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Cidades mortas

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 CIDADES MORTAS
 Monteiro Lobato
 *Profa. Maria Jerusa
 Rodrigues Marinho
 
1. O AUTOR – DADOS BIOGRÁFICOS  
 José Renato Monteiro
 Lobato ( o segundo nome, depois, foi substituído por Bento),
 nasceu em Taubaté, em 1882. Cursa Direito por imposição da
 família. Participa de grupos e jornais literários e depois de
 formado é nomeado promotor público. Torna-se fazendeiro ao
 herdar a fazenda do avô, a qual é vendida para que ele crie a
 Editora Monteiro Lobato. Embora tenha dinamizado o mercado
 livreiro, sua editora vai à falência, o que o leva à imprensa
 do Rio de Janeiro, onde passa a ser colaborador. Mora em Nova
 York, e na Argentina, que acolhe muito bem suas obras,
 principalmente as infantis. Participa de inúmeras campanhas públicas
 e até foi preso por suas idéias revolucionárias. Morre vítima
 de espasmo pulmonar a 04 de outubro de 1948.
 
2. OBRAS  
 Literatura em Geral –
 Urupês, Cidades Mortas, Idéias de Jeca Tatu, A Onda Verde, O
 Choque das Raças ou O Presidente Negro, O Escândalo do Petróleo,
 entre outras. – Literatura Infantil – Narizinho Arrebitado,
 O Saci, Fábulas de Narizinho, O Marquês de Rabicó, A Caçada
 da Onça, Aventuras do Príncipe, História do Mundo, As Caçadas
 de Pedrinho, Emília no País da Gramática, História das Invenções,
 Geografia da Dona Benta, Dom Quixote das Crianças, entre
 dezenas de outras obras.
 
3. CARACTERÍSTICAS GERAIS
 ü Escritor combativo e
 arrojado.
 ü Autor de contos,
 ensaio e crítica polêmica.
 ü Primeiro escritor a
 elaborar um projeto editorial para crianças.
 ü Defensor de uma língua
 sem a “gramatiquice” – o velório da língua.
 ü Defensor ardoso das
 riquezas brasileiras; famoso é o seu grito de guerra: O Petróleo
 é Nosso!
 ü Um aristocrata (menino
 de tempo do império) republicano.
 
ESPAÇO
 Itaoca é uma cidadezinha
 qualquer do interior paulista onde o escritor ambienta suas histórias;
 nela, aparecem casas de tapera, ruas mal iluminadas, políticos
 corruptos, patriotas, ignorância, miséria. Representa todas as
 cidadezinhas que Lobato viu se afundarem no vale do Paraíba.
 
ESTRUTURA DA OBRA
 Cidades Mortas, A vida em
 Oblivion, Os Perturbadores do Silêncio, Vidinha Ociosa,
 Cavalinhos, Noite de São João, O Pito do Reverendo, Pedro
 Pichorra, Cabelos Compridos, O Resto de Onça, Por Que Lopes se
 casou, Júri na Roça, Gens Ennyyeux, o Fígado Indiscreto, O Plágio,
 O Romance do Chopin, O Luzeiro Agrícola, A Cruz de Ouro, De
 Como Quebrei a Cabeça à Mulher do Melo, O Espião Alemão, Café
 Café, Toque Outra, Um Homem de Consciência, Anta que Berra, O
 Avô de Crispim, Era no Paraíso, Um Homem Honesto, O Rapto, A
 Nuvem de Gafanhotos, Tragédia de um Capão de Pintos.
 
ENREDOS
 1. CIDADES MORTAS
 Primeiro conto e nome da
 coletânea faz um retrato das cidades do Norte de São Paulo, no
 vale do Paraíba, nos áureos tempos do café: “Umas tantas
 cidades moribundas arrastam um viver decrépito, gasto em chorar
 na mesquinhez de hoje as saudosas grandezas dantes”. Nos
 soberbos casarões, vivem plantas, umedecidas pelas goteiras; os
 móveis empoeirados ainda guardam o esplendor da época com seus
 candelabros azinhavrados, cujas dezoito velas não se acendem e
 tudo cheira a bolor e velhice: “São os palácios mortos da
 cidade morta”. Largado numa praça, encontra-se o antigo
 teatro, que nos áureos tempos recebeu grandes artistas. Os
 ricos mudaram-se para o Rio, São Paulo e Europa e os que
 ficaram amargam uma vida sem horizonte. A única ligação com o
 mundo se resume no “cordão umbilical do correio”. Tudo
 contribui para o aspecto de abandono, pois as cidades não têm
 som que indique vida; só os velhos sons coloniais ainda restam
 – “o sino, o chilreio das andorinhas na torre da igreja, o
 rechino dos carros de boi, o cincerro das tropas raras, o
 taralhar das baitacas que em bando rumoroso cruzam e recruzam o
 céu”. Tal desolação é maior na área urbana, mas o campo
 também dá sinais de pouca vitalidade.
 
2. A VIDA EM
 OBLIVION
 Referência à cidade
 onde morou, batizada de Oblivion, de onde partiram sues filhos
 atraídos por novas terras, permanecendo ali “os de vontade
 anemiada, débeis, faquirianos.” “Mesmeiros”, que todos os
 dias fazem as mesmas coisas, dormem o mesmo sono, sonham os
 mesmos sonhos, comem as mesmas comidas, comentam os mesmos
 assuntos, esperam o mesmo correio, gabam a passada propriedade,
 lamuriam o presente e pitam – pitam longos cigarrões de
 palha, matadores do tempo”.
 Entre as originalidades
 de Oblivion, figuram alguns livros e entre eles a obra a ILHA
 MALDITA de Bernardo Guimarães: “Lê-lo é ir para o mato,
 para a roça”, mas não uma roça autenticamente brasileira e
 sim enfeitada de moças refinadas e termos citadinos.
 “Bernardo falsifica nosso mato... ele mente.” O autor
 ridiculariza os poucos livros ali existentes e a alienação de
 seus moradores.
 
3. PERTUBADORES DO
 SILÊNCIO
 A permanente quietude da
 cidade é apenas quebrada por alguns “perturbadores”: o sino
 da igreja, a capina das ruas com seu raspar das enxadas, o
 coaxar dos sapos. “A algazarra das crianças à saída do
 grupo escolar e ainda o ranger dos ferros do carrinho da Câmara,
 coma uma roda só.”
 
4. A VIDINHA OCIOSA
 Em Apólogo ironiza o mal
 da nossa raça: preguiça de pensar “dizendo que cem
 fazendeiros em cinco minutos pipocavam os machados nas perobas,
 mas não seriam capazes de se deter meia hora sobre um papel”.
 Em A mesmice mostra os
 dois motivos que “mantêm a cidade: a botica (fonte de
 mexerico permanente) e o jogo.
 A folhinha – referência
 ao calendário de parede que distingue os dias da semana do
 domingo, quando as praças se movimentam e os bares vendem mais
 pinga.
 Touradas – o antigo velódromo
 foi transformado em circo de touros com apresentações aos
 populares que se dividem em torcidas.
 A enxada e o parafuso –
 recurso usado no teatrinho da cidade para dar início ao espetáculo;
 quando um mambembe forasteiro quis
substituí-la por três
 pancadinhas no assoalho dizendo ser moda em Paris, o povo não
 aceitou, “cada terra com seu uso”.
 Rabulices – relata o
 dia em que os advogados e rábulas se reúnem para a sessão de
 Júri discorrendo lentamente sobre seus conhecimentos, fazendo
 daquele um momento de “interminável prosa sobre processos,
 atos judiciários, movimentos forenses, nomeações, negócios
 profissionais, pilhérias jurídicas.
 Pé no chão – história
 pitoresca de uma criança e o uso de apenas um pé de sapato,
 pois a escola não admite aluno descalço, enquanto o outro é
 guardado, assim o par de botina dura o dobro. Tudo isso em nome
 da “inconomia”.
 Barquinho de papel –
 costume antigo usado por crianças, após a chuva: barquinhos de
 papel são colocados na enxurrada, e até os namorados se valem
 desse costume para mandar mensagens de amor.
 O herege – referência
 às brincadeiras das crianças: ciranda, pegador, a senhora
 pastora, cantigas de perguntas e respostas.
 Juquita – menino
 travesso, terror dos animais pequenos.
 O Jesuíno – outro herói
 daquela esquecida cidade: o oficial de justiça, cheio de histórias
 para contar sobre suas atividades e como os intimados o recebem.
 
5. CAVALINHOS
 em tom de saudade, Lauro
 rememora os tempos em que o pai os levava ao circo de
 cavalinhos; o palhaço e suas cambalhotas, as músicas, os
 tabuleiros de doces... “O encanto de tudo aquilo, porém,
 estava morto, tanto é certo que a beleza das coisas não reside
 nelas, senão na gente”.
 
6. A NOITE DE SÃO
 JOÃO
 Ainda persistem algumas
 tradições e, entre elas, a festa ao redor da fogueira, onde se
 confraternizam os fandanguistas – “Um dilúvio de pés
 estanguidos – pés de marmanjões, pés calçados e pés-no-chão,
 pezinhos de crianças, pés brancos, pés pretos e pés mulatos
 – das criadinhas e molecotes crias de casa” – Ao som da
 “sanfona que gemia cadenciada”, mas súbito, “chiou ao
 longe um buscapé de limalha que, qual raio epilético,
 enveredou pelo meio do povo aos corcovos, criando o pânico e
 debandada”. Gengibrada em bules fumegantes e um balão que
 sobe na noite: “Bonito! Parece o Vesúvio!”
 
7. O PITO DO
 REVERENDO
 Aguardando importante hóspede
 em sua casa, o reverendo de Itaoca vê a caseira arrumar tudo,
 do chão ao teto, preparar o melhor prato e imagina seus tristes
 dias de abstinência sem o prazer de seu pito. Quando o
 visitante chega, de ilustre não tinha nada, e o “padre sorveu
 de um trago o café e refloriu a cara de todos os sorrisos de
 beatitude; desabotoou a batina, atirou com os pés para acima da
 mesa, expeliu um suculento arroto de bem-aventurança e berrou
 para a cozinha: Maria, dá cá o pito”.
 
8. PEDRO PICHORRA
 História de um menino
 que aos doze anos ganhara sua faca de ponta, sinal de
 virilidade. Porém, de volta de uma cavalgada até um sítio
 vizinho, e já quase de noite, sua égua empina a orelha e
 passarinha; isto era um sinal de saci, E o medo lhe mostrou um
 “saci de braços espichados, barrigudo, com um olho de fogo
 que passeava pelo corpo”. Em casa, após o pai ter-lhe tomado
 a faca e lhe dizer que ele ainda usaria o canivete, explica o
 ocorrido. “A velha Miquelina havia deitado naquele dia a
 pichorra d’água a refrescar ao relento à beira do barranco,
 e um vaga-lume-guaçu pousara nela por acaso, justamente quando
 o menino ia passando...” Daí em diante passou a se chamar
 Pedro Pichorra.
 
9. CABELOS
 COMPRIDOS
 Das Dores é ironicamente
 retratada: uma moça feia e desengraçada, cujo único atributo
 são os longos cabelos, inversamente proporcionais às usa idéias;
 repetia fórmulas prontas e não se dava ao trabalho de pensar e
 de ter seus conceitos próprios, Assim era vista como “Coitada
 das Das Dores, tão boazinha...”Apenas isso: boazinha. O cúmulo
 se deu quando um padre que viera à cidade recomendou ser necessário
 refletir em cada palavra da oração para que elas tivessem
 efeito. Foi o que Das Dores fez, passou a soletrar palavra por
 palavra do Pai Nosso e buscar seus mais variados significados,
 concluindo pela primeira vez, que aquilo era uma asneira.
 
10. O RESTO DA ONÇA
 O autor se declara avesso
 aos contos formais que tornam difíceis a leitura e compreensão;
 assim, para avaliar um bom conto, pede que sua cozinheira, que
 tem paladar apurado, faça a leitura e dê a opinião a
 respeito. A história de um caçador da região ilustra o fato
 – Resto de Onça, é o nome de um corajoso homem, ou o que
 dele restou em confronto com uma onça. Dessa forma, a narrativa
 popular, com um devido trato supera as histórias com “a
 arquimaçadora psicologia do Sr. Alberto de Oliveira”.
 
11. POR QUE LOPES
 SE CASOU
 Lopes e Lucas eram dois
 amigos desde a infância; Lucas está casado, com doze filhos e
 amarga uma triste vida doméstica: seu lar é uma praça de
 guerra e a esposa o avesso da noiva, a que ele dedicara tantos
 versos, sonetos e serenatas, além de enfrentar sua família que
 era contra o casamento. Depois de ouvir os desabafos de Lucas,
 Lopes resolveu se casar: “Se tinha de acabar como o Lucas,
 levasse sobre ele, ao menos a  vantagem de menor cópia de
 versos à futura cascavel”. Porque lhe pareceu que o maior
 sofrimento do Lucas havia de ser o remorso da enorme bagagem de
 versos pré-nupciais. E era”.
 
12. JÚRI DA ROÇA
 Há possibilidade de este
 conto ser a transposição do único caso em que o advogado
 Lobato tomou parte, quando era promotor em Areias – um júri
 é um acontecimento imperdível; todos querem estar presentes;
 no início  o espaço é disputado, mas com o passar do
 tempo e a longa exposição do advogado, aproximadamente por
 seis horas, o recinto vai-se esvaziando e, já alta noite,
 quando os jurados se reúnem, sem saber como apresentar o
 resultado e o juiz os convoca à nova reclusão, o final é
 hilariante: encontraram sobre a mesa dos jurados um bilhete
 dizendo que o réu fora condenado à pena “maquecimo” (máxima
 – dedução do Juiz) que se espanta com a janela aberta por
 onde fugiram os jurados. Na sala principal, o juiz acorda os
 policiais para procurarem o réu, que também havia fugido. Eram
três horas da madrugada!
 
13. GENS ENNUYEUX
 Relato crítico de uma
 enfadonha sessão científica, prestigiada pelas pessoas cultas
 da cidade, envergando suas sobrecasacas e aparentando enormes o
 interesse pelo assunto. Com o decorrer da conferência, todos
 esboçam bocejo e a platéia perde sua pose inicial.
 
14. O FÍGADO
 INDISCRETO
 Conto que relata com
 muito humor os apuros de um jovem quando foi jantar em casa de
 sua futura noiva, e lhe foi servido bife de fígado, iguaria a
 que ele detestava. Consegue engoli-lo quase por inteiro e a
 futura sogra interpreta como se ele apreciasse aquele tipo de
 bife e coloca outro em seu prato. Não conseguindo repetir o
 feito, o rapaz o coloca no bolso; ao tirar o lenço; o bife cai
 no chão, e ele tenta desviar a atenção de todos declamando inúmeras
 poesias, mas, por fim, todos percebem e ele passa a maior
 vergonha. Além disso, o noivado se desfaz e o pai da noiva
 passa a dizer: “é um bom rapaz, mas com um grave defeito:
 quando gostava de um prato não se contentava de comer e repetir
 – ainda levava escondido no bolso o que podia” – Inácio,
 o noivo, teve de mudar de terra.
 
15. O PLÁGIO
 Ernesto era um escrivão
 com interesses literário. Um dia leu o final de um romance e as
 palavras colaram em seu cérebro de tal forma que ele resolveu
 escrever para o jornal um conto com aquele soberbo final. Fez e
 recebeu dos amigos e conhecidos elogios ao texto e
 principalmente à beleza das palavras finais. Temendo que alguém
 encontrasse o livro original e descobrisse o plágio, comprou os
 volumes que encontrou e os queimou para espanto da esposa.
 Receoso de que os elogios insistentes eram referência
 proposital ao que fizera, via perigo e armação em todos;
 afastou-se do convívio das pessoas, emagreceu, adoeceu. O tempo
 passou e Ernesto sobreviveu. Já era major, tinha seis filhos e
 continuava a fazer literatura – clandestinamente, embora.
 “Moralidade há nas fábulas. Na vida, muito pouca – ou
 nenhuma.”
 
16. O ROMANCE DO
 CHOPIM
 Um dia, antes do início
 de uma sessão de cinema, uns amigos vêem um curioso casal
 entrando na sala. “Ele bem mais moço, tinha um ar vexado e
 submisso de coisa humana, em singular contraste com o ar mandão
 da companheira. O estranho casal residia sobretudo nisso, no ar
 de cada um, senhoril do lado fraco, servil do lado forte.
 Inquilino e senhoria, quem manda e quem obedece; quem dá e quem
 recebe”. Um dos amigos aponta o homem com o beiço e murmura:
 - “Um chopim. – Chopim? – Quer dizer: marido de
 professora. O povo alcunha-os desse modo por analogia com o
 passarinho preto que vive à custa do tico-tico”.
 
17. O LUZEIRO AGRÍCOLA
 Crítica a um funcionário
 público e por extensão ao Ministério da Agricultura por sua
 prática de órgão sem objetivos e gastador do dinheiro público.
 Um jovem poeta torna-se funcionário desse órgão e o seu chefe
 lhe dá como incumbência fazer um relatório. Sobre o quê,
 pergunta ele. Isso não importa. Você escolhe o assunto, faz o
 relatório e manda publicá-lo, há uma verba destinada para tal
 fim. Após pensar muito a respeito, pesquisar isso e aquilo,
 Sizenando Capistrano descobre, após a esposa lhe jogar na cara
 um prato de beldroega, que este era o vegetal que procurava!
 Gastou dois anos entre estudos, elaboração do relatório e sua
 publicação. Tudo pronto, vai ao ministro livrar-se da incumbência,
 quando ouve a seguinte resposta: “Mande a papelada para o
 forno de incineração da Casa da Moeda”. “Que queria que e
 fizesse  de cinco mil exemplares de um relatório sobre a
 beldroega?... o mais prático é passar da tipografia ao
 forno”. Diante da estupefação do funcionário que pergunta
 ao Ministro o que faria depois, ouve o seguinte: - Escreva outro
 relatório . – Para ser queimado novamente? – É claro,
 homem!”
 
18. A CRUZ DE OURO
 Dois coronéis do café
 (título recebido por terem atingido 10 mil arrobas de café) se
 encontram e falam sobre suas doenças e seus familiares. Um
 deles conta que a filha está de namoro com um rapaz pobre mas
 de boa família, o outro discorda dizendo que ele é primo de
 Chiquinho, um rapaz que deu um convite para Cruz de Ouro, uma
 prostituta, comparecer a um espetáculo no clube da Recreativa.
 Os dois comentam o absurdo de tal presença num local freqüentado
 por familiares. Ao sair da casa do amigo, o velho coronel se
 dirige à casa de Cruz de Ouro e tem dificuldade de marcar um
 encontro: a agenda dela está cheia, inclusive com o nome do
 outro coronel amigo.
 
19. DE COMO QUEBREI
 A CABEÇA À MULHER DO MELO
 Convidado para jantar em
 casa de amigos, um homem explica que não gosta desse tipo de
 convite porque tem hábitos próprios: comer quando e o que
 deseja à hora que quiser – o que não ocorreria em casa
 alheia, sujeito a horários e a cardápios estranhos. Essa
 recusa nascera de uma fatídica visita à casa de Melo – a
 anfitriã, desejosa de ser muito solícita, vai  colocando
 iguarias no prato do visitante que protesta, mas com grande
 esforço consegue engolir; em dado momento, Melo corta o leitão
 e a esposa espeta um pedaço de carne e se dirige ao seu hóspede
 que não sabe como pegou uma garrafa e acertou-a na cabeça da
 mulher.
 
20. O ESPIÃO ALEMÃO
 Conto que traduz com
 muito humor o espírito anti-germânico predominante no período
 da Primeira Guerra. Itaoca fora palco de um incidente singular;
 uma noite, um estranho vulto, de cabelos ruivos, com um saco às
 costas, provavelmente parte de um disfarce, foi visto na cidade.
 Forma acionadas as autoridades que após inúmeros esforços
 conseguem capturar o inimigo. Este não diz uma palavra
 compreensível, apenas repete “Ai eme inglix” que na tradução
 do padre local e pessoa mais culta do lugar significava “estou
 com fome”. Levado com escolta para a capital, após
 despedidas, choros e discursos dos que temiam um ataque dos cúmplices
 do espião, a cidade sente-se temerosa, porém participante da
 insana II Guerra Mundial. Até que alguns dias depois chegou um
 telegrama ao chefe de polícia com a seguinte mensagem:
 “Verificamos prisioneiro súdito  inglês. Receios
 complicação diplomática. Guardem reserva grotesco
 incidente”. O coronel
José Pedro, não dando  braço a
 torcer, comunicou que recebera um telegrama confidencial “O
 caso é mais grave do que supus”. Assim, passou a história de
 Itacoca a certeza de que aquela cidade fora realmente palco de
 uma ação bélica.
 
21. CAFÉ CAFÉ
 Relato que reproduz o espírito
 do homem da terra obcecado pela monocultura do café. Acostumado
 a vender sua safra por trinta e cinco a quarenta mil réis, não
 aceitava a queda dos preços que chagava a quatro mil réis. Nem
 tampouco aceitava a sugestão de cultivar outro cereal. “O
 homem encolorizava-se e rugia: - Não! Só café! Há de subir
 muito. Sempre foi assim. Só café!” E mantendo-se
 obstinadamente nessa idéia viu suas terras perderem o valor, os
 empregados serem dispensados e as contas levarem parte de sua
 fazenda.
 
22. TOQUE OUTRA
 Sátira de Monteiro
 Lobato ao vazio constante nas salas da cidadezinha de Itaoca,
 preenchidos pelas intermináveis fofocas. Assim, o pedido para
 que uma jovem tocasse piano era um pretexto para as matronas
 “abafando o tom geral da palestra”, afundarem nas conversas
 preferidas: - os criados! Por isso, quando a música terminava,
 gritavam em coro; “Muito bem, sinhazinha, muito bem! Toque
 outra!...
 
23. UM HOMEM DE
 CONSCIÊNCIA
 João Teodoro relembra
 com saudades os bons tempos de Itaoca; “- Isto já foi muito
 melhor... já teve três médicos bem bons; agora só um e bem
 ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para
 um rábula ordinário como Tenório. Nem circo de cavalinho bate
 mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o
 restolho...”Homem pacato e modesto. Honesto e leal, com um
 defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Um dia
 foi nomeado delegado. “Delegado, ele!... Ser delegado numa
 cidadezinha daquelas é coisa seriíssima. Não há cargo mais
 importante”. Diante disso, e para surpresa de todos, foi
 embora da cidade.
 
24. ANTA QUE BERRA
 O major Pedro Falaverdade
 era o maior contador de histórias de caçada “...ele não
 mentia: atrapalhava-se às vezes, confundia uma caça com
 outra...”Seus cachorros eram adestrados e Mozart, o mestre da
 matilha, latia anunciando o tipo de animal que levantara: “Um
 sinal, paca; dois, veado; três, porco; quatro, anta”. Uma vez
 o cachorro latira quatro vezes e o major engatilhou sua
 “Lafourché” à espera da anta que, abatida, “desferiu um
 berro que parecia fim do mundo”. – “Será que anta berra,
 major?” – “Ora, que diabo! Estou confundindo. Não era
 propriamente anta o que eu caçava nesse dia, era um veado!”
 
25. O AVÔ DE
 CRISPIM
 Crispim Paradeda viva
 contando história de seu avô. Este viera de Portugal disfarçado
 de jesuíta, meteu-se pelo interior onde juntou um bom dinheiro
 vendendo “osso de santo e tabuinhas aplainadas por São José”.
 Jogou fora a batina e se instalou em uma propriedade que
 comprara aumentando sua riqueza com a venda de gado. Emprestava
 dinheiro, até que após alguns calotes, resolveu fechar o cofre
 e muito esperto, passou a adotar o seguinte lema: “Perder o
 meu dinheiro não me parece pior, porque, graças a Deus tenho-o
 de sobra. Mas perder um amigo? Isso nunca!”
 
26.ERA NO PARAÍSO
 Uma fábula satirizando a
 formação do universo e a origem do homem, que surgiu de um
 macaco. Este, bateu a cabeça numa pedra ao cair de uma árvore
 e, a partir dessa lesão, começou a ser inteligente, ou seja,
 tornou-se Adão; a macaca Eva “permanecia muda ao lado
 embevecida no macho pensante. Não o compreendia – mas
 admirava-o, imitava-o e obedecia-lhe passivamente”. Juntos
 encontraram uma toca e ficaram donos.
 
27. UM HOMEM
 HONESTO
 Aventura e desventura de
 João Pereira, um homem verdadeiramente honesto; desde jovem
 tinha o caráter firme, casou-se, teve duas filhas e mantinha a
 família à custa de muito trabalho e dignidade. Um dia, de
 volta de uma viagem de primeira classe, paga por um parente que
 não aceitou seu bilhete de segunda, João admirava as vantagens
 e comodidades dos bens aquinhoados da vida: os ricos. Ao descer,
 percebeu que esquecera seu jornal e voltou para pegá-lo quando
 encontrou no chão do vagão, um pacote; apalpando-o percebeu
 que era dinheiro – muito dinheiro. Correu ao chefe da estação
 e, para surpresa dos presentes, entregou a fortuna. O fato foi
 parar nos jornais,, que elogiaram o seu gesto e a sua incrível
 honestidade. Em casa, João deparou com a mulher e as filhas, a
 princípio concordando com sua atitude, sem saber o verdadeiro
 montante do pacote; a saberem, ficaram totalmente transtornadas
 pela loucura do pai – honeeesto! Debochavam de sua cabeça e
 ingenuidade; o mesmo acontecia no escritório, onde os colegas
 passaram a evitá-lo e a referir-se a ele como um coitado.
 Faziam piadas e, ainda a família repetia os risos da vizinhança.
 Não agüentando mais, ao ser chamado de João Trouxa, o último
 homem honesto matou-se com um tiro em seu quarto.
 
28. O RAPTO
 Um médico oftalmologista
 conta a história de um cego, que assim ficara por apanhar muito
 dos três filhos que viviam com ele sem fazer nada para o
 sustento da família. O pai fora um homem de recursos, mas, aos
 poucos vendera tudo até conhecer a miséria total e ainda a
 cegueira. Abandonado pelos filhos, começou a viver da caridade
 alheia, o que lhe dava um certo bem-estar: comida, roupas e até
 chapéus. Humildes, os filhos voltaram porque a situação do
 pai, de agora, era melhor que a de antes. O médico, ao saber
 dos fatos, comovido coma a situação do pobre cego,
 ofereceu-lhe tratamento, por meio de uma cirurgia que lhe
 devolveria a visão. Tudo acertado para o dia seguinte, o médico
 foi à procura do paciente que não aparecera. E não apareceria
 mais, pois os filhos, temerosos de perderem a ajuda que o pai
 cego recebia e que lhes rendia uma vida boa, raptaram-no.
 
29. A NUVEM DE
 GAFANHOTOS
 Venâncio, funcionário público,
 era apaixonado por agricultura, lia livros e publicações a
 respeito e depois deitava seu conhecimento em todos os lugares
 por que passava. Chegou a se imaginar ministro da agricultura,
 após elogios de um coronel da terra sobre seus conceitos e
 sugestões. Fiel à loteria, cuja a sorte um dia lhe daria
a
 oportunidade de Ter uma fazenda modelo para visitação pública,
 foi contemplado com vinte mil réis, com os quais comprou um sítio
 de quinze deixando o restante para ser pago depois. Com cinco
 mil, investiu na compra de matrizes de aves e porcos de raça,
 implementos agrícolas e sementes para transformar a velha terra
 cansada na prosperidade de seus sonhos. Um dia recebeu a carta
 de um parente do Rio, certo de que ele ganhara uns duzentos
 contos, anunciando sua visita com a família e de sobra, mais três
 jovens amigas e duas empregadas – ao todo onze pessoas que ao
 cabo de três meses devoram-lhe o pomar, a horta e se fartaram
 de toda a criação, inclusive as mais novinhas. Desolado, Venâncio
 sonha com uma nuvem de gafanhoto que lhe toma todo o sítio. Após
 a partida do gafanhoto-mor e sua equipe, restou ao sitiante e
 esposa a única saída: voltara para a cidade e à antiga condição
 de funcionário público. Sobre o assunto de agricultura nem se
 interessava mais e se alguém “falava perto dele em pragas da
 lavoura, geada, ferrugem, curuquê ou que seja, sorria
 melancolicamente, murmurando de si para si: - Conheço uma muito
 pior..”
 
30. TRAGÉDIA DE UM
 CAPÃO DE PINTOS
 Neste conto, Monteiro
 Lobato, dá vida aos animais de um sítio, humanizando-os; conta
 a história de um galo-capão que criava aves de ninhadas
 diferentes: tonou-se pai de um peru, de um pito e dum marreco.
 Viu-os crescer e depois serem pratos na mesa dos humanos.
 Tentava decifrar as palavras proferidas pela dona-de-casa:
 “estar no ponto”, “pedindo panela”, e “amanhã temos
 peru” que lhe revelaram a insana intenção de fazer dos seus
 filhos comida apetitosa. Depois desses acontecimentos, tornou-se
 um galo triste e jururu. O negro da fazenda colocou-o para
 aquecer uma ninhada de dez pintos nascidos na véspera; nas
 altas horas abandonou-os ao frio da noite, não queira mais
 exercer a profissão de mãe. “Para quê? – Se têm de
 morrer na cozinha, morram agora enquanto não lhes tenho
 amor.” Os pintinhos amanheceram mortos, entanguidos de frio. E
 o castigo do galo-peva foi a panela, e para espanto e tristeza
 dos outros animais, no fundo da horta, jaziam seus despojos.
 Horríveis. “Um urubu pousado ali perto não pensava assim”.
 
IDÉIA E ESTILO
 Cidades Mortas está
 entre as primeiras obras que correm o país em livro. Seus
 contos ambientam-se em uma cidadezinha do inteiror paulista do
 vale do Paraíba, o que justifica o cunho regionalista de sua
 obra.
 
No entanto, seus
 personagens são típicos brasileiros, envolvidos em situações
 engraçadas, vivendo acontecimentos cômicos que quebram a
 monotonia da vida de Oblivion e Itaoca, cidades onde o tempo
 parou.
 
A intenção do autor
 ao penetrar nessas vidas é fazer uma crítica, embora elegante
 e sutil. Mas, às vezes, é saudosista, quando resgata
 acontecimentos trazidos da sua infância feliz. Alguns contos têm
 desfecho surpreendente, outras questionam valores de moralidade
 e o comportamento na sociedade.
 
Polêmico e criticado
 por suas idéias políticas e culturais, Lobato mostrou-se um
 inovador no plano da linguagem, pois acreditava que a imposição
 das regras contrariava a lei da evolução. “Que é a língua
 dum país? É a mais bela obra coletiva desse país.” Defendia
 a idéia de que não “há lei humana que dirija uma língua,
 porque  língua é fenômeno natural, como a oferta e a
 procura, como o crescimento da crianças, como a 
 senilidade”.
 
Em Cidades Mortas
 nota-se a liberdade de vocabulário, e emprego de expressões
 que caracterizam aquelas cidades como “velha avó
 entrevada”, que “foi rica um dia e hoje é quieta”. São
 “história sobre gente medíocre, sonolenta, vivendo um
 sossego que é como o frio nas regiões árticas: uma
 permanente.”
 
		Em vários contos
 emprega onomatopéias
 “E toca: blem, blem,
 belelém...”
 “- um, dois, três:
 glug! Rodou, esôfago abaixo...”
 “- Dlin, dlin, dlin!...
 está aberta a sessão”
 “Novo psst!”
 “- Logo em seguida, porém,
 toc, toc, toc...”?“
 		Cria palavras e
 expressões – neologismos – 
 “Lucas amou-a em regra
 e sonetou-a inteira dos cabelos aos pés
 “... o promotor fala e
 refala;”
 “... Um manotaço de
 unha na cara...
 “... todo o rodapé dos
 jornais e albertizou-se durante meia hora.
 “...É feia, é
 desengraçada, é inelegante, é magérrima”
 “Diz e rediz.”
 		Emprega gírias e
 palavras da época, e do interior, hoje em desuso.
 “- Mamãe, o carrinho e
 vem vindo!”
 “- Salvam-na a botica
 (a farmácia) e o jogo”.
 “- deitou o sojeito no
 chão”- “o povo pedia o paiaço...”.
 “- os filhos
 vinheram...”
 “- Mas parece que o
 sujeitinho levou tábuas...” (foi recusado)
 “Se ele quiser vinte e
 três mil-réis...”
 “Ela não deseste da
 porca.”
 “É, a tese é
 catita;”
 “Os home! ... não há
 de ter um descansinho na somana?”
 u Faz algumas considerações
 com provérbios
 “Impossível negar as
 vantagens sociais da música”.
 “Ladrão é quem furta
 um, quem pega mil é barão.”
 “O segredo de todas as
 vitórias está em ser um homem do seu tempo...”
 “Cada roca tem seu
 fuso”.
 		Com humor, compõe
 alguns nomes de personagens.
 “Dona Fafá, dona Fifi,
 dona Fufu”.
 “Três filhas: Bibi,
 Babá, Bubu”.
 “Só Adão, o macaco
 lesado...”- “Eva, a macaca ilesa,”
 “- Parzinho jeitoso, a
 Miloca e o Lulu, não?”
 Com objetividade,
 clareza, espírito jocoso e pitoresco Monteiro Lobato foi um
 “criador sempre feliz em observar seus personagens caminhando
 com suas próprias pernas, segundo suas próprias cabeças.
 Cidades Mortas é uma fotografia: o real visto pela lente
 lobatiana”.
 Monteiro Lobato - que
 ironia – um escritor de luz própria, independente, arrojado e
por tanto tempo incompreendido e até mesmo boicotado.
 “? Isso acontece com
 aqueles que, como ele, estão muito à frente de sue tempo”.
 *Maria Jerusa
 Rodrigues Marinho, professora de Português de cursos preparatórios
 de vestibulares em Campo Grande-MS, prepara apostilas de análises
 de livros das listas de leitura obrigatória da UFMS, UCDB e
 UNIDERP. Telefone: 989 0984.
  
  
  
 
 
 
  		 		 
 
		
 
 Estudos e resumos de
 livros
  
 		
 CIDADES MORTAS
 Monteiro Lobato
 *Profa. Maria Jerusa
 Rodrigues Marinho
 
1. O AUTOR – DADOS BIOGRÁFICOS  
 José Renato Monteiro
 Lobato ( o segundo nome, depois, foi substituído por Bento),
 nasceu em Taubaté, em 1882. Cursa Direito por imposição da
 família. Participa de grupos e jornais literários e depois de
 formado é nomeado promotor público. Torna-se fazendeiro ao
 herdar a fazenda do avô, a qual é vendida para que ele crie a
 Editora Monteiro Lobato. Embora tenha dinamizado o mercado
 livreiro, sua editora vai à falência, o que o leva à imprensa
 do Rio de Janeiro, onde passa a ser colaborador. Mora em Nova
 York, e na Argentina, que acolhe muito bem suas obras,
 principalmente as infantis. Participa de inúmeras campanhas públicas
 e até foi preso por suas idéias revolucionárias. Morre vítima
 de espasmo pulmonar a 04 de outubro de 1948.
 
2. OBRAS  
 Literatura em Geral –
 Urupês, Cidades Mortas, Idéias de Jeca Tatu, A Onda Verde, O
 Choque das Raças ou O Presidente Negro, O Escândalo do Petróleo,
 entre outras. – Literatura Infantil – Narizinho Arrebitado,
 O Saci, Fábulas de Narizinho, O Marquês de Rabicó, A Caçada
 da Onça, Aventuras do Príncipe, História do Mundo, As Caçadas
 de Pedrinho, Emília no País da Gramática, História das Invenções,
 Geografia da Dona Benta, Dom Quixote das Crianças, entre
 dezenas de outras obras.
 
3. CARACTERÍSTICAS GERAIS
 ü Escritor combativo e
 arrojado.
 ü Autor de contos,
 ensaio e crítica polêmica.
 ü Primeiro escritor a
 elaborar um projeto editorial para crianças.
 ü Defensor de uma língua
 sem a “gramatiquice” – o velório da língua.
 ü Defensor ardoso das
 riquezas brasileiras; famoso é o seu grito de guerra: O Petróleo
 é Nosso!
 ü Um aristocrata (menino
 de tempo do império) republicano.
 
ESPAÇO
 Itaoca é uma cidadezinha
 qualquer do interior paulista onde o escritor ambienta suas histórias;
 nela, aparecem casas de tapera, ruas mal iluminadas, políticos
 corruptos, patriotas, ignorância, miséria. Representa todas as
 cidadezinhas que Lobato viu se afundarem no vale do Paraíba.
 
ESTRUTURA DA OBRA
 Cidades Mortas, A vida em
 Oblivion, Os Perturbadores do Silêncio, Vidinha Ociosa,
 Cavalinhos, Noite de São João, O Pito do Reverendo, Pedro
 Pichorra, Cabelos Compridos, O Resto de Onça, Por Que Lopes se
 casou, Júri na Roça, Gens Ennyyeux, o Fígado Indiscreto, O Plágio,
 O Romance do Chopin, O Luzeiro Agrícola, A Cruz de Ouro, De
 Como Quebrei a Cabeça à Mulher do Melo, O Espião Alemão, Café
 Café, Toque Outra, Um Homem de Consciência, Anta que Berra, O
 Avô de Crispim, Era no Paraíso, Um Homem Honesto, O Rapto, A
 Nuvem de Gafanhotos, Tragédia de um Capão de Pintos.
 
ENREDOS
 1. CIDADES MORTAS
 Primeiro conto e nome da
 coletânea faz um retrato das cidades do Norte de São Paulo, no
 vale do Paraíba, nos áureos tempos do café: “Umas tantas
 cidades moribundas arrastam um viver decrépito, gasto em chorar
 na mesquinhez de hoje as saudosas grandezas dantes”. Nos
 soberbos casarões, vivem plantas, umedecidas pelas goteiras; os
 móveis empoeirados ainda guardam o esplendor da época com seus
 candelabros azinhavrados, cujas dezoito velas não se acendem e
 tudo cheira a bolor e velhice: “São os palácios mortos da
 cidade morta”. Largado numa praça, encontra-se o antigo
 teatro, que nos áureos tempos recebeu grandes artistas. Os
 ricos mudaram-se para o Rio, São Paulo e Europa e os que
 ficaram amargam uma vida sem horizonte. A única ligação com o
 mundo se resume no “cordão umbilical do correio”. Tudo
 contribui para o aspecto de abandono, pois as cidades não têm
 som que indique vida; só os velhos sons coloniais ainda restam
 – “o sino, o chilreio das andorinhas na torre da igreja, o
 rechino dos carros de boi, o cincerro das tropas raras, o
 taralhar das baitacas que em bando rumoroso cruzam e recruzam o
 céu”. Tal desolação é maior na área urbana, mas o campo
 também dá sinais de pouca vitalidade.
 
2. A VIDA EM
 OBLIVION
 Referência à cidade
 onde morou, batizada de Oblivion, de onde partiram sues filhos
 atraídos por novas terras, permanecendo ali “os de vontade
 anemiada, débeis, faquirianos.” “Mesmeiros”, que todos os
 dias fazem as mesmas coisas, dormem o mesmo sono, sonham os
 mesmos sonhos, comem as mesmas comidas, comentam os mesmos
 assuntos, esperam o mesmo correio, gabam a passada propriedade,
 lamuriam o presente e pitam – pitam longos cigarrões de
 palha, matadores do tempo”.
 Entre as originalidades
 de Oblivion, figuram alguns livros e entre eles a obra a ILHA
 MALDITA de Bernardo Guimarães: “Lê-lo é ir para o mato,
 para a roça”, mas não uma roça autenticamente brasileira e
 sim enfeitada de moças refinadas e termos citadinos.
 “Bernardo falsifica nosso mato... ele mente.” O autor
 ridiculariza os poucos livros ali existentes e a alienação de
 seus moradores.
 
3. PERTUBADORES DO
 SILÊNCIO
 A permanente quietude da
 cidade é apenas quebrada por alguns “perturbadores”: o sino
 da igreja, a capina das ruas com seu raspar das enxadas, o
 coaxar dos sapos. “A algazarra das crianças à saída do
 grupo escolar e ainda o ranger dos ferros do carrinho da Câmara,
 coma uma roda só.”
 
4. A VIDINHA OCIOSA
 Em Apólogo ironiza o mal
 da nossa raça: preguiça de pensar “dizendo que cem
 fazendeiros em cinco minutos pipocavam os machados nas perobas,
 mas não seriam capazes de se deter meia hora sobre um papel”.
 Em A mesmice mostra os
 dois motivos que
“mantêm a cidade: a botica (fonte de
 mexerico permanente) e o jogo.
 A folhinha – referência
 ao calendário de parede que distingue os dias da semana do
 domingo, quando as praças se movimentam e os bares vendem mais
 pinga.
 Touradas – o antigo velódromo
 foi transformado em circo de touros com apresentações aos
 populares que se dividem em torcidas.
 A enxada e o parafuso –
 recurso usado no teatrinho da cidade para dar início ao espetáculo;
 quando um mambembe forasteiro quis substituí-la por três
 pancadinhas no assoalho dizendo ser moda em Paris, o povo não
 aceitou, “cada terra com seu uso”.
 Rabulices – relata o
 dia em que os advogados e rábulas se reúnem para a sessão de
 Júri discorrendo lentamente sobre seus conhecimentos, fazendo
 daquele um momento de “interminável prosa sobre processos,
 atos judiciários, movimentos forenses, nomeações, negócios
 profissionais, pilhérias jurídicas.
 Pé no chão – história
 pitoresca de uma criança e o uso de apenas um pé de sapato,
 pois a escola não admite aluno descalço, enquanto o outro é
 guardado, assim o par de botina dura o dobro. Tudo isso em nome
 da “inconomia”.
 Barquinho de papel –
 costume antigo usado por crianças, após a chuva: barquinhos de
 papel são colocados na enxurrada, e até os namorados se valem
 desse costume para mandar mensagens de amor.
 O herege – referência
 às brincadeiras das crianças: ciranda, pegador, a senhora
 pastora, cantigas de perguntas e respostas.
 Juquita – menino
 travesso, terror dos animais pequenos.
 O Jesuíno – outro herói
 daquela esquecida cidade: o oficial de justiça, cheio de histórias
 para contar sobre suas atividades e como os intimados o recebem.
 
5. CAVALINHOS
 em tom de saudade, Lauro
 rememora os tempos em que o pai os levava ao circo de
 cavalinhos; o palhaço e suas cambalhotas, as músicas, os
 tabuleiros de doces... “O encanto de tudo aquilo, porém,
 estava morto, tanto é certo que a beleza das coisas não reside
 nelas, senão na gente”.
 
6. A NOITE DE SÃO
 JOÃO
 Ainda persistem algumas
 tradições e, entre elas, a festa ao redor da fogueira, onde se
 confraternizam os fandanguistas – “Um dilúvio de pés
 estanguidos – pés de marmanjões, pés calçados e pés-no-chão,
 pezinhos de crianças, pés brancos, pés pretos e pés mulatos
 – das criadinhas e molecotes crias de casa” – Ao som da
 “sanfona que gemia cadenciada”, mas súbito, “chiou ao
 longe um buscapé de limalha que, qual raio epilético,
 enveredou pelo meio do povo aos corcovos, criando o pânico e
 debandada”. Gengibrada em bules fumegantes e um balão que
 sobe na noite: “Bonito! Parece o Vesúvio!”
 
7. O PITO DO
 REVERENDO
 Aguardando importante hóspede
 em sua casa, o reverendo de Itaoca vê a caseira arrumar tudo,
 do chão ao teto, preparar o melhor prato e imagina seus tristes
 dias de abstinência sem o prazer de seu pito. Quando o
 visitante chega, de ilustre não tinha nada, e o “padre sorveu
 de um trago o café e refloriu a cara de todos os sorrisos de
 beatitude; desabotoou a batina, atirou com os pés para acima da
 mesa, expeliu um suculento arroto de bem-aventurança e berrou
 para a cozinha: Maria, dá cá o pito”.
 
8. PEDRO PICHORRA
 História de um menino
 que aos doze anos ganhara sua faca de ponta, sinal de
 virilidade. Porém, de volta de uma cavalgada até um sítio
 vizinho, e já quase de noite, sua égua empina a orelha e
 passarinha; isto era um sinal de saci, E o medo lhe mostrou um
 “saci de braços espichados, barrigudo, com um olho de fogo
 que passeava pelo corpo”. Em casa, após o pai ter-lhe tomado
 a faca e lhe dizer que ele ainda usaria o canivete, explica o
 ocorrido. “A velha Miquelina havia deitado naquele dia a
 pichorra d’água a refrescar ao relento à beira do barranco,
 e um vaga-lume-guaçu pousara nela por acaso, justamente quando
 o menino ia passando...” Daí em diante passou a se chamar
 Pedro Pichorra.
 
9. CABELOS
 COMPRIDOS
 Das Dores é ironicamente
 retratada: uma moça feia e desengraçada, cujo único atributo
 são os longos cabelos, inversamente proporcionais às usa idéias;
 repetia fórmulas prontas e não se dava ao trabalho de pensar e
 de ter seus conceitos próprios, Assim era vista como “Coitada
 das Das Dores, tão boazinha...”Apenas isso: boazinha. O cúmulo
 se deu quando um padre que viera à cidade recomendou ser necessário
 refletir em cada palavra da oração para que elas tivessem
 efeito. Foi o que Das Dores fez, passou a soletrar palavra por
 palavra do Pai Nosso e buscar seus mais variados significados,
 concluindo pela primeira vez, que aquilo era uma asneira.
 
10. O RESTO DA ONÇA
 O autor se declara avesso
 aos contos formais que tornam difíceis a leitura e compreensão;
 assim, para avaliar um bom conto, pede que sua cozinheira, que
 tem paladar apurado, faça a leitura e dê a opinião a
 respeito. A história de um caçador da região ilustra o fato
 – Resto de Onça, é o nome de um corajoso homem, ou o que
 dele restou em confronto com uma onça. Dessa forma, a narrativa
 popular, com um devido trato supera as histórias com “a
 arquimaçadora psicologia do Sr. Alberto de Oliveira”.
 
11. POR QUE LOPES
 SE CASOU
 Lopes e Lucas eram dois
 amigos desde a infância; Lucas está casado, com doze filhos e
 amarga uma triste vida doméstica: seu lar é uma praça de
 guerra e a esposa o avesso da noiva, a que ele dedicara tantos
 versos, sonetos e serenatas, além de enfrentar sua família que
 era contra o casamento. Depois de ouvir os desabafos de Lucas,
 Lopes resolveu se casar: “Se tinha de acabar como o Lucas,
 levasse sobre ele, ao menos a  vantagem de menor cópia de
 versos à futura cascavel”. Porque lhe pareceu que o maior
 sofrimento do Lucas havia de ser o remorso da enorme bagagem de
 versos pré-nupciais. E era”.
 
12. JÚRI DA ROÇA
 Há possibilidade de este
 conto ser a transposição do único caso em que o advogado
 Lobato tomou parte, quando era promotor em Areias – um júri
 é um acontecimento imperdível; todos querem estar presentes;
 no início  o espaço é disputado, mas com o passar do
 tempo e a longa
exposição do advogado, aproximadamente por
 seis horas, o recinto vai-se esvaziando e, já alta noite,
 quando os jurados se reúnem, sem saber como apresentar o
 resultado e o juiz os convoca à nova reclusão, o final é
 hilariante: encontraram sobre a mesa dos jurados um bilhete
 dizendo que o réu fora condenado à pena “maquecimo” (máxima
 – dedução do Juiz) que se espanta com a janela aberta por
 onde fugiram os jurados. Na sala principal, o juiz acorda os
 policiais para procurarem o réu, que também havia fugido. Eram
 três horas da madrugada!
 
13. GENS ENNUYEUX
 Relato crítico de uma
 enfadonha sessão científica, prestigiada pelas pessoas cultas
 da cidade, envergando suas sobrecasacas e aparentando enormes o
 interesse pelo assunto. Com o decorrer da conferência, todos
 esboçam bocejo e a platéia perde sua pose inicial.
 
14. O FÍGADO
 INDISCRETO
 Conto que relata com
 muito humor os apuros de um jovem quando foi jantar em casa de
 sua futura noiva, e lhe foi servido bife de fígado, iguaria a
 que ele detestava. Consegue engoli-lo quase por inteiro e a
 futura sogra interpreta como se ele apreciasse aquele tipo de
 bife e coloca outro em seu prato. Não conseguindo repetir o
 feito, o rapaz o coloca no bolso; ao tirar o lenço; o bife cai
 no chão, e ele tenta desviar a atenção de todos declamando inúmeras
 poesias, mas, por fim, todos percebem e ele passa a maior
 vergonha. Além disso, o noivado se desfaz e o pai da noiva
 passa a dizer: “é um bom rapaz, mas com um grave defeito:
 quando gostava de um prato não se contentava de comer e repetir
 – ainda levava escondido no bolso o que podia” – Inácio,
 o noivo, teve de mudar de terra.
 
15. O PLÁGIO
 Ernesto era um escrivão
 com interesses literário. Um dia leu o final de um romance e as
 palavras colaram em seu cérebro de tal forma que ele resolveu
 escrever para o jornal um conto com aquele soberbo final. Fez e
 recebeu dos amigos e conhecidos elogios ao texto e
 principalmente à beleza das palavras finais. Temendo que alguém
 encontrasse o livro original e descobrisse o plágio, comprou os
 volumes que encontrou e os queimou para espanto da esposa.
 Receoso de que os elogios insistentes eram referência
 proposital ao que fizera, via perigo e armação em todos;
 afastou-se do convívio das pessoas, emagreceu, adoeceu. O tempo
 passou e Ernesto sobreviveu. Já era major, tinha seis filhos e
 continuava a fazer literatura – clandestinamente, embora.
 “Moralidade há nas fábulas. Na vida, muito pouca – ou
 nenhuma.”
 
16. O ROMANCE DO
 CHOPIM
 Um dia, antes do início
 de uma sessão de cinema, uns amigos vêem um curioso casal
 entrando na sala. “Ele bem mais moço, tinha um ar vexado e
 submisso de coisa humana, em singular contraste com o ar mandão
 da companheira. O estranho casal residia sobretudo nisso, no ar
 de cada um, senhoril do lado fraco, servil do lado forte.
 Inquilino e senhoria, quem manda e quem obedece; quem dá e quem
 recebe”. Um dos amigos aponta o homem com o beiço e murmura:
 - “Um chopim. – Chopim? – Quer dizer: marido de
 professora. O povo alcunha-os desse modo por analogia com o
 passarinho preto que vive à custa do tico-tico”.
 
17. O LUZEIRO AGRÍCOLA
 Crítica a um funcionário
 público e por extensão ao Ministério da Agricultura por sua
 prática de órgão sem objetivos e gastador do dinheiro público.
 Um jovem poeta torna-se funcionário desse órgão e o seu chefe
 lhe dá como incumbência fazer um relatório. Sobre o quê,
 pergunta ele. Isso não importa. Você escolhe o assunto, faz o
 relatório e manda publicá-lo, há uma verba destinada para tal
 fim. Após pensar muito a respeito, pesquisar isso e aquilo,
 Sizenando Capistrano descobre, após a esposa lhe jogar na cara
 um prato de beldroega, que este era o vegetal que procurava!
 Gastou dois anos entre estudos, elaboração do relatório e sua
 publicação. Tudo pronto, vai ao ministro livrar-se da incumbência,
 quando ouve a seguinte resposta: “Mande a papelada para o
 forno de incineração da Casa da Moeda”. “Que queria que e
 fizesse  de cinco mil exemplares de um relatório sobre a
 beldroega?... o mais prático é passar da tipografia ao
 forno”. Diante da estupefação do funcionário que pergunta
 ao Ministro o que faria depois, ouve o seguinte: - Escreva outro
 relatório . – Para ser queimado novamente? – É claro,
 homem!”
 
18. A CRUZ DE OURO
 Dois coronéis do café
 (título recebido por terem atingido 10 mil arrobas de café) se
 encontram e falam sobre suas doenças e seus familiares. Um
 deles conta que a filha está de namoro com um rapaz pobre mas
 de boa família, o outro discorda dizendo que ele é primo de
 Chiquinho, um rapaz que deu um convite para Cruz de Ouro, uma
 prostituta, comparecer a um espetáculo no clube da Recreativa.
 Os dois comentam o absurdo de tal presença num local freqüentado
 por familiares. Ao sair da casa do amigo, o velho coronel se
 dirige à casa de Cruz de Ouro e tem dificuldade de marcar um
 encontro: a agenda dela está cheia, inclusive com o nome do
 outro coronel amigo.
 
19. DE COMO QUEBREI
 A CABEÇA À MULHER DO MELO
 Convidado para jantar em
 casa de amigos, um homem explica que não gosta desse tipo de
 convite porque tem hábitos próprios: comer quando e o que
 deseja à hora que quiser – o que não ocorreria em casa
 alheia, sujeito a horários e a cardápios estranhos. Essa
 recusa nascera de uma fatídica visita à casa de Melo – a
 anfitriã, desejosa de ser muito solícita, vai  colocando
 iguarias no prato do visitante que protesta, mas com grande
 esforço consegue engolir; em dado momento, Melo corta o leitão
 e a esposa espeta um pedaço de carne e se dirige ao seu hóspede
 que não sabe como pegou uma garrafa e acertou-a na cabeça da
 mulher.
 
20. O ESPIÃO ALEMÃO
 Conto que traduz com
 muito humor o espírito anti-germânico predominante no período
 da Primeira Guerra. Itaoca fora palco de um incidente singular;
 uma noite, um estranho vulto, de cabelos ruivos, com um saco às
 costas, provavelmente parte de um disfarce, foi visto na cidade.
 Forma acionadas as autoridades que após inúmeros esforços
 conseguem capturar o inimigo. Este não diz uma palavra
 compreensível, apenas
repete “Ai eme inglix” que na tradução
 do padre local e pessoa mais culta do lugar significava “estou
 com fome”. Levado com escolta para a capital, após
 despedidas, choros e discursos dos que temiam um ataque dos cúmplices
 do espião, a cidade sente-se temerosa, porém participante da
 insana II Guerra Mundial. Até que alguns dias depois chegou um
 telegrama ao chefe de polícia com a seguinte mensagem:
 “Verificamos prisioneiro súdito  inglês. Receios
 complicação diplomática. Guardem reserva grotesco
 incidente”. O coronel José Pedro, não dando  braço a
 torcer, comunicou que recebera um telegrama confidencial “O
 caso é mais grave do que supus”. Assim, passou a história de
 Itacoca a certeza de que aquela cidade fora realmente palco de
 uma ação bélica.
 
21. CAFÉ CAFÉ
 Relato que reproduz o espírito
 do homem da terra obcecado pela monocultura do café. Acostumado
 a vender sua safra por trinta e cinco a quarenta mil réis, não
 aceitava a queda dos preços que chagava a quatro mil réis. Nem
 tampouco aceitava a sugestão de cultivar outro cereal. “O
 homem encolorizava-se e rugia: - Não! Só café! Há de subir
 muito. Sempre foi assim. Só café!” E mantendo-se
 obstinadamente nessa idéia viu suas terras perderem o valor, os
 empregados serem dispensados e as contas levarem parte de sua
 fazenda.
 
22. TOQUE OUTRA
 Sátira de Monteiro
 Lobato ao vazio constante nas salas da cidadezinha de Itaoca,
 preenchidos pelas intermináveis fofocas. Assim, o pedido para
 que uma jovem tocasse piano era um pretexto para as matronas
 “abafando o tom geral da palestra”, afundarem nas conversas
 preferidas: - os criados! Por isso, quando a música terminava,
 gritavam em coro; “Muito bem, sinhazinha, muito bem! Toque
 outra!...
 
23. UM HOMEM DE
 CONSCIÊNCIA
 João Teodoro relembra
 com saudades os bons tempos de Itaoca; “- Isto já foi muito
 melhor... já teve três médicos bem bons; agora só um e bem
 ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para
 um rábula ordinário como Tenório. Nem circo de cavalinho bate
 mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o
 restolho...”Homem pacato e modesto. Honesto e leal, com um
 defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Um dia
 foi nomeado delegado. “Delegado, ele!... Ser delegado numa
 cidadezinha daquelas é coisa seriíssima. Não há cargo mais
 importante”. Diante disso, e para surpresa de todos, foi
 embora da cidade.
 
24. ANTA QUE BERRA
 O major Pedro Falaverdade
 era o maior contador de histórias de caçada “...ele não
 mentia: atrapalhava-se às vezes, confundia uma caça com
 outra...”Seus cachorros eram adestrados e Mozart, o mestre da
 matilha, latia anunciando o tipo de animal que levantara: “Um
 sinal, paca; dois, veado; três, porco; quatro, anta”. Uma vez
 o cachorro latira quatro vezes e o major engatilhou sua
 “Lafourché” à espera da anta que, abatida, “desferiu um
 berro que parecia fim do mundo”. – “Será que anta berra,
 major?” – “Ora, que diabo! Estou confundindo. Não era
 propriamente anta o que eu caçava nesse dia, era um veado!”
 
25. O AVÔ DE
 CRISPIM
 Crispim Paradeda viva
 contando história de seu avô. Este viera de Portugal disfarçado
 de jesuíta, meteu-se pelo interior onde juntou um bom dinheiro
 vendendo “osso de santo e tabuinhas aplainadas por São José”.
 Jogou fora a batina e se instalou em uma propriedade que
 comprara aumentando sua riqueza com a venda de gado. Emprestava
 dinheiro, até que após alguns calotes, resolveu fechar o cofre
 e muito esperto, passou a adotar o seguinte lema: “Perder o
 meu dinheiro não me parece pior, porque, graças a Deus tenho-o
 de sobra. Mas perder um amigo? Isso nunca!”
 
26.ERA NO PARAÍSO
 Uma fábula satirizando a
 formação do universo e a origem do homem, que surgiu de um
 macaco. Este, bateu a cabeça numa pedra ao cair de uma árvore
 e, a partir dessa lesão, começou a ser inteligente, ou seja,
 tornou-se Adão; a macaca Eva “permanecia muda ao lado
 embevecida no macho pensante. Não o compreendia – mas
 admirava-o, imitava-o e obedecia-lhe passivamente”. Juntos
 encontraram uma toca e ficaram donos.
 
27. UM HOMEM
 HONESTO
 Aventura e desventura de
 João Pereira, um homem verdadeiramente honesto; desde jovem
 tinha o caráter firme, casou-se, teve duas filhas e mantinha a
 família à custa de muito trabalho e dignidade. Um dia, de
 volta de uma viagem de primeira classe, paga por um parente que
 não aceitou seu bilhete de segunda, João admirava as vantagens
 e comodidades dos bens aquinhoados da vida: os ricos. Ao descer,
 percebeu que esquecera seu jornal e voltou para pegá-lo quando
 encontrou no chão do vagão, um pacote; apalpando-o percebeu
 que era dinheiro – muito dinheiro. Correu ao chefe da estação
 e, para surpresa dos presentes, entregou a fortuna. O fato foi
 parar nos jornais,, que elogiaram o seu gesto e a sua incrível
 honestidade. Em casa, João deparou com a mulher e as filhas, a
 princípio concordando com sua atitude, sem saber o verdadeiro
 montante do pacote; a saberem, ficaram totalmente transtornadas
 pela loucura do pai – honeeesto! Debochavam de sua cabeça e
 ingenuidade; o mesmo acontecia no escritório, onde os colegas
 passaram a evitá-lo e a referir-se a ele como um coitado.
 Faziam piadas e, ainda a família repetia os risos da vizinhança.
 Não agüentando mais, ao ser chamado de João Trouxa, o último
 homem honesto matou-se com um tiro em seu quarto.
 
28. O RAPTO
 Um médico oftalmologista
 conta a história de um cego, que assim ficara por apanhar muito
 dos três filhos que viviam com ele sem fazer nada para o
 sustento da família. O pai fora um homem de recursos, mas, aos
 poucos vendera tudo até conhecer a miséria total e ainda a
 cegueira. Abandonado pelos filhos, começou a viver da caridade
 alheia, o que lhe dava um certo bem-estar: comida, roupas e até
 chapéus. Humildes, os filhos voltaram porque a situação do
 pai, de agora, era melhor que a de antes. O médico, ao saber
 dos fatos, comovido coma a situação do pobre cego,
 ofereceu-lhe tratamento, por meio de uma cirurgia que lhe
 devolveria a visão. Tudo acertado para o dia seguinte, o médico
 foi à procura do paciente que não aparecera.
E não apareceria
 mais, pois os filhos, temerosos de perderem a ajuda que o pai
 cego recebia e que lhes rendia uma vida boa, raptaram-no.
 
29. A NUVEM DE
 GAFANHOTOS
 Venâncio, funcionário público,
 era apaixonado por agricultura, lia livros e publicações a
 respeito e depois deitava seu conhecimento em todos os lugares
 por que passava. Chegou a se imaginar ministro da agricultura,
 após elogios de um coronel da terra sobre seus conceitos e
 sugestões. Fiel à loteria, cuja a sorte um dia lhe daria a
 oportunidade de Ter uma fazenda modelo para visitação pública,
 foi contemplado com vinte mil réis, com os quais comprou um sítio
 de quinze deixando o restante para ser pago depois. Com cinco
 mil, investiu na compra de matrizes de aves e porcos de raça,
 implementos agrícolas e sementes para transformar a velha terra
 cansada na prosperidade de seus sonhos. Um dia recebeu a carta
 de um parente do Rio, certo de que ele ganhara uns duzentos
 contos, anunciando sua visita com a família e de sobra, mais três
 jovens amigas e duas empregadas – ao todo onze pessoas que ao
 cabo de três meses devoram-lhe o pomar, a horta e se fartaram
 de toda a criação, inclusive as mais novinhas. Desolado, Venâncio
 sonha com uma nuvem de gafanhoto que lhe toma todo o sítio. Após
 a partida do gafanhoto-mor e sua equipe, restou ao sitiante e
 esposa a única saída: voltara para a cidade e à antiga condição
 de funcionário público. Sobre o assunto de agricultura nem se
 interessava mais e se alguém “falava perto dele em pragas da
 lavoura, geada, ferrugem, curuquê ou que seja, sorria
 melancolicamente, murmurando de si para si: - Conheço uma muito
 pior..”
 
30. TRAGÉDIA DE UM
 CAPÃO DE PINTOS
 Neste conto, Monteiro
 Lobato, dá vida aos animais de um sítio, humanizando-os; conta
 a história de um galo-capão que criava aves de ninhadas
 diferentes: tonou-se pai de um peru, de um pito e dum marreco.
 Viu-os crescer e depois serem pratos na mesa dos humanos.
 Tentava decifrar as palavras proferidas pela dona-de-casa:
 “estar no ponto”, “pedindo panela”, e “amanhã temos
 peru” que lhe revelaram a insana intenção de fazer dos seus
 filhos comida apetitosa. Depois desses acontecimentos, tornou-se
 um galo triste e jururu. O negro da fazenda colocou-o para
 aquecer uma ninhada de dez pintos nascidos na véspera; nas
 altas horas abandonou-os ao frio da noite, não queira mais
 exercer a profissão de mãe. “Para quê? – Se têm de
 morrer na cozinha, morram agora enquanto não lhes tenho
 amor.” Os pintinhos amanheceram mortos, entanguidos de frio. E
 o castigo do galo-peva foi a panela, e para espanto e tristeza
 dos outros animais, no fundo da horta, jaziam seus despojos.
 Horríveis. “Um urubu pousado ali perto não pensava assim”.
 
IDÉIA E ESTILO
 Cidades Mortas está
 entre as primeiras obras que correm o país em livro. Seus
 contos ambientam-se em uma cidadezinha do inteiror paulista do
 vale do Paraíba, o que justifica o cunho regionalista de sua
 obra.
 
No entanto, seus
 personagens são típicos brasileiros, envolvidos em situações
 engraçadas, vivendo acontecimentos cômicos que quebram a
 monotonia da vida de Oblivion e Itaoca, cidades onde o tempo
 parou.
 
A intenção do autor
 ao penetrar nessas vidas é fazer uma crítica, embora elegante
 e sutil. Mas, às vezes, é saudosista, quando resgata
 acontecimentos trazidos da sua infância feliz. Alguns contos têm
 desfecho surpreendente, outras questionam valores de moralidade
 e o comportamento na sociedade.
 
Polêmico e criticado
 por suas idéias políticas e culturais, Lobato mostrou-se um
 inovador no plano da linguagem, pois acreditava que a imposição
 das regras contrariava a lei da evolução. “Que é a língua
 dum país? É a mais bela obra coletiva desse país.” Defendia
 a idéia de que não “há lei humana que dirija uma língua,
 porque  língua é fenômeno natural, como a oferta e a
 procura, como o crescimento da crianças, como a 
 senilidade”.
 
Em Cidades Mortas
 nota-se a liberdade de vocabulário, e emprego de expressões
 que caracterizam aquelas cidades como “velha avó
 entrevada”, que “foi rica um dia e hoje é quieta”. São
 “história sobre gente medíocre, sonolenta, vivendo um
 sossego que é como o frio nas regiões árticas: uma
 permanente.”
 
		Em vários contos
 emprega onomatopéias
 “E toca: blem, blem,
 belelém...”
 “- um, dois, três:
 glug! Rodou, esôfago abaixo...”
 “- Dlin, dlin, dlin!...
 está aberta a sessão”
 “Novo psst!”
 “- Logo em seguida, porém,
 toc, toc, toc...”?“
 		Cria palavras e
 expressões – neologismos – 
 “Lucas amou-a em regra
 e sonetou-a inteira dos cabelos aos pés
 “... o promotor fala e
 refala;”
 “... Um manotaço de
 unha na cara...
 “... todo o rodapé dos
 jornais e albertizou-se durante meia hora.
 “...É feia, é
 desengraçada, é inelegante, é magérrima”
 “Diz e rediz.”
 		Emprega gírias e
 palavras da época, e do interior, hoje em desuso.
 “- Mamãe, o carrinho e
 vem vindo!”
 “- Salvam-na a botica
 (a farmácia) e o jogo”.
 “- deitou o sojeito no
 chão”- “o povo pedia o paiaço...”.
 “- os filhos
 vinheram...”
 “- Mas parece que o
 sujeitinho levou tábuas...” (foi recusado)
 “Se ele quiser vinte e
 três mil-réis...”
 “Ela não deseste da
 porca.”
 “É, a tese é
 catita;”
 “Os home! ... não há
 de ter um descansinho na somana?”
 u Faz algumas considerações
 com provérbios
 “Impossível negar as
 vantagens sociais da música”.
 “Ladrão é quem furta
 um, quem pega mil é barão.”
 “O segredo de todas as
 vitórias está em ser um homem do seu tempo...”
 “Cada roca tem seu
 fuso”.
 		Com humor, compõe
 alguns nomes de personagens.
 “Dona Fafá, dona Fifi,
 dona Fufu”.
 “Três filhas: Bibi,
 Babá, Bubu”.
“Só Adão, o macaco
 lesado...”- “Eva, a macaca ilesa,”
 “- Parzinho jeitoso, a
 Miloca e o Lulu, não?”
 Com objetividade,
 clareza, espírito jocoso e pitoresco Monteiro Lobato foi um
 “criador sempre feliz em observar seus personagens caminhando
 com suas próprias pernas, segundo suas próprias cabeças.
 Cidades Mortas é uma fotografia: o real visto pela lente
 lobatiana”.
 Monteiro Lobato - que
 ironia – um escritor de luz própria, independente, arrojado e
 por tanto tempo incompreendido e até mesmo boicotado.
 “? Isso acontece com
 aqueles que, como ele, estão muito à frente de sue tempo”.

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