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1 CIÊNCIA POLÍTICA AULA 14 CIÊNCIA POLÍTICA AULA1 AULA 14 TEMA: O conceito de nação. Os anseios identitários. O conceito de multiculturalismo. AULA AULA 14 Compreender categorias e conceitos fundamentais ao fenômeno jurídico-político. Analisar as estruturas e as articulações do discurso político na pós modernidade pelas categorias e conceitos de nação, multiculturalismo, Direitos Humanos e globalização. Estimular a utilização de raciocínio jurídico-político, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica, elementos essenciais à construção do perfil do profissional do Direito. OBJETIVOS: AULA 1 AULA 14 AULA 1AULA 14 13. As categorias do campo político: nação, multiculturalismo, Direitos Humanos e globalização. 13.1. O conceito de nação. Nação é uma realidade sociológica. Ela significa um grupamento humano que divida os mesmos valores étnicos, linguísticos, religiosos, de consciência social, de costumes etc. AULA 1AULA 14 13.2. Os anseios identitários. Paulo RANGEL situa as sociedades contemporâneas, principalmente as ocidentais, como fruto da globalização e da medievalização do poder. Esse novo quadro político mundial marca “a nova coisa política (...) pela pluralidade, heterogeneidade e alta diferenciação dos actores políticos, com um nítido e acentuado enfraquecimento — uma relativização — dos poderes estaduais (aquilo a que, por vezes, se tem chamado, tant bien que mal, a ‘medievalização do poder’). Sobre o enfraquecimento do poder estatal: “Essa diferenciação de forças políticas e o tecido resultante da sua imbricação recordam inapelavelmente o mundo político medieval, a sua estrutural diversidade e a sua condição radicalmente interdependente”. RANGEL, Paulo de Castro. Diversidade, Solidariedade e Segurança (notas em redor de um novo programa constitucional). Disponível em www.ao.pt/genericos/detalheArtigo.asp Novembro de 2003. Acesso em 22 de novembro de 2004. AULA 1AULA 14 13.3. O conceito de multiculturalismo. “O pluralismo de opiniões, organizações e partidos, na mídia, para a composição de vários órgãos que exercitam a supervisão de funções, desde há muito parecia constituir uma condição tanto necessária quanto suficiente para gerar resultados normativos cuja realização pudesse ser aceita como bem comum. (...) Mas, no contexto de novas demandas de diversidade, não mais direcionadas à síntese de um (todo) universal, e sim, ao invés, à possibilidade de coexistência de uma multiplicidade de particularidades freqüentemente incompatíveis, essas pressuposições não mais obtêm efetividade, ou, no mínimo, esta se encontra profundamente minada.” DENNINGER, Erhard. Segurança, Diversidade e Solidariedade ao invés de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. In Revista Brasileira de Estudos Políticos, vol.88, dezembro de 2003, p.32. AULA 1AULA 14 Caso Concreto Tema: Igualdade e Multiculturalismo Leia o texto a seguir, atentamente, e faça uma dissertação associando os conceitos de igualdade, multiculturalismo e identidades. Tema: Igualdade, multiculturalismo e identidades. Supremo Tribunal Federal e Sociedade Brasileira: legitimando a desigualdade jurídica ou a diferença? Profª. Drª. Fernanda Duarte A pesquisa explora a hipótese de que as desigualdades que marcam a cultura brasileira também se reproduzem no ordenamento jurídico. Tal se evidencia na tentativa de aproximar duas lógicas paradoxais: a que regula a desigualdade social e a que regula a igualdade jurídica. No Brasil, no plano do discurso jurídico, as desigualdades jurídicas não são admitidas, porém se tornam objeto de discursos "naturalizados", quando acompanhadas de justificativas que remetam à idéia de diferença, disputando legitimação no campo jurídico. A pesquisa buscará explicitar o significado das categorias igualdade e diferença, no contexto de decisões do Supremo Tribunal Federal, chamando atenção para dois aspectos: AULA 1AULA 14 1) ausência de consenso mínimo sobre o reconhecimento dos elementos justificadores do tratamento diferenciado - o que implica desigualdade " retoricamente atualizada" em diferença; 2) o paradoxo gerado pela lógica do contraditório que controla as decisões judiciais. Utiliza-se o levantamento jurisprudencial das decisões, no sítio do STF, por intermédio de filtros de refinamento de busca, para posterior análise dos casos concretos. Pretende- se oferecer outros elementos que ajudem na compreensão da problemática das relações entre este tribunal maior - guardião da Constituição - e a sociedade brasileira. AULA 1AULA 14 1. A IDÉIA DE IGUALDADE E SEUS IMPASSES POLÍTICO- FILOSÓFICOS A questão da igualdade ou de sua falta tem atormentado o homem, desde tempos muito antigos. O problema das desigualdades internas, inerentes ao ser humano, bem como o problema das desigualdades externas têm fornecido material para reflexão e investigação, nas mais diversas áreas do conhecimento humano. E, inclusive, gerado visões de mundo da mesma forma diferentes, que repercutem em organização social e sistemas políticos distintos. Muitas são as questões teóricas e práticas suscitadas pela temática[1]. À guisa de exemplo, pode-se arrolar: a dificuldade conceitual; a necessidade de um juízo de comparação para a compreensão de seu significado; as relações entre igualdade e diferença; o papel desempenhado pela igualdade no Estado Democrático de Direito, entre outros mais. AULA 1AULA 14 No que toca ao problema conceitual, percebe-se que a igualdade não apresenta uma definição clara de seu conteúdo. Carecendo de uma dimensão substantiva, sua negação não implica necessariamente violação[2], e muitas vezes ela própria é confundida com outros valores, como a justiça e a liberdade, daí resulta a multiplicidade de classificações da igualdade, conforme os valores dos quais se aproxime[3]. Essa imprecisão conceitual se potencializa quando a inteligibilidade da igualdade se veicula em um juízo de comparação[4]. Desta forma, precisar a noção de igualdade pressupõe o enfrentamento de três questionamentos básicos: “igualdade para quem?; igualdade para quê?; igualdade de quê?”. Essas indagações, ao definir seu conteúdo e alcance, permitem uma avaliação do quanto de eficácia/concretização se dispensa ao valor. Assim, percebe-se que a questão também é essencialmente relacional já que a igualdade só pode ser compreendida em comparação intersubjetiva - o que lhe acrescenta novos desafios. Nesse sentido Amartya Sem[5] adverte que para se falar sobre a igualdade deve-se de plano definir os critérios (aos quais denomina “variável focal”) que informam a comparação. AULA 1AULA 14 Já a problemática da igualdade e da diferença se traduz, especialmente, no debate multiculturalista[6]. E remete a outras indagações, que partem desde posições radicais antagônicas (nas quais os valores praticamente se excluem, sendo necessária a opção por um deles em detrimento do outro) até posições de conciliação (que pretendem articular ambos os valores). Boaventura de Souza Santos bem evidencia essa tensão: “temos direito a reivindicar a igualdade sempre que a diferença nos inferioriza e temos direito de reivindicar a diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza”[7]. AULA 1AULA 14 Por outro lado, a igualdade é considerada como o elemento central do Estado Democrático de Direito, funcionando como um eixo da própria legitimidade do direito e como requisito essencial para uma prática jurídica discursiva[8]. Enfim, a transposição da problemática da igualdade para o universo jurídico também revela esses embates. Porém, pode-se pretender uma sistematização de algumas das questões postas pela comunidade jurídica, a fim de se estabelecer elementos que facilitem uma melhor compreensão do problema. AULA 1AULA 14 2. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA ESFERA JURÍDICA 2.1 Origem histórica É na Revolução Francesa que se formaliza a idéia jurídica de igualdade (também conhecida por isonomia), inserta no art. 1° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789[9]. Posteriormente, com o movimento constitucionalista que grassou o mundo, modelado pela Constituição Norte-Americana de 1791[10], o ideal de igualdade tomou lugar cativo nas Constituições modernas. AULA 1AULA 14 Na visão de Castro, com o ideário francês revolucionário, nascia no plano jurídico-positivo poderoso instrumento de reação contra os privilégios pessoais e contra a hierarquização das classes sociais, que se manifestava desde a Antiguidade até o Renascimento, ao mesmo tempo, em que nascia também a fonte inesgotável de argumentos para o ideário igualitarista, que após a 2° metade do século XIX “incendeia a história do pensamento político-econômico, espalhando até os nossos dias suas centelhas cada vez mais acesas”[11]. No que diz respeito à realidade brasileira, é na primeira Constituição Republicana, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, que se fez introduzir o princípio da isonomia, em nosso ordenamento, como simples vedação formal a privilégios individuais[12]. As demais Constituições AULA 1AULA 14 repetiram o preceito, sendo que o mesmo passa a ter uma outra envergadura com a Constituição de 1988. 2.2 Igualdade formal e Igualdade material O debate clássico sobre esse tema apresenta uma dupla leitura sobre a igualdade: a igualdade formal e a igualdade material - também denominada de igualdade substantiva ou substancial. AULA 1AULA 14 A idéia de igualdade formal que hoje se veicula apresenta claros contornos liberais, ainda reproduzindo concepções oitocentistas, recorrentes no direito continental. Em geral associada à dicção igualdade jurídica, determina que “todos merecem a mesma proteção da lei”, proibindo que “se crie tratamento diverso para idênticas ou assemelhadas situações de fato”[13] . Seu escopo é a esfera normativa que não pode se tornar fonte de privilégios, impondo para tanto tratamento uniforme perante a lei e vedando tratamento desigual aos iguais. AULA 1AULA 14 Já a igualdade material, em termos gerais, é aquela que assegura o tratamento uniforme de todos os homens, resultando em igualdade real e efetiva de todos, perante todos os bens da vida. Denninger, ao discorrer sobre a igualdade material, propondo a superação da clássica tríade liberdade, igualdade e fraternidade, fala de um “novo desejo de diversidade” que deverá assegurar o estabelecimento de “iguais condições de fato”, para que se possa “fazer uso de um direito fundamental” e propõe o estabelecimento de uma “igualdade no valor das condições de vida”[14]. Trata-se assim da realização de uma diversidade cultural, religiosa, étnica e ideológica que contemple as “necessidades especiais” das minorias. AULA 1AULA 14 Entretanto, apesar da forte carga humanitária e idealista que essa igualdade traz consigo, até hoje, a experiência histórica das sociedades humanas, não logrou sua realização plena. Muitos são os fatores, aos quais se pode atribuir a inviabilidade prática da igualdade material plena: a natureza física do homem, ora frágil, ora forte; a multiplicidade da estrutura psicológica humana, ora tendente à dominação, ora voltada para a submissão; e as próprias estruturas políticas e sociais adotadas, que muitas das vezes, tendem a consolidar ou mesmo exacerbar as diferenças, ao invés de neutralizá-las ou ainda atenuá-las. Porém, tal desafio não alijou o ideal da igualdade material. Numa vertente mais factível, constrói-se o debate a partir da idéia de igualdade de oportunidades - que tem se colocado no centro de um acalorado debate contemporâneo, especialmente nos Estados Unidos da América do Norte, gerando inclusive as chamadas políticas de ação afirmativa[15]. AULA 1AULA 14 Com essa inspiração, nas democracias ocidentais, com contornos de Estado do Bem Estar Social, o princípio da igualdade material passa a ter assento nas Constituições. É justamente na disciplina da ordem social, cristalizando aqueles direitos chamados de segunda geração, eis que buscam assegurar o acesso de todo o povo a determinados bens - como a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a previdência e assistência sociais – que vislumbra-se a clara iniciativa de trazer entre as pessoas maior igualdade material, ainda que a eficácia social de tais normas seja passível de críticas já que os direitos que consagram estão previstos nas chamadas normas programáticas. AULA 1AULA 14 O conflito entre essas duas leituras tem sido tema recorrente na literatura política e reverbera na discussão jurídica do tema, lançando o desafio: “como compatibilizar essas duas dimensões da igualdade?” 2.3 Igualdade na lei e igualdade perante a lei Superada a distinção que a doutrina faz entre igualdade material e igualdade formal, há uma outra a ser examinada: ao se tratar do tema isonômico, na sua vertente formal, fala- se ainda em igualdade perante a lei e igualdade na lei. A igualdade perante a lei tem por destinatário exclusivo o aplicador da lei, isto é, a igualdade há de ser observada mormente pelo juiz e pelo administrador, ao fazer incidir a lei em uniformidade para todos. AULA 1AULA 14 Entretanto, o princípio tem uma outra significação, que vincula especialmente o legislador, daí dizer-se igualdade na lei, pois o tratamento a ser erigido pela norma deve também atentar para a fixação de parâmetros igualitários. Registre-se que a doutrina não é unânime quanto à necessidade e utilidade dessa distinção. Para José Afonso da Silva, eventualmente, ela até se manifestaria útil no direito estrangeiro, mas absolutamente inútil e desvantajosa no sistema brasileiro, “[...] porque a doutrina como a jurisprudência já firmaram, há muito, a orientação de que a igualdade perante a lei tem o sentido que, no exterior, se dá à expressão igualdade na lei, ou seja: o princípio tem como destinatário tanto o legislador como os aplicadores da lei”[16]. AULA 1AULA 14 Com efeito, apesar das divergências apontadas, as mesmas se revelam mais como distinções retóricas, já que em ambas se verificam, de uma forma ou de outra, como destinatários do princípio da isonomia, quer aqueles que aplicam a lei, quer aqueles que as criam, havendo pois uma dupla destinação do comando, que assegura a vedação de concessão de privilégios a uns em detrimento de outros (isonomia na elaboração da lei), bem como uma aplicação igual para todos. 2.4 Igualdade e tratamento diferenciado Discute-se aqui a possibilidade constitucional de tratamento legal diferenciado. Deve-se ressaltar que o princípio igualdade não exige tratamento idêntico, em quaisquer circunstâncias, para todas as pessoas. Ele guarda uma dupla diretriz: a determinação para tratamento igual, se não houver autorização constitucional para tratamento diferenciado; e a exigência de tratamento diferenciado se a situação das pessoas envolvidas for essencialmente distinta. Portanto, o princípio constitucional da isonomia pressupõe um dever de igualdade para o Poder Público, desdobrando-se em tratamento igualitário se as situações consideradas apresentarem circunstâncias iguais e autorizando tratamento diferenciado, se as situações forem diversas. AULA 1AULA 14 Já que as leis, sob o aspecto funcional, nada mais fazem do que classificar situações, discriminado-as, para submetê-las à disciplina destas ou daquelas regras é preciso indagar quais as discriminações juridicamente intoleráveis e quais as que têm abrigo no ordenamento jurídico, a fim de apurar a inconstitucionalidade (ou não) da medida perante o princípio. Isto é, a constitucionalidade do discrímen adotado fica condicionada a um “teste” de razoabilidade, onde a mesma assume feições de parâmetro e não de uma medida em si. Desta forma, o princípio da razoabilidade é utilizado com o intuito de aferir se as distinções de tratamento, considerando o resultado perseguido, são ou não compatíveis com a igualdade. AULA 1AULA 14 Celso Antônio Bandeira de Mello, um dos pioneiros a abordar o tema da igualdade sobre o prisma do tratamento diferenciado, apresenta uma sistematização[17] exemplificativa das hipóteses em que há a violação à norma isonômica: “I - A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada. II - A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fator “tempo” - que não descansa no objeto - como critério diferencial. AULA 1AULA 14 III - A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados. IV - A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente. v - A interpretação da norma extrai dela distinções, discrimens, desequiparações que não foram professadamente assumidos por ela de modo claro, ainda que por via implícita”[18]. AULA 1AULA 14 Não havendo, portanto, uma justificativa razoável para a adoção de tratamento diferenciado, tem-se configurada uma inconstitucionalidade por violação ao princípio da isonomia. É importante registrar também a relação entre igualdade e discriminações odiosas. Apesar da possibilidade de tratamento diferenciado, há determinados fatores de desigualação que, em princípio, seriam repudiados, padecendo de presunção relativa de inconstitucionalidade. Esses fatores são conhecidos como discriminações odiosas e podem ser associados à vedação contida no inciso IV, art. 3o. da Constituição. E diz a doutrina que uma discriminação odiosa pode ser configurada quando se “[...] adota como critério diferenciativo um dado da natureza independente e indeterminável pela vontade humana, a exemplo de raça, sexo, filiação, nacionalidade, etc., determinado pelo simples fato do nascimento, ou então, quando a discriminação legislativa interfere com direitos considerados fundamentais, e por isso mesmo assegurados de modo explícito ou implícito na Constituição”[19]. AULA 1AULA 14 Em síntese, os critérios que norteiam a adoção de tratamento legal diferenciado devem observar três diretrizes básicas: a) determinação constitucional para tratamento igual, se não houver autorização constitucional para a adoção de tratamento diferenciado ; b) a exigência de tratamento diferenciado pressupõe a existência de situações essencialmente diferentes; c) o discrímen adotado deve se revelar em harmonia com a totalidade da ordem constitucional, isto é, o princípio da isonomia traz a autorização para que o Estado erija tratamento desigual desde que o faça justificadamente, considerada a ordem de valores constitucionais vigentes. AULA 1AULA 14 Entretanto, a questão não se resolve facilmente, pois há um paradoxo a ser equacionado. Se a falta de determinação semântica do valor de igualdade o sujeita a várias críticas que acabam por obscurecer e questionar a legitimidade do esforço de racionalização da atividade jurisidicional exercida nos casos envolvendo o princípio da igualdade; percebe-se também que a caracterização da violação ao princípio deverá ser criteriosamente examinada à luz do caso concreto apresentado. Assim, critérios apriorísiticos se limitam a tracejar os indícios de potencial agressão, que se evidenciará ou não, após a efetiva avaliação do tratamento legal escolhido e suas conseqüências perante o ordenamento constitucional, ressaltando-se, a relevância da sensibilidade constitucional e atividade a ser desempenhada pelo intérprete e aplicador da norma questionada, bem como a importância dos argumentos apresentados para o processo de decisão judicial. AULA 1AULA 14 2.5 A Igualdade na Constituição Brasileira de 1988 Ao se falar do princípio da igualdade, buscando lhe dar uma maior concreção e densidade, é importante estabelecer uma relação direta com uma determina ordem constitucional. No particular, nos interessa a ordem constitucional inaugurada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Levando-se em conta as considerações traçadas anteriormente sobre a distinção entre igualdade material e igualdade formal (esta como igualdade na lei e perante a lei), pode-se afirmar que desde suas primeiras manifestações a doutrina brasileira, de uma forma geral, tem entendido que o princípio constitucional da isonomia estabelece tão só a exigência de igualdade formal , já que nem sempre a igualdade material se mostra acessível e viável. AULA 1AULA 14 Entretanto, se é verdade que essa concepção jurídica e limitada da igualdade constitucional como sinônimo de igualdade formal impregnou todo o mundo liberal da época moderna e contemporânea, imprimindo marcas, até nossos dias, na mentalidade constitucionalista no Ocidente, o princípio constitucional da igualdade não se exaure na fórmula liberal. Sua própria inserção, no corpo dos documentos constitucionais, evidencia outra dimensão possível do princípio da igualdade. A nossa Carta vigente, acompanhando diversas Constituições do Pós-45[20], com expressões formuladas variadas, consagra a preocupação de garantir as condições de uma efetiva igualdade. Daí é possível se apontar esquemas normativos, jurisprudenciais e doutrinários que se rebelam contra a visão meramente formal da igualdade constitucional, desenvolvendo esforços para ampliar o seu sentido, de modo a utilizar o princípio da isonomia como instrumento jurídico de promoção da justiça social[21]. AULA 1AULA 14 De fato, uma leitura esparsa e assistemática da redação do caput do art. 5°, que estabelece de plano que todos são iguais perante a lei, poderia levar à conclusão de que este fosse o único dispositivo constitucional a tratar do tema, exaurindo-o, na expressão da igualdade formal. Entretanto, o princípio da isonomia tem assento em outros dispositivos – inclusive qualificados pelo Constituinte de 1988, como princípios fundamentais do Estado brasileiro – que encarnam a magnitude do preceito, em sua dimensão real. AULA 1AULA 14 Tratam-se, mais amiúde, dos incisos, I, III e IV do art. 3° que compromissam o Estado Brasileiro com a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos. Com a redação dos dispositivos mencionados de nossa Carta de 88, sendo a igualdade considerada como norma principiológica, abrem-se assim novas luzes para o tema, vez que além da clássica visão da igualdade constitucional como igualdade jurídica (no sentido de igualdade formal), há a dimensão da igualdade material que impõe reconhecimento. Por outro lado, para além das cláusulas gerais de igualdade, há ainda uma série de normas constitucionais que derivam diretamente do princípio da igualdade e que imprimem as diretrizes de determinadas relações jurídicas. AULA 1AULA 14 A título ilustrativo, em ordem cronológica, pode-se indicar: a vedação de distinção em razão de origem, raça, sexo, cor , idade, credo e quaisquer outras formas de discriminação (art.3°, IV); a igualdade de gênero ( art. 5º, I ); entre o cidadão e a lei penal (art. 5°, caput) a igualdade jurisdicional (art. 5°, XXXVII, LIII, LIV, LXXIV) a igualdade nas relações trabalhistas (art. 7°, XXX e XXXIV) ; a igualdade entre brasileiros natos e naturalizados (art.12, § 2°); idêntico valor do voto (art.14, caput); a igualdade de acesso ao serviço público (art. 37, I ,II e VIII); isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas do serviço público (art. 39); entre o Fisco e o contribuinte (arts. 145, §1° e 150,II); a justiça social como diretriz para a ordem econômica e para ordem social (art, 170, VII e art. 193, respectivamente); a universalidade da prestação dos serviços da seguridade social (art. 194 e art. 196); a igualdade na educação (art. 205 e 206, I e III); igual valor e proteção às manifestações culturais (art.215, §1°);e a igualdade nas relações familiares (art. 226, §§2° e 5° e art. 227, § 6°). AULA 1AULA 14 Vê-se, pois, que o princípio da igualdade se estende por toda a ordem constitucional, revelando-se a trama sobre a qual deve ser tecida uma cidadania efetiva, ajustada aos ditames do Estado Democrático de Direito. 2.6 A Igualdade e o Supremo Tribunal Federal Observando-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria de igualdade, dois aspectos chamam atenção: a adoção do teste da razoabilidade e problemática do legislador positivo. Sem muita sofisticação, o STF tem dado mostras de sufragar a razoabilidade como parâmetro de aferição da igualdade e apenas admitindo a adoção normativa de tratamento diferenciado quando houver uma justificativa constitucionalmente adequada que autorize sua adoção, como se depreende de uma série de julgamentos da Corte, em especial, RExt. 161.243-6/DF, Adin 598-DF e Adin 978- PB. AULA 1AULA 14 No particular, o verbete da súmula 683 é bastante significativo: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”. Quanto à problemática do legislador positivo, o entendimento adotado pelo STF é clássico. Para nossa Corte, em matéria de violações à igualdade, por inserção indevida de destinatários da norma , o Judiciário deve funcionar como legislador negativo, retirando a eficácia da norma viciada e, portanto, corrigindo o rol seus destinatários. Porém, quando de tratar de situação inversa, isto é, quando houver exclusão indevida de pessoas daquela tutela normativa, nada lhe compete fazer, sendo-lhe vedado, num movimento de inclusão, estender o âmbito de proteção legal àqueles que foram indevidamente deixados de lado[22]. O STF não admite nessa hipótese, uma atuação de correção/supressão das omissões legislativas que acabam por repercutir em violação ao princípio da igualdade . Nesta hipótese, se admitida a intervenção do juiz , este atuaria como se legislador fosse (daí se falar em legislador positivo), o que violaria o princípio basilar da separação de poderes. O verbete da súmula 339 é taxativo a esse respeito: “Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”. AULA 1AULA 14 Embora consagrado em sede pretoriana, o referido entendimento se coloca como um verdadeiro óbice para a implementação do princípio constitucional da igualdade, em sua vertente material, implicando inclusive na fragilização da atividade de concretização judicial da norma constitucional. De certa feita, abdica da grandeza do papel do Judiciário como guardião dos direitos fundamentais. E, sob o manto de que é indevida a inserção judicial no âmbito legislativo, para suprir omissões, o Judiciário deixa de atuar como órgão de inclusão social. AULA 1AULA 14 2.7 A igualdade e a Suprema Corte-Norte Americana A questão da igualdade é tratada pela Suprema Corte em termos de categorizações prévias, e no particular, duas são as figuras que se sobressaem: o sistema de classe e as classificações suspeitas. Foi em no famoso caso United States v. Carolene Products, de 1938, que se inaugurou o sistema de classes e que, ao longo do tempo, vem sendo construído pela Suprema Corte, como um esquema racional de categorias apriorísticas que se prestam a caracterizar as violações ao princípio da igualdade. A Corte desenvolveu duas abordagens complementares que se implicam e determinam mutuamente: a) uma relacionada ao grau de rigor do escrutínio, da análise, do exame, do controle da constitucionalidade (scrutiny), ao qual deverá ser submetido o critério classificatório, isto é, o discrímen; b) outra diz respeito ao tipo de classificação, categoria, discrímen; (classification) utilizado pela norma. AULA 1AULA 14 O scrutiny pode desenvolver-se em três graus: strict scrutiny; intermediate (heightend ou semisuspect) scrutiny; e minimum (ordinary) scrutiny. E sempre considera a relação entre a pertinência do critério e o peso do interesse público em jogo. É a finalidade do ato normativo, e não seus efeitos, que deve ser examinada. Desse modo, o sistema do escrutínio funciona como um teste que tem de ser vencido pela legislação a título de se aferir sua adequabilidade à Constituição. AULA 1AULA 14 O strict scrutiny é a mais severa das três formas. Exige uma relação de pertinência incisiva, rigorosa, estreita (closely) com o interesse público a ser considerado, que, a seu turno, autorizaria a adoção do discrímen suspeito, se for considerado como cogente (compelling), isto é, inafastável. O strict scrutiny se aplica nos casos de raça e nos esforços estatais para regular estrangeiros, assim como nos casos que colidem com os direitos fundamentais constitucionais. Em geral, a experiência tem indicado que a prova da strict scrutiny dificilmente é vencida pela legislação, configurando-se, portanto, a violação ao princípio da isonomia. O intermediate scrutiny demanda uma relação de pertinência substancial (substantially), com um interesse público importante (important) a ser realizado. Tanto as formulações doutrinárias sobre o intermediate scrutiny, como os casos aos quais se aplica têm variado. Mas o caso protótipo são as classificações que envolvem gênero, embora a Corte algumas vezes já o tenha aplicado em casos envolvendo imigrantes e crianças. AULA 1AULA 14 Por fim, o minimum scrutiny aplica-se, na maior parte das vezes, quando o Estado classifica as pessoas e as suas atividades, por exemplo, com base em considerações de natureza econômica ou social, tais como a riqueza (ou sua ausência). Este teste simplesmente exige que o Poder Público evidencie que o esquema classificatório escolhido razoavelmente (reasonably) se relaciona com um interesse público legítimo (legitimate). Da mesma forma que raramente o discrímen é reprovado no teste mais relaxado (relaxed), no teste mais rígido (strict) ele é reprovado[23]. Ao contrário do minimum scrutiny, no qual as Cortes presumem que a legislação ou a atividade estatal desafiada são constitucionais e o requerente tem o ônus de demonstrar a violação constitucional, nos casos do strict e intermediate scrutiny, o ônus da prova é invertido, restando ao Poder Público evidenciar que o discrímen adotado guarda a pertinência exigida no caso, estreita ou substancialmente, com o interesse público envolvido cogente ou importante, respectivamente. AULA 1AULA 14 Por outro lado, na teoria constitucional norte-americana, as discriminações odiosas também são conhecidas como suspect classification e devem ser compreendidas dentro do sistema de classes suspeitas, desenvolvido pela Suprema Corte e acima apreciado. Tais classificações são assim consideradas quando estabelecem critérios diferenciadores que indicam uma possível violação ao princípio da igualdade, ficando sujeita, ao alvedrio da Suprema Corte, a apreciação da ocorrência efetiva da violação e a conseqüente caracterização da inconstitucionalidade. Por exemplo, em alguns casos, a Corte já decidiu que as classificações suspeitas passam pelo reconhecimento de que a desvalia do indivíduo ou de seu grupo se dá por conta de característica externa, irrelevante para a sua identidade[24]. AULA 1AULA 14 O problema da suspect classification também se relaciona diretamente com a idéia de minoria e de grupos que sofreram ao longo da história processos de discriminação. Nessa via, foi relevante o entendimento da Suprema Corte Americana que, sob a liderança do Chief Justice Stone, lançou as bases para a concepção da chamada classificação suspeita, quando decidiu que a legislação direcionada às minorias deveria sujeitar-se a exame judicial mais criterioso (judicial inquiry) e que todas as restrições legais que cerceassem os direitos civis de um determinado grupo racial seriam imediatamente suspeitas e, portanto, sujeitas a rígido exame judicial[25]. AULA 1AULA 14 Enfim, o sistema de classes embora se apresente, num primeiro momento, bastante organizado, não é isento de todo de severas críticas, que, especialmente, denunciam a falta de explicitação da Corte dos elementos necessários para a caracterização de um grupo como classe suspeita - o que ressalta o tratamento casuístico dado, ao cabo, à problemática. De igual forma, o não reconhecimento de um discrímen como odioso (suspect classification) pode fazer com que um determinado grupo de pessoas aos quais ele se aplica se veja menos protegido em seus direitos, e portanto, mais sujeito a “violações” jurisprudencialmente toleráveis, fazendo com que essas pessoas sejam titulares de uma cidadania de menor importância ou densidade. É o caso, por exemplo, dos homossexuais, vez que a Suprema Corte ainda não outorgou à orientação sexual o status de suspect classification, o que tem permitido, em tese, a edição de legislação discriminatória para os homossexuais[26]. AULA 1AULA 14 TEMA: Noções sobre Direitos Humanos. Noções sobre globalização. AULA 1AULA 14 14. As categorias do campo político: nação, multiculturalismo, Direitos Humanos e globalização. Estimular a compreensão das categorias políticas, sistema, regime e doutrina, fundamentais ao fenômeno jurídico-político. 14.1. Noções sobre Direitos Humanos. É notório o destaque que o tema dos Direitos Humanos detém nos discursos políticos e acadêmicos no mundo contemporâneo, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, caracterizado por um amplo compromisso de povos e Estados no sentido de formalizar meios hábeis a evitar a ocorrência de novas barbáries, tais como as praticadas por regimes totalitários como o do Nazismo. É fácil constatar a força que, nesses últimos sessenta anos, assumem os Direitos Humanos, principalmente numa perspectiva de sua efetivação na ordem internacional. AULA 1AULA 14 Esse quadro histórico firmou, para os constitucionalistas pós- 1945, uma compreensão de que as novas constituições deveriam ser moldadas em novas bases institucionais e políticas. Graças a esses fatos houve, também, a consciência da necessidade de vencer a estreiteza normativa resultante do legalismo construído no século XIX e nas primeiras décadas do século passado. Uma percepção consolidou-se no sentido de que somente uma estrutura valorativa incorporada às constituições poderia concretizar os Direitos Humanos e dotar as cartas políticas de uma efetiva força normativa. AULA 1AULA 14 Esse amplo conjunto institucional, reconhecido pelo constitucionalismo europeu após a Segunda Grande Guerra, no contexto da Guerra Fria da bipolaridade EUA e URSS, é o que se denomina de legado constitucional pós-1945. A sua mensagem foi tão forte, que várias outras sociedades ocidentais alinhadas o incorporaram, como, por exemplo, a brasileira, que o adotou na formulação da Constituição Federal de 1988. O debate dos Direitos Humanos, entretanto, enfrenta hoje, uma situação “paradoxal”, de “aporias”, no quadro de incertezas provocado por um mundo altamente globalizado e marcado sobretudo pelo terrorismo, pela violência urbana, pelo crescimento tecnológico e por uma multiplicidade de culturas que têm apontado à idéia universalizante de Direitos Humanos o desafio complexo de sua implementação e mais ainda, de uma adequada justificação. AULA 1AULA 14 Assim, a tríade da Revolução Francesa de 1789, ao expressar os ideais revolucionários da liberdade, igualdade e fraternidade, embora tenha por certo iluminado os caminhos de reflexão por longo tempo, hoje já enfrenta críticas em relação a sua suficiência como resposta às questões atuais. Acresce-se a este problema a própria indefinição do termo Direitos Humanos. Apesar de sua polissemia, as discussões, quer acadêmicas ou políticas, referentes aos Direitos Humanos, até mesmo para o senso comum, são sempre relevantes como ferramenta do mundo ocidental para a proteção às intempéries e mazelas humanas. AULA 1AULA 14 14.2. Noções sobre globalização. "O conceito de globalização não é uniforme. Por alguns estudiosos é considerado sob o aspecto da atribuição de um sentido integral e uniforme ao mundo contido no globo terrestre. Por outros, a globalização não pode ter o sentido de uniformidade, pois cada país é por ela atingido de forma diversa. Para este estudo, consideraremos que a globalização constitui um processo de internacionalização de regras de convivência ou interferência política entre países, impulsionado por fatores da produção e da circulação do capital em âmbito internacional, movidos pela força propulsora da revolução tecnológica" MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 39. AULA 1AULA 14 Caso Concreto: Tema: Direitos Humanos Leia o trecho do texto a seguir, atentamente, e faça um resumo sobre o debate dos Direitos Humanos. CONTEXTUALIZAÇÃO DA PROBLEMÁTICA DOS DIREITOS HUMANOS Prof. Dr. Rafael M. Iorio Filho. 1.1. O DEBATE ACERCA DOS DIREITOS HUMANOS É notório o destaque que o tema dos Direitos Humanos detém nos discursos políticos e acadêmicos no mundo contemporâneo, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, caracterizado por um amplo compromisso de povos e Estados no sentido de formalizar meios hábeis a evitar a ocorrência de novas barbáries, tais como as praticadas por regimes totalitários[1] como o do Nazismo. É fácil constatar a força que, nesses últimos sessenta anos, assumem os Direitos Humanos, principalmente numa perspectiva de sua efetivação na ordem internacional. AULA 1AULA 14 Esse quadro histórico firmou, para os constitucionalistas pós- 1945, uma compreensão de que as novas constituições deveriam ser moldadas em novas bases institucionais e políticas. Graças a esses fatos houve, também, a consciência da necessidade de vencer a estreiteza normativa resultante do legalismo construído no século XIX e nas primeiras décadas do século passado. Uma percepção consolidou-se no sentido de que somente uma estrutura valorativa incorporada às constituições poderia concretizar os Direitos Humanos e dotar as cartas políticas de uma efetiva força normativa (Konrad HESSE, 1991). AULA 1AULA 14 Esse amplo conjunto institucional, reconhecido pelo constitucionalismo europeu após a Segunda Grande Guerra, no contexto da Guerra Fria da bipolaridade EUA e URSS, é o que se denomina de legado constitucional pós-1945[2]. A sua mensagem foi tão forte, que várias outras sociedades ocidentais alinhadas o incorporaram, como, por exemplo, a brasileira, que o adotou na formulação da Constituição Federal de 1988. (Peter HÄBERLE, 2000). O debate dos Direitos Humanos, entretanto, enfrenta hoje, uma situação “paradoxal”[3], de “aporias”[4] nas palavras de Vicente BARRETO (2002:499), no quadro de incertezas provocado por um mundo altamente globalizado e marcado sobretudo pelo terrorismo, pela violência urbana, pelo crescimento tecnológico e por uma multiplicidade de culturas[5] que têm apontado à idéia universalizante de Direitos Humanos o desafio complexo de sua implementação e mais ainda, de uma adequada justificação. AULA 1AULA 14 Assim, a tríade da Revolução Francesa de 1789, ao expressar os ideais revolucionários da liberdade, igualdade e fraternidade, embora tenha por certo iluminado os caminhos de reflexão por longo tempo[6], hoje já enfrenta críticas em relação a sua suficiência como resposta às questões atuais. Acresce-se a este problema a própria indefinição do termo Direitos Humanos, como coloca Vicente BARRETO (2002:500-501): AULA 1AULA 14 O emprego da expressão ‘Direitos Humanos’ reflete essa abrangência e a conseqüente imprecisão conceitual com que tem sido utilizada. A expressão pode referir-se a situações sociais, políticas e culturais que se diferenciam entre si, significando muitas vezes manifestações emotivas em face da violência e da injustiça; na verdade, a multiplicidade dos usos da expressão demonstra, antes de tudo, a falta de fundamentos comuns que possam contribuir para universalizar o seu significado e, em conseqüência, a sua prática. Número significativo de autores tomaram a expressão ‘Direitos Humanos’ como sinônima de ‘direitos naturais’, sendo que os primeiros seriam a versão moderna desses últimos; ainda outros empregavam a expressão como o conjunto de direitos que assim se encontram AULA 1AULA 14 definidos nos textos internacionais e legais, nada impedindo que ‘novos direitos sejam consagrados no futuro’. Alguns, também, referiram-se à idéia dos Direitos Humanos como sendo normas gerais, relativas à prática jurídica, que se expressariam através dos princípios gerais do direito. Esses últimos seriam uma forma de ‘direito natural empírico’, que ultrapassa a normatividade estrita do positivismo dogmático, mas não se identificando com os Direitos Humanos expressam a vontade do constituinte, que não especifica em que consistem esses direitos e nem prescreve a natureza de suas prescrições; sob este ponto de vista, cabe ao intérprete, quando da aplicação da lei, dar conteúdo a essa categoria de direitos. Vemos, portanto, como o emprego abrangente das mesmas palavras contribuiu, certamente, para a imprecisão conceitual de uma mesma idéia dos fundamentos comuns para o seu diversificado uso. AULA 1AULA 14 Apesar de sua polissemia, as discussões, quer acadêmicas ou políticas, referentes aos Direitos Humanos, até mesmo para o senso comum, são sempre relevantes como ferramenta do mundo ocidental para a proteção às intempéries e mazelas humanas. Nas palavras de Carlos NINO (1989:1): AULA 1AULA 14 Esta importância dos Direitos Humanos está dada, como é evidente, pelo fato de que eles constituem uma ferramenta imprescindível para evitar um tipo de catástrofe que com freqüência ameaça a vida humana. Sabemos, embora prefiramos não recordá-lo a todo o tempo, que nossa vida é permanentemente espreitada por infortúnios que podem aniquilar nossos planos mais firmes, nossas aspirações de maior alento, o objeto de nossos afetos mais profundos. Não é por ser óbvio que deixa de ser motivo de perplexidade o fato de que este caráter trágico da condição humana esteja dado pela fragilidade de nossa constituição biológica e pela instabilidade de nosso habitat ecológico, por obra de nós mesmos.[7] AULA 1AULA 14 A inquietude atual do debate dos Direitos Humanos, em vez da estagnação, segue à análise de planos epistemológicos[8], visando à depuração do recorte dos objetos temáticos e retroalimentando sua dialética. Esses planos epistemológicos estruturam-se em dois pontos. O primeiro refere-se a uma discussão se há ou não fundamentos filosóficos para os Direitos Humanos. Caso a resposta seja afirmativa, constitui-se o segundo plano onde se definirá qual é a natureza destas questões enunciadas.