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SEÇÃO 12 146 / BIOLOGIA DO SISTEMA IMUNE ................................. 988 Células T e imunidade celular ...................................... 993 Redes imunológicas .............................................996 Células B e imunidade humoral ................................... 998 Regulação das respostas imunes humorais ......... 1001 Sistema complemento .............................................. 1001 Resolução de uma resposta imune ............................ 1007 147 / DOENÇAS POR IMUNODEFICIÊNCIAS ..................... 1008 Imunodeficiências primárias e secundárias ................. 1008 Imunodeficiências específicas .................................... 1020 148 / DISTÚRBIOS DE HIPERSENSIBILIDADE ..................... 1026 Distúrbios com reações de hipersensibilidade Tipo I ........................................ 1027 Doenças atópicas ............................................... 1034 Rinite alérgica ............................................. 1034 Conjuntivite alérgica ................................... 1036 Outras doenças alérgicas do globo ocular ... 1037 Alergia e intolerância alimentar ................... 1037 Doença pulmonar alérgica .......................... 1039 Anafilaxia ........................................................... 1039 Distúrbios dos mediadores vasoativos ............... 1041 Urticária e angioedema ............................... 1041 Angioedema hereditário ............................. 1042 Mastocitose ................................................ 1043 Alergia física ............................................... 1043 Distúrbios com reações de hipersensibilidade Tipo II ....................................... 1044 Distúrbios com reações de hipersensibilidade Tipo III ...................................... 1046 Distúrbios auto-imunes ...................................... 1047 Distúrbios com reações de hipersensibilidade Tipo IV ... 1050 Hipersensibilidade a drogas ............................... 1051 149 / TRANSPLANTES ........................................................ 1054 Imunobiologia da rejeição ......................................... 1055 Sistema de antígeno linfocítico humano ............. 1056 Compatibilidade tecidual ................................... 1058 Imunossupressão ............................................... 1059 Transplante de rim ..................................................... 1061 Transplante de fígado ................................................ 1062 Transplante de coração .............................................. 1063 Transplante de pulmão e de pulmão/coração ............ 1064 Transplante de pâncreas ............................................ 1065 Transplante de medula óssea ..................................... 1066 Transplante de outros órgãos e tecidos ..................... 1069 IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS 987 Merck_12.p65= 02/02/01, 15:35987 988 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS 146␣ /␣ BIOLOGIA DO SISTEMA IMUNE O componente celular é o linfócito e as imunoglo- bulinas (Ig) são os componentes solúveis. Os linfócitos estão divididos em dois subtipos: timo-derivado (célula T) e o derivado da medula óssea (célula B). Os linfócitos são distribuídos por clonagem; cada clone se especializa em reconhe- cer um Ag específico por meio de seu receptor de Ag. Visto que o número de Ag é potencialmente limitado, esta especialização pareceria colocar uma carga inadequada sobre o sistema imune. O dilema de fornecer um número infinito de clones únicos é resolvido pela capacidade dos genes responsáveis pelo receptor antigênico do linfócito combinarem- se em arranjos potencialmente ilimitados. A função do receptor de Ag sobre as células B é mediada por imunoglobulinas de superfície. De- pois que as células B se ligam ao Ag solúvel atra- vés da sua imunoglobulina de superfície, uma sé- rie de eventos (por exemplo, proliferação, diferen- ciação) culmina na secreção da Ig que é anticorpo (Ac) específica para aquele Ag. Acredita-se que o repertório de Ac de um microrganismo antes da ex- posição ao Ag seja devido aos Ac gerados durante a maturação das células B através de rearranjos gênicos da Ig. Para entender a natureza de recombinação gênica da Ig, deve-se conhecer a estrutura da Ig (ver também Estrutura do Anticorpo, adiante). As imunoglobulinas são compostas por duas ca- deias pesadas e duas leves, cada qual com os do- mínios constante e variável. O Ag se liga ao domí- nio variável. Em nível genético, a região C é codifi- cada pelos genes da região C; a região V (para as cadeias leves), pelos genes da região V e J e (para as cadeias pesadas) pelos genes da região V, D e J. Es- tes segmentos gênicos não estão situados em conti- nuidade sobre o cromossomo; ao invés disso, estão descontínuos e devem ficar justapostos durante a maturação da célula B. Assim, para sintetizar uma cadeia pesada, um dos vários segmentos D (pelo me- nos 12 estão identificados) se liga a um dos 6 segmen- tos J. Esse agrupamento, então, se une a uma das vá- rias centenas (possivelmente milhares) de segmentos do gene da região V, para produzir uma unidade transcricional completa para uma cadeia pesada de Ig. Dependendo do segmento em particular de cada região gênica usado, é possível um vasto número de moléculas de Ig com especifidades variadas. O potencial para a diversidade é aumentado ain- da mais pela adição de nucleotídeos, ao acaso, nos pontos de junção (entre as regiões V, D e J), O sistema imune é uma rede de componentes ce- lulares e solúveis interagindo. Sua função é distin- guir entidades dentro do corpo como “próprias” e “não próprias” e eliminar aquelas que não são pró- prias. Os microrganismos são as principais entida- des não próprias, porém neoplasias, transplantes e certas substâncias estranhas (por exemplo, toxinas) também são importantes. Para realizar estas tarefas, o sistema imune desenvolveu dois mecanismos: imunidade inespecífica e imunidade específica, que estão ligadas entre si e se influenciam. Imunidade inespecífica (inata) Este tipo de imunidade é mais antigo filogeneti- camente, está presente ao nascimento, não neces- sita de um encontro prévio com a substância agressora e não desenvolve memória. A imunidade inata inclui barreiras, tais como a pele e proteção química, como o ácido gástrico. Há dois compo- nentes celulares: 1. o sistema fagocitário, cuja fun- ção é ingerir e digerir os microrganismos invaso- res; e 2. células exterminadoras naturais (NK), cuja função é matar alguns tumores, microrganismos e células viralmente infectadas (ver adiante). Os com- ponentes solúveis consistem em proteínas-comple- mento, reagentes da fase aguda e citocinas. Os fagócitos incluem neutrófilos e monócitos (no sangue) e macrófagos (nos tecidos). Amplamente dis- tribuídos, os macrófagos estão situados estrategica- mente nas interfaces de tecidos com sangue ou espa- ços cavitários; por exemplo, os macrófagos alveola- res (pulmões), células de Kupffer (sinusóides hepáti- cos), células sinoviais (cavidades articulares), células microgliais perivasculares (revestimento do SNC, sis- tema nervoso central) e fagócitos mesangiais (rins). As citocinas são polipetídeos não imunoglobuli- nas secretados por monócitos e linfócitos em res- posta à interação com um antígeno (Ag) específico, um Ag inespecífico ou um estímulo solúvel inespe- cífico (por exemplo, endotoxina, outras citocinas). As citocinas afetam a magnitude da resposta infla- matória ou imunológica. Apesar da secreção de ci- tocinas poder ser desencadeada pela interação de um linfócito com seu Ag específico, as citocinas não são Ag específicas; sendo assim, elas conectam as imunidades inata e aprendida. Imunidade específica (adaptativa) A imunidade específica possui as característi- cas de aprendizado, adaptabilidade e memória.Merck_12.p65= 02/02/01, 15:35988 CAPÍTULO 146 – BIOLOGIA DO SISTEMA IMUNE / 989 pelas mutações somáticas e pelas imprecisões na jun- ção dos vários segmentos. As células T não possuem Ig de superfície, mas reconhecem o Ag através do seu principal instru- mento de reconhecimento, o receptor de célula T (RCT) e outras moléculas acessórias de aderência. Os genes que codificam o RCT pertencem à super- família dos genes da Ig; da mesma forma que os genes da Ig, também estão sujeitos a recom- binações, dando origem, assim, a um grande nú- mero de clones de célula T, cada um com uma res- ponsividade Ag específica. A porção do RCT que se liga ao Ag consiste em duas cadeias (αβ ou γδ); cada uma possui um domínio constante e um variável. Diferente da Ig, que existe independentemente sobre a su- perfície da célula B, o RCT está associado à molécula CD3; a unidade inteira é chamada de complexo RCT/CD3. Embora as cadeias do RCT estejam sujeitas ao rearranjo gênico e sejam va- riáveis, as cadeias do CD3 (que consiste em pelo menos 5 cadeias) são invariáveis e Ag-inespecí- ficas. Alguns Ac anti-CD3 ativam as células T diretamente, transpondo, assim, a necessidade de Ag. Portanto, o CD3 é importante para a transdução do sinal de ativação através da mem- brana linfocitária. Os linfócitos ainda podem ser subdivididos em subtipos, ou pelas funções ou pelos marcadores de superfície. Os subtipos de linfócitos foram identi- ficados através de combinações de certas moléculas sobre sua superfície. Estes marcadores de superfí- cie foram chamados de grupos de diferenciaão (CD). Até o momento, 166 CD foram identifica- dos. A informação atualizada sobre antígenos de CD pode ser encontrada na Internet (http:// www.ncbi.nlm.nih.gov/prow). Complexo de histocompatilidade principal A capacidade do sistema imune de diferenciar o próprio do não próprio é determinada, em gran- de parte, pelos produtos do complexo de histocompatilidade principal (MHC), cujos ge- nes estão no cromossomo 6, pertencem à super- família gênica da Ig e estão sujeitos à recombi- nação. A Classe I do MHC consiste em HLA-A, B e C; seus produtos possuem uma ampla distri- buição e estão presentes na superfície de todas as células nucleadas e nas plaquetas. A Classe II do MHC consiste em HLA-D, -DR, -DP e -DQ; seus produtos possuem uma distribuição mais limita- da sobre as células B, macrófagos, células dendríticas, células de Langerhans e células T ativadas (mas não em repouso). As células B podem responder a Ag solúvel, mas as células T raramente o fazem e reconhecem o Ag apenas quando encaixado dentro do MHC; portan- to, as células T reconhecem o complexo Ag-MHC. O mecanismo pelo qual o Ag é processado e se as- socia ao MHC antes de ser apresentado às células T é realizado pelas células apresentadoras de Ag (CAA) – por exemplo, células de Langerhans, monócitos, macrófagos, células dendríticas foli- culares e células B. Embora os detalhes não sejam totalmente compreendidos, parece que, para ser pro- cessado, o Ag deve ser desdobrado, degradado e fragmentado. Por processamento exógeno, o Ag sofre endocitose e degradação nos lisossomas, é associado aos produtos da Classe II do MHC e transportado para a superfície da célula. Por pro- cessamento endógeno, o Ag é produzido interce- lularmente (por exemplo, por infecção viral) e so- fre degradação, fora dos lisossomas, nas organelas chamadas proteossomas. Os peptídeos resultantes são transportados através do retículo endoplasmá- tico rugoso (RER) pelas proteínas transportadoras. Uma vez no RER, estes peptídeos são associados aos produtos de Classe I do MHC antes do trans- porte à superfície celular. É importante saber se o Ag está associado aos produtos de Classe I ou II do MHC, pois as moléculas CD4 e CD8 atuam como moléculas de aderência acessória pela união a Clas- se II ou I, respectivamente. O aumento de RCT com o complexo MHC/Ag pode não ser suficiente para a indução da ativação da célula T. Um sinal de co-ativação precisa estar presente; este segundo si- nal é mediado pelo encaixe do CD 28 na superfície da célula T com CD80 ou CD86 na CAA. A ausên- cia da interação CD28/CD80-CD86 pode tornar a célula T anérgica ou tolerante (ver FIG. 146.1). Citocinas Apesar do contato celular íntimo ser necessário para as respostas ótimas da célula T, as células T e os monócitos secretam citocinas que podem in- fluenciar os eventos próximos ou distantes. As cito- cinas interagem com receptores de superfície celu- lar específicos e podem atuar de maneira autócrina ou parácrina. As citocinas podem ser divididas em vários gru- pos, que incluem interferons (IFN-α, β e γ), fator de necrose tumoral (FNT-α e β), interleucinas (IL- 1 a IL-8), fatores de transformação de crescimento e fatores estimulantes de colônias (CSF) hemato- poiéticas. Quanto a principais citocinas, suas fon- tes celulares e efeitos principais, ver TABELA 146.1. Apesar das várias citocinas e seus efeitos serem usualmente relacionados separadamente, é impor- tante lembrar que as citocinas atuam em comum acordo, em seqüência ou em conflito, numa certa Merck_12.p65= 02/02/01, 15:35989 990 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS resposta imune; por exemplo, a IL-1 pode induzir a secreção de IL-2. A IL-2, IL-4 e IL-6 podem fa- zer sinergismo na geração de linfócitos T citotóxi- cos. A IL-4 e o IFN-γ podem agir contrariamente, um sobre os efeitos do outro, na indução da ex- pressão de Classe II sobre as células B e na indu- ção da secreção de IgE. A orquestração simultânea de várias respostas e a redundância do sistema imune talvez sejam melhor ilustradas pela estrutura de alguns dos receptores de interleucina. O receptor IL-2 é cons- tituído de três cadeias: α, β e γ. A expressão de todas as três cadeias resulta em receptor de IL-2 de alta afinidade; a expressão de cadeias β e γ resulta apenas em receptor IL-2 de afinidade intermediá- ria, enquanto a cadeia α representa apenas um receptor de baixa afinidade. Foi recentemente mostrado que as mutações ou extinção do recep- tor de IL-2 de cadeia γ são a base molecular da imunodeficiência grave combinada ligada ao cro- mosssomo X (SCID). De modo interessante, as mutações nas cadeias α ou β do receptor de IL-2 não resultam em SCID (pelo menos em modelos animais). Esta discrepância aparente surge porque a cadeia γ do receptor de IL-2 também é parte do complexo receptor para IL-4, IL-7, IL-9 e IL-15; esta cadeia é agora chamada de cadeia γ comum (γc). O receptor de IL-15 compartilha as cadeias β e γc com o receptor de IL-2. A cadeia α do recep- tor de IL-13 é idêntica à cadeia α dos receptores FIGURA 146.1 – Modelo de dois sinais para ativaão da célula T. Ausência do segundo sinal resulta em anergia e intolerância. MHC = complexo de histocompatibilidade principal; RCT = receptor de célula T. Peptdeo antignico Primeiro sinal CD4/ CD8 Estimulador ou alvo Linfcito T MHC CD80 ou CD86 Segundo sinal CD28 Complexo RCT/CD3 TABELA 146.1 – CITOCINAS SELECIONADAS Massa Citocina molecular Fonte Efeitos principais Interleucinas (IL) IL-1α 15 – 17 Monócitos, Febre (pirogênio endógeno), sono, anorexia, inflamação, expressão IL-1β macrófagos de célula endotelial de CD54 e liberação de fator tecidual, ati- vação de linfócito, produção de IL-6 e CSF IL-2 14 – 15 Células T Induz o crescimento de célula T, co-estimula o crescimento e diferenciação de célula B, aumenta NK, LAK IL-3 14 – 28 Células T, Induz o crescimento de mastócito, crescimento celular mastócitos hematopoiético pluripotente IL-4 20 Células T, Induz o crescimento de célula T e geração de LTC, co-estimula mastócitos o crescimento de célula B, sinergiza com IL-3 no crescimento de mastócito, ↑ produção de IgE e IgG4, induz expressão e liberação de CD23, ↑ MHC de Classe II nas células B, altera TH para TH2 Merck_12.p65=02/02/01, 15:35990 CAPÍTULO 146 – BIOLOGIA DO SISTEMA IMUNE / 991 TABELA 146.1 – CONTINUAÇÃO Massa Citocina molecular Fonte Efeitos principais IL-5 45 Células T, Induz a diferenciação de eosinófilos, ↑ produção de IgA, mastócitos co-estimula o crescimento de célula B em camundongos IL-6 23 – 30 Monócitos, Pirogênico, induz o crescimento de plasmacitomas e hibridiomas, fibroblastos, intensifica a produção de Ig, ↑ Classe I nos fibroblastos, células T sinergiza com IL-2 na produção de proteínas da fase aguda (camundongo) pelos hepatócitos, sinergiza com IL-3 no crescimento de células hematopoiéticas, induz diferenciação de LTC IL-7 25 Células de Induz proliferação de células pró e pré-B e timócitos imaturos medula óssea e estroma de timo IL-8 6,5 Monócitos, Induz quimiotaxia e ativação de neutrófilos e células T (quimio- células cina) endoteliais, macrófagos alveolares, fibroblastos IL-9 30 – 40 Células T Induz proliferação de algumas células T, intensifica o crescimento de mastócitos induzido por IL-3 IL-10 17 – 21 Células T, ↓ Classe II do MHC, inibe ativação de CAM, ↓ apresentação células B de antígeno, estimula a proliferação de célula B e produção ativadas, de Ac, estimula mastócitos, altera TH para TH2 monócitos IL-11 24 Células do Estimula produção de Ac, sinergiza com IL-3 na proliferação microambiente de megacariócito, estimula progenitores de macrófago hematopoiético IL-12 75 Monócitos, ma- Ativa NK para secretar IFN-γ, altera TH para TH1, inibe crófagos, algu- secreção de IgE induzida por IL-4 mas células B, alguns mastócitos IL-13 10 Células B, Induz secreção de IgE macrófagos IL-14 ? Células T Induz fator de crescimento das células B IL-15 14 – 15 Células não lin- Induz crescimento e citotoxicidade das células NK, fóides, músculos diferenciação das células NK IL-16 56 Células T (pré- Quimiotaxia de CD4, indução de CD25, ↑ Classe II do MHC, formadas em repressão de transcrição do HIV CD8) IL-17 20 – 30 Células CD4 de Co-estimula proliferação de célula T, induz IL-6, IL-8 e secreção memória de G-CSF a partir de células epiteliais, endoteliais e fibroblásticas IL-18 ? ? Induz fator de indução de IFN-γ, similar a IL-1 (nome não oficial) Continua Merck_12.p65= 02/02/01, 15:35991 992 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS TABELA 146.1 – CITOCINAS SELECIONADAS Massa Citocina molecular Fonte Efeitos principais Interferons (IFN) IFN-α 18 – 20 Leucócitos Inibe replicação viral e crescimento de tumor, ↑ expressão de MHC de Classe I e Classe II, ↑ atividade de NK, modula res- posta de Ac IFN-β 20 Fibroblastos Mesmas atividades que IFN-α IFN-γ 20 – 25 Células T, NK ↑ Classe I e II de MHC, ativação de macrófago, ↑ atividade de NK, ↓ secreção de CD23 e IgE induzida por IL-4, co-estimula crescimento e diferenciação de células B Fator de necrose tumoral (FNT) FNT-α 17 Monócitos, Induz IL-1, ↑ moléculas de adesão e Classe I de MHC nas (caquec- macrófagos células endoteliais, pirogênio, induz GM-CSF, efeito tina) citotóxico/citostático, induz secreção de IFN-γ FNT-β 25 Células T Fator citotóxico (linfo- toxina) Fatores estimulantes de colônias (CSF) GM-CSF 14 – 35 Células T, ma- Induz crescimento de progenitores de granulócitos e monócitos, crófagos, mo- ativa macrófagos, ↑ produção de leucotrienos eosinofílicos, nócitos, células ↑ atividade tumoricida de monócitos endoteliais G-CSF 18 – 22 Monócitos, fibro- Induz crescimento granulocítico blastos, células endoteliais M-CSF 70 – 90 Monócitos, fibro- Induz crescimento de monócitos blastos, células endoteliais Fatores de transformaão de crescimento (TGF) TGF-α 5 – 20 Tumores sólidos Induz angiogênese, proliferação de ceratinócitos, reabsorção (carcicomas > do osso, crescimento do tumor sarcomas), monócitos FNT-β 25 Plaquetas, placenta, Induz proliferação de fibroblastos; síntese de colágeno e fibronectina; rim, osso, células inibe LTC, NK, LAK; inibe proliferação de células T e B; T e B intensifica cicatrização de feridas e angiogênese Merck_12.p65= 02/02/01, 15:35992 CAPÍTULO 146 – BIOLOGIA DO SISTEMA IMUNE / 993 TABELA 146.1 – CONTINUAÇÃO Massa Citocina molecular Fonte Efeitos principais Quimiocinas C 15 CD8 ativado, Induz quimiotaxia de células T e células NK (ausência NK?, mastócitos do primei- ro e terceiro resíduos de cisteína conserva- dos). Exem- plo: linfotac- tina (LPTN) C-C Variável Variável Induz quimiotaxia de células T, células NK, basófilos e eosinófilos Vários exemplos: MIP-1 α RANTES, MIP-1β, Eotaxinas, MCP-1, MCP-3 C-X-C Variável Variável Induz quimiotaxia de células T, mastócitos, monócitos e eosinófilos Vários exemplos; IL-8, IP-10, SDF-1 C-X3-C Variável Variável Não bem caracterizados ainda Fractal- cinas recente- mente descritas ↑ = aumenta; ↓ = diminui; Ac = anticorpo; CSF = fator estimulante de colônias; LTC = linfócito T citotóxico; G = granulócito; GM = granulócito-macrófago; LAK = exterminadora ativada por linfocina; CAM = complexo de ataque de membrana; MHC = complexo de histocompatilidade principal; NK = “natural killer” – exterminadoras naturais; TH = T auxiliar. de IL-4. Os receptores de IL-3, IL-5 e GM-CSF possuem uma cadeia β idêntica. Uma nova família de citocinas é a convenien- temente chamada de quimiocinas; as quimio- cinas induzem a quimiotaxia e a migração de subtipos de leucócitos. Há quatro subtipos de qui- miocinas, que são definidos pelo número de ami- noácidos intermediários entre os dois primeiros resíduos de cisteína na molécula. Alguns dos re- ceptores nas quimiocinas podem servir como co- receptores para entrada de HIV nos monócitos/ macrófagos. CÉLULAS T E IMUNIDADE CELULAR As células T maduras adquirem repertórios fun- cionais e aprendem o conceito de “próprio” no timo. O timo realiza tarefas duais de seleão positiva (clones que reconhecem o Ag/MHC podem proli- ferar, maturar e emigrar para a periferia) e seleão negativa (clones que reagem como se fossem es- tranhos são eliminados). Os mecanismos celular e molecular exatos desta seleção não estão comple- tamente elucidados. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:35993 994 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS A célula tronco T, derivada da medula óssea, mi- gra para o timo, durante o desenvolvimento fetal, onde matura e aprende o conceito de “próprio”. O processo da seleção tímica ocorre e os linfócitos maduros podem deixar o timo; eles são encontra- dos no sangue periférico e nos tecidos linfóides. Todas as células T maduras expressam CD4 ou CD8 em um estilo mutuamente exclusivo. Células T-“helper” As células T que expressam CD4 são geralmen- te chamadas de linfócitos T-“helper” (TH), ou seja, linfócitos T-auxiliares. Estas células podem ser di- vididas em duas categorias principais, dependendo de suas funções, respostas às várias citocinas e ca- pacidade de secretar citocinas. O pensamento atual é que as células TH começam como células precur- soras que fabricam IL-2. Na estimulação inicial, estas células se desenvolvem em células THO, que podem secretar várias citocinas, inclusive IFN-γ, IL-2, IL-4, IL-5 e IL-10. Dependendo da citocina disponível, as células THO podem se desenvolver em células TH1 ou TH2, com IFN-γ, favorecendo o desenvolvimento de TH1 e IL-4 e IL-10 favorecen- do o desenvolvimento de TH2. TH1 e TH2 diferem no perfil das citocinas que secretam: as células TH1 secretam IFN-γ, enquanto as células TH2 secretam IL-4, apesar de ambas secretarem várias outras citocinas (por exemplo, IL-3, GM-CSF, FNT-α) igualmente bem. Em geral, TH1 favorece a promo- ção da imunidade celular, enquanto a TH2 favorece a promoção da imunidade humoral. O delineamento das respostas de TH1 e TH2 mu- dou o pensamento sobre a relação do sistema imune com a doença. Uma resposta imune deve ser não ape- nas vigorosa, como também apropriadaà infecção ou doença. Talvez o melhor exemplo desta estratégia seja a lepra, na qual se acredita, hoje, que a resposta da TH1 resulta em lepra tuberculosa, enquanto a respos- ta da TH2 resulta em lepra lepromatosa. Além disso, uma resposta de TH1 pode agravar a doença auto-imu- ne, enquanto a resposta da TH2 favorece a secreção de IgE e o desenvolvimento de atopia. Células T supressoras/citotóxicas As células T que expressam CD8 são menos bem caracterizadas do que os subtipos TH, ape- sar de parecer que elas também podem ser divi- didas em dois tipos, dependendo das citocinas que secretam, com a segregação sendo idêntica aos subtipos CD4. Foi sugerido que os tipos de linfócitos fossem chamados Tipo 1 e Tipo 2 (T1,T2) ao invés de TH1 e TH2, porque a mesma subdivisão pode ser vista nas células CD8. As células T citotóxicas (TC) se referem aos linfó- citos T citotóxicos (LTC – ver adiante) restritos ao MHC específico de Ag. As células CD4 e CD8 po- dem funcionar como LTC, dependendo de reconhe- cerem o MHC de Classe I ou Classe II, respectiva- mente. Vários tipos de células citotóxicas ou exter- minadoras são também reconhecidos; apenas algu- mas delas expressam marcadores CD8 ou CD4. Células exterminadoras A identificação de cada tipo (dos vários) depen- de da restrição do MHC, demandas para sensibili- zação, especificidades-alvo e resposta às citocinas. Embora os macrófagos possam ser citotóxicos, tal toxicidade é inespecífica e resulta da ativação por algumas citocinas. Os vários tipos de células ex- terminadoras podem ser simplificados em restritas ao MHC (por exemplo, LTC) e irrestritas ao MHC (por exemplo, células NK). Nenhum tipo requer Ac, complemento ou fagocitose para matar a célula- alvo; ao invés disso, liberam o sinal lítico através da membrana da célula-alvo após estabelecer ínti- mo contato célula a célula. Exterminadoras restritas ao MHC – Os lin- fócitos T citotóxicos (LTC) são células extermina- doras geradas sob sensibilização específica ou con- tra células que expressam produtos estranhos do MHC (alogênicas) ou contra células autólogas – contanto que estas células tenham sido modifica- das por infecção viral ou um hapteno químico (singênicos). A vida de um LTC tem 3 fases: uma célula precursora pode tornar-se citotóxica sob es- timulação apropriada; uma célula efetora diferen- ciou, podendo fazer a lise de seu alvo apropriado; e uma célula de memória, quiescente e não mais estimulada, está pronta para tornar-se uma efetora, sob reestimulação com as células originais. As cé- lulas intactas são os estimuladores mais potentes na geração de LTC; o Ag solúvel é ineficiente, ex- ceto sob certas condições. Conforme mencionado anteriormente, o Ag é processado e um fragmento é capturado no sulco que apresenta o Ag do MHC. É possível, agora, identificar os peptídeos que pos- suem encaixe perfeito para vários haplótipos do MHC. Se tais peptídeos forem usados para estimu- lação, eles podem se encaixar no MHC e, desta maneira, estimular uma resposta da célula T. Os LTC alogênicos podem ser gerados pronta- mente in vitro, em cultura de linfócitos normais com células estimuladoras alogênicas irradiadas que diferem, em parte ou totalmente, da barreira do MHC. Os LTC alogênicos podem ser gerados in vivo no transplante de um órgão de doador, cujos produtos do MHC sejam diferentes daqueles do receptor e, provavelmente, desempenhem um pa- pel importante na rejeição do transplante de ór- gãos. A geração bem-sucedida de LTC requer dois sinais: o sinal antigênico (células estimu- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:35994 CAPÍTULO 146 – BIOLOGIA DO SISTEMA IMUNE / 995 ladoras) e o sinal de amplificação (citocinas). A ação eficiente desses dois sinais requer células apre- sentadoras de Ag (CAA), TH e precursores de TC. O sinal de amplificação é mediado por citocinas que atuam em seqüência; as mais importantes são IL-1, IL-2 e IL-4. Acredita-se que outras citocinas (inclusive IL-6, IL-7, IL-10 e IL-12) estejam en- volvidas na geração de LTC, pelo menos in vitro. Outro tipo de LTC importante na eliminação de certos patógenos intracelulares (especialmente cé- lulas infectadas por vírus) é o chamado LTC Ag- específico (LTC singênico). O LTC singênico re- conhece apenas células-alvo que expressam o Ag usado para sensibilização em associação com MHC. Tais LTC são gerados contra células autólogas, uma vez que as células não tenham sido “modificadas” pela infecção viral ou haptenos químicos. A expres- são dos produtos virais, ou haptenos, na superfície celular em associação com MHC desencadeia uma cascata de diferenciação celular e liberação de citocina e resposta similar ao LTC alogênico. Am- bos, LTC alogênico e singênico, usam o complexo RCT/CD3 para reconhecimento de célula-alvo. Exterminadoras irrestritas ao MHC – As cé- lulas exterminadoras – “natural killer” (NK), diferentemente dos LTC, não necessitam de sensi- bilização para expressar a função exterminadora. As células NK constituem 5 a 30% dos linfócitos nor- mais do sangue periférico. As células NK são linfó- citos, mas não pertencem às linhagens de células T ou B. Portanto, as células NK não expressam Ig ou RCT/CD3 na sua superfície. Os marcadores de su- perfície que melhor caracterizam as células NK são CD2+, CD3–, CD4– e CD56+, com um subtipo sen- do CD8+. As células NK matarão certas células autólogas, alogênicas e até tumorais xenogênicas independentemente de seus alvos expressarem ou não MHC; na realidade, elas podem, de preferência, matar células-alvo que expressam pouco ou nenhum MHC de Classe I. A suscetibilidade à morte pelas células NK pode ser reduzida se a célula-alvo for induzida a aumentar sua expressão do MHC (por exemplo, por transfecção ou por IFN). Esta aparente inibição da atividade de matar da NK pela expressão do MHC de Classe I levou à identificação de vários receptores de MHC de Clas- se I na superfície das células NK. Estes receptores são estruturalmente diferentes do RCT e, em geral, chamados de receptores inibidores de células ex- terminadoras (RIE). Enquanto o encaixe do MHC pelo RCT nas células T leva à ativação da célula T, o encaixe do MHC pela maioria dos RIE leva à inibição da atividade da NK, apesar de alguns RIE poderem levar à ativação. RIE também foram identificados nas células T. Isto apresenta um enigma interessante: as células T possuem recep- tores diferentes (RCT/CD3 e RIE) para a mesma molécula (MHC de Classe I), porém com efeitos opostos. Não se sabe bem, o que decide se uma célula T será ativada ou inibida e o resultado pode variar dependendo do clone de célula T. Acreditou-se, por muito tempo, que as células NK eram importantes na monitoração do tumor, porque elas podem matar algumas células-alvo tu- morais e porque a maioria dos tumores não possui a expressão do MHC. As células NK também ma- tam algumas células infectadas por vírus e algu- mas bactérias (por exemplo, Salmonella typhi). A estrutura de reconhecimento de Ag das células NK permanece evasiva. Além de sua propriedade de matar, as células NK podem secretar várias citocinas, IFN-γ e GM-CSF (fator estimulante de colônias de granu- lócitos e macrófagos) em particular. As células NK podem ser a fonte mais potente de IFN-γ. Por se- cretar IFN-γ, as células NK podem influenciar o sistema imune adaptativo, por favorecer a diferen- ciação de TH1 e inibir a diferenciação de TH2. Citotoxicidade mediada por célula dependente de anticorpo As células NK expressam CD16, um receptor para IgG-Fc (ver Estrutura de Anticorpos, adiante) e pode usar este receptor para mediar um outro tipo de exterminadora não restrita ao MHC. A cito- toxicidade mediada por célula dependente de Ac (CCDA) depende da presença de Ac para reconhe- cer uma célula-alvo (portanto, a especificidade da CCDA é conferida pela especificidade do Ag). Após ligar seu Ag, a região Fc do anticorpo fica expostae ligará seu receptor sobre a célula NK, para for- mar uma ponte. Uma vez formada a ponte, um si- nal lítico pouco compreendido é liberado para a célula-alvo, resultando em morte. Uma forma interessante de CCDA é chamada de CCDA inversa. Certas células exterminadoras, inclusive os LTC restritos ao MHC, que expres- sam o CD3 em suas superfícies, podem perder a especificidade na presença de anticorpos anti-CD3. O anti-CD3 une-se ao seu ligante na superficie da célula exterminadora, deixando sua porção Fc li- vre para ligar-se às células-alvo que expressam re- ceptores Fc. Novamente, uma vez formada a pon- te, o sinal lítico é liberado para a célula-alvo que carrega Fc. Provou-se que algumas formas de CCDA são úteis para ter como alvo as células tu- morais in vivo, como uma forma de imunoterapia. Exterminadoras T irrestritas ao MHC Além das células NK que são CD3– RCT– CD56+, outro subtipo é CD3+ CD56+ e pode expressar CD2, CD5, CD8. A maioria são RCT-γδ, apesar de al- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:35995 996 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS guns clones RCT-αβ terem sido identificados. Este subtipo pode mediar alguma atividade espontânea similar à da NK e pode aumentar tal atividade após estimulação com IL-2. Um outro subtipo de célu- las T (CD3+ RCT-γδ CD4– CD8– CD56– CD16–) pode ser citotóxico, apesar da maioria ser clones ou linhagens de células. Deve-se verificar se os lin- fócitos recém-isolados deste fenótipo são ou não espontaneamente citotóxicos. Exterminadoras ativadas por linfocinas Alguns linfócitos em cultura com IL-2 se transfor- mam em potentes exterminadoras ativadas por linfo- cinas (LAK), capazes de matar um amplo espectro de células-alvo tumorais, assim como linfócitos autó- logos que foram modificados pela cultura, alguns ví- rus ou haptenos. As LAK são vistas como um fenô- meno ao invés de um único subtipo de linfócitos. Os precursores de LAK são heterogêneos mas podem ser divididos em duas categorias maiores: Tipo NK e Tipo T. Em geral, concorda-se que as células NK clás- sicas constituem os principais precursores de LAK no sangue periférico, mas isto pode não ser verdadei- ro nos tecidos extravasculares. Teste de imunidade celular A avaliação quantitativa mínima da imunidade celular deve incluir contagem de linfócitos, núme- ro de subtipos de células T (CD3, CD4, CD8) e número de células NK pela análise de fluorescên- cia. A avaliação qualitativa inclui testes cutâneos de hipersensibilidade do tipo tardia (HTT) e os se- guintes testes in vitro: 1. proliferação em resposta ao Ag solúvel, ao Ac anti-CD3 e ao alo-Ag; 2. a atividade lítica das células NK, tanto espontanea- mente como após a estimulação com IL-2 ou IFN; 3. capacidade de elaborar citocinas com ênfase em IFN-γ, FNT-α, IL-2 e IL-4; e 4. capacidade de ge- rar LTC restritos ao MHC. Uma análise posterior dependerá dos resultados destes testes. O teste com- pleto da imunidade celular está limitado aos labo- ratórios de pesquisa. Testes cutâneos de HTT estabelecem a norma- lidade de alguns aspectos do sistema de imunidade celular. Entretanto, eles não testam o estado de cé- lulas CD8, células CD4 virgens, células NK e CAA além das células de Langerhans. Por exemplo, um paciente pode ter ausência completa de células NK e ainda ter HTT normal. Assim sendo, enquanto um teste cutâneo de HTT negativo indica imunida- de celular anormal, o contrário não é verdadeiro (ver REDES IMUNOLÓGICAS, adiante). Os testes cutâneos de HTT devem ser lidos em 48h. Uma resposta precoce pode ser devido à reaão de Arthus (que começa 4 a 6h após o teste e pode permanecer até 24h). Tal reação ocor- re devido à presença de Ac que se liga ao Ag inje- tado, resultando em formação do complexo imune, ativação do complemento e quimiotaxia de neutró- filos. O infiltrado celular na reação de Arthus con- siste principalmente de neutrófilos, enquanto o in- filtrado na HTT é composto de células mononu- cleares. A resposta de HTT começa a se resolver após 48h e se alguém ler o teste cutâneo às 72h, uma reação positiva limítrofe (> 5mm de insensi- bilidade) pode parecer negativa. REDES IMUNOLÓGICAS O sistema imune opera como um todo e nenhum componente opera com autonomia. Em qualquer resposta imune, os componentes trabalham em co- mum acordo, em seqüência ou em conflito, como exemplificado pela capacidade do sistema imune de eliminar microrganismos. Os microrganismos extracelulares (na maioria, bactérias encapsuladas) necessitam apenas ser fagocitados para ser digeri- dos; entretanto, os microrganismos intracelulares (por exemplo, micobactérias) são prontamente in- geridos, mas não podem ser digeridos, a menos que o macrófago receba um sinal de ativação. A estratégia para eliminar os microrganismos extracelulares é, portanto, direcionada à fagocito- se, que é facilitada pela opsonizaão (revestimen- to de um microrganismo com Ac e/ou produtos de complemento). Como a maioria dos fagócitos pos- sui receptores para a porção Fc do Ac e para pro- dutos de C3, a presença dessas moléculas numa bactéria facilita sua aderência e ingestão. Esta res- posta imune “simples” depende da síntese bem- sucedida de Ac, da ativação da cascata do comple- mento e de um sistema fagocitário intacto. Os Ac são produzidos pelas células B, ainda que as célu- las B estejam sujeitas a auxílio e supressão pelas células T. Além disso, as células fagocitárias são recrutadas pelos fatores quimiotáticos, alguns dos quais são produzidos pelas células T. A estratégia para eliminar alguns microrganis- mos intracelulares que infectam fagócitos envolve a ativação de células hospedeiras, que se tornam “armadas” e capazes de matar estes microrganis- mos de maneira inespecífica. A capacidade de ati- var macrófagos está no centro da típica reação de hipersensibilidade do tipo tardia (HTT) e o teste cutâneo é um exemplo excelente das várias casca- tas envolvidas numa dada resposta imune. A pre- missa de um teste cutâneo de HTT é que a injeção intradérmica de um Ag, ao qual o paciente foi ex- posto previamente, leva à insensibilidade local em 48h. A intrincada rede envolvida em tal resposta está ilustrada na FIGURA 146.2. Após a injeção, as Merck_12.p65= 02/02/01, 15:35996 CAPÍTULO 146 – BIOLOGIA DO SISTEMA IMUNE / 997 células de Langerhans, na pele, captam o Ag, pro- cessam e apresentam-no (formam um complexo com MHC de Classe II) a uma célula CD4+ que foi exposta previamente ao Ag (isto é, uma célula de memória de vida longa). Assim que a célula CD4+ prende o complexo Ag-MHC, ela expressa recep- tores de IL-2 e libera várias citocinas (por exem- plo, IFN-γ, IL-2 e fatores quimiotáticos de linfóci- to e macrófago). O IFN-γ induz as células endote- liais a aumentarem sua expressão de moléculas de adesão, facilitando, assim, o ingresso de linfócitos e macrófagos através da barreira endotelial. A IL-2 e o IFN-γ também atuam como sinais de prolifera- ção/diferenciação, permitindo a expansão dos clones de memória de células T e das células T re- cém-chegadas. Quando os macrófagos chegam ao local da injeção, são impedidos de sair pelos fato- res inibidores da migração (MIF), secretados pelas células T ativadas. O IFN-γ e GM-CSF, ambos se- cretados pelas células T, atuam como fatores ativadores de macrófago (MAF). Os macrófagos ativados agora estão “armados” e podem matar mi- crorganismos intracelulares e quaisquer células tu- morais circunvizinhas. Os macrófagos ativados secretam IL-1 e FNT-α, que potencializam a secreção de IFN-γ e GM-CSF, aumentam a expressão de moléculas de aderência sobre as células endoteliais e permitem que estas cé- lulas secretem o fator tecidual, que desencadeia a cascata da coagulação, terminando na deposição de fibrina. Concomitantemente, os linfócitos ativados secretam fator indutor pró-coagulante de macrófa- go (MPIF), que permite a expressão da atividadepró-coagulante de macrófago (MPCA) sobre os ma- crófagos ativados; a MPCA também ativa a casca- ta da coagulação resultando em deposição de fibri- na. A deposição de fibrina é responsável pela in- sensibilidade vista nos testes cutâneos de HTT. A via da HTT é importante para eliminar mi- crorganismos que infectam células fagocitárias. Al- guns microrganismos (por exemplo, vírus) podem infectar células que não possuem o mecanismo lítico e, portanto, não podem ser ativadas para me- diar a morte intracelular. Tais patógenos são elimi- FIGURA 146.2 – Resposta à injeão intradérmica de antígeno. Ag = antígeno; CD = grupos de diferen- ciação; GM-CSF = fator estimulante de colônia de granulócitos e macrófagos; IFN = interferon; IL = interleucina; MAF = fator ativador de macrófago; MIF = fator inibidor da migração; MPCA = ativi- dade pró-coagulante de macrófago; MPIF = fator indutor pró-coagulante de macrófago; Mø = macrófa- go; T = linfócito T; RCT = receptor de célula T; FNT = fator de necrose tumoral. Memria de CD4 Clulas endoteliais Antgenos de ativao T M¿ Molculas de adeso Antgenos de ativao IFN-γ Fatores quimiotticos IL-1, FNT Morte intracelular Lise tumoral Granuloma M¿ ativado MIF MAF (GM-CSF IFN-γ) IL-2 CD4 Ag-Classe II RCT/ CD3 Diferenciao de proliferao MPIF IL-1 TNF Fator tecidualClulas endoteliais Deposio de fibrina Cascata da coagulao Ag Processa- mento de Ag MPCA Merck_12.p65= 02/02/01, 15:35997 998 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS nados por LTC. Após a infecção por vírus, as célu- las expressarão o Ag viral sobre sua superfície em associação com o MHC. Este complexo vírus-MHC estimulará a geração de LTC singênicos que mata- rão as células que o expressam. Dependendo do produto viral estar associado ao MHC de Classe I ou II, o LTC pertencerá aos subtipos CD8 e CD4, respectivamente. Como discutido anteriormente, a associação com cada uma das classes do MHC de- pende da via processadora de Ag; por exemplo, a maioria dos LTC gerados contra o vírus do saram- po e do herpes simples pertence ao subtipo CD4. Na infecção pelo vírus da influenza, os LTC diri- gidos contra o Ag nucleoproteico são CD8, en- quanto aqueles dirigidos contra o Ag hemaglutinina são CD4. CÉLULAS B E IMUNIDADE HUMORAL As células B constituem 5 a 15% dos linfócitos e são morfologicamente indistinguíveis das célu- las T. Entretanto, as células B podem ser fenotipi- camente distinguidas pela Ig de superfície (IgM de superfície nas células B imaturas; IgM de su- perfície e IgD de superfície nas células B madu- ras inalteradas); IgG de superfície, IgA de super- fície ou IgE de superfície nas células B alteradas) e por CD19, CD20, CD21 (CR2), CD49c, CD72 e CD80. As células B podem também expressar MHC de Classe II e uma variedade de outros CD não específicos às células B. Nos linfonodos, as células B são encontradas na área cortical subcap- sular externa, nos folículos primário e secundário e cordões medulares; no baço, elas compreendem a zona marginal e folículos. As células B parecem se desenvolver numa série de etapas programadas. Estas etapas ini- ciam-se na medula óssea com a célula-tronco comprometida, continuam pelos estágios iniciais e finais da célula pró-B (com rearranjo de cadeia gênica pesada D-J) e o estágio da célula pré-B (com rearranjo de cadeia gênica pesada V-DJ bem- sucedido e aparência de cadeias µ de superfície celular e citoplasmáticas) e, finalmente, resul- tam na célula B imatura (com rearranjo de ca- deia leve V-J e aparência de IgM de superfície celular). Não se sabe se o Ag desempenha um papel no decorrer desta seqüência, mas a intera- ção de células B imaturas com o Ag leva à ina- tivação clonal ou tolerância. As células B imatu- ras que não são inativadas podem continuar a se desenvolver em células B maduras inalteradas e deixam a medula para entrar nos órgãos linfói- des periféricos. Ali, a interação entre IgG de su- perfície e Ag estranhos as converte em linfoblas- tos. Finalmente diferenciadas, estas células B se tornam células plasmáticas, que secretam Ig de uma única classe. As células B nos tecidos periféricos estão pré-comprometidas em responder a um número li- mitado de Ag. A primeira interação Ag-célula B é conhecida como a resposta imune primária, e as células B comprometidas que respondem a este Ag são submetidas à diferenciação e proliferação clonal. Algumas se tornam células de memória; outras se diferenciam em células plasmáticas ma- duras que sintetizam Ac. As principais caracterís- ticas da resposta imune primária são um período latente antes do aparecimento de Ac, a produção de apenas uma pequena quantidade de Ac, ini- cialmente IgM e, então, uma alteração do isótipo de Ig (com auxílio da célula T) para IgG, IgA ou IgE. Isto leva à criação de muitas células de me- mória capazes de resposta futura ao mesmo Ag. A resposta imune secundária (anamnéstica ou “booster” – de reforo) ocorre durante encontros subseqüentes com o mesmo Ag. As principais ca- racterísticas incluem a rápida proliferação de célu- las B, diferenciação rápida em plasmócitos madu- ros e a produção imediata de grandes quantidades de Ac, principalmente IgG, que são liberados para o sangue e outros tecidos do organismo, onde po- dem encontrar e reagir efetivamente com o Ac. IgM, IgG e IgA podem ser geradas contra o mesmo Ag. Assim sendo, as células B derivadas de uma única célula B madura inalterada podem se diferenciar numa família de células B geneticamen- te programada para sintetizar Ac de uma única especifidade antigênica, com clones representati- vos comprometidos com a produção de cada clas- se de Ig (por exemplo, IgM, IgG, IgA). As células B podem responder ao Ag de ma- neira T-dependente ou T-independente. Os Ag T- independentes (por exemplo, polissacarídeos pneumocócicos, lipopolissacarídeos da Escherichia coli e polivinil pirrolidina) possuem alto peso mo- lecular com determinantes antigênicos linearmente arranjados repetidos e são altamente resistentes à degradação por enzimas corpóreas. Os Ag T-in- dependentes evocam primariamente uma respos- ta de IgM. Os Ag mais naturais são T-dependentes e neces- sitam de processamento de Ag por células que apre- sentam Ag (CAA). Estas CAA apresentam os Ag a ambas as células, T e B. As células T liberam citocinas que fazem com que a célula B responda ao Ag fabricante de Ac. Durante a estimulação an- tigênica das células B, ocorre uma mudança na pro- dução de IgM para IgG. Esta mudança é depen- dente da célula T “helper” (TH) e pode necessitar Merck_12.p65= 02/02/01, 15:35998 CAPÍTULO 146 – BIOLOGIA DO SISTEMA IMUNE / 999 s s s F(abÕ)2 Fab Fc VH CH1 CH2 CH3 VL CL Regies hipervariveis Regio da dobradia Regio de ativao do complemento Regio de ligao do Fc de diferentes subtipos de células TH e citocinas es- pecíficas. Por exemplo, IL-4 ou IL-13 são neces- sárias para alternar de IgM para IgE. Antígenos e anticorpos Estrutura do Ag e antigenicidade – Um Ag é uma substância que pode evocar respostas imunes específicas. Uma vez formados, os Ac podem se combinar com Ag específicos, muito semelhante a peças de um quebra-cabeças. Os Ac reconhecem os locais de combinação dos Ag, que são configura- ções específicas (epítopos ou determinantes antigê- nicos) presentes nas superfícies de grandes molé- culas de alto peso molecular (por exemplo, proteí- nas, polissacarídeos e ácidos nucleicos). A presença de um tal epítopo torna uma molécula um Ag. Os locais de combinação de Ac e Ag adaptam-se fir- memente com uma grande força de atração, porque as áreas de ligação presentes na superfície de cada molécula são relativamente extensas. A mesma mo- lécula de Ac também pode realizar reação cruzada com Ag relacionados, se seus determinantesde su- perfície forem suficientemente semelhantes aos de- terminantes presentes no Ag original. As substâncias são imunogênicas (antigênicas) se o sistema imune for capaz de reconhecer os determi- nantes antigênicos como “estranhos” (não próprios) e o peso molecular da substância for suficientemente grande. Um hapteno é uma substância de peso mole- cular mais baixo que um Ag, que pode reagir especi- ficamente com o Ac, mas incapaz de induzir à forma- ção de Ac, a menos que se ligue a uma outra molé- cula, geralmente uma proteína (proteína carreadora); por exemplo, a penicilina é um hapteno que pode se ligar sozinho à albumina. Estrutura dos anticorpos (ver FIG. 146.3) – As moléculas de Ac são Ig que possuem uma se- qüência particular de aminoácidos e estrutura terciá- ria para se ligar a uma estrutura complementar no Ag. Apesar de todas as Ig serem provavelmente Ac, não é sempre possível conhecer o Ag ao qual cada Ig é direcionada. A reação Ag-Ac pode desempe- nhar um papel específico na proteção do hospedei- ro contra vírus, bactérias e outros patógenos. As Ig são responsáveis pela maior parte da fração de γ- globulina das proteínas plasmáticas. As Ig são notavelmente heterogêneas e coleti- vamente podem se combinar com um número qua- se ilimitado de Ag, ainda compartilhar algumas pro- priedades comuns. Dentro de cada classe, a Ig monomérica possui uma estrutura similar. Cada molécula é composta de quatro cadeias de poli- peptídeos – duas cadeias pesadas idênticas e duas cadeias leves idênticas. As cadeias pesadas possuem, cada uma, pesos moleculares de cerca de 50.000 a 70.000 dáltons e as cadeias leves possuem cada uma pesos moleculares de cerca de 23.000 dáltons. As ligações de dissulfeto ligam as cadeias e forçam a molécula para a configuração Y comumente reconhecida. A molécula de Ig em forma de Y é dividida em regiões variável (V) e constante (C). A região V está localizada nas extremidades distais dos bra- ços do Y e é assim chamada devido à alta diversi- dade de aminoácidos encontrados ali que, por sua vez, determinam a capacidade da Ig de se combi- nar com Ag. A região C, proximal ao sítio de com- binação de Ag, contém uma seqüência relativamen- te constante de aminoácidos, que é diferente para cada classe de Ig (ver também Imunidade Especí- fica [Aprendida], anteriormente). As regiões hipervariáveis dentro da região V contêm os determinantes idiotípicos, aos quais Ac naturais (chamados Ac antiidiotípicos) podem se ligar. A ligação do anticorpo antiidiotípico com seu determinante idiotípico é importante na regulação das respostas da célula B. Em contraste, os deter- minantes alotípicos na região C dão origem ao Ac FIGURA 146.3 – Molécula de imunoglobina mostrando as cadeias pesadas e leves. CH = região cons- tante da cadeia pesada; CL = região constante da cadeia leve; Fab = fragmento ligante do antígeno; Fc = fragmento cristalizável; VH = região variável da cadeia pesada; VL = região variável da cadeia leve. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:35999 1000 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS antialotípico, que é classe-específico. Sendo assim, cada clone de células B produz sua própria Ig espe- cífica, apresentando uma seqüência específica de aminoácidos que combina com uma configuração de Ag em particular. Entretanto, membros deste clo- ne podem mudar a classe da molécula de Ig, mas ainda irão conservar a cadeia leve e as regiões V. As moléculas de Ac foram fragmentadas usan- do-se enzimas proteolíticas para estudar a relação de estrutura e função (ver FIG. 146.3). A papaína cliva a Ig em dois fragmentos univalentes, Fab (ligante ao Ag) e um fragmento único, Fc (cristali- zável). O Fab consiste em uma cadeia leve e um fragmento de cadeia pesada, contendo as regiões V das moléculas de Ig (os sítios de combinação). O Fc contém a maior parte da região C; este frag- mento é responsável pela ativação do complemen- to e se une aos receptores de Fc nos fagócitos. A pepsina produz um fragmento designado F(ab’)2 que consiste em 2 Fab e uma parte da cadeia pesa- da com ligações de dissulfeto. Cada classe principal de Ig no homem possui uma cadeia pesada correpondente: as cadeias pesadas µ, γ, α, ε e δ são encontradas na IgM, IgG, IgA, IgE e IgD, respectivamente. Há apenas dois tipos de ca- deias leves, λ e κ, encontradas nas cinco classes da Ig humana. Portanto, há dez tipos diferentes de mo- léculas de Ig (por exemplo, IgG-λ, IgG-κ). Três classes de Ig existem apenas na forma monomérica (IgG, IgD e IgE). A IgM circula numa forma penta ou monomérica. Como um pentâmero, a IgM contém cinco moléculas em forma de Y (10 cadeias pesadas e 10 cadeias leves). A IgA ocorre como um monômero, um dímero e um trímero. A IgG possui quatro subclasses (IgG1, IgG2, IgG3, IgG4); a IgA possui duas subclasses (IgA1 e IgA2). As funções biológi- cas específicas estão começando a ser associadas às várias subclasses (por exemplo, IgG4 não fixa com- plemento, nem se liga a monócitos, e a IgG3 possui meia-vida significativamente mais curta que as ou- tras três subclasses da IgG). Tem-se identificado estruturas adicionais. As cadeias de união (J) unem as cinco subunidades de IgM, bem como as subunidades de IgA. A IgA se- cretora possui uma cadeia polipeptídica adicional, o componente secretor (CS), produzido pelas célu- las epiteliais e adicionado à molécula de IgA após a síntese de IgA. Os coeficientes de sedimentação, determinados por análise de ultracentrifugação, têm sido utiliza- dos tradicionalmente para denotar cada classe de Ig. A IgM têm o maior coeficiente de sedimenta- ção em 19S e a IgG possui um coeficiente de apro- ximadamente 7S. Propriedades biológicas de anticorpos – A es- trutura dos aminoácidos na região C da cadeia pe- sada determina o isótipo daquela classe de Ig. Cada classe de Ig cumpre funções diferentes. A IgM, o primeiro Ac formado após imuniza- ção primária (exposição ao novo Ag), protege o espaço intravascular da doença. As moléculas pentaméricas de IgM ativam prontamente o com- plemento e servem como opsonizantes e aglutina- dores para auxiliar o sistema fagocitário na elimi- nação de vários tipos de microrganismos. As iso- hemaglutininas e muitos Ac para microrganismos Gram-negativos são IgM. A IgM monomérica atua como um receptor de Ag na membrana da superfí- cie da célula B. A IgG, o tipo mais prevalente de Ac sérico, é encontrada nos espaços extravasculares; é produ- zida quando os títulos de IgM começam a diminuir após a imunização primária. A IgG é a principal Ig produzida após a reimunização (resposta imune da memória ou resposta imune secundária). A IgG protege os tecidos das bactérias, vírus e toxinas. A IgG é a única Ig que cruza a placenta. As dife- rentes subclasses de IgG neutralizam as toxinas bacterianas, ativam o complemento e facilitam a fagocitose através da opsonização. A γ-globulina comercial é quase inteiramente constituída por IgG, com pequenas quantidades de outras Ig. A IgA é encontrada nas secreções das mucosas (saliva, lágrimas, tratos respiratório, GU e GI e colostro), onde a IgA constitui uma defesa antibac- teriana e antiviral inicial. A IgA secretora é sinteti- zada nas regiões subepiteliais dos tratos GI e respi- ratório, estando presente em combinação com o componente secretor (CS) produzido localmente. As poucas células produtoras de IgA são encontra- das nos lifonodos e no baço. A IgA sérica não con- tém CS. A IgA sérica fornece proteção contra Brucella, difteria e poliomielite. A IgD está presente no soro em concentrações extremamente baixas, embora apareça na superfí- cie das células B em desenvolvimento, podendo ser importante em seu crescimento e desenvol- vimento. A IgE (anticorpo da reagina, sensibilizador cu- tâneo ou anafilático), como a IgA, é encontrada principalmente nas secreções mucosas respiratórias e GI. No soro, a IgE está presente emconcentra- ções muito baixas. A IgE interage com os mastóci- tos; a ligação de duas moléculas de IgE pelo alérgeno pode causar desgranulação das células, com a liberação dos mediadores químicos que cau- sam uma resposta alérgica. Os níveis de IgE são elevados nas doenças atópicas (por exemplo, asma alérgica ou extrínseca, febre do feno e dermatite atópica), doenças parasitárias, mal de Hodgkin avan- çado e no mieloma monoclonal de IgE. A IgE pode ter um papel benéfico na defesa contra parasitas. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351000 CAPÍTULO 146 – BIOLOGIA DO SISTEMA IMUNE / 1001 Ensaios para imunoglobulinas IgG, IgM e IgA estão presentes no soro em con- centrações altas o suficiente para poderem ser quan- tificadas por várias técnicas que mensuram qualquer Ag. Uma técnica mais antiga é a imunodifusão radial (técnica de Mancini), na qual o soro contendo Ag é colocado num alvéolo de uma placa de ágar conten- do Ac; o tamanho dos arcos de precipitina que se formam no ágar é proporcional à concentração de Ag no soro. Para quantificar as concentrações espe- cíficas de muitas proteínas séricas, inclusive Ig, muitos laboratórios estão usando, atualmente, a ne- felometria, um método rápido e altamente reprodu- zível que utiliza o princípio da dispersão molecular da luz. A imunoeletroforese também é utilizada, oca- sionalmente, para identificar Ig, particularmente Ig monoclonal (ver MIELOMA MÚLTIPLO no Cap. 140). A IgE está presente no soro em quantidades tão pe- quenas que deve ser medida por radioimunoensaio ou por ensaio imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA). A IgE dirigida contra Ag específico é me- dida utilizando-se o teste radioalergoabsorvente (RAST – ver Cap. 148). As subclasses de Ig podem ser medidas por radioimunoensaio ou ELISA. Anticorpos monoclonais Os Ac in vivo quase sempre são policlonais (pro- duzidos por > 1 clone), exceto no caso de uma ga- mopatia monoclonal. Da mesma forma, até recen- temente, os Ac produzidos em animais para testes diagnósticos eram policlonais. A técnica do hibri- doma permite a produção de grande quantidade de Ac monoclonal em animais. Primeiro, um camun- dongo é imunizado com o Ag desejado. Quando o camundongo produz Ac, seu baço é removido para preparar uma suspensão de células, algumas das quais produzem o Ac desejado. Então, estas célu- las que produzem Ac são fundidas com uma linha celular de mieloma que foi mantida em cultura tecidual e não produz anticorpo. As células fun- didas individualmente que produzem o Ac mono- clonal desejado são isoladas, cultivadas em cul- tura tecidual para aumentar o número de células, e reinjetadas no peritônio do camundongo. O líquido ascítico contendo o Ac monoclonal pode ser facilmente produzido e coletado para proporcionar altas concentrações de Ac. Os la- boratórios de fermentação produzem preparações comerciais de Ac monoclonais. Os Ac monoclonais são agora amplamente uti- lizados para: 1. medida de níveis séricos de pro- teínas e drogas; 2. tipagem de tecidos e sangue; 3. identificação de agentes infecciosos; 4. iden- tificação de grupos de diferenciação (CD) para classificação e acompanhamento de leucemias e linfomas; 5. identificação de antígenos tumorais; e 6. identificação de auto-anticorpos numa va- riedade de doenças. O uso do Ac monoclonal favoreceu a identificação da miríade de células envolvidas na resposta imune. REGULAÇÃO DE RESPOSTAS IMUNES HUMORAIS A capacidade de organizar uma resposta imune humoral é, em grande parte, determinada genetica- mente. Os genes do MHC regulam o reconheci- mento do Ag pelas células T. Também são impor- tantes a capacidade das células apresentadoras de Ag (CAA) apontarem o Ag e o potencial da célula B em produzir Ac. O controle da resposta imune é crítico. De outro modo, a produção ilimitada de Ac (particularmente ao Ag próprio) poderia levar à autodestruição. A res- posta imune humoral é regulada, primeiro, pelo de- saparecimento natural da substância estranha esti- mulante (por exemplo, bactéria) na medida em que ela é eliminada do corpo. A regulação adicional é pelo Ac e células T, pela rede idiotípica de Ac e pe- las citocinas. O Ag pode realizar uma ligação cruza- da com o receptor de Ag específico nas células B para alguns receptores Fcγ e, deste modo, suprimir a ativação das células B inalteradas. O Ac anti- idiotípico reage com os determinantes idiotípicos na região V da molécula de Ig. Isto ocorre porque a região V de cada molécula de Ac é única para o Ac produzido por aquele clone. Por sua vez, cada Ac antiidiotípico pode possuir idiotipos que serão reconhecidos por outros Ac antiidiotípicos e o pro- cesso de uma Ig reagindo com outra pode continuar. Desta maneira, o Ac antiidiotípico pode suprimir a produção de Ac idiotípico pelo bloqueio de recepto- res nas células B e T. Este fenômeno explica como a doença do Rh no recém-nascido pode ser evitada através da administração passiva de Ac IgG anti-Rh (anti-D) à mãe. SISTEMA COMPLEMENTO É um sistema de > 34 proteínas interagindo numa cascata (semelhante à do sistema de coagula- ção) que leva a uma variedade de processos bio- lógicos. Muitas proteínas do complemento são enzimas que existem no soro como precursores inativos (zimógenos); muitas outras estão presentes nas su- perfícies celulares. As proteínas do complemento constituem cerca de 10% das proteínas séricas, com Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351001 1002 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS o terceiro componente (C3) presente na maior par- te da concentração (cerca de 1,5mg/mL). Quanto aos componentes do sistema complemento, ver TA- BELAS 146.2 e 146.3. As três vias de ativação do complemento são chamadas de clássica, alternativa e lectina ligante a manan (LLM) (ver FIG. 146.4). Todas são dire- cionadas à única etapa mais importante da ativa- ção, a clivagem de C3. A via final comum é cha- mada de via terminal ou complexo de ataque de membrana (CAM). Nomenclatura – Os componentes da via clássi- ca estão rotulados com uma letra C e um número (por exemplo, C1, C3). Devido à seqüência na qual eles foram identificados, os primeiros quatro com- ponentes são numerados C1, C4, C2 e C3. Os com- ponentes da via alternativa receberam letras (por exemplo, B, P, D). Alguns componentes são chama- dos de Fatores (por exemplo, Fator B, Fator D). Os componentes ou complexos ativados possuem uma barra sobre eles para indicar ativação (por exem- plo, , , , ). Os fragmentos de clivagem são designados como uma letra minúscula após o componente (por exemplo, C3a e C3b são fragmen- tos de C3). O C3b inativo é designado como iC3b. As cadeias de polipeptídeos de proteínas do com- plemento são designadas como uma letra grega após o componente (por exemplo, C3α e C3β são as ca- deias α e β de C3). Os receptores de membrana ce- lular para C3 são abreviados CR1, CR2, CR3 e CR4. Via clássica Ativaão – A via clássica (ver FIG. 146.5) é ati- vada normalmente pelos Ac que se fixam ao com- plemento (Ac que se liga ao complemento), que está nos complexos Ag-Ac ou aos quais o Ac (IgG ou IgM) está agregado. Sendo assim, a via clássica satisfaz a imunidade específica porque apenas Ac de classes específicas, formado em resposta à esti- mulação de Ag, é capaz de ativar esta via. A ma- cromolécula C1 é um complexo dependente de Ca++ de uma molécula de C1q, duas de C1r e duas de C1s. A macromolécula C1 permanece intacta ape- nas quando Ca++ estiver presente; de outro modo, as subunidades individuais se dissociam uma da outra. A ativação ocorre quando dois dos seis mo- nômeros de C1q se ligam às regiões Fc de duas moléculas de IgG ou a uma molécula de IgM pentamérica. As duas moléculas de IgG devem ser apropriadamente espaçadas para causar ativação, enquanto uma molécula pentamérica única de IgM possui aquela proximidade em sua estrutura. Por- tanto, a IgM é muito mais eficientena ativação do complemento do que a IgG. A atividade da IgG está na ordem IgG3 > IgG1 > IgG2. A IgG4 não fixa o complemento. Uma vez a Ig estando unida ao C1q, a molécula C1q é submetida a uma mudança na estrutura terciária, causando ativação autocatalítica de C1r para . O C1r, então, cliva uma ligação em C1s para produzir . Nenhum fragmento de clivagem é liberado quando C1r ou C1s são clivados. A também é chamada de esterase. A pode clivar C4 em C4a e C4b. O C4b, o principal fragmento de clivagem, se liga à membrana se esta estiver presente. O pode clivar C2 livre para produzir C2a e C2b, que é um processo ineficaz, ou clivar C2 em um complexo C4b,C2 para produ- zir C4b,C2a e C2b livre, que é um processo muito eficiente. O C2a é o principal fragmento de cliva- gem de C2. Se C2 livre tiver sido clivado, então C2a deve se unir a C4b para formar um complexo C4b,2a ou o C2a degradará e ficará inativo. C4b,2a é a via clássica da C3 convertase, que pode clivar C3 em C3a e C3b. O C2a contém o sítio enzimáti- co para clivagem de C3. C4b,2a necessita da pre- sença de magnésio e se degrada, com o decorrer do tempo, em temperaturas fisiológicas. FIGURA 146.4 – Vias do complemento. Os componentes estão relacionados entre parênteses; as pro- teínas reguladoras estão colocadas entre colchetes em itálico. LLM= lectina ligante a manan. Complexos antgeno-anticorpo Ativao da via clssica (C1,C4,C2) [C1INH,C4BP,I] Carboidratos Ativao da via de LLM (LLM, MASP-1, MASP-2) Clivagem de C3 Via terminal (C3,C5,C6,C7,C8,C9) [CD59, HRF] Lise Substncias naturais (por exemplo, paredes de fungos, hemcias de coelhos) Ativao da via alternativa (C3b,B,P,D) [H,I] Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351002 CAPÍTULO 146 – BIOLOGIA DO SISTEMA IMUNE / 1003 A via clássica também pode ser ativada por me- canismos independentes de Ac. A heparina (um an- ticoagulante polianiônico) e a protamina (um poli- cátion usado para bloquear a heparina), quando presentes em concentrações equimolares, podem ativar a via clássica. Pensou-se que vários outros poliânions (por exemplo, DNA e RNA) fossem capazes de reagir diretamente com o C1q para ati- var a via clássica. A proteína C-reativa é capaz de levar à ativação da via clássica sem a presença de Ac. As vias de desvio de C1 também foram des- critas, as quais não utilizam componentes da via TABELA 146.2 – COMPONENTES DO COMPLEMENTO E PROTEÍNAS REGULADORAS Concentração Número de Peso plasmática cadeias na molecular ou sérica Nome do molécula (dálton – (µg/mL – Fragmentos componente ativa aproximado) aproximado) de clivagem Cromossomo Via C1q 18 410.000 70 – 300 1 clássica C1r 1 83.000 34 – 100 12 precoce C1s 1 85.000 30 – 80 12 C 4 3 204.000 350 – 600 C4a, C4b, 6 C4c, C4d, C2 1 102.000 15 – 30 C2a, C2b 6 Terceiro C3 2 190.000 1.200 – 1.500 C3a, C3b, 19 componente C3c, C3d, C3f, C3g, C3dg, C3d-K iC3b Complexo de C5 2 196.000 70 – 85 C5a, C5b 9 ataque C6 1 125.000 60 –70 5 de mem- C7 1 120.000 55 – 70 5 brana C8 3 150.000 55 – 80 1,9 (complexo C9 1 66.000 50 – 160 5 de comple- mento ter- minal) Via Fator B 1 100.000 140 – 240 Ba, Bb 6 alternativa P 4 224.000 20 – 30 X Fator D 1 24.000 1 – 2 ? Via da Lectina ligante 18 540.000 1 10 lectina a manan ligante MASP-1 1 94.000 ? a manan MASP-2 1 76.000 ? Controle C1INH 1 105.000 180 – 275 11 da via C4BP 7 550.000 250 1 clássica Controle Fator H 1 150.000 300 – 560 1 da via Fator I 2 100.000 34 – 50 4 alternativa Controle AI 310.000 35 ? misto Proteína S 83.000 150 – 500 17 (vitronectina) Fator J 1 20.000 2,6 – 8,2 ? SP40,40 80.000 50 8 Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351003 1004 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS clássica, mas resultam em clivagem de C3. Uma destas foi caracterizada como a via de LLM. Regulaão – A via clássica é regulada pelo ini- bidor da C1 esterease (C1INH), que se liga estoi- quiometricamente (1:1) ao C1r e C1s e ao e para inativar estas proteínas permanentemen- te. O C1INH também se liga estoiquiometricamente à plasmina, calicreína, Fator de Hageman ativado e Fator XIa da coagulação. Sua ausência leva a an- gioedema hereditário (ver Cap. 148). O Fator J é uma glicoproteína catiônica que também inibe a atividade de C1. A proteína ligante de C4 (C4BP) desune o complexo C4b,2a, permitindo que o Fa- tor I inative C4b. Via alternativa Ativaão – A via alternativa (ver FIG. 146.6) é ativada por substâncias naturais (por exemplo, paredes de fungos, fator do veneno de cobra, fator nefrítico, parede celular bacteriana [endo- toxina] e hemácias de coelho [in vitro]) e por IgA agregada como uma resposta imune inespe- cífica (inata), isto é, não é necessário uma sensi- bilização prévia. A via alternativa não envolve C1, C4 ou C2, mas leva à clivagem de C3. Esta via depende da clivagem constante de pequenas quantidades de C3 em C3a e C3b. Essa clivagem natural de C3 é pouco compreendida e acredita- se que ocorra através da ação inespecífica de enzimas sobre C3 ou pelo baixo nível de ativida- de das outras duas vias. O C3b serve, assim, como um substrato para o Fator B produzir o complexo C3b,B. O Fator D (uma enzima ativada no plas- ma) cliva o Fator B para produzir C3b, Bb. A properdina (P) estabiliza este complexo C3b,Bb para retardar a sua deterioração. C3b,Bb e C3b,Bb,P são as C3 convertases da via alternativa, as enzimas que clivam C3 em C3a e C3b. O Bb contém o sítio enzimático para clivar C3. O C3b, Bb requer a presença de magnésio e se deteriora com o tempo. A via alternativa também é vista como uma via de amplificação, pois um complexo C3b,Bb pode clivar muitas moléculas de C3. Entretanto, também ocorre amplificação quando é produzido e quando C4b,2a é formado. Cada uma destas enzi- mas pode clivar centenas de moléculas, levando à rápida ativação do complemento. TABELA 146.3 – PROTEÍNAS DA MEMBRANA Número de Peso cadeias na molecular Nome do molécula (dálton – componente nativa aproximado) Especificidade Células Cromossomo CR1 (CD35) 1 160.000 – C3b, C4b M, RBC, B, 1 250.000 G CR2 (CD21) 1 140.000 C3d, C3dg, iC3b B 1 CR3 (CD11B) 2 265.000 iC3b G, M, Mac 21, 16 α-165.000 16 β-95.000 21 CR4 1 ? C3dg Plt ? DAF (CD55) 1 70.000 C4b, 2a, C3b, Bb RBC, Plt 1 MCP (CD46) 1 45.000 – C3b, C4b B, T, Neut 1 70.000 M gp150,95 2 245.000 iC3b G, M, Mac 21, 16 α-150.000 16 β-95.000 21 C3aR ? ? C3a, C4a G, Mast, Plt ? C5aR 1 45.000 C5a, C5a desarg G, Mast, M, 19 Mac, Plt HRF 1 65.000 C8, C9 RBC ? CD59 1 20.000 C8, C9 M, RBC, T, 11 Neut C1qR 1 65.000 C1q B, M, Mac, 12? Plt, Endo B = células B; Endo = células endoteliais; G = granulócitos; M = monócitos; Mac = macrófagos; Mast = mastócitos; Neut = neutrófilos; Plt = plaquetas; T = células T. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351004 CAPÍTULO 146 – BIOLOGIA DO SISTEMA IMUNE / 1005 Regulaão – O complexo C3b,Bb da via alter- nativa é regulado por vários fatores. A properdina retarda a deterioração do complexo C3b,Bb, au- mentando a sua meia-vida de aproximadamente 4 para 40min. As substâncias aceleradoras da de- gradação (por exemplo, Fator H ou fator acele- rador da degradação[FAD]), competem com B para a ligação ao C3b (por exemplo, para produ- zir C3b,H), diminuindo a meia-vida do comple- xo C3b,Bb e provocando dissociação do com- plexo em C3b e Bb. O Fator I atua em C3b,H para degradar C3b (levando à produção de iC3b, C3c, C3d, C3f e C3dg). As circunstâncias sob as quais o complexo C3b,Bb se forma determinarão se a via alternativa será ou não ativada. As superfícies sobre as quais o complexo C3b,Bb pode se ligar são superfícies ativadoras (por exemplo, parede de fungos, hemá- cias de coelho) ou superfícies não ativadoras (por exemplo, hemácias de carneiro). As superfícies ativadoras impedem que o Fator H se ligue ao C3b, enquanto as superfícies não ativadoraspermitem que o Fator H se ligue ao C3b e dissocie o C3b,Bb. Portanto, o complexo C3b,Bb permanece ativo muito mais tempo numa superfície ativadora do que numa não ativadora. Os mecanismos anteriormente descritos expli- cam como a via alternativa é ativada in vivo. O fa- tor do veneno de cobra (FVCo) é como C3b de cobra; o complexo FVCo,Bb é muito estável e não é suscetível à ação de degradação do Fator H. Por- tanto, O FVCo,Bb pode levar à ativação e cliva- gem quase total de C3. O fator nefrítico C3 (FNeC3) é encontrado no soro de aproximadamente 10% dos pacientes com glomerulonefrite membranoprolife- rativa e é uma Ig dirigida ao complexo C3b,Bb. O FNeC3 atua como a properdina, exceto pelo fato FIGURA 146.5 – Ativaão da via clássica. FIGURA 146.6 – Ativaão e regulaão da via al- ternativa. + C4 C4b + C2a C2 C2b C4b,2a C4a C1s iC3b H P H B C3b, Bb Ba IiBb C3b C3b,B C3b ,Bb ,P D Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351005 C1q C1(C1q2C1r2C1s) Clcio 2C1r e 2C1s Ag-Ac+ Ac- Ac- C1q2C1r2C1sC1q2C1r2C1s C1q2C1r2C1s Ag Ag 1006 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS do complexo C3b,Bb, FNeC3 ser relativamente resistente à atividade degradante do Fator H. As paredes de fungos (zimosan) e certas membra- nas (por exemplo, hemácias de coelho) são super- fícies ativadoras, nas quais um complexo C3b,Bb é protegido da atividade de degradação do Fator H. Via de lectina ligante a manan A via de lectina que se liga a manan (LLM) de- pende do reconhecimento inato de substâncias es- tranhas (isto é, carboidratos) para a ativação. Esta via possui similaridades estruturais e funcionais com a via clássica. A LLM é similar ao C1q, e MASP-1 e MASP-2 parecem ser similares a C1r e C1s na via clássica, respectivamente. Sendo assim, MASP-2 pode clivar C4 e levar à formação de C3 convertase derivada da via de LLM. Clivagem de C3 e suas conseqüências As C3 convertases clivam C3 em C3a e C3b, que gera um ponto de ligação metastável em C3b para as membranas. Se uma superfície ou mem- brana estiver disponível imediatamente após C3 ter sofrido a atuação da C3 convertase, o C3b pode se ligar covalentemente. Se uma membrana ou superfície não estiver disponível, então o C3b se torna C3b de fase fluida e é incapaz de se ligar covalentemente às superfícies celulares. O C3 também pode tornar-se similar ao C3b, se trata- do com metilamina. Uma vez que o C3b tenha se ligado à membrana através do ponto de união metastável lábil, ele pode participar das ativida- des biológicas por ligar-se a uma variedade de receptores de C3, funcionar como um ponto de liga- ção eficiente para B para causar mais clivagem de C3 através da via alternativa, participar da forma- ção de uma C5 convertase, ou sofrer a atuação do Fator I e um co-fator para formar iC3b. Assim, o C3b pode ligar-se covalentemente às membranas através de seu ponto de ligação tiolester metastável e, uma vez ligado, pode interagir com vá- rios receptores dependendo da disponibilidade dos receptores de C3 nas células e do estado de degrada- ção do C3. Não se deve confundir ligação à membra- na através de ponto de ligação metastável covalente com ligação não covalente aos receptores. Complexo de ataque de membrana – via terminal A C3 convertase (por exemplo, C3b,Bb) pode tor- nar-se uma C5 convertase (por exemplo, C3b,Bb,3b) pela adição de um C3b ao complexo (ver FIG. 146.7). A C5 convertase cliva C5 em C5a e C5b, começando a formação do complexo de ataque de membrana (CAM). O C6 pode, então, ligar-se a C5b para produ- zir C5b,6. Depois, C7 pode ligar-se para formar C5b,6,7, que se pode ligar às membranas e camadas lipídicas duplas. Quando isto ocorre sobre uma cé- lula que, por outro modo, não possui qualquer pro- duto do complemento sobre si, é chamado de fenô- meno do espectador inocente (e pode causar hemó- lise da célula inocente). O C8 pode ligar-se ao com- plexo C5b,6,7 para formar C5b,6,7,8, que pode cau- sar lise lenta e ineficiente da célula. Finalmente, o C9 se liga ao complexo para produzir C5b,6,7,8,9, que inicia a lise celular substancial. Conforme as mo- léculas adicionais de C9 são acrescentadas ao com- plexo C5b-9, aumenta a lise. O CAM é regulado pela proteína S, também chamada de vitronectina (que con- trola a atividade de C5b-7), pelo fator de restrição homólogo (FRH), por SP 40,40 e CD59 (que regula a atividade de C8,9). Atividades biológicas associadas à ativação do complemento A lise celular é apenas uma das muitas ativida- des biológicas associadas à ativação do complemento e pode não ser a mais importante. A lise é vista clini- camente em pacientes com hemoglobinúria noturna paroxística, uma doença rara na qual há deficiências do fator de aceleração da degradação (FAD) das pro- teínas da membrana, do FRH (fator de restrição homólogo) e CD59. Os receptores de complemento estão presentes numa variedade de células. O CR1, a proteína co-fator de membrana (PCM,CD46) e o FAD (CD55) regulam a quebra do C3b. O FRH e CD59 impedem a formação do complexo de ataque da membrana sobre células homólogas. O CR1 (CD35) também desempenha um papel no “clearance” dos comple- xos imunes. O CR2 (CD21) regula as funções da célula B (produção de Ac) e é o receptor do vírus FIGURA 146.7 – Formaão das C5 convertases. C5 convertase alternativa +C3b, Bb C3b, Bb, 3b C3b+C3a C3 C3b+C3a C3b, Bb C4b,2a +C4b,2a C4b,2a,3b C5 C5a+C5b C5 C3 convertase da via alternativa C3 convertase da via clssica C5 convertase clssica Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351006 CAPÍTULO 146 – BIOLOGIA DO SISTEMA IMUNE / 1007 Epstein-Barr. O CR3 (CD11b/CD18) participa da fagocitose, mediando a aderência de partículas co- bertas por iC3b para fagocitose. O CR4 aparece so- bre plaquetas e tem sido bem menos estudado do que outros receptores C3. O gp150,95 desempenha um papel na migração de monócitos. Os receptores de C3a e C4a ligam C3a e C4a, respectivamente. O receptor C5a liga C5a de C5adesarg (C5a sem a arginina terminal). O receptor C1q liga a porção de colágeno de C1q, permitindo a ligação de comple- xos imunes a fagócitos. O C3a e C5a possuem uma atividade de anafi- latoxina e o C4a possui fraca atividade de ana- filatoxina. As anafilatoxinas promovem aumento da permeabilidade vascular, contração de músculos li- sos e desgranulação de mastócitos. As anafilatoxinas são reguladas pelo inativador de anafilatoxina (car- boxipeptidase N) que, dentro de segundos, remove a carboxiarginina terminal. Quimiotaxia é a atração de células para a área de inflamação. A C5a possui ambas as atividades de anafilatoxina e quimiotaxia, porém C3a e C4a não são quimiotáticos. A quimiotaxia também foi descrita com iC5b-7. As atividades de neutrófilos e monócitos são reguladas por C5a e C5adesarg. O C5a pode provo- car aumento da aderência das células, desgranula- ção e liberação de enzimas intracelulares dos gra- nulócitos, produção de O2 tóxico e início de outros eventos metabólicos celulares. O “clearance” dos complexos imunes é uma função importante do complemento. A via clássica pode impedir a formação de grandes complexos imunes, e a via alternativa pode aumentar a solubi- lidade dos complexos imunes. As proteínas do complemento também podem ter uma variedade de outras atividades biológicas. Os fragmentos de C3 (C3d ou C3dg) podem auxi- liar a regular a produção de Ac através de CR2 nas células. O angioedema hereditário, que é causado por uma deficiência de inibidor de C1, pode ser me- diado por uma substância pouco descrita do tipo cinina. Um fragmento mal definido de C3 (C3e, fa- tor mobilizante de leucócitos) pode provocar a mo- bilização dos leucócitos da medula óssea. O fragmen- to Bb do Fator B aumenta a disseminação e aderên- cia de macrófagos. A ativação do complemento tam- bémpode neutralizar vírus e provocar leucocitose. Testes para a atividade funcional do complemento O teste do complemento hemolítico total (CH50) mede a capacidade da via clássica e do CAM de lisar uma hemácia de carneiro ao qual um Ac foi ligado. O CH 50 da via alternativa (CH 50 de coelho ou APCH 50) mede a capacidade da via alternativa e do CAM de lisar uma hemácia de coe- lho. Podem-se utilizar os testes hemolíticos para me- dir a atividade funcional de componentes específi- cos de cada via. As proteínas do complemento tam- bém podem ser medidas utilizando-se técnicas an- tigênicas (por exemplo, nefelometria, difusão em ágar gel ou imunodifusão radial). O complemento também pode ser usado como um reagente para auxiliar no diagnóstico. No teste de fixaão do complemento, o soro do paciente é aquecido para destruir as enzimas do complemento. Então, o Ag (por exemplo, partícula viral) e comple- mento adicional são acrescentados ao soro do pa- ciente e a mistura é incubada. Finalmente, as hemá- cias de carneiro são adicionadas e a incubação é con- tinuada. Se o sistema complemento for ativado pela presença de Ac no soro do paciente, a atividade he- molítica do complemento será esgotada e não have- rá lise das hemácias. Se não houver Ac no soro do paciente, então as hemácias serão lisadas. RESOLUÇÃO DE UMA RESPOSTA IMUNE Uma resposta imune pode ser associada à proli- feração maciça e diferenciação de linfócitos (por exemplo, amígdalas dilatadas por inflamação de garganta). O que acontece com os linfócitos quan- do a infecção é controlada? Conforme menciona- do anteriormente, uma resposta imune está asso- ciada à secreção de várias citocinas. Quando a in- fecção é controlada e os Ag são removidos, a secre- ção de citocina cessa. Quando a secreção de citocina cessa, os linfócitos são submetidos à apoptose. Há duas maneiras pelas quais uma célula morre. 1. A necrose se refere às mudanças morfológi- cas que ocorrem quando uma célula morre por le- são grave e repentina (por exemplo, lise osmótica, isquemia, hipertermia, trauma químico). A maior parte da lesão está na membrana plasmática, levan- do à perda da capacidade de regular a pressão os- mótica, resultando em ruptura da célula, espalhan- do seu conteúdo no tecido circundante. Isto desen- cadeia uma resposta inflamatória. 2. A aoptose (também chamada de morte celu- lar programada) é muito comum nos invertebra- dos. Por exemplo, após uma borboleta sair de seu casulo, ela não precisa mais dos músculos que usa- va para aquele processo; estes músculos são subme- tidos à morte celular programada. Nos mamíferos, a apoptose se refere ao processo pelo qual uma célula “comete suicídio” e é caracterizada por uma série de mudanças morfológicas. A apoptose começa pela condensação de cromatina (secundária à ativação de Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351007 1008 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS endonuclease endógena, que degrada o DNA) e que- bra do núcleo em colapso em pequenos fragmentos. A zeiose (empolamento da membrana plasmática) ocorre simultaneamente e pode servir como sinal para fagocitose pelos macrófagos circundantes. Diferen- temente do que ocorre na necrose, esta fagocitose ime- diata não permite mais o espalhar do conteúdo celu- lar e impede o desenvolvimento da inflamação. A apoptose é um processo ativo e envolve a in- dução das várias moléculas e vias. Duas vias en- volvidas na apoptose ilustram as possíveis doen- ças que podem resultar da apoptose normal. Uma enzima chamada Bcl-2 pode inibir a apoptose. Por- tanto, se um linfócito for induzido para expressar Bcl-2, ele não morrerá e irá persistir; isto ocorre em alguns linfomas (Bcl defende a célula B do linfoma, onde o Bcl-2 foi observado pela primei- ra vez). Uma interação molécula-ligante na super- fície celular também está envolvida na apoptose. Muitas células expressam Fas (CD95) na sua su- perfície. A ligação cruzada de Fas ativa a via de apoptose. Este é um mecanismo principal pelo qual LTC mata suas células-alvo de modo que o LTC adquire o Fas ligante; o Fas ligante une o Fas à célula-alvo, levando à ativação da apoptose na célula-alvo. A ausência de Fas ou Fas ligante pode, teoricamente, levar à persistência de linfó- citos e linfadenopatia maciça. Isto ocorre em mo- delos animais onde a deficiência de Fas (lpr de camundongos) ou Fas ligante (gld de camundon- gos) acarreta linfadenopatia maciça e auto-imu- nidade. As anormalidades de Fas foram relatadas em humanos e são a causa subjacente da síndro- me Canale-Smith. Certos órgãos (por exemplo, retina, testículos) são “locais privilegiados” ignorados ou tolerados pelo sistema imune. Hoje, parece que estes órgãos expressam uma alta densidade de Fas ligante na sua superfície celular. Qualquer linfócito que tenta atacá-los terá seu Fas com ligação cruzada e o lin- fócito em si será submetido à apoptose. Tal estraté- gia de evasão imune também é empregada por muitos tumores; alguns expressam Fas ligante na sua superfície e, deste modo, induzem apoptose em qualquer linfócito que os tente atacar. 147␣ /␣ DOENÇAS POR IMUNODEFICIÊNCIAS É um grupo de condições diversas causadas por um ou mais defeitos no siste- ma imune e clinicamente caracterizado por suscetibilidade aumentada para infecções com conseqüente doença grave, aguda, recorrente ou crônica. Um distúrbio por imunodeficiência deve ser consi- derado em qualquer indivíduo que apresente episódios de infecções com gravidade e freqüência incomuns, infecções resistentes, ausência de períodos assintomá- ticos; de um microrganismo não usual; ou com com- plicações graves e não esperadas. Como as doenças por imunodeficiências são relativamente incomuns, outras condições que levam a infecções recorrentes devem ser consideradas primeiro (ver TABELA 147.1). Se estes distúrbios puderem ser excluídos, deve-se sus- peitar de um defeito na defesa do hospedeiro. IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS E SECUNDÁRIAS As imunodeficiências podem ser primárias ou secundárias. A imunodeficiência primária é clas- sificada em quatro grupos principais, de acordo com o componente deficiente do sistema imune: célu- las B, Células T, células fagocitárias ou comple- mento. (Uma visão geral dos componentes do sis- tema imune é dada no Cap. 146.) Mais de 70 imunodeficiências primárias foram descritas e pode existir considerável heterogeneidade dentro de cada distúrbio. A classificação das deficiências primá- rias é mostrada na TABELA 147.2 (variantes não usuais são excluídas). Os defeitos de célula T incluem vários distúr- bios graves com defeitos associados das células B (anticorpos), o que é compreensível, uma vez que as células B e T se originam de uma cadeia de células comum primitiva e as células T influen- ciam a função das células B. As doenças fagoci- tárias incluem distúrbios nos quais o defeito pri- mário é de movimento celular (quimiotaxia) e aqueles nos quais o defeito primário é de ativi- dade microbiana. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351008 CAPÍTULO 147 – DOENÇAS POR IMUNODEFICIÊNCIAS / 1009 TABELA 147.1 – DISTÚRBIOS COM SUSCETIBILIDADE AUMENTADA A INFECÇÕES INCOMUNS Distúrbios circulatórios e sistêmicos Distúrbios obstrutivos Defeitos integumentares Imunodeficiências secundárias Anemia falciforme, diabetes me- lito, nefrose, veias varicosas, de- feitos cardíacos congênitos Estenose ureteral ou uretral, asma brônquica, bronquiec- tasia, rinite alérgica, tuba de Eustáquio bloqueada, fibrose cística Eczema, queimaduras, fraturas do crânio, trato sinusal de linha média, anormalidades ciliares Desnutrição, prematuridade, linfoma, esplenectomia, uremia, terapia imunossu- pressora, enteropatia com perda de proteínas, doenças virais crônicas Tipo de Tipo de distúrbio Condições distúrbio Condições Imunodeficiências primárias Fatores microbioló- gicos incomunsCorpos estranhos Agamaglobulinemia ligada ao cromossomo X, síndrome de DiGeorge, doença granulomatosa crônica, deficiência de C3 Supercrescimento antibiótico, in- fecções crônicas com micror- ganismos resistentes, reinfecção contínua (suprimento de água contaminada, contato infeccio- so, equipamento de terapia de inalação contaminado) “Shunts” ventriculares, cateter venoso central, válvulas cardíacas artificiais, cateter urinário, corpos estranhos aspirados Modificado a partir de Stiehm ER: Immunologic Disorders in Infants and Children, 4» ed. Philadelphia, WB Saunders Company, 1996, p. 202; utilizado com permissão. TABELA 147.2 – CLASSIFICAÇÃO, HERANÇA E ASPECTOS ASSOCIADOS DOS DISTÚRBIOS DE IMUNODEFICIÊNCIA PRIMÁRIA Distúrbio Achados associados Deficiências de célula B (anticorpos) Agamaglobulinemia ligada ao cromossomo X Deficiência de Ig com hiper IgM (XL) Deficiência de IgA Deficiências da subclasse de IgG Deficiência de anticorpo com Ig normais ou elevadas Imunodeficiência com timoma Imunodeficiência variável comum Hipogamaglobulinemia transitória da infância Deficiências de célula T (celulares) Deficiência predominante de célula T Síndrome de DiGeorge Candidíase mucocutânea crônica Imunodeficiência combinada com Ig (síndrome de Nezelof) Deficiência de fosforilase nucleosídeo (AR) Deficiência de célula exterminadora natural Linfocitopenia idiopática de CD4 Deficiências combinadas de células T e B Imunodeficiência combinada grave (AR ou XL) Infecção piogênica após 6 meses de idade Neutropenia, linfadenopatia Auto-imunidade; alergia respiratória ou alimentar; in- fecção respiratória; freqüentemente assintomática Deficiência de IgA – Anemia aplásica Auto-imunidade Prematuridade Hipocalcemia, fácies peculiar, anormalidades do arco aórtico, cardiopatia Endocrinopatias Bronquiectasia – Infecção viral herpética grave Freqüentemente assintomática – Continua Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351009 1010 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS Das imunodeficiências primárias, os defeitos de célula B ou de anticorpos predominam; a deficiên- cia de IgA seletiva (usualmente assintomática) pode ocorrer em 1/400 das pessoas. Excluindo a defi- ciência assintomática IgA, os defeitos da célula B são responsáveis por 50% das imunodeficiências pri- márias; as deficiências de célula T, por cerca de 30%; deficiências fagocitárias, por aproximadamente 18% e deficiências do complemento, 2%. A incidência total da imunodeficiência primária sintomática é Anormalidades esqueléticas Pancitopenia Ausência de HLA Dermatite, deterioração neurológica Eczema, trombocitopenia Hipoplasia de cartilagem capilar, varicela grave Infecção grave pelo vírus Epstein-Barr Infecções estafilocócicas, eczema, dermatite União prolongada do cordão umbilical, leucocitose, periodontite Linfadenopatia – – Albinismo oculocutâneo, grânulos gigantes de neutró- filos Imunodeficiência combinada; síndrome similar a LES Síndrome similar a LES, glomerulonefrite Infecções piogênicas Infecções por Neisseria Nenhum provado Angioedema, LES Infecções piogênicas Síndrome hemoliticourêmica, glomerulonefrite Infecções piogênicas Infecções por Neisseria TABELA 147.2 – CLASSIFICAÇÃO, HERANÇA E ASPECTOS ASSOCIADOS DOS DISTÚRBIOS DE IMUNODEFICIÊNCIA PRIMÁRIA Distúrbio Achados associados XL = ligada ao cromossomo X; Ig = imunoglobulina; AR = autossômica recessiva; ACD = autossômica co-dominante; AD = autossômica dominante. Deficiência de adenosina desaminase (AR) Disgenesia reticular Síndrome do linfócito nu Ataxia-telangiectasia (AR) Síndrome Wiskott-Aldrich (XL) Nanismo de membros curtos Síndrome linfoproliferativa XL Distúrbios fagocitários Defeitos de movimento celular Síndrome de hiperimunoglobulinemia E Defeito Tipo I de aderência leucocitária (AR) Defeitos de atividade microbicida Doença granulomatosa crônica (XL ou AR) Deficiência de G6PD neutrofílica Deficiência de mieloperoxidase (AR) Síndrome de Chédiak-Higashi (AR) Distúrbios de complemento Defeitos de componentes do complemento Deficiência de C1q . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . C1rs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . C1s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . C4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . C2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . C3 C5 C6 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . C7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . C8 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . C9 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Defeitos de proteínas de controle Deficiência de inibidor de C1 (AD) Deficiência de Fator I (inativador de C3b) (ACD) Deficiência de Fator H (ACD) Deficiência de Fator D (ACD) Deficiência de properdina (XL) (ACD) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351010 CAPÍTULO 147 – DOENÇAS POR IMUNODEFICIÊNCIAS / 1011 estimada como sendo 1/10.000; cerca de 400 no- vos casos ocorrem a cada ano nos EUA. Como a maioria das imunodeficiências primárias são here- ditárias ou congênitas, elas aparecem inicialmente em bebês e crianças; aproximadamente 80% dos afetados tinham < 20 anos de idade e, devido à he- rança ligada ao X de muitas síndromes, 70% ocor- rem no sexo masculino. A imunodeficiência secundária é um prejuízo do sistema imune que resulta de enfermidade em uma pessoa anteriormente normal. O prejuízo fre- qüentemente é reversível se a condição ou enfer- midade subjacentes se resolverem. As imunode- ficiências secundárias são consideravelmente mais comuns do que as imunodeficiências primárias e ocorrem em muitos pacientes hospitalizados. Qua- se todas as enfermidades graves prolongadas inter- ferem no sistema imune, em algum grau. A classi- ficação das imunodeficiências secundárias é mos- trada na TABELA 147.3. Etiologia Não há uma causa comum responsável pelas imu- nodeficiências, embora um defeito genético único possa estar freqüentemente implicado. O defeito ge- nético pode levar à ausência de uma enzima (por exem- plo, deficiência de adenosina desaminase), ausência de uma proteína (por exemplo, deficiência de compo- nentes do complemento) ou parada no desenvolvimen- to em um estágio específico da diferenciação (por exemplo, parada no estágio da célula pré-B, que ocorre na agamaglobulinemia ligada ao cromossomo X). As localizações de cromossomos dos genes defeituosos foram identificadas para muitas das imunodeficiên- cias primárias. Em certas doenças, eventos intra-ute- rinos podem estar implicados (por exemplo, alcoolis- mo materno, em alguns casos de síndrome de DiGeor- ge); em outras, a ingestão de drogas pode estar implicada (por exemplo, fenitoína na deficiência de IgA). A anormalidade biológica exata presente na maioria das doenças é desconhecida. TABELA 147.3 – DISTÚRBIOS DE IMUNODEFICIÊNCIAS SECUNDÁRIAS Fatores Fatores Fatores Fatores predisponentes específicos predisponentes específicos Bebês prematuros e recém-nascidos Doenças hereditárias e metabólicas Agentes imunos- supressores Imunodeficiência fisiológica de- vido à imaturidade do siste- ma imune Anormalidades cromossômicas (por exemplo, síndrome de Down) Uremia Diabetes melito Desnutrição Deficiências de vitaminas e mi- nerais Enteropatias com perda de pro- teínas Síndrome nefrótica Distrofia miotônica Anemia falciforme Radiação Drogas imunossupressoras Corticosteróides Globulina antilinfócito ou antitimócito Anticorpos monoclonais anti- célula T Doenças infecciosas Doenças infiltrativas e hematológicas Cirurgia e trauma VariadosRubéola congênita Exantemas virais (por exemplo, sarampo, varicela) Infecção por HIV Infecção por citomegalovírus Mononucleose infecciosa Doença bacteriana aguda Doença micobacteriana ou fúngica grave Histiocitose Sarcoidose Doença e linfoma de Hodgkin Leucemia Mieloma Agranulocitose e anemia aplásica Queimaduras Esplenectomia Anestesia LES Hepatite ativa crônica Cirrose alcoólica Envelhecimento Drogas anticonvulsivantes Doença do enxerto versus hospedeiro Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351011 1012 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS Sintomas e sinais A maioria das manifestações das imunodeficiências resulta de infecções freqüentes, começando comu- mente com infecções respiratórias recorrentes. (En- tretanto, muitas crianças pequenas imunologicamen- te normais apresentam 6 a 8 infecções respiratórias por ano, particularmente quando expostas aos irmãos mais velhos ou outras crianças. Além disso, a maio- ria dos pacientes imunodeficientes eventualmente de- senvolve uma ou mais infecções bacterianas graves, que persistem, recorrem ou levam a complicações; por exemplo, sinusite, otite crônica e bronquite fre- qüentemente seguem episódios repetidos de dor de garganta ou IRA. A bronquite pode progredir para pneumonia, bronquiectasia e insuficiência respirató- ria, que constitui a causa mais comum de óbito. As infecções por microrganismos oportunistas (por exemplo, Pneumocystis carinii ou citomegalovírus) podem ocorrer, particularmente em pacientes com de- ficiência de células T. A infecção da pele e membranas mucosas tam- bém é comum. Aftas resistentes podem ser o pri- meiro sinal de imunodeficiência de células T. As úlceras orais e periodontite também são observa- das, em particular nas deficiências de granulóci- tos. A conjuntivite ocorre em muitos adultos com deficiência de anticorpos. Pioderma, verrugas gra- ves, alopecia, eczema e telangiectasia são comuns. Os sintomas comuns incluem diarréia, malabsor- ção e déficit de crescimento. A diarréia não é in- fecciosa, embora possa estar associada à Giardia lamblia, rotavírus, citomegalovírus ou Cryptos- poridium. Em alguns pacientes, a diarréia pode ser exsudativa, com perda de proteínas séricas e linfócitos. As manifestações menos comuns das imunode- ficiências incluem anormalidades hematológicas (anemia hemolítica auto-imune, leucopenia, trom- bocitopenia), fenômenos auto-imunes (vasculite, artrite, endocrinopatias) e problemas do SNC (por exemplo, encefalite crônica, desenvolvimento len- to e convulsões). Diagnóstico Uma história familiar deve ser obtida. Se hou- ver uma história de morte precoce, doença similar, doença auto-imune, alergia, doença maligna pre- coce ou consangüinidade, então um mapa genealó- gico ajudará a identificar um padrão hereditário. A história de reações adversas para imunizações ou infecções virais devem ser anotadas, assim como as cirurgias prévias (por exemplo, esplenectomia, tonsilectomia ou adenoidectomia), radioterapia do timo ou nasofaringe e terapias prévias com anti- bióticos e imunoglobulina (Ig), incluindo seus be- nefícios clínicos aparentes. O tipo de infecão pode sugerir a natureza da imunodeficiência. As infecções pelos principais microrganismos Gram-positivos (pneumococos, es- treptococos) são observadas nas imunodeficiências de anticorpos (células B). As infecções graves por vírus, fungos e outros microrganismos oportunis- tas são comuns nas imunodeficiências celulares (células T). As infecções recorrentes por estafilo- cocos e bactérias Gram-negativas são comuns em deficiências fagocitárias. A infecção recorrente por Neisseria é característica em pacientes com defi- ciências de vários componentes do complemento. Determinadas infecções oportunistas (por exemplo, por P. carinii, Cryptosporidium ou Toxoplasma) po- dem ocorrer em vários tipos de imunodeficiências. A idade do início da doença também pode au- xiliar no diagnóstico; crianças pequenas com < 6 meses de idade usualmente apresentam um de- feito de células T. Entretanto, o início da doença em torno dos 6 meses de idade, quando os anticorpos adquiridos da mãe através da placen- ta desapareceram, sugere deficiência congênita de anticorpo. No exame físico, os pacientes com imunodefi- ciência, parecem estar cronicamente doentes, com palidez, mal-estar, desnutrição e abdome distendi- do. A pele pode apresentar erupções maculares, ve- sículas, pioderma, eczema, petéquias, alopecia ou telangiectasias. A conjuntivite é comum, particular- mente em adultos. Os linfonodos cervicais, adenói- des e tecido tonsilar estão tipicamente ausentes nas imunodeficiências de células B ou T, apesar de uma história de infecções recorrentes da garganta. Estes dados podem ser confirmados por uma radiografia lateral da faringe, que pode demonstrar a ausência de adenóides. Ocasionalmente, os linfonodos estão aumentados e supurados. Com freqüência, as mem- branas timpânicas estão lesadas ou perfuradas. As narinas podem estar escoriadas e com crostas, indi- cando a presença de secreção nasal purulenta. Pode haver corrimento nasal e diminuição do reflexo de vômito. Muitas vezes, ocorre tosse crônica. Estertores estão presentes com freqüência, especial- mente em adultos. O fígado e o baço freqüentemen- te estão aumentados. A massa muscular está dimi- nuída, assim como os depósitos de gordura nas ná- degas. Em bebês, pode haver escoriações perianais como resultado da diarréia crônica. O exame neuro- lógico pode revelar retardo nas diversas etapas do desenvolvimento ou ataxia. Uma constelação característica de achados per- mite que se faça uma tentativa de diagnóstico clíni- co, em uma série de síndromes por imunodefi- ciências: recém-nascidos com síndrome de DiGiorge que apresentam infecções, tetania, fácies peculiar e cardiopatia congênita; meninos com síndrome de Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351012 CAPÍTULO 147 – DOENÇAS POR IMUNODEFICIÊNCIAS / 1013 Wiskott-Aldrich, que apresentam infecções piogêni- cas, eczema e manifestações de sangramento; crian- ças com ataxia-telangiectasia portadoras de infecções sinopulmonares recorrentes, ataxia e telangiectasia; e meninas ruivas com variante de Job da síndrome de hiper-IgE, que apresentam pele clara, eczema e in- fecções estafilocócicas recorrentes. Estes distúrbios serão discutidos adiante e na TABELA 147.4. Testes laboratoriais Em todos os casos de imunodeficiências, os testes selecionados são necessários para confir- mar ou estabelecer os diagnósticos; os testes avançados são freqüentemente necessários para subclassificar o distúrbio necessário para ra- dioterapia (ver TABELA 147.5). Testes de tria- gem podem ser realizados na maioria dos con- TABELA 147.4 – PADRÕES CLÍNICOS CARACTERÍSTICOS EM ALGUNS DISTÚRBIOS DE IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS Grupo etário Características Diagnóstico Hipocalcemia, cardiopatia, fácies incomum Cianose, cardiopatia, fígado de linha média União retartada do cordão umbilical, leucocito- se, infecções recorrentes Diarréia, pneumonia, sapinho, falha de desen- volvimento Erupção maculopapular, alopecia, linfadenopa- tia, hepatosplenomegalia Melena, ouvidos com secreção, eczema Albinismo oculocutâneo, infecções recorrentes, neutropenia Infecções piogênicas recorrentes, sepse Gengivite crônica, úlceras aftosas recorrentes e infecções cutâneas, neutropenia grave Mononucleose infecciosa progressiva grave Doença paralítica após imunização oral para pólio Infecções estafilocócicas cutâneas e sistêmicas recorrentes, caracterísiticas faciais grosseiras Sapinho persistente, distrofia das unhas, endo- crinopatias Dermatomiosite progressiva com encefalopatia por echovírus crônica Infecções sinopulmonares, deterioração neuro- lógica, telangiectasia Linfadenopatia, dermatite, obstrução antral, pneu- monias, osteomielite de ossos pequenos Meningitepor Neisseria recorrente Infecções sinopulmonares, malabsorção, esple- nomegalia, auto-imunidade Síndrome de DiGeorge Asplenia congênita Síndromes de deficiência de ade- são de leucócitos Imunodeficiência combinada grave Imunodeficiência combinada gra- ve com doença do enxerto versus hospedeiro Síndrome de Wiskott-Aldrich Síndrome de Chédiak-Higashi Deficiência de C3 Neutropenia congênita grave Síndrome linfoproliferativa ligada ao cromossomo X Agamaglobulinemia ligada ao cro- mossomo X Síndrome de hiperimunoglobulina E Candidíase mucocutânea crônica Agamaglobulinemia ligada ao cro- mossomo X Ataxia-telangiectasia Doença granulomatosa crônica Deficiência de C5, C6, C7 ou C8 Imunodeficiência variável comum Adaptado a partir de Stiehm ER, Conley ME: “Immunodeficiency diseases: general considerations,” in Immunologic Disorders in Infants and Children, 4» ed., editado por ER Stiehm. Philadelphia, WB Saunders Company, 1996, p.212; utilizado com permissão. Recém-nascidos e bebês < 6 meses de idade Bebês e crianças de 6 meses a 5 anos de idade Crianças > 5 anos de ida- de e adultos Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351013 1014 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS TABELA 147.5 – TESTES LABORATORIAIS EM IMUNODEFICIÊNCIA Testes de triagem Testes avançados Pesquisa/testes especiais Fenotipagem avançada de células B Biópsias: por exemplo, linfonodos Respostas de anticorpos a antígenos especiais: por exemplo, φX, KLH Sobrevida de Ig in vivo Níveis de Ig secretora Síntese de Ig in vitro Análise de ativação celular Análise de mutação Fenotipagem avançada de célula T Ensaios de citocina e receptor: por exemplo, IL-2, IFN-γ, FNT-α Ensaios citotóxicos: por exemplo, NK, CCDA, LTC Ensaios enzimáticos: por exemplo, ADA, FNP Biópsias: por exemplo, pele, fígado, timo Ensaios de hormônios tímicos Análise de ativação celular Análise de mutação Ensaios de adesão molecular: por exemplo, CD11b/CD18, ligante de selectina Janela cutânea de Rebuck Deformação, aderência e agregação Metabolismo oxidativo Ensaios enzimáticos: por exemplo, MPO, G6PD, NADPH oxidase Análise de mutação Atividade da via alternativa Ensaios funcionais: por exemplo, fator quimiotático, aderência imune Sobrevida do componente in vivo Análise do alotipo C Enumeração de células B (CD19 ou CD20) Níveis de subclasse de IgG Níveis de IgD e IgE Títulos de Ac naturais, por exemplo, antiestreptolisina O, Escherichia coli Respostas de Ac a novas vacinas: por exemplo, vacinas tifóide, pneumocócica Radiografia faríngea lateral para tecido adenóide Enumeração de subgrupos de células T (CD3, CD4, CD8) Respostas proliferativas a mitógenos, antígenos, células alogênicas Tipagem de HLA Análise cromossômica Quimioluminescência “Turnover” de leucócitos Morfologia especial Mobilidade ao acaso e quimiotaxia Ensaios de fagocitose Ensaios bactericidas Ensaios opsônicos Ensaios de componente Ensaios de ativação: por exemplo, C3a, C4a, C4d, C5a Deficiência de células B Níveis de IgG, IgM, IgA Títulos de isoaglutinina Resposta de Ac a antígenos de vacinas: por exemplo, tétano, difteria, rubéola, Haemophilus influenzae Deficiência de células T Contagem e morfologia de linfócitos Radiografia torácica para o tamanho tímico* Testes cutâneos tardios: por exemplo, Trichophyton, caxumba, Candida, toxóide tetânico, painel multiteste Deficiência de células fagocitárias Contagem de leucócitos, morfologia Teste de corante NBT Nível de IgE Deficiência de complemento Atividade de CH50 Nível de C3 Nível de C4 * Apenas em bebês. Ig = imunoglobulina; Ac = anticorpo; φX = antígeno fago; KLH = antígeno de hemocianina de lampreia (“keyhole- limpet hemocyanim”); IL = interleucina; IFN = interferon; FNT = fator de necrose tumoral; NK = “natural killer”; CCDA = citotoxicidade celular dependente de anticorpo; LTC = linfócito T citotóxico; ADA = adenosina desaminase; PNP = nucleosídeo fosforilase da purina; NBT = tetrazólio nitroazul; MPO = mieloperoxidase; NADPH = dinucleotídeo de nicotinamida adenina fosfato; CH50 = complemento hemolítico; C = complemento. A partir de Stiehm ER: Immunologic Disorders in Infants and Children, 4» ed. Philadelphia, WB Saunders Company, 1996, p. 213; utilizado com permissão. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351014 CAPÍTULO 147 – DOENÇAS POR IMUNODEFICIÊNCIAS / 1015 sultórios e hospitais, e os testes avançados, na maioria dos grandes centros hospitalares; por outro lado, os testes especializados podem ser realizados apenas em laboratórios ou hospitais que possuam equipamentos sofisticados para imunologia clínica. Quando houver suspeita de uma imunodeficiên- cia, os testes laboratoriais de triagem recomenda- dos incluem hemograma com contagem diferen- cial de leucócitos e contagem de plaquetas; deter- minação dos níveis de IgG, IgM e IgA; avaliação da função de anticorpo e avaliação clínica e labo- ratorial da infecção. O hemograma estabelecerá anemia, trombocito- penia, neutropenia ou leucocitose. A contagem total de linfócitos deve ser observada, sendo que a pre- sença de linfopenia (< 1.500/µL) é sugestiva de imu- nodeficiência de células T. O esfregaço periférico deve ser examinado quanto a corpúsculos de Howell- Jolly e outras formas de hemácias incomuns sugesti- vas de asplenia ou função esplênica deficiente. Os granulócitos podem demonstrar anormalidades mor- fológicas (por exemplo, grânulos da síndrome de Chédiak-Higashi). Apesar dos níveis de imunoglobulinas (Ig) tam- bém constituírem uma parte da triagem inicial, os níveis de IgD e IgE inicialmente não são de- terminados. Os níveis de Ig devem ser interpre- tados cuidadosamente, tendo em vista as altera- ções acentuadas com relação à idade; todos os bebês entre 2 e 6 meses de vida são hipogama- globulinêmicos em relação aos padrões estabe- lecidos para adultos. Sendo assim, os níveis de- vem ser comparados com aqueles de controles da mesma idade. Em geral, os níveis de Ig dentro de 2 desvios padrão para a idade são considera- dos normais. Um nível de Ig total (IgG + IgM + IgA) > 600mg/dL ou um nível de IgG > 400mg/dL com testes normais de avaliação funcional de anticorpos exclui uma deficiência de anticorpos. Um nível de Ig total < 200mg/dL comumente indica significativa deficiência de anticorpos. Ní- veis intermediários (isto é, níveis de IgG entre 200 e 400mg/dL e Ig totais entre 400 e 600mg/dL) não são diagnósticos e devem ser correlaciona- dos com testes funcionais para anticorpos. Os testes de triagem de anticorpos também são recomendados durante o exame inicial. A função de IgM é estimada pelos títulos de isoaglutininas (anti-A e/ou anti-B). Todos os pacientes, exceto bebês < 6 meses e pessoas pertencentes ao grupo sangüíneo AB, terão anticorpos naturais em títu- los de 1:8 (anti-A) ou 1:4 (anti-B) ou acima destes valores. Os anticorpos para estes e certos polis- sacarídeos bacterianos estão seletivamente dimi- nuídos em certos distúrbios (por exemplo, síndro- me de Wiskott-Aldrich, deficiência de IgG2). No paciente imunizado, os títulos de anticorpos con- tra Haemophilus influenzae Tipo B, hepatite B, vírus do sarampo, tétano ou antígenos diftéricos podem ser utilizados para estimar a função de IgG. Uma resposta de anticorpos adequada a um ou mais destes antígenos constitui uma evidência contra a deficiência de anticorpos. Finalmente, a triagem deve incluir uma pesquisa de infecções crônicas. A VHS com freqüência é elevada, em geral proporcional ao grau de infecção. Exames radiológicos apropriados (tórax, seios da face) e culturas devem ser realizados. Geralmente, se os resultados de todos os testes de triagem estiverem normais, a presença de imu- nodeficiências (particularmente a deficiência de anticorpo) pode ser excluída. Entretanto, se fordo- cumentada uma infecção crônica, se a história for incomumente suspeita ou se os resultados dos tes- tes de triagem forem positivos, devem ser realiza- dos testes avançados. Testes para deficiência de células B (anticor- po) – Se os níveis de Ig estiverem muito baixos (total < 200mg/dL), um diagnóstico de deficiên- cia de anticorpos é estabelecido e outros proce- dimentos são indicados somente para definir a enfermidade exata e identificar outros defeitos imunológicos. Se os níveis de Ig e os títulos de anticorpos preexistentes estiverem baixos, mas não ausentes, deve-se avaliar a resposta de anti- corpo a um ou mais antígenos padronizados. Os títulos de anticorpos são determinados antes e 3 a 4 semanas após a imunização com vacinas para toxóide tetânico ou H. influenzae Tipo B (para a responsividade a Ag proteico) ou após a imuni- zação com vacina de pneumococos ou meningo- cócica (para a responsividade a antígeno polis- sacarídico). Uma resposta inadequada (elevação do título menor do que 4 vezes os valores ini- ciais) é sugestiva de deficiência de anticorpo, independentemente dos níveis de Ig. Se os níveis de Ig estiverem baixos, a quantifi- cação das células B é realizada pelo cálculo da por- centagem de linfócitos que reagem com anticorpos fluorescentes a antígenos específicos de células B (por exemplo, CD19, CD20), conforme avaliado pela citometria de fluxo. Normalmente, 10 a 20% dos linfócitos do sangue periférico são membrana de superfície Ig-positiva (células B). A seguir, devem ser obtidos os níveis de soro das subclasses de IgG, IgD e IgE. Os níveis da subclasse IgG1 (como os níveis de IgG) são in- tensamente dependentes da idade. Em geral, após os 2 anos de idade, devem estar presentes níveis de IgG1 < 250mg/dL, de IgG2 < 50mg/dL, de IgG3 < 25mg/dL ou de IgG4 não detectável para diagnos- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351015 1016 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS ticar uma deficiência da subclasse de IgG. Níveis altos e baixos de IgD e IgE são comuns nas sín- dromes de deficiência incompleta dos anticorpos. Os níveis de IgE são altos em distúrbios quimio- táticos, imunodeficiências parciais de células T, distúrbios alérgicos e parasitários. As ausências isoladas de IgG4, IgD e IgE não são clinicamente importantes. Outros testes de laboratório para deficiências de células B estão indicados em certas circunstâncias (ver TABELA 147.5). Uma biópsia de linfonodos (al- gumas vezes precedida por imunização na extremi- dade adjacente) é indicada na presença de linfadeno- patia, para excluir malignidade ou infecção. As deter- minações da subclasse de IgG estão indicadas se os níveis de IgG não estiverem normais ou próximos do normal, mas a função de anticorpo for deficiente. As deficiências seletivas de uma das quatro subclasses podem estar presentes. Caso se suspeite de catabo- lismo rápido de IgG ou perda desta através da pele ou do trato GI, um estudo de sobrevida de IgG pode estar indicado. Se o paciente apresentar níveis bai- xos de IgG, administra-se uma dose alta de Ig IV e os níveis de IgG devem ser medidos diariamente para determinar a meia-vida. Se as infecções locais fo- rem graves, os níveis de Ig nas secreções (por exem- plo, lágrimas ou saliva) podem ser medidos. A sínte- se de IgG in vitro e a resposta de anticorpo a antíge- nos especiais (por exemplo, antígeno fago [φx] ou hemocianina de lampreia) são avaliadas para deter- minar a localização exata do bloqueio sintético. Numa enfermidade na qual o defeito genético foi identifi- cado, o gene mutante ou produto do gene mutante pode ser identificado (por exemplo, gene Btk [tirosi- na cinase de Burton] na agamaglobulinemia ligada ao X) por testes de laboratório especiais. Testes para deficiência de células T – A pre- sença de linfopenia profunda e prolongada é su- gestiva da imunodeficiência de células T; entretan- to, a linfopenia usualmente não está presente. A radiografia de tórax constitui um teste de tria- gem útil em bebê; uma sombra tímica ausente no período de recém-nascido é sugestiva de deficiên- cias de células T, particularmente se uma radiogra- fia for obtida antes do início da infecção ou de ou- tro estresse que possa retrair o timo. Os testes cutâneos para a hipersensibilidade tar- dia são testes de triagem valiosos após os 2 anos de idade. São empregados os seguintes antígenos: da caxumba, Candida (1:100), toxóide tetânico solú- vel (1:10) e Trichophyton. Quase todos os adultos e a maioria dos bebês e crianças imunizados reagi- rão a um ou mais destes antígenos com eritema e induração (> 5mm) após 48h. A presença de um ou mais testes cutâneos tardios positivos geralmente indica um sistema de células T intacto. O teste avançado mais freqüentemente disponí- vel para avaliação de imunodeficiências celulares é a quantificação de células T e subtipos T (auxi- liar/indutor e supressor/citotóxico), feita geralmente por citometria de fluxo, utilizando-se anticorpos monoclonais específicos para células T obtidos de camundongo. As células T totais são enumeradas utilizando-se um pan-anticorpo de célula T (por exemplo, anti-CD3, anti-CD2), as células T “hel- per”/indutora são enumeradas utilizando-se um an- ticorpo anti-CD4; e as células supressora/citotóxi- ca são medidas utilizando-se um Ac anti-CD8. (Tais ensaios, em geral, substituíram as técnicas de for- mação de rosáceas com eritrócito de carneiro para enumerar as células T.) A contagem de células T auxiliar (CD4) < 500 células/µL é altamente su- gestiva de uma imunodeficiência de célula T e uma contagem de CD4 < 200 células/µL indica imuno- deficiência profunda de células T. A proporção de células CD4/CD8 (auxiliar/supressora) deve ser > 1,0; a inversão desta proporção também sugere a imunodificiência de células T (por exemplo, na AIDS, redução na proporção de CD4/CD8 indica piora imunológica progressiva). Também estão dis- poníveis anticorpos monoclonais para identificar antígenos de células ativadas (CD25), de células exterminadoras naturais (CD16 e CD56) e de célu- la T imatura (timócito) (CD1). Outro teste avançado muito útil mede a capaci- dade dos linfócitos proliferarem e aumentarem de tamanho (transformação) quando cultivados na pre- sença de mitógenos (por exemplo, fito-hemaglu- tinina, concanavalina A), de leucócitos alogênicos irradiados (nas reações mistas de leucócitos) ou de antígenos aos quais o paciente foi exposto previa- mente. Sob estes estímulos, os linfócitos normais sofrem divisão rápida, que pode ser avaliada mor- fologicamente ou pela captação de timidina radio- ativa pelas células em divisão. Geralmente, a pro- liferação é expressa sob a forma de um índice – a relação entre contagens por minuto das células esti- muladas e as contagens por minuto de um número igual de células não estimuladas. Os pacientes com imunodeficiências de células T apresentam respos- tas proliferativas diminuídas ou ausentes, propor- cionais ao grau de comprometimento imunológi- co. As respostas proliferativas a mitógenos (que ativam todas as células) são consideravelmente mais altas (índice de estimulação, 50 a 100) do que a resposta a antígenos ou células alogênicas (índi- ce de estimulação, 3 a 30). Testes especiais também avaliam a produção de linfocinas após estimulação por mitógenos ou por antígenos. Embora haja > 30 linfocinas descritas, o interferon-γ, a interleucina-2, a interleucina-4 e o fator de necrose tumoral α são os mais freqüente- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351016 CAPÍTULO 147 – DOENÇAS POR IMUNODEFICIÊNCIAS / 1017 mente avaliados. Certos pacientes apresentam res- postas proliferativas adequadas, porém produção deficiente de linfocinas (por exemplo, deficiência de fator de inibição da imigração na candidíase mucocutânea crônica). Outros testes avaliam a fun- ção citotóxica. Os diferentes tipos de citotoxicidade (exterminadoras naturais, dependentedo anticor- po ou células T citotóxicas) são quantificados uti- lizando-se diferentes células tumorais ou células- alvo infectadas por vírus. Os defeitos citotóxicos estão presentes de modo variável nas imuno- deficiências celulares. Em algumas formas de imu- nodeficiência combinada, as enzimas da via das purinas (adenosina desaminase, nucleotídeo fosfo- rilase) estão deficientes e podem ser avaliadas por hemácias. Os níveis de vários hormônios tímicos (timosina, fator tímico sérico) podem ser analisa- dos; estes são baixos em certas imunodeficiências celulares. A tipagem do HLA pode ser valiosa para avaliação da presença de duas populações celula- res (quimerismo) e para excluir deficiências do antígeno de HLA (síndrome do linfócito nu). Uns poucos defeitos da ativação da célula T fo- ram identificados e são analisados pela avaliação da integridade do receptor da célula T e da via do sinal de transdução. Testes para deficiência de fagócitos – A inves- tigação está indicada quando um paciente com uma história sugestiva de imunodeficiência possuir imu- nidade normal de células B e T. A ausência de for- mação de secreção purulenta no local da inflama- ção e retardo na queda do cordão umbilical com leucocitose marcante são indicações sugestivas de um defeito quimiotático. Além da contagem de células sangüíneas, a tria- gem inicial deve incluir o nível de IgE, que é elevado em muitos distúrbios quimiotáticos e o teste de redu- ção do corante tetrazólio nitroazul (NBT) para o diagnóstico da doença granulomatosa crônica, o dis- túrbio de fagocitose mais comum. O teste do NBT baseia-se no aumento da atividade metabólica de gra- nulócitos durante a fagocitose e a morte com redução do NBT incolor para o radical formazan, que é azul. Esta mudança de cor, ausente na doença granuloma- tosa crônica, pode ser analisada visual, microscopi- camente, ou por espectrofotometria. O primeiro teste especial é a coloração dos gra- nulócitos pela mieloperoxidase, fosfatase alcalina ou esterase. A ausência de coloração para estas enzi- mas deve ser seguida por ensaios quantitativos. A seguir, o movimento celular pode ser analisado usan- do-se a técnica da janela cutânea de Rebuck, na qual a pele é submetida a uma abrasão superficial com bisturi, sendo então colocadas lamínulas no local afetado; estas são removidas e recolocadas em in- tervalos determinados e coradas para pesquisa de células migrantes. Nas duas primeiras horas, deve ocorrer um influxo inicial de células polimorfonu- cleares, que são substituídas por monócitos em 24h. Uma anormalidade de quimiotaxia pode ser con- firmada por um ensaio in vitro, no qual a migração de granulócitos ou monócitos é medida, utilizan- do-se uma câmara especial para quimiotaxia (Boyden) ou uma placa de agarose; é analisado o movimento celular em direção a um agente qui- mioatraente (por exemplo, zimosan opsonizado). A seguir, a fagocitose é avaliada pela medida da captação de partículas de látex ou bactérias por gra- nulócitos ou monócitos isolados. A morte micro- biana é analisada misturando-se os granulócitos do paciente em soro fresco com um número conheci- do de bactérias vivas, seguindo-se testes bacteria- nos quantitativos sucessivos durante um período de 2h. Outros testes especializados definem os defei- tos de fagocitose: ensaios de mobilização granu- locítica após administração de corticosteróides, adrenalina ou endotoxina; testes quantitativos para enzimas de granulócitos (mieloperoxidase, G6PD, etc.); métodos para produtos de granulócitos oxi- dativos (peróxido de hidrogênio, superóxidos) e mé- todos para proteínas granulocíticas específicas (gli- coproteínas adesivas CR3 [CD11], componentes de nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato oxidase). O último pode ser distinguido dos quatro tipos genéticos de doença granulomatosa crônica. Testes para deficiência de complemento – Uma anormalidade de complemento é triada pela medi- da da atividade do complemento sérico total (CH 50 ) e de níveis séricos de C3 e C4. Níveis baixos de qualquer um destes componentes deve ser segui- dos da titulação das vias clássica e alternativa do complemento e da medida dos componentes indivi- duais do complemento. A deficiência dos compo- nentes da via clássica é associada também a doença renal imunológica, reações de doenças séricas ou infecções agudas. Anti-soros monoespecíficos ou hemácias sensibilizadas e soluções que contenham todos os componentes, com exceção daquele que es- tiver sendo analisado, são utilizados para se medir os componentes do complemento. Também estão disponíveis anti-soros para me- dir as proteínas de controle do complemento. A deficiência do inibidor C1 está associada ao an- gioedema hereditário e a deficiência do Fator I (ini- bidor de C3) está associada à deficiência de C3 com hipercatabolismo de C3. Os ensaios de atividade opsônica sérica, atividade quimiotática sérica ou atividade bactericida sérica podem ser usados para testar indiretamente a função do complemento. Para uma discussão detalhada do sistema complemen- to, ver Capítulo 146. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351017 1018 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS Prevenção A prevenção das imunodeficiências primárias limita-se ao aconselhamento genético quando são conhecidos os padrões da herança genética. O diag- nóstico pré-natal, utilizando cultura de células amnióticas ou sangue fetal, só é exeqüível em al- guns destes distúrbios, incluindo a agamaglobu- linemia ligada ao cromossomo X, a síndrome de Wiskott-Aldrich, a maioria das formas de imuno- deficiência grave combinada, deficiência de ade- nosina desaminase e doença granulomatosa crôni- ca. A determinação do sexo também pode ser utili- zada para exclusão dos distúrbios ligados ao cro- mossomo X. Em vários desses distúrbios, pode-se detectar a herança heterozigota. Prognóstico A maioria das imunodeficiências primárias é genética em origem e para a vida toda. O prognós- tico é altamente variável (ver TABELA 147.6), mas algumas imunodeficiências são curáveis pelo transplante de linhagem celular. A maioria dos pa- cientes com deficiências de anticorpo ou deficiên- cia de complemento possui bom prognóstico, com um ciclo de vida próximo do normal, uma vez que eles foram diagnosticados precocemente, são tra- tados regularmente e não possuem uma doença crônica concomitante (por exemplo, doença pul- monar). Outros pacientes imunodeficientes, por exemplo, aqueles com distúrbios fagocitários, com distúrbios combinados ou com distúrbios de anti- corpos com infecção crônica, possuem um prognóstico cuidadoso por toda a vida; a maioria é cronicamente doente e necessita de tratamento intensivo (por exemplo, Ig IV, antibióticos, dre- nagem postural, operações, etc.). Alguns pacien- tes imunodeficientes possuem um prognóstico muito ruim para a continuidade da vida (aqueles com ataxia-telangiectasia, imunodeficiência com- binada grave não transplantados). Duas fundações para apoio ao paciente com imunodeficiência, educação e pesquisa são a Jeffrey Modell Foundation (1-800-JEFF-844) e a Immune Deficiency Foundation (1-800-296-4433). Tratamento O tratamento geral dos pacientes com imunodefi- ciência necessita de uma quantidade extraordinária de cuidados para se manter um estado ótimo de saúde e nutrição, tratamento de infecções (ver Cap. 151), prevenção de problemas emocionais relacionados à sua doença e disponibilidade financeira para custear o tratamento médico. Devem ser protegidos de expo- sições desnecessárias às infecções, dormir em suas próprias camas e, preferencialmente, ter seus próprios quartos. Vacinas mortas devem ser dadas regularmen- te, se houver evidência de alguma função de anticor- po. Os dentes devem ser mantidos em bom estado de conservação. Os antibióticos são fundamentais para o trata- mento de infecções; seleção e dosagem são idênti- casàquelas normalmente utilizadas. Entretanto, como muitos pacientes imunodeficientes podem sucumbir rapidamente à infecção, a febre ou ou- tras manifestações de infecção devem ser conside- radas secundárias a infecções bacterianas, deven- do-se iniciar imediatamente o tratamento com an- tibióticos. Culturas de orofaringe, sangue ou ou- tras devem ser colhidas antes da maioria das tera- pias; elas são especialmente úteis quando a infec- ção não responde ao antibiótico inicial e quando o organismo infeccioso for incomum. Em geral, a profilaxia contínua com antibióticos é benéfica, particularmente quando houver risco de TABELA 147.6 – PROGNÓSTICO NAS IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS Prognóstico ruim1 Prognóstico reservado2 Prognóstico bom3 Imunodeficiência Imunodeficiência variável Hipogamaglobulinemia combinada grave4 comum transitória Outras imunodeficiências Síndrome de hiper-IgM4 Agamaglobulinemia ligada combinadas Doença granulomatosa ao cromossomo X Síndrome de Wiskott-Aldrich4 crônica4 Deficiência seletiva de IgA Ataxia-telangiectasia Síndrome de DiGeorge4 Candidíase mucocutânea crônica Deficiência de aderência Síndrome de hiper-IgE Deficiência de subclasse de IgG leucocitária4 Deficiências de complemento Síndrome linfoproliferativa ligada ao cromossomo X4 1 Ciclo de vida acentuadamente diminuído. 3 Ciclo de vida normal com terapia ótima. 2 Ciclo de vida freqüentemente diminuído. 4 Curável por transplante. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351018 CAPÍTULO 147 – DOENÇAS POR IMUNODEFICIÊNCIAS / 1019 superinfecção súbita (por exemplo, síndrome de Wiskott-Aldrich, síndromes asplênicas); quando outras formas de imunoterapia não estiverem dis- poníveis (por exemplo, nos distúrbios de fagocito- se) ou forem insuficientes (por exemplo, infecções recorrentes na agamaglobulinemia, apesar da tera- pia com Ig) e quando houver alto risco de uma in- fecção específica (por exemplo, P. carinii nos dis- túrbios de imunodeficiências celulares). Os antivirais, inclusive amantadina ou rimanta- dina para gripe, aciclovir para infecção por herpes (inclusive varicela zóster) e ribavirina para vírus sincicial respiratório, podem ser fundamentais para pacientes imunodeficientes com infecções virais. A imunoglobulina (Ig) é uma terapia de reposi- ção eficaz na maioria das formas de deficiência de anticorpos. Ela é uma solução a 16,5% de IgG com quantidades mínimas de IgM e IgA IM ou para inje- ção subcutânea, ou uma solução a 3 a 12% para infu- são IV (IgIV). A dose de carga usual é 200mg/kg (1,4mL/kg da preparação a 16,5% ou 400mg/kg [8mL/kg] de uma preparação a 5%) administrada em 2 ou 3 doses durante 2 a 5 dias, seguidas de in- tervalos mensais por 100mg/kg (0,7mL/kg da solu- ção a 16,5% ou 200mg/kg [4mL/kg] da solução a 5%). Doses menores são ineficazes. Uma vez que uma dose de IgG de 100mg/kg aumenta o nível deprimido de IgG sérica em apenas 100mg/dL, alguns pacientes precisam de doses maiores ou mais freqüentes. A maior dose IM em um ponto é de 10mL, em adul- tos e 5mL, em crianças; do mesmo modo, injeções múltiplas em vários pontos podem ser necessárias. Altas doses de IgIV (400 a 800mg/kg/mês) podem ser administradas e são benéficas para alguns pacien- tes deficientes em anticorpos que não respondem bem às doses convencionais, particularmente aqueles com doença pulmonar crônica. O propósito com IgIV de alta dosagem é manter os níveis deprimidos de IgG na variação normal (isto é, > 500mg/dL). As infu- sões subcutâneas lentas de IG ou 10% de IgIV ad- ministradas em intervalos semanais também têm sido usadas para administrar uma terapia de alta dosa- gem Ig (isto é, > 400mg/kg/mês). O plasma tem sido utilizado como uma alterna- tiva para Ig, mas devido ao risco de transmissão de doenças, seu uso é raramente indicado. O plasma contém muitos fatores além das Ig, apresentando um valor especial em pacientes com enteropatia com perda de proteínas, deficiências de complemento e diarréia refratária. O plasma deficiente de IgA tem sido utilizado, com êxito, em pacientes agudamente sensíveis à IgA contida nas preparações de Ig. Outras terapias, inclusive drogas imunoestimu- ladoras (levamisol, isoprinosina), substâncias bio- lógicas (fator de transferência, interleucinas, interferons) e hormônios (tímicos) têm apresenta- do valor limitado no tratamento das imunodeficiên- cias celulares ou fagocitárias. A reposição de en- zimas com adenosina desaminase bovina conju- gada a polietilenoglicol (PEG-ADA) tem benefi- ciado alguns pacientes com deficiência de adeno- sina desaminase. O transplante de células-tronco, usualmente pelo transplante de medula óssea, pode freqüente- mente atingir a correção completa de imunodeficiên- cia (ver também Cap. 149). Na imunodeficiência combinada grave e suas variantes, o transplante de medula óssea entre irmãos HLA-idênticos, que apre- sentam uma reação de cultura mista de leucócitos negativa, resultou na restauração de imunidade em > 300 casos. Em pacientes com imunodeficiência celular intacta ou parcial (por exemplo, síndrome de Wiskott-Aldrich), deve ser realizada uma imunos- supressão prévia para assegurar o enxerto. Quando não houver disponibilidade de um irmão doador compatível, pode ser tentado o transplante de me- dula óssea de um doador haploidêntico (semi-idên- tico), de um dos pais. Nestas circunstâncias, as cé- lulas T maduras que podem causar doença do en- xerto versus hospedeiro devem ser removidas da me- dula óssea do doador antes de sua administração. Esta remoção pode ser realizada por aglutinação com lectina de soja, ou pelo uso de anticorpos monoclo- nais da célula T. Alternativamente, a medula óssea de uma pessoa semelhante, mas não familiar, iden- tificada pelo Registro Internacional de Transplante de Medula Óssea, pode ser usada. O sangue de cor- dão umbilical de um irmão HLA-idêntico também pode ser usado como fonte de células-tronco, ou um cordão de sangue HLA-compatível de banco. Estes procedimentos especializados estão disponíveis ape- nas em alguns centros. O timo fetal, timo de cultura neonatal, célula epitelial tímica e transplante de fígado fetal oca- sionalmente são bem-sucedidos, em particular os transplantes de timo fetal na síndrome DiGeorge. Precauões – Os pacientes com imunodeficiên- cias de célula B ou T não devem receber vacinas vivas (por exemplo, poliovírus, sarampo, caxumba, rubéola, BCG) devido ao risco da enfermidade in- duzida pela vacina e os membros da família não de- vem receber vacina de poliovírus vivos. Os pacien- tes com imunodeficiência celular não devem rece- ber produtos de sangue fresco que podem conter lin- fócitos intactos devido ao risco da doença do enxer- to versus hospedeiro; sendo assim, o sangue total ou frações de sangue (por exemplo, hemácias, plaque- tas, granulócitos e plasma) devem ser irradiados (15 a 30Gy) antes de serem infundidos. Os pacientes tam- bém devem receber produtos do sangue de doado- res anticorpos-negativos para citomegalovírus. A Ig ou plasma usualmente não são administrados em Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351019 1020 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS pacientes com deficiência de IgA seletiva, porque os anticorpos anti-IgA podem desenvolver ou causar rea- ções. Os pacientes com esplenomegalia devem evitar esportes de contato. Os pacientes com trombocito- penia devem evitar injeções IM (por exemplo, Ig). Os antibióticos devem ser administrados no momen- to da cirurgia ou tratamento odontológico. IMUNODEFICIÊNCIAS ESPECÍFICAS HIPOGAMAGLOBULINEMIA TRANSITÓRIA DA INFÂNCIA É uma deficiência de anticorpos autolimitada de ambos os sexos, com início entre 3 e 6 meses de idade, geralmente persistindo dos 6 aos 18 meses. Algumas vezes, há aumento de freqüência asso- ciada a infecções. Este distúrbio resulta de um retar- do no início da síntese de Ig, apesar da existência de números normaisde células B. As células T auxilia- res podem estar diminuídas. Os bebês prematuros encontram-se especialmente em risco de desenvol- ver doença, tendo em vista os níveis baixos de IgG transplacentária que apresentam no nascimento. O distúrbio não tem caráter familiar. Tratamento Apesar dos níveis baixos de IgG (total < 400mg/dL), muitos destes bebês não necessitam da administra- ção de Ig, particularmente se houver alguma evidência de atividade funcional de anticorpos, se os níveis de IgG estiverem aumentando e se as infecções estive- rem ausentes ou forem de natureza comum. Os pacientes que necessitarem de Ig devem receber doses terapêuti- cas completas durante um período que varia de 3 a 6 meses, com reavaliação freqüente dos níveis de IgG. A antibioticoterapia é indicada durante cada episódio in- feccioso. A perspectiva de recuperação completa é ex- celente. Os recém-nascidos com menos de 32 semanas de gestação e/ou < 1.500g ao nascimento apresentam níveis presumivelmente baixos de IgG e tem-se utili- zado IgIV para tratar a suspeita de sepse bacteriana ou para prevenir a infecção bacteriana nos primeiros me- ses de vida (ver Estado Imunológico do Feto e Recém- Nascido no Cap. 256). DEFICIÊNCIA SELETIVA DE IgA É a ausência ou redução acentuada (< 5mg/dL) da IgA sérica com níveis normais de outras imu- noglobulinas e imunidade celular intacta. A deficiência seletiva de IgA é a imunodeficiên- cia mais comum (e menos grave), ocorrendo freqüen- temente em 1/400 indivíduos. Em geral, a deficiên- cia seletiva de IgA é esporádica, embora ocasional- mente seja familiar. Pode ocorrer como conseqüên- cia do tratamento com fenitoína e em indivíduos com alterações do cromossomo 18. Também pode ser observada em familiares de pacientes com imuno- deficiência comum variável (ver adiante). A maioria dos pacientes é assintomática e a defi- ciência é diagnosticada casualmente. Outros apre- sentam infecções respiratórias recorrentes, diarréia crônica, alergia ou doença auto-imune. Os pacien- tes com deficiência de IgA não apresentam IgA em suas secreções, embora possam compensar esta au- sência pela secreção de outras Ig. Os indivíduos com deficiência de IgA podem desenvolver anticorpos anti-IgA como conseqüência da exposição à IgA no plasma ou Ig; estes anticorpos podem causar rea- ções anafiláticas quando Ig ou sangue forem admi- nistrados subseqüentemente. Alguns pacientes com deficiência de IgA possuem uma imunodeficiência de subclasse de IgG2 associada; muitos desses indi- víduos apresentam infecções recorrentes. Tratamento O tratamento não é necessário na maioria dos casos. Recomenda-se o uso de bracelete para aler- ta médico, para evitar a administração inadvertida de Ig ou plasma com sensibilização ou reação. O uso contínuo de antibióticos é necessário nos ca- sos com infecções respiratórias persistentes. A te- rapia de reposição de IgA não se encontra disponí- vel. Geralmente, a administração de injeções de Ig ou infusões de IgIV são contra-indicadas, embora um pequeno número de pacientes com deficiência de IgA associada à deficiência de subclasses de IgG tenha respondido bem ao tratamento com Ig. Um pequeno número de pacientes deficientes em IgA pode apresentar remissão espontânea. AGAMAGLOBULINEMIA LIGADA AO CROMOSSOMO X (Agamaglobulinemia de Bruton; Agamaglobuline- mia Congênita) É pan-hipogamaglobulinemia de crianças do sexo mas- culino, caracterizada pelos níveis de IgG < 100mg/ dL e outros níveis de Ig baixos ou ausentes, dimi- nuição ou ausência de células B, preservação da imunidade celular e início de infecções em algum momento após os 6 meses de idade, quando os anti- corpos maternos desaparecem. Estes bebês apresentam infecções piogênicas recorrentes nos pulmões, seios da face e ossos, cau- sadas por microrganismos como pneumococos, haemophilus e estreptococos. Elas também são sus- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351020 CAPÍTULO 147 – DOENÇAS POR IMUNODEFICIÊNCIAS / 1021 cetíveis à infecção por poliovírus induzida pela va- cina e à encefalite crônica pelos echovírus. Alguns desses bebês apresentam artrite, que desaparece com a terapia de Ig. Em aproximadamente 20% dos casos foi demonstrado um tipo de herança ligada ao cromossomo X. Um defeito do gene Btk (tirosi- na cinase de Bruton) no Xq22 impede a diferencia- ção de células pré-B em células B. Diferentes va- riantes do gene defeituoso existem em cada família. Tratamento É essencial administrar Ig, IM ou IV, por toda a vida, na dose mais baixa que previna a recorrência da infecção. A administração imediata e adequada de an- tibióticos durante cada episódio infeccioso é crucial; algumas vezes, está indicada a antibioticoterapia con- tínua. Apesar destas medidas, muitos pacientes desen- volvem sinusite persistente, bronquite e bronquiecta- sia. A suscetibilidade a neoplasias acha-se aumentada. IMUNODEFICIÊNCIA COMUM VARIÁVEL (Agamaglobulinemia Adquirida) É um distúrbio heterogêneo que ocorre igualmente em ambos os sexos, caracterizado pelo início de infec- ções bacterianas recorrentes, geralmente na 2» ou 3» décadas da vida, como resultado de diminuição acentuada dos níveis de Ig e anticorpos. A presença de números normais de células B di- ferencia a imunodeficiência comum variável da aga- maglobulinemia ligada ao cromossomo X. Geralmen- te, a imunidade celular encontra-se preservada, em- bora possa estar comprometida em alguns pacientes; em outros, são descritas anormalidades imunorregu- ladoras das células T, inclusive mal de Addison, ti- reoidite e AR são comuns nestes pacientes e em seus familiares. Diarréia, malabsorção e hiperplasia lin- fóide nodular do trato GI algumas vezes se desenvol- vem. O carcinoma e linfoma ocorrem em 10% dos pacientes. Os mecanismos imunológicos variam; por exemplo, atividade T supressora excessiva, atividade deficiente de célula T auxiliar, defeitos intrínsecos da função de células B e auto-anticorpos para as células B ou T. Como na agamaglobulinemia ligada ao cro- mossomo X, é necessária a administração de Ig du- rante toda a vida do paciente e os antibióticos devem ser usados para tratar cada infecção. IMUNODEFICIÊNCIA DE HIPER-IgM É uma imunodeficiência congênita, usualmente li- gada ao cromossomo X, caracterizada por ní- veis elevados de IgM, níveis diminuídos de IgG e IgA, neutropenia intermitente, níveis normais de célula B e suscetibilidade à infecção. Podem estar presentes linfadenopatia e auto-imu- nidade (por exemplo, anemia hemolítica positiva de Coombs). A suscetibilidade aos principais patóge- nos Gram-positivos e infecções oportunistas (inclu- sive Pneumocystis carinii e Cryptosporidium) fica aumentada. A maioria dos pacientes (> 70%) de- senvolve doença hepática crônica em torno de 30 anos de idade. O defeito imunológico na forma li- gada ao cromossomo X é uma deficiência de gp39 da célula T, o ligante para CD40 nas células B que induz a alteração de IgM para IgA, IgG e IgE. O gene mutado foi identificado no Xq27. Tratamento O tratamento é similar ao da agamaglobuline- mia ligada ao cromosssomo X. O fator estimulante de colônias de granulócitos pode ser usado para neutropenia. O transplante de linhagem celular foi bem-sucedido em alguns casos. DEFICIÊNCIA DE SUBCLASSES DE IgG É uma deficiência de anticorpos associada à maior suscetibilidade a infecções e ausência ou redu- ção acentuada dos níveis (> 2 desvios padrão abaixo da média por idade) de 1 ou 2 subclas- ses de IgG, mas com níveis normais ou aumen- tados das outras subclasses. A maioria dos pacientes apresenta níveis de IgG total e outros anticorpos normais ou quase normais, mas com resposta de anticorpos diminuída a certos antígenos. Têm-se descrito infecções respiratórias recorrentes ou crônicas, otite média, doença pulmo- nar crônica e meningite recorrente. Visto que a IgG1 constitui 70% da IgG total, uma deficiênciaisolada de IgG1 está associada à pan-hipogamaglobulinemia e não é considerada uma deficiência de subclasse. A deficiência seletiva ou combinada de IgG2 ou IgG3, com ou sem deficiência de IgG4, é a deficiência de subclasse mais comum. Pacientes com deficiência de IgG2 (seletiva ou combinada com outra defi- ciência de subclasse) freqüentemente apresentam respostas de anticorpos prejudicadas aos antígenos polissacarídicos e/ou deficiência de IgA associada (< 5mg/dL). A deficiência de IgG4 assintomática isolada ocorre em muitas pessoas. As deficiências de subclasse em crianças pequenas pode ser transi- tória e desaparecer com o decorrer do tempo. Al- guns pacientes foram descritos apresentando res- posta debilitada a polissacarídeos, mas com os ní- veis normais das subclasses de IgG. Tratamento Os pacientes com deficiências de subclasses de IgG documentadas podem se beneficiar da IG (ver Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351021 1022 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS Tratamento, AGAMAGLOBULINEMIA LIGADA AO CROMOSSOMO X, anteriormente) SÍNDROME DE DIGEORGE (Hipoplasia Tímica; Síndrome da Terceira e Quar- ta Bolsas Faríngeas) É uma imunodeficiência congênita, caracterizada patologicamente pela ausência ou hipoplasia do timo e glândulas paratireóides e, imunologica- mente, por imunodeficiência parcial ou completa de célula T, porém imunidade de célula B nor- mal ou próximo do normal. Os bebês afetados apresentam implantação baixa de orelhas, fissuras faciais de linha média, mandí- bula pouco desenvolvida, hipertelorismo, um filtro mais curto e cardiopatia congênita. A tetania ocorre nas primeiras 24 a 48h de vida. Ambos os sexos são igualmente afetados e casos familiares são raros. As anormalidades do cromossomo 22 (por exemplo, deleção ou monossomia) podem ser identificadas em 90% dos casos. Parece haver interrupção do desen- volvimento normal das estruturas da bolsa faríngea próximo da 8» semana de gestação. As infecções recorrentes começam logo após o nascimento. O grau da imunodeficiência varia consideravelmente de paciente para paciente e, algumas vezes, a função da célula T melhora espontaneamente, em especial em pacientes com células CD4 > 400/µL. Tratamento Tem sido bem-sucedido o transplante de medu- la óssea. Algum êxito também tem sido obtido com o transplante tímico fetal. Freqüentemente, o que determina o possível prognóstico é a gravidade da cardiopatia. A deficiência parcial é compatível com uma sobrevida prolongada. CANDIDÍASE MUCOCUTÂNEA CRÔNICA É uma imunodeficiência celular caracterizada pela infecção persistente por Candida das membra- nas mucosas, couro cabeludo, pele e unhas, e freqüentemente associada a uma endocrinopa- tia, em especial ao hipoparatireoidismo e hipoa- drenalismo. Pode ter início na infância, com a ocorrência de candidíase oral persistente ou pode começar mais tardiamente, já na idade adulta. A doença é discre- tamente mais comum no sexo feminino. Ela varia consideravelmente quanto à gravidade, desde o envolvimento de uma única unha até o comprome- timento generalizado de membranas mucosas, pele e cabelos e lesões granulares desfigurantes da face e couro cabeludo. A candidíase sistêmica, assim como a suscetibilidade aumentada a outras infec- ções, não ocorrem. Existem vários padrões clíni- cos, inclusive uma doença autossômica recessiva, associada ao hipoparatireoidismo e mal de Addison (síndrome por Candida-endocrinopatia). Os acha- dos imunológicos característicos são anergia cutâ- nea à Candida, ausência de respostas proliferati- vas aos antígenos da Candida (mas com respostas proliferativas normais a mitógenos) e boas respos- tas de anticorpo à Candida e outros antígenos. Os achados associados em alguns casos incluem alopecia, bronquiectasias, displasia dental, hepati- te e deficiência de biotina com deficiência da enzi- ma carboxilase. Tratamento O tratamento consiste na administração local (nistatina, clotrimazol) ou sistêmica (cetoconazol, fluconazol, anfotericina B – ver Princípios Gerais de Tratamento no Cap. 158) de drogas antifúngi- cas. As unhas afetadas podem necessitar de remo- ção cirúrgica. A imunoterapia com fator de trans- ferência, epitélio tímico, hormônios tímicos e lin- fócitos imunes não apresenta benefícios permanen- tes. O transplante de medula óssea foi bem-sucedi- do em um único caso. IMUNODEFICIÊNCIA COMBINADA É um grupo de distúrbios caracterizados pela defi- ciência congênita e freqüentemente deficiência hereditária dos sistemas das células B e T, apla- sia linfóide e displasia tímica. As imunodeficiências combinadas incluem imu- nodeficiência combinada intensa, agamaglobuline- mia suíça, imunodeficiência combinada com defi- ciência de adenosina desaminase ou deficiência de nucleotídeo fosforilase e imunodeficiência combi- nada com imunoglobulina (síndrome de Nezelof). A maioria dos pacientes apresenta início precoce (durante os 3 primeiros meses de vida) de infecções com candidíase oral, pneumonia e diarréia . Se não forem tratados, a maioria dos pacientes morre antes dos 2 anos de idade. A maior parte deles apresenta deficiência profunda de células B e Ig. As caracte- rísticas são as seguintes: linfopenia, número dimi- nuído ou ausência de células T, respostas prolifera- tivas diminuídas para mitógenos, anergia cutânea, ausência de sombra tímica e diminuição do tecido linfóide. A pneumonia por Pneumocystis e outras infecções oportunistas são comuns. Existe uma série de variedades da doença. Em 67% dos casos, pode ser estabelecido um padrão de herança ligado ao cromossomo X ou autossô- mico recessivo. A maioria dos pacientes com he- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351022 CAPÍTULO 147 – DOENÇAS POR IMUNODEFICIÊNCIAS / 1023 rança ligada ao cromossomo X possui imunodefi- ciência combinada intensa ligada ao cromosso- mo X, associada a mutações da cadeia γ do recep- tor de IL-2. Esta cadeia γ é um componente dos receptores para outras citocinas (IL-4, IL-7, IL-9, IL-13, IL-15), possivelmente explicando a gravi- dade da enfermidade. Aproximadamente metade dos pacientes com o padrão de herança autossômica recessiva apresen- ta deficiência de adenosina desaminase (ADA), uma enzima pertencente à via de salvamento das purinas e que converte a adenosina e a desoxiade- nosina em inosina e desoxiinosina, respectivamen- te. A deficiência de ADA resulta em níveis eleva- dos de trifosfato de desoxiadenosina (dATP), que inibe a síntese de DNA. Os pacientes deficientes em ADA podem ser normais ao nascer, embora desenvolvam comprometimento imunológico pro- gressivo à medida que a dATP se acumula. Na sín- drome de Nezelof (imunodeficiência combina- da com Ig), ocorre uma imunodeficiência celular profunda, porém níveis normais, próximos ao nor- mal ou elevados de Ig – embora com a função do anticorpo deficiente. Outros bebês possuem lesões de pele que lem- bram mal de Letterer-Siwe, linfadenopatia e hepa- toesplenomegalia e alguns podem ter a doença do enxerto versus hospedeiro a partir de linfócitos maternos ou de transfusões sangüíneas anteriores. Outras variantes incluem deficiências de citocina (deficiência de IL-1, deficiência de IL-2, deficiên- cia de citocina múltipla), defeitos estruturais do receptor da célula T, defeitos no sinal de transdução, ausência de Classe II de HLA e/ou antígenos de Classe I (síndrome do linfócito nu), nanismo de membros curtos, hipoplasia pilosa de cartilagem com imunodeficiência e imunodeficiência combi- nada com eosinofilia (síndrome de Omenn). Tratamento O tratamento com Ig e antibióticos (incluindo a profilaxia para P. carinii) é indicado, embora não seja curativo. O tratamento de escolha para todas as variantes consiste no transplante de célula-tronco. Pacientes com deficiência de ADA têm sido trata- dos, com êxito, com polietilenoglicol conjugado com ADA bovina (PEG-ADA). Os pacientescom deficiência de IL-2 foram tratados com IL-2 recom- binante humana. A terapia gênica tem sido utiliza- da com algum sucesso na deficiência de ADA. SÍNDROME DE WISKOTT-ALDRICH É uma doença recessiva ligada ao cromossomo X, em meninos, caracterizada por eczema, trom- bocitopenia e infecções recorrentes. Em geral, as primeiras manifestações são hemor- rágicas (comumente diarréia sanguinolenta), segui- das por infecções respiratórias recorrentes. Neo- plasias (especialmente linfomas e leucemia linfo- blástica aguda) são comuns (10%) nos pacientes com > de 10 anos de vida. Os defeitos imunológi- cos característicos incluem resposta deficiente de anticorpos a antígenos polissacarídicos, anergia cu- tânea, imunodeficiência parcial de célula T, níveis elevados de IgE e IgA, níveis baixos de IgM e hipercatabolismo de IgG, embora com os níveis normais desta imunoglobulina. Como decorrência da deficiência combinada das funções de células B e T, ocorrem infecções por bactérias piogênicas, vírus, fungos e P. carinii. Sob o ponto de vista he- matológico, estes pacientes apresentam plaquetas de pequeno tamanho e aumento da destruição pla- quetária no baço; como decorrência, a esple- nectomia pode melhorar a trombocitopenia. O de- feito genético foi localizado no Xp11. Prognóstico e tratamento Sem transplante, a maioria dos pacientes mor- re em torno de 15 anos de idade; entretanto, os pacientes com formas incompletas da doença podem sobreviver até a idade adulta. O trata- mento consiste em esplenectomia, uso contínuo de antibióticos, administração de Ig IV (não por via IM, devido ao risco de hemorragias) e trans- plante de medula óssea. ATAXIA-TELANGIECTASIA É uma doença recessiva multissistêmica e progres- siva caracterizada pela presença de ataxia cerebelar, telangiectasia da pele e conjuntiva, infecções sinopulmonares recorrentes e distúr- bios imunológicos variáveis. Os sintomas imunológicos e as evidências de imu- nodeficiência variam quanto ao seu início. Geralmente, a ataxia se desenvolve quando a criança começa a andar, embora possa retardar seu início até os 4 anos de idade. Sua progressão leva à grave incapacidade. A fala torna-se desarticulada, surgem movimentos coreoatetóides e oftalmoplegia e, comumente, a fra- queza muscular progride para atrofia da musculatura. Pode ocorrer retardo mental progressivo. Entre o pri- meiro e o sexto anos de vida, surgem as telangiecta- sias, predominantemente na conjuntiva bulbar, pavi- lhão auditivo, fossas antecubital e poplítea e laterais do nariz. As infecções sinopulmonares recorrentes, resultantes da deficiência imunológica, levam a pneu- monias recidivantes, bronquiectasias, doença obstru- tiva crônica e restrição pulmonar. Podem ocorrer alterações endócrinas, incluindo disgenesia gonadal, atrofia testicular e uma forma in- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351023 1024 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS comum de diabetes melito, caracterizada por hiper- glicemia elevada, resistente à cetose e acentuada res- posta de insulina plasmática à glicose ou tolbutamida. A doença está associada à incidência elevada de neoplasias (especialmente leucemia, tumor cerebral e câncer gástrico), além de freqüência aumentada de quebras cromossômicas, provavelmente indicativas de um defeito no reparo de DNA. Freqüentemente, os pacientes apresentam ausência de IgA e IgE, além de anergia cutânea e um defeito imunocelular progressi- vo. Em geral, a α2-fetoproteína sérica está elevada. Tratamento O tratamento da imunodeficiência com antibióti- cos ou Ig é de algum valor, embora não haja trata- mento eficaz para anormalidades do SNC. Assim, o curso da doença é da degeneração neurológica pro- gressiva com coreoatetose, fraqueza muscular, demên- cia e óbito, usualmente em torno dos 30 anos de idade. SÍNDROME LINFOPROLIFERATIVA LIGADA AO CROMOSSOMO X É uma imunodeficiência primária caracterizada por rara sensibilidade às infecções pelo vírus Epstein-Barr (EBV). Apesar de poucos pacientes (10%) possuírem hi- pogamaglobulinemia congênita, a maioria é normal até que ocorram as infecções pelo EBV. A infecção pelo EBV usualmente resulta em mononucleose in- fecciosa progressiva grave com insuficiência he- pática, uma síndrome linfoproliferativa de célula B, anemia aplástica e hipogamaglobulinema. Cer- ca de 75% dos pacientes morrem em torno dos 10 anos de idade. Os pacientes afetados possuem hipogamaglobuli- nemia, respostas de anticorpos diminuídas (particu- larmente ao antígeno nuclear do EBV), respostas pro- liferativas precárias aos mitógenos, função de células exterminadoras naturais diminuída e células T dimi- nuídas com uma proporção CD4:CD8 invertida. O diagnóstico genético, pelo polimorfismo do com- primento dos fragmentos de restrição do DNA dos genes no locus XLP (Xq25-26) idêntico ao de um membro familiar ou pessoa responsável afetados, pode ser feito. O transplante de medula óssea é curativo em poucos casos. O aciclovir e a administração IV de Ig para evitar a infecção por EBV são ineficazes. SÍNDROME DE HIPER-IgE (Síndrome de Job-Buckley) É uma síndrome de imunodeficiência caracteriza- da por infecções estafilocócicas recorrentes, em particular da pele e de níveis notavelmente ele- vados de IgE. Alguns pacientes apresentam um padrão de he- rança autossômica dominante. A infecção estafilo- cócica pode atingir pele, pulmões, articulações e outros locais. Alguns pacientes apresentam traços grosseiros, enquanto outros são claros e com cabe- los ruivos. São comuns osteopenia e fraturas recor- rentes. Em muitos casos, ocorrem defeitos da qui- miotaxia de neutrófilos. Todos os pacientes apresentam níveis excepcional- mente elevados de IgE (> 1.000UI/mL [> 2.400µg/L]). Sinais de alergia (por exemplo, eczema, rinite e asma) algumas vezes estão presentes. Outras característi- cas incluem defeitos discretos da imunidade de cé- lulas B e T, além de eosinofilia sangüínea e tecidual. O distúrbio básico pode ser uma anormalidade imunorreguladora da célula T. O tratamento consiste em antibioticoterapia in- termitente ou contínua. O trimetropim-sulfametoxa- zol é particularmente eficaz como droga profilática. DOENÇA GRANULOMATOSA CRÔNICA É uma doença hereditária decorrente de um defei- to na capacidade bactericida dos leucócitos, ca- racterizada pela presença disseminada de lesões granulomatosas na pele, pulmões e linfonodos; hipergamaglobulinemia; anemia; leucocitose e um defeito na capacidade de eliminação de de- terminadas bactérias e fungos. A maioria dos pacientes pertence ao sexo mascu- lino com herança recessiva ligada ao cromossomo X; em poucos pacientes de ambos os sexos, o tipo de herança é autossômico recessivo. Os leucócitos não produzem peróxido de hidrogênio, superóxido e outras espécies ativadas de O2 devido à atividade deficiente de dinucleotídeo de nicotinamida adeni- na fosfato (NADPH). Os quatro componentes es- truturais da NADPH oxidase são duas subunida- des de membrana (gp91 phox e p22 phox) do citocromo b558 e duas subunidades de proteína citosólica (p47 phox e p67 phox). Na variante liga- da ao cromossomo X (57% dos casos), o gene mu- tante envolve gp91 phox e, nas três formas autossô- micas recessivas, o gene mutante envolve p47 phox (33%), p22 phox (5%) ou p67 phox (5%). Sintomas, sinais e diagnóstico A doença usualmente se manifesta no início da in- fância, mas pode demorar até o início da adolescên- cia, em alguns pacientes. O padrão clínico é caracte- rizado pela ocorrência de infecções recorrentes por microrganismos produtores de catalase, por exemplo, Staphylococcus aureus, Serratia, Escherichia coli e Pseudomonas, que usualmente não causam granulo- mas; porém, devido ao defeito de exterminação bac- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351024 CAPÍTULO 147 – DOENÇAS POR IMUNODEFICIÊNCIAS / 1025 tericida, estes microrganismosconseguem sobre- viver dentro da célula. As características clínicas são linfadenite supu- rativa, hepatoesplenomegalia, pneumonia e evidên- cias hematológicas de infecção crônica. Também ocorrem rinite persistente, dermatite, diarréia, abscessos perianais, estomatite, osteomielite, abs- cessos cerebrais, lesões obstrutivas dos tratos gastrointestinal e genitourinário (decorrentes da for- mação de granulomas) e retardo de crescimento. O diagnóstico laboratorial baseia-se na redução de gra- nulócitos corados com tetrazólio nitroazul deficien- te ou pela identificação de um defeito bactericida. Tratamento O tratamento consiste em antibioticoterapia interminente ou contínua. O transplante de medula óssea também tem sido bem-sucedido. A terapia com interferon está sob investigação. DEFICIÊNCIA DE ADESÃO LEUCOCITÁRIA (Deficiência de MAC-1/AFL-1/CR3) É um distúrbio autossômico recessivo da função dos leucócitos, caracterizado por infecção necrótica recorrente ou progressiva do tecido mole, periodontite, má cicatrização de feridas, leucocitose e desligamento tardio (> 3 semanas) do cordão umbilical. Os bebês gravemente afetados apresentam in- fecções múltiplas com curso em declínio rapida- mente progressivo. Pacientes moderadamente afetados possuem um curso menos grave, com sobrevida até a idade adulta; a gravidade está cor- relacionada com o grau de deficiência das glico- proteínas adesivas na superfície dos leucócitos que facilitam as interações celulares, o movimen- to celular e a interação com fragmentos do com- plemento. Como resultado, seus granulócitos (e linfócitos) não exibem boa quimiotaxia, partici- pam de reações citotóxicas ou fagocitam bem as bactérias. O diagnóstico é estabelecido demonstrando-se ausência ou deficiência grave desses antígenos na superfície dos leucócitos, utilizando-se anticorpos monoclonais (por exemplo, anti-CD11 ou anti-CD18 para AFL-1) e citometria de fluxo. Tratamento O tratamento consiste em antibioticoterapia vi- gorosa (freqüentemente contínua). A terapia com interferon-γ reduz a gravidade e freqüência das infecções, provavelmente por aumentar a ativida- de oxidativa antimicrobiana. A dose usual é 50µg/m2 administrados 3 vezes por semana s.c. O transplante de medula óssea tem sido bem-suce- dido em vários pacientes. SÍNDROMES DE DEFICIÊNCIA ESPLÊNICA É suscetibilidade à infecção decorrente de esple- nectomia, ausência congênita de baço ou asplenia funcional devido à trombose de vasos esplênicos (doença falciforme) ou a doenças infiltrativas (doenças de depósito). O baço constitui o principal órgão fagocitário do sistema reticuloendotelial (mononuclear-fago- citário), que capta os microrganismos circulantes. O baço atua também como o principal local de sín- tese de aticorpos (ver Cap. 141). Os pacientes asplênicos, especialmente os bebês, são suscetíveis às superinfecções bacterianas de desenvolvimento rápido por Haemophilus influenzae, Escherichia coli, pneumococos e estreptococos, além de outras infecções,em menor grau. Estes pacientes devem receber antibioticoterapia profilática contínua, pelo menos durante os 2 ou 3 primeiros anos de vida e, após este período, receber antibióticos no início de cada episódio febril ou durante procedimentos ci- rúrgicos. Também se recomenda o uso de vacina pneumocócica, meningocócica e para Haemophilus. Com tal terapia, o prognóstico é bom. IMUNODEFICIÊNCIAS PERDEDORAS DE PROTEÍNAS É a perda de proteínas séricas que leva à deficiên- cia de anticorpos secundária, com graus sur- preendentes de hipogamaglobulinemia. A hipogamaglobulinemia pode ser devido a per- das de proteína séricas pelo rim síndrome nefróti- ca), pele (queimaduras graves ou dermatites) ou trato gastrointestinal (enteropatia perdedora de proteínas, linfangiectasia intestinal). Ocorre per- da simultânea de albumina e de outras proteínas séricas. Nas doenças gastrointestinais perdedoras de pro- teínas, também pode ocorrer perda de linfócitos, resultando em linfopenia e imunodeficiência celu- lar. Estes pacientes são suscetíveis a infecções pe- los principais microrganismos Gram-positivos, porém, uma vez que ocorra aumento compensató- rio na produção de anticorpos, as infecções podem ser relativamente raras, apesar da surpreendente hi- pogamaglobulinemia. A correção da doença básica resolverá a imuno- deficiência. Quando isso for impossível, os trigli- cerídeos de cadeia média podem trazer benefícios parciais para diminuir a perda de imunoglobulinas e linfócitos pelo trato gastrointestinal nestes distúrbios. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351025 1026 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS IMUNODEFICIÊNCIA RELACIONADA À DESNUTRIÇÃO A desnutrição com imunodeficiência e infecções associadas constitui a principal causa mundial de morte na infância. Quando a desnutrição for grave o sufi- ciente para reduzir o peso para < 80% da média espe- rada, algum prejuízo da função imune é observado; quando o crescimento for < 70% da média esperada, usualmente ocorre um prejuízo grave da função imu- ne. A maioria de tais pacientes (exceto aqueles com anorexia nervosa) é extraordinariamente suscetível a infecções respiratórias, doenças virais e gastroenterite. Estas infecções aumentam as necessidades metabó- licas e diminuem o apetite, levando a mais desnutrição e imunodeficiência. O defeito imunológico é, principalmente, uma imunodeficiência de célula T com anergia cutâ- nea, diminuição do número de células T, respos- tas proliferativas deficientes a mitógenos ou an- tígenos e deficiência de linfocinas (interferon) e de atividade citotóxica. Os níveis secretores de anticorpo podem estar diminuídos, embora, em geral, os níveis de Ig e anticorpos séricos este- jam normais ou elevados, particularmente os da IgE. O grau de comprometimento imunológico depende da gravidade e duração da desnutrição e das doenças associadas (por exemplo, infecções, outras deficiências nutricionais). Com a reabili- tação nutricional, o defeito imunológico se re- verte rapidamente (ver também Cap. 2). 148␣ /␣ DISTÚRBIOS DE HIPERSENSIBILIDADE A hipersensibilidade se refere a processos pa- tológicos que resultam de interações imunologi- camente específicas entre antígenos (exógenos ou endógenos) e anticorpos humorais ou linfóci- tos sensibilizados. Esta definição exclui alguns distúrbios nos quais os anticorpos não apresen- tem qualquer significado fisiotopalógico conhe- cido (por exemplo, o anticorpo para tecido car- díaco, que surge após cirurgias cardíacas ou in- farto do miocárdio), embora sua presença possa ter um certo valor diagnóstico. Qualquer classificação de hipersensibilidade está fadada a ser excessivamente simplificada. Algumas baseiam-se no tempo necessário para o aparecimento dos sintomas ou de reações a testes cutâneos após exposição a um antígeno (por exemplo, as reações de hipersensibilidade imediata e tardia), no tipo de antígeno (por exem- plo, nas reações a drogas) ou na natureza do envolvimento orgânico. Além disso, as classi- ficações não levam em consideração o fato de que possa estar ocorrendo mais de um tipo de resposta imune ou que mais de um tipo de resposta possa ser necessária para produzir uma lesão imunológica. Classificação de Gell e Coombs Esta classificação de reações, consistindo em quatro tipos, é amplamente utilizada apesar de suas limitações, pois é a mais satisfatória. Nas reações do Tipo I, os antígenos (alérge- nos) se combinam com anticorpos IgE específicos que estão ligados aos receptores de membrana sobre mastócitos teciduais e basófilos sangüí- neos. A reação antígeno-anticorpo provoca a li- beração rápida de potentes mediadores vasoati- vos e inflamatórios, que podem ser pré-forma- dos (por exemplo, histamina, triptase) ou recen- temente gerados a partir dos lipídeos da mem- brana (por exemplo, leucotrienos e prostaglandi-nas). Durante horas, os mastócitos e basófilos também liberam citocinas pró-inflamatórias (por exemplo, interleucina-4 e interleucina-13). Os mediadores produzem vasodilatação, maior per- meabilidade capilar, hipersecreção glandular, espasmo da musculatura lisa e infiltração teci- dual com eosinófilos e outras células inflamató- rias. As reações do Tipo II (citotóxicas) ocorrem quando o anticorpo reage a componentes antigêni- cos de uma célula ou elementos teciduais, ou a um antígeno ou hapteno que ficou intimamente ligado a uma célula ou tecido. A reação antígeno-anticorpo pode ativar certas células citotóxicas (células T exterminadoras ou macrófagos) para produzir citotoxicidade mediada por células anticorpo-dependentes. Ela geralmente envolve a ativação do complemento e pode causar aderência opsônica através do recobrimento da cé- lula com anticorpos; a reação se desenvolve pela ativação dos componentes do complemento atra- vés de C3 (com conseqüente fagocitose de célula) ou pela ativação de todo o sistema complemento, com subseqüente citólise ou lesão tecidual. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351026 CAPÍTULO 148 – DISTÚRBIOS DE HIPERSENSIBILIDADE / 1027 As reações do Tipo III – de imunocomplexos (IC) – resultam da deposição de imunocomplexos Ag- Ac circulantes solúveis em vasos ou tecido. Os IC ativam o complemento e iniciam, desta forma, uma seqüência de eventos que resulta na migração de células polimorfonucleares e liberação de enzimas proteolíticas lisossômicas e fatores de permeabili- dade em tecidos, produzindo uma inflamação agu- da. As conseqüências da formação de IC depen- dem, em parte, das proporções relativas de antíge- no e anticorpo contidas no IC. Com um excesso de anticorpo, os IC se precipitam rapidamente onde o antígeno está localizado (por exemplo, dentro das articulações, na artrite reumatóide) ou são fagoci- tados por macrófagos e, desta maneira, não cau- sam nenhum dano. Com um leve excesso de antí- geno, os imunocomplexos tendem a ser mais solú- veis e podem causar reações sistêmicas ao serem depositados em vários tecidos. As reações do Tipo IV são de hipersensibilidade celular, mediada por células, tardia ou do tipo tu- berculina, causadas por linfócitos T sensibilizados após contato com um antígeno específico. Os anticorpos circulantes não estão envolvidos e nem são necessários para desenvolver a lesão te- cidual. A transferência da hipersensibilidade tar- dia de pessoas sensibilizadas para outras não sen- sibilizadas pode ocorrer com leucócitos periféri- cos, mas não com soro. Os linfócitos T sensibilizados que foram desen- cadeados ou ativados pelo contato com um antíge- no específico podem provocar lesão imunológica por um efeito tóxico direto ou através da liberação de substâncias solúveis (linfocinas). Na cultura de tecidos, os linfócitos T ativados destroem as célu- las-alvo após sensibilização pelo contato direto. As citocinas liberadas dos linfócitos T ativados incluem vários fatores que afetam a atividade de macrófa- gos, neutrófilos e células linfóides exterminadoras (ver TABELA 146.1). DISTÚRBIOS COM REAÇÕES DE HIPERSENSIBILIDADE TIPO I Os distúrbios que compreendem reações de hi- persensibilidade do Tipo I são as doenças atópicas (rinite alérgica, conjuntivite alérgica, dermatite atópica e asma alérgica [extrínseca] [ver Cap. 68]) e alguns casos de urticária e reações alimentares gastrointestinais e anafilaxia sistêmica. A inci- dência de asma tem aumentado em demasia, ape- sar das causas serem desconhecidas. Recentemente, observou-se um aumento acentuado nas reações do Tipo I em relação à exposição a proteínas hidros- solúveis dos produtos do látex (por exemplo, luvas de borracha, diques de borracha para isolamento dental absoluto, preservativos, tubos de equipamen- to respiratório, cateter e pontas de enema com “cuffs” de látex inflável), particularmente entre pessoas da área médica e pacientes expostos ao lá- tex e crianças com espinha bífida e defeitos uroge- nitais congênitos. As reações comuns ao látex são urticária, angioedema, conjuntivite, rinite, bron- cospasmo e anafilaxia. Como regra, os pacientes com doenças atópicas (inclusive dermatite atópica) apresentam uma pre- disposição hereditária a desenvolver hipersensibi- lidade mediada por anticorpo IgE contra substân- cias inaladas ou ingeridas (alérgenos), que não são perigosas para pessoas não atópicas. Exceto na der- matite atópica, os anticorpos IgE usualmente são mediadores da hipersensibilidade. Apesar da aler- gia alimentar mediada pela IgE poder contribuir para os sintomas da dermatite atópica em bebês e crianças pequenas, ela é amplamente independen- te dos fatores alérgicos nas crianças mais velhas e em adultos, mesmo que a maioria dos pacientes con- tinue a ter alergias específicas. Diagnóstico História – A revisão dos sintomas, sua relação com o meio ambiente e com as variações sazonais e situacionais, seu curso clínico e história familiar de problemas similares devem fornecer informações suficientes para a classificação da doença como atópica. Para determinar se um indivíduo é alérgico, a anamnese é mais valiosa do que os testes e o pa- ciente não deve ser submetido a testes cutâneos ex- tensos, a menos que existam evidências clínicas ra- zoáveis para a presença de atopia. A idade na qual a doença teve início pode constituir uma informação importante (por exemplo, a asma que ocorre na in- fância tem maior probabilidade de ser relacionada à alergia do que a asma que tem início após os 30 anos). Também são indicativos os sintomas sazonais (por exemplo, correlacionam-se com o pólen específico de estações do ano) ou sintomas que aparecem após exposição a animais, feno ou poeira ou os que se desenvolvem em ambientes específicos (por exem- plo, no lar). Devem ser avaliados os efeitos de fato- res contribuintes (por exemplo, fumaça de tabaco e outros poluentes, ar frio, exercício, álcool, certas drogas e estresse da vida). Testes inespecíficos – Os eosinófilos no san- gue e secreções são freqüentemente associados à doença atópica, particularmente asma e dermatite atópica. Os níveis de IgE estão elevados, aumen- tarão durante exacerbações e diminuirão durante Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351027 1028 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS remissões da dermatite atópica. Apesar de usual- mente elevados, os níveis de IgE não são úteis para diagnóstico na asma atópica e na rinite alérgica. Ocasionalmente, níveis muito altos de IgE podem ajudar a confirmar o diagnóstico de aspergilose pul- monar alérgica (ver Cap. 76) ou síndrome de hiper- IgE (ver Cap. 147). Testes específicos – Os testes específicos são utilizados para confirmar a sensibilidade a um ou mais alérgenos em particular. Os testes cutâneos são a maneira mais conveniente de confirmar a sensibilidade específica. Eles devem ser seletivos e baseados nos achados da anamnese. As soluções utilizadas nos testes são preparadas a partir de ex- tratos de materiais inalados, ingeridos ou injeta- dos (por exemplo, pólens disseminados pelo ven- to, de algumas árvores, gramíneas ou ervas dani- nhas, poeira domiciliar, descamações epidérmi- cas [caspas] de animais, venenos de insetos, ali- mentos e penicilinas e seus derivados). Até recen- temente, alguns extratos de alérgenos eram padro- nizados e sua potência era altamente variável. Muitos extratos comumente utilizados são agora padronizados. Para o teste de punão, usualmente o primeiro a ser realizado, coloca-se uma gota do extrato de alérgeno diluído na pele, faz-se uma punção atra- vés do extrato, puxando a pele para cima com a ponta de um estilete ou agulha de # 27 num ângulo de 20º até que a ponta fique solta. Para o teste intradérmico é injetado apenas o suficiente de uma diluição de extrato estéril (uti- lizando-se uma seringa de 0,5 ou 1mL e uma agu- lha de biselcurto # 27) para produzir uma pápula de 1 ou 2mm. Cada bateria de testes cutâneos deve incluir o diluente sozinho como controle negati- vo e histamina (10mg/mL da base para o teste de punção ou 0,1mg/mL para o teste intradérmico) como controle positivo. Um teste cutâneo é con- siderado positivo se produzir uma reação do tipo papuloeritematoso, em 15min, com diâmetro no mínimo 5mm maior que o controle. O teste cutâneo de punção é, geralmente, sufi- ciente para detectar a sensibilidade à maioria dos alérgenos. O teste intradérmico mais sensível pode, então, ser usado para testar alérgenos inalados sus- peitos que produziram teste de punção negativo ou duvidoso. Para os alimentos, os testes de punção isolados são diagnósticos. Os testes intradérmicos são passíveis de produzir reações positivas sem ne- nhum significado clínico para alimentos, como mostrado pelos testes de provocação de sintomas orais em estudo duplo-cego. O teste radioalergoabsorvente (RAST) pode ser utilizado quando o teste cutâneo direto não for possível devido a dermatite generalizada, dermo- grafismo acentuado ou pela incapacidade de coo- peração do paciente, ou por este não parar de usar anti-histamínicos. Um RAST detecta a IgE sérica específica para o antígeno. Um alérgeno conheci- do sob a forma de conjugado polímero-alérgeno insolúvel é misturado ao soro do paciente para ser testado. Qualquer IgE no soro que seja específica para o alérgeno se ligará ao conjugado. A quanti- dade de IgE específica para o alérgeno na circula- ção do paciente é determinada pela adição de uma imunoglobulina anti-IgE marcada com 125I e a medida da quantidade da radioatividade captada pelo conjugado. A liberaão de histamina por leucócitos, um teste in vitro, detecta a IgE alérgeno-específica nos basófilos sensibilizados pela dosagem da histamina induzida pelo alérgeno liberada pelos leucócitos do paciente. Esta valiosa ferramenta de pesquisa tem fornecido critérios dos mecanismos da resposta alér- gica; como o RAST, não fornece nenhuma infor- mação diagnóstica e é raramente, se alguma vez, utilizada na clínica. O teste de provocaão pode ser realizado quando um teste cutâneo positivo originar dúvidas sobre o papel do antígeno, em particular na produção dos sin- tomas. O alérgeno pode ser aplicado nos olhos, nariz ou pulmões. O teste oftalmológico não oferece qual- quer vantagem sobre o teste cutâneo, sendo raramen- te utilizado. O teste nasal, realizado ocasionalmente, é também um instrumento primário de pesquisa, bem como o teste brônquio, algumas vezes usado quando o significado clínico de um teste cutâneo positivo não foi claro ou quando os reagentes cutâneos não estive- rem disponíveis para mostrar que os sintomas estão relacionados com os materiais aos quais um paciente é exposto (por exemplo, asma relacionada à profis- são). Os testes de provocação oral devem ser usados quando houver suspeita de que os sintomas ocorridos regularmente estejam relacionados a alimentos, por- que os testes cutâneos positivos não são necessaria- mente significantes na clínica. Um teste cutâneo ne- gativo com uma preparação de antígeno confiável, entretanto, exclui a possibilidade dos sintomas clíni- cos para aquele alimento. O teste de provocação é o único meio de testar aditivos alimentares. (Ver adian- te Dietas de Eliminação e Teste de Provocação.) Testes de efetividade não comprovada – Não há evidências para justificar o uso do teste de pro- vocação sublingual ou cutâneo ou teste leucocito- tóxico no diagnóstico de alergia. Tratamento Evitar – O tratamento preferencial é eliminar o antígeno. Isto pode exigir mudança de dieta, pro- fissão ou residência, suspensão de uma droga ou afastamento de um animal de estimação. Alguns Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351028 CAPÍTULO 148 – DISTÚRBIOS DE HIPERSENSIBILIDADE / 1029 locais, livres de alérgenos tais como a ambrósia (por exemplo, ambrósia americana), constituem verda- deiros refúgios para as pessoas sensibilizadas. Quan- do a eliminação completa do alérgeno for impossí- vel (como no caso da poeira domiciliar), a exposi- ção pode ser reduzida pela remoção da poeira acumu- lada em móveis, tapetes e cortinas; uso de cobertu- ras plásticas em colchões e travesseiros; lavagens freqüentes e retirada de pó com panos úmidos; re- dução do nível de umidade e instalação de um siste- ma de filtração de ar de alta eficiência. Imunoterapia alérgena – Quando não for pos- sível evitar um alérgeno ou controlar suficientemente a exposição e a medicação for inadequada para ali- viar os sintomas da doença atópica, pode ser tentada a imunoterapia alérgena (também chamada de hi- possensibilizaão ou dessensibilizaão) pela inje- ção de um extrato do alérgeno por via s.c. e em do- ses gradualmente crescentes. Diversos efeitos po- dem ocorrer, embora nenhum teste apresente corre- lação absoluta à melhora clínica. O título do anti- corpo bloqueador de IgG (neutralizador) aumenta proporcionalmente à dose administrada. Algumas ve- zes, especialmente quando doses altas do extrato de pólen puderem ser toleradas, os níveis de anticorpos séricos IgE-específicos caem significantemente. A responsividade (proliferação) dos linfócitos ao antí- geno também pode estar diminuída. Os resultados são mais satisfatórios quando as injeções são contínuas por um ciclo de um ano. Dependendo do grau de sensibilidade, a dose de início é de 0,1 a 1,0 unidade biologicamente ativa (UBA) para alérgenos padronizada pela FDA. A dose é aumentada semanalmente, ou a cada 2 se- manas, por valor ≤ duas vezes a dose até uma con- centração máxima tolerada ser atingida (por exem- plo, para extratos de pólen padronizados, a dose de manutenção é de 1.000 a 4.000 UBA). Uma vez atingida, a dose máxima pode ser mantida em in- tervalos de 4 a 6 semanas, por um ano; até nas aler- gias sazonais, o tratamento perene é superior aos tratamentos pré-sazonais ou co-sazonais. Os principais alérgenos utilizados para dessen- sibilização são aqueles que geralmente não podem ser evitados de modo efetivo: pólens, poeira domi- ciliar e ácaros da poeira, fungos e venenos prove- nientes de picadas de insetos. Os venenos de inse- tos são padronizados pelo peso; a dose inicial típi- ca é de 0,01µg; a dose comum de manutenção é de 100 a 200µg. Geralmente, a dessensibilização para epitélios de animais limita-se somente aos pacien- tes que não podem evitar a exposição (por exem- plo, veterinários e laboratoristas), mas há pouca evidência de que seja útil. Não há indicação para a dessensibilização para alimentos. Os procedimen- tos para dessensibilização para penicilina e soro estranho estão descritos em HIPERSENSIBILIDADE A DROGAS, adiante. Reaões adversas – Em geral, os pacientes são extremamente sensíveis, especialmente a alérge- nos de pólens e, se eles receberem uma dose ex- cessiva, as reações variam de tosse leve ou espir- ros até urticária generalizada, asma grave, choque anafilático e, muito raramente, pode ocorrer óbi- to. Deve-se fazer o seguinte para evitar tais rea- ções: aumentar a dose por meio de pequenos in- crementos; repetir a mesma dose (ou mesmo di- minuí-la) se a reação local a uma injeção prévia for grande (≥ 2,5cm de diâmetro) e reduzir a dose quando um novo extrato for usado. Muitas vezes, também é prudente reduzir a dose dos extratos de pólen durante as estações de polinização. As inje- ções IM e IV devem ser evitadas. Apesar de todas as precauções, ocasionalmente ocorrem reações. Como as mais graves, que repre- sentam risco de vida (anafilaxia) se desenvolvem no espaço de 30min, os pacientes devem permanecer sob observação durante este período. As manifestações de uma reação indesejável podem ser espirros, tosse e opressão torácica, ou rubor generalizado, sensação de formigamento e prurido. Detalhes maiores sobre sintomas e tratamento são descritos em ANAFILAXIA, adiante. Anti-histamínicos– Não se deve negligenciar o alívio sintomático com drogas enquanto o pa- ciente estiver sendo avaliado e enquanto estiver sendo desenvolvido o controle ou tratamento es- pecífico. O uso adequado de anti-histamínicos, simpatomiméticos, cromolina e glicocorticóides está descrito em cada uma das doenças, adiante. Em geral, o uso precoce de glicocorticóides é apro- priado para condições potencialmente incapaci- tantes, autolimitadas e de duração relativamente curta (crises sazonais de asma; doença pulmonar infiltrativa; dermatite de contato grave), podendo ser necessário o uso prudente de glicocorticóides quando outras medidas forem insuficientes para tratar as condições crônicas. As diferenças farmacológicas entre anti-hista- mínicos são mais aparentes em suas propriedades sedativas, antieméticas e outros efeitos no SNC e em suas propriedades anticolinérgicas, anti-sero- tonina e anestésica local. Os anti-histamínicos an- ticolinérgicos são particularmente problemáticos nos idosos. Os anti-histamínicos são úteis para tratar os sin- tomas de alergias, inclusive de febre do feno sazo- nal, rinite alérgica e conjuntivite. São levemente eficazes na rinite vasomotora. A urticária aguda e crônica e certas dermatoses alérgicas com prurido respondem bem a eles. Também são úteis para tra- tar pequenas reações de incompatibilidade trans- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351029 1030 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS fusional e reações sistêmicas aos meios de contraste radiológicos administrados IV. Fornecem pouco be- nefício no tratamento do resfriado mas, devido a seus efeitos anticolinérgicos (ver adiante) podem controlar a rinorréia. A histamina está amplamente distribuída nos teci- dos de mamíferos. No homem, as maiores concentra- ções estão na pele, pulmões e mucosa GI. Ela está presente principalmente nos grânulos intracelulares de mastócitos, embora também exista importante acú- mulo extramastócito na mucosa gástrica, com quan- tidades menores no cérebro, coração e outros órgãos. A liberação de histamina dos grânulos de armazena- mento celular dos mastócitos pode ser desencadeada por ruptura tecidual física, várias substâncias quími- cas (inclusive irritantes teciduais, opiáceos e agentes ativos de superfície) e, de forma mais proeminente, por interações de antígeno-anticorpo. A função homeostática específica da histamina continua obscura. Suas ações, que no homem são exercidas primariamente no sistema cardiovascular, na musculatura lisa extravascular e nas glândulas exócrinas, parecem ser mediadas por dois recepto- res distintos: H1 e H2 . Este capítulo discutirá os re- ceptores H1 e seus antagonistas (bloqueadores de H1). Para os receptores e antagonistas de H2, ver Trata- mento em ÚLCERA PÉPTICA, no Capítulo 23. No sistema cardiovascular, a histamina é um potente dilatador arteriolar que pode provocar gran- de acúmulo periférico de sangue e hipotensão. Tam- bém aumenta a permeabilidade capilar pela distor- ção do revestimento endotelial das vênulas pós-ca- pilares, com alargamento do espaço entre as célu- las endoteliais e exposição das superfícies da mem- brana basal. Esta ação acelera a perda de plasma e proteínas plasmáticas do espaço vascular e, em combinação com a dilatação arteriolar e capilar, pode produzir choque circulatório. A histamina tam- bém dilata os vasos cerebrais, o que pode ser um fator na cefaléia vascular. A resposta tríplice é mediada pela liberação intracutânea local de histamina, provocando erite- ma local a partir da vasodilatação, pústula devido a edema local, a partir do aumento da permeabilida- de capilar e rubor, a partir de um mecanismo de reflexo neuronal, produzindo uma área circundan- te de vasodilatação arteriolar. Em outros músculos lisos, a histamina pode provocar broncoconstrição grave e estimular a motilidade GI. Nas glândulas exócrinas, ela aumenta as secreções das glându- las salivar e brônquica; nas glândulas endócrinas, ela estimula a liberação de catecolaminas pelas células cromafins das adrenais, que também pare- cem ser mediadas por receptor H1 . Nas termina- ções nervosas sensoriais, a instilação local de histamina pode produzir prurido intenso. Bloqueadores H1 – Os anti-histamínicos conven- cionais possuem uma cadeia lateral de etilamina subs- tituta (semelhante àquela da histamina) ligada a um ou mais grupos cíclicos. A similaridade entre a meta- de etilamínica da histamina e a estrutura etilamínica substituída dos bloqueadores H1 sugere que esta con- figuração molecular é importante nas interações de receptor. Os bloqueadores H1 parecem agir por inibi- ção competitiva; não alteram significativamente a pro- dução ou metabolismo da histamina. Os bloqueadores H1, administrados por via oral ou retal, geralmente são bem absorvidos pelo trato GI. O início da ação geralmente ocorre em 15 a 30min, com efeitos máximos em 1h; a duração da ação é de 3 a 6h, embora alguns bloqueadores atu- em num tempo consideravelmente maior. Os efeitos anti-histamínicos dos bloqueadores H1 são observados somente na presença de ativida- de histamínica aumentada. Eles bloqueiam os efei- tos da histamina na musculatura lisa do trato GI embora, no homem, a reação alérgica da muscula- tura lisa brônquica não seja primariamente depen- dente da liberação de histamina e não responda efe- tivamente aos anti-histamínicos isolados. Os blo- queadores H1 obstam efetivamente a permeabili- dade capilar aumentada induzida pela histamina e a estimulação nervosa sensorial, inibindo, assim, as respostas de pústula, rubor, prurido, espirros e secreção mucosa. Entretanto, estas drogas são ape- nas parcialmente eficazes na reversão da vasodila- tação e hipotensão induzidas pela histamina. Os efeitos clinicamente úteis que não o antagonis- mo da histamina estão discutidos adiante. A TABELA 148.1 resume dosagem, via de admi- nistração e freqüência de alguns bloqueadores H1 comumente disponíveis. As doses podem precisar ser administradas com mais freqüência a crianças do que a adultos, devido às meias-vidas mais curtas do anti-histamínico (exceto conforme observado na tabela). Estas drogas todas bloqueiam receptores de H1; suas diferenças farmacológicas são, principal- mente, no tipo e intensidade de seus outros efeitos. Como muitos bloqueadores H1 causam depres- são do SNC e sonolência, eles ocasionalmente são usados como sedativos e hipnóticos. Entretanto, as alquilaminas e as novas drogas não sedativas – astemizol, cetirizina e loratidina – são úteis quan- do a sedação for indesejável. Porém, elas são con- sideravelmente mais caras e algumas estão asso- ciadas a interações medicamentosas prejudiciais (ver adiante). As etanolaminas são depressores sig- nificativos do SNC; embora menos potentes e se- guros que barbitúricos e outros depressivos cen- trais, são úteis como sedativos e hipnóticos, embo- ra apresentem acentuadas propriedades anticolinér- gicas e, portanto, podem ser mal toleradas pelo ido- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351030 TABELA 148.1 – DOSAGEM, ADMINISTRAÇÃO E PREPARAÇÕES DE ALGUNS BLOQUEADORES H1 Via de Droga administração Dosagem comum para adultos Dosagem comum pediátrica Preparações disponíveis Alquilaminas Maleato de bromofeniramina Maleato de clorfeniramina Maleato de dexclorfeniramina HCl de triprolidina Etanolaminas Fumarato de clemastina Oral IM ou IV Oral IV, IM ou s.c. Oral Oral Oral 4 – 8mg a cada 4 – 6h 5 – 20mg a cada 6 – 12h 4mg a cada 4 – 6h 5 – 20mg (dose máxima 40mg/dia) 2mg a cada 4 – 6h 2,5mg a cada 4 – 6h 1,34mg, 2 vezes ao dia a 2,68mg, 3 vezes ao dia < 6 anos de idade: 0,125mg/kg a cada 6h (dose máxima 6 – 8mg/dia); 6 – 12 anos: 2 – 4mg a cada 6 – 8h (dose máxima 12 – 16mg/dia) < 12 anos de idade: 0,5mg/kg/dia dividi- dos a cada 6 – 8h 0,35mg/kg/dia em doses divididas a cada 4 – 6h NA 2 – 5 anos:0,5mg a cada 4 – 6h (dose máxima 3mg/dia) 6 – 11 anos: 1mg a cada 4 – 6h (dose máxima 6mg/dia) 4 meses – 2 anos: 0,313mg a cada 4 – 6h (dose máxima 1,25mg/dia) 2 – 4 anos: 0,625mg a cada 4 – 6h (dose máxima 2,5mg/dia) 4 – 6 anos: 0,938mg a cada 4 – 6h (dose máxima 3,74mg/dia) 6 – 12 anos: 1,25mg a cada 4 – 6h (dose máxima 5mg/dia)1 6 – 12 anos: 0,5mg a cada 12h (dose má- xima 3mg/dia)2 Comprimidos de 4, 8 e 12mg Elixir de 2mg/5mL Comprimidos de 8 e 12mg (liberação cronometrada) Injeção de 10mg/mL Comprimidos mastigáveis de 2mg Comprimidos de 4mg Xarope de 2mg/5mL Comprimidos de 8 e 12mg, cápsulas (liberação cronometrada) Injeção de 10mg/mL Comprimidos de 2mg Xarope de 2mg/5mL Comprimidos de 4 e 6mg (liberação prolongada) Comprimidos de 2,5mg Xarope de 1,25mg/5mL Comprimidos de 1,34 e 2,68mg Xarope de 0,67mg/5mL Continua 1031 M erck_12.p65= 02/02/01, 15:35 1031 HCl de difenidramina HCl de difenilpiralina Etilenodiaminas Citrato de tripelenamina HCl de tripelenamina Piperazinas HCl de hidroxizina Fenotiazinas HCl de metidilazina HCl de prometazina Oral IV, IM profunda Oral Oral Oral Oral IM Oral Oral Retal IV ou IM IM apenas 25 – 50mg 3 ou 4 vezes ao dia ou a cada 6 – 8h 10 – 50mg a cada 3 – 4h 5mg a cada 12h 25 – 50mg a cada 4 – 6h 25 – 50mg a cada 4 – 6h 25 – 100mg 3 ou 4 vezes ao dia 25 – 100mg a cada 4 – 6h 8mg a cada 6 – 12h 12,5 – 25mg 2 vezes ao dia 12,5 – 25mg a cada 4h prn ou a cada 6h 12,5 – 25mg a cada 6h 50mg para sedação 5mg/kg/dia divididos a cada 6h (dose máxima 300mg/dia) NA (1mL de citrato = 5mg de sal HCl) 5mg/kg/dia divididos em 4 – 6 doses (dose máxima 300mg/dia) 2mg/kg/dia divididos a cada 6 – 8h > 3 anos de idade, 4mg a cada 6 – 12h 0,1mg/kg a cada 6h Cápsulas ou comprimidos de 25 e 50mg Xarope de 12,5mg/mL Elixir de 12,5mg/5mL Injeção de 10 e 50mg/mL Cápsulas de 5mg (ação constante) Elixir de 37,5mg/5mL Comprimidos de 25 e 50mg Comprimidos de 100mg™ (liberação cronometrada) Comprimidos de 25, 50 e 100mg Comprimidos de 10, 25, 50 e 100mg Xarope de 10mg/5mL Suspensão oral de 25mg/5mL Injeção de 25 e 50mg/mL Comprimidos de 8mg Comprimidos mastigáveis de 4mg Xarope de 4mg/5mL Comprimidos de 12,5, 25 e 50mg3 Xarope de 6,25 e 25mg/5mL Supositórios de 12,5, 25 e 50mg Injeção de 25mg/mL Injeção de 50mg/mL (IM apenas) TABELA 148.1 – DOSAGEM, ADMINISTRAÇÃO E PREPARAÇÕES DE ALGUNS BLOQUEADORES DE H1 Via de Droga administração Dosagem comum para adultos Dosagem comum pediátrica Preparações disponíveis 1032 M erck_12.p65= 02/02/01, 15:35 1032 1 Doses máximas maiores são utilizadas fora dos EUA: < 1 ano de idade: 1mg a cada 8h; 1 – 6 anos: 2mg a cada 8h; 6 – 12 anos: 3mg a cada 8h. 2 Não aprovado para crianças < 6 anos de idade, porém uma dose de 0,05mg/kg/dia (dose máxima 1mg/dia) tem sido utilizada, com segurança, neste grupo etário. 3 Não aumentar a freqüência em crianças. 4 CUIDADO – As interações com algumas drogas, incluindo antifúngicos e antibióticos, podem apresentar risco de vida. NA = não aplicável, prn= quando necessário. Tartarato de trimeprazina Piperidinas Maleato de azatadina HCl de cipro-heptadina Não sedativos Astemizol4 Cetirizina Loratidina Fexofenadina Oral Oral Oral Oral Oral Oral Oral 2,5mg 4 vezes ao dia 1 – 2mg 2 vezes ao dia 4mg 3 ou 4 vezes ao dia (não > 0,5mg/kg/dia) 10mg 1 vez ao dia 5 – 10mg 1 vez ao dia 10mg 1 vez ao dia 60mg 2 vezes ao dia 6 meses – 3 anos de idade: 1,25mg na hora de dormir ou 3 vezes ao dia > 3 anos de idade: 2,5mg na hora de dor- mir ou 3 vezes ao dia > 12 anos apenas 0,25 – 0,5mg/kg/dia divididos a cada 8 – 12h > 12 anos apenas > 12 anos apenas > 12 anos apenas > 12 anos apenas Comprimidos de 2,5mg Xarope de 2,5mg/5mL3 Cápsulas de 5mg (liberação cronometrada) Comprimidos de 1mg3 Comprimidos de 4mg3 Xarope de 2mg/5mL Comprimidos de 10mg3 Comprimidos de 5 e 10mg Comprimidos de 10mg Comprimidos de 60mg 1033 M erck_12.p65= 02/02/01, 15:35 1033 1034 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS so. As etilenodiaminas produzem menos depres- são do SNC, porém mais efeitos colaterais gastro- intestinais do que as etanolaminas. O derivado da etanolamina, difenidramina e seu sal cloroteofilinado, dimenidrinato, o congênere da fenotrazina, prometazina e as piperazinas (ciclizina e meclizina) são utilizados para evitar ou tratar a doença da motilidade e aliviar as náuseas e verti- gens associadas à labirintite. Ciclizina, hidroxizina e meclizina têm sido implicadas como teratogênicas em animais e, provavelmente, não devem ser ad- ministradas durante a gravidez. Os bloqueadores H1 fenotiazínicos, notavelmente a prometazina, são úteis como sedativos e eficazes no controle da náusea associada à radioterapia e certas drogas anticâncer; para esta última utilização, são me- nos eficazes que a proclorperazina e a clorpromazina. A maioria dos bloqueadores H1 apresenta pro- priedades anticolinérgicas que podem ser respon- sáveis, centralmente, por uma modesta atividade antiparkinsoniana e, perifericamente, por alívio sin- tomático da rinorréia nas infecções do trato respi- ratório superior. Combinados a drogas para anes- tesia local, alguns bloqueadores H1 têm sido apli- cados na pele, na forma de cremes e loções, para reduzir o prurido. Entretanto, a aplicação tópica de anti-histamínicos etilenodiamínicos incorre em risco considerável de sensibilização à droga e não são mais aprovados para este propósito. Os efeitos colaterais indesejáveis e a toxici- dade dos bloqueadores H1 são muito incomuns; incluem anorexia, náusea, vômito, constipação, di- arréia, desconforto epigástrico, diminuição do es- tado de alerta, piora na capacidade de concentra- ção, sonolência e fraqueza muscular. Raramente ocorrem discrasias sangüíneas (por exemplo, leu- copenia, agranulocitose, trombocitopenia, anemia hemolítica). A superdosagem é acompanhada por efeitos anticolinérgicos: boca seca, palpitações, opressão torácica, retenção urinária, distúrbios vi- suais, convulsões, alucinações e, posteriormente, depressão respiratória, febre, hipotensão e midríase. Estas são, com freqüência, mais proble- máticas em idosos. Os anti-histamínicos não sedativos astemizol e cetirizina não devem ser adminsitrados junto com antibióticos macrolídeos, pois eles bloqueiam o seu metabolismo. Algumas destas drogas causam ar- ritmia (menos loratidina e fexofenadina). Finalmen- te, todas, exceto loratidina, possuem risco de cate- goria C para gravidez. Os bloqueadores de leucotrieno antagonizam os receptores D de leucotrieno ou inibem a geração de leucotrienos, bloqueando o broncospasmo. Eles possuem efeitos clínicos positivos, mas seu lugar na terapia da asma não está estabelecido. DOENÇAS ATÓPICAS Rinite alérgica É a rinite mediada por IgE, caracterizada por es- pirros sazonais ou perenes, rinorréia, conges- tão nasal, prurido e, com freqüência, conjunti- vite e faringite. FEBRE DO FENO (Polinose) É a forma sazonal aguda de rinite alérgica. A febre do feno é, geralmente, induzida pelos pó- lens trazidos pelo vento. O tipo da primavera é devi- do a pólens de árvores (por exemplo, carvalho, olmo, bordo, vidoeiro, junípero, oliveira); o tipo de verão, a pólens de várias gramíneas (por exemplo, Bermu- da, capim rabo-de-gato, vernal doce, pomar, John- son) e a pólens de plantas arbustivas (por exemplo, cardo russo, fúnquia inglesa); a forma outonal, a pó- lens de certos arbustos (por exemplo, ambrósia ame- ricana). Em algumas ocasiões, a febre do feno pode ser devida, primariamente, a esporos de fungos trans- portados pelo ar. Também ocorrem importantes di- ferenças geográficas regionais. Sintomas e sinais O nariz, palato, faringe e olhoscomeçam a co- çar gradual ou abruptamente após o início da esta- ção da polinização. Acompanhando o prurido, ou seguindo-se imediatamente a ele, surgem lacrime- jamento, espirros e secreção nasal aquosa. Também podem aparecer cefaléia frontal, irritabilidade. Mais raramente podem ocorrer anorexia, depressão e in- sônia. A conjuntiva mostra-se congesta e a mucosa nasal edemaciada e com coloração vermelho- azulada. À medida que a estação progride, podem surgir tosse e ofegar asmático. Diagnóstico A anamnese sugere a natureza do processo alér- gico e, freqüentemente, os pólens responsáveis. O diagnóstico é baseado nos achados físicos e eosi- nófilos nas secreções nasais. Os testes cutâneos são úteis para confirmar ou identificar os pólens res- ponsáveis. Tratamento Os sintomas podem diminuir ao se evitar a exposi- ção ao alérgeno (ver anteriormente). Os anti-hista- mínicos por VO freqüentemente fornecem alívio; se os comuns forem muito sedativos, pode-se usar um não sedativo (ver Anti-histamínicos, anteriormente). O tratamento tópico pode ser utilizado (ver anterior- mente). Os simpatomiméticos são, às vezes, admi- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351034 CAPÍTULO 148 – DISTÚRBIOS DE HIPERSENSIBILIDADE / 1035 nistrados juntamente com anti-histamínicos. A fenilpropanolamina, fenilefrina ou pseudoefedrina estão disponíveis em muitas preparações de anti- histamínicos-descongestionantes. Como os simpa- tomiméticos orais podem elevar a pressão arterial, os pacientes com tendência à hipertensão não de- vem fazer uso delas sem controles periódicos. Se os anti-histamínicos não apresentarem resul- tados satisfatórios, pode ser utilizado um aerossol nasal contendo 4% de cromalina (liberada do fras- co por pressão manual). A dosagem indicada é a de um aerossol (5,2mg) 3 a 4 vezes ao dia. Pode ser mais eficaz para evitar do que para aliviar os sinto- mas agudos. Como a cromalina possui maior custo e alivia apenas os sintomas nasais, geralmente ou- tras drogas são utilizadas primeiro. A azelastina, um aerossol nasal anti-histamínico, é eficaz e cau- sa menos efeitos colaterais do que os anti-histamí- nicos orais. Quando os sintomas nasais não são aliviados pe- los anti-histamínicos, a administração de glicocorti- cóides sob a forma de aerossol intranasal costuma ser eficaz. Inicialmente, são empregadas duas doses, 2 a 4 vezes ao dia (ver TABELA 148.2). Quando os sinto- mas foram aliviados, a dosagem é reduzida conforme o tolerado. Quando usadas como indicado, estas dro- gas possuem poucos efeitos colaterais. Vários sinto- mas intratáveis podem necessitar de um pequeno ci- clo de corticosteróides sistêmicos (prednisona 30mg ao dia, VO, com redução gradual da dose, em 1 se- mana, para zero ou para 10mg em dias alternados). A imunoterapia de alérgeno (dessensibilização) (ver anteriormente) está indicada, se não se puder evitar o alérgeno, quando o tratamento com drogas não for bem tolerado ou se for necessário o uso de glicocorticóides durante a estação. Se o paciente for alérgico a pólens, o tratamento deve ter início assim que a estação de polinização terminar, para se prepa- rar para a estação seguinte. RINITE PERENE É a rinite não sazonal, que pode ou não ser alérgi- ca, algumas vezes complicada por sinusite, pólipos nasais ou sensibilidade à aspirina e ou- tras DAINE. Sintomas, sinais e diagnóstico Contrastando com a febre do feno, os sintomas da rinite perene variam quanto à gravidade (fre- TABELA 148.2 – DROGAS ANTIINFLAMATÓRIAS NASAIS INALADAS Via de Dose por Dose inicial (em Doses por Droga administração pulverização pulverizações por narina) cannister Corticosteróides locais com efeitos sistêmicos mínimos Dipropionato de Pressurizada 42µg > 12 anos, uma, 2 a 4 vezes ao dia 200 beclometasona 6 a 12 anos, uma, 3 vezes ao dia Aquosa 42µg ≥ 6 anos de idade, uma a duas, 200 2 vezes ao dia Flunisolida Aquosa 25µg > 6 anos de idade, duas, 2 vezes ao dia 125 Acetonido de triancinolona1 Pressurizada 55µg Duas, diariamente 100 Fluticasona1 Aquosa 50µg Uma a duas, diariamente 120 Budesonida Pressurizada 32µg ≥ 6 anos de idade, duas, 2 vezes 200 ao dia ou quatro, diariamente Cromolina e nedocromil2 Aquosa 5,2mg ≥ 6 anos de idade, uma, 200 3 ou 4 vezes ao dia Corticosteróides com efeitos sistêmicos Dexametasona Pressurizada 84µg > 12 anos, duas, 2 ou 3 vezes ao dia 170 6 – 12 anos, uma a duas, 2 vezes ao dia 1 Não aprovado para uso em crianças < 12 anos de idade. 2 A forma nasal de nedocromil ainda não está disponível nos EUA. Tabela cortesia de Platts-Mills TE, Wheatley LM: “Chronic rhinitis caused by dust mite and other indoor allergens” in Current Therapy in Allergy, Immunology, and Rheumatology, editado por L Lichtenstein e A Fauci, Philadelphia, Mosby, 1996, p. 19. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351035 1036 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS qüentemente de modo imprevisto) ao longo do ano. Os sintomas extranasais (por exemplo, conjuntivi- te) são incomuns, embora a obstrução nasal crôni- ca seja em geral proeminente e possa se estender até a tuba de Eustáquio. A conseqüente dificuldade auditiva é particularmente comum em crianças. O diagnóstico baseia-se na história positiva de doen- ça atópica, a mucosa nasal vermelho-azulada ca- racterística, detecção de numerosos eosinófilos na secreção nasal e testes cutâneos positivos (particu- larmente para a poeira domiciliar, ácaros da poei- ra, penas, epitélios de animais ou fungos). Alguns pacientes apresentam infecções de seios da face com complicações e pólipos nasais. Diagnóstico diferencial – Alguns pacientes com testes cutâneos negativos e numerosos eosi- nófilos em suas secreções nasais sofrem de rinite crônica, sinusite e pólipos, chamada de rinite não alérgica eosinófila ou rinite não alérgica com eosinofilia. Estes pacientes são não atópicos, mas, com freqüência, possuem sensibilidade à aspirina e outras DAINE; um subgrupo sofre somente de rinite crônica. Alguns indivíduos sofrem de rinite vasomotora, que é caracterizada por obstrução nasal leve, po- rém contínua ou rinorréia e alergia, pólipos, infec- ções, eosinofilia ou sensibilidade a drogas não de- monstráveis (ver Cap. 86). Um grupo adicional de pacientes sofre de rinite pelo uso excessivo de des- congestionantes tópicos (α-adrenérgicos) (rinite medicamentosa). Tratamento Se algum alérgeno específico for identificado, a conduta é semelhante àquela para a febre do feno, com exceção do uso de glicocorticóides sistêmi- cos; embora eficazes, devem ser evitados devido à necessidade do uso prolongado. O tratamento ci- rúrgico (antrotomia e irrigação dos seios da face, polipectomia, ressecção submucosa) ou criotera- pia são, algumas vezes, tentados depois que os fa- tores alérgicos tiverem sido controlados ou elimi- nados. Não existe nenhum dado que prove que a cirurgia é eficaz para a rinite perene por si própria. Em geral, o grupo de pacientes portadores de rinite não alérgica eosinofílica responde melhor ao trata- mento tópico com glicocorticóides. Para muitos pacientes com rinite vasomotora, o único tratamen- to consiste em tranqüilização, uso de anti-histamí- nicos e drogas vasoconstritoras orais, além da ad- vertência para que sejam evitados descongestio- nantes tópicos, que produzem uma congestão tardia e, quando usados continuamente durante uma sema- na ou mais, podem agravar ou perpetuar uma rinite crônica (rinite medicamentosa). Alguns pacientes podem ser beneficiados com o uso freqüente de lavagens salinas, brometo de ipratrópio tópico ou aerossóis nasais. Conjuntivite alérgica É a inflamação alérgica da conjuntiva. A conjuntivite alérgica na forma catarral aguda ou crônica é, geralmente, parte de uma síndrome alérgi- ca maior (por exemplo, febre do feno), mas ela pode ocorrer isoladamente, através do contato direto com substâncias transportadaspelo ar (por exemplo, pó- lens, esporos de fungos, vários tipos de poeira e des- camações epiteliais de animais). (Ver também CERA- TOCONJUNTIVITE PRIMAVERIL, no Cap. 95.) Sintomas, sinais e diagnóstico O prurido intenso pode estar acompanhado por lacrimejamento excessivo. A conjuntiva apresen- ta-se edemaciada e hiperemiada. A causa é, freqüen- temente, sugerida pela história do paciente e pode ser confirmada pelo teste cutâneo. Tratamento Todo alérgeno suspeito ou identificado como causador deve ser evitado. O uso freqüente de uma solução suave para lavagem dos olhos (por exem- plo, solução salina tamponada a 0,65%) pode re- duzir a irritação. Lentes de contato são desaconse- lhadas. Geralmente, a administração de anti-hista- mínicos, VO, pode ser benéfica. Existem anti- histamínicos disponíveis para uso tópico (anta- zolina a 0,5%, feniramina a 0,3%), mas somente em soluções oftálmicas em associação com vaso- constritores, como nafazolina a 0,025 a 0,05% ou fenilefrina a 0,125%. O uso, por longo período, de vasoconstritores pode causar o mesmo fenômeno de repercussão nos olhos, como ocorre no nariz. O anti-histamínico de uso tópico ou os conservantes presentes nos preparados podem ser sensibilizantes e a maioria dos pacientes responde tão bem ou melhor à administração VO de um anti-histamínico associado a um vasoconstritor tópico, do que à com- binação destes medicamentos para uso tópico (ver também CONJUNTIVITE PRIMAVERIL no Cap. 95). A cromalina (solução oftálmica a 4%) pode ser be- néfico, particularmente na prevenção do desenvol- vimento dos sintomas, quando a exposição ao alérgeno puder ser prevista (ver Rinite Alérgica, anteriormente). Uma suspensão oftálmica de cor- ticosteróide (por exemplo, medrisona a 1% ou fluo- rometolona a 0,1% aplicada 4 vezes ao dia) pode ser usada, em muitos casos, como o último recurso e em consulta com um oftalmologista. A pressão intra-ocular deve ser avaliada antes e regularmente durante tal tratamento, que deve ser suspenso tão logo seja possível. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351036 CAPÍTULO 148 – DISTÚRBIOS DE HIPERSENSIBILIDADE / 1037 Outras doenças alérgicas do globo ocular As pálpebras podem estar acometidas por angioe- dema ou urticária, dermatite de contato ou der- matite atópica. A dermatite de contato palpebral, uma reação de hipersensibilidade celular (tardia, Tipo IV), pode ser causada por diversas medicações of- tálmicas ou por drogas transportadas até a região ocular por meio dos dedos (por exemplo, antibióti- cos por manipuladores de drogas) ou por pó facial, esmalte de unhas ou tinturas de cabelos. A córnea pode estar envolvida, como decorrência da proxi- midade da conjuntivite alérgica ou constituindo uma variante de ceratite puntiforme superficial, raramente levando à escarificação. A presença de dor, fotofobia, lacrimejamento e inflamação circuncorneal ciliar constitui indicação de provável uveíte anterior. A causa é usualmen- te desconhecida. Acredita-se que a oftalmia sim- pática seja uma reação de hipersensibilidade a pig- mentos uveais. A endoftalmia facoanafilática é alergia a proteínas próprias do cristalino. Esta rea- ção grave ao cristalino remanescente ocorre, tipi- camente, horas após a remoção rotineira de catara- ta, apesar de poder envolver trauma ou inflamação acometendo a cápsula do cristalino. Nestas condi- ções graves, é imprescindível que uma avaliação rápida e a conduta terapêutica sejam realizadas por um oftalmologista (ver também Cap. 98). Alergia e intolerância alimentar Alergia alimentar são sintomas reproduzíveis que ocorrem após a ingestão de um alimento espe- cífico para o qual está provada uma base imu- nológica (anticorpos IgE para o alimento). A intolerância alimentar envolve reações GI clí- nicas, nas quais o mecanismo não é imunológi- co ou é desconhecido. São muito comuns algumas reações adversas a alimentos (provavelmente de causa psicofisiológica) serem atribuídas à alergia alimentar, mesmo na au- sência de evidências da relação causa/efeito, pelo menos do tipo de alergia que possa ser avaliada por testes cutâneos e esteja associada a anticorpos IgE específicos para alimentos. Determinadas afirmações são controversas e quase totalmente inverídicas; por exemplo, que a intolerância (ou alergia) alimentar ou aditivos presentes em alimentos possam ser res- ponsáveis por crianças hiperativas, pela “síndrome de tensão-fadiga” e enurese. Também algumas afir- mações pouco consistentes têm responsabilizado a alergia alimentar por quadros de artrites, obesidade, desempenho esportivo insatisfatório e depressão, entre outras condições. Ocasionalmente, queilite, aftas, espasmo de pi- loro, constipação espástica, prurido anal e eczema perianal têm sido atribuídos à alergia ou intolerân- cia alimentar, embora esta associação seja de difí- cil comprovação. Recentemente, a intolerância ali- mentar foi considerada responsável pelos sintomas presentes em alguns pacientes com síndrome do cólon irritável, confirmada por testes de provoca- ção duplo-cegos. Um aumento dos níveis de pros- taglandina no reto foi observado quando a reação ocorre. Informações preliminares sugerem que o mesmo fenômeno pode estar presente, em deter- minadas ocasiões, em pacientes com colite ulcera- tiva crônica. A enteropatia eosinofílica, que pode estar re- lacionada à alergia alimentar específica, constitui uma doença pouco habitual caracterizada por dor, cólicas e diarréia associada à eosinofilia sangüínea, a infiltrados eosinofílicos no intestino, à enteropa- tia perdedora de proteínas e a uma história de doen- ça atópica. Raramente ocorre disfagia, indicativa de envolvimento esofágico. A alergia alimentar mediada por IgE verdadeira usualmente se desenvolve na infância, com mais freqüência naqueles com uma sólida história fami- liar de atopia. Sintomas e sinais A primeira manifestação pode ser o eczema (der- matite atópica), sozinho ou em associação com sin- tomas GI. Comumente, ao final do primeiro ano, a dermatite diminui e os sintomas alérgicos respirató- rios começam a se manifestar. A asma e a rinite alér- gica podem ser agravadas pela alergia alimentar, que pode ser identificada por testes cutâneos. Entretan- to, à medida que a criança cresce, os alimentos tor- nam-se menos importantes e o paciente passa a rea- gir cada vez mais aos alérgenos inalados. Quando a criança portadora de asma e febre do feno atinge os 10 anos de idade, é raro que algum alimento consti- tua o fator desencadeante dos sintomas respiratórios, embora os testes cutâneos continuem positivos. Se a dermatite atópica persistir ou aparecer em crianças de mais idade ou em adultos, sua atividade parece ser totalmente independente da alergia mediada por IgE, embora os pacientes atópicos portadores de dermatite extensa apresentem níveis muito mais al- tos de IgE sérica do que aqueles que não apresen- tam doença cutânea. A maioria dos pacientes jovens alérgicos a alimentos são sensíveis aos alérgenos potentes (por exemplo, alérgenos em ovos, leite, nozes, amendoim e soja). As pessoas mais velhas po- dem reagir violentamente à ingestão de quan- tidades mínimas destes e de outros alimentos (especialmente moluscos), apresentando qua- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351037 1038 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS dros intensos de urticária, angioedema e até mesmo anafilaxia. Esta pode ocorrer em pacien- tes com baixo grau de sensibilidade somente se eles praticarem algum exercício físico após a ingestão do alimento prejudicial. Algumas vezes, a intolerância ao leite é cau- sada pela deficiência de uma dissacaridase intes- tinal, manifestando-se por sintomas gas- trointestinais (ver também INTOLERÂNCIA A CAR- BOIDRATOS no Cap. 30). Em outros pacientes, o leite pode desencadear sintomas gastrointestinais e até mesmo respiratórios por razões não identi- ficadas. Osaditivos alimentares podem produzir sintomas sistêmicos (glutamato monossódico); asma (metabissulfeto, tartrazina – um corante amarelo) e possivelmente urticária (tartrazina). Estas reações não são causadas pelos anticorpos IgE. Poucos pacientes padecem de um tipo de enxaqueca agravada ou desencadeada por ali- mentos, o que pode ser confirmado pelo empre- go de teste de provocação oral cego. Na maioria dos pacientes adultos, a digestão pre- vine eficazmente os sintomas alérgicos alimenta- res. Isto é ilustrado por pacientes alérgicos que rea- gem à inalação ou contato, mas não à ingestão de um alérgeno (por exemplo, asma do padeiro: os indivíduos afetados sibilam após exposição ao pó da farinha e apresentam testes cutâneos positivos ao trigo e/ou outros grãos, embora permaneçam assintomáticos após ingestão destes mesmos pro- dutos sob a forma de grãos). Diagnóstico Em geral, a alergia alimentar grave apresenta-se sob uma forma evidente em adultos. Quando isto não acontece, ou na maioria das crianças, o diag- nóstico pode ser difícil de ser estabelecido e a con- dição deve ser diferenciada dos distúrbios funcio- nais gastrointestinais. Nas pessoas com suspeita de reações a ali- mentos ingeridos, a relação dos sintomas aos ali- mentos é avaliada primeiro por testes cutâneos apropriados. Um teste positivo não prova clini- camente alergia relevante, porém um teste nega- tivo a elimina. Com um teste cutâneo positivo, a sensibilidade clinicamente relevante pode ser determinada por uma dieta de eliminação e, se os sintomas melhorarem, pela reexposição ao alimento para determinar se ele é capaz de indu- zir os sintomas. Todas as provocações positivas devem ser seguidas de um desafio duplo-cego para serem consideradas definitivas. A dieta bá- TABELA 148.3 – DIETAS DE ELIMINAÇÃO – ALIMENTOS PERMITIDOS Dieta nº 1* (sem Dieta nº 2* (sem Dieta nº 3* (sem carne bovina, carne bovina, carne de carneiro, suína, aves, leite, carneiro, aves, centeio, arroz, Gênero alimentício centeio, milho) leite, arroz) milho, leite) *Dieta n… 4: Se os sintomas persistirem nas três dietas de eliminação anteriores e a dieta ainda for suspeita, a dieta diária pode ser restrita a uma elementar, tal como Vivonex. — Feijões lima, beterrabas, ba- tatas (branca e doce), va- gem, tomates Carne bovina, bacon Feijões lima, feijões de soja, batatas Toronja, limões, pêssegos, damascos Óleo de caroço de algodão, azeite de oliva Chá, café (preto), limonada, suco da fruta permitida Pudim de mandioca, gelati- na, açúcar de cana, açúcar de bordo, sal, azeitonas Produtos de milho Milho, tomates, ervilhas, aspargos, abóbora, vagem Galinha, bacon Milho, centeio 100% (pão de centeio comum contém trigo) Pêssegos, damascos, amei- xas secas, abacaxi Óleo de milho, óleo de ca- roço de algodão Chá, café (preto), limonada Açúcar de cana, gelatina, xarope de milho, sal Produtos de arroz Alface, espinafre, cenouras, beterrabas, alcachofras Carneiro Arroz Limões, pêras, toronja Óleo de caroço de algodão, azeite de oliva Chá, café (preto), limonada Pudim de mandioca, gelati- na, açúcar de cana, açúcar de bordo, sal, azeitonas Cereais Vegetais Carne Farinha (pão ou biscoitos) Fruta Gordura Bebidas Variados Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351038 CAPÍTULO 148 – DISTÚRBIOS DE HIPERSENSIBILIDADE / 1039 sica é determinada pela eliminação dos alimen- tos suspeitos, pelo paciente, de causarem sinto- mas ou colocando-se o paciente numa dieta com- posta de alimentos relativamente não alérgicos (ver TABELA 148.3). Os alimentos que comumente causam alergia são leite, ovos, mariscos, nozes, trigo, amendoim, soja e todos os produtos que contêm um ou mais desses ingredientes. Os alérgenos mais comuns e todos os alimentos suspeitos devem ser elimina- dos da dieta desde o início. Nenhum alimento ou líquido deve ser consumido, senão aqueles espe- cificados no início da dieta. Não é aconselhável comer em restaurantes, visto que o paciente (e o médico) devem conhecer a composição exata de todas as refeições. Deve-se sempre utilizar produ- tos puros; por exemplo, o pão de centeio comum contém um pouco de farinha de trigo. Se não ocorrer nenhuma melhora após 1 sema- na, deve-se tentar uma outra dieta. Se os sintomas cederem, adiciona-se um novo alimento e mais do que a quantidade habitual consumida por > 24h ou até que os sintomas ocorram novamente. Alterna- tivamente, pequenas quantidades de alimento a ser testado são ingeridas na presença do médico, ob- servando-se as reações do paciente. A piora ou re- crudescência dos sintomas após a adição de um novo alimento é a melhor evidência de alergia. Tal evidência deve ser verificada observando-se o efeito da remoção daquele alimento da dieta por vários dias e, depois, introduzindo-o. Tratamento O único tratamento é a eliminação dos alimen- tos prejudiciais. As dietas de eliminação podem ser usadas tanto para diagnóstico como para o tra- tamento. Quando poucos alimentos estiverem en- volvidos, prefere-se a abstinência. A sensibiliza- ção a um ou mais alimentos pode desaparecer es- pontaneamente. A dessensibilização oral (primei- ramente eliminar o alimento prejudicial durante um certo tempo e, a seguir, reintroduzir em pe- quenas quantidades crescentes, diariamente) não parece ser eficaz, assim como também a adminis- tração sublingual de pastilhas contendo extratos de alimentos. Os anti-histamínicos são de pouco valor, exceto nas reações gerais agudas com urti- cária e angioedema. A cromalina para uso oral tem sido empregado, com aparente êxito em outros pa- íses, embora a forma oral não tenha sido aprova- da para uso nos EUA, exceto para a mastocitose (ver adiante). O tratamento prolongado com gli- cocorticosteróides não está indicado, exceto na en- teropatia eosinofílica. Para tratamento das crises agudas graves, poten- cialmente fatais, ver ANAFILAXIA, abordada adiante. Doença pulmonar alérgica Os pulmões podem ser envolvidos de várias maneiras durante reações alérgicas conhecidas ou consideradas apenas prováveis, dependendo da natureza do alérgeno e de sua via de entrada. Os distúrbios específicos serão discutidos em ASMA, nos Capítulos 68 e 76. ANAFILAXIA É uma reação aguda sistêmica, geralmente eruptiva, mediada por IgE que ocorre em pes- soas previamente sensibilizadas que recebem o antígeno sensibilizante. A anafilaxia ocorre quando um antígeno (pro- teínas, polissacarídeos ou haptenos ligados a uma proteína carregadora) atingem a circulação. Os an- tígenos mais comumente implicados incluem as enzimas parentais, os derivados sangüíneos, os an- tibióticos β-lactâmicos e várias outras drogas, imu- noterapia por alérgeno (dessensibilização) e pica- das de insetos. As drogas β-bloqueadoras, até mes- mo como colírios, podem agravar as reações anafiláticas. A anafilaxia pode piorar ou, mesmo, ser induzida de novo por exercício e alguns pacien- tes apresentam sintomas recorrentes devido a fato- res não identificados. Histamina, leucotrienos e ou- tros mediadores são gerados ou liberados quando o antígeno reage com a IgE ligada a basófilos e mastócitos. Estes mediadores causam contração da musculatura lisa (responsável pelos sintomas GI e por ofegar) e dilatação vascular que caracterizam a anafilaxia. A vasodilatação e a transudação do plas- ma para os tecidos causam urticária e angioedema e resultam em diminuição do volume plasmático efetivo, que constitui a principal causa de choque. Os fluidos extravasam para os alvéolos pulmona- res e podem causar edema de pulmão. Também pode ocorrer angioedema obstrutivo das vias aé- reas superiores. Se a reação for prolongada, podem surgir arritmias e choque cardiogênico. As reaões anafilactóides são clinicamente se- melhantes à anafilaxia, embora possam ocorrer após a primeira injeção de determinadasdrogas (poli- mixina, pentamidina, opióides) e meios de contras- te. Elas possuem um mecanismo relacionado à dose, tóxico idiossincrático, ao invés de um mecanismo imunologicamente mediado. O ácido acetilsalicíli- co e outras DAINE podem causar reações em pa- cientes suscetíveis. Sintomas e sinais Os sintomas variam e quase nunca um paciente desenvolve todos eles. Tipicamente, entre 1 e 15min (mas raramente depois de 2h) o paciente sente-se Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351039 1040 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS inquieto, fica agitado e ruborizado e reclama de palpitações, parestesias, prurido, pulsação nos ou- vidos, tosse, espirros, urticária, angioedema e difi- culdade para respirar decorrente de edema de la- ringe ou broncospasmo. Menos comumente estão presentes náuseas, vômitos, dores abdominais e diarréia. O choque pode se desenvolver dentro de outros 1 ou 2min e o paciente pode ter convulsões, ficar incontinente, não responsivo e morrer. O co- lapso cardiovascular primário pode ocorrer sem sin- tomas respiratórios. Episódios recorrentes de anafilaxia na mesma pessoa são usualmente caracte- rizados pelos mesmos sintomas. Profilaxia Os pacientes com maior risco de desenvolver rea- ções anafiláticas a drogas são os que já reagiram anteriormente àquela droga, embora algumas mor- tes por anafilaxia possam ocorrer sem tal história. Como o risco de uma reação a anti-soro xenogênico é alto, sendo obrigatória a realização de testes cu- tâneos de rotina antes da administração do soro, podem ser necessárias medidas profiláticas. A reali- zação de testes cutâneos de rotina antes do tratamento com outras drogas costuma ser impraticável ou não confiável, com exceção, talvez, daqueles para a pe- nicilina (os testes serão discutidos em Mecanismos de Hipersensibilidade a Drogas, adiante). A imunoterapia de longa duração (dessensibi- lização) é eficaz e apropriada para a prevenção da anafilaxia devido a picadas de inseto, mas rara- mente tem sido tentada em pacientes com antece- dentes de anafilaxia por drogas ou soro. Ao invés disto, se o tratamento com uma certa droga ou soro for considerado essencial, deve ser efetuada a dessensibilização rápida sob condições cuidado- samente controladas (ver HIPERSENSIBILIDADE A DROGAS, adiante). Um paciente com prévia reação anafilactóide a agentes de contrastes radiológicos pode receber o agente novamente (se seu uso for essencial) pelo pré-tratamento com prednisona 50mg, VO, a cada 6h e em 3 doses, difenidramina 50mg, VO, 1h an- tes e efedrina (se não for contra-indicada) 25mg, VO, 1h, antes para adultos. O uso de meios de con- traste isosmóticos é preferido como medida de se- gurança adicional. Tratamento É imperativo o tratamento imediato com adre- nalina, um antagonista dos efeitos dos mediadores químicos na musculatura lisa, vasos sangüíneos e outros tecidos. Para reaões leves (por exemplo, prurido ge- neralizado, urticária, angioedema, discreta sibilação, náuseas e vômitos) devem ser adminis- trados 0,01mL/kg de adrenalina aquosa a 1:1.000 s.c. (dose usual de 0,3 a 0,5mL em adultos). Se um antígeno injetado em uma extremidade causar anafilaxia, deve-se colocar um torniquete acima do local da injeção e metade da dose de adrena- lina citada também injetada dentro do local para reduzir a absorção sistêmica do antígeno. Em al- gumas ocasiões, pode ser necessária uma segun- da injeção de adrenalina por via s.c. Após a reso- lução dos sintomas, um anti-histamínico VO deve ser prescrito durante um período de 24h. Para reaões mais graves, acompanhadas por angioedema intenso, mas sem evidência de envol- vimento cardiovascular, os pacientes adultos devem receber difenidramina, 50 a 100mg IV, além do tra- tamento anteriormente prescrito, visando evitar o edema de laringe e bloquear o efeito de uma libe- ração posterior de histamina. Quando o edema res- ponder ao tratamento, pode ser administrado 0,005mL/kg de uma suspensão aquosa de adrena- lina de longa ação, 1:200, por via s.c. (dose máxi- ma, 0,15mL) para obtenção de efeito por 6 a 8h; também deve ser prescrito um anti-histamínico oral durante as 24h seguintes. Para as reaões asmáticas que não respondem à adrenalina, deve ser iniciada a infusão IV de flui- dos e (se o paciente não estiver recebendo teofilina), teofilina 5mg/kg IV deve ser administrada no perío- do de 10 a 30min e, a seguir, na dose de aproxima- damente 0,5mg/kg/h, aproximadamente, para a manutenção de níveis sangüíneos de teofilina en- tre 10 e 20µg/mL (55 a 110µmol/L). Podem ser necessárias intubação endotraqueal ou traqueosto- mia, com O2, 4 a 6L/min. As reaões mais graves freqüentemente envol- vem o sistema cardiovascular, levando a hipoten- são grave e colapso vasomotor. Os fluidos IV de- vem ser rapidamente infundidos e o paciente deve estar deitado, com as pernas elevadas. Adrenalina (1:100.000) deve ser administrada IV, lentamente (5 a 10µg/min) com observação rigorosa quanto ao desenvolvimento de efeitos colaterais, incluin- do cefaléias, tremores, náuseas e arritmias. A hi- potensão grave de base pode ser devido a vasodi- latação, hipovolemia por perda de líquidos, insu- ficiência do miocárdio (raramente) ou uma com- binação de todos esses fatores. Cada reação requer um tratamento específico e, freqüentemente, o tra- tamento de um fator exacerba os outros. A adoção de uma terapia adequada pode ser evidenciada se for possível medir a pressão venosa central (PVC) e a pressão atrial esquerda também pode ser medi- da (ver também Cap. 198). A PVC baixa e pres- são atrial esquerda normal indicam a presença de vasodilatação periférica e/ou hipovolemia. A va- sodilatação deve responder à administração Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351040 CAPÍTULO 148 – DISTÚRBIOS DE HIPERSENSIBILIDADE / 1041 de adrenalina (que também irá retardar a perda de fluido intravascular). A hipovolemia é, usualmente, a principal causa de hipotensão. A PVC e a pressão atrial esquerda estão baixas, devendo ser administrados grandes volumes de solução salina com controle rígido da pressão arterial até que a PVC se normalize. Rara- mente torna-se necessário o uso de expansores plas- máticos colóides (por exemplo, dextrano). Apenas quando a reposição de fluidos não restaura os ní- veis normais de pressão arterial deve ser iniciado o tratamento cauteloso com drogas vasopressoras (por exemplo, dopamina, noradrenalina). Pode ocorrer parada cardíaca, sendo necessária a ressuscitação imediata (ver Cap. 206). O trata- mento a ser adotado posteriormente dependerá dos achados no ECG. Quando todas as medidas anteriormente descritas já tiverem sido instituídas, difenidramina (50 a 75mg IV, lentamente, em 3min) pode então ser administra- da para o tratamento de urticária de início lento, asma, edema de laringe ou hipotensão. As complicações (por exemplo, IM, edema cerebral) devem ser procuradas e tratadas com prioridade. Pacientes que apresentam reações graves devem permanecer internados, sob observação, durante as primeiras 24h após a recupe- ração, em caso de recidiva de sintomas. Aqueles que já tiverem apresentado uma reação anafilática a picada de insetos devem carregar e usar uma seringa com adrenalina para automedicação ime- diata em qualquer futura reação. Eles deverão também ser submetidos à avaliação, para o estabelecimento da imunoterapia com veneno (dessensibilização). DISTÚRBIOS DOS MEDIADORES VASOATIVOS São distúrbios com manifestações dos mediadores vasoativos derivados de mastócitos e de outras fontes (mesmo que um mecanismo mediado por IgE ou outro mecanismo imunológico possa não estar envolvido). Urticária e angioedema (Urticária; Urticária Gigante; Edema Angioneurótico) Urticária são placas de urticária local e eritema na derme superficial. O angioedema é um in- chaço mais profundo devido a áreas edemato- sas na derme profunda etecido subcutâneo e podem também envolver membranas mucosas. Etiologia A urticária aguda e o angioedema são reações essencialmente anafiláticas limitadas à pele e aos tecidos subcutâneos e podem ser devido à alergia a drogas, picadas ou mordidas de insetos, injeções para dessensibilização ou ingestão de determina- dos alimentos (particularmente ovos, moluscos ou nozes). Algumas reações alimentares são desenca- deadas de modo explosivo após ingestão de quan- tidades mínimas do alimento. Outras (por exem- plo, reações a morangos) podem ocorrer apenas após um excesso de ingestão, possivelmente de- correntes da liberação direta (tóxica) de media- dores. A urticária pode acompanhar ou mesmo cons- tituir o primeiro sintoma de diversas infecções vi- rais, incluindo hepatite, mononucleose infecciosa e rubéola. Algumas reações agudas permanecem sem explicação, mesmo quando apresentam cará- ter recorrente. Se o angioedema agudo for recor- rente, progressivo, doloroso, ao invés de apresen- tar prurido e não se associar à urticária, deve-se suspeitar de uma deficiência enzimática hereditá- ria (ver Angioedema Hereditário, adiante). A urticária crônica e o angioedema persisten- tes há mais de 6 semanas são difíceis de esclare- cer e apenas em casos excepcionais pode-se en- contrar alguma causa específica. As reações rara- mente são mediadas por IgE. Ocasionalmente, a ingestão crônica de uma droga da qual não se sus- peita ou substância química é responsável; por exemplo, penicilina no leite; uso de drogas sem prescrição médica, assim também a ingestão de conservantes ou outros aditivos alimentares. Uma doença crônica de base (LES, policitemia vera, linfomas ou infecções) deve ser descartada. Em- bora freqüentemente lembrados, os fatores psico- gênicos controláveis não são, em geral, identifi- cados. A urticária causada por agentes físicos será discutida em Alergia Física, adiante. Alguns pa- cientes que apresentam urticária não responsiva ao tratamento possuem doença tireóidea. Ocasio- nalmente, a urticária pode ser o primeiro ou úni- co sinal visível da vasculite cutânea. Sintomas e sinais Na urticária, o prurido (em geral o primeiro sin- toma) é seguido imediatamente pelo aparecimento de pápulas, que podem permanecer com pequeno tamanho (1 a 5mm) ou aumentar. As maiores ten- dem a apresentar uma região central clara, podendo ser inicialmente descritas como grandes (> 20cm de diâmetro) anéis de eritema e edema. Comumente, a urticária surge em surtos que aparecem e desapa- recem; uma lesão pode permanecer em determina- do local durante várias horas, desaparecendo, a se- guir, para reaparecer em outro lugar qualquer. Se uma lesão persistir por ≥ 24h, a possibilidade de vasculite deve ser considerada. O angioedema é caracterzado por edema mais difuso e doloroso de tecido subcutâneo frouxo, Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351041 1042 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS dorso das mãos ou pés, pálpebras, lábios, genitália e membranas mucosas. O edema das vias aéreas superiores pode produzir desconforto respiratório e o estridor pode ser confundido com uma crise de asma. Diagnóstico Freqüentemente, a causa da urticária aguda ou angioedema agudo é óbvia. Mesmo quando não for aparente, a realização de testes diagnós- ticos raramente torna-se necessária, tendo em vista a natureza autolimitada e não recorrente destas reações. Na urticária crônica, a presença de uma doença crônica de base deve ser afastada por anamnese e exame físico minuciosos e testes rotineiros de triagem. A eosinofilia é incomum na urticária. Outros testes (por exemplo, pesqui- sa de ovos e parasitas nas fezes, complemento sérico, anticorpos antinucleares e exame radio- lógico de seios da face e dentes) não são úteis sem indicações clínicas adicionais. Tratamento Como a urticária aguda geralmente regride no período de 1 a 7 dias, o tratamento é, principal- mente, paliativo. Se a causa não for óbvia, todas as medicações consideradas não essenciais devem ser suspensas até que a reação tenha desapareci- do. Em geral, os sintomas podem ser aliviados pela administração de anti-histamínicos por VO, tais como difenidramina 50 a 100mg, a cada 4h; hidroxizina 25 a 100mg, duas vezes ao dia; ci- pro-heptadina 4 a 8mg, a cada 4h. Se estas causa- rem sonolência (que ocorre numa minoria de pa- cientes), um dos anti-histamínicos não sedativos (ver anteriormente) deve ser utilizado. A adminis- tração de um glicocorticóide (por exemplo, predni- sona, 30 a 40mg ao dia, VO) pode tornar-se ne- cessária para reações mais graves, particularmente quando associadas ao angioedema. Os glico- corticóides de uso tópico não apresentam qual- quer valor terapêutico. A adrenalina 1:1.000, 0,3mL, por via s.c., deve ser o primeiro tratamento para o angioedema agudo de faringe ou laringe. Pode também ser acrescentada ao tratamento uma medicação tópica; por exemplo, um agente α-adre- nérgico nebulizado e um anti-histamínico VO (por exemplo, difenidramida 50 a 100mg). Isto comu- mente previne a obstrução das vias aéreas, porém a intubação ou traqueostomia e administração de O2 podem ser necessárias. Na urticária crônica as remissões espontâneas ocorrem no período de 2 anos em aproximadamente metade dos casos. Em geral, o controle do estresse auxilia a reduzir a freqüência e gravidade dos epi- sódios. Certas drogas (por exemplo, aspirina) po- dem agravar os sintomas, assim como bebidas al- coólicas, café e fumo; se isto ocorrer, eles devem ser evitados. Quando a urticária for desencadeada pela aspirina, deve ser investigada a sensibilidade a DAINE e à tartrazina (aditivo alimentar e corante de drogas) (ver também Rinite Perene, descrita an- teriormente). Os anti-histamínicos orais com efei- to tranqüilizante são usualmente benéficos (por exemplo, para adultos, hidroxizina, 25 a 50mg, 2 vezes ao dia; cipro-heptadina, 4 a 8mg a cada 4 a 8h; para crianças, hidroxizina 2mg/kg ao dia divi- didos a cada 6 a 8h e cipro-heptadina 0,25 a 0,5mg/kg ao dia, divididos a cada 8 a 12h). A doxe- pina, 25 a 50mg, 2 vezes ao dia, pode ser o agente mais eficaz para alguns adultos. Com freqüência, os bloqueadores H2 (como ranitidina 150mg, duas vezes ao dia) são adicionados. Todas as medidas razoáveis devem ser tentadas antes da introdução de glicocorticóides, pois estes podem precisar ser administrados indefinidamente. Angioedema hereditário É uma forma de angioedema transmitido como um traço autossômico dominante e associado à de- ficiência do inibidor sérico do primeiro compo- nente ativado do complemento. Etiologia, sintomas e sinais Em 85% dos casos, a deficiência é devido à ausência do inibidor de C1 esterase; em 15%, à disfunção do inibidor de C1 esterase. Uma pos- sível história familiar é a regra, com algumas exceções. O edema é tipicamente unifocal, endu- recido, mais doloroso do que pruriginoso e não acompanhado por urticária. Em geral, as crises são desencadeadas por traumas ou doenças vi- rais, sendo agravadas por tensões emocionais. Freqüentemente, ocorre envolvimento do trato gastrointestinal com náuseas, vômitos, cólicas e até mesmo sinais de obstrução intestinal. Esta condição pode causar obstrução fatal das vias aéreas superiores. Diagnóstico O diagnóstico pode ser estabelecido pela quan- tificação de C4, que está baixo mesmo no período intercrise ou, mais especificamente, pela demons- tração da deficiência quantitativa do inibidor de C1 por meio de imunoensaio e teste funcional, se os resultados do imunoensaio forem inesperadamen- te normais. Uma forma adquirida de deficiência de inibidor de C1 secundária a doenças neoplásicas, como lin- foma, é diferenciada por baixos níveis de C1 e por níveis diminuídos de C4. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351042 CAPÍTULO 148 – DISTÚRBIOS DE HIPERSENSIBILIDADE / 1043 Profilaxia Para a profilaxia a curto prazo de um pacien-te não tratado previamente (como antes de um pro- cedimento dental, endoscopia ou cirurgia), 2U de plasma fresco congelado podem ser administradas. Apesar de, teoricamente, um substrato de comple- mento no plasma poder provocar um ataque, isto não foi observado em pacientes sem sintomas. Re- centemente, uma fração de inibidor de C1 esterase parcialmente purificado de plasma acumulado mos- trou ser seguro e eficaz para profilaxia, porém, não está disponível para uso geral. Se o tempo permi- tir, o paciente deve ser tratado por 3 a 5 dias com um androgênio (ver adiante). Para profilaxia a longo prazo, os androgênios são eficazes. Um dos androgênios de efeito retardado deve ser utilizado. O tratamento começa com estano- zolol oral 2mg, três vezes ao dia ou danazol 200mg, três vezes ao dia. O estanozolol é menos oneroso. Uma vez que se atinja o controle, a dosagem deve ser reduzida o máximo possível para baratear o cus- to e, nas mulheres, para minimizar os efeitos colate- rais masculinizantes. Estas drogas não apenas são eficazes, mas também comprovadamente elevam o inibidor C1 esterase baixo e C4 até o normal. Tratamento O edema progride até que os componentes do complemento sejam consumidos. Assim, as crises agudas que apresentam risco de desencadearem obstrução aérea devem ser tratadas imediatamente, estabelecendo-se uma via aérea. O uso de plasma fresco congelado é controverso. A administração de adrenalina, um anti-histamínico e um glicocorticóide está indicada, embora não haja evidências conclusi- vas de que estas drogas sejam eficazes. Mastocitose É uma condição de etiologia desconhecida, ca- racterizada por acúmulo excessivo de mastóci- tos em vários órgãos e tecidos corpóreos. Os mastócitos teciduais podem contribuir para a defesa do hospedeiro por intermédio da libera- ção de potentes mediadores pré-formados (por exemplo, histamina), a partir de seus grânulos e pela geração de mediadores neoformados (por exemplo, leucotrienos), a partir de lipídeos de mem- brana. Os mastócitos presentes em tecidos normais também são mediadores dos sintomas de reações alérgicas comuns, agindo através dos anticorpos IgE ligados a seus receptores de superfície específicos. A mastocitose pode ocorrer sob três formas: mastocitoma (tumor cutâneo benigno); urticária pigmentosa (pequenas coleções cutâneas múltiplas de mastócitos, que se desenvolvem como máculas e pápulas de cor salmão ou castanha, que produ- zem urticária quando traumatizadas e podem se transformar em lesões vesiculares ou até mesmo bolhosas) e mastocitose sistêmica (infiltração de mastócitos na pele, linfonodos, fígado, baço, trato gastrointestinal e ossos). Sintomas, sinais e diagnóstico Os pacientes com mastocitose sistêmica apresen- tam artralgias, dores ósseas e sintomas anafilactóides. Outros sintomas (aumento das secreções ácida e mucosa do estômago) são desencadeados pela esti- mulação dos receptores H2. Assim, a úlcera péptica e a diarréia crônica constituem complicações co- muns. A quantidade de histamina determinada por biópsias de tecidos pode estar extremamente alta, proporcional ao aumento da concentração de mas- tócitos. Na mastocitose sistêmica, a excreção uriná- ria de histamina e seus metabólitos é alta e a histamina plasmática pode estar elevada. Também têm sido descritos níveis plasmáticos aumentados de triptase, heparina e prostaglandina D2. Prognóstico e tratamento A mastocitose cutânea pode desenvolver-se em crianças ou adultos. A mastocitomia solitária pode involuir espontaneamente; a urticária pigmentosa pode apresentar regressão completa ou melhora substancial antes da adolescência. É muito raro que estas condições progridam para a mastocitose sistêmica. Em geral, o único tratamen- to necessário é o do prurido, com o uso de um bloqueador H1 (ver Urticária e Angioedema, des- critos anteriormente). Os sintomas de mastocitose sistêmica devem ser tratados com bloqueadores H1 e H2. Uma vez que se acredita que as prostaglandinas, em espe- cial a prostaglandina D2, possam contribuir para os sintomas relacionados aos mastócitos, a tera- pia com aspirina pode ser tentada cautelosamen- te; enquanto inibem a síntese das prostaglandinas, a aspirina e drogas similares podem aumentar a produção de leucotrienos. A cromolina 200mg, 4 vezes ao dia, VO (100mg, 4 vezes ao dia, para crianças de 2 a 12 anos [não excedendo 40mg/kg ao dia]), deve ser administrada, se os sintomas não forem controlados. Não existe qualquer tra- tamento eficaz disponível para reduzir o número de mastócitos teciduais. Alergia física É uma condição na qual os sintomas e sinais alér- gicos são produzidos pela exposição aos estí- mulos físicos, por exemplo, frio, luz solar, calor ou traumas leves. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351043 1044 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS Etiologia Na maioria das vezes, a causa fundamental é desconhecida. Em algumas ocasiões, a fotossen- sibilidade pode ser induzida por drogas ou subs- tâncias de uso tópico, incluindo determinados cos- méticos (ver Cap. 119 e DERMATITE DE CONTATO no Cap. 111). Em alguns casos, a sensibilidade ao frio e à luz pode ser removida passivamente com soros que contenham anticorpo IgE especí- fico, sugerindo um mecanismo imunológico que envolve uma proteína cutânea fisicamente altera- da, atuando como antígeno. Um mecanismo al- ternativo é sugerido pelo achado recente de auto- anticorpos IgG e IgM em alguns pacientes com urticária do frio. O soro de alguns pacientes com sintomas induzidos pelo frio contém crioglo- bulinas ou criofibriogênio; estas proteínas anor- mais podem estar associadas a uma grave doença de fundo (por exemplo, neoplasias, doenças vas- culares do colágeno, infecções crônicas). O frio pode agravar asma ou rinite vasomotora, mas a urticária do frio é independente de qualquer ou- tra tendência alérgica conhecida. A sensibilidade de cerca de metade dos casos idiopáticos estudados pode ser passivamente re- movida através do soro e parece ser mediada por IgE. Comumente, a sensibilidade ao calor desen- cadeia urticária colinérgica, que também é induzi- da nos mesmos pacientes por exercícios, tensões emocionais ou qualquer estímulo que provoque sudorese. A urticária colinérgica parece ser causa- da por rara sensibilidade à acetilcolina. Sintomas, sinais e diagnóstico O prurido e uma aparência repugnante são as queixas mais comuns. A sensibilidade ao frio ma- nifesta-se usualmente por urticária e angioedema, que se desenvolvem tipicamente após exposição ao frio e durante ou depois da natação. Em casos ex- tremos, podem ocorrer broncospasmos e choque mediado por histamina, resultando em afogamen- to. A luz solar pode desencadear urticária ou uma erupção cutânea polimorfa mais crônica. A urticária também decorreu de exposição a um estímulo vibratório persistente (familiar), após exposição à água (aquagênico) e como uma reação imediata ou tardia à pressão (4 a 6h, ocasionalmente 24h). A possibilidade de protoporfiria deve ser considera- da (ver Cap. 14). O dermografismo (reação papuloeritematosa vista depois de escarificar ou pressionar firmemente, ma- chucando a pele) é geralmente idiopática mas, por vezes, é o primeiro sinal de uma reação de urticária a drogas. As lesões de pele na urticária colinérgica são pequenas, altamente pruriginosas, pústulas discretas rodeadas por uma grande zona de eritema. Um teste cutâneo que utilize metacolina 1:5.000 pode repro- duzir as lesões, mas em apenas cerca de um terço dos casos. O teste mais confiável é provocar sintomas com exercício, usando vestimentas herméticas para pro- mover transpiração. Profilaxia e tratamento O uso de drogas ou cosméticos deve ser reava- liado junto ao paciente, particularmente se houver suspeita de fotossensibilidade. A proteção contra estímulos físicos torna-se necessária. Para o prurido, deve ser administrado,VO, um anti-histamínico com efeito sedativo (difenidrami- na, 50mg, 4 vezes ao dia; cipro-heptadina, 4 a 8mg, 4 vezes ao dia, é o mais eficaz na urticária por frio). A hidroxizina 25 a 100mg, 4 vezes ao dia, VO, é a medicação de escolha na urticária colinérgica; as drogas anticolinérgicas são ineficazes quando uti- lizadas em doses toleráveis. A prednisona 30 a 40mg ao dia, VO, deve ser administrada nas erup- ções claras graves que não urticária, para encurtar o curso clínico; a dose é gradualmente reduzida conforme a melhora do paciente. DISTÚRBIOS COM REAÇÕES DE HIPERSENSIBILIDADE TIPO II Exemplos de lesão celular na qual o anticorpo reage com os componentes antigênicos de uma cé- lula incluem as anemias hemolíticas positivas de Coombs, púrpura trombocitopênica induzida por anticorpo, leucopenia, pênfigo, penfigóide, síndro- me de Goodpasture e anemia perniciosa. Estas reações ocorrem em pacientes que receberam transfusões incompatíveis na doença hemolítica do recém-nascido e na trombocitopenia neonatal, podendo também desempenhar um papel nas doenças multissistêmicas de hipersensibilidade (por exemplo, LES). Para discussão dos efeitos renais, ver Capítulo 231. O mecanismo da lesão pode ser melhor exempli- ficado pelo efeito sobre as hemácias. Nas anemias hemolíticas, as hemácias são destruídas por hemóli- se intravascular ou pela fagocitose por macrófagos, predominantemente no baço. Estudos in vitro evi- denciaram que, na presença do sistema comple- mento, alguns anticorpos fixadores de comple- mento (por exemplo, os anticorpos de grupos san- güíneos anti-A e anti-B) causam hemólise rápi- da; outros (por exemplo, os anticorpos anti-LE) causam lise celular lenta, enquanto outros não le- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351044 CAPÍTULO 148 – DISTÚRBIOS DE HIPERSENSIBILIDADE / 1045 sam a célula diretamente, mas promovem sua ade- rência a fagócitos e sua conseqüente destruição por eles. Ao contrário, os anticorpos anti-Rh nas hemácias não ativam o complemento, destruindo as células predominantemente por fagocitose ex- travascular. Exemplos nos quais o antígeno constitui um com- ponente tecidual são rejeição de enxerto precocemente aguda (hiperagudas) de um rim transplantado, devi- do à presença de anticorpos contra o endotélio vascu- lar e síndrome de Goodpasture, decorrente da reação de um anticorpo com endotélio de membrana basal glomerular e alveolar. Na síndrome de Goodpasture experimental, o complemento constitui um media- dor importante da lesão, embora seu papel na rejei- ção aguda precoce de enxertos ainda não tenha sido claramente determinado. Exemplos de reações devido à ligação haptênica com células ou tecidos incluem muitas das reações de hipersensibilidade a drogas (por exemplo, ane- mia hemolítica induzida pela penicilina – ver HI- PERSENSIBILIDADE A DROGAS, adiante). As reações de hipersensibilidade anti-recep- tores alteram a função celular como resultado da ligação do anticorpo aos receptores de mem- brana. Em muitas doenças (por exemplo, mias- tenia grave, mal de Graves, diabetes resistente à insulina), os anticorpos para receptores de membrana celular têm sido descritos. Em mo- delos animais de miastenia grave, a produção de anticorpos pela imunização com receptor de acetilcolina resulta em fadiga muscular e fra- queza típicas observadas em humanos. Nos hu- manos, este anticorpo também é demonstrado no soro ou nas membranas musculares. Além disto, quando o soro ou a fração de IgG obtidos de pacientes com miastenia grave são injetados em primatas não humanos, uma síndrome miastênica autolimitante é produzida. Este an- ticorpo impede a ligação de acetilcolina endo- genamente produzida ao seu receptor, prejudi- cando, conseqüentemente, a ativação muscular. Em alguns pacientes diabéticos com resistência extrema à insulina, têm sido detectados anti- corpos para receptores de insulina, que impe- dem, desta forma, a ligação de insulina a seu receptor. Em pacientes com mal de Graves foi identificado um anticorpo para o receptor de hormônio tireóide-estimulante (TSH), que esti- mula o efeito do TSH no seu receptor, resultan- do em hipertireoidismo. As reações de citotoxicidade mediada por an- ticorpo ocorrem quando uma célula recoberta por anticorpo é lesionada por células exterminadoras. Existem técnicas disponíveis para identificação das subpopulações de células B e T dos linfócitos circulantes. Há, também, uma subpopulação que não expressa os marcadores de células B ou T; estas são chamadas de células nulas, incluindo as células exterminadoras e exterminadoras naturais. As células exterminadoras ligam-se às células re- cobertas pela IgG através de seus receptores Fc e podem destruir a célula-alvo. As células extermi- nadoras naturais não necessitam de anticorpos recobrindo a célula para reconhecimento e podem promover a lise de células tumorais, células in- fectadas por vírus e células fetais. Estes mecanis- mos foram demonstrados em modelos animais e em estudos in vitro, embora seu papel na doença humana não esteja estabelecido. Diagnóstico Os testes que apoiam este mecanismo de lesão imu- nológica incluem a detecção de anticorpo ou com- plemento na célula ou em tecidos ou detecção, no soro, de anticorpos para antígeno de superfície celu- lar, antígeno tecidual, receptor ou antígeno estranho (exógeno). Embora o sistema complemento freqüen- temente seja necessário para a lesão celular do Tipo II e possa ser detectado nas células ou no tecido, a atividade hemolítica sérica total do complemento não está diminuída com tanta freqüência como ocorre nas reações de hipersensibilidade por imunocomplexos (IC) (Tipo III; ver adiante). Os testes diretos de antiglobulina (Coombs) e anti-não-γ-globulina detectam anticorpos e com- ponentes do complemento nas hemácias, respecti- vamente. Estes testes utilizam anti-soro de coelho, um para imunoglobulina (Ig) e o outro para com- plemento. Quando estes reagentes são misturados às hemácias recobertas com imunoglobulina ou complemento, ocorre uma reação de aglutinação. Os anticorpos que foram eluídos destas células apre- sentaram especificidade tanto para os antígenos de grupos sangüíneos presentes nas hemácias, como também foram capazes de fixar o complemento, mostrando, assim, que eles são verdadeiros auto- anticorpos e são responsáveis pelo complemento presente nos eritrócitos durante o teste direto da não-γ-globulina. O teste indireto da antiglobulina detecta anti- corpos circulantes específicos para antígenos de hemácias. O soro do paciente é incubado com he- mácias do mesmo grupo sangüíneo (para impedir falsos resultados devido à incompatibilidade) e, a seguir, o teste da antiglobulina é realizado nestas hemácias. A aglutinação confirma a presença de anticorpos circulantes para eritrócitos. Na anemia hemolítica induzida pela penicili- na, o paciente apresenta um teste de Coombs direto positivo enquanto está recenbendo a peni- cilina, embora apresente um teste de antiglobulina Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351045 1046 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS indireto negativo utilizando hemácias do mesmo grupo sangüíneo do paciente. O soro do pacien- te, entretanto, irá aglutinar hemácias, se elas fo- rem recobertas por penicilina. A microscopia de fluorescência é usada mais freqüentemente para detectar Ig ou complemento nos tecidos (pela técnica direta) e também pode ser usada para determinar a especifidade de um anticorpo circulante (pela técnica indireta). Na técnica de imunofluorescência direta, um anti- corpo animal específico para Ig ou complemen- to humanos é marcado com um corante fluores- cente (usualmente a fluoresceína) e, então, co- locado sobre o tecido. Quando o tecido é exa- minado em microscópio de fluorescência, uma coloração fluorescente típica (verde para fluores- ceína) indica a presença de imunoglobulina oucomplemento humanos no tecido. A imunofluo- rescência direta também pode ser usada para detectar outras proteínas séricas, componentes teciduais ou antígenos exógenos, enquanto os anticorpos animais específicos para eles pude- rem ser produzidos. A técnica, em si, não indi- ca um antígeno específico celular, a menos que o anticorpo possa ser eluído do tecido e sua especificidade para antígenos teciduais possa ser determinada. Na síndrome de Goodpasture, o padrão de imu- nofluorescência é visto como uma imunofluo- rescência linear na membrana basal de rim e pul- mão. Quando o anticorpo é eluído do rim de um paciente com síndrome de Goodpasture e estratifi- cado sobre um rim ou pulmão normais, ele se liga à membrana basal e produz o mesmo padrão de fluorescência linear obtido quando testado com um anticorpo marcadao com fluoresceína para a γ-glo- bulina humana (imunofluorescência indireta). No pênfigo, a técnica de imunofluorescência di- reta revela anticorpo para um antígeno no cimento intercelular da camada de células espinhosas; no penfigóide, para um antígeno da membrana basal. Em ambas as doenças, o anticorpo sérico pode ser detectado pela técnica de imunofluorescência indi- reta. Esta técnica de imunofluorescência é utilizada para detectar anticorpos circulantes específicos para tecidos em muitas outras patologias; por exemplo, anticorpos antitireóide em tireoidite e anticorpos antinucleares e anticitoplasmáticos em LES. Os testes anti-receptores para detectar anti- corpos para receptores de acetilcolina estão dis- poníveis comercialmente, mas os testes para os receptores de insulina e tireóide não estão. Não existem situações clínicas nas quais o teste de citotoxicidade dependente de anticorpos seja necessário. Ver também DISTÚRBIOS AUTO-IMU- NES, adiante. DISTÚRBIOS COM REAÇÕES DE HIPERSENSIBILIDADE TIPO III As condições clínicas nas quais os imunocom- plexos (IC) parecem desempenhar algum papel são a doença do soro devido a antígeno do soro, de drogas ou hepatite viral; LES; AR; poliarterite; crioglobulinemia; pneumonites de hipersensibi- lidade; aspergilose broncopulmonar; glomerulo- nefrite aguda; a glomerulonefrite membranopro- liferativa crônica e as doenças renais associadas (ver Cap. 231). Acredita-se que na aspergilose broncopulmonar, na doença do soro induzida por soro ou drogas e em algumas formas de doença renal, uma reação mediada por IgE possa prece- der a reação do Tipo III. Os modelos animais padrão das reações do Tipo III são a reação de Arthus local e a doença do soro experimental. Na reaão de Arthus (tipicamente uma reação cutânea local), os animais são primei- ramente hiperimunizados para a indução da sínte- se de grandes quantidades de anticorpos IgG cir- culantes e, então, recebem uma pequena quantidade de antígeno por via intradérmica. O antígeno se precipita com a IgG em excesso e ativa o sistema complemento; desta forma, uma lesão altamente inflamatória, edematosa e dolorosa aparece rapi- damente (em torno de 4 a 6h) e pode progredir para abscesso estéril contendo muitas células polimor- fonucleares e para necrose tecidual. Microscopi- camente, pode-se observar de vasculite necrosante com oclusão do lúmen arteriolar. A reação não é precedida por um período de latência, uma vez que o anticorpo já esta presente. Na doena do soro experimental, uma gran- de quantidade do antígeno é injetada em animal não imunizado. Após um período de latência, o anticorpo é produzido; quando o anticorpo al- cança um nível crítico (10 a 14 dias, no homem), são formados complexos antígeno-anticorpo que se depositam em vasos endoteliais, onde produ- zem lesão vascular disseminada e caracterizada pela presença de leucócitos polimorfonucleares. Quando ocorre vasculite, pode-se detectar que- da nos níveis de complemento sérico e antígeno, anticorpo e complemento podem ser observados nas áreas de vasculite. No entanto, os comple- xos antígeno-anticorpo não podem induzir lesão por si mesmos, sendo necessário que haja per- meabilidade vascular aumentada, tal como ocor- re nas reações mediadas por IgE (Tipo I) e quan- do o complemento é ativado para intensificar a deposição vascular do IC. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351046 CAPÍTULO 148 – DISTÚRBIOS DE HIPERSENSIBILIDADE / 1047 Diagnóstico Pode-se suspeitar de reações de Tipo III em humanos quando ocorre vasculite. Na poliar- terite, a presença de vasculite é a única evi- dência clínica para sustentar um papel para o IC. Evidências adicionais podem ser obtidas pelos testes de imunofluorescência direta (con- forme descrição anterior), que podem indicar antígeno, imunoglobulina (Ig) e complemento na área de vasculite. Nos estudos experimentais, quando os glomé- rulos animais são corados para a pesquisa de Ig e complemento, a microscopia de fluorescência re- vela um depósito granular grosseiro (saliências encrespadas), ao longo da membrana basal. Uma distribuição similar pode ser observada nas doen- ças renais humanas do Tipo III (ver Cap. 231). A microscopia eletrônica também pode ser utili- zada para detectar depósitos eletrodensos (simi- lares àqueles observados na doença do soro expe- rimental), que se acredita serem complexos antí- geno-anticorpo. Raramente, ambos, antígeno e an- ticorpo, podem ser observados nos tecidos infla- mados pela técnica de imunofluorescência – isto foi demonstrado na doença renal do LES e nas lesões vasculíticas da doença do soro associada aos antígenos da hepatite. Evidências adicionais sugerindo a participa- ção de reações Tipo III são obtidas pela de- monstração de anticorpos circulantes para os antígenos, tais como soro de cavalo, antígenos da hepatite, DNA, IgG alterada (fator reuma- tóide) e alguns bolores. No LES, por exemplo, durante exacerbações da doença renal, ocorre um aumento dos anticorpos para o DNA nativo de dupla hélice e queda nos níveis do comple- mento sérico. Se o antígeno for desconhecido, os níveis de complemento total sérico e dos componentes iniciais (C1, C4 ou C2) podem ser testados; nível diminuído indica ativação do complemento pela via clássica e, portanto, uma reação do Tipo III. Na aspergilose pulmonar alérgica, um teste cu- tâneo intradérmico com antígenos Aspergillus pode causar uma reação papuloeritematosa mediada por IgE, seguida por reação similar à de Arthus. Até recentemente, o IC era detectado no soro pela crioprecipitação (utilizando a propriedade, de alguns complexos, de precipitarem em baixas tem- peraturas). Os imunocomplexos solúveis também podiam ser detectados por meio de equipamentos sofisticados por ultracentrifugação analítica e cen- trifugação por gradiente de densidade de sacarose. Atualmente, diversos testes que detectam os IC cir- culantes são usados com base na capacidade dos complexos de reagir com os componentes do com- plemento (por exemplo, ensaios de ligação do C1q) e na capacidade dos complexos de inibir a reação entre o fator reumatóide monoclonal e a IgG. En- saios como o de células Raji são baseados na intera- ção dos IC que contêm componentes do complemen- to com receptores celulares (por exemplo, um re- ceptor para C3 na célula Raji). Embora outros mé- todos estejam disponíveis, tais testes são os mais comumente empregados. Não existe um método único que detecte todos os tipos de IC e seu uso na prática médica limita-se ao acompanhamento da ati- vidade de determinadas doenças. DISTÚRBIOS AUTO-IMUNES São distúrbios nos quais o sistema imune produz auto-anticorpos específicos para um antígeno endógeno, com conseqüente lesão tecidual. Serão abordados, a seguir, os mecanismos imunopatogênicos implicados nas doenças auto- imunes (ver também TABELA 148.4). Os aspectos clínicos de cada distúrbio específico são apresen- tados em outros locais deste MANUAL. Desenvolvimento da resposta auto-imune Embora os detalhes precisos da resposta auto-imune não estejam completamente compreendidos, o resultado da estimulação antigênica, seja ele a formação de anticorpos, a ativação de células T ou a tolerância, parece depender dos mesmos fatores, tanto com auto-antígeno como com antígeno exó- geno. São reconhecidos cinco mecanismos possí- veis para o desenvolvimento de uma resposta imu- ne a auto-antígenos: 1. Antígenos seqüestrados ou ocultos (por exem- plo, substâncias intracelulares) podem não ser re- conhecidos como “próprios”; se liberados na cir- culação, podem induzir uma resposta imune. Isto ocorre na oftalmia simpática com a liberação trau- mática de um antígeno normalmente seqüestrado dentro do olho. O auto-anticorpo, isoladamente, não pode produzir a doença, uma vez que ele não pode se combinar com o antígeno seqüestrado. Por exem- plo, os anticorpos contra antígenos do esperma e do músculo cardíaco são bloqueados, respectivamente, pela membrana basal dos túbulos seminíferos e pela membrana da célula miocárdica. As células T imu- nologicamente ativas podem não estar sujeitas a tais restrições e provocariam lesão mais efetivamente. 2. Os antígenos “próprios” podem se tornar imunogênicos em decorrência de alterações quími- cas, físicas ou biológicas. Certos agentes químicos ligam-se a proteínas corpóreas, tornando-as imuno- gênicas (como na dermatite de contato). As drogas Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351047 1048 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS podem provocar diversas reações auto-imunes (ver HIPERSENSIBILIDADE A DROGAS, adiante). A fotos- sensibilidade exemplifica auto-alergia fisicamente induzida: a luz ultravioleta altera a proteína da pele contra a qual o paciente se torna alérgico. Antíge- nos biologicamente alterados são descritos no ca- mundongo da Nova Zelândia, que desenvolve uma doença auto-imune similar ao LES quando persis- tentemente infectado por um vírus do RNA, que reconhecidamente se combina com tecidos do hos- pedeiro, alterando-os o suficiente para induzir a for- mação de anticorpos. 3. Antígenos estranhos podem induzir uma res- posta imune que apresenta reação cruzada com antígenos “próprios” normais; por exemplo, a rea- ção cruzada que ocorre entre a proteína M estrepto- cócica e o músculo cardíaco humano. 4. A produção de auto-anticorpos pode ser con- seqüente a uma alteração mutacional em células imunocompetentes. Isto pode explicar os auto-an- ticorpos monoclonais encontrados, ocasionalmen- te, em pacientes com linfoma. 5. Fenômenos auto-imunes podem ser epifenô- menos e, a patogênese primária, o resultado de uma resposta imune a um antígeno oculto (por exem- plo, um vírus). É provável que a reação auto-imune normalmen- te esteja mantida sob controle pela ação de uma população de células T supressoras específicas. Qualquer um dos processos descritos anteriormen- te poderia induzir ou estar associado a defeitos das células T supressoras. Uma perturbação na regula- ção da atividade de anticorpo por anticorpos antiidiotipos (anticorpos específicos para os pon- tos de combinação do antígeno de outro anticorpo) pode desempenhar algum papel. Os papéis de outros mecanismos complexos ex- perimentalmente demonstráveis necessitam de maiores esclarecimentos. Por exemplo, os adju- vantes não antigênicos (por exemplo, alume, endo- toxinas bacterianas) aumentam a antigenicidade de outras substâncias. O adjuvante completo de Freund, uma emulsão do antígeno em óleo mineral com mi- cobactérias inativas pelo calor, geralmente é neces- sário para provocar auto-imunidade em animais de experimentação. Os fatores genéticos também desempenham um papel. Freqüentemente, os familiares de pacientes com doenças auto-imunes apresentam alta inci- dência dos mesmos tipos de auto-anticorpos, as- sim como também a incidência de doenças auto- imunes é maior em gêmeos idênticos do que em gêmeos fraternos. As mulheres são acometidas com maior freqüência do que os homens. A contribui- ção genética parece atuar como um fator de predis- posição. Em uma população predisposta, numero- sos fatores ambientais poderiam provocar a doen- ça; por exemplo, no LES, estes fatores podem estar representados por infecção viral latente, drogas ou lesões teciduais como as que ocorrem com exposi- ção à luz ultravioleta. Esta situação seria análoga ao desenvolvimento da anemia hemolítica como conseqüência dos fatores ambientais em pessoas com deficiência de G6PD (ver Cap. 127), uma anor- malidade bioquímica determinada geneticamente e predisponente. Patogênese Na maioria das vezes, os mecanismos patogê- nicos das reações auto-imunes são melhor com- preendidos do que o modo de formação dos auto- anticorpos. Em algumas anemias hemolíticas au- to-imunes, as hemácias ficam recobertas por auto- anticorpos citotóxicos (Tipo II); o sistema com- plemento responde a estas células recobertas por anticorpos exatamente como faz com partículas estranhas recobertas e a interação do comple- mento com o anticorpo conectado ao antígeno de superfície da célula leva à citólise e fagocito- se das hemácias. A lesão renal auto-imune pode ocorrer como resultado de uma reação mediada por anticorpos (Tipo II) ou por IC (Tipo III). A reação mediada por anticorpo ocorre na síndrome de Goodpasture, na qual a doença renal e pulmonar estão associa- das à presença de um anticorpo antimembrana ba- sal (ver Cap. 77). O melhor exemplo conhecido de lesão auto-imune associada a complexos antígeno- anticorpo solúveis (IC) é a nefrite associada ao LES (ver LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO no Cap. 50 e adiante). Outro exemplo é uma forma de glome- runolefrite membranosa que está associada a um imunocomplexo que contém antígenos do túbulo renal. Embora não provado, a glomerulonefrite pós-estreptocócica poderia ser decorrente, em parte, às reações cruzadas de anticorpos induzi- das por estreptococos. Uma grande variedade de auto-anticorpos é for- mada no LES e em outras doenças auto-imunes sis- têmicas (ao contrário do que ocorre nas doenças es- pecíficas de órgãos). Os anticorpos contra os elemen- tos figurados no sangue são responsáveis pela ane- mia hemolítica auto-imune (ver Cap. 127), tromboci- topenia e, possivelmente, leucopenia; os anticorpos anticoagulantes podem causar problemas de coagu- lação desordenada. Os anticorpos para material nu- clear resultam na deposição de IC, não somente nos glomérulos, mas também nos tecidos vasculares e na pele, na junção derme-epiderme. A deposição sinovial de complexos constituídos por IgG agre- gada-fator reumatóide-complemento ocorre na AR. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351048 CAPÍTULO 148 – DISTÚRBIOS DE HIPERSENSIBILIDADE / 1049 TABELA 148.4 – DISTÚRBIOS AUTO-IMUNES PRESUMÍVEIS Probabilidade Distúrbio Mecanismo ou evidência Citotoxicidade tireóidea humoral e mediada por células Imunocomplexos generalizados localmente e circulantes Anticorpo de membrana antibase Anticorpo acantolítico epidérmico Anticorpo receptor de TSH (estimulador) Anticorpo receptor de acetilcolina Anticorpo receptor de insulina Fagocitose de hemácias sensibilizadas por anticorpos Fagocitose de plaquetas sensibilizadas por anticorpos Imunocomplexos nas articulações Anticorpos nucleolares e outros nucleares Anticorpos para antígeno nuclear extraível (ribonucleoproteína) AAN não-histona Célula antiparietal, microssomos e anticor- pos de fator intrínseco Citotoxicidade adrenal humoral e (?) media- da por células Anticorpos antiespermatozóides Anticorpo de membrana de base glomerular ou imunocomplexos IgG e complemento na membrana basal Anticorpos teciduais múltiplos, um anticor- po específico não-histona anti-SS-B Anticorpos da célula da ilhota humoral e mediados por células Anticorpo do receptor β-adrenérgico Anticorpo de músculo liso Anticorpo mitocondrial Anticorpos teciduais específicos em alguns casos Anticorpo para melanócitoIg e complemento nas paredes dos vasos, componente sérico baixo, em alguns casos Anticorpo miocárdico Tireoidite de Hashimoto LES Síndrome de Goodpasture Pênfigo Auto-imunidade do receptor Doença de Graves Miastenia grave Resistência à insulina Anemia hemolítica auto-imune Púrpura trombocitopênica auto-imune AR Escleroderma com anticorpos anticolágeno Doença do tecido conjuntivo misto Polimiosite Anemia perniciosa Doença de Addison idiopática Infertilidade (alguns casos) Glomerulonefrite Penfigóide bolhoso Síndrome de Sjögren Diabetes melito (alguns) Resistência à droga adrenérgica (algumas com asma ou fibrose cística) Hepatite ativa crônica Cirrose biliar primária Outras insuficiências glandulares endócrinas Vitiligo Vasculite Pós-infarto do miocárdio, síndrome de cardiotomia Altamente provável Provável Possível Continua Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351049 1050 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS O fator reumatóide é, usualmente, uma IgM (às vezes, IgG ou IgA) com especificidade para um re- ceptor da região constante da cadeia pesada da IgG autóloga. Os complexos IgG-fator reumatóide-com- plemento também podem ser encontrados no inte- rior de neutrófilos, onde podem provocar a libera- ção de enzimas lisossômicas que contribuem para a reação inflamatória articular. Muitos plasmóci- tos estão presentes no interior da articulação e po- dem sintetizar anticorpos anti-IgG. As células T e linfocinas também são encontradas nas articulações reumatóides e podem contribuir para o processo in- flamatório. O processo que deflagra os episódios imunológicos é desconhecido; pode ser uma infec- ção bacteriana ou viral. No LES, o baixo nível do complemento sérico reflete a ocorrência de reações imunológicas disseminadas; na AR, ao contrário, o complemento sérico é normal, embora esteja redu- zido no espaço intra-sinovial. Na anemia perniciosa, auto-anticorpos capazes de neutralizar o fator intrínseco são encontrados no lúmen do trato GI. Auto-anticorpos contra frações microssomais das células da mucosa gástrica são ainda mais freqüentes. Está postulado que um ataque auto- imune mediado por células contra as células parietais resulta na gastrite atrófica que, por sua vez, reduz a produção do fator intrínseco mas ainda permite a absor- ção de vitamina B12 o suficiente para prevenir a ane- mia megaloblástica. Se ocorresse também a forma- ção de auto-anticorpos contra o fator intrínseco no lúmen GI, entretanto, cessaria a absorção de vitami- na B12 e poderia desenvolver a anemia perniciosa. A tireoidite de Hashimoto está associada a auto-anticorpos para tireoglobulina, os microsso- mas das células epiteliais da tireóide, um antíge- no de superfície da célula tireóidea e um segundo antígeno colóide. A lesão tecidual e o eventual mixedema podem ser mediados pela citotoxicidade do anticorpo microssomal e pela atividade de células T especificamente sensibilizadas. Títu- los baixos de anticorpos também são encontra- dos em pacientes com mixedema primário, su- gerindo que este é o resultado final de uma ti- reóide auto-imune não reconhecida. Uma reação auto-imune também está envolvida na tireotoxi- cose (doena de Graves) e cerca de 10% dos pacientes eventualmente desenvolvem mixede- ma espontaneamente; um número maior desen- volve mixedema após terapia ablativa. Outros anticorpos característicos da doença de Graves são denominados anticorpos estimuladores da tireóide. Eles reagem com os receptores para o hormônio tireóide-estimulante (TSH) na glân- dula e possuem o mesmo efeito que o TSH na função da célula tireóidea. DISTÚRBIOS COM REAÇÕES DE HIPERSENSIBILIDADE TIPO IV Algumas condições clínicas nas quais as reações do Tipo IV são consideradas importantes: dermati- te de contato, pneumonite por hipersensibilidade, rejeição de enxerto, granulomas devido a microrga- nismos intracelulares, algumas formas de sensibi- lidade a drogas, tireoidite e encefalomielite após vacinação anti-rábica. A evidência para as duas úl- timas baseia-se em modelos experimentais e na doença humana na presença de linfócitos no exsu- dato inflamatório da tireóide e cérebro. Diagnóstico Pode-se suspeitar de uma reação do Tipo IV quando uma reação inflamatória for caracterizada histologicamente por linfócitos perivasculares e ma- crófagos. Os testes cutâneos de hipersensibilidade tardia (ver discussão de Testes para Deficiência de Células T no Cap. 147) e os testes de contato (“patch tests”) são os métodos mais facilmente disponíveis para testar a hipersensibilidade tardia. Para evitar a exacerbação da dermatite de con- tato, os testes de contato são realizados após esta ter sido amenizada. O alérgeno suspeito (em con- centrações apropriadas) é aplicado à pele, sob uma compressa adesiva não absorvente e deixado por AAN = anticorpo antinuclear; Ig = imunoglobulina; TSH = hormônio tireóide-estimulante. Urticária, dermatite atópica, asma (alguns casos) Muitos outros distúrbios inflamatórios, granulomatosos, degenerativos e atróficos Anticorpos IgG e IgM para IgE Nenhuma explicação alternativa razoável TABELA 148.4 – DISTÚRBIOS AUTO-IMUNES PRESUMÍVEIS Probabilidade Distúrbio Mecanismo ou evidência Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351050 CAPÍTULO 148 – DISTÚRBIOS DE HIPERSENSIBILIDADE / 1051 48h. Se precocemente ocorrerem ardor ou prurido, a compressa é removida. Um teste positivo consis- te de eritema com alguma induração e, ocasional- mente, formação de vesículas. Pelo fato de algu- mas reações não ocorrerem até a remoção das com- pressas, os locais do teste devem ser reexaminados após 72 e 96h. HIPERSENSIBILIDADE A DROGAS As erupções por drogas são discutidas no Ca- pítulo 118. Aqui são discutidas outras reações de hipersensibilidade que podem ocorrer após ad- ministração por via oral ou parenteral. A derma- tite de contato, uma reação de hipersensibilida- de celular (tardia – Tipo IV) decorrente do uso tópico de drogas, é discutida no Capítulo 111; as reações a drogas causadas por mecanismos não imunológicos estão discutidas no Capítulo 302. Para reações alérgicas a componentes do sangue do doa- dor, ver REAÇÕES ALÉRGICAS no Capítulo 129. Antes de se atribuir uma determinada reação às drogas, deve-se analisar se o uso de placebos tam- bém pode causar uma grande variedade de sinto- mas e até sinais objetivos, como as erupções cutâ- neas. Não obstante, as reações a drogas constituem um problema médico primordial. A literatura refe- rente a drogas específicas deve ser consultada quan- to às reações adversas mais prováveis. No caso de superdosagem de drogas, os efei- tos tóxicos correlacionam-se diretamente à quanti- dade total da droga introduzida no microrganismo e podem ocorrer em qualquer paciente se a dose for suficientemente grande. A superdosagem abso- luta resulta de erro na quantidade ou freqüência das doses individuais. A superdosagem relativa pode ser observada em indivíduos que, devido a doença hepática ou renal, não metabolizam ou excretam as drogas de modo normal. Na intolerância a drogas, as reações adversas surgem após a primeira administração da medicação. Ela pode ser a mesma reação tóxica normalmente observada com dosagens mais altas ou pode ser ma- nifestação exagerada de um efeito colateral normal leve (por exemplo, a sedação causada pelos anti-his- tamínicos). A idiossincrasia é uma condição na qual a reação adversa na primeira administração da droga é condição farmacologicamente inesperada e única. As reações decorrentes de deficiências enzimáticas geneticamente determinadas estão sendo identifica- das em números crescentes (por exemplo, anemia he- molítica, que se desenvolve em pacientes com defi- ciência de G6PD durante o tratamento com diversas drogas; apnéia pela succinilcolina; neuropatia perifé- rica pela isoniazida: (ver tambémREAÇÕES MEDI- CAMENTOSAS ADVERSAS no Cap. 302). A maioria das reaões tóxicas e idiossincrási- cas diferem bastante das reações alérgicas, com poucas exceções. As reações tóxicas ou idiossin- crásicas devido a drogas com liberação direta de histamina (por exemplo, meios de contraste radio- lógicos, opiáceos, pentamidina, polimixina B) po- dem apresentar-se sob a forma de urticária ou, mes- mo, de uma reação anafilactóide. A anemia hemo- lítica pode ser alérgica (por exemplo, devido a pe- nicilina) ou resultante de deficiência de G6PD. A febre causada por drogas pode ser alérgica, tóxica, (por exemplo, devido a anfetaminas, tranil- cipromina) ou mesmo farmacológica (por exem- plo, etiocolanolona). Características das reaões alérgicas às dro- gas – Uma reação mediada por IgE ocorre somen- te após exposição do paciente à droga (não necessa- riamente para terapia) por uma ou mais vezes, sem incidente. Uma vez desenvolvida a hipersensibili- dade, a reação pode ser produzida por quantidades bem abaixo da dosagem terapêutica e, usualmente, abaixo dos níveis que desencadeiam reações idios- sincrásicas. Os aspectos clínicos são restritos quan- to às suas manifestações. As erupções cutâneas (par- ticularmente a urticária), síndrome semelhante à doença do soro, febre inesperada, anafilaxia e infil- trados pulmonares eosinofílicos que aparecem du- rante a terapia com drogas são, normalmente, de- correntes de hipersensibilidade; alguns casos de ane- mia, trombocitopenia ou agranulocitose também podem constituir uma resposta de hipersensibilida- de a drogas. Raramente, pode-se desenvolver uma vasculite após repetida exposição a uma droga (por exemplo, sulfonamidas, iodetos e penicilina) e nefrite intersticial (por exemplo, meticilina) e a lesão hepáti- ca (por exemplo, halotano) foram relatadas em cir- cunstâncias compatíveis com o desenvolvimento de uma hipersensibilidade específica. O exemplo mais sério de hipersensibilidade a dro- gas é a anafilaxia. Entretanto, a reação a drogas mais comum, de longe, é a erupção morbiliforme, nova- mente de etiologia desconhecida. As reações de fe- bre e urticária também são conseqüências relativa- mente comuns de alergia a drogas. Quando o soro de animais foi utilizado para terapia, a doença do soro foi uma complicação, mas hoje o soro animal é raramente utilizado. Uma síndrome semelhante à doença do soro, de etiologia desconhecida, sem ní- veis altos de anticorpo IgG circulante, porém usual- mente associada aos anticorpos IgE, pode ocorrer, especialmente com drogas como penicilina. Mecanismos de hipersensibilidade a drogas As drogas constituídas por proteínas e cadeias polipeptídicas extensas podem estimular a produ- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351051 1052 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS ção específica de anticorpos pela ação direta de me- canismos imunológicos. Talvez a menor molécula potencialmente antigênica seja o glucagon, com peso molecular de aproximadamente 3.500. A maioria das moléculas constituintes das drogas é muito menor e não pode agir isoladamente como antígenos. Entretanto, como haptenos, algumas delas ligam-se covalentemente a proteínas, sendo que o conjugado resultante estimula a produção específica de anticorpos para a droga. Esta droga, ou um de seus metabólitos, deve reagir quimica- mente com a proteína. A ligação habitual com pro- teínas séricas, comum a muitas drogas, é muito mais fraca e de força insuficiente para deflagrar a antigenicidade. A reação imunológica específica foi determina- da somente para a benzilpenicilina. Esta droga não se liga de modo suficientemente forte a tecidos ou proteínas séricas para formar um complexo antigê- nico, mas seu principal produto de degradação, o ácido benzilpenicilênico, pode se combinar com proteínas teciduais para formar o benzilpeniciloil (BPO), o principal determinante antigênico da pe- nicilina. Diversos determinantes antigênicos me- nores são formados em quantidades relativamente pequenas, por meio de mecanismos ainda não bem definidos. As reações de hipersensibilidade (I, II, III, IV) mais comumente envolvem o determinante BPO. Os anticorpos IgE para os determinantes menores podem ser responsáveis, em alguns pa- cientes, pela anafilaxia e pela urticária. Foram en- contrados anticorpos IgG para os determinantes maiores, mas não para os menores. Acredita-se que estes atuem como “anticorpos bloqueadores” para BPO, modificando, ou até mesmo prevenindo, uma reação ao BPO, enquanto a ausência de anticorpos bloqueadores de IgG para os determinantes meno- res pode explicar a capacidade destes determinantes de induzir anafilaxia. Todas as penicilinas semi-sintéticas (por exem- plo, amoxicilina, carbenicilina, ticarcilina) atuam potencialmente em reação cruzada com a penicili- na, de forma que os pacientes sensíveis à penicilina freqüentemente reagem a elas da mesma maneira. As reações cruzadas ocorrem com as cefalospori- nas, em grau menor. O tratamento com uma cefa- losporina deve ser iniciado com grande cuidado se o paciente tiver uma história de grave reação (por exemplo, anafilaxia) à penicilina. As reaões a drogas do tipo hematológico e mediadas por anticorpos (Tipo II, citotóxicas) podem se desenvolver por qualquer um dos três mecanismos: na anemia induzida pela penicili- na, o anticorpo reage com o hapteno que está firmemente ligado à membrana da hemácia, pro- duzindo aglutinação e aumentando a destruição de hemácias. Na trombocitopenia induzida pelo estibofeno e pela quinidina (ver também TROM- BOCITOPENIA no Cap. 133), a droga forma um complexo solúvel com seu anticorpo específico. A seguir, o complexo reage com as plaquetas que estão nas proximidades (as células-alvo de- nominadas “transeuntes inocentes”) e ativa o complemento, que permanece sozinho na mem- brana da plaqueta e induz a lise celular. Em ou- tras anemias hemolíticas, a droga (por exemplo, metildopa) parece alterar quimicamente a super- fície da hemácia expondo, deste modo, um antí- geno que induz e então reage com um auto-anti- corpo, geralmente de especificidade Rh. Diagnóstico As reações tóxico-idiossincrásicas e as reações anafiláticas são suficientemente peculiares em tipo ou no período, de forma que as drogas implicadas são, em geral, facilmente identificadas. As rea- ções do tipo doença do soro são comumente devi- do à penicilina embora, em algumas ocasiões, as sulfonamidas, a hidralazina, as sulfoniluréias ou os tiazídicos sejam responsáveis. A fotossensibili- zação é característica da clorpromazina, de certos anti-sépticos presentes em sabões, sulfonamidas, psoralenos, demeclociclina e griseofulvina. Todas as drogas, com exceção daquelas consideradas ab- solutamente indispensáveis, devem ser suspensas. Quando houver suspeita de febre induzida por dro- gas, a medicação mais provável é suspensa (por exemplo, alopurinol, penicilina, isoniazida, sulfo- namidas, barbitúricos e quinidina). A redução da febre dentro de 48h sugere intensamente aquela droga. Se a febre estiver acompanhada por granu- locitopenia, toxicidade por droga é mais provável que alergia e é muito mais grave (ver Cap. 135). As reaões pulmonares alérgicas a drogas geralmente são infiltrativas, com eosinofilia e po- dem ser produzidas por sais de ouro, penicilina e sulfonamidas, entre outras. A nitrofurantoína é a causa mais comum de uma reação infiltrativa agu- da. Esta é provavelmente alérgica, embora em ge- ral não seja eosinofílica. As reaões hepáticas podem ser primariamen- te colestáticas (as fenotiazinas e o estolato de eri- tromicina estão mais comumente envolvidos) ou hepatocelulares (alopurinol, hidantoínas, sais de ouro, isoniazida, sulfonamidas, ácido valpróico e muitas outras). A nefrite intersticial constitui uma reaão renal alérgica usual, mais comum à meticilina; outros antimicrobianos e a cimetidina também foram implicados. Uma síndromesemelhante ao LES pode ser produzida por diversas drogas, sendo as mais co- muns hidralazina e procainamida. Esta síndrome Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351052 CAPÍTULO 148 – DISTÚRBIOS DE HIPERSENSIBILIDADE / 1053 está associada a um teste positivo para anticorpos antinucleares e é relativamente benigna, poupando os rins e o sistema nervoso central. A penicilina pode produzir o LES e outras donças auto-imunes, mais notavelmente a miastenia grave. O diagnóstico de qualquer reação de hipersensi- bilidade à droga pode ser confirmado por um teste de provocaão, isto é, pela readministração da dro- ga; entretanto, a reprodução de uma reação alérgi- ca para confirmá-la pode ser arriscada e é raramente indicada. Os testes laboratoriais existentes para a hi- persensibilidade específica a drogas (por exemplo, RAST, liberação de histamina, desgranulação de basófilos ou mastócitos, transformação blástica de linfócitos) não são confiáveis ou ainda estão sendo empregados em caráter experimental. Os testes dis- poníveis para as reações hematológicas desenca- deadas por drogas são uma exceção (ver Diagnós- tico em DISTÚRBIOS COM REAÇÕES DE HIPER- SENSIBILIDADE TIPO II, anteriormente). Para trata- mento por dessensibilização, ver adiante. Os testes cutâneos para a hipersensibilidade do tipo imediato (mediada pela IgE) são muito úteis para o diagnóstico das reações a penicilina, enzimas, soros xenogênicos e algumas vacinas e hormônios polipeptídicos, embora não sejam con- fiáveis para a maioria das drogas. Um conjugado BPO-polilisina está disponível para o teste cutâ- neo. Os determinantes menores não foram apro- vados, pela FDA, como reagentes de testes cutâ- neos para alergia à penicilina. Felizmente, a maio- ria dos pacientes sensíveis à mistura do determi- nante menor irão reagir com um dos reagentes, a penicilina G, que pode ser utilizada para teste cu- tâneo em concentração de 1.000U/mL. O teste cutâneo é realizado, a primeira vez, por uma téc- nica de punção. Se um paciente possuir uma his- tória de reação de erupção grave, os reagentes de- vem ser diluídos 100 vezes para o teste inicial. Os testes de punção negativos podem ser segui- dos de teste intradérmico. Se os testes cutâneos forem positivos, o paciente corre o risco de rea- ção anafilática, se tratado com penicilina. Os tes- tes cutâneos negativos minimizam, mas não ex- cluem, o risco de uma reação séria. Apesar de não haver evidência, em humanos, de que o teste cu- tâneo de penicilina alguma vez induziu de novo a sensibilidade, é prudente, na maioria dos casos, testar o paciente para excluir a alergia à penicili- na imediatamente antes de se começar a terapia essencial com essa droga. Uma vez que, detectem apenas reações mediadas por IgE, os testes cutâ- neos não predizem a ocorrência de erupções morbiliformes ou anemia hemolítica. No caso do soro xenogênico, um paciente que não for atópico e não recebeu soro de cavalo anteriormente, pri- meiro deve fazer um teste de punção numa dilui- ção de 1:10; se for negativo, 0,02mL de uma di- luição 1:1.000 é injetado intracutaneamente. Se o paciente for sensível, desenvolver-se-á uma pápula > 0,5cm de diâmetro em 15min. Todos os pacien- tes que podem ter recebido soro anteriormente (com ou sem reação) e aqueles com história de suspeita de alergia devem ser testados primeiro com uma diluição de 1:1.000. O resultado do tes- te cutâneo negativo exclui a possibilidade de anafilaxia (reação mediada por IgE), mas não pre- diz a incidência de subseqüente doença do soro. Tratamento É usualmente necessário cessar o tratamento com a droga ofensora se a reação parecer alérgi- ca, em contraste com reações tóxicas, nas quais a dose freqüentemente pode ser reduzida e ainda ser eficaz, sem causar reação. A maioria das reações alérgicas se resolve alguns dias após a droga ser interrompida. O tratamento usualmente pode ser limitado ao controle da dor ou do prurido. As artralgias da doença do soro geralmente podem ser controladas com aspirina ou DAINE. Algumas condições, como febre induzida por drogas, erup- ções cutâneas não pruriginosas ou reações sistê- micas orgânicas leves não necessitam de tratamen- to. Entretanto, se um paciente estiver agudamente doente e possuir sinais de envolvimento múltiplo de sistemas ou dermatite esfoliativa, é necessária a administração intensiva de glicocorticóides (por exemplo, prednisona, 40 a 80mg ao dia, VO). Mais informações sobre o tratamento de reações clíni- cas específicas estão disponíveis nos capítulos correspondentes, no MANUAL. Algumas vezes, uma droga que pode ser essen- cial para a manutenção da vida deve ter sua admi- nistração mantida, apesar de induzir manifesta- ções alérgicas; por exemplo, o tratamento da en- docardite bacteriana com penicilina pode ser man- tido apesar do aparecimento de erupções mor- biliformes, urticária ou febre induzida pela dro- ga. A urticária deve ser tratada como já descrito, incluindo a administração de um glicocorticóide, se necessário. A dessensibilizaão rápida a uma droga pode ser necessária se a hipersensibilidade for estabele- cida pela anamnese e por testes de provocação po- sitivos ou teste cutâneo positivo (no caso da peni- cilina, insulina e anti-soros) e se o tratamento for essencial, não existindo alternativas. Como exem- plos, citam-se a dessensibilização à penicilina e a soros heterólogos. Dessensibilizaão à penicilina – A dessen- sibilização à penicilina é talvez mais necessá- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351053 1054 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS ria para preparar uma pessoa alérgica para o tra- tamento de endocardite bacteriana. Se possível, a dessensibilização deve ser realizada em colabora- ção com um especialista. Se somente o teste intra- dérmico for positivo, então a dose inicial deve ser administrada IV: 100U (ou µg)/mL em uma bolsa de 50mL, no início muito lentamente. Se não apa- recerem sintomas, a velocidade do fluxo pode ser aumentada gradativamente, até que a bolsa esteja vazia após 20 a 30min. Isto é, então, repetido com concentrações de 1.000 e 10.000U/mL, seguidas pela dose terapêutica total. Se não se desenvolve- rem quaisquer sintomas alérgicos, a velocidade do fluxo deverá ser diminuída e o paciente rece- ber o tratamento com a droga apropriada (ver ANAFILAXIA, anteriormente). A dessensibilização IV é mais segura que a s.c. ou IM, uma vez que tanto a concentração como a velocidade de admi- nistração da droga são controladas. A dessen- sibilizaão oral também é freqüentemente eficaz. A dose inicial é de 100U (ou µg); as doses seguin- tes são dobradas a cada 15min e os sintomas são aliviados, se ocorrerem com drogas antianafi- láticas adequadas. Seja qual for a via utilizada, a dose inicial deverá ser mil vezes menor no raro caso do paciente apresentar um teste de punctura positivo para a penicilina. Dessensibilizaão a soros heterólogos – Caso o teste cutâneo a um soro heterólogo seja positivo, o risco de anafilaxia é alto. Se o tratamento com soro for essencial, primeiro é necessária a dessensibili- zação. Os testes cutâneos, utilizando concentrações mais fracas preparadas por diluição em série, são realizados para determinar a dose inicial apropriada para dessensibilização, que está na concentração que proporcionou uma reação fraca ou negativa. Um décimo de mL é injetado por via s.c.ou lentamente, por via IV; embora não seja o método padrão, a ad- ministração IV, como com a dessensibilização com penicilina, proporciona ao médico o controle sobre concentração e velocidade de administração. Se ne- nhuma reação ocorrer no período de 15min, a dose é dobrada a cada 15min, até que seja injetado 1mL do soro não diluído. Esta dose é repetida IM e, se não ocorrer nenhuma reação em outros 15min, a dose total pode ser administrada. Se um paciente reagir, ainda será possível prosseguir cautelosamente, re-duzindo-se a dose, tratando com um anti-histamínico, como para urticária aguda e aumentando-se a dose com incrementos menores. Sempre que a dessensibilização for realizada, devem estar disponíveis O2, adrenalina e um equi- pamento para reanimação, para o tratamento ime- diato de anafilaxia. 149␣ /␣ TRANSPLANTES É a transferência de células, tecidos ou órgãos vivos de um doador para um receptor, com a intenção de manter a integridade funcional do material trans- plantado no receptor. (Ver também TRANSPLANTE DE CÓRNEA no Cap. 96.) Desde o primeiro transplante renal bem-suce- dido, há mais de 40 anos, tem ocorrido grande expansão do transplante para o tratamento de insuficiência de órgãos em estágio final. As ta- xas de sobrevida projetadas melhoraram (ver TA- BELA 149.1) e muitos órgãos são agora trans- plantados. Esta expansão é atribuída aos novos e mais seletivos imunossupressores, às medidas me- lhoradas para detectar a imunidade preexistente em certos doadores, intervenção precoce, técni- ca cirúrgica melhorada, detecção mais precoce e mais precisa de episódios de rejeição e melhor compreensão da rejeição. Entretanto, o transplante é ainda de algum modo limitado, principalmente devido à rejei- ção, que pode destruir o tecido logo após trans- plantado, exceto em circunstâncias especiais (por exemplo, a maioria dos enxertos de córnea e cartilagem e transplantes entre gêmeos idênti- cos). Mais lentamente, a rejeição crônica tam- bém emergiu como um fator significante na so- brevivência a longo prazo e estado funcional dos órgãos transplantados. As limitações da disponi- bilidade de órgãos de doadores humanos tam- bém continuam a ser importantes. Os transplantes são classificados de acordo com o local do enxerto e com o relacionamento genéti- co entre doador e receptor. Um enxerto de tecido ou órgão ortotópico é transferido para um local receptor anatomicamente normal (por exemplo, em um transplante cardíaco). A transferência para um local anatomicamente anormal é chamada de heterotópica (por exemplo, transplante de um rim na fossa ilíaca do receptor). A transferência de te- cido de um local para outro num mesmo indiví- duo é denominada auto-enxerto (por exemplo, Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351054 CAPÍTULO 149 – TRANSPLANTES / 1055 enxerto ósseo para estabilizar uma fratura). O transplante entre gêmeos idênticos é chamado de singênico (isoenxerto); um aloenxerto (homoenxerto) é aquele entre membros da mesma espécie, sem semelhança genética. Os xenoen- xertos (heteroenxertos) são transplantes entre membros de diferentes espécies. Os xenoenxertos são, em geral, confinados a um material fixo inerte, por exemplo, válvulas cardíacas de suíno. A imunossupressão melhorada pode permitir que os xenoenxertos bem-sucedidos de órgãos ajudem a superar a atual escassez crítica de doadores. Com raras exceções, os transplantes são aloen- xertos ou de parentes vivos (ocasionalmente, indi- víduos não relacionados) ou de doadores cadáveres. Os doadores vivos são utilizados principalmente nos transplantes renal e de medula óssea, porém os trans- plantes de segmentos de fígado, pâncreas e pulmão estão cada vez mais sendo doados por parentes vi- vos dos receptores. A aceitação do conceito de mor- te cerebral aumentou o uso e a necessidade de ór- gãos cadavéricos, fazendo com que seja comum pro- curar muitos órgãos em um único doador. Não obs- tante, a necessidade excede de longe o número dis- ponível de familiares de pacientes e o número de pacientes que espera por transplantes de órgãos con- tinua a crescer (ver TABELA 149.2). IMUNOBIOLOGIA DA REJEIÇÃO Os aloenxertos podem ser rejeitados, por uma reação imune mediada por células ou humoral do receptor contra os antígenos de transplante (histocompatibilidade) presentes nas membranas das células do doador (ver também Cap. 146). Os antígenos mais potentes são regidos por um complexo de loci genéticos denominados antí- genos linfocíticos humanos do Grupo A (HLA); juntamente com os antígenos do grupo sangüí- neo ABO, estes constituem os principais antíge- nos de transplantes detectáveis no homem. Como os antígenos de transplantes podem ser identifi- cados por seus efeitos in vitro, é possível a rea- lização da tipagem de tecidos (ver COMPATIBILI- DADE TECIDUAL, adiante). A reaão imune mediada por linfócitos (célu- las) contra os antígenos de transplante (isto é, a reaão do hospedeiro versus enxerto [RHVE]) é o principal mecanismo de rejeição aguda. Reação de hipersensibilidade tardia similar àquela obser- vada na reação tuberculínica, a RHVE provoca destruição do enxerto no período de alguns dias ou meses após o transplante e é caracterizada, histolo- gicamente, pela presença de infiltrado de células mononucleares do aloenxerto, com graus variáveis de hemorragia e edema. A integridade vascular ge- ralmente é conservada, embora o endotélio arterial pareça ser um alvo primário da RHVE. A rejeição mediada por células pode ser revertida, em muitos casos, pela intensificação do tratamento imunossu- pressor. Após a reversão bem-sucedida de um epi- sódio agudo de rejeição, os elementos gravemente lesados do enxerto cicatrizam por fibrose e o res- tante do enxerto parece normal. Após resolução da rejeição aguda, o aloenxerto geralmente sobrevive por períodos prolongados, mesmo que as dosagens TABELA 149.1 – SOBREVIDA DE 1 ANO EM TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS* Órgão 1980 1991 1995 Rim 60% 98% 98% Coração 60% 82% 85% Fígado 30% 79% 84% Coração- – 62% 78% pulmão Pâncreas 20% 93% 94% Pulmão – 70% 77% *As taxas de sobrevida foram computadas utilizando-se o método Kaplan-Meier, com base em dados registrados na “Organ Procurement Transplantation Network/Scientific” da “United Network of Organ Sharing” (UNOS) de 5 de julho de 1997. Dados sujeitos à submissão ou correção de dados futuros. TABELA 149.2 – LISTA DE ESPERA DE UNOS* PARA TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS Pacientes na lista de espera (nº) Órgão 1988 1996 AUMENTO (%) Rim 13.943 34.550 147 Coração 1.030 3.698 259 Fígado 616 7.467 1.112 Coração- 205 237 13 pulmão Pâncreas 163 227 39 Pulmão 69 2.309 3.246 *UNOS (“United Network of Organ Sharing”) é o órgão de obtenção nacional e rede de transplante dos EUA. Dados basea- dos no “snapshot” das listas de espera da “Organ Procurement Transplantation Network” da UNOS no último dia de cada ano. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351055 1056 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS das drogas imunossupressoras sejam reduzidas a níveis muito baixos. Este processo de adaptação do enxerto provavelmente seja explicado pela perda de leucócitos passageiros altamente imunogênicos, in- cluindo células dendríticas (ver adiante) e, talvez, pelo desenvolvimento de supressão específica ao doador da resposta imune do receptor. A deterioraão tardia do enxerto às vezes ocor- re e este tipo crônico de rejeição quase sempre pro- gride insidiosamente, apesar de aumentada a tera- pia de imunossupressão. Acredita-se ser devido, em grande parte, ao dano mediado por anticorpos. O quadro patológico difere daquele da rejeição agu- da. O endotélio arterial é primariamente envolvi- do, com proliferação extensa que pode, gradual- mente, ocluir o lúmen vascular, resultando em is- quemia e fibrose do enxerto. O papel dos anticorpos humorais na rejeição ao enxerto é evidente quando o receptor foi previamente sensibilizado (por gravidez, transfusão de sangue ou transplante anterior) aos antígenos HLA presentes no enxerto. O transplante, nestas circunstâncias, qua- se invariavelmente leva à rejeião hiperaguda me- diada por anticorpos, causando a destruição do en- xerto dentro de algumas horas ou, até mesmo, mi- nutos após a revascularização (ver COMPATIBILIDA- DE TECIDUAL, adiante). Esta reação de rejeição é ca- racterizada pela trombose dos pequenos vasos e o infarto do enxerto é indiferentea terapias conheci- das de imunosupressão. Os enxertos de fígado pare- cem ser menos suscetíveis a tal forma de rejeição hiperaguda mediada por anticorpos. O papel dos anticorpos humorais nas formas mais tardias de des- truição do enxerto também é importante, porém ain- da não está esclarecido. Um resultado similar ao da rejeição mediada por anticorpos usualmente ocorre quando o enxerto é trans- plantado desafiando a barreira dos grupos sangüíneos habitualmente respeitada nas transfusões de sangue. Desta forma, a avaliaão pré-transplante geralmente inclui a verificação da compatibilidade ABO entre doador e receptor e a existência de prova de reação cruzada negativa para anticorpos teciduais (ausência de reatividade significativa entre os leucócitos do do- ador e o soro do receptor in vitro), assim como a tipagem tecidual para a compatibilidade HLA. SISTEMA DE ANTÍGENO LINFOCÍTICO HUMANO É um grupo de antígenos teciduais governados por uma região cromossômica contendo um número de loci genéticos, cada um com alelos múltiplos, que possuem relevância para reações de rejei- ção de transplante e que marcam a prevalência de várias doenças. Os antígenos linfocíticos humanos (HLA) são encontrados, em diferentes concentrações, em vir- tualmente todas as células nucleadas. A resposta imunológica a estes antígenos é a principal da maio- ria dos episódios de rejeição a enxerto. O HLA é uma designação para antígenos que são produtos de um complexo de genes em vários loci intimamente ligados, coletivamente denomi- nados complexo de histocompatibilidade principal (MHC), localizado no cromossomo 6 (ver também Complexo de Histocompatibilidade Principal no Cap. 146). Os genes são alélicos; isto é, um núme- ro de formas diferentes de cada gene é encontrado na população; todos os alelos são co-dominantes. Pelas leis mendelianas, cada pessoa possui dois alelos para cada locus ou, possivelmente, um par de alelos idênticos (ver FIG. 149.1). Os antígenos são divididos em duas classes, com base na estrutura e função. A cadeia pesada dos antígenos de Classe I está codificada pelos genes nos loci HLA-A, B ou C. As moléculas de Classe I são polipeptídeos heterodiméricos que consistem da cadeia pesada ligada à molécula de β2-micro- globulina. Estes antígenos são encontrados na maio- ria das células nucleadas no organismo, assim como nas plaquetas e são homólogos aos antígenos de transplante detectados sorologicamente em outras espécies. Os antígenos de Classe II compreendem duas cadeias de polipeptídeos, ambas codificadas pelos genes dentro da região HLA-D. A rgião HLA- D é dividida em sub-regiões, cada qual com genes que codificam as cadeias α e β das diferentes mo- léculas de Classe II (HLA-DR, DQ e DP). Os antí- genos de Classe II são preferencialmente expres- sos nas células que apresentam antígenos, tais como os linfócitos B, macrófagos, células dendríticas e algumas células endoteliais. Eles são homólogos aos produtos genéticos de resposta imune (rI) de outras espécies. Devido ao fato dos alelos terem sido numerados antes que seus loci fossem identificados, aqueles nos loci A e B não estão numerados de modo con- secutivo. Desde 1975, o comitê da OMS para fato- res do sistema HLA estabeleceu designações acei- tas universalmente para os alelos individuais de cada loci (por exemplo, HLA-A1, HLA-B5, HLA- Cw1, HLA-DR1). No passado, os alelos provisóri- os eram designados como “w”. Entretanto, com os desenvolvimentos mais recentes na determinação da seqüência do DNA dos genes HLA, o “w” foi eliminado das especificidades mais sorológicas (o locus C mantém o “w” para distingui-lo de outros componentes). Os alelos definidos pelas seqüên- cias de DNA são denominados de modo que o gene seja identificado e cada alelo receba um número único que inclui a especificidade sorológica mais Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351056 CAPÍTULO 149 – TRANSPLANTES / 1057 intimamente aproximada (por exemplo, A*0201, DRB1*0103, DQA1*0102). Na reação de rejeição, os antígenos das Classes I e II induzem respostas diferentes. As células T, que respondem às Classes I e II, podem ser dife- renciadas não apenas funcionalmente, mas também pelos antígenos de diferenciação presentes na su- perfície das células T responsivas. Com o desenvol- vimento dos anticorpos monoclonais (anticorpos uniformemente idênticos produzidos por células hibridizadas) que reagem com estes antígenos de di- ferenciação, tais antígenos podem ser utilizados como marcadores para monitorar as subpopulações de células T na reação de rejeição. Os linfócitos reativos de Classe I expressam os antígenos CD8 freqüentemente associados às fun- ções efetora citotóxica e supressora celular. A ativi- dade de função de célula auxiliar comumente é de- sempenhada por células T, que expressam antígeno CD4, que caracteriza os linfócitos reativos com pro- dutos da Classe II. Desta forma, enquanto a maior parte da destruição imune da reação de rejeição pode estar direcionada aos antígenos de Classe I, tanto pelos anticorpos anti-HLA como pelos linfócitos efe- tores citotóxicos, os linfócitos que respondem a an- tígenos da Classe II parecem ser necessários para facilitar, ao máximo, a reação de rejeição. Entretanto, o HLA não existe apenas para ser alvo da resposta ao aloenxerto. Na resposta imune normal, as automoléculas de HLA ligam-se aos peptídeos estranhos e apresentam estes antígenos aos receptores específicos para antígenos nas célu- las T. Como as moléculas de HLA são altamente polimórficas, as moléculas de HLA alogênicas nas células de um órgão transplantado são reconheci- das pelo receptor da célula T não como auto-HLA, mas da mesma maneira que auto-HLA mais um peptídeo estranho. Somente a ligação do receptor do HLA do enxerto não inicia a resposta do aloen- xerto. Alguns tipos celulares específicos dentro do corpo parecem funcionar como células apresenta- doras de antígenos e liberar um segundo sinal para a célula T no momento da ligação do antígeno. Além disso, outras glicoproteínas da superfície celular, chamadas de integrinas, aderem às estruturas com- plementares da superfície celular para estabiliza- rem a ligação do receptor da célula T ao antígeno apresentado. As células dentríticas, uma população celular do tipo macrófago, parecem agir muito bem neste papel de apresentador do antígeno. A ativa- ção da célula T, após a ligação do receptor aos an- tígenos na célula T apresentadora, é uma cadeia complexa de eventos intracelulares que leva à trans- crição de vários genes anteriormente quiescentes FIGURA 149.1 – Esquema do complexo de histocompatibilidade principal (MHC) em seres humanos. Os genes alélicos em cada um dos loci determinam os antígenos da membrana celular. As células de cada indivíduo expressam dois antígenos para cada locus. Entretanto, devido à possibilidade da homozigosidade em um locus, ou à presença de alelos para os quais a sorotipagem não está disponível, a tipagem de tecido utilizando técnicas sorológicas pode falhar ao identificar todos os antígenos do HLA que um indivíduo possui. Um indíviduo pode ter até quatro genes DRB (dois em cada cromossomo); desta forma, pode haver até quatro antígenos DR diferentes numa superfície da célula. (Número de alelos possíveis em 1996.) MHC no cromossomo 6MHC no cromossomo 6MHC no cromossomo 6MHC no cromossomo 6MHC no cromossomo 6 Regio HLA-D (Classe II)Regio HLA-D (Classe II)Regio HLA-D (Classe II)Regio HLA-D (Classe II)Regio HLA-D (Classe II) Genes HLA de Classe IGenes HLA de Classe IGenes HLA de Classe IGenes HLA de Classe IGenes HLA de Classe I LOCI: DP DO DR B C A DPB DPA DOB DOA DRB DRA Alelos genticos: 77 10 31 18 216 2 186 42 83 determinar DPW3 DO2 DR1 B5 CW1 A1 Especificidades do DPW5 DO7 DR2 B39 CW2 A2 antgeno HLA etc. etc. DR52 etc. etc. etc. etc. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351057 1058 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA;DISTÚRBIOS ALÉRGICOS nas células T auxiliares antígeno-reativas CD4+ de Classe II. A produção de uma citocina, a interleu- cina-2 (IL-2) e sua expressão na superfície da cé- lula auxiliar é fundamental no processo de ativa- ção. A IL-2 atua de forma autócrina/parácrina para estimular a proliferação da célula T. As células T auxiliares ativadas também produzem uma série de outras linfocinas; elas promovem uma cascata de eventos que resulta em mecanismos efetores de des- truição do enxerto. Associaões de antígenos das Classes I e II não relacionadas ao transplante – Estão aumentando as evidências de que os genes que codificam para estes antígenos (e outros genes do MHC intimamente ligados) são importantes para a função imune geral e saúde do indivíduo. Vários componentes do com- plemento e Fator B da properdina são governados por genes ligados ao MHC. Também, antígenos HLA-específicos apresentam uma associação esta- tística com diversas doenças presumivelmente auto- imunes e com neoplasias de células linfóides, em- bora o significado patogenético destas associações seja desconhecido. Por exemplo, a incidência de psoríase aumenta à medida que está associada a B13 e B17, mas diminui com B12. A espondilite anqui- losante e a síndrome de Reiter apresentam acentua- da correlação positiva com o genótipo B27. Os genótipos DR3 e DR4 parecem ter associação posi- tiva com o diabetes melito Tipo I; DR2, com escle- rose múltipla e DR4, com artrite reumatóide. Con- trariamente, indivíduos com linfomas malignos pa- recem ter acentuada redução na incidência de A11. Possivelmente ainda mais intrigante em termos de transplante seja a associação descrita do DR6 com um gene de resposta imune, que controla a intensi- dade da rejeição aos enxertos renais. COMPATIBILIDADE TECIDUAL É o grau de similaridade dos antígenos teciduais ge- neticamente determinados do doador e do receptor. A tipagem de histocompatibilidade (ou teci- dual) dos linfócitos presentes no sangue periféri- co ou nos linfonodos é realizada antes do trans- plante, em muitos centros, para identificar o HLA sorologicamente e, pela seleção de um doador apro- priado, minimizar as diferenças antigênicas entre doador e receptor. A combinação de HLA tem me- lhorado de, modo significativo, a sobrevida funcio- nal de transplantes entre indivíduos relacionados. Os resultados entre indivíduos não relacionados tam- bém mostra correlação com o grau de compatibili- dade do HLA, embora com menos clareza, uma vez que as diferenças no complexo de histocom- patibilidade numa população não singênica intro- duz muito mais variáveis. Nos grandes estudos multicêntricos de transplan- te renal, o grau de compatibilidade do HLA é um dos muitos fatores que se correlaciona com a so- brevida do enxerto do doador-cadáver, especialmen- te quando a sobrevida é avaliada em longos inter- valos após o transplante. Ao contrário, em várias séries realizadas em al- guns centros, o papel da compatibilidade do HLA não é grande. Portanto, a prática nos EUA é dividir os rins de cadáveres por todo o país apenas se hou- ver total compatibilidade de HLA com um prová- vel doador. Do contrário, os órgãos são transplan- tados em um receptor da mesma região do doador. A tipagem do HLA no transplante de coração, fí- gado, pâncreas e pulmão não tem sido avaliada extensivamente, pois estes órgãos necessitam ser transplantados rapidamente, antes da tipagem teci- dual poder ser realizada. No transplante de cora- ção e pâncreas, a sobrevida do enxerto parece estar correlacionada com a compatibilidade do HLA. Em particular, a compatibilidade do antígeno da Clas- se II parece levar, a longo prazo, a uma melhor so- brevida do enxerto. A detecão de pré-sensibilizaão específica do potencial receptor contra antígenos do doador é muito importante para determinar se o transplante deve ou não ser feito. A pré-sensibilização mais comumente resulta de exposição anterior a antígenos de doado- res por meio de transfusões sangüíneas, transplan- tes prévios ou gestações; ela é avaliada por um teste linfocitotóxico entre o soro do receptor e linfócitos do doador na presença de complemento. Outras téc- nicas também estão disponíveis. A prova de reação cruzada positiva usualmente indica anticorpos no soro do receptor dirigidos contra os antígenos da Classe I do doador. Isto é, geralmente, uma contra- indicação ao transplante, porque a rejeição hiperaguda é comum. O risco/benefício das transfusões de sangue em pacientes de diálise, com relação ao transplante de rim, é controverso. As transfusões em pacientes com insuficiência renal em estágio terminal podem sensibilizá-los ao transplante renal potencial. No entanto, a sobrevida do aloenxerto melhorou nos receptores que receberam transfusões e que não se sensibilizaram. Algumas formas alteradas (por exem- plo, supressão) da responsividade imune pareciam ser induzidas pelas transfusões. Com o uso da ci- closporina (ver adiante), o efeito benéfico das trans- fusões pré-transplante parecem ser bastante reduzi- dos. Devido ao risco da transmissão de doenças in- fecciosas (por exemplo, hepatite e HIV – ver TRANS- MISSÃO DE DOENÇAS VIRAIS no Cap. 129) e a dis- ponibilidade de eritropoietina biossintética, muitos centros não insistem, como rotina, na transfusão pré- transplante dos receptores de órgãos. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351058 CAPÍTULO 149 – TRANSPLANTES / 1059 IMUNOSSUPRESSÃO Exceto com isoenxertos, a terapia imunossupres- sora raramente pode ser interrompida por comple- to após o transplante. Entretanto, a terapia imunos- supressora intensiva é usualmente necessária ape- nas durante as primeiras semanas após o transplante ou durante uma crise de rejeição. Subseqüentemen- te, o enxerto parece tornar-se acomodado e pode ser mantido com doses relativamente pequenas de imunossupressores e menos efeitos adversos. Drogas imunossupressoras As drogas imunossupressoras são utilizadas para controlar a reação de rejeição e são prima- riamente responsáveis pelo sucesso do transplan- te. Entretanto, estas drogas suprimem todas as rea- ções imunológicas, fazendo, assim, a superin- fecção ser a causa principal de morte nos recepto- res de transplantes. Prednisona (IV), um corticosteróide, geralmen- te é administrada em altas doses (2 a 20 mg/kg) no momento do transplante e, então, reduzida grada- tivamente até alcançar uma dose de manutenção de 0,2mg/kg ao dia, indefinidamente. Vários me- ses após o transplante, a droga pode ser adminis- trada em dias alternados, para reduzir os efeitos colaterais, o que é particularmente importante em crianças na fase de crescimento. A interrupção da prednisona pode ser possível em alguns regimes que utilizam várias drogas, mas esta conduta au- menta discretamente o risco de rejeição. Se esta ocorrer, a dose é aumentada, com rapidez, inde- pendentemente dos efeitos colaterais. Azatioprina, um antimetabólito, é usualmente administrada no momento do transplante. As dosa- gens oral ou IV de 1,0 a 2,5mg/kg ao dia são tole- radas por tempo indefinido. Os efeitos tóxicos pri- mários são depressão da medula óssea e hepatite (rara). Com o advento da ciclosporina, muitos cen- tros de transplante utilizam juntas azatioprina e bai- xas doses de ciclosporina. Ciclofosfamida, um agente alquilante, é usada em pacientes que não toleram a azatioprina. Doses equivalentes são aparentemente iguais em atividade imunossupressora. A ciclofosfamida também é uti- lizada, em doses muito maiores, como uma das dro- gas imunossupressoras primárias no transplante de medula óssea. A toxicidade grave é comum, com cistite hemorrágica, alopecia e infertilidade. Ciclosporina, um metabólito derivado de fun- gos, ultimamente tem sido usada como a imu- nossupressora primária no lugar das drogas antimetabólicas, durante as duas últimas déca- das. Ao contrário destas, a ciclosporinapoupa a medula óssea, atuando mais seletivamente para inibir proliferação e ativação das células T. O mecanismo molecular exato de sua ação é des- conhecido. Embora a ciclosporina possa ser utilizada sozi- nha, ela é usualmente administrada com outras dro- gas, tais como a azatioprina e prednisona, permi- tindo rápida redução da dosagem de corticosterói- de. As doses iniciais de ciclosporina variam de 6 a 12mg/kg ao dia, VO, reduzida imediatamente após o transplante para uma dose de manutenção de 3 a 5mg/kg ao dia. Contrabalançando à eficácia da ciclosporina, está a sua considerável toxicidade. Nefrotoxicidade, hepatotoxicidade, hipertensão refratária, aumento da incidência de neoplasias e vários efeitos colate- rais menos graves (por exemplo, hipertrofia gengi- val e hirsutismo podem ocorrer). Os linfomas de células B e os distúrbios linfoproliferativos policlo- nais de célula B estão relacionados à ativação do vírus Epstein-Barr (EBV) e foram observados mais freqüentemente em pacientes que recebem altas doses de ciclosporina ou combinações da mesma com outros imunossupressores direcionados con- tra as células T. A nefrotoxicidade é uma preocu- pação especial. A ciclosporina parece causar va- soconstrição das arteríolas pré-glomerulares afe- rentes, levando, por fim, à mionecrose e hipoper- fusão glomerular refratária. O uso prolongado da ciclosporina pode levar à insuficiência renal crô- nica irreversível. Embora o nível sangüíneo da ci- closporina seja facilmente mensurável, não existe um meio adequado para se determinar a dose te- rapêutica eficaz necessária para um determinado paciente. Além disso, os níveis sangüíneos da ci- closporina não se correlacionam, confiavelmente, com seus efeitos tóxicos. Tacrolimus é uma droga imunossupressora para receptores de transplante de fígado. É um subproduto liberado no crescimento de uma cul- tura de microrganismo (Streptomyces tsukubaen- sis). Seus efeitos colaterais são similares aos da ciclosporina, apesar de hipertrofia gengival e hir- sutismo serem menos proeminentes. Também pode induzir diabetes. O tratamento pode ser ini- ciado no momento do transplante ou depois, podendo-se administrar nas formas IV ou VO. A dosagem usualmente começa com 0,15 a 0,30mg/kg ao dia, quando administrada oralmen- te e 0,05 a 0,1mg/k ao dia, quando administrada IV. A regulação da dosagem é auxiliada por tes- tes periódicos de níveis sangüíneos e o conheci- mento das interações indesejáveis com drogas é essencial. Tacrolimus pode ser útil para pacien- tes nos quais a ciclosporina provou ser excessi- vamente tóxica ou ineficaz. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351059 1060 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS Outras terapias imunossupressoras As tentativas para se obter imunossupressão mais seletiva incluem o uso de anti-soro humano para linfócitos humanos ou células do timo, num esfor- ço de suprimir a imunidade celular enquanto deixa a resposta imunológica humoral do receptor intacta. Os anticorpos monoclonais e a irradiação também são usados. As terapias imunossupressoras em de- senvolvimento incluem agentes químicos de vários tipos e substâncias biologicamente produzidas, tais como anticorpos selecionados por suas proprieda- des especiais. A globulina antilinfocitária (ALG) e globuli- na antitimocítica (ATG) são adjuntos úteis, per- mitindo que outros imunossupressores sejam usa- dos em doses menores, menos tóxicas. O uso de ALG e ATG no momento do transplante pode ser benéfico devido à incidência diminuída de rejei- ção; além disso, seu uso permite retardo no início da terapia com ciclosporina e sua toxicidade. O uso de ALG ou ATG no controle de episódios de rejei- ção estabelecida tem levado, nitidamente, ao au- mento das taxas de sobrevida dos enxertos. As pos- síveis reaões adversas aos soros heterológicos in- cluem as relações anafiláticas, a doença do soro ou a glomerulonefrite induzida por complexos antí- geno-anticorpo. O uso de frações do soro altamen- te purificadas, administradas IV e associadas a ou- tros agentes imunossupressores, tem reduzido muito a incidência destas reações. Os anticorpos monoclonais contrários às célu- las T fornecem uma concentração muito maior de moléculas de anticorpos especificamente reativos e uma quantidade menor de proteínas séricas, quan- tidade esta irrelevante em comparação àquela obti- da nas frações antiglobulínicas policlonais. O anti- corpo murino monoclonal OKT3 pode reverter a rejeição. Este anticorpo monoclonal liga-se ao com- plexo antígeno-receptor da célula T (RCT/CD3), levando inicialmente à ativação inespecífica da cé- lula T e a uma síndrome clínica proeminente pro- vocada pela subseqüente liberação de citocina, ca- racterizada por febres, calafrios, mialgia, artralgia e irritação do SNC e GI. Subseqüentemente, o OKT3 bloqueia a ligação do RCT ao antígeno e resulta na modulação de todo o complexo RCT/ CD3 da superfície da célula T. No momento de um episódio agudo de rejeição, administram-se 5mg ao dia de OKT3, IV, por 10 a 14 dias. O OKT3 também tem sido utilizado no momento do trans- plante; da mesma forma que a ALG, parece retar- dar o início e reduzir a incidência dos episódios de rejeição. Entretanto, os benefícios obtidos pela profilaxia com este agente devem ser pesados con- tra seus efeitos colaterais tóxicos, o risco de superimunossupressão e o risco do paciente desen- volver anticorpos neutralizantes contra o anticor- po monoclonal heterólogo que seria ineficaz, quan- do necessário posteriormente, no tratamento de um episódio de rejeição. Tal como nas altas doses de ciclosporina, tem-se observado maior incidência de doenças linfoproliferativas de células B induzidas por EBV com o uso repetido de OKT3. Como o papel das diferentes subpopulações de células T na reação de rejeição é melhor conheci- do, o uso de anticorpos monoclonais reativos com subpopulações específicas poderá permitir uma seletividade ainda maior durante a imunossupres- são. Por exemplo, as experiências clínicas com an- ticorpos monoclonais que reagem com antígenos presentes apenas nas células T ativadas (poucas células T que não participam da reação de rejei- ção) estão em andamento. A irradiaão para imunossupressão é de uso li- mitado nos transplantes. Em algumas ocasiões, o enxerto e os tecidos que os circundam no receptor são irradiados, como medida profilática imunos- supressora adjuvante ou durante tratamento de re- jeição já estabelecida. A dose total (usualmente 4 a 6 Gy) situa-se em níveis abaixo do limiar que po- deria provocar lesões graves por irradiação no pró- prio enxerto. No tratamento da leucemia refratária, a irradiação corpórea total em doses de 12Gy, as- sociada à quimioterapia, destrói a capacidade imunológica do hospedeiro (e células leucêmicas residuais). Tal irradiação é seguida por um enxerto de medula óssea. O interesse pela terapia de irradiação foi reno- vado devido à seguinte observação: tratamento di- recionado (com blindagens adequadas, semelhan- tes àquelas utilizadas para o tratamento da doença de Hodgkin) contra todos os centros linfóides (irradiaão linfática total) parece induzir uma pro- funda, porém relativamente segura, supressão da imunidade celular. Isto pode ser mediado, de iní- cio, pelas células T supressoras, que podem ser de- tectadas após a irradiação linfática total. Em alguns pacientes, tem-se observado deleção clonal poste- rior das células que reagem específicamente com o antígeno. A aplicação desta técnica aos transplan- tes é promissora, porém experimental. Tolerância imunológica Algum grau de tolerância parece ser atingido com os regimes imunossupressores não específi- cos utilizados atualmente. Entretanto, os biologis- tas que estudam a transplantação esperam fornecer uma supressão seletiva, específica da resposta do receptor somente para os antígenos estranhos pre- Merck_12.p65=02/02/01, 15:351060 CAPÍTULO 149 – TRANSPLANTES / 1061 sentes no enxerto, possibilitando, assim, a interrup- ção das drogas imunossupressoras inespecíficas. Nos animais, tal tolerância aos antígenos encontrada no período neonatal, quando o sistema imunológi- co ainda está amadurecendo, tem sido relativamente fácil de se atingir; entretanto, os animais adultos têm sido, a maior parte do tempo, refratários à in- dução de tolerância específica ao antígeno. Nos ani- mais adultos, a indução de tolerância a antígenos estranhos tem sido obtida pela seleção cuidadosa de uma séria de condições (por exemplo, dose do antígeno, via de administração e emprego de ou- tros agentes imunossupressores, durante períodos curtos de tempo, em doses tóxicas). Métodos cada vez mais confiáveis para produzir uma não respon- sividade específica ao antígeno estão sendo projeta- dos para o transplante clínico e podem atingir ex- periências clínicas no futuro. TRANSPLANTE DE RIM Todos os pacientes com insuficiência renal ter- minal devem (ver Cap. 222) ser considerados para transplante, exceto aqueles em condições de de- senvolver outra doença de alto risco. O transplan- te de rim atualmente é comum: para todas as crian- ças com mais de 6 meses de idade com insufi- ciência renal, o transplante é o tratamento de es- colha. Um transplante bem-sucedido não apenas liberta o paciente da diálise por toda a vida, como também fornece ao rim outras funções metabóli- cas (por exemplo, estimulação eritropoiética e homeostasia de cálcio). A sobrevida do paciente um ano após o trans- plante de um doador vivo relacionado é > 95%, com aproximadamente 90% dos enxertos funcionantes. Subseqüentemente, observa-se uma perda anual de enxerto de 3 a 5%, inclusive devido à morte dos pacientes. A taxa de sobrevida do paciente após um ano de transplante de doador cadáver é de aproxi- madamente 90% e a sobrevida do enxerto varia entre 70 e 90%, em vários centros. Nos anos se- guintes, cerca de 5 a 8% dos enxertos são perdidos anualmente. Vários receptores de transplantes re- nais atualmente possuem enxertos funcionantes por > 30 anos. Embora o transplante em pacientes com idade > 55 anos fosse considerado como sendo de risco inaceitável, o uso de drogas imunossupresso- ras e a monitoração imunológica intensa permi- tem um aloenxerto em pacientes selecionados na sétima década de vida e até além disso. Seleão do doador e preservaão do enxer- to – Os aloenxertos renais são obtidos de parentes vivos, ou de doadores cadáveres, excluindo-se aque- les com antecedentes de hipertensão, diabetes ou doenças malignas (exceto, possivelmente, aqueles com neoplasias que se originam no SNC). Os doa- dores vivos potenciais também são avaliados em relação à estabilidade emocional, função renal nor- mal bilateral, ausência de outras doenças sistêmi- cas e histocompatibilidade. Um doador vivo, cons- ciente de estar perdendo sua capacidade renal de reserva, pode desenvolver conflitos psicológicos graves e apresentar um certo grau de morbidade de- corrente da nefrectomia; ainda assim, o prognós- tico significativamente aumentado, a longo prazo, para um receptor de enxertos bem-selecionados, jus- tifica a escolha de um doador relacionado. Aproximadamente dois terços dos transplantes renais são de doadores cadáveres que eram pes- soas previamente sadias e apresentaram morte ce- rebral, porém com funções cardiovascular e renal mantidas estáveis. Após a morte cerebral, os rins são removidos o mais rápido possível e resfria- dos por perfusão. Para simples estocagem hipotérmica, são utilizadas soluções resfriadoras especiais contendo substâncias pouco permeáveis (por exemplo, manitol ou hetamido) e concentra- ções de eletrólitos que se aproximam dos níveis intracelulares para a perfusão rápida do rim, que é então mantido em solução com gelo. Os rins pre- servados por este método comumente apresentam boa função, se forem transplantados dentro de 48h. Usando-se técnicas mais complexas de perfusão hipotérmica pulsátil contínua, que utilizam um perfusado oxigenado baseado no plasma, os rins têm sido transplantados, com êxito, após perfu- são ex-vivo de até 72h. Preparo pré-transplante e procedimento de transplante – O preparo pré-transplante inclui a hemodiálise, objetivando assegurar um estado me- tabólico relativamente normal e trato urinário in- ferior funcional e livre de infecções. Podem ser necessárias a reconstrução vesical, nefrectomia de rins infectados ou construção de uma alça ileal para drenagem do aloenxerto. O transplante de rim costuma ser posicionado retroperitonealmente na fossa ilíaca. As anastomoses vasculares são feitas até os vasos ilíacos e a continuidade uretral é es- tabelecida. Tratamento de rejeião – Apesar da profila- xia com imunossupressores começar exatamente antes ou no momento do transplante, a maioria dos receptores é submetida a um ou mais episó- dios de rejeição aguda no período pós-transplante imediato. A rejeição é sugerida por deterioração da função renal, hipertensão, aumento de peso e sensibilidade e aumento de volume do enxerto, febre e sedimento urinário com proteínas, linfó- citos e células tubulares renais. Se o diagnóstico não for claro, realiza-se uma biópsia percutânea Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351061 1062 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS com agulha para avaliação histopatológica do teci- do. Às vezes, nos receptores tratados com ciclos- porina, torna-se difícil diferenciar entre nefro- toxicidade induzida por esta droga e rejeição mes- mo com o auxílio da biópsia. A rejeição, geralmente é revertida pela intensificação da imunossupressão. Se ela não puder ser revertida, a terapia de imu- nossupressão é suspensa e o paciente retorna à he- modiálise, para aguardar um novo transplante. A nefrectomia do rim transplantado é necessária se houver hematúria, sensibilidade do enxerto ou febre resultante da resposta de rejeição com a reti- rada dos imunossupressores. A maioria dos episódios de rejeição e de outras complicações (ver adiante) ocorre entre o 3… e o 4… meses após o transplante; a maior parte dos pacien- tes retorna às condições de saúde e atividades mais próximas do normal. Entretanto, a menos que a to- xicidade ou infecção grave ocorram, os imunossu- pressores devem ser mantidos, uma vez que sua interrupção, mesmo breve, pode precipitar uma cri- se de rejeição. Complicaões – Alguns pacientes desenvolvem rejeição crônica irreversível do enxerto. Outras complicações tardias incluem toxicidade por dro- gas, recidiva da doença renal de base, efeitos cola- terais da prednisona e infecções. Além disso, a in- cidência de neoplasias em receptores de aloen- xertos é aumentada. O risco de ocorrência de car- cinoma epitelial é 10 a 15 vezes maior que na po- pulação normal; em relação aos linfomas, este risco é 30 vezes maior. O tratamento destas neo- plasias é semelhante àquele adotado em pacientes com câncer e não imunossuprimidos. Geralmente, a redução ou a interrupção da imunossupressão não são necessárias em pacientes com epitelioma de cé- lulas escamosas, porém são recomendadas nos ca- sos de tumores mais agressivos e nos linfomas. Os linfomas de células B associados ao vírus Epstein- Barr tornaram-se muito mais freqüentes nos indiví- duos transplantados, nos últimos anos. Embora te- nham sido postuladas associações individuais com o uso de ciclosporina e com os protocolos que utili- zam ALG ou OKT3, a correlação mais provável é com o grau de imunossupressão geral obtido com agentes imunossupressores mais potentes. TRANSPLANTE DE FÍGADO O transplante de fígado é necessário para dis- função hepática terminal. As taxas de sobrevida melhoraram muito com os avanços nas técnicas cirúrgicas, o uso da ciclosporina e melhor seleção do paciente. As taxas de sobrevida de um ano au- mentaram de 30 para 80 ou 85%, dependendodo estado pré-operatório dos pacientes. Os óbitos tar- dios têm sido raros e, com freqüência, foram atri- buídos a doenças recidivantes (por exemplo, cân- cer, hepatite) ao invés de dificuldades pós-transplan- te. Um número crescente de pacientes possui, hoje, aloenxertos funcionantes há mais de 2 décadas. Os receptores de transplante bem-sucedido podem retornar às atividades social e de trabalho normais. O advento da ciclosporina permitiu a redução pre- coce da dosagem de corticosteróide, resultando em melhor cicatrização pós-operatória e maior resistên- cia à superinfecção. Com resultados melhores, mais pacientes estão sendo aceitos para transplante antes de atingirem um estágio debilitante terminal. Se um enxerto falhar, o retransplante de fígado é impossí- vel. No momento atual, 5 a 15% dos pacientes de transplante de fígado que morreram receberam se- gundos transplantes, com taxa de sucesso > 60%. As taxas de sucesso melhoradas devem-se não ape- nas à ciclosporina, mas também a muitos detalhes do tratamento do paciente. As indicaões para o transplante de fígado têm sido principalmente as doenças que causam insufi- ciência hepática crônica. Na insuficiência hepáti- ca aguda, o prognóstico é difícil de ser estabeleci- do; o tempo para se obter um doador adequado é freqüentemente insuficiente e o risco de infecção viral recorrente no fígado transplantado é substan- cial. Isto é encontrado em muitas intoxicações, por exemplo, por acetaminofeno. Não obstante, se hou- ver possibilidade de se procurar um fígado a tem- po, o transplante poderá salvar pacientes com in- suficiência hepática aguda e fulminante, mesmo após o início de coma hepático. A hepatite crônica em estágio final e a cirrose biliar são as indicações mais freqüentes para trans- plante de fígado em adultos, como o são atresia e deficiências metabólicas inatas na criança. Os pa- cientes com neoplasia hepática primária apresen- tam um prognóstico relativamente ruim; o tumor freqüentemente recorre após o transplante no pa- ciente imunossuprimido, levando à sobrevida de 1 ano de apenas 20%. Entretanto, se o carcinoma he- pático, especialmente o tipo fibrolamelar, for con- finado ao fígado, resulta uma sobrevida de longo prazo sem tumor. Seleão de doadores – Os doadores cadavéri- cos de fígado devem ter sido indivíduos saudá- veis e apresentar compatibilidade com o receptor em relação ao tamanho corpóreo e ao sistema ABO. Os antecedentes de disfunção hepática, hi- potensão com suporte vasopressor prolongado ou evidência de isquemia ou danos hepáticos sugeri- dos pela elevação de enzimas hepáticas excluem a utilização do órgão. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351062 CAPÍTULO 149 – TRANSPLANTES / 1063 Preservaão do fígado e procedimentos para o transplante – Os métodos para a preservação hepática extracorpórea durante longos períodos não estão disponíveis; os fígados são mantidos em so- luções geladas, geralmente por 8 a 16h após a sua remoção. Alguns enxertos armazenados por > 24h são transplantados com sucesso, mas a incidência de não função do enxerto aumenta com o arma- zenamento prolongado. A tipagem tecidual e a pro- va de reação cruzada, em geral são realizadas re- trospectivamente. A fase mais trabalhosa do pro- cedimento de transplante é a hepatectomia do re- ceptor, que pode, ocasionalmente, resultar em per- da intra-operatória de sangue > 20U e freqüente- mente é realizada em pacientes com hipertensão portal e após cirurgia hepatobiliar prévia. As ne- cessidades da transfusão nos receptores adultos de transplante de fígado são quase sempre inferiores a 8 a 10 unidades. Para completar o transplante, são necessárias cinco anastomoses: das veias ca- vas supra e intra-hepática, da veia porta, da artéria hepática e do ducto biliar. A localização heterotópica do fígado, proporcionando um fígado auxiliar, eli- mina uma série de dificuldades técnicas. Entretanto, como os resultados foram desencorajadores, a téc- nica tem sido utilizada apenas experimentalmente. Devido às dificuldades de se conseguir doadores com estaturas compatíveis, no caso de receptores pediá- tricos, os enxertos de tamanho reduzido consistin- do de segmento de um fígado adulto estão sendo utilizados; os resultados parecem ser equivalentes aos dos enxertos pediátricos de tamanho total. O transplante de segmento lateral esquerdo de um fí- gado dos pais para a criança também tem sido rea- lizado com sucesso, mas o papel final dos parentes vivos como doadores espera avaliação. Tratamento da rejeião – Surpreendentemen- te, os aloenxertos de fígado são rejeitados menos agressivamente que os aloenxertos de outros órgãos. Por exemplo, a rejeição hiperaguda de um trans- plante de fígado não ocorre invariavelmente em pacientes que foram pré-sensibilizados aos antíge- nos HLA ou incompatíveis pelo grupo ABO. As razões para isto são desconhecidas. Entretanto, quando ou rejeição aguda fulminante ou rejeição crônica forem refratárias à terapia imunossupres- sora, o retransplante é o tratamento. A síndrome do ducto biliar definhante, caracterizada por co- lestase intra-hepática com função hepatocelular pre- servada é um padrão de rejeição crônica. O tratamento imunossupressor típico do pacien- te adulto consiste na administração da ciclospori- na IV, na dose de 4 a 6mg/kg ao dia, iniciado no momento do transplante e, a seguir, quando a die- ta for reinstituída, a ciclosporina passa a ser ad- ministrada VO, na dose de 8 a 14mg/kg ao dia. Com a ocorrência de disfunção renal, as doses de- vem ser reajustadas para baixo e os níveis sangüí- neos são utilizados como medidas aproximadas da dosagem adequada. As crianças freqüentemente ne- cessitam de doses mais altas para manter níveis sangüíneos adequados. Se for utilizada a drenagem biliar via tubo T no pós-operatório, doses maiores de ciclosporina poderão ser necessárias, devido à perda da mesma através da bile. Habitualmente, me- tilprednisolona IV ou prednisona VO são iniciadas na dose de 10mg/kg ao dia e, a seguir, reduzidas gradativamente até a obtenção de uma dose de ma- nutenção de 0,2mg/kg ao dia. A azatioprina 1 a 2mg/kg ao dia VO ou IV também é utilizada al- gumas vezes. Os episódios leves de rejeição aguda costumam ser autolimitados. Suspeita-se de rejeição se houver o desenvolvimento de hepatomegalia, se as fezes ou a bile se tornarem descoradas (observadas no tubo T de drenagem biliar) ou se ocorrerem sintomas de anorexia, dor no hipocôndrio direito e febre. A icte- rícia e a elevação dos níveis séricos de enzimas he- páticas são achados corroborativos para o diagnós- tico. A biópsia por agulha pode fornecer a confirma- ção patológica. Os episódios suspeitos de rejeição são tratados, por via IV, com corticosteróides, glo- bulina antitimocítica (ATG) ou com anticorpos mo- noclonais. Uma variedade de complicações deve ser esperada, inclusive aquelas atribuíveis à operação complexa em si, além da rejeição e as conseqüên- cias das tentativas de controlá-la. TRANSPLANTE DE CORAÇÃO Estudos recentes de transplantes de coração têm demonstrado resultados com taxas de sobrevida a longo prazo e grau de reabilitação semelhantes àqueles observados nos pacientes que recebem aloenxertos renais de doadores cadáveres, levando ao uso crescente do transplante para tratar doenças cardíacas em estágio final. A reabilitação dos receptores de transplante cardíaco que sobrevivem por > 1 ano é excelente; > 95% destes pacientes atingem a Classe I de condição cardíaca, definida pela “New York Heart Association” (Associação Cardíaca de Nova York) e > 70% retomam suas atividades normais de trabalho. As indicaões mais comuns são as miocardio- patias, as coronariopatias em estágio final e a inca- pacidade de ser mantido a partir de recursos auxi- liares cardíacos após infarto do miocárdio ou ci- rurgia cardíaca sem transplante. Os critérios de se- leãodo receptor são rigorosos; aproximadamen- te um quarto dos pacientes considerados adequa- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351063 1064 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS dos para o transplante falece em decorrência de sua cardiopatia antes que ocorra a disponibilidade de um doador adequado. Recursos auxiliares para o ventrículo esquerdo e corações artificiais podem ser utilizados, como apoio, neste intervalo de tem- po. A avaliaão do doador inclui a avaliação da função cardíaca, do estado pulmonar, do tamanho adequado do órgão e da compatibilidade do gru- po sangüíneo ABO. Os doadores de coração são preservados por armazenamento hipotérmico sim- ples. O tempo isquêmico total é mantido < 4 a 6h, desta forma excluindo consecução em hospitais distantes. Procedimento de transplante – O coração é transplantado em posição ortotópica com anasto- moses aórtica, nas artérias e veias pulmonares. O retorno venoso é fornecido por uma única anasto- mose, que faz a ligação entre a parede posterior conservada e o átrio direito do receptor para aque- le do órgão do doador. Tratamento da rejeião – Os esquemas imu- nossupressores são semelhantes aos utilizados no transplante de rim ou fígado. A sobrevida atuarial de 1 ano é de aproximadamente 80% para os pa- cientes que recebem ciclosporina, até 60% para os que utilizam a azatioprina. A rejeição no período pós-operatório inicial também tem sido reduzida; aproximadamente 40% dos pacientes não apresen- taram rejeição comparados a < 10% dos que rece- bem azatioprina. O início da rejeição pode ser prenunciado pelo aparecimento de febre, mal-estar, taquicardia, hi- potensão e insuficiência cardíaca predominante do lado direito do coração. As arritmias são comuns nos episódios mais graves de rejeição. Nos casos mais leves, a rejeição pode ser sugerida apenas por achados de biópsia. Com o uso de ciclosporina, a biópsia endomiocárdica transvenosa protocolar de rotina tem sido utilizada cada vez mais para diagnosticar rejeição, pois outros sinais e sintomas que estão freqüentemente ausentes e a rejeição po- dem ser detectados antes da função do enxerto se deteriorar. A rejeição é tratada com corticosterói- des e, se necessário, com ATG ou OKT3. A rejei- ção leve, por um critério histológico sem seqüelas clínicas detectáveis, não necessita de tratamento. Complicaões – A infecão é responsável por mais da metade de todos os óbitos após o trans- plante cardíaco; outras causas importantes são re- jeição, arteriosclerose da artéria coronária do en- xerto e neoplasias malignas, cada qual colaboran- do com 5 a 20% dos óbitos. A arteriosclerose ace- lerada do enxerto ocorre como seqüela em cerca de 25% de todos os transplantes cardíacos bem- sucedidos. Isto pode ser também resultado de re- jeição indolente, crônica humoralmente mediada. Parece que a ciclosporina, que aumenta intensamente a incidência de hipertensão pós-transplante, pode exarcebar a aterosclerose coronária no enxerto, tal- vez pela toxicidade direta à vasculatura coronária, semelhante àquela observada no rim. Suspeitou-se de uma incidência aumentada de aterosclerose co- ronária do enxerto em pacientes acometidos por in- fecções por citomegalovírus após o transplante, su- gerindo que uma resposta imune aos antígenos vi- rais possa estar envolvida no desenvolvimento des- sa complicação tardia devastadora. TRANSPLANTE DE PULMÃO E DE PULMÃO/CORAÇÃO O transplante de pulmão apresenta problemas especiais devido ao risco de infecções devastado- ras num órgão transplantado que está continuamen- te exposto ao ar ambiente não estéril e dependente do mecanismo de tosse, o qual é interrompido pelo transplante. A sobrevida de 1 ano dos receptores de transplante de pulmão é de cerca de 70% em uma população de pacientes que essencialmente não possui chance de sobrevivência sem o transplante. A taxa de sobrevida a longo prazo após o trans- plante de pulmão não está completamente estabe- lecida, porém a incidência de perda de enxerto tar- dia após o transplante parece ser menor do que aquela dos outros aloenxertos de órgãos. A rea- bilitação funcional é boa; a maioria dos receptores reassume as suas atividades diárias. A capacidade de fazer exercícios é levemente limitada devido a uma resposta hiperventilatória. As opções para um transplante de pulmão são transplante de pulmão único, duplo ou combina- ção de coração/pulmão. O primeiro tem sido feito com maior freqüência. As vantagens do transplan- te duplo de pulmão e coração-pulmão são a remo- ção de todo o tecido potencialmente doente do tórax e para o transplante de coração-pulmão, uma cicatrização mais dependente da anastomose tra- queal devido à presença de colaterais coronário- brônquicos dentro do bloqueio coração/pulmão. As desvantagens são a natureza mais extensa das operações, com a reposição de coração/pulmão que necessita de desvio cardiopulmonar, a íntima compatibilidade necessária para o tamanho torá- cico, a utilização de 2 ou 3 órgãos do doador para um receptor e, em alguns casos, a substituição de um coração normal por um que pode desenvolver disfunção pós-transplante. As indicaões para o transplante de coração/pulmão são a doença vas- cular pulmonar ou a doença pulmonar parenqui- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351064 CAPÍTULO 149 – TRANSPLANTES / 1065 matosa difusa, na qual é indicada a remoção de todo o tecido pulmonar (por exemplo, certos ca- sos de fibrose cística). Quando não houver nenhu- ma anormalidade intrínseca ou secundária, o co- ração natural do receptor de transplante de cora- ção/pulmão poderá ser um órgão de doação para transplante cardíaco. Um transplante pulmonar único é mais clara- mente indicado para pacientes com doença pulmo- nar restritiva. As vantagens são a simplicidade rela- tiva do procedimento cirúrgico, que evita anticoa- gulação sistêmica e “bypass” cardiopulmonar; maior variação aceitável para a compatibilidade de tama- nho entre doador e receptor e uma ótima utilização de órgãos com o coração (e o pulmão contralateral) que fica disponível para outros receptores. As des- vantagens incluem a possibilidade de incompatibi- lidade na ventilação/perfusão entre os pulmões ori- ginais e os transplantados e a má cicatrização da anastomose brônquica. O envolvimento da anasto- mose brônquica com o omento tem melhorado, mas não eliminado, este último problema. Um transplante pulmonar duplo remove todo o tecido pulmonar doente e teoricamente é aplicá- vel em todos os pacientes que não apresentam ne- nhuma anormalidade cardíaca irreversível. Entre- tanto, a divisão das artérias brônquicas e as colate- rais broncocoronárias do doador torna a cicatriza- ção traqueal muito problemática. Seleão do doador e preservaão – Os doadoes cadáveres de pulmões devem ter sido previamente não fumantes com < 40 anos de idade. Deveria ha- ver uma evidência mínima de consolidação na ra- diografia de tórax e a oxigenação auxiliada por ven- tilador deve ser normal. A preservação do pulmão não está bem desenvolvida; um transplante de pul- mão deve ser realizado rapidamente. Mais freqüen- temente, a solução cristalóide fria que contém prostaciclina é infundida nas artérias pulmonares do doador in situ antes da excisão. De modo alter- nativo, o pulmão doado pode ser resfriado siste- maticamente, utilizando-se o “bypass” cardiopul- monar, evitando-se a introdução de cristalóide na vasculatura pulmonar. Procedimentos do transplante – Para um trans- plante de pulmão único, uma toracotomia lateral é utilizada no receptor. “Cuffs” da artéria pulmonar, veia pulmonar e brônquio são usados para anasto- mose. Se o clampeamento da artéria pulmonar não for tolerado, será necessário o “bypass”. Um trans- plante de coração/pulmão é feito sob “bypass” por esternotomia mediana com anastomoses aórtica e atrial direita. A anastomose traqueal é realizada num pontoimediatamente acima da bifurcação. Os trans- plantes de pulmão duplo necessitam de reconstru- ção cirúrgica mais elaborada dos vasos e vias aé- reas, mas alcançam êxitos crescentes para pacien- tes cujos corações são normais. Tratamento da rejeião – O tratamento é com corticosteróides administrados rapidamente, IV, em alta dosagem, ATG ou OKT3. A ALG profi- lática ou OKT3 também são freqüentemente ad- ministradas durante as 2 primeiras semanas após transplante. A rejeição aguda ocorre em > 80% dos pacientes, mas pode ser tratada, com suces- so em uma porcentagem muito alta dos casos. A rejeição de pulmão ocorre mais do que a rejei- ção de coração em receptores de transplantes combinados de coração-pulmão, de modo que as biópsias endomiocárdicas nem sempre são úteis. A rejeição é caracterizada por febre, dispnéia e SaO2 diminuído e volume expiratório forçado em 1segundo (VEF1). O infiltrado intersticial visto na radiografia é difícil de distinguir daquele de uma infecção. A broncoscopia com lavagem e biópsia transbronquial são freqüentemente utili- zadas para diagnóstico. Complicaões – As complicações precoces mais problemáticas estão relacionadas à má cicatrização da anastomose brônquica ou traqueal. Até 20% dos receptores de pulmão único desenvolvem estenose brônquica, que pode geralmente ser tratada com di- latação ou colocação de uma prótese. Para evitar a interferência com a cicatrização da anastomose brônquica, os corticosteróides são omitidos do es- quema imunossupressor no período pós-operató- rio imediato. São utilizadas doses relativamente altas de ciclosporina (10 a 14mg/kg ao dia, VO) e azatioprina (1,5 a 2,5mg/kg ao dia,VO ou IV). Uma complicação tardia do transplante de pul- mão é a bronquite obliterativa, que causa obstru- ção de via aérea lentamente progressiva. Ela pode ser manifestação de rejeição crônica. Há diminui- ção de VEF1 sem evidência de qualquer processo pulmonar. TRANSPLANTE DE PÂNCREAS O transplante de pâncreas é único entre os transplantes de órgãos vascularizados: ao invés de ser usado para salvar a vida, ele tenta estabi- lizar ou prevenir as complicações devastadoras do órgão-alvo do diabetes Tipo I. Se as complica- ções do diabetes Tipo I (por exemplo, nefropatia, retinopatia, neuropatia, aterosclerose acelerada) forem resultado direto da má homeostasia da gli- cose, então o retorno do paciente à normoglicemia pode estabilizar a progressão destes processos secundários. Há dados insuficientes para saber se tais resultados serão ou não atingidos. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351065 1066 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS O sucesso do transplante de pâncreas é medido pela capacidade do paciente permanecer normo- glicêmico sem insulina exógena. Na última década, as taxas de sucesso total melhoraram de < 40% a > 80%, com vários centros relatando que > 85% dos pacientes permanecem insulino-dependentes. A melhora nas taxas de sucesso têm sido devidas, prin- cipalmente, a regimes de imunossupressão melho- rada e a avanços técnicos. Seleão de receptor e doador – O transplante de pâncreas não é apropriado para todos os pacien- tes diabéticos. Como o receptor troca o risco da injeção de insulina pelos riscos de imunossupres- são, o transplante de pâncreas tem sido limitado, principalmente a pacientes que já necessitam rece- ber drogas imunossupressoras (isto é, diabéticos com insuficiência renal que estão recebendo trans- plante de rim). Entretanto, alguns centros estão agora realizando transplantes de pâncreas isolado em pacientes diabéticos sem nefrosclerose diabéti- ca de estágio terminal, mas que possuem outras complicações graves de diabetes. Os transplantes simultâneos de pâncreas-rim de um único doador cadáver têm sido cada vez mais utilizados, com resultados metabólicos excelentes. O receptor é, desta forma, exposto à indução de imunossupres- são de alta dosagem apenas uma vez e como am- bos os órgãos vêm do mesmo doador, a rejeição pode ser monitorada no rim, que parece mais pro- penso a este processo do que o pâncreas, onde a detecção da rejeição é difícil. Apesar da morbida- de pós-operatória estar aumentada após o trans- plante combinado, a sobrevida do aloenxerto de rim não é prejudicada. Os doadores estão usualmente entre 10 e 55 anos de idade, sem nenhuma história de intolerância à glicose ou abuso crônico de álcool. (Glicose sérica e amilase no momento da morte não são úteis, pois estes valores estão freqüentemente elevados no es- tabelecimento de lesão da cabeça e ressuscitação de trauma, mesmo quando o pâncreas estiver normal.) Procedimento de transplante – As técnicas avançadas incluem transplante do pâncreas intei- ro, o que fornece mais células secretoras de insuli- na, ao invés de um segmento. Também, a incidência de trombose do enxerto pós-transplante tem sido muito reduzida. A drenagem das secreções exócri- nas do pâncreas na bexiga urinária, através de con- duto de um pequeno segmento do duodeno do doa- dor, também provou ser superior ao procedimento anteriormente utilizado. Entretanto, com a drena- gem do pâncreas na bexiga, há perda obrigatória de bicarbonato e aumento nas ITU. A união do seg- mento duodenal do doador diretamente no intesti- no delgado do receptor tem sido cada vez mais uti- lizada, nos últimos anos. O aloenxerto é posicionado lateralmente no ab- dome inferior. As anastomoses vasculares num transplante de pâncreas são as artérias celíaca e mesentérica superior e a veia porta do doador para artéria e veia ilíaca do receptor, respectivamente. Isto fornece liberação de insulina sistêmica ao in- vés de portal, resultando em hiperinsulinemia ba- sal de jejum. Tratamento da rejeião – A imunossupressão é a mesma que a utilizada para pacientes com trans- plante de rim (ver anteriormente). A terapia de in- dução e o tratamento de rejeição geralmente en- volvem o uso de ALG ou OKT3. Complicaões – As principais complicações, além daquelas já mencionadas, são rejeição, infec- ção e pancreatite do enxerto. Em pacientes que possuem um transplante de pâncreas isolado, a de- tecção da rejeição é difícil, pois a maior parte do enxerto pode ser destruída por reação de rejeição antes das anormalidades no metabolismo de glicose se tornarem evidentes. Entretanto, com uma com- patibilidade excelente de HLA, é atingida uma taxa de sobrevida do enxerto de 80%, comparável com a taxa de sucesso total de transplante combinado de rim-pâncreas. ALOENXERTO DE CÉLULAS DAS ILHOTAS PANCREÁTICAS O transplante isolado de células das ilhotas têm sido limitado, em humanos, devido aos problemas de se obter e fornecer células suficientes das ilhotas isoladas. Recentemente, a independência da insu- lina tem sido atingida em pacientes diabéticos re- ceptores de aloenxertos de ilhota utilizando-se cé- lulas obtidas de vários pâncreas de doadores cadá- veres. É incerto se a normoglicemia a longo prazo pode ou não ser mantida. O transplante de células das ilhotas possui várias vantagens: as células po- dem ser colocadas facilmente na circulação portal do receptor através de uma canulação na veia um- bilical, sem uma operação maior e as ilhotas po- dem ser criopreservadas. Também existe um po- tencial para tratar células das ilhotas, para reduzir sua imunogenicidade. TRANSPLANTE DE MEDULA ÓSSEA Nas duas últimas décadas, o transplante de me- dula óssea (TMO) alogênico evoluiu de um proce- dimento experimental reservado a pacientes com leucemia refratária para uma área de investigação clínica em rápida expansão, que oferece altas taxas Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351066 CAPÍTULO 149 – TRANSPLANTES / 1067 de cura para pacientes com anemia aplásica, leuce- mia aguda e crônica, câncer de mama e tipos sele- cionados de linfoma. O objetivo do TMO é prover o receptor com uma população saudável de células pri- mordiais, que irão se diferenciarem células do san- gue para substituir as células deficientes ou patoló- gicas do hospedeiro. Os regimes preparatórios in- tensivos, a profilaxia eficaz da doença do enxerto versus hospedeiro (GHVD), o tratamento com regi- mes à base de ciclosporina e melhoras no cuidado de apoio (por exemplo, antibióticos, profilaxia de citomegalovírus e herpesvírus) têm fornecido me- lhoras significativas na sobrevida prolongada sem doença em pacientes que são submetidos a TMO. O tratamento com citocina após TMO (por exemplo, com fator estimulante de colônia) está sendo testa- do, a fim de ver se o enxerto pode ser melhorado ou acelerado. Indicaões – Os pacientes com leucemia mielói- de aguda ou linfoblástica podem se beneficiar do TMO. Os pacientes com leucemia mielóide transplan- tados na primeira remissão atualmente podem espe- rar por aproximadamente 50 a 60% de probabilidade de sobrevida a longo prazo sem a doença. Probabili- dades similares também são alcançáveis após o trans- plante de adultos com leucemia linfoblástica aguda nas primeiras remissões. A probabilidade da reinci- dência se correlaciona com o estado de remissão no momento do transplante, variando de 20%, na pri- meira remissão a 60%, com doença mais avançada. A sobrevida a longo termo para pacientes com leuce- mia mielocítica crônica que receberam TMO na fase de remissão é de 60 a 70%. O TMO pediátrico tem se expandido devido ao seu potencial para curar crianças com doen- ças genéticas (por exemplo, talassemia, anemia falciforme, imunodeficiências e erros inatos do metabolismo). Limitaões dos doadores – O fator-chave limi- tante para o uso de TMO é a ausência de doadores. Como apenas 25 a 30% dos pacientes possuem um parente com HLA idêntico, os doadores alternati- vos são freqüentemente necessários. Existem duas possibilidades: 1. A medula pode ser procurada em outros doadores vivos não parentes; a doação de medula é um procedimento simples e seguro. Os registros nacionais e internacionais de doadores voluntários prováveis estão sendo expandidos para aumentar a probabilidade de encontrar um HLA compatível exato para qualquer receptor; 2. Os doadores relacionados que não são HLA-idênticos têm sido utilizados com crescente freqüência. Os resultados com ambos os procedimentos sugerem probabilidades de sobrevida a longo prazo sem doença de 30 a 50% em pacientes com leucemia aguda e crônica ou anemia aplástica; isto é, na maioria das situações, os resultados são um pou- co inferiores aos de medula de parentes com HLA idênticos. Uma outra opção para TMO é o transplante autólogo (remoção da medula óssea de um paciente quando uma remissão completa tiver sido induzi- da, seguida pelo tratamento ablativo do paciente com a esperança de destruição de qualquer tumor residual e auxílio com a própria medula óssea do paciente). Como um auto-enxerto é utilizado, ne- nhuma imunossupressão é necessária além da qui- mioterapia de alta dosagem a curto prazo, utilizada para erradicação de tumor e ablação da medula ós- sea; os problemas pós-transplante com GHVD são mínimos. As indicações para TMO autólogo são linfoma recidivante sensível à quimioterapia, no qual uma taxa de sucesso de 30 a 40% foi atingida e leucemia aguda em remissão, na qual foram ob- servadas taxas de sucesso de 20 a 50%. As taxas de sucesso são inferiores com doença mais avançada e com cânceres sólidos responsivos (por exemplo, tumores de mama ou célula germinativa). Os dois principais obstáculos permanecem para a aplica- ção bem-sucedida de TMO autólogo: a possibili- dade de contaminação do inóculo da medula óssea com células tumorais e a ausência da atividade do enxerto versus tumor (em contraste com aquela vista no TMO alogênico), os quais contribuem para as taxas mais altas observadas de recidiva do tu- mor. Sendo assim, os esquemas em desenvolvimen- to para purgação da medula ex vivo e para a modu- lação imune do receptor pós-transplante são uma área de pesquisa ativa. Preparaão do receptor – O desenvolvimento de regimes preparatórios agressivos melhorou o resultado, reduzindo a incidência de rejeição e re- cidiva. Estes regimes aumentaram o potencial anti- tumor ou antileucêmico, assim como liberaram a mieloablação superior, necessária para destruir a medula do hospedeiro e criar espaço para o enxer- to do doador sem comprometer os elementos do estroma da medula, essenciais para o estabeleci- mento bem-sucedido do transplante. Os regimes preparatórios também suprimem o sistema imune do paciente para permitir a aceitação do enxerto. Os pacientes recebem altas dosagens de ciclo- fosfamida e/ou irradiação corpórea total nos regi- mes de preparação padrão. A taxa de rejeição é < 5% nos transplantes para pacientes com leuce- mia a partir de doadores com HLA idêntico. Para pacientes com transfusões múltiplas, com anemia aplástica, a taxa de rejeição também tem sido sig- nificativamente diminuída devido à imunossupres- são aumentada durante a indução do transplante. Os dois regimes preparatórios mais comuns são ciclofosfamida em alta dosagem (por exemplo, Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351067 1068 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS 60mg/kg ao dia por 2 dias) e irradiação corpórea total ou um regime de bussulfam (por exemplo, 4mg/kg ao dia por 4 dias) e ciclofosfamida e ciclo- fosfamida sem irradiação corpórea total. Outras drogas (por exemplo, etoposida e citarabina) são algumas vezes adicionadas a estes regimes de trans- plante, para maximizar as propriedades antitumor, mieloablação e imunossupressão. Procedimento de transplante – O procedi- mento de transplante é relativamente fácil de com- preender. Os pacientes recebem altas doses de quimioterapia e/ou irradiação corpórea total. A medula é então aspirada, por via das cristas ilía- cas de um doador HLA-compatível e infundida IV, no paciente. Os pacientes são gravemente pancitopênicos até o estabelecimento bem-suce- dido do transplante, em geral em 2 a 3 semanas após a reinfusão da medula. Complicaões – As complicações iniciais in- cluem rejeição, pelo hospedeiro, da medula trans- plantada, GHVD aguda e infecções. As complica- ções tardias incluem GHVD crônica, imunodefi- ciência prolongada e recidiva da doença. Doena do enxerto versus hospedeiro – A GHVD é uma doença na qual as células T imunolo- gicamente competentes do doador reagem contra os antígenos em um receptor imunologicamente depri- mido. Um grande problema no transplante alogênico é a prevenção e controle da GHVD. Os sintomas e sinais da GHVD aguda são febre, dermatite esfolia- tiva, hepatite com hiperbilirrubinemia, vômitos, diar- réia e dor abdominal, que podem progredir para íleo e perda de peso. Embora o melhor conhecimento do complexo de histocompatilidade principal tenha au- xiliado na compreensão da etiologia da GHVD, os pacientes com compatibilidade para os loci A, B, C e DR ainda apresentam incidência de 30 a 60% de GHVD. Surpreendentemente, a síndrome da GHVD tem sido relatada até mesmo em pacientes que rece- bem transplantes singênicos (entre gêmeos idênti- cos) ou transplantes autólogos (com sua própria medula). Apesar da introdução da ciclosporina, no início dos anos 80, ter reduzido muito a incidência e a gravidade da GHVD, esta continua a ser a princi- pal causa de mortalidade e morbidade grave após o TMO alogênico. Cerca de um terço da metade dos receptores de TMO desenvolve uma forma crônica mais indolen- te de GHVD. Embora pele, fígado e intestino sejam os órgãos primeiramente afetados, outras áreas de envolvimento (por exemplo, articulações e pulmão) também são observadas. É interessante observar que também pode ocorrer bronquiolite obliterante seme- lhante àquela vista após transplante pulmonar. Fi- nalmente, 20 a 40% dos pacientes morrem de com- plicações associadas à GHVD, a incidência sendo maior quando a medula do doador não for de um parenteHLA-idêntico. Nos pacientes sem seqüelas crônicas da GHVD, toda a imunossupressão pode ser interrompida 6 meses após o TMO, tornando ra- ras as complicações tardias nestes pacientes, em con- traste com a necessidade contínua de imunossupres- sores e complicações resultantes nos receptores de transplante de órgãos sólidos. Uma área de intensa pesquisa clínica com o objetivo de reduzir a incidência de GHVD tem sido a remoção das células T da medula do doador com anticorpos monoclonais, utilizando a técnica de roseta ou separação mecânica antes da reinfusão da medula. A depleção de célula T tem sido muito eficaz em diminuir tanto a incidência como a gravi- dade da GHVD; entretanto, as incidências de perda do enxerto e recidiva são aumentadas. Uma possí- vel explicação é que as citocinas geradas na reação do enxerto versus hospedeiro promovem a multi- plicação e maturação de células primordiais essen- ciais para estabelecimento bem sucedido do enxer- to. Os pacientes que desenvolvem GHVD apresen- tam taxas de recidiva significativamente menores, sugerindo que as células T responsáveis pela GHVD provavelmente estejam envolvidas num efeito de enxerto versus leucemia. Outros agentes utilizados para impedir ou tratar a GHVD incluem metotrexato, corticosteróides, ATG e anticorpos monoclonais contra antígenos que se expressam so- bre as células T maduras. A GHVD também pode ser decorrente de trans- fusões sangüíneas em casos excepcionais, visto que até mesmo um pequeno número de células T doa- das pode induzir esta reação. Tais situações incluem transfusões sangüíneas fetais intra-uterinas e trans- fusões em pacientes imunodeprimidos, (por exem- plo, receptores de TMO, leucemia, linfoma, neuro- blastoma, mal de Hodgkin e linfoma não-Hodgkin). Os produtos sangüíneos a serem administrados em pacientes em risco devem ser irradiados para evi- tar o desenvolvimento de GHVD (ver Cap. 129). Infecão – Após os procedimentos preparató- rios para TMO, a contagem de leucócitos pode levar 2 a 3 semanas para se recuperar. Durante este tempo, os pacientes ficam muito suscetíveis a infecções. A profilaxia com aciclovir tem di- minuído dramaticamente o risco de infecções por herpes simples durante o período. Mesmo após o estabelecimento bem-sucedido do enxerto, os pacientes continuam imunocomprometidos e em risco de infecções devido às drogas utilizadas para tratar a GHVD. A infecção tardia preocu- pante é a pneumonite intersticial por citomega- lovírus, que geralmente ocorre 40 a 60 dias após o transplante. Os pacientes apresentam ta- quipnéia, dispnéia, hipoxemia e radiografia to- Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351068 CAPÍTULO 149 – TRANSPLANTES / 1069 rácica com infiltrados pulmonares bilaterais. A taxa de mortalidade da pneumonite intersticial por citomegalovírus foi de 80 a 90%, porém o tratamento com ganciclovir e imunidade passiva com imunoglobulina diminuíram a taxa de mor- talidade em aproximadamente 25 a 40%. Os pacientes também estão em risco de desenvolver pneumonia pneumocística, porém o uso profilá- tico de trimetoprim-sulfametoxazol diminuiu dramaticamente a incidência dessa infecção. TRANSPLANTE DE OUTROS ÓRGÃOS E TECIDOS Os aloenxertos de pele são muito valiosos para os pacientes que apresentam queimaduras exten- sas ou outras causas de perda cutânea maciça. Quan- do os locais insuficientes do doador negam o uso de auto-enxertos apenas, tiras de auto e aloenxer- tos são alternadas, recobrindo toda a área desnuda para reduzir as perdas de fluidos e de proteínas e dificultar as infecções invasivas. Os aloenxertos são rejeitados, mas estas áreas secundariamente des- nudas podem ser, então, recobertas com auto-en- xertos obtidos de locais já cicatrizados do doador original. Os aloenxertos também servem como cu- rativos para queimaduras ou ferimento infectados que se tornam estéreis rapidamente e desenvolvem áreas de granulação bem-vascularizadas, sobre as quais os auto-enxertos irão aderir prontamente. As células da pele, expandidas em cultura antes de serem retornadas ao paciente queimado, também podem ajudar a recobrir queimaduras extensas, como pode a “pele artificial” recentemente intro- duzida, a qual é composta de células em cultura em base sintética. O transplante de cartilagem é único pelo fato de que os condrócito se situam em um restrito grupo de células de mamíferos que podem ser aloenxertadas sem sucumbirem à resposta imune, aparentemente porque a população esparsa de células em cartilagem hialina está protegida do ataque celular pela matriz cartilaginosa ao seu redor. Em crianças, a cartilagem obtida de doadores cadáveres pode ser utilizada para a reparação de defeitos congênitos nasais ou do pavi- lhão auditivo. Em adultos, os auto-enxertos (geral- mente da cartilagem costal) são mais usados no trata- mento de esões graves. A utilização de aloenxertos de cartilagem para a reconstrução de superfícies arti- culares destruídas pela artrite está sendo tentada. O enxerto ósseo é utilizado amplamente, porém, excetuando-se os auto-enxertos, nenhuma célula viá- vel do doador sobrevive no receptor. A matriz óssea remanescente, no entanto, possui uma capacidade de indução óssea que estimula os osteoblastos do hospedeiro a recolonizar a matriz e depositar um novo tecido ósseo, desta forma servindo como pon- te para estabilizar os defeitos até que um novo mate- rial ósseo seja formado. A ressecção maciça de tu- mores ósseos malignos e a reconstrução através do implante de osso composto e auto-enxertos de carti- lagem constituem abordagens práticas para preser- var extremidades que, de outra forma, seriam am- putadas. Os aloenxertos de cadáveres são preser- vados por congelamento, para reduzir a imunoge- nicidade do osso (que está inerte no momento do implante) e glicerolização para manter a viabilidade dos condrócitos. Não se usa nenhum tratamento imunossupressor no período pós-implante. Embora estes pacientes desenvolvam anticorpos anti-HLA, o acompanhamento precoce não revela nenhuma evidência de destruição da cartilagem. O transplante de intestino delgado é um pro- cedimento em desenvolvimento, aplicável apenas a um pequeno grupo de pacientes com área de su- perfície absortiva intestinal inadequada devido a problemas intra-abdominais (por exemplo, vólvulo, enterocolite tóxica e trauma). Os transplantes de intestino delgado devem ser posteriormente limi- tados aos pacientes que não toleram a nutrição pa- renteral crônica, não possuindo outras opções para a sobrevivência. As sobrevidas de mais de 1 ano com função enteral intacta estão agora sendo atin- gidas após o transplante de intestino delgado. Os aspectos que precisam ser discutidos são o com- primento ótimo do segmento a ser transplantado, o uso de drenagem venosa sistêmica versus portal do enxerto, a conveniência da continuidade imediata do transplante no trato GI do receptor e o papel da doação de parentes vivos para os aloenxertos de intestino delgado. Devido à grande quantidade de tecido linfóide associado ao intestino, a GHVD é um problema muito maior nos transplantes de in- testino delgado do que de outros aloenxertos de órgãos vascularizados. O pré-tratamento do enxer- to para remover as células que provocam GHVD e, talvez, também para reduzir a imunogenicidade do órgão, é uma abordagem experimental. Relatou-se que tratar pacientes com mal de Parkinson com auto-enxertos de tecido medular adrenal estereotaticamente posicionados dentro do SNC levam à melhora sintomática. Também são propostos aloenxertos de tecido adrenal, em espe- cial dos doadores fetais. Relatou-se a melhora da rigidez e da bradicinesia de um paciente com mal de Parkinson por meio de tecido mesencefálico ven- tral de feto implantado por estereotaxia no putame destes pacientes. Entretanto, com as discussões éti- cas e políticas que existem sobre a propriedade de Merck_12.p65= 02/02/01,15:351069 1070 / SEÇÃO 12 – IMUNOLOGIA; DISTÚRBIOS ALÉRGICOS se utilizar tecido fetal humano, é improvável que se realize um grande estudo controlado suficiente para avaliar adequadamente o transplante neural fe- tal. Os xenoenxertos de células endocrinologicamente ativas de doadores suínos estão sendo testados. Os implantes de timo fetal obtidos de bebês natimortos podem restaurar a responsividade imu- nológica de crianças com aplasia tímica e con- seqüente ausência de desenvolvimento normal do sistema linfóide. Como o receptor é não imunolo- gicamente responsivo, a imunossupressão não é necessária; a GHVD (ver anteriormente), entretan- to, pode ser grave. Os auto-enxertos teciduais da paratireóide (e mais raramente os aloenxertos) têm sido utilizados com sucesso. O autotransplante da paratireóide é re- comendado, por alguns grupos, para o tratamento de pacientes com hipercalcemia devido à hiperplasia se- cundária. A técnica envolve a remoção de todo o teci- do paratireóideo do pescoço com a colocação de pe- quenos fragmentos de tecido em uma bolsa muscular no antebraço, onde o tecido possa ser facilmente iden- tificado mais tarde, se houver recidiva de hipercalce- mia. Os aloenxertos podem ser utilizados para pacien- tes com hipoparatireoidismo iatrogênico e cuja evolu- ção com cuidados médicos ótimos seja insatisfatória. Devido ao fato da necessidade da imunossupressão, este procedimento raramente é indicado, a menos que o paciente também esteja recebendo um aloenxerto renal, para o qual a imunossupressão será necessária. Merck_12.p65= 02/02/01, 15:351070 146 /null BIOLOGIA DOnullSISTEMA IMUNE CÉLULAS T EnullIMUNIDADE CELULAR REDES IMUNOLÓGICAS CÉLULAS B EnullIMUNIDADE HUMORAL REGULAÇÃO DEnullRESPOSTAS IMUNES HUMORAIS SISTEMAnullCOMPLEMENTO RESOLUÇÃO DE UMAnullRESPOSTA IMUNE 147 /null DOENÇAS PORnullIMUNODEFICIÊNCIAS IMUNODEFICIÊNCIASnullPRIMÁRIAS EnullSECUNDÁRIAS IMUNODEFICIÊNCIASnullESPECÍFICAS 148 /null DISTÚRBIOS DEnullHIPERSENSIBILIDADE DISTÚRBIOS COMnullREAÇÕES DEnullHIPERSENSIBILIDADEnullTIPO I DOENÇAS ATÓPICAS Rinite alérgica Conjuntivite alérgica Outras doenças alérgicasnulldo globo ocular Alergia e intolerância alimentar Doença pulmonar alérgica ANAFILAXIA DISTÚRBIOS DOS MEDIADORESnullVASOATIVOS Urticária e angioedema Angioedema hereditário Mastocitose Alergia física DISTÚRBIOS COMnullREAÇÕES DEnullHIPERSENSIBILIDADEnullTIPO II DISTÚRBIOS COMnullREAÇÕES DEnullHIPERSENSIBILIDADEnullTIPO III DISTÚRBIOS COMnullREAÇÕES DEnullHIPERSENSIBILIDADEnullTIPO IV HIPERSENSIBILIDADE A DROGAS 149 /null TRANSPLANTES IMUNOBIOLOGIA DAnullREJEIÇÃO SISTEMA DE ANTÍGENOnullLINFOCÍTICO HUMANO COMPATIBILIDADE TECIDUAL IMUNOSSUPRESSÃO TRANSPLANTE DE RIM TRANSPLANTE DEnullFÍGADO TRANSPLANTE DEnullCORAÇÃO TRANSPLANTE DEnullPULMÃO E DEnullPULMÃO/CORAÇÃO TRANSPLANTE DEnullPÂNCREAS ALOENXERTO DE CÉLULAS DASnullILHOTAS PANCREÁTICAS TRANSPLANTE DEnullMEDULA ÓSSEA TRANSPLANTE DEnullOUTROS ÓRGÃOSnullE TECIDOS Voltarnull