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Protectionism and Industrialization in Latin America Santiago Macario A. Import Substitution and Protectionist Policy in Latin America: Evolution and Principal Characteristics. A política protecionista aplicada na América Latina difere muito do conceito de um corpo coerente de medidas que objetivam desenvolver racionalmente um conjunto de indústrias mais ou menos integradas segundo algum plano de ação. O que se observa nos países latino-americanos, pelo contrário, é a sucessão de medidas de caráter cambial e tarifário que têm por efeito colateral fornecer algum grau de proteção às indústrias ali existentes, mas cujos objetivos primários eram o de aliviar momentaneamente as contas externas, a capacidade de importação ou quaisquer outros fatores exógenos urgentes na conjuntura. Nessa primeira seção, o autor discute a evolução das políticas cambiais, a maneira como estas foram aplicadas, seus objetivos primários e seus efeitos, geralmente colaterais, sobre a indústria. Até o início da década de 1930, os países latino-americanos em geral seguiram práticas voltadas fundamentalmente ao livre-comércio, justamente em função do caráter agro-exportador de suas economias. Enquanto perdurou relativa estabilidade de preços para as commodities no mercado internacional, não houve qualquer problema para esses países importarem tudo o que necessitavam, dado que os meios de troca lhes eram favoráveis. Assim, eventuais medidas de desvalorização cambial tinham por meta melhorar em moeda nacional a situação dos grandes exportadores; além disso, as altas tarifas sobre importações tinham um objetivo de arrecadação fiscal. Desse modo, qualquer benefício para a indústria do câmbio desvalorizado e das altas tarifas tinha um caráter puramente colateral: os objetivos definitiva e declaradamente eram outros. A Grande Depressão arruinou os termos de troca das economias latino-americanas. A capacidade para importar desses países viu-se completamente deteriorada com suas exportações caindo em mais 60% entre 1928-1933. A medida para conter a ruína do balanço de pagamentos foi o racionamento das divisas cambiais, as quais eram fornecidas apenas para a importação dos bens considerados mais necessários e para o pagamento da dívida pública. Assim como nas décadas precedentes, tal medida resultou em relativa proteção à indústria doméstica, mas o objetivo primário novamente não fora certamente este. A criação de mercados com níveis cambiais diferenciados durante a Grande Depressão, no entanto, deu aos formuladores de política econômica margens de manobra que estes desconheciam com os regimes de mercado único de câmbio. As diversas restrições às importações, por exemplo, tinham efeitos muito mais imediatos sobre o balanço de pagamentos. Assim, apesar do maior relaxamento em relação aos controles sobre os mercados cambiais e restrições às importações após 1934, a maioria dos países latino-americanos manteve mercados cambiais diferenciados e/ou restrições quantitativas às importações. Mas, ressalva Macario, isto “não foi aplicado em nenhum nível considerável para propósitos protecionistas, mas como resposta às necessidades de instrumentos apropriados para negociações bilaterais [...]”. Os controles de importação e as restrições quantitativas, que tiveram um caráter inicialmente emergencial, assumiam dessa maneira a forma de instrumentos permanentes e eficazes na condução da política cambial e econômica externa. A Segunda Guerra Mundial, ao trazer uma explosão de demanda à indústria latino-americana (em especial para México, Brasil e Argentina), despertou mais fortemente o interesse da esfera governamental em defender e expandir a indústria nacional. Com a restauração da normalidade após o fim das hostilidades, as autoridades em questão adotaram uma série de medidas protecionistas para evitar a potencial competição dos países centrais que reconvertiam suas indústrias do esforço de guerra. No pós-II GM, no entanto, outro fator mais premente que o objetivo de desenvolver a indústria motivou a restrição às importações: a carência de moedas conversíveis – a própria indústria, que se desenvolvera durante a guerra com a capacidade instalada, tinha agora a urgência de modernizar-se por meio da importação de bens de capital e de tecnologia, mas não tinha como fazê-lo frente à escassez de dólares no mercado latino-americano. Nesse momento, os países latino-americanos adotam as medidas mais complexas em relação à criação de mercados cambiais diferenciados e uma série de medidas regulando a autorização de importações e o quantum a ser importado. Os mercados diferenciados de câmbio passaram a ser o “principal instrumento de controle de importações ou regulação seletiva usados pelos países latino-americanos nos anos do pós-guerra, assumindo um papel mais importante que as restrições de quantidades”. Já na década de 1950, os mesmos instrumentos de mercados diferenciados de câmbio, de restrições ao total importado de certos produtos ou mesmo de proibição de certas importações foram todos utilizados mais abertamente como formas de promover a indústria substitutiva de importações. Agora sim, pela primeira vez, tais instrumentos eram usados para promover a indústria nacional, o que era visto como a única maneira de corrigir os desequilíbrios contínuos da balança de pagamentos e promover um crescimento econômico sustentado e robusto. Apesar de agora o objetivo declarado de certas medidas cambiais e tarifárias ser o de efetivamente desenvolver a indústria, mesmo na década de 1950 não se adotou uma política clara de substituição de importações: “isto, de forma alguma, implica que a substituição de importações foi um processo planejado e que as indústrias a serem protegidas eram determinadas por uma seleção racional e sistemática com a visão de promovera alocação ótima de recursos e/ou a máxima poupança real do câmbio externo”. Seria apenas no final desta década que certos governos, sobretudo naqueles países com a indústria já um pouco mais desenvolvida (México, Brasil, Argentina), assumiram um planejamento mais racional de ISI, objetivando integrar os diversos ramos industriais então existentes. As medidas cambiais seguiram-se sucessivamente ao longo dos anos de 1950. Ao final da década, contudo, chegara-se a uma situação insustentável: a maioria dos países latino-americanos apresentava sistemas complicadíssimos, freqüentemente alterados e que davam margem à corrupção e à insegurança das firmas quanto à possibilidade de importar aquilo de que necessitavam. Isto, aliado a diversos programas de estabilização que contavam com o apoio financeiro do FMI, levou a diversas reformas com o fito de diminuir a complexidade das medidas cambiais. No Brasil, operou-se em 1957 a maior simplificação do regime cambial, ao mesmo tempo em que se realizavam reformas tarifárias para que a proteção via câmbio não se perdesse em função das novas categorizações mais simples sob as quais este deveria operar. B. Description and Analysis of the Tariff Structure in the Latin American Countries. Depois da análise da política cambial e seus efeitos protecionistas sobre a indústria, o autor procede a uma observação das políticas tarifárias vigentes na AL e seus efeitos sobre a substituição de importações nesses países. Para tanto, Macario faz uso de um relatório da ECLA (Economic Comission for Latin America). Procedendo duas análises, os resultados a que se chega é o de que os países latino-americanos apresentam as mais elevadas tarifas sobre importações quando comparados com os países da Europa Ocidental e com os EUA. Enquanto as tarifas francesas, por exemplo, raramente ficam acima dos 50% para os produtos mais taxados, poucos dos produtos importados na AL têm uma taxa inferior aos 50%. Vale ressaltar que nas análises realizadas, não se consideraram sobretaxas e diversas outras medidas protecionistas, como restrições quantitativas ou depósitos compulsórios requeridos para a efetivação de importações, de forma que o viés para baixoapenas reforça as conclusões a que se chega. É também verdade que, em alguns casos, taxas de câmbio fixas sub-valorizadas e práticas tarifárias efetivas (que podiam ocorrer sob regimes especiais de redução tarifária ou mesmo isenção destas para certas indústrias com maior proximidade dos órgãos governamentais) tendiam a diminuir as elevadíssimas tarifas descrita acima, mas no geral a descrição considerada permanece válida. Outra característica particularmente interessante no caso latino-americano é o de que as elevadíssimas tarifas não incidem apenas sobre produtos industrializados: mesmos produtos primários são fortemente taxados. A idéia, portanto, prevalente na AL é a de que todo o bem produzido domesticamente ou com potencial para sê-lo deve desfrutar de certo grau de protecionismo – mesmo que este não venha a ser utilizado na prática (como no caso dos bens primários). Assim, como todas as tarifas são elevadíssimas, o verdadeiro grau de proteção que a indústria desfruta do regime tarifário decorre da diferença entre as tarifas cobradas sobre insumos e bens de capital e as tarifas cobradas sobre os produtos industriais internacionais. Assim, indústrias que dependam muito de insumos estrangeiros ou que careçam de elevado grau tecnológico serão justamente as menos protegidas. Por simetria, as indústrias mais ineficientes, que contavam com o capital doméstico já instalado, não necessitavam importar capital e materiais mais tecnologicamente evoluídos do exterior eram as mais beneficiadas. A conclusão deste regime tarifário que beira o absurdo em diversos casos é o de ele realmente forneceu uma base de proteção para muitas indústrias, mas ao invés de fornecer “proteção para as indústrias mais eficientes, o que geralmente se proveu foi a proteção para as ineficientes, de acordo com o princípio de que quanto menos capaz é uma indústria em permanecer diante da competição externa, tanto maior a proteção merecida”. C. The Effects of Protectionist Policy on the Industrial Structure and Capacity to Import of the Latin American Countries. Já foi observado que o processo de substituição de importações na AL deveu-se fundamentalmente a fatores conjunturais: a piora no balanço de pagamentos e na situação externa forçava a adoção de medidas de controle cambial, contenção discricionária de importações etc.. Assim, não houve essencialmente um projeto de desenvolvimento industrial baseado na proteção das indústrias mais eficientes, naquelas que gerassem os melhores resultados econômicos de médio e longo prazos. Em suma, “o processo de substituição de importações não foi conduzido gradualmente, de acordo com um plano e em antecipação a requerimentos do desenvolvimento, em de maneira paliativa, freqüentemente para atender emergências e na base de indiscriminada e excessiva proteção. Conseqüentemente, em muitos casos foi levado muito além dos limites economicamente aconselháveis, com o resultado de que sérias distorções têm sido introduzidas na estrutura econômica dos países em questão, com o desenvolvimento de indústrias mais eficientes e produtivas tendo sido adversamente afetado”. Conforme dito há pouco e visto no primeiro item do texto, a substituição de importações na AL ocorreu em momentos de crise cambial (com a decorrente deterioração do Balanço de Pagamentos) e/ou de conturbada conjuntura internacional. Nesses momentos, surgia a idéia de que era necessário desenvolver as indústrias nacionais a qualquer custo, já que disso dependia a estabilidade interna. Esta visão não considerava, no entanto, que o crescimento industrial garante o desenvolvimento econômico apenas na medida em que a indústria seja, naquela economia, a melhor opção para alocação dos recursos, o que não necessariamente é verdade para as características específicas das economias latino-americanas nos períodos em que se processou violenta onda de substituição de importações. O protecionismo garantido às indústrias na AL durante o processo de substituição de importações, assim, não decorreu de um planejamento claro, de uma linha de ação a ser seguida, mas de circunstâncias específicas em que se fazia premente uma solução imediata e que via na industrialização a qualquer preço a panacéia dos muitos problemas enfrentados. O protecionismo indiscriminado que daí decorreu foi fundamental para o desenvolvimento de uma série de indústrias ineficientes e de baixa prioridade econômica. O estabelecimento e manutenção de certas indústrias ineficientes tende, além de tudo, a tornar ineficientes linhas inteiras de produção: uma empresa que dependa de outra ineficiente necessariamente enfrentará custos maiores e poderá não encontrar nos insumos os requisitos técnicos para ela própria desenvolver eficientemente sua própria produção. Além disso, a extensão de proteção excessiva para indústrias que não precisam dela para sobreviver faz com que os investimentos diminuam ao longo do tempo, uma vez que o empreendedor está seguro de que o mercado interno ficará à sua disposição. Em suma, para todas as indústrias protegidas, criavam-se desincentivos de caráter monopolístico: garantido o mercado interno, não havia motivos para desenvolver nova tecnologia, produtos etc. que as tornassem mais eficientes/produtivas. O segundo grande efeito adverso do processo de substituição de importações na AL seria o de piorar estruturalmente a balança de pagamentos no médio e longo prazos. Já vimos que a ISI foi em diversos casos o efeito colateral de medidas emergenciais em relação à situação externa da economia. Em primeiro lugar, este processo de industrialização travou e, em certos casos, preveniu o desenvolvimento de indústrias de exportação. Vimos que a garantia do mercado interno desestimulava as indústrias a desenvolverem técnicas de produção mais eficientes; isto, portanto, inviabilizava sua inserção no mercado internacional. Assim, a ISI olhava para apenas um lado da equação: as exportações, como fator essencial do equilíbrio das contas externas, foram em diversos casos relegadas a uma posição subsidiária. Em segundo lugar, a ISI alterou a pauta de importações dos países latino-americanos: agora importavam-se mais bens de capital e insumos. Isso teria também seu efeito adverso: as importações eram agora muito mais inelásticas – mantê-las em tempos de crise cambial seria muito mais problemático e levaria a desequilíbrios estruturais da economia. Por fim, as indústrias estabelecidas, dada a ineficiência, tinham custos de produção elevados, o que tendia a pressionar a já existente pressão inflacionária nos países latino-americanos do período. Tal aumento dos preços externos tendia, por sua vez, a gerar uma pressão valorizadora sobre o câmbio real, desestimulando ainda mais as exportações. Portanto, ao desestimular as exportações e criar uma demanda inelástica por insumos e bens de capital, a ISI gerou uma tendência ainda mais acentuada a crises econômicas externas na AL. Baseados nesses efeitos da ISI sobre a indústria no longo prazo na AL (ineficiência e tendência crônica ao desequilíbrio), o autor chega à conclusão que a estagnação econômica experimentada na década de 1960 na maioria dos países latino-americanos decorre fundamentalmente de fatores estruturais que foram colocados pela ISI. Em 1960, frente aos gargalos estruturais que a ISI não removera (e em certa medida piorara), a capacidade de importar dos países latino-americanos viu-se uma vez mais agravada. Como as indústrias nacionais não pudessem produzir sem a importação de determinados insumos, estas foram obrigadas a simplesmente reduzir sua produção. O efeito sobre a economia como um todo não poderia ser outro além do processo de estagnação que então se observou. Além de ser fator fundamental para a estagnação, os efeitos adversos da ISI teriam contribuído também para a escalada inflacionária que foi regra em muitos países da AL, isso em decorrência dos altos custos de produção destas firmas e do poder semi-monopolístico garantido a muitas delas pela certeza dedesfrutar do mercado interno. “É esta influência adversa de tais políticas [referentes à ISI] sobre a alocação eficiente de recursos e sobre o desenvolvimento da produção para exportação, e, mais geralmente, as severas distorções introduzidas por elas na estrutura de preços e de produção que estão indubitavelmente entre as causas-chefe da estagnação subseqüente [...]”. D. The Drawing Up of a Rational Protectionist Tariff: Criteria for Selecting Industries to Be Protected and for Fixing Tariff Levels. A AL é um exemplo claro de como a substituição de importações e o desenvolvimento da indústria interna podem conduzir a situações problemáticas no longo prazo. Mas o autor compartilha da opinião de que é possível desenvolver bem o setor industrial de uma economia através da proteção cambial e tarifária se isto for parte de um planejamento econômico do governo ao qual as empresas privadas sejam instadas a se adaptar – justamente o que não se deu na AL, onde o protecionismo foi fruto de sucessivas medidas emergenciais de curto prazo. Em primeiro lugar, o governo tem de traçar claramente quais os objetivos a serem perseguidos. A partir disso, determinará quais setores da indústria serão beneficiados com tarifas protecionistas e quais os limites desta proteção. Determinar as indústrias protegidas não é tarefa simples: há centenas de critérios possíveis segundo os quais determinadas indústrias merecem maior ou menos proteção. Um deles, o mais fundamental do ponto de vista econômico é o da eficiência. Vale ressaltar, porém, que o próprio conceito de “eficiência” é relativo: do ponto de vista individual uma firma pode ser ineficiente na medida em que aloca mal os recursos, mas socialmente a mesma firma pode ser considerada eficiente porque é fundamental na articulação de diversos ramos produtivos – assim, determinar o critério de eficiência é outro passo do planejamento. No entanto, não é demais lembrar que a condução da política econômica faz-se através de situações de facto, e não por meio de esquemas gerais. Assim, o próprio autor reconhece a necessidade de lidar com os interesses individuais e com os mais diversos lobbies, mas ressalta a importância do governo não sujeitar o plano de desenvolvimento industrial a esses apelos. Garantir que apenas as indústrias mais eficientes (de acordo com o critério de eficiência que se adotou) recebam a proteção é o segundo grande problema com que se defrontam os propugnadores da política de desenvolvimento industrial. Estabelecer um nível uniforme de proteção líquida é uma maneira de fazê-lo: “esta é a proteção efetivamente recebida por uma dada indústria em conexão com suas atividades de processamento e produção conforme representado pelos custos de tal produção, isto é, o valor agregado pela indústria”. Em suma, as indústrias recebem uma proteção de acordo com o valor que agregam ao produto: se uma empresa é pouco eficiente, agregará pouco valor e receberá uma proteção menor, o que processa uma “seleção natural” das empresas pelo mercado. No entanto, é contraposto que em diversas economias subdesenvolvidas, as indústrias de modo geral não são competitivas porque a economia como um todo não o é. Além disso, certas indústrias consideradas essenciais em países já relativamente desenvolvidos podem não ser eficientes de início, mas se corretamente protegidas tendem a desenvolver-se eficiente e produtivamente. Nesses casos, o autor defende a concessão de tarifas protecionistas especiais que decresçam automaticamente (para evitar o lobby das indústrias protegidas) ao longo do tempo: garante-se proteção apenas durante o tempo que se considera necessário para que a indústria mature seu processo produtivo. Por fim, Macario salienta que mesmo com o programa de desenvolvimento industrial racionalmente baseado, os países emergentes certamente enfrentarão crises externas que se refletirão em balanços de pagamentos deficitários. Isto fará com que eles tenham de adotar certas medidas emergenciais, como a proibição discricionária de determinadas importações e outros mecanismos que na AL cristalizaram-se em proteção permanente. Para evitar que o mesmo se repita, o governo deve deixar muito claro o caráter emergencial de tais medidas e tomar ações efetivas no sentido de mostrar aos particulares que está comprometido com o plano de desenvolvimento e que as medidas emergenciais serão removidas assim que a conjuntura o permitir.