras, a propósito, são as palavras de Georges Kassai: 
 
Uma importante distinção do ponto de vista do sentido é a feita 
entre a função referencial e a função emocional dos signos. Ela 
está na base das pesquisas estilísticas recentes e se vincula à 
oposição denotação/conotação já empregada pela lógica 
escolástica, mas admitida desde algum tempo na terminologia 
da Linguística moderna. Designada como "valor suplementar", a 
conotação seria "a definição em compreensão" ou "definição 
intensiva", enquanto a denotação é uma definição em 
extensão.7 
 
Se considerarmos, em termos de estrutura, que, em todo sistema de 
significação, esta resulta da relação entre um plano de expressão e um 
plano de conteúdo, teremos, nesse nível, a 
 
Pág. 35 
 
denotação. Já na conotação, o plano de expressão é constituído de um 
sistema de significação já dado. Explicito melhor, à luz de Hjelmslev e 
Roland Barthes, que, a partir dessa terminologia, ampliam as noções 
saussurianas de significante e significado. Para tanto, volto ao nosso 
exemplo inicial: "Uma flor nasceu no chão da minha rua". Observe-se, 
ainda uma vez, que o que se informa nesse enunciado se centraliza 
basicamente no referente, numa orientação para a representação mental 
ligada aos signos que o constituem, ou seja, para a denotação. Não nos 
esqueçamos de que consideramos o exemplo no espaço da comunicação 
cotidiana. 
 
6 Id., ibid 
7 Le sens. In: MARTINET, André (Dir). La linguistique. Paris: Denoël, 1969. p. 342. 
Se nessa mesma frase a palavra "flor" deixasse, por força da situação 
de fala e do contexto verbal, de corresponder a um elemento vegetal, para 
indicar, por exemplo, um estabelecimento de ensino, uma sede de sindicato, 
já algo se acrescentaria à relação plano de expressão/plano de conteúdo. O 
novo sentido da palavra flor corresponderia, então, à relação significação 1 
(nascida da relação plano de expressão/plano de conteúdo no discurso 
comum) / plano de conteúdo (que já não conduz simplesmente à idéia de 
elemento vegetal). O algo mais que se acrescentou ao signo situa-se, como 
já observamos, no âmbito da conotação. No caso, esta se vincula à criação 
de uma metáfora, uma figura de linguagem que, como tal, torna mais 
expressivo o uso da língua, mesmo no discurso cotidiano. As figuras assim 
utilizadas se aproximam da linguagem literária, mas, se não integram um 
texto literário, não ganham a especificidade de representantes plenas desse 
tipo de linguagem que marca, por exemplo, a frase quando no texto 
drummondiano ou no romance de Machado de Assis. 
A conotação implica um universo cultural. A propósito, José 
Guilherme Merquior lembra que "Martinet considera conotativos os 
elementos do sentido que não pertencem a toda a comunidade utilizadora 
de determinada língua", e acrescenta: 
 
Pág. 36 
 
"a conotação das palavras, mais do que a sua denotação, varia entre os 
grupos etariais, as classes sociais etc; ela é uma função das múltiplas 
estratificações da comunidade linguística".
8
 
Por via da conotação, pode-se, pois, partir do texto para o social, uma 
vez que a literatura é, antes de tudo, um objeto de linguagem. E não nos 
esqueçamos de que o texto literário envolve dimensões históricas e 
ideológicas. E, portanto, sobretudo por força de sua dimensão conotativa 
que a obra literária se abre às mais variadas interpretações. 
 
 
 
8 Cf. MERQUIOR, J. Guilherme. Do signo ao sintoma. In:______. Formalismo e tradição moderna: o 
problema da arte na crise da cultura. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense/Edusp, 1974. p. 129. 
CCuullttuurraa ee aarrttee lliitteerráárriiaa 
A literatura é, pois, um sistema semântico em que se destaca a 
conotação, e esta é estreitamente vinculada às diferenças sociais. 
É preciso considerar ainda que só há literatura onde existe um povo e, 
consequentemente, o desenvolvimento de uma cultura. 
A matéria literária c cultural. O artista da palavra retira do mundo 
elementos que, convenientemente organizados, podem representar 
totalidades e constituir uma afirmação cuja força e coesão não se 
encontram ao alcance dos profanos. Em outros termos, de acordo com 
Edward T. Hall, uma das mais relevantes funções do artista é ajudar o leigo 
a estruturar o seu universo cultural.
9
 
Cultura é outro vocábulo multissignificativo; envolve cerca de 
duzentos e cinquenta conceitos ditados pelas diferentes posições dos 
estudiosos; destaco três deles: 
 
Pág. 37 
 
Uma cultura constitui um corpo complexo de normas, símbolos, mitos 
e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam os 
instintos, orientam as emoções.
10
 
À luz do pensamento católico, 
pela palavra "cultura" em sentido geral, indicam-se todas as 
coisas com as quais o homem aperfeiçoa e desenvolve as 
variadas qualidades da alma e do corpo; procura submeter a seu 
poder pelo conhecimento e pelo trabalho o próprio orbe 
terrestre; torna a vida social mais humana, tanto na família 
como na comunidade civil, pelo progresso dos costumes e das 
instituições; enfim, exprime, comunica e conserva, em suas 
obras, no decurso dos tempos, as grandes experiências 
espirituais e as aspirações, para que sirvam ao proveito de 
muitos e ainda de todo o gênero humano.11 
 
9 Cf. HALL, Edward. La dimension cachée. Paris: Seuil, 1966. p. 105. 
10 MORIN, Edgar. Cultura de massa no século XX. o espírito do tempo. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São 
Paulo: Universitária, 1977. p. 15. 
11 A Igreja no mundo de hoje. In: Concilio Vaticano II. Gaudium et spes. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1966. 
 
Finalmente, à luz da antropologia, podemos também entender cultura 
como 
o conjunto e a integração dos modos de pensar, sentir e fazer 
adotados por uma comunidade, na busca de soluções para os 
problemas da vida humana associativa. 
 
Cultura, como se depreende dessas acepções, implica sociedade. 
Em função dessa circunstância, cabe considerar, em sentido restrito, a 
cultura "já feita", isto é, as maneiras de pensar, de sentir e de fazer que o 
consenso comunitário referendou como 
 
Pág. 38 
 
tal e como representativas do modo de ser da comunidade; em sentido 
amplo e aberto, há que se ter em conta a cultura que se está fazendo, a cada 
momento, no cotidiano do homem, sobretudo na atualidade, quando o 
mundo se constitui numa imensa aldeia global e os meios de comunicação 
de massa se convertem em eficientíssimos agentes culturais. 
A caracterização cultural, em termos sociais, admite ampliações e 
setorizações que permitem tratar, entre outras, de cultura ocidental, cultura 
européia, cultura grega, cultura romana, cultura brasileira etc. 
Consequentemente, de literatura ocidental, literatura européia, literatura 
grega, literatura romana, literatura brasileira etc. 
Obviamente, como fato cultural que é, a literatura acompanha o 
desenvolvimento da cultura de que é parte integrante. 
Cada ser humano encontra, desde que nasce, um mundo de 
conhecimentos que lhe vão sendo transmitidos pela sociedade, por sua vez 
herdeira de conhecimentos anteriores e aberta e novas interpretações. "A 
vida é um constante fluir. Ninguém se banha duas vezes nas mesmas águas 
do rio", disse Heráclito, filósofo grego. Ao que podemos acrescentar: sai 
impregnado das águas em que se vai molhando. 
Tais conhecimentos veiculam-se por meio de linguagens, entre a 
língua que falamos e que pode ser entendida como um conjunto organizado 
de valores e que é, simultaneamente, uma instituição social e linguagem de 
uma sociedade.
A literatura se vale da língua e revela dimensões culturais. Cultura, 
língua e literatura estão, portanto, estreitamente vinculadas. 
Reiterando noções e ampliando a explicitação: a linguagem literária é 
eminentemente conotativa. A conotação se pluraliza em função do universo 
cultural dos falantes; prende-se, portanto, às diferenças de camadas 
socioculturais e ao processo de desenvolvimento da cultura. Fácil é 
concluir que a literatura, 
 
Pág. 39 
 
apoiada num sistema de signos linguísticos que representam o mundo e 
revelam dimensões profundas do ser humano, traduz o grau de cultura de 
uma sociedade. E mais: por força de sua natureza criadora e fundadora, 
pode configurar-se como espelho ou como denúncia, como conservadora 
ou como transformadora. 
Essas dimensões têm marcado a história da arte literária ocidental, em 
que se desenvolvem movimentos ora assinalados por atitudes regressivas, 
ora por procedimentos de vanguarda. 
Sendo a obra de arte literária matéria ficcional, claro está que a 
realidade nela revelada não se confunde com a realidade socialmente dada. 
A linguagem literária, lembra Lefebvre, abre-se sobre o mundo e coloca 
diante dele "uma questão que não é daquelas que podem ser respondidas 
pela ciência, pela moral ou pela sociologia [...] Ela interroga o mundo sobre 
sua realidade e a linguagem sobre sua obsessão de uma adequação perfeita 
ao ser do mundo. Não é uma solução, uma fuga para fora da linguagem e 
do humano: ela encarna uma nostalgia".
12
 
 
12 LEFEBVE, Maurice-Jean. Structure du discours de la poésie et du récit. Neuchâtel: La Baconnière, 
1971. p. 28-9. 
Pág. 40 
 
 
55 
CCaarraacctteerrííssttiiccaass ddoo ddiissccuurrssoo lliitteerráárriioo 
 
 
LLiitteerraattuurraa ee eessppeecciiffiicciiddaaddee 
Se a literatura é uma arte, nessa condição ela é um meio de 
comunicação de tipo especial e envolve uma linguagem também especial. 
Esta última, como já foi visto, apóia-se numa língua e se configura em 
textos em que se caracteriza uma determinada modalidade de discurso. 
O código em que se pauta o discurso literário guarda íntima relação 
com o código do discurso comum, mas apresenta, em relação a este, 
diferenças singularizadoras. 
Diante do mistério do fenômeno literário, o grande desafio dos 
estudiosos e pesquisadores tem sido caracterizar plenamente essa 
especificidade. 
Identificar, entretanto, certos traços peculiares do discurso literário 
tem sido possível; o que ainda não se conseguiu definir, mesmo à luz 
desses traços, é o índice da chamada literariedade, busca mobilizadora 
sobretudo da crítica formalista e estruturalista. 
Essas limitações não impedem que assinalemos uma série de 
caracteres distintivos do discurso literário em relação ao discurso comum. 
Vamos a eles. 
 
Pág. 41 
 
 
CCoommpplleexxiiddaaddee 
O discurso da literatura se caracteriza por sua complexidade. No 
discurso não-literário, há um relacionamento imediato com o referente; 
caracteriza-se, na maioria dos casos, a significação singular dos signos, 
como vimos na frase-exemplo "Uma flor nasceu no chão da minha rua". Já 
o que depreendemos do texto literário ultrapassa, como já foi assinalado, os 
limites da simples reprodução. A natureza das informações que, por seu 
intermédio, são transmitidas, vai além do nível meramente semântico para 
se converter em algo tal que sua comunicação se torna impossível por meio 
das estruturas elementares do discurso cotidiano. 
No dispositivo verbal configurador da obra de arte literária, revelam-
se realidades que, mesmo vinculadas a elementos de natureza individual ou 
de época, atingem espaços de universalidade. 
O texto literário realmente significativo ultrapassa os limites do 
codificador para nos atingir, por força ainda do mistério da criação em 
literatura, com mensagens capazes de revelar muito da condição humana. 
Caracteriza um mergulho na direção do ser individual, do ser social, do ser 
humano. 
Dom Casmurro, para destacar um exemplo, romance de Machado de 
Assis, é, sob tais aspectos, obra exemplar. Diante do que nela se revela e do 
modo de realização que nela se configura, reveste-se de atualidade e abre-
se, na sua polissemia, a inúmeras e variadas leituras. Que nos permitem 
depreender, entre outros, aspectos individuais metonimizados nos 
personagens; multiplicidade de temas, como o ciúme; o adultério; a dúvida; 
o ressentimento; a fratura do resgate; o fazer do romance; a dissimulação 
do erotismo feminino; o desvendamento da prática jurídica; projeções do 
social, também metonimizados no microcosmo familiar dos Santiago e dos 
Pádua; visões de mundo; visões da vida no Rio de Janeiro do Segundo 
Reinado, configurações da complexidade da vida humana. 
 
Pág. 42 
 
A condição de habitante de uma cidade apresenta-se exemplarmente 
nas Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, 
que nos leva "ao tempo do rei", e o rei era Dom João VI. Pode ainda ser 
lida em Feliz Ano Novo, livro de contos de Rubem Fonseca, feito de 
metonímias hiperreais da violência urbana na Cidade Maravilhosa. 
A cidadania associa-se à nacionalidade na síntese que é Macunaíma, 
de Mário de Andrade, centrada nas aventuras e desventuras de um anti-
herói feito da fusão de características do brasileiro, seus defeitos, suas 
virtudes, suas aspirações. Um texto-paródia da história do Brasil. 
Dimensões psicológicas, geográficas, sociais, históricas, religiosas, 
míticas, metafísicas integram-se na linguagem singularíssima do Grande 
sertão: veredas. 
Em certo sentido, a linguagem literária produz; a não-literária 
reproduz. 
O fato literário caracteriza-se, entre inúmeras outras marcas, por uma 
dupla dimensão articulada: a dimensão semiótica, ligada aos signos de que 
se faz o texto, e a dimensão transfiguradora do real. Uma e outra, 
integradas, estão, por seu turno, na base da dimensão estética que o 
caracteriza. O texto literário é, ao mesmo tempo, um objeto linguístico e 
um objeto estético. 
Nessa situação, configura-se um sistema de signos secundário em 
relação à língua de que se vale, esta funcionando, no caso, como o sistema 
1. Entenda-se o adjetivo secundário vinculado sobretudo à natureza 
complexa que está sendo assinalada e não somente ao fato de que o sistema 
1 é uma língua natural. 
A obra de arte literária, valho-me ainda uma vez de Lefebve, é sempre 
"O lugar e como a intersecção de dois movimentos de sentidos opostos que 
envolvem, por um lado, um dobrar-se da literatura sobre si mesma num 
puro objeto de linguagem e, por outro lado, um abrir-se "ao mundo 
interrogado na sua realidade e na sua presença essencial [...] movimentos 
contraditórios 
 
Pág. 43 
 
e entretanto solidários, pólos ao mesmo tempo complementares e 
antagonistas, criadores de um campo dinâmico que só ele permite 
compreender os diversos aspectos do fenômeno literário"
1
. 
 
 
1 LEFEBVE, Maurice-Jean. Op. cit. p. 29. 
MMuullttiissssiiggnniiffiiccaaççããoo 
Ao caracterizar-se no texto literário um uso específico e complexo da 
língua, os signos linguísticos, as frases, as sequências assumem, em função 
do contexto em que se integram, significado variado e múltiplo. Assim, 
afastam-se, por exemplo, da monossignificação típica do discurso 
científico, para só citar um caso. 
É nesse sentido que alguns estudiosos situam o distanciamento que a 
linguagem literária assume em relação ao que chamam grau zero da 
escritura. 
Entenda-se, a princípio, grau zero como o discurso preocupado 
sobretudo com a
plena clareza da comunicação nele veiculada e com a 
obediência às normas usuais da língua. (Para uma visão mais minuciosa do 
conceito, pode-se ver o livro de Roland Barthes Novos ensaios críticos 
seguidos de O grau zero da escritura, edição da Cultrix de 1974.) 
A multissignificação ou polissemia não é marca exclusiva do texto de 
literatura. Pode configurar-se em qualquer outra manifestação verbal. As 
diferentes interpretações das leis, por exemplo, que frequentam o discurso 
jurídico o evidenciam. No texto não-literário a ambiguidade dela decorrente 
prende-se necessariamente "a uma preocupação de imediata e utilitária 
funcionalidade".
2 
O texto de literatura, em função do contexto que o 
caracteriza, repele qualquer imposição coercitiva. Esse preocupar-se nele 
não se faz presente. O que o leva a possibilitar ao destinatário, leitor ou 
 
Pág. 44 
 
ouvinte, a depreensão de uma multiplicidade de sentidos. Tal depreensão 
vincula-se ao seu universo cultural e ao seu saber linguístico, na medida em 
que, como assinala Umberto Eco, "o estimula a interrogar a flexibilidade e 
a potencialidade do texto que interpreta, tal como a do código a que se 
refere".
3
 
A literatura, na verdade, cria significantes e funda significados. 
 
2 REIS, Carlos. O conhecimento da literatura: introdução aos estudos literários. Coimbra: Almedina, 
1995. p. 126. 
3 Eco, Umberto. Trattato di semiótica generale. 6. ed. Milão: Bompiani, 1978. p. 380. V., a propósito, 
REIS, Carlos. Op. cit. p. 126 e EMPSON, W. Seven types of ambiguity. Nova York: New Directions, 1966. 
Apresenta seus próprios meios de expressão, ainda que se valendo da 
língua, ponto de partida. Superposto ao da língua, o código literário, em 
certa medida, caracteriza alterações e mesmo oposições em relação àquele. 
É um desvio mais ou menos acentuado em relação ao uso linguístico 
comum. Em termos literários, por exemplo, assegurada a coerência do 
conjunto em que inseríssemos a afirmação, teriam sentido frases como "a 
flor de nossa rua comeu todos os medos" ou "a flor expulsou todos os 
monstros" e, fora desse âmbito sintático-vocabular, lembro versos como 
"Um supremíssimo cansaço/íssimo, íssimo, íssimo,/cansaço", de Fernando 
Pessoa, em que, como se vê, se fere, em nome da expressividade poética, a 
norma morfológica do idioma no seu uso cotidiano. 
E mais: para a plurissignificação do texto contribuem, como acentua 
Paul Ricoeur, fatores de ordem sincrônica e de ordem diacrônica. Vale 
dizer, os primeiros se vinculam à carga significativa ligada às relações entre 
as palavras no conjunto do texto de que fazem parte; já o plano da diacronia 
envolve tudo o que de significação e evocação o tempo agregou aos 
vocábulos, no decurso de sua história, incluídas nessa totalidade as 
dimensões resultantes do uso das palavras na tradição literária. 
Num ou noutro caso, a plurissignificação pode associar-se ao âmbito 
sociocultural, como quer, por exemplo, Delia Volpe, 
 
Pág. 45 
 
ou a espaços míticos e arquetípicos, como pretende Northrop Frye; situo-
me, no caso, entre os que acreditam que tais dimensões não se excluem, 
antes se complementam. 
A multissignificação é, pois, uma das marcas do texto literário como 
tal. É o traço que permite, entre outras, as múltiplas leituras existentes da 
obra de João Cabral de Melo Neto, de Carlos Drummond de Andrade, de 
Guimarães Rosa; que possibilita a Roland Barthes a sua apreciação da obra 
de Racine e que nos autoriza ler, em Iracema, de José de Alencar, uma 
síntese simbólica do processo civilizatório da América, entre outras 
interpretações. A permanência de determinadas obras se prende ao seu alto 
índice de polissemia, que as abre às mais variadas incursões e possibilita a 
sua atemporalidade. 
 
PPrreeddoommíínniioo ddaa ccoonnoottaaççããoo 
A linguagem literária é eminentemente conotativa. O texto literário 
resulta de uma criação, feita de palavras. E do arranjo especial das palavras 
nessa modalidade de discurso que emerge o sentido múltiplo que a 
caracteriza. 
Os signos verbais, no texto de literatura, por força do processo criador 
a que são submetidos, à luz da arte do escritor, revelam-se carregados de 
traços significativos que a eles se agregam a partir do processo 
sociocultural complexo a que a língua se vincula. O texto literário pode 
abrigar a presença de elementos identificadores de um real concreto, quase 
sempre garantidor de verossimilhança, como costuma também, nessa 
mesma dimensão, apresentar uma imagem desse real ligada estreitamente a 
outros elementos que fazem o texto. Essa presença, que pode trair uma 
dimensão denotativa, não é, entretanto, seu traço dominante. Este reside na 
conotação, conceito fundamental para os estudos de literatura, e de tal 
maneira que especialistas como André Martinet, Georges Mounin e, entre 
nós, José Guilherme 
 
Pág. 46 
 
Merquior chegam a admitir que nas conotações reside "o segredo do valor 
poético de um texto".
4
 
 
LLiibbeerrddaaddee nnaa ccrriiaaççããoo 
As manifestações literárias podem envolver adesão, transformação ou 
ruptura em relação à tradição linguística, à tradição retórico-estilística, à 
tradição técnico-literária ou à tradição temático-literária às quais 
necessariamente está vinculado o trabalho do escritor. A literatura se abre, 
então, plenamente, à criatividade do artista. Em seu percurso, ela envolve a 
constante invenção de novos meios de expressão ou uma nova utilização 
 
4 Cf. MERQUIOR, J. Guilherme. Do signo ao sintoma. In: Formalismo e tradição moderna: o problema da 
arte na crise da cultura. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense/ lidusp, 1974. p. 129. 
dos recursos vigentes em determinada época. Mesmo nos momentos em 
que a obediência a determinados princípios pareceu regular os 
procedimentos literários, a literatura, por sua própria natureza, levou à 
abertura de caminhos renovadores. 
Não existe uma "gramática normativa" para o texto literário. Seu 
único espaço de criação é o da liberdade. 
Se a norma, em alguns instantes, regulou a "arte", o "engenho" sempre 
foi além, com maior ou menor evidência. E os movimentos de vanguarda, a 
constante exigência e busca do novo continuam sendo suas marcas mais 
patentes, num curso que segue paralelo à dinâmica do processo cultural em 
que se integra. Nesse processo, ora o acompanha, ora se antecipa, 
transformadora, porta-voz do devir. Veja-se o Ulisses, de Joyce, por 
exemplo. O artista da palavra tem uma sensibilidade mais apurada do que a 
do comum das gentes, e essa acuidade mobiliza-lhe a criação progressora. 
 
Pág. 47 
 
Na maioria dos casos, é a própria obra que traz em si suas próprias 
regras. A obra de arte literária se faz, fazendo-se. 
Observe-se que as normas reguladoras do texto não-literário, aquelas 
que se impõem ao indivíduo por corresponderem àquilo que habitualmente 
se diz, precisam ser obedecidas, sob pena de sérios ruídos na comunicação 
e, em certas circunstâncias, até de total obliteração do que se pretende 
comunicar. No texto literário a criação estética autoriza qualquer 
transgressão nesse sentido. E em termos de história literária, múltiplos e 
vários têm sido os percursos nessa direção, seja em termos individuais, seja 
em termos de movimentos de época. 
 
ÊÊnnffaassee nnoo ssiiggnniiffiiccaannttee 
Enquanto o texto não-literário confere destaque ao significado, ou 
seja, ao plano de conteúdo, o texto literário tem o seu sentido apoiado no 
significado e no significante, com especial relevo concedido a este último. 
A questão, entretanto, não
é pacífica. Sobretudo quando pensamos que, ao 
situar significante e significado no âmbito da semiótica, estes ganham 
dimensões que, embora relacionadas com a visão da linguística, adquirem 
matizes diferentes e contribuem efetivamente para o sentido do texto, 
principalmente em termos da informação estética que nele se configura. 
Num poema como o "Soneto de separação", de Vinícius de Moraes, por 
exemplo, os fonemas bilabiais de certos vocábulos parecem contribuir para 
o sentido dominante no texto, centrado na separação entre dois seres: 
 
SSoonneettoo ddee sseeppaarraaççããoo 
 
De repente do riso fez-se o pranto 
Silencioso e branco como a bruma 
E das bocas unidas fez-se a espuma 
E das mãos espalmadas fez-se o espanto. 
 
Pág. 48 
 
De repente da calma fez-se o vento 
Que dos olhos desfez a última chama 
E da paixão fez-se o pressentimento 
E do momento imóvel fez-se o drama. 
De repente, não mais que de repente 
Fez-se de triste o que se fez amante 
E de sozinho o que se fez contente. 
Fez-se do amigo próximo o distante 
Fez-se da vida uma aventura errante 
De repente, não mais que de repente.
5
 
 
Textos há em que o significante sobressai de maneira ainda mais 
 
5 In:______. Livro de sonetos. 3. ed. Rio de Janeiro: Sabiá, 1967. p. 30-1. 
acentuada, como neste poema concreto de Ronaldo Azeredo
6
: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Pág. 49 
 
A questão é facilmente compreensível: basta substituir os vocábulos 
de um texto por sinônimos, para aquilatar a relevância do significante. 
Pensemos na fala famosa do Hamlet, de Shakespeare: 
 
To be or not to be: that is the question 
(Ser ou não ser: eis a questão) 
 
Veja-se o efeito de substituições: 
 
Am I or am I not: that is the question 
(Sou ou não sou: eis a questão) 
ou 
 
To be or not to be: that is what worries me 
(Ser ou não ser: é isso que me preocupa) 
 
 
6 Apud CAMPOS, Augusto de; PIGNATARI, Décio; CAMPOS, Haroldo de. Teoria da poesia concreta: textos 
e manifestos críticos — 1950-1960. São Paulo: Duas Cidades, 1975. p. 92. 
V V V V V V V V V V 
V V V V V V V V V E 
V V V V V V V V E L 
V V V V V V V E L O 
V V V V V V E L O C 
V V V V V E L O C I 
V V V V E L O C I D 
V V V E L O C I D A 
V V E L O C I D A D 
V E L O C I D A D E 
. 
Evidentemente, perde-se muito do efeito estético com as expressões 
substitutas, levando-se em conta, obviamente, o contexto em que as 
palavras do teatrólogo se inserem. 
No "Soneto de separação", de Vinicius de Moraes, é bastante trocar 
algumas palavras para verificar a força do significante, colocando, por 
exemplo, "repentinamente" em lugar de "de repente"; "juntas", onde está 
"unidas", ou "tranquilidade" onde se encontra "calma". 
 
VVaarriiaabbiilliiddaaddee 
O texto literário se vincula, como foi assinalado, a um universo 
sociocultural e a dimensões ideológicas; sua natureza envolve mutações no 
tempo e no espaço; ele tem uma língua como 
 
Pág. 50 
 
ponto de partida e de chegada; as línguas acompanham as mudanças 
culturais; mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mudam as pessoas, 
os povos, a linguagem: a literatura, manifestação cultural, acompanha as 
mudanças da cultura de que é parte, integrante e altamente representativa. 
A literatura traz a marca de uma variabilidade específica, seja em relação 
aos discursos individuais, seja em termos de representatividade cultural. E 
não nos esqueçamos de que, na base da literatura, está a permanente 
invenção. 
 
MMooddooss ddee rreeaalliizzaaççããoo 
O texto literário — eis um traço óbvio e imediatamente comprovável 
— se faz de manifestações em prosa e de manifestações em verso. 
 
MMaanniiffeessttaaççõõeess eemm pprroossaa 
As manifestações em prosa envolvem as modalidades da narrativa de 
ficção. 
Ficção — do latim fictionem, cognato do verbo fingere, "dar forma a 
qualquer substância plástica e, por extensão, representar, imaginar, 
inventar", que em português deu "fingir" — significa invenção, construção 
da imaginação, fingimento, simulação, imaginação. A narrativa de ficção se 
caracteriza por fazer-se de histórias fictícias ou simuladas, nascidas da 
imaginação. 
As principais modalidades desse tipo de narrativa são o conto, o 
romance e a novela. 
Tarefa das mais complexas tem sido determinar os limites de tais 
formas. As definições mais usuais as caracterizam como a seguir: 
O conto oferece uma amostra da vida, por meio de um episódio, um 
flagrante ou instantâneo, um momento singular e representativo. Constitui-
se de uma história curta, simples, com 
 
Pág. 51 
 
economia de meios, concentração da ação, do tempo e do espaço. Ex.: 
"Noite de almirante", de Machado de Assis. 
O romance prende-se a uma vasta área de vivência, faz-se geralmente 
de uma história longa e apresenta uma estrutura complexa. Ex.: Dom 
Casmurro, do mesmo Machado de Assis; São Bernardo, de Graciliano 
Ramos; Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, A república dos 
sonhos, de Nélida Pinou. 
A novela se situa como forma intermediária entre o romance e o 
conto. Ex.: Léguas da promissão, de Adonias Filho. 
Essas variedades envolvem certa visão do mundo e uma determinada 
maneira de captar as questões que nos textos se apresentam, caracterizando 
um sistema que se faz de vários elementos integrados: uma narração 
vinculada a personagens em ação (ou não) num tempo e num espaço em 
torno de um ou mais temas, traduzindo-se num estilo e por meio de 
determinados ângulos de visão. 
 
AAss vviissõõeess ddaa nnaarrrraattiivvaa 
Segundo os moldes consagrados pela tradição, a narração pode ser 
conduzida por um narrador não participante ou por um personagem que 
convive com os outros na história narrada. Isso nos leva ao modo como esta 
última se apresenta e se constrói: o ângulo de visão, ponto de vista, foco ou 
enfoque narrativo, também conhecidos como visão da narrativa. 
Em princípio admitem-se, entre outras possibilidades, a história 
contada em primeira pessoa por um dos personagens que toma parte nos 
acontecimentos ou a história contada em terceira pessoa por um narrador 
que se situa fora dos acontecimentos e pode: a) saber tudo a respeito de 
tudo (visão totalizadora); b) conhecer plenamente apenas um dos 
personagens (visão limitada); c) conhecer superficialmente os personagens 
(visão restrita). 
Essas modalidades de visão são bastante encontradiças na literatura 
ocidental. Acrescente-se a elas o monólogo interior, téc- 
 
Pág. 52 
 
nica inventada pelo escritor francês Edouard Dujardin (1861-1949), que a 
utilizou no seu romance Les lauriers sont coupés (1887). Esse 
procedimento difere do monólogo tradicional, pois reproduz pensamentos 
íntimos como vão surgindo do inconsciente sem nenhuma preocupação 
com um encadeamento lógico: deixando fluir livremente as idéias e 
sentimentos em frases diretas, com a sintaxe reduzida a um mínimo de 
recursos. Um excelente exemplo se encontra num dos mais famosos textos 
da moderna literatura do Ocidente, o citado Ulisses, de James Joyce; 
transcrevo uma passagem, na primorosa tradução de Antônio Houaiss: 
 
Sim porque ele nunca fez uma coisa como essa antes como 
pedir pra ter seu desjejum na cama com um par de ovos desde o 
hotel City Arms quando ele costumava fingir que estava de cama 
com voz doente fazendo fita para se fazer interessante para 
aquela velha bisca da senhora Riordan que ele pensava que 
tinha ela no bolso e que nunca deixou pra nós nem um vintém 
tudo pra
missas para ela e para alma dela grande miserável que 
era com medo até de soltar 4x. para seu espírito metilado me 
contando todos os achaques dela com aquela velha de falação 
dela sobre política e tremores de terra e o fim do mundo que a 
gente tenha um pouco de distração pelo menos antes Deus 
ajude o mundo se todas as mulheres fossem como ela contra 
roupa de banho e decotes é claro que ninguém queria ver ela 
com isso eu creio que ela era piedosa porque nenhum homem 
havia de olhar para ela duas vezes eu espero que não vou ser 
nunca como ela não admirava se ela quisesse que a gente 
escondesse a cara mas ela era uma mulher bem educada e sua 
fala tagarela sobre o senhor Riordan praqui e o senhor Riordan 
pralá eu penso que ele ficou contente de se ver livre dela e do 
cachorro dela que cheirava meu casaco de pele e se metia 
sempre debaixo de minhas saias.7 
 
Pág.53 
 
Outro bom exemplo está no conto "Monólogo de Tuquinha Batista", 
de Aníbal Machado: 
 
Não Mundinha pra Zona Sul eu não vou já disso que não vou pra 
lá não Betsy que não quero me perder e cá no meu subúrbio eu 
sou Tuquinha Tuquinha Batista T.B. meu nome em toda parte 
que eu quase choro agradecida T.B. nos muros T.B. no tronco 
das árvores no mamoeiro na porta da igreja como largar minha 
gente ficar longe das letras de meu nome não não Mundinha 
não me tentes mais estou quase noiva isto é não estou mas meu 
noivo vem vindo já apareceu na bola de cristal a cartomante 
disse que por enquanto ele aparece só pra ela todo dourado 
nadando num fundo azul e que é parecido com Clark Gable mas 
eu queria que ele parecesse com aquele que viajou no pingente 
uma vez na véspera do Ano-Bom ele me olhava de fora pela 
vidraça e o trem dava cada solavanco e ele se equilibrava a cara 
bonita atrás rindo tentando a gente rindo e cantando parecia 
até um demônio eu de repente fiquei apaixonada e até hoje 
quando vejo vidraça olha aquele findo me tentando querendo se 
apossar da gente nunca mais apareceu só a lembrança do rosto 
dele sorrindo sempre vai ver é um pilantra feito aquele "fala-
macio" que levou Raimunda pra Copacabana dizendo que lá 
sabiam apreciar uma morena feito ela que ela ia virar girl e 
 
7 JOYCE, James. Ulisses. Trad. de Antônio Houaiss. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. p. 792-3. 
arranjava um bom contrato que o subúrbio era triste...8 
 
A diferença entre o monólogo interior e o monólogo tradicional é 
flagrante: este último admite a participação do narrador e até comentários 
sobre o que o personagem está pensando, sentindo ou fazendo, o que não 
acontece com o primeiro. 
 
Pág. 54 
 
O crítico francês Jean Pouillon, no seu O tempo no romance, ao tratar 
dos "modos de compreensão" em relação ao romance, admite três 
modalidades básicas de visão: a visão "com" (vision "avec"), a visão "por 
trás" (vision "par derrière ") e a visão "de fora" (vision "du dehors"). 
Na visão "com", tudo se centraliza num personagem e é a partir dele 
que nós vemos e "vivemos" os acontecimentos narrados e percebemos 
também o que com ele se passa no âmbito da ação do romance. Memórias 
póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro, de Machado de Assis, estão 
nesse caso. 
Na visão "por trás", o autor não se situa no interior de um personagem, 
mas procura afastar-se dele para considerar objetiva e diretamente sua vida 
psíquica. 
A diferença entre a visão "com" e a visão "por trás" é a que se verifica 
entre a pura e simples consciência e o conhecimento à luz da reflexão. Num 
romance de visão "com", esta tem por centro, do qual se irradia, um foyer 
que faz parte do próprio romance; é na obra que encontramos a fonte de luz 
que a ilumina. No romance de visão "por trás", a fonte não está no 
romance, mas no romancista, melhor dito, no narrador não nomeado, na 
medida em que ele sustenta a sua obra sem coincidir com um de seus 
personagens. Observe-se que, nesse caso, o leitor faz sua a visão do 
narrador. 
A visão "de fora" envolve a observação material da conduta do 
personagem, seu aspecto físico e o meio em que vive. Claro está que a 
 
8 MACHADO, Aníbal. A morte da porta-estandarte e outras histórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1965. 
p. 106. 
exterioridade assim caracterizada é situada pelo autor e captada pelo leitor 
como reveladora de interioridade. O "dehors" dos personagens nos é 
apresentado de tal modo que ele nos revela progressivamente seu caráter. 
Essas divisões e classificações não esgotam a matéria, e as visões 
admitem os mais variados arranjos e combinações. Nem se pense na 
exclusividade necessária desse ou daquele enfoque. Há narrativas em que 
convivem harmonicamente várias visões, como, por exemplo, em Corpo 
vivo, romance de Adonias Filho, 
 
Pág. 55 
 
caracterizado por um especialíssimo tratamento do ponto de vista. Por 
outro lado, em muitos romances contemporâneos, no-tadamente no 
nouveau roman francês, o expositor se converte em cameraman e apenas 
apresenta personagens e ações, como se a narrativa fosse uma película 
cinematográfica. Como exemplo, pode-se ler Le voyeur (A espreita), de 
Alain Robbe-Grillet. 
 
OOss ppeerrssoonnaaggeennss 
Os personagens dão condição de existência ao enredo e "vivem" nele 
como participantes da história. 
As múltiplas classificações, nascidas das mais variadas posições 
críticas, se apóiam no que os personagens "são", no que "representam" ou 
no que "fazem", privilegiando, assim, dimensões aspectuais. Daí a variada 
tipologia que os considera: 
a) por sua natureza — quando podem ser: seres humanos (exs.: Paulo 
Honório, do romance São Bernardo, de Graciliano Ramos; Augusto 
Matraga, do conto "A hora e vez de Augusto Matraga", de Guimarães 
Rosa); coisas (ex.: a propriedade, no mesmo São Bernardo); animais (exs.: 
a cachorra Baleia, em Vidas secas, romance de Graciliano Ramos; Quincas 
Borba, o cão, no romance do mesmo nome, de Machado de Assis; o 
burrinho pedrês, no conto do mesmo nome, de Guimarães Rosa) e, por 
extensão, elementos da natureza (ex.: o vento, no conto "O iniciado do 
vento", de Aníbal Machado); 
b) pela variedade — quando podem ser: individuais, ao se 
identificarem com seres nitidamente caracterizados em sua personalidade 
(exs.: Capitu, em Dom Casmurro, romance de Machado de Assis; o citado 
Augusto Matraga); típicos, quando trazem características que os 
identificam com um grupo social, nacional, regional, profissional etc. (ex.: 
Fabiano, no referido Vidas secas); caricaturais, quando têm 
exageradamente acentuadas certas características marcantes e definidoras, 
como a comadre, 
 
Pág. 56 
 
de Memórias de um sargento de milícias, romance de Manuel Antônio de 
Almeida. Certos personagens típicos acabaram tornando-se universais, 
como o usurário, o soldado fanfarrão, o criado hábil, o agregado, entre 
muitos, encontrados a cada passo na literatura de ficção; 
c) pela função que desempenham — quando podem ser: 
protagonistas, as figuras principais da história (ex.: Cajango, em Corpo 
vivo, romance de Adonias Filho); antagonistas, os que se opõem à figura 
principal, ou seja, com ela entram em tensão direta no desenvolvimento da 
trama (ex.: Manuel Pescada, no romance O mulato, de Aluísio Azevedo). 
Nessa área funcional há que considerar ainda o narrador, caracterizado 
como tal. 
 
A tendência estruturalista é centrar a classificação na participação dos 
personagens em suas inter-relações. 
A caracterização dos personagens pode apoiar-se também no nome 
que levam, em certos tiques, no tipo físico e no tipo antropológico. 
 
AA aaççããoo 
A narrativa, que integra ação e narração,
caracteriza uma sequência, 
simples ou complexa, de conflitos ou tensões que se resolvem ou não. A 
ação se situa, assim, no nível da trama, intriga ou enredo, que envolve o 
que ocorre com os personagens, o conjunto de seus atos ou reações, os 
acontecimentos ligados entre si, tudo isso comunicado pela narrativa. 
O desenvolver-se da trama leva ou ao desaparecimento das situações 
conflituais ou à criação de novos conflitos. 
Por narração compreende-se a sucessão de fatos, imagens ou 
acontecimentos que, numa sequência ordenada, se configura num texto 
literário; é o modo como a narrativa se organiza. 
É na articulação da ação com a narração que se instaura o processo da 
ambiguidade peculiar ao texto literário. 
 
 
Pág. 57 
 
OO ttrraattaammeennttoo ddoo tteemmppoo 
O homem é um ser temporal. O tempo, como quer Percy B. Shelley, 
"é a nossa consciência da sucessão das idéias em nossa mente".
9
 
O tempo cronológico, isto é, o tempo convencional das horas, dos 
dias, dos meses, das estações e dos anos é a medida exterior da duração. 
Admite padrões fixos de medida, vinculados ao movimento de rotação e 
translação da Terra. É um tempo objetivo, que se opõe à subjetividade do 
tempo psicológico, interior e relativo, situado no âmbito da experiência 
individual, que avalia a partir de padrões variáveis. 
Remonta a Bergson a concepção do tempo psicológico. Como 
explicita Dirce Riedel, "a realidade está na relatividade subjetiva da durée 
(duração), no que permanece no fluir do tempo, apesar de toda a sua 
irreversibilidade, e não no conceito objetivo da física que falsifica a 
natureza essencial do tempo"
10
. 
A duração (durée) é anacrônica. 
O pensamento bergsoniano, notadamente a teoria da durée, está na 
base de uma nova concepção de personagem, em grande parte da ficção 
moderna, especialmente no romance que se faz de fluxo de consciência. 
Abandona-se, por falso, o fixar da personalidade por meio da descrição 
externa, por intermédio de rótulos, definições e listas de características: a 
personalidade passa a ser caracterizada à luz de sua renovação momento a 
 
9 Queen Mab. Apud MENDILOW, A. A. O tempo e o romance. Porto Alegre: Globo, 1972. p. 135. 
10 RIEDEI., Dirce. O tempo no romance machadiano. Rio de Janeiro: São José, 1958. p. 15. 
momento, com o passado sempre presente, variável de acordo com a 
ampliação do seu campo temporal em movimento. 
A mesma teoria conduziu a uma nova concepção da trama e da 
estrutura, à limitação progressiva da duração ficcional do 
 
Pág. 58 
 
romance, à ampliação da duração psicológica dos personagens: "toda a vida 
num dia, toda a vida num momento", como lembra Mendilow na página 
167 da obra citada, passa a ser o objetivo dos romancistas. Os citados 
Ulisses, de Joyce, e A Paixão segundo G. H., de Clarice Lispector, são 
excelentes exemplos da adoção dessa técnica. 
A duração se identifica com a vida interior. 
A literatura moderna busca exprimir não apenas a irreversibilidade do 
tempo que se escoa mas ainda uma distância interior, um tempo subjetivo, 
como resume Dirce Riedel na obra citada, em que acrescenta: "A memória 
poética funde passado e presente, numa sucessão psicológica, já que a 
realidade não é um estado estável; o presente é constante transição, 
perpétuo vir-a-ser [...] Enquanto a narrativa linear exprime a continuidade 
do tempo exterior, a associação dinâmica pode revelar a continuidade 
emocional, numa literatura que quer surpreender o processo do 
subconsciente". 
Esse posicionamento envolve necessariamente as relações da 
narrativa, instalando-se no âmbito da consecução e da consequência, 
substituindo na ordem de apresentação ficcional a sequência cronológica 
pela sequência psicológica. 
O moderno tempo ficcional se faz da sucessão psicológica, mede-se 
pela distância interior, variável segundo a melodia do mundo interior de 
cada indivíduo. Caracteriza-se uma duração aberta. Se o comparamos com 
o tempo da história, vemos que este se faz de uma perspectiva exterior, 
mede-se cronologicamente e apresenta unidade de ação. 
 
 
OO aammbbiieennttee 
Também chamado meio, localização, envolve as condições materiais 
ou espirituais em que se movimentam os personagens e se desenrolam os 
acontecimentos. Por meio dele podem-se 
 
Pág. 59 
 
configurar traços dos personagens e mesmo a própria história. Ex.: O 
mulato e O cortiço, de Aluísio Azevedo; Eurico, o presbítero, de 
Alexandre Herculano; Senhora, de José de Alencar. 
 
OO eessttiilloo 
Apesar de já termos tratado desse traço da linguagem, cabem ainda 
algumas observações. Os estudos relacionados com o estilo envolvem, em 
síntese, dois posicionamentos: há aqueles que o consideram como 
resultante de um conjunto de escolhas em relação à língua; outros 
entendem que se trata de um desvio em relação à norma gramatical. Entre 
os primeiros, encontra-se, por exemplo, Charles Bally, o criador da 
estilística como disciplina cuja tarefa consiste na busca dos elementos 
expressivos que, num dado momento, servem para produzir os movimentos 
do sentimento e da razão. É a chamada corrente saussuriana ou positivista. 
Ao segundo grupo, pertencem estudiosos da chamada corrente da escola 
alemã de Karl Vossler, como os críticos Leo Spitzer, Dámaso Alonso, 
Helmut Hatzfeld e outros, que, embora aceitando inicialmente as teses de 
Ferdinand de Saussu-re, mestre de Bally, se preocupam com depreender da 
fala o que nela existe de individual, de criação pessoal, que, na busca da 
expressão adequada à situação de fala, foge da automatização na 
formulação linguística. Vossler compara a forma que usamos ao falar com 
a forma que vestimos: segundo ele, o modelo nos é imposto pela vida 
prática, mas a decisão sobre o corte e a cor depende do gosto de cada um. 
As duas correntes, a saussuriana e a idealista de Vossler, 
fundamentam a crítica literária de base estilística, que vê o estilo a serviço 
da criação artística. 
Cabe lembrar que a tese de Vossler se inspira nas teorias de Benedetto 
Croce, filósofo italiano para quem o objetivo dos estudos de estética é a 
função expressiva que caracteriza o ser humano, sobretudo aqueles que 
possuem uma psique mais apta, 
 
Pág. 60 
 
mais rica, e que são chamados artistas, porque expressam plenamente 
estados de alma. Quando tais expressões conseguem manifestar-se com 
excelência, são chamadas obras de arte. 
Mais uma vez, estamos diante de uma questão longe de ser tranquila. 
Aline Lévavasseur, por exemplo, nota que os adeptos do primeiro 
grupo correm o risco de confundir estilo com fala ou discurso, uma vez 
que, na linguagem, tudo é consequência de uma escolha, consciente ou não, 
por parte do falante. Acrescenta ainda que, para aumentar a confusão na 
área, o termo estilo aparece para designar "certos tipos de formulação 
rigorosamente ditados pela tradição", como estilo telegráfico, estilo 
administrativo, estilo jurídico, estilo judiciário, estilo diplomático etc. 
Lembra que o estilo se situa no lado oposto desse extremo, pois, hoje em 
dia, todo o esforço do escritor consiste justamente em buscar a 
originalidade a qualquer preço e em quebrar os moldes da expressão 
tradicional ou mesmo apenas um pouco mais usuais.
11
 
O estilo, ainda de acordo com tal posicionamento, tende a se confundir 
com o idioleto, ou seja, com aquilo que o próprio Bally definiu como "o 
sistema de expressões de um indivíduo isolado" ou, como esclarece 
Mattoso Câmara, no seu Dicionário de filologia e gramática, "o nome dado 
pelos linguistas americanos à língua tal como é observada no uso de um 
indivíduo".
Como se percebe, o conflito entre estilo, idioleto e discurso não prima 
pela solução mais simples. 
A conceituação adotada pelo segundo grupo também é passível de 
restrições. Desvio em relação à norma implica que esta última seja definida 
e estabelecida. E aí é que enfrentamos um dilema, pois a norma é entendida 
 
11 LÉVAVASSEUR, Aline. Style et stylistique. In: MARTINET, A. (Org.). La linguistique. Paris: Denoël, 
1969. p. 359. 
como uma soma de abstrações, como se depreende da citada definição de 
Coseriu. 
 
Pág. 61 
 
Um último conceito nos leva à teoria que entende o estilo como 
"fenômeno de elaboração, que consiste em substituir a natural linearidade 
da linguagem por uma certa profundidade, em razão de um objetivo mais 
ou menos intuitivo ou inconsciente do enunciado global que deve resultar 
das escolhas sucessivas", conforme as palavras de Aline Lévavasseur. 
Eis um ponto de vista que ainda uma vez se centraliza na intenção do 
falante, que deve transformar sua fala em fato estilístico. 
Cabe, a este passo, trazer à apreciação, por oportuna, a relação entre 
estilo e escritura (écriture). Deixemos a palavra com Roland Barthes, que, 
preliminarmente, diz: 
 
[...] a língua está aquém da literatura. O estilo está quase além: 
imagens, uma elocução, um léxico, nascem do corpo e do 
passado do escritor e se tornam pouco a pouco os próprios 
automatismos de sua arte. Assim, sob o nome de estilo, se 
forma uma linguagem autárquica, que não mergulha senão na 
mitologia pessoal e secreta do autor, nessa hipofísica da fala, 
onde se forma o primeiro par das palavras e das coisas, onde se 
instalam de uma vez por todas os grandes temas verbais da 
existência. 
E esclarece a seguir: 
[...] entre a língua e o estilo, há lugar para uma outra realidade 
formal: a escritura. [...] Língua e estilo são forças cegas; a 
escritura é um ato de solidariedade histórica. Língua e estilo são 
objetos; a escritura é uma função: ela é a relação entre a criação 
e a sociedade, é a linguagem literária transformada por sua 
destinação social, ela tem sua forma apreendida na sua intenção 
humana e ligada assim às grandes crises da História.12 
 
Pág. 62 
 
 
12 Le degré zéro de l'écriture suivi des éléments de semiologie. Paris: Gauthier [s.d.]. p. 14, 16 e 17. 
Como quer que seja, para efeito operacional, entenda-se o estilo na 
definição adaptada de Hatzfeld, apresentada na página 25, a partir da qual 
se percebe que, no caso do texto literário, se vincula a uma organização 
específica: o estilo, no caso, passa a integrar um objeto estético e assume 
dimensão relevante nesse âmbito. 
O mais se situa no espaço de muitos problemas ainda não resolvidos 
plenamente na área dos estudos da linguagem e da literatura. 
 
MMaanniiffeessttaaççõõeess eemm vveerrssoo 
Por verso entende-se, tradicionalmente, como registra Mattoso 
Câmara, "a frase ou o segmento frasal em que há um ritmo nítido e 
sistemático".
13
 
Se nos limitarmos apenas à área fônica, podemos dizer, como 
Todorov, que um verso é formado por uma sequência métrica de sílabas. 
Na língua portuguesa, por exemplo, a métrica ou medida do verso é 
constituída da combinação da regularidade do número de sílabas e da 
disposição dos acentos tônicos. O ritmo do verso é consequência dessa 
regularidade (ritmo silábico) e dessa disposição (ritmo intensivo). 
O final do século XIX assiste ao aparecimento de um novo tipo de 
verso, o verso livre, que deixa de ter na sílaba a sua unidade; caracteriza-se 
pela sucessão de grupos fônicos valorizados pela entoação, pelas pausas e 
pela maior ou menor rapidez da enunciação: tem, pois, seu ritmo apoiado 
na combinação da entoação e das pausas. Vejamos o exemplo: 
 
Pág. 63 
 
 
Não adules o poema. Aceita-o 
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada 
no espaço. 
Chega mais perto e contempla as palavras. 
 
13 CÂMARA JR., J. Mattoso. Dicionário de filologia e gramática referente à língua portuguesa. 2. ed. Rio 
de Janeiro: J. Olympio, 1964. p. 349. 
Cada uma 
tem mil faces secretas sob a face neutra 
e te pergunta, sem interesse pela resposta, 
pobre ou terrível, que lhe deres: 
Trouxeste a chave?14 
 
Por entoação entende-se a linha melódica que caracteriza o enunciado: 
é a escala de elevação da voz com que se enuncia uma frase. 
Três elementos interdependentes costumam ser apontados como 
relevantes na caracterização tradicional do verso: o metro, a rima e as 
formas fixas. Na base deles, um ponto comum fundamental para a distinção 
entre verso e prosa: a repetição (ou ritmo, ou periodicidade, ou paralelismo, 
ou simetria). Por outro lado, essa interdependência também está presente 
nas relações que vinculam o verso a outros traços linguísticos de um 
enunciado: a versificação caminha junto com a significação. 
 
OO mmeettrroo 
O metro apóia-se na repetição de três fatos linguísticos: a sílaba, o 
acento, a quantidade. 
A sílaba se constitui de um fonema-núcleo, chamado silábico, 
acompanhado ou não de outros fonemas, chamados não-silábicos. Em 
termos de verso, a sílaba só se converte em realidade linguística na leitura 
particular que se chama metrificação ou escansão, como se vê no exemplo 
da página seguinte. 
 
Pág. 64 
 
A / mor / é / fo / go / que ar / de / sem / se / ver /; 
É / fe / ri /da / que / dói / e / não / se / sen / te 
(Camões) 
 
 
14 ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. In: Reunião. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1969. p. 77. 
Já há algum tempo, têm surgido colocações mais amplas: além dos 
procedimentos firmados pela tradição, procura-se utilizar as sílabas no 
verso em função de aspectos visuais que envolvem cortes, desintegração e 
duplicação de palavras etc. As vanguardas brasileiras dos anos 50 e 60 
oferecem bom exemplo dessa técnica. 
Escandir ou metrificar o verso é destacar as sílabas métricas de que ele 
se compõe. Essa escansão envolve algumas normas que apresentam 
pequenas alterações de idioma para idioma. Em português, a divisão 
silábica do verso é semelhante à divisão silábica da prosa, com as seguintes 
especificidades: 
1ª) contam-se as sílabas somente até a última tônica, como nesse verso 
de Cecília Meireles: 
Ai / pa / la /vras / ai / pa / la / vras (sete sílabas métricas) 
 
2ª) o encontro de duas vogais idênticas obriga o uso da crase, como 
nesse outro verso de Cecília Meireles, sequência do exemplo anterior: 
Que‡es / tra / nha / po / tên / cia‡a / vos /sa! (crases: e + e = e; a + a = 
a) 
3ª) o encontro de vogai átona com vogai átona ou de vogal átona com 
vogai tônica entre vocábulos leva a uma única sílaba métrica, numa relação 
que se chama sinalefa; o exemplo a seguir é do mesmo poema de Cecília 
Meireles, "O romance LIII" 
 
Pág. 65 
 
— Das palavras aéreas, do Romanceiro da Inconfidência, que cito 
pela edição da Livros de Portugal: 
O / mel / do‡a / mor / cris / ta / li / za (sinalefa: do‡a) seu / per / fu / 
me em / vos / sa / ro / sa 
 
4ª) também se considera uma só sílaba a elisão, ou seja, no encontro 
de vogais átonas ou de vogai átona com vogai tônica entre vocábulos, a 
primeira deixa de ser pronunciada: 
sois / o / so / nho‡e / sois / a au / dá / cia (elide-se o final de sonho e 
lê-se sonhe sois) 
 
5ª) em alguns casos, no encontro de uma vogai nasal com uma vogai 
oral entre vocábulos, desnasaliza-se a primeira, para efeito de metrificação. 
É o que ocorre, por exemplo, no verso de Antônio
de Castro Alves: 
Eu quero marchar com os ventos, 
Com os mundos... co'os firmamentos!!! (co'os = com os) 
E Deus responde: — "Marchar!" 
 
De acordo com o Dictionnaire encyclopédique des sciences du 
langage, de Oswald Ducrot e Tzvetan Todorov, "o acento consiste na 
ênfase que se confere à duração, à altura ou à intensidade de um fonema 
silábico e que o diferencia dos seus vizinhos"; a quantidade corresponde 
"às diferenças de duração fonêmica que, em certas línguas, assumem 
função distintiva". A quantidade é, por exemplo, a base do metro dos 
versos da literatura latina clássica, apoiado na combinação de sílabas 
breves e longas.
15
 
 
Pág. 66 
 
A princípio, é possível distinguir três tipos de metro: o silábico, o 
acentuai e o quantitativo, cada um apoiado, respectivamente na repetição 
regular do número de sílabas, de acentos, de quantidades. 
Normalmente, um verso associa mais de uma dessas dimensões. 
O verso admite tantas medidas ou pés quantas forem as sílabas que 
comporta o elemento que se repete. 
O final do verso é caracterizado por uma pausa métrica. 
Quando o final do verso caracteriza discordância sintática ou 
separação de palavras de um grupo fônico, estamos diante do recurso 
 
15 Cf. DUCROT, Oswald; TODOROV, Tzvetan. Dictionnaire encyclopédique des sciences du langage. Paris: 
Seuil, 1972. p. 240 e ss. 
estilístico chamado cavalgamento ou "enjambement". Eis um exemplo 
nestes versos de João Cabral de Melo Neto: 
 
Do alpendre, o tempo pode ser 
sentido: e na substância física 
 
A propósito, vale lembrar as palavras de Maurice Grammont: 
Não é exato que o enjambement suprima, como dizem alguns, a pausa 
do fim do verso, nem que ele suprima ou mesmo enfraqueça o último 
acento rítmico do verso; longe disso, a pausa final do verso que cavalga é 
tão nítida e tão longa como as outras, e o seu último acento rítmico é 
também forte. Tudo se reduz ao seguinte: enquanto nos versos comuns 
abaixamos a voz no fim de cada verso, deixamo-la interrompida e suspensa 
no fim daqueles que cavalgam. Daí resulta um aguçamento da atenção do 
auditor, que fica em ansiosa expectativa durante a pausa. E como a voz não 
baixou, ela deve, na parte excedente, aumentar de intensidade ou mudar de 
entoação.
16
 
 
Pág. 67 
 
Em outros termos, o enjambement é a não-coincidência entre a pausa 
métrica e a pausa verbal (gramatical ou semântica). Admite, portanto, duas 
leituras: uma, métrica; outra, semântica. 
 
AA rriimmaa 
A rima é outro elemento que contribui para o ritmo do verso. 
Rima é a coincidência de fonemas em determinados lugares do verso. 
Tradicionalmente essa coincidência se dá no final do verso, mas pode 
aparecer também no meio ou no início. Exs.: 
 
Eu te amo, Maria, te amo tanto 
 
16 Petit traité de versification française. 3. ed. Paris: Armand Colin, 1916. p. 92-3. 
Que o meu peito me dói como em doença 
E quanto mais me seja a dor intensa 
Mais cresce na minha alma o teu encanto 
(Vinícius de Moraes) 
 
São Paulo! comoção de minha vida... 
Os meus amores são flores feitas de original ... 
Arlequina!!... Traje de losangos... Cinza e ouro... 
Luz e bruma ... Forno e inverno morno... 
(Mário de Andrade) 
 
Se há identidade ou semelhança de todos os fonemas a partir da vogai 
tônica, diz-se que a rima é soante, também conhecida como rima consoante 
ou consonância. Ex.: tanto / encanto. 
Se coincidem apenas as vogais tônicas ou as vogais a partir da tônica, 
incluída esta, tem-se a chamada rima toante ou assonante ou assonância. 
Ex.: 
 
Por ódio, cobiça, inveja, 
vai sendo o inferno traçado. 
 
Pág. 68 
 
Os reis querem seus tributos, 
— mas não se encontram vassalos. 
Mil bateias vão rodando, 
mil bateias sem cansaço, 
(Cecília Meireles) 
 
Há também a coincidência das consoantes no início dos termos; é a 
chamada rima aliterada ou aliteração. Ex.: 
 
Auriverde pendão da minha terra, 
Que a brisa do Brasil beija e balança, 
Estandarte que a luz do sol encerra, 
E as promessas divinas da esperança... 
(Castro Alves) 
 
Versos que não rimam são chamados soltos ou brancos. Ex.: 
Aqui, além pelo mundo, 
ossos, nomes, letras, poeira... 
onde os rostos, onde as almas? 
nem os herdeiros recordam 
rastro nenhum pelo chão. 
(Cecília Meireles) 
 
A rima é um fenômeno fonético. Por essa razão, admitem-se rimas entre 
palavras como catedrais/paz; nus/azuis: 
 
Nunca mais, oh bomba atômica 
Nunca, em tempo algum, jamais 
Seja preciso que mates 
Onde houver morte demais: 
Fique apenas tua imagem 
Aterradora miragem 
Pág. 69 
 
sobre as grandes catedrais: 
Guarda de uma nova era 
Arcanjo insigne da paz! 
(Vinícius de Moraes) 
 
Livre filho das montanhas, 
Eu ia bem satisfeito, 
Da camisa aberta o peito 
— Pés descalços, braços nus 
— Correndo pelas campinas 
A roda das cachoeiras, 
Atrás das asas ligeiras 
Das borboletas azuis! 
(Casimiro de Abreu) 
 
A caracterização das rimas que se estende ainda por ampla 
terminologia, não atende, entretanto, ao consenso dos estudiosos e está a 
exigir reformulações. 
 
AAss ffoorrmmaass ffiixxaass 
No âmbito das formas fixas chama-se estrofe a sucessão de dois ou 
mais versos. Tais formas resultam da combinação de estrofes, que nos 
levam a exemplos como o soneto, a balada, a lira etc. 
Com o advento da modernidade, essas formas passaram a conviver 
com outras e inúmeras modalidades, nascidas da liberdade criadora dos 
artistas da palavra. 
 
VVeerrssoo,, pprroossaa,, ggêênneerrooss lliitteerráárriiooss 
As manifestações em verso envolvem dimensões líricas, épicas e 
dramáticas, no sentido que lhes confere o crítico Emil Staiger. Já o 
romance, a novela e o conto são manifestações literárias em que predomina 
o épico. Essa lembrança nos leva a um 
 
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dos mais complexos problemas da teoria literária, objeto de controvérsias e 
múltiplas interpretações: os gêneros literários. 
A problemática começa na delimitação da área semântica abrangida 
pelo termo: a designação gênero ora se restringe a três grandes divisões 
tradicionalmente fixadas — lírica, épica e drama e, logo, gênero lírico, 
épico e dramático —, ora envolve manifestações literárias conhecidas como 
tragédia, comédia, romance, conto, ode e outras. 
Os estudiosos do assunto têm oferecido variadas explicações e 
caracterizações, e alguns chegam a negar a importância de qualquer 
classificação e até a existência dos gêneros como tal. 
O assunto é inicialmente tratado pelos filósofos gregos Platão e 
Aristóteles. 
O primeiro, embora não trate sistematicamente da literatura, escreve 
sobre tragédia, comédia, ditirambo e poesia épica, fazendo referências, nos 
seus Diálogos, que permitem depreender uma preocupação com a unidade 
e a universalidade da arte e uma propensão para abolir divisões. 
Aristóteles, com o qual nasce a preceptiva, estabelece em sua Poética 
princípios ainda hoje válidos. Em relação à matéria, refere-se à épica, ao 
drama e à poesia lírica como gêneros poéticos fundamentais. Estabelece 
distinções apoiadas na natureza dos assuntos tratados e nos elementos 
formais, como a métrica e a linguagem figurada. 
Em Platão e Aristóteles já aparece a distinção entre poesia lírica, épica 
e dramática baseada no '"modo de imitação' (ou de 'representação'): a 
poesia lírica é a 'pessoa' do próprio poeta; na poesia épica, o poeta fala em 
primeira pessoa, como narrador, e em parte faz falar seus personagens
em 
estilo direto (narração mista); no teatro, o poeta desaparece através da 
distribuição de papéis".
17
 
 
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O poeta Horácio codifica e leva para Roma as teorias gregas, 
inspirando-se notadamente em Platão e cm Aristóteles. Quando trata dos 
gêneros, caracteriza-os a partir de traços estilísticos e de variedades 
métricas; propõe uma rigorosa separação para os gêneros que não permitia, 
por exemplo, misturar, num mesmo texto, tragédia e comédia: cada uma 
teria o tom adequado. 
 
17 Cf. WELLEK, René; WARRF.N, Austin. Teoria literária. Madri: Credos, 1953. p. 397-8. 
As teorias aristotélicas e platônicas horacianamente codificadas é que 
informarão basicamente a literatura e a crítica literária do Ocidente nos 
séculos XVI, XVII, XVIII e boa parte do XIX. 
No século XVI, predomina, não sem polêmica, a adoção de critérios 
rígidos e fica estabelecido, entre outros princípios, que: lírica é a poesia 
feita das reflexões do poeta; dramática é a poesia em que a pessoa do poeta 
não intervém; épica é um conglomerado das duas atitudes anteriores. Os 
gêneros, concebidos como algo estático que não admite desenvolvimento, 
classificam-se em maiores e em menores: entre os primeiros, situavam-se a 
tragédia e a epopéia; entre os menores, a comédia e a fábula, por exemplo. 
Na base da divisão, o assunto, os personagens: a tragédia e a epopéia 
envolvem figuras de reis, heróis e grandes personalidades; a comédia se 
centraliza, geralmente, em personagens e problemas burgueses; a farsa tem 
como núcleo de interesse elementos populares. 
Na mesma época surge, ao lado dessa posição, uma atitude mais 
aberta, segundo a qual novas formas literárias distintas das preconizadas 
por gregos e romanos são consideradas legítimas; os gêneros tradicionais 
admitem modalidades novas; admite-se que a literatura "moderna" pode ser 
superior à greco-latina. 
A polêmica permanece durante os séculos XVII e XVIII, fortalecidas 
as teses "modernas" ainda mais com o desenvolvimento de novas 
manifestações na arte literária, como o romance e o drama burguês. 
A posição do século XIX destaca a liberdade e o ecletismo. São 
representativas as palavras de Victor Hugo no prefácio de 
 
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sua peça Cromwell, de 1827: "Metamos o martelo nas teorias, nas poéticas 
e nos sistemas. Abaixo este velho reboco que mascara a fachada da arte. 
Não há regras nem modelos; ou melhor, não há regras além das leis da 
natureza que planam sobre toda arte e das leis especiais que, para cada 
composição, derivam das condições próprias de cada assunto. As primeiras 
são eternas, interiores, e permanecem; as outras, variáveis, exteriores, e 
servem apenas uma vez".
18
 
Outra tese do mesmo século entende que os gêneros nascem, crescem, 
desenvolvem-se, transformam-se e desaparecem, como defende Ferdinand 
Brunetière. 
Mais radical é a posição do filósofo italiano Benedetto Croce, que 
confere à teoria dos gêneros significação secundária, como um elemento 
extrínseco da obra; para ele, esta deve ser estudada em si mesma, como 
expressão única de realidades. A validade estética da obra de arte literária 
independe, segundo Croce, de sua subordinação a este ou àquele gênero 
arbitrariamente caracterizado. 
Já o citado Staiger admite a existência de um estilo lírico, um estilo 
épico e um estilo dramático caracterizadores das obras literárias, 
expressões a que dá preferência, por serem mais dinâmicas. Para ele, 
qualquer obra autêntica participa dos três gêneros literários, e a sua 
classificação é ditada pela predominância das características deste ou 
daquele estilo; a idéia do que seja lírico, épico ou dramático ocorre em cada 
indivíduo a partir de algum exemplo que pode ou não ser uma obra 
literária: "Posso ter vindo a conhecer a significação ideal — para falar com 
Husserl — do 'lírico' por meio de uma paisagem, e do 'épico' talvez por 
uma leva de imigrantes; uma discussão pode ter-me incutido o sentido do 
'dramático'", esclarece aquele estudioso nos seus Conceitos fundamentais 
da poética. 
 
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Outras perspectivas para o estudo dos gêneros literários colocam o 
centro das atenções na estrutura linguística da obra; é o caso da posição de 
Roman Jakobson. 
Em resumo, os estudos sobre a matéria envolvem duas teorias: 
a) a teoria clássica, que considera os gêneros a partir de critérios 
rígidos, como entidades nitidamente caracterizadas em sua estrutura: 
estabelece normas (embora não tão autoritárias como à primeira vista se 
poderia supor), preconiza uma diferença entre os diversos gêneros em 
 
18 VICTOR HUGO. Théâtre complet. Paris: Bibliothèque de la Pléiade, 1963. p. 434. v. 1. 
termos de natureza e hierarquia c determina sua separação; 
b) a teoria moderna, que se vale de critério aberto, admitindo os 
gêneros como realidades dinâmicas que possibilitam mudanças, variações e 
imbricações. É descritiva e não normativa. 
Como quer que seja, apontam-se tradicionalmente três gêneros — o 
lírico, o épico e o dramático —, que se configuram em formas ou 
manifestações como o poema, o romance, o conto, a novela, a tragédia, a 
comédia etc, admitindo-se variantes, formas mistas e o aparecimento de 
novas realizações artísticas, a cada passo evidenciadas nas rupturas dos 
movimentos de vanguarda. 
Vale registrar que as tradicionais modalidades da narrativa de ficção, 
bem como as manifestações em verso, vêm modernamente perdendo 
contornos; as formas vêm-se descaracterizando como tal, e novos modelos 
surgem desafiando a argúcia e a ciência dos estudiosos. E se a teoria dos 
gêneros já vem sofrendo, há muito, contestações, essas mudanças acentuam 
ainda mais a problemática que as envolve. 
Essa, entretanto, já é outra história. 
Fecho essas considerações sobre as manifestações em prosa e em 
verso lembrando uma modalidade que assumiu notável desenvolvimento na 
realidade brasileira: a crônica. 
Navegando entre o literário e o não-literário, a crônica, como o nome 
indica, retira sua configuração da dinâmica do tempo dos 
 
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limites do qual se libera, por força da linguagem estética em que se 
concretize. Faz-se de fatos e comentários do autor sobre a realidade 
próxima ou distante, mas sempre a partir de uma óptica atualizada. Trata-se 
de uma forma literária que encontrou nos veículos de comunicação de 
massa, notadamente nos jornais e revistas, seu principal e dominante 
instrumento de divulgação, embora, em segundo plano, venha frequentando 
também os espaços do livro. Os bons exemplos vêm desde Machado de 
Assis e passam por autores como Rubem Braga, Carlos Drummond de 
Andrade, Antônio Maria, Sérgio Porto, Henrique Pongetti, Raquel de 
Queirós, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Carlos Eduardo 
Novaes, Luís Fernando Veríssimo, João Ubaldo Ribeiro, Zuenir Ventura e 
alguns outros que asseguraram a instauração e a permanência dessa 
modalidade de texto ao que parece essencialmente brasileiro. 
 
QQuueessttõõeess eemm aabbeerrttoo 
Além desses traços característicos do discurso literário que já 
desfrutam de razoável consenso (embora alguns permaneçam marcados de 
alguma polêmica), outros há que, até o momento em que escrevo, 
permanecem como questões ainda não plenamente equacionadas. Entre eles 
assinalo alguns: 
 
AA qquueessttããoo ddoo rreeffeerreennttee 
O assunto divide os estudiosos. Para alguns, o texto literário não tem 
referente.
19
 
O referente se liga ao contexto extraverbal; se situaria, portanto, fora 
da linguagem; o sentido das palavras, no texto literário, emerge do próprio
texto e se apóia sobretudo na dimensão co- 
 
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notativa. A tese parece sustentar-se, mais ainda se pensamos em termos de 
mímese das aparências e só essa ausência de referente quiser significar que 
ele é, no caso, fictício ou imaginário. 
A posição, no entanto, não resiste à consideração de alguns fatos: se 
acreditamos que o texto literário é uma desrealização do real que remete à 
profundidade desse real; se aceitamos o texto como concretizador de uma 
mímese das essências; se pensamos em textos autobiográficos, ou em certas 
narrativas hiper-realistas contemporâneas, em que as fronteiras do real e do 
imaginário parecem diluir-se; se entendemos que os traços literários 
envolvem não apenas a totalidade do texto de literatura mas podem ser 
configurados em fragmentos e passagens — aí então o referente se 
 
19 Cf. TODOROV, T. Note sur le langage poétique. Semiótica 1. Paris: 1969. p. 323-8. 
evidencia, embora esteja sempre presente a dimensão conotativa. 
A propósito, vale lembrar a posição de Jakobson, para quem "a 
supremacia da função poética sobre a função referencial não oblitera a 
referência (a denotação) mas a torna ambígua". 
A problemática permanece, com acentuada tendência de muitos a 
considerar que o texto literário é um simulacro de referente e de outros a 
entender que algo da realidade abriga-se nos espaços do ficcional. 
 
IInntteerrtteexxttuuaalliiddaaddee 
O termo "intertextualidade" foi proposto por Mia Kristeva como 
substituto de dialogismo, conceito lançado pelo teórico soviético Mikhail 
Bakhtin (1895-1975).
20
 
Em oposição ao pensamento saussuriano, que privilegia a língua em 
sua dimensão ideal, Bakhtin concentra suas atenções 
 
Pág. 76 
 
na fala (ou discurso), que considera intrinsecamente ligada às condições da 
comunicação, por seu turno vinculadas às estruturas sociais. 
Considera também a consciência individual como um fato sócio-
ideológico c entende que a linguagem implica um contexto histórico-social: 
o homem se transforma num ser histórico e social, segundo ele, a partir dos 
signos que lhe comunicam o mundo. E esses signos são sempre 
impregnados de ideologia, uma vez que esta reflete as estruturas sociais. 
As palavras de um enunciado estariam assim carregadas de 
significação vinculada a inúmeros contextos vividos, e toda comunicação 
envolveria a interação de um falante, um destinatário e um "personagem" 
(de que se fala), envoltos por um horizonte comum que possibilita a 
compreensão dos elementos ditos e não-ditos. 
Ainda segundo sua teoria, a realização de qualquer comunicação ou 
 
20 Cf. KRISTEVA, Julia. Présentation. In: BAKHTIN, M. La poétique de Dostoievski. Paris: Seuil, 1970; 
TODOROV, Tzvetan. Mikhail Bakhtin: le príncipe dialogique suivi de écrits du cercle de Bakhtine. Paris: 
Seuil, 1981. 
interação verbal envolve uma troca de enunciados, situa-se na dimensão de 
um diálogo. 
Por consequência, como resume Todorov, para ele, "o estilo é, pelo 
menos, dois homens, ou mais exatamente, o homem e seu grupo social, 
encarnado por seu representante acreditado, o ouvinte, que participa de 
maneira ativa da fala interior e exterior do primeiro". 
A luz desses posicionamentos, o discurso literário envolve um 
cruzamento, um diálogo de vários textos, que se dá em nível horizontal e 
em nível vertical: em termos de horizontalidade, a palavra, no texto, 
pertence, ao mesmo tempo, a quem escreve e ao destinatário; 
verticalmente, é orientada na direção do corpus literário anterior ou do 
contemporâneo. 
Bakhtin chama a esses dois níveis de diálogo e ambivalência, achado 
a que Kristeva prefere denominar intertextualidade. 
 
Pág. 77 
 
Todo texto se converteria assim num mosaico de citações e absorção e 
transformação de outros textos, consciente ou m conscientemente 
aproveitados pelo escritor. 
A questão, entretanto, é mais uma que não é simples e se encontra 
aberta a amplas discussões, ampliações, contestações, avaliações, até 
porque os textos de Bakhtin envolvem problemas: seus primeiros trabalhos 
foram, até mesmo, assinados por seus discípulos Volochinov e Medvedev. 
A caracterização da intertextualidade, porém, permite "ler", por 
exemplo, em Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, a presença de 
Os sertões, de Euclides da Cunha, e do discurso da Bíblia; o texto bíblico, 
aliado ao texto da mitologia clássica e ao texto da história do Brasil, 
aparece em Esaú e Jacó, de Machado de Assis (a propósito, pode-se ler, de 
Affonso Romano de Sant'Anna, estudo publicado em Análise estrutural de 
romances brasileiros); a mesma Bíblia, a história da conquista da América 
e o mito edipiano cruzam-se em Cem anos de solidão, de Gabriel Garcia 
Márquez, como demonstra Selma Calasans Rodrigues em tese de doutorado 
apresentada à Faculdade de Letras da UFRJ, em 1985, só para citar três 
exemplos significativos. 
O fértil conceito bakhtiniano deixa perceber ainda limites do plano de 
conotação que envolvem desde dimensões individuais até as dimensões dos 
gêneros literários. Em que pese a complexidade que o marca, é fora de 
dúvida que se presentifica com relevância no discurso literário. A tal ponto 
que tem merecido ampliações e aprofundamentos de vários estudiosos
21
 e 
frequentado inúmeros estudos críticos de textos. 
A noção de dialogismo se liga à de paródia revitalizada por Bakhtin e 
esta à de carnavalização. Mas já se trata de assuntos que fogem aos limites 
deste livro. 
 
 
Pág. 78 
 
FFeecchhaammeennttoo 
O texto literário se caracterizaria por um começo, um meio e um fim. 
Seria, portanto, marcado por um fecho. A questão, porém, é outra, longe de 
ser pacífica. 
Considerada a história narrada, o texto pode não se fechar e deixar em 
aberto à imaginação do leitor ou ouvinte a solução ou as soluções para as 
tensões ou os conflitos nele apresentados, É o caso, por exemplo, de Dom 
Casmurro, de Machado de Assis, que chega a converter-se num enigma a 
propósito de Capitu, personagem feminina central, e do romance A grande 
arte, de Rubem Fonseca, cujo término, no espaço da trama, é 
marcadamente ambíguo. 
Em termos estruturais, a partir do entendimento de que o texto 
literário se constitui de relações recíprocas entre discurso c narrativa, 
Michel Arrivé, por exemplo, conclui, apoiado era considerações e conceitos 
de Julia Kristeva, que pode haver abertura ou fechamento, à luz desses dois 
níveis. 
O discurso, no caso, será fechado quando ele mesmo manifestar seu 
próprio finalizar-se, através de signos do tipo "agora aplaudam", ou quando 
 
21 V., a propósito, GENETTK, Gerard. Palimpsestes: la littérature au second degré. Paris: Seuil, 1982; 
MOISÉS, Leila Perrone. Texto, crítica, escritura. São Paulo: Ática, 1978. 
sua própria natureza o indicar, como acontece, por exemplo, com os 
poemas de forma fixa, como o soneto. Discurso, nessa perspectiva, é 
compreendido como o encadeamento ou a concatenação das unidades 
propriamente linguísticas (do fonema à frase) que tornam o texto 
manifesto. Vale esclarecer que, na literatura moderna, é raro esse tipo de 
fechamento formal explicitado. 
O fechamento da narrativa se dá "quando o conjunto de suas 
sequências está implícito na primeira sequência dentre elas" (exemplo: a 
tragédia clássica), ou quando se explicita na última sequência. Ocorre 
também quando, em alguns casos, a ação central desta última sequência 
não pode seguir além de um 
 
Pág. 79 
 
termo implícito na própria estrutura do conteúdo da ação, como
é o caso 
dos romances policiais, por exemplo. Nos textos em que a ação da última 
sequência admite o prosseguimento para além do discurso acabado, a 
narrativa permanece aberta.
22
 
 
22 ARRIVÉ, Michel. La sémiotique littéraire. In: POTTIER, Bernard (Org.). Le langage. Paris: La 
Bibliothèque du CEPL, 1973. p. 276-8. 
Pág. 80 
 
 
66 
VVooccaabbuulláárriioo ccrrííttiiccoo 
 
 
Comunicação: em sentido restrito, é a troca de mensagens ou 
informações entre seres humanos. Se pensamos na etimologia da palavra, 
pode ser entendida como a faculdade que tem o homem de tornar comum a 
outrem seus pensamentos, sentimentos e desejos e as coisas do mundo que 
o cercam. Em sentido amplo, envolve também a realidade técnica da 
relação entre o homem e as máquinas (por exemplo, os computadores) e 
das máquinas entre si, além de estender-se ao mundo animal e aos sistemas 
próprios do interior do indivíduo, como, por exemplo, os sinais 
transmitidos pelos feixes de nervos do organismo. 
Conotação: pode ser compreendida como a parte do sentido de uma 
palavra centralizada na sua capacidade de funcionar para a manifestação 
psíquica ou a atuação social, ou seja, centralizada nas funções emotiva e 
conativa da linguagem. 
Cultura: trata-se de um termo que admite centenas de conceituações. 
À luz da antropologia, podemos entendê-lo como o conjunto e a integração 
dos modos de pensar, sentir e fazer adotados por uma comunidade, na 
busca de soluções para os problemas da vida humana associativa. (Ver 
outras definições no corpo do livro.) 
 
Pág. 81 
 
Designação: referência à "realidade", isto é, na terminologia 
linguística proposta por Eugênio Coseriu, a relação cada vez determinada 
entre o signo e a "coisa" designada. 
Estilo (individual): a partir do conceito de Helmut Hatzfeld, é o 
aspecto particular que caracteriza a utilização individual da língua e que se 
revela no conjunto de traços situados na escolha do vocabulário, na ênfase 
nos termos concretos ou abstratos, na preferência por formas verbais ou 
nominais, na propensão para determinadas figuras de linguagem, tudo isso 
vinculado à organização do que se diz ou se escreve e a um intento de 
expressividade. Os estudos relacionados com o estilo envolvem, em síntese, 
dois posicionamentos: há aqueles que o consideram como resultante de um 
conjunto de escolhas em relação à língua; outros entendem que se trata de 
um desvio em relação à norma gramatical. 
Estilo de época: ainda com apoio no mesmo Hatzfeld, é a atitude de 
uma cultura que surge com tendências análogas nas manifestações 
artísticas, na religião, na psicologia, na sociologia, nas formas de polidez, 
nos costumes, vestuários, gestos etc. No que diz respeito à literatura, essa 
modalidade só pode ser avaliada "pelas contribuições dos estilos 
individuais, ambíguas em si mesmas, constituindo uma constelação que 
aparece em diferentes obras e autores da mesma era e parece informada 
pelos mesmos princípios perceptíveis nas artes vizinhas". 
Fala ou discurso: é a utilização individual da língua; é um 
conglomerado de fatos assistemáticos e, em relação à língua, "um ato de 
seleção e atualização", como explicita Barthes. O conceito tem merecido 
reformulações. 
Língua: entre outras acepções, é a realização de uma linguagem por 
um grupo social, um sistema de signos que permite configurar e traduzir a 
multiplicidade de vivências caracterizadoras do ser de cada um no mundo. 
 
Pág. 82 
 
Linguagem: o termo admite múltiplas conceituações, entre elas: a 
linguagem é uma das formas de apreensão do real. Para Ernst Cassirer, é a 
faculdade que o homem tem de expressar seus estados mentais por meio de 
um conjunto de sons vocais chamado língua que é, ao mesmo tempo, 
representativo do mundo interior e do mundo exterior. Tatiana Slama-
Casacu a considera "um conjunto complexo de processos — resultado de 
certa atividade psíquica profundamente determinada pela vida social — que 
torna possível a aquisição e o emprego concreto de uma língua qualquer". 
Lotman a entende como "qualquer sistema de comunicação que utiliza 
signos organizados de maneira particular". 
Mímese: o termo pode ser descodificado, à luz de Aristóteles, como 
imitação. Imitar, no caso, significa muito mais do que a simples reprodução 
ou "fotografia" do real, embora com essa acepção a palavra tenha 
atravessado os séculos e dominado, não sem alguma controvérsia, a 
literatura ocidental. A partir dos fins do século passado, após um novo 
entendimento da teoria aristotélica, passou a ser compreendido como 
revelação da essência do real. Ao lado dessa tradição como imitação das 
essências, envolve ainda, na estética do Ocidente, conforme assinala Stefan 
Morawski, uma tradição platônica (imitação das aparências) e uma tradição 
demo-crítica (imitação das ações da natureza). Admite também a pronúncia 
como paroxítono, embora alguns estudiosos prefiram reservar essa forma 
para a figura de retórica homônima e usar a forma proparoxítona (mímese) 
para marcá-la na condição de conceito de poética e de estética, como 
propõe José Guilherme Merquior. 
Norma: por norma, em sentido restrito, compreende-se, segundo 
Mattoso Câmara, "o conjunto de hábitos linguísticos vigentes no lugar ou 
na classe social mais prestigiosa do país". 
 
Pág. 83 
 
Mais amplamente, pode ser entendida, de acordo com Coseriu, como 
"um sistema de realizações obrigatórias consagradas social e culturalmente 
que não corresponde ao que se pode dizer mas ao que já se disse e 
tradicionalmente se diz na comunidade considerada". 
Sentido: em termos amplos, é a significação da palavra no texto, o 
conteúdo próprio de um texto. 
Significado: é, para ficarmos apenas com Coseriu, "o conteúdo de um 
signo ou de uma expressão enquanto dado numa determinada língua e 
exclusivamente através dessa mesma língua". 
Significante: é, numa dada língua, a parte fônica do signo que, na 
relação com o significado, garante a significação. O significante envolve 
aspectos físicos, ou seja, vibrações sonoras, e aspectos psicológicos, a 
saber, que implicam comando cerebral. É claro que ao termo se estende a 
mesma complexidade dos seus correlatos, signo e significado. 
Signo: é, segundo a conceituação de Charles Sanders Peirce, qualquer 
elemento que, sob certos aspectos e em certa medida, representa outro. Na 
lição clássica de Saussure, corresponde à combinação de significante 
(imagem acústica) e significado (conceito). A conceituação do termo é, 
entretanto, bastante ambígua e complexa. 
Sistema: é um conjunto organizado, isto é, integrado por elementos 
que se interdependem. 
Verso: por verso entende-se, tradicionalmente, a frase ou o segmento 
frasal em que há um ritmo nítido e sistemático. De acordo com Mattoso 
Câmara, na língua portuguesa, o ritmo desse tipo de verso é "consequência 
da regularidade do número de sílabas (ritmo silábico) e da disposição dos 
acentos tônicos (ritmo intensivo). Essas duas regularidades combinadas 
constituem a medida ou a métrica do verso". A par- 
 
Pág. 84 
 
tir do final do século XIX, floresce uma nova modalidade de verso, o 
chamado verso livre; caracteriza-se por deixar de ter na sílaba a sua 
unidade rítmica; seu ritmo se apóia na combinação da entoação e das 
pausas, ou seja, na sucessão de grupos fônicos valorizados pela entoação, 
pelas pausas e pela maior ou menor rapidez da enunciação. 
Pág. 85 
 
 
77 
BBiibblliiooggrraaffiiaa ccoommeennttaaddaa 
 
 
ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética [Art rhétorique et art 
poétique]. São Paulo: Difusão Européia do Livro,
1964. Obra de 
importância básica para a teoria e a crítica literárias. É com Aristóteles que 
nasce a preceptiva. Com base na análise do legado artístico de seu povo, o 
filósofo grego elabora a sua Arte poética, de importância fundamental para 
a história não só da crítica literária mas do próprio pensamento humano. A 
Arte retórica trata da eloquência, de notável presença na Atenas de seu 
tempo. Nela, o autor aponta os procedimentos que o orador deve adotar 
para conduzir os ouvintes à persuasão que objetiva, a partir de processos 
dialéticos. A Arte poética, também centrada no bem dizer, apresenta 
inúmeras idéias fundamentais sobre a arte e a literatura. Diante da natureza 
da matéria que envolve e da linguagem utilizada, deve-se consultar, de 
preferência, uma edição comentada. 
AUERBACH, Eric. Mimésis: la représentation de la réalité dans la 
littérature occidentale. Paris: Gallimard, 1968. O livro estuda a 
interpretação da realidade histórica e social em textos representativos, 
desde o Gênesis e a Odisséia até obras de Proust, Joyce e Virgínia Woolf. 
Trata-se de obra já 
 
Pág. 86 
 
clássica sobre a questão da mímese. Pode ser consultada a edição brasileira 
da Perspectiva: Mímesis. 
BARTHES, Roland. Le degré zero de l'ecriture suivi de éléments de 
sémiologie. Paris: Gonthier [s.d.]. 
O livro se faz, como o título indica, de dois estudos. O primeiro, Le 
degré zéro de l'ecriture, procura responder a duas questões básicas: o que é 
literatura e que ligações se estabelecem entre ela e a história. Nesse 
percurso, o autor situa os diferentes domínios da fala, da língua, do estilo e 
trata do problema geral das condições necessárias de uma linguagem. 
Apresenta também o conceito de escritura, como complementar das 
conceituações de estilo e de língua, situando-o em sua relação com o 
engajamento do escritor na sociedade de que participa. O segundo trata, de 
forma didática, do objeto de estudo da semiologia e de pesquisas na área. 
Podem ser consultadas edições brasileiras, da Cultrix: Elementos de 
semiologia e Novos ensaios críticos / O grau zero da escritura. 
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix/ Edusp, 
1977. 
O livro engloba seis ensaios marcados pela percuciência crítica e pela 
profundidade das considerações: "Imagem e discurso", "O som no signo", 
"Frase, música e silêncio", "O encontro dos tempos", "Poesia resistência" e 
"Leitura de Viço". Trata desde a essência da poesia até as formas de sua 
atualização histórica, como se pode depreender do título da obra. 
________. Brás Cubas em três versões: estudos machadianos. 
São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 
Uma proposta exemplar de leitura crítica, centrada na polissemia do 
texto machadiano. Destacadas as reflexões sobre 
 
Pág. 87 
 
as Memórias póstumas de Brás Cubas, objeto dos três primeiros ensaios. 
Os demais focalizam a política nas crônicas do autor e a visão de 
Raymundo Faoro sobre a obra do Bruxo do Cosme Velho. Estudos 
convergentes. No percurso, um diálogo do crítico com outras leituras 
críticas. Na conclusão, a proposta fundamentada de uma leitura do romance 
fundada numa visão integradora, de caráter hermenêutico, apoiada na 
"combinação de vetores formais, existenciais e miméticos, sem que uma 
instância monocausal tudo regule e sobredetermine". 
Buzzi, Arcângelo. Introdução ao pensar. 3. ed. rev. e aum. Petrópolis: 
Vozes, 1971. 
Num texto didático e bastante acessível, mesmo para os não iniciados 
em filosofia, o autor discorre sobre o ser, o conhecer e a linguagem e suas 
relações. 
CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Dicionário de filologia e gramática 
referente à língua portuguesa. 2. ed. ref. Rio de Janeiro: J. Ozon, 1964. 
Nova edição enriquecida da obra anteriormente denominada 
Dicionário de fatos gramaticais. Com a segura fundamentação do autor, 
pioneiro dos estudos de linguística no Brasil, o livro objetiva, em suas 
próprias palavras, "dar em ordem alfabética, para consultas ocorrentes, as 
noções gramaticais, como base para a compreensão estrutural, funcional e 
histórica da língua portuguesa". 
CARVALHO, J. G. Herculano de. Teoria da linguagem: natureza do 
fenômeno linguístico e análise das línguas. Coimbra: Atlântida, 1967. v. I e 
II. 
Situa didática e claramente, à luz de um rigoroso espírito crítico, 
problemas como a natureza da linguagem e do sinal, 
 
Pág. 88 
 
a análise do saber linguístico e do ato da fala, a funcionalidade e a mudança 
na linguagem. 
COSERIU, Eugênio. Lições de linguística geral [Lezioni di linguística 
generale]. Trad. de Evanildo Bechara. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 
1980. 
O livro reúne as lições que o renomado linguista contemporâneo 
ministrou nos cursos de atualização para professores de literatura e de 
línguas estrangeiras, na Itália, de 1968 a 1971. Obra marcada pela 
originalidade de várias propostas, estuda questões relacionadas com as 
teorias linguísticas modernas a partir de uma "consideração estrutural e 
funcional, numa concepção dinâmica da língua". Coseriu identifica e 
explicita ainda os três níveis de linguagem referidos: o universal, o 
histórico e o individual. Texto fundamental para uma visão atualizada de 
importantes questões ligadas à linguagem. 
DUCROT, Oswald; TODOROV, Tzvetan. Dictionnaire encyclopédique 
des sciences du langage. Paris: Seuil, 1972. Trata-se de um dicionário que 
busca explicitar termos da linguística, da literatura e de disciplinas afins. 
Compõe-se de cinquenta e sete artigos que envolvem cerca de oitocentas 
definições, o que possibilita, por força do índice final que o integra, a 
consulta pela ordem alfabética e a leitura corrida. Artigos e conceitos são 
acompanhados de indicações bibliográficas complementares que permitem 
aprofundamento e ampliação de conhecimentos sobre a matéria tratada. 
Possibilita conhecer um dos vários e distintos posicionamentos 
relacionados com a linguagem, a literatura e a teoria literária. 
ESCARPIT, Robert (Dir.). Le Uttéraire et le social: éléments pour une 
sociologie de la littérature. Paris: Flammarion, 1970. 
 
Pág. 89 
 
A obra envolve, em diferentes ensaios, apreciações originais sobre a 
sociologia da literatura, mais bem aproveitadas pelo leitor que já tenha um 
convívio com o tema. Há no livro um documento assinado por Robert 
Escarpit — denominado "La définition du terme 'littérature'. Project d'un 
arti-cle pour un dictionnaire international des termes littéraires" — que 
permite, entretanto, uma visão da etimologia do termo e do percurso 
histórico de sua significação. 
FRYE, Northrop. Anatomie de la critique [Anatomy of criticism]. 
Paris: Gallimard, 1969. 
O livro é, desde 1957, um dos mais importantes textos da crítica 
literária anglo-saxônica. Nele, o autor procura definir a literatura e a crítica 
literária e, no âmbito desta última, tece considerações sobre quatro tipos: a 
crítica histórica, a crítica etológica, a crítica retórica e a crítica dos 
arquétipos. Leitura de grande interesse, sobretudo na área das relações entre 
literatura e mito. Pode ser lido na edição brasileira, da Cultrix: Anatomia da 
crítica. 
JAKOBSON, Roman. Essais de linguistique générale. Paris: Minuit, 
1966. 
Em onze ensaios, o autor trata, com percuciência, da maioria das 
questões fundamentais da linguística estrutural, no âmbito da fonologia, da 
semântica, da retórica e da poética. Importante para os interessados nos 
estudos da linguagem literária é o já clássico "Linguística e poética", que 
examina, entre outros aspectos, os fatores do processo linguístico da 
comunicação e as funções da linguagem. 
LEFEBVE, Maurice-Jean. Structure du discours de la poesie et du
récit. 
Neuchâtel: La Baconnière, 1971. Livro centralizado numa tese pessoal do 
autor a propósito da estrutura e do funcionamento do discurso literário, 
converte- 
 
Pág. 90 
 
se, por outro lado, num texto didático mobilizador de reflexões sobre uma 
série de noções e questões relevantes relacionadas com as características da 
linguagem da literatura. 
IÉVAVASSEUR, Aline. Style et stylistiquc. In: MARTINET, André (Dir.). 
La linguistique. Paris: Denoël [1969]. A autora rastreia o conceito de 
estilística desde o seu aparecimento e questiona e discute as várias posições 
dos estudiosos a propósito do conceito de estilo. 
LIMA, Luiz Costa. História. Ficção. Literatura. São Paulo: 
Companhia das Letras, 2006. 
Teórico da literatura, o autor discute a especificidade dos termos que 
dão título à obra, seus limites, suas fronteiras. Aponta distinções entre 
ficcional e literário. Rastreia percursos conceituais, notadamente o da 
literatura. Propõe reformulações, mobilizadoras da reflexão do leitor, num 
texto rigorosamente fundamentado. 
LOTMAN, Iouri. La structure du texte artistique. Paris: Gallimard, 
1975. 
A obra envolve uma síntese e uma retomada crítica dos trabalhos dos 
formalistas russos e dos estruturalistas, com referências às contribuições de 
Tynianov, Bakhtin, Roman Jakobson, Roland Barthes e Christian Metz, 
entre outros. Centrada na especificidade da informação artística, inclui 
amplo e importante estudo sobre a arte como linguagem e sobre a 
linguagem poética. 
MANHEIM, Karl. Ideologia e utopia [Ideology and utopia]. 3. ed. Rio 
de Janeiro: Zahar, 1976. 
Obra importante para o entendimento da mudança social e sua relação 
com a ideologia, cuja complexa conceituação é objeto do capítulo II. 
MAKTINET, André (Dir.). La linguistique. Paris: Denoël, 1969. 
 
Pág. 91 
 
Obra coletiva, é um guia alfabético que reúne 51 artigos relacionados 
com as principais noções da linguística moderna. Segura introdução ao 
conhecimento de conceitos básicos vinculados à linguagem. 
MERQUIOR, José Guilherme. A astúcia da mímese: ensaios sobre 
lírica. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1972. Merquior, com a segura 
fundamentação e a inteligência que marcam seus escritos, reúne nove 
ensaios sobre temas teóricos e sobre textos de autores como Rilke, Carlos 
Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, José Carlos Capinan e 
Francisco Alvim. O primeiro deles, sobre a natureza da lírica, é uma 
excelente introdução ao entendimento da mimese em literatura. 
OLSEN, Stein Haughom. A estrutura do entendimento literário [The 
structure of literary understanding]. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. 
A obra tem, como propósito, a "tentativa de explicar a natureza da 
reação do leitor à obra literária". Nesse sentido, descreve e questiona as 
teorias que consideram a literatura expressão de emoção, revelação de um 
tipo especial de verdade e modalidade específica de linguagem, e também 
busca fazer a "anatomia" dos julgamentos literários. Em que pese o caráter 
polêmico do texto, é uma leitura informativa, rica e instigadora. 
PENUELAS, Marcelino C. Mito, literatura y realidad. Madrid: Gredos, 
1965. 
O livro situa o mito e suas relações com a linguagem e a literatura. 
Excelente ponto de partida para um conhecimento dessa rica área de 
estudos, com aprofundamento possibilitado pela bibliografia que apresenta. 
 
Pág. 92 
 
Pignatari, Décio. Informação. Linguagem. Comunicação. São Paulo: 
Perspectiva, 1968. 
Trata, de forma clara e didática, de questões ligadas à comunicação e à 
linguagem. O capítulo 2 é uma excelente introdução à teoria dos signos. 
PORTELLA, Eduardo et al. Teoria literária. Rio de Janeiro: Tempo 
Brasileiro, 1975. 
A obra se faz de sete ensaios instigadores de reflexão: "Limites 
ilimitados da teoria literária", de Eduardo Portella; "Crítica e história 
literária", de Manuel Antônio de Castro; "Os estilos históricos na literatura 
ocidental", de José Guilherme Merquior; "Os gêneros literários", de Helena 
Parente Cunha; "Análise da narrativa", de Maria do Carmo Pandolfo; 
"Semiologia e literatura", de Muniz Sodré e "A paraliteratura", de Anazildo 
Vasconcelos da Silva. 
POUILLON, Jean. Temps et roman. 3. ed. Paris: Gallimard [s.d.]. 
Estudo básico sobre o romance; com apoio em textos representativos, trata 
da questão do tempo e de outras questões teóricas relevantes, como a 
intenção romanesca, a imaginação, a autobiografia, os diferentes modos de 
conhecimento do "eu", os personagens etc. Pode-se ler a edição brasileira, 
da Cultrix/Edusp: Tempo e romance. 
PROENÇA FILHO, Domício. Estilos de época na literatura. 14. ed., 5. 
reimpr. São Paulo: Ática, 2002. 
Este livro pretende ser, em princípio, uma introdução aos estudos de 
literatura, a partir de textos comentados, com ênfase numa visão ampla dos 
movimentos literários desenvolvidos no mundo ocidental. Incluídas 
considerações sobre o chamado Pós-modernismo. Nele apresento, 
notadamente nos quatro primeiros dos treze capítulos que o constituem e 
em inúmeras notas, considerações e informações sobre lin- 
 
Pág. 93 
 
guagem e arte literária, além de uma extensa bibliografia de apoio. 
Acredito que possa ser utilizado com algum proveito por quem se inicie 
nesses assuntos. 
REIS, Carlos. O conhecimento da literatura: introdução aos estudos 
literários. Coimbra: Almedina, 1995. A obra apresenta e examina 
exaustivamente conceitos operacionais relevantes no âmbito da teoria da 
literatura. Analisa e discute o conceito de literatura, o texto literário, a 
periodologia literária, modos e gêneros do discurso. Tece, entre outras, 
considerações sobre a poesia lírica, sobre o diálogo entre a literatura e a 
História, sobre a criação poética, sobre o diálogo intertextual. Na 
fundamentação, ampla e atualizada bibliografia. 
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística general [Cours de 
linguistique générale]. Publicado por Charles Bally y Albert Sechehaye con 
la colaboración de Albert Riedlinger. 2. ed. Buenos Aires: Losada, 1955. 
Livro pioneiro e fundamental, leitura imprescindível para quem quer 
que se preocupe com os estudos da linguagem. Além da edição citada, 
preparada pelos discípulos do mestre genebrino, deve-se consultar a edição 
feita por Túlio de Mauro, lançada pela Payot, 1972. 
SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. São Paulo: 
Martins Fontes, 1976. 
Obra nascida dos cursos da disciplina que o autor ministrou na 
Faculdade de Letras de Coimbra, oferece um amplo leque de aspectos da 
problemática do fenômeno literário rigorosa e exaustivamente examinados. 
Uma ampla bibliografia possibilita maior aprofundamento nos estudos da 
área. Leitura básica para um conhecimento de conceitos fundamentais da 
teoria literária. 
 
Pág. 94 
 
STAIGER, Emil. Conceitos fundamentais da poética [Grundbe-griffe 
des poetik]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969. O livro envolve uma 
compreensão renovada e original do que se entende por épico, lírico e 
dramático e, até certo ponto, por trágico e cômico. Leitura importante para 
uma visão atualizada desses conceitos, ainda objeto de posições polêmicas 
e não raro contraditórias. 
THÉORIE de la litterature. Textes des formalistes russes. Paris: Seuil, 
1965. 
O livro se faz de quatro partes que tratam, respectivamente, das linhas 
mestras da metodologia formalista, de estudos sobre ritmo e verso, de uma 
teoria da prosa e suas manifestações (o conto, a novela e o romance) e de 
um apêndice com uma exposição dos temas principais ligados à teoria da 
literatura. Não é uma obra de iniciação nos estudos de literatura; sua leitura 
exige conhecimento prévio dos conceitos básicos da teoria literária;
vale 
lembrar, entretanto, que o trabalho dos formalistas repercutiu 
marcadamente nos estudos linguísticos e literários contemporâneos, seja 
entre os participantes do Círculo Linguístico de Praga, como Jakobson por 
exemplo, seja entre estudiosos que defendem posições modernas da teoria 
da informação, passando por estruturalistas como Roland Barthes, Claude 
Lévy-Strauss e Michel Foucault, entre outros. Pode-se ler a edição 
brasileira organizada por Dionísio de Oliveira Toledo e publicada pela 
Editora Globo, Porto Alegre, 1976. 
WELLEK, René; WARREN, Austin. Teoria da Literatura [Theory of 
Literature]. Lisboa: Europa-América, 1962. Obra já clássica no âmbito dos 
estudos de teoria literária, propõe-se, como explicitam os autores no 
prefácio, "unir a 
 
Pág. 95 
 
'poética' (ou teoria literária) e o 'criticismo' (valoração da literatura) à 
'erudição' (investigação') e à 'história literária' (a 'dinâmica' da literatura em 
contraste com a 'estática' da teoria e do criticismo)". É mais um 
posicionamento, entre tantos, a propósito de conceitos básicos da teoria da 
literatura e permite comparações esclarecedoras. 
 
 
 
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http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros

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