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ENTRE A DOR E A DELÍCIA DE SER O QUE É: UMA ANÁLISE ERGONÔMICA DA ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO ESCOLAR NA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Letícia Cirqueira de Oliveira1 RESUMO O presente trabalho tem por objetivo analisar, com base na Ergonomia da Atividade, a atuação do psicólogo escolar na Universidade de Brasília, no Serviço de Orientação Universitária (SOU). A importância de se investigar a atuação do psicólogo escolar na universidade, a luz da ergonomia, se faz necessária, pois essa abordagem nos permite olhar para o trabalho real e prescrito do psicólogo, para as suas expectativas em relação a sua atividade, bem como as expectativas da instituição e demais atores; a relação afetiva desses profissionais com seu desempenho: as vivências de bem-estar e/ou mal-estar, as contradições e estratégias individuais e/ou coletivas utilizadas para superá-las. O psicólogo é aquele que toma decisões sobre as melhores formas de agir no seu cotidiano, faz gestão das exigências não se submetendo passivamente sobre elas. Cabe a esse profissional construir, juntamente com a equipe e instituição, valores e modos de atuar, conhecer e discutir as concepções e expectativas, desconstruir representações sociais de uma atuação clínica na escola, em situações de não-adaptação do aluno e problemas de aprendizagem. Este trabalho se justifica pelo fato de ter poucas referências tanto no âmbito da psicologia escolar e atuação no Ensino Superior, quanto na Ergonomia da Atividade. Foi realizado um grupo de discussão com quatro psicólogos e observações no Estágio Supervisionado em Psicologia Escolar, no SOU, na UnB. Palavras-chave: Psicologia Escolar, Atuação do Psicólogo Escolar no Ensino Superior, Ergonomia da Atividade. 1 Aluna de graduação em Psicologia na Universidade de Brasília. E-mail: leticiacirqueira@hotmail.com 2 INTRODUÇÃO Abordagem Ergonômica do Trabalho Diante das transformações no mundo do trabalho, a inserção de novas tecnologias e modos de fazer para garantir a competitividade, as organizações têm buscado oferecer serviços de qualidade e contam com trabalhadores comprometidos com suas crenças, valores e normas. Há uma expectativa tanto da instituição quanto do trabalhador em relação à atividade a ser realizada. Nesse cenário, trabalhadores de um modo geral se deparam cotidianamente com regras, procedimentos, rotinas que tomam a forma, principalmente, de códigos de conduta e de inventário de tarefas (formais e/ou informais). Segundo Mario César Ferreira (2004), a vida em sociedade, da qual a produção econômica é parte integrante, parece ser inseparável da existência de normas formais e informais. Entretanto os comportamentos dos trabalhadores nas situações de trabalho mostram um universo de atividades que transcende aquilo que previamente foi estabelecido pelas tarefas. O exame da inter-relação tarefa-atividade se apresenta, portanto, como um objeto privilegiado para a análise de práticas, valores, crenças que colocam em confronto os modelos de gestão do trabalho e os modos de fazer e pensar dos trabalhadores (Ferreira, 2004). O autor aponta dois conceitos em ergonomia importantes para analisar o contexto de produção de bens e serviços, a saber: 1) definição de uma cultura do trabalho prescrito: “Diferentes serviços da empresa definem, previamente, uma produção, um trabalho, os meios para realizá-los: estes são determinados por meio de regras, de normas e avaliações empíricas”(Daniellou, Laville & Teiger, 1989, citados em Ferreira, 2004) desse modo, o trabalho prescrito é o modo de como uma tarefa deve ser executada, como se utiliza as ferramentas e as máquinas, em determinado espaço de tempo, e como se respeita as ordens. Características: a) caráter reducionista da análise do trabalho em termos de tempo e movimentos, negligenciando o custo cognitivo; b) as características e a diversidade dos trabalhadores não são levadas em consideração, prevalecendo a ideia de trabalhador médio (média aritmética); c) objetividade do tempo, (conceito ilusório já que o tempo 3 pode ser objeto de julgamento), com o passar do tempo há um automatismo e a necessidade de novos ajustamentos; d) fragilidade científica, por se basear no caráter coercitivo da racionalização. Em contrapartida, no trabalho prescrito, a prescrição é um quadro indispensável para que se possa operar a atividade, ou seja, estrutura o modus operandi do trabalho, o que é discutível é uma cultura de prescrição em demasia; 2) definição de uma cultura de trabalho real: o trabalho real implica em uma atividade no qual o sujeito da ação opera em três dimensões independentes- uma relação econômica de compromisso com a produção de bens e serviços, uma relação sócio- profissional com outros sujeitos envolvidos no contexto do trabalho, uma relação consigo mesmo para gerir as necessidades de mudanças que operam no nível do corpo, da razão e do afeto. Nesse sentido o trabalhador não é um mero executante, mas um operador que toma decisões sobre as melhores formas de agir faz gestão das exigências não se submetendo passivamente sobre elas. Ele aprende agindo e adapta seu comportamento às variações ambientais. Estudos evidenciam que a discrepância entre o trabalho real e o trabalho prescrito são geradores de mal-estar nas organizações (Ferreira, 2004). Para tal, os trabalhadores desenvolvem estratégias de mediação individual e coletiva com o objetivo de amenizar os efeitos desse mal-estar. Conforme destaca Ferreira (2002), a Ergonomia tem sido chamada para atender a múltiplas demandas do mundo produtivo como a melhoria das condições materiais e instrumentais de trabalho dos assalariados; a identificação de agentes nocivos à saúde dos trabalhadores; o aprimoramento da competência profissional; transformações na organização sociotécnica do trabalho; os impactos do uso de novas tecnologias; concepção de ambientes de trabalho e produtos de consumo (Ferreira, 2002), muito embora tenha sido uma abordagem que ganhou ao longo dos anos o estereotipo de “cadeirologia”. No geral, a análise do contexto sociotécnico em ergonomia da atividade tem como horizonte conhecer o funcionamento da empresa ou da instituição onde se realiza a intervenção. O objetivo central é identificar os fatores (econômicos, sociais, técnicos, jurídicos) que podem ajudar a compreender ou "decodificar" a situação- problema investigada (Ferreira, 2002). Contexto da Atuação do Psicólogo Escolar no Ensino Superior 4 Segundo Clayse Marinho-Araújo (2009, citado em Corrêa, 2011), a literatura nacional no que se refere à atuação do psicólogo escolar na educação superior é bastante limitada, pois, tradicionalmente, a psicologia escolar tem se ocupado com questões relacionadas ao ensino básico, em especial ao fracasso escolar, atuação e formação do psicólogo escolar. Na literatura internacional, encontram-se trabalhos voltados para a vertente clínica-terapêutica, de acolhimento, de escuta e acompanhamento de estudantes, professores e corpo administrativo da instituição em prol de uma maior efetividade educacional (Corrêa, 2011). Pensando no contexto educacional, com as mudanças ocorridas na Educação Superior no Brasil, passou-se a exigir mais dos profissionais que atuam nessa área, no que tange a atualização e a qualificação, no sentido de prover aos alunos um ensino integral, que atenda às demandas sociais (Corrêa, 2011). A expectativa que se tem em relação à atuação do psicólogo escolar é que o mesmo deva apresentar uma contribuição mais eficaz dentro da variedade de problemas escolares que se apresentam, em especial, aos processos de aprendizagem. O que se tem notado é que as práticas no espaço escolar estão voltadas para a estruturação de programas para alunos com dificuldades e a preparação e treinamento de professores. Historicamente, a função desempenhada por um psicólogo escolar dizia respeito ao fracasso escolar, seguindo uma orientação clínica individual, com elaboração de diagnósticos e tratamento de distúrbios, amparado no paradigma psicopatologizante da educação. Entretanto, com as mudanças sociais e histórico-culturais, a instituição escola ganha outras funções como formação de uma consciência crítica, voltada para o coletivo, conectada com o contexto social e desenvolvimento contínuo dos indivíduos participantes. O antigo modelo de atuação não é mais suficiente para atender a essas demandas. Segundo Jobim e Souza (1991, citados em Serpa e Santos, 2001), o que se espera de um psicólogo escolar hoje é que ele trabalhe aliado ao educador, integrando aprendizado e ensino aos conhecimentos pedagógicos e de desenvolvimento, valorizando a diversidade cultural, bem como divulgando esses conhecimentos para que ocorra o progresso da própria Psicologia Escolar. O psicólogo escolar tem o potencial para fortalecer práticas que priorizem a conscientização, a reflexão, o trabalho coletivo e a ética, bem como mediar a compreensão do sistema educacional e dos processos de aprendizagem pelos indivíduos que nele atuam (Corrêa, 2011); procurando atuar com o corpo docente e discente, assim 5 também junto à coordenação e à equipe técnica, tentando ao máximo conscientizar a realidade da universidade. Sobre a justificativa do trabalho do psicólogo escolar no Ensino Superior, Serpa e Santos (2001) dizem que: Estudos sobre universitários têm apontado para existência de fenômenos, tais como a evasão e a reprovação, entre outros, que requerem atenção especial dos estudiosos da psicologia e áreas afins. Fica evidente que uma instituição de ensino superior não pode contentar-se apenas com o desempenho acadêmico, a freqüência escolar e a formação profissional dos seus estudantes, tendo em vista que é de sua responsabilidade a formação integral do ser humano (Cabrera e cols., 1992; Polydoro,1995 e 2001; Sbardelini, 1997, Almeida, Soares e Ferreira, 1999). A partir dessa afirmação fica claro o papel social do psicólogo frente ao status quo, cabe a ele tomar consciência e entender a dinâmica do que está posto e possibilitar mudanças. Este estudo se justifica no âmbito da produção acadêmica devido ao ainda baixo número de trabalhos publicados sobre a atuação do psicólogo escolar no Ensino Superior. METODOLOGIA Método Foi realizado um grupo de discussão com quatro psicólogos do SOU no campus Darcy Ribeiro, na UnB, gravado em MP3, com duração de 57 minutos; bem como observações de campo, realizadas no estágio supervisionado de psicólogo escolar. A abordagem foi qualitativa dos resultados, vistos a luz da Análise Ergonômica do Trabalho (EAC). Sujeitos Três participantes mulheres (M1, M2 e M3), que fazem parte do quadro de servidores técnicos de nível superior, no cargo de psicólogo escolar da universidade, efetivadas nos anos de 2008 e 2009; e um participante homem (H1), contratado com vínculo celetista desde 2007, no cargo de estagiário técnico. 6 RESULTADOS E DISCUSSÃO 1. Contexto de Produção de Bens e Serviços (CPBS): O contexto de produção de bens e serviços (CPBS) designa o meio físico, instrumental e social onde se realiza a atividade de trabalho. Na pesquisa em questão, o contexto de trabalho analisado foi o Serviço de Orientação ao Universitário, Na Universidade de Brasília. A Universidade de Brasília A Universidade de Brasília (UnB) foi inaugurada em 21 de abril de 1962. Atualmente, possui mais de 2 mil professores, 2.512 servidores e cerca de 28 mil estudantes. É constituída por 25 institutos e faculdades e 25 centros de pesquisa especializados. Oferece 103 cursos de graduação, sendo 24 noturnos e 14 a distância. Os cursos estão divididos em quatro campi espalhados pelo Distrito Federal: Plano Piloto, Planaltina, Ceilândia e Gama. A produção de conhecimento na UnB obedece ao modelo tridimensional de ensino, pesquisa e extensão, o que favorece a uma formação universitária de qualidade, respeitosa com todas as formas de saber e comprometida com a cidadania (Universidade de Brasília, 2011). O Serviço de Orientação ao Universitário O Serviço de Orientação ao Universitário (SOU) iniciou suas atividades em 1987 como uma coordenação pertencente ao Centro de Acompanhamento e Desenvolvimento Educacional (CADE) que fazia parte do Decanato de Ensino e Graduação (DEG). Nesse período tinha como principal função orientar estudantes da UnB e servia como um canal de comunicação entre a administração acadêmica e os alunos de graduação. Além dos atendimentos individuais, eram realizados trabalhos de sensibilização dos coordenadores de curso frente aos problemas dos alunos. Suas atribuições foram regulamentadas pelo AR 640/87, no qual constavam: (a) recepcionar os calouros e identificar suas necessidades e expectativas; (b) identificar obstáculos da estrutura e funcionamento da instituição, informar aos órgãos competentes, solicitando e sugerindo mudanças; (c) programar canais de comunicação entre o corpo discente, docente, técnico-administrativo e a comunidade para favorecer o desenvolvimento de 7 ações integradas; (d) orientação profissional; (e) informação, orientação e apoio a grupos minoritários; (f) orientação e apoio aos alunos estrangeiros. A partir de 1990, o SOU passou a focar os seus trabalhos de modo que a atuação fosse preventiva, devendo identificar os obstáculos da estrutura acadêmica que dificultassem ou impedissem o desenvolvimento e acompanhamento acadêmico do aluno, informando-lhes sobre os órgãos competentes a tomar providências necessárias para resolução de problemas; com a AR 442/90 outros itens foram acrescentados no que se refere à atuação como orientação acadêmica do aluno, integração entre os coordenadores dos cursos e comissões de orientação para criar política conjunta de atendimento ao aluno, fazer encaminhamentos quando necessário. Atualmente, o SOU pertence à Diretoria de Acompanhamento e Integração Acadêmica (DAIA) que faz parte do Decanato de Graduação (DEG), na Universidade de Brasília (Corrêa, 2011). A Equipe A equipe é composta por sete psicólogos (entre eles, uma coordenadora), duas pedagogas, uma técnica em assuntos educacionais, duas estagiárias do curso de psicologia e uma estagiária do curso de pedagogia, no campus Darcy Ribeiro. Uma pedagoga e uma psicóloga no campus da Ceilândia. Uma pedagoga e uma psicóloga no campus do Gama. Um Psicólogo no campus de Planaltina. Totalizando em dez psicólogos, cinco pedagogos e três estagiários. Condições de Trabalho Comparando entre os setores da UnB, alguns consideram que o espaço concedido para realização das atividades no campus Darcy Ribeiro é razoável, tendo em vista que possuem dois banheiros, duas salas de atendimento individual, um espaço com mesa para cinco computadores, geladeira, ventiladores, armário para arquivo e outro espaço de recepção. Entretanto, se comparado as condições ideais o espaço está muito aquém do esperado, as salas de atendimento individual não tem isolamento acústico, o espaço é pequeno e não comporta todos os membros da equipe, de forma que o trabalho é organizado em turnos, dois psicólogos e uma estagiária no diurno, duas psicólogas e uma estagiária no noturno. Organização do trabalho 8 No campus Darcy Ribeiro, a equipe se divide da seguinte forma: dois psicólogos trabalham de 08 horas da manhã até as 12 horas, pausam para o almoço, e das 14 horas às 17h; a outra equipe entra às 15h30min horas e sai às 21h30min horas, contabilizando oito horas diárias e quarenta horas semanais. O SOU funciona de forma ininterrupta. O aluno interessado precisa ligar para marcar o atendimento individual ou comparecer ao local para uma conversa com os psicólogos presentes. No setor não pode ausentar o profissional, quando há algum evento na Universidade, que julgar importante a presença de algum profissional do SOU, a equipe faz revezamento para que todos possam participar. Existem núcleos temáticos de atuação, no qual cada um escolhe a área de mais afinidade para trabalhar e desenvolver projetos, são eles: a) formação de professores; b) orientação profissional; e c) acolhimento a diversidade. Esses núcleos temáticos surgiram de reuniões periódicas entre a equipe, chefia imediata e reuniões intersetoriais. O SOU também forma parcerias com outros setores quando é convocado. 2. Atividade Prescrita do Psicólogo Escolar na UnB O edital para provimentos de cargos para Psicólogo Escolar da Fundação Universidade de Brasília (FUB), nos anos de 2008 e 2009, utilizou como referência a CBO, para descrever as atividades dos servidores psicólogos escolares a serem efetivados, entretanto acrescentaram a atividade de assessorar nas atividades de ensino, pesquisa e extensão. O edital não pontua a diferença das atividades do psicólogo escolar e do psicólogo clínico apesar de serem cargos diferentes. Segundo a Classificação Brasileira de Profissões (CBO), a descrição sumária das atividades dos psicólogos escolares é estudar, pesquisar e avaliar o desenvolvimento emocional e os processos mentais e sociais de indivíduos, grupos e instituições, com a finalidade de análise, tratamento, orientação e educação; diagnosticar e avaliar distúrbios emocionais e mentais e de adaptação social, elucidando conflitos e questões e acompanhando o(s) paciente(s) durante o processo de tratamento ou cura; investigam os fatores inconscientes do comportamento individual e grupal, tornando-os conscientes; desenvolver pesquisas experimentais, teóricas e clínicas e coordenam equipes e atividades de área e afins. De acordo com o sítio da Universidade de Brasília, o SOU se propõem a orientar na transição do ensino médio para o superior, entre elas as de acolhimento e inserção do estudante na UnB e no próprio curso; 9 informar quanto às especificidades do curso como currículo, disciplinas, créditos, tempo de permanência para se formar em um dado curso, seus professores, outros setores de atendimento e apoio ao estudante na UnB, e, ainda, aquelas relativas à sistemática de avaliação adotada na graduação; fazer reflexões quanto aos vínculos e as relações interpessoais que são estabelecidas no decorrer da vida acadêmica; informar sobre normas e procedimentos vigentes na graduação e solicitações delas decorrentes (trancamentos de matrícula, mudança de curso, aproveitamento de créditos, transferência, dupla opção, mínimo de créditos do curso por semestre, tempo máximo de permanência, situação de risco de desligamento, desligamento, reintegração), e dar encaminhamentos; fazer ponte entre a instituição e o aluno, no que se refere à participação em atividades complementares à formação Acadêmica: estágios, bolsas de graduação, mobilidade acadêmica, intercâmbios, monitoria, tutorias, culturais, entre outras; orientar os estudantes nos estudos, por exemplo, o desempenho acadêmico, a elaboração do plano de estudos que contemple as horas extras de estudo nas disciplinas - com o apoio para o desenvolvimento de novas estratégias de estudos, adequadas às exigências e realidade do ensino superior; o acompanhamento individual em momentos de decisões importantes da vida universitária, entre elas as relativas ao acompanhamento e à permanência no curso, à própria escolha do curso, à formatura, ao início da vida profissional; O acompanhamento aos estudantes com necessidades especiais juntamente com o PPNE, o Programa de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais da UnB; o SOU propõem reflexões acerca dos direitos e dos deveres no contexto universitário; bem como orientar em situações de ordem pessoal e familiar que possam interferir nos estudos (problemas de saúde pessoal ou na família, saída da casa dos pais, mudança de cidade, de país, problemas de ordem financeira e de apoio familiar, envolvimento com drogas lícitas e ilícitas); situações dos estudantes trabalhadores e dos estudantes pai e mãe, os estudantes cuidadores; situações outras que possam interferir no acompanhamento regular dos estudos e aproveitamento acadêmico; entre outras. 3. Atividade Real do Psicólogo Escolar na UnB Prevalecem os atendimentos individuais, entretanto a equipe participa de grupos de trabalhos intersetoriais, como suplentes em comissões e colegiados no que tange as decisões referentes a alunos de graduação. São raros os atendimentos aos professores e coordenadores de curso, mas esses, no geral, comparecem para tirar dúvidas com o 10 objetivo de orientar seus alunos. No início de cada semestre são convocados para recepcionar os calouros e ambienta-los na vida acadêmica. São chamados para explicar os direitos e deveres do universitário, bem como as regras de desligamento e reintegração à universidade. Foi consenso entre o grupo que ao chegar à UnB, mesmo com todas as normas prescritas, as atividades a serem executadas não eram muito claras. Alguns apontaram falhas no que tange a ambientação do servidor em termos de estrutura organizacional, serviços prestados pela universidade e a diferenciação de atividades, como exemplificam as falas: “Olha quando eu cheguei, eu esperava encontrar tudo pronto, o que eu tinha que fazer, eu chegaria e cumpria tudo o que me seria demandado... quando eu cheguei, o meu chefe na época não fazia parte da psicologia, ele era um engenheiro, então ele me foi passando algumas demandas de trabalho dele que era nada menos que elaborar o plano político pedagógico do curso de engenharia, e eu não sabia como fazer, eu tinha especialização na área clínica, não sabia nada de escolar, com o tempo eu fui estudar e percebi o quão absurdo era aquela demanda.. A primeira impressão foi bem assustadora, fiquei assim sem chão. Com o tempo fui percebendo que a gente não tinha um trabalho fixo, não tinha uma definição ora a gente fazia atendimentos com os alunos, ora um trabalho em equipe” (M2) “Os cargos de psicólogos, pedagogos e técnicos em assuntos educacionais são a mesma coisa ou se complementam? Se não sabemos, não temos regras, cada um decide por si só o que fazer e vai associando o serviço a várias funções, vários trabalhos sem nenhuma reflexão crítica? Precisamos definir as atividades e competências do serviço e dentro disso como será a participação de cada profissional do SOU” (M1) 11 “Eu diria que o nosso trabalho é algo muito novo, não existe um padrão, ainda está sendo construído e mistura muita coisa como psicologia escolar, clínica, psicologia do trabalho e assim vai. Eu trabalho com outros setores da UnB, na verdade, grupos de trabalho como a INT, que é a assessoria internacional, voltado para o atendimento desses alunos também, junto com as reuniões de trabalho do PROMISAES, que é uma bolsa que o Brasil fornece aos melhores alunos (estrangeiros), tem uma série de critérios para isso e eu participo dessa comissão que avalia isso. Um GT que reúne periodicamente, que é responsável por quantificar esses alunos, criar metodologias para avaliar, julgar cada caso junto ao MEC.” (H1) Em todas as atividades acima mencionadas, os psicólogos aprendem na sua realidade prática, com a interação com o ambiente de trabalho. As resoluções existentes na UnB não falam especificamente como o psicólogo escolar deva atuar, no geral, ele fica com atribuições mais burocráticas, participando de Grupos de Trabalho, elaborando planilhas estatísticas de atendimentos por semestre, além dos atendimentos aos alunos em situação de risco acadêmico, que, aliás, o orientador pedagogo também realiza essa atividade. O que gera muita preocupação, clima de insegurança e ansiedade, principalmente em termos éticos sobre o compartilhamento de informações sobre o aluno, exposto no atendimento individual, como exemplifica a fala de M1 e H1: “Eu fico preocupada e penso que deveríamos ter um sistema integrado intracampos com acesso restrito no que se refere aos registros de atendimento e geração de relatório, se a gente pensar nos computadores do SOU partilhados em rede, devemos verificar no CRP como devem ser feitos esses registros e compartilhamento dos mesmos numa equipe interdisciplinar” (M1). “Algumas informações aqui eu não passo, só para nossa coordenadora que é psicóloga, mas tem questões que devemos manter sigilo e simplesmente não dá para fornecer 12 a outros profissionais. Eu sempre guardo comigo os meus relatórios. Procuro me resguardar. Se o CRP vier aqui eu nem sei.” (H1) 4. Custo Humano do Trabalho (CH) e Estratégias de Mediação Individual e Coletiva (EMC ) O que foi observado em relação ao custo humano do trabalho no SOU é que as atividades desempenhadas geram descontentamento por parte dos psicólogos, pois a forma como o trabalho é estruturado e os valores da Psicologia Escolar enquanto área de atuação parece haver uma contradição. O que se pode perceber é que a dimensão afetiva e cognitiva do psicólogo que atua no SOU é o que mais demanda custo humano para o desempenho de tais atividades. Segue a fala de M1: “No SOU, apresenta muitas dificuldades... e possibilidades também, é difícil encontrar e entender brechas em um cargo institucionalizado, nessa estrutura controladora, burocratizada, demasiadamente hierarquizada, de repetição e reprodução para provocar mudanças, potencializar instâncias produtivas não institucionalizadas. Enfim muitas vezes é necessário ser clandestino e infiltrado” (M1). Esse agir “clandestino” e “infiltrado” é uma estratégia utilizada por eles para diminuir esse mal-estar. “O que é a universidade? É uma instituição educativa? O conhecimento é transmitido, reproduzido, é construído? O que percebemos é uma lógica do capitalismo que acaba por afetar as relações, as atividades e a postura da universidade. Quem sabe mais é quem produz mais e, portanto é mais valorizado, a exemplo temos a CAPES, como conseqüência, temos a especialização dos saberes e 13 divisão social do trabalho. De algum modo a universidade está mantendo o status quo a medida que não discutimos sobre nós mesmos e apenas construímos conhecimentos para os outros, para fora. O que se percebe é uma dualização entre a teoria e a prática. Entendo minha função aqui relacionada a própria história da UnB, com o seu ideal”... “Temos necessidade de projetar nossa atuação, criar utopias ligadas a utopias maiores de educação e universidade e sociedade, utopia essa que não advém de uma inovação, mas talvez do resgate do antigo, do ancestral” (M1). Na fala supracitada, percebe-se um forte teor político no que se refere à atuação do psicólogo escolar, mas ao ver da psicóloga, existe uma grande contradição da universidade no que se refere às práticas cotidianas, uma distância entre teoria e prática como bem relatou. Em contrapartida, a resolução dos problemas dos alunos e o reconhecimento dos mesmos e dos pares pelo desempenho, bem como o contato com esses estudantes na recepção dos calouros é fator de bem-estar para os psicólogos do SOU. Segue a fala de M2 que expressa bastante satisfação em realizar o seu trabalho: “Eu acho gratificante quando você pode ajudar a pessoa, quando você ver uma situação que você recebeu e chegar ao fim daquela situação, resolveu e a pessoa ficou bem, isso daí não tem preço. È o que reacende as nossas esperanças, expectativas, faz a gente sair de um dia aborrecido e triste e ficar muito feliz porque o aluno realmente resolveu o seu problema que tava incomodando muito. Acompanhar esse processo de uma situação muito ruim, muito problemática, e ver aos poucos tudo sendo resolvido, de repente encontrar uma solução que eles também trazem, que ele foi construindo. Isso realmente é gratificante”. (M2) 14 CONCLUSÃO A insegurança diante de atividades não muito claras ou demandas muito discrepantes da realidade do psicólogo escolar; o descontentamento por não atuar como acredita que poderia, faz com que o psicólogo escolar na UnB tenha um alto custo humano ao realizar o seu trabalho, principalmente no que se refere à dimensão afetiva. A “dor” por não realizar seu papel de forma plena e ver tão de perto, nas relações cotidianas, o quanto na universidade existem processos de ação contraditórios e excludentes; o sentimento de que poderia ser mais aproveitado no seu trabalho, de que existe a capacidade de um engajamento político e compromissado com a cidadania, mas que, no entanto esse potencial é pouco explorado, esses fatores geram mal-estar. Por outro lado, a “delícia” de se ter uma postura ativa, e a possibilidade, ainda que pequena, de gerar demandas e não só esperar por elas tem sido a bandeira de alguns profissionais no SOU. A alegria de resolver um problema e o reconhecimento por parte dos pares e dos alunos; um pequeno movimento de contestação e reflexão que geram mudanças positivas são fatores que geram bem-estar e mantém um sentimento de esperança no grupo. Muitas são as estratégias desenvolvidas por eles para contornar as situações- problema do seu dia-a-dia, desde a criação de projetos que abrem espaços para a cidadania, responsabilidade social e compromisso para uma universidade mais acolhedora. O psicólogo é aquele que toma decisões sobre as melhores formas de agir no seu cotidiano, faz gestão das exigências não se submetendo passivamente sobre elas. Cabe a esse profissional construir, juntamente com a equipe/instituição, valores e modos de atuar, conhecer e discutir as concepções e expectativas, desconstruir representações sociais de uma atuação clínica na escola, em situações de não-adaptação do aluno e problemas de aprendizagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (2011). Concurso FUB 2009. Disponível em http://www.cespe.unb.br/concursos/FUB2009/arquivos/ED_1_2009_FUB_ABERTUR A_FINAL2.PDF. Acessado em 05/05/2011. 15 Corrêa, J. R. A. N. (2011). Psicologia escolar e educação superior: investigação em uma faculdade de engenharia. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília. Brasília. Ferreira, M. C. (2002). O sujeito forja o ambiente, o ambiente “forja” o sujeito: inter- relação indivíduo-ambiente em Ergonomia da Atividade. In: FERREIRA, M. C.; ROSSO, S. D. (Orgs.). A regulação social do trabalho. Brasília: Paralelo 15, 2003. p. 21-46. Brasília. Ferreira, M. C. (2004). Bem-estar: equilíbrio entre a Cultura do Trabalho Prescrito e a Cultura do Trabalho Real. In: A. Tamayo (org.) Cultura e Saúde nas Organizações. Ed. Artimed, pp 181-207. São Paulo, SP. Ferreira, M. C. (2008). 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