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Robert J. Sternberg
Tufts University
com a contribuição dos quadros
"Investigando a Psicologia Cognitiva ", por:
JeffMio
Universidade Estadual da Califórnia - Pomona (EUA)
Revisão Técnica
José Mauro Nunes
ProfessorAdjunto do Departamento de Estudos em Educaçãoà
Distância (DEAD) da Faculdade de Educação da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro - UER.I
Professor Convidado da Fundação Getulio Vargas Management
IDE-FGV-RJ
Doutor em Psicologia Clínicapela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro —PUC-Rio
* CENGAGE
QCJ Learning™
•TRADUÇÃO DA
a
Psicologia Cognitiva
EDIÇÃO NORTE-AMERICANA
Austrália • Brasil «Japão • Coréia • México • Cingapura • Espanha • Reino Unido • Estados Unidos
;\ CENGAGE
ae> Learning-
Psicologia Cognitiva - Tradução da
5*Edição Norte-Americana
RobertJ. Sternberg
Gerente Editorial: Patrícia La Rosa
Editora de Desenvolvimento: Noelma Brocanelli
Supervisora de Produção Editorial: Fabiana Alencar
Albuquerque
Produtora Editorial: Gisele Gonçalves Bueno Quirino
de Souza
Titulooriginal:Cognitive Psychology- 5th edition
ISBN: 978-0-495-50-632-4
Tradução: Anna Maria Dalle Luche e Roberto Galman
Revisão Técnica: José Mauro Nunes
Copidesque: Viviane Akemi Uemura
Revisão: Maria Dofores Delfina Sierra Mata,
Adriane Peçanha
© 2009,2006 Wadsworth, parte da CengageLearning
© 2010 Cengage Learning Edições Ltda.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro
poderá ser reproduzida, sejam quais forem os meios
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de 1998.
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contato pelo telefone 08001119 39
Para permissão de uso de material desta obra, envie
seu pedido para direitosautorais@cengage.com
Diagramação: Megaart Design
Capa: Eduardo Bertolini
© 2010Cengage Learning. Todosos direitos reservados.
ISBN13: 978-85-221-0678-3
ISBN 10: 85-221-0678-9
Cengage Learning
Condomínio E-Business Park
RuaWerner Siemens, m - Prédio 20 - Espaço 04
Lapa de Baixo - CEP 05069-900 - São Paulo - SP
Tel.: (11) 3665-9900 Fax: 3665-9901
SAC: 0800 1119 39
Para suas soluções de curso e aprendizado, visite
www.cengage.com.br
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
1 23456 12 II 10
Sumário
Capítulo
Introdução à Psicologia Cognitiva 1
1
Capítulo Á*
Neurociência Cognitiva 29
Capítulo ~J
Percepção 65
4
Capítulo í
Atenção e Consciência 107
Capítulo *J
Memória: Modelos e Métodos de Pesquisa 153
Capítulo \J
Processos Mnésicos 189
Capítulo 7
Representação e Manipulação do Conhecimento
na Memória: Imagens e Proposições 225
vi Psicologia Cognitiva
Capítulo O
Representação e Organização do
Conhecimento na Memória: Conceitos,
Categorias, Redes e Esquemas 267
O
Capítulo _>/
Linguagem: Natureza e Aquisição 303
Capítulo 1U
A Linguagem no Contexto 339
Capítulo -L J.
Resolução de Problemas e Criatividade 383
Capítulo
Tomada de Decisões e Raciocínio 429
Capítulo
12
13
Inteligência Humana e Artificial 473
Glossário 519
Referências 527
índice remissivo 585
Ao professor
Os Objetivos Originais Deste Livro
Na primeira vez em que me propus a escrever este livro, tanto eu como os meus alunos sa
bíamos o que era necessário haver em um livro didático (ou pelo menos era assim que eu
pensava). Todos queríamos um livro que cumprisse os objetivosque seguem.
1. Combinar legibilidade com integridade. Já aconteceu de eu escolher livros tão difíceis
de digerir que somente osestômagos maispreparados seriamcapazes de digerir aque
lesconteúdos. Já escolhi outrosque, por falta de substância, se desmanchavam feito
algodão-doce. Eu tinha de escrever um livro que desse aos estudantes algo que pu
desse ser mastigado e digerido com facilidade.
2. Equilibrar uma representação clara das questões da Psicologia Cognitiva respeitando os detalhes
importantes do campo. Talvez não hajadisciplina emque tanto a árvore como a floresta
sejamtão importantescomoacontece na Psicologia Cognitiva. Os melhores e mais
duradouros trabalhos neste campo são movidos por questões também duradouras
e fundamentais. Entretanto, este trabalho igualmente trata de detalhes dos métodos e
da análise de dados necessários para produzir resultados significativos.
3. Equilibrar a aprendizagem dos conteúdos com a reflexão a seu respeito. Um psicólogo
cognitivo especializado não só conhece a disciplina como sabe usar o conheci
mento. O conhecimento sem reflexão é inútil, e a reflexão sem o conhecimento é
vazia. Tentei equilibrar o respeito pelo conteúdo com igual respeito pelo seu uso.
Cada capítulo finaliza com diferentes perguntas que enfatizam a compreensão do con
teúdo bem como a reflexão analítica, criativa e prática acerca dele. Os estudantes
que utilizarem este livro aprenderão não apenas as idéias e os fatos básicos da Psi
cologia Cognitiva, como também pensar a partir deles.
4. Reconhecer as tendências tradicionais e as tendências emergentes no campo. Este livro
possui todos os tópicos tradicionais que constam da grande maioria dos livros didá
ticos, incluindo a natureza da Psicologia Cognitiva e como as pessoas pensam sobre
as grandes questões do campo ("Introdução à Psicologia Cognitiva"), percepção
("Percepção"), atenção e consciência ("Atenção e consciência"), memória ("Me
mória: modelos e métodos de pesquisa" e "Processos mnésicos"), representação do
conhecimento ("Representação e manipulação do conhecimento na memória: ima
gens e proposições" e "Representação e organização do conhecimento na memória:
conceitos, categorias, redes e esquemas"), linguagem ("A linguagem: natureza e
aquisição" e "A linguagem no contexto"), resolução de problemas e criatividade
("Resolução de problemas e criatividade") e tomada de decisão e raciocínio ("Ra
ciocínio e tomada de decisão").
Também incluí dois assuntos que normalmente não costumamser incluídos como
capítulos em outras obras. A Neurociência Cognitiva ("Neurociência Cognitiva") está
vii
viii PsicologiaCognitiva
presente porque a linha divisória entre a Psicologia Cognitiva e a Psicobiologia está
cada vez mais difícil de ser delimitada. Atualmente, uma grande quantidade de traba
lhos interessantes está situada na interface entre os dois campos e, assim, sea Psicolo
gia Cognitiva de 20 anos atrás foi capaz de dar conta de seu trabalho sem uma
compreensão das bases biológicas, acredito que, atualmente, esse tipo de psicólogo
cognitivo estaria mal atendido.
Inteligência artificial e humana ("Inteligência humana e artificial") está se tor
nando umcampo cadavez mais importante parao Psicologia Cognitiva. Há 20anos
o campo da inteligência humana era dominado pelas abordagens psicométricas
(baseadas em testes). O campo eradominado porprogramas que, em termos funcio
nais,estavam bastantedistantesdosprocessos do pensamento humano. Hoje em dia,
ambos os campos da inteligência são muito mais influenciados por modelos cogniti
vosoriundos de comoaspessoas processam a informação. Incluíosmodelos baseados
em seres humanos e computadores no mesmo capítulo porque acredito que, seuob
jetivo, em última análise, é o mesmo; ou seja, entender a cognição humana. Embora
o livro termine com o capítulo sobre inteligência, esta também cumpre papel impor
tante no início e no meio do livro, porque é a estrutura organizadora na qual a Psi
cologia Cognitiva se apresenta. Essa estrutura não se dá em termos de um modelo
psicométrico tradicional de inteligência, e sim em termos de inteligênciacomo
es
trutura organizadora para toda a cognição humana.
Tentei equilibrar não apenas os tópicos tradicionais com os novos, mas também
as citações antigas com algumas mais novas. Alguns livros parecem sugerir que
quase nada de novo ocorreu na última década, enquanto outros parecemsugerir
que a Psicologia Cognitiva foi inventada nesse mesmo período. O objetivo
deste livro é equilibrar a citação e a descrição de estudos clássicos com igual
atenção às contribuições recentes ao campo.
5. Mostrar a unidade básica da Psicologia Cognitiva. Por um lado, os psicólogos cogniti
vos discordam com relação ao grau em que os mecanismos cognitivos são mais ge
rais ou específicos. Por outro, acredito que quase todos os psicólogos cognitivos são
da opinião de que há uma unidade funcional básica na cognição humana. Essa uni
dade, acredito, se expressa por meio do conceito da inteligência humana. O con
ceito de inteligência pode ser visto como um guarda-chuva por meio do qual se
pode entender a natureza adaptativa da cognição humana. Por meio desse conceito
simples, a sociedade, bem como a ciência psicológica, reconhecem que, por mais
diversificada que possa ser, a cognição se articula para nos proporcionar uma ma
neira funcionalmente unificada de entendermos e de nos adaptarmos ao ambiente.
Sendo assim, a unidade da cognição humana, expressa pelo conceitode inteligên
cia, serve como mensagem integradora deste livro.
6. Equilibrar várias formas de aprendizagem e instrução. Os estudantes aprendem melhor
diante de conteúdos apresentados de diversas formas e a partirde diferentes pontos
de vista. Com esse objetivo, procurei obter um equilíbrio entre uma apresentação
tradicional de texto, uma série de tipos de perguntas sobre o conteúdo (factuais,
analíticas, criativas, práticas), uma demonstração de idéias fundamentais da Psico
logia Cognitiva e "Leituras sugeridas comentadas" que osestudantes podem consul
tar se quiserem ter mais informações sobre o tema. Uma descrição dos capítulos, no
início decada umdeles, também serve como um organizador avançado doque virá.
As perguntas de abertura e as respostas de fechamento ajudam osestudantes a apre
ciar as principais questões bem como os progressosque já foram feitos no sentido de
respondê-las. O texto em si enfatiza a forma como as idéias atuais evoluíram das
Ao professor ix
passadas e como essas idéias tratam de perguntas que os psicólogos cognitivos ten
taram responder em suas pesquisas.
Agradecimentos
Sou grato a todos os revisores que contribuíram para o desenvolvimento deste livro: Susan
E. Dutch, Westfield State College; Jeremy Gottlieb, Carthage College; Andrew Herbert,
RochesterInstitute ofTechnology; Christopher B. Mayhorn, North Carolina State Univer
sity; Padraig G. 0'Seaghdha, Lehigh University; Thad Polk, University ofMichigan; David
Somers, Boston University.
Também agradeço a Jessica Chamberland, Ph.D., Tufts University, por sua inestimável
ajuda na produção desta revisão. Também quero agradecer a Dan Moneypenny, meu editor
de desenvolvimento, e a Leah Bross, minhaeditora de produção.
Sobre o Autor
ROBERT J. STERNBERG
Robert J. Sternberg é decano da
Escola de Artes e Ciências, pro
fessor de Psicologia e professor
adjunto de Educação na Tufts
University. E também professor
honorário de Psicologia no De
partamento de Psicologia na
University of Heidelberg,em Hei-
delberg, Alemanha. Antes de
aceitar sua posição na Tufts, foi
professor IBM de Psicologia e Educação do
Departamento de Psicologia, professor de
Gerenciamento na Escola de Gerenciamento,
e diretor do Centro para Psicologia de Habi
lidades, Competências e Especialidades na
Yale University. Esse Centro, agora situado
na Tufts University, é dedicado ao avanço da
teoria, pesquisa, prática e avanço nas políti
cas do conceito de inteligência como uma
perícia em desenvolvimento - como um cons-
tructo que é modificável e capaz, até certo
ponto, de desenvolver-se ao longo da vida. O
Centro busca obter impactos na ciência, na
educação e na sociedade.
Em 2003, Sternberg foi presidente da As
sociação Americana de Psicologia [American
Psychological Association - APA] e, em
2006-2007, foi presidente da Associação de
Psicologia do Leste [Eastern Psychological
Association]. É presidente eleito da Associa
ção para Educação e Psicologia Cognitiva
[Association for Cognitive Education and
Psychology]. Fez parte da diretoria e do con
selho gestor da APA (2002-2004).
Fez parte da diretoria da Associação de
Psicologia do Leste (2005-2008) e da Asso
ciação Americana de Faculdades e Universi
dades [American Association of Colleges and
Universities] (2007-2009). Tam
bém é presidente do Comitê de
Publicações da Associação Ame
ricana de Pesquisa Educacional
[American Educational Research
Association - AERA]. Stern
berg foi presidente das divisões
de Psicologia Geral, Psicologia
Educacional, Psicologia e Ar
tes, Psicologia Filosófica e Teó
rica da APA. Sternberg atua como presidente
interino e diretor de estudos de graduação no
Departamento de Psicologia da Universidade
de Yale.
Sternberg obteve Ph.D. pela Universidade
de Stanford, em 1975, e bacharelado summa
cum laude, Phi Beta Kappa, com louvor e dis
tinção excepcional em Psicologia, pela Uni
versidade de Yale, em 1972. Também possui
doutorado honorário pela UniversidadeCom-
plutense de Madri (Espanha); Universidade de
Leuven (Bélgica); Universidade do Chipre;
Universidade de Paris V (França); Universi
dade Constantino O Filósofo, (Eslováquia);
Universidade de Durham (Inglaterra); Uni
versidade do Estado de São Petersburgo (Rús
sia); Universidade de Tilburg (Holanda) e
Universidade Ricardo Palma (Peru).
E autor de aproximadamente 1.200 arti
gos publicados, de capítulos de livros e de li
vros; recebeu mais de 20 milhões de dólares
entre verbas governamentais, bolsas de estu
dos e contratos para sua pesquisa. O foco
central de sua pesquisa é a inteligência, a
criatividade e a sabedoria, e também estudou
o amor e o ódio em relacionamentos afeti
vos. Suas pesquisas têm sido desenvolvidas
nos cinco continentes.
XI
XÜ Psicologia Cognitiva
Sternberg também é membro da Acade
mia Americana de Artes para o Avanço da
Ciência [American Academy of Arts for Ad-
vancement of Science] da APA (em 15 divi
sões), da Sociedade Americana de Psicologia
[American Psychological Society - APS],
da Associaçãode Psicologia de Connecticut
[Connecticut Psychological Association],
da Real Sociedade Norueguesa para Ciên
cias e Letras; da Associação Internacional
para Estética Empírica, do laureado capí
tulo da Kappa Delta Pi e da Sociedade de
Psicólogos Experimentais. Recebeu vários
prêmios dessas e de outras organizações, en
tre eles, o "Arthur W. Staats Award", da
Fundação Americana de Psicologia [Ame
rican Psychological Foundation] e da So
ciedade para a Psicologia Geral [Society
for General Psychology].
Foiagraciadocom o "Prêmio E.L.Thorn-
dike" pelo Conjunto da Obra em Psicologia
da Educação; prêmio da Sociedade de Psico
logia da Educação da APA; os prêmios "Ar-
nheim" e "Farnsworth", da Sociedade para a
Psicologia da Criatividade, Estética e Artes
[Society for the Psychology of Creativity,
Aesthetics and the Arts], da APA; o prêmio
"Boyd R. McCandless", da Sociedade para
Desenvolvimento da Psicologia da Associa
ção APA; o Prêmio por Distinção pela Con
tribuição no Início de Carreira, da APA; o
Prêmio Acadêmico de Distinção Científica
de Rede de Psicologia Positiva [Positive
Psychology Network Distinguished Scientist
and Scholar Award]; o "Palmer O. Johnson",
da Research Review, Outstanding Book; o
prêmio"SylviaScribner", da AERA; o prêmio
"James McKeen Cattei", da APS; o Prêmio por
Distinção pela Contribuição Vitalícia à Psi
cologia, da Associação de Psicologia de Con
necticut; o prêmio "Anton Jurovsky", da
Sociedade de Psicologia da Eslováquia; o
Prêmio Internacional da Associação Portu
guesa de Psicologia; Distinção por Contri
buição e prêmio "E. Paul Torrance", da
Associação Nacional para as Crianças Su
perdotadas [National Association for Gifted
Children]; prêmio "Cattell", da Sociedade
de Psicologia Multidisciplinar e Experimen
tal [Society for Multivariate Experimental
Psychology]; o "Prêmio por Excelência", da
Fundação Mensa para Educação e Pesquisa
[Mensa Education and Research Foundation);
"Distinção por Honra" SEK,do Instituto SEK,
de Madri; o prêmio "Memorial Sydney Sie-
gel", da Universidade de Stanford e o prêmio
"Wohlenberg", da Universidade de Yale.
Sternberg ainda faz parte da Sociedade
Fullbright de Especialistas Sêniores para Eslo
váquia [Fulbright Sênior Specialist Fellowship
to Slovakia]; é membro da IREX (Rússia);
membro da Fundação Guggenheim, da Uni
versidade Sênior e Faculdade Júnior, em Yale,
além de ser membro graduado da Fundação
Nacional de Ciência. Também é membro ho
norário do Conselho Nacional de Ciência de
Taiwan e membro do Professorado Visitante
do Memorial Sir Edward Youde, da Universi
dade da Cidade de Hong Kong.
Na APA Monitor em Psicologia, Stern
berg é um dos 100 maiores psicólogos do sé
culo XX e foi relacionado pelo 1SI como um
dos autores maiscitados (top \á%) em Psicolo
gia e Psiquiatria. Também estava na lista dos
Homens e Mulheres Notáveis com menos de
40 anos, da revista Esquire, e na lista dos 100
maiores jovens cientistas na Science Digest.
Atualmente, faz partedo Quem é Quem [\v7io's
Who inAmerica], nos Estados Unidos; Quem é
Quem no Mundo [Who's Who in the World\;
Quem é Quem no Ocidente [Who's Who inthe
East]; Quem é Quem em Medicina e Saúde
[Who's Who in Medicine and Healthcare];
Quem é Quem em Ciências e Engenharia
[Who's Who in Science and Engineering].
Atuou como editor do Boletim Psicológico
[Psychological Buüetin] e da Resenha de Livros
da Psicologia Contemporânea da APA [Re-
view of Books Contemporary Psychology] e
como editor associado da publicação De
senvolvimento Infantil e Inteligência [Child
Development and InteÜigence]. Sternberg é mais
conhecido por teorias como: a Teoria da Inte
ligência Bem-Sucedida, a Teoria de Investi
mento em Criatividade (desenvolvida em
conjunto com Todd Lubart), a Teoriados Esti
los de Pensamento Autodirigidos pela Mente,
a Teoria do Equilíbrio da Sabedoria, a Teoria
WICS - de Liderança e a Teoria Dupla do
Amor e do Ódio.
Introdução à Psicologia
Cognitiva
CAPITULO
i
EXPLORANDO A PSICOLOGIA COGNITIVA
1. O que é Psicologia Cognitiva?
2. De que modo a Psicologia evoluiu como ciência?
3. De que modo a Psicologia Cognitiva evoluiu a partir da Psicologia?
4. De que modo as outras disciplinas contribuíram para o desenvolvimento da teoria e
da pesquisa na Psicologia Cognitiva?
5. De quais métodos a Psicologia Cognitiva se utiliza para estudar a maneira como as
pessoas pensam?
6. Quais são as questões atuais e os vários campos de estudo dentro da Psicologia
Cognitiva?
Definindo Psicologia Cognitiva
O que você vai estudar em um livro sobre Psicologia Cognitiva?
1. Cognição: as pessoas pensam.
2. Psicologia Cognitiva: os cientistas pensam sobre como as pessoas pensam.
3. Estudantes de Psicologia Cognitiva: as pessoas pensam sobre o que os cientistas pen
sam sobre como as pessoas pensam.
4. Professores que lecionam Psicologia Cognitiva: releia os itens anteriores.
Para sermos mais específicos, a Psicologia Cognitiva é o estudo de como as pessoas perce
bem, aprendem, lembram-se e pensam sobrea informação. Um psicólogo cognitivopoderá
estudar comoas pessoas percebem várias formas, porquese lembram de alguns fatos e se es
quecemde outros, ou mesmo porque aprendem uma língua. Vejamos alguns exemplos:
• Por que os objetos parecem estar mais distantes do que realmente estão em dias ne
bulosos? Essa discrepância pode ser perigosa, inclusive enganando motoristas e cau
sando acidentes.
• Por que muitas pessoas conseguem se lembrar de uma experiência em especial, por
exemplo de um momento muito feliz ou algum constrangimento na infância, mas es
quecem os nomes de pessoas que conhecem há muitos anos?
2 Psicologia Cognitiva
• Porque muitas pessoas têm mais medo de viajar de avião do que de carro? Afinal, as
chances de acidente e morte são muito maiores no carro do que no avião.
• Por que sempre me lembro mais de alguém da minha infância do que de alguém que
conheci na semana passada?
• Porque os políticos gastam tanto dinheiro com suas campanhas na televisão?
Consideremos apenas a última dessas perguntas: Por que os políticos gastam tanto di
nheiro com suas campanhasna televisão? Afinal, quantas pessoas conseguem se lembrar dos
detalhes das propostas políticas dos candidatos oudequemaneira essas propostas diferem das
dos outros candidatos? Uma das razões pelasquais os políticos gastam tanto é a disponibili
dade heurística, que vamos estudar, no Capítulo 12, em "Raciocínio e tomada de decisão".
Com a utilização da heurística, podemos fazer julgamentos baseados em quão facilmente
recordamos algo percebidocomo instâncias relevantes de um fenômeno (Tversky, Kahne-
man, 1973). Tais julgamentos constituem a questão: em quem se deve votar em uma elei
ção. A tendência é votarem nomes familiares. Tom Vilsack, governador do estado de Iowa,
Estados Unidos, na ocasião da campanha pelas primárias em 2008, iniciou, mas rapida
mente desistiu, da competição para ser indicado como candidato à presidência dos Estados
Unidos. Sua desistência não ocorreu porque suas idéias diferiam das do partido. Ao contrá
rio, o Partido Democratagostava muito de suaplataforma. Na verdade, Vilsack desistiu por
que a falta de reconhecimento de seu nome inviabilizou o levantamento de recursos para
sua campanha. Ao final, os possíveis doadores sentiram que o nome de Vilsack não tinha
disponibilidade suficiente para que os eleitores votassem nele. Mitt Romney, outro candi
dato republicano não tão conhecido, entrou na disputa das primárias com John McCain e
Rudy Giuliani. Investiu muito dinheiro apenas para fazer com que seu nome pudesse ficar
psicologicamente disponível ao grande público. A verdade é que com a compreensão da
Psicologia Cognitiva, as pessoas conseguem entender muito daquilo que acontece no dia-
-a-dia de suas vidas.
Este capítulo introduz o campo da Psicologia Cognitiva. Descreve um pouco da histó
ria intelectual do estudo do pensamento humano. Dá ênfase especial a algumas questões
que surgem sempre que pensamos em como as pessoas pensam. A seguir, um breve resumo
dos métodos mais importantes, das questões e das áreas temáticas da Psicologia Cognitiva.
Por que estudamos a história deste campo ou de qualquer outro, então? De um lado,
quando sesabe deonde se vem, pode-se compreender melhor o percurso da jornada. Porou
tro, o ser humano aprende com os erros passados. Dessa forma, quando se comete algumerro,
este é novo, ou seja, já não é mais igual ao anterior. Mudou-se muito a maneira de lidar com
as questões fundamentais da vida. Contudo, algumas permanecem iguais. Em última análise,
pode-se aprender alguma coisa sobre como aspessoas pensam estudando como pensam sobre
o pensar.
O avanço das idéias, muitas vezes, implica uma dialética. Dialética é umprocesso de in
cremento emqueas idéias evoluem como passar do tempo pormeio de umpadrão de trans
formação. Qual é este padrão? Em uma dialética:
• Propõe-se uma tese. Uma tese é o enunciado de uma opinião. Por exemplo, muita
gente acredita que a natureza humana governa muitos aspectos do comportamento
humano, como a inteligência ou a personalidade (Sternberg, 1999). Entretanto, de
pois de algum tempo, alguns indivíduos observam falhas nessa tese.
• Cedo ou tarde, ou talvez logo em seguida, surge uma antítese. Uma antítese é um
enunciado que contraria a primeira opinião. Por exemplo, uma visão alternativa é
Capítulo 1 • Introdução à PsicologiaCognitiva 3
que nossa criação (o contexto ambiental
em que somos criados) determina quase
inteiramente muitos aspectos do comportamento humano.
• Impreterivelmente, o debate entre a tese e a antítese conduz a uma síntese. Uma
síntese integra os aspectos mais confiáveis de cada uma das duas (ou mais) visões.
Por exemplo, no debate sobre a relação entre inato e adquirido, a interação entre
a nossa natureza inata e o contexto ambiental pode reger a natureza humana.
E importante compreender a dialética porque, às vezes, podemos pensar que, se uma
opinião está certa, outra, aparentemente contrastante, então, deverá estar errada. Por
exemplo, no meu próprio campo de conhecimento, ocorreu, muitas vezes, uma tendência
a se acreditar que a inteligência tanto pode ser inteira ou quase totalmente determinada
pela genética, ou então, que é completa ou quase inteiramente determinada pelo am
biente. Um debate similar também surgiu no campo de aquisição da linguagem. Embora
quase sempre, para nós, é melhor acreditar que tais assuntos não são questões excludentes
por si só, mas que são apenas exames de como as forças diferentes variam e interagem umas
com as outras. Na verdade, a mais recente controvérsia é que as opiniões sobre "natureza"
e "criação" são incompletas. Em nosso desenvolvimento, natureza e criação operam de ma
neira conjunta.
Se uma síntese fizer avançar o conhecimento sobre um determinado assunto, então ser
virá como uma tese nova. Emseguida, surgiráuma nova antítese, e assim por diante. Georg
Hegel (1770-1831) observou essa progressão dialética de idéias. Hegel foi um filósofo ale
mão que chegou às próprias idéiaspor intermédio da dialética, sintetizando algumas das opi
niões de seus antecessores e contemporâneos.
Antecedentes Filosóficos da Psicologia:
Racionalismo versus Empirismo
Onde e como começou o estudo da Psicologia Cognitiva? Normalmente, os historiadores
da Psicologia identificam suas primeiras raízes em duas abordagens diferentes para a com
preensão da mente humana:
• A Filosofia busca entender a natureza geral de muitos aspectos do mundo, parte por
meio da introspecção, ou seja, o exame das idéias e experiências internas (íntro = para
dentro; spectione = olhar, inspecionar).
• A Fisiologia busca um estudo científico das funções vitais dos organismos vivos, basi
camente por meio de métodos empíricos (baseados na observação).
O Racionalismo e o Empirismo são duas abordagens para o estudo da mente. O racio
nalista acredita que o caminho para o conhecimento se dá por meio da análise lógica. Em
contrapartida, Aristóteles (naturalista e biólogo, além de filósofo) foi um empirista. O em-
pirista acredita que se adquire conhecimento por meio da evidência empírica, ou seja, esta
evidência é obtida por intermédio da experiência e da observação (Figura 1.1).
O Empirismo orienta diretamente à investigação empírica da Psicologia. Ao contrário,
o Racionalismo é muito importante no desenvolvimento da fundamentação teórica. As teo
rias racionalistas, semqualquer ligação com a observação, não podem ser, portanto, válidas.
Entretanto, grandesquantidades de dadosempíricos, sem uma estrutura teórica organizadora,
também podem não fazer sentido. Podemos considerar a visão racionalista do mundo como
uma tese, enquanto a visão empirista seria a antítese. A maioria dos psicólogos, atualmente,
Psicologia Cognitiva
FIGURA 1.1
(a)
(a) Segundo oracionalista, o único caminho para a verdade éa reflexão contemplativa; (b)Segundo o empirista, oúnico
caminho para a verdade é a observação meticulosa. A Psicologia Cognitiva, assim como outras ciências, depende do
trabalho tanto dos racionaiistas comodos empiristas.
buscam a síntese dessas duas teses. Fundamentam suas observações empíricas na teoria. Por
outro lado, usam essas observações para revisar suas próprias teorias.
As idéias contrastantes do Racionalismo e do Empirismo tomaram-se notórias a partir
do racionalista francês René Descartes (1596-1650) e do empirista inglês John Locke
(1632-1704). Descartes considerava o método introspectivo e reflexivo superior aos méto
dos empíricos paraseencontrar a verdade. Locke, porsuavez, era muitoentusiasmado com
o método da observação empírica (Leahey, 2003).
Locke acreditava que os seres humanos nascem sem qualquer conhecimento e, por
tanto, precisam buscá-lo por meioda observação empírica. O conceito de Locke para isso é
o termo tabula rasa (que em latim significa "folha de papel em branco"). Sua idéia é de que
a vida e a experiência"escrevem" o conhecimento no indivíduo. Sendo assim, para Locke,
o estudo da aprendizagem era fundamental para a compreensão da mente humana. Ele acre
ditava que não existiam de forma alguma idéias inatas. No século XVIII, o filósofo alemão
Immanuel Kant (1724-1804) sintetizou dialeticamente as idéias de Descartes e Locke argu
mentando que tanto o Racionalismo como o Empirismo têm seu lugar e que ambos devem
trabalhar juntos na busca pela verdade. Atualmente, a maioria dos psicólogos aceita a sín
tese de Kant.
Antecedentes Psicológicos da Psicologia Cognitiva
As Primeiras Dialéticas na Psicologia da Cognição
Estruturalismo
Uma das primeiras dialéticas na história da Psicologia ocorreu entre o Estruturalismo e o
Funcionalismo (Leahey, 2003; Morawski, 2000). O Estruturalismo foi a primeira grande es
colade pensamento na Psicologia, quebusca entendera estrutura (configuração dos elemen
tos) da mente e suas percepções pela análise dessas percepções em seus componentes
constitutivos. Consideremos, por exemplo, a percepção de uma flor.
Os estruturalistas analisam essapercepção em termos de cor, forma geométrica, relações
de tamanho e assim por diante.
Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 5
Um psicólogo alemão cujas ídeias mais tarde contribuiriam para o desenvolvimento do
Estruturalismo foi Wilhelm Wundt (1832-1920). Wundt nem sempre foi considerado o fun
dador da Psicologia Experimental e usava uma grande variedade de métodos em suas pesqui
sas. Um deles era a introspecção. Introspecção é um olhar interior para as informações que
passam pela consciência. Um exemplo são as sensações experimentadas quando se olha para
uma flor. Com efeito, analisamos nossas própriaspercepções. Wundt defendia o estudo das ex
periências sensoriais por meio da introspecção.
Wundt teve muitos seguidores, sendo um deles o norte-americano Edward Titche-
ner (1867-1927). Titchener (1910) ajudou a trazer o Estruturalismo para os Estados Uni
dos. Outros psicólogos pioneiros criticaram tanto o método (introspecção) como o foco
(estruturas elementares da sensação) do Estruturalismo.
Funcionalismo: Uma Alternativa para
o Estruturalismo
Uma alternativa para o Estruturalismo sugeriaque os psicólogos deveriam concentrar-se mais
nos processos do pensamento do que nos conteúdos. O Funcionalismo busca entender o que as
pessoas fazem e por que o fazem. Esta pergunta principal estava em desacordo com os estru-
turalistas, que queriam saber quais eram os conteúdos elementares (estruturas) da mente
humana. Os funcionalistas sustentavam que a chave para o entendimento da mente humana
e dos comportamentos era o estudo dos processos de como e por que a mente funciona como
funciona, em vez de estudar os conteúdos e os elementos estruturais da mente.
Os funcionalistas estavam unidos pelos tipos de perguntas que faziam, mas não necessa
riamente pelas respostas que encontravam ou pelos métodos que utilizavam para chegar a es
sas respostas. Como os funcionalistas acreditavam no uso de qualquer método que melhor
respondesse às perguntas de um determinado pesquisador, parece natural que o Funcionalismo
tenha levado ao Pragmatismo. Os pragmatistas acreditam que o conhecimento só pode ser va
lidado por sua utilidade: o que se pode fazer com isto? Estão interessados não apenas em sa
ber o que as pessoasfazem, mas também querem descobrir o que podemos fazer com o nosso
conhecimento sobre o que as pessoas fazem. Por exemplo, eles acreditam
na importância da
Psicologia do Aprendizado e da Memória. Por quê? Porque pode nos ajudar a melhorar o de
sempenho das crianças na escola. O Pragmatismo também pode nos auxiliar a lembrar o
nome de pessoas que conhecemos, mas do qual nos esquecemos rapidamente.
Agora, imagine-se colocando a idéia do Pragmatismo em prática. Pense so
bre as maneiras de tornar a infonnação que você está aprendendo neste livro
de modo que sejam mais úteis a você. Parte desse trabalho já foi feito - veja
que o capítulo começa com questões que tornam as informações mais
coerentes e úteis, e o resumo retorna a essas perguntas. O texto responde
de modo satisfatório às questões apresentadas no início do capítulo? Ela
bore suasperguntas e suas anotações sob a forma de respostas. Além disso,
tente estabelecer uma relação deste material com o de outros cursos ou
atividades das quais participa. Por exemplo, você pode ser chamado a ex
plicar a um amigo como funciona um programade computador. Uma boa
formade começar seria perguntar a essapessoa se ela tem alguma pergunta
a respeito. Assim, as informações que você oferecer serão mais úteis ao seu
amigo, em vez de obrigá-lo a buscar a informação de que necessita em uma
exposição longa e unilateral.
APLICAÇÕES
PRÁTICAS DA
PSICOLOGIA
COGNITIVA
6 Psicologia Cognitiva
Um líder na condução do Funcionalismo em direção ao Pragmatismo foi William James
(1842-1910). Sua principal contribuição ao campo da Psicologia foi um único livro: Prin
cípios da Psicologia (1890/1970). Ainda hoje, os psicólogos cognitivos apontam, com fre
qüência, os escritos de James nas discussões de questões centrais em seu campo de
conhecimento, como atenção, consciência e percepção. John Dewey (1859-1952) foi mais
um dos primeiros pragmatistas que influenciaram de maneira profunda o pensamento con
temporâneo na Psicologia Cognitiva. Dewey é lembrado basicamente por sua abordagem
pragmática acerca do pensamento e da educação.
Associacionismo: Uma Síntese Integradora
O Associacionismo, assim como o Funcionalismo, foi menos uma escola sistemática de
Psicologia e mais uma forma de pensar influente. O Associacionismo investiga como os even
tos e as idéias podem se associar na mente propiciando a aprendizagem. Por exemplo, as
associações podem resultar da contiguidade (associar informações que tendem a ocorrer jun
tas ou quase ao mesmo tempo), da similaridade (associarassuntoscom traços ou propriedades
semelhantes) ou do contraste (associar assuntos que parecem apresentar polaridades, como
quente/frio, claro/escuro, dia/noite).
No fim dos anos 1800, o associacionista Hermann Ebbinghaus (1850-1909) foi o pri
meiro pesquisador a aplicar os princípios associacionistas de maneira sistemática. Ebbin
ghaus estudou e observou especificamente seus próprios processos mentais. Contou os
próprios erros e registrou seus tempos de resposta. Por meio de autoobservações, estudou
como as pessoas aprendem e se lembram dos conteúdos por meio da repetição consciente do
material a ser aprendido. Entre outras conclusões, descobriu que a repetição possibilita fi
xar as associações mentais de maneira mais consistente na memória. Dessa forma, a repeti
ção auxilia o aprendizado (ver o Capítulo 6).
Outro associacionista influente, Edward Lee Thorndike (1874-1949), sustentava que
o papel da "satisfação" é a chave para a formação de associações. Thorndike chamou esse
princípio de Lei do Efeito (1905): um estímulo tenderá a produzir uma determinada resposta
ao longo do tempo se o organismo for recompensado com essa resposta. Ele acreditava que
um organismo aprendia a responder de uma determinada maneira (o efeito) em uma dada
situação se fosse constantemente recompensado por isso (a satisfação, que serve como estí
mulo para ações futuras). Assim, uma criança que recebe uma recompensa por resolver cor
retamente problemas de aritmética, irá aprender a fazê-lo sempre assim, porque estabelece
uma associação entre a solução válida e a recompensa.
Do Associacionismo ao Behaviorismo
Outros pesquisadores contemporâneos de Thorndike conduziram experimentos com ani
mais para investigar as relações de estímulo e resposta com métodos diferentes dos utilizados
por Thorndike e seus colegas associacionistas. Esses cientistas transpuseram a linha entre o
Associacionismoe o campo emergente do Behaviorismo. O Behaviorismo é uma perspectiva
teórica segundo a qual a Psicologia deveria se concentrar apenas na relação entre o com
portamento observável, de um lado, e os eventos ou estímulos ambientais, de outro. A idéia
era materializar o que quer que tenha sido denominado de "mental" (Lycan, 2003). Alguns
desses pesquisadores, como Thorndike e outros associacionistas, estudaram respostas volun
tárias (embora, talvez, carecessem de algum pensamento consciente, como no trabalho de
Thorndike). Outros estudaram respostas desencadeadas involuntariamente em resposta ao
que parecem ter sido eventos externos não relacionados.
Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 7
Na Rússia,o fisiologista ganhador do Prêmio Nobel, Ivan Pavlov (1849-1936) pesquisou
esse tipo de comportamento de aprendizado involuntário, começando com a observação de
cachorros salivando ao, simplesmente, verem o técnico do laboratório que os alimentava.
Essa respostaocorria antes mesmoque os cachorros vissem se o técnico lhes trazia comida ou
não. Para Pavlov, essa resposta indicava uma forma de aprendizado: o aprendizado clássico
condicionado, sobre o qual os cachorros não tinham qualquer controle consciente..Na mente
deles, algum tipo de aprendizado involuntário relacionava o técnico à comida (Pavlov,
1955). O extraordinário trabalho de Pavlov abriu caminho para o desenvolvimento do
Behaviorismo. O condicionamento clássico compreende mais do que uma simples associa
ção com base na contiguidade temporal, por exemplo, a comidae o estímulo condicionado
que ocorriam quase ao mesmo tempo (Rescorla, 1967). O condicionamento eficaz requer
contingência, por exemplo, a apresentação de comida sendo contingente com a apresenta
ção do estímulo condicionado (Rescorla e Wagner, 1972;Wagner e Rescorla, 1972).
O Behaviorismo pode ser interpretado como uma versão extrema do Associacionismo,
que se concentra inteiramente na associação entre o ambiente e um comportamento obser
vável. Segundo alguns behavioristas radicais, quaisquer hipóteses a respeito de pensamen
tos e formas de pensar internas são mera especulação.
Os Proponentes do Behaviorismo
O "pai" do Behaviorismo radical foi John Watson (1878-1958). Watson não via qualquer
utilidade para os conteúdos ou mecanismos mentais internos e acreditava que os psicólogos
deveriam se concentrar apenas no estudo do comportamento observável (Doyle, 2000).
Eledescartou o pensamento como fala subvocalizado. O Behaviorismo era também diferente
dos movimentos anteriores da Psicologia por redirecionar a ênfase da pesquisa experimental
em animais ao invés de humanos. Historicamente, grande parte do trabalho behaviorista
tem sido até hoje realizada com animais de laboratório, como ratos, por possibilitarem um
controle muito maior sobre os relacionamentos entre o ambiente e o comportamento em
relação a ele. Contudo, um problema com relação à utilização de animais é determinar se a
pesquisa pode sergeneralizada em seres humanos (ou seja, aplicada de forma mais geral a seres
humanos ao invés de apenas aos tipos de animais estudados).
B. F. Skinner (1904-1990), behaviorista radical, acreditava que quase todas as formas do
comportamento humano, e não apenas o aprendizado, podiam ser explicadas por compor
tamentos emitidos em resposta ao ambiente. Skinner desenvolveu pesquisas basicamente
com animais não-humanos e rejeitou os mecanismos mentais, acreditando, por outro lado,
que o condicionamento operante - que envolvia o fortalecimento ou o enfraquecimento do
comportamento, dependente da presença ou ausência de reforço (recompensa) ou punição
- pudessem
explicar todas as formas do comportamento humano. Skinner aplicou sua aná
lise experimental do comportamento a muitos fenômenos psicológicos, tais como a aprendi
zagem, a aquisição da linguagem e a resolução de problemas. Principalmente por causa da
presença intensa de Skinner, o Behaviorismo dominou o campo de estudosda Psicologia por
muitas décadas.
Os Behavioristas se Atrevem a Espiar Dentro da Caixa Preta
Alguns psicólogos rejeitaram o Behaviorismo radical. Tinham muita curiosidade em saber
o que havia nessa caixa misteriosa. Por exemplo, Edward Tolman (1886-1959) acreditava
que, para entender o comportamento, era necessáriose levar em conta o propósitoe o plano
para o comportamento. Tolman (1932) acreditava que todo comportamento era dirigido a
algum objetivo. Por exemplo: o objetivo de um rato em um labirinto de laboratório seria o
de encontrar comida dentro desse labirinto. Tolman é tido, por vezes, como um precursor
da moderna Psicologia Cognitiva.
8 Psicologia Cognitiva
Outra crítica ao Behaviorismo (Bandura, 1977b) é que, nele, o aprendizado surge não
apenas em função de recompensas diretas pelo comportamento. Também pode ser social,
resultando de observações das recompensas ou punições dadas aos outros. A capacidade
para aprender por meio da observação está bem documentada e pode ser comprovada em
seres humanos, macacos, cães, pássaros e até mesmo em peixes (Brown, Laland, 2001; La-
land, 2004; Nagell, Olguin, Tomasello, 1993). No ser humano, essa habilidade está pre
sente em todas as idades, sendo observada tanto em crianças como em adultos (Mejia-Arauz,
Rogoff, Paradise, 2005). Essa teoria dá ênfase à maneira como se observa, se modela, o pró
prio comportamento a partir do comportamento dos outros. Aprendemos pelo exemplo.
Esta consideração de aprendizado social abre caminho para se examinar o que está aconte
cendo na mente do indivíduo.
Psicologia da Gestalt
Dentre os inúmeros críticos do Behaviorismo, os psicólogos da Gestalt certamente estão
entre os mais ávidos. A Psicologia da Gestalt afirma que se compreende melhor os fenôme
nos psicológicos quando se olha para eles como todos organizados e estruturados. Se
gundo essa visão, não se pode compreender totalmente o comportamento quando se
desmembram os fenômenos em partes menores. Por exemplo, os behavioristas têm a ten
dência de estudar a resolução de problemas buscando o processamento subvocal - eles
buscam o comportamento observável por meio do qual a resolução do problema pode ser
compreendida. Os gestaltistas, ao contrário, estudam o insight, buscando entender o
evento mental não observável por meio do qual alguém vai do ponto em que não tem
idéia de como resolver um problema até o ponto em que entende completamente em um
simples instante de tempo.
A máxima "o todo é diferente da soma de suas partes" resume muito bem a perspectiva
gestaltista. Para entender a percepção de uma flor, por exemplo, teríamos de levar em conta
o todo da experiência. Não se poderia entender essa percepção em termos de uma descri
ção de formas, cores, tamanhos e assim por diante. Da mesma forma, como mencionado no
parágrafo anterior, não poderíamos entender a resolução de problemas simplesmente exa
minando os elementos isolados do comportamento observável (Kõhler, 1927, 1940; Wer-
theimer, 1945/1959).
O Surgimento da Psicologia Cognitiva
Uma abordagem mais recente é o Cognitifismo, ou seja, a crença de que grande parte do
comportamento humano pode ser compreendida a partir de como as pessoas pensam. O
Cognitivismo é, em parte, uma síntese das formas anteriores de análise, como o Behavio
rismo e o Gestaltismo. Da mesma forma que o Gestaltismo, a Psicologia Cognitiva utiliza
uma análise quantitativa precisa para estudar como as pessoas aprendem e pensam.
O Papel Inicial da Psicobiologia
Ironicamente, um dos ex-alunos de Watson, Karl Spencer Lashley (1890-1958), questionou
de forma contundente a teoria behaviorista de que o cérebro é um órgão passivo que simples
mente reage às contingências comportamentais fora do indivíduo (Gardner, 1985). Ao con
trário, Lashleyconsidera o cérebro como um organizadorativo e dinâmico do comportamento.
Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 9
Lashley buscavaentender de que maneira a macro-organização do cérebro humano tomava
possível a execução de atividades planejadas tão complexas como apresentações musicais,
jogos e o uso da linguagem. Nenhuma delas, em sua opinião, poderia ser prontamente
explicável em termos de condicionamento simples.
Na mesma linha, mas em um nível de análise diferente, Donald Hebb (1949) propôs o
conceito de conjuntos de células como base para o aprendizado no cérebro. Esses conjuntos
são estruturas neurais coordenadas que se desenvolvem por meio da estimulação freqüente.
Eles se desenvolvem ao passar do tempocom a capacidade de um neurônio (célulanervosa),
ao ser estimulado, disparar outro neurônio conectado. Os behavioristas não aproveitaram
esta rara oportunidade para concordar com Lashley e Hebb. Na verdade, o behaviorista B. F.
Skinner (1957) escreveu um livro inteiro descrevendo como a aquisição e o uso da lingua
gem poderiam serexplicados unicamente em termos de contingências ambientais. Esse tra
balho levoua estrutura teórica de Skinner longedemais, deixando-o livrepara sercontestado.
E tal contestaçãoestavaa caminho. O lingüista Noam Chomsky (1959) fez duras críticas às
idéias de Skinner. Emseuartigo, Chomsky ressaltou tanto a basebiológica comoo potencial
criativoda linguagem, apontando para a infinitaquantidade de sentençasque podemos pro
duzir com facilidade. Sendo assim, desafiou as teorias behavioristas de que a linguagem é
aprendidapor intermédio do reforçamento: até mesmo crianças bem jovensproduzem novas
sentençasa todo o momento,asquais não poderiam ter sidoreforçadas no passado. Chomsky
afirmou que o entendimento da linguagem não está condicionado tanto pelo que já se ou
viu, mas, ao contrário, pelo Dispositivo Inatode Aquisição de Linguagem (DAL) que todos
os seres humanos possuem. Esse dispositivo possibilita ao bebê utilizar o que escuta para
inferir a gramática de seu ambiente lingüístico. Em especial, o DAL limita ativamente o
número de construções gramaticais possíveis. Assim sendo, é a estrutura da mente, e não a
estrutura das contingências ambientais, que orienta a nossa aquisiçãoda linguagem.
Acrescentando uma Pitada de Tecnologia: Engenharia/
Computação e Psicologia Cognitiva Aplicada
No fim da décadade 1950, alguns psicólogos estavam intrigados pela incômoda idéiade que
as máquinas poderiam serprogramadas parademonstrar o processamento inteligente da in
formação (Rychlak, Struckman, 2000). Turing (1950) sugeriu que, em pouco tempo, seria
difícil distinguir a comunicação das máquinas da dos seres humanos. Ele sugeriu um teste,
atualmente chamado de Teste de Turing, pelo qual um programade computador poderia ser
consideradobem-sucedido à medidaque o seu resultadofosse indistinguível, peloserhumano,
do resultado de testes realizados com seres humanos (Cummins, Cummins, 2000). Em outras
palavras, suponhaque você se comunicasse com um computador e não soubesse que este era
umcomputador. O computador, então, teria passado no Teste deTuring (Schonbein, Betchel,
2003). Por volta de 1956,um novo termo entrou para o nosso vocabulário: Inteligência Arti
ficial (IA), que é a tentativado ser humano de construir sistemas quedemonstrem inteligên
cia, em especial, o processamento inteligente da informação (Merriam-Websters Colkgiate
Dictionary, 1993). Exemplos de IA sãoos programas de jogo de xadrez, queconseguem vencer
os seres humanos, na grande maioria das vezes.
Muitos dos psicólogos cognitivos interessaram-se pela Psicologia Cognitiva por meiode
problemas aplicados. Por exemplo, segundo Berry (2000), Donald Broadbent (1926-1993)
dizia ter desenvolvido o interesse pela Psicologia Cognitiva por causa de um problema re
lacionado a aeronave AT6.
Estes aviões possuíam duas alavancas quase idênticas sob o
10 Psicologia Cognitiva
assento. Uma servia para erguer as rodas e a outra, para levantar os aerofólios. Aparente
mente, quase todos os pilotos confundiam as duas e, consequentemente, acabaram cau
sando enormes prejuízos com acidentes na decolagem de seus aviões. Durante a Segunda
Guerra Mundial, muitos psicólogos cognitivos, inclusive um de meus mentores, Wendell
Garner, reuniu-se com os militares para resolver problemas práticos da aviação e de ou
tras áreas, especialmente por causa da guerra contra forças inimigas. A teoria da informa
ção, que buscavaentender o comportamento das pessoas sobre como elas elaboram os tipos
de elementos de informação processada pelos computadores (Shannon, Weaver, 1963),
cresceu também em decorrência dos problemas de engenharia e da informática.
A Psicologia Cognitiva Aplicada também foi de grande utilidade para a publicidade.
John Watson, após deixar o cargo de professor na Johns Hopkins University, tornou-se um
executivo extremamente bem-sucedido em uma agência de propaganda, tendo utilizado os
seus conhecimentos de Psicologia para alcançar o sucesso. Na realidade, na propaganda,
utiliza-se muito, diretamente, os princípios da Psicologia Cognitiva para atrair clientes para
os produtos, às vezes suspeitos, outros não (Benjamin, Baker, 2004).
No início da década de 1960,os avanços na Psicologia, na Lingüística, na Antropologia
e na IA, bem como as reações ao Behaviorismo por parte de muitos profissionais renomados
da área de Psicologia, convergiram para criar uma atmosfera madura para a revolução.
Os primeiros cognitivistas (como Miller, Galanter, Pribram, 1960; Newell, Shaw, Si-
mon, 1957b) afirmavam que as teorias behavioristas tradicionais sobre o comportamento
eram inadequadas, principalmente porque não falam sobre como as pessoas pensam. Um
dos primeiros e mais famosos artigos sobre Psicologia Cognitiva foi sobre "o mágico nú
mero sete". George Miller (1956) pontuou que o número sete aparecia em diferentes mo
mentos da Psicologia Cognitiva, como na literatura sobre a percepção e a memória, e,
assim, imaginou se havia algum significado oculto nessas freqüentes ocorrências. Por exem
plo, descobriu que a maioria das pessoas é capaz de se lembrar de
cerca de sete itens de informação. Nesse trabalho, Miller introduziu
também o conceito da capacidade de canal, ou seja, o limite superior
no qual um observador consegue combinar a resposta para a informa
ção que lhe for oferecida. Por exemplo, caso você consiga se lembrar
de sete dígitos que lhe sejam apresentados em seqüência, nesse caso
sua capacidade de canal para memorizar números será o "sete". O li
vro de Ulric Neisser, Cognitive Psychology (Neisser, 1967), foi bas
tante importante ao divulgar a importância do Cognitivismo —que
estava em desenvolvimento - aos alunos de graduação, pós-gradua
ção e ao ambiente acadêmico em geral. Neisser definiu a Psicologia
Cognitiva como o estudo de como as pessoas aprendem, organi
zam, armazenam e utilizam o conhecimento. Posteriormente, Allen
Newell e Herbert Simon (1972) acabaram por propor modelos deta
lhados do pensamento humano, bem como da resolução de proble
mas, desde os mais simples até os mais complexos. Por volta de 1970,
a Psicologia Cognitiva já era reconhecida como importante campo
de estudos da Psicologia, dispondo de um conjunto específico de mé
todos de pesquisa.
Na década de 1970, Jerry Fodor (1973) popularizou o conceito
da modularidade de mente. Argumentava que a mente possui módu
losdistintos ou sistemas de escopos diversos para tratar da linguagem
Ulric Neisseré profes
sor emérito da Cometi
University. Seu livro,
Cognitive Psychology,
foi fundamental para o
lançamento da revolução
cognitivista na Psicologia.
Neisser foi também umdos
grandes defensores de uma
abordagem ecológica da
cognição, tendodemons
trado a importância do
estudo do processamento
cognitiuo em contextos
ecologicamente válidos.
(Foto: Cortesia de Dr.
Ulric Neisser)
Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 11
e, possivelmente, de outros tipos de informação. A modularidade implicaque os processos
que sãousados em um domínio de processamento, como o da linguagem (Fodor, 1973), ou
da percepção (Marr, 1982), operam independentemente dos processos em outrosdomínios.
Uma opiniãocontrária seria a do processamento de domínio geral, segundo a qual ospro
cessos que se aplicam a um domínio - como a percepção ou a linguagem - aplicam-se a
muitos outros domínios também. As abordagens modulares são úteis no estudo de alguns
fenômenos cognitivos, como a linguagem, mas não sãocomprovadamente úteis no estudo
de outros fenômenos, como a inteligência, que parece estar ligada às inúmeras e diferen
tes áreas do cérebro em intrincados inter-relacionamentos.
Métodos de Pesquisa em Psicologia Cognitiva
Objetivos da Pesquisa
Para melhor entender os métodos específicos usados pelospsicólogos cognitivos deve-se, em
primeiro lugar, compreender os objetivos da pesquisa em Psicologia Cognitiva, alguns dos
quais destacamos aqui. De modo resumido, esses objetivos compreendem a coleta e a aná
lise de dados, o desenvolvimento de teorias, a formulação e a testagem de hipóteses, e até
mesmo a aplicação em ambientes fora do contexto da pesquisa. Com freqüência, os pesqui
sadores buscam apenas coletara maior quantidade possível de informações a respeito de um
determinado fenômeno, podendo ter ou não noções preconcebidas em relação àquilo que
poderão encontrar durante a coleta dos dados. Tal pesquisa concen
tra-se na descrição de determinados fenômenos cognitivos como, por
exemplo, a maneira como as pessoas reconhecem fisionomias ou de
senvolvem habilidades.
A coleta de dados e a análise estatística auxiliam os pesquisado
res na descrição dos fenômenos cognitivos. Nenhuma empreitada
científica iria muito longe sem essas descrições. Todavia, a maioria
dos psicólogos cognitivos deseja entender mais do que o que da cog
nição. A maioria deles também procura entender o como e o porquê
do pensamento. Ou seja, os pesquisadores buscam formas de expli
car e de descrever a cognição. Para ir além das descrições, os psicó
logos cognitivos precisam dar um salto, passando daquilo que se
observa diretamente para aquilo que pode ser inferido com relação
às observações.
Suponha que se queira estudar um determinado aspecto da cog
nição. Um exemplo seria o modo como as pessoas compreendem a
informação contida em um livro didático. Geralmente, inicia-se com
uma teoria. Uma teoria é um corpo organizado de princípios expla-
natórios relativos a um fenômeno com base na observação. Busca-se
testar uma teoria e, por meio desta, verificar se tem o poder de pre
ver determinados aspectos do fenômeno em questão. Em outras pa
lavras, nosso processo de pensamento é "se nossa teoria for correta,
então sempre que 'x' ocorrer, o resultado deverá ser 'y"\ Esse pro
cesso resulta na geração de hipóteses, proposições experimentais em
relação às conseqüências empíricas esperadas dessa teoria, como os
resultados da pesquisa.
Herbert. A. Simonfoi
professor deCiênciada
Computação e Psicolo
giana Camcgie-bÁetion
University. E famoso por
seu trabalho pioneirocom
Ailen Newell e outros na
construção e na testagemde
modelos de computador que
simulavam o pensamento
humano, bemcomo pelos
testes experimentais desses
modelos. Foi também
importante defensor dos
protocolos "de pensar em
vozalta" parao estudo do
processamento cognitivo.
Símonfaleceu em 2001.
(Foto: Cortesia deCamegie-
-Melíon University
Arckives)
12 Psicologia Cognitiva
A seguir, testam-se as hipóteses por meio da experimentação. Mesmo que determi
nadas conclusões pareçam confirmar uma hipótese dada, elas deverão ser submetidas à
análise para determinar sua significância estatística. A significância estatística indica a
probabilidade de que umdeterminado conjunto de resultados
venha a serobtido apenas
se houver fatores aleatórios em ação. Por exemplo, um nível 05 de significância estatís
tica significaria que a probabilidade de um determinado conjunto de dados seria de ape
nas 5%, se somente fatores aleatórios estivessem operando. Assim sendo, os resultados
não parecem ser apenas em virtude do acaso. Por meio desse método, pode-se decidir
aceitar ou rejeitar hipóteses.
Uma vez que as previsões hipotéticas tenham sido testadas experimentalmente e ana
lisadas estatisticamente, as conclusões desses experimentos poderão conduzir a outros tra
balhos. Por exemplo, um psicólogo pode se engajar em mais coletas e análises de dados,
desenvolvimento de teorias, formulação de hipóteses e testagem de hipóteses. Com base
nas hipóteses que tenham sido aceitas e/ou rejeitadas, a teoria deverá ser revista. Além
disso, muitos psicólogos cognitivos têm esperança de usar os conhecimentos obtidos
por meio da pesquisa para auxiliar as pessoas a utilizarem a cognição em situações reais.
Algumas pesquisas em Psicologia Cognitiva são aplicadas, desde o seu início, na tentativa
de ajudar as pessoas a melhorarem as próprias vidas, assim como as condições emque vivem.
Assimsendo, a pesquisa básica pode conduzir às aplicações cotidianas. Para cada um desses
propósitos, existem diferentes métodos de pesquisa que oferecem vantagens e desvanta
gens diferenciadas.
Métodos de Pesquisa Característicos
Os psicólogos cognitivos usam vários métodos para explorar como os seres humanos pen
sam. Esses métodos são: (a) experimentos de laboratórioou outros experimentos controla
dos; (b) pesquisa psicobiológica; (c) autoavaliações; (d) estudos de caso; (e) observação
NO LABORATÓRIO DE GORDON BOWER
ESPECIALISTAS EM DIVIDIR PARA CONQUISTAR
Cresci numa pequena ci
dade do estado de Ohio,
onde passei centenas de
horas jogando beisebol.
Meu treinador mais ve
lho, Dean Harrah, con
seguia lembrar - com
admirável precisão - de
todos os jogos de beisebol de todos os tempos.
Dean conseguia se lembrar até mesmo de jo
gadas insignificantes de uma partida, como o
turno, o número de eliminações, contagem de
arremessos, de lances e até da localização dos
interceptadores, enquanto vislumbrava todas
as sinalizações de "bate-e-corre" (hit-and-run)
de uma partida jogada há três semanas. Sua
capacidade para recordar detalhes dos jogos
era simplesmente assombrosa. Entretanto, era
conhecido por esquecer-se da maioria das
outras coisas, como seus compromissos pes
soais, as compras de supermercado e tudo o
mais que a sua esposa lhe pedia. Dean tinha
um amigo, Claude, enxadrista fanático que,
como ele, possuía uma memória espantosa.
Claude jogava xadrez muitíssimo bem e tam
bém conseguia se lembrar de todas as jogadas
de todos as partidas que havia jogado em me
ses. Todavia, Claude não conseguia se lembrar
de coisassimples, como a tabela periódica de
elementos das aulas de química durante o
colegial. Deane Claude não sabiam me expli
car como faziam o que faziam, apenas que
ambos "enxergavam" eventossignificativos em
sua totalidade durante o desenrolar de uma
partida. Tais lembranças prodigiosas convi
vendo na mesma cabeça ao lado de péssimas
Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 13
NO LABORATÓRIO DE GORDON BOWER (continuação)
recordações sempre me fascinaram. Foi este
um dos inúmeros quebra-cabeças da vida coti
diana que me motivaram para o estudo da Psi
cologia da memória humana.
Meu espanto aumentou ainda mais quan
do pesquisadores me informaram o quão, ge
ralmente, é limitada a memória das pessoas.
Especificamente, o ser humano é seriamente
limitado com relação à quantidade de coisas
que pode absorver e reter na memória, mesmo
que por pouco tempo, e, consequentemente,
de como consegue rapidamente absorver uma
nova informação na memória permanente.
Mas, o que são essas "coisas" que se absorve?
O psicólogo George Miller (1956) batizou-as
de "pedaços" (chunks) de informação e propôs
que a memória imediata das pessoas está limi
tada pelo número de "pedaços"que conseguem
absorver e recordar. Sempre me perguntei se
as prodigiosas memórias de Dean e Claude
estavam associadas com um conhecimento
interno de como fracionar a informação que
tivesse significado especial para eles.
A afirmação de Miller me levou a ques
tionar: O que é um "pedaço" de informação?
Qual o tamanho desses "pedaços"? O que de
termina o seu tamanho e suas propriedades?
Os seus "pedaços" são iguais aos meus? Como
mensurar os "pedaços"?
A noção intuitiva é de que um "pedaço"
é um padrão de elementos básicos que o indi
víduo aprendeu anteriormente. Essespadrões
podem ser identificados em vários níveis de
complexidade —de pequenos a grandes. Por
exemplo, a frase "feliz ano-novo" (happy new
year) é, para a maioria das pessoas que falam
inglês, nada mais do que um pedaço composto
de três subpedaços familiares (palavras), que,
por sua vez, são compostos de 12 subpedaços
familiares (letras) e dois espaços - 14 símbolos
ao todo. Suponhamos, todavia, que os 14 sím
bolos sejam dispostos em uma página como
"Feli-ianono-vo" (ha-ppyyne-wyear). Esta sé
rie de letras agora parece não ter sentido e
seria muito difícil de ser aprendida. Contudo,
qualquer indivíduo que fale outra língua e que
não tenha qualquer conhecimento do alfa
beto inglês, diria que ambas as séries não têm
sentido e são difíceis de memorizar. O que
um pedaço é só depende do aprendizado an
terior de um indivíduo.
Assim sendo, a dificuldade de se recordar
de algumacoisadepende de como ela é perce
bida, como é dividida em pedaços. Porém, que
princípios o cérebro humano utiliza para divi
dir elementos em grupos perceptivos?
Um.importante princípio de agrupamento
é o quanto esses pedaços estão próximos em
termos de tempo e de espaço. Assim, os espa
ços vazios (traços) em IC-BMIC-IAF-BI fazem
com que as pessoas vejam a série de pedaços
de 2, 4, 3 e 2 letras, respectivamente. Esses
agrupamentos apreendem a percepção e são
copiados na memória imediata do indivíduo.
Além disso, se um estudante precisasse es
tudar e tentar reproduzir um número de tais
seqüências repetidamente, ele(a) iria, ao final,
recordar a série em pedaços "tudo-ou-nada".
Ou seja, a maioria dos erros de recordação
iria surgir enquanto se tentasse mover a re
cordação entre os pedaços (nas transições C
para B, C para I e F para B).
Um segundo princípio do agrupamento é
que os elementos assemelhados ou com sono
ridade parecida serão agrupados juntos. Por
exemplo, letras em tamanho, forma (fonte) e
cor semelhante serão agrupadas juntas e lem
bradas enquanto unidades.
Assim como a proximidade no espaço e a
aparência influenciam o agrupamento visual,
a proximidade no tempo e a qualidade dos
sons influenciam o agrupamento de palavras
faladas e das notas musicais. Dessa maneira,
ouvir a série de letras acima serem ditas com
pausas entre os grupos fará com que as pessoas
adotem o fracionamento e se recordem desses
grupos. Agrupamentos semelhantes viriam à
tona caso os pedaços fossem semelhantes ao
serem falados por vozes distintas ou vindos de
locais diferentes. Esses agrupamentos auditivos
expressam o hábito das pessoas de falar núme
ros de telefones em uma cadência - 3-3-4, por
exemplo, em 555-123-4567 - e são trazidas a
uma complexidade magnífica nos sofisticados
tempos e ritmos da música.
Então, o que esse fracionamento tem a
ver com a aprendizagem e a memória? Tudo.
Elaborei uma hipótese de que a maneira mais
rápida para se aprender alguma coisa é estu
dá-la e reproduzi-la repetidamente usando
a mesma estrutura de fracionamento de um
momento para o outro. Desse modo, para
{continua)
14 Psicologia Cognitiva
NO LABORATÓRIO DE GORDON BOWER (continuação)
aprender a reproduzir a seqüência IC-BMCI-
AFB-I, o melhor é estudar exatamente esses
pedaços na mesma ordem a cada vez. Nossas
experiências com estudantes universitários
mostraram que eles acumulam
muito pouco ou
nenhum ensinamento de uma série de seqüên
cias diferentes, caso mudássemos os agrupa
mentos toda vez que eles fossem estudá-los.
Assim sendo, para a nossa série de exemplos
anteriores, os estudantes iriam provavelmente
perceber um agrupamento diferente das letras,
como por exemplo I-CBM-CI-AF-B1 ou ICB-
MC-IAFB-I, enquanto uma nova seqüência de
letras, fazendo com que se lembrassem ime
diatamente dela, quase tão sofrível quanto no
momento em que a seqüência foi apresentada
pela primeira vez. Essa falha seria devida ao
fato de estarem confusos sobre onde colocar os
espaços ou pausas no momento em que repro
duziamas séries? Claro que não, porque sabiam
que precisavam se lembrar apenas das letras e
não dosespaços. Além do mais, o déficit foi mais
ou menos igual quando simplesmente conta
mos as letras corretas, independentemente da
ordem em que os estudantes as lembravam.
Em suma, o estudo repetitivo só auxilia, prin
cipalmente quandoo material é fracionado da
mesma maneira de uma ocasião para a outra.
Uma das implicações do resultado deste
fracionamento constante é que as pessoas irão
rapidamente reconhecer e reproduzir qualquer
seqüênciade símbolos que se ajuste aos pedaços
que elas já sabem ou que lhes sejam "familia
res". Por exemplo, se nosso modelo de seqüên
cia de letras for agrupado como ICBM-CIA-FBI,
os alunos reconhecerão com facilidade as abre
viações familiares e prontamente relembrarão
de toda a série. (Alguns leitores poderão já
ter reconhecido esses acrônimos). Esta obser
vação ilustra um princípiosimples e muito po
deroso: a memória humana opera com muito
mais eficiência quando usa o aprendizado ante
rior para reconhecer pedaçossemelhantes con
tidos nos materiais a serem aprendidos. Ao
reconhecer e explorar pedaços familiares, um
indivíduo experiente reduz enormemente o
volume do novo aprendizado requerido para
dominar o novo material. Grande parte da pe
rícia em muitos domínios de habilidades - da
leitura de palavras à compreensão de fórmulas
químicas, equações matemáticas, fragmentos
musicais, sub-rotinasde programação de com
putadores e, sim, até mesmo aos fatos ocorri
dos nas partidas de beisebol de Dean ou das
posições das peças de xadrezde Claude - tudo
isso dependeda capacidadedo cérebrode reco
nhecer e explorar os pedaços previamente
aprendidos e rapidamente acessara nova situa
ção que se apresenta. Essa técnica se desen
volve lentamente durante centenas de horas de
estudo concentrado dos padrões recorrentes
em determinados domínios. O benefício dessa
prática muito específica explicade que modo a
memória hábil em um domínio, tal como o
beisebol para Dean ou o xadrez para Claude,
podem facilmentecoexistirao ladode recorda
ções débeis domínios não relacionados, como
compromissosdiários ou aulas de química.
O valor do fracionamento consistente
aplica-se ao "aprendizado reprodutivo", quan
do se tenta reproduziruma série de itens arbi
trários. Esse aprendizado nos é geralmente
solicitado. Por outro lado, para o aprendizado
superior de domínios conceitualmente mais
ricos, há as vantagens em se inter-relacionar
os agrupamentos em classificações por cortes
transversais. Por exemplo, embora os agrupa
mentos constantes de fatos sobre categorias
como política, economia e o exército possam
auxiliar um aluno a lembrar de fatos sobre a
Guerra Civil Americana, uma melhoria no
entendimento e na memória poderia advir
pelo inter-relacionamento e pela interassocia-
ção de fatos por meio dos domínios, por exem
plo, observar os objetivos políticos utilizados
por uma campanha militar, como a famosa
"Marcha para o Mar",que o General Sherman
conduziu pelos estados do sul. O benefício
dessas inter-relações conceituais será um tó
pico abordado mais adiante.
Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 15
naturalística; e (0 simulações por computador e IA (ver Quadro 1.1 para descrições e exem
plos da cada método).
Como mostra o Quadro 1.1, cada método oferece vantagens e desvantagens.
Experimentos com o Comportamento Humano
Nos projetos experimentais controlados, o pesquisador conduz a pesquisa geralmente em
um ambiente laboratorial. Ele controla o maior número possível de aspectos da situação
experimental. Basicamente, existem dois tipos de variáveis em um determinado experi
mento. As variáveis independentes são aspectos de uma investigação, manipulados de modo
individual ou cuidadosamente regulados pelo experimentador, ao mesmo tempo em que
outros aspectos da investigação são mantidos constantes (ou seja, não sujeitos a variação).
As variáveis dependentes são respostas de resultados, os valores dos quais dependem da forma
que uma ou mais variáveis independentes venham a influenciar ou afetar os participantes
do experimento. Sempre que se diz a alunos participantes da pesquisa que se sairão muito
bem em uma tarefa, mas não se diz algo aos outros participantes, a variável independente é
o volume de informação dada aos alunos a respeito de seu esperado desempenho. A variável
dependente é a maneira como quão bem ambos os grupos se saem em suas tarefas, ou seja,
suas notas na prova de matemática.
Sempre que o pesquisador manipula as variáveis independentes, ele controla os efeitos
das variáveis irrelevantes e observa os efeitos das variáveis dependentes (resultados). Tais
variáveis irrelevantes mantidas constantes são chamadas de variáveis decontrole. Outro tipo
de variável é a variável expúria, um tipo de variável irrelevante que não tenha sido contro
lada durante um experimento. Por exemplo, imagine que se queira examinar a eficáciade
duas técnicas de resolução de problemas. Treina-se e testa-se um grupo sob a primeira estra
tégia às 6 horas e, um segundo grupo, sob a segunda estratégia, às 18 horas. Nesse experi
mento, o horário do dia seria uma variável expúria. Em outras palavras, a hora do dia pode
causar diferenças no desempenho que não têm nada a ver com a estratégia de resolução do
problema. Obviamente, quando se conduz uma pesquisa, todo cuidado é necessário para se
evitar a influência das variáveis expúrias.
Ao implementar um método experimental, o pesquisador precisa utilizar uma amostra
aleatória e representativa da população de interesse. Deve exercer controle rigoroso sobre
as condições do experimento bem como designar, também de maneira aleatória, os partici
pantes para o tratamento e as condições de controle. Se esses requisitos para o método ex
perimental forem preenchidos, o pesquisador poderá inferir causalidade provável. Esta é a
inferência dos efeitos da variável ou variáveis independentes (tratamento) sobre as variá
veis dependentes (resultado) para uma determinada população.
Muitas e diferentes variáveis dependentes são utilizadas em pesquisa cognitivo-psicoló-
gica. Duas das mais comuns são o percentual de correlação (ou seu elemento inverso, a taxa
de erro) e o tempo de reação. E importante selecionar, com muito cuidado, os dois tipos de
variáveis, porque independente de qual processo se esteja observando, o que se apreende
de um experimento dependerá quase que exclusivamente das variáveis escolhidas para iso
lar o comportamento que está sendo observado.
Os psicólogos que estudam os processos cognitivos, como o tempo de reação, geral
mente utilizam-se do método da subtração, que compreende estimar o tempo que um pro
cesso cognitivo leva pela subtração da quantidade de tempo que o processamento da
informação leva com o processo a partir do tempo que ele leva sem o processo (Donders,
1868/1869). Por exemplo, quando se é solicitado a examinar as palavrascachorro, gato, rato,
hamster, esquilo e informar se a palavra esquilo aparece no exame para depois examinar as
16 Psicologia Cognitiva
QUADRO 1.1 Métodos de pesquisa
Os psicólogos cognitivos usam experimentos controlados, pesquisapsicobiológica, autoavaliações,
observação naturalista e simulações por computador e IA para estudar os fenômenos cognitivos.
MÉTODO
Descrição do método
Experimentos Controlados em
Laboratório
Pesquisa Psicobiológica
Obter amostras do desempenho
em tempo e local determinados
Estudar os cérebros humanos
e animais, usando estudos
post-mortem e várias medidas
psicobiológicas ou técnicas de
imagem {ver "Neurociência
Cognitiva")
autoavauações, como
Protocolos Verbais,
autqclassificaçòes, dlários
Obter relatórios dos participantes
sobre a própria cognição em
andamento ou a partir de
lembranças
Validade de inferências
causais: atribuição aleatória
de sujeitos
Geralmente Geralmente não Não se aplica
Validade de inferências
causais: controle experimenta
de variáveis independentes
Geralmente Varia muito, dependendo da
técnica específica
Provavelmente não
Amostras: tamanho Podem ser de qualquer tamanho Geralmente pequenas Provavelmente pequenas
Amostras: representaiividade Podem ser representativas Geralmente, não são
representativas
Podem ser representativas
Validade ecológica Não é improvável; depende da
tarefa e do contexto a que está
sendo aplicada
Improvável sob certas
circunstâncias
Talvez; ver pontos fortes e fracos
Informação acerca de
diferenças individuais
Geralmente pouco enfatizadas Sim Sim
Pontos fortes
Pontos fracos
Exemplos
Facilidade de administração, de
contagem e de análise estatística
torna relativamente fácil aplicar
as amostras representativas de
uma população; probabilidade
relativamente alta de fazer
inferências causais válidas
Proporciona evidências
"contundentes" das funções
cognitivas ao relacioná-las à
atividade fisiológica: oferece uma
visão alternativa do processo que
não está disponível por outros
meios; pode levar a possibilidades
para o tratamento de pessoas com
deficits: cognitivos sérios
Acesso aos íns/gfits introspectivos
a partir do ponto de vista dos
participantes, não podendo ser
acessada por outros meios
Nem sempre é possível generalizar
resultados além de um local
específico, tempo e contexto
da tarefa; discrepâncias entre
comportamento na vida real
e no laboratório
David Meyer e Roger
Schvaneveldt(1971)
desenvolveram uma tarefa de
laboratório na qual apresentavam
resumidamente duas seqüências
de letras (palavras ou
pseudopalavras) aos sujeitos e, em
seguida, pediam-lhes que
tomassem uma decisão sobre
cada seqüência de letras, tal
como decidir se as letras
formavam uma palavra legítima
ou se uma palavra pertencia a
uma categoria pré-designada
Acessibilidade limitada para a
maioria dos pesquisadores: requer
acesso tanto para os sujeitos
apropriados como para o
equipamento que pode ser caro
demais e difícil de obter; amostras
pequenas; muitos estudos têm
como base estudos de cérebros
anormais ou de cérebros
de animais, a generalização das
conclusões para as populações
humanas normais pode será
problemática
Elizabeth Warrington e Tim
Shallice{1972;Shallice,
Warrington, 1970) observaram
que as lesões (áreas de ferimento)
no lobo parietal esquerdo do
cérebro estão associadas a deficits
de memória de curto prazo
(breve, ativa), mas não há
qualquer dano à memória de
longo prazo. Contudo, pessoas
com lesões nas regiões temporais
(mediais) do cérebro apresentam
memória de curto prazo
relativamente normal, mas têm
graves deficits na memória de
longo prazo (Shallice, 1979;
Warrington, 1982)
Incapacidade para reportar
processos que ocorrem fora da
consciência
Protocolos verbais e
autocIassificações: a coleta de
dados pode influenciar os
processos cognitivos que estão
sendo relatados
Recordações: possíveis
discrepâncias entre cognição real
e processos e produtos cognitivos
recordados
Durante um estudo de imagens
mentais, Stephen Kosslyn e seus
colegas (Kosslyn, Seger, Pani,
Hillger, 1990) pediram a seus
alunos que registrassem em um
diário durante uma semana todas
as suas imagens mentais em cada
modalidade sensorial
Estudos de Caso
Desenvolver estudos intensivos de
indivíduos, tirando conclusões gerais sobre
comportamento
Altamente improvável
Altamente improvável
Quase certamente pequeno
Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 17
Observações Naturalísticas Simulações por Computador IA
Observar situações da vida real, como, Simulações: tentar fazero
por exemplo, em salas de aula,
ambientes de trabalho ou em casa
computador simular o desempenho
cognitivo em várias tarefas
IA: tentativa de fazer o computador
demonstrar o desempenho cognitivo
inteligente, independente do
processo ser semelhante ao processo
cognitivo humano
Não se aplica
Não
Provavelmente pequeno
Não se aplica
Controle total de variáveis de
interesse
Não se aplica
Não é provável que seja representativo Pode ser representativo Não se aplica
Alta validade ecológica para casos Sim
individuais; baixa generalização para outros
Não se aplica
Sim; informações ricas em detalhes com
relação a indivíduos
Acesso a informações ricas em detalhes
sobre indivíduos, inclusive contextos
históricos e atuais, que podem não estar
disponíveis por outros meios; pode levar a
aplicações especializadas para grupos de
indivíduos excepcionais (ex.: prodígios,
pessoas com lesões cerebrais)
Aplicável em outras pessoas; o tamanho
reduzido e a não-representatividade da
amostra normalmente limita a
generalização para a população
Howard Gruber (1974/1981) conduziu um
estudo de caso sobre Charles Darwin,
explorando a fundo o contexto psicológico
da criatividade intelectual
É possível, masa ênfase reside
nas distinções ambientais e não nas
diferençasindividuais
Acesso a informações contextuais
abundantes que podem não estar
disponíveis por outros meios
Não se aplica
Permite explorar ampla gama de
possibilidades para modelar processos
cognitivos; permite testar claramente
para verificar se as hipóteses previram
com precisão os resultados; pode
levar a grande variedade de
aplicações práticas (ex.: robótica para
o desempenho de tarefas perigosas ou
em ambientes de risco)
Falta de controle experimental;
possível influência no comportamento
naturalista em decorrência da presença
do observador
Limitações impostas por limites de
hardware (ex.: circuito do
computador) e de software
(ex.: programas criados pelos
pesquisadores); distinções entre
inteligência humana e inteligência
da máquina - mesmo em simulações
com técnicas sofisticadas
de modelagem, as simulações
podem modelar imperfeitamente
a forma como o cérebro humano
pensa
Michael Cole (Cole, Clay, Glick,
Sharp, 1971) pesquisou membros da
triboKpelle na África, observando de
que maneira as definições de
inteligência dos Kpelle se comparavam
com as definições tradicionais da
inteligência ocidental, bem como de
que modo as definições culturais
de inteligência podem governar o
comportamento inteligente
Simulações: por meio de
computações minuciosas, David Marr
(1982) tentou simular a percepção
visual humana e propôs uma teoria
de percepção visual baseada em seus
modelos computacionais
IA: váriosprogramas de IA foram
criados para demonstrar perícias
(ex.: jogar xadrez), mas esses
programas resolvem problemas
provavelmente ao utilizar processos
diferentes daqueles utilizados por
peritos humanos
18 PsicologiaCognitiva
palavras cachorro, gato, rato, hamster, esquilo, leão e informar se a palavra leão aparece, a di
ferença na reação dos tempos pode indicar, grosso modo, a quantidade de tempo que se
gasta para processar cada um dos estímulos.
Supõe-se que os resultados nas condições experimentais mostrem uma diferença esta
tisticamente significante dos resultados na condição de controle. O pesquisador poderá en
tão inferir a probabilidade de uma ligação causai entre as variáveis independentes e as
dependentes. Uma vez que o pesquisadot puder estabelecer uma provável ligação causai en
tre as variáveis independentes e dependentes oferecidas, os experimentos
controlados em
laboratório oferecem um excelente método para se testar hipóteses.
Por exemplo, supondo que se quisesse verificar se ruídos altos e perturbadores exercem
influência na capacidade de se desempenhar bem uma determinada tarefa cognitiva (ex.:
ler um capítulo de um livro didático e responder aos exercícios de fixação). Em termos ide
ais, se deveria selecionar uma amostra aleatótia de participantes do total da população de
interesse. A seguir, se designaria aleatoriamente a cada participante às condições de trata
mento ou de controle. Depois, se introduziriam alguns ruídos altos aos participantes na con
dição de ttatamento. Em seguida, se apresentaria uma tarefa cognitiva aos participantes das
duas condições: experimental e de controle. Seria possível, então, medir seus desempenhos
por meio de alguns meios (ex.: velocidade e precisão das respostas às perguntas de compre
ensão). Finalmente, os resultados seriam analisados estatisticamente. A partir disso, seria
possível examinar se a diferença entre os dois grupos atingiu significância estatística. Su
pondo que os participantes na condição experimental tenham mostrado desempenho infe
rior àquele dos participantes na condição de controle, em termos de significância estatística,
dessa maneira, seria possível inferir que ruídos altos e distrativos certamente influenciaram
a capacidade de um bom desempenho nessa tarefa cognitiva específica.
Na pesquisa cognitivo-psicológica, as variáveis dependentes podem ser muito diversifica
das, mas geralmente compreendem várias medidas de resultados de precisão (ex.: freqüên
cia de erros), de tempos de resposta ou de ambos. Dentte as inúmeras possibilidades para as
variáveis dependentes estão as características da situação, da tarefa ou dos participantes.
Por exemplo, as características da situação podem compreender a presença versus a ausên
cia de determinados estímulos ou certas pistas no decorrer de uma tarefa de resolução
de problemas. As características da tarefa podem envolver leitura versus escuta de uma sé
rie de palavras e, em seguida, responder às perguntas de compreensão. As características dos
participantes podem incluir diferenças etárias, diferenças na situação de escolaridade ou até
baseadas em classificação em testes.
De um lado, as características da situação ou tarefa podem ser manipuladas por meio de
atribuição aleatória dos participantes tanto do grupo de tratamento como do grupo de con
trole e, de outro, as características do participante não são facilmente manipuláveis em ter
mos experimentais. Por exemplo, supondo que o pesquisador queira estudar os efeitos do
envelhecimento sobre a velocidade e a precisão na resolução de problemas. O pesquisador
não poderá atribuir de modo aleatório a vários gruposetários porque a idade das pessoas não
pode ser manipulada (embora participantes de vários grupos etários possam ser distribuídos
aleatoriamente nas várias condições experimentais). Nesses casos, o pesquisador sempre
pode usar outros tipos de estudos, como aqueles que compreendem correlação (relação esta
tística entre dois ou mais atributos, por exemplo as características dos participantes ou as da
situação). As correlações normalmente se expressam por meio de coeficientes de correlação
conhecidos como r de Pearson, que é um número que pode ir de -1.00 (correlação negativa)
passando por 0 (sem correlação) até 1.00 (correlação positiva).
Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 19
A correlação é a descrição de uma relação. O coeficiente de correlação descreve a força
dessa relação. Quanto mais próximo do 1 estiver o coeficiente (tanto positivo quanto ne
gativo), mais forte será a relação entre as variáveis. O sinal (positivo ou negativo) do coe
ficiente descreve a direção dessa relação. Uma relação positiva indica que, enquanto uma
variável aumenta (ex.: tamanho do vocabulário), outra variável também aumenta (ex.:
compreensão de leitura). Uma relação negativa indica que à medida que uma variável au
menta (ex.: fadiga), a medida da outra diminui (ex.: vigilância). Quando não há correla
ção, ou seja, quando o coeficiente é 0, indica que não existe padrão ou relação na alteração
das duas variáveis {ex.: inteligência e o comprimento do lobo da orelha). Nesse caso, am
bas as variáveis podem mudar, mas não variam juntas dentro de um padrão consistente.
Conclusões sobre relações estatísticas são altamente informativas. Seu valor não deve
ser subestimado. Além disso, uma vez que os estudos correlacionais não exigem atribuição
aleatória de participantes nas condições experimental ou de controle, esses métodos podem
ser aplicados com flexibilidade. Entretanto, tais estudos geralmente não permitem inferên
cias inequívocas com relação à causalidade. Como conseqüência, muitos psicólogos cogni
tivos, na maioria das vezes, preferem utilizar dados experimentais a dados corre lacionais.
Pesquisa Psicobiológica
Por meio da pesquisa psicobiológica, os cientistas estudam a relação entre desempenho cog
nitivo, eventos e estruturas cerebrais. O Capítulo 2 descreve várias técnicas específicas
utilizadas na pesquisa psicobiológica, que em geral são classificadas em três categorias. A
primeira é a das técnicas de estudo do cérebro de um indivíduo post-mortem, estabelecendo
relações da função cognitiva deste indivíduo antes da morte para a observação das caracte
rísticas do cérebro. A segunda categoria compreende as técnicas de estudo das imagens que
mostram estruturas ou atividades no cérebro de um indivíduo sabidamente com déficit cog
nitivo. A terceira categoria compreende as técnicas para obtenção de informação à respeito
dos processos cerebrais durante o desempenho normal de uma atividade cognitiva.
Os estudos post-mortem ofereceram os primeiros insights a respeito de como lesões espe
cíficas podem estar associadas a determinados deficits cognitivos. Esses estudos continuam a
oferecer insights de grande utilidade, de como o cérebro influencia a função cognitiva. Re
centes avanços tecnológicos também estão possibilitando, cada vez mais, o estudo de indi
víduos com reconhecidos deficits cognitivos in vivo (enquanto o indivíduo ainda está vivo).
O estudo de indivíduos com funções cognitivas disfuncionais vinculadas a lesões cerebrais,
geralmente, possibilita a compreensão das funções cognitivas normais.
Além disso, os psicobiologistas estão estudando alguns aspectos do funcionamento cog
nitivo normal por meio do estudo da atividade cerebral em sujeitos animais. Em geral, a pes
quisa é feita com sujeitos animais para experimentos que compreendem procedimentos
neurocirúrgicos que não poderiam ser realizados com seres humanos por serem difíceis, an-
tiéticos ou até mesmo impraticáveis. Por exemplo, estudos mapeando a atividade neural no
córtex são realizados em gatos e macacos (ex.: à pesquisa psicobiológica sobre como o cére
bro responde a estímulos visuais; ver Capítulo 3).
O funcionamento cognitivo e cerebral dos animais e de humanos com deficits pode ser
generalizado e aplicado ao funcionamento cognitivo e cerebral de humanos normais? Os
psicólogos responderam a essas questões de várias maneiras. A maioria vai além do escopo
deste capítulo (ver Capítulo 2). Apenas como exemplo, para alguns tipos de atividade cog
nitiva, a tecnologia disponível permite aos pesquisadores estudar a atividade cerebral dinâ
mica dos participantes humanos normais durante o processamento cognitivo (ver técnicas
de imagem do cérebro descritas no Capítulo 2).
20 Psicologia Cognitiva
Autoavaliações, Estudos de Caso e Observação Naturalística
Geralmente, os experimentos individuais e estudos psicológicos concentram-se na especifi
cação dos aspectos discretos da cognição nos indivíduos. Para se obter informações ricas em
detalhes sobre a maneira como determinados indivíduos pensam - dentro de uma ampla
gama de contextos - os pesquisadorespoderão usar outros métodos, que incluem as autoava
liações (relato dos
processos cognitivos feito pelo próprio indivíduo), os estudos decaso (estu
dos individuais profundos) e a observação naturalística (estudos detalhados do desempenho
cognitivo em situações cotidianas e contextos fora do laboratório). De um lado, a pesquisa
experimental é extremamente útil para testar hipóteses. Por outro, a pesquisa com base nas
autoavaliações, estudos de caso e observação naturalística, são, geralmente, úteis na formulação
das hipóteses. Esses métodos também são muito úteis na geração de descrições sobre eventos
raros ou de processos em que não se disponha de outra forma de mensuração.
Em situações muito específicas, esses métodos são a única forma de se coletar informa
ção. Um exemplo é o caso de Genie, uma menina que ficou trancada em um quarto até os
13 anos, apresentando graves e limitadas experiências sociais e sensoriais. Como conseqüên
cia do aprisionamento, ela apresentava graves deficits físicos e nenhuma habilidade lingüís
tica. Por meio de métodos de estudos de caso, coletou-se informação a respeito de como ela
conseguiu aprender a linguagem mais tarde (Fromkin et ai, 1974; Jones, 1995; La Pointe,
2005). Não seria ético, do ponto de vista experimental, privar uma pessoa de estimulações
lingüísticas em seus primeiros 13 anos de vida. Assim sendo, os métodos de estudos de caso
são a única maneira razoável de se avaliar os resultados de alguém a quem.foi negada a ex
posição ao ambiente social e à linguagem.
Da mesma maneira, uma lesão cerebral traumática não pode ser manipulada em huma
nos no contexto laboratorial. Assim sendo, sempre que uma lesão cerebral traumática ocorre,
os estudos de caso são a única forma de se coletar informação. Por exemplo, o caso de Phi-
neas Gage, um operário de ferrovia que, em 1848, foi atingido, durante um acidente, no lobo
frontal por uma enorme ponta de metal (Damasio et ai., 1994). Surpreendentemente, Gage
sobreviveu, mas seu comportamento bem como seus processos mentais foram drasticamente
alterados. Certamente, não é possível inserir-se uma ponta de metal no cérebro dos partici
pantes em um experimento. Portanto, no caso de uma lesão cerebral traumática, pode-se
confiar unicamente nos métodos de estudos de caso para a coleta de informações.
A confiabilidade dos dados com base nos vários tipos de autoavaliações depende da
franqueza dos participantes ao oferecer os relatos. É possível que umparticipante não relate
corretamente a informação sobre seus processos cognitivos por vários motivos. Esses moti
vos podem ser tanto intencionais como não intencionais. Os relatos incorretos do tipo
intencionais podem incluir a tentativa de editar informações desagradáveis. Os relatos in
corretos do tipo não intencionais podem ocorrer pelo não-entendímento das perguntas ou
mesmo da impossibilidade de se lembrar corretamente da informação. Por exemplo, sempre
que o participante é solicitado a dizer quais estratégias para resolução de problemas utili
zavaquando estava no ensino médio, é possívelque ele (ou ela) não lembre. O participante
pode tentar ser completamente honesto em seus relatos. Entretanto, telatos que contêm in
formação rememorada (ex.: diários, relatos retrospectivos, questionários e surveys) são no-
tadamente menos confiáveis do que os relatos provenientes durante o processamento
cognitivo que está sob investigação. A razão é que os participantes, por vezes, se esquecem
do que fizeram. Quando estudam processos cognitivos complexos, tais como a resolução de
problemas ou a tomada de decisão, os pesquisadores geralmente usam um protocolo verbal.
No protocolo verbal os participantes desctevem seus pensamentos e idéias em voz alta du
rante o desempenho de uma determinada tarefa cognitiva (ex.: "Gosto mais do aparta
mento com piscina, mas não posso pagar por ele e, portanto, eu talvez escolha outro.")-
Capitulo 1 • Introdução à PsicologiaCognitiva 21
Uma alternativa para o protocolo verbal é que os participantes relatem informações es
pecíficas com relação a um determinado aspecto de seu funcionamento cognitivo. Por
exemplo, o estudo de uma criteriosa resolução de problemas (ver o Capítulo 11 - "Resolu
ção de problemas e criatividade"). Os sujeitos foram solicitados a relatar - em intervalos de
15 segundos -, em ordem numérica, o quão sentiam-se próximos de alcançar uma solução
para um determinado problema. Infelizmente, até mesmo esses métodos de autorrelatos têm
suas limitações. Por exemplo, o funcionamento cognitivo pode ser alterado pelo ato de en
trega do relatório (ex.: processos envolvendo formas sucintas de memória; ver o Capítulo
5). Outro exemplo são processos cognitivos que ocorrem fora da conscientização (ex.: pro
cessosque não exigem atenção consciente ou que ocorrem tão rapidamente que passam des
percebidos; ver Capítulo 4). Para se ter uma idéia de algumas das dificuldades com os
autorrelatos, exercite as tarefas apresentadas no quadro "Investigando a Psicologia Cogni
tiva". Reflita a respeito de suas próprias experiências com autorrelatos.
Tarefas INVESTIGANDO
1. Sem olhar para os sapatos, tente relatar - em voz alta - as várias A PSICOLOGIA
etapas envolvidas no ato de amarrá-los. COGNITIVA
2. Lembre-se - em voz alta - do que você fez em seu último aniversário.
3. Agora, amarre os sapatos (ou qualquer outra coisa, como um
barbante em volta do pé da mesa), relatando —em voz alta - todas
as etapas que isso demanda. Você percebe as diferenças entre a
tarefa 1 e a tarefa 3 ?
4- Relate - em voz alta - como você trouxe à consciência todas as
etapas necessárias para amarrar o sapato ou as lembranças do seu
último aniversário. Você consegue relatar exatamente de que
forma trouxe as informações até o nível consciente? Consegue
relatar que parte do seu cérebro estava mais ativa durante a
execução da cada tarefa?
Faça com a metade de um grupo de amigos —um por um —uma das séries de pergun
tas abaixo, e com a outra metade, a outra série. Peça-lhes que respondam o mais rápido
possível.
Grupo l:
O que o bicho-da-seda tece?
Qual o tecido famoso que vem do bicho-da-seda?
O que as vacas bebem?
Grupo 2:
O que as abelhas fazem?
O que cresce no campo e depois se transforma em tecido?
O que as vacas bebem?
Muitos dos seus amigos, ao chegarem à pergunta 3 do grupo 1, dirão "leite", quando
todo mundo sabe que as vacas bebem água. A maioria das pessoas que responde às questões
do grupo 2 dirá "água", e não "leite". Você conduziu um experimento. O método experi
mental divide as pessoas em grupos iguais, altera um aspecto entre os dois grupos (no seu
caso, você fez uma série de perguntas antes de fazer a pergunta crítica) e, em seguida, mede
as diferenças entre os dois grupos. O que você estará medindo é a quantidade de erros, e,
22 Psicologia Cognitiva
é possível, que os seus amigos do grupo 1 apresentem mais erros do que os do grupo 2, pois
estabeleceram o conjunto errado de suposições para responderem às perguntas.
Os estudos de caso poderão ser utilizados como conclusões complementares de experi
mentos laboratoriais, por exemplo, o estudo de indivíduos excepcionalmente dotados e as
observações naturalísticas, ou seja, a observação de indivíduos que trabalham em usinas nu
cleares. Esses dois métodos de pesquisa cognitiva oferecem alta validade ecológica, o grau no
qual as conclusões específicas em um contexto ambiental podem ser consideradas relevan
tes fora daquele contexto. Como se sabe, a ecologia é o estudo da interação entre um ou mais
organismos e o seu ambiente. Muitos psicólogos cognitivos buscam entender a interação
entre o funcionamento do pensamento humano e os ambientes nos quais os seres humanos
estão pensando. Às vezes, processos cognitivos que comumente são observados em outro
contexto (ex.: no laboratório) não são idênticos àqueles observados em outro (ex.: uma
torre de controle de tráfego aéreo ou uma sala de aula).
Simulações por Computador e IA
Os computadores digitais desempenharam importante
papel no surgimento do estudo da
Psicologia Cognitiva. Um tipo de influência é a indireta - por meio de modelos da cognição
humana que tomam por base a maneira como os computadores processam informações.
Outro tipo é a influência direta - por meio de simulações por computador e IA.
Nas simulações por computador, os pesquisadores programam computadores para imi
tarem uma determinada função ou um determinado processo humano. Entre os exemplos
estão o desempenho em tarefas cognitivas específicas (ex.: manipulação de objetos no es
paço tridimensional) e o desempenho de determinados processos cognitivos (ex.: reconhe
cimento de padrões). Alguns pesquisadores, inclusive, já tentaram criar modelos de
computador envolvendo toda a arquitetura cognitiva da mente humana. Esses modelos pro
piciaram acaloradas discussões sobre o funcionameto da mente humana como um todo (ver
o Capítulo8). Às vezes, a difetença entre a simulação e a IA é difícil de serdelimitada. Por
exemplo, certos programas que são projetados, simultaneamente, para simular o desempe
nho humano e maximizar o seu funcionamento.
Consideremos, por exemplo, um programa que jogue xadrez. Existem duas maneiras to
talmente diferentes para conceituar a escrita desse programa. Uma delas é chamada de força
bruta, ou seja, constrói-se um algoritmo que considere jogadas muito importantes em pe
quenos períodos, potencialmente vencendo jogadores humanos simplesmente por conta do
número de jogadas que o programa possui e as probabilidades das futuras conseqüências des
sas jogadas. O programa seria considerado um sucesso à medida que vencesse os melhores
jogadores humanos. Esse tipo de IA não busca representar como os seres humanos funcio
nam, mas, se bem feito, ele poderá produzir um programa que joga xadrez em altíssimo ní
vel. Uma abordagem alternativa, a da simulação, leva em conta a maneira como os grandes
mestres solucionam seus problemas de xadrez e, em seguida, busca funcionar à maneira da
queles. O programa seria considerado um sucesso se conseguisse escolher, numa seqüência
de jogadas em uma partida, as mesmas jogadasque um grande mestre escolheria.
Também é possível a combinação de duas abordagens para produzir um programa que,
de modo geral, simula o desempenho humano, mas também usa da força bruta para, se ne
cessário, vencer o jogo.
Juntando Tudo
Os psicólogos cognitivos geralmente ampliam e aprofundam o conhecimento por meio
de pesquisas em Ciência Cognitiva. A Ciência Cognitiva é um campo multidisciplinar que
se utiliza de idéias e métodos da Psicologia Cognitiva, da Psicobiologia, da IA, da Filosofia,
da Lingüística e da Antropologia (Nickerson, 2005; Von Eckardt, 2005). Os cientistas
cognitivos usam essas idéias e métodos para enfatizar o estudo de como os seres humanos
Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 23
adquirem e utilizam o conhecimento. Os psicólogos cognitivos também se beneficiam de
colaborações com outros tipos de psicólogos. Um exemplo disso são os psicólogos sociais
(ex. no campo multidisciplinar da cognição social), os psicólogos que estudam a motiva
ção e a emoção, além de ergonomistas (ex.: psicólogos que estudam as interações entre o
homem e as máquinas).
Questões Fundamentais e Campos
da Psicologia Cognitiva
Ao longo deste capítulo, foram feitas alusões sobre alguns dos temas fundamentais que
emergem no estudo da Psicologia Cognitiva. Como surgem várias vezes ao longo dos capí
tulos deste livro, segue-se um resumo desses temas. Algumas dessas perguntas vão direto ao
âmago da natureza da mente humana.
Temas Subjacentes ao Estudo da Psicologia Cognitiva
Revisando as importantes idéias deste capítulo, veem-se alguns dos temas centrais que são
subjacentes a toda PsicologiaCognitiva. Quais são?Eis sete deles vistos sob uma perspec
tiva dialética:
1. Inato versus adquirido:
a. Tesejantítese: Qual é o fator mais influente na cognição humana - inato ou adqui
rido? Se acreditarmos que as características inatas da cognição humana são mais
importantes, podemos concentrar nossa pesquisa no estudo das características
inatas da cognição. Se acreditarmos que o ambiente desempenha papel impor
tante na cognição, então, conduziremos nossa pesquisa explorando de que ma
neira as diferentes características do ambiente parecem influenciar a cognição.
b. Síntese: Como é possível aprender a respeito das covariações e interações do am
biente, tais como de que modo um ambiente pobre afeta adversamente alguém
cujos genes deveriam levá-lo a ser bem-sucedido em uma variedade de tarefas.
2. Racionalismo versus Empirismo:
a. Tese/antítese: Como descobrir a verdade a respeito de si mesmo e do mundo à sua
volta? Deve-se fazer isso por meio do raciocínio lógico com base no que já se sabe?
Ou deve-se fazê-lo testando as próprias observações do que se percebe pelas
sensações?
b. Síntese: Como combinar a teoria com métodos empíricos para se aprender o má
ximo possível a respeito dos fenômenos cognitivos?
3. Estruturas versus processos:
a. Tese/antítese: Devem-se estudar as estruturas (conteúdos, atributos e produtos) da
mente humana? Ou concentrar-se no processo do pensamento humano?
b. Síntese: Como os processos mentais operam nas estruturas mentais?
4. Generalidade versus especificidade do domínio:
a. Tesej'antítese: Os processos observados são limitados a domínios únicos de conhe
cimento ou são gerais para uma série de domínios? As observações em um domí
nio se aplicam também a todos os domínios ou apenas aos domínios específicos
observados?
b. Síntese: Quais processos podem ser de domínio geral e quais de domínio es
pecífico?
24 Psicologia Cognitiva
5. Validade das inferências causais versus validade ecológica:
a. Tese/antítese: Deve-se estudar a cognição pelo uso de experimentos altamente
controlados que aumentam a probabilidade de inferências válidas com relação à
causalidade? Ou se deveriam usar técnicas mais naturalísticas que aumentam a
probabilidade de se obter conclusões ecologicamente válidas, porém à custa do
controle experimental?
b. Síntese: Como combinar os métodos, inclusive os laboratoriais e os mais natura-
lísticos, de modo a se chegar a conclusões sustentáveis, independentemente do
método de estudo?
6. Pesquisa aplicada versus pesquisa básica:
a. Tese/antítese: Deve-se conduzir a pesquisa nos processos cognitivos fundamentais?
Ou deve-se estudar maneiras para auxiliar as pessoas a utilizarem a cognição de
modo eficaz em situações práticas?
b. Síntese: Os dois tipos de pesquisa podem ser combinados dialeticamente de ma
neira que a pesquisabásica conduza à pesquisa aplicada, o que, por sua vez, leva
ria a mais pesquisa e assim por diante?
7. Métodos biológicos versus métodos comportamentais:
a. Tesefantítese: Deve-se estudar o cérebro e seu funcionamento diretamente, com
técnicas de imagem, enquanto as pessoas realizam tarefas cognitivas? Ou se deve
ria estudar o comportamento das pessoas durante o desempenho de tarefas cogni
tivas, observando-se medidas como percentual de correlação e tempo de reação?
b. Síntese: De que modo se poderia sintetizar os métodos biológicos e comporta
mentais para a compreensão dos fenômenos cognitivos em múltiplos níveis de
análise?
Embora muitas dessas perguntas sejam apresentadas de forma excludente, do tipo "ou/
ou", é bom lembrar que, muitas vezes, uma síntese das idéias ou métodos se mostra mais útil
do que posições extremadas. Por exemplo, a característica inata do ser humano pode propor
cionar uma estrutura herdada para as características e padrões diferentes do pensamento e da
ação,enquanto que o que se adquire pode engendrar asformas específicas nas quais se desen
volvem essas estruturas. Podem-se usar métodos empíricos para a interpretação de dados,
construir teorias e formular hipóteses com base nas teorias. O nosso entendimento da cogni
ção se aprofunda à medida que se considera tanto a pesquisa básica como a aplicada
sobre os
processos cognitivos fundamentais com relação às utilizações efetivas da cognição em con
textos de mundo real. As sínteses estão evoluindo permanentemente. Aquilo que hoje é uma
síntese, amanhã poderá ser considerada como posição extrema e vice-versa.
Principais Idéias da Psicologia Cognitiva
Certas idéias fundamentais parecem surgir com freqüência na Psicologia Cognitiva, inde
pendente dos fenômenos específicos que são estudados. A seguir, eis o que se pode conside
rar como as cinco idéias fundamentais.
í. Os dados napsicologia cognitiva sópodem ser completamente compreendidos no contexto
de uma teoria explanatória, porém de nada valem as teorias sem dados empíricos.
A ciência não é apenas um conjunto de fatos coletados de forma empírica. Ao
invés disso, ela comporta fatos que são explicados e organizados por teorias cientí
ficas. Por exemplo, supondo que se saiba que a capacidade das pessoaspara reconhe
cer informações que já viram antes é melhor que sua capacidade de recordar tais
Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 25
informações. Como exemplo, elasse saem melhor reconhecendo se já ouviram uma
palavra dita, constante de uma lista, do que em se lembrar da palavra sem que ela
tenha sidoapresentada. Estaé umageneralização empíricabem interessante, entre
tanto, a ciência requer que não apenas as pessoas sejam capazes de fazer generaliza
ções, como também entender por que a memória funciona assim. Por um lado, a
explicação é um importante objetivo da ciência, ao passo que a generalização em
pírica não oferece - na ausência de uma teoria subjacente - qualquer explicação. Por
outro lado, a teoria faz com que se compreendam as limitações das generalizações
empíricas e porque ocorrem. Por exemplo, uma teoria proposta por Tulving e
Thomson (1973) sugeria que, na verdade, o reconhecimento nem sempre deveria
ser melhor que a recordação. Outro objetivo igualmente importante da ciência é a
predição. A teoria de Tulving e Thomson levou-os a predizer as circunstâncias sob
as quais a recordação deveria ser melhor que o reconhecimento. Uma coleta de
dados logo após provou que estavam certos. Em determinadas circunstâncias, a re
cordação é certamente melhor que o reconhecimento. A teoria, portanto, sugeriu
em quais circunstâncias, dentre as inúmeras que se examinaram, deveriam ocorrer
as limitações das generalizações. Assim sendo, a teoria tanto serve de auxílio paraa
explicação como para a predição.
Ao mesmo tempo, a teoria sem dados é vazia. Praticamente, qualquer indiví
duo pode se sentar em uma poltrona e propor uma teoria - até mesmo uma que
pareça plausível, porém a ciência requer testes empíricos dessas teorias, sem o que
continuam sendo meramente especulativas. Logo, teotias e dados dependem uns
dosoutros. As teoriasgeramas coletas de dados, que, por sua vez, ajudam a corrigi
das, que levam a mais coletas de dados, e assim por diante. E por meio dessa
repetição e da interação entre a teoria e os dados que se pode aumentar o conheci
mento científico.
2. A cognição é, geralmente, adaptativa, mas não em todas as instâncias específicas.
Quando se consideram as formas pelas quais se cometem erros, é impressionante
como os sistemas cognitivos humanos funcionam bem. A evolução fez muito bem
em engendrar o desenvolvimento de um aparato cognitivo capaz de decodificar
com precisão os estímulos ambientais, além de entender os estímulos internos da
maioria das informações disponíveis. Pode-se perceber, aprender, recordar, racioci
nar e solucionar problemas com enorme precisão. Isso ocorre mesmo com uma
grande quantidade de estímulos. Qualquer estímulo pode desviar o indivíduo do
processamento adequado da informação. Todavia, os mesmos processos que nos le
vam a perceber, recordar e raciocinar com precisão na maioria das situações, tam
bém podem nos levar ao erro. Nossas recordações e raciocínios, por exemplo, são
suscetíveis a certos erros sistemáticos bem identificados. Por exemplo, à medida que
se percebe o quanto aprendeu a respeito da disponibilidade heurística, a tendência
é supervalorizar a informação que já está disponível, e isso ocorre mesmo quando a
informação nãoé totalmente relevante ao problema emquestão. Em geral, todos os
sistemas - naturais ou artificiais - estão baseados em compensações. As mesmas ca
racterísticas - que os tornam altamente eficientes dentro da enorme gama de cir
cunstâncias - podem torná-los ineficientes em outras circunstâncias específicas.
Um sistema que poderia ser extremamente eficiente em cadacircunstância especí
fica poderia ser ineficiente em uma ampla variedade de circunstâncias, simples
mente porque se tornaria demasiadamente incômodo e complexo. Portanto, os
seres humanos representam uma adaptação altamente eficiente, porém imperfeita,
dos ambientes que enfrentam.
26 Psicologia Cognitiva
Considere como exemplo de disponibilidade o ingresso na universidade. A
maioria dos responsáveis pela admissão nas universidades deseja obter toda a infor
mação possível dos alunos: suas habilidades de liderança, sua criatividade, sua ética,
bem como outras características igualmente relevantes. Entretanto, essa informação
pode não estar disponível imediatamente e, nessecaso,geralmente só está disponível
por meio de alguns alunos. Em contrapartida, as notas das provas e as médias das
notas estão sempre disponíveis para todos os usos. Dessa forma, os encarregados pela
admissão nas faculdades poderão confiar mais nas notas do que o fariam caso as in
formações sobre a personalidade dos alunos, como criatividade e ética, estivessem
mais prontamente disponíveis.
3. Os processos cognitivos interagem uns com os outros e também com processos não-
-cognitivos.
Embora tentem estudar e, muitas vezes, isolar o funcionamento de processos
cognitivos específicos, os psicólogos cognitivos sabem como esses processos andam
juntos. Por exemplo, a memória depende, em parte, da percepção. Igualmente, o
pensamento depende, em parte, da memória, ou seja, não é possível refletir sobre
aquilo que não é lembrado. Contudo, os processos não-cognitivos também intera
gem com os cognitivos. Por exemplo, aprende-se melhor quando se está motivado
a aprender. Porém, o aprendizado será provavelmente afetado se o indivíduo se
chatear com algo e não conseguir se concentrar na tarefa em questão. Portanto, os
psicólogos cognitivos buscam estudar os processos cognitivos não apenas de modo
isolado como também em suas interações uns com os outros e com os processos
não-cognitivos.
Uma das áreas mais interessantes da Psicologia Cognitiva hoje em dia é a inter
face entre os níveis cognitivo e biológico. Nos últimos anos, pot exemplo, tornou-se
possível localizar a atividade cerebral associada a vários tipos de processos cogniti
vos. Entretanto, é preciso muito cuidado ao assumir que a atividade biológica é a
causa da atividade cognitiva. A pesquisa mostta que a aprendizagem geradora de
alterações no cérebro ou, em outras palavras, nos processos cognitivos, pode afetar
as estruturas biológicas tanto quanto as estruturas biológicas podem afetar os pro
cessos cognitivos. Assim sendo, as interações entre os processos cognitivos e os
outros processos podem ocorrer em vários níveis. O sistema cognitivo não opera
isoladamente, mas funciona em interação com os outros sistemas.
4. A cognição deve ser estudada por meio de uma variedade de métodos científicos.
Não há uma forma correta de estudar a cognição. Estudiosos ingênuos buscam
o "melhor" método para o estudo da cognição. Essabusca será, inevitavelmente, em
vão, pois todo o funcionamento cognitivo precisa ser estudado por meio de um le
que variado de operações convergentes, ou seja, utilizando diferentes métodos que
visem a um entendimento comum. Quanto mais diferentes forem as técnicas que
levem à mesma conclusão, maior será a confiança nestas. Por exemplo, suponha-se
que os estudos de tempos de reação, percentual de correlação
e padrões das diferen
ças individuais, todos levem a uma única conclusão. Dessa forma, pode-se ter muito
mais confiança do que se esta conclusão fosse conseguida por apenas um método.
Os psicólogos cognitivos precisam aprender uma série de diferentes tipos de
técnicas para executar bem seu trabalho. Contudo, esses métodos devem ser científi
cos. Os métodos científicos diferem dos outros métodos uma vez que oferecem a
base para a natureza autocorretiva da ciência. Com o tempo, corrigem-se os erros. A
razão para isso é que os métodos científicos permitem refutar as expectativas quando
Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 27
estas estiverem erradas. Os métodos não científicos não apresentam tal caracterís
tica. Por exemplo, os métodos de investigação que dependem apenas da fé ou da
autoridade para determinar uma verdade podem ter algum valor na vida das pessoas,
mas não são científicos e, portanto, não são autocorretivos. Na verdade, as palavras
de uma autoridade hoje podem ser substituídas pela de outra amanhã, sem que se
saibaqualquercoisa nova a respeito do fenômeno a que aspalavras seaplicam. Como
o mundo aprendeu há muito tempo, o fato de que importantes dignitários tenham
dito que a Terraestá no centro do Universo não faz com que isso seja verdade.
5. Toda a pesquisa básica em Psicologia Cognitiva poderá levar a aplicações e toda pesquisa
aplicada poderá levar a conhecimentos básicos.
Os políticos e, às vezes, até mesmo cientistas gostam de estabelecer claras dife
renças entre a pesquisa básica e a aplicada. A verdade, no entanto, é que essa dis
tinção, geralmente, não é clara. Uma pesquisa que poderia ser básica, quasesempre,
leva a aplicações imediatas. Da mesma forma, pesquisas que aparentemente deve
riam ser aplicadas, às vezes, levam rapidamente a conhecimentos básicos, com
aplicações imediatas ou não. Por exemplo, uma conclusão básica de uma pesquisa
sobre a aprendizagem e a memória é que a aprendizagem é superior quando distri
buída ao longo do tempo do que quando é concentrada em curtos intervalos de
tempo. Essa conclusão básica tem uma aplicação imediata na formulação de estra
tégias. Ao mesmo tempo, a pesquisa sobre testemunhos oculares, que à primeira
vista, parece ser muito aplicada, melhorou o conhecimento básico do funciona
mento da memória bem como sobre até que ponto o ser humano constrói as pró
prias recordações. Não é uma mera reprodução do que ocorre no ambiente.
Antes de encerrar este capítulo, pense em alguns campos da Psicologia Cogni
tiva, descritos nos capítulosseguintes, aosquais esses temase questões fundamentais
estão diretamente relacionados.
Leituras Sugeridas Comentadas
Nadei, L. Encyclopedia of cognitive science. v. Wilson, R. A.; Keil, F. C. The MIT ency-
4- Londres: Nature Publishing Group, clopedia of cognitive sciences. Cambridge:
2003. Uma análise detalhada de tópicos MIT Press, 1999. Verbetes sobre toda a
em toda a gama das Ciências Cogniti- gamade tópicosque constituem o campo
vas. Os verbetes estão classificados por de estudos da Ciência Cognitiva.
grau de dificuldade.
CAPITULO
Neurociência Cognitiva 2
EXPLORANDO A PSICOLOGIA COGNITIVA
1. Quais são as estruturas fundamentais e os processos celulares do cérebro?
2. Como os pesquisadores estudam as grandes estruturas e os processos cerebrais?
3. O que os pesquisadores já descobriram como resultados do estudo do cérebro?
Uma antiga lenda da índia {Rosenzweig, Leiman, 1989) fala de Sita. Ela se casa
com um homem, mas se sente atraída por outro. Esses dois homens frustrados
decapitam um ao outro. Sita, que ficou sem os dois, reza desesperadamente à deusa
Kali para que traga os dois homens de volta à vida. Sita tem seu desejo atendido. A ela
foi permitido recolocar as cabeças nos corpos. Na sua pressa de trazer os dois de volta à
vida, Sita, por engano, troca as cabeças. E agora, com quem ela está casada? Quem
e quem
A questão mente-corpo há muito interessa a filósofos e cientistas. Onde a mente está
localizada no corpo, se é que está? De que forma mente e corpo interagem? Como somos ca
pazes de pensar, falar, planejar, raciocinar, aprender e recordar? Quais são as bases físicas de
nossas capacidades cognitivas? Todas essas perguntas investigam a relação entre Psicologia
Cognitiva e Neurobiologia. Alguns psicólogos cognitivos buscam responder a essas questões
estudando as bases biológicas da cognição. Os psicólogos cognitivos estão particularmente
preocupados em como a anatomia (as estruturas físicas do corpo) e a fisiologia (funções e
processos do corpo) do sistema nervoso afetam e são afetadas pela cognição humana.
A Neurociência Cognitiva é o campo de estudos que vincula o cérebro e outros aspec
tos do sistema nervoso ao processamento cognitivo e, em última análise, ao comporta
mento. O cérebro é o órgão do corpo que controla mais diretamente os pensamentos, as
emoções e as motivações (Gloor, 1997; Rockland, 2000; Shepherd, 1998). Em geral, pen
sa-se no cérebro como algo que está no topo da hierarquia do corpo - como o chefe, com
vários outros órgãos respondendo a ele. Contudo, como qualquer bom chefe, escuta seus su
bordinados e é influenciado por eles, que são os outros órgãos do corpo. Dessa forma, o cé
rebro é tanto diretivo como reativo.
Um objetivo importante do atual trabalho sobre o cérebro é estudar a localização das
funções. A localização da função refere-se às áreas específicas do cérebro que controlam os
comportamentos e as habilidades específicas. Entretanto, antes de tratarmos do cérebro, va
mos examinar como ele se situa na organização geral do sistema nervoso.
29
30 Psicologia Cognitiva
Do Neurônio ao Cérebro: A Organização do
Sistema Nervoso
O sistema nervoso é a base de nossa capacidade de percebermos, de nos adaptar e de inte
ragirmos com o mundo ao nosso redor (Gazzaniga, 1995, 2000; Gazzaniga, Ivry, Mangun,
1998). Por meio desse sistema, recebe-se, processa-se e depois se respondem às informações
provenientes do meio ambiente (Pinker, 1997; Rugg, 1997). Nessa seção, vamos considerar
inicialmente o bloco estrutural básico do sistema nervoso - o neurônio. Examinaremos em
detalhes como a informação se movimenta por meio do sistema nervoso no nível celular e,
depois disso, analisaremos os vários níveis de organização no sistema nervoso. Nas seções
posteriores, vamos nos concentrar no principal órgãodo sistema nervoso- o cérebro -, pres
tando especialatenção ao córtex cerebral,que controla muitos dos processos de pensamento.
Por ora, vejamos como o processamentoda informação ocorre no nível celular.
Estrutura e Função Neuronais
Para compreendercomo o sistemanervoso processa a informação, é preciso examinar a estru
tura e a função das células que constituem esse sistema. As células neurais individuais, cha
madas neurônios, transmitem sinais elétricos de um local para outro no sistema nervoso
(Carlson, 2006; Shepherd, 2004)- A maior concentração de neurônios ocorre no neocórtex
do cérebro. O neocórtex é a parte do cérebro associada à cogniçãocomplexa.Esse tecido pode
conter até 100.000 neurônios por milímetro cúbico (Churchland, Sejnowski, 2004). Os neu
rônios tendem a se organizar na forma de redes que se interligam, trocando informações e
promovendo vários tipos de processamento de informação (Vogels, Rajan, Abbott, 2005).
Os neurônios variam em sua estrutura, mas quase sempre possuem quatro partes bási
cas, como ilustrado na Figura 2.1. Que são: soma (corpo da célula), dendritos, um axônio e
feixes terminais.
O soma, que contém o núcleo celular (a porção central que possui funções metabólicas
e reprodutivas da célula), é responsável pela vida do neurônio e liga os dendritos ao axô
nio. Os inúmeros dendritos são estruturas ramificadas que recebem informações de outros
neurônios, e a soma integra essas informações. O aprendizado está associado com a forma
ção de novas conexões neurais. Issoocorre em combinação com o
aumento de sua comple
xidade ou ramificação na estrutura dos dendritos no cérebro. O axônio simples é um longo
e fino tubo que se estende (e por vezesse divide) do soma que reage à informação, quando
apropriado, transmitindo um sinal eletroquímico que viaja até o final, de onde o sinal pode
ser transmitido para outros neurônios.
Os axônios apresentam-se apresentam em dois tipos: com ou sem revestimento de mie-
lina. Mielina é uma substância branca gordurosaque envolve algunsdos axônios no sistema
nervoso e é responsável por parte do aspecto branco do cérebro. Alguns axônios são mie
linizados (quando revestidos pela mielina). Esse revestimento, que isola e protege os axô
nios mais longos da interferência elétrica de outros neurônios na área, também acelera a
condução de informação. Na verdade, a transmissãopelos axônios mielinizados pode alcan
çar até 100 metros por segundo (o equivalente a 224 milhas por hora). Além disso, a mie
lina não é distribuída de maneira uniforme ao longo do axônio. Édistribuída emsegmentos
interrompidos pelos Nódulos de Ranvier, que são pequenos intervalos no revestimento de
mielina ao longo do axônio que atuam no aumento da velocidade da condução do sinal ele
troquímico. O segundo tipo de axônio não possuia cobertura de mielina. Normalmente, es
ses axônios desmielinizados são menores e mais curtos (assim como mais lentos) do que os
axônios. mielinizados. Como resultado dessa condição, estes não precisam de aumento na
FIGURA 2.1
Feixes
terminais
Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 31
<*- ><•'••" i:
Soma
Dendritos
Axônio
O formato do neurônio é determinado por sua função. Cada neurônio, entretanto, lem a mesma estrutura: soma,
dendritos, um axônio e feixes terminais, (Imagem: © Omikron/Science Source/ Photo Researc/iers, Inc. Utilizada
com autorização)
velocidade de condução do sinal eletroquímico que a mielina proporciona aos axônios mais
longos. A esclerose múltipla, uma doença autoimune, está associada com a degeneração do
revestimento de mielina em axônios de certos nervos. Isso resulta na deterioração da coor
denação e do equilíbrio. Em casos graves, essa doença é fatal.
Os feixes terminais são pequenas formações arredondadas encontradas ao final das ra
mificações de um axônio e que não tocam diretamente os dendritos do neurônio próximo a
ele. Na verdade, existe um espaço muito pequeno, a sinapse. A sinapse funciona como um
ponto de contato entre os feixes terminais de um ou mais neurônios e os dendritos (ou, às
vezes, o soma) de um ou mais neurônios vizinhos (Carlson, 2006; ver Figura 2.1). As si-
napses são importantes na cognição. Os ratos apresentam um incremento tanto no tama
nho como no número de sinapses no cérebro, como resultado do aprendizado (Turner,
Greenough, 1985). A diminuição da função cognitiva, como no Mal de Alzheimer é asso
ciada com a redução da eficiência das sinapses na transmissão de impulsos nervosos (Selkoe,
2002). A transmissão de sinal entre neurônios ocorre quando os feixes terminais liberam
um ou mais transmissores na sinapse. Esses neurotransmissores funcionam como mensagei
ros químicos para transmissãode informação pelo intervalo da sinapse aos dendritos recep
tores do próximo neurônio (von Bohlen und Halbach, Dermietzel, 2006).
32 Psicologia Cognitiva
Os cientistas já catalogaram mais de 50 substâncias neurotransmissoras, embora ainda
haja muito mais a ser descoberto. Fisiologistas e psicólogos estão trabalhando na descoberta
e no entendimento de neurotransmissores. Em especial, eles querem entender como os neu-
rotransmissores interagem com as drogas, com o humor, com as habilidades e com as per
cepções. Sabemos muita coisa a respeito do mecanismo da transmissão do impulso neural,
mas, relativamente, sabemos ainda muito pouco a respeito de como a atividade química do
sistema nervoso se relaciona com os estados psicológicos. A despeito dos limites do conhe
cimento atual, aprendemos muito a respeito de como essas substâncias afetam o funciona
mento psicológico dos indivíduos.
Atualmente, existem três tipos de substâncias envolvidas no processo de neurotrans-
missão:
1. Os monoaminos neurotransmissores, cada um deles é sintetizado pelo sistema nervoso
pelas ações enzimáticas em um dos aminoácidos (constituídos de proteínas, como
colina, tirosina e triptofano) em nossa alimentação diária (ex.: acetilcolina, dopa
mina e serotonina);
2. Os neurotransmissores aminoácidos, obtidos diretamente dos aminoácidos da nossa ali
mentação sem qualquer síntese (ex.: ácido gamaaminobutírico ou GABA); e
3. Os neuropeptídios, que são cadeias de peptídeos (moléculas constituídas por partes de
dois ou mais aminoácidos).
O Quadro 2.1 relaciona alguns exemplos de neurotransmissores e suas funções no sis
tema nervoso, e suas relações com o funcionamento cognitivo.
A acetilcolina está ligada à memória e a sua perda tem sido relacionada à perda de me
mória em pacientes com Mal de Alzheimer (Hasselmo, 2006). A acetilcolina também
exerce importante papel no sono e no estado de alerta. No despertar, há um aumento da
atividade dos também chamados neurônios colinérgicos na base anterior e na haste do cé
rebro (Rockland, 2000).
A dopamina está ligada à atenção e à aprendizagem. Também está relacionada com a
motivação, tais como o reforço e a recompensa. Portadores de esquizofrenia possuem um ní
vel muito elevado de dopamina. Este fato já orientou alguns pesquisadores no sentido de
que altos níveis de dopamina podem ser parcialmente responsáveis pela condição esquizo
frênica. As drogas utilizadas no combate à esquizofrenia geralmente inibem a ação da dopa
mina (von Bohlen und Halbach, Dermietzel, 2006). Em contrapartida, pacientes com
Mal de Parkinson apresentam níveis muito baixos de dopamina. Com tratamento à base de
dopamina, esses pacientes de Parkinson, por vezes, apresentam um aumento da compulsão
patológica de jogar. Quando o tratamento com dopamina é interrompido, os pacientesdei
xam de apresentar esse comportamento (Drapier et ai., 2006; Voon et aí., 2007). Essas des
cobertas confirmam o papel da dopamina no processo motivacional.
A serotonina desempenha papel muito importante no comportamento relacionado à
alimentação e ao controle de peso. Também tem ligação com o comportamento agressivoe
a impulsividade (Rockland, 2000). Drogas que bloqueiam a serotonina tendem a aumentar
o comportamento agressivo. Altos níveis de serotonina têm papel em alguns tipos de ano-
rexia. Especificamente, a serotonina parece ter papel em alguns tipos de anorexias decor
rentes de doença ou de tratamento de doença. Por exemplo, pacientes com câncer ou que
se submetem à diálise experimentam grave falta de apetite (Agulera et ai., 2000; Davis et
ai., 2004). A perda de apetite nos dois casos é relacionada aos altos níveis de serotonina.
Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 33
QUADRO 2.1 Neurotransmissores
Os neurotransmissores são responsáveis pela comunicação intercelular no sistema
nervoso. Esta tabela lista uma parte dos neurotransmissores conhecidos.
Neurotransmissores Descrição Função Geral Exemplos Específicos
Acetilcolina (Ach) Neurotransmissor
monoamino sintetizado a
partir da colina.
Excitatório no cérebro e
na musculatura esquelé
tica ou inibitório na mus
culatura cardíaca e outras
partes do corpo.
Acredita-se que esteja re
lacionado com a memó
ria por sua alta concen
tração encontrada no
hipocampo (Squire,
1987).
Dopamina (DA) Monoamino neurotrans
missor sintetizado a partir
da tirosina.
Influencia o movimento,
a atenção e a aprendiza
gem. Na maioria das ve
zes é inibitório. Mas, em
alguns casos, pode apre
sentar efeitos excitató-
rios.
O Mal de Parkinson, ca
racterizado por tremores
e rigidez límbica, resulta
da escassez de DA; alguns
sintomas de esquizofrenia
estão associados com
o excesso de DA.
Epinefrina e
norepinefrina
Monoamino neurotrans
missor sintetizado a partir
da tirosina.
Hormônios (também co
nhecidos como adrena
lina e noradrenalina)
relacionados com a
regulação do estado de
alerta ou vigilância.
Relacionado a diversos
efeitos no corpo relativos
às reações "bater ou cor
rer" (fight-or-flight), raiva
e medo.
Serotonina Monoamino neurotrans
missor sintetizado a partir
do triptofano.
Relacionado ao estado de
alerta, sono e sonhos e
humor. Normalmente
inibitório, mas, em
alguns casos, excitatório.
Normalmente inibe os
sonhos; falhas no sistema
de serotonina estão rela
cionadas com a depressão
grave.
GABA (ácido
gamaminobutírico)
Aminoácido neurotrans
missor.
Efeito neuromodulatório
geral resultante das
influências inibitórias dos
axônios pré-sinápticos.
Acredita-se que influen
cia certos mecanismos de
aprendizagem e de me
mória (Izquierdo, Me-
dina, 1997).
Glutamato Aminoácido neurotrans
missor.
Efeito neuromodulatório
geral resultantes das in
fluências excitatórias dos
axônios pré-sinápticos.
Acredita-se que influen
cia certos mecanismos de
aprendizagem e de me
mória (Izquierdo, Me-
dina, 1997).
Neuropeptídeos Cadeias de peptídeos que
atuam como neurotrans
missores.
Efeito neuromodulatório
geral resultantes das in
fluências excitatórias dos
axônios pré-sinápticos.
A endorfina atua no alí
vio da dor. Neuromodu-
ladores neuropeptídios
por vezes são liberados
para aumentar os efeitos
da Ach.
As descrições precedentes simplificam drasticamente a complexidade das comunicações
neuronais. Taiscomplexidades tornam difícil a compreensão do que acontece no cérebronor
malquando pensamos, sentimos e interagimos como ambiente ao nosso redor. Muitos pesqui
sadores procuram entender o processo normal de comunicaçãodo cérebro. Esperam determinar o
que está errado no cérebro de pessoas afetadas por distúrbios neurológicos e psicológicos. Talvez,
quandosepuder entendero que estáerrado - quais substâncias estãoem desequilíbrio -, seja pos
sível conseguir colocar ascoisas em equilíbrio novamente. Uma maneira de se fazer isso é colocar
neurotransmissores onde é preciso ou inibir os efeitos dos neurotransmissores em excesso.
34 Psicologia Cognitiva
Receptores e Drogas
Os receptores no cérebro, que normalmente são empregados por neurotransmissores co
muns, podem ser desviados por drogas psicofarmacologicamente ativas, legais ou ilegais.
Nesses casos, as moléculas das drogas entram nos receptores que normalmente seriam para
substâncias neurotransmissoras endógenas (originadas dentro) do corpo.
Quando o indivíduo interrompe o uso da droga, surgem os sintomas da abstinência.
Uma vezque o usuário se torna dependente, por exemplo, a forma de tratamento difere por
causa da toxicidade aguda (dano causado pelo longo tempo de vício). A toxicidade aguda é
quase sempre tratada com naloxone ou drogas correlatas. O naloxone (bem como sua simi
lar naltrexone) ocupa os receptores opiáceos no cérebro melhor do que os opiáceos propria
mente ditos, e, dessa forma, bloqueia todos os efeitos dos narcóticos. Na verdade, o
naloxone tem uma forte afinidade com os receptores de endorfina no cérebro que ele, de
fato, coloca moléculas de narcóticos nesses receptores e, depois, ele mesmo os carrega para
os receptores. O naloxone não vicia; embora esteja ligado aos receptores, ele não os ativa.
Muito embora o naloxone possaser entendido como uma droga salvadora para alguém que
tenha sofrido uma superdosagem de opiáceos, seus efeitos têm vida curta. Assim, não é re
comendado para o tratamento em longo prazo de viciados em drogas.
No processode desintoxicação de narcóticos, a droga (normalmente, a heroína) é, geral
mente, substituída pela metadona, que se liga aos locais receptores de endorfina de maneira
similar ao naloxone, reduzindo a ânsia por heroína bem como os sintomas de abstinência de
indivíduos viciados. Após a substituição, são administradas aos pacientes doses gradualmente
decrescentes, até a completa eliminação da droga em seus organismos. Infelizmente, a utili
dade da metadona é limitada pelo fato de ser, ela própria, substânciaque causa dependência.
Observando as Estruturas e Funções do Cérebro
Os cientistas fazem uso de inúmeros métodos para estudar o cérebro humano, entre eles,
os estudos post-mortem (do latim, "após a morte") e as técnicas in vivo (do latim, "vivo"),
tanto em seres humanos como em animais. Cada técnica oferece informações importantes
a respeito da estrutura e do funcionamento do cérebro humano. Até mesmo alguns dos
primeiros estudos post-mortem ainda influenciam a maneira de se pensar sobre como o cére
bro realiza determinadas funções. Entretanto, a tendência atual é a de se concentrar em
técnicas que ofereçam informações a respeito do funcionamento mental humano à medida
que ocorre. Essa tendência é contrária à anterior, ou seja, esperar encontrar indivíduos com
distúrbios para, só depois de sua morte, então, estudar seus cérebros. Uma vezque os estudos
post-mortem formam a base para os trabalhos posteriores, vamos discuti-los antes de avançar
para as técnicas ín vivo mais modernas.
Estudos Post-Mortem
Há séculos, os investigadores conseguiram dissecar o cérebro após a morte de um indivíduo.
Até hoje, a dissecação é usada com freqüência para estudar a relação entre cérebro e com
portamento. Os cientistas observam atentamente o comportamento de pessoas que apresen
tam sinais de lesões cerebrais enquanto estão vivas (Wilson, 2003), documentando o
comportamento nesses estudos de casos de pacientes, o mais minuciosamente possível
(Fawcett, Rosser, Dunnett, 2001). Mais tarde, após a morte dos pacientes, examinam seus
cérebros em busca das lesões —áreas em que os tecidos tenham sido danificados, por exem
plo, como conseqüência de ferimentos ou de doenças. A seguir, inferem que os locais lesio-
nados podem ter relação com o comportamento afetado. O Caso de Phineas Cage, discutido
no Capítulo 1, foi explorado com esses métodos.
Capítulo2 • Neurociência Cognitiva 35
Dessa maneira, os cientistas podem estabelecer o vínculo entre um tipo de comporta
mento observado e as anomalias localizadas em um determinado local do cérebro. Um dos
primeiros exemplos é o de Tan (assim chamado porque essa era a única sílaba que conse
guia pronunciar), famoso paciente de Paul Broca (1824-1880). Tan apresentava graves pro
blemas na fala, que tinham ligação com lesões na área do lobo frontal, que agora é chamada
de área de Broca. Essa área está ligada a determinadas funções na produção da fala. Recen
temente, exames post-mortem em vítimas da doença de Alzheimer (doença que causa per
das devastadoras da memória: ver no Capítulo 5) levaram os pesquisadores a identificar
algumas estruturas do cérebro ligadas à memória (como o hipocampo, descrito em uma se
ção posterior deste capítulo). Esses exames identificaram também algumas aberrações mi
croscópicas associadas com o processo da doença (ex.: fibras diferentes entrelaçadas no
tecido do cérebro). Embora sirvam para alicerçar o entendimento da relação entre o cére
bro e o comportamento, as técnicas de lesionamento são limitadas na medida em que não
podem ser realizadas no cérebro vivo. Consequentemente, não oferecemconhecimentos so
bre processos fisiológicos mais específicos do cérebro vivo. A fim de se obter essa informa
ção, há a necessidade de se usar técnicas in vivo, como as descritas a seguir, entre outras.
Estudos com Animais
Os pesquisadores também querem compreender os processos e as funções do cérebro vivo e,
para estudar sua atividade variável, é preciso usar a pesquisa in vivo. Muitas das primeiras
técnicas in vivo foram realizadas exclusivamente em animais, por exemplo, as pesquisas
ganhadoras do Prêmio Nobel sobre a percepção visual surgiram a partir de estudos in vivo
que investigavam a atividade elétrica de células em determinadas regiões do cérebro de
animais (Hubel, Wiesel, 1963, 1968, 1979; ver o Capítulo 3).
Nessesestudos, inserem-se
microeletrodos no cérebro de um animal (geralmente um ma
caco ou um gato), que obtém registros decélulas isoladas acerca da atividade de um único neu
rônio no cérebro. Nesses registros, os cientistas inserem um finíssimo eletrodo próximo a
um neurônio isolado e, dessa forma, conseguem captar as alterações na atividade elétrica
que ocorre na célula. Essa técnica só pode ser usada em laboratório e com animais, porque
ainda não foi encontrada uma forma segura para realizar esses registros em seres humanos.
Dessa maneira, os cientistas podem medir os efeitos de determinados estímulos, como li
nhas apresentadas visualmente sobre a atividade dos neurônios individuais. Outros estudos
com animais incluem o lesionamento seletivo —remoção cirúrgica ou lesionando parte do
cérebro -, visando observar os conseqüentes deficits funcionais (APbertin, Mulder, Wiener,
2003; Mohammed, Jonsson, Archer, 1986). Evidentemente, essas técnicas não podem ser
utilizadas em seres humanos. Além disso, não é possível registrar simultaneamente a ativi
dade de cada neurônio. As generalizações com base nesse tipo de estudo são um pouco li
mitadas e, assim sendo, desenvolveram-se várias técnicas de imagem menos invasivas para
serem usadas em seres humanos, descritas na próxima seção.
Registros Elétricos
Potenciais Relacionados a Eventos
Pesquisadores e profissionais (como psicólogos e médicos) geralmente registram a atividade
elétrica do cérebro, que aparece sob a forma de ondas de várias larguras (freqüência) e alturas
(intensidades). Os eletroencefalogramas (EEGs) são registros das freqüências e das intensi-
dades elétricas do cérebro vivo, normalmente gravadas durante períodos relativamente
longos (Picton, Mazaheri, 2003). Por meio dos EEGs, é possível estudar as atividades das
ondas cerebrais que indicam as alterações dos estados mentais, como o sono profundo ou o
sonho. Para a realização de um eletroencefalograma, colocam-se eletrodos em vários pontos
36 Psicologia Cognitiva
do couro cabeludo de modo a registrar a atividade elétrica das áreas do cérebro. Assim, a
informação não é bem localizada em termos de células específicas, mas é, em contrapartida,
extremamente sensível às alterações ao longo do tempo. Por exemplo, registros de EEGs
feitos durante o sono revelam mudanças nos padrões da atividade elétrica de todo o cérebro.
Durante o sonho, surgem padrões diferentes daquelesque surgemno sono profundo.
De modo a estabelecer uma relação da atividade elétrica com um determinado evento
ou tarefa (ex.: ver um clarão de luz ou ouvir frases), podem-se medir as ondas do EEG em
um grande número dè testes (ex.: 100) para revelar potenciais relacionados com os eventos
(ERPs). Um potencial relacionado com um evento é o registro de uma pequena alteração
na atividade elétrica do cérebro em resposta a um evento estimulador. A oscilação geral
mente dura uma fração de segundo mínima. Os ERPs proporcionam boas informações a res
peito do transcurso de tempo da atividade cerebral relacionada a tarefas pela média
eliminatória da atividade não relacionada à tarefa. Os ERPs identificam-se pela colocação
de uma série de eletrodos na cabeça do paciente para, em seguida, registrar a atividade elé
trica do cérebro por meio dos eletrodos. As formas de ondas resultantes mostram picos ca
racterísticos relacionados ao tempo da atividade elétrica, mas apenas revelam informações
muito gerais sobre a localização dessa atividade (em função da baixa resolução espacial, li
mitada pela colocação dos eletrodos no couro cabeludo).
A técnica de ERP é usada em uma ampla gama de estudos. Por exemplo, alguns estudos
da inteligência tentatam relacionar características específicas de ERPs aos resultadosde tes
tes de inteligência (ex.: Caryl, 1994). O exame do processamento da linguagem também se
beneficiou do uso dos métodos de ERP. Nos estudos envolvendo a leitura, a capacidade dos
pesquisadores de mensurar as alterações do cérebro durante intervalos específicos de tempo
também possibilitou entender a capacidade de compreensão das frases (Kuperber et ai.,
2006). As mudanças no desenvolvimento das habilidades cognitivas também foram exami
nadas pelos métodos ERP. Esses experimentos possibilitaram um entendimento quase com
pleto da relação entre o cérebro e o desenvolvimento cognitivo (Taylor, Baldeweg, 2002).
Além disso, o alto grau de resolução temporal proporcionado pelos
ERPs pode ser utilizado para complementar outras técnicas, como
por exemplo, a tomografia por emissão de pósitrons (PET, discutida a
seguir) para identificar áreas envolvidas na associação de palavras
(Posner, Raichle, 1994). Usando os ERPs, os investigadores descobri
ram que os participantes mostravam maior atividade em certas partes
do cérebro (córtex frontal lateral esquerdo, córtex posterior esquerdo
e córtex insular direito) sempre que faziam associações rápidas das pa
lavras dadas. Outro estudo mostrou que as diminuições nos potenciais
elétricos são duas vezes maiores para os tons que são atendidos do que
para aqueles que são ignorados (ver Phelps, 1999). Assim como ocorre
com qualquer técnica, os EEGs e os ERPs oferecem apenas uma visão
da atividade cerebral e são mais úteis quando usadosem conjunto com
outras técnicas, visando examinar as áreas cerebrais específicas ligadas
à cognição.
Michael Posneré professor
emérito de Psicologia na
University ofOregon.
Suapesquisa pioneira
propiciou fortes evidências
dasligações entre as opera
ções cognitivas e a atividade
localizada do cérebro.
Seu trabalho auxiliou a
estabelecer abordagens cog
nitivas e biológicas experi
mentaisconjuntasparaa
melhor função docérebro.
(Foto: Cortesia Dr. Mi
chael Posner)
Técnicas de Imagem Estática
Os psicólogos utilizam-se também de várias técnicas de imagem está
tica para revelar as estruturas do cérebro (Buckner, 2000a; Posner,
Raichle, 1994; Rosen, Buckner, Dale, 1998; Figura 2.2 e Quadro 2.2).
Dentre essas técnicas estão os angiogramas; a tomografia computado
rizada (TC) e a ressonância magnética (RM). As técnicas baseadas em
raios X (angiograma e TC) permitem a observação de grandes anor
malidades do cérebro, como danos resultantes de acidentes vasculares
Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 37
FIGURA 2.2
(a) Angíograma (ralos X)
. magnéticos
Várias técnicas já foram desenvolvidas para fazer imagens das estruturas e, as vezes, dos processos do cérebro,
(a) Um angiograma do cérebro destaca seus vasos sangüíneos, (b) Uma imagem TC deum cérebro usa uma série
de tomografias rotativas (uma das quais aqui apresentada) para produzir uma imagem tridimensional das estruturas
do cérebro, (c) Umasérie rotativa de RMs (umadas quais é aqui apresentada) comuma imagem tridimensional
das estruturas docérebro com mais precisão doque as da TC. (d) Essas fotografias estáticas de PETs de um
cérebro mostram diferentes processos metabólicos duranteatividades distintas. As PETs permitem o estudo da
fisiologia docérebro, (imagens: CNR11SPL/ Ohio Nuclear I Photo Resarchers, Inc./Spenccr Gram / Stock
Boston, LLC. Utilizada com autorização)
38 Psicologia Cognitiva
QUADRO 2.2 Principais Estruturas e Funções do Cérebro
O prosencéfalo, o mesencéfalo e o rombencéfalo contêm estruturas que realizam funções
para a sobrevivência bem como para processos de alto nível, como o pensar e o sentir.
Região do
Cérebro
Prosencéfalo
Principais Estruturas Dentro
das Regiões
Córtex cerebral (camada exterior dos
hemisférios)
Gânglios basais (conjuntos de núcleos
e fibras neurais)
Sistema límbico (hipocampo, amíg-
dala e sepco)
Talar
Funções das Estruturas
Responsável pelo recebimento e proces
samento de informações sensoriais,
pensamento, outros processamentos
cognitivos e no planejamento e envio
de informações motoras
Cruciais ao funcionamento do sistema
motor
Responsáveis pela aprendizagem, emo
ções e motivações (em particular, o hi
pocampo influencia a aprendizagem
e a
memória; a amígdala influencia a raiva e
a agressividade; c o septo, a raiva e o
medo)
Estação básica de retransmissão de infor
mações sensoriais que chegam ao cére
bro; transmite informações para as
regiões certas do córtex cerebral por fi
bras de projeção que vão do tãlamo até
regiões específicas do córtex; é composto
por vários núcleos (grupos de neurônios)
que recebem tipos específicos de infor
mação sensorial, projetando-os em
regiões específicas do córtex cerebral, in
cluindo quatro núcleos fundamentais
para a informação sensorial: (1) dos re
ceptores visuais, via nervos ópticos, ao
córtex visual, possibilitando a visão;
(2) dos receptores auditivos, via nervos
auditivos, ao córtex auditivo, possibi
litando a audição: (3) dos teceptores
sensoriais, no sistema nervoso somático,
ao córtex somatossensorial primário,
possibilitando a sensação de pressão e
dor; e (4) do cerebelo (no rombencé
falo) ao córtex motor primário, possibili
tando a estabilidade e o equilíbrio físico
cerebrais (AVCs) ou tumores. Todavia, essas técnicas têm resolução limitada e não forne
cem muita informação a respeito de lesões e anormalidades menores.
Provavelmente, a técnica de imagem estática de maior interesse para os psicólogos cog
nitivos seja a ressonância magnética (RM), que serve para revelar imagens de alta resolu
ção da estrutura do cérebro vivo pela computação e pela análise das alterações magnéticas
na energia das órbitas das partículas nucleares nas moléculas do corpo. Issofacilita a detec
çãode lesões in vivo, como aquelas associadas a transtornos específicos do uso da linguagem.
Na RM, um forte campo magnético é passado através do cérebro do paciente. O scanner
detecta vários padrões de alterações eletromagnéticas nos átomos do cérebro (Malonek,
Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 39
QUADRO 2.2 Principais Estruturas e Funções do Cérebro (continuação)
Região do
Cérebro
Principais Estruturas Dentro
das Regiões
Funções das Estruturas
Hipotálamo Controla o sistema endócríno; controla
o sistema nervoso autônomo, como a
regulação da temperatura interna, do
apetite e da sede, além de outras funções
importantes; responsável pela regulação
do comportamento relativo à sobrevi
vência da espécie (em especial, lutar,
alimentar-se, fugit e acasalar); é impor
tante no controle da consciência (ver o
sistema reticular ativador); responsável
pelas emoções, pelo prazer, pela dor
e pelas reações de estresse
Mesencéfalo Coiícuiossuperiores (acima) Envolvidos na visão (especialmente nos
reflexos visuais)
Colículos inferiores (abaixo) Envolvidos na audição
Sistema reticular ativador - RAS
(estende-se para o interior do rom
bencéfalo)
Importante no controle da consciência
(despertar do sono), atenção, função
cardiorrespiratória e movimentos.
Substância cinzenta núcleo rubro, subs
tância negra, região ventraí
Importante no controle dos movimentos
Rombencéfalo Cerebelo Fundamental para o equilíbrio, a coorde
nação e o tõnus muscular
Ponte (também contém parte do
RAS)
Envolvido na consciência (sono e des
pertar); liga as transmissões neutais de
uma parte do cérebro à outra; respon
sável pelos nervos faciais
Medulaoblonga Atua como junção na qual os nervos se
cruzam de um lado do corpo ao lado
oposto do cérebro; responsável pelas
funções cardiorrcspiratórias, a digestão e
a deglutição
Grinvald, 1996; Ugurbil, 1999). Essas alterações molecularessão analisadas por um compu
tador que gera uma imagem tridimensional do cérebro, produzindo informações detalhadas
das estruturas cerebrais. Por exemplo, a RM é usada para demonstrar que músicos que to
cam instrumentos de cordas, como violino e violoncelo, tendem a tet uma expansão do cé
rebro em uma área do hemisfério direito, que controla o movimento da mão esquerda (uma
vez que o controle das mãos é contralateral - o lado direito do cérebro controla a mão es
querda, e vice-versa) (Münte, Altenmüller, Jáncke, 2002). Às vezes, as pessoas pensam que
o cérebro controla tudo o que fazem. Este estudo é um bom exemplo de como aquilo que se
faz - ou seja, a experiência - pode afetar o desenvolvimento do cérebro. Contudo, a técnica
40 PsicologiaCognitiva
de RM é relativamente cara e, além disso, não oferece muita informação a respeito dos
processos fisiológicos. As duas últimas técnicas, discutidas na seguinte seção, irão oferecer
essa informação.
imagens Metabólicas
As técnicas de imagem metabólica baseiam-se nas mudanças que ocorrem no cérebro como
resultado do aumento do consumo de glicose e de oxigênio nas áreas ativas deste órgão. A
idéia básica é que as áreas ativas do cérebro consomem mais glicose e oxigênio do que as
áreas inativas durante a execução de algumas tarefas. Uma área exigida especificamente por
uma tarefa deveria estar mais ativa durante essa tarefa do que durante um processamento
mais geral. Os cientistas tentam identificaráreas especializadas para uma determinada tarefa
usando o método de subtração, que compreende subtrair a atividade durante uma tarefa mais
geral da atividade mensurada durante uma tarefa específica. Em seguida, a atividade resul
tante é analisada estatisticamente.
Essa análise determina quais as áreas responsáveis pelo desempenho de qualquer tarefa
específica, bem como as de âmbito mais genérico. Por exemplo, supondo que o pesquisador
deseje determinar que área do cérebro é mais importante para alguma função, como a re
cuperação do significado das palavras. Ele deveria, então, subtrair atividade durante uma ta
refa como a leitura de palavrasda atividade durante uma tarefa envolvendo o reconhecimento
físico das letras das palavras. A diferença na atividade seria presumida para refletir a recupe
ração do significado. Porém, há um fator importante a ser lembrado com relação a essas téc
nicas: os cientistas não dispõem de meios para determinar se o efeito em rede dessa atividade
é excitatório ou inibitório (porque alguns neurônios são inibidos pelos neurotransmis
sores de outros neurônios). Assim, a técnica de subtração revela a atividade cerebral
em rede de algumas áreas, não podendo mostrar se o efeito da área é positivo ou negativo.
Além disso, o método pressupõe que a ativação é puramente aditiva - que não pode ser des
coberta por meio do método de subtração, o que representa uma grande simplificação desse
método; mas, de um modo geral, mostra como os cientistas conseguem determinar o fun
cionamento fisiológico de certas áreas usando as técnicas de imagem descritas a seguir.
Tomografia por emissão de pósitrons (PET) —As PETs medem a elevação no consumo
de oxigênio em áreas ativas do cérebro durante determinados tipos de processamento de in
formações (Buckner et ai, 1996; 0'Leary et ai, 2007; Raichle, 1998, 1999). Para acompa
nhar o uso do oxigênio, os participantes recebem uma forma levemente radioativa de
oxigênio que emite pósitrons enquanto está sendo metabolizado. (Os pósitrons são partículas
que têm mais ou menos o mesmo tamanho e massa dos elétrons, mas têm carga positiva, e
não negativa). A seguir, é feita a tomografia do cérebro para detectar os pósitrons. Um com
putador analisa os dados para produzir as imagens do funcionamento fisiológico do cérebro
em ação. Por exemplo, as PETsforam utilizadas para mostrar o aumento do fluxo sangüíneo
para o lobo occipital do cérebro durante o processamento visual (Posner et ai, 1988). As
PETs também são usadas para o estudo comparativo de cérebros de pessoas que tiram notas
altas e baixas em testes de inteligência. Quando as pessoas com notas altas estão engajadas
em tarefas desafiadoras do ponto de vista cognitivo, seus cérebros parecem utilizar a glicose
de modo mais eficiente nas áreas cerebrais altamente especializadas para essas tarefas. Os cé
rebros das pessoas com notas baixas aparentemente utilizam a glicose de maneira mais difusa
em regiões mais vastas do cérebro (Haier et ai., 1992; ver o Capítulo 13).
Vamos considerar
o trabalho com base nas PETs que ilustram a integração de informa
ções a partir de várias áreas do córtex (Petersen et ai, 1988, 1989; Posner et ai, 1988). Es
pecificamente, esse trabalho se utilizou das tomografias PET para estudar o fluxo sangüíneo
cerebral localizado durante várias tarefas, tais como a leitura de palavras isoladas. Quando os
participantes olhavam para uma palavra na tela, as áreas de seus córtices visuais mostravam
Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 41
níveis elevados de atividade. Quando falavam uma palavra, seus córtices motores ficavam
muito ativos. Quando ouviam uma palavra falada, o córtex auditivo era ativado. Quando
produziam palavras relacionadas àquelas que viram (exigindo alto nível de integração da in
formação visual, auditiva e motora), as áreas relevantes do córtex mostravam maior volume
de atividade.
As PETs não são altamente precisas porque requerem o tempo mínimo de meio minuto
para produzir informação relativa ao consumo de glicose. Se uma área do cérebro mostra
quantidades diferentes de atividade durante o tempo de mensuração, tem-se a média dos ní
veis de atividade, o que, potencialmente, leva a conclusões não tão precisas.
Outra técnica é a ressonância magnética funcional (RMf), técnica de imagem que usa
campos magnéticos para construir uma representação detalhada, em três dimensões, dos ní
veis de atividade nas várias partes do cérebro em determinado momento. Esta técnica parte
da RM (discutida anteriormente), mas ela se baseia no aumento do consumo de oxigênio para
produzir imagens da atividade cerebral. A idéia básica é a mesma das PETs. A técnica de
RMf não exige o uso de partículas radioativas. Em lugar disso, o participante executa uma
tarefa enquanto é colocado dentro da máquina de RM. Essa máquina, normalmente, se pa
rece com um túnel e sempre que alguém é colocado parcial ou inteiramente no túnel, é en
volvido por um ímã em forma de aro, que cria um campo magnético que induz mudanças
nas partículas dos átomos de oxigênio. As áreas mais ativas do cérebro demandam maissan
gue oxigenado do que as áreas menos ativas, e as diferenças nas quantidades de oxigênio
consumido formam a base para as medições da RMf. Em seguida, essas medições são anali
sadas em computador para se obter a informação mais precisa possível a respeito do funcio
namento fisiológico da atividade do cérebro durante o desempenho de tarefas.
Essa técnica é menos invasiva que a PET, além de possibilitar uma resolução temporal
mais elevada - as medições podem ser feitas para atividades que durem frações de segundo,
ao invés de apenas atividades que durem minutos ou horas. Um grande problema, todavia,
é o custo e a novidade da RMf, e somente um número relativamente pequeno de pesquisa
dores tem acesso ao maquinário necessário. Além disso, os testes com participantes conso
mem muito tempo.
A técnica da RMf está sendo usada para identificar regiões ativas do cérebro em muitas
áreas, como a visão (Engel et ai, 1994), a atenção (Cohen et ai, 1994), a linguagem
(Gaillard et ai, 2003) e a memória (Gabrieli et ai, 1996). Por exemplo, a RMf também é
usada para mostrar que o córtex pré-frontal lateral é essencial para a memória de trabalho.
Esta é a parte da memória usada para processar informaçõesque estão sendo usadas ativa
mente em um determinado momento (McCarthy et ai, 1994). Além disso, os métodos de
RMf são aplicados para o exame de alterações cerebrais em populaçõesde pacientes, inclu
sive indivíduos com esquizofrenia e epilepsia (Detre, 2004; Weinberger et ai, 1996).
Um procedimento correlato é a ressonância magnética farmacológica (RMph). A
RMph combina os métodos de RMf com o estudo dos agentes psicofarmacológicos. Esses
estudos examinam a influência e o papel de determinados agentes psicofarmacológicos so
bre o cérebro, permitindo o exame do papel dos agonistas (que potencializam as reações) e
dos antagonistas (que diminuem as reações) nas mesmas células receptoras. Além disso, es
ses estudos também permitem o exame das drogas usadas para o tratamento, que, por sua
vez, possibilitam aos investigadores prever as reações dos pacientes aos tratamentos neuro-
químicos por meio da constituição do cérebro. De modo geral, esses métodos auxiliam o
entendimento das áreas do cérebro e os efeitos dos agentes psicofarmacológicos no funcio
namento do cérebro (Baliki et ai, 2005; Easton et ai, 2007; Honey, Bullmore, 2004; Ka-
lischetai.,2004).
42 Psicologia Cognitiva
FIGURA 2.3
[çgREBROl
Tamanho (logaritmo de milímetros)
ICÉREBRQI
Tamanho (logaritmo de milímetros)
- 9 Tempo de vida
Pode-se observar o cérebro emvários níveis deresolução espacial, desde uma molécula atéo próprio cérebro como um
todo, enquanto sepercebe a mente como uma sucessão deeventos por períodos tão breves como alguns poucos milísse-
gundos - o tempo que levapara um neurôniose comunicar comoutro - ou longos, como umavida inteira. Nas últimas
décadas, oscientistas desenvolveram uma variedade considerável de técnicas capazes de tratar darelação entre o cérebro
e a mente. Aqui, resumimos gra/icíimente a contribuição potencial dessas várias técnicas para um entendimento desse
relacionamento, marcando logaritmicamente o céreÍTro no eixo horizontal e a mente noeixo vertical. As técnicas estão
posicionadas segundo suaprecisão temporal e espacial. No gráfico daesquerda, estão todas as técnicas disponíveis, como:
raios X, TC, RM, PET, EEG, ERP, eletrocorticografia (ECo, EEGsregistrados a partir da superfície docérebro em
cirurgia), além damicroscopia eletrônica (ME). No gráfico ã direita, eliminamos todas as técnicas que nãopodem ser
apUcadas em seres humanos. Embora o estudodorelacionamento entre mente e cérebro em humanos dependaclaramente
das técnicas de imagem cerebral- RM, PETe TC -, emconjunto com outras técnicas elétricas, nosso conhecimento
sobre essa relação, emúitima análise, exigirá a integração de todos os níveis de investigação. Ilustração docérebro em
vários níveis deresolução espacial de ÍMAGES OF M/ND, por Michael l. Posner e Marcus E. Raichle. © 1994, 1997
Scientific American Library. (Imagem: Henry hiolt and Company, LLC)
Outro procedimento relacionado à RMph é a ressonância magnética com tensor de difu
são (DTI), que permite o exame da dispersão limitada de água no tecido cerebral. Essa técnica
tem sido útil no mapeamento da substância branca do cérebro e no exame dos circuitos neu
rais. Algumas aplicações dessa técnica incluem o exame de lesões cerebrais traumáticas, da es
quizofrenia, da maturação do cérebro e da esclerose múltipla (Ardekani et ai., 2003; Beyer,
Ranga, Krishnan, 2002; Ramachandra etai., 2003; Sotak, 2002; Sundgren etai., 2004).
Uma técnica recente para o estudo da atividade cerebral supera os problemas com outras
técnicas (Walsh, Pascual, Leone, 2005). Essa nova técnica é a estimulação magnética trans-
craniana (EMT), que interrompe temporariamente a atividade do cérebro em uma área limi
tada. A EMT requer a colocação de uma bobina na cabeça do paciente para permitir a entrada
de uma corrente elétrica (Figura 2.4). A corrente gera um campo magnético que interrompe
uma pequena área (normalmente não superior a 1 cm3) sob a bobina. O pesquisadorpode, en
tão, ver o funcionamento cognitivo quando uma área específica é interrompida.
Outra técnica recente é a eletroencefalografia magnética(EEGM), que mede a atividade
do cérebro de fora da cabeça pela captação dos campos magnéticos emitidos pelas alterações
da atividade cetebral. Essa técnica petmíte a localização de sinais do cérebro de forma a pos
sibilitar saber o que diferentes partes do cérebro estão fazendo em momentos diferentes. Esse
Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 43
FIGURA 2.4
Estimulação magnética transcraniana (EMT). (Foto: ]im Chase, Havard University Gazette)
é um dos métodos de mensuração mais precisos. A EEGM pode ser utilizada para auxiliar ci
rurgiõesa localizarestruturas patológicas do cérebro
(Baumgartner, 2000). Uma recente apli
cação da EEGM contou com pacientes que relatavam dor de membro-fantasma. No caso de
dor de membro-fantasma como, por exemplo, um paciente relata dor no pé amputado. Foi ob
servado que, quando certas áreas do cérebro são estimuladas, a dor no membro-fantasma é me
nor. A EEGM também é utilizada para examinar as alterações nas atividades do cérebro antes,
durante e depois da estimulação elétrica. Essas alterações na atividade cerebral correspondem
às alterações com a experiência de dor no membro-fantasma (Kringelbach et ai, 2007).
As técnicas atuais ainda não proporcionam mapeamentos claros de funções específi
cas relacionadas a determinadas estruturas, regiões ou processos cerebrais. Em vez disso,
concluiu-se que algumas estruturas discretas, regiões ou processos cerebrais parecem estar
ligados a determinadas funções cognitivas. O conhecimento atual sobre de que modo de
terminadas funções cognitivas estão ligadas a determinadas estruturas ou processoscerebrais
possibilita apenas a inferência de indicações sugestivas de algum tipo de relacionamento.
Por meio de análises sofisticadas, pode-se inferir cada vez com mais precisão esse relaciona
mento, mas ainda não se chegou a um ponto em que é possível determinar o relacionamento
específico entre causa e efeito entre uma determinada estrutura ou processo cerebral e a fun
ção cognitiva específica. Algumas funções podem ser influenciadas pela quantidade de es
truturas, regiões ou processos do cérebro. Finalmente, essas técnicas propiciam a melhor
informação somente em conjunto com outras técnicas experimentais para a compreensão
das complexidades do funcionamento cognitivo. Todavia, alguns pesquisadores conduziram
estudos ín vivo conjuntos em animais com técnica de imagem do cérebro (Dedeogle et ai,
2004; Kornblum et ai, 2000; Logothetis, 2004).
44 Psicologia Cognitiva
A Cognição no Cérebro:
Córtex Cerebral e Outras Estruturas
Até o momento, discutiu-se de que modo os cientistas determinam a estrutura e a função do
cérebro por meio de várias técnicas post-mortem e in vivo. Agora, vamos discutir o que já foi
descoberto acerca do órgão supremo do sistema nervoso: o cérebro humano. Pode-se visualizar
o cérebro dividido em três regiões principais: o prosencéfalo, o mesencéfalo e o rombencéfalo
{verQuadro 2.2). Esses nomes, contudo, não correspondem exatamente aos locais das regiões
na cabeça de um adulto ou mesmo de uma criança. Na verdade, os termos provêm da organi
zação física dessas partes no sistema nervoso de um embrião em desenvolvimento. Inicial
mente, o prosencéfalo costuma ficar mais à frente, em direção ao que é o rosto. O mesencéfalo
vem logo em seguida, e o rombencéfalo fica mais afastado, próximo da parte de trás do pescoço
(Figura 2.5 a). Durante o desenvolvimento, essas orientações se alteram, de modo que o pro
sencéfalo seja quase uma tampa em cima do mesencéfalo e do rombencéfalo. Mesmo assim, os
termos ainda são utilizados para designar as áreas do cérebro totalmente desenvolvido. A Fi
gura 2.5 b e c mostra as mudanças de locais e relacionamentos do prosencéfalo, do mesencéfalo
e do rombencéfalo durante o desenvolvimento do cérebro. Pode-se ver como se desenvolvem,
de um embrião de poucas semanas após a concepção até um feto de sete meses.
Anatomia Geral do Cérebro:
Prosencéfalo, Mesencéfalo e Rombencéfalo
Prosencéfalo
O prosencéfalo é a região do cérebro localizada próxima ao topo e à frente do cérebro (Fi
gura 2.6), e compreende o córtex cerebral, os gânglios basais, o sistema límbico, o tálamo e
o hipotálamo. O córtex cerebral é a camada externa dos hemisférios cerebrais e desempe
nha papel fundamental no pensamento e em outros processos mentais, merecendo, por
isso, uma seção especial. Esta seção segue a discussão atual sobre as principais estruturas e
funções do cérebro. Os gânglios basais são conjuntos de neurônios cruciais à função motora
e sua disfunção pode resultar em sérios defcits nessa área, como tremores, movimentos in
voluntários, alterações na postura e no tônus muscular bem como lentidão dos movimentos.
Esses deficits ocorrem no Mal de Parkinson e na doença de Huntington; ambas causam
sintomas motores graves (Rockland, 2000; Shepherd, 1998).
O sistema límbico é importante para a emoção, a motivação, a memória e a aprendiza
gem. Animais como peixes e répteis, cujos sistemas límbicos são relativamente pouco de
senvolvidos, reagem ao ambiente quase que exclusivamente por instinto. Os mamíferos, e
especialmente os humanos, possuem sistemas límbicos relativamente mais desenvolvidos,
que aparentemente permitem a supressão de reações instintivas (ex.: o impulso de agredir
alguém que acidentalmente nos tenha causado dor). Os sistemas límbicos fazem com que o
ser humano seja capaz de adaptar com mais flexibilidade seu comportamento em resposta
às mudanças no ambiente. O sistema límbico compreende três estruturas cerebrais centrais
interligadas, que são: a amígdala, o septo e o hipocampo.
A amígdala cumpre um papel importante na emoção, especialmente na raiva e agressi
vidade (Adolphs, 2003). O septo está ligado à raiva e ao medo. A estimulação da amígdala,
geralmente, resulta em medo e pode ser comprovada de várias maneiras, como por palpita-
ções, alucinações assustadoras ou recordações de cenas horríveis (Frackowiak et ai, 1997;
Gloor, 1997; Rockland, 2000). Lesões na amígdala ou mesmo sua retirada podem resultar
na falta de medo desadaptativa. No caso de lesões no cérebro de um animal, este pode se
FIGURA 2.5
Mesencéfalo
Prosencéfalo
(a) 5 semanas no útero
{c) 7 meses no útero
Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 45
Mesencéfalo
Rombencéfalo
Tubo neural
Hemisférios
cerebrais
Mesencéfalo
Cerebelo
Bulbo
Medula espinhal
(b) 8 semanas no útero
Cerebelo
e ponte
Bulbo
Medula espinhal
Braço
Durante o desenvolvimento embrionário e fetal, o cérebro torna-se mais especializado e os locais e as posições relativas
dorombencéfalo, do mesencéfalo e doprosencéfalo se alteram daconcepção ao nascimento. Extraído do livro In
Search of the Human Mind, de RobertJ. Stemberg, © 1995, Harcourt Brace, Company. Reproduzido com a per
missão do editor.
aproximar de objetos potencialmente perigosos sem hesitação ou medo (Adolphs et ai,
1994; Frackowiak etai, 1997). A amígdala também acentua a percepção de estímulosemo
cionais. No ser humano, lesões na amígdala anulam essa acentuação (Anderson, Phelps,
2001). Além disso, pessoas com autismo apresentam limitada ativação na amígdala. Uma
teoria resultante do autismo sugere que o transtorno está ligado à disfunção da amígdala
(Baron-Cohen et ai, 2000; Howard et ai, 2000; Adolphs, Sears, Piven, 2001). Dois outros
efeitos de lesões na amígdala podem ser a agnosia visual (incapacidade de reconhecer obje
tos) e a hipersexualidade (Steffanaci, 1999).
46 Psicologia Cognitiva
FIGURA 2.6
Córtex cerebral
(controla as funções
do pensamento, das sensações e
dos movimentos voluntários)
Corpo caloso
(transmite informações
entre os dois hemisférios
cerebrais)
Amígdala
(ligada à raiva e
à agressividade
Glândula pítuitária
(glândula-mestre
do sistema
endócrino
Septo Hipocampo
(influencia (influencia a
a raiva e aprendizagem
o medo) e a memória)
Tálamo
(transmite informações
sensoriais ao córtex cerebral)
Hipotálamo
(regula a temperatura,
a alimentação, o
sono e o sistema
endócrino)
Mesencéfalo
(sistema de ativação reticular:
transmite mensagens
sobre o sono e o despertar)
Ponte
(retransmite informações
entre o córtex cerebral
e o cerebelo)
Cerebelo
(coordena os movimentos
finos dos músculos
e o equilíbrio)
Bulbo
(regula os batimentos
cardíacos e a respiração)
Medula espinhal
(retransmite os impulsos
nervosos entre o cérebro
e o corpo; controla os
reflexos simples)
O prosencéfalo, o mesencéfalo e o rombencéfalo contêm estruturas
querealizam funções essenciais à sobrevivência e
para o pensamento dealto nivele o sentimento. Extraído do livro In Search of the Human Mind, de RobertJ. Ster-
nberg, © 1995, de Harcourt Brace, Company. Reproduzido com a permissãodo editor.
O hipocampo cumpre papel fundamental na formação da memória (Eichenbaum,
1999, 2002; Gluck, 1996; Manns, Eichenbaum, 2006; 0'Keefe, 2003). Esse nome vem do
grego - "cavalo-marinho" - e de sua forma aproximada. Pessoas que sofrem lesões ou re
moção do hipocampo ainda conseguem se lembrar de recordações existentes. Por exem
plo, conseguem reconhecer velhos amigos e lugares, mas não conseguem formar novas
lembranças (em relação ao momento da lesão cerebral). Novas informações, novas situa
ções, pessoas e lugares novos ficam como novas para sempre. A Síndrome de Korsakoff
produz perda da função da memória, que se acredita esteja ligada à deterioração do hipo
campo. A síndrome pode ser conseqüência de uso excessivo de álcool. No caso de H. M.,
a ser discutido no Capítulo 5, há outra ilustração dos problemas decorrentes com a forma
ção das lembranças por causa de danos no hipocampo. O hipocampo parece manter um re
gistro de onde as coisas estão e de que modo essas coisas estão ligadas umas às outras em
Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 47
NO LABORATÓRIO DE JOHN GABRIELI
Tudo que se sabe está nos
genes ou foi aprendido por
meio da experiência. En
tretanto, apenas algumasex
periências são lembradas. As
pessoas esquecem-se com
rapidez de grande parte de
suas vidas e, dessa maneira, a seleção daquilo
que se lembram e do que se esquecem é, por
tanto, muito importante para o que se torna,
para o que se acredita e para as coisas que fa
zemos bem. As lembranças do passado mol
dam o futuro.
De que modo o cérebro nos permite lem
brar seletivamente das próprias experiências?
Fiquei fascinado com essa questão quando,
como estudante de pós-graduação, tive a
oportunidade de fazer uma pesquisa com
aquele que, talvez, seja o paciente neuropsi-
cológico mais famoso do século XX: H. M.
Como conseqüência de uma cirurgia reali
zada em 1953 com objetivo de tratar sua epi-
lepsia, H. M. tornou-se um pacientede amnésia
global, ou seja, ele não conseguia se lembrar
de qualquer fato novo ou evento. Depois de
alguns segundos, ele esqueciade todas as no
vas experiências, inclusiveos materiais usados
em experimentos de laboratório ou eventos
públicosfamosos, e até mesmo os eventos pes
soais mais importantes de sua vida, como a
morte de seus pais.
A cirurgia de H. M. compreendeu a
remoção de várias estruturas localizadas nos
aspectos mediais ou internos dos lobos tem
porais. A partir do seu caso, ficou difícil sa
ber que papéis essas estruturas diferentes
desempenhavam na memória normal e se
cumpriam alguma função crítica no regis
tro inicial (codificação) das lembranças (di
ferente da retenção ou do acesso posterior a
essas lembranças). Com imagens não inva-
sivas da atividade cerebral, por meio de RM,
foi possível examinar essas questões no cé
rebro humano normal.
Durante a sessãode imagem de cérebros
humanos normais, as pessoas viam imagens
de cenas internas e externas, enquanto se
registrava a resposta de seus cérebros para
cada cena. A seguir, foram submetidos a um
teste-surpresa de memória, com cenas da
seção de tomografia bem como cenas novas.
Em algumas ocasiões, os pacientes reconhe
ciam corretamente a cena apresentada ante
riormente (uma experiência lembrada), mas,
em outras, eles não conseguiam reconhecer
a cena anteriormente apresentada (uma ex
periência esquecida). O nível de atividade
cerebral no córtex parahipocampal - que
é uma área específica do lobo temporal me
diano -, à medida que o paciente via cada
cena, indicava se ele iria lembrar-se dessa cena
mais tarde ou iria esquecê-la. Dessa forma,
podia-se visualizar a atividade cerebral em
uma estrutura específica do cérebro, que
determinava se a experiência presente es
tava destinada a ser bem lembrada no fu
turo ou fadada ao esquecimento em poucos
minutos. De certa forma, podia-se ver o nas
cimento de uma lembrança e o registro se
letivo das experiências destinadas a serem
lembradas e que influenciariam o compor
tamento futuro.
termos espaciais. Em outras palavras, o hipocampo monitora onde estão esses eventos
(Cain, Boon, Corcoran, 2006; MacClelland, McNaughton, CVReilley, 1995; Tulving,
Schacter, 1994). Uma interrupção no hipocampo parece resultar em déficit da memória de-
clatativa (ou seja, memória para trechos de informação), mas não resulta em déficit na me
mória processual (ou seja, memória para cursos de ação) (Rockland, 2000).
O papel exato do hipocampo na memória e em sua formação ainda não foi determi
nado. Uma hipótese é que o hipocampo oferece um mapa cognitivo de classes, que repre
senta o espaço que um organismo necessita para navegar (0'Keefe, Nadei, 1978). Outra
idéia é de que o hipocampo é fundamental para o aprendizado flexível e para a percepção
das relações entre os itens aprendidos (Eichenbaum, 1997; Squire, 1992). Voltaremos ao
papel do hipocampo no Capítulo 5.
48 Psicologia Cognitiva
O tálamo transmite informação sensorial que chega por meio de neurônios que se pro
jetam até a região apropriada do córtex. A maior parte dos dados sensoriais recebidos no cé
rebro passa pelo tálamo, que está localizado aproximadamente no centro do cérebro, mais
ou menos ao nível dos olhos. Para acomodar todos os tipos de diferentes informações a se
rem classificadas, o tálamo é dividido em vários núcleos (grupos de neurônios com funções
similares). Cada núcleo recebe informações dos sentidos específicos. Em seguida, as infor
mações são retransmitidas às áreas específicas correspondentes no córtex cerebral (o Qua
dro 2.3 contém os nomes e as funções dos diversos núcleos). O tálamo também ajuda no
controle do sono e do despertar e, quando não funciona direito, a conseqüência pode ser
dor, tremor, amnésia, dificuldades com a fala e perturbações no sono e no despertar (Ro
ckland, 2000; Steriade, Jones, McCormick, 1997). Em casos de esquizofrenia, imagens e es
tudos in vivo revelam disfunções no tálamo (Clinton, Meador-Woodruff, 2004).
O hipotálamo regula o comportamento relacionado à sobrevivência das espécies: lutar,
alimentar-se, fugir e acasalar. O hipotálamo também é ativo na regulação das emoções e
reações ao estresse (Malsbury, 2003) e interage com o sistema límbico. O tamanho reduzido
do hipotálamo (do grego hipo-, "sub"; localizadona base do prosencéfalo, embaixo do tálamo)
dá uma falsa idéia de sua importância no controle de muitas funções corporais (Ver o Qua
dro 2.4 para mais informações). O hipotálamo também desempenha importante papel no
sono. A disfunção e a perda neural dentro do hipotálamo podem ser identificadas em casos
de narcolepsia, que ocorre quando uma pessoa adormece freqüentemente e em momentos
imprevisíveis (Lodi et ai, 2004; Mignot, Taheri, Nishino, 2002).
Mesencéfalo
O mesencéfalo auxilia no controle e na coordenação dos movimentos dos olhos, e seu fun
cionamento é mais importante nos animais não-mamíferos do que nos mamíferos. Nos ani
mais não-mamíferos é a principal fonte de controle da informação visual e auditiva. Nos
mamíferos, essas funções são dominadas pelo prosencéfalo. O Quadro 2.2 relaciona as
QUADRO 2.3 Quatro Importantes Núcleos do Tálamo(*)
Quatro núcleos talâmicos fundamentais transmitem informações visuais, auditivas,
somatossensoriais e relacionadas ao equilíbrio
Nome do Núcleo f Recebe Informações de
Projeta (Transmíte
Informações)
Basicamente para
Benefício Funcional
Núcleo geniculado
lateral
Receptores visuais, via
nervos ópticos Córtex cerebral Possibilita a visão
Núcleo geniculado
mediai
Receptores auditivos,
via nervos auditivos
Córtex auditivo Possibilita a audição
Núcleo ventroposterior Sistema netvoso
somático
Córtex somatossensorial
primário
Possibilita sentir pressão
e dor
Núcleo ventrolateral
Cerebelo (no
rombencéfalo) Córtex motor primário
Possibilita sentir
estabilidade e equilíbrio
físico
(*) Outros núcleos talâmicos também desempenham papéis importantes.
t - Os nomes referem-se à localização relativa dos núcleos dentro do tálamor lateral, em direção ao lado direito ou
esquerdodo núcleo mediai; ventral, mais próximoda barrigado que do copoda cabeça; posterior, em direção à parte de trás;
ventroposterior, na direção da barrigae da parte de trás; ventrolateral, em direção à barrigae ao lado. A palavra geniculado
significa "em forma de joelho".
Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 49
QUADRO 2.4 Métodos Neurofisiológicos Cognitivos para o Estudo do
Funcionamento do Cérebro
Método Procedimento
Apropriado
para
Humanos?
Vantagens Desvantagens
Registro de
célula
única
Eletrodo muito fino inserido
próximo a um único neurônio
simples. A seguir, são registra
das as alterações na atividade
elétrica que ocorrem na célula.
Não Registro bastante pre
ciso da atividade elé
ttica
Não pode set
usado em seres
humanos
EEG Alterações nos potenciais elé
tricos são registradas via ele
trodos colocados no couro ca
beludo.
Sim Relativamente
não invasivo
Bastante impre-
ciso
ERP Alterações nos potenciais elé
tricos são registradas via ele
trodos colocados no couro ca
beludo
Sim Relativamente
não invasivo
Não mostra ima
gens reais do
cérebro :-
PET Participantes ingerem uma
forma de oxigênio levemente
radioativo que emite pósitrons
enquanto é metabolizado. A
seguit, são mensuradas as alte
rações na concentração de pó
sitrons em áreas marcadas do
cérebro.
Sim Mostta imagens do
cérebro em ação
Menos úteis para
processos rápidos
RMf Ctia campo magnético que in-
duz alterações nas partículas
dos átomos do oxigênio. Áreas
mais ativas do cérebro retiram
mais sangue oxigenado do que
áreas menos ativas. As dife
renças nas quantidades de oxi
gênio consumido formam a
base para as mensurações da
RMf.
Sim Mostra imagens do
cérebro em ação: mais
precisa que a PET
Requer que o in
divíduo seja co
locado em um
escâner descon
fortável por al
gum tempo
EMT Requer a colocação de uma
bobina na cabeça do paciente
para permitir a entrada de
uma corrente eléttica. A cor
rente gera um campo magné
tico, que interrompe uma
pequena área (normalmente,
não superior a um centímetro
cúbico) sob a bobina. 0 pes
quisador pode, então, tastrear
o funcionamento cognitivo
quando uma átea específicaé
interrompida.
Sim Permite ao pesquisa
dor apontar de que
modo a interrupção
de uma determinada
área do cérebro afeta
o funcionamento
cognitivo
Potencialmente
perigoso, se mal
utilizado
EEGM Mede a atividade do cétebro
pela detecção de campos mag
néticos por meio da colocação
de um dispositivo na cabeça
do paciente.
Sim Resolução espacial e
tempotal extrema
mente precisa
Requer equipa
mento muito
caro, ainda não
disponível para
os pesquisadores
50 Psicologia Cognitiva
diversas estruturas (e funções correspondentes) do mesencéfalo e, de longe, a mais indis
pensáveis dessas estruturas é o sistema de ativação reticular (SAR; também chamado de
"formação reticular"), uma rede de neurônios essenciais à regulação da consciência (sono,
vigília, excitação e, em algum nível, atenção, bem como funções vitais a exemplo dos bati
mentos cardíacos e respiração) (Sarter, Bruno, Bernston, 2003).
Na realidade, o SAR também se estende para o rombencéfalo. Tanto ele como o tálamo
são essenciais para que se tenha consciência e controle sobre a própria existência. A haste
do cérebro liga o prosencéfalo à medula espinal e compreende o hipotálamo, o tálamo, o
mesencéfalo e o rombencéfalo. Uma estrutura chamada substância cinzenta periaquedutaí
(SCP) fica na haste do cérebro. Aparentemente, essa região é a chave para certos tipos de
comportamentos adaptativos. Injeções de pequenas quantidades de aminoácidos excitató-
rios ou estimulação elétrica nessa área resultam em várias reações. Por exemplo, uma rea
ção agressiva e de confronto; outra seria evitar o confronto ou fugir. Outra ainda, reatividade
defensiva aumentada ou reduzida, como a experimentada após uma derrota, quando o indi
víduo se sente desanimado (Bandler, Shipley, 1994; Rockland, 2000).
Os médicos determinam a morte cerebral com base na função da haste do cérebro. Es
pecificamente, o médico deve determinar se a haste do cérebro foi danificada tão gravemente
que os vários reflexos da cabeça {como, por exemplo, o reflexo pupilar) estão ausentes por
mais de 12 horas, ou o cérebro deve apresentar ausência de atividade elétrica ou circulação
de sangue no cérebro (Berkow, 1992).
Rombencéfalo
O rombencéfalo compreende o bulbo, ou medula oblongada, a ponte e o cerebelo. A medula
oblongada controla a atividade cardíaca e grande parte da respiração, deglutição e digestão.
A medula oblongada é também o lugar onde se cruzam os nervos do lado direito do corpo
indo para o lado esquerdo do cérebro e os nervos do lado esquerdo do corpo indo para o
lado direito do cérebro. A medula oblongada é uma estrutura interna alongada situada no
ponto em que a medula espinhal entra no crânio e se junta ao cérebro. A medula oblon
gada, que contém parte do SAR, é o que mantém o ser humano vivo.
A ponte serve como um tipo de estação retransmissora, uma vez que contém fibras
neurais que transmitem sinais de uma parte do cérebro para outra. A ponte também con
tém uma porção do SAR e de nervos que servem parte da cabeça e do rosto. O cerebelo
(do latim "pequeno cérebro") controla a coordenação corporal, o equilíbrio e o tônus mus
cular bem como alguns aspectos da memória relacionados aos movimentos (ver os Capí
tulos 7 e 8) (Middleton, Helms Tillery, 2003). O desenvolvimento pré-natal do cérebro
humano em cada indivíduo corresponde, aproximadamente, ao desenvolvimento evolu
tivo do cérebro humano dentro da espécie como um todo. Especificamente, o rombencé
falo é, em termos evolutivos, a parte mais antiga e mais primitiva do cérebro, sendo
também a primeira parte .do cérebro a se desenvolver no período pré-natal. O mesencéfalo
é uma aquisição relativamente nova em termos de evolução do cérebro e é a segunda parte
do cérebro também a se desenvolver no período pré-natal. Finalmente, o prosencéfalo é a
aquisição evolutiva mais recente do cérebro e é a última das três porções a se desenvolver
no período pré-natal.
Além disso, durante o desenvolvimento evolutivo da espécie humana, o homem demons
tra uma proporção cada vez maior de massacerebral em relação à massacorporal. Todavia, no
decorrer do desenvolvimento após o nascimento, a proporção entre massa cerebral e massa
corporal diminui. A massa cerebral de um recém-nascido é proporcionalmente muito maior
em relação à sua massa corporal do que a de um adulto. Desde a infância até a idade adulta,
o desenvolvimento do cérebro concentra-se principalmente na complexidade organizacional
das conexões dentro do cérebro. Os aumentos no desenvolvimento do indivíduo em termos
de complexidade neural são paralelos ao desenvolvimento evolutivo da espécie humana, mas
a alteração na proporção de massacerebral em relação à massa corporal não é.
Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 51
Para os psicólogos cognitivos, a mais importante dessas tendências é a crescente com
plexidade neural do cérebro. A evolução do cérebro humano propicia uma capacidade cada
vez maior de exercer controle voluntário sobre o comportamento bem como aumentou a
capacidade do homem de planejar e contemplar alternativas de cursos de ação. Essas idéias
serão discutidas na próxima seção relacionada ao córtex cerebral.
Córtex Cerebral e Localização da Função
O córtex cerebral forma uma camada de 1 a 3 milímetros que envolve a superfície do cérebro
semelhante à forma que a casca de uma árvore envolve o tronco. No ser humano, as inúmeras
circunvoluções, ou
vincos, do córtex compreendem três elementos diferentes: os sulcos - que
são pequenas rugas; as fissuras —que são rugas grandes, e os giros —que são as elevações entre
os sulcose as fissuras adjacentes. Essas dobras aumentam bastante a superfície do córtex. Caso
o córtex enrugado dos seres humanos fosse alisado, ocuparia uma área de dois pés quadrados
(aproximadamente 0,18 m2). O córtex compreende 80% do cérebro humano (Kolb, Whisaw,
1990). A complexidade do funcionamento do cérebro aumenta conforme a área cortical e é
o córtex cerebral que possibilita ao homem pensar, planejar, coordenar pensamentos e ações,
perceber padrões visuais e sonoros e utilizar a linguagem. Sem ele, as pessoas não seriam hu
manas. A superfície do córtex cerebral é acinzentada e pode ser chamada de substância cin
zenta, basicamente porque é formada por corpos de células neurais que processam toda a
informação que o cérebro recebe e envia. Em contrapartida, a substância branca no interior do
cérebro é composta quase que inteiramente de axônios mielinizados brancos.
O córtex cerebral forma a camada mais externa dos dois hemisférios do cérebro - di
reito e esquerdo (Davidson Hugdahl, 1995; Galaburda, Rosen, 2003; Gazzaniga, Hutsler,
1999; Hellige, 1993, 1995; Levy, 2000; Mangun etai, 1994). Embora pareçam bastante se
melhantes, os dois hemisférios funcionam de maneiras bem diferentes. O hemisfério es
querdo é especializado em algumas atividades, enquanto o direito, em outras. Por exemplo,
os receptores do lado direito do corpo geralmente enviam informação por meio da medula
para as áreas do hemisfério esquerdo do cérebro, enquanto que os do hemisfério esquerdo
do cérebro direcionam as respostas motoras no lado direito do corpo. O hemisfério direito
direciona as respostas no lado esquerdo do corpo. Entretanto, nem toda transmissão de in
formação é contralateral - de um lado para outro. Também ocorre a transmissão ipsilateral
- no mesmo lado. Por exemplo, as informações relacionadas ao odor da narina direita vão
principalmente para o lado direito do cérebro. Cerca de metade das informações do olho
direito vai para o lado direito do cérebro. Além dessa tendência geral para a especialização
contralateral, os hemisférios também se comunicam diretamente entre si. O corpo caloso
é um agregado denso de fibras neurais que liga os dois hemisférios (ver Witelson, Kigar,
Walter, 2003), que permite a transmissão de informação em ambos os sentidos. Uma vez
que a informação chega a um hemisfério, o corpo caloso a transfere para o outro. Se o corpo
caloso for cortado, os dois hemisférios cerebrais - as duas metades do cérebro - não pode
rão se comunicar entre si. Embora algumas funções, como a linguagem, sejam altamente la-
teralizadas, a maioria delas, inclusive a linguagem —dependem grandemente da integração
dos dois hemisférios do cérebro.
Especialização Hemisférica
De que modo os psicólogos descobriram que os dois hemisférios têm responsabilidades dife
rentes? O estudo da especialização hemisférica no cérebro humano teve início com Marc
Dax, médico do interior da França. Por volta de 1836, Dax já havia tratado mais de 40
pacientes que sofriam de afasia - perda da fala - como conseqüência de lesão cerebral. Ob
servou uma relação entre a perda da fala e o lado do cérebro onde a lesão ocorrera. Dax
também viu, ao estudar o cérebro dos pacientes após sua morte, que em todos os casos
52 Psicologia Cognitiva
houve lesão do hemisfério esquerdo do cérebro e não encontrou qualquer caso de perda da
fala causada apenas por lesão no hemisfério direito.
Em 1861, o cientista francês Paul Broca relatou que uma autópsia revelara que um pa
ciente com acidente vascular cerebral, afásico, tinha uma lesão no hemisfério esquerdo do
cérebro. Por volta de 1864, Broca já estava convencido de que o hemisfério esquerdo do cé
rebro é crucial para a fala, teoria que se mantém ao longo do tempo. A parte específica do
cérebro que Broca identificou, atualmente chamada de área de Broca, contribui para a fala
(Figura 2.7); essa área também desempenha papel crucial para a imitação (Heiser et dl.,
2003). Outro importante pesquisador alemão, o neurologista Carl Wernicke, estudou pa
cientes com deficiência da fala, que conseguiam falar, mas cujo discurso não fazia sentido.
Assim como Broca, Wernicke localizou a capacidade para a linguagem no hemisfério es
querdo, pesquisando uma localização precisa diferente, atualmente conhecida como área de
Wernicke, que contribui para a compreensão da fala (ver Figura 2.7).
FIGURA 2.7
Córtex motor
Córtex
associativo
Área de Broca
(fala)
Córtex sensorial
Córtex
associativo
Córtex
auditivo
Córtex
visual
Área de
Wernicke
(compreensão
da linguagem)
Estranhamente, embora pessoas com lesão na áreade Broca não consigam falar fluentemente, conseguem cantar e gri
tar. Extraído do livro Introduction to Psychology, 11. ed. de Richard Atkinson, Rita Atkinson, Daryl Bem, Ed
Smith e Susan NolenHoeksema © 1995, de Harcourt Brace, Company. Reproduzido com permissão doeditor.
Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 53
Karl Spencer Lashley, quase sempre descrito como o pai da Neuropsicologia, começou
a estudar a localização em 1915 e descobriu que a implantação de eletrodos toscamente
construídos em locais aparentemente idênticos no cérebro, produziam resultados distintos.
Localizações diferentes, por vezes e paradoxalmente, produziram resultados semelhantes
(como exemplo, ver Lashley, 1950). Pesquisadores posteriores, utilizando-se de eletrodos e
procedimentos de mensuração mais sofisticados, descobriram que as localizações específicas
se correlacionam com respostas motoras específicas durante muitas sessões de testes. Apa
rentemente, a pesquisa de Lashley ficou limitada à tecnologia disponível na época.
A despeito das valiosas contribuições iniciais de Broca, Lashley e outros, o maior respon
sável pela teoria e pela pesquisa moderna em especialização hemisférica foi o psicólogo ga
nhador do Prêmio Nobel, Roger Sperry (1964), o qual afirmou que cada hemisfério do
cérebro se comporta, em muitos aspectos, como um cérebro separado. Em um experimento
clássico que sustenta essa afirmação, Sperry e seus colegas seccionaram o corpo caloso que li
gava os dois hemisférios do cérebro de um gato e, dessa maneira, conseguiram provar que a
informação apresentada visualmente a um hemisfério cerebral do gato não era reconhecível
ao outro. Trabalho semelhante com macacos indicou o mesmo desempenho distinto para
cada hemisfério (Sperry, 1964).
Algumas das informações mais interessantes a respeito de como funciona o cérebro hu
mano, especialmente com relação ao papel dos hemisférios, surgiu a partir de estudos de se
res humanos com epilepsia, nos quais o corpo caloso havia sido seccionado. A secção
cirúrgica dessa ponte inter-hemisférica impede que os ataques epiléticos se espalhem de um
hemisfério para outro. Esse procedimento, assim, reduz drasticamente a gravidade dos ata
ques, contudo, acarreta uma perda de comunicação entre os dois hemisférios. E como se a
pessoa tivesse dois cérebros separados e especializados em processar informações diferentes
e executar funções separadas.
Pacientes com cérebro dividido são pessoasque foram submetidas à cirurgia para secção
do corpo caloso. A pesquisa com cérebro dividido revela possibilidades fascinantes com re
lação às formas humanas de pensar. Nesse campo, muitos acham que a fala está localizada no
hemisfério esquerdo. A capacidade de visualizaçãoespacial parece estar localizadaem grande
parte do hemisfério direito (Farah, 1988a, 1988b; Gazzaniga, 1985; Zaidel, 1983). As tarefas
de orientação espacial também parecem estar localizadas no hemisfério direito (Vogel,
Bowers, Vogel, 2003). Parece que, aproximadamente, 90% da população adulta tem as fun
ções da fala localizadas predominantemente dentro do hemisfério esquerdo. Mais de 95% das
pessoas destras e mais de 70% das canhotas
apresentam domínio do hemisfério esquerdo para
a fala. Nas pessoas em que não há processamento do hemisfério esquerdo, o desenvolvimento
da linguagem no hemisfério direito retém as funções fonéticas e semânticas, porém apresenta
deficiência na competência sintática (Gazzaniga, Hutsler, 1999). Jerre Levy (um dos pupi
los de Sperry) e seus colaboradores (Levy, Trevarthen, Sperry, 1972) investigaram o vínculo
entre os hemisférios do cérebro e as tarefas visuais e espaciais dirigidas à fala, usando partici
pantes que passaram por cirurgia de divisão do cérebro.
O hemisfério esquerdo é importante não apenas para a fala, mas também para o movi
mento. As pessoas com apraxia - transtornos de movimentos coordenados - muitas vezes
sofreram lesões no hemisfério esquerdo, perdendo a capacidade para executar movimentos
intencionais familiares (Gazzaniga, Hutsler, 1999). Outro papel do hemisfério esquerdo é o
exame de experiências passadas e o descobrimento de padrões. Descobrir padrões é um
passo importante para a geração de hipóteses. Assim, o hemisfério esquerdo também de
sempenha papel fundamental nessa função (Wolford, Milter, Gazzaniga, 2000).
O hemisfériodireito é, em grande parte, "mudo" (Levy, 2000), apresentando poucacom
preensão gramatical ou fonética, porém possui um bom conhecimento semântico e está li
gado também ao uso prático da língua. Pessoas com lesões no hemisfério direito tendem a ter
dificuldade para acompanhar conversas ou histórias, além de exibirem dificuldade para fazer
54 PsicologiaCognitiva
inferências a partir do contexto, bem como de entender o discurso metafórico ou com hu
mor (Levy, 2000). O hemisfério direito também tem um papel muito importante no autor-
reconhecimento. Nesse sentido, o hemisfério direito parece ser responsável pela identificação
do próprio rosto (Platek et ai, 2004).
Estudos mostram que pacientes com cérebro dividido geralmente não estão cientes de
que viram alguma informação conflitante em duas metades da mesma figura. Quando soli
citados para dar respostas verbais sobre o que viram, eles relataram ter visto a imagem na
metade direita da figura. Isto é uma referência à associação contralateral entre hemisfério e
lado do corpo. Assim sendo, parece que o hemisfério esquerdo está controlando seu proces
samento verbal (fala) da informação visual. Considere-se, em contrapartida, o que acontece
quando esses indivíduos são solicitados a usar os dedos da mão esquerda (a.qual, contrala-
teralmente, envia e recebe informação do hemisfério direito) para apontar o que viram. A
seguir, os participantes escolhem a imagem da metade esquerda da figura. Esse resultado in
dica que o hemisfério direito parece controlar o processamento espacial (apontar) da infor
mação visual. Desse modo, a tarefa que devem realizar é crucial para determinar qual
imagem eles acreditam que lhes foi mostrada.
Michael Gazzaniga, outro discípulo de Sperry, afastou-se da tese de seu ex-professor e
colegas, como Levy. Gazzaniga discorda da afirmação de que os dois hemisférios funcionam
completamente independentes. Não obstante, ainda sustenta que cada hemisfério cumpre
papel complementar. Por exemplo, de acordo com Gazzaniga, não há processamento da fala
no hemisfério direito (exceto em raros casos de lesão cerebral precoce ao hemisfério es
querdo). Em vezdisso, somente o processamento visuoespacial ocorre no hemisfério direito.
Como exemplo, Gazzaniga descobriu que, antes da cirurgia de secção cerebral, as pessoas
podem fazer representações tridimensionais de cubos com cada uma das mãos (Gazzaniga,
LeDoux, 1978). Após a cirurgia, entretanto, esses indivíduos só conseguem desenhar um
cubo, de aparência razoável, com a mão esquerda. Em cada um dos pacientes, os desenhos
feitos com a mão direita ficam irreconhecíveis, sejam cubos ou quaisquer objetos tridimen
sionais. Essa descoberta é importante em razão da associação contralateral entre cada lado
do corpo e o hemisfério oposto do cérebro, por exemplo: o hemisfério direito controla a mão
esquerda. A mão esquerda é a única que um paciente com cérebro dividido consegue usar
para desenhar figuras reconhecíveis. Assim, esse experimento sustenta a afirmação de que o
hemisfério direito é dominante na compreensão e na exploração das relações espaciais.
Gazzaniga (1985) afirma que o cérebro, e especialmente o hemisfério direito do cére
bro, está organizado em unidades de funcionamento relativamente independentes que tra
balham em paralelo.
Segundo Gazzaniga, cada uma das várias e distintas unidades da mente opera de ma
neira relativamente independente das outras. Essas operações acontecem geralmente fora
da consciência. Enquanto essas várias operações —independentes e quase sempre subcons
cientes —estão acontecendo, o hemisfério esquerdo tenta lhes atribuir interpretações. Por
vezes, o hemisfério esquerdo percebe que o indivíduo está se comportando de uma maneira
que não faz qualquer sentido, intrinsecamente, mas, mesmo assim, encontra uma forma de
atribuir algum sentido àquele comportamento.
Além de estudar as diferenças hemisféricas na fala e nas relações espaciais, os pesquisa
dores tentaram determinar se os dois hemisférios pensam de formas diferentes entre si, Levy
(1974) descobriu algumas evidências de que o hemisfério esquerdo tende a processar a in
formação analiticamente (uma a uma, normalmente em seqüência) e afirma que o hemis
fério direito tende a processá-la de maneira holística (como um todo).
Lobos dos Hemisférios Cerebrais
Por questões práticas, quatro lobos dividem os hemisférios e o córtex do cérebro em quatro
partes. Esses lobos não são unidades distintas, mas regiões anatômicas bastante arbitrárias.
Funções específicas foram identificadas em cada lobo, mas que também interagem entre si.
Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 55
Os quatro lobos, cujos nomes estão relacionados aos ossos do crânio, estão localizados dire
tamente sobre eles (Figura 2.8). São eles: o frontal, o parietal, o temporal e o occipital. Seus
nomes referem-se às funções dos ossos do crânio que os abrigam, de modo que sua nomen
clatura e até mesmo sua divisão específica são razoavelmente arbitrárias. Os lobos realizam
várias funções e esta discussão descreve apenas parte daquilo que fazem.
O lobo frontal, no sentido da frente do cérebro, está associado com o processamento
motor e com o processamento superior do pensamento, tal como o raciocínio, a resolução
de problemas, o planejamento e o julgamento (Stuss, Floden, 2003) e parece estar envol
vido sempre que seqüências de pensamentos ou de ações são solicitadas. E também funda
mental para a produção do discurso. O córtex pré-frontal, região próxima à frente do lobo
frontal, é responsável pela realização de complexas tarefas motoras e de controle que exi
gem integração de informação ao longo do tempo (Gazzaniga, Ivry, Mangun, 2002).
O lobo parietal, na porção superiore posterior do cérebro, está associado com o proces
samento somatossensorial, recebendo dos neurônios dados relativos ao toque, à dor, à sensa
ção de temperatura e à posiçãodos membros quando se está percebendo o espaçoe o próprio
relacionamento com ele - como seestá situado com relação ao espaçoque se ocupa (Culham,
2003; Gazzaniga, Ivrey, Mangun, 2002). O lobo parietal também está ligadoà consciência e
à atenção. Se o indivíduo estiver prestando atenção àquilo que está lendo, o lobo parietal
está sendo ativado.
O lobo temporal, diretamente sob as têmporas, está associado ao processamento audi
tivo (Murray, 2003) e à compreensão da linguagem. Também está ligadoà retenção das me
mórias visuais. Por exemplo, se o indivíduo estiver tentando manter na memória a Figura
2.8, então o lobo temporal está sendo ativado. O lobo temporal também combina coisasno
vas que se vê com aquilo que já está retido na memória visual.
O lobo occipital está associadoao processamento visual (De Weerd, 2003b) e contém
diversas áreas visuais, cada uma
especializada em analisar os aspectos específicos de uma
cena, inclusive cor, movimento, localização e forma (Gazzaniga, Ivrey, Mangun, 2002).
Ao ler esse texto, o lobo occipital está operando na percepção das palavras que estão
diante do leitor.
FIGURA 2.8
Fissura central •
Lobo
frontal
Lobo
' parietal
(a)Áreas anatômicas (vista lateral esquerda)
Fissura
longitudinal
(b) Áreas anatômicas (vistas de cima)
O córtex está dividido em quatro lobos: frontal, parietal, temporal e occipital, osquais têm funções específicas, mas
também interagem para realizar processos complexos. Extraído do livro In Searchof the HumanMinei, de RobertJ.
Sternberg© 1995, deHarcourt Brace, Company. Reproduzido com a permissão doeditor.
56 Psicologia Cognitiva
As áreas de projeção são aquelas onde ocorre o processamento sensorial nos lobos. Esse
nome traduz o fato de que os nervos contêm informações sensoriais que vão para o tálamo,
e é desse ponto que a informação sensorial é projetada para a área adequada no lobo corres
pondente. Do mesmo modo, as áreas de projeção enviam a informação motora para baixo
pela espinha dorsal até os músculos certos, via sistema nervoso periférico (SNP). Agora,
uma consideração dos lobos, especialmente o frontal, de maneira mais detalhada.
O lobo frontal, localizado próximo à parte da frente da cabeça (o rosto), é importante
para o julgamento, a resolução de problemas, a personalidade e para o movimento inten
cional. Ele contém o córtex motor primário, especializado no planejamento, no controle e
na execução dos movimentos, especialmente aqueles que envolvem qualquer tipo de res
posta retardada. Caso o córtex motor fosse estimulado eletricamente, o indivíduo reagiria
movimentando uma parte correspondente do corpo. A natureza do movimento dependeria
de onde, no córtex motor, o cérebro fosse estimulado. O controle dos vários tipos de movi
mentos corporais está localizado contralateralmente no córtex motor primário. Um mapea
mento similar inverso ocorre de cima para baixo. As extremidades inferiores do corpo estão
representadas no lado superior (em direção à parte de cima da cabeça) do córtex motor e a
parte superior do corpo está representada no lado inferior do córtex motor.
As informações que seguem para as partes próximas do corpo também vêm de partes
próximas do córtex motor. Desse modo, o córtex motor pode ser mapeado para demonstrar
FIGURA 2.9
(Córtex
sensorial)
(Córtex
motor)
Este mapa do córtex motor primário chama-se, normalmente, homúnculo (do latim, "pessoa pequena"), porque foi
desenhado como sefosse umaseção transversal do córtex, cercada pela figura de uma pessoa pequena, cujas partes do
corpo estabelecem uma correspondência proporcional às partes docórtex. Extraído do Uvro In Search of the Human
Mind, Robert}. Stemberg © 1995. Harcourt Brace, Company. Reproduzido com permissão.
Capítulo 2 * Neurociência Cognitiva 57
onde e em que proporções as diferentes partes do corpo estão representadas no cérebro
(Figura 2.9).
Os outros três lobos estão localizados mais longe da parte frontal da cabeça e são espe
cializados em vários tipos de atividade sensorial e perceptual. Por exemplo, no lobo parietal,
o córtex primário somatossensorial recebe informações dos sentidos a respeito de pressão,
textura, temperatura e dor, e está localizado bem atrás do córtex motor primário do lobo
frontal. Caso o córtex somatossensorial de um indivíduo fosse estimulado eletricamente, ele
provavelmente teria uma sensação semelhante a estar sendo tocado (Figura 2.10).
Ao olhar os homúnculos (ver Figuras 2.9 e 2.10), pode-se ver que o relacionamento da
função e da forma aplica-se ao desenvolvimento das regiões do córtex motor e somatossen
sorial. Quanto maior a necessidade de uso, de sensibilidade e controle fino de uma determi
nada parte do corpo, maior será a área do córtex geralmente dedicada a ela. Por exemplo,
o ser humano depende muito das mãos e do rosto em suas interações com o mundo e apre
senta proporções extremamente grandes do córtex cerebral dedicadas à sensação e à res
posta motora das mãos e do rosto. Em contrapartida, o homem confia relativamente pouco
nos dedosdos pés tanto para o movimento como para a coleta de informações e, consequen
temente, os dedos do pé representam uma área relativamente pequena tanto no córtex mo
tor primário como no somatossensorial.
A região do córtex cerebral ligada à audição está localizada no lobo temporal, abaixo do
lobo parietal, que realiza uma complexa análise auditiva. Este tipo de análise é necessária,
FIGURA 2.10
(Córtex
sensorial)
{Córtex
motor)
Assim como acontece com o córtex motor primário no lobo frontal, um homúnculo do córtex somatossensorial, de
forma invertida, mapeia aspartes do corpo de onde recebe informações. Extraído do livro In Searchof the Human
Mind, Robert}. Stemberg© 1995, de Harcourt Brace andCompany. Reproduzido com permissão.
58 Psicologia Cognitiva
por exemplo, para se entender a fala humana ou para se ouvir uma sinfonia. O lobo é tam
bém especializado, pois algumas partes são mais sensíveis aos sons mais agudos. Outras, aos
mais graves. A região auditiva é basicamente contralateral, embora ambos os lados da área
aditiva tenham pelo menos alguma representação de cada ouvido. Se o córtex auditivo fosse
estimulado eletricamente, o indivíduo iria relatar ter ouvido algum tipo de som.
A região visual do córtex cerebral fica, em grande parte, no lobo occipital. Algumas fi
bras neurais que carregam informações visuais deslocam-se ipsilateralmente, do olho es
querdo para o hemisfério esquerdo do cérebro e do lado direito do olho para o hemisfério
direito do cérebro. Outras fibras cruzam o quiasma óptico (do grego, "X visual" ou "cruza
mento visual") e vão, contralateralmente, até o hemisfério oposto (Figura 2.11). Em espe-
AFIGURA 2i 11
Visual
Quiasma óptico
Nervo óptico
Algumas fibras nervosas transporiam informação ipsilateralmente decada olho para cada hemisfério cerebral. Outrascruzam
o quiasma óptico e rrans/>Oi"tam a mformação visual contralateralmente ao hemisfério oposui. Extraído do livro fn Search of
the HumanMind, RobertJ. Stemberg, © 1995, deHarcourtBraceandCompany. Reproduzido com permissão.
Capítulo 2 • Neutociência Cognitiva 59
ciai as fibras neurais vão do lado esquerdo do campo visual para cada olho para o lado
direito do córtex visual. De maneira complementar, os nervos do lado direito do campo vi
sual da cada olho enviam informações para o lado esquerdo do córtex visual.
O cérebro normalmente eqüivale a apenas 1/40 do peso do corpo de um adulto. Entre
tanto, ele usa cerca de 1/5 do sangue que circula, 1/5 da glicose disponível e 1/5 do oxigênio
disponível no corpo de um adulto e é, portanto, o órgão supremoda cognição. A compreen
são tanto de sua estrutura como de sua função - desde os níveis neurais até os cerebrais de
organização - é vital para o entendimento da psicologia cognitiva. O recente avanço no
campoda neurociência cognitiva- com enfoque na localização da função- reconceitualiza
a questão mente-corpo, discutida no início deste capítulo. A questão mudou de "onde está
localizada a mente no corpo?" para "onde, especificamente, estão localizadas as operações
cognitivas no sistema nervoso?". Ao longo do restante do texto, retornaremos para essas
questões em relação a determinadas operações cognitivas, uma vez que elas serãodiscutidas
com mais detalhes nos capítulos seguintes.
Áreas de Brodmann
O córtex cerebral pode ser dividido em diferentes módulos, conhecidos como Áreas de
Brodmann. Essas áreas, aplicadas a outras espécies além da humana, podem oferecer manei
ras parase localizar as funções corticais. No homem existem 52 dessas áreas. Porexemplo,
a área 4 compreendeo córtex motor primárioe área 17,o córtex visual primário.
Transtornos Cerebrais
Há uma série de transtornos cerebrais que podem prejudicar o funcionamento
cognitivo.
Este resumo é baseado, em parte, no trabalho de Gazzaniga, Ivrey, Mangun (2002).
Acidente Vascular Cerebral (AVC)
O transtorno vascular é um transtorno cerebralcausadopor acidente vascular cerebral (AVC).
Os AVCs ocorrem quando o fluxo de sangue no cérebro sofre uma súbita interrupção. As
pessoas que passam porumAVC geralmente apresentam perdas significativas de suas funções
cognitivas. A natureza da perda depende da área do cérebro afetada pelo AVC. Pode haver
paralisia, dor, dormência, perdada fala, da compreensão da linguagem, prejuízos aos processos
de pensamento, perda parcial de movimentos em partes do corpo ou outros sintomas.
Há dois tipos diferentesde AVCs (segundo informação publicada no website do Natio
nal Institute for Neurological Distorders and Stroke, em 2004). O primeiro tipo é o AVC
isquêmico. Geralmente, esse tipo de AVC ocorre quando há umaumentode gordura nosva
sos sangüíneos, durante alguns anos, e um pedaço desse tecido se desprende e aloja-se nas
artériasdo cérebro. Os AVCs isquêmicos podemser tratados com medicamentos desobstru-
tores.O segundo tipo é o AVC hemorrágico, que ocorrequando um vasosangüíneo se rompe
repentinamente no cérebro e o sangue transborda pelo tecido ao seu redor e, nesse mo
mento, as células cerebrais nas áreas afetadas começam a morrer. Esta morte ocorre tanto
por falta de oxigênio e de nutrientes como pela ruptura dos vasos e pelo transbordamento
súbito de sangue. Os sintomas desse tipo de AVC se manifestam imediatamente após sua
ocorrência. Entre os sintomas típicos, estão:
• Dormência e fraqueza no rosto, nos braços ou nas pernas (especialmente em um lado
do corpo);
• Confusão, dificuldade para falar ou para entender o que se fala;
• Transtornos da visão em um ou em ambos os olhos;
60 Psicologia Cognitiva
• Tontura, problemas para andar, perda de equilíbrio ou concentração;
• Dor de cabeça intensa, sem causa aparente.
(Informação sobre AVC, página da NINDS, 2004)
Os prognósticos para vítimasde AVC dependem do tipo ou da gravidade das lesões.
Tumores Cerebrais
Os tumores cerebrais, também conhecidos como neoplasmas, podem afetar o funciona
mento cognitivo de várias formas muito sérias. Os tumores podem ocorrer tanto na subs
tância cinzenta do cérebro como na substância branca, sendo que estes são os mais comuns
(Gazzaniga, Ivrey, Mangun, 2002). Considere-se alguns fatores básicos a respeito de tumo
res cerebrais (What you need to knowabout brain tumors, 2004).
Há dois tiposde tumores cerebrais. Os tumores primários começam no cérebro e a maio
ria dos tumores que ocorrem na infância é desse tipo. Os tumores secundários começam em
outro lugar do corpo, porexemplo nos pulmões. Os tumores cerebrais podem serbenignos ou
malignos. Os benignosnão contêm célulascancerosas e, em geral,podem ser removidos e não
voltam a crescer. As células dos tumores benignos não invadem os tecidos ao seu redor. Con
tudo, sepressionados contraáreas sensíveis do cérebro, podem ocasionar sérios prejuízos cog
nitivos. Eles também podem representar ameaça à vida, diferentemente de tumores benignos
em outraspartes do corpo. Os tumores cerebrais malignos, ao contráriodos benignos, contêm
células cancerosas, sãomuito mais sérios e, geralmente, representam ameaça à vidada vítima.
Em geral, crescem muito rapidamente e tendem a invadir o tecido cerebral sadio ao seu redor.
Somente em raros casos as células malignas podem se desprender e causar câncer em outras
partes do corpo. A seguir, os sintomas mais comuns de tumor cerebral:
• Dores de cabeça (geralmente, piores pela manhã);
• Náusea e vômitos;
• Alterações na fala, visão ou audição;
• Problemas com equilíbrio ou marcha;
• Alterações no humor, na personalidade e na capacidade de concentração;
• Problemas de memória;
• Contrações ou puxões nos músculos (crises ou convulsões);
• Dormência ou formigamento nos braços e pernas.
(What youneed to knoiv about brain tumors, 2004)
O diagnóstico dos tumores cerebrais é feito, em geral, por meio de exames neurológi
cos, TCs ou RMs. A forma mais comum de tratamento é uma combinação de cirurgia, ra
diação e quimioterapia.
Traumatismos Cranianos
Os traumatismos cranianos podem ter várias causas, como acidentes de carro, contato com
objetos rígidos e ferimentos causados por projétil. Os traumatismos são de dois tipos
(Gazzaniga, Ivrey, Mangun, 2002).Nas lesões de cabeça fechada, o crânio permanece intacto,
mas há lesão no cérebro, geralmente decorrente da força mecânica de umgolpe na cabeça.
Bater a cabeça contra o pára-brisa em um acidente de automóvel pode resultar nesse tipo
de lesão. Em lesões de cabeça aberta, o crânio nãofica intacto, sendo penetrado, porexemplo,
por um projétil de revólver.
Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 61
Os traumatismos cranianos são surpreendentemente comuns. Cerca de 700.000 ameri
canos sofrem esse tipo de traumatismo todos os anos, e entre 70 e 90.000 pessoas ficam per
manentemente deficientes (The anatomy of a head injury, 2004). A perda da consciência é
um sinal de que houve algum tipo de dano ao cérebro como resultado de um trauma. Os da
nos resultantes de traumatismos cranianos incluem movimentos espasmódicos, dificuldade
para.engolir e fala arrastada, entre inúmeros outros problemas cognitivos. Os sintomas ime
diatos de um traumatismo craniano são:
• Perda da consciência;
• Respiração anormal;
• Lesão ou fratura grave visível;
• Sangramento ou fluído claro do nariz, ouvido ou boca; -
• Perturbação da fala ou da visão;
• Pupilas de tamanhos desiguais;
• Fraqueza ou paralisia;
. • Tontura;
• Dor ou enrijecimento do pescoço;
• Convulsões;
• Vômito mais de duas ou três vezes;
• Perda de controle da bexiga ou dos intestinos
(Head injuries, 2004).
Em resumo, as lesões cerebrais podem resultar de várias causas, das quais apenas algu
mas estão aqui relacionadas; outras serão apresentadas no decorrer do livro. Quando a le
são cerebral ocorre, deve ser tratada o mais rapidamente possível por um médico especialista.
Pode-se chamar um neuropsicólogo para auxiliar no diagnóstico e os psicólogos especialis
tas em reabilitação podem ser úteis para trazer o paciente até um grau mais favorável de fun
cionamento, nessas circunstâncias.
Temas Fundamentais
No Capítulo 1, tratamos de sete temas fundamentais que podem permear a Psicologia Cog
nitiva e vários deles são relevantes aqui.
Um deles diz respeito à ênfase nos mecanismos biológicose comportamentais. Os meca
nismos descritos neste capítulo são, sobretudo, biológicos, mas um objetivo importante dos
pesquisadores é descobrir de que forma o comportamento está relacionado a essesmecanismos
biológicos. Por exemplo, eles estudam como o hipocampo possibilita a aprendizagem. Por
tanto, biologia e comportamento trabalham juntos e não são, de forma alguma, excludentes.
O segundo tema relevante é a distinção entre o inato e o adquirido. Chega-se ao mundo
com muitas estruturas e muitos mecanismos instalados, mas o ambiente funciona para de
senvolvê-los e para possibilitar que atinjam seu potencial. A existência do córtex cerebral
é fruto da natureza, porém, as recordações nele armazenadas derivam do ambiente. Como
foi apresentado no Capítulo 1, a natureza não opera sozinha e suas maravilhas se revelam
por meio das intervenções do ambiente.
O terceiro tema importante é a pesquisa básica versus a pesquisa aplicada. Grande parte
da pesquisa sobre as abordagens biológicas à cognição é básica, mas essa pesquisa básica irá,
mais tarde, possibilitar aos psicólogos cognitivos fazer descobertas aplicadas. Por exemplo,
i"'
***,
'•J
62 Psicologia Cognitiva
para entender como tratar e, possivelmente, poder ajudar indivíduos com lesão cerebral, os
neuropsicólogos cognitivos precisam, em primeiro lugar, entender a natureza das lesões e
sua abrangência. Muitos antidepressivos modernos, por exemplo, afetam a recaptação da se
rotonina no sistema nervoso.
Ao inibir essa recaptação, os antidepressivos aumentam as
concentrações de serotonina que, por sua vez, aumentam a sensação de bem-estar. Curiosa
mente, a pesquisa aplicada pode ajudar a pesquisa básica da mesma maneira que esta pode
ajudar aquela. No caso de antidepressivos, por exemplo, os cientistas já sabiam que as dro
gas funcionavam, antes mesmo de saber exatamente de que maneira. A pesquisa aplicada
na criação de medicamentos ajudou os cientistas a entender os mecanismos biológicos por
trás do sucesso dessas drogas para o alívio dos sintomas da depressão.
Pessoas que sofrem AVCs do lado esquerdo do cérebro apresentam alguma dificuldade
para falar, enquanto que aquelas que sofrem derrames do lado direito apresentam, quase sem
pre, poucas interferências na linguagem. Os leitores que conhecem pessoas que tiveram AVCs
já podem ter notado isso. Essefato ocorre porque o centro da linguagem do homem está nor
malmente localizado no lado esquerdo do cérebro.
Resumo
1. Quais são as estruturas e os processos
fundamentais do cérebro humano? O sis
tema nervoso, comandado pelo cérebro,
divide-se em duas partes principais: o sis
tema nervoso central, que consiste no cé
rebro e na medula espinhal, e o sistema
nervoso periférico, que consiste no res
tante do sistema nervoso (como por exem
plo, os nervos do rosto, das pernas, dos
braços e das vísceras).
2. De que maneira os pesquisadores estu
dam as principais estruturas e processos
do cérebro? Durante séculos, os cientistas
só conseguiam visualizar o cérebro por
meio de dissecações. As técnicas modernas
de dissecação incluem o uso de microscó
pios eletrônicos, além de sofisticadas aná
lises químicas para investigar os mistérios
das células individuais do cérebro. Além
disso, as técnicas cirúrgicas em animais
(ex.: uso de lesões seletivas e registro de
células isoladas) são usadas com freqüên
cia. Em seres humanos, os estudos incluí
ram análises elétricas (como EEGs e
potenciais relativos a eventos), estudos
baseados em técnicas de raios X (como
angiogramas e TC), estudos de análises
computadorizadas de campos magnéticos
dentro do cérebro (RM) e estudos de aná
lises computadorizadas do fluxo sangüí
neo e do metabolismo dentro do cérebro
(PET e RMf).
3. O que os pesquisadores descobriram co
mo conseqüência dos estudos sobre o cé
rebro? As principais estruturas do cérebro
podem ser classificadas como aquelas que
ficam no prosencéfalo {ex.: córtex cerebral
- muito importante -, o tálamo, o hipo
tálamo o sistema límbico, incluindo hi
pocampo), o mesencéfalo (incluindo uma
porção da haste do cérebro) e o rombencé
falo (incluindo a medula oblongada, a
ponte e o cerebelo). O córtex cerebral, al
tamente circunvoluto, cerca o interior do
cérebro e é a base para grande parte da
cognição humana. O córtex recobre os he
misférios direito e esquerdo do cérebro, li
gadospelo corpo caloso. Geralmente, cada
hemisfério controla contralateralmente o
lado oposto do corpo. Tendo como base
amplas pesquisas com cérebro dividido,
muitos pesquisadores acreditam que - na
maioria das pessoas - os dois hemisférios
sejamespecializados: o hemisférioesquerdo
parece controlar principalmente a lingua
gem. O hemisfério direito parece controlar
principalmente o processamento visual/es
pacial. Os dois hemisférios também pro
cessam dados de maneiras diferentes. Outra
maneira de ver o córtex é identificar as
diferenças entre os quatro lobos. Aproxi
madamente, pode-se dizer que o pensa
mento superior e o processamento motor
ocorrem no lobo frontal. O processamento
somatossensorial ocorre no lobo parietal e
o processamento auditivo, no lobo tempo
ral e o processamento visual, no occipital.
No lobo frontal, o córtex motor primário
Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 63
controla o planejamento, o controle e a
execução dos movimentos. No parietal, o
córtex somatossensorial é responsável pe
las sensações nos músculos e na pele. As
regiões específicas desses dois córtices po
dem ser mapeadas a determinadas regiões
do corpo.
Leituras Sugeridas Comentadas
Anderson, A. K.; Phelps, E. A. Lesions of the
human amygdala impair enhanced per-
ception of emotionally salient events. Na-
ture, 411, 305-309. Matéria interessante
sobre os efeitos das lesões na amígdala
sobre a percepção.
Gazzaniga, M. The new cogniúve neuroscience.
Cambridge: MÍT Press, 2000. Provavel
mente a resenha mais abrangente sobre
Neurociência Cognitiva disponível atual
mente. Texto de alto nível.
Taylor, M. J.; Baldeweg, T Application of
EEG, ERP and intracranial recordings to
the investigation of cognitive functions in
children. Devehpmental, 5 (Science 3),
318-334, 2002. Cobertura da combinação
das alterações neurológicas e de compor
tamento na infância.
* V ,
\i
CAPITULO
Percepção 3
EXPLORANDO A PSICOLOGIA COGNITIVA
1. Como são percebidos objetos estáveis no ambiente, dada uma estimulação variável?
2. Quais são duas abordagens fundamentais para explicar a percepção?
3. O que acontece quando pessoas que recebem sensações visuais normais não conse
guem perceber estímulos visuais?
Alguma vez já lhe disseram que você "não consegue enxergar um palmo além do na
riz"? Ou então, que vocêé aquele que "vê a árvoree não enxerga a floresta?" Já ouviu
sua música favorita seguidamente para tentar decifrar a letra? Em todas essas situa
ções utiliza-se o complexo constructo da percepção. A percepção é o conjunto de processos
pelos quais é possível reconhecer, organizar e entender as sensações provenientes dos estí
mulos ambientais (Epstein, Rogers, 1995; Goodale, 2000a, 2000b; Kosslyn, Osherson,
1995; Marr, 1982; Pomerantz, 2003). A percepção compreende muitos fenômenos psicoló
gicos. Este capítulo trata da percepção visual, que é a modalidade (sistema de um determi
nado sentido, por exemplo o tato ou o olfato) mais amplamente reconhecida e a mais
estudada da percepção. Para conhecer alguns fenômenos da percepção, os psicólogos geral
mente estudam situações que levantam problemas para compreender as nossas sensações.
Considere, por exemplo, a imagem mostrada na Figura 3.1. Para a maioria das pessoas,
inicialmente, a figura parece um.borrão de sombras sem significado. No entanto, a figura
mostra uma criatura queolhadiretamente parao leitor, quepodenão identificá-la. Quando,
finalmente, percebem o que é, as pessoas sentem-se acuadas. Na Figura 3.1, a imagem de
uma vaca está oculta em constantes graduações de sombreado que constituem a imagem.
Antes de conseguir identificar a figura da vaca, o leitor já terá percebidocorretamente to
dos os aspectos da figura, mas ainda não terá conseguido organizar assensações paraformar
um percepto, ou seja, uma representação mental de um estímulo percebido. Sem esse per-
cepto da vaca, não seria possível captar de maneira significativa aquilo que havia sido per
cebido anteriormente. Na Figura 3.2 também sevêm sombreados, que, no entanto, sãobem
mais discretos. Emmuitos casos, não passam de pontos e, novamente, aqui há outro objeto
oculto. Com algum esforço, pode-se identificar um cachorro farejando algo no chão.
Esses exemplos mostram que, às vezes, não se consegue perceber o que existe. Em ou
tras, todavia, percebem-se coisas que não existem. Por exemplo, o triângulo negro no cen
tro do painel esquerdo da Figura 3.3 e o triângulo branco no centro do painel direito.
Parecem quesaltamaos olhos, mas quandose olha cuidadosamente paracada um dos pai
néis, pode-se verque os triângulos, na verdade nãoestão ali. O preto que forma o triângulo
central no painel esquerdo parece mais escuro ou mais preto do que o preto ao seu redor,
65
66 Psicologia Cognitiva
FIGURA 3.1
O que seaprende a respeito daprópria percepção ao tentar identificar o objeto que olha diretamente para você nessa
foto? Daüenbach, K. M., 1951. "A puzzle-picture with a new principie ofconcealment". AmericanJournalof
Psychology, 54,431-433,
1951.
FIGURA 3.2
Quais mudanças perceptuais facilitariam a identificação da figura aqui apresentada?
mas não é. Nem o triângulo central branco no painel direito é mais claro ou mais branco
do queo branco que o cerca. Os dois triângulos centrais são ilusões de ótica,que compreen
dem a percepção da informação visual fisicamente não presente no estímulo visual senso-
rial. Além disso, em outras ocasiões, percebe-se o que não pode estar lá. Considere, por
exemplo, a escada na Figura3.4 e tente chegar ao topo. Difícil, não é?Esta é a ilusãoda "es
cada perpétua", que parece estar sempre indo para cima, mas isso é impossível.
FIGURA 3.3
Capítulo3 • Percepção 67
eA*
Z_ A
Nestafigura, os triângulos podem ser facilmente vistos - ouserão apenas uma ilusão? In Search of the Human
Mind, RobertJ. Stemberg© 1995, HarcourtBrace, Company. Reproduzido com permissão doeditor.
FIGURA 3.4
De quemodo se pode chegar ao topo daescada aqui apresentada?
A existência de ilusões perceptivas indica que aquilo que se sente (por meio dos ór
gãosdo sentido) não é necessariamente o que é percebido (na mente). A mente pode es
tar se utilizando da informação sensorial disponível e manipulando-a de alguma forma
para criar representações mentais de objetos, propriedades e relacionamentos espaciais
do próprio ambiente (Peterson, 1999). Além disso, a maneira como esses objetos são re
presentados depende em parte do ponto de vista do indivíduo ao percebê-los. (Edelman,
Weinshall, 1991; Poggio, Edelman, 1990;Tarr, 1995; Tarr, Bülthoff, 1998). Ao longo de
milênios, as pessoas reconhecem que o que se percebe geralmente é diferente dos estímu
los sensoriais retilíneos que chegam aos receptores dos sentidos. Um exemplo é o uso de
ilusões de ótica na construção do Parthenon (Figura 3.5). Se tivesse sido construído do
modo como é percebido por quem o vê (com uma forma estritamente retilínea), o Par
thenon pareceria estranho.
Embora o ser humano tenha uma visão limitada e esteja sujeito a ilusões, ainda é muito
mais capacitado que os robôs paracodificar representações visuais e dar sentidoa elas. Dadaa
sofisticação dos robôs de hojeem dia, qual é a razão da superioridade humana? Possivelmente
68 Psicologia Cognitiva
FIGURA 3.5
No início do primeiro séculod.C, o arquiteto romano Marcos Vitrúvio Folião escreveu a obra De Architectura, na
qual documenta o gênio dos arquitetos gregos íctino e Calícrates, que projetaram o Parthenon (consagrado em 438
a.C). As colunas do Parthenon, naverdade, são salientes no meio (b) para compensar a tendência visual de perce
berque as Unhas paralelas (a) parecem se curvar para dentro. Da mesma forma, as linhas horizontais das vigas que
cruzam o topo das colunas e o degrau superior do vestíbuío inclinam-se ligeiramente para cima, para compensar a ten
dência visual de perceber que elas securvam para baixo. Além disso, as colunas sempre se inclinam ligeiramente para
dentro no topo para compensar a tendência de percebê'las como se estivessem se abrindo, quando vistas debaixo.
Vitrúvio também descreveu muitas ilusões de ótica nesse tratado sobre arquitetura e, até hoje, os arquitetos levam em
contaessasdistorções da percepção visual em seusprojetos.
várias, mas o conhecimento é certamente uma delas. O ser humano simplesmente conhece
muito mais acerca do ambiente e das fontes de regularidade no ambiente do que os robôs. O
conhecimento humano é uma grande vantagem que os robôs - ao menos os atuais - não são
capazes de suplantar.
Os arquitetos não são os únicos a terem reconhecido alguns princípios fundamentais de
percepção. Há séculos, artistas sabem como induziro ser humano a perceber os perceptos tri
dimensionais (3D) quando se olha para imagens bidimensionais (2D). Quais são alguns dos
princípios que orientam as percepções de perceptos tanto reais como ilusórios? Emprimeiro
lugar, considere-se a informação perceptual que leva à percepção do espaço em 3D a partir
da informaçãoem 2D. A seguir, discutiremos algumas das maneiras pelasquais se percebe um
conjunto estável de perceptos. Essa percepção estável ocorre a despeito das constantes mu
dançasno tamanho e na forma daquiloque se observa. Depois, seguimos para as abordagens
teóricas da percepção e, por fim, consideraremos algumas falhas raras na percepção visual
normal em pessoas com lesões cerebrais.
Capítulo3 • Percepção 69
Da Sensação à Representação
Princípios da Visão
A visão tem início quando a luz passa através da camada protetora do olho. Essa camada,
a córnea, é um domo claro que protege o olho. Em seguida, a luz passa através da pupila, a
abertura no centro da íris. Depois, a luz passa através do cristalino e do humor vítreo. O cris
talino é uma membrana transparente localizada atrás da íris. Essa membrana se flexiona ou
relaxa para permitir a visão de objetos próximos ou distantes. O humor vítreo é uma subs
tância gelatinosa que compreende a maior parte do olho. O papel fundamental do humor
vítreo é dar suporte ao olho. Esse processo resulta na refração, que é uma mudança na dire
ção e na velocidade da luz que entra no olho. A luz refratada é focalizada na retina, uma
rede de neurônios que se estende por quase toda a superfície superior do interior do olho.
A retina é onde ocorre a transdução da energia da luz eletromagnética, ou seja, onde ocorre
a conversão dessa energia em impulsos neurais eletroquímicos (Blake, 2000). Embora a
retina seja pouco espessa - talvez como a página deste livro -, ela é composta por três ca
madas importantes de tecido neural.
Na primeira camada de tecido neuronal - mais próxima à frente, ou seja, na direção da
parte externa do olho - fica a camada das células ganglionares, cujos axônios constituem
o nervo óptico. A segunda camada consiste de três tipos de células interneuronais. As cé
lulas amácrinas e as células horizontais formam ligações laterais simples por entre as áreas
adjacentes da retina, na camada central das células. As células bipolares realizam conexões
duplas para frente e para fora das células ganglionares bem como para trás e para dentro da
terceira camada de células retinais.
A terceira camada da retina contém os fotorreceptores, que convertem a energia da luz
em energia eletroquímica. Essa energia pode, então, ser transmitida pelos neurônios para o
cérebro. A transmissão permite ao olho detectar o estímulo visual. Ironicamente, as células
fotorreceptoras ficam nas células retinais mais distantes da fonte de luz. A luz precisa passar
primeiro por outras duas camadas. As mensagens são, então, passadas para trás, na direção
da frente do olho, antes de viajar para o cérebro. Há dois tipos de fotorreceptores: os bas-
tonetes - fotorreceptores finos e longos -, que ficam mais concentrados na periferia do que
na região fóvea da retina, onde a visão é mais aguda. Os cones - fotorreceptores grossos e
curtos - que ficam mais concentrados na região fóvea do que na periferia da retina. A fó
vea é uma região pequena e fina da retina, do tamanho da cabeça de um alfinete, que fica
mais diretamente na linha da visão. Na verdade, quando se olha diretamente para um ob
jeto, os olhos giram para que a imagem caia diretamente na fóvea. O campo visual recep
tivo da fóvea tem o tamanho aproximado de uma uva.
Cada cone da fóvea geralmente tem sua própria célula ganglionar, mas os bastonetes na
periferia (área externa limitante) da retina compartilham as células ganglionares com os ou
tros bastonetes. Dessa maneira, cada célula ganglionar, ao captar informação que vem da
periferia, coleta informações dos inúmeros bastonetes. Porém, cada célula ganglionar da fó
vea capta informação de um único cone, talvez por causa da função mais complexa dos co
nes com relação ao processamento da cor.
Cada olho contém aproximadamente 120 milhões de bastonetes e 8 milhões de cones.
Bastonetes e cones se diferenciam não apenas em forma, mas também em suas composições,
localizações e reações à luz.
Dentro dos bastonetes e dos cones ficam os fotopigmentos,
substâncias químicas que reagem à luz e que dão início ao complexo processo de transduc-
Ção, que transforma a energia física eletromagnética em impulso neural eletroquímico, que
então pode ser compreendido pelo cérebro.
Os bastonetes, os cones e os fotopigmentos não poderiam cumprir suas tarefas se não fos
sem - de alguma forma - ligados ao cérebro (Sandell, 2000). As mensagens neuroquímicas
70 Psicologia Cognitiva
processadas pelos bastonetes e cones da retina viajam através das células bipolares até as
células ganglionares (ver Goodale, 2000a, 2000b). Como foi observado antes, os axônios
das células ganglionares no olho formam coletivamente o nervo óptico deste. Os nervos
ópticos dos dois olhos se unem na base do cérebro e formam o quiasma óptico. Nesse
ponto, as células ganglionares da parte interna - ou nasal (próxima ao nariz) - da retina
se cruzam através do quiasma óptico e vão até o hemisfério oposto do cérebro. As células
ganglionares da parte externa - ou temporal (próxima à têmpora) - da retina vão para o
hemisfério do mesmo lado do corpo. As lentes de cada olho invertem naturalmente a ima
gem do mundo enquanto projetam a imagem para a retina. Dessa maneira, a mensagem
enviada ao cérebro está literalmente invertida e para dentro.
Depois de serem levadas pelo quiasma óptico, as células ganglionares se dirigem para o
tálamo. Dali, os neurônios carregam toda a informação para o córtex visual primário no
lobo occipitaí do cérebro. O córtex visual contém várias áreas de processamento, cada qual
com diferentes tipos de informação visual relativas à intensidade e à qualidade, inclusive
cor, localização, profundidade, padrão e forma. Vamos considerar mais detalhadamente de
que modo o córtex processa as informações de cor por meio do funcionamento dos basto
netes e dos cones.
O ser humano possui dois sistemas visuais distintos. Um responsável pela visão em luz
fraca, que depende dos bastonetes. O outro, responsável pela visão em luz clara, que de
pende dos cones (Durgin, 2000).
Alguns Conceitos Básicos da Percepção
Se uma árvore cai na floresta e não há alguém por perto para ouvir ou ver o fato, ela faz
algum som? A resposta para esta antiga charada pode ser encontrada, colocando-a no con
texto da percepção. Em seu trabalho influente e polêmico, james Gibson (1966, 1979)
oferece uma estrutura muito útil para o estudo da percepção. Ele introduziu os conceitos
do objeto distai (externo), meio informacional, estímulo proximal e objeto perceptual.
O objeto distai (distante) é aquele do mundo externo. Nessecaso, a árvore que cai. Esse
evento impõe um padrão no meio informacional, que é a luz refletida, ondas de som (aqui
o som da árvore caindo), moléculas químicas ou informações táteis (relativas ao toque) ori
ginadas do ambiente. Assim, os pré-requisitos para a percepção de objetos no mundo
externo começam cedo e têm início mesmo antes da informação sensorial atingir os receptores
dos sentidos (células neurais que são especializadas em receber determinados tipos de infor
mação sensorial). Quando a informação entra em contato com os receptores sensoriais
apropriados dos olhos, ouvidos, nariz, da pele ou da boca, ocorre a estímulação proximal
(próxima). Por fim, a percepção ocorre quando um objeto perceptual interno reflete de al
guma forma as propriedades do mundo externo.
O Quadro 3.1 resume essa estrutura para a ocorrência da percepção, listando as várias
propriedades dos objetos distais, dos meios de informação, dos estímulos proximais e dos ob
jetos perceptuais compreendidos na percepção do ambiente. Para retornar à questão origi
nal, caso uma árvore da floresta caia e não haja alguém por perto para ouvir, ela não faz
qualquer som percebido, porém, faz um som. Então, a resposta será sim ou não, dependendo
da forma como se encara a questão.
A questão de onde se deve estabelecer o limite entre a percepção e a cognição - ou
mesmo entre a sensação e a percepção - é motivo de intensos debates. Na verdade, para
maior produtividade, tais processos deveriam ser vistos como parte de um contínuo onde a
informação flui por meio do sistema. Processos diferentes abordam questões diferentes. As
questões da sensação se concentram nas qualidades da estimulação. Aquela tonalidade de
vermelho é maisclara do que o vermelho da maçã? Ou o som da árvore que caiu é mais alto
que o som de um trovão? A informação sobre a mesma cor ou o mesmo som responde a di
ferentes questões para a percepção, que são normalmente questões de identidade, forma,
Capítulo 3 • Percepção 71
QUADRO 3.1 • Contínuo Perceptivo
i medida que os objetos ambientais oferecem a estrutura do meioA percepção ocorre í
informacional que, fi nalmente, atinge os receptores sensoriais, levan do à identificação
interna do objeto.
Objeto Distal Meio Informacional Estímulo proximal Objeto perceptual
Visão - vista (ex.: Luz refletida no rosto da Absorção de fótons O rosto da avó
o rosto da avó) avó (ondas nos bastonetes e cones
eletromagnéticas da retina, a superfície
visíveis) receptora na parte
posterior do olho
Audição - som {ex.: Ondas sonoras geradas Condução de ondas Arvore que cai
uma árvore que cai) pela queda da árvore sonoras à membrana
basilar, superfície
receptora dentro da
cóclea do ouvido
interno
Olfato - cheiro (ex.: Moléculas liberadas pela Absorção molecular nas Toucinho
toucinho fritando) fritura do toucinho células do epitélio
olfativo, a superfície
receptora na cavidade
nasal
Paladar —gosto (ex.: Moléculas do sorvete Contato molecular com Sorvete
uma porção de sorvete) liberadas no ar e as papilas gustativas, as
dissolvidas em água células receptoras na
língua e no palato mole,
combinadas com
estimulação olfativa
(ver item anterior)
Tato (ex.: teclado de Pressão mecânica e Estimulação de várias Teclado do computador
computador vibração no ponto de células receptoras na
contato entre a derme, a camada mais
superfície da pele profunda da pele
(epiderme) e o teclado
padrão e movimento. Aquela coisa vermelha é uma maçã? Será que acabei de ouvir uma ár
vore caindo?Finalmente, a cogniçãoocorre à medidaque essa informação é utilizada para ser
vir a outros objetivos. Será que aquela maçã é comestível? Será que preciso sair da floresta?
Jamais será possível conhecer pela experiência da visão, da audição, do paladar ou do
tato exatamente o mesmo conjunto de propriedades de estímulos que já se experimentou
antes. Assim, uma questão fundamental para a percepção é "de que modo se adquire a es
tabilidade perceptual diante dessa completa instabilidade em nível de receptores senso
riais?" Na verdade, em virtude da natureza dos receptores sensoriais humanos, a variação
parece ser necessária à percepção.
72 Psicologia Cognitiva
No fenômeno da adaptação sensorial, as células receptoras se adaptam à estimulação
constante ao deixar de disparar até que haja uma mudança na estimulação. Por meio da
adaptação sensorial, pode-se parar de detectar a presença de um estímulo. Este mecanismo
garante que a informaçãosensorial mude constantemente. Em razão da adaptação sensorial
da retina (a superfície receptora do olho), os olhos estão constantemente realizando minús
culos e rápidos movimentos, que, por sua vez, criam constantes alterações na localização da
imagem projetada no interior do olho. Para estudar a percepção visual, os cientistas inven
taram um modo de criar imagens estabilizadas. Estas imagens não se movimentam na retina
porque, na realidade, elas seguem os movimentos dos olhos. A utilização dessa técnica con
firmou a hipótese de que a estimulação constante das células da retina dá a impressão de que
a imagem desaparece (Ditchburn, 1980; Martinez-Conde, Macknik, Hybel, 2004; Riggs
etai., 1953). Desse modo, a variação do estímulo é um atributo fundamental para a percep
ção, que, paradoxalmente, torna mais difícil a tarefa
de explicar a percepção.
Constância Perceptiva
O sistema perceptivo lida com a variabilidade desempenhando uma análise muito impor
tante com relação aos objetos no campo perceptivo. Por exemplo, pense em leitor que está
no compus da universidade dirigindo-se à sua aula de Psicologia Cognitiva. Suponha que
dois alunos estejam conversando do lado de fora da sala de aula quando você chega. A
medida que você se aproxima da porta, a quantidade de espaço em sua retina destinada às
imagens dessas duas pessoas torna-se cada vez maior. Por um lado, essa evidência sensorial
proximal sugere que os dois alunos estão ficando maiores. Por outro, você percebe que
as pessoas continuam do mesmo tamanho. Por quê?
A constância percebida do tamanho de seus colegas é um exemplo de constância per
ceptiva. A constância perceptiva ocorre quando a percepção de um objeto permanece igual,
mesmo quando a sensação proximal do objeto distai se altera (Gillam, 2000). As caracterís
ticas físicas do objeto distai externo provavelmente não estão mudando, mas, porque ao ser
humano é possível lidar efetivamente com o mundo externo, o sistema perceptivo possui me
canismos que ajustam a percepção do estímulo proximal. Dessa maneira, a percepção se
mantém constante, embora a sensação proximal mude. Dentre os diversos tipos de constân-
cias perceptivas, consideram-se dois principais: constância de tamanho e de forma.
A constância de tamanho é a percepção de que um objeto mantém o mesmo tamanho,
apesar das mudanças no tamanho do estímulo proximal. O tamanho de uma imagem na re
tina depende diretamente da distância do objeto em relação ao olho. O mesmo objeto co
locado em duas distâncias diferentes projeta imagens de tamanhos diferentes na retina.
Algumas ilusõessurpreendentes são obtidas quando os sistemas sensoriais e perceptivos são
enganados pela mesma informação, que normalmente auxilia o indivíduo a adquirir a cons
tância de tamanho. Por exemplo, a Figura 3.6 apresenta a ilusão de Ponzo, na qual dois ob
jetos que parecem ser de tamanhos diferentes são, na verdade, do mesmo tamanho. A ilusão
de Ponzo resulta da impressão de profundidade criada pelas linhas convergentes. Imagens
de tamanhos equivalentes em profundidades diversas normalmente indicam objetos de ta
manhos diferentes. Outro exemplo é a ilusão de Müller-Lyer, ilustrada na Figura 3.7. Nesse
caso, dois segmentos de reta com o mesmo comprimento parecem ter comprimentos dife
rentes. Finalmente, compare os dois círculos centrais nos dois padrões circulares da Figura
3.8. Ambos são do mesmo tamanho, mas o tamanho do círculo central relativo aos círcu
los ao seu redor afeta a percepção de tamanho do círculo central.
Assim como a constância de tamanho, a constância de forma está relacionada à per
cepção das distâncias, mas de um modo diferente. A constância de forma é a percepção de
que um objeto mantém a mesma forma, apesar das mudanças na forma do estímulo proxi
mal. Por exemplo, a Figura 3.9 é uma ilusão da constância de forma, em que a forma perce-
Capítulo 3 • Percepção 73
FIGURA 3.6
(a) (b)
Percebe-se a linha acima (a) e o tronco acima (b) como mais compridos quea linha e o tronco na linha de baixo, em
bora ambos sejam do mesmo comprimento. Isso acontece porque nomundo real em três dimensões a linha e o tronco
da linha superior seriam maiores.
FIGURA 3.7
/N
\y
N/
(a) <b) <c)
[F^
-
->
LjSf^
Também nessa ilusão, a tendência é enxergar dois segmentos de reta igualmente íongos como sefossem de comprimentos
diferentes. Em especial, os segmentos verticais nos painéis (a) e (c) parecem mais curtos que os dos painéis (b) e (d),
embora todos sejam do mesmo (amanho. Curiosamente, não se sabe por que uma ilusão tão simples ocorre. Às vezes, a
ilusão vista nos segmentos dos painéis (a) e (b) pode ser expUcada em termos das Unhas diagonais aofinal dos segmentos
verticais. Essas íinAas diagonais podem ser pistas deprofundidade semelhantes às que o indivíduo veria em suas percepções
do exterior e do interior de uma construção (Coren, Girgus, 1978). No painel (c), visto do exterior de um edifício,
parece que os lados se afastam na distância - com as Unhas diagonais angulando em direção aos segmentos da Unha vertical,
como no painel (a), enquanto que no painel (d), visto do interior de um edifíáo, parece que os lados se aproximam do
espectador - com as linhas diagonais angulando ese afastando do segmento da unha vertical, como no painel (b).
bida de um objeto permanece igual, apesar das alterações em sua orientação e, assim, na
forma de sua imagem retinal. A medida que a forma real da imagem da porta se altera, al
gumas partes da porta parecem mudar de modo diferente em relação à distância do espec
tador. E possível usar neuroimagens para localizar as partes do cérebro utilizadas nesta
74 Psicologia Cognitiva
FIGURA 3.8
O
o
(a) (b)
Qual dos dois círculos centrais é maior (a ou b)? A seguir, meçao diâmetro de cada umdeles.
análise da forma. Elasestão no córtex extraestriado (Kanwisher etai., 1996, 1997). Os pon
tos próximos à borda superior externa da porta parecem se mover mais rapidamente na di
reção do espectador do que os pontos próximos à borda superior interna. Mesmo assim, é
possível perceber que a porta continua com o mesmo formato.
Percepção de Profundidade
À medida que se movimenta em seu ambiente, o indivíduo está sempre olhando em volta e
se orienta visualmente no espaço em três dimensões. Ao olhar para frente à distância, olha-se
para a terceira dimensão da profundidade. A profundidade é a distância de uma superfície,
em geral, usando-se o própriocorpo como superfície de referência em termos de percepçãode
profundidade. Vamos ver o que acontece quando se transporta o próprio corpo ou se movi
menta para alcançar objetos, ou mesmo quando se posiciona no mundo tridimensional. E
precisoutilizar todasessas informações com relaçãoà profundidade. O usodessas informações
vai alémdo alcance do própriocorpo do indivíduo. Ao dirigirum automóvel, o indivíduousa
a profundidade para avaliar a distância do veículo que se aproxima. Quando decide chamar
alguémconhecido na rua, a pessoa determina o volume da voz com base na distância em que
percebe estar o amigo. Essa decisão é baseada em como o indivíduopercebea distância entre
ele e o amigo. Como se percebe o espaço em três dimensões quando os estímulos proximais
nas retinas não passam de projeções em duas dimensões daquilo que se vê?
Sugerimos voltar à escada impossível (Figura 3.4) e observar também as configurações
impossíveis da Figura 3.10. Elas são confusas porque há uma informação de profundidade
contraditória em partes distintas da imagem. Os pequenossegmentos dessas figuras impos
síveis parecem razoáveis porque não há inconsistência em suas pistas individuais de pro
fundidade (Hochberg, 1978). Contudo, é difícil entender a figura como um todo. A razão
para isso é que as pistas que fornecem informações de profundidade em vários segmentos
da imagem são conflitantes.
Geralmente, as pistas de profundidade são monoculares (mono - "um"; ocular, "relativo
aos olhos") ou binoculares (bi - "ambos", "dois"). As pistas de profundidade monoculares
podem ser representadas em apenas duas dimensões e observadas apenas com um olho.
Capítulo3 • Percepção 75
FIGURA 3.9
Aqui, vê-se uma porta com batente emformato retangular. Estaportaaparece fechada, semiaberta, bem aberta e
completamente aberta. Certamente, a porta não parece ter um formato diferente em cada painel. Na verdade, seria
estranho se o espectador percebesse a porta mudando deformato enquanto elase abre. E, noentanto, o formato da
imagem daporta captado pela retina muda quando a porta se abre. Olhando para a figura, vê-se que a imagem dese
nhada na porta é diferente em cada painel.
O Quadro 3.2 também descreve a paralaxe de movimento, a única pista de profundi
dade monocular que não está na figura. A paralaxe de
movimento requer movimento e,
portanto, não pode ser utilizada para avaliar a profundidade em uma imagem estática,
como, por exemplo, uma fotografia. Outro método de avaliar a profundidade compreende
as pistas de profundidade binoculares, baseadas na recepção da informação sensorial em
três dimensões para ambos os olhos (Parker, Cumming, Dodd, 2000). O Quadro 3.2 tam
bém resume algumas das pistas binoculares usadas paraa percepção da profundidade.
As pistas de profundidade binoculares usam o posicionamento relativo aos olhos do in
divíduo. Os dois olhos estão posicionados com distância suficiente para levar dois tipos de
informaçãoao cérebro: a disparidade binocular e a convergência binocular.Na disparidade
76 Psicologia Cognitiva
FIGURA 3.10
Quais pistas podem fazer com que você perceba essas figuras impossíveis como totalmente plausíveis?
QUADRO 3.2 Pistas Monoculares e Binoculares para Percepção da Profundidade
Várias pistas perceptuais contribuem para a percepção do mundo tridimensional.
Algumas podem ser observadas por apenas um olho, enquanto outras requerem o uso
dos dois olhos.
Pistas para Percepção da
Profundidade
Parece Mais Próximo
Pistas de profundidade monoculares
Gradientes de textura
Tamanho relativo
lnterposição
Perspectiva linear
Perspectiva aérea
Localização no plano da figura
Paralaxe de movimento
Grãos maiores e mais afastados
Maior
Obscurece parcialmente outros
objetos
Linhas aparentemente paralelas
parecem divergir ao se afastar do
horizonte
Imagens parecem mais nítidas,
mais claramente delineadas
Acima do horizonte, os objetos
estão mais altos no plano da
imagem; abaixo do horizonte, os
objetos estão mais baixos no
plano da imagem
Os objetos que se aproximam
parecem maiores e em velocidade
cada vez maior (isto é, grandes e
se aproximando rapidamente)
Pistas de profundidade binoculares
Convergência binocular
Disparidade binocular
Olhos parecem ser trazidos para
dentro, na direção do nariz
Enorme discrepância entre a
imagem vista pelo olho esquerdo
e a imagem vista pelo olho
direito
Parece Mais Distante
Grãos menores e mais próximos
Menor
Éparcialmente obscurecida por
outros objetos
Linhas aparentemente paralelas
parecem convergir ao se
aproximar do horizonte
Imagens parecem nebulosas,
menos claramente delineadas
Acima do horizonte, os objetos
estão mais baixos no plano da
imagem; abaixo do horizonte, os
objetos estão mais altos no plano
da imagem
Os objetos que se afastam
parecem menores e em
velocidade menor (isto é,
pequenos e se afastando
lentamente)
Olhos relaxam em direção aos
ouvidos
Pequena discrepância entre a
imagem vista pelo olho esquerdo
e a imagem vista pelo olho
direito
Capitulo 3 " Percepção 77
binocular, ambos os olhos enviam imagens cada vez mais diferentes ao cérebro, à medida que
os objetos se aproximam. O cérebro interpreta o grau de disparidade com indicação da dis
tância até o espectador. Além disso, para os objetos vistos em lugares relativamente próxi
mos, o espectador usa as pistas de profundidade baseadas na convergência binocular. Na
convergência binocular, os dois olhos viram cada vez mais para dentro à medida que os obje
tos se aproximam. O cérebro interpreta esses movimentos musculares como indicações da
distância. A Figura 3.11 ilustra como esses dois processos funcionam. O cérebro contém
neurônios especializadosna percepção da profundidade, conhecidos, obviamente, como neu
rônios binoculares, que integram a informação que chega dos dois olhos para formar a
FIGURA 3.11
Visão
do olho
esquerdo
Visão
do olho
esquerdo
nn
Objeto distante
Visão
do olho
direito
(a) Disparidade binocular
Comandos musculares
(fortes)
Sinais neurais
(fortes)
Comandos musculares
(fracos)
Sinais neurais
II (fracos) II
longe
(b) Convergência binocular
(a) Disparidade binocular: quanto mais próximo umobjeto estiver do espectador, maior a disparidade das visões dele
percebidas pelos olhos, um de cada vez- Éfácil testar as perspectivas, colocando-se o dedo cerca de um centímetro e
meio daponta do próprio nariz- Olhe primeiro com um olho coberto, depois com o outro. Parece que o dedo pula para
frente e para trãs. Agora, façaa mesma coisa com um objeto que esteja a 3 metros de distância e, depois, a 30 me
tros. O pulo aparente, que indica a quantidade dedisparidade binocular, irá diminuir com a distância. O cérebro in
terpreta a informação com relação à disparidade como uma pista indicando disparidade, (b) Convergência binocular:
como os olhos estão situados em pontos diferentes da cabeça, quando se gira o olho deforma que uma imagem caia
diretamente na parte central do olho, na qual se tem maior acuidade visual, cada olho deve virar umpouco para den
tro para registrar essa mesma imagem. Quanto mais próximo o objeto quese está tentando ver, mais osolhos devem
se voltar para dentro. Os músculos enviam mensagens ao cérebro com relação aograu em que osolhos estão se vol
tando para dentro, e essas mensagens são interpretadas como pistas indicando profundidade.
78 Psicologia Cognitiva
informação sobre profundidade. Os neurônios binoculares são encontrados no córtex visual
(Parker, 2007).
A percepção de profundidade depende mais do que apenas a distância ou a profundidade
na qual o objeto está localizado em relação ao indivíduo. Proffitt et ai. (2003, 2006) relata-
ram que a distância percebida para um alvo é influenciada pelo esforço necessário para cami
nhar até o local do alvo, e que a distância percebida da localização de um alvo é maior para
pessoas carregando uma mochila pesada do que para aquelas que não carregam esse peso. Em
outras palavras, pode haver uma interação entre o resultado perceptual e o esforço percebido
exigido para chegar até o objeto percebido (ver também Wilt, Proffitt, Epstein, 2004).
Quanto maior o esforço de uma pessoa para alcançar algo, mais distante ele parece estar.
O papel do esforço não é limitado ao caminhar na direção de algo. Quando jogam bem,
os tenistas relatam que a bola de tênis parece relativamente grande. Da mesma forma, para
os jogadores de golfe, o suporte da bola sempre parece maior do que é (Wilt, Proffitt, 2005).
Em ambos, as percepções são, em parte, uma função da qualidade do desempenho. Esse fe
nômeno foi confirmado por investigadores (Wilt, Proffitt, 2005), que constataram que os
bons rebatedores (de beisebol) que acertam suas tacadas percebem a bola maior do que
aqueles que rebatem não tão bem.
A percepção da profundidade é um bom exemplo de como as pistas facilitam a percep
ção. Não há algo intrínseco a respeito do tamanho relativo para indicar que um objeto que
parece menor esteja mais distante. Ao contrário, o cérebro utiliza essa informação contex-
tual para concluir que o objeto menor está mais distante.
Abordagens para Percepção de Objetos e Formas
Abordagens centradas no Observador versus Abordagens
Centradas no Objeto
Nesse momento, estou olhando para o computador no qual digito este texto. Eu descrevo o
que vejo como uma representação mental. Que forma assume essa representação mental?
Há duas posições comuns para responder a essa pergunta.
Atores e modelos costumam utilizar-se dessas pistas de percepção de pro
fundidade em seu benefício enquanto são fotografados. Por exemplo, algu
mas pessoas só se deixam ser fotografadas em determinados ângulos
ou posições. Um nariz longo pode parecer mais curto se fotografado de
uma posição um pouco abaixo da linha central do rosto (algumas fotos de
Barbara Streisand de ângulos diferentes, por exemplo), porque a ponta do
nariz recua um pouco à distância. Além disso, inclinar-se um pouco para
frente pode fazer com que a parte superior do corpo pareça um pouco
maior do que a inferior e vice-versa, ao inclinar-se um pouco para trás. Em
fotos de grupo, ficar um pouco atrás de outra pessoa faz com que o indi
víduo pareça menor, e ficar um pouco à frente faz com que ele pareça
maior. Os estilistas de moda que fazem trajes de banho femininos criam
peças com ilusões de ótica para ressaltar partes do corpo, fazendo com
que as pernas pareçam mais longas, a cintura menor, aumentando ou
diminuindo a linha do busto. Alguns desses processos para alteração da
percepção são tão básicos que muitos animais possuem adaptações espe
ciais para fazer com que pareçam maiores (por exemplo, o rabo do pavão
aberto em leque) ou para disfarçar suas identidades dos predadores. Pense
um pouco em como aplicar os processos perceptuais em seu benefício.
APLICAÇÕES
PRÁTICAS DA
PSICOLOGIA
COGNITIVA
Capítulo 3 • Percepção 79
Uma delas, a da representação centrada no observador, diz que o indivíduo armazena
a forma como o objeto lhe parece. Sendo assim, o que importa é a aparência do objeto ao
observador, e não sua estrutura real. A segunda posição, a representação centrada no ob
jeto, diz que o indivíduo armazena uma representação do objeto, independentemente de sua
aparência ao observador. A semelhança fundamental entre essas duas posições é que ambas
podem explicar como o indivíduo representa um detetminado objeto e suas partes. A dife
rença fundamental está em representar um objeto e suas partes em relação ao próprio indi
víduo (centrado no observador) ou em relação à totalidade do objeto propriamente dito,
independentemente da própria posição do indivíduo (centrado no objeto).
Consideremos, por exemplo, o meu computador. Ele tem diferentes partes: um monitor,
um teclado, um mouse e assim por diante. Suponha que eu represente o computador em ter
mos da representação centrada no observador, de maneira que suas partes sejam armazena
das em termos de sua relação à minha pessoa. Vejo a tela diante de mim, em um ângulo de,
digamos, 20 graus. Vejo o teclado de frente para mim, na horizontal. Vejo o mouse diante
de mim, à direita. Supondo que, em vez disso, use uma representação centrada no objeto,
assim, veria a tela do monitor em um ângulo de 70 graus em relação ao teclado e o mouse
estaria diretamente do lado direito do teclado, nem na frente nem atrás dele.
Uma possibilidade de conciliação dessas duas abordagens de representação mental
sugere que as pessoas podem usar os dois tipos de representações. De acordo com esta abor
dagem, o reconhecimento de objetos ocorre em um contínuo (Burgund, Marsolek, 2000;
Tarr, 2000; Tarr, Bülthoff, 1995). Em um extremo desse contínuo, estão os mecanismos cog
nitivos que são mais centrados no observador. No outro, estão os mecanismos cognitivos
mais centrados no objeto. Por exemplo, suponha que você veja a imagem de um carro de
forma invertida. Como saber que é um carro? Os mecanismos centrados no objeto iriam re
conhecer o objeto como um carro, porém os mecanismos centrados no observador reconhe
ceriam o carro estando invertido. Geralmente, a decomposição de objetos em partes é útil
para reconhecer as diferenças entre um Mercedes e um Hyundai, mas podem não ser tão
úteis para reconhecer que as duas visões diferentes de um Mercedes são visões do mesmo
carro. Nesse caso, a percepção centrada no observador pode ser mais importante.
Uma terceira orientação é a representação centrada em um marco. Na representação
centrada em um marco, a informação é caracterizada por sua relação com um item proemi
nente bem conhecido. Imagine-se visitando uma cidade nova. Todos os dias, você sai do
hotel e faz pequenos passeios. E fácil imaginar que você iria representar a área a ser explo
rada em relação ao seu hotel. De volta ao exemplo do computadot, na representação cen
trada em um marco, a escrivaninha pode ser descrita em termos de um monitor de
computador. Por exemplo, o teclado está na frente do monitor e o mouse situado do lado
direito do monitor.
As evidências indicam que, em laboratório, os participantes podem alterar entre as três
estratégias. Todavia, há diferença na ativação cerebral nessas três estratégias (Committeri
et aí., 2004).
A Abordagem Gestaltista
A percepção faz muito mais para o ser humano do que manter a constância na profundidade
do tamanho e da forma. Ela organiza objetos em uma disposição visual em grupos coerentes.
Kurt Koffka (1886-1941), Wolfgang Kõhler (1887-1968) e Max Wertheimer (1880-1943)
instituíram a abordagem gestaltista de configuração perceptiva, com base na idéia de que
o todo é diferente da soma de suas partes individuais (ver o Capítulo 1). A abordagem
gestaltista provou ser especialmente útil para o entendimento de como se percebem grupos
de objetos ou mesmo partes deles para formar todos integrais (Palmer, 1999a, 1999b, 2000;
Palmer, Rock, 1994; Prinzmetal, 1995). De acordo com a Lei de Prágnanz (pregnância
perceptiva) da Psicologia da Gestalt, a tendência é perceber qualquer disposição visual de
forma a organizar do modo mais simples possível os elementos díspares em uma forma
80 Psicologia Cognitiva
coerente e estável. Dessa maneira, não se experimenta simplesmente uma mistura de sensa
ções ininteligíveis e desorganizadas. Por exemplo, tende-se a perceber a figura focai e outras
sensações à medida que formam o fundo para a imagem sobre a qual se vai focalizar.
Pense no que acontece quando se entra em um recinto conhecido. Percebe-se que al
gumas coisas se sobressaem (ex.: os rostos nas fotografias ou quadros). Outras coisas somem
ao fundo (ex.: paredes e pisos sem decoração). A figura é qualquer objeto que se percebe
como importante e é quase sempre percebida em contraste com algum tipo de fundo
recuado ou não ressaltado. A Figura 3.12 a ilustra o conceito de figura-fundo —que se so
bressai versus aquilo que recua no fundo. Provavelmente, o leitor irá perceber a maneira em
que a palavra figure está escrita; percebe-se essa palavra como a figura contra o fundo mais
escuro que envolve as letras da palavra ground (fundo). Da mesma forma, a Figura 3.12 b
mostra um vaso branco contra um fundo preto ou as silhuetas de dois rostos olhando uma
paraoutracontra um fundo branco. Épraticamente impossível veros dois conjuntos de ob
jetos simultaneamente. Embora se possa alternar rapidamente entre os rostos e o vaso, eles
não podem ser vistos ao mesmo tempo.
Uma das razões sugeridaspara que a figura faça algum sentido é que ambas estão de acordo
com o princípio da simetria da Psicologia da Gestalt. A simetria requer que as figuras tenham
FIGURA 3.12
(a)
(b)
Nessas duas imagens daGestalt (aeb), descubra o que éfigura e o que é fundo. (Fotob: Cortesia deKaiser Porcelain, Ltd.)
Capítulo 3 • Percepção 81
proporções equilibradas em torno de umeixo ou ponto central. O Quadro3.3 e a Figura 3.13
resumem alguns dosprincípios gestaltistas da percepção da forma. São eles: a percepção de fi-
gura-fundo, a proximidade, a semelhança, a continuidade, o fechamento e a simetria. Cada
um desses princípios sustenta a abrangente Lei de Prãgnanz (pregnância perceptiva) e, dessa
maneira, cada um deles ilustra a tendência a perceber configurações visuais de modo a orga
nizar, de modo mais simples possível, oselementos díspares em umaforma estável e coerente.
Por um momento, paree olhe parao ambiente à suavolta. Você perceberá umaconfiguração
coerente, completa e contínua de figuras e fundo, mas não perceberá furos nosobjetos onde
o livro os tapa, isto é, bloqueia sua visão. Se o livro obscurece parte do canto da mesa, ainda
assim, você irá perceber a mesa como uma entidade contínua e não interrompida. Ao olhar
para o ambiente, a tendência é perceber agrupamentos. Veem-se agrupamentos de objetos
próximos (proximidade) ou de objetos parecidos (semelhança). Veem-se também grupos de
objetos completos em vez de parciais (fechamento), linhascontínuasao invés de interrompi
das (continuidade), bem como padrões simétricos em lugarde assimétricos.
As pessoas tendem a usarosprincípios gestaltistas mesmo quandoconfrontadas com no
vos estímulos. Palmer (1977) mostrou
a participantes formas geométricas novas que serviam
como alvos. Em seguida, mostrou-lhes fragmentos das formas. Os participantes precisavam
QUADRO 3.3 1 Princípios de Percepção Visual da Psicologia da Gestalt
Os princípios gestaltistas de proximidade, semelhança, continuidade, fechamento e
simetria ajudam na percepção das formas.
Princípios da
Gestalt
Princípio Figura Ilustrando o Princípio
Figura-fundo Quando se percebe um campo visual,
alguns objetos (figuras) parecem desta
car-se e outros aspectos do campo re
cuam no fundo
A Figura 3.12 apresenta um vasode fi
gura-fundo, na qual um modo de perce
ber destaca a perspectiva ou um objeto,
enquanto o outro modo destaca outro
objeto, relegando o primeiro plano an
terior ao fundo
Proximidade Quando se percebe uma variedade de
objetos, tende-se a ver os que estão pró
ximos como um grupo.
Na Figura 3.13 (a), a tendência é en
xergar os quatro círculos no centro,
como dois pares de círculos
Semelhança A tendência é agrupar objetos com base
em sua semelhança
Na Figura 3.13 (b) tende-se a ver quatro
colunas de x e o, e não quatro linhas de
letras alternadas
Continuidade A tendência é perceber formas que
fluem de modo regular ou contínuo ao
invés de formas interrompidas ou não
contínuas
A Figura 3.13 (c) apresenta duas curvas
fragmentadas que se cruzam, que são
percebidas como duas curvas regulares,
ao invés de curvas interrompidas
Fechamento Tende-se a fechar ou completar objetos
que, na realidade, não são completos
A Figura 3.13 (d) apresenta apenas
segmentos de linha desarticulados,
misturados, que o observador fecha para
enxergar um triângulo e um círculo
Simetria Tende-se a perceber objetos como se
formassem imagens de espelho ao redor
do próprio centro
Por exemplo, quando se vê a Figura
3.13 íe) uma configuração de parênte
ses, colchetes e chaves, a variedade se
enxerga formandoquatro conjuntos de
sinais, ao invés de oito itens individuais,
porque se integram os elementos simé
tricos em objetos coerentes
82 Psicologia Cognitiva
FIGURA 3.13
{©HSGCtEEESiffi)
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Osprincípios de percepção da forma da Psicologia da Gestalt incluem a percepção da figura-fundo, (a) proximidade,
(b) semefnança, (c) continuidade, (d)fechamento e (e) simetria. Todos esses princípios demonstram a íei/unaamen-
tal da Lei de Prügnanz (pregnância perceptiva), a qual sugere que, por meio da percepção, unificam'Se estímulos vi
suais díspares em um todo coerente e estável.
reconhecer os fragmentos como partes do alvo original, caso não estivessem em conformi
dade com os princípios gestaltistas. Por exemplo, um triângulo apresenta fechamento e foi
reconhecido com mais rapidez como parteda nova figura original do quecomo três segmen
tos comparáveis ao triângulo, porém não estavam fechados e, portanto, em desacordo com
os princípios gestaltistas. Em suma, parece que se usam os princípios da Psicologia da Gestalt
na percepção cotidiana, sejam ou não conhecidas as figuras às quais são aplicados.
Os princípios gestaltistas de percepção da forma são muito simples e, no entanto, ca
racterizam grande parte da organização perceptual humana (Palmer, 1992). Os princípios
da Gestalt oferecem valiosos insights sobrea percepção da forma e de padrões, porém pouca
ou quasenenhuma explicação sobre esses fenômenos. Paramelhor entender comoe por que
se percebem formas e padrões, é preciso examinar as teorias explanatórias da percepção.
Sistemas de Reconhecimento de Padrões
Como reconhecer padrões? Por exemplo, como reconhecer fisionomias? Uma das propostas
é que os seres humanos têm dois sistemas de reconhecimento de padrões (Farah, 1992,
1995; Farah et ai, 1998). O primeiro sistema é especializado no reconhecimento de partes
de objetos e na montagem dessas partes em todos distintos. Por exemplo, quando, durante
uma aula de biologia, um aluno observa os elementos de uma tulipa - a haste, o pistilo e
assim por diante -, ele está olhando a flor por meio desse primeiro sistema. O segundo sis
tema é especializado no reconhecimento de configurações maiores e não está equipado
adequadamente para analisar as partes dos objetos ou sua construção, mas é bemequipado o
bastante para reconhecer configurações. Por exemplo, ao olhar para uma tulipa no jardim
e admirarsua beleza e forma específicas, o indivíduo estará olhando para a flor por meio do
segundo sistema.
O segundo sistema, muitas vezes, é o mais importante para o reconhecimento de fisio
nomias. Assim, ao olhar para um amigo que você vê todos os dias, irá reconhecê-lo usando
o sistema configuracional. O ser humano é tão dependente nesse sistema do dia-a-dia que
Capítulo 3 * Percepção 83
pode sequer perceber quando ocorre alguma mudança na aparência dessa pessoa, como o
comprimento do cabelo ou os óculos novos. Todavia, o primeiro sistema também pode ser
usado para o reconhecimento de fisionomias. Suponha que você vê alguém cujo rosto lhe é
vagamente familiar, mas não tem certeza de quem possa ser. Você começa analisando as ca
racterísticas e depois se dá conta de que é um amigo que você não vê há dez anos. Nesse
caso, você conseguiu fazer o reconhecimento facial apenas após ter analisado o rosto por
meio de seus traços fisionômicos. No fim das contas, tanto a análise configuracional como
a de traços serve para auxiliar a fazer difíceis reconhecimentos e discriminações.
O reconhecimento de fisionomia ocorre, ao menos em parte, no giro fusiforme do lobo
temporal (Gauthier et ai., 2003; Kanwisher, McDermott, Chun, 1997; Tarr, Cheng, 2003).
Existem boas evidências de que há algo especial a respeito do reconhecimento fisionômico,
até mesmo na mais tenra idade. Por exemplo, os bebês conseguem identificar os movimentos
de uma foto com um rosto humano mais rapidamente do que identificam os movimentos de
estímulos de complexidade semelhante que não sejam fisionomias (Farah, 2000a). Em um es
tudo, foram exibidos aos participantes desenhos de dois tipos de objetos: fisionomias e casas
(Farah etai., 1998). Em todos os casos, o rosto fazia par com o nome da pessoa cuja fisiono
mia estava sendo representada e a casa fazia par com o nome do dono da casa, e, para cada
bateria de teste, havia seis pares. Depois de estudarem os seis pares, os participantes tinham
que reconhecer partes de cada uma das fisionomias ou das casas, ou, ainda, reconhecer as fi
sionomias ou casascomo um todo. Por exemplo, eles podiam ver apenas um nariz ou uma ore
lha, ou apenas uma janela ou porta de entrada. Ou então, veriam um rosto inteiro ou uma
casa inteira. Se o reconhecimento de fisionomia é, de alguma forma, especial e, principal
mente, dependente do segundo, o sistema configuracional, então, as pessoas deveriam ter mais
dificuldade em reconhecer partes dos rostos do que partes das casas.
As pessoasnormalmente têm mais facilidade em reconhecer casas, sejam estas apresen
tadas em partes ou inteiras, porém, mais importante ainda, as pessoas têm relativamente
mais dificuldade em reconhecer partes dos rostos do que em reconhecer rostos inteiros. Por
outro lado, seu desempenho foi quase igual para reconhecer partes de casas ou casas intei
ras. Assim sendo, o reconhecimento de fisionomias parece ser especial e, provavelmente,
depende, em especial, do sistema configuracional.
Um exemplo interessante de efeito configuracional em reconhecimento de fisionomias
ocorre quando as pessoas fixam o olhar em rostos distotcidos. Ao olhar fixamente por algum
tempo para um rosto distorcido (Figura 3.14) e, em seguida, fixar o olhar em um rosto nor
mal, o rosto normal vai parecerdistorcidona direçãooposta. Por exemplo, ao olhar fixamente
para um rosto em que os olhos estão muito próximos um do outro, ao olhar para um rosto nor
mal, os olhos parecerão muito distantes um do outro (Leopold et ai., 2001; Webster et ai.,
2004; Zhao, Chubb, 2001). O conhecimento de fisionomias
normalmente informa o que é
FIGURA 3.14
Rosto normai (centro) e rostos distorcidos.
84 Psicologia Cognitiva
NO LABORATÓRIO DE STEPHEN PALMER
Um assunto importante,
| mas muito ignoradono es-
| tudo da Psicologia Cogni-
s tiva é a estética: a dimensão
o psicológica ancorada na
5 extremidade positiva, pe-
(3 Ia experiência da beleza e
do sublime e na extremi
dade negativa, pela feiúra. Pode-se supor que a
estética só é de interesse para as pessoas que
apreciam as artes (pintura, música,dança etc),
mas ela permeia a vida de todas as pessoas.
Escolher roupas, filmes que irão assistir ou
móveis novos, ou o lugar para as próximas fé
rias e até mesmo escolher outras pessoas- tudo
isso é fortemente influenciado pelas reações
estéticas a essas escolhas.
Recentemente, em meu laboratório, iniciei
um estudo científico da estética visual. Ao
examinar a estética da composição espacial,
por exemplo, mostramos aos participantes
duas figuras que se diferenciam apenas na lo
calização de um único objeto dentro de uma
moldura retangular e, em seguida, pedimos
que nos dissessemqual figura eles preferem em
termos de estética. A Figura a mostra esses três
pares de figuras descrevendo um lobo sobre
um fundo liso. (Antes de continuar a leitura,
(a)
veja qual dos pares lhe parece mais agradável
esteticamente). Registramos as opções das
pessoas para todos os pares de posições e para
qual direção o lobo está olhando. Em seguida,
computámos a quantidade de vezes que cada
posição e cada direção foram escolhidas em
comparação com todas as outras.
O padrão de resultados que encontramos
está na figura b, marcando curvas separadas
para os objetos voltados para a esquerda
e para a direita. Ela mostra três efeitos impor
tantes: uma forte predisposição para o centro,
uma forte predisposição para dentro e uma pre
disposição para a direita mais fraca. A predispo
sição para o centro refere-se à preferência pelo
objeto que fique no centro ou perto do centro
do quadro e se reflete no gráfico pelo fato de
que as duas curvas são geralmente mais altas
perto da posição central do que perto das la
terais do quadro. Esta é a razão pela qual o
leitor provavelmente preferiu a figura da es
querda do par superior da Figura a. A predis
posição para dentro refere-se ao fato de que as
pessoas normalmente preferem um objeto
direcionado com o rosto na direção de den
tro do quadro, ao invés de fora dele, e isso se
reflete no gráfico pela assimetria das cutvas
indo para a direita e para a esquerda. Caso o
objeto não esteja centralizado para o lado es
querdo do quadro, as pessoas vão preferir o
objeto do lado direito do quadro. Contudo, se
estiver descentralizado do lado direito do qua
dro, as pessoas vão preferir o objeto voltado
para a esquerda. Por esse motivo, o leitor pro
vavelmente escolheu a figura direita do par
central da figura a como a mais agradável,
uma vez que ambas estão descentralizadas,
mas os lobos olham para dentro, do lado di
reito do quadro, e para fora, do lado es
querdo. A predisposição para a direita refere-se
ao fato de que as pessoas geralmente prefe
rem um objeto direcionado olhando para a
direita do que para a esquerda, e está refletido
no gráfico pelo fato de que a curva para os
objetos olhando para a direita é ligeiramente
mais alta do que a curva para os objetos
olhando para a esquerda. Essa diferença é
mais acentuada na posição central. Provavel
mente, esse é o motivo pelo qual o leitor es
colheu a figura esquerda no par inferior da
Capítulo 3 • Percepção 85
NO LABORATÓRIO DE STEPHEN PALMER (continuação)
Esquerda
(b)
Centro
Posição no quadro
Direita
Figura a; ambas estão localizadas no mesmo
ponto do quadro, porém o lobo olha para o
lado direito do quadro.
As propensões do centro, de dentro e de fora
também ficaram evidentes quando demos aos
participantes uma câmera fotográfica e um
conjunto de objetos e pedimos que tirassem
a foto mais esteticamente agradável possível,
na opinião deles. Caso decidissem colocar um
objeto olhando para a direita fora do centro
do quadro, por exemplo, eles quase sempre
posicionavam o objeto do lado esquerdo do
quadro maisdo que do lado direito. Vimos que
as mesmas propensões estavam presentes
quando demos aos participantes uma tela de
computador na qual eles poderiam controlar a
posição do objeto e pedimos que o colocassem
na posição esteticamente mais agradável.
Estamos agora examinando as opções de emol-
duramento de fotógrafos e pintores pela medi
ção da posição e direção das figuras com um
único objeto focai cm fotos e pinturas reais
obtidas nos bancos de dados da internet.
Também estamos estudando as preferências
para a posição vertical e para o tamanho dos
objetos em quadros com um único objeto fo
cai. Tão logo esse estudo termine, daremos
início a um estudo sobre questões muito mais
complexas em termos de composição, ques
tões essas que surgem quando dois objetos ou
mais são descritos na mesma ilustração. O
ponto mais importante de nossos resultados
até o momento é que as preferências estéticas
podem ser estudadas cientificamente. A be
leza, sem dúvida, está nos olhos de quem a
vê, conforme o antigo ditado, mas enquanto
cientistas cognitivos podemos entender a
percepção de beleza do mesmo modo que
qualquer outro fenômeno perceptivo, ou
seja, ao isolar as variáveis importantes e de
terminar de que modo elas se combinam na
mente do espectador.
86 Psicologia Cognitiva
um rosto normal e o que é um rosto distorcido, mas, nesse caso, o conhecimento é anulado
pelo fato de o espectador ter se acostumado ao tosto distorcido.
O processamento cognitivo de fisionomias e a emoção do rosto podem interagir. Na rea
lidade, existem evidências do efeito de "positividade fisionômica" relacionado à idade.
Nesse estudo, adultos mais velhos demonstraram preferência em olhar para rostos alegres e
distantes do que pata tostos tristes ou zangados (Isaacowitz et ai., 2006a, 2006b). Além
disso, tostos alegres são considetados mais familiares do que rostos neutros ou negativos
(Lander, Metcalfe, 2007).
Há provas também de que a emoção aumenta a ativação dentro do giro fusiforme
quando as pessoas estão processando fisionomias. Durante um estudo, os participantes tive
ram que olhar para um rosto e dat um nome a essa pessoa ou dat um nome à expressão desse
rosto. Ao serem solicitados a dar nome à expressão, os participantes apresentaram um au
mento na ativação do giro fusiforme em comparação a dar nome à pessoa {Ganel et ai.,
2005). Exames em pacientes com autismo também oferecem mais evidências para o proces
samento da emoção dentto do giro fusiforme. Estes pacientes apresentam deficiência no re
conhecimento emocional. O escaneamento de cérebro de pessoas com autismo revela que
o giro fusiforme é menos ativo do que em pessoas que não apresentam essa síndrome.
Pacientes com autismo conseguem aprender a identificar as emoções por meio de um
processo muito penoso. Contudo, esse tteino não petmite que a identificação da emoção
torne-se um processo automático nessa população nem aumenta a ativação no giro fusi
forme (Bolte et ai, 2006; Hall, Szechtman, Nahmias, 2003).
Em outro estudo, os participantes olharam tanto para casas como para rostos. O giro fu
siforme era ativado quando as pessoas olhavam para os rostos, mas não quando olhavam
para as casas. Assim, no que se refere a rostos, parece haver uma localização de percepção
genuína nessa área ao contrário do que para outros objetos que talvez fossem percebidos
(Yovel, Kanwisher, 2004).
Nem todos os pesquisadores concordam que o giro fusiforme seja especializado para
a percepção de fisionomia em oposição às outras formas de percepção. Outro ponto de
vista é que esta é uma área de maior ativação na petcepção de rostos, mas com ativação de
outras áreas também, embora em níveis inferiores. Da mesma forma, estas —ou quaisquet ou
tras áreas do cérebro
que reagem maximamente às fisionomias ou qualquer outra coisa,
ainda podem apresentar alguma ativação enquanto percebem outros objetos. De acordo
com essa visão, as áreas do cérebro não são "tudo-ou-nada" naquilo que percebem, mas,
ao contrário, podem ser ativadas difetencialmente - em níveis maiores ou menores, de
pendendo do que é percebido (Haxby et ai., 2001; Haxby, Gobbini, Montgomery, 2004;
OTooleetaI.,2005).
Outra teotia telativa à função do giro fusiforme tem o nome de hipótese da individua-
ção especializada, a qual diz que o giro fusiforme é ativado quando alguém examina itens com
os quais tenha uma habilidade visual. Por exemplo, um especialista em pássatos que passa
muito tempo estudando as aves. Espera-se que ele seja capaz de diferenciá-las em meio às se
melhantes e que tenha bastante prática nessa tarefa de diferenciação. Como conseqüência,
se cinco rouxinóis (tordos) lhe forem apresentados, ele seria capaz de facilmente diferenciá-
los. Contudo, um indivíduo sem essa habilidade provavelmente não conseguiria diferenciar
os mesmos pássaros. Caso o cérebro dessa pessoaseja escaneado durante essa atividade, a ati
vação do giro fusiforme - especificamente o direito - seria vista. Essaativação é vista em pes
soas especialistas em carros e pássaros. Até mesmo quando se ensinam pessoas a diferenciar
as várias figurasabstratas semelhantes, a ativação do giro fusiforme é notada (Gauthier et ai.,
1999, 2000; Rhodes et ai., 2004; Xu, 2005). Essa é a teotia que sustenta a ativação do giro
fusiforme quando as pessoas visualizam faces, por que, na realidade, o ser humano é um ex-
pert no exame de fisionomias.
A prosopagnosia - a incapacidade de reconhecer rostos - implicatia em algum tipo
de dano no sistema configuracional. Contudo, outras disfunções, como a dificuldade precoce
Capítulo3 • Percepção 87
de leitura, na qual o leitor iniciante tem dificuldade pata teconhecer os traços que com
preendem palavras únicas, podem advir de danos ao primeiro sistema, baseado em elemen
tos. Além disso, o processamento pode passai de um sistema pata outro. Um leitor típico
pode aprender a aparência das palavras por meio do primeiro sistema - elemento por ele
mento - e, depois, vir a reconhecer as palavras como todos integrados. Na vetdade, algu
mas deficiências de leitura podem surgir da incapacidade do segundo sistema de assumir a
tarefa do primeiro.
Abordagens Teóricas da Percepção
Existem diversas abordagens teóricas da percepção.
Percepção Direta
Como o indivíduo reconhece a letra A quando a vê? Fácil de perguntat, difícil de responder.
Claro, a letra é um A porque se parece com um A, mas o que faz com que ela se pareça com
um A e não com um H? A dificuldade em responder a essa pergunta fica clara quando se
olha para a Figura 3.15. E provável que o leitor veja a imagem da Figura 3.15 como as pa
lavras em inglês"THE CAT", porém o "H" da palavra "THE" é idêntico ao "A" da palavra
"CAT". Aquilo que subjetivamente parece ser um processo simples de reconhecimento
de padrões, é quase certamente muito complexo. Como se faz a ligação daquilo que se per
cebe com aquilo que está atmazenado na mente? Os psicólogos da Gestalt se referem a esse
problema como a Função Hoffding (Kóhler, 1940), uma referência ao psicólogo dinamarquês
do século XIX Harald Hoffding, que questionou se a percepção pode ser reduzida a uma
simples associação do que é visto ao que é lembtado. James J. Gibson (1904-1980), in
fluente e polêmico teórico, também questionou o associacionismo.
De acordo com a teoria da percepção direta de Gibson, o conjunto de informações nos
receptores sensoriais, inclusive o contexto sensorial, é tudo de que o homem necessita para
perceber qualquer coisa, ou seja, o ser humano não necessita de processos cognitivos supe
riores ou qualquer outra coisa para mediar as experiências sensoriais e as percepções. As
crençasexistentes ou osprocessos de pensamentos de inferências de níveiselevados não são
necessários à percepção.
Gibson acreditava que, no mundo real, as informaçõescontextuais suficientes, com o pas
sar do tempo, geralmente existem para que julgamentos perceptuais sejam feitos. Ele afirma
FIGURA 3.15
Ao ler essas palavras, o leitor provavelmente nao terá dificuldade para diferenciar o "A" do "H". Olhando mais de
perto cada uma das letras, quais características as diferenciam?
88 Psicologia Cognitiva
que o ser humano não precisa apelar para os processos intelectuais de alto nível para explicar
a percepção. Gibson (1979) acreditou que as pessoas usam essa informação contextual dire
tamente. Emessência, o homem é biologicamente regulado para reagir a ela e, ainda segundo
sua teoria, muitas vezes, se observam pistas de profundidade como gradientes de textura. Tais
pistas ajudam a perceber diretamente a proximidade relativa ou a distância de objetos e par
tes de objetos. Com base nas análises de telações estáveis entre caractetísticas de objetos e
ambientes de mundo real, se percebe diretamente o ambiente (Gibson, 1950, 1954/1994;
Mace, 1986). Não há necessidade de ajuda dos processos complexos de pensamento.
Essas informações contextuais podem não ser prontamente controladas em um experi
mento de laboratório; porém, é provável que estejam disponíveis no mundo real. O modelo
de Gibson é chamado, às vezes, de modelo ecológico (Turvey, 2003), em razão de sua preo
cupação com a percepção, em como acontece no dia-a-dia (o ambiente ecológico) ao invés
das situações de laboratório, onde a disponibilidade de informação contextual é menor. As
limitações ecológicas aplicam-se não apenas às percepções iniciais como também às repre
sentações internas finais (como conceitos), que são formados a partir dessas percepções
(Hubbard, 1995; Shepard, 1984)- Outra pesquisadora que deu continuidade à teoria gibso-
niana foi Eleanor Gibson (1991, 1992), que conduziu pesquisas de referência sobre a per
cepção em bebês. Elaobservou que os bebês~ que certamente carecem de muita informação
e experiência prévios - desenvolvem rapidamente muitos aspectos da consciência percep
tiva, inclusive a percepção de profundidade.
Teorias Ascendentes {Bottom-up) e Descendentes (Top-dov/n)
As teorias que começam com o processamento de características de nível elementat são
chamadas de teorias ascendentes {bottom-up), ou seja, são acionadas por dados (isto é, por
estímulos). Entretanto, nem todos os teóricos se detêm nos dados sensoriais do estímulo
perceptual e muitos preferem as teorias descendentes (top-dourn.), que são conduzidas por
processos cognitivos de nível elevado, pelo conhecimento existente e pelas expectativas
anteriores que influenciam a percepção (Clark, 2003). Essas teorias, então, operam consi
derando os dados sensoriais, como o estímulo perceptivo. As expectativas são importantes.
Sempre que as pessoas esperam para ver algo, elas o verão mesmo que isso não esteja ali no
momento ou já não exista. Pot exemplo, supondo que alguém espere ver uma determinada
pessoa em um determinado lugar. Esse indivíduo pode pensar que vê aquela pessoa,
mesmo que esteja vendo, na realidade, outra pessoa que apenas vagamente lembra aquela
outra (Simons, 1996). As abordagens descendente (top-down) e ascendente (bottom-up)
são aplicadas em praticamente todos os aspectos da cognição. Com telação à percepção,
existem duas teorias importantes que expressam as abordagens ascendente (bottom-up) e
descendente (top-down), mas que, de algum modo, podem lidar com diferentes aspectos do
mesmo fenômeno. Em última análise, uma teoria completa da percepção precisa compreen-
det tanto os processos ascendentes (bottom-up) como os descendentes (top-down).
Teorias Ascendentes [bottom-up)
As quatro teorias bottom-up mais importantes da petcepção da fotma e do padrão são: as
teorias do gabarito, as teorias do protótipo, as teotias das características e as teorias da des
crição estrutural.
Teorias do Padrão
Uma teoria afirma que todas as pessoas
possuem armazenada na mente uma enorme quanti
dade de padrões, que são modelos altamente elaborados para os moldes que as pessoaspode
rão reconhecer. Reconhece-se um molde pela comparação deste com o conjunto de padrões.
A seguir, escolhe-se o padrão certo, que combina perfeitamente com aquilo que se está
Capítulo 3 • Percepção 89
observando (Selfridge, Neisser, 1960). Vêm-se exemplos de combinações de padrões na
vida diária. As impressões digitais correspondem-se dessa maneira. As máquinas processam
rapidamente os números impressos nos cheques, comparando-os aos padrões (gabaritos).
Cada vez mais, produtos de todos os tipos são identificados por meio dos códigos universais
de produtos (CUPs ou "códigos de barra"), que podem ser lidos e identificados por compu
tadores no ato da compra. Jogadoresde xadrez - que conhecem muitas jogadas- utilizam-se
da estratégia de combinação de acotdo com a teoria do padrão para poderem se lembrar dos
jogos anteriores (Gobet, Jackson, 2002).
Em cada um dos exemplos citados, o objetivo de se encontrai uma cottespondência per
feita e desconsiderar as correspondências imperfeitas orienta a tarefa. Seria alarmante, pot
exemplo, descobrir que o sistema bancário de reconhecimento de números deixou de regis
trar um depósito em sua conta corrente. Isso pode acontecer porque o sistema do banco es
tava programado para aceitar um caractere ambíguo, segundo o que parecesse a melhor
possibilidade. Para a correspondência de padrões, apenas uma correspondência exata será
suficiente. E é exatamente isso o que se espera do computador do banco. Enttetanto, con
sideremos o sistema perceptivo agindo em situações cotidianas. Ele raramente funcionaria
caso se exigissem correspondências exatas para todos os estímulos a serem reconhecidos.
Imagine-se, por exemplo, precisar de padrões mentais para cada percepto possível do rosto
de alguémque se ama ou um para cada expressãofacial, ou cada ângulo de visão, cada pen
teado ou cada vez que se aplica ou temove maquiagem.
As letras do alfabeto são mais simples que as fisionomias e outros estímulos complexos.
De qualquer modo, as teorias de correspondênciade padrões (ou gabaritos) também não ex
plicam alguns aspectos da percepçãodas letras. Por exemplo, essas teoriasnão explicama per
cepção humana das letras e das palavras na Figura 3.15. É possível identificar duas letras
diferentes (Ae H) a partir de somente uma forma física. Hoffding (1891) observououtros pro
blemas. E possível se reconhecer um A como A independentemente das variações no tama
nho, na otientação e na forma nas quais a letra está escrita. Deve-se, então, acteditar que o
ser humano possui padrões mentais possíveis para cada tamanho, orientação e formade uma
letra? Armazenar, organizare recuperar tantos padrões na memória seria muito complicado.
Além disso, como se anteciparia ou se criaria tantos padtões para cada objeto de percepção
concebível (Figura 3.16)?
Teorias dos Protótipos
A complicação e a rigidez das teorias dos padrões rapidamente deram origem a uma expli
cação alternativa para a percepção de padrões: a teoria da correspondência de protótipos.
O protótipo é uma espécie de média de uma classe de objetos ou padrões relacionados que
integra todos os ttaços mais característicos (e mais freqüentemente observados) daquela
classe. Ou seja, o protótipo é altamente representativo de um padrão, mas não pretende
oferecer uma correspondência exata ou idêntica de qualquer padrão ou de outros padrões
que representa. Há uma grande quantidade de pesquisas que sustenta a abordagem de cor
respondência de protótipos (por exemplo, Franks, Bransford, 1971). O modelo de protótipo
parece explicar a percepção das configurações. Entre os exemplos estão um conjunto de
pontos, um triângulo, um diamante, uma letra F, um M ou até mesmo uma configuração
aleatória (Posner, Goldsmith, Welton, 1967; Posner, Keele, 1968) ou desenhos extrema
mente simplificados de fisionomias (Reed, 1972). Os protótipos incluem até mesmo feições
muito bem definidas criadas pela polícia, chamados de identikits, que são normalmente uti
lizados para a identificação de testemunhas (Solso, McCarthy, 1981; Figura3.17).
Surpreendentemente, parece que o ser humano é capaz de formar protótipos até mesmo
quando nunca tenha visto um exemplar que corresponda exatamente ao protótipo, ou seja,
os protótipos que o indivíduo forma parecem integrar todos os traços mais característicos de
um padrão. Isso ocorre mesmo quando nunca se tenha visto um único caso em que todas as
características típicas sejam integradas ao mesmo tempo (Neumann, 1977). Considere uma
90 Psicologia Cognitiva
FIGURA 3.16
A
61 1 46 9 228 92
7 6 11146' 922892
*
7 61 1 46 I 922892
a
7 6 1 146 I 922892
A correspondência depadrões irá distinguir entre diferentes códigos de barra, mas não entre diferentes versões da letra
"A" escritascomfontes diferentes.
ilustração dessa questão. Alguns pesquisadores geraram diversassériesde padrões, como os da
Figura 3.17 aec, baseados em um protótipo. Em seguida, mostraram aos participantes a série
de padrões gerados, contudo não apresentaram o protótipo no qual se baseavam os padrões.
Mais tarde, mostraram novamente a série de padrões gerados aos participantes e também ou
tros padrões, incluindo tanto os distratores como o padrão do protótipo. Nessas condições, os
participantes não apenas identificaram o padtão do protótipo como aquele que haviam visto
antes (por exemplo: Posner, Keele, 1968). Eles também ofeteceram avaliações particular
mente altas da própria segurança em ter visto o protótipo antes (Solso, McCarthy, 1981).
Teorias das Características
Outra explicação alternativa da percepção de formas e padrões são as teorias de correspon
dência de traços ou características. De acordo com essas teorias, o indivíduo tenta estabelecet
correspondência entre as caractetísticas de um padrão e aquelas armazenadas na memória,
ao invés de associar um padtão inteiro a um gabarito ou protótipo (Stankiewicz, 2003). Um
FIGURA 3.17
(a)
Padrão protótipo
•
• •
• •
• • • •
Triângulo
• •
• •
a • •
* M *
• • • •
• • •
•
• F
• •
•
• a
Aleatório
Distorções do triângulo
• • • •
• • • • • • •
• • •
Capítulo 3 • Percepção 91
100% 75% 50% 25% 75% 50% £5% 0%
Itens anugos Itens novos
Semelhança com o protótipo
(a) Essas configurações de pontos são semelhantes àquelas usadas cm experimentos por Michael l. Posner e seus cola
boradores. Michael L Posner, Ralph Goldsmith e Kennelh E. \velton, Jr. (1967), "Perceived Distance and the Cias-
sification ofDistorted Patterns", do Journal of Experimental Psychology, 73(1): 28-38. © 1967, American
Psychological Association. Reimpresso com permissão, (b) Esses desenhos altamente simpíi/icados de rostos humanos
são semelhantes aos usados por Stephen Reed. StephenK. Reed(l972), "Pattem Recognition and Categorization",
Cognitive Psychology, julho de 1972, 3(3): 382-407- Reimpresso com permissão de Elsevier, (c) Esses rostos são
semelhantes aos criados nos experimentos de Robert Solso eJohn McCarthy (1981). Robert Solso efudith McCarthy
(1981), "Prototype Formation ofFaces: A Case ofPseudomemory", British joumal ofPsychology, novembro de
1981, v. 72, n. 4, p. 499-503. Reimpresso com permissão da The British Psychobgical Society. (d) Esse gráfico ilus
tra asconclusões de Solso e McCarthy, indicando a freqüência do reconhecimento percebido decada rosto, inclusive o
reconhecimento deum rosto prototípico jamais visto pelos participantes do estudo.
desses modelos de correspondência de características é chamado de pandemônio, no qual
"demônios" metafóricos - com funções específicas - recebem e analisam as características
de um estímulo (Selfridge, 1959). A Figura 3.18 demonstra esse modelo.
O modelo de pandemônio deOliverSelfridge descreve "demônios da imagem", osquais
passam uma imagem retinal de "demônios
de características". Cada demônio de caracterís
tica manifesta-se quando há correspondência entre o estímulo e a característica oferecida.
Essas combinações são gritadas aos demônios no ptóximo nível dahierarquia, os "demônios
(pensamentos) cognitivos", que gritam possíveis padrões armazenados na memória associa
dos a uma ou mais características obsetvadas pelos demônios das características. Um "de
mônio da decisão" ouve o pandemônio de demônios cognitivos e decide qual foi visto, a
pattit de qual demônio cognitivo esteja gritando com mais freqüência (ou seja, qual deles
tem mais características cotrespondentes).
Embora o modelo de Selfridge seja umdos mais conhecidos, existem outras propostas de mo
delos e a maioria dos modelos de características não apenas distingue diferentes características
92 Psicologia Cognitiva
FIGURA 3.18
Demônio da imagem
(recebe dados sensoriais)
Demônios das características
(decodificam características
específicas)
H>
Linhas
1
2
3
4
verticais
O
° iO f
o
Linhas
horizontais
1 O
2 O —
3 O
4 O
Linhas
oblíquas
1 o
3 O \
4 O
Demônios cognitivos
("gritam" quando recebem
certas combinações de
características)
Demônio da decisão
("escuta" em busca
do grito mais alto no
pandemônio para
identificar os dados
recebidos)
Processament
de sinal iU>
Ângulos retos
1 n r
A x</
-O * "B" :: ,
3®
.E w'
=o
G*
=>
^ J -i
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^K V-
-L
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=> v
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—> U ,
^=JJ
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w
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\/, X
;z
H>
M>
r
4 O
Àng jIos
agudos
1 0 N
2 O V
3 0
4 O
Curvas
descontínuas
1 ©
2 O "}
3 O J
4 O
Curvas
contínuas
1 O
2 O
3 O
4 O
Segundo o modelo de correspondência de características deOliver Selfridge, o reconhecimento de padrões ocorre asso-
ciando-se as características observadas àquelas jáarmazenadas na memória. Reconhecem-se padrões para os quais se
encontram o maior númerode correspondências.
como também difetentes tipos de catactetísticas, como, por exemplo, globais versus locais. As
características locais constituem os aspectos pequenos ou detalhados de um determinado pa
drão. Não há consenso em relação a exatamente o que constitui uma característica local.
Mesmo assim, de um modo geral, é possível fazer a distinção dessas características das globais,
características essas que dão forma ao seu formato geral. Considerem-se, por exemplo, os estí
mulos descritos na Figura 3.19 a e b. Esses estímulos são do tipo usado em algumas pesquisas
sobre percepção de padrões (Navon, 1977). Em tetmos gerais, os estímulos nos painéis a e b
Capítulo 3 • Percepção 93
formam a letra H. No painel a, as características locais (Hs pequenos) correspondem às glo
bais. No painel b, que compreende muitas letras Ss locais, isso não acontece.
Em um estudo, os participantes identificaram o estímulo tanto em nível global como
em nível local (Navon, 1977). Vejam o que aconteceu quando as letras locais eram peque
nas e estavam perto umas das outras. Os participantes conseguitam identificar os estímulos
em nível global mais rapidamente do que em nível local. Além disso, quando solicitados a
identificar estímulos em nível global, não fez diferença se as características locais combina
vam com as globais, pois os participantes responderam mais rapidamente se as característi
cas globais concordavam com as locais. Em outras palavras, eles ficavam mais lentos se
tivessem que identificar os Ss locais combinados para formar um H global em vez de iden
tificar os Hs combinados para formar um H global. Este padtão de resultados é conhecido
como efeito de precedência global.
Em comparação, quando as letras estavam mais espaçadas, como nos painéis a e b da Fi
gura 3.20, o efeito era invertido. Nesse caso, surgia o efeito de precedência local, ou seja,
FIGURA 3.19
H H S S
H H S s
H H S s
H H S s
HH H HH H S S s s s s
H H S s
H H S s
H H S s
H H S s
(a) (b)
Compare o painel (a) (Hs globais feito deHs locais) com o painel (b) (Hs globais feitos deSs locais). Todas as letras
locais ficam bem juntas. D. Navon, "Forest Before Trees: ThePrecedence to Global Features in Visual Perception",
Cognitive Psychology, v. 9, n. 3, p. 353-382, julho de 1977. Reimpresso com permissão da Elsevier.
FIGURA 3.20
H H S S
H H S S
H H H s s s
H H s s
H
0)
H s
(b)
s
Compare ospainéis (a) e (b), nosquais as letras locais são bem espaçadas. Em qual figura (3.21 ou 3.22) observa-se
o efeito deprecedência global? Emque figura se observa o efeito de precedência local? D. Navon, "Forest Before Trees:
The Precedence to Global Features in Visual Perception", Cognitive Psychology, v. 9, n. 3, p. 353-382, julho de
1977. Reimpresso compermissão da Elsevier.
94 Psicologia Cognitivn
Z?L
hving Biederman é pro
fessorda William M.
Keck dadisciplina de
Neurociência Cognitiva
na Uràversity of Southern
Califórnia. Efamoso por
seu trabalho sobre visão
dealto nível e, especifi
camente, sobrereconhe
cimento deformas. Sua
teoria dos geons mostra
um modopossível paraque
várias imagens de objetos
sejamdecompostas em um
conjunto de unidades fun
damentais.
(Cortesiado />. írving
Biederman)
FIGURA 3.21
os participantes identificaram mais rapidamente as características lo
cais das letras individuais do que as globais e as características locais
interferiram no reconhecimento global nos casos de estímulos contra
ditórios (Martin, 1979). Outras limitações (por exemplo: o tamanho
dos estímulos) e outros tipos de características também influenciam
a percepção.
Um tipo de apoio às teorias das catactetísticas vem da pesquisa
neurológica e fisiológica. Os pesquisadores usam técnicas de registro
de atividade de célula isolada com animais (Hubel, Wiesel, 1963,
1968, 1979). Eles mediram cuidadosamente as tespostas de neurônios
individuais no córtex visual e, depois, mapearam esses neurônios para
combinar com estímulos visuais para determinados locais no campo
visual (ver Capítulo 2). Essa pesquisa mostrou que os neurônios es
pecíficos do córtex visual no cérebro respondem a diferentes estí
mulos aptesentados em regiões específicas da retina que correspondem
a esses neurônios. Cada neurônio cortical individual pode, pottanto,
ser mapeado em relação a um determinado campo receptivo na re
tina. Uma quantidade desproporcionalmente grande do córtex visual
é dedicada a neurônios mapeados para os campos receptivos da tegião
fóvea da retina.
A maioria das células no córtex não reage somente a pontos de
luz, mas a "segmentos de luz especificamente otientados" (Hubel,
Wiesel, 1979, p. 9). Além disso, essas células parecem mostrar uma
estrutura hierárquica no grau de complexidade dos estímulos aos
quais reagem de forma, mais ou menos, semelhante às idéias do mo
delo de pandemônio. Veja o que acontece à medida que o estímulo
avança pelo sistema visual em níveis mais elevados no cóttex. Em geral, o tamanho do
campo receptivo aumenta, assim como aumenta a complexidade do estímulo exigido para
desencadear uma reação imediata. Como prova dessa hierarquia, há dois tipos de neurônios
no córtex visual (Figura 3.21), células simples e células complexas (Hubel, Wiesel, 1979),
que, se acredita, sejam diferentes na complexidade da informação a respeito dos estímulos
que processam, e esta é uma teoria comprovadamente supersimplificada.
off on
Davíd Hubel e Torsten Wiesel descobriram queas células do córtex visual são ativadas apenas quando detectam a sen
sação desegmentos de linha dedirecionamentos específicos. In Search of the Human Minei, RobertJ. Stemberg,
©1995, Harcourt Brace and Company. Reproduzido com permissão doeditor.
Capitulo3 • Percepção 95
Com base no trabalho de Hubel e Wiesel, outros pesquisadores enconttaram detectores
de caractetísticas que respondem a cantos e ângulos (De Valois, De Valois, 1980; Shapley,
Lennie, 1985). Em algumas áreas do córtex, células
complexas altamente sofisticadas so
mente disparam maximamente em resposta a formas muito específicas, independentemente
do tamanho do estímulo ideal oferecido, como uma mão ou um rosto. A medida que o es
tímulo deixa de se assemelhar à forma ideal, essas células têm cada vez menos probabilida
des de disparar.
Sabe-se agora que isso é bem maiscomplicado do que Hubel e Wiesel imaginaram. Inú
meros tipos de células se ptestam a inúmeras funções, e estas células operam parcialmente
em paralelo, embora não se tenha consciência dessa operação. Por exemplo, notou-se que
a informação espacial a respeito da localização de objetos percebidos foi processada simul
taneamente com a informação a respeito de que modo os contornos dos objetos são inte
grados. Em tesumo, julgamentos muito complexos a respeito do que é percebido são
realizados em um estágio bem adiantado do processamento da informação, e também em
paralelo (Dakin, Hess, 1999).
Outro trabalho sobre percepção visual identificou vias neurais separadas no córtex ce
rebral para processar diferentes aspectos dos mesmos estímulos (De Yoe, Van Essen, 1988;
Kõhler etai., 1995). São chamadas vias "o quê" e "onde". A via "o quê" desce do córtex vi
sual ptimátio, no lobo occipital (ver o Capítulo 2), em direção aos lobos temporais, sendo
responsável sobretudo pelo processamento da cor, da forma e da identidade dos estímulos
visuais. A via "onde" sobe desde o lobo occipital até o parietal, sendo responsável pelo pro
cessamento de informações sobrelocalização e movimento. Assim, as informações sobreca
racterísticas alimentam pelo menos dois sistemas diferentes pata a identificação de objetos
e eventos no ambiente.
Uma vez qtie as características distintas tenham sido analisadas conforme suas posições,
como são integradas de forma que se possa reconhecer como objetos específicos?
Teoria da Descrição Estrutural
Considere-se uma forma pela qual se possam formar representações mentais estáveis de
objetos em 3-D, com base na manipulação de algumas formas geométricas simples (Bieder
man, 1987). Esse meio é um conjunto de geons em 3-D (para íons geométricos), que inclui
objetos como tijolos, cilindros, cunhas, cones e seus equivalentes em eixos curvos (Bieder
man, 1990/1993b, p. 314)- De acordo com a teoria do reconhecimento por componentes
de Biederman (RPC), é possível reconhecer rapidamente objetos obsetvando-se suas
cunhas para depois decompor os objetos em geons. Os geons também podem se recompor
em configurações alternativas. Sabe-se que um pequeno grupo de letras pode ser manipu
lado para compor inúmeras palavras e frases. Igualmente, um pequeno número de geons
pode ser usado para construir muitas formas básicas e, depois, em uma infinidadede objetos
básicos (Figura 3.22).
Os geons são simples e não variam conforme o ponto de vista, ou seja, os objetoscons-
ttuídos a partir de geons são facilmente reconhecidos de muitas perspectivas, independen
temente do ruído visual. Segundo Biederman (1993a), sua teoria RPC explica de forma
simples como se consegue reconhecer a classificação geral de tantos objetos de maneira rá
pida, automática e precisa. Esse reconhecimento ocorre apesar das mudanças no ponto de
vista, e até mesmo em muitas situações nas quais o objeto que estimula está deteriorado de
algum modo. A teoria RPC de Biederman explicacomo se reconhecemcadeiras, lâmpadas
e rostosde modo geral, mas não explica como reconhecer cadeirasou rostos específicos. Um
exemplo seria o próprio rosto ou o de um grande amigo.
96 Psicologia Cognitiva
FIGURA 3.22
,-(tr5>
(a)
Irving Biederman ampliou a teoria da associação de características ao propor um conjunto de componentes elementares
de padrões (a) que baseou emformas tridimensionais derivada de um cone (b).
O próprio Biederman reconheceu que alguns pontos de sua teoria requerem mais
pesquisa, como a maneira pela qual as relações entre as partes de um objeto podem ser
descritas (Biederman, 1990/1993b, p. 16). Outro problema com a abordagem de Bieder
man e também da abordagem ascendente (bottom-up), em geral, é como explicar os efei
tos das expectativas antetiotes e do contexto ambiental sobre alguns fenômenos da
percepção de padrões.
Abordagens Descendentes [Top-down)
Em contraste com a abordagem ascendente (bottom-up) está a abordagem descendente
(top-aWi) (Btuner, 1957; Gregory, 1980; Rock, 1983; von Helmholtz, 1909/1962). Na per
cepção construtiva, quem percebe constrói uma representação cognitiva (petcepção) do
Capítulo3 • Percepção 97
estímulo, usando informações sensoriais como base para a estru
tura, além de usar outras fontes de informação para construir a
percepção. Esse ponto de vista também é conhecido como percep
ção inteligente porque diz que o pensamento de ordem superior
cumpre um papel importante na petcepção. Além disso, dá ênfase
ao papel do aprendizado na percepção (Fahle, 2003). Alguns pes
quisadores apontam para o fato de que o mundo não apenas afeta a
percepção do indivíduo como também o mundo experimentado é,
na realidade, formado pela própria percepção (Goldstone, 2003).
Essas idéias retornam à filosofia de Immanuel Kant. Em outtas pa
lavras, a percepção é recíproca com o mundo que se experimenta,
afetando e sendo afetada por essa experiência.
Por exemplo, imagine-se dirigindo por uma estrada pela qual
nunca passou. Ao se aproximar de uma intersecção sem visibili
dade, vê um sinal octogonal vermelho, escrito em branco com as
letras "PA_E". Um galho de árvore grande demais encobre parte
do A e do E. E possível que, a partir da sua percepção, você cons
trua a sensação de uma placa de PARE. Dessa forma, sua reação
será certa. É assim que os consttutivistas sugerem que as percep
ções de constância de forma e tamanho indicam que os processos
construtivos de alto nível estão operantes dutante a percepção.
Outro tipo de constância perceptiva pode ser visto como uma ilus
tração da construção descendente (top-down) da percepção. Na
constância da cor, percebe-se que a cor de um objeto permanece a
mesma apesar das mudanças na iluminação, que alteram a tonalidade. Imagine que a ilumi
naçãofique tão fraca que assensações de cor sãoquase ausentes. Ainda assim, percebem-se
a banana como amarela, a ameixa como arroxeada e assim por diante.
De acordo com os consttutivistas, durante a percepção, formam-se rapidamente várias
hipóteses com relação aos perceptos, que são baseadosem três fatores. O primeiro é o que
se percebe pelos sentidos (dados sensoriais). O segundo é o que se conhece (conhecimento
armazenado na memória) e o terceiro é o que se pode inferir (usando-se os processos cog
nitivos de alto nível). Na percepção, consideram-se as expectativas anteriores. Um exem
plo seria esperar ver a aproximação de um amigo com o qual se tenha marcado um
encontro. Usa-se também o que se sabe sobre o contexto. Nesse caso, um exemplo seria que
os trens sempre correm nos trilhos, enquanto aviões e carros, não. Além disso, pode-se usar
aquiloque se consegue inferir razoavelmente com base nos dados e no que se sabe a tespeito
deles. Segundo os construtivistas, getalmente são feitas atribuições corretas com relação às
sensações visuais. O motivo é porque se infere inconscientemente o processo pelo qual -
também inconscientemente - se assimilam informações a partir de uma variedade de fon
tes paracriaruma percepção (Snow, Mattingley, 2003). Em outras palavras, usando mais de
uma fonte de infotmação, são feitos julgamentos dos quais sequet se tem ciência.
No exemplo da placa de PARE, as informações sensoriais informam que a placa é um
grupode consoantes sem significado e organizadas de forma estranha. Entretanto, o apren
dizado antetiot passa uma mensagem importante: que uma placa dessa cor e dessa forma,
colocada em um cruzamento, contendo essas três letras e nessa seqüência, provavelmente
significa que o indivíduo deve pararpara pensar nessas letras estranhas. Na verdade, é bom
começar
a pisar no freio. A percepção construtiva bem-sucedida requer inteligência e pen
samento para combinar a informação sensorial com o conhecimento obtido a partirda ex
periência anteriot.
Um argumento de defesa da abordagem construtivista é que as teorias ascendentes -
de baixo paracima - da percepção (a partirde dados) não explicam totalmente os efeitos de
hvin Rockfoi professor adjunto
de Psicologia na University of
Califórnia, emBerkeley. E
conhecido pelapromoção do
papelda solução deproblemas
na percepção e suaafirmação
dequea percepção é indireta.
Criou também o estudo da
aprendizagem deensino único
e fez importantes contribuições
ao estudo da lua e outras
ilusões perceptuais.
(Foto: Cortesiado Dr.
Irvm Rock)
98 Psicologia Cognitiva
contexto. Os efeitos de contexto são as influências do ambiente sobre a percepção (exem
plo: a percepção das palavras "THE CAT" na Figura 3.15. Efeitos de contexto muito inten
sos podem ser demonstrados de modo experimental (Biederman, 1972; Biederman et ai,
1974; Biederman, Glass Stacy, 1973; De Graef, Christiaens, D'Ydewalle, 1990). Durante um
estudo, pediu-se que os participantes identificassem objetos após tê-los visto em um contexto
apropriado ou inadequado a eles (Palmer, 1975). Por exemplo, os participantes podem ver
uma cena de uma cozinha seguida de estímulos como um pão, uma caixa de correio ou um
tambor. O objeto adequado ao contexto estabelecido —nesse caso, o pão —foi reconhecido
mais rapidamente do que aqueles que não pertenciam ao contexto. A força do contexto tam
bém desempenha papel impottante no reconhecimento de objetos (Bar, 2004).
Talvez ainda mais impressionante seja um efeito de contexto conhecido como efeito de
superioridade deconfiguração (Bat, 2004; Pomerantz, 1981), por meio do qual os objetos apre
sentados em uma determinada configuração são mais fáceis de serem reconhecidos do que
os objetos apresentados isoladamente, mesmo que os primeiros sejam mais complexos
que os segundos. Suponha que se mostre a um participante quatro estímulos - todos eles
sendo linhas diagonais. Três linhas estão inclinadas para um lado, enquanto a restante, para
o outro. A tarefa do participante é identificar qual estímulo é diferente dos outros (Figura
3.23 a). Suponha também que se mostrem aos participantes quatro estímulos, todos in
cluindo três linhas (Figura 3.23 c). Três dos estímulos têm forma de triângulo e o outro não.
Em cada caso, o estímulo é uma linha diagonal (ver Figura 3.23 a) mais outras linhas (Fi
gura 3.23 b). Dessa forma, os estímulos nessa segunda condição são variações mais comple
xas do que os estímulos na primeira condição. Os participantes conseguem identificat mais
rapidamente qual das figuras de três lados é diferente das outras do que qual das linhas é di
ferente das outras.
Na mesma linha, há um efeito de superioridade de objetos, no qual uma linha-alvo que
fotma uma patte do desenho de um objeto em 3-D é identificada com mais precisão do
que um alvo que forma parte de um padrão em 2-D desconectado (Lanze, Weisstein,
Harris, 1982; Weisstein, Harris, 1974)- Essas conclusões são paralelas àquelas sobre o re
conhecimento de letras e palavras.
O ponto de vista da percepção construtiva e inteligente mostra a relação central entre
percepção e inteligência e, de acordo com ele, a inteligência é patte integrante do proces-
FIGURA 3.23
(a) (b) (c)
Os sujeitos percebem mais rapidamente as diferenças entre configurações integradas com muitas linhas (c) doqueas
com linhas solitárias (a). Nestafigura, as linhas em (b) sãoadicionadas às linhas em (a) para criar formas em (c),
tomando assim, o painel (c) mais complexo do que o painel (a).
Capítulo 3 • Percepção 99
samento perceptual do ser humano. Simplesmente, não se petcebe em termos do que está
"lá no mundo", mas percebe-se em termos de expectativas e de outras cognições trazidas
para a interação do indivíduo com o mundo. Conforme essa teoria, a inteligência e os pro
cessos de percepção interagem na formação de crenças sobre o que se encontra nos conta
tos do dia-a-dia com o mundo em geral.
Uma posição radical descendente (top-doum) setiaa de sesubestimar a importância dos
dados sensoriais. Se isso fosse correto, as pessoas seriamsuscetíveis a grandes imprecisões de
percepção e, geralmente, formariam hipóteses e expectativas que julgariam de modo impró
prio os dados sensoriais disponíveis. Por exemplo, quando se espera ver um amigo e outra
pessoa aparece, é possível que se considere de modo inadequado as diferenças perceptíveis
entre o amigo e a outra pessoa. Dessa forma, uma abordagem construtivista extrema da per
cepção estaria altamente suscetível a erroe, portanto, ineficiente. Entretanto, uma aborda
gem ascendente (bottom-up) radical não permitirá qualquer influência da experiência
anterior ou conhecimento sobre a percepção. Por que armazenarconhecimento que não tem
utilidade para quem percebe? Nenhum dos extremos é ideal para explicar a percepção. E
mais útil considerar formas por meio das quais os processos ascendentes (bottom-up) e des
cendentes (top-doum) interagem para formar perceptos com significado.
Sintetizando as Abordagens Ascendentes (Bottom-up) e
Descendentes (Top-down)
Ambas as abordagens teóticas têm obtido sustentação empírica (cí. Cutting, Kozlowski,
1997, vs. Palmer, 1975). Então, qual delas escolher? De um lado, a teoria da percepçãocons
trutiva, que é ascendente (top-doum), parece contradizer a teoria da percepção direta, que é
descendente (bottom-up). Os construtivistas enfatizam a importância do conhecimento an
terior, combinado com informações relativamentesimples e ambíguas dos receptores senso
riais. Por outro lado, os teóricos da percepção direta enfatizam a completude da informação
nos próprios receptores, sugerindo que a percepção ocorra de modo simples e direto e, por
tanto, não há grande necessidade de um processamento complexo da informação.
Em vez de considerar essas teorias como incompatíveis, pode-se aprender mais sobre a
percepção considerando-as complementates. A informação sensorial pode ser mais infor
mativa e menos ambígua na intetpretação de experiências do que imaginam os construti
vistas, mas pode sermenos informativa do que afitmam os teóricos da percepção direta. Da
mesma forma, os processos perceptivos podem ser mais complexos do que os teóricos da hi
pótese gibsoniana. Isso se aplicaria especialmente em condições reais em que os estímulos
sensoriais aparecem apenas brevemente ou estão degradados. Estímulos degradados são me
nos informativos por vários motivos, por exemplo, os estímulos podem estar parcialmente
obscurecidos ou enfraquecidos por causa da iluminação fraca. Ou então, podem estar in
completos ou distorcidos por pistas ilusórias ou quaisquer outros "ruídos" visuais (distração
visual semelhante a ruídos audíveis). O mais provável é que se use uma combinação de in
formações de receptores sensoriais e o conhecimento anterior para entender aquilo que se
percebe. Evidências experimentais apoiam essa abordagem integrada (Treue, 2003; van
Zoest, Donk, 2004; Wolfe et aí., 2003)
Alguns trabalhos mais recentes sugerem que, enquanto etapas iniciais da via visual re
presentam apenas o que está na imagem retiniana de objeto, logo depois também serão
representadas a cor, a direção, o movimento, a profundidade, a freqüência espacial e a fre
qüência tempotal. As representações tardias não são independentes do foco de atenção do
indivíduo. Ao contrário, são afetadas ditetamente por este (Maunsell, 1995). Além disso, a
visão de coisas diferentes pode assumir formas diferentes. O controle visual da ação é me
diado por vias corticais diferentes das envolvidas no controle visual da percepção (Ganel,
100 Psicologia Cognitiva
Goodale, 2003). Em outras palavras, quando se vê apenas um objeto - como um telefone
celular - isso se processa de modo diferente de quando se tem a intenção de pegá-lo. Em ge
ral,
segundo Ganel e Goodale (2003), os objetos são percebidos de forma holística; porém,
caso se pretenda fazer algo com eles, serão notados mais analiticamente pata que se possa
agir de modo eficaz.
Em resumo, as teorias atuais com relação às maneiras como se percebem os padrões ex
plicam alguns, mas não todos os fenômenos que se encontram no estudo da petcepção da
forma e do padrão. Dada a complexidade do processo, é impressionante que se consiga
compreender tanta coisa. Ao mesmo tempo, uma teoria abrangente certamente ainda não
está confirmada, pois necessitaria da comprovação de todos os tipos de efeitos de contex
tos aqui descritos.
Deficits Perceptivos
Agnosias e Ataxias
De modo geral, quais são os caminhos visuais no cérebro? Uma hipótese é que há dois ca
minhos visuais distintos: um para a identificação de objetos e o outro para apontar onde
esses objetos se localizam no espaço (Ungerleider, Haxby, 1994; Ungerleider, Mishkin,
1982). Os pesquisadores se referema isso como a hipótese do quefonde. Esta divisão tem como
base uma pesquisa conduzida com macacos. Em especial, um grupo de macacos com lesões
no lobo temporal conseguiam indicar onde as coisas estavam, mas não conseguiam reconhe
cer o que eram. Em contrapartida, macacos com lesões no lobo parietal foram capazes de
reconhecer o que as coisas eram, mas não onde estavam.
Uma interpretação alternativa dos caminhos visuais sugere que os dois caminhos refe
rem-se não ao que as coisas são ou onde estão, mas àquilo que são e como funcionam. Esta
é a hipótese do quelcomo (Goodale, Milner, 2004; Goodale, Westwood, 2004). Esta hipótese
sustenta que a informação espacial a respeito de alguma coisa está localizada no espaço e
está sempre presente no processamento da informação visual. O que diferencia os dois ca
minhos é se a ênfase reside em identificar o que um objeto é ou, ao contrário, de como
situar-se de forma a alcançar os objetos. Assim, a questão aqui é determinar se é mais im
portante sabet o que o objeto é ou como alcançá-lo.
Dois tipos de deficits de processamento sustentam a hipótese do que/como. Vamos con
siderarprimeiro o "que". Obviamente, os psicólogos cognitivos sabem muita coisa a tespeito
dos processos perceptivos notmais quando estudam a percepção em participantes normais.
Além disso, entretanto, tambémobtêm compteensão da percepção ao estudar pessoas cujos
processos perceptuais são diferentes da norma (Farah, 1990; Weiskrantz, 1994). Um exem
plo seriao daspessoas que sofrem de agnosia, um grave déficit na capacidade de perceberin
formações sensoriais (Moscovitch, Winocur, Behrmann, 1997). São diversas as formas de
agnosias e nem todas são visuais. Aqui o enfoque é nas incapacidades específicas de enxer
gar formas e padrões no espaço. Pessoas com agnosia visual possuem sensações normais do
que está diante delas, mas não conseguem reconhecer o que são. As agnosias geralmente
ocorrem em conseqüência de lesões cerebrais (Farah, 1990, 1999). Outra causa importante
de agnosia decorre da falta de oxigênio em certas áreas do cérebro. A falta de oxigênio é
com freqüência decorrente de traumatismo cerebral (Zoltan, 1996).As agnosias estão asso
ciadas a danos nas áreas limítrofes do lobo occipital e do temporal. Pessoas com esses defi
cits têm problemas com o caminho do "que".
Capítulo 3 • Percepção 101
Sigmund Freud (1953), que se especializou em neurologia clínica antes de desenvolver
sua teoria psicodinâmica da personalidade, observou que alguns de seus pacientes não con
seguiam identificar objetos conhecidos. Não obstante, não apresentavam qualquer perturba
ção psicológica específicaou dano aparente em suas habilidades visuais. Na vetdade, pessoas
que sofrem de agnosia visual de objeto conseguem captar todas as partes do campo, porém
os objetos que vêem não têm significado para elas (Kolb, Whishaw, 1985). Por exemplo, um
paciente agnósico, ao olhar para um par de óculos, primeiro notou um círculo, depois outro,
depois que havia uma haste e, finalmente, imaginou que estivesse olhando para uma bici
cleta. Na verdade, uma bicicleta é feita de dois cítculos e uma haste (Luria, 1973). Lesões
em certas áreas visuais do córtex são responsáveis pela agnosia visual de objeto.
Transtornos na região temporal do córtex podem conduzir à simultagnosia, na qual um
indivíduo não consegue prestar atenção a mais de um objeto ao mesmo tempo. Por exem
plo, se você fosse simultanósico e estivesse olhando para a Figura 3.24, você não consegui
ria ver cada um dos objetos ali apresentados. Ao contrário, você diria que está vendo o
martelo, mas não os outros objetos (Williams, 1970). Na agnosia espacial, o indivíduo tem
grande dificuldade em se orientar no ambiente cotidiano. Por exemplo, um agnósico espa
cial pode se perder de casa, virar em lugares errados no trajeto diátio e até mesmo não con
seguir reconhecer as referências mais familiares. Tais indivíduos também aparentam grande
dificuldade em desenhar traços simétricos de objetos simétticos (Heaton, 1968). Esse pro
blema, aparentemente, é tesultado de lesões no lobo parietal do cérebro. A prosopagnosia,
mencionada antetiotmente, resulta em uma deficiência grave na capacidade de reconheci
mento de fisionomias (Farah et ai., 1995; Feinberg et ai., 1994; McNeil, Warrington, 1993;
Young, 2003). Um indivíduo com prosopagnosia, por exemplo, poderá nem mesmo reco
nhecer a si próprio no espelho. Além disso, existem casos muito mais raros de prosopagnó-
sicos, que não conseguem reconhecer fisionomias humanas, masque conseguem reconhecer
a dos animais de sua fazenda, de modo que o problema parece ser extremamente específico
ao reconhecimento de fisionomias humanas (McNeil, Warrington, 1993). Este transtorno
fascinante deu origem a muitas pesquisas sobre identificação de fisionomias e tomou-se o
mais recente "assunto do momento" na percepção visual (Damasio, 1985; Farah et aí., 1995;
FIGURA 3.24
Quandoseolhapara essa figura, veem-se vários objetos sobrepostos. Indivíduos com simuitagnosia não conseguem ver
mais que um objeto de cada vez- Sensation and Perception, de Stanley Coren e Lawrence M. \vard, © J989, de
Harcourt Brace, Company. Reproduzido com permissão doeditor.
102 Psicologia Cognitiva
Farah, Levinson, Kelin, 1995; Haxby et ai., 1996). O funcionamento do giro fusiforme do
hemisfério direito está fortemente associado à prosopagnosia, e, em particular, esse trans
torno está ligadoa danos ao lobo temporal direito do cérebro. Para complicar ainda mais as
coisas, a prosopagnosia pode surgir de várias formas. Algumas vezes, outros domínios da ca
pacidade são afetados, como nomes de animais conhecidos ao invés de fisionomias huma
nas. Portanto, o transtorno pode não ser exclusivamente a falha em reconhecer fisionomias,
como se pensava no início. A prosopagnosia, em particulat, e a agnosia, em geral, são obs
táculos que persistem ao longo do tempo. Em um determinado caso, uma mulher, após into
xicação por monóxido de carbono, começou a sofrer de agnosia, inclusive a prosopagnosia.
Depois de 40 anos, essa mesma paciente foi reavaliada e ainda apresentava essesdeficits. Es
sas conclusões revelam a longevidade da agnosia (Sparr et aí., 1991).
Há ainda outros tipos de agnosias. Um deles é a agnosia auditiva, que é a incapacidade de
reconhecer determinados sons. O paciente C. N. não conseguia distinguir diferentes tipos
de música. Ela não conseguia reconhecet melodias de sua própria coleção de discos, além de
não conseguir dizer se duas melodias eram iguais ou diferentes (Peretz et ai., 1994).
A pesquisa recente sugere que a agnosia auditiva pode ser neurologicamente diferente
da agnosia musical (Ayotte et ai., 2000; Peretz et ai., 1996). Em termos comportamentais,
a agnosia auditiva e a musical podem ser separadas (Vignolo, 2003). Em alguns pacientes, a
capacidade de reconhecer músicas conhecidas fica prejudicada. Em outros, a capacidade de
reconhecer sons não musicais específicosé comprometida.
Dois outros tipos de agnosias estão ligados ao reconhecimento de objetos (Gazzaniga,
Ivry, Mangun, 2002). A agnosia aperceptiva é a incapacidade de reconhecer objetos e está li
gada a uma falha no processamento perceptual. A agnosia associativa é a capacidade de re-
presentar objetos visualmente, mas não set capaz de usar essa informação para reconhecer
coisas. Assim, na agnosia associativa, o problema não está no processamento perceptual,
mas nos processos cognitivos associativos que operam sobte as representações percep
tuais (Anaki etai, 2007). Um tipo final de agnosia a ser descrito é a agnosia de cores. A ag
nosia de cores é a incapacidade para nomear as cores sem uma perda correspondente na
capacidade de percebê-las (Nijboer et aí., 2007; Nijboer, van Zandvoort, de Haan, 2007;
Woodwardetaí., 1999).
Outro tipo de déficit de percepção está associado ao dano no caminho do "como". Este
déficit é a ataxia óptica, redondo que é um defeito na capacidade de usar o sistema visual
pata orientar os movimentos (Himmelbach, Karnath, 2005). As pessoascom esse déficit têm
dificuldade para alcançar coisas. Por exemplo, ter medo de deixar as luzes da casa apagadas
por não ser capaz de, na volta, enxergar a fechadura e ficar tateando até acertat a chave no
buraco da fechadura, o que é muito desagradável e toma muito tempo. Alguém com ataxia
óptica apresenta esse problema, mesmo tendo visão perfeita. Nesse caso, o caminho do
"como" está danificado.
Esse tipo de especificidade extrema dos deficits leva a questões sobte a especialização.
Especificamente, existem centros de processamentos distintos ou módulos para determi
nadas tarefas perceptuais? Essa questão vai além da separação dos processos perceptivos e
das modalidades sensoriais diferentes (ex.: as diferenças entre percepção visual e audi
tiva). Os processos modulares são aqueles especializados em tarefas específicas e podem
ser apenas processos visuais (como na percepção da cor) ou uma integração dos processos
visuais e auditivos (como em determinados aspectos da petcepção do discurso, discutidos
no Capítulo 10).
Jerry Fodor, filósofo moderno e influente, escteveu um livro inteiramente dedicado à
delineação das características necessárias dos processos modulares. Para que alguns proces
sos sejam realmente modulares, as seguintes propriedades devem existir. Em primeiro lu
gar, os módulos precisam funcionar com rapidez e essa operaçãoé compulsória. Emsegundo
Capítulo 3 • Percepção 103
lugar, os módulos apresentam resultados caracterizadamente superficiais (ou seja, reve
lando categorizações básicas). O acesso central às computações é limitado e não está su
jeito às influências conscientes da atenção. Em terceiro lugar, os módulos são específicos
de domínio e em sintonia com relação aos tipos de informações utilizadas. A informação
não flui necessariamente livre entre os diversos módulos e, por vezes, fica "encapsulada".
Finalmente, os módulos são sustentados por arquiteturas neurais fixas e, portanto, softem
padrões característicos de relações. Sendo assim, para que a percepção de fisionomias seja
considerada um processo verdadeiramente modular, é necessário que se obtenha mais evi
dência da especificidade de domínio e encapsulação informacional. Ou seja, os outros
processos perceptuais não deveriam contribuir, interferir ou compartilhar informações
para a percepção de fisionomias. Além disso, as bases neurológicas da prosopagnosia não
são bem compreendidas.
Embora os psicólogos cognitivos fiquem intrigados pelo fato de que algumas pessoas
apresentam a prosopagnosia, eles ficam ainda mais fascinados com o porquê de a maioria
das pessoas não o ser. Como é que se reconhece a mãe ou o melhor amigo? E como se re
conhecem formas muito mais simples e menos dinâmicas das letras das palavras nesta frase?
Este capítulo examinou apenas alguns dos inúmeros aspectos da percepção que interessam
aos psicólogos cognitivos. São dignos de nota os processos cognitivos pelos quais se for
mam as representações mentais daquilo que é percebido pelos sentidos. Essas representa
ções usam conhecimento anterior, inferências e operações cognitivas especializadas pata
entendet as sensações humanas.
Anomalias na Percepção da Cor
Outro tipo de déficit perceptivo é o da cor, que é muito mais comum em homens do que em
mulheres e está ligado à hereditariedade. Este déficit é diferente da agnosiada cor, discutida
anteriormente, na qual a pessoa, ainda que perceba a cor, não consegue dizer que cor é.
Sempre que o déficit na percepção da cor ocorre, o indivíduo não consegue perceber as di
ferenças nas cores. O déficit na percepção da cor geralmente dura a vida inteira e, ao con
trário da agnosia da cor, se desenvolve a partir de uma lesão.
Há vátios tipos de deficiência de cor, também chamada de daltonismo. Enttetanto, ape
nas um tipo representa o verdadeiro daltonismo, que ocorre quando as pessoas não conse
guem ver cor alguma. Pessoas apresentando essagrave dificuldade possuem o que se chama
de monocromacia. Indivíduos com déficit de percepção de cor em um grau inferior à mono-
cromacia sofrem de dicromacia, que ocorre por causa do mau funcionamento de um dos me
canismos da percepção da cor. O resultado desse erro é um dos deficits de percepção de cor
que se seguem.O mais comum é o relacionado ao vermelho e ao verde. As pessoas que so
frem deste déficit têm dificuldade para distinguir vermelho de verde, embora consigam dis
tinguir, digamos, vermelho escuro do verde claro. Essas pessoas apresentam uma das duas
síndtomes descritas a seguir (Visual disabilities: Color-blindness, 2004)-
Um tipo é a protanopia, que é uma forma extrema de daltonismopara vermelhoe verde.
As pessoas com esta síndrome têm dificuldade para ver comprimentos de onda muito lon
gos, ou seja, os vermelhos. Esses vermelhos lhes parecem mais como beges, porém mais es
curosdo que de fato são. Os vetdesse parecem com os vermelhos. A protanomalia é a forma
menos extrema de daltonismo para vermelho e verde. O segundo tipo de daltonismo para
vermelho e verde é a deuteranopiay em que as pessoas têm dificuldade pata ver comprimen
tos de onda médios, ou seja, os verdes. A deuteranomalia é uma forma menos grave dessa
condição. Embora aspessoas comdeuteranomalia não consigam enxergar osvermelhos e os
verdes como as pessoas normais, em geral, ainda conseguem distingui-los.
104 Psicologia Cognitiva
Muito menos comum do que o daltonismo para vermelho e verde é o daltonismo para
azul e amarelo. As pessoas com esse tipo de daltonismo têm dificuldade para distinguir azul
de verde. A tritanopia é a falta de sensibilidade aos comptimentos de onda curtos, ou seja,
os azuis. Os azuis e os verdes podem ser confusos, mas os amarelos também parecem desa
parecer ou parecem tons claros de vermelhos.
A menos comum das anomalias de cor é o monocromatismo de bastonetes, também cha-:
mado de acromatismo. As pessoas com essa condição não conseguem ver qualquer cor, ou
seja, esta é a forma verdadeira de daltonismo puro. Os portadotes dessa anomalia têm co
nes que não funcionam e só enxergam tons de cinza como resultado de sua visão através dos
bastonetes do olho.
Aquinetopsia e Acromatopsia
A aquinetopsia é uma perda seletiva da percepção do movimento (Gazzaniga, Ivry, Man-
gun, 2002). Nesse transtorno, o indivíduo não consegue perceber o movimento. Ao con
trário, o movimento lhe parece apenas uma série de instantâneos. Este é um déficit
apatentemente muito raro (Zihl, von Cramon, Mai, 1983) e parece ocorrer apenas em
casos de lesão bilateral grave nos córtices tempoparietais, como conseqüência de lesão no
córtex ptestriado.
A acromatopsia é uma disfunção hereditária que provoca a ausência de cones na retina.
As pessoas com esta síndrome precisam confiar nos bastonetes para poder enxergar. Falta-
-lhes a visão em cotes e têm dificuldade para enxergar detalhes. A incidência dessa anoma
lia é de aproximadamente uma em 33.000
pessoas (What is achromatopsia?, 2007).
Temas Fundamentais
Vários temas fundamentais, como os descritos no Capítulo 1, surgem no estudo da percep
ção. O primeiro é o do racionalismo i<ersus empirismo. Quanto daquilo que se petcebe pode
ser compreendido como resultado de alguma ordem no ambiente que seja relativamente
independente dos mecanismos perceptuais? Segundo a visão gibsoniana, muito do que se
percebe deriva da estrutura do estímulo, independentemente da experiência do indivíduo
com ele. Em contrapartida, na visão da percepção, construtivista, constrói-se o que se per
cebe. Constroem-se mecanismos para a percepção com base na experiência com o ambiente.
Como tesultado disso, a percepção é influenciada, pelo menos na mesma proporção, pela
inteligência e pela estrutura dos estímulos percebidos.
O segundo tema importante é o da pesquisa básica versus a pesquisa aplicada. A pes
quisa sobre percepção tem muitas aplicações, por exemplo, no entendimento de como são
construídas as máquinas que percebem. O United States Postal Service - empresa de correios
dos Estados Unidos, por exemplo, faz muito uso de máquinas que lêem os códigos postais
em correspondências e pacotes enviados. Se essas máquinas não forem precisas, as cartas
e encomendas correm o risco de se perder. Essas máquinas não podem depender apenas de
uma rigorosa correspondência de padrões, porque as pessoas escrevem números de manei
ras diferentes. Assim, as máquinas devem fazer pelo menos alguma análise das caractetísti-
cas. Outro exemplo de aplicação da pesquisa da percepção está nos fatores humanos. Os
pesquisadores dos fatores humanos projetam máquinas e interfaces do usuário para que se
jam fáceis de usar. Um motorista de automóvel ou um piloto de avião precisa tomar deci
sões em frações de segundos, de forma que as cabines devem ter painéis de instrumentos
bem iluminados, fáceis de serem lidos e acessíveis para ação imediata.
Capítulo3 • Percepção 105
O terceiro tema é o da generalidade versus especificidade de domínio. Talvez, em ne
nhum outro lugar este tema seja tão bem ilusttado do que na pesquisa sobre o reconheci
mento de fisionomias. Há algo de especial no reconhecimento de fisionomias? Parece que
sim. No entanto, muitos dos mecanismos utilizados para o reconhecimento de rostos tam
bém são utilizados para outros tipos de percepção. Dessa forma, parece que os mecanismos
conceituais podem ser mistos - alguns, gerais entre domínios; outros, específicos de domí
nios, como o reconhecimento de fisionomias.
Fique de péem um dos lados de uma sala e levante opolegar na altura doolho, de forma
que fique do mesmo tamanho da potta do lado oposto. E possível acreditat que seu polegar
seja maior que a porta? Não. Você sabe que seu polegar está petto de você, que só parece ser
do tamanho da potta. Há inúmeras indicações nesse aposento indicando que a potta está
mais longe que seu dedo. Em sua mente, você torna a porta muito maior para compensar a
distância entre você e ela. Em consistência com um tema mencionado no início do capítulo,
o conhecimento é a chave para a percepção. Você sabe que seu polegare a porta não são do
mesmo tamanho e, pottanto, tem condiçõesde usar esse conhecimento para aquiloque você
sabe que não é.
Leituras Sugeridas Comentadas
Gauthier, I. Skudlarski, P. Gore, J. C, An- Sparr, S. A.; Jay, M.; Drislane, F W; Venna,
derson, A. W. Expertise fot cats and bitds N. A histotical case of visual agnosia te-
recruits brain áreas involved in face recog- visitedafter 40 years. Bra/n, 114(2), 789-
nition. Nature Neuroscience, 3, 191-197, 790,1991. Um exame da agnosiadurante
2000. Um exame do papel da técnica no a vida de um paciente,
giro fusiforme. Xu, Y. Revisiting the role of the fusiform face
Palmer, S. E. Vision Science. Cambridge: Bra- área in visual expertise. Cerebral Córtex,
dford Books, 1999. Uma análise com- 15(8), 1234-1242, 2005. Um exame da
pleta e muito penetrante de todos os técnica visual,
aspectosdo estudo cognitivo e científico
da visão.
CAPITULO
Atenção e Consciência 4
EXPLORANDO A PSICOLOGIA COGNITIVA
\
1. E possível processar ativamente a informação mesmo que não se esteja ciente
disso? Em caso afirmativo, o que se faz e como se faz isso?
2. Quais são algumas das funções da atenção?
3. Quais são algumas teorias que os psicólogos cognitivos desenvolveram para explicar
aquilo que observaram a respeito dos processos da atenção?
4. O que os psicólogos cognitivos aprenderam a respeito da atenção pelo estudo do cé-
rebro humano?
[Atenção] é a tomada de posse pela mente, de modo claro e vivido, de um entre
o que parecem ser vários objetos ou linhas de pensamentos simultaneamente pos
síveis. (...) Implica em se afastar de algumas coisas para lidar efetivamente com
outras.
—William James, Princípios da Psicologia
A Natureza da Atenção e da Consciência
Atenção é o meio pelo qual se processa ativamente uma quantidade limitada de infor
mação a partir da enorme quantidade de informaçãodisponível por meio dos sentidos,
da memória armazenada e de outros processos cognitivos (De Weerd, 2003a; Duncan,
1999; Motter, 1999; Posner, Fernandez-Duque, 1999; Rao, 2003). Ela inclui processos cons
cientes e inconscientes. Os processos conscientes são relativamente fáceis de ser estudados
em muitos casos. Os processos inconscientes são mais difíceis de estudar porque simples
mente não se tem consciência deles. (Jacoby, Lindsay, Toth, 1992; Merikle, 2000). Porexem
plo, o indivíduo sempre tem disponível em sua memória o lugar onde dormia quando tinha
10anos, mas talvez não consiga processar essa informação ativamente com muita freqüência.
Da mesma forma, sempre terá disponível uma infinidadede informações sensoriais (porexem
plo: no próprio corpo e em sua visão periférica neste exato momento). Mas dá atenção
a apenas uma quantidade limitada de informação sensorial disponível em determinado
107
108 Psicologia Cognitiva
instante (Figura 4.1). Além disso, têm-se pouca informação confiável sobre o que acontece
quando se dorme e, mais ainda, os conteúdos da atenção podem residir dentro ou fora da
consciência (Davies, 1999; Davies, Humphreys, 1993; Metzinger, 1995).
Há muitas vantagens em se ter processos de atenção de algum tipo. Parece que há, pelo
menos, alguns limites para os nossos recursos mentais. Também há limites quanto ao volume
de informação na qual se podem concentrar aqueles recursos mentais em um determinado
momento. Os fenômenos psicológicos da atenção possibilitam o uso dos recursos mentais li
mitados de maneira sensata. Ao diminuir a atenção sobre muitos estímulos externos (sensa
ções) e internos (pensamentos e lembranças), podemos focar os estímulos que mais nos
interessam. Este foco acentuado aumenta a probabilidade de resposta rápida e precisa aoses
tímulosque interessam. A atenção acentuada também abre caminho para os processos de re
cordação. E mais provável que o indivíduo se recorde de informações às quais prestou
atenção do que aquelas que ignorou.
A consciência inclui tanto o sentimento de percepção consciente como o conteúdo da
consciência, parte da qual pode estar sob o foco da atenção (Block, Flanagan, Güzeldere,
1997; Bourguignon, 2000; Chalmers, 1995, 1996; Cohen Schooler, 1997; Farthing, 1992,
2000; Mareei, Bisiach, 1988; Nelkin, 1996; Peacocke, 1998; Taylor, 2002; Velmans, 1996).
Assim sendo, a atenção e a consciência formam dois conjuntos parcialmente sobrepostos
(DiGirolamo, Griffin, 2003). Em um dado momento, os psicólogos acreditavam que a aten
ção fosse a mesma coisa que a consciência. Atualmente, contudo, eles reconhecem que parte
do processamento ativo da informaçãosensoriale da informação lembrada ocorre sem cons
ciência (Shear, 1997; Tye, 1995). Por exemplo, nessa altura da sua vida, escrever o próprio
nome não requer consciência. E possível escrevê-to sem que você o faça enquanto realiza
conscientemente outras atividades,
porém não o fará se estiver completamente inconsciente.
Em contrapartida, escrever um nome que nunca se viu antes requer atenção para a seqüên
cia das letras.
Os benefícios da atenção são especialmente visíveis quando se referem aos processos
conscientes da atenção. Além do valor geral da atenção, a atenção consciente serve a três
propósitos ao desempenhar um papel causai na cognição. Em primeiro lugar, ajuda a mo
nitorar as interações do indivíduo com o ambiente. Por meio desse monitoramento, man
tém-se a consciência de quão bem o indivíduo está se adaptando à situação em que se
encontra. Em segundo lugar, ela ajuda as pessoas a estabelecerem uma relação com o pas
sado (lembranças) e com o presente (sensações) para dar um sentido de continuidade da
experiência. Essa continuidade pode até mesmo servir como base para a identidade pessoal.
Em terceiro lugar, a atenção ajuda no controle e no planejamento das ações futuras, que se
FIGURA 4.1
Sensações
+ Processos controlados
Lembranças > Atenção: (inclusive consciência) »- Ações
+ +
Processos de pensamento Processos automáticos
A atenção funciona como meio dedirecionar osrecursos mentais para a informação e osprocessos cognitivos que es
tão mais em evidência, em um determinado momento.
Capítulo4 • Atenção e Consciência 109
faz com base nas informações do monitoramento e das ligações entre as lembranças do pas
sado e as sensações do presente.
Processamento pré-consciente
Algumas informações que atualmente ficam fora da consciência ainda podem estar disponí
veis na consciência ou, pelo menos, nos processos cognitivos. As informações disponíveis
para o processamento cognitivo, mas que, atualmente, estão fora da consciência, existem no
nível pré-consciente da consciência. A informação pré-consciente inclui recordações arma
zenadas que não estão sendo usadas em um determinado momento, mas que podem ser
acessadas quando necessário. Por exemplo, sempre que estimulado, o indivíduo pode se lem
brar de como é o próprio quarto; no entanto, não fica pensando conscientemente a respeito
do quarto (a menos, talvez, se estiver se sentindo extremamente cansado). Da mesma forma,
as sensações também podem ser trazidas da pré-consciência para a consciência. Porexemplo,
antes de ler esta sentença, o leitor pode dizer se estava bastante consciente das sensaçõesem
seu pé direito? Provavelmente, não. Entretanto, essas sensações estavam disponíveis.
. Como é possível estudar coisas que, atualmente, estão fora da consciência? Os psicólo
gos resolveramesseproblema estudando um fenômeno conhecido como priming (ativação).
O primingocorre quando o reconhecimento de determinados estímulos é afetado pela apre
sentação anterior dos mesmos estímulos (Neely, 2003). Suponha, por exemplo, que alguém
esteja lhe dizendo o quanto gosta de ver televisão desde que comprou uma antena parabó
lica. Ele faz um discurso sobre as vantagens desse tipo de antena. Mais tarde, você ouve
a palavra antena e é provável que pense que se trata de uma parabólica e não de uma an
tena comum de televisão. Isto é completamente diferente para outra pessoa que não tenha
ouvido a conversa sobre as antenas parabólicas. A maioria dos primings é positiva, uma vez
que a apresentação prévia dos estímulos facilita o reconhecimento. Entretanto, o priming,
às vezes, pode ser negativo e pode impedir o reconhecimento tardio. As vezes, tem-se cons
ciência dos estímulos de priming, por exemplo, agora você já tem priming para ler descrições
de estudos sobre priming. Entretanto, o priming ocorre mesmo quando os estímulos de priming
são apresentados de maneira que não permitam sua entrada na consciência. Nesse caso, é
apresentado em uma intensidade tão baixa, em um ambiente com excesso de "ruído" (por
exemplo, quando muitos outros estímulos desviam a atenção consciente sobre eles) ou en
tão de forma rápida demais para serem registrados na consciência.
Por exemplo, em uma série de estudos, Mareei observou o processamento de estímulos
que haviam sido apresentados em um período curto demais para serem detectados pela
consciência (Mareei, 1983a, 1983b). Nesses estudos, as palavras eram apresentadas aos par
ticipantes muito brevemente (em milissegundos ou milésimos de segundos). Depois de
apresentadas, cada palavra era substituída por uma máscara visual, que bloqueia a perma
nência da imagem da palavra na retina (a superfície posterior do olho que contém os recep
tores sensoriais da visão). Mareei cronometrou as apresentações para que fossem muito
breves (de 20 a 110 milissegundos), assegurando-se de que os participantes não seriam ca
pazes de detectá-las de forma consciente. Quando solicitados a adivinhar a palavra que ha
viam visto, os participantes ofereceram palpites ao acaso.
Em outro estudo, Mareei apresentou aos participantes uma série de palavras a serem
classificadas em diversas categorias. Alguns exemplos seriam perna-parte do corpo e pinhei-
ro-planta. Nesse estudo, os estímulos de priming foram palavras com mais de um significado.
Por exemplo, palma tanto pode ser uma parte da mão como uma planta. Em uma instância,
os participantes estavam conscientes de ver uma palavra de priming que tinha dois signifi
cados. Para esses participantes, o caminho mental para um dos dois significados parecia
110 Psicologia Cognitiva
estar ativado. Em outras palavras, um dos dois significados das palavras apresentava o efeito
de priming, facilitando (acelerando) a classificação da palavra relacionada subsequente.
Contudo, o outro sentido apresentava um tipo de priming negativo, inibindo (tornando
mais lenta) a classificaçãoda palavra não relacionada subsequente. Por exemplo, se a pala
vra palma fosse apresentada por um período longo o bastante para que o participante tivesse
consciência de tê-la visto, a palavra tanto inibiria como facilitaria a classificação da pala
vra punho, dependendo da associação que o participante fizesse da palavra paima com mão
ou com planta. Aparentemente, se o participante estivesse consciente de ter visto a palavra
palma, o caminho mental para um significado era ativado. O caminho mental para o outro
significado foi inibido. Em contrapartida, se a palavra palma for apresentada por pouco
tempo, de modo que a pessoa não tenha ciência de vê-la, os dois significados da palavra pa
recem ter sido ativados. Esse procedimento facilitou a classificação seguinte de palavras no
vas, como por exemplo, punho.
Os resultados de Mareei foram polêmicos e precisavam ser replicados por investigações
independentes que utilizassem formas rígidas de controle, o que de fato aconteceu (Chees-
man, Merikle, 1984). Essas investigações utilizaram uma tarefa de identificação de cores, e
a conclusão a que chegaram é que a ocorrência da percepção subliminar dependeria da de
finição do limiar da consciência. Se o limiar, abaixo do qual a percepção é subliminar, fosse
definido em termos do nível em que os participantes relatam a ocorrência de uma palavra
na metade do tempo, então a percepção subliminar ocorreria. Se, no entanto, a definição
da percepção subliminar for em termos de um limiar objetivo que se aplica a todos, então,
ela não terá ocorrido. Esse estudo aponta para a importância da definição em qualquer in
vestigação cognitiva-psicológica. Se um fenômeno ocorre ou não, às vezes, depende da
forma exata como ele é definido.
Outro exemplo de possíveisefeitos de priming e processamento pré-consciente pode ser en
contrado em um estudo definido como teste de intuição. Esse estudo usou uma tarefa envol
vendo "dtades de tríades" (Bowers et ai., 1990). Apresentaram-se, aos participantes, pares
(díades) de grupos de três palavras (tríades). Uma das tríades em cada díade era um agrupa
mento potencialmente coerente; a outra continha palavras aleatórias e não relacionadas. Por
exemplo, as palavras no Grupo A, uma tríade coerente, podem ter sido: "brincando", "crédito" e
"relatório". As palavras no Grupo B, uma
tríade incoerente, podem ter sido: "ainda" "páginas"
e "música". Após a apresentação da díade de tríades, foram mostradas aos participantes possí
veis opções para uma quarta palavra relacionada a uma das duas tríades. Em seguida, os parti
cipantes foram solicitados a identificar duas coisas. A primeira era qual das duas tríades era
coerente e relacionada a uma quarta palavra. A segunda, qual quarta palavra era ligada à trí
ade coerente. No exemplo anterior, as palavras do Grupo A podem ser associadas - de modo
significativo- a uma quarta palavra - carta (carta de baralho, carta de amor, carta de moto
rista). As palavrasdo Grupo B não apresentavam essa relação.
Alguns participantes não conseguitam descobrir qual era a quarta palavra unificadora de
um determinado par de tríades, mas, mesmo assim, foram solicitados a indicar quais das duas
tríades era coerente. Mesmo quando não conseguiam afirmar qual era a palavra unificadora,
os participantes conseguiram identificar a tríade coerente em um nível superior ao do acaso.
Pareciam ter alguma informação pré-consciente disponível que os levava a escolher uma
tríade em detrimento de outra, e o faziam mesmo que não soubessem conscientemente qual
palavra unificava a tríade.
Os exemplos descritos acima se referem ao priming, que, no entanto, não precisa ser ne
cessariamente visual. Os efeitos do priming também podem ser demonstrados pelo uso de ma
terial de áudio. Os experimentos explorando o priming auditivo revelam os mesmos efeitos
comportamentais dos primings visuais. Ao usar métodos de neuroimagem, os pesquisadores
Capítulo 4 • Atenção e Consciência 111
descobriram que áreas similares do cérebro estão envolvidas em ambos os tipos de priming
(Badgaiyan, Schacter, Alpert, 1999; Bergerbest, Ghahremani, Gabrieli, 2004; Schacter,
Church, 1992).
Uma aplicação interessante de priming auditivo foi utilizada com pacientes sob efeito
de anestesia. Enquanto anestesiados, listas de palavras foram apresentadas a esses pacientes,
que, depois de acordados, deveriam responder sim ou não e completar as palavras dos radi
cais que ouviram. Os pacientes tesponderam às perguntas de sim ou não ao acaso e não re
lataram conhecimento consciente das palavras. Entretanto, na tarefa de completar palavras
a partir de radicais, os pacientes demonstraram evidência de priming, pois completavam fre
qüentemente as palavras cujos radicais lhes foram apresentados enquanto estiveram sob o
efeito da anestesia. Esses resultados demonstram que, mesmo quando o paciente não tem
qualquer lembrança de um evento auditivo, isso pode afetar seu desempenho (Deeprose
et aí., 2005).
Infelizmente, às vezes, trazer informações pré-conscientes para a consciência não é fá
cil. Por exemplo, a maioria das pessoas já experimentou o fenômeno "na'ponta'da-língua",
no qual se tenta lembrar de algo que se sabe está armazenado na memória, mas que não se
consegue acessar. Os psicólogos tentaram criar experimentos para mensurar esse fenômeno.
Por exemplo, tentaram descobrir o quanto as pessoaspodem recobrar informações que, apa
rentemente, estão situadas no nível pré-consciente. Em um estudo (Brown, McNeill,
1966), foram lidas aos participantes inúmeras definições de dicionário. Em seguida, foram
solicitados a identificar as palavras que correspondiam a esses significados. Esse procedi
mento constituiu um jogo semelhante aos programas de TV em que os participantes res
pondem a perguntas sobre temas diversos. Por exemplo, eles poderiam receber a dica:
"instrumento usado por navegadores para medir o ângulo entre um corpo celeste e o hori
zonte". No estudo, alguns participantes não conseguiram apresentar a palavra, mas acha
vam que a conheciam. Em seguida, várias perguntas a respeito da palavra foram feitas; pot
exemplo, eles poderiam identificar a primeira letra ou indicar o número de sílabas, ou uma
aproximação dos sons da palavra. De modo geral, os participantes responderam a todas as
perguntas corretamente. Eles foram capazes de indicar algumas propriedades da palavra
certa para o instrumento mencionado anteriormente. Por exemplo, começa com "s'\ tem
duas sílabas e soa como "sexteto". Por fim, alguns participantes descobriram que a palavra
procurada era "sextante". Esses resultados indicam que informações prévias pré-conscientes,
embora não estejam totalmente acessíveis ao pensamento consciente, estão disponíveis para
os processos de atenção.
O fenômeno "na-ponta-da-língua" é aparentemente universal e é encontrado nas mais
diversas línguas. Também é visto em pessoas com limitações de leitura ou analfabetas
(Brennen, Vikan, Dybdahl, 2007). Esse fenômeno varia conforme a idade da pessoa e a di
ficuldade da pergunta. Adultos mais velhos apresentam mais experiências "na-ponta-da-lín
gua" do que adultos jovens (Gollan, Brown, 2006). O córtice anterior e os córtices
pré-frontais cingulados antetiores são acionados quando alguém vivência a experiência "na-
ponta-da-língua", que se deve ao alto nível de mecanismos cognitivos que sãoativados para
resolver a falha na recuperação da informação (Maril, Wagner, Schacter, 2001).
A percepção pré-consciente também é observada em pessoas com lesões em algumasáreas
do córtex visual (Ro, Rafai, 2006), geralmente pacientes cegos em áreas do campo visual que
correspondem às áreas lesionadas do córtex. Entretanto, alguns desses pacientes parecem
apresentar visão cega - traços de capacidade perceptiva visual em áreas cegas (Kentridge,
2003). Sempre que forçados a dar um palpite sobre um estímulo na região "cega", eles acer
tam localizações e posições de objetos em níveis superiores ao acaso (Weiskrantz, 1994).
Da mesma forma, quando forçados a tentar pegar objetos na área cega, "os participantes
112 PsicologiaCognitiva
corticalmente cegos (...) mesmo assim, pré-ajustam as mãos adequadamente ao tamanho, à
forma, à posição e à localização em 3D do objeto que está no campo cego" (Mareei, 1986,
p. 41). Contudo, não conseguem demonstrar comportamento voluntário, como tentar pe
gar um copo de água que esteja na região cega, mesmo quando estão com sede. Parece ocor
rer algum processamento visual mesmo quando os participantes não têm consciência das
sensações visuais.
Um exemplo interessante de visão cega é o estudo de caso de um paciente chamado D.
B. (Weiskrantz, 1986). O paciente ficou cego no lado esquerdo do campo visual em conse
qüência de uma operação mal sucedida, ou seja, cada um dos olhos tinha um ponto cego no
lado esquerdo do campo visual. Coerente com esse dano, D. B. relatou não ter consciência
de qualquer objeto colocado no seu lado esquerdo ou de quaisquer eventos que ocorressem
daquele lado. Contudo, apesar da falta de consciência de visão desse lado, havia evidên
cias de visão. O investigador mostrava objetos do lado esquerdo do campo visual e, a seguir,
apresentava a D. B. um teste de escolha focada, em que o paciente tinha de indicar qual
de dois objetos havia sido apresentado desse lado. D. B. teve um desempenho em níveis sig
nificativamente melhores do que o acaso. Em outras palavras, ele "viu", apesar de não ter
consciência de ter visto.
Outro estudo foi concluído com um paciente com danos no córtex visual em conse
qüência de um derrame. Os experimentadores repetidamente emparelharam um estímulo
visual com choque elétrico. Após inúmeros pares de estímulos, o paciente começou a de
monstrar medo sempre que o estímulo visual era apresentado, embora não pudesse explicar
porque estava com medo. Deste modo, o paciente foi processando a informação visual, em
bora não pudesse enxergar (Hamm et ai., 2003).
Os exemplos anteriores mostram que, pelo menos, algumas funções cognitivas podem
ocorrer fora da consciência. Parece que o ser humano pode sentir, perceber e até mesmo
reagir a muitos estímulos que nunca adentram a consciência (Mareei, 1983a). Então, quais
processos requerem ou não a consciência?
INVESTIGANDO
A PSICOLOGIA
COGNITIVA
Escreva
seu nome várias vezes em um pedaço de papel enquanto visualiza
tudo o que puder lembrar sobre o quarto em que você dormia quando
tinha 10 anos. Enquanto continua escrevendo seu nome e visualizando
seu antigo quarto, faça uma viagem mental de consciência para observar
suas sensações corporais, começando pelo dedão do pé, seguindo pela
perna, cruzando o torso até o ombro oposto e descendo pelo braço. Que
sensações você está sentindo —pressão do chão, dos sapatos ou das roupas,
ou talvez uma pressão em algum outro lugar?Você ainda está conseguindo
escrever seu nome enquanto acessa imagens na memória e continua pres
tando atenção às sensações desse momento?
Processos Controlados versus Processos Automáticos
Muitos processos cognitivos também podem ser diferenciados em termos de exigência ou
não de controle consciente (Schneider, Shiffrin, 1977; Shiffrin, Schneider, 1977). Os pro
cessos automáticos não requerem controle consciente (ver Palmeri, 2003). Em sua maior
parte, são realizados sem consciência, mas pode-se estar consciente de estarem sendo feitos.
Eles demandam pouco ou nenhum esforço, ou mesmo intenção. Os processos automáticos
múltiplos podem ocotrer simultaneamente ou, pelo menos, muito rapidamente e sem uma
seqüência específica, e são chamados de processos paralelos. Em comparação, os processos
controlados são acessíveis ao controle consciente e até mesmo o requerem, sendo realizados
Capítulo4 • Atenção e Consciência 113
NO LABORATÓRIO DE JOHN F. KIHLSTROM
John Kihlstrom é professor do
Departamento de Psicologia
da University of Califórnia,
em Berkeley, e é membro do
Institute for Cognitive and
Brain Sciences e do Institute
for PersonaUty and Social Re
search. Atualmente, dirige
umprograma interdisciplinar degraduação em Ciên
cias Cognitivas. Em seu artigo "The Cognitive
Unconscious" (O Inconsciente Cognitivo) publi
cado na revista Science, foi amplamente reconhe
cido e suscitou renovado interesse cientifico na vida
mental inconsciente depois de quase um século do
freuãsmo (Kihlstrom, 1987).
O objetivo maior da minha pesquisa é uti
lizar os métodos da Psicologia Cognitiva para
compreender o fenômeno da hipnose, um es
tado especialde consciência, no qual os sujeitos
podem enxergar coisas que não existem, não
conseguem ver coisas que existem e reagem a
sugestões pós-hipnóticas sem saber o que estão
fazendo ou por que o estão fazendo. Depois de
sair da hipnose, eles não conseguem se lembrar
daquilo que fizeram enquanto hipnotizados.
Esse fenômeno, conhecido como amnésia pós-
-hipnótica, tem sido o foco mais importante da
minha pesquisa (Kihlstrom, 2007).
Em primeiro lugar, no entanto, precisa
mos encontrar os indivíduos certos, pois exis
tem enormes diferenças individuais em termos
de hipnotizabilidade ou a propensão a ser hip
notizado. Embora indivíduos hipnotizáveis te
nham propensão para outras experiências de
imaginação ou de absorção, não há um questio
nário de personalidade que possa afirmar com
segurança quem pode ou não ser hipnotizado.
A única maneira de descobrir quem é hipnotizá-
vel é tentar hipnotizá-lo e ver se funciona.
Com esse propósito, dispomos de um conjunto
de escalas padronizadas de suscetibilidade hip
nótica, que são testes firmados em desempenho
semelhantes aos testes de inteligência. Cada
escala começa com uma indução à hipnose, na
qual o indivíduo é solicitado a relaxar, focalizar
os olhos e prestar atenção à voz do hipnotiza
dos Em seguida, o indivíduo recebe uma série
de sugestões para várias experiências. Sua rea
ção a cada uma dessas sugestões é avaliada
de acordo com um critério padronizado de
comportamento que leva a uma nota total,
representando a capacidade deste indiví
duo de ser hipnotizado.
A partir deste ponto, no entanto, nossos
experimentos em cognição se parecem com
quaisquer outros, exceto pelo fato de que os
nossos participantes estão hipnotizados. Em
um estudo que usou um paradigma de apren
dizado verbal conhecido (Kihlstrom, 1980),
os sujeitos memorizaram uma lista de 15 pa
lavras conhecidas, como menina ou cadeira, e
depois recebiam uma sugestão para amnésia
pós-hipnótica: "Vocênão conseguirá se lem
brar que aprendeu essas palavras enquanto
esteve hipnotizado... Você não se lembrará
que eu falei essas palavras ou o que são essas
palavras". Como parte dessa sugestão, esta
belecemos uma "pista de reversibilidade"
("Agora você se lembra de tudo") para can
celar a sugestão de amnésia. Após sair da
hipnose, os sujeitos altamente hipnotizáveis
não se lembravam de quase nada da lista,
ao passo que os não suscetíveis - que ha
viam passado pelos mesmos procedimentos
- se lembravam da lista quase que perfeita
mente. Isto demonstra que a ocorrência de
amnésia pós-hipnótica está altamente corre
lacionada com a hipnotizabilidade.
Depois, os participantes receberam um
teste de associaçãode palavras no qual eram
apresentadas pistas e lhes era solicitado que
relatassem a primeira palavra que lhes viesse
à mente. Algumas dessas pistas eram pala
vras como menino e mesa, que sabidamente
produziam "alvos críticos" na listado estudo.
Outras eram pistas de controle, como lâm
pada e cachorros, com probabilidade igual
mente alta de produzir alvos neutros, como
Iu^ e gatos, que não haviam sido estudados.
Apesar da incapacidade de se lembraremdas
palavras que haviam acabado de estudar,
os sujeitos hipnotizáveis e os amnésicos não
produziram menos alvos críticos do que os
sujeitos não suscetíveis e os não amnésicos.
Isto demonstra que a amnésia pós-hipnótica
é uma interrupção da memória episódica,
mas não da semântica. De fato, Endel Tul-
ving (1983) citou esse experimento como
(contínua)
114 Psicologia Cognitiva
NO LABORATÓRIO DE JOHN F. KIHLSTROM (continuação)
um dos primeiros estudos convincentes sobre a
diferença entre esses dois tipos de memória.
Mais importante ainda, no teste de livre
associação, os sujeitos tiveram mais probabilida
des de gerar alvos críticos em lugar de neutros.
Este é um fenômeno de priming semântico, no
qual uma experiência prévia, como a de estudar
uma lista de palavras, facilita o desempenho
em uma tarefa posterior, como a de gerar pala
vrasdurante um teste de associação livre (Meyer,
Schvaneveldt, 1971). A magnitude do efeito de
priming foi a mesma nos sujeitos hipnotizáveis e
amnésicos e nos não suscetíveis e não amnési
cos. Em outras palavras, a amnésia pós-hipnótica
acarreta uma dissociação entre a memória explí
cita e a implícita (Schacter, 1987).
Enquanto a memória explícita e implícita
está dissociada de outras formas de amnésia, a
dissociação observada na amnésia pós-hipnó
tica possui algumas características que a tornam
especial. A maioria dos estudos da memória
implícita em sujeitos neurologicamente intac
tos emprega condições de codificação altamente
degradadas, tais como processamento sem pro
fundidade, de forma a prejudicar a memória ex
plícita. Contudo, na amnésia pós-hipnótica, a
codificação não é degradada de forma alguma.
Os sujeitos deliberadamente memorizaram a
lista, conforme critério rígido de aprendizado,
antes que a sugestão de amnésia fosse dada, e se
lembraram perfeitamente de toda a lista bem
depois da sugestão para amnésia ser revertida.
Dessa forma, o fenômeno comprova que a me
mória implícita pode ser dissociada da memória
explícita até mesmo sob condições de processa
mento profundo. Mais importante, a grande
maioria dos estudos de memória implícita na
amnésia (e memória normal também) dizem
respeito ao priming de repetição, conforme
exemplificado pelos testes de complementação
de radicais e complementação de fragmen
tos. O primingde repetição pode ser mediado
por meio de uma representação com base na
percepção do prime (estímulo ativador) e
de acordo com as teorias mais populares do
foco de memória implícita nos sistemas de
representação perceptiva no cérebro. Porém,
nesse estudo, a natureza do priming
é semân
tica e precisa ser mediada por uma represen
tação com base na representação do prime.
Dessa maneira, os estudos sobre a hipnose
nos lembram que uma teoria abrangente da
memória implícita terá de ir muito além
do priming de repetição e dos sistemas de re
presentação perceptiva.
Referências
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cently learned material: Interactions with
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em seqüência, isto é, um passo de cada vez. Levam mais tempo para serem executados, pelo
menos em comparação com os processos automáticos.
Trêsatributoscaracterizamos processos automáticos (Posner, Snyder, 1975). Primeiro, são
ocultosda consciência. Segundo, não são intencionais e, terceiro, consomem poucos recursos
da atenção. Uma visão alternativa sugete um continuum entre os processos inteiramente au
tomáticos e os inteiramente controlados. De um lado, a extensão dos processos controlados
Capítulo4 • Atenção e Consciência 115
é tão grande e diversificada que seria muito difícil caracterizartodos os processos controlados
da mesma maneira (Logan, 1988). Dificuldades semelhantes surgem ao se caracterizarem os
processos automáticos. Alguns deles não podem ser recuperados na consciência, apesar dos
inúmeros esforços feitos para tanto. Entre esses exemplos estão o processamento pré-cons
ciente e o priming. Outros processos automáticos, como amarrar os sapatos, podem set con
trolados intencionalmente, mas raramente são conduzidos dessa maneira. Por exemplo,
dificilmente se pensa a respeito de todas as etapas envolvidas na execução dos muitos com
portamentos automáticos; independentemente de serem trazidos até a consciência, esses pro
cessos não requerem decisões conscientes com relação a quais músculos mexer e que ações
tomar. Porexemplo, quando se faz uma ligação telefônica pata alguém conhecido ou quando
se está ao volante, indo para um lugar conhecido, não se questiona quantos músculos serão
necessários para desempenhar essa tarefa. Contudo, suas identidades podem ser trazidas até
a consciência e controladas de modo relativamente fácil. (O Quadro 4-1 resume as caracte
rísticas dos processos controlados versus os processos automáticos.)
QUADRO 4.1 1 Processos Controlados versus Processos Automáticos
É possível que haja um continuum de processos cognitivos, desde os totalmente controla
dos até os completamente automáticos; esses traços caracterizam os extremos polares de
cada grupo.
Características Processos Controlados Processos Automáticos
Quantidade de esforço
intencional
Requerem esforço intencional. Requerem pouco ou nenhum esforço
(e o esforço intencional pode até ser
necessário para evitar comportamentos
automáticos).
Grau de consciência Requerem consciência total. Geralmente ocorrem fora da
consciência, embora alguns processos
automáticos possam estar disponíveis à
consciência.
Uso de recursos da
atenção
Consomem muitos recursosda atenção. Consomem recursos de atenção
desprezíveis.
Tipo de
processamento
Realizado em série (um passo por vez). Realizado por meio de processamento
paralelo (por exemplo, muitas
operações ao mesmo tempo ou, pelo
menos, sem seqüência definida).
Velocidade de
processamento
Execução relativamente demorada, se
comparada com processos automáticos.
Relativamente rápidos.
Novidade relativa das
tarefas
Tarefas novas e imprevistas ou com
muitas características variáveis.
Tarefas conhecidas e muito executadas,
com catactetísticas bastante estáveis.
Nível de
processamento
Níveis relativamente altos de
processamento cognitivo (exigindo
análise ou síntese).
Níveis telativamente baixos de
processamento cognitivo (análise ou
síntese mínimas).
Dificuldade das tarefas Tarefasgeralmente difíceis. Tarefas quase sempre relativamente
fáceis, mas mesmo as quase complexas
podem ser automatizadas, com prática
suficiente.
Processo de aquisição Com prática suficiente, muitos procedimentos de rotina e até mesmo estáveis po
dem se tomar automatizados, de maneira que os ptocessos altamente controlados
podem se tornar parcial ou totalmente automáticos; assim,o total de prática neces
sária para a automatização aumenta muito para as tarefas altamente complexas.
116 Psicologia Cognitiva
Na verdade, muitas tarefas que começam como processos controlados acabam se tor
nando automáticas. Por exemplo, dirigir um carro é inicialmente um processo contro
lado. Uma vez que se aprende a fazê-lo, torna-se automático em condições normais de
direção. Essas condições compreendem trajetos conhecidos, tempo bom e pouco ou ne
nhum tráfego. Da mesma forma, quando se aprende a falar uma língua esttangeira, é pre
ciso traduzir palavra por palavra a partir da sua língua nativa. Com o tempo, o indivíduo
começa a pensar na segunda língua. Esse pensamento possibilita que se pule a etapa da tra
dução intermediária, fazendo com que o processo de falar se torne automático. A atenção
consciente pode ser revertida ao conteúdo, em lugar do processo da fala. Mudança seme
lhante do controle ao processamento automático ocotre quando se adquire a capacidade
de ler. Entretanto, quando as condições mudam, a mesma atividade poderá exigir nova
mente controle consciente. Ao dirigir, por exemplo, se a rua estiver molhada, o indivíduo
provavelmente irá prestar, mais atenção para frear e acelerar. As duas tarefas são normal
mente automáticas ao dirigir.
Pode-se observar que os procedimentos que se aprendem no início da vida, muitas ve
zes, tornam-se automáticos e menos acessíveis à consciência do que aqueles adquiridos mais
tardiamente. Alguns exemplos são amarrar os sapatos, andar de bicicleta ou até mesmo ler.*
Geralmente, os processos e os procedimentos de rotina adquiridos mais recentemente são
menos automáticos. Ao mesmo tempo, estão mais acessíveis ao controle consciente. A au
tomatização (também chamada de procedimentalizaçâo) é o processo pelo qual um procedi
mento passa de altamente consciente a relativamente automático. Como o leitor pode ter
imaginado com base em sua própria experiência, a automatização acontece como conseqüên
cia da prática. Atividades muito praticadas podem ser automatizadas, tornando-se, assim,
automáticas (LaBerge, 1975, 1976, 1990; LaBerge, Samuels, 1974).
Como ocorre a automatização? Uma visão bastante aceita é a de que, durante a prática,
a implementação dos vários passos acaba por se tornar mais eficiente. O indivíduo combina,
gradualmente, os passos individuais trabalhosos com componentes integrados. Estes com
ponentes, então, são ainda mais integrados. Por fim, todo o processo é um único procedi
mento altamente integrado ao invés de uma junção de passos individuais (Anderson, 1983;
LaBerge, Samuels, 1974). Conforme essa teoria, as pessoas consolidam vários passos distin
tos em uma única operação, que requer pouco ou nenhum recurso cognitivo, como a aten
ção. Essa abordagem da automatização está, aparentemente, sustentada por um dos
primeiros estudos da automatização (Bryan, Harter, 1899). Esse estudo investigou de que
forma os operadores de telégrafo automatizavam, gradualmente, a tarefa de enviar e receber
mensagens. No início, os novos operadores
automatizavam a transmissão de letras indivi
duais. Entretanto, uma vez automatizada a transmissão de letras, eles automatizavam a
transmissão de palavras, de frases e, depois, de outros grupos de palavras.
Outra explicação alternativa - chamada "teoria do exemplo" - foi proposta. Logan
(1988) sugeriu que a automatização ocorre porque se acumula conhecimento de modo gra
dual sobre determinadas reações e estímulos. Por exemplo, quando uma criança aprende a
somar e a subtrair, ela aplica um procedimento geral - contar - para lidar com cada par de
números. Após a prática repetida, a criança armazena, pouco a pouco, o conhecimento so
bre pares específicos de números específicos. Ainda assim, pode recorrer ao procedimento
geral (contar) quando for necessário. Do mesmo modo, quando aprende a dirigir, uma pes
soa pode se utilizar de uma riqueza acumulada de experiências específicas. Essas experiên
cias formam uma base de conhecimento a partir da qual a pessoa pode, rapidamente, lançar
mão de procedimentos específicos a fim de responder a estímulos específicos, como carros
que se aproximam ou faróis de trânsito. Conclusões pteliminares sugerem que a teoria do
exemplo de Logan explica melhor as respostas específicas a estímulos específicos, como
o cálculo de combinações aritméticas. A visão predominante pode explicar melhor respos
tas mais gerais, no que diz respeito à automatização (Logan, 1988).
Capítulo 4 • Atenção e Consciência 117
Os efeitos da prática sobre a automatização mosttam uma curva de aceleração negativa.
Nessa curva, os efeitos da prática inicial são grandes. Um gráfico de melhoria de desempe
nho mostraria uma curva de ascendência brusca no início. Os efeitos da prática posterior
fazem cada vez menos diferença no grau de automatização. Em um gráfico que mostra essa
melhoria (Figura 4.2), a curva acabaria por se estabilizar. Claramente, os processos automá
ticos geralmente regem tarefas conhecidas e bastante praticadas. Os processos controlados
comandam tarefas relativamente fáceis. A maioria das tarefas difíceis requer processa
mento controlado, contudo, com prática suficiente, até as mais complexas tarefas, como ler,
podem se tornar automatizadas. Como os comportamentos extremanente automatizados
exigem pouco esforçoou controle consciente, pode-se ter múltiplos comportamentos auto
máticos, potém dificilmente pode-se ter mais de umcomportamento controlado automático
que demande muito esforço. Embora não exijam controle consciente, os processos automá
ticos raramente estão sujeitos a este tipo de controle. Por exemplo, a correta articulação
(fala) e exímia digitação podem ser intetrompidas quase que imediatamente a um sinal ou
reação à detecção de erro. Entretanto, o exímio desempenho de comportamentos automá
ticos, muitas vezes, é prejudicado pelo controle inconsciente. Tente ler andando de bici
cleta enquanto monitora conscientemente todos os seus movimentos. Vai ser muito difícil
executar essas duas tarefas.
A automatização de tarefascomo a leitura não é garantida, mesmocom prática. Inúme
ras pesquisas apontam que, em casos de dislexia, a automatização fica prejudicada. Maises
pecificamente, indivíduos com dislexia, em geral, apresentam dificuldades em finalizar
tarefas normalmente automáticas, além da leitura (Brambati et ai., 2006; Ramus et ai.,
2003; van der Leij, de Jong, Rijswijk-Prins, 2001; Yap van der Leij, 1994). Não necessaria
mente todas as tarefas relacionadas à automatização estão prejudicadas em pessoas com dis
lexia. Em alguns estudos, algum nível de automatização foi registrado em indivíduos com
dislexia (Kelly, Griffths, Frith, 2002).
FIGURA 4.2
100
1 23456789 10
Blocos de testes
A taxade melhoria provocada pelos efeitos daprática mostra umpadrão deaceleração negativa. A curva deaceleração
negativa atriimiaíi a efeitos da prática é semelhante àcurva apresentada, indicando que a taxa do aprendizado fica mais
lenta à medida que o volume do aprendizado aumenta, até atingir um pico de aprendizado em nível estável.
118 Psicologia Cognitiva
E importante automatizar várias rotinas de segurança (Norman, 1976). Isto se aplica,
principalmente, às pessoas com ocupações de alto risco, como pilotos, mergulhadores e
bombeiros. Porexemplo, mergulhadores novatos reclamam da freqüente repetição de vários
procedimentos de segurança dentro dos limites de uma piscina. Um exemplo de procedi
mento seria ter que se soltar de um cinturão estorvador com pesos. Entretanto, essa é uma
prática muito importante, como eles verão mais tarde. Os mergulhadores experientes reco
nhecem o valor desses procedimentos quando precisam contar com eles diante de eventual
pânico ao confrontar uma situação de emergência no fundo do mar que coloquesuas vidas
em risco.
Em algumas situações, os processos automatizados podem salvar vidas, ao passo que em
outras, podem colocá-las em risco (Langer, 1997). Consideremos um exemplo daquilo
que Langer (1989) chama de "descuido". Em 1982, piloto e copiloto repassavam uma lista
de itens antes da decolagem. Observaram "sem cuidado" que o anticongelante estava des
ligado, como era para acontecer em circunstâncias normais, porém não nas gélidas condi
ções em que se preparavam para voar. O voo acabou em um acidente com a morte de 74
passageiros. Muitas vezes, a implementação descuidada de processos automáticos resulta em
conseqüências bem menos trágicas. Por exemplo, ao dirigir, é possível que a pessoa acabe
indo direto paracasa ao invés de pararem uma loja, como havia planejado. Ou, após ser
vir-se de um copo de leite, o indivíduo acabe guardando a caixa de leite no armário da co
zinha e não no refrigerador.
Uma análise abrangente dos erros humanos aponta que podem ser classificados como
equívocos ou como lapsos (Reason, 1990). Os equívocos são erros na escolha de um obje
tivo ou na especificação de um meio para atingi-lo; já os lapsos são erros na realização de
um meio para se atingir um objetivo. Suponha, por exemplo, que você tenha resolvido que
não precisa estudar para um exame. Assim, propositadamente, deixa o livro em casa ao sair
para um fim de semana prolongado, mas, no momento do exame, descobre que deveria ter
estudado. Segundo Reason, você cometeu um equívoco. Contudo, suponha que tivesse a
intenção de levaro livro, pois planejou estudar muito durante o fim de semana prolongado,
mas, com pressa, sem querer, esqueceu o livro em casa. Isso seria um lapso. Resumindo,
os equívocos compreendem erros em processos controlados intencionais e os lapsos, ge
ralmente, compreendem erros em processos automáticos (Reason, 1990).
Existem vários tipos de lapsos (Norman, 1988; Reason, 1990; ver Quadro 4-2). Em ge
ral, os lapsos têm maior probabilidade de ocorrer em duas circunstâncias. Na primeira cir
cunstância, desvia-se de uma rotina e osprocessos automáticos, inadequadamente, dominam
os processos intencionais e controlados. Na segunda, os processos automáticos são inter
rompidos. Essas interrupções, em geral, resultam de eventos externos ou informações de
fora, mas, algumas vezes, podem ser resultado de eventos internos, como os pensamentos
que causam muita distração. Imagineque você está digitando um documento logo após ter
discutido comumamigo. Você iráfazer pausas emsuadigitação à medida que ospensamen
tos sobre como deveria ter reagido à discussão irão interromper a sua digitação, normal
mente automática. Os processos automáticos são muito úteis em várias ocasiões. Eles
liberam aspessoas de prestar excessiva atençãoem tarefas rotineiras, como amarrar ossapa
tos ou ligar para um número conhecido. Assim, é provável que se abra mão dos processos
automáticos apenas pata evitar lapsos ocasionais. Ao contrário, deve-se tentar minimizar os
custos desses lapsos.
Como minimizar o potencial paraas conseqüências negativas dos lapsos? Em situações
cotidianas, é menos provável que se cometam lapsos quando se recebem respostas adequa
das do ambiente. Por
exemplo, a caixa de leite pode ser maior que a prateleira do armário
da cozinha ou seu passageiro poderá lhe dizer: "Achei que iríamos passar na loja antes de ir
para casa".
Capítulo 4 • Atenção e Consciência 119
QUADRO 4.2 Lapsos Associados a Processos Automáticos
Ocasionalmente, quando nos distraímos ou somos interrompidos durante a implementa
ção de um processo automático, ocorrem lapsos. Todavia, em comparação com o número
de vezes em que o indivíduo se envolve em processos automáticos a cada dia, os lapsos
são eventos relativamente raros (Reason, 1990).
Tipo de Erro Descrição de Erro Exemplo de Erro
Erros de captura A intenção é desviar-se de uma atividade
rotineira que se está implementando em
um contexto conhecido, mas, no ponto
de onde deveria distanciat-se da rotina,
se para de prestar atenção e obtet
controle novamente do processo. Então,
o processo automático captura o
comportamento, e o indivíduo
não consegue se desviar da rotina.
0 psicólogo William James (1890-1970,
citado em Langer, 1989) deu um exemplo
no qual ele seguiu automaticamente sua
rotina usual, tirando as roupas de
trabalho, vestindo o pijama e indo para a
cama - para só então se dat conta de que
pretendia tirar a roupa de trabalho e
vestir-se para ir a um jantat.
Omissões* A interrupção de uma atividade de rotina
pode causar um lapso de um passo ou dois
na implementação da parte remanescente
da rotina.
Quando se vai a outro cômodo da casa
para pegar algo, se uma distração (por
exemplo, o telefone) o interromper, o
indivíduo poderá voltar ao cômodo onde
estava sem pegar o objeto.
Perseverações* Após um procedimento automático ter
sido concluído, um ou mais de seus passos
podem ser repetidos.
Se, ao ligar o carro, o indivíduo se
distrair, poderá girar a chave outra vez.
Erros de
descrição
Uma descrição interna de um
comportamento pretendido leva a realizar
a ação correta sobre o objeto errado.
Ao guardar as compras, o indivíduo pode
colocar o sorvete no armário e um pacote
de farinha no congelador.
Erros causados
por dados
Informações sensoriais que se recebe
podem acabar por dominar as variáveis
pretendidas em uma seqüência de ação
automática.
Na intenção de digitar um número
conhecido, ao ouvir alguém dizer outra
série de números, o indivíduo pode
acabar digitando alguns desses números
em lugar daqueles que pretendia.
Erros de ativação
associativa
Associações fortes podem desencadear a
rotina automática errada.
Quando se espera que alguém chegue à
potta, se o telefone tocar, o indivíduo
pode atender dizendo: "Entre!".
Erros de perda de
ativação
A ativação de uma rotina pode ser
insuficiente pata levá-la até o final.
Freqüentemente, todas as pessoas passam
pela sensação de ir a outro cômodo da
casa para fazer algo e, ao chegar lá, se
perguntam: "O que é que vim fazer
aquií". Talvez,pior ainda, seja a sensação
desagradável: "Sei que eu deveria estat
fazendo alguma coisa, mas não lembro o
que é". Até que algo no ambiente motive
a lembrança, as pessoas podem se sentir
extremamente frustradas.
* As omissões e perseverações podem ser consideradasexemplosde erros na seqüência de processos automáticos. Entre os
erros desse tipo estão a sequência incorreta de passos, como tentar tirar as meiasantes dos sapatos.
120 PsicologiaCognitiva
Se fosse possível encontrar maneiras de se conseguir um retorno útil, talvezse pudessem
reduzir as probabilidades de conseqüências desastrosas dos lapsos. Um tipo de retorno bas
tante útil envolve uma função forçada. Essas são limitações típicas que dificultam ou impos
sibilitam a tealização de um comportamento automático que possa levar a um lapso
(Norman, 1988). Como exemplo de função forçada, alguns carros modernos dificultam ou
impedem que se dirija sem o cinto de segurança. Pode-se elaborar as próprias funções for
çadas, como colocar um aviso na direção como lembrete de que precisa fazer algo antes de
ir para casa ou colocar objetos na frente da casa, de forma a bloquear a saída para forçar a
lembrança de que se deseja levar algo consigo.
Durante a vida, automatizam-se inúmeras tarefas cotidianas, mas um dos pares mais
úteis de processos automáticos aparece, pela primeira vez, horas após o nascimento: a habi
tuação e seu oposto complementar, a desabituação.
Habituação e Adaptação
A habituação está relacionada ao ato de se acostumar com um estímulo de tal modo que,
aos poucos, se passe a prestar cada vez menos atenção a ele. A conttapartida da habituação
é a desabituação, na qual uma mudança em um estímulo conhecido leva o indivíduo a
começar a notá-lo outra vez. Os dois processos ocorrem automaticamente, sem nenhum
esforço consciente. A estabilidade e a familiaridade relativas do estímulo comandam esses
processos. Quaisquer aspectos que pareçam diferentes ou novos (desconhecidos) conduzem
à desabituação e fazem com que a habituação seja menos provável. Por exemplo, suponha
APLICAÇÕES
PRÁTICAS DA
PSICOLOGIA
COGNITIVA
A habituação também tem falhas. Entediar-se durante uma palestra ou
durante a leitura de um livro didático é sinal de habituação. Sua atenção
pode começar a se desviar para os ruídos de fundo ou você pode descobrir
que leu um ou dois parágrafos sem qualquer lembrança do conteúdo. Fe
lizmente, você pode se desabituar com muito pouco esforço. Aqui estão
alguns passos que sugerem como superar os efeitos negativos do tédio.
1. Faça pausas ou alterne tarefas diferentes, se possível. Se você não
consegue se lembrar dos últimos parágrafos do texto, é hora de parar
por alguns minutos. Volte e marque a última página de que se lembra
e largue o livro. Se uma pausa lhe parece desperdício de tempo va
lioso, faça outro trabalho por certo tempo.
2. Faça anotações enquanto lê ou escuta. A maioria das pessoas faz isso.
As anotações concentram a atenção no conteúdo mais do que apenas
escutar ou ler. Se necessário, tente alternar entre o texto impresso e
suas anotações, a fim de tornar a tarefa mais interessante.
3. Ajuste seu foco de atenção para aumentar a variedade dos estímulos.
A voz do instrutor está se arrastando interminavelmente, de modo
que você não consegue fazer uma pausa durante a exposição? Tente
observar outros aspectos dessa pessoa, como gestos das mãos ou mo
vimentos corporais e, ao mesmo tempo, preste atenção ao conteúdo.
Crie um intervalo no fluxo, fazendo uma pergunta - levantar a mão
já pode fazer uma mudança no padrão de fala do palestrante. Mude
seu nível de excitação. Se nada mais adiantar, você precisará se forçar
para se interessar pelo conteúdo. Pense sobre como ele poderá ser
usado em sua vida diária. Além disso, às vezes, apenas respirar fundo
de vezem quando ou fechar os olhos por alguns segundospode mudar
seus níveis internos de excitação.
Capítulo 4 • Atenção e Consciência 121
QUADRO 4.3 Diferenças entre Ada Dtação Sensorial e Habituação
As reações relacionadas à adaptação fisiológica ocorrem principalmente nos órgãos sen-
soriais, ao passo que aquelas relacionadas à habituação cognitiva ocorrem principal
mente no cérebro (e se relacionam à aprendizagem).
Adaptação Habituação
Não acessível ao controle consciente (Exemplo:
você não consegue determinar o quão rapidamente
irá se adaptar a determinado cheiro ou a uma mu
dança específicana intensidade da luz).
Acessível ao controle consciente (Exemplo:
você pode decidir ficat ciente de conversas de
fundo às quais havia se habituado).
Muito vinculado à intensidade dos estímulos (Exem
plo: quanto mais aumenta a intensidade de uma luz,
mais fortemente seus sentidos irão se adaptar a ela).
Não muito vinculado à intensidade do estímulo
(Exemplo: seu nível de habituação não vai ser muito
diferente em sua reação ao som de um ventiladot
barulhento e de um condicionador de ar silencioso).
Não relacionado à quantidade, à duração e ao período
de exposições anteriores (Exemplo: os receptotes
sen-
soriaisde sua pele responderão às mudanças de tem
peratura basicamente da mesmaforma, não impor
tando quantas vezes você tenha sido exposto a essas
mudançase o quão tecentemente as experimentou).
Muito vinculado à quantidade, à duração e ao cará-
tet recente de exposições anteriores (Exemplo: você
se habituará com rapidez ao som de um carrilhão se
tiver sido exposto ao som com mais freqüência, por
períodos mais longose em ocasiões mais recentes).
que umrádio estejatocando música instrumental enquanto você lêo seu livro de Psicologia
Cognitiva. A princípio, o som poderá distraí-lo, mas, após algum tempo, você se habitua a
ele e malo percebe. Porém, se o volume da música mudasse muito de uma hora para outra,
você iria, imediatamente, desabituar-se a ele. O som que antes era familiar e ao qual você
estava habituado deixaria de ser familiar, entrando, dessa maneira, em sua consciência. A
habituação não é limitada aosseres humanos, sendo encontrada em organismos tão simples
como o molusco Aplysia (Castellucci, Kandel, 1976).
Em geral, não realizamos qualquer esforço para nos habituar às sensações dos estímulos
do ambiente. Não obstante, embora geralmente não se tenha controle consciente sobre a
própriahabituação, é possível fazê-lo. Assim, a habituação é um fenômeno da atenção que
difere do fenômeno fisiológico da adaptação sensorial. A adaptação sensorial é uma dimi
nuição da atençãoa um estímulo que não seja objetode controleconsciente. Ela ocorre di
retamente nosórgãos sensoriais e não no cérebro. Pode-se exerceralgum controle consciente
sobre a observação de algo com o qual se tenha habituado, mas não tem qualquercontrole
consciente sobre a adaptação sensorial. Por exemplo, não podemos nos forçar consciente
mente a sentir um aroma ao qual os nossos sentidos se adaptaram, nem podemosconscien
temente forçar as pupilas a se adaptarem - ou não se adaptarem - aos diferentes níveis de
claridade ou escuridão. Por outro lado, se alguém nos perguntar: "Quem é o guitarrista da
quelamúsica?", podemos novamente observar a música de fundo. O Quadro 4-3 oferece ou
tras distinções entre adaptação sensorial e habituação.
Dois fatores que influenciam a habituação são a variação dos estímulos internos e a ex
citação subjetiva. Alguns estímulos estão mais ligados à variação interna que outros. Por
exemplo, a música de fundo contém mais variação interna do que o ruído estável de um
aparelho de ar-condicionado. A complexidade relativa do estímulo (um tapete oriental
complexo versus um tapete cinza) não parece importante para a habituação. Ao invés disso,
o que impotta é o volume de mudança que ocotre no estímulo com o passar do tempo. Por
exemplo, um mobile envolve mais mudanças do que uma escultura rígida e mais complexa.
122 PsicologiaCognitiva
Dessa maneira, é relativamente difícil estar sempre habituado aos ruídos de uma televisão
que mudam o tempo todo, mas é relativamente fácil ficar habituado ao ruído constante de
um ventilador. A razão é que as vozes, muitas vezes, falam animadamente e com inflexão
acentuada, ou seja, mudam constantemente, enquanto o som do ventilador permanece
constante, com pouca variação.
Os psicólogos conseguem observar a habituação ocorrendo no nível fisiológico ao me
dir o nível de excitação das pessoas. A excitação é o nível de agitação fisiológica, da reação
e da prontidão pata a ação em relação a uma condição básica. Mede-se a excitação, geral
mente, pelos batimentos cardíacos, pela pressão sangüínea, pelos padrões de eletroencefa-
lograma (EEG) e também por outros sinais fisiológicos. Vamos considerar o que acontece,
por exemplo, quando um estímulo visual fixo permanece no campo de visão do indivíduo
por muito tempo. A atividade neural (conforme demonstrado pelo EEG), em resposta a esse
estímulo, diminui (ver o Capítulo 2). Tanto a atividade neural como outras reações fisioló
gicas (por exemplo, batimentos cardíacos) podem ser mensuradas. Essas mensuraçõesdetec
tam alta excitação em resposta à novidade percebida ou diminuída em resposta à
familiaridade. Na verdade, os psicólogos de diversos campos de atividade fazem uso das in
dicações fisiológicas da habituação para estudar uma ampla gama de fenômenos psicológi
cos em pessoas que não conseguem relatar verbalmente suas reações. Dentre essas pessoas
incluem-se os bebês e pacientes em coma. Os indicadores fisiológicos da habituação infor
mam ao pesquisador se a pessoa observa mudanças nos estímulos. Essas mudanças podem
ocorrer em termos de cor, padrão, tamanho ou formato do estímulo. Esses indicadores sina
lizam se a pessoa percebe as mudanças sob qualquer condição bem como quais mudanças
específicas a pessoa observa no estímulo.
Entre outros fenômenos, os pesquisadores usaram a habituação para estudar a discrimi
nação visual (detecção de diferenças entre os estímulos) nos bebês. Primeiramente, eles ha
bituam o bebê a um determinado padrão visual, apresentando-o até que o bebê não preste
mais atenção nele. Em seguida, apresentam um padrão visual ligeiramente diferente da
quele ao qual o bebê está habituado. Se ele conseguir discriminar a diferença, não se habi
tuará, ou seja, irá notar o novo padrão. Se, todavia, o bebê não conseguir perceber a
diferença, parecerá habituado também ao novo padrão.
A habituação, definitivamente, oferece ao sistema de atenção das pessoas muito mais
do que recebe, ou seja, a própria habituação não demanda qualquer esforço consciente e re
quer poucos recursos de atenção. Apesar de usar pouquíssimos recursos, a habituação ofe
rece enorme apoio aos processos da atenção, permitindo que as pessoas facilmente desviem
a atenção dos estímulos conhecidos e relativamente estáveis, direcionando-os a estímulos
novos e instáveis. Pode-se conjecturar a respeito do valor evolutivo da habituação; sem ela,
o sistema de atenção sofreria uma demanda muito maior. Com que facilidade o ser humano
funcionaria em ambientes altamente estimulantes se não pudesse se habituar a estímulos
conhecidos? Imagine-se tentando ouvir uma aula se não pudesse se habituar aos sons da sua
respiração, ao ruído dos papéis e livros e ao zumbido abafado das lâmpadas fluorescentes.
Percebe-se um exemplo de falha de habituação em pessoasque sofrem de tinnitus (zum
bido no ouvido). Pessoascom tinnitus apresentam problemas de habituação a estímulos au
ditivos. Muitas pessoascom zumbido no ouvido, quando colocadas em um espaço silencioso,
irão relatar o zumbido ou outros sons. Entretanto, pessoas que sofrem de tinnitus crônico
têm grande dificuldade de se adaptarem ao ruído (Walpurger et ai, 2003). Há também evi
dências que indicam que pessoas com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade
(TDAH), que será discutido mais adiante neste capítulo, têm dificuldade em se habituar a
vários tipos de estímulos. Essadificuldade ajuda a explicai porque estímulos comuns, como
o zumbido das lâmpadas fluorescentes, podem distrair uma pessoa com TDAH (Jansiewicz
et ai, 2004).
Capítulo 4 • Atenção e Consciência 123
Atenção
Detecção de Sinais
A habituação sustenta o sistema humano de atenção, que realiza muitas funções além de
apenas sair da sintonia dos estímulos conhecidos e entrar em sintonia com estímulos novos.
A atenção consciente possui quatro funções básicas. Em primeiro lugar, pela detecção de
sinais, detecta-se o surgimento de determinados estímulos. O indivíduo tenta detectar um
sinal por meio da vigilância, até mesmo quando se começa a sentir cansaço em conseqüência
de uma longa ausência de sinal. Em segundo lugar, pela atenção seletiva, escolhe-se prestar
atenção em alguns estímulos e ignorar outros (Cohen, 2003; Duncan, 1999). Em tetceiro
lugar, pela atenção dividida, aloca-se prudentemente os recursos de atenção disponíveis para
coordenar o desempenho em mais de uma tarefa por vez. Em quarto lugat, pela busca, ten
ta-se encontrar um sinal dentre as inúmeras distrações. Essasquatro funções estão resumidas
no Quadro

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