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65850351-Tipicidade

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2. Tipo e tipicidade
2.1. Noção de tipo
A fragmentariedade do Direito Penal tem como consequência
uma construção tipológica individualizadora de condutas que
considera gravemente lesivas de determinados bens jurídicos
que devem ser tutelados. A lei, ao definir crimes, limita-se,
frequentemente, a dar uma descrição objetiva do
comportamento proibido, cujo exemplo mais característico é o
do homicídio, “matar alguém”. No entanto, em muitos delitos, o
legislador utiliza-se de outros recursos, doutrinariamente
denominados elementos normativos ou subjetivos do tipo, que
levam implícito um juízo de valor.
A teoria do tipo criou a tipicidade como característica essencial
da dogmática do delito, fundamentando-se no conceito causal de
ação, concebida por Von Liszt70. Reconhecendo, desde logo, a
unidade do delito, destacamos a necessidade metodológica de
distinguir os estágios ou degraus valorativos que permitem a
atribuição de responsabilidade penal, quais sejam, a tipicidade, a
antijuridicidade e a culpabilidade, facilitando o estudo, a
compreensão e a análise do fenômeno delitivo na sua
totalidade.
Tipo é o conjunto dos elementos do fato punível descrito na lei
penal. O tipo exerce uma função limitadora e individualizadora
das condutas humanas penalmente relevantes. É uma
construção que surge da imaginação do legislador, que
descreve legalmente as ações que considera, em tese, delitivas.
Tipo é um modelo abstrato que descreve um comportamento
proibido. Cada tipo possui características e elementos próprios
que os distinguem uns dos outros, tornando-os todos especiais,
no sentido de serem inconfundíveis, inadmitindo-se a
adequação de uma conduta que não lhes corresponda
perfeitamente. Cada tipo desempenha uma função particular, e
a falta de correspondência entre uma conduta e um tipo não
pode ser suprida por analogia ou interpretação extensiva.
O tipo, como conjunto dos elementos do injusto
característicos de uma determinada classe de delito,
compreende a descrição dos elementos que identificam a
conduta proibida pela norma; mas não alcança a descrição dos
elementos do tipo permissivo, que caracterizam as causas de
justificação. Portanto, quando nos referimos tecnicamente ao
tipo penal, nos referimos ao tipo de delito, que, na definição de
Welzel, “é a descrição concreta da conduta proibida (do
conteúdo da matéria da norma). É uma figura puramente
conceitual”71.
Nesses termos, optamos claramente por manter o tipo como
categoria sistemática autônoma frente à antijuridicidade.
Ademais, seguindo o modelo valorativo escalonado do
fenômeno delitivo, entendemos que o conceito de tipo não tem
o mesmo significado de crime, pois, para identificar uma
conduta como crime, é necessário, ainda, analisar se a conduta
típica é antijurídica e culpável. Seguindo essa linha de
raciocínio, crime não se confunde com injusto, embora ambos
tenham caráter substantivo. Na afirmação de Jescheck, injusto é
a conduta valorada de antijurídica72. Com efeito, injusto é toda
e qualquer conduta típica e antijurídica, mesmo que não seja
culpável. Em outros termos, só é crime o injusto culpável. Logo, o
injusto, ainda que seja uma conduta antijurídica, pode não se
completar como crime efetivamente, pela falta da
culpabilidade73.
2.2. Juízo de tipicidade
Há uma operação intelectual de conexão entre a infinita
variedade de fatos possíveis da vida real e o modelo típico
descrito na lei. Essa operação, que consiste em analisar se
determinada conduta se adapta aos requisitos descritos na lei,
para qualificá-la como infração penal, chama-se “juízo de
tipicidade”, que, na afirmação de Zaffaroni, “cumpre uma
função fundamental na sistemática penal. Sem ele a teoria
ficaria sem base, porque a antijuridicidade deambularia sem
estabilidade e a culpabilidade perderia sustentação pelo
desmoronamento do seu objeto”74.
Quando o resultado desse juízo for positivo significa que a
conduta analisada reveste-se de tipicidade. No entanto, a
contrario sensu, quando o juízo de tipicidade for negativo
estaremos diante da aticipidade da conduta, o que significa que
a conduta não é relevante para o Direito Penal, mesmo que seja
ilícita perante outros ramos jurídicos (v. g., civil,
administrativo, tributário etc.).
2.3. Tipicidade
A tipicidade é uma decorrência natural do princípio da
reserva legal: nullum crimen nulla poena signe praevia lege.
Tipicidade é a conformidade do fato praticado pelo agente com
a moldura abstratamente descrita na lei penal. “Tipicidade é a
correspondência entre o fato praticado pelo agente e a
descrição de cada espécie de infração contida na lei penal
incriminadora”75. Um fato para ser adjetivado de típico precisa
adequar-se a um modelo descrito na lei penal, isto é, a conduta
praticada pelo agente deve subsumir-se na moldura descrita na lei.
A adequação típica pode operar-se de forma imediata ou de
forma mediata. A adequação típica imediata ocorre quando o fato
se subsume imediatamente no modelo legal, sem a necessidade
da concorrência de qualquer outra norma, como, por exemplo,
matar alguém: essa conduta praticada por alguém amolda-se
imediatamente ao tipo descrito no art. 121 do CP, sem precisar
do auxílio de nenhuma outra norma jurídica. No entanto, a
adequação típica mediata, que constitui exceção, necessita da
concorrência de outra norma, de caráter extensivo,
normalmente presente na Parte Geral do Código Penal, que
amplie a abrangência da figura típica. Nesses casos, o fato
praticado pelo agente não vem a se adequar direta e
imediatamente ao modelo descrito na lei, o que somente
acontecerá com o auxílio de outra norma ampliativa, como
ocorre, por exemplo, com a tentativa e a participação em
sentido estrito, bem como com o crime omissivo impróprio, que
exige a conjugação do tipo de proibição violado com a norma
extensiva do art. 13, § 2º, e suas alíneas. Na hipótese da tentativa,
há uma ampliação temporal da figura típica, e no caso da
participação a ampliação é espacial e pessoal da conduta
tipificada.
2.4. Funções do tipo penal
De um modo geral, atribuem-se inúmeras funções ao tipo
penal, dentre as quais destacam-se como fundamentais as
seguintes: a função indiciária, a função de garantia e a função
diferenciadora do erro.
a) Função indiciária
O tipo circunscreve e delimita a conduta penalmente ilícita. A
circunstância de uma ação ser típica indica que,
provavelmente, será também antijurídica. A realização do tipo
já antecipa que, provavelmente, também há uma infringência
do Direito, embora esse indício não integre a proibição. Enfim,
como vimos na concepção de Mayer, a tipicidade é a ratio
cognoscendi da antijuridicidade, isto é, a adequação do fato ao
tipo faz surgir o indício de que a conduta é antijurídica, e essa
presunção somente cederá ante a configuração de uma causa de
justificação.
No entanto, não se pode ignorar, a função indiciária do tipo
fica fortemente enfraquecida nos crimes culposos e nos crimes
comissivos por omissão, em que o tipo é aberto, não contendo a
descrição completa da conduta ilícita.
b) Função de garantia (fundamentadora e limitadora)
O tipo de injusto é a expressão mais elementar, ainda que
parcial, da segurança decorrente do princípio de legalidade,
consagrado pela fórmula latina nullum crimen sine lege. A
garantia do princípio de legalidade está expressamente
reconhecida, tanto no art. 5º, XXXIX, da CF de 1988, como no
art. 1º do Código Penal. Todo cidadão, antes de realizar um
fato, deve ter a possibilidade de saber se sua ação é ou não
punível. Essa função de determinar a punibilidade das
condutas proibidas já fora atribuída pelo próprio Beling e
incorporada por Welzel, segundo o qual “o tipo tem a função
de descrever de forma objetiva a execução de uma ação
proibida”76.
Em verdade, o tipo cumpre, além da função fundamentadora do
injusto, também uma função limitadora do âmbito do
penalmente relevante.Assim, tudo o que não corresponder a
um determinado tipo de injusto será penalmente irrelevante.
Nesse sentido, apoiando-se em Lang-Hinrichsen e Engisch,
Claus Roxin definiu o conceito que abrange todas as
circunstâncias a que se refere o princípio nullum crimen sine lege
como “tipo de garantia”77. Com essa definição, Roxin faz uma
expressa alusão ao significado político-criminal do tipo, no
sentido de que somente por meio da descrição típica da
conduta proibida é possível garantir a estruturação de um
Direito Penal do fato, e que não seja admissível um Direito
Penal de autor.
c) Função diferenciadora do erro
A teoria do tipo tem igualmente função importante diante da
teoria do erro jurídico-penal. Hoje é indiscutível que o dolo do
agente deve abranger todos os elementos constitutivos do tipo
penal. Quando o processo intelectual-volitivo não atinge um dos
componentes da ação descrita na lei, o dolo não se aperfeiçoa,
isto é, não se completa.
O autor somente poderá ser punido pela prática de um fato
doloso quando conhecer as circunstâncias fáticas que o
constituem78. O eventual desconhecimento de um ou outro
elemento constitutivo do tipo constitui erro de tipo, excludente
do dolo, e, por extensão, da própria tipicidade, quando se
tratar de erro inevitável. Essa modalidade de erro, à evidência,
não se confunde com o erro de proibição, qual seja, quando o
agente sabe o que faz, mas imagina que sua ação é permitida.
3. Bem jurídico e conteúdo do injusto
Admite-se atualmente que o bem jurídico constitui a base da
estrutura e interpretação dos tipos penais. O bem jurídico, no
entanto, não pode identificar-se simplesmente com a ratio legis,
mas deve possuir um sentido social próprio, anterior à norma
penal e em si mesmo decidido, caso contrário, não seria capaz
de servir a sua função sistemática, de parâmetro e limite do
preceito penal e de contrapartida das causas de justificação na
hipótese de conflito de valorações79. A proteção de bem
jurídico, como fundamento de um Direito Penal liberal, oferece
um critério material, extremamente importante e seguro na
construção dos tipos penais, porque, assim, “será possível