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CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA CURSO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS PROF. PAULO EMÍLIO IESB - DIREITO PENAL I – AULA XIII ANTIJURIDICIDADE OU ILICITUDE Como já estudado, a segunda categoria conceitual do crime é a antijuridicidade, que vem a ser a contrariedade da conduta típica praticada no mundo real ao Direito. É a relação de aversão entre fato e norma jurídica. Na arguta lição de ASSIS TOLEDO1, pode- se também (e é até preferível, segundo o mesmo autor) denominá-la de ilicitude, pois reflete a situação de antagonismo entre o fato típico e todo o ordenamento jurídico. Segundo o ilustre jurista, a ilicitude “é a relação de antagonismo que se estabelece entre uma conduta humana voluntária e o ordenamento jurídico, de modo a causar lesão ou a expor a perigo de lesão um bem jurídico tutelado”2. EXCLUSÃO DA ILICITUDE. A tipicidade, na visão de grande parte da doutrina, é um forte indicador de que a 1 TOLEDO, Francisco de Assis. ‘Princípios básicos de direito penal’, Ed. Saraiva ,4ª ed., p. 160 2 op. cit., p. 163 conduta é, em princípio, antijurídica. Isso é o que se costumou a designar por caráter indiciário do tipo penal. Assim, significa dizer que a prática de fato, no mundo real, que seja típico, indica que essa mesma conduta é também, em princípio, ilícita ou antijurídica. Isso porque havendo tipicidade da conduta (correspondência entre o fato praticado e a conduta prevista no tipo penal), a ilicitude somente restará afastada se estiver presente alguma das causas excludentes da ilicitude. Dessa forma, sempre que o operador do direito, após a análise da tipicidade, concluir pela sua presença, deverá atestar a presença de alguma causa excludente de ilicitude (justificante), previstas nos tipos penais permissivos. Essas normas justificantes são chamadas de causas de exclusão de ilicitude, também conhecidas por causas de justificação, justificativas, excludentes, eximentes, descriminantes ou excludentes de ilicitude. De todas, preferimos a denominação de causas excludentes de ilicitude, por nos parecer mais exata. Se presente, no caso concreto, qualquer das causas justificantes, restará afastada a ilicitude da conduta e, assim, não haverá a existência do crime. O Código Penal prevê diversas causas de exclusão da ilicitude, algumas na sua parte geral e, portanto, aplicáveis a todos os crimes e outras previstas especificamente na Parte Especial, e aplicáveis somente aos crimes a que se referem e, por isso são causas especiais de exclusão da ilicitude (Ex. Art 128, diz que não são punidos os casos de aborto ali permitidos. Assim, é certo que excluem a ilicitude). Dentre as causas excludentes da ilicitude, há as que são expressamente previstas no Código Penal (arts. 23 a 25 – também chamadas de causas justificadoras). “Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”. A doutrina e a jurisprudência admitem a existência de causa supralegal de exclusão da ilicitude como é o caso do consentimento do ofendido. Causas supralegais de exclusão da ilicitude O ordenamento jurídico não faz qualquer alusão às causas supralegais (‘acima da lei’), mas a dinâmica social aliada aos princípios gerais de direito, autorizam algumas situações que conduzirão à exclusão do caráter antijurídico da conduta. As hipóteses relacionadas no art. 23 do Código Penal (legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal) deixam pouco espaço para o surgimento das referidas causas supralegais. O exemplo ordinário de causa supralegal de exclusão da ilicitude, aceito na doutrina penal, é o do consentimento do ofendido, nos crimes em que o bem jurídico tutelado seja disponível. Nos tipos penais onde o titular do bem jurídico dele possa dispor, sem prejuízo a outras pessoas, é unânime que há a possibilidade da incidência da mencionada causa supralegal (ex. cárcere privado – art. 148; furto – art 155; dano – art. 163). A doutrina aponta alguns requisitos para a ocorrência da referida causa supralegal: - que o consentimento seja livre, sem coação; - que o ofendido, ao consentir, tenha capacidade para fazê-lo; - que se trate de bem jurídico disponível; - que o fato típico se limite e se identifique com o consentimento do ofendido. CAUSAS JUSTIFICADORAS – EXCLUDENTES DA ANTIJURIDICIDADE. 1)ESTADO DE NECESSIDADE O estado de necessidade é uma das causas legais de excludente de antijuridicidade que se caracteriza pela colisão de interesses juridicamente protegidos, devendo um deles ser sacrificado em prol do outro. Heleno Fragoso salientava que “O que justifica a ação é a necessidade que impõe o sacrifício de um bem em situação conflito ou colisão, diante da qual o ordenamento jurídico permite o sacrifício do bem de menor valor”. Ponderamos, ainda, que os bens jurídicos em colisão podem ser do mesmo valor. O exemplo clássico é o de duas pessoas que, após um naufrágio, disputam uma tábua para evitar afogarem-se. Todavia, a tábua somente suporta o peso de uma pessoa, sendo certo que, pelas circunstâncias, os agentes disputarão, para salvar a própria vida, aquela mesma tábua. O vencedor da disputa terá, invariavelmente, sacrificado o perdedor à morte por afogamento. Todavia, sua conduta não será antijurídica, pelo reconhecimento do “estado de necessidade”, no caso. Legalmente, está previsto no art. 24 do Código Penal, assim redigido: “Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços”. O melhor conceito em doutrina é de Damásio de Jesus3, para quem o estado de necessidade é “uma situação de perigo atual de interesses protegidos pelo Direito, em que o agente, para salvar um bem próprio ou de terceiro, não tem outro meio senão o de lesar o interesse de outrem”. Também Ney Moura Telles4 expõe sua definição, assim: “Quando numa situação 3 Direito Penal, op. cit., v. 1, p. 322 4 Op. cit., v. I, p. 251 em que um bem jurídico está na iminência de sofrer uma lesão, pela presença atual de um perigo, e não podendo o Direito proteger tal bem, deve permitir que seja sacrificado outro bem, de valor menor ou relativamente igual, ainda que de um inocente, desde que não haja outra saída”. REQUISITOS DO ESTADO DE NECESSIDADE: A) SITUAÇÃO DE PERIGO: - Existência de perigo atual: O perigo deve ser atual, ou seja, deve ser verificado no exato momento em que o agente atua. O perigo deve ser real para a existência do estado de necessidade. Se o perigo é somente imaginado e acreditado pelo agente, ocorrerá a situação prevista no art. 20, § 1º (Descriminantes putativas, a exemplo do que ocorrerá com as demais causas excludentes de ilicitude). - O perigo deve ameaçar direito próprio ou alheio: direito, aqui, é entendido como qualquer bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico. Há estado de necessidade próprio, quando em defesa de bem jurídico próprio e estado de necessidade de terceiro, se o direito defendido é alheio ao agente. Importante frisar que o direito de terceiro pode ser defendido, mesmo que não expressamente consentido pelo terceiro. Ex: o agente não precisa aguardar a chegada e a permissão do vizinho para invadir o seu quintal e derrubar a árvore que ameaça ruir sobre a casa. - O perigo não pode ter sido criado voluntariamente pelo agente: Damásio entende que somente o perigo causado dolosamente impede que seu autor alegue estado de necessidade, pensamento que compartilhamos, também na companhia de Ney Telles. De outro lado, Assis Toledo defende que também o perigo decorrente de conduta culposa impediria o reconhecimento do estado de necessidade. Assim, se o agente ateia fogo dolosamente no cinema, durante a execução do filme, causando grande pavor nos presentes, não pode alegar estado de necessidade para justificar as lesões corporais que produziu em terceiros para conseguir sair da sala de exibição. Todavia, caso o incêndio tenha sido causado por culpa do agente, a excludente poderia ser reconhecida em seu favor. - Inexistência do dever de combater o perigo (Art. 24, § 1º, CP) sempre que a lei impuser ao agente o dever de combate ao perigo, deve combatê-lo sem sacrificar o bem jurídico em perigo, mesmo que para isso tenha que correr os riscos inerentes à sua função. Ex.: de nada adianta o bombeiro se atirar na correnteza do um rio, se na situação de perigo, pudesse ser reconhecido, em seu favor, o estado de necessidade no caso de sacrificar a vida da vítima para salvar a própria. Válido, por derradeiro, consignar que profissões como as de bombeiro, policiais, civis e militares, enfermeiros, médicos, sanitaristas, dentre outros, exercem atividades que, por sua natureza, têm o de combater determinados perigos (assim, ao bombeiro incumbe o dever de combate ao fogo e salvamento, mas não ao médico). Todavia, como bem alerta Damásio, não há que se confundir o dever de enfrentar o perigo com o dever legal de impedir o resultado. Uma coisa é enfrentar o perigo, de que trata o art. 24, § 1º do CP; outra é o de impedir o resultado, referido no art. 13, § 2º. Assim, é dever de agir para impedir o resultado é tema da tipicidade dos crimes omissivos impróprios, conquanto o dever de enfrentar o perigo é norma que impede (elemento negativo) a exclusão da ilicitude por estado de necessidade. B) RESPOSTA (CONDUTA) LESIVA - Inevitabilidade do comportamento – somente se admite o sacrifício do bem quando não existir outro meio de se efetuar o salvamento; Assim, se houver outro meio de afastar o perigo, sem o sacrifício do bem jurídico, não se configurará o estado de necessidade. - Razoabilidade do sacrifício – o sacrifício deve ser razoável, observando-se o senso comum. Os bens em colisão devem guardar, entre si, determinada proporcionalidade. O bem a ser sacrificado pode ainda ser de menor valor do que o será salvo, só não pode ser de muito maior valor (e aqui não se diz somente quanto ao valor econômico). Assim, não se admite o sacrifício de uma vida humana para salvar a de um animal de estimação, ou mesmo o de um animal raríssimo ou bem material de alto valor econômico. É evidente que não há como se mensurar com precisão milimétrica os valores dos bens jurídicos, motivo pelo qual a comparação dos bens jurídicos em confronto deve atentar ao bom-senso e à proporcionalidade. OBS: Se o sacrifício não era razoável, há causa de diminuição de pena. Permanece a ilicitude, mas com pena abrandada em 1/3 a 2/3, conforme a redação do §2 do artigo 24. - Conhecimento, pelo agente, da situação justificante – como as demais causas excludentes, somente se reconhece a sua presença, se o agente sabia da existência do fato justificante. Se, por coincidência, havia situação de perigo que justificasse a conduta de um agente, por estado de necessidade, mas o mesmo desconhece sua existência, não se pode reconhecê-la em seu favor. OBSERVAÇÃO – Toda a doutrina concorda em apontar o conhecimento da situação justificadora e a vontade de agir conforme o Direito como requisito de todas as causas excludentes da ilicitude. 2) LEGÍTIMA DEFESA. A legítima defesa é, historicamente, a causa excludente que maior acolhida tem recebido ao longo dos tempos e nos diversos ordenamentos jurídicos ao redor da Terra e ao longo da História, e deita raízes no Direito Romano, onde CÍCERO, na sua oração - Pro Milone, a reputa um direito natural do homem, derivado da necessidade – non scripta sed nata lex, proposição verdadeira, se considerarmos o substractum fisiológico e psicológico da defesa, como reação do instinto de conservação que brota e se desenvolve independente de qualquer regulamentação5. Conceito: É causa excludente da ilicitude consistente em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários. Verifiquemos, ainda, o conceito legal, contido no art. 25 do Código Penal, assim colocado: “Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. O que inspira, portanto a legítima defesa é a agressão injusta. Não há aqui, ao contrário do estado de necessidade, uma situação de perigo pondo em conflito dois ou mais bens. Ao contrário, ocorre um efetivo ataque ilícito contra o agente ou terceiro, legitimando a repulsa. REQUISITOS DA LEGÍTIMA DEFESA. A) Agressão injusta – é toda conduta humana (não abrange as ações de animais) dirigido à lesão de um bem jurídico e, ao mesmo tempo, não é aceita pelo Direito. Não é toda e qualquer agressão que justifica a resposta legítima, mas apenas as injustas (Exclui-se, portanto, do conceito, as ações legítimas, autorizadas pelo Direito, motivo pelo 5 Cf. preciosas lições tomadas de Galdino Siqueira, in ‘Tratado de Direito Penal: parte geral’, 2ª edição, p. 305- 306 qual, por exemplo, não existe falar de legítima defesa contra quem pratica ato sob o manto de descriminante putativa). – A agressão ser injusta não significa, necessariamente, que deva constituir em si mesma um ilícito penal, mas exige-se apenas que seja um comportamento proibido pelo Direito. B) Atual ou iminente – atual é o que está ocorrendo, iminente é a que está extremamente próxima, prestes a ocorrer. Não se pode repelir agressões já passadas (o que consistiria em legitimar a vingança), nem se antecipar repelindo as que nem ainda se apresentaram. C) A direito próprio ou alheio – A vida, a integridade corporal, o patrimônio, a liberdade, a honra, enfim, todos os bens jurídicos podem ser legitimamente defendidos. O bem jurídico defendido pode ser do próprio agente ou de terceiro. D)Meios necessários: são os menos lesivos colocados à disposição do agente no momento em que sofre a agressão. Para se dizer que o agente se utilizou dos meios necessários, é preciso verificar quais eram os que se encontravam à sua disposição no momento da agressão. Um meio pode ser mais do que o suficiente para repelir injusta agressão, mas ser o único à disposição do agente naquele momento e, por isso mesmo, ser considerado necessário. “Uma arma de fogo pode ser o meio necessário para obstar uma agressão física praticada com os próprios punhos. Um sujeito franzino, raquítico que tenha uma arma de fogo à sua disposição, agredido a murros por um lutador de artes marciais, deve utilizar o revólver como meio necessário para se defender, ainda que junto dele exista um porrete, ou uma barra de ferro. Tais instrumentos, na mão do frágil cidadão, podem, a toda evidência, ser aquém do necessário para impedir a agressão do exímio lutador”6. Todavia, devemos ponderar que se o agente tem ao seu dispor vários meios eficazes de repelir a agressão, deve optar por aquele que, como eficiência, resulte no menor dano ao agressor. E) Moderação no uso dos meios necessários: Não basta que o agente eleja os meios necessários para afastar a agressão injusta, mas, ainda, que os utilize com moderação, sem exageros ou excessos. Aqui não se exige uma precisão matemática na análise da moderação do agente, que resta seriamente abalada em situações onde se encontre injustamente agredido. Assim, entendemos não se pode concluir pelo excesso quando, por exemplo, bastava um tiro para cessar as agressões e o agente efetuou dois disparos. O que dever ser analisado, no caso, é a proporcionalidade e razoabilidade na resposta, atendidas as circunstâncias presentes na situação. F) Conhecimento da situação justificante. Distinções entre o estado de necessidade e a legítima defesa: Algumas distinções podem ser feitas entre as duas causas excludentes. 1) No estado de necessidade, a situação pressuposta é a colisão de dois ou mais interesses jurídicos 6 TELLES, Ney Moura. Op. Cit., Vol. I, p. 264 protegidos pelo Direito, conquanto na legítima defesa, a agressão é ilícita, injusta e, portanto, contrária ao Direito; 2) No estado de necessidade, a situação de perigo pode resultar de comportamento humano, ataque de animal ou fenômeno da natureza; na legítima defesa, a agressão deve partir necessariamente de um ser humano. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. Ao contrário do estado de necessidade e da legítima defesa, o Código Penal não cuidou de definir os elementos do estrito cumprimento do dever legal, limitando-se a dizer que é causa de exclusão da ilicitude, no termos do art. 23, III do Código Penal: “Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: (...) III – em estrito cumprimento de dever legal..." Assim coube à doutrina delimitar os estreitos limites da referida causa de exclusão da ilicitude. Fernando Capez assim o define: "É a causa de exclusão da ilicitude que consiste na realização de um fato típico, por força do desempenho de uma obrigação imposta por lei, nos exatos limites dessa obrigação;” Em outras palavras, a lei não pode punir quem cumpre um dever que ela mesma impõe. Ora, como a própria expressão sugere, é uma obrigação imposta por lei, significando que o agente, ao atuar tipicamente, não faz nada mais do que "cumprir uma obrigação". Mas para que esta conduta, embora típica, seja lícita, é necessário que esse dever derive direta ou indiretamente de "lei", em sentido amplo. Por "lei", entenda-se não apenas a lei penal, mas também a civil, comercial, administrativa etc. Não é necessário, também, que esta obrigação esteja imposta textualmente no corpo de uma lei "stricto sensus". Pode constar de decreto, regulamento ou qualquer ato administrativo infra-legal, desde que "originários de lei". O mesmo se diga em relação a decisões judiciais, que nada mais são do que determinações emanadas do Poder Judiciário em cumprimento da lei. O estrito cumprimento, por sua vez, significa que o cumprimento do dever legal se dá com atenção aos limites e parâmetros definidos na norma que o estabelece. Damásio aponta para o exemplo dos componentes de um pelotão de fuzilamento que deva cumprir uma sentença de morte de um criminoso de guerra. Apesar de provocarem a morte do infrator (e assim, praticar conduta típica) a ilicitude resta excluída por força do estrito cumprimento do dever legal (vide, a propósito, o art. 5º, inciso XLVII, que prevê a pena de morte somente para os casos de crimes de guerra). Exemplo clássico de estrito cumprimento de dever legal é o do policial que priva o fugitivo de sua liberdade, ao prendê-lo em flagrante. Nesse caso, o policial não comete crime de constrangimento ilegal ou abuso de autoridade, por exemplo, pois que ao presenciar uma situação de flagrante delito, a lei obriga que o policial efetue a prisão do respectivo infrator, mais precisamente o art. 301do CPP. Outro exemplo tradicional é o do oficial de justiça que retira da casa de alguém objetos de sua propriedade, em cumprimento de mandado de penhora contra aquela pessoa. Ora, por um lado, há o dever legal de assim agir, pois que o mandado judicial entregue ao oficial de justiça impõe-lhe o dever de cumpri-lo, não havendo, portanto, crime de furto ou roubo, embora a conduta se ajuste a um ou outro tipo legal. Alguns operadores do direito agem em crasso erro ao defender que os agentes policiais possam, em estrito cumprimento do dever legal, matar criminosos em fuga da prisão, ou em tentativa de evasão após a prática de outro crime. Não atua aqui a referida discriminante, á vista de não haver o dever legal de matar em nosso sistema, à exceção dos crimes de guerra, após sentença lavrada em Corte Marcial. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO Conceito – causa de exclusão da ilicitude que consiste no exercício de uma prerrogativa conferida pelo ordenamento jurídico, caracterizada como fato típico. O fundamento jurídico de tal excludente reside no fato de que a pessoa que exerce um direito dentro do que lhe permite o ordenamento jurídico não pode, da mesma forma, estar agindo contra o direito. Um exemplo de direito conferido a qualquer do povo é a faculdade de realizar a prisão em flagrante. Assim, o particular que a pratica não comete o crime de constrangimento ilegal, a não ser que se exceda em sua conduta. Outro exemplo é a defesa da posse dos bens imóveis, estabelecida no § 1º do art. 1.210 do Código Civil, assim colocado: “O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção ou à restituição da posse”. É consagrado o direito do possuidor, ou do proprietário, de bem imóvel de defendê-lo contra invasões, desde que o faça imediatamente, e com a prática apenas dos atos indispensáveis à defesa da posse. Incluímos também a atividade dos lutadores de artes marciais que, durante as competições esportivas, praticam lesões corporais, mas que, a toda evidência, não o fazem em contrariedade ao Direito, mas dentro do que é um direito: participar das referidas atividades esportivas. Também o ato corretivo empregado na educação dos filhos pelos pais, desde que de forma moderada, será entendido como exercício regular do direito de educar, previsto no art 1634, I do CC. Excesso nas causas excludentes da ilicitude Em qualquer das causas excludentes da antijuridicidade, o excesso que o agente incidir, dolosa ou culposamente, será penalizado. É o que predica o parágrafo único do art. 23, in verbis: “o agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”. As hipóteses justificadoras só afastam a ilicitude da conduta quando o agente faça uso moderado dos meios necessários em sua atuação. O excesso será doloso quando o agente deliberadamente aproveita-se da situação que lhe permite agir para impor sacrifício maior do que o estrito necessário à defesa do direito violado ou ameaçado. Nessa hipótese o agente responderá pelo resultado obtido em excesso, em sua forma dolosa, beneficiando-se somente da atenuante prevista no art. 65, II, c do CP ou, se for o caso de homicídio, poderá incidir na forma privilegiada, prevista no § 1º do art. 121 do CP. Será culposo o excesso quando involuntário, e, assim, só pode decorrer de erro, consistente na avaliação equivocada do agente quanto ao limite da sua atuação, quando, nas circunstâncias, lhe era possível agir adequadamente. Assim, responderá o agente, nesses casos, pelo resultado, em sua forma culposa (* sempre lembrar que a modalidade culposa do crime deve estar tipificada na parte especial. Se não a houver, não há se falar no determinado crime culposo).