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Robert J. Sternberg Tufts University com a contribuição dos quadros "Investigando a Psicologia Cognitiva ", por: JeffMio Universidade Estadual da Califórnia - Pomona (EUA) Revisão Técnica José Mauro Nunes ProfessorAdjunto do Departamento de Estudos em Educaçãoà Distância (DEAD) da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UER.I Professor Convidado da Fundação Getulio Vargas Management IDE-FGV-RJ Doutor em Psicologia Clínicapela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro —PUC-Rio * CENGAGE QCJ Learning™ •TRADUÇÃO DA a Psicologia Cognitiva EDIÇÃO NORTE-AMERICANA Austrália • Brasil «Japão • Coréia • México • Cingapura • Espanha • Reino Unido • Estados Unidos ;\ CENGAGE ae> Learning- Psicologia Cognitiva - Tradução da 5*Edição Norte-Americana RobertJ. Sternberg Gerente Editorial: Patrícia La Rosa Editora de Desenvolvimento: Noelma Brocanelli Supervisora de Produção Editorial: Fabiana Alencar Albuquerque Produtora Editorial: Gisele Gonçalves Bueno Quirino de Souza Titulooriginal:Cognitive Psychology- 5th edition ISBN: 978-0-495-50-632-4 Tradução: Anna Maria Dalle Luche e Roberto Galman Revisão Técnica: José Mauro Nunes Copidesque: Viviane Akemi Uemura Revisão: Maria Dofores Delfina Sierra Mata, Adriane Peçanha © 2009,2006 Wadsworth, parte da CengageLearning © 2010 Cengage Learning Edições Ltda. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, sejam quais forem os meios empregados, sem a permissão por escrito da Editora. Aos infratores aplicam-se as sanções previstas nos arti gos 102,104, toó, 107 da Lei ns 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Esta Editoraempenhou-se em contatar os responsáveis pelos direitos autorais de todas as imagens e de outros materiais utilizados neste livro. Se porventura for constatada a omissão involuntária na identificaçãode algum deles, dispomo-nos a efetuar, futuramente, os possíveis acertos. Para informações sobre nossos produtos, entre em contato pelo telefone 08001119 39 Para permissão de uso de material desta obra, envie seu pedido para direitosautorais@cengage.com Diagramação: Megaart Design Capa: Eduardo Bertolini © 2010Cengage Learning. Todosos direitos reservados. ISBN13: 978-85-221-0678-3 ISBN 10: 85-221-0678-9 Cengage Learning Condomínio E-Business Park RuaWerner Siemens, m - Prédio 20 - Espaço 04 Lapa de Baixo - CEP 05069-900 - São Paulo - SP Tel.: (11) 3665-9900 Fax: 3665-9901 SAC: 0800 1119 39 Para suas soluções de curso e aprendizado, visite www.cengage.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil 1 23456 12 II 10 Sumário Capítulo Introdução à Psicologia Cognitiva 1 1 Capítulo Á* Neurociência Cognitiva 29 Capítulo ~J Percepção 65 4 Capítulo í Atenção e Consciência 107 Capítulo *J Memória: Modelos e Métodos de Pesquisa 153 Capítulo \J Processos Mnésicos 189 Capítulo 7 Representação e Manipulação do Conhecimento na Memória: Imagens e Proposições 225 vi Psicologia Cognitiva Capítulo O Representação e Organização do Conhecimento na Memória: Conceitos, Categorias, Redes e Esquemas 267 O Capítulo _>/ Linguagem: Natureza e Aquisição 303 Capítulo 1U A Linguagem no Contexto 339 Capítulo -L J. Resolução de Problemas e Criatividade 383 Capítulo Tomada de Decisões e Raciocínio 429 Capítulo 12 13 Inteligência Humana e Artificial 473 Glossário 519 Referências 527 índice remissivo 585 Ao professor Os Objetivos Originais Deste Livro Na primeira vez em que me propus a escrever este livro, tanto eu como os meus alunos sa bíamos o que era necessário haver em um livro didático (ou pelo menos era assim que eu pensava). Todos queríamos um livro que cumprisse os objetivosque seguem. 1. Combinar legibilidade com integridade. Já aconteceu de eu escolher livros tão difíceis de digerir que somente osestômagos maispreparados seriamcapazes de digerir aque lesconteúdos. Já escolhi outrosque, por falta de substância, se desmanchavam feito algodão-doce. Eu tinha de escrever um livro que desse aos estudantes algo que pu desse ser mastigado e digerido com facilidade. 2. Equilibrar uma representação clara das questões da Psicologia Cognitiva respeitando os detalhes importantes do campo. Talvez não hajadisciplina emque tanto a árvore como a floresta sejamtão importantescomoacontece na Psicologia Cognitiva. Os melhores e mais duradouros trabalhos neste campo são movidos por questões também duradouras e fundamentais. Entretanto, este trabalho igualmente trata de detalhes dos métodos e da análise de dados necessários para produzir resultados significativos. 3. Equilibrar a aprendizagem dos conteúdos com a reflexão a seu respeito. Um psicólogo cognitivo especializado não só conhece a disciplina como sabe usar o conheci mento. O conhecimento sem reflexão é inútil, e a reflexão sem o conhecimento é vazia. Tentei equilibrar o respeito pelo conteúdo com igual respeito pelo seu uso. Cada capítulo finaliza com diferentes perguntas que enfatizam a compreensão do con teúdo bem como a reflexão analítica, criativa e prática acerca dele. Os estudantes que utilizarem este livro aprenderão não apenas as idéias e os fatos básicos da Psi cologia Cognitiva, como também pensar a partir deles. 4. Reconhecer as tendências tradicionais e as tendências emergentes no campo. Este livro possui todos os tópicos tradicionais que constam da grande maioria dos livros didá ticos, incluindo a natureza da Psicologia Cognitiva e como as pessoas pensam sobre as grandes questões do campo ("Introdução à Psicologia Cognitiva"), percepção ("Percepção"), atenção e consciência ("Atenção e consciência"), memória ("Me mória: modelos e métodos de pesquisa" e "Processos mnésicos"), representação do conhecimento ("Representação e manipulação do conhecimento na memória: ima gens e proposições" e "Representação e organização do conhecimento na memória: conceitos, categorias, redes e esquemas"), linguagem ("A linguagem: natureza e aquisição" e "A linguagem no contexto"), resolução de problemas e criatividade ("Resolução de problemas e criatividade") e tomada de decisão e raciocínio ("Ra ciocínio e tomada de decisão"). Também incluí dois assuntos que normalmente não costumamser incluídos como capítulos em outras obras. A Neurociência Cognitiva ("Neurociência Cognitiva") está vii viii PsicologiaCognitiva presente porque a linha divisória entre a Psicologia Cognitiva e a Psicobiologia está cada vez mais difícil de ser delimitada. Atualmente, uma grande quantidade de traba lhos interessantes está situada na interface entre os dois campos e, assim, sea Psicolo gia Cognitiva de 20 anos atrás foi capaz de dar conta de seu trabalho sem uma compreensão das bases biológicas, acredito que, atualmente, esse tipo de psicólogo cognitivo estaria mal atendido. Inteligência artificial e humana ("Inteligência humana e artificial") está se tor nando umcampo cadavez mais importante parao Psicologia Cognitiva. Há 20anos o campo da inteligência humana era dominado pelas abordagens psicométricas (baseadas em testes). O campo eradominado porprogramas que, em termos funcio nais,estavam bastantedistantesdosprocessos do pensamento humano. Hoje em dia, ambos os campos da inteligência são muito mais influenciados por modelos cogniti vosoriundos de comoaspessoas processam a informação. Incluíosmodelos baseados em seres humanos e computadores no mesmo capítulo porque acredito que, seuob jetivo, em última análise, é o mesmo; ou seja, entender a cognição humana. Embora o livro termine com o capítulo sobre inteligência, esta também cumpre papel impor tante no início e no meio do livro, porque é a estrutura organizadora na qual a Psi cologia Cognitiva se apresenta. Essa estrutura não se dá em termos de um modelo psicométrico tradicional de inteligência, e sim em termos de inteligênciacomo es trutura organizadora para toda a cognição humana. Tentei equilibrar não apenas os tópicos tradicionais com os novos, mas também as citações antigas com algumas mais novas. Alguns livros parecem sugerir que quase nada de novo ocorreu na última década, enquanto outros parecemsugerir que a Psicologia Cognitiva foi inventada nesse mesmo período. O objetivo deste livro é equilibrar a citação e a descrição de estudos clássicos com igual atenção às contribuições recentes ao campo. 5. Mostrar a unidade básica da Psicologia Cognitiva. Por um lado, os psicólogos cogniti vos discordam com relação ao grau em que os mecanismos cognitivos são mais ge rais ou específicos. Por outro, acredito que quase todos os psicólogos cognitivos são da opinião de que há uma unidade funcional básica na cognição humana. Essa uni dade, acredito, se expressa por meio do conceito da inteligência humana. O con ceito de inteligência pode ser visto como um guarda-chuva por meio do qual se pode entender a natureza adaptativa da cognição humana. Por meio desse conceito simples, a sociedade, bem como a ciência psicológica, reconhecem que, por mais diversificada que possa ser, a cognição se articula para nos proporcionar uma ma neira funcionalmente unificada de entendermos e de nos adaptarmos ao ambiente. Sendo assim, a unidade da cognição humana, expressa pelo conceitode inteligên cia, serve como mensagem integradora deste livro. 6. Equilibrar várias formas de aprendizagem e instrução. Os estudantes aprendem melhor diante de conteúdos apresentados de diversas formas e a partirde diferentes pontos de vista. Com esse objetivo, procurei obter um equilíbrio entre uma apresentação tradicional de texto, uma série de tipos de perguntas sobre o conteúdo (factuais, analíticas, criativas, práticas), uma demonstração de idéias fundamentais da Psico logia Cognitiva e "Leituras sugeridas comentadas" que osestudantes podem consul tar se quiserem ter mais informações sobre o tema. Uma descrição dos capítulos, no início decada umdeles, também serve como um organizador avançado doque virá. As perguntas de abertura e as respostas de fechamento ajudam osestudantes a apre ciar as principais questões bem como os progressosque já foram feitos no sentido de respondê-las. O texto em si enfatiza a forma como as idéias atuais evoluíram das Ao professor ix passadas e como essas idéias tratam de perguntas que os psicólogos cognitivos ten taram responder em suas pesquisas. Agradecimentos Sou grato a todos os revisores que contribuíram para o desenvolvimento deste livro: Susan E. Dutch, Westfield State College; Jeremy Gottlieb, Carthage College; Andrew Herbert, RochesterInstitute ofTechnology; Christopher B. Mayhorn, North Carolina State Univer sity; Padraig G. 0'Seaghdha, Lehigh University; Thad Polk, University ofMichigan; David Somers, Boston University. Também agradeço a Jessica Chamberland, Ph.D., Tufts University, por sua inestimável ajuda na produção desta revisão. Também quero agradecer a Dan Moneypenny, meu editor de desenvolvimento, e a Leah Bross, minhaeditora de produção. Sobre o Autor ROBERT J. STERNBERG Robert J. Sternberg é decano da Escola de Artes e Ciências, pro fessor de Psicologia e professor adjunto de Educação na Tufts University. E também professor honorário de Psicologia no De partamento de Psicologia na University of Heidelberg,em Hei- delberg, Alemanha. Antes de aceitar sua posição na Tufts, foi professor IBM de Psicologia e Educação do Departamento de Psicologia, professor de Gerenciamento na Escola de Gerenciamento, e diretor do Centro para Psicologia de Habi lidades, Competências e Especialidades na Yale University. Esse Centro, agora situado na Tufts University, é dedicado ao avanço da teoria, pesquisa, prática e avanço nas políti cas do conceito de inteligência como uma perícia em desenvolvimento - como um cons- tructo que é modificável e capaz, até certo ponto, de desenvolver-se ao longo da vida. O Centro busca obter impactos na ciência, na educação e na sociedade. Em 2003, Sternberg foi presidente da As sociação Americana de Psicologia [American Psychological Association - APA] e, em 2006-2007, foi presidente da Associação de Psicologia do Leste [Eastern Psychological Association]. É presidente eleito da Associa ção para Educação e Psicologia Cognitiva [Association for Cognitive Education and Psychology]. Fez parte da diretoria e do con selho gestor da APA (2002-2004). Fez parte da diretoria da Associação de Psicologia do Leste (2005-2008) e da Asso ciação Americana de Faculdades e Universi dades [American Association of Colleges and Universities] (2007-2009). Tam bém é presidente do Comitê de Publicações da Associação Ame ricana de Pesquisa Educacional [American Educational Research Association - AERA]. Stern berg foi presidente das divisões de Psicologia Geral, Psicologia Educacional, Psicologia e Ar tes, Psicologia Filosófica e Teó rica da APA. Sternberg atua como presidente interino e diretor de estudos de graduação no Departamento de Psicologia da Universidade de Yale. Sternberg obteve Ph.D. pela Universidade de Stanford, em 1975, e bacharelado summa cum laude, Phi Beta Kappa, com louvor e dis tinção excepcional em Psicologia, pela Uni versidade de Yale, em 1972. Também possui doutorado honorário pela UniversidadeCom- plutense de Madri (Espanha); Universidade de Leuven (Bélgica); Universidade do Chipre; Universidade de Paris V (França); Universi dade Constantino O Filósofo, (Eslováquia); Universidade de Durham (Inglaterra); Uni versidade do Estado de São Petersburgo (Rús sia); Universidade de Tilburg (Holanda) e Universidade Ricardo Palma (Peru). E autor de aproximadamente 1.200 arti gos publicados, de capítulos de livros e de li vros; recebeu mais de 20 milhões de dólares entre verbas governamentais, bolsas de estu dos e contratos para sua pesquisa. O foco central de sua pesquisa é a inteligência, a criatividade e a sabedoria, e também estudou o amor e o ódio em relacionamentos afeti vos. Suas pesquisas têm sido desenvolvidas nos cinco continentes. XI XÜ Psicologia Cognitiva Sternberg também é membro da Acade mia Americana de Artes para o Avanço da Ciência [American Academy of Arts for Ad- vancement of Science] da APA (em 15 divi sões), da Sociedade Americana de Psicologia [American Psychological Society - APS], da Associaçãode Psicologia de Connecticut [Connecticut Psychological Association], da Real Sociedade Norueguesa para Ciên cias e Letras; da Associação Internacional para Estética Empírica, do laureado capí tulo da Kappa Delta Pi e da Sociedade de Psicólogos Experimentais. Recebeu vários prêmios dessas e de outras organizações, en tre eles, o "Arthur W. Staats Award", da Fundação Americana de Psicologia [Ame rican Psychological Foundation] e da So ciedade para a Psicologia Geral [Society for General Psychology]. Foiagraciadocom o "Prêmio E.L.Thorn- dike" pelo Conjunto da Obra em Psicologia da Educação; prêmio da Sociedade de Psico logia da Educação da APA; os prêmios "Ar- nheim" e "Farnsworth", da Sociedade para a Psicologia da Criatividade, Estética e Artes [Society for the Psychology of Creativity, Aesthetics and the Arts], da APA; o prêmio "Boyd R. McCandless", da Sociedade para Desenvolvimento da Psicologia da Associa ção APA; o Prêmio por Distinção pela Con tribuição no Início de Carreira, da APA; o Prêmio Acadêmico de Distinção Científica de Rede de Psicologia Positiva [Positive Psychology Network Distinguished Scientist and Scholar Award]; o "Palmer O. Johnson", da Research Review, Outstanding Book; o prêmio"SylviaScribner", da AERA; o prêmio "James McKeen Cattei", da APS; o Prêmio por Distinção pela Contribuição Vitalícia à Psi cologia, da Associação de Psicologia de Con necticut; o prêmio "Anton Jurovsky", da Sociedade de Psicologia da Eslováquia; o Prêmio Internacional da Associação Portu guesa de Psicologia; Distinção por Contri buição e prêmio "E. Paul Torrance", da Associação Nacional para as Crianças Su perdotadas [National Association for Gifted Children]; prêmio "Cattell", da Sociedade de Psicologia Multidisciplinar e Experimen tal [Society for Multivariate Experimental Psychology]; o "Prêmio por Excelência", da Fundação Mensa para Educação e Pesquisa [Mensa Education and Research Foundation); "Distinção por Honra" SEK,do Instituto SEK, de Madri; o prêmio "Memorial Sydney Sie- gel", da Universidade de Stanford e o prêmio "Wohlenberg", da Universidade de Yale. Sternberg ainda faz parte da Sociedade Fullbright de Especialistas Sêniores para Eslo váquia [Fulbright Sênior Specialist Fellowship to Slovakia]; é membro da IREX (Rússia); membro da Fundação Guggenheim, da Uni versidade Sênior e Faculdade Júnior, em Yale, além de ser membro graduado da Fundação Nacional de Ciência. Também é membro ho norário do Conselho Nacional de Ciência de Taiwan e membro do Professorado Visitante do Memorial Sir Edward Youde, da Universi dade da Cidade de Hong Kong. Na APA Monitor em Psicologia, Stern berg é um dos 100 maiores psicólogos do sé culo XX e foi relacionado pelo 1SI como um dos autores maiscitados (top \á%) em Psicolo gia e Psiquiatria. Também estava na lista dos Homens e Mulheres Notáveis com menos de 40 anos, da revista Esquire, e na lista dos 100 maiores jovens cientistas na Science Digest. Atualmente, faz partedo Quem é Quem [\v7io's Who inAmerica], nos Estados Unidos; Quem é Quem no Mundo [Who's Who in the World\; Quem é Quem no Ocidente [Who's Who inthe East]; Quem é Quem em Medicina e Saúde [Who's Who in Medicine and Healthcare]; Quem é Quem em Ciências e Engenharia [Who's Who in Science and Engineering]. Atuou como editor do Boletim Psicológico [Psychological Buüetin] e da Resenha de Livros da Psicologia Contemporânea da APA [Re- view of Books Contemporary Psychology] e como editor associado da publicação De senvolvimento Infantil e Inteligência [Child Development and InteÜigence]. Sternberg é mais conhecido por teorias como: a Teoria da Inte ligência Bem-Sucedida, a Teoria de Investi mento em Criatividade (desenvolvida em conjunto com Todd Lubart), a Teoriados Esti los de Pensamento Autodirigidos pela Mente, a Teoria do Equilíbrio da Sabedoria, a Teoria WICS - de Liderança e a Teoria Dupla do Amor e do Ódio. Introdução à Psicologia Cognitiva CAPITULO i EXPLORANDO A PSICOLOGIA COGNITIVA 1. O que é Psicologia Cognitiva? 2. De que modo a Psicologia evoluiu como ciência? 3. De que modo a Psicologia Cognitiva evoluiu a partir da Psicologia? 4. De que modo as outras disciplinas contribuíram para o desenvolvimento da teoria e da pesquisa na Psicologia Cognitiva? 5. De quais métodos a Psicologia Cognitiva se utiliza para estudar a maneira como as pessoas pensam? 6. Quais são as questões atuais e os vários campos de estudo dentro da Psicologia Cognitiva? Definindo Psicologia Cognitiva O que você vai estudar em um livro sobre Psicologia Cognitiva? 1. Cognição: as pessoas pensam. 2. Psicologia Cognitiva: os cientistas pensam sobre como as pessoas pensam. 3. Estudantes de Psicologia Cognitiva: as pessoas pensam sobre o que os cientistas pen sam sobre como as pessoas pensam. 4. Professores que lecionam Psicologia Cognitiva: releia os itens anteriores. Para sermos mais específicos, a Psicologia Cognitiva é o estudo de como as pessoas perce bem, aprendem, lembram-se e pensam sobrea informação. Um psicólogo cognitivopoderá estudar comoas pessoas percebem várias formas, porquese lembram de alguns fatos e se es quecemde outros, ou mesmo porque aprendem uma língua. Vejamos alguns exemplos: • Por que os objetos parecem estar mais distantes do que realmente estão em dias ne bulosos? Essa discrepância pode ser perigosa, inclusive enganando motoristas e cau sando acidentes. • Por que muitas pessoas conseguem se lembrar de uma experiência em especial, por exemplo de um momento muito feliz ou algum constrangimento na infância, mas es quecem os nomes de pessoas que conhecem há muitos anos? 2 Psicologia Cognitiva • Porque muitas pessoas têm mais medo de viajar de avião do que de carro? Afinal, as chances de acidente e morte são muito maiores no carro do que no avião. • Por que sempre me lembro mais de alguém da minha infância do que de alguém que conheci na semana passada? • Porque os políticos gastam tanto dinheiro com suas campanhas na televisão? Consideremos apenas a última dessas perguntas: Por que os políticos gastam tanto di nheiro com suas campanhasna televisão? Afinal, quantas pessoas conseguem se lembrar dos detalhes das propostas políticas dos candidatos oudequemaneira essas propostas diferem das dos outros candidatos? Uma das razões pelasquais os políticos gastam tanto é a disponibili dade heurística, que vamos estudar, no Capítulo 12, em "Raciocínio e tomada de decisão". Com a utilização da heurística, podemos fazer julgamentos baseados em quão facilmente recordamos algo percebidocomo instâncias relevantes de um fenômeno (Tversky, Kahne- man, 1973). Tais julgamentos constituem a questão: em quem se deve votar em uma elei ção. A tendência é votarem nomes familiares. Tom Vilsack, governador do estado de Iowa, Estados Unidos, na ocasião da campanha pelas primárias em 2008, iniciou, mas rapida mente desistiu, da competição para ser indicado como candidato à presidência dos Estados Unidos. Sua desistência não ocorreu porque suas idéias diferiam das do partido. Ao contrá rio, o Partido Democratagostava muito de suaplataforma. Na verdade, Vilsack desistiu por que a falta de reconhecimento de seu nome inviabilizou o levantamento de recursos para sua campanha. Ao final, os possíveis doadores sentiram que o nome de Vilsack não tinha disponibilidade suficiente para que os eleitores votassem nele. Mitt Romney, outro candi dato republicano não tão conhecido, entrou na disputa das primárias com John McCain e Rudy Giuliani. Investiu muito dinheiro apenas para fazer com que seu nome pudesse ficar psicologicamente disponível ao grande público. A verdade é que com a compreensão da Psicologia Cognitiva, as pessoas conseguem entender muito daquilo que acontece no dia- -a-dia de suas vidas. Este capítulo introduz o campo da Psicologia Cognitiva. Descreve um pouco da histó ria intelectual do estudo do pensamento humano. Dá ênfase especial a algumas questões que surgem sempre que pensamos em como as pessoas pensam. A seguir, um breve resumo dos métodos mais importantes, das questões e das áreas temáticas da Psicologia Cognitiva. Por que estudamos a história deste campo ou de qualquer outro, então? De um lado, quando sesabe deonde se vem, pode-se compreender melhor o percurso da jornada. Porou tro, o ser humano aprende com os erros passados. Dessa forma, quando se comete algumerro, este é novo, ou seja, já não é mais igual ao anterior. Mudou-se muito a maneira de lidar com as questões fundamentais da vida. Contudo, algumas permanecem iguais. Em última análise, pode-se aprender alguma coisa sobre como aspessoas pensam estudando como pensam sobre o pensar. O avanço das idéias, muitas vezes, implica uma dialética. Dialética é umprocesso de in cremento emqueas idéias evoluem como passar do tempo pormeio de umpadrão de trans formação. Qual é este padrão? Em uma dialética: • Propõe-se uma tese. Uma tese é o enunciado de uma opinião. Por exemplo, muita gente acredita que a natureza humana governa muitos aspectos do comportamento humano, como a inteligência ou a personalidade (Sternberg, 1999). Entretanto, de pois de algum tempo, alguns indivíduos observam falhas nessa tese. • Cedo ou tarde, ou talvez logo em seguida, surge uma antítese. Uma antítese é um enunciado que contraria a primeira opinião. Por exemplo, uma visão alternativa é Capítulo 1 • Introdução à PsicologiaCognitiva 3 que nossa criação (o contexto ambiental em que somos criados) determina quase inteiramente muitos aspectos do comportamento humano. • Impreterivelmente, o debate entre a tese e a antítese conduz a uma síntese. Uma síntese integra os aspectos mais confiáveis de cada uma das duas (ou mais) visões. Por exemplo, no debate sobre a relação entre inato e adquirido, a interação entre a nossa natureza inata e o contexto ambiental pode reger a natureza humana. E importante compreender a dialética porque, às vezes, podemos pensar que, se uma opinião está certa, outra, aparentemente contrastante, então, deverá estar errada. Por exemplo, no meu próprio campo de conhecimento, ocorreu, muitas vezes, uma tendência a se acreditar que a inteligência tanto pode ser inteira ou quase totalmente determinada pela genética, ou então, que é completa ou quase inteiramente determinada pelo am biente. Um debate similar também surgiu no campo de aquisição da linguagem. Embora quase sempre, para nós, é melhor acreditar que tais assuntos não são questões excludentes por si só, mas que são apenas exames de como as forças diferentes variam e interagem umas com as outras. Na verdade, a mais recente controvérsia é que as opiniões sobre "natureza" e "criação" são incompletas. Em nosso desenvolvimento, natureza e criação operam de ma neira conjunta. Se uma síntese fizer avançar o conhecimento sobre um determinado assunto, então ser virá como uma tese nova. Emseguida, surgiráuma nova antítese, e assim por diante. Georg Hegel (1770-1831) observou essa progressão dialética de idéias. Hegel foi um filósofo ale mão que chegou às próprias idéiaspor intermédio da dialética, sintetizando algumas das opi niões de seus antecessores e contemporâneos. Antecedentes Filosóficos da Psicologia: Racionalismo versus Empirismo Onde e como começou o estudo da Psicologia Cognitiva? Normalmente, os historiadores da Psicologia identificam suas primeiras raízes em duas abordagens diferentes para a com preensão da mente humana: • A Filosofia busca entender a natureza geral de muitos aspectos do mundo, parte por meio da introspecção, ou seja, o exame das idéias e experiências internas (íntro = para dentro; spectione = olhar, inspecionar). • A Fisiologia busca um estudo científico das funções vitais dos organismos vivos, basi camente por meio de métodos empíricos (baseados na observação). O Racionalismo e o Empirismo são duas abordagens para o estudo da mente. O racio nalista acredita que o caminho para o conhecimento se dá por meio da análise lógica. Em contrapartida, Aristóteles (naturalista e biólogo, além de filósofo) foi um empirista. O em- pirista acredita que se adquire conhecimento por meio da evidência empírica, ou seja, esta evidência é obtida por intermédio da experiência e da observação (Figura 1.1). O Empirismo orienta diretamente à investigação empírica da Psicologia. Ao contrário, o Racionalismo é muito importante no desenvolvimento da fundamentação teórica. As teo rias racionalistas, semqualquer ligação com a observação, não podem ser, portanto, válidas. Entretanto, grandesquantidades de dadosempíricos, sem uma estrutura teórica organizadora, também podem não fazer sentido. Podemos considerar a visão racionalista do mundo como uma tese, enquanto a visão empirista seria a antítese. A maioria dos psicólogos, atualmente, Psicologia Cognitiva FIGURA 1.1 (a) (a) Segundo oracionalista, o único caminho para a verdade éa reflexão contemplativa; (b)Segundo o empirista, oúnico caminho para a verdade é a observação meticulosa. A Psicologia Cognitiva, assim como outras ciências, depende do trabalho tanto dos racionaiistas comodos empiristas. buscam a síntese dessas duas teses. Fundamentam suas observações empíricas na teoria. Por outro lado, usam essas observações para revisar suas próprias teorias. As idéias contrastantes do Racionalismo e do Empirismo tomaram-se notórias a partir do racionalista francês René Descartes (1596-1650) e do empirista inglês John Locke (1632-1704). Descartes considerava o método introspectivo e reflexivo superior aos méto dos empíricos paraseencontrar a verdade. Locke, porsuavez, era muitoentusiasmado com o método da observação empírica (Leahey, 2003). Locke acreditava que os seres humanos nascem sem qualquer conhecimento e, por tanto, precisam buscá-lo por meioda observação empírica. O conceito de Locke para isso é o termo tabula rasa (que em latim significa "folha de papel em branco"). Sua idéia é de que a vida e a experiência"escrevem" o conhecimento no indivíduo. Sendo assim, para Locke, o estudo da aprendizagem era fundamental para a compreensão da mente humana. Ele acre ditava que não existiam de forma alguma idéias inatas. No século XVIII, o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) sintetizou dialeticamente as idéias de Descartes e Locke argu mentando que tanto o Racionalismo como o Empirismo têm seu lugar e que ambos devem trabalhar juntos na busca pela verdade. Atualmente, a maioria dos psicólogos aceita a sín tese de Kant. Antecedentes Psicológicos da Psicologia Cognitiva As Primeiras Dialéticas na Psicologia da Cognição Estruturalismo Uma das primeiras dialéticas na história da Psicologia ocorreu entre o Estruturalismo e o Funcionalismo (Leahey, 2003; Morawski, 2000). O Estruturalismo foi a primeira grande es colade pensamento na Psicologia, quebusca entendera estrutura (configuração dos elemen tos) da mente e suas percepções pela análise dessas percepções em seus componentes constitutivos. Consideremos, por exemplo, a percepção de uma flor. Os estruturalistas analisam essapercepção em termos de cor, forma geométrica, relações de tamanho e assim por diante. Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 5 Um psicólogo alemão cujas ídeias mais tarde contribuiriam para o desenvolvimento do Estruturalismo foi Wilhelm Wundt (1832-1920). Wundt nem sempre foi considerado o fun dador da Psicologia Experimental e usava uma grande variedade de métodos em suas pesqui sas. Um deles era a introspecção. Introspecção é um olhar interior para as informações que passam pela consciência. Um exemplo são as sensações experimentadas quando se olha para uma flor. Com efeito, analisamos nossas própriaspercepções. Wundt defendia o estudo das ex periências sensoriais por meio da introspecção. Wundt teve muitos seguidores, sendo um deles o norte-americano Edward Titche- ner (1867-1927). Titchener (1910) ajudou a trazer o Estruturalismo para os Estados Uni dos. Outros psicólogos pioneiros criticaram tanto o método (introspecção) como o foco (estruturas elementares da sensação) do Estruturalismo. Funcionalismo: Uma Alternativa para o Estruturalismo Uma alternativa para o Estruturalismo sugeriaque os psicólogos deveriam concentrar-se mais nos processos do pensamento do que nos conteúdos. O Funcionalismo busca entender o que as pessoas fazem e por que o fazem. Esta pergunta principal estava em desacordo com os estru- turalistas, que queriam saber quais eram os conteúdos elementares (estruturas) da mente humana. Os funcionalistas sustentavam que a chave para o entendimento da mente humana e dos comportamentos era o estudo dos processos de como e por que a mente funciona como funciona, em vez de estudar os conteúdos e os elementos estruturais da mente. Os funcionalistas estavam unidos pelos tipos de perguntas que faziam, mas não necessa riamente pelas respostas que encontravam ou pelos métodos que utilizavam para chegar a es sas respostas. Como os funcionalistas acreditavam no uso de qualquer método que melhor respondesse às perguntas de um determinado pesquisador, parece natural que o Funcionalismo tenha levado ao Pragmatismo. Os pragmatistas acreditam que o conhecimento só pode ser va lidado por sua utilidade: o que se pode fazer com isto? Estão interessados não apenas em sa ber o que as pessoasfazem, mas também querem descobrir o que podemos fazer com o nosso conhecimento sobre o que as pessoas fazem. Por exemplo, eles acreditam na importância da Psicologia do Aprendizado e da Memória. Por quê? Porque pode nos ajudar a melhorar o de sempenho das crianças na escola. O Pragmatismo também pode nos auxiliar a lembrar o nome de pessoas que conhecemos, mas do qual nos esquecemos rapidamente. Agora, imagine-se colocando a idéia do Pragmatismo em prática. Pense so bre as maneiras de tornar a infonnação que você está aprendendo neste livro de modo que sejam mais úteis a você. Parte desse trabalho já foi feito - veja que o capítulo começa com questões que tornam as informações mais coerentes e úteis, e o resumo retorna a essas perguntas. O texto responde de modo satisfatório às questões apresentadas no início do capítulo? Ela bore suasperguntas e suas anotações sob a forma de respostas. Além disso, tente estabelecer uma relação deste material com o de outros cursos ou atividades das quais participa. Por exemplo, você pode ser chamado a ex plicar a um amigo como funciona um programade computador. Uma boa formade começar seria perguntar a essapessoa se ela tem alguma pergunta a respeito. Assim, as informações que você oferecer serão mais úteis ao seu amigo, em vez de obrigá-lo a buscar a informação de que necessita em uma exposição longa e unilateral. APLICAÇÕES PRÁTICAS DA PSICOLOGIA COGNITIVA 6 Psicologia Cognitiva Um líder na condução do Funcionalismo em direção ao Pragmatismo foi William James (1842-1910). Sua principal contribuição ao campo da Psicologia foi um único livro: Prin cípios da Psicologia (1890/1970). Ainda hoje, os psicólogos cognitivos apontam, com fre qüência, os escritos de James nas discussões de questões centrais em seu campo de conhecimento, como atenção, consciência e percepção. John Dewey (1859-1952) foi mais um dos primeiros pragmatistas que influenciaram de maneira profunda o pensamento con temporâneo na Psicologia Cognitiva. Dewey é lembrado basicamente por sua abordagem pragmática acerca do pensamento e da educação. Associacionismo: Uma Síntese Integradora O Associacionismo, assim como o Funcionalismo, foi menos uma escola sistemática de Psicologia e mais uma forma de pensar influente. O Associacionismo investiga como os even tos e as idéias podem se associar na mente propiciando a aprendizagem. Por exemplo, as associações podem resultar da contiguidade (associar informações que tendem a ocorrer jun tas ou quase ao mesmo tempo), da similaridade (associarassuntoscom traços ou propriedades semelhantes) ou do contraste (associar assuntos que parecem apresentar polaridades, como quente/frio, claro/escuro, dia/noite). No fim dos anos 1800, o associacionista Hermann Ebbinghaus (1850-1909) foi o pri meiro pesquisador a aplicar os princípios associacionistas de maneira sistemática. Ebbin ghaus estudou e observou especificamente seus próprios processos mentais. Contou os próprios erros e registrou seus tempos de resposta. Por meio de autoobservações, estudou como as pessoas aprendem e se lembram dos conteúdos por meio da repetição consciente do material a ser aprendido. Entre outras conclusões, descobriu que a repetição possibilita fi xar as associações mentais de maneira mais consistente na memória. Dessa forma, a repeti ção auxilia o aprendizado (ver o Capítulo 6). Outro associacionista influente, Edward Lee Thorndike (1874-1949), sustentava que o papel da "satisfação" é a chave para a formação de associações. Thorndike chamou esse princípio de Lei do Efeito (1905): um estímulo tenderá a produzir uma determinada resposta ao longo do tempo se o organismo for recompensado com essa resposta. Ele acreditava que um organismo aprendia a responder de uma determinada maneira (o efeito) em uma dada situação se fosse constantemente recompensado por isso (a satisfação, que serve como estí mulo para ações futuras). Assim, uma criança que recebe uma recompensa por resolver cor retamente problemas de aritmética, irá aprender a fazê-lo sempre assim, porque estabelece uma associação entre a solução válida e a recompensa. Do Associacionismo ao Behaviorismo Outros pesquisadores contemporâneos de Thorndike conduziram experimentos com ani mais para investigar as relações de estímulo e resposta com métodos diferentes dos utilizados por Thorndike e seus colegas associacionistas. Esses cientistas transpuseram a linha entre o Associacionismoe o campo emergente do Behaviorismo. O Behaviorismo é uma perspectiva teórica segundo a qual a Psicologia deveria se concentrar apenas na relação entre o com portamento observável, de um lado, e os eventos ou estímulos ambientais, de outro. A idéia era materializar o que quer que tenha sido denominado de "mental" (Lycan, 2003). Alguns desses pesquisadores, como Thorndike e outros associacionistas, estudaram respostas volun tárias (embora, talvez, carecessem de algum pensamento consciente, como no trabalho de Thorndike). Outros estudaram respostas desencadeadas involuntariamente em resposta ao que parecem ter sido eventos externos não relacionados. Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 7 Na Rússia,o fisiologista ganhador do Prêmio Nobel, Ivan Pavlov (1849-1936) pesquisou esse tipo de comportamento de aprendizado involuntário, começando com a observação de cachorros salivando ao, simplesmente, verem o técnico do laboratório que os alimentava. Essa respostaocorria antes mesmoque os cachorros vissem se o técnico lhes trazia comida ou não. Para Pavlov, essa resposta indicava uma forma de aprendizado: o aprendizado clássico condicionado, sobre o qual os cachorros não tinham qualquer controle consciente..Na mente deles, algum tipo de aprendizado involuntário relacionava o técnico à comida (Pavlov, 1955). O extraordinário trabalho de Pavlov abriu caminho para o desenvolvimento do Behaviorismo. O condicionamento clássico compreende mais do que uma simples associa ção com base na contiguidade temporal, por exemplo, a comidae o estímulo condicionado que ocorriam quase ao mesmo tempo (Rescorla, 1967). O condicionamento eficaz requer contingência, por exemplo, a apresentação de comida sendo contingente com a apresenta ção do estímulo condicionado (Rescorla e Wagner, 1972;Wagner e Rescorla, 1972). O Behaviorismo pode ser interpretado como uma versão extrema do Associacionismo, que se concentra inteiramente na associação entre o ambiente e um comportamento obser vável. Segundo alguns behavioristas radicais, quaisquer hipóteses a respeito de pensamen tos e formas de pensar internas são mera especulação. Os Proponentes do Behaviorismo O "pai" do Behaviorismo radical foi John Watson (1878-1958). Watson não via qualquer utilidade para os conteúdos ou mecanismos mentais internos e acreditava que os psicólogos deveriam se concentrar apenas no estudo do comportamento observável (Doyle, 2000). Eledescartou o pensamento como fala subvocalizado. O Behaviorismo era também diferente dos movimentos anteriores da Psicologia por redirecionar a ênfase da pesquisa experimental em animais ao invés de humanos. Historicamente, grande parte do trabalho behaviorista tem sido até hoje realizada com animais de laboratório, como ratos, por possibilitarem um controle muito maior sobre os relacionamentos entre o ambiente e o comportamento em relação a ele. Contudo, um problema com relação à utilização de animais é determinar se a pesquisa pode sergeneralizada em seres humanos (ou seja, aplicada de forma mais geral a seres humanos ao invés de apenas aos tipos de animais estudados). B. F. Skinner (1904-1990), behaviorista radical, acreditava que quase todas as formas do comportamento humano, e não apenas o aprendizado, podiam ser explicadas por compor tamentos emitidos em resposta ao ambiente. Skinner desenvolveu pesquisas basicamente com animais não-humanos e rejeitou os mecanismos mentais, acreditando, por outro lado, que o condicionamento operante - que envolvia o fortalecimento ou o enfraquecimento do comportamento, dependente da presença ou ausência de reforço (recompensa) ou punição - pudessem explicar todas as formas do comportamento humano. Skinner aplicou sua aná lise experimental do comportamento a muitos fenômenos psicológicos, tais como a aprendi zagem, a aquisição da linguagem e a resolução de problemas. Principalmente por causa da presença intensa de Skinner, o Behaviorismo dominou o campo de estudosda Psicologia por muitas décadas. Os Behavioristas se Atrevem a Espiar Dentro da Caixa Preta Alguns psicólogos rejeitaram o Behaviorismo radical. Tinham muita curiosidade em saber o que havia nessa caixa misteriosa. Por exemplo, Edward Tolman (1886-1959) acreditava que, para entender o comportamento, era necessáriose levar em conta o propósitoe o plano para o comportamento. Tolman (1932) acreditava que todo comportamento era dirigido a algum objetivo. Por exemplo: o objetivo de um rato em um labirinto de laboratório seria o de encontrar comida dentro desse labirinto. Tolman é tido, por vezes, como um precursor da moderna Psicologia Cognitiva. 8 Psicologia Cognitiva Outra crítica ao Behaviorismo (Bandura, 1977b) é que, nele, o aprendizado surge não apenas em função de recompensas diretas pelo comportamento. Também pode ser social, resultando de observações das recompensas ou punições dadas aos outros. A capacidade para aprender por meio da observação está bem documentada e pode ser comprovada em seres humanos, macacos, cães, pássaros e até mesmo em peixes (Brown, Laland, 2001; La- land, 2004; Nagell, Olguin, Tomasello, 1993). No ser humano, essa habilidade está pre sente em todas as idades, sendo observada tanto em crianças como em adultos (Mejia-Arauz, Rogoff, Paradise, 2005). Essa teoria dá ênfase à maneira como se observa, se modela, o pró prio comportamento a partir do comportamento dos outros. Aprendemos pelo exemplo. Esta consideração de aprendizado social abre caminho para se examinar o que está aconte cendo na mente do indivíduo. Psicologia da Gestalt Dentre os inúmeros críticos do Behaviorismo, os psicólogos da Gestalt certamente estão entre os mais ávidos. A Psicologia da Gestalt afirma que se compreende melhor os fenôme nos psicológicos quando se olha para eles como todos organizados e estruturados. Se gundo essa visão, não se pode compreender totalmente o comportamento quando se desmembram os fenômenos em partes menores. Por exemplo, os behavioristas têm a ten dência de estudar a resolução de problemas buscando o processamento subvocal - eles buscam o comportamento observável por meio do qual a resolução do problema pode ser compreendida. Os gestaltistas, ao contrário, estudam o insight, buscando entender o evento mental não observável por meio do qual alguém vai do ponto em que não tem idéia de como resolver um problema até o ponto em que entende completamente em um simples instante de tempo. A máxima "o todo é diferente da soma de suas partes" resume muito bem a perspectiva gestaltista. Para entender a percepção de uma flor, por exemplo, teríamos de levar em conta o todo da experiência. Não se poderia entender essa percepção em termos de uma descri ção de formas, cores, tamanhos e assim por diante. Da mesma forma, como mencionado no parágrafo anterior, não poderíamos entender a resolução de problemas simplesmente exa minando os elementos isolados do comportamento observável (Kõhler, 1927, 1940; Wer- theimer, 1945/1959). O Surgimento da Psicologia Cognitiva Uma abordagem mais recente é o Cognitifismo, ou seja, a crença de que grande parte do comportamento humano pode ser compreendida a partir de como as pessoas pensam. O Cognitivismo é, em parte, uma síntese das formas anteriores de análise, como o Behavio rismo e o Gestaltismo. Da mesma forma que o Gestaltismo, a Psicologia Cognitiva utiliza uma análise quantitativa precisa para estudar como as pessoas aprendem e pensam. O Papel Inicial da Psicobiologia Ironicamente, um dos ex-alunos de Watson, Karl Spencer Lashley (1890-1958), questionou de forma contundente a teoria behaviorista de que o cérebro é um órgão passivo que simples mente reage às contingências comportamentais fora do indivíduo (Gardner, 1985). Ao con trário, Lashleyconsidera o cérebro como um organizadorativo e dinâmico do comportamento. Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 9 Lashley buscavaentender de que maneira a macro-organização do cérebro humano tomava possível a execução de atividades planejadas tão complexas como apresentações musicais, jogos e o uso da linguagem. Nenhuma delas, em sua opinião, poderia ser prontamente explicável em termos de condicionamento simples. Na mesma linha, mas em um nível de análise diferente, Donald Hebb (1949) propôs o conceito de conjuntos de células como base para o aprendizado no cérebro. Esses conjuntos são estruturas neurais coordenadas que se desenvolvem por meio da estimulação freqüente. Eles se desenvolvem ao passar do tempocom a capacidade de um neurônio (célulanervosa), ao ser estimulado, disparar outro neurônio conectado. Os behavioristas não aproveitaram esta rara oportunidade para concordar com Lashley e Hebb. Na verdade, o behaviorista B. F. Skinner (1957) escreveu um livro inteiro descrevendo como a aquisição e o uso da lingua gem poderiam serexplicados unicamente em termos de contingências ambientais. Esse tra balho levoua estrutura teórica de Skinner longedemais, deixando-o livrepara sercontestado. E tal contestaçãoestavaa caminho. O lingüista Noam Chomsky (1959) fez duras críticas às idéias de Skinner. Emseuartigo, Chomsky ressaltou tanto a basebiológica comoo potencial criativoda linguagem, apontando para a infinitaquantidade de sentençasque podemos pro duzir com facilidade. Sendo assim, desafiou as teorias behavioristas de que a linguagem é aprendidapor intermédio do reforçamento: até mesmo crianças bem jovensproduzem novas sentençasa todo o momento,asquais não poderiam ter sidoreforçadas no passado. Chomsky afirmou que o entendimento da linguagem não está condicionado tanto pelo que já se ou viu, mas, ao contrário, pelo Dispositivo Inatode Aquisição de Linguagem (DAL) que todos os seres humanos possuem. Esse dispositivo possibilita ao bebê utilizar o que escuta para inferir a gramática de seu ambiente lingüístico. Em especial, o DAL limita ativamente o número de construções gramaticais possíveis. Assim sendo, é a estrutura da mente, e não a estrutura das contingências ambientais, que orienta a nossa aquisiçãoda linguagem. Acrescentando uma Pitada de Tecnologia: Engenharia/ Computação e Psicologia Cognitiva Aplicada No fim da décadade 1950, alguns psicólogos estavam intrigados pela incômoda idéiade que as máquinas poderiam serprogramadas parademonstrar o processamento inteligente da in formação (Rychlak, Struckman, 2000). Turing (1950) sugeriu que, em pouco tempo, seria difícil distinguir a comunicação das máquinas da dos seres humanos. Ele sugeriu um teste, atualmente chamado de Teste de Turing, pelo qual um programade computador poderia ser consideradobem-sucedido à medidaque o seu resultadofosse indistinguível, peloserhumano, do resultado de testes realizados com seres humanos (Cummins, Cummins, 2000). Em outras palavras, suponhaque você se comunicasse com um computador e não soubesse que este era umcomputador. O computador, então, teria passado no Teste deTuring (Schonbein, Betchel, 2003). Por volta de 1956,um novo termo entrou para o nosso vocabulário: Inteligência Arti ficial (IA), que é a tentativado ser humano de construir sistemas quedemonstrem inteligên cia, em especial, o processamento inteligente da informação (Merriam-Websters Colkgiate Dictionary, 1993). Exemplos de IA sãoos programas de jogo de xadrez, queconseguem vencer os seres humanos, na grande maioria das vezes. Muitos dos psicólogos cognitivos interessaram-se pela Psicologia Cognitiva por meiode problemas aplicados. Por exemplo, segundo Berry (2000), Donald Broadbent (1926-1993) dizia ter desenvolvido o interesse pela Psicologia Cognitiva por causa de um problema re lacionado a aeronave AT6. Estes aviões possuíam duas alavancas quase idênticas sob o 10 Psicologia Cognitiva assento. Uma servia para erguer as rodas e a outra, para levantar os aerofólios. Aparente mente, quase todos os pilotos confundiam as duas e, consequentemente, acabaram cau sando enormes prejuízos com acidentes na decolagem de seus aviões. Durante a Segunda Guerra Mundial, muitos psicólogos cognitivos, inclusive um de meus mentores, Wendell Garner, reuniu-se com os militares para resolver problemas práticos da aviação e de ou tras áreas, especialmente por causa da guerra contra forças inimigas. A teoria da informa ção, que buscavaentender o comportamento das pessoas sobre como elas elaboram os tipos de elementos de informação processada pelos computadores (Shannon, Weaver, 1963), cresceu também em decorrência dos problemas de engenharia e da informática. A Psicologia Cognitiva Aplicada também foi de grande utilidade para a publicidade. John Watson, após deixar o cargo de professor na Johns Hopkins University, tornou-se um executivo extremamente bem-sucedido em uma agência de propaganda, tendo utilizado os seus conhecimentos de Psicologia para alcançar o sucesso. Na realidade, na propaganda, utiliza-se muito, diretamente, os princípios da Psicologia Cognitiva para atrair clientes para os produtos, às vezes suspeitos, outros não (Benjamin, Baker, 2004). No início da década de 1960,os avanços na Psicologia, na Lingüística, na Antropologia e na IA, bem como as reações ao Behaviorismo por parte de muitos profissionais renomados da área de Psicologia, convergiram para criar uma atmosfera madura para a revolução. Os primeiros cognitivistas (como Miller, Galanter, Pribram, 1960; Newell, Shaw, Si- mon, 1957b) afirmavam que as teorias behavioristas tradicionais sobre o comportamento eram inadequadas, principalmente porque não falam sobre como as pessoas pensam. Um dos primeiros e mais famosos artigos sobre Psicologia Cognitiva foi sobre "o mágico nú mero sete". George Miller (1956) pontuou que o número sete aparecia em diferentes mo mentos da Psicologia Cognitiva, como na literatura sobre a percepção e a memória, e, assim, imaginou se havia algum significado oculto nessas freqüentes ocorrências. Por exem plo, descobriu que a maioria das pessoas é capaz de se lembrar de cerca de sete itens de informação. Nesse trabalho, Miller introduziu também o conceito da capacidade de canal, ou seja, o limite superior no qual um observador consegue combinar a resposta para a informa ção que lhe for oferecida. Por exemplo, caso você consiga se lembrar de sete dígitos que lhe sejam apresentados em seqüência, nesse caso sua capacidade de canal para memorizar números será o "sete". O li vro de Ulric Neisser, Cognitive Psychology (Neisser, 1967), foi bas tante importante ao divulgar a importância do Cognitivismo —que estava em desenvolvimento - aos alunos de graduação, pós-gradua ção e ao ambiente acadêmico em geral. Neisser definiu a Psicologia Cognitiva como o estudo de como as pessoas aprendem, organi zam, armazenam e utilizam o conhecimento. Posteriormente, Allen Newell e Herbert Simon (1972) acabaram por propor modelos deta lhados do pensamento humano, bem como da resolução de proble mas, desde os mais simples até os mais complexos. Por volta de 1970, a Psicologia Cognitiva já era reconhecida como importante campo de estudos da Psicologia, dispondo de um conjunto específico de mé todos de pesquisa. Na década de 1970, Jerry Fodor (1973) popularizou o conceito da modularidade de mente. Argumentava que a mente possui módu losdistintos ou sistemas de escopos diversos para tratar da linguagem Ulric Neisseré profes sor emérito da Cometi University. Seu livro, Cognitive Psychology, foi fundamental para o lançamento da revolução cognitivista na Psicologia. Neisser foi também umdos grandes defensores de uma abordagem ecológica da cognição, tendodemons trado a importância do estudo do processamento cognitiuo em contextos ecologicamente válidos. (Foto: Cortesia de Dr. Ulric Neisser) Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 11 e, possivelmente, de outros tipos de informação. A modularidade implicaque os processos que sãousados em um domínio de processamento, como o da linguagem (Fodor, 1973), ou da percepção (Marr, 1982), operam independentemente dos processos em outrosdomínios. Uma opiniãocontrária seria a do processamento de domínio geral, segundo a qual ospro cessos que se aplicam a um domínio - como a percepção ou a linguagem - aplicam-se a muitos outros domínios também. As abordagens modulares são úteis no estudo de alguns fenômenos cognitivos, como a linguagem, mas não sãocomprovadamente úteis no estudo de outros fenômenos, como a inteligência, que parece estar ligada às inúmeras e diferen tes áreas do cérebro em intrincados inter-relacionamentos. Métodos de Pesquisa em Psicologia Cognitiva Objetivos da Pesquisa Para melhor entender os métodos específicos usados pelospsicólogos cognitivos deve-se, em primeiro lugar, compreender os objetivos da pesquisa em Psicologia Cognitiva, alguns dos quais destacamos aqui. De modo resumido, esses objetivos compreendem a coleta e a aná lise de dados, o desenvolvimento de teorias, a formulação e a testagem de hipóteses, e até mesmo a aplicação em ambientes fora do contexto da pesquisa. Com freqüência, os pesqui sadores buscam apenas coletara maior quantidade possível de informações a respeito de um determinado fenômeno, podendo ter ou não noções preconcebidas em relação àquilo que poderão encontrar durante a coleta dos dados. Tal pesquisa concen tra-se na descrição de determinados fenômenos cognitivos como, por exemplo, a maneira como as pessoas reconhecem fisionomias ou de senvolvem habilidades. A coleta de dados e a análise estatística auxiliam os pesquisado res na descrição dos fenômenos cognitivos. Nenhuma empreitada científica iria muito longe sem essas descrições. Todavia, a maioria dos psicólogos cognitivos deseja entender mais do que o que da cog nição. A maioria deles também procura entender o como e o porquê do pensamento. Ou seja, os pesquisadores buscam formas de expli car e de descrever a cognição. Para ir além das descrições, os psicó logos cognitivos precisam dar um salto, passando daquilo que se observa diretamente para aquilo que pode ser inferido com relação às observações. Suponha que se queira estudar um determinado aspecto da cog nição. Um exemplo seria o modo como as pessoas compreendem a informação contida em um livro didático. Geralmente, inicia-se com uma teoria. Uma teoria é um corpo organizado de princípios expla- natórios relativos a um fenômeno com base na observação. Busca-se testar uma teoria e, por meio desta, verificar se tem o poder de pre ver determinados aspectos do fenômeno em questão. Em outras pa lavras, nosso processo de pensamento é "se nossa teoria for correta, então sempre que 'x' ocorrer, o resultado deverá ser 'y"\ Esse pro cesso resulta na geração de hipóteses, proposições experimentais em relação às conseqüências empíricas esperadas dessa teoria, como os resultados da pesquisa. Herbert. A. Simonfoi professor deCiênciada Computação e Psicolo giana Camcgie-bÁetion University. E famoso por seu trabalho pioneirocom Ailen Newell e outros na construção e na testagemde modelos de computador que simulavam o pensamento humano, bemcomo pelos testes experimentais desses modelos. Foi também importante defensor dos protocolos "de pensar em vozalta" parao estudo do processamento cognitivo. Símonfaleceu em 2001. (Foto: Cortesia deCamegie- -Melíon University Arckives) 12 Psicologia Cognitiva A seguir, testam-se as hipóteses por meio da experimentação. Mesmo que determi nadas conclusões pareçam confirmar uma hipótese dada, elas deverão ser submetidas à análise para determinar sua significância estatística. A significância estatística indica a probabilidade de que umdeterminado conjunto de resultados venha a serobtido apenas se houver fatores aleatórios em ação. Por exemplo, um nível 05 de significância estatís tica significaria que a probabilidade de um determinado conjunto de dados seria de ape nas 5%, se somente fatores aleatórios estivessem operando. Assim sendo, os resultados não parecem ser apenas em virtude do acaso. Por meio desse método, pode-se decidir aceitar ou rejeitar hipóteses. Uma vez que as previsões hipotéticas tenham sido testadas experimentalmente e ana lisadas estatisticamente, as conclusões desses experimentos poderão conduzir a outros tra balhos. Por exemplo, um psicólogo pode se engajar em mais coletas e análises de dados, desenvolvimento de teorias, formulação de hipóteses e testagem de hipóteses. Com base nas hipóteses que tenham sido aceitas e/ou rejeitadas, a teoria deverá ser revista. Além disso, muitos psicólogos cognitivos têm esperança de usar os conhecimentos obtidos por meio da pesquisa para auxiliar as pessoas a utilizarem a cognição em situações reais. Algumas pesquisas em Psicologia Cognitiva são aplicadas, desde o seu início, na tentativa de ajudar as pessoas a melhorarem as próprias vidas, assim como as condições emque vivem. Assimsendo, a pesquisa básica pode conduzir às aplicações cotidianas. Para cada um desses propósitos, existem diferentes métodos de pesquisa que oferecem vantagens e desvanta gens diferenciadas. Métodos de Pesquisa Característicos Os psicólogos cognitivos usam vários métodos para explorar como os seres humanos pen sam. Esses métodos são: (a) experimentos de laboratórioou outros experimentos controla dos; (b) pesquisa psicobiológica; (c) autoavaliações; (d) estudos de caso; (e) observação NO LABORATÓRIO DE GORDON BOWER ESPECIALISTAS EM DIVIDIR PARA CONQUISTAR Cresci numa pequena ci dade do estado de Ohio, onde passei centenas de horas jogando beisebol. Meu treinador mais ve lho, Dean Harrah, con seguia lembrar - com admirável precisão - de todos os jogos de beisebol de todos os tempos. Dean conseguia se lembrar até mesmo de jo gadas insignificantes de uma partida, como o turno, o número de eliminações, contagem de arremessos, de lances e até da localização dos interceptadores, enquanto vislumbrava todas as sinalizações de "bate-e-corre" (hit-and-run) de uma partida jogada há três semanas. Sua capacidade para recordar detalhes dos jogos era simplesmente assombrosa. Entretanto, era conhecido por esquecer-se da maioria das outras coisas, como seus compromissos pes soais, as compras de supermercado e tudo o mais que a sua esposa lhe pedia. Dean tinha um amigo, Claude, enxadrista fanático que, como ele, possuía uma memória espantosa. Claude jogava xadrez muitíssimo bem e tam bém conseguia se lembrar de todas as jogadas de todos as partidas que havia jogado em me ses. Todavia, Claude não conseguia se lembrar de coisassimples, como a tabela periódica de elementos das aulas de química durante o colegial. Deane Claude não sabiam me expli car como faziam o que faziam, apenas que ambos "enxergavam" eventossignificativos em sua totalidade durante o desenrolar de uma partida. Tais lembranças prodigiosas convi vendo na mesma cabeça ao lado de péssimas Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 13 NO LABORATÓRIO DE GORDON BOWER (continuação) recordações sempre me fascinaram. Foi este um dos inúmeros quebra-cabeças da vida coti diana que me motivaram para o estudo da Psi cologia da memória humana. Meu espanto aumentou ainda mais quan do pesquisadores me informaram o quão, ge ralmente, é limitada a memória das pessoas. Especificamente, o ser humano é seriamente limitado com relação à quantidade de coisas que pode absorver e reter na memória, mesmo que por pouco tempo, e, consequentemente, de como consegue rapidamente absorver uma nova informação na memória permanente. Mas, o que são essas "coisas" que se absorve? O psicólogo George Miller (1956) batizou-as de "pedaços" (chunks) de informação e propôs que a memória imediata das pessoas está limi tada pelo número de "pedaços"que conseguem absorver e recordar. Sempre me perguntei se as prodigiosas memórias de Dean e Claude estavam associadas com um conhecimento interno de como fracionar a informação que tivesse significado especial para eles. A afirmação de Miller me levou a ques tionar: O que é um "pedaço" de informação? Qual o tamanho desses "pedaços"? O que de termina o seu tamanho e suas propriedades? Os seus "pedaços" são iguais aos meus? Como mensurar os "pedaços"? A noção intuitiva é de que um "pedaço" é um padrão de elementos básicos que o indi víduo aprendeu anteriormente. Essespadrões podem ser identificados em vários níveis de complexidade —de pequenos a grandes. Por exemplo, a frase "feliz ano-novo" (happy new year) é, para a maioria das pessoas que falam inglês, nada mais do que um pedaço composto de três subpedaços familiares (palavras), que, por sua vez, são compostos de 12 subpedaços familiares (letras) e dois espaços - 14 símbolos ao todo. Suponhamos, todavia, que os 14 sím bolos sejam dispostos em uma página como "Feli-ianono-vo" (ha-ppyyne-wyear). Esta sé rie de letras agora parece não ter sentido e seria muito difícil de ser aprendida. Contudo, qualquer indivíduo que fale outra língua e que não tenha qualquer conhecimento do alfa beto inglês, diria que ambas as séries não têm sentido e são difíceis de memorizar. O que um pedaço é só depende do aprendizado an terior de um indivíduo. Assim sendo, a dificuldade de se recordar de algumacoisadepende de como ela é perce bida, como é dividida em pedaços. Porém, que princípios o cérebro humano utiliza para divi dir elementos em grupos perceptivos? Um.importante princípio de agrupamento é o quanto esses pedaços estão próximos em termos de tempo e de espaço. Assim, os espa ços vazios (traços) em IC-BMIC-IAF-BI fazem com que as pessoas vejam a série de pedaços de 2, 4, 3 e 2 letras, respectivamente. Esses agrupamentos apreendem a percepção e são copiados na memória imediata do indivíduo. Além disso, se um estudante precisasse es tudar e tentar reproduzir um número de tais seqüências repetidamente, ele(a) iria, ao final, recordar a série em pedaços "tudo-ou-nada". Ou seja, a maioria dos erros de recordação iria surgir enquanto se tentasse mover a re cordação entre os pedaços (nas transições C para B, C para I e F para B). Um segundo princípio do agrupamento é que os elementos assemelhados ou com sono ridade parecida serão agrupados juntos. Por exemplo, letras em tamanho, forma (fonte) e cor semelhante serão agrupadas juntas e lem bradas enquanto unidades. Assim como a proximidade no espaço e a aparência influenciam o agrupamento visual, a proximidade no tempo e a qualidade dos sons influenciam o agrupamento de palavras faladas e das notas musicais. Dessa maneira, ouvir a série de letras acima serem ditas com pausas entre os grupos fará com que as pessoas adotem o fracionamento e se recordem desses grupos. Agrupamentos semelhantes viriam à tona caso os pedaços fossem semelhantes ao serem falados por vozes distintas ou vindos de locais diferentes. Esses agrupamentos auditivos expressam o hábito das pessoas de falar núme ros de telefones em uma cadência - 3-3-4, por exemplo, em 555-123-4567 - e são trazidas a uma complexidade magnífica nos sofisticados tempos e ritmos da música. Então, o que esse fracionamento tem a ver com a aprendizagem e a memória? Tudo. Elaborei uma hipótese de que a maneira mais rápida para se aprender alguma coisa é estu dá-la e reproduzi-la repetidamente usando a mesma estrutura de fracionamento de um momento para o outro. Desse modo, para {continua) 14 Psicologia Cognitiva NO LABORATÓRIO DE GORDON BOWER (continuação) aprender a reproduzir a seqüência IC-BMCI- AFB-I, o melhor é estudar exatamente esses pedaços na mesma ordem a cada vez. Nossas experiências com estudantes universitários mostraram que eles acumulam muito pouco ou nenhum ensinamento de uma série de seqüên cias diferentes, caso mudássemos os agrupa mentos toda vez que eles fossem estudá-los. Assim sendo, para a nossa série de exemplos anteriores, os estudantes iriam provavelmente perceber um agrupamento diferente das letras, como por exemplo I-CBM-CI-AF-B1 ou ICB- MC-IAFB-I, enquanto uma nova seqüência de letras, fazendo com que se lembrassem ime diatamente dela, quase tão sofrível quanto no momento em que a seqüência foi apresentada pela primeira vez. Essa falha seria devida ao fato de estarem confusos sobre onde colocar os espaços ou pausas no momento em que repro duziamas séries? Claro que não, porque sabiam que precisavam se lembrar apenas das letras e não dosespaços. Além do mais, o déficit foi mais ou menos igual quando simplesmente conta mos as letras corretas, independentemente da ordem em que os estudantes as lembravam. Em suma, o estudo repetitivo só auxilia, prin cipalmente quandoo material é fracionado da mesma maneira de uma ocasião para a outra. Uma das implicações do resultado deste fracionamento constante é que as pessoas irão rapidamente reconhecer e reproduzir qualquer seqüênciade símbolos que se ajuste aos pedaços que elas já sabem ou que lhes sejam "familia res". Por exemplo, se nosso modelo de seqüên cia de letras for agrupado como ICBM-CIA-FBI, os alunos reconhecerão com facilidade as abre viações familiares e prontamente relembrarão de toda a série. (Alguns leitores poderão já ter reconhecido esses acrônimos). Esta obser vação ilustra um princípiosimples e muito po deroso: a memória humana opera com muito mais eficiência quando usa o aprendizado ante rior para reconhecer pedaçossemelhantes con tidos nos materiais a serem aprendidos. Ao reconhecer e explorar pedaços familiares, um indivíduo experiente reduz enormemente o volume do novo aprendizado requerido para dominar o novo material. Grande parte da pe rícia em muitos domínios de habilidades - da leitura de palavras à compreensão de fórmulas químicas, equações matemáticas, fragmentos musicais, sub-rotinasde programação de com putadores e, sim, até mesmo aos fatos ocorri dos nas partidas de beisebol de Dean ou das posições das peças de xadrezde Claude - tudo isso dependeda capacidadedo cérebrode reco nhecer e explorar os pedaços previamente aprendidos e rapidamente acessara nova situa ção que se apresenta. Essa técnica se desen volve lentamente durante centenas de horas de estudo concentrado dos padrões recorrentes em determinados domínios. O benefício dessa prática muito específica explicade que modo a memória hábil em um domínio, tal como o beisebol para Dean ou o xadrez para Claude, podem facilmentecoexistirao ladode recorda ções débeis domínios não relacionados, como compromissosdiários ou aulas de química. O valor do fracionamento consistente aplica-se ao "aprendizado reprodutivo", quan do se tenta reproduziruma série de itens arbi trários. Esse aprendizado nos é geralmente solicitado. Por outro lado, para o aprendizado superior de domínios conceitualmente mais ricos, há as vantagens em se inter-relacionar os agrupamentos em classificações por cortes transversais. Por exemplo, embora os agrupa mentos constantes de fatos sobre categorias como política, economia e o exército possam auxiliar um aluno a lembrar de fatos sobre a Guerra Civil Americana, uma melhoria no entendimento e na memória poderia advir pelo inter-relacionamento e pela interassocia- ção de fatos por meio dos domínios, por exem plo, observar os objetivos políticos utilizados por uma campanha militar, como a famosa "Marcha para o Mar",que o General Sherman conduziu pelos estados do sul. O benefício dessas inter-relações conceituais será um tó pico abordado mais adiante. Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 15 naturalística; e (0 simulações por computador e IA (ver Quadro 1.1 para descrições e exem plos da cada método). Como mostra o Quadro 1.1, cada método oferece vantagens e desvantagens. Experimentos com o Comportamento Humano Nos projetos experimentais controlados, o pesquisador conduz a pesquisa geralmente em um ambiente laboratorial. Ele controla o maior número possível de aspectos da situação experimental. Basicamente, existem dois tipos de variáveis em um determinado experi mento. As variáveis independentes são aspectos de uma investigação, manipulados de modo individual ou cuidadosamente regulados pelo experimentador, ao mesmo tempo em que outros aspectos da investigação são mantidos constantes (ou seja, não sujeitos a variação). As variáveis dependentes são respostas de resultados, os valores dos quais dependem da forma que uma ou mais variáveis independentes venham a influenciar ou afetar os participantes do experimento. Sempre que se diz a alunos participantes da pesquisa que se sairão muito bem em uma tarefa, mas não se diz algo aos outros participantes, a variável independente é o volume de informação dada aos alunos a respeito de seu esperado desempenho. A variável dependente é a maneira como quão bem ambos os grupos se saem em suas tarefas, ou seja, suas notas na prova de matemática. Sempre que o pesquisador manipula as variáveis independentes, ele controla os efeitos das variáveis irrelevantes e observa os efeitos das variáveis dependentes (resultados). Tais variáveis irrelevantes mantidas constantes são chamadas de variáveis decontrole. Outro tipo de variável é a variável expúria, um tipo de variável irrelevante que não tenha sido contro lada durante um experimento. Por exemplo, imagine que se queira examinar a eficáciade duas técnicas de resolução de problemas. Treina-se e testa-se um grupo sob a primeira estra tégia às 6 horas e, um segundo grupo, sob a segunda estratégia, às 18 horas. Nesse experi mento, o horário do dia seria uma variável expúria. Em outras palavras, a hora do dia pode causar diferenças no desempenho que não têm nada a ver com a estratégia de resolução do problema. Obviamente, quando se conduz uma pesquisa, todo cuidado é necessário para se evitar a influência das variáveis expúrias. Ao implementar um método experimental, o pesquisador precisa utilizar uma amostra aleatória e representativa da população de interesse. Deve exercer controle rigoroso sobre as condições do experimento bem como designar, também de maneira aleatória, os partici pantes para o tratamento e as condições de controle. Se esses requisitos para o método ex perimental forem preenchidos, o pesquisador poderá inferir causalidade provável. Esta é a inferência dos efeitos da variável ou variáveis independentes (tratamento) sobre as variá veis dependentes (resultado) para uma determinada população. Muitas e diferentes variáveis dependentes são utilizadas em pesquisa cognitivo-psicoló- gica. Duas das mais comuns são o percentual de correlação (ou seu elemento inverso, a taxa de erro) e o tempo de reação. E importante selecionar, com muito cuidado, os dois tipos de variáveis, porque independente de qual processo se esteja observando, o que se apreende de um experimento dependerá quase que exclusivamente das variáveis escolhidas para iso lar o comportamento que está sendo observado. Os psicólogos que estudam os processos cognitivos, como o tempo de reação, geral mente utilizam-se do método da subtração, que compreende estimar o tempo que um pro cesso cognitivo leva pela subtração da quantidade de tempo que o processamento da informação leva com o processo a partir do tempo que ele leva sem o processo (Donders, 1868/1869). Por exemplo, quando se é solicitado a examinar as palavrascachorro, gato, rato, hamster, esquilo e informar se a palavra esquilo aparece no exame para depois examinar as 16 Psicologia Cognitiva QUADRO 1.1 Métodos de pesquisa Os psicólogos cognitivos usam experimentos controlados, pesquisapsicobiológica, autoavaliações, observação naturalista e simulações por computador e IA para estudar os fenômenos cognitivos. MÉTODO Descrição do método Experimentos Controlados em Laboratório Pesquisa Psicobiológica Obter amostras do desempenho em tempo e local determinados Estudar os cérebros humanos e animais, usando estudos post-mortem e várias medidas psicobiológicas ou técnicas de imagem {ver "Neurociência Cognitiva") autoavauações, como Protocolos Verbais, autqclassificaçòes, dlários Obter relatórios dos participantes sobre a própria cognição em andamento ou a partir de lembranças Validade de inferências causais: atribuição aleatória de sujeitos Geralmente Geralmente não Não se aplica Validade de inferências causais: controle experimenta de variáveis independentes Geralmente Varia muito, dependendo da técnica específica Provavelmente não Amostras: tamanho Podem ser de qualquer tamanho Geralmente pequenas Provavelmente pequenas Amostras: representaiividade Podem ser representativas Geralmente, não são representativas Podem ser representativas Validade ecológica Não é improvável; depende da tarefa e do contexto a que está sendo aplicada Improvável sob certas circunstâncias Talvez; ver pontos fortes e fracos Informação acerca de diferenças individuais Geralmente pouco enfatizadas Sim Sim Pontos fortes Pontos fracos Exemplos Facilidade de administração, de contagem e de análise estatística torna relativamente fácil aplicar as amostras representativas de uma população; probabilidade relativamente alta de fazer inferências causais válidas Proporciona evidências "contundentes" das funções cognitivas ao relacioná-las à atividade fisiológica: oferece uma visão alternativa do processo que não está disponível por outros meios; pode levar a possibilidades para o tratamento de pessoas com deficits: cognitivos sérios Acesso aos íns/gfits introspectivos a partir do ponto de vista dos participantes, não podendo ser acessada por outros meios Nem sempre é possível generalizar resultados além de um local específico, tempo e contexto da tarefa; discrepâncias entre comportamento na vida real e no laboratório David Meyer e Roger Schvaneveldt(1971) desenvolveram uma tarefa de laboratório na qual apresentavam resumidamente duas seqüências de letras (palavras ou pseudopalavras) aos sujeitos e, em seguida, pediam-lhes que tomassem uma decisão sobre cada seqüência de letras, tal como decidir se as letras formavam uma palavra legítima ou se uma palavra pertencia a uma categoria pré-designada Acessibilidade limitada para a maioria dos pesquisadores: requer acesso tanto para os sujeitos apropriados como para o equipamento que pode ser caro demais e difícil de obter; amostras pequenas; muitos estudos têm como base estudos de cérebros anormais ou de cérebros de animais, a generalização das conclusões para as populações humanas normais pode será problemática Elizabeth Warrington e Tim Shallice{1972;Shallice, Warrington, 1970) observaram que as lesões (áreas de ferimento) no lobo parietal esquerdo do cérebro estão associadas a deficits de memória de curto prazo (breve, ativa), mas não há qualquer dano à memória de longo prazo. Contudo, pessoas com lesões nas regiões temporais (mediais) do cérebro apresentam memória de curto prazo relativamente normal, mas têm graves deficits na memória de longo prazo (Shallice, 1979; Warrington, 1982) Incapacidade para reportar processos que ocorrem fora da consciência Protocolos verbais e autocIassificações: a coleta de dados pode influenciar os processos cognitivos que estão sendo relatados Recordações: possíveis discrepâncias entre cognição real e processos e produtos cognitivos recordados Durante um estudo de imagens mentais, Stephen Kosslyn e seus colegas (Kosslyn, Seger, Pani, Hillger, 1990) pediram a seus alunos que registrassem em um diário durante uma semana todas as suas imagens mentais em cada modalidade sensorial Estudos de Caso Desenvolver estudos intensivos de indivíduos, tirando conclusões gerais sobre comportamento Altamente improvável Altamente improvável Quase certamente pequeno Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 17 Observações Naturalísticas Simulações por Computador IA Observar situações da vida real, como, Simulações: tentar fazero por exemplo, em salas de aula, ambientes de trabalho ou em casa computador simular o desempenho cognitivo em várias tarefas IA: tentativa de fazer o computador demonstrar o desempenho cognitivo inteligente, independente do processo ser semelhante ao processo cognitivo humano Não se aplica Não Provavelmente pequeno Não se aplica Controle total de variáveis de interesse Não se aplica Não é provável que seja representativo Pode ser representativo Não se aplica Alta validade ecológica para casos Sim individuais; baixa generalização para outros Não se aplica Sim; informações ricas em detalhes com relação a indivíduos Acesso a informações ricas em detalhes sobre indivíduos, inclusive contextos históricos e atuais, que podem não estar disponíveis por outros meios; pode levar a aplicações especializadas para grupos de indivíduos excepcionais (ex.: prodígios, pessoas com lesões cerebrais) Aplicável em outras pessoas; o tamanho reduzido e a não-representatividade da amostra normalmente limita a generalização para a população Howard Gruber (1974/1981) conduziu um estudo de caso sobre Charles Darwin, explorando a fundo o contexto psicológico da criatividade intelectual É possível, masa ênfase reside nas distinções ambientais e não nas diferençasindividuais Acesso a informações contextuais abundantes que podem não estar disponíveis por outros meios Não se aplica Permite explorar ampla gama de possibilidades para modelar processos cognitivos; permite testar claramente para verificar se as hipóteses previram com precisão os resultados; pode levar a grande variedade de aplicações práticas (ex.: robótica para o desempenho de tarefas perigosas ou em ambientes de risco) Falta de controle experimental; possível influência no comportamento naturalista em decorrência da presença do observador Limitações impostas por limites de hardware (ex.: circuito do computador) e de software (ex.: programas criados pelos pesquisadores); distinções entre inteligência humana e inteligência da máquina - mesmo em simulações com técnicas sofisticadas de modelagem, as simulações podem modelar imperfeitamente a forma como o cérebro humano pensa Michael Cole (Cole, Clay, Glick, Sharp, 1971) pesquisou membros da triboKpelle na África, observando de que maneira as definições de inteligência dos Kpelle se comparavam com as definições tradicionais da inteligência ocidental, bem como de que modo as definições culturais de inteligência podem governar o comportamento inteligente Simulações: por meio de computações minuciosas, David Marr (1982) tentou simular a percepção visual humana e propôs uma teoria de percepção visual baseada em seus modelos computacionais IA: váriosprogramas de IA foram criados para demonstrar perícias (ex.: jogar xadrez), mas esses programas resolvem problemas provavelmente ao utilizar processos diferentes daqueles utilizados por peritos humanos 18 PsicologiaCognitiva palavras cachorro, gato, rato, hamster, esquilo, leão e informar se a palavra leão aparece, a di ferença na reação dos tempos pode indicar, grosso modo, a quantidade de tempo que se gasta para processar cada um dos estímulos. Supõe-se que os resultados nas condições experimentais mostrem uma diferença esta tisticamente significante dos resultados na condição de controle. O pesquisador poderá en tão inferir a probabilidade de uma ligação causai entre as variáveis independentes e as dependentes. Uma vez que o pesquisadot puder estabelecer uma provável ligação causai en tre as variáveis independentes e dependentes oferecidas, os experimentos controlados em laboratório oferecem um excelente método para se testar hipóteses. Por exemplo, supondo que se quisesse verificar se ruídos altos e perturbadores exercem influência na capacidade de se desempenhar bem uma determinada tarefa cognitiva (ex.: ler um capítulo de um livro didático e responder aos exercícios de fixação). Em termos ide ais, se deveria selecionar uma amostra aleatótia de participantes do total da população de interesse. A seguir, se designaria aleatoriamente a cada participante às condições de trata mento ou de controle. Depois, se introduziriam alguns ruídos altos aos participantes na con dição de ttatamento. Em seguida, se apresentaria uma tarefa cognitiva aos participantes das duas condições: experimental e de controle. Seria possível, então, medir seus desempenhos por meio de alguns meios (ex.: velocidade e precisão das respostas às perguntas de compre ensão). Finalmente, os resultados seriam analisados estatisticamente. A partir disso, seria possível examinar se a diferença entre os dois grupos atingiu significância estatística. Su pondo que os participantes na condição experimental tenham mostrado desempenho infe rior àquele dos participantes na condição de controle, em termos de significância estatística, dessa maneira, seria possível inferir que ruídos altos e distrativos certamente influenciaram a capacidade de um bom desempenho nessa tarefa cognitiva específica. Na pesquisa cognitivo-psicológica, as variáveis dependentes podem ser muito diversifica das, mas geralmente compreendem várias medidas de resultados de precisão (ex.: freqüên cia de erros), de tempos de resposta ou de ambos. Dentte as inúmeras possibilidades para as variáveis dependentes estão as características da situação, da tarefa ou dos participantes. Por exemplo, as características da situação podem compreender a presença versus a ausên cia de determinados estímulos ou certas pistas no decorrer de uma tarefa de resolução de problemas. As características da tarefa podem envolver leitura versus escuta de uma sé rie de palavras e, em seguida, responder às perguntas de compreensão. As características dos participantes podem incluir diferenças etárias, diferenças na situação de escolaridade ou até baseadas em classificação em testes. De um lado, as características da situação ou tarefa podem ser manipuladas por meio de atribuição aleatória dos participantes tanto do grupo de tratamento como do grupo de con trole e, de outro, as características do participante não são facilmente manipuláveis em ter mos experimentais. Por exemplo, supondo que o pesquisador queira estudar os efeitos do envelhecimento sobre a velocidade e a precisão na resolução de problemas. O pesquisador não poderá atribuir de modo aleatório a vários gruposetários porque a idade das pessoas não pode ser manipulada (embora participantes de vários grupos etários possam ser distribuídos aleatoriamente nas várias condições experimentais). Nesses casos, o pesquisador sempre pode usar outros tipos de estudos, como aqueles que compreendem correlação (relação esta tística entre dois ou mais atributos, por exemplo as características dos participantes ou as da situação). As correlações normalmente se expressam por meio de coeficientes de correlação conhecidos como r de Pearson, que é um número que pode ir de -1.00 (correlação negativa) passando por 0 (sem correlação) até 1.00 (correlação positiva). Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 19 A correlação é a descrição de uma relação. O coeficiente de correlação descreve a força dessa relação. Quanto mais próximo do 1 estiver o coeficiente (tanto positivo quanto ne gativo), mais forte será a relação entre as variáveis. O sinal (positivo ou negativo) do coe ficiente descreve a direção dessa relação. Uma relação positiva indica que, enquanto uma variável aumenta (ex.: tamanho do vocabulário), outra variável também aumenta (ex.: compreensão de leitura). Uma relação negativa indica que à medida que uma variável au menta (ex.: fadiga), a medida da outra diminui (ex.: vigilância). Quando não há correla ção, ou seja, quando o coeficiente é 0, indica que não existe padrão ou relação na alteração das duas variáveis {ex.: inteligência e o comprimento do lobo da orelha). Nesse caso, am bas as variáveis podem mudar, mas não variam juntas dentro de um padrão consistente. Conclusões sobre relações estatísticas são altamente informativas. Seu valor não deve ser subestimado. Além disso, uma vez que os estudos correlacionais não exigem atribuição aleatória de participantes nas condições experimental ou de controle, esses métodos podem ser aplicados com flexibilidade. Entretanto, tais estudos geralmente não permitem inferên cias inequívocas com relação à causalidade. Como conseqüência, muitos psicólogos cogni tivos, na maioria das vezes, preferem utilizar dados experimentais a dados corre lacionais. Pesquisa Psicobiológica Por meio da pesquisa psicobiológica, os cientistas estudam a relação entre desempenho cog nitivo, eventos e estruturas cerebrais. O Capítulo 2 descreve várias técnicas específicas utilizadas na pesquisa psicobiológica, que em geral são classificadas em três categorias. A primeira é a das técnicas de estudo do cérebro de um indivíduo post-mortem, estabelecendo relações da função cognitiva deste indivíduo antes da morte para a observação das caracte rísticas do cérebro. A segunda categoria compreende as técnicas de estudo das imagens que mostram estruturas ou atividades no cérebro de um indivíduo sabidamente com déficit cog nitivo. A terceira categoria compreende as técnicas para obtenção de informação à respeito dos processos cerebrais durante o desempenho normal de uma atividade cognitiva. Os estudos post-mortem ofereceram os primeiros insights a respeito de como lesões espe cíficas podem estar associadas a determinados deficits cognitivos. Esses estudos continuam a oferecer insights de grande utilidade, de como o cérebro influencia a função cognitiva. Re centes avanços tecnológicos também estão possibilitando, cada vez mais, o estudo de indi víduos com reconhecidos deficits cognitivos in vivo (enquanto o indivíduo ainda está vivo). O estudo de indivíduos com funções cognitivas disfuncionais vinculadas a lesões cerebrais, geralmente, possibilita a compreensão das funções cognitivas normais. Além disso, os psicobiologistas estão estudando alguns aspectos do funcionamento cog nitivo normal por meio do estudo da atividade cerebral em sujeitos animais. Em geral, a pes quisa é feita com sujeitos animais para experimentos que compreendem procedimentos neurocirúrgicos que não poderiam ser realizados com seres humanos por serem difíceis, an- tiéticos ou até mesmo impraticáveis. Por exemplo, estudos mapeando a atividade neural no córtex são realizados em gatos e macacos (ex.: à pesquisa psicobiológica sobre como o cére bro responde a estímulos visuais; ver Capítulo 3). O funcionamento cognitivo e cerebral dos animais e de humanos com deficits pode ser generalizado e aplicado ao funcionamento cognitivo e cerebral de humanos normais? Os psicólogos responderam a essas questões de várias maneiras. A maioria vai além do escopo deste capítulo (ver Capítulo 2). Apenas como exemplo, para alguns tipos de atividade cog nitiva, a tecnologia disponível permite aos pesquisadores estudar a atividade cerebral dinâ mica dos participantes humanos normais durante o processamento cognitivo (ver técnicas de imagem do cérebro descritas no Capítulo 2). 20 Psicologia Cognitiva Autoavaliações, Estudos de Caso e Observação Naturalística Geralmente, os experimentos individuais e estudos psicológicos concentram-se na especifi cação dos aspectos discretos da cognição nos indivíduos. Para se obter informações ricas em detalhes sobre a maneira como determinados indivíduos pensam - dentro de uma ampla gama de contextos - os pesquisadorespoderão usar outros métodos, que incluem as autoava liações (relato dos processos cognitivos feito pelo próprio indivíduo), os estudos decaso (estu dos individuais profundos) e a observação naturalística (estudos detalhados do desempenho cognitivo em situações cotidianas e contextos fora do laboratório). De um lado, a pesquisa experimental é extremamente útil para testar hipóteses. Por outro, a pesquisa com base nas autoavaliações, estudos de caso e observação naturalística, são, geralmente, úteis na formulação das hipóteses. Esses métodos também são muito úteis na geração de descrições sobre eventos raros ou de processos em que não se disponha de outra forma de mensuração. Em situações muito específicas, esses métodos são a única forma de se coletar informa ção. Um exemplo é o caso de Genie, uma menina que ficou trancada em um quarto até os 13 anos, apresentando graves e limitadas experiências sociais e sensoriais. Como conseqüên cia do aprisionamento, ela apresentava graves deficits físicos e nenhuma habilidade lingüís tica. Por meio de métodos de estudos de caso, coletou-se informação a respeito de como ela conseguiu aprender a linguagem mais tarde (Fromkin et ai, 1974; Jones, 1995; La Pointe, 2005). Não seria ético, do ponto de vista experimental, privar uma pessoa de estimulações lingüísticas em seus primeiros 13 anos de vida. Assim sendo, os métodos de estudos de caso são a única maneira razoável de se avaliar os resultados de alguém a quem.foi negada a ex posição ao ambiente social e à linguagem. Da mesma maneira, uma lesão cerebral traumática não pode ser manipulada em huma nos no contexto laboratorial. Assim sendo, sempre que uma lesão cerebral traumática ocorre, os estudos de caso são a única forma de se coletar informação. Por exemplo, o caso de Phi- neas Gage, um operário de ferrovia que, em 1848, foi atingido, durante um acidente, no lobo frontal por uma enorme ponta de metal (Damasio et ai., 1994). Surpreendentemente, Gage sobreviveu, mas seu comportamento bem como seus processos mentais foram drasticamente alterados. Certamente, não é possível inserir-se uma ponta de metal no cérebro dos partici pantes em um experimento. Portanto, no caso de uma lesão cerebral traumática, pode-se confiar unicamente nos métodos de estudos de caso para a coleta de informações. A confiabilidade dos dados com base nos vários tipos de autoavaliações depende da franqueza dos participantes ao oferecer os relatos. É possível que umparticipante não relate corretamente a informação sobre seus processos cognitivos por vários motivos. Esses moti vos podem ser tanto intencionais como não intencionais. Os relatos incorretos do tipo intencionais podem incluir a tentativa de editar informações desagradáveis. Os relatos in corretos do tipo não intencionais podem ocorrer pelo não-entendímento das perguntas ou mesmo da impossibilidade de se lembrar corretamente da informação. Por exemplo, sempre que o participante é solicitado a dizer quais estratégias para resolução de problemas utili zavaquando estava no ensino médio, é possívelque ele (ou ela) não lembre. O participante pode tentar ser completamente honesto em seus relatos. Entretanto, telatos que contêm in formação rememorada (ex.: diários, relatos retrospectivos, questionários e surveys) são no- tadamente menos confiáveis do que os relatos provenientes durante o processamento cognitivo que está sob investigação. A razão é que os participantes, por vezes, se esquecem do que fizeram. Quando estudam processos cognitivos complexos, tais como a resolução de problemas ou a tomada de decisão, os pesquisadores geralmente usam um protocolo verbal. No protocolo verbal os participantes desctevem seus pensamentos e idéias em voz alta du rante o desempenho de uma determinada tarefa cognitiva (ex.: "Gosto mais do aparta mento com piscina, mas não posso pagar por ele e, portanto, eu talvez escolha outro.")- Capitulo 1 • Introdução à PsicologiaCognitiva 21 Uma alternativa para o protocolo verbal é que os participantes relatem informações es pecíficas com relação a um determinado aspecto de seu funcionamento cognitivo. Por exemplo, o estudo de uma criteriosa resolução de problemas (ver o Capítulo 11 - "Resolu ção de problemas e criatividade"). Os sujeitos foram solicitados a relatar - em intervalos de 15 segundos -, em ordem numérica, o quão sentiam-se próximos de alcançar uma solução para um determinado problema. Infelizmente, até mesmo esses métodos de autorrelatos têm suas limitações. Por exemplo, o funcionamento cognitivo pode ser alterado pelo ato de en trega do relatório (ex.: processos envolvendo formas sucintas de memória; ver o Capítulo 5). Outro exemplo são processos cognitivos que ocorrem fora da conscientização (ex.: pro cessosque não exigem atenção consciente ou que ocorrem tão rapidamente que passam des percebidos; ver Capítulo 4). Para se ter uma idéia de algumas das dificuldades com os autorrelatos, exercite as tarefas apresentadas no quadro "Investigando a Psicologia Cogni tiva". Reflita a respeito de suas próprias experiências com autorrelatos. Tarefas INVESTIGANDO 1. Sem olhar para os sapatos, tente relatar - em voz alta - as várias A PSICOLOGIA etapas envolvidas no ato de amarrá-los. COGNITIVA 2. Lembre-se - em voz alta - do que você fez em seu último aniversário. 3. Agora, amarre os sapatos (ou qualquer outra coisa, como um barbante em volta do pé da mesa), relatando —em voz alta - todas as etapas que isso demanda. Você percebe as diferenças entre a tarefa 1 e a tarefa 3 ? 4- Relate - em voz alta - como você trouxe à consciência todas as etapas necessárias para amarrar o sapato ou as lembranças do seu último aniversário. Você consegue relatar exatamente de que forma trouxe as informações até o nível consciente? Consegue relatar que parte do seu cérebro estava mais ativa durante a execução da cada tarefa? Faça com a metade de um grupo de amigos —um por um —uma das séries de pergun tas abaixo, e com a outra metade, a outra série. Peça-lhes que respondam o mais rápido possível. Grupo l: O que o bicho-da-seda tece? Qual o tecido famoso que vem do bicho-da-seda? O que as vacas bebem? Grupo 2: O que as abelhas fazem? O que cresce no campo e depois se transforma em tecido? O que as vacas bebem? Muitos dos seus amigos, ao chegarem à pergunta 3 do grupo 1, dirão "leite", quando todo mundo sabe que as vacas bebem água. A maioria das pessoas que responde às questões do grupo 2 dirá "água", e não "leite". Você conduziu um experimento. O método experi mental divide as pessoas em grupos iguais, altera um aspecto entre os dois grupos (no seu caso, você fez uma série de perguntas antes de fazer a pergunta crítica) e, em seguida, mede as diferenças entre os dois grupos. O que você estará medindo é a quantidade de erros, e, 22 Psicologia Cognitiva é possível, que os seus amigos do grupo 1 apresentem mais erros do que os do grupo 2, pois estabeleceram o conjunto errado de suposições para responderem às perguntas. Os estudos de caso poderão ser utilizados como conclusões complementares de experi mentos laboratoriais, por exemplo, o estudo de indivíduos excepcionalmente dotados e as observações naturalísticas, ou seja, a observação de indivíduos que trabalham em usinas nu cleares. Esses dois métodos de pesquisa cognitiva oferecem alta validade ecológica, o grau no qual as conclusões específicas em um contexto ambiental podem ser consideradas relevan tes fora daquele contexto. Como se sabe, a ecologia é o estudo da interação entre um ou mais organismos e o seu ambiente. Muitos psicólogos cognitivos buscam entender a interação entre o funcionamento do pensamento humano e os ambientes nos quais os seres humanos estão pensando. Às vezes, processos cognitivos que comumente são observados em outro contexto (ex.: no laboratório) não são idênticos àqueles observados em outro (ex.: uma torre de controle de tráfego aéreo ou uma sala de aula). Simulações por Computador e IA Os computadores digitais desempenharam importante papel no surgimento do estudo da Psicologia Cognitiva. Um tipo de influência é a indireta - por meio de modelos da cognição humana que tomam por base a maneira como os computadores processam informações. Outro tipo é a influência direta - por meio de simulações por computador e IA. Nas simulações por computador, os pesquisadores programam computadores para imi tarem uma determinada função ou um determinado processo humano. Entre os exemplos estão o desempenho em tarefas cognitivas específicas (ex.: manipulação de objetos no es paço tridimensional) e o desempenho de determinados processos cognitivos (ex.: reconhe cimento de padrões). Alguns pesquisadores, inclusive, já tentaram criar modelos de computador envolvendo toda a arquitetura cognitiva da mente humana. Esses modelos pro piciaram acaloradas discussões sobre o funcionameto da mente humana como um todo (ver o Capítulo8). Às vezes, a difetença entre a simulação e a IA é difícil de serdelimitada. Por exemplo, certos programas que são projetados, simultaneamente, para simular o desempe nho humano e maximizar o seu funcionamento. Consideremos, por exemplo, um programa que jogue xadrez. Existem duas maneiras to talmente diferentes para conceituar a escrita desse programa. Uma delas é chamada de força bruta, ou seja, constrói-se um algoritmo que considere jogadas muito importantes em pe quenos períodos, potencialmente vencendo jogadores humanos simplesmente por conta do número de jogadas que o programa possui e as probabilidades das futuras conseqüências des sas jogadas. O programa seria considerado um sucesso à medida que vencesse os melhores jogadores humanos. Esse tipo de IA não busca representar como os seres humanos funcio nam, mas, se bem feito, ele poderá produzir um programa que joga xadrez em altíssimo ní vel. Uma abordagem alternativa, a da simulação, leva em conta a maneira como os grandes mestres solucionam seus problemas de xadrez e, em seguida, busca funcionar à maneira da queles. O programa seria considerado um sucesso se conseguisse escolher, numa seqüência de jogadas em uma partida, as mesmas jogadasque um grande mestre escolheria. Também é possível a combinação de duas abordagens para produzir um programa que, de modo geral, simula o desempenho humano, mas também usa da força bruta para, se ne cessário, vencer o jogo. Juntando Tudo Os psicólogos cognitivos geralmente ampliam e aprofundam o conhecimento por meio de pesquisas em Ciência Cognitiva. A Ciência Cognitiva é um campo multidisciplinar que se utiliza de idéias e métodos da Psicologia Cognitiva, da Psicobiologia, da IA, da Filosofia, da Lingüística e da Antropologia (Nickerson, 2005; Von Eckardt, 2005). Os cientistas cognitivos usam essas idéias e métodos para enfatizar o estudo de como os seres humanos Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 23 adquirem e utilizam o conhecimento. Os psicólogos cognitivos também se beneficiam de colaborações com outros tipos de psicólogos. Um exemplo disso são os psicólogos sociais (ex. no campo multidisciplinar da cognição social), os psicólogos que estudam a motiva ção e a emoção, além de ergonomistas (ex.: psicólogos que estudam as interações entre o homem e as máquinas). Questões Fundamentais e Campos da Psicologia Cognitiva Ao longo deste capítulo, foram feitas alusões sobre alguns dos temas fundamentais que emergem no estudo da Psicologia Cognitiva. Como surgem várias vezes ao longo dos capí tulos deste livro, segue-se um resumo desses temas. Algumas dessas perguntas vão direto ao âmago da natureza da mente humana. Temas Subjacentes ao Estudo da Psicologia Cognitiva Revisando as importantes idéias deste capítulo, veem-se alguns dos temas centrais que são subjacentes a toda PsicologiaCognitiva. Quais são?Eis sete deles vistos sob uma perspec tiva dialética: 1. Inato versus adquirido: a. Tesejantítese: Qual é o fator mais influente na cognição humana - inato ou adqui rido? Se acreditarmos que as características inatas da cognição humana são mais importantes, podemos concentrar nossa pesquisa no estudo das características inatas da cognição. Se acreditarmos que o ambiente desempenha papel impor tante na cognição, então, conduziremos nossa pesquisa explorando de que ma neira as diferentes características do ambiente parecem influenciar a cognição. b. Síntese: Como é possível aprender a respeito das covariações e interações do am biente, tais como de que modo um ambiente pobre afeta adversamente alguém cujos genes deveriam levá-lo a ser bem-sucedido em uma variedade de tarefas. 2. Racionalismo versus Empirismo: a. Tese/antítese: Como descobrir a verdade a respeito de si mesmo e do mundo à sua volta? Deve-se fazer isso por meio do raciocínio lógico com base no que já se sabe? Ou deve-se fazê-lo testando as próprias observações do que se percebe pelas sensações? b. Síntese: Como combinar a teoria com métodos empíricos para se aprender o má ximo possível a respeito dos fenômenos cognitivos? 3. Estruturas versus processos: a. Tese/antítese: Devem-se estudar as estruturas (conteúdos, atributos e produtos) da mente humana? Ou concentrar-se no processo do pensamento humano? b. Síntese: Como os processos mentais operam nas estruturas mentais? 4. Generalidade versus especificidade do domínio: a. Tesej'antítese: Os processos observados são limitados a domínios únicos de conhe cimento ou são gerais para uma série de domínios? As observações em um domí nio se aplicam também a todos os domínios ou apenas aos domínios específicos observados? b. Síntese: Quais processos podem ser de domínio geral e quais de domínio es pecífico? 24 Psicologia Cognitiva 5. Validade das inferências causais versus validade ecológica: a. Tese/antítese: Deve-se estudar a cognição pelo uso de experimentos altamente controlados que aumentam a probabilidade de inferências válidas com relação à causalidade? Ou se deveriam usar técnicas mais naturalísticas que aumentam a probabilidade de se obter conclusões ecologicamente válidas, porém à custa do controle experimental? b. Síntese: Como combinar os métodos, inclusive os laboratoriais e os mais natura- lísticos, de modo a se chegar a conclusões sustentáveis, independentemente do método de estudo? 6. Pesquisa aplicada versus pesquisa básica: a. Tese/antítese: Deve-se conduzir a pesquisa nos processos cognitivos fundamentais? Ou deve-se estudar maneiras para auxiliar as pessoas a utilizarem a cognição de modo eficaz em situações práticas? b. Síntese: Os dois tipos de pesquisa podem ser combinados dialeticamente de ma neira que a pesquisabásica conduza à pesquisa aplicada, o que, por sua vez, leva ria a mais pesquisa e assim por diante? 7. Métodos biológicos versus métodos comportamentais: a. Tesefantítese: Deve-se estudar o cérebro e seu funcionamento diretamente, com técnicas de imagem, enquanto as pessoas realizam tarefas cognitivas? Ou se deve ria estudar o comportamento das pessoas durante o desempenho de tarefas cogni tivas, observando-se medidas como percentual de correlação e tempo de reação? b. Síntese: De que modo se poderia sintetizar os métodos biológicos e comporta mentais para a compreensão dos fenômenos cognitivos em múltiplos níveis de análise? Embora muitas dessas perguntas sejam apresentadas de forma excludente, do tipo "ou/ ou", é bom lembrar que, muitas vezes, uma síntese das idéias ou métodos se mostra mais útil do que posições extremadas. Por exemplo, a característica inata do ser humano pode propor cionar uma estrutura herdada para as características e padrões diferentes do pensamento e da ação,enquanto que o que se adquire pode engendrar asformas específicas nas quais se desen volvem essas estruturas. Podem-se usar métodos empíricos para a interpretação de dados, construir teorias e formular hipóteses com base nas teorias. O nosso entendimento da cogni ção se aprofunda à medida que se considera tanto a pesquisa básica como a aplicada sobre os processos cognitivos fundamentais com relação às utilizações efetivas da cognição em con textos de mundo real. As sínteses estão evoluindo permanentemente. Aquilo que hoje é uma síntese, amanhã poderá ser considerada como posição extrema e vice-versa. Principais Idéias da Psicologia Cognitiva Certas idéias fundamentais parecem surgir com freqüência na Psicologia Cognitiva, inde pendente dos fenômenos específicos que são estudados. A seguir, eis o que se pode conside rar como as cinco idéias fundamentais. í. Os dados napsicologia cognitiva sópodem ser completamente compreendidos no contexto de uma teoria explanatória, porém de nada valem as teorias sem dados empíricos. A ciência não é apenas um conjunto de fatos coletados de forma empírica. Ao invés disso, ela comporta fatos que são explicados e organizados por teorias cientí ficas. Por exemplo, supondo que se saiba que a capacidade das pessoaspara reconhe cer informações que já viram antes é melhor que sua capacidade de recordar tais Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 25 informações. Como exemplo, elasse saem melhor reconhecendo se já ouviram uma palavra dita, constante de uma lista, do que em se lembrar da palavra sem que ela tenha sidoapresentada. Estaé umageneralização empíricabem interessante, entre tanto, a ciência requer que não apenas as pessoas sejam capazes de fazer generaliza ções, como também entender por que a memória funciona assim. Por um lado, a explicação é um importante objetivo da ciência, ao passo que a generalização em pírica não oferece - na ausência de uma teoria subjacente - qualquer explicação. Por outro lado, a teoria faz com que se compreendam as limitações das generalizações empíricas e porque ocorrem. Por exemplo, uma teoria proposta por Tulving e Thomson (1973) sugeria que, na verdade, o reconhecimento nem sempre deveria ser melhor que a recordação. Outro objetivo igualmente importante da ciência é a predição. A teoria de Tulving e Thomson levou-os a predizer as circunstâncias sob as quais a recordação deveria ser melhor que o reconhecimento. Uma coleta de dados logo após provou que estavam certos. Em determinadas circunstâncias, a re cordação é certamente melhor que o reconhecimento. A teoria, portanto, sugeriu em quais circunstâncias, dentre as inúmeras que se examinaram, deveriam ocorrer as limitações das generalizações. Assim sendo, a teoria tanto serve de auxílio paraa explicação como para a predição. Ao mesmo tempo, a teoria sem dados é vazia. Praticamente, qualquer indiví duo pode se sentar em uma poltrona e propor uma teoria - até mesmo uma que pareça plausível, porém a ciência requer testes empíricos dessas teorias, sem o que continuam sendo meramente especulativas. Logo, teotias e dados dependem uns dosoutros. As teoriasgeramas coletas de dados, que, por sua vez, ajudam a corrigi das, que levam a mais coletas de dados, e assim por diante. E por meio dessa repetição e da interação entre a teoria e os dados que se pode aumentar o conheci mento científico. 2. A cognição é, geralmente, adaptativa, mas não em todas as instâncias específicas. Quando se consideram as formas pelas quais se cometem erros, é impressionante como os sistemas cognitivos humanos funcionam bem. A evolução fez muito bem em engendrar o desenvolvimento de um aparato cognitivo capaz de decodificar com precisão os estímulos ambientais, além de entender os estímulos internos da maioria das informações disponíveis. Pode-se perceber, aprender, recordar, racioci nar e solucionar problemas com enorme precisão. Isso ocorre mesmo com uma grande quantidade de estímulos. Qualquer estímulo pode desviar o indivíduo do processamento adequado da informação. Todavia, os mesmos processos que nos le vam a perceber, recordar e raciocinar com precisão na maioria das situações, tam bém podem nos levar ao erro. Nossas recordações e raciocínios, por exemplo, são suscetíveis a certos erros sistemáticos bem identificados. Por exemplo, à medida que se percebe o quanto aprendeu a respeito da disponibilidade heurística, a tendência é supervalorizar a informação que já está disponível, e isso ocorre mesmo quando a informação nãoé totalmente relevante ao problema emquestão. Em geral, todos os sistemas - naturais ou artificiais - estão baseados em compensações. As mesmas ca racterísticas - que os tornam altamente eficientes dentro da enorme gama de cir cunstâncias - podem torná-los ineficientes em outras circunstâncias específicas. Um sistema que poderia ser extremamente eficiente em cadacircunstância especí fica poderia ser ineficiente em uma ampla variedade de circunstâncias, simples mente porque se tornaria demasiadamente incômodo e complexo. Portanto, os seres humanos representam uma adaptação altamente eficiente, porém imperfeita, dos ambientes que enfrentam. 26 Psicologia Cognitiva Considere como exemplo de disponibilidade o ingresso na universidade. A maioria dos responsáveis pela admissão nas universidades deseja obter toda a infor mação possível dos alunos: suas habilidades de liderança, sua criatividade, sua ética, bem como outras características igualmente relevantes. Entretanto, essa informação pode não estar disponível imediatamente e, nessecaso,geralmente só está disponível por meio de alguns alunos. Em contrapartida, as notas das provas e as médias das notas estão sempre disponíveis para todos os usos. Dessa forma, os encarregados pela admissão nas faculdades poderão confiar mais nas notas do que o fariam caso as in formações sobre a personalidade dos alunos, como criatividade e ética, estivessem mais prontamente disponíveis. 3. Os processos cognitivos interagem uns com os outros e também com processos não- -cognitivos. Embora tentem estudar e, muitas vezes, isolar o funcionamento de processos cognitivos específicos, os psicólogos cognitivos sabem como esses processos andam juntos. Por exemplo, a memória depende, em parte, da percepção. Igualmente, o pensamento depende, em parte, da memória, ou seja, não é possível refletir sobre aquilo que não é lembrado. Contudo, os processos não-cognitivos também intera gem com os cognitivos. Por exemplo, aprende-se melhor quando se está motivado a aprender. Porém, o aprendizado será provavelmente afetado se o indivíduo se chatear com algo e não conseguir se concentrar na tarefa em questão. Portanto, os psicólogos cognitivos buscam estudar os processos cognitivos não apenas de modo isolado como também em suas interações uns com os outros e com os processos não-cognitivos. Uma das áreas mais interessantes da Psicologia Cognitiva hoje em dia é a inter face entre os níveis cognitivo e biológico. Nos últimos anos, pot exemplo, tornou-se possível localizar a atividade cerebral associada a vários tipos de processos cogniti vos. Entretanto, é preciso muito cuidado ao assumir que a atividade biológica é a causa da atividade cognitiva. A pesquisa mostta que a aprendizagem geradora de alterações no cérebro ou, em outras palavras, nos processos cognitivos, pode afetar as estruturas biológicas tanto quanto as estruturas biológicas podem afetar os pro cessos cognitivos. Assim sendo, as interações entre os processos cognitivos e os outros processos podem ocorrer em vários níveis. O sistema cognitivo não opera isoladamente, mas funciona em interação com os outros sistemas. 4. A cognição deve ser estudada por meio de uma variedade de métodos científicos. Não há uma forma correta de estudar a cognição. Estudiosos ingênuos buscam o "melhor" método para o estudo da cognição. Essabusca será, inevitavelmente, em vão, pois todo o funcionamento cognitivo precisa ser estudado por meio de um le que variado de operações convergentes, ou seja, utilizando diferentes métodos que visem a um entendimento comum. Quanto mais diferentes forem as técnicas que levem à mesma conclusão, maior será a confiança nestas. Por exemplo, suponha-se que os estudos de tempos de reação, percentual de correlação e padrões das diferen ças individuais, todos levem a uma única conclusão. Dessa forma, pode-se ter muito mais confiança do que se esta conclusão fosse conseguida por apenas um método. Os psicólogos cognitivos precisam aprender uma série de diferentes tipos de técnicas para executar bem seu trabalho. Contudo, esses métodos devem ser científi cos. Os métodos científicos diferem dos outros métodos uma vez que oferecem a base para a natureza autocorretiva da ciência. Com o tempo, corrigem-se os erros. A razão para isso é que os métodos científicos permitem refutar as expectativas quando Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 27 estas estiverem erradas. Os métodos não científicos não apresentam tal caracterís tica. Por exemplo, os métodos de investigação que dependem apenas da fé ou da autoridade para determinar uma verdade podem ter algum valor na vida das pessoas, mas não são científicos e, portanto, não são autocorretivos. Na verdade, as palavras de uma autoridade hoje podem ser substituídas pela de outra amanhã, sem que se saibaqualquercoisa nova a respeito do fenômeno a que aspalavras seaplicam. Como o mundo aprendeu há muito tempo, o fato de que importantes dignitários tenham dito que a Terraestá no centro do Universo não faz com que isso seja verdade. 5. Toda a pesquisa básica em Psicologia Cognitiva poderá levar a aplicações e toda pesquisa aplicada poderá levar a conhecimentos básicos. Os políticos e, às vezes, até mesmo cientistas gostam de estabelecer claras dife renças entre a pesquisa básica e a aplicada. A verdade, no entanto, é que essa dis tinção, geralmente, não é clara. Uma pesquisa que poderia ser básica, quasesempre, leva a aplicações imediatas. Da mesma forma, pesquisas que aparentemente deve riam ser aplicadas, às vezes, levam rapidamente a conhecimentos básicos, com aplicações imediatas ou não. Por exemplo, uma conclusão básica de uma pesquisa sobre a aprendizagem e a memória é que a aprendizagem é superior quando distri buída ao longo do tempo do que quando é concentrada em curtos intervalos de tempo. Essa conclusão básica tem uma aplicação imediata na formulação de estra tégias. Ao mesmo tempo, a pesquisa sobre testemunhos oculares, que à primeira vista, parece ser muito aplicada, melhorou o conhecimento básico do funciona mento da memória bem como sobre até que ponto o ser humano constrói as pró prias recordações. Não é uma mera reprodução do que ocorre no ambiente. Antes de encerrar este capítulo, pense em alguns campos da Psicologia Cogni tiva, descritos nos capítulosseguintes, aosquais esses temase questões fundamentais estão diretamente relacionados. Leituras Sugeridas Comentadas Nadei, L. Encyclopedia of cognitive science. v. Wilson, R. A.; Keil, F. C. The MIT ency- 4- Londres: Nature Publishing Group, clopedia of cognitive sciences. Cambridge: 2003. Uma análise detalhada de tópicos MIT Press, 1999. Verbetes sobre toda a em toda a gama das Ciências Cogniti- gamade tópicosque constituem o campo vas. Os verbetes estão classificados por de estudos da Ciência Cognitiva. grau de dificuldade. CAPITULO Neurociência Cognitiva 2 EXPLORANDO A PSICOLOGIA COGNITIVA 1. Quais são as estruturas fundamentais e os processos celulares do cérebro? 2. Como os pesquisadores estudam as grandes estruturas e os processos cerebrais? 3. O que os pesquisadores já descobriram como resultados do estudo do cérebro? Uma antiga lenda da índia {Rosenzweig, Leiman, 1989) fala de Sita. Ela se casa com um homem, mas se sente atraída por outro. Esses dois homens frustrados decapitam um ao outro. Sita, que ficou sem os dois, reza desesperadamente à deusa Kali para que traga os dois homens de volta à vida. Sita tem seu desejo atendido. A ela foi permitido recolocar as cabeças nos corpos. Na sua pressa de trazer os dois de volta à vida, Sita, por engano, troca as cabeças. E agora, com quem ela está casada? Quem e quem A questão mente-corpo há muito interessa a filósofos e cientistas. Onde a mente está localizada no corpo, se é que está? De que forma mente e corpo interagem? Como somos ca pazes de pensar, falar, planejar, raciocinar, aprender e recordar? Quais são as bases físicas de nossas capacidades cognitivas? Todas essas perguntas investigam a relação entre Psicologia Cognitiva e Neurobiologia. Alguns psicólogos cognitivos buscam responder a essas questões estudando as bases biológicas da cognição. Os psicólogos cognitivos estão particularmente preocupados em como a anatomia (as estruturas físicas do corpo) e a fisiologia (funções e processos do corpo) do sistema nervoso afetam e são afetadas pela cognição humana. A Neurociência Cognitiva é o campo de estudos que vincula o cérebro e outros aspec tos do sistema nervoso ao processamento cognitivo e, em última análise, ao comporta mento. O cérebro é o órgão do corpo que controla mais diretamente os pensamentos, as emoções e as motivações (Gloor, 1997; Rockland, 2000; Shepherd, 1998). Em geral, pen sa-se no cérebro como algo que está no topo da hierarquia do corpo - como o chefe, com vários outros órgãos respondendo a ele. Contudo, como qualquer bom chefe, escuta seus su bordinados e é influenciado por eles, que são os outros órgãos do corpo. Dessa forma, o cé rebro é tanto diretivo como reativo. Um objetivo importante do atual trabalho sobre o cérebro é estudar a localização das funções. A localização da função refere-se às áreas específicas do cérebro que controlam os comportamentos e as habilidades específicas. Entretanto, antes de tratarmos do cérebro, va mos examinar como ele se situa na organização geral do sistema nervoso. 29 30 Psicologia Cognitiva Do Neurônio ao Cérebro: A Organização do Sistema Nervoso O sistema nervoso é a base de nossa capacidade de percebermos, de nos adaptar e de inte ragirmos com o mundo ao nosso redor (Gazzaniga, 1995, 2000; Gazzaniga, Ivry, Mangun, 1998). Por meio desse sistema, recebe-se, processa-se e depois se respondem às informações provenientes do meio ambiente (Pinker, 1997; Rugg, 1997). Nessa seção, vamos considerar inicialmente o bloco estrutural básico do sistema nervoso - o neurônio. Examinaremos em detalhes como a informação se movimenta por meio do sistema nervoso no nível celular e, depois disso, analisaremos os vários níveis de organização no sistema nervoso. Nas seções posteriores, vamos nos concentrar no principal órgãodo sistema nervoso- o cérebro -, pres tando especialatenção ao córtex cerebral,que controla muitos dos processos de pensamento. Por ora, vejamos como o processamentoda informação ocorre no nível celular. Estrutura e Função Neuronais Para compreendercomo o sistemanervoso processa a informação, é preciso examinar a estru tura e a função das células que constituem esse sistema. As células neurais individuais, cha madas neurônios, transmitem sinais elétricos de um local para outro no sistema nervoso (Carlson, 2006; Shepherd, 2004)- A maior concentração de neurônios ocorre no neocórtex do cérebro. O neocórtex é a parte do cérebro associada à cogniçãocomplexa.Esse tecido pode conter até 100.000 neurônios por milímetro cúbico (Churchland, Sejnowski, 2004). Os neu rônios tendem a se organizar na forma de redes que se interligam, trocando informações e promovendo vários tipos de processamento de informação (Vogels, Rajan, Abbott, 2005). Os neurônios variam em sua estrutura, mas quase sempre possuem quatro partes bási cas, como ilustrado na Figura 2.1. Que são: soma (corpo da célula), dendritos, um axônio e feixes terminais. O soma, que contém o núcleo celular (a porção central que possui funções metabólicas e reprodutivas da célula), é responsável pela vida do neurônio e liga os dendritos ao axô nio. Os inúmeros dendritos são estruturas ramificadas que recebem informações de outros neurônios, e a soma integra essas informações. O aprendizado está associado com a forma ção de novas conexões neurais. Issoocorre em combinação com o aumento de sua comple xidade ou ramificação na estrutura dos dendritos no cérebro. O axônio simples é um longo e fino tubo que se estende (e por vezesse divide) do soma que reage à informação, quando apropriado, transmitindo um sinal eletroquímico que viaja até o final, de onde o sinal pode ser transmitido para outros neurônios. Os axônios apresentam-se apresentam em dois tipos: com ou sem revestimento de mie- lina. Mielina é uma substância branca gordurosaque envolve algunsdos axônios no sistema nervoso e é responsável por parte do aspecto branco do cérebro. Alguns axônios são mie linizados (quando revestidos pela mielina). Esse revestimento, que isola e protege os axô nios mais longos da interferência elétrica de outros neurônios na área, também acelera a condução de informação. Na verdade, a transmissãopelos axônios mielinizados pode alcan çar até 100 metros por segundo (o equivalente a 224 milhas por hora). Além disso, a mie lina não é distribuída de maneira uniforme ao longo do axônio. Édistribuída emsegmentos interrompidos pelos Nódulos de Ranvier, que são pequenos intervalos no revestimento de mielina ao longo do axônio que atuam no aumento da velocidade da condução do sinal ele troquímico. O segundo tipo de axônio não possuia cobertura de mielina. Normalmente, es ses axônios desmielinizados são menores e mais curtos (assim como mais lentos) do que os axônios. mielinizados. Como resultado dessa condição, estes não precisam de aumento na FIGURA 2.1 Feixes terminais Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 31 <*- ><•'••" i: Soma Dendritos Axônio O formato do neurônio é determinado por sua função. Cada neurônio, entretanto, lem a mesma estrutura: soma, dendritos, um axônio e feixes terminais, (Imagem: © Omikron/Science Source/ Photo Researc/iers, Inc. Utilizada com autorização) velocidade de condução do sinal eletroquímico que a mielina proporciona aos axônios mais longos. A esclerose múltipla, uma doença autoimune, está associada com a degeneração do revestimento de mielina em axônios de certos nervos. Isso resulta na deterioração da coor denação e do equilíbrio. Em casos graves, essa doença é fatal. Os feixes terminais são pequenas formações arredondadas encontradas ao final das ra mificações de um axônio e que não tocam diretamente os dendritos do neurônio próximo a ele. Na verdade, existe um espaço muito pequeno, a sinapse. A sinapse funciona como um ponto de contato entre os feixes terminais de um ou mais neurônios e os dendritos (ou, às vezes, o soma) de um ou mais neurônios vizinhos (Carlson, 2006; ver Figura 2.1). As si- napses são importantes na cognição. Os ratos apresentam um incremento tanto no tama nho como no número de sinapses no cérebro, como resultado do aprendizado (Turner, Greenough, 1985). A diminuição da função cognitiva, como no Mal de Alzheimer é asso ciada com a redução da eficiência das sinapses na transmissão de impulsos nervosos (Selkoe, 2002). A transmissão de sinal entre neurônios ocorre quando os feixes terminais liberam um ou mais transmissores na sinapse. Esses neurotransmissores funcionam como mensagei ros químicos para transmissãode informação pelo intervalo da sinapse aos dendritos recep tores do próximo neurônio (von Bohlen und Halbach, Dermietzel, 2006). 32 Psicologia Cognitiva Os cientistas já catalogaram mais de 50 substâncias neurotransmissoras, embora ainda haja muito mais a ser descoberto. Fisiologistas e psicólogos estão trabalhando na descoberta e no entendimento de neurotransmissores. Em especial, eles querem entender como os neu- rotransmissores interagem com as drogas, com o humor, com as habilidades e com as per cepções. Sabemos muita coisa a respeito do mecanismo da transmissão do impulso neural, mas, relativamente, sabemos ainda muito pouco a respeito de como a atividade química do sistema nervoso se relaciona com os estados psicológicos. A despeito dos limites do conhe cimento atual, aprendemos muito a respeito de como essas substâncias afetam o funciona mento psicológico dos indivíduos. Atualmente, existem três tipos de substâncias envolvidas no processo de neurotrans- missão: 1. Os monoaminos neurotransmissores, cada um deles é sintetizado pelo sistema nervoso pelas ações enzimáticas em um dos aminoácidos (constituídos de proteínas, como colina, tirosina e triptofano) em nossa alimentação diária (ex.: acetilcolina, dopa mina e serotonina); 2. Os neurotransmissores aminoácidos, obtidos diretamente dos aminoácidos da nossa ali mentação sem qualquer síntese (ex.: ácido gamaaminobutírico ou GABA); e 3. Os neuropeptídios, que são cadeias de peptídeos (moléculas constituídas por partes de dois ou mais aminoácidos). O Quadro 2.1 relaciona alguns exemplos de neurotransmissores e suas funções no sis tema nervoso, e suas relações com o funcionamento cognitivo. A acetilcolina está ligada à memória e a sua perda tem sido relacionada à perda de me mória em pacientes com Mal de Alzheimer (Hasselmo, 2006). A acetilcolina também exerce importante papel no sono e no estado de alerta. No despertar, há um aumento da atividade dos também chamados neurônios colinérgicos na base anterior e na haste do cé rebro (Rockland, 2000). A dopamina está ligada à atenção e à aprendizagem. Também está relacionada com a motivação, tais como o reforço e a recompensa. Portadores de esquizofrenia possuem um ní vel muito elevado de dopamina. Este fato já orientou alguns pesquisadores no sentido de que altos níveis de dopamina podem ser parcialmente responsáveis pela condição esquizo frênica. As drogas utilizadas no combate à esquizofrenia geralmente inibem a ação da dopa mina (von Bohlen und Halbach, Dermietzel, 2006). Em contrapartida, pacientes com Mal de Parkinson apresentam níveis muito baixos de dopamina. Com tratamento à base de dopamina, esses pacientes de Parkinson, por vezes, apresentam um aumento da compulsão patológica de jogar. Quando o tratamento com dopamina é interrompido, os pacientesdei xam de apresentar esse comportamento (Drapier et ai., 2006; Voon et aí., 2007). Essas des cobertas confirmam o papel da dopamina no processo motivacional. A serotonina desempenha papel muito importante no comportamento relacionado à alimentação e ao controle de peso. Também tem ligação com o comportamento agressivoe a impulsividade (Rockland, 2000). Drogas que bloqueiam a serotonina tendem a aumentar o comportamento agressivo. Altos níveis de serotonina têm papel em alguns tipos de ano- rexia. Especificamente, a serotonina parece ter papel em alguns tipos de anorexias decor rentes de doença ou de tratamento de doença. Por exemplo, pacientes com câncer ou que se submetem à diálise experimentam grave falta de apetite (Agulera et ai., 2000; Davis et ai., 2004). A perda de apetite nos dois casos é relacionada aos altos níveis de serotonina. Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 33 QUADRO 2.1 Neurotransmissores Os neurotransmissores são responsáveis pela comunicação intercelular no sistema nervoso. Esta tabela lista uma parte dos neurotransmissores conhecidos. Neurotransmissores Descrição Função Geral Exemplos Específicos Acetilcolina (Ach) Neurotransmissor monoamino sintetizado a partir da colina. Excitatório no cérebro e na musculatura esquelé tica ou inibitório na mus culatura cardíaca e outras partes do corpo. Acredita-se que esteja re lacionado com a memó ria por sua alta concen tração encontrada no hipocampo (Squire, 1987). Dopamina (DA) Monoamino neurotrans missor sintetizado a partir da tirosina. Influencia o movimento, a atenção e a aprendiza gem. Na maioria das ve zes é inibitório. Mas, em alguns casos, pode apre sentar efeitos excitató- rios. O Mal de Parkinson, ca racterizado por tremores e rigidez límbica, resulta da escassez de DA; alguns sintomas de esquizofrenia estão associados com o excesso de DA. Epinefrina e norepinefrina Monoamino neurotrans missor sintetizado a partir da tirosina. Hormônios (também co nhecidos como adrena lina e noradrenalina) relacionados com a regulação do estado de alerta ou vigilância. Relacionado a diversos efeitos no corpo relativos às reações "bater ou cor rer" (fight-or-flight), raiva e medo. Serotonina Monoamino neurotrans missor sintetizado a partir do triptofano. Relacionado ao estado de alerta, sono e sonhos e humor. Normalmente inibitório, mas, em alguns casos, excitatório. Normalmente inibe os sonhos; falhas no sistema de serotonina estão rela cionadas com a depressão grave. GABA (ácido gamaminobutírico) Aminoácido neurotrans missor. Efeito neuromodulatório geral resultante das influências inibitórias dos axônios pré-sinápticos. Acredita-se que influen cia certos mecanismos de aprendizagem e de me mória (Izquierdo, Me- dina, 1997). Glutamato Aminoácido neurotrans missor. Efeito neuromodulatório geral resultantes das in fluências excitatórias dos axônios pré-sinápticos. Acredita-se que influen cia certos mecanismos de aprendizagem e de me mória (Izquierdo, Me- dina, 1997). Neuropeptídeos Cadeias de peptídeos que atuam como neurotrans missores. Efeito neuromodulatório geral resultantes das in fluências excitatórias dos axônios pré-sinápticos. A endorfina atua no alí vio da dor. Neuromodu- ladores neuropeptídios por vezes são liberados para aumentar os efeitos da Ach. As descrições precedentes simplificam drasticamente a complexidade das comunicações neuronais. Taiscomplexidades tornam difícil a compreensão do que acontece no cérebronor malquando pensamos, sentimos e interagimos como ambiente ao nosso redor. Muitos pesqui sadores procuram entender o processo normal de comunicaçãodo cérebro. Esperam determinar o que está errado no cérebro de pessoas afetadas por distúrbios neurológicos e psicológicos. Talvez, quandosepuder entendero que estáerrado - quais substâncias estãoem desequilíbrio -, seja pos sível conseguir colocar ascoisas em equilíbrio novamente. Uma maneira de se fazer isso é colocar neurotransmissores onde é preciso ou inibir os efeitos dos neurotransmissores em excesso. 34 Psicologia Cognitiva Receptores e Drogas Os receptores no cérebro, que normalmente são empregados por neurotransmissores co muns, podem ser desviados por drogas psicofarmacologicamente ativas, legais ou ilegais. Nesses casos, as moléculas das drogas entram nos receptores que normalmente seriam para substâncias neurotransmissoras endógenas (originadas dentro) do corpo. Quando o indivíduo interrompe o uso da droga, surgem os sintomas da abstinência. Uma vezque o usuário se torna dependente, por exemplo, a forma de tratamento difere por causa da toxicidade aguda (dano causado pelo longo tempo de vício). A toxicidade aguda é quase sempre tratada com naloxone ou drogas correlatas. O naloxone (bem como sua simi lar naltrexone) ocupa os receptores opiáceos no cérebro melhor do que os opiáceos propria mente ditos, e, dessa forma, bloqueia todos os efeitos dos narcóticos. Na verdade, o naloxone tem uma forte afinidade com os receptores de endorfina no cérebro que ele, de fato, coloca moléculas de narcóticos nesses receptores e, depois, ele mesmo os carrega para os receptores. O naloxone não vicia; embora esteja ligado aos receptores, ele não os ativa. Muito embora o naloxone possaser entendido como uma droga salvadora para alguém que tenha sofrido uma superdosagem de opiáceos, seus efeitos têm vida curta. Assim, não é re comendado para o tratamento em longo prazo de viciados em drogas. No processode desintoxicação de narcóticos, a droga (normalmente, a heroína) é, geral mente, substituída pela metadona, que se liga aos locais receptores de endorfina de maneira similar ao naloxone, reduzindo a ânsia por heroína bem como os sintomas de abstinência de indivíduos viciados. Após a substituição, são administradas aos pacientes doses gradualmente decrescentes, até a completa eliminação da droga em seus organismos. Infelizmente, a utili dade da metadona é limitada pelo fato de ser, ela própria, substânciaque causa dependência. Observando as Estruturas e Funções do Cérebro Os cientistas fazem uso de inúmeros métodos para estudar o cérebro humano, entre eles, os estudos post-mortem (do latim, "após a morte") e as técnicas in vivo (do latim, "vivo"), tanto em seres humanos como em animais. Cada técnica oferece informações importantes a respeito da estrutura e do funcionamento do cérebro humano. Até mesmo alguns dos primeiros estudos post-mortem ainda influenciam a maneira de se pensar sobre como o cére bro realiza determinadas funções. Entretanto, a tendência atual é a de se concentrar em técnicas que ofereçam informações a respeito do funcionamento mental humano à medida que ocorre. Essa tendência é contrária à anterior, ou seja, esperar encontrar indivíduos com distúrbios para, só depois de sua morte, então, estudar seus cérebros. Uma vezque os estudos post-mortem formam a base para os trabalhos posteriores, vamos discuti-los antes de avançar para as técnicas ín vivo mais modernas. Estudos Post-Mortem Há séculos, os investigadores conseguiram dissecar o cérebro após a morte de um indivíduo. Até hoje, a dissecação é usada com freqüência para estudar a relação entre cérebro e com portamento. Os cientistas observam atentamente o comportamento de pessoas que apresen tam sinais de lesões cerebrais enquanto estão vivas (Wilson, 2003), documentando o comportamento nesses estudos de casos de pacientes, o mais minuciosamente possível (Fawcett, Rosser, Dunnett, 2001). Mais tarde, após a morte dos pacientes, examinam seus cérebros em busca das lesões —áreas em que os tecidos tenham sido danificados, por exem plo, como conseqüência de ferimentos ou de doenças. A seguir, inferem que os locais lesio- nados podem ter relação com o comportamento afetado. O Caso de Phineas Cage, discutido no Capítulo 1, foi explorado com esses métodos. Capítulo2 • Neurociência Cognitiva 35 Dessa maneira, os cientistas podem estabelecer o vínculo entre um tipo de comporta mento observado e as anomalias localizadas em um determinado local do cérebro. Um dos primeiros exemplos é o de Tan (assim chamado porque essa era a única sílaba que conse guia pronunciar), famoso paciente de Paul Broca (1824-1880). Tan apresentava graves pro blemas na fala, que tinham ligação com lesões na área do lobo frontal, que agora é chamada de área de Broca. Essa área está ligada a determinadas funções na produção da fala. Recen temente, exames post-mortem em vítimas da doença de Alzheimer (doença que causa per das devastadoras da memória: ver no Capítulo 5) levaram os pesquisadores a identificar algumas estruturas do cérebro ligadas à memória (como o hipocampo, descrito em uma se ção posterior deste capítulo). Esses exames identificaram também algumas aberrações mi croscópicas associadas com o processo da doença (ex.: fibras diferentes entrelaçadas no tecido do cérebro). Embora sirvam para alicerçar o entendimento da relação entre o cére bro e o comportamento, as técnicas de lesionamento são limitadas na medida em que não podem ser realizadas no cérebro vivo. Consequentemente, não oferecemconhecimentos so bre processos fisiológicos mais específicos do cérebro vivo. A fim de se obter essa informa ção, há a necessidade de se usar técnicas in vivo, como as descritas a seguir, entre outras. Estudos com Animais Os pesquisadores também querem compreender os processos e as funções do cérebro vivo e, para estudar sua atividade variável, é preciso usar a pesquisa in vivo. Muitas das primeiras técnicas in vivo foram realizadas exclusivamente em animais, por exemplo, as pesquisas ganhadoras do Prêmio Nobel sobre a percepção visual surgiram a partir de estudos in vivo que investigavam a atividade elétrica de células em determinadas regiões do cérebro de animais (Hubel, Wiesel, 1963, 1968, 1979; ver o Capítulo 3). Nessesestudos, inserem-se microeletrodos no cérebro de um animal (geralmente um ma caco ou um gato), que obtém registros decélulas isoladas acerca da atividade de um único neu rônio no cérebro. Nesses registros, os cientistas inserem um finíssimo eletrodo próximo a um neurônio isolado e, dessa forma, conseguem captar as alterações na atividade elétrica que ocorre na célula. Essa técnica só pode ser usada em laboratório e com animais, porque ainda não foi encontrada uma forma segura para realizar esses registros em seres humanos. Dessa maneira, os cientistas podem medir os efeitos de determinados estímulos, como li nhas apresentadas visualmente sobre a atividade dos neurônios individuais. Outros estudos com animais incluem o lesionamento seletivo —remoção cirúrgica ou lesionando parte do cérebro -, visando observar os conseqüentes deficits funcionais (APbertin, Mulder, Wiener, 2003; Mohammed, Jonsson, Archer, 1986). Evidentemente, essas técnicas não podem ser utilizadas em seres humanos. Além disso, não é possível registrar simultaneamente a ativi dade de cada neurônio. As generalizações com base nesse tipo de estudo são um pouco li mitadas e, assim sendo, desenvolveram-se várias técnicas de imagem menos invasivas para serem usadas em seres humanos, descritas na próxima seção. Registros Elétricos Potenciais Relacionados a Eventos Pesquisadores e profissionais (como psicólogos e médicos) geralmente registram a atividade elétrica do cérebro, que aparece sob a forma de ondas de várias larguras (freqüência) e alturas (intensidades). Os eletroencefalogramas (EEGs) são registros das freqüências e das intensi- dades elétricas do cérebro vivo, normalmente gravadas durante períodos relativamente longos (Picton, Mazaheri, 2003). Por meio dos EEGs, é possível estudar as atividades das ondas cerebrais que indicam as alterações dos estados mentais, como o sono profundo ou o sonho. Para a realização de um eletroencefalograma, colocam-se eletrodos em vários pontos 36 Psicologia Cognitiva do couro cabeludo de modo a registrar a atividade elétrica das áreas do cérebro. Assim, a informação não é bem localizada em termos de células específicas, mas é, em contrapartida, extremamente sensível às alterações ao longo do tempo. Por exemplo, registros de EEGs feitos durante o sono revelam mudanças nos padrões da atividade elétrica de todo o cérebro. Durante o sonho, surgem padrões diferentes daquelesque surgemno sono profundo. De modo a estabelecer uma relação da atividade elétrica com um determinado evento ou tarefa (ex.: ver um clarão de luz ou ouvir frases), podem-se medir as ondas do EEG em um grande número dè testes (ex.: 100) para revelar potenciais relacionados com os eventos (ERPs). Um potencial relacionado com um evento é o registro de uma pequena alteração na atividade elétrica do cérebro em resposta a um evento estimulador. A oscilação geral mente dura uma fração de segundo mínima. Os ERPs proporcionam boas informações a res peito do transcurso de tempo da atividade cerebral relacionada a tarefas pela média eliminatória da atividade não relacionada à tarefa. Os ERPs identificam-se pela colocação de uma série de eletrodos na cabeça do paciente para, em seguida, registrar a atividade elé trica do cérebro por meio dos eletrodos. As formas de ondas resultantes mostram picos ca racterísticos relacionados ao tempo da atividade elétrica, mas apenas revelam informações muito gerais sobre a localização dessa atividade (em função da baixa resolução espacial, li mitada pela colocação dos eletrodos no couro cabeludo). A técnica de ERP é usada em uma ampla gama de estudos. Por exemplo, alguns estudos da inteligência tentatam relacionar características específicas de ERPs aos resultadosde tes tes de inteligência (ex.: Caryl, 1994). O exame do processamento da linguagem também se beneficiou do uso dos métodos de ERP. Nos estudos envolvendo a leitura, a capacidade dos pesquisadores de mensurar as alterações do cérebro durante intervalos específicos de tempo também possibilitou entender a capacidade de compreensão das frases (Kuperber et ai., 2006). As mudanças no desenvolvimento das habilidades cognitivas também foram exami nadas pelos métodos ERP. Esses experimentos possibilitaram um entendimento quase com pleto da relação entre o cérebro e o desenvolvimento cognitivo (Taylor, Baldeweg, 2002). Além disso, o alto grau de resolução temporal proporcionado pelos ERPs pode ser utilizado para complementar outras técnicas, como por exemplo, a tomografia por emissão de pósitrons (PET, discutida a seguir) para identificar áreas envolvidas na associação de palavras (Posner, Raichle, 1994). Usando os ERPs, os investigadores descobri ram que os participantes mostravam maior atividade em certas partes do cérebro (córtex frontal lateral esquerdo, córtex posterior esquerdo e córtex insular direito) sempre que faziam associações rápidas das pa lavras dadas. Outro estudo mostrou que as diminuições nos potenciais elétricos são duas vezes maiores para os tons que são atendidos do que para aqueles que são ignorados (ver Phelps, 1999). Assim como ocorre com qualquer técnica, os EEGs e os ERPs oferecem apenas uma visão da atividade cerebral e são mais úteis quando usadosem conjunto com outras técnicas, visando examinar as áreas cerebrais específicas ligadas à cognição. Michael Posneré professor emérito de Psicologia na University ofOregon. Suapesquisa pioneira propiciou fortes evidências dasligações entre as opera ções cognitivas e a atividade localizada do cérebro. Seu trabalho auxiliou a estabelecer abordagens cog nitivas e biológicas experi mentaisconjuntasparaa melhor função docérebro. (Foto: Cortesia Dr. Mi chael Posner) Técnicas de Imagem Estática Os psicólogos utilizam-se também de várias técnicas de imagem está tica para revelar as estruturas do cérebro (Buckner, 2000a; Posner, Raichle, 1994; Rosen, Buckner, Dale, 1998; Figura 2.2 e Quadro 2.2). Dentre essas técnicas estão os angiogramas; a tomografia computado rizada (TC) e a ressonância magnética (RM). As técnicas baseadas em raios X (angiograma e TC) permitem a observação de grandes anor malidades do cérebro, como danos resultantes de acidentes vasculares Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 37 FIGURA 2.2 (a) Angíograma (ralos X) . magnéticos Várias técnicas já foram desenvolvidas para fazer imagens das estruturas e, as vezes, dos processos do cérebro, (a) Um angiograma do cérebro destaca seus vasos sangüíneos, (b) Uma imagem TC deum cérebro usa uma série de tomografias rotativas (uma das quais aqui apresentada) para produzir uma imagem tridimensional das estruturas do cérebro, (c) Umasérie rotativa de RMs (umadas quais é aqui apresentada) comuma imagem tridimensional das estruturas docérebro com mais precisão doque as da TC. (d) Essas fotografias estáticas de PETs de um cérebro mostram diferentes processos metabólicos duranteatividades distintas. As PETs permitem o estudo da fisiologia docérebro, (imagens: CNR11SPL/ Ohio Nuclear I Photo Resarchers, Inc./Spenccr Gram / Stock Boston, LLC. Utilizada com autorização) 38 Psicologia Cognitiva QUADRO 2.2 Principais Estruturas e Funções do Cérebro O prosencéfalo, o mesencéfalo e o rombencéfalo contêm estruturas que realizam funções para a sobrevivência bem como para processos de alto nível, como o pensar e o sentir. Região do Cérebro Prosencéfalo Principais Estruturas Dentro das Regiões Córtex cerebral (camada exterior dos hemisférios) Gânglios basais (conjuntos de núcleos e fibras neurais) Sistema límbico (hipocampo, amíg- dala e sepco) Talar Funções das Estruturas Responsável pelo recebimento e proces samento de informações sensoriais, pensamento, outros processamentos cognitivos e no planejamento e envio de informações motoras Cruciais ao funcionamento do sistema motor Responsáveis pela aprendizagem, emo ções e motivações (em particular, o hi pocampo influencia a aprendizagem e a memória; a amígdala influencia a raiva e a agressividade; c o septo, a raiva e o medo) Estação básica de retransmissão de infor mações sensoriais que chegam ao cére bro; transmite informações para as regiões certas do córtex cerebral por fi bras de projeção que vão do tãlamo até regiões específicas do córtex; é composto por vários núcleos (grupos de neurônios) que recebem tipos específicos de infor mação sensorial, projetando-os em regiões específicas do córtex cerebral, in cluindo quatro núcleos fundamentais para a informação sensorial: (1) dos re ceptores visuais, via nervos ópticos, ao córtex visual, possibilitando a visão; (2) dos receptores auditivos, via nervos auditivos, ao córtex auditivo, possibi litando a audição: (3) dos teceptores sensoriais, no sistema nervoso somático, ao córtex somatossensorial primário, possibilitando a sensação de pressão e dor; e (4) do cerebelo (no rombencé falo) ao córtex motor primário, possibili tando a estabilidade e o equilíbrio físico cerebrais (AVCs) ou tumores. Todavia, essas técnicas têm resolução limitada e não forne cem muita informação a respeito de lesões e anormalidades menores. Provavelmente, a técnica de imagem estática de maior interesse para os psicólogos cog nitivos seja a ressonância magnética (RM), que serve para revelar imagens de alta resolu ção da estrutura do cérebro vivo pela computação e pela análise das alterações magnéticas na energia das órbitas das partículas nucleares nas moléculas do corpo. Issofacilita a detec çãode lesões in vivo, como aquelas associadas a transtornos específicos do uso da linguagem. Na RM, um forte campo magnético é passado através do cérebro do paciente. O scanner detecta vários padrões de alterações eletromagnéticas nos átomos do cérebro (Malonek, Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 39 QUADRO 2.2 Principais Estruturas e Funções do Cérebro (continuação) Região do Cérebro Principais Estruturas Dentro das Regiões Funções das Estruturas Hipotálamo Controla o sistema endócríno; controla o sistema nervoso autônomo, como a regulação da temperatura interna, do apetite e da sede, além de outras funções importantes; responsável pela regulação do comportamento relativo à sobrevi vência da espécie (em especial, lutar, alimentar-se, fugit e acasalar); é impor tante no controle da consciência (ver o sistema reticular ativador); responsável pelas emoções, pelo prazer, pela dor e pelas reações de estresse Mesencéfalo Coiícuiossuperiores (acima) Envolvidos na visão (especialmente nos reflexos visuais) Colículos inferiores (abaixo) Envolvidos na audição Sistema reticular ativador - RAS (estende-se para o interior do rom bencéfalo) Importante no controle da consciência (despertar do sono), atenção, função cardiorrespiratória e movimentos. Substância cinzenta núcleo rubro, subs tância negra, região ventraí Importante no controle dos movimentos Rombencéfalo Cerebelo Fundamental para o equilíbrio, a coorde nação e o tõnus muscular Ponte (também contém parte do RAS) Envolvido na consciência (sono e des pertar); liga as transmissões neutais de uma parte do cérebro à outra; respon sável pelos nervos faciais Medulaoblonga Atua como junção na qual os nervos se cruzam de um lado do corpo ao lado oposto do cérebro; responsável pelas funções cardiorrcspiratórias, a digestão e a deglutição Grinvald, 1996; Ugurbil, 1999). Essas alterações molecularessão analisadas por um compu tador que gera uma imagem tridimensional do cérebro, produzindo informações detalhadas das estruturas cerebrais. Por exemplo, a RM é usada para demonstrar que músicos que to cam instrumentos de cordas, como violino e violoncelo, tendem a tet uma expansão do cé rebro em uma área do hemisfério direito, que controla o movimento da mão esquerda (uma vez que o controle das mãos é contralateral - o lado direito do cérebro controla a mão es querda, e vice-versa) (Münte, Altenmüller, Jáncke, 2002). Às vezes, as pessoas pensam que o cérebro controla tudo o que fazem. Este estudo é um bom exemplo de como aquilo que se faz - ou seja, a experiência - pode afetar o desenvolvimento do cérebro. Contudo, a técnica 40 PsicologiaCognitiva de RM é relativamente cara e, além disso, não oferece muita informação a respeito dos processos fisiológicos. As duas últimas técnicas, discutidas na seguinte seção, irão oferecer essa informação. imagens Metabólicas As técnicas de imagem metabólica baseiam-se nas mudanças que ocorrem no cérebro como resultado do aumento do consumo de glicose e de oxigênio nas áreas ativas deste órgão. A idéia básica é que as áreas ativas do cérebro consomem mais glicose e oxigênio do que as áreas inativas durante a execução de algumas tarefas. Uma área exigida especificamente por uma tarefa deveria estar mais ativa durante essa tarefa do que durante um processamento mais geral. Os cientistas tentam identificaráreas especializadas para uma determinada tarefa usando o método de subtração, que compreende subtrair a atividade durante uma tarefa mais geral da atividade mensurada durante uma tarefa específica. Em seguida, a atividade resul tante é analisada estatisticamente. Essa análise determina quais as áreas responsáveis pelo desempenho de qualquer tarefa específica, bem como as de âmbito mais genérico. Por exemplo, supondo que o pesquisador deseje determinar que área do cérebro é mais importante para alguma função, como a re cuperação do significado das palavras. Ele deveria, então, subtrair atividade durante uma ta refa como a leitura de palavrasda atividade durante uma tarefa envolvendo o reconhecimento físico das letras das palavras. A diferença na atividade seria presumida para refletir a recupe ração do significado. Porém, há um fator importante a ser lembrado com relação a essas téc nicas: os cientistas não dispõem de meios para determinar se o efeito em rede dessa atividade é excitatório ou inibitório (porque alguns neurônios são inibidos pelos neurotransmis sores de outros neurônios). Assim, a técnica de subtração revela a atividade cerebral em rede de algumas áreas, não podendo mostrar se o efeito da área é positivo ou negativo. Além disso, o método pressupõe que a ativação é puramente aditiva - que não pode ser des coberta por meio do método de subtração, o que representa uma grande simplificação desse método; mas, de um modo geral, mostra como os cientistas conseguem determinar o fun cionamento fisiológico de certas áreas usando as técnicas de imagem descritas a seguir. Tomografia por emissão de pósitrons (PET) —As PETs medem a elevação no consumo de oxigênio em áreas ativas do cérebro durante determinados tipos de processamento de in formações (Buckner et ai, 1996; 0'Leary et ai, 2007; Raichle, 1998, 1999). Para acompa nhar o uso do oxigênio, os participantes recebem uma forma levemente radioativa de oxigênio que emite pósitrons enquanto está sendo metabolizado. (Os pósitrons são partículas que têm mais ou menos o mesmo tamanho e massa dos elétrons, mas têm carga positiva, e não negativa). A seguir, é feita a tomografia do cérebro para detectar os pósitrons. Um com putador analisa os dados para produzir as imagens do funcionamento fisiológico do cérebro em ação. Por exemplo, as PETsforam utilizadas para mostrar o aumento do fluxo sangüíneo para o lobo occipital do cérebro durante o processamento visual (Posner et ai, 1988). As PETs também são usadas para o estudo comparativo de cérebros de pessoas que tiram notas altas e baixas em testes de inteligência. Quando as pessoas com notas altas estão engajadas em tarefas desafiadoras do ponto de vista cognitivo, seus cérebros parecem utilizar a glicose de modo mais eficiente nas áreas cerebrais altamente especializadas para essas tarefas. Os cé rebros das pessoas com notas baixas aparentemente utilizam a glicose de maneira mais difusa em regiões mais vastas do cérebro (Haier et ai., 1992; ver o Capítulo 13). Vamos considerar o trabalho com base nas PETs que ilustram a integração de informa ções a partir de várias áreas do córtex (Petersen et ai, 1988, 1989; Posner et ai, 1988). Es pecificamente, esse trabalho se utilizou das tomografias PET para estudar o fluxo sangüíneo cerebral localizado durante várias tarefas, tais como a leitura de palavras isoladas. Quando os participantes olhavam para uma palavra na tela, as áreas de seus córtices visuais mostravam Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 41 níveis elevados de atividade. Quando falavam uma palavra, seus córtices motores ficavam muito ativos. Quando ouviam uma palavra falada, o córtex auditivo era ativado. Quando produziam palavras relacionadas àquelas que viram (exigindo alto nível de integração da in formação visual, auditiva e motora), as áreas relevantes do córtex mostravam maior volume de atividade. As PETs não são altamente precisas porque requerem o tempo mínimo de meio minuto para produzir informação relativa ao consumo de glicose. Se uma área do cérebro mostra quantidades diferentes de atividade durante o tempo de mensuração, tem-se a média dos ní veis de atividade, o que, potencialmente, leva a conclusões não tão precisas. Outra técnica é a ressonância magnética funcional (RMf), técnica de imagem que usa campos magnéticos para construir uma representação detalhada, em três dimensões, dos ní veis de atividade nas várias partes do cérebro em determinado momento. Esta técnica parte da RM (discutida anteriormente), mas ela se baseia no aumento do consumo de oxigênio para produzir imagens da atividade cerebral. A idéia básica é a mesma das PETs. A técnica de RMf não exige o uso de partículas radioativas. Em lugar disso, o participante executa uma tarefa enquanto é colocado dentro da máquina de RM. Essa máquina, normalmente, se pa rece com um túnel e sempre que alguém é colocado parcial ou inteiramente no túnel, é en volvido por um ímã em forma de aro, que cria um campo magnético que induz mudanças nas partículas dos átomos de oxigênio. As áreas mais ativas do cérebro demandam maissan gue oxigenado do que as áreas menos ativas, e as diferenças nas quantidades de oxigênio consumido formam a base para as medições da RMf. Em seguida, essas medições são anali sadas em computador para se obter a informação mais precisa possível a respeito do funcio namento fisiológico da atividade do cérebro durante o desempenho de tarefas. Essa técnica é menos invasiva que a PET, além de possibilitar uma resolução temporal mais elevada - as medições podem ser feitas para atividades que durem frações de segundo, ao invés de apenas atividades que durem minutos ou horas. Um grande problema, todavia, é o custo e a novidade da RMf, e somente um número relativamente pequeno de pesquisa dores tem acesso ao maquinário necessário. Além disso, os testes com participantes conso mem muito tempo. A técnica da RMf está sendo usada para identificar regiões ativas do cérebro em muitas áreas, como a visão (Engel et ai, 1994), a atenção (Cohen et ai, 1994), a linguagem (Gaillard et ai, 2003) e a memória (Gabrieli et ai, 1996). Por exemplo, a RMf também é usada para mostrar que o córtex pré-frontal lateral é essencial para a memória de trabalho. Esta é a parte da memória usada para processar informaçõesque estão sendo usadas ativa mente em um determinado momento (McCarthy et ai, 1994). Além disso, os métodos de RMf são aplicados para o exame de alterações cerebrais em populaçõesde pacientes, inclu sive indivíduos com esquizofrenia e epilepsia (Detre, 2004; Weinberger et ai, 1996). Um procedimento correlato é a ressonância magnética farmacológica (RMph). A RMph combina os métodos de RMf com o estudo dos agentes psicofarmacológicos. Esses estudos examinam a influência e o papel de determinados agentes psicofarmacológicos so bre o cérebro, permitindo o exame do papel dos agonistas (que potencializam as reações) e dos antagonistas (que diminuem as reações) nas mesmas células receptoras. Além disso, es ses estudos também permitem o exame das drogas usadas para o tratamento, que, por sua vez, possibilitam aos investigadores prever as reações dos pacientes aos tratamentos neuro- químicos por meio da constituição do cérebro. De modo geral, esses métodos auxiliam o entendimento das áreas do cérebro e os efeitos dos agentes psicofarmacológicos no funcio namento do cérebro (Baliki et ai, 2005; Easton et ai, 2007; Honey, Bullmore, 2004; Ka- lischetai.,2004). 42 Psicologia Cognitiva FIGURA 2.3 [çgREBROl Tamanho (logaritmo de milímetros) ICÉREBRQI Tamanho (logaritmo de milímetros) - 9 Tempo de vida Pode-se observar o cérebro emvários níveis deresolução espacial, desde uma molécula atéo próprio cérebro como um todo, enquanto sepercebe a mente como uma sucessão deeventos por períodos tão breves como alguns poucos milísse- gundos - o tempo que levapara um neurôniose comunicar comoutro - ou longos, como umavida inteira. Nas últimas décadas, oscientistas desenvolveram uma variedade considerável de técnicas capazes de tratar darelação entre o cérebro e a mente. Aqui, resumimos gra/icíimente a contribuição potencial dessas várias técnicas para um entendimento desse relacionamento, marcando logaritmicamente o céreÍTro no eixo horizontal e a mente noeixo vertical. As técnicas estão posicionadas segundo suaprecisão temporal e espacial. No gráfico daesquerda, estão todas as técnicas disponíveis, como: raios X, TC, RM, PET, EEG, ERP, eletrocorticografia (ECo, EEGsregistrados a partir da superfície docérebro em cirurgia), além damicroscopia eletrônica (ME). No gráfico ã direita, eliminamos todas as técnicas que nãopodem ser apUcadas em seres humanos. Embora o estudodorelacionamento entre mente e cérebro em humanos dependaclaramente das técnicas de imagem cerebral- RM, PETe TC -, emconjunto com outras técnicas elétricas, nosso conhecimento sobre essa relação, emúitima análise, exigirá a integração de todos os níveis de investigação. Ilustração docérebro em vários níveis deresolução espacial de ÍMAGES OF M/ND, por Michael l. Posner e Marcus E. Raichle. © 1994, 1997 Scientific American Library. (Imagem: Henry hiolt and Company, LLC) Outro procedimento relacionado à RMph é a ressonância magnética com tensor de difu são (DTI), que permite o exame da dispersão limitada de água no tecido cerebral. Essa técnica tem sido útil no mapeamento da substância branca do cérebro e no exame dos circuitos neu rais. Algumas aplicações dessa técnica incluem o exame de lesões cerebrais traumáticas, da es quizofrenia, da maturação do cérebro e da esclerose múltipla (Ardekani et ai., 2003; Beyer, Ranga, Krishnan, 2002; Ramachandra etai., 2003; Sotak, 2002; Sundgren etai., 2004). Uma técnica recente para o estudo da atividade cerebral supera os problemas com outras técnicas (Walsh, Pascual, Leone, 2005). Essa nova técnica é a estimulação magnética trans- craniana (EMT), que interrompe temporariamente a atividade do cérebro em uma área limi tada. A EMT requer a colocação de uma bobina na cabeça do paciente para permitir a entrada de uma corrente elétrica (Figura 2.4). A corrente gera um campo magnético que interrompe uma pequena área (normalmente não superior a 1 cm3) sob a bobina. O pesquisadorpode, en tão, ver o funcionamento cognitivo quando uma área específica é interrompida. Outra técnica recente é a eletroencefalografia magnética(EEGM), que mede a atividade do cérebro de fora da cabeça pela captação dos campos magnéticos emitidos pelas alterações da atividade cetebral. Essa técnica petmíte a localização de sinais do cérebro de forma a pos sibilitar saber o que diferentes partes do cérebro estão fazendo em momentos diferentes. Esse Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 43 FIGURA 2.4 Estimulação magnética transcraniana (EMT). (Foto: ]im Chase, Havard University Gazette) é um dos métodos de mensuração mais precisos. A EEGM pode ser utilizada para auxiliar ci rurgiõesa localizarestruturas patológicas do cérebro (Baumgartner, 2000). Uma recente apli cação da EEGM contou com pacientes que relatavam dor de membro-fantasma. No caso de dor de membro-fantasma como, por exemplo, um paciente relata dor no pé amputado. Foi ob servado que, quando certas áreas do cérebro são estimuladas, a dor no membro-fantasma é me nor. A EEGM também é utilizada para examinar as alterações nas atividades do cérebro antes, durante e depois da estimulação elétrica. Essas alterações na atividade cerebral correspondem às alterações com a experiência de dor no membro-fantasma (Kringelbach et ai, 2007). As técnicas atuais ainda não proporcionam mapeamentos claros de funções específi cas relacionadas a determinadas estruturas, regiões ou processos cerebrais. Em vez disso, concluiu-se que algumas estruturas discretas, regiões ou processos cerebrais parecem estar ligados a determinadas funções cognitivas. O conhecimento atual sobre de que modo de terminadas funções cognitivas estão ligadas a determinadas estruturas ou processoscerebrais possibilita apenas a inferência de indicações sugestivas de algum tipo de relacionamento. Por meio de análises sofisticadas, pode-se inferir cada vez com mais precisão esse relaciona mento, mas ainda não se chegou a um ponto em que é possível determinar o relacionamento específico entre causa e efeito entre uma determinada estrutura ou processo cerebral e a fun ção cognitiva específica. Algumas funções podem ser influenciadas pela quantidade de es truturas, regiões ou processos do cérebro. Finalmente, essas técnicas propiciam a melhor informação somente em conjunto com outras técnicas experimentais para a compreensão das complexidades do funcionamento cognitivo. Todavia, alguns pesquisadores conduziram estudos ín vivo conjuntos em animais com técnica de imagem do cérebro (Dedeogle et ai, 2004; Kornblum et ai, 2000; Logothetis, 2004). 44 Psicologia Cognitiva A Cognição no Cérebro: Córtex Cerebral e Outras Estruturas Até o momento, discutiu-se de que modo os cientistas determinam a estrutura e a função do cérebro por meio de várias técnicas post-mortem e in vivo. Agora, vamos discutir o que já foi descoberto acerca do órgão supremo do sistema nervoso: o cérebro humano. Pode-se visualizar o cérebro dividido em três regiões principais: o prosencéfalo, o mesencéfalo e o rombencéfalo {verQuadro 2.2). Esses nomes, contudo, não correspondem exatamente aos locais das regiões na cabeça de um adulto ou mesmo de uma criança. Na verdade, os termos provêm da organi zação física dessas partes no sistema nervoso de um embrião em desenvolvimento. Inicial mente, o prosencéfalo costuma ficar mais à frente, em direção ao que é o rosto. O mesencéfalo vem logo em seguida, e o rombencéfalo fica mais afastado, próximo da parte de trás do pescoço (Figura 2.5 a). Durante o desenvolvimento, essas orientações se alteram, de modo que o pro sencéfalo seja quase uma tampa em cima do mesencéfalo e do rombencéfalo. Mesmo assim, os termos ainda são utilizados para designar as áreas do cérebro totalmente desenvolvido. A Fi gura 2.5 b e c mostra as mudanças de locais e relacionamentos do prosencéfalo, do mesencéfalo e do rombencéfalo durante o desenvolvimento do cérebro. Pode-se ver como se desenvolvem, de um embrião de poucas semanas após a concepção até um feto de sete meses. Anatomia Geral do Cérebro: Prosencéfalo, Mesencéfalo e Rombencéfalo Prosencéfalo O prosencéfalo é a região do cérebro localizada próxima ao topo e à frente do cérebro (Fi gura 2.6), e compreende o córtex cerebral, os gânglios basais, o sistema límbico, o tálamo e o hipotálamo. O córtex cerebral é a camada externa dos hemisférios cerebrais e desempe nha papel fundamental no pensamento e em outros processos mentais, merecendo, por isso, uma seção especial. Esta seção segue a discussão atual sobre as principais estruturas e funções do cérebro. Os gânglios basais são conjuntos de neurônios cruciais à função motora e sua disfunção pode resultar em sérios defcits nessa área, como tremores, movimentos in voluntários, alterações na postura e no tônus muscular bem como lentidão dos movimentos. Esses deficits ocorrem no Mal de Parkinson e na doença de Huntington; ambas causam sintomas motores graves (Rockland, 2000; Shepherd, 1998). O sistema límbico é importante para a emoção, a motivação, a memória e a aprendiza gem. Animais como peixes e répteis, cujos sistemas límbicos são relativamente pouco de senvolvidos, reagem ao ambiente quase que exclusivamente por instinto. Os mamíferos, e especialmente os humanos, possuem sistemas límbicos relativamente mais desenvolvidos, que aparentemente permitem a supressão de reações instintivas (ex.: o impulso de agredir alguém que acidentalmente nos tenha causado dor). Os sistemas límbicos fazem com que o ser humano seja capaz de adaptar com mais flexibilidade seu comportamento em resposta às mudanças no ambiente. O sistema límbico compreende três estruturas cerebrais centrais interligadas, que são: a amígdala, o septo e o hipocampo. A amígdala cumpre um papel importante na emoção, especialmente na raiva e agressi vidade (Adolphs, 2003). O septo está ligado à raiva e ao medo. A estimulação da amígdala, geralmente, resulta em medo e pode ser comprovada de várias maneiras, como por palpita- ções, alucinações assustadoras ou recordações de cenas horríveis (Frackowiak et ai, 1997; Gloor, 1997; Rockland, 2000). Lesões na amígdala ou mesmo sua retirada podem resultar na falta de medo desadaptativa. No caso de lesões no cérebro de um animal, este pode se FIGURA 2.5 Mesencéfalo Prosencéfalo (a) 5 semanas no útero {c) 7 meses no útero Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 45 Mesencéfalo Rombencéfalo Tubo neural Hemisférios cerebrais Mesencéfalo Cerebelo Bulbo Medula espinhal (b) 8 semanas no útero Cerebelo e ponte Bulbo Medula espinhal Braço Durante o desenvolvimento embrionário e fetal, o cérebro torna-se mais especializado e os locais e as posições relativas dorombencéfalo, do mesencéfalo e doprosencéfalo se alteram daconcepção ao nascimento. Extraído do livro In Search of the Human Mind, de RobertJ. Stemberg, © 1995, Harcourt Brace, Company. Reproduzido com a per missão do editor. aproximar de objetos potencialmente perigosos sem hesitação ou medo (Adolphs et ai, 1994; Frackowiak etai, 1997). A amígdala também acentua a percepção de estímulosemo cionais. No ser humano, lesões na amígdala anulam essa acentuação (Anderson, Phelps, 2001). Além disso, pessoas com autismo apresentam limitada ativação na amígdala. Uma teoria resultante do autismo sugere que o transtorno está ligado à disfunção da amígdala (Baron-Cohen et ai, 2000; Howard et ai, 2000; Adolphs, Sears, Piven, 2001). Dois outros efeitos de lesões na amígdala podem ser a agnosia visual (incapacidade de reconhecer obje tos) e a hipersexualidade (Steffanaci, 1999). 46 Psicologia Cognitiva FIGURA 2.6 Córtex cerebral (controla as funções do pensamento, das sensações e dos movimentos voluntários) Corpo caloso (transmite informações entre os dois hemisférios cerebrais) Amígdala (ligada à raiva e à agressividade Glândula pítuitária (glândula-mestre do sistema endócrino Septo Hipocampo (influencia (influencia a a raiva e aprendizagem o medo) e a memória) Tálamo (transmite informações sensoriais ao córtex cerebral) Hipotálamo (regula a temperatura, a alimentação, o sono e o sistema endócrino) Mesencéfalo (sistema de ativação reticular: transmite mensagens sobre o sono e o despertar) Ponte (retransmite informações entre o córtex cerebral e o cerebelo) Cerebelo (coordena os movimentos finos dos músculos e o equilíbrio) Bulbo (regula os batimentos cardíacos e a respiração) Medula espinhal (retransmite os impulsos nervosos entre o cérebro e o corpo; controla os reflexos simples) O prosencéfalo, o mesencéfalo e o rombencéfalo contêm estruturas querealizam funções essenciais à sobrevivência e para o pensamento dealto nivele o sentimento. Extraído do livro In Search of the Human Mind, de RobertJ. Ster- nberg, © 1995, de Harcourt Brace, Company. Reproduzido com a permissãodo editor. O hipocampo cumpre papel fundamental na formação da memória (Eichenbaum, 1999, 2002; Gluck, 1996; Manns, Eichenbaum, 2006; 0'Keefe, 2003). Esse nome vem do grego - "cavalo-marinho" - e de sua forma aproximada. Pessoas que sofrem lesões ou re moção do hipocampo ainda conseguem se lembrar de recordações existentes. Por exem plo, conseguem reconhecer velhos amigos e lugares, mas não conseguem formar novas lembranças (em relação ao momento da lesão cerebral). Novas informações, novas situa ções, pessoas e lugares novos ficam como novas para sempre. A Síndrome de Korsakoff produz perda da função da memória, que se acredita esteja ligada à deterioração do hipo campo. A síndrome pode ser conseqüência de uso excessivo de álcool. No caso de H. M., a ser discutido no Capítulo 5, há outra ilustração dos problemas decorrentes com a forma ção das lembranças por causa de danos no hipocampo. O hipocampo parece manter um re gistro de onde as coisas estão e de que modo essas coisas estão ligadas umas às outras em Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 47 NO LABORATÓRIO DE JOHN GABRIELI Tudo que se sabe está nos genes ou foi aprendido por meio da experiência. En tretanto, apenas algumasex periências são lembradas. As pessoas esquecem-se com rapidez de grande parte de suas vidas e, dessa maneira, a seleção daquilo que se lembram e do que se esquecem é, por tanto, muito importante para o que se torna, para o que se acredita e para as coisas que fa zemos bem. As lembranças do passado mol dam o futuro. De que modo o cérebro nos permite lem brar seletivamente das próprias experiências? Fiquei fascinado com essa questão quando, como estudante de pós-graduação, tive a oportunidade de fazer uma pesquisa com aquele que, talvez, seja o paciente neuropsi- cológico mais famoso do século XX: H. M. Como conseqüência de uma cirurgia reali zada em 1953 com objetivo de tratar sua epi- lepsia, H. M. tornou-se um pacientede amnésia global, ou seja, ele não conseguia se lembrar de qualquer fato novo ou evento. Depois de alguns segundos, ele esqueciade todas as no vas experiências, inclusiveos materiais usados em experimentos de laboratório ou eventos públicosfamosos, e até mesmo os eventos pes soais mais importantes de sua vida, como a morte de seus pais. A cirurgia de H. M. compreendeu a remoção de várias estruturas localizadas nos aspectos mediais ou internos dos lobos tem porais. A partir do seu caso, ficou difícil sa ber que papéis essas estruturas diferentes desempenhavam na memória normal e se cumpriam alguma função crítica no regis tro inicial (codificação) das lembranças (di ferente da retenção ou do acesso posterior a essas lembranças). Com imagens não inva- sivas da atividade cerebral, por meio de RM, foi possível examinar essas questões no cé rebro humano normal. Durante a sessãode imagem de cérebros humanos normais, as pessoas viam imagens de cenas internas e externas, enquanto se registrava a resposta de seus cérebros para cada cena. A seguir, foram submetidos a um teste-surpresa de memória, com cenas da seção de tomografia bem como cenas novas. Em algumas ocasiões, os pacientes reconhe ciam corretamente a cena apresentada ante riormente (uma experiência lembrada), mas, em outras, eles não conseguiam reconhecer a cena anteriormente apresentada (uma ex periência esquecida). O nível de atividade cerebral no córtex parahipocampal - que é uma área específica do lobo temporal me diano -, à medida que o paciente via cada cena, indicava se ele iria lembrar-se dessa cena mais tarde ou iria esquecê-la. Dessa forma, podia-se visualizar a atividade cerebral em uma estrutura específica do cérebro, que determinava se a experiência presente es tava destinada a ser bem lembrada no fu turo ou fadada ao esquecimento em poucos minutos. De certa forma, podia-se ver o nas cimento de uma lembrança e o registro se letivo das experiências destinadas a serem lembradas e que influenciariam o compor tamento futuro. termos espaciais. Em outras palavras, o hipocampo monitora onde estão esses eventos (Cain, Boon, Corcoran, 2006; MacClelland, McNaughton, CVReilley, 1995; Tulving, Schacter, 1994). Uma interrupção no hipocampo parece resultar em déficit da memória de- clatativa (ou seja, memória para trechos de informação), mas não resulta em déficit na me mória processual (ou seja, memória para cursos de ação) (Rockland, 2000). O papel exato do hipocampo na memória e em sua formação ainda não foi determi nado. Uma hipótese é que o hipocampo oferece um mapa cognitivo de classes, que repre senta o espaço que um organismo necessita para navegar (0'Keefe, Nadei, 1978). Outra idéia é de que o hipocampo é fundamental para o aprendizado flexível e para a percepção das relações entre os itens aprendidos (Eichenbaum, 1997; Squire, 1992). Voltaremos ao papel do hipocampo no Capítulo 5. 48 Psicologia Cognitiva O tálamo transmite informação sensorial que chega por meio de neurônios que se pro jetam até a região apropriada do córtex. A maior parte dos dados sensoriais recebidos no cé rebro passa pelo tálamo, que está localizado aproximadamente no centro do cérebro, mais ou menos ao nível dos olhos. Para acomodar todos os tipos de diferentes informações a se rem classificadas, o tálamo é dividido em vários núcleos (grupos de neurônios com funções similares). Cada núcleo recebe informações dos sentidos específicos. Em seguida, as infor mações são retransmitidas às áreas específicas correspondentes no córtex cerebral (o Qua dro 2.3 contém os nomes e as funções dos diversos núcleos). O tálamo também ajuda no controle do sono e do despertar e, quando não funciona direito, a conseqüência pode ser dor, tremor, amnésia, dificuldades com a fala e perturbações no sono e no despertar (Ro ckland, 2000; Steriade, Jones, McCormick, 1997). Em casos de esquizofrenia, imagens e es tudos in vivo revelam disfunções no tálamo (Clinton, Meador-Woodruff, 2004). O hipotálamo regula o comportamento relacionado à sobrevivência das espécies: lutar, alimentar-se, fugir e acasalar. O hipotálamo também é ativo na regulação das emoções e reações ao estresse (Malsbury, 2003) e interage com o sistema límbico. O tamanho reduzido do hipotálamo (do grego hipo-, "sub"; localizadona base do prosencéfalo, embaixo do tálamo) dá uma falsa idéia de sua importância no controle de muitas funções corporais (Ver o Qua dro 2.4 para mais informações). O hipotálamo também desempenha importante papel no sono. A disfunção e a perda neural dentro do hipotálamo podem ser identificadas em casos de narcolepsia, que ocorre quando uma pessoa adormece freqüentemente e em momentos imprevisíveis (Lodi et ai, 2004; Mignot, Taheri, Nishino, 2002). Mesencéfalo O mesencéfalo auxilia no controle e na coordenação dos movimentos dos olhos, e seu fun cionamento é mais importante nos animais não-mamíferos do que nos mamíferos. Nos ani mais não-mamíferos é a principal fonte de controle da informação visual e auditiva. Nos mamíferos, essas funções são dominadas pelo prosencéfalo. O Quadro 2.2 relaciona as QUADRO 2.3 Quatro Importantes Núcleos do Tálamo(*) Quatro núcleos talâmicos fundamentais transmitem informações visuais, auditivas, somatossensoriais e relacionadas ao equilíbrio Nome do Núcleo f Recebe Informações de Projeta (Transmíte Informações) Basicamente para Benefício Funcional Núcleo geniculado lateral Receptores visuais, via nervos ópticos Córtex cerebral Possibilita a visão Núcleo geniculado mediai Receptores auditivos, via nervos auditivos Córtex auditivo Possibilita a audição Núcleo ventroposterior Sistema netvoso somático Córtex somatossensorial primário Possibilita sentir pressão e dor Núcleo ventrolateral Cerebelo (no rombencéfalo) Córtex motor primário Possibilita sentir estabilidade e equilíbrio físico (*) Outros núcleos talâmicos também desempenham papéis importantes. t - Os nomes referem-se à localização relativa dos núcleos dentro do tálamor lateral, em direção ao lado direito ou esquerdodo núcleo mediai; ventral, mais próximoda barrigado que do copoda cabeça; posterior, em direção à parte de trás; ventroposterior, na direção da barrigae da parte de trás; ventrolateral, em direção à barrigae ao lado. A palavra geniculado significa "em forma de joelho". Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 49 QUADRO 2.4 Métodos Neurofisiológicos Cognitivos para o Estudo do Funcionamento do Cérebro Método Procedimento Apropriado para Humanos? Vantagens Desvantagens Registro de célula única Eletrodo muito fino inserido próximo a um único neurônio simples. A seguir, são registra das as alterações na atividade elétrica que ocorrem na célula. Não Registro bastante pre ciso da atividade elé ttica Não pode set usado em seres humanos EEG Alterações nos potenciais elé tricos são registradas via ele trodos colocados no couro ca beludo. Sim Relativamente não invasivo Bastante impre- ciso ERP Alterações nos potenciais elé tricos são registradas via ele trodos colocados no couro ca beludo Sim Relativamente não invasivo Não mostra ima gens reais do cérebro :- PET Participantes ingerem uma forma de oxigênio levemente radioativo que emite pósitrons enquanto é metabolizado. A seguit, são mensuradas as alte rações na concentração de pó sitrons em áreas marcadas do cérebro. Sim Mostta imagens do cérebro em ação Menos úteis para processos rápidos RMf Ctia campo magnético que in- duz alterações nas partículas dos átomos do oxigênio. Áreas mais ativas do cérebro retiram mais sangue oxigenado do que áreas menos ativas. As dife renças nas quantidades de oxi gênio consumido formam a base para as mensurações da RMf. Sim Mostra imagens do cérebro em ação: mais precisa que a PET Requer que o in divíduo seja co locado em um escâner descon fortável por al gum tempo EMT Requer a colocação de uma bobina na cabeça do paciente para permitir a entrada de uma corrente eléttica. A cor rente gera um campo magné tico, que interrompe uma pequena área (normalmente, não superior a um centímetro cúbico) sob a bobina. 0 pes quisador pode, então, tastrear o funcionamento cognitivo quando uma átea específicaé interrompida. Sim Permite ao pesquisa dor apontar de que modo a interrupção de uma determinada área do cérebro afeta o funcionamento cognitivo Potencialmente perigoso, se mal utilizado EEGM Mede a atividade do cétebro pela detecção de campos mag néticos por meio da colocação de um dispositivo na cabeça do paciente. Sim Resolução espacial e tempotal extrema mente precisa Requer equipa mento muito caro, ainda não disponível para os pesquisadores 50 Psicologia Cognitiva diversas estruturas (e funções correspondentes) do mesencéfalo e, de longe, a mais indis pensáveis dessas estruturas é o sistema de ativação reticular (SAR; também chamado de "formação reticular"), uma rede de neurônios essenciais à regulação da consciência (sono, vigília, excitação e, em algum nível, atenção, bem como funções vitais a exemplo dos bati mentos cardíacos e respiração) (Sarter, Bruno, Bernston, 2003). Na realidade, o SAR também se estende para o rombencéfalo. Tanto ele como o tálamo são essenciais para que se tenha consciência e controle sobre a própria existência. A haste do cérebro liga o prosencéfalo à medula espinal e compreende o hipotálamo, o tálamo, o mesencéfalo e o rombencéfalo. Uma estrutura chamada substância cinzenta periaquedutaí (SCP) fica na haste do cérebro. Aparentemente, essa região é a chave para certos tipos de comportamentos adaptativos. Injeções de pequenas quantidades de aminoácidos excitató- rios ou estimulação elétrica nessa área resultam em várias reações. Por exemplo, uma rea ção agressiva e de confronto; outra seria evitar o confronto ou fugir. Outra ainda, reatividade defensiva aumentada ou reduzida, como a experimentada após uma derrota, quando o indi víduo se sente desanimado (Bandler, Shipley, 1994; Rockland, 2000). Os médicos determinam a morte cerebral com base na função da haste do cérebro. Es pecificamente, o médico deve determinar se a haste do cérebro foi danificada tão gravemente que os vários reflexos da cabeça {como, por exemplo, o reflexo pupilar) estão ausentes por mais de 12 horas, ou o cérebro deve apresentar ausência de atividade elétrica ou circulação de sangue no cérebro (Berkow, 1992). Rombencéfalo O rombencéfalo compreende o bulbo, ou medula oblongada, a ponte e o cerebelo. A medula oblongada controla a atividade cardíaca e grande parte da respiração, deglutição e digestão. A medula oblongada é também o lugar onde se cruzam os nervos do lado direito do corpo indo para o lado esquerdo do cérebro e os nervos do lado esquerdo do corpo indo para o lado direito do cérebro. A medula oblongada é uma estrutura interna alongada situada no ponto em que a medula espinhal entra no crânio e se junta ao cérebro. A medula oblon gada, que contém parte do SAR, é o que mantém o ser humano vivo. A ponte serve como um tipo de estação retransmissora, uma vez que contém fibras neurais que transmitem sinais de uma parte do cérebro para outra. A ponte também con tém uma porção do SAR e de nervos que servem parte da cabeça e do rosto. O cerebelo (do latim "pequeno cérebro") controla a coordenação corporal, o equilíbrio e o tônus mus cular bem como alguns aspectos da memória relacionados aos movimentos (ver os Capí tulos 7 e 8) (Middleton, Helms Tillery, 2003). O desenvolvimento pré-natal do cérebro humano em cada indivíduo corresponde, aproximadamente, ao desenvolvimento evolu tivo do cérebro humano dentro da espécie como um todo. Especificamente, o rombencé falo é, em termos evolutivos, a parte mais antiga e mais primitiva do cérebro, sendo também a primeira parte .do cérebro a se desenvolver no período pré-natal. O mesencéfalo é uma aquisição relativamente nova em termos de evolução do cérebro e é a segunda parte do cérebro também a se desenvolver no período pré-natal. Finalmente, o prosencéfalo é a aquisição evolutiva mais recente do cérebro e é a última das três porções a se desenvolver no período pré-natal. Além disso, durante o desenvolvimento evolutivo da espécie humana, o homem demons tra uma proporção cada vez maior de massacerebral em relação à massacorporal. Todavia, no decorrer do desenvolvimento após o nascimento, a proporção entre massa cerebral e massa corporal diminui. A massa cerebral de um recém-nascido é proporcionalmente muito maior em relação à sua massa corporal do que a de um adulto. Desde a infância até a idade adulta, o desenvolvimento do cérebro concentra-se principalmente na complexidade organizacional das conexões dentro do cérebro. Os aumentos no desenvolvimento do indivíduo em termos de complexidade neural são paralelos ao desenvolvimento evolutivo da espécie humana, mas a alteração na proporção de massacerebral em relação à massa corporal não é. Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 51 Para os psicólogos cognitivos, a mais importante dessas tendências é a crescente com plexidade neural do cérebro. A evolução do cérebro humano propicia uma capacidade cada vez maior de exercer controle voluntário sobre o comportamento bem como aumentou a capacidade do homem de planejar e contemplar alternativas de cursos de ação. Essas idéias serão discutidas na próxima seção relacionada ao córtex cerebral. Córtex Cerebral e Localização da Função O córtex cerebral forma uma camada de 1 a 3 milímetros que envolve a superfície do cérebro semelhante à forma que a casca de uma árvore envolve o tronco. No ser humano, as inúmeras circunvoluções, ou vincos, do córtex compreendem três elementos diferentes: os sulcos - que são pequenas rugas; as fissuras —que são rugas grandes, e os giros —que são as elevações entre os sulcose as fissuras adjacentes. Essas dobras aumentam bastante a superfície do córtex. Caso o córtex enrugado dos seres humanos fosse alisado, ocuparia uma área de dois pés quadrados (aproximadamente 0,18 m2). O córtex compreende 80% do cérebro humano (Kolb, Whisaw, 1990). A complexidade do funcionamento do cérebro aumenta conforme a área cortical e é o córtex cerebral que possibilita ao homem pensar, planejar, coordenar pensamentos e ações, perceber padrões visuais e sonoros e utilizar a linguagem. Sem ele, as pessoas não seriam hu manas. A superfície do córtex cerebral é acinzentada e pode ser chamada de substância cin zenta, basicamente porque é formada por corpos de células neurais que processam toda a informação que o cérebro recebe e envia. Em contrapartida, a substância branca no interior do cérebro é composta quase que inteiramente de axônios mielinizados brancos. O córtex cerebral forma a camada mais externa dos dois hemisférios do cérebro - di reito e esquerdo (Davidson Hugdahl, 1995; Galaburda, Rosen, 2003; Gazzaniga, Hutsler, 1999; Hellige, 1993, 1995; Levy, 2000; Mangun etai, 1994). Embora pareçam bastante se melhantes, os dois hemisférios funcionam de maneiras bem diferentes. O hemisfério es querdo é especializado em algumas atividades, enquanto o direito, em outras. Por exemplo, os receptores do lado direito do corpo geralmente enviam informação por meio da medula para as áreas do hemisfério esquerdo do cérebro, enquanto que os do hemisfério esquerdo do cérebro direcionam as respostas motoras no lado direito do corpo. O hemisfério direito direciona as respostas no lado esquerdo do corpo. Entretanto, nem toda transmissão de in formação é contralateral - de um lado para outro. Também ocorre a transmissão ipsilateral - no mesmo lado. Por exemplo, as informações relacionadas ao odor da narina direita vão principalmente para o lado direito do cérebro. Cerca de metade das informações do olho direito vai para o lado direito do cérebro. Além dessa tendência geral para a especialização contralateral, os hemisférios também se comunicam diretamente entre si. O corpo caloso é um agregado denso de fibras neurais que liga os dois hemisférios (ver Witelson, Kigar, Walter, 2003), que permite a transmissão de informação em ambos os sentidos. Uma vez que a informação chega a um hemisfério, o corpo caloso a transfere para o outro. Se o corpo caloso for cortado, os dois hemisférios cerebrais - as duas metades do cérebro - não pode rão se comunicar entre si. Embora algumas funções, como a linguagem, sejam altamente la- teralizadas, a maioria delas, inclusive a linguagem —dependem grandemente da integração dos dois hemisférios do cérebro. Especialização Hemisférica De que modo os psicólogos descobriram que os dois hemisférios têm responsabilidades dife rentes? O estudo da especialização hemisférica no cérebro humano teve início com Marc Dax, médico do interior da França. Por volta de 1836, Dax já havia tratado mais de 40 pacientes que sofriam de afasia - perda da fala - como conseqüência de lesão cerebral. Ob servou uma relação entre a perda da fala e o lado do cérebro onde a lesão ocorrera. Dax também viu, ao estudar o cérebro dos pacientes após sua morte, que em todos os casos 52 Psicologia Cognitiva houve lesão do hemisfério esquerdo do cérebro e não encontrou qualquer caso de perda da fala causada apenas por lesão no hemisfério direito. Em 1861, o cientista francês Paul Broca relatou que uma autópsia revelara que um pa ciente com acidente vascular cerebral, afásico, tinha uma lesão no hemisfério esquerdo do cérebro. Por volta de 1864, Broca já estava convencido de que o hemisfério esquerdo do cé rebro é crucial para a fala, teoria que se mantém ao longo do tempo. A parte específica do cérebro que Broca identificou, atualmente chamada de área de Broca, contribui para a fala (Figura 2.7); essa área também desempenha papel crucial para a imitação (Heiser et dl., 2003). Outro importante pesquisador alemão, o neurologista Carl Wernicke, estudou pa cientes com deficiência da fala, que conseguiam falar, mas cujo discurso não fazia sentido. Assim como Broca, Wernicke localizou a capacidade para a linguagem no hemisfério es querdo, pesquisando uma localização precisa diferente, atualmente conhecida como área de Wernicke, que contribui para a compreensão da fala (ver Figura 2.7). FIGURA 2.7 Córtex motor Córtex associativo Área de Broca (fala) Córtex sensorial Córtex associativo Córtex auditivo Córtex visual Área de Wernicke (compreensão da linguagem) Estranhamente, embora pessoas com lesão na áreade Broca não consigam falar fluentemente, conseguem cantar e gri tar. Extraído do livro Introduction to Psychology, 11. ed. de Richard Atkinson, Rita Atkinson, Daryl Bem, Ed Smith e Susan NolenHoeksema © 1995, de Harcourt Brace, Company. Reproduzido com permissão doeditor. Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 53 Karl Spencer Lashley, quase sempre descrito como o pai da Neuropsicologia, começou a estudar a localização em 1915 e descobriu que a implantação de eletrodos toscamente construídos em locais aparentemente idênticos no cérebro, produziam resultados distintos. Localizações diferentes, por vezes e paradoxalmente, produziram resultados semelhantes (como exemplo, ver Lashley, 1950). Pesquisadores posteriores, utilizando-se de eletrodos e procedimentos de mensuração mais sofisticados, descobriram que as localizações específicas se correlacionam com respostas motoras específicas durante muitas sessões de testes. Apa rentemente, a pesquisa de Lashley ficou limitada à tecnologia disponível na época. A despeito das valiosas contribuições iniciais de Broca, Lashley e outros, o maior respon sável pela teoria e pela pesquisa moderna em especialização hemisférica foi o psicólogo ga nhador do Prêmio Nobel, Roger Sperry (1964), o qual afirmou que cada hemisfério do cérebro se comporta, em muitos aspectos, como um cérebro separado. Em um experimento clássico que sustenta essa afirmação, Sperry e seus colegas seccionaram o corpo caloso que li gava os dois hemisférios do cérebro de um gato e, dessa maneira, conseguiram provar que a informação apresentada visualmente a um hemisfério cerebral do gato não era reconhecível ao outro. Trabalho semelhante com macacos indicou o mesmo desempenho distinto para cada hemisfério (Sperry, 1964). Algumas das informações mais interessantes a respeito de como funciona o cérebro hu mano, especialmente com relação ao papel dos hemisférios, surgiu a partir de estudos de se res humanos com epilepsia, nos quais o corpo caloso havia sido seccionado. A secção cirúrgica dessa ponte inter-hemisférica impede que os ataques epiléticos se espalhem de um hemisfério para outro. Esse procedimento, assim, reduz drasticamente a gravidade dos ata ques, contudo, acarreta uma perda de comunicação entre os dois hemisférios. E como se a pessoa tivesse dois cérebros separados e especializados em processar informações diferentes e executar funções separadas. Pacientes com cérebro dividido são pessoasque foram submetidas à cirurgia para secção do corpo caloso. A pesquisa com cérebro dividido revela possibilidades fascinantes com re lação às formas humanas de pensar. Nesse campo, muitos acham que a fala está localizada no hemisfério esquerdo. A capacidade de visualizaçãoespacial parece estar localizadaem grande parte do hemisfério direito (Farah, 1988a, 1988b; Gazzaniga, 1985; Zaidel, 1983). As tarefas de orientação espacial também parecem estar localizadas no hemisfério direito (Vogel, Bowers, Vogel, 2003). Parece que, aproximadamente, 90% da população adulta tem as fun ções da fala localizadas predominantemente dentro do hemisfério esquerdo. Mais de 95% das pessoas destras e mais de 70% das canhotas apresentam domínio do hemisfério esquerdo para a fala. Nas pessoas em que não há processamento do hemisfério esquerdo, o desenvolvimento da linguagem no hemisfério direito retém as funções fonéticas e semânticas, porém apresenta deficiência na competência sintática (Gazzaniga, Hutsler, 1999). Jerre Levy (um dos pupi los de Sperry) e seus colaboradores (Levy, Trevarthen, Sperry, 1972) investigaram o vínculo entre os hemisférios do cérebro e as tarefas visuais e espaciais dirigidas à fala, usando partici pantes que passaram por cirurgia de divisão do cérebro. O hemisfério esquerdo é importante não apenas para a fala, mas também para o movi mento. As pessoas com apraxia - transtornos de movimentos coordenados - muitas vezes sofreram lesões no hemisfério esquerdo, perdendo a capacidade para executar movimentos intencionais familiares (Gazzaniga, Hutsler, 1999). Outro papel do hemisfério esquerdo é o exame de experiências passadas e o descobrimento de padrões. Descobrir padrões é um passo importante para a geração de hipóteses. Assim, o hemisfério esquerdo também de sempenha papel fundamental nessa função (Wolford, Milter, Gazzaniga, 2000). O hemisfériodireito é, em grande parte, "mudo" (Levy, 2000), apresentando poucacom preensão gramatical ou fonética, porém possui um bom conhecimento semântico e está li gado também ao uso prático da língua. Pessoas com lesões no hemisfério direito tendem a ter dificuldade para acompanhar conversas ou histórias, além de exibirem dificuldade para fazer 54 PsicologiaCognitiva inferências a partir do contexto, bem como de entender o discurso metafórico ou com hu mor (Levy, 2000). O hemisfério direito também tem um papel muito importante no autor- reconhecimento. Nesse sentido, o hemisfério direito parece ser responsável pela identificação do próprio rosto (Platek et ai, 2004). Estudos mostram que pacientes com cérebro dividido geralmente não estão cientes de que viram alguma informação conflitante em duas metades da mesma figura. Quando soli citados para dar respostas verbais sobre o que viram, eles relataram ter visto a imagem na metade direita da figura. Isto é uma referência à associação contralateral entre hemisfério e lado do corpo. Assim sendo, parece que o hemisfério esquerdo está controlando seu proces samento verbal (fala) da informação visual. Considere-se, em contrapartida, o que acontece quando esses indivíduos são solicitados a usar os dedos da mão esquerda (a.qual, contrala- teralmente, envia e recebe informação do hemisfério direito) para apontar o que viram. A seguir, os participantes escolhem a imagem da metade esquerda da figura. Esse resultado in dica que o hemisfério direito parece controlar o processamento espacial (apontar) da infor mação visual. Desse modo, a tarefa que devem realizar é crucial para determinar qual imagem eles acreditam que lhes foi mostrada. Michael Gazzaniga, outro discípulo de Sperry, afastou-se da tese de seu ex-professor e colegas, como Levy. Gazzaniga discorda da afirmação de que os dois hemisférios funcionam completamente independentes. Não obstante, ainda sustenta que cada hemisfério cumpre papel complementar. Por exemplo, de acordo com Gazzaniga, não há processamento da fala no hemisfério direito (exceto em raros casos de lesão cerebral precoce ao hemisfério es querdo). Em vezdisso, somente o processamento visuoespacial ocorre no hemisfério direito. Como exemplo, Gazzaniga descobriu que, antes da cirurgia de secção cerebral, as pessoas podem fazer representações tridimensionais de cubos com cada uma das mãos (Gazzaniga, LeDoux, 1978). Após a cirurgia, entretanto, esses indivíduos só conseguem desenhar um cubo, de aparência razoável, com a mão esquerda. Em cada um dos pacientes, os desenhos feitos com a mão direita ficam irreconhecíveis, sejam cubos ou quaisquer objetos tridimen sionais. Essa descoberta é importante em razão da associação contralateral entre cada lado do corpo e o hemisfério oposto do cérebro, por exemplo: o hemisfério direito controla a mão esquerda. A mão esquerda é a única que um paciente com cérebro dividido consegue usar para desenhar figuras reconhecíveis. Assim, esse experimento sustenta a afirmação de que o hemisfério direito é dominante na compreensão e na exploração das relações espaciais. Gazzaniga (1985) afirma que o cérebro, e especialmente o hemisfério direito do cére bro, está organizado em unidades de funcionamento relativamente independentes que tra balham em paralelo. Segundo Gazzaniga, cada uma das várias e distintas unidades da mente opera de ma neira relativamente independente das outras. Essas operações acontecem geralmente fora da consciência. Enquanto essas várias operações —independentes e quase sempre subcons cientes —estão acontecendo, o hemisfério esquerdo tenta lhes atribuir interpretações. Por vezes, o hemisfério esquerdo percebe que o indivíduo está se comportando de uma maneira que não faz qualquer sentido, intrinsecamente, mas, mesmo assim, encontra uma forma de atribuir algum sentido àquele comportamento. Além de estudar as diferenças hemisféricas na fala e nas relações espaciais, os pesquisa dores tentaram determinar se os dois hemisférios pensam de formas diferentes entre si, Levy (1974) descobriu algumas evidências de que o hemisfério esquerdo tende a processar a in formação analiticamente (uma a uma, normalmente em seqüência) e afirma que o hemis fério direito tende a processá-la de maneira holística (como um todo). Lobos dos Hemisférios Cerebrais Por questões práticas, quatro lobos dividem os hemisférios e o córtex do cérebro em quatro partes. Esses lobos não são unidades distintas, mas regiões anatômicas bastante arbitrárias. Funções específicas foram identificadas em cada lobo, mas que também interagem entre si. Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 55 Os quatro lobos, cujos nomes estão relacionados aos ossos do crânio, estão localizados dire tamente sobre eles (Figura 2.8). São eles: o frontal, o parietal, o temporal e o occipital. Seus nomes referem-se às funções dos ossos do crânio que os abrigam, de modo que sua nomen clatura e até mesmo sua divisão específica são razoavelmente arbitrárias. Os lobos realizam várias funções e esta discussão descreve apenas parte daquilo que fazem. O lobo frontal, no sentido da frente do cérebro, está associado com o processamento motor e com o processamento superior do pensamento, tal como o raciocínio, a resolução de problemas, o planejamento e o julgamento (Stuss, Floden, 2003) e parece estar envol vido sempre que seqüências de pensamentos ou de ações são solicitadas. E também funda mental para a produção do discurso. O córtex pré-frontal, região próxima à frente do lobo frontal, é responsável pela realização de complexas tarefas motoras e de controle que exi gem integração de informação ao longo do tempo (Gazzaniga, Ivry, Mangun, 2002). O lobo parietal, na porção superiore posterior do cérebro, está associado com o proces samento somatossensorial, recebendo dos neurônios dados relativos ao toque, à dor, à sensa ção de temperatura e à posiçãodos membros quando se está percebendo o espaçoe o próprio relacionamento com ele - como seestá situado com relação ao espaçoque se ocupa (Culham, 2003; Gazzaniga, Ivrey, Mangun, 2002). O lobo parietal também está ligadoà consciência e à atenção. Se o indivíduo estiver prestando atenção àquilo que está lendo, o lobo parietal está sendo ativado. O lobo temporal, diretamente sob as têmporas, está associado ao processamento audi tivo (Murray, 2003) e à compreensão da linguagem. Também está ligadoà retenção das me mórias visuais. Por exemplo, se o indivíduo estiver tentando manter na memória a Figura 2.8, então o lobo temporal está sendo ativado. O lobo temporal também combina coisasno vas que se vê com aquilo que já está retido na memória visual. O lobo occipital está associadoao processamento visual (De Weerd, 2003b) e contém diversas áreas visuais, cada uma especializada em analisar os aspectos específicos de uma cena, inclusive cor, movimento, localização e forma (Gazzaniga, Ivrey, Mangun, 2002). Ao ler esse texto, o lobo occipital está operando na percepção das palavras que estão diante do leitor. FIGURA 2.8 Fissura central • Lobo frontal Lobo ' parietal (a)Áreas anatômicas (vista lateral esquerda) Fissura longitudinal (b) Áreas anatômicas (vistas de cima) O córtex está dividido em quatro lobos: frontal, parietal, temporal e occipital, osquais têm funções específicas, mas também interagem para realizar processos complexos. Extraído do livro In Searchof the HumanMinei, de RobertJ. Sternberg© 1995, deHarcourt Brace, Company. Reproduzido com a permissão doeditor. 56 Psicologia Cognitiva As áreas de projeção são aquelas onde ocorre o processamento sensorial nos lobos. Esse nome traduz o fato de que os nervos contêm informações sensoriais que vão para o tálamo, e é desse ponto que a informação sensorial é projetada para a área adequada no lobo corres pondente. Do mesmo modo, as áreas de projeção enviam a informação motora para baixo pela espinha dorsal até os músculos certos, via sistema nervoso periférico (SNP). Agora, uma consideração dos lobos, especialmente o frontal, de maneira mais detalhada. O lobo frontal, localizado próximo à parte da frente da cabeça (o rosto), é importante para o julgamento, a resolução de problemas, a personalidade e para o movimento inten cional. Ele contém o córtex motor primário, especializado no planejamento, no controle e na execução dos movimentos, especialmente aqueles que envolvem qualquer tipo de res posta retardada. Caso o córtex motor fosse estimulado eletricamente, o indivíduo reagiria movimentando uma parte correspondente do corpo. A natureza do movimento dependeria de onde, no córtex motor, o cérebro fosse estimulado. O controle dos vários tipos de movi mentos corporais está localizado contralateralmente no córtex motor primário. Um mapea mento similar inverso ocorre de cima para baixo. As extremidades inferiores do corpo estão representadas no lado superior (em direção à parte de cima da cabeça) do córtex motor e a parte superior do corpo está representada no lado inferior do córtex motor. As informações que seguem para as partes próximas do corpo também vêm de partes próximas do córtex motor. Desse modo, o córtex motor pode ser mapeado para demonstrar FIGURA 2.9 (Córtex sensorial) (Córtex motor) Este mapa do córtex motor primário chama-se, normalmente, homúnculo (do latim, "pessoa pequena"), porque foi desenhado como sefosse umaseção transversal do córtex, cercada pela figura de uma pessoa pequena, cujas partes do corpo estabelecem uma correspondência proporcional às partes docórtex. Extraído do Uvro In Search of the Human Mind, Robert}. Stemberg © 1995. Harcourt Brace, Company. Reproduzido com permissão. Capítulo 2 * Neurociência Cognitiva 57 onde e em que proporções as diferentes partes do corpo estão representadas no cérebro (Figura 2.9). Os outros três lobos estão localizados mais longe da parte frontal da cabeça e são espe cializados em vários tipos de atividade sensorial e perceptual. Por exemplo, no lobo parietal, o córtex primário somatossensorial recebe informações dos sentidos a respeito de pressão, textura, temperatura e dor, e está localizado bem atrás do córtex motor primário do lobo frontal. Caso o córtex somatossensorial de um indivíduo fosse estimulado eletricamente, ele provavelmente teria uma sensação semelhante a estar sendo tocado (Figura 2.10). Ao olhar os homúnculos (ver Figuras 2.9 e 2.10), pode-se ver que o relacionamento da função e da forma aplica-se ao desenvolvimento das regiões do córtex motor e somatossen sorial. Quanto maior a necessidade de uso, de sensibilidade e controle fino de uma determi nada parte do corpo, maior será a área do córtex geralmente dedicada a ela. Por exemplo, o ser humano depende muito das mãos e do rosto em suas interações com o mundo e apre senta proporções extremamente grandes do córtex cerebral dedicadas à sensação e à res posta motora das mãos e do rosto. Em contrapartida, o homem confia relativamente pouco nos dedosdos pés tanto para o movimento como para a coleta de informações e, consequen temente, os dedos do pé representam uma área relativamente pequena tanto no córtex mo tor primário como no somatossensorial. A região do córtex cerebral ligada à audição está localizada no lobo temporal, abaixo do lobo parietal, que realiza uma complexa análise auditiva. Este tipo de análise é necessária, FIGURA 2.10 (Córtex sensorial) {Córtex motor) Assim como acontece com o córtex motor primário no lobo frontal, um homúnculo do córtex somatossensorial, de forma invertida, mapeia aspartes do corpo de onde recebe informações. Extraído do livro In Searchof the Human Mind, Robert}. Stemberg© 1995, de Harcourt Brace andCompany. Reproduzido com permissão. 58 Psicologia Cognitiva por exemplo, para se entender a fala humana ou para se ouvir uma sinfonia. O lobo é tam bém especializado, pois algumas partes são mais sensíveis aos sons mais agudos. Outras, aos mais graves. A região auditiva é basicamente contralateral, embora ambos os lados da área aditiva tenham pelo menos alguma representação de cada ouvido. Se o córtex auditivo fosse estimulado eletricamente, o indivíduo iria relatar ter ouvido algum tipo de som. A região visual do córtex cerebral fica, em grande parte, no lobo occipital. Algumas fi bras neurais que carregam informações visuais deslocam-se ipsilateralmente, do olho es querdo para o hemisfério esquerdo do cérebro e do lado direito do olho para o hemisfério direito do cérebro. Outras fibras cruzam o quiasma óptico (do grego, "X visual" ou "cruza mento visual") e vão, contralateralmente, até o hemisfério oposto (Figura 2.11). Em espe- AFIGURA 2i 11 Visual Quiasma óptico Nervo óptico Algumas fibras nervosas transporiam informação ipsilateralmente decada olho para cada hemisfério cerebral. Outrascruzam o quiasma óptico e rrans/>Oi"tam a mformação visual contralateralmente ao hemisfério oposui. Extraído do livro fn Search of the HumanMind, RobertJ. Stemberg, © 1995, deHarcourtBraceandCompany. Reproduzido com permissão. Capítulo 2 • Neutociência Cognitiva 59 ciai as fibras neurais vão do lado esquerdo do campo visual para cada olho para o lado direito do córtex visual. De maneira complementar, os nervos do lado direito do campo vi sual da cada olho enviam informações para o lado esquerdo do córtex visual. O cérebro normalmente eqüivale a apenas 1/40 do peso do corpo de um adulto. Entre tanto, ele usa cerca de 1/5 do sangue que circula, 1/5 da glicose disponível e 1/5 do oxigênio disponível no corpo de um adulto e é, portanto, o órgão supremoda cognição. A compreen são tanto de sua estrutura como de sua função - desde os níveis neurais até os cerebrais de organização - é vital para o entendimento da psicologia cognitiva. O recente avanço no campoda neurociência cognitiva- com enfoque na localização da função- reconceitualiza a questão mente-corpo, discutida no início deste capítulo. A questão mudou de "onde está localizada a mente no corpo?" para "onde, especificamente, estão localizadas as operações cognitivas no sistema nervoso?". Ao longo do restante do texto, retornaremos para essas questões em relação a determinadas operações cognitivas, uma vez que elas serãodiscutidas com mais detalhes nos capítulos seguintes. Áreas de Brodmann O córtex cerebral pode ser dividido em diferentes módulos, conhecidos como Áreas de Brodmann. Essas áreas, aplicadas a outras espécies além da humana, podem oferecer manei ras parase localizar as funções corticais. No homem existem 52 dessas áreas. Porexemplo, a área 4 compreendeo córtex motor primárioe área 17,o córtex visual primário. Transtornos Cerebrais Há uma série de transtornos cerebrais que podem prejudicar o funcionamento cognitivo. Este resumo é baseado, em parte, no trabalho de Gazzaniga, Ivrey, Mangun (2002). Acidente Vascular Cerebral (AVC) O transtorno vascular é um transtorno cerebralcausadopor acidente vascular cerebral (AVC). Os AVCs ocorrem quando o fluxo de sangue no cérebro sofre uma súbita interrupção. As pessoas que passam porumAVC geralmente apresentam perdas significativas de suas funções cognitivas. A natureza da perda depende da área do cérebro afetada pelo AVC. Pode haver paralisia, dor, dormência, perdada fala, da compreensão da linguagem, prejuízos aos processos de pensamento, perda parcial de movimentos em partes do corpo ou outros sintomas. Há dois tipos diferentesde AVCs (segundo informação publicada no website do Natio nal Institute for Neurological Distorders and Stroke, em 2004). O primeiro tipo é o AVC isquêmico. Geralmente, esse tipo de AVC ocorre quando há umaumentode gordura nosva sos sangüíneos, durante alguns anos, e um pedaço desse tecido se desprende e aloja-se nas artériasdo cérebro. Os AVCs isquêmicos podemser tratados com medicamentos desobstru- tores.O segundo tipo é o AVC hemorrágico, que ocorrequando um vasosangüíneo se rompe repentinamente no cérebro e o sangue transborda pelo tecido ao seu redor e, nesse mo mento, as células cerebrais nas áreas afetadas começam a morrer. Esta morte ocorre tanto por falta de oxigênio e de nutrientes como pela ruptura dos vasos e pelo transbordamento súbito de sangue. Os sintomas desse tipo de AVC se manifestam imediatamente após sua ocorrência. Entre os sintomas típicos, estão: • Dormência e fraqueza no rosto, nos braços ou nas pernas (especialmente em um lado do corpo); • Confusão, dificuldade para falar ou para entender o que se fala; • Transtornos da visão em um ou em ambos os olhos; 60 Psicologia Cognitiva • Tontura, problemas para andar, perda de equilíbrio ou concentração; • Dor de cabeça intensa, sem causa aparente. (Informação sobre AVC, página da NINDS, 2004) Os prognósticos para vítimasde AVC dependem do tipo ou da gravidade das lesões. Tumores Cerebrais Os tumores cerebrais, também conhecidos como neoplasmas, podem afetar o funciona mento cognitivo de várias formas muito sérias. Os tumores podem ocorrer tanto na subs tância cinzenta do cérebro como na substância branca, sendo que estes são os mais comuns (Gazzaniga, Ivrey, Mangun, 2002). Considere-se alguns fatores básicos a respeito de tumo res cerebrais (What you need to knowabout brain tumors, 2004). Há dois tiposde tumores cerebrais. Os tumores primários começam no cérebro e a maio ria dos tumores que ocorrem na infância é desse tipo. Os tumores secundários começam em outro lugar do corpo, porexemplo nos pulmões. Os tumores cerebrais podem serbenignos ou malignos. Os benignosnão contêm célulascancerosas e, em geral,podem ser removidos e não voltam a crescer. As células dos tumores benignos não invadem os tecidos ao seu redor. Con tudo, sepressionados contraáreas sensíveis do cérebro, podem ocasionar sérios prejuízos cog nitivos. Eles também podem representar ameaça à vida, diferentemente de tumores benignos em outraspartes do corpo. Os tumores cerebrais malignos, ao contráriodos benignos, contêm células cancerosas, sãomuito mais sérios e, geralmente, representam ameaça à vidada vítima. Em geral, crescem muito rapidamente e tendem a invadir o tecido cerebral sadio ao seu redor. Somente em raros casos as células malignas podem se desprender e causar câncer em outras partes do corpo. A seguir, os sintomas mais comuns de tumor cerebral: • Dores de cabeça (geralmente, piores pela manhã); • Náusea e vômitos; • Alterações na fala, visão ou audição; • Problemas com equilíbrio ou marcha; • Alterações no humor, na personalidade e na capacidade de concentração; • Problemas de memória; • Contrações ou puxões nos músculos (crises ou convulsões); • Dormência ou formigamento nos braços e pernas. (What youneed to knoiv about brain tumors, 2004) O diagnóstico dos tumores cerebrais é feito, em geral, por meio de exames neurológi cos, TCs ou RMs. A forma mais comum de tratamento é uma combinação de cirurgia, ra diação e quimioterapia. Traumatismos Cranianos Os traumatismos cranianos podem ter várias causas, como acidentes de carro, contato com objetos rígidos e ferimentos causados por projétil. Os traumatismos são de dois tipos (Gazzaniga, Ivrey, Mangun, 2002).Nas lesões de cabeça fechada, o crânio permanece intacto, mas há lesão no cérebro, geralmente decorrente da força mecânica de umgolpe na cabeça. Bater a cabeça contra o pára-brisa em um acidente de automóvel pode resultar nesse tipo de lesão. Em lesões de cabeça aberta, o crânio nãofica intacto, sendo penetrado, porexemplo, por um projétil de revólver. Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 61 Os traumatismos cranianos são surpreendentemente comuns. Cerca de 700.000 ameri canos sofrem esse tipo de traumatismo todos os anos, e entre 70 e 90.000 pessoas ficam per manentemente deficientes (The anatomy of a head injury, 2004). A perda da consciência é um sinal de que houve algum tipo de dano ao cérebro como resultado de um trauma. Os da nos resultantes de traumatismos cranianos incluem movimentos espasmódicos, dificuldade para.engolir e fala arrastada, entre inúmeros outros problemas cognitivos. Os sintomas ime diatos de um traumatismo craniano são: • Perda da consciência; • Respiração anormal; • Lesão ou fratura grave visível; • Sangramento ou fluído claro do nariz, ouvido ou boca; - • Perturbação da fala ou da visão; • Pupilas de tamanhos desiguais; • Fraqueza ou paralisia; . • Tontura; • Dor ou enrijecimento do pescoço; • Convulsões; • Vômito mais de duas ou três vezes; • Perda de controle da bexiga ou dos intestinos (Head injuries, 2004). Em resumo, as lesões cerebrais podem resultar de várias causas, das quais apenas algu mas estão aqui relacionadas; outras serão apresentadas no decorrer do livro. Quando a le são cerebral ocorre, deve ser tratada o mais rapidamente possível por um médico especialista. Pode-se chamar um neuropsicólogo para auxiliar no diagnóstico e os psicólogos especialis tas em reabilitação podem ser úteis para trazer o paciente até um grau mais favorável de fun cionamento, nessas circunstâncias. Temas Fundamentais No Capítulo 1, tratamos de sete temas fundamentais que podem permear a Psicologia Cog nitiva e vários deles são relevantes aqui. Um deles diz respeito à ênfase nos mecanismos biológicose comportamentais. Os meca nismos descritos neste capítulo são, sobretudo, biológicos, mas um objetivo importante dos pesquisadores é descobrir de que forma o comportamento está relacionado a essesmecanismos biológicos. Por exemplo, eles estudam como o hipocampo possibilita a aprendizagem. Por tanto, biologia e comportamento trabalham juntos e não são, de forma alguma, excludentes. O segundo tema relevante é a distinção entre o inato e o adquirido. Chega-se ao mundo com muitas estruturas e muitos mecanismos instalados, mas o ambiente funciona para de senvolvê-los e para possibilitar que atinjam seu potencial. A existência do córtex cerebral é fruto da natureza, porém, as recordações nele armazenadas derivam do ambiente. Como foi apresentado no Capítulo 1, a natureza não opera sozinha e suas maravilhas se revelam por meio das intervenções do ambiente. O terceiro tema importante é a pesquisa básica versus a pesquisa aplicada. Grande parte da pesquisa sobre as abordagens biológicas à cognição é básica, mas essa pesquisa básica irá, mais tarde, possibilitar aos psicólogos cognitivos fazer descobertas aplicadas. Por exemplo, i"' ***, '•J 62 Psicologia Cognitiva para entender como tratar e, possivelmente, poder ajudar indivíduos com lesão cerebral, os neuropsicólogos cognitivos precisam, em primeiro lugar, entender a natureza das lesões e sua abrangência. Muitos antidepressivos modernos, por exemplo, afetam a recaptação da se rotonina no sistema nervoso. Ao inibir essa recaptação, os antidepressivos aumentam as concentrações de serotonina que, por sua vez, aumentam a sensação de bem-estar. Curiosa mente, a pesquisa aplicada pode ajudar a pesquisa básica da mesma maneira que esta pode ajudar aquela. No caso de antidepressivos, por exemplo, os cientistas já sabiam que as dro gas funcionavam, antes mesmo de saber exatamente de que maneira. A pesquisa aplicada na criação de medicamentos ajudou os cientistas a entender os mecanismos biológicos por trás do sucesso dessas drogas para o alívio dos sintomas da depressão. Pessoas que sofrem AVCs do lado esquerdo do cérebro apresentam alguma dificuldade para falar, enquanto que aquelas que sofrem derrames do lado direito apresentam, quase sem pre, poucas interferências na linguagem. Os leitores que conhecem pessoas que tiveram AVCs já podem ter notado isso. Essefato ocorre porque o centro da linguagem do homem está nor malmente localizado no lado esquerdo do cérebro. Resumo 1. Quais são as estruturas e os processos fundamentais do cérebro humano? O sis tema nervoso, comandado pelo cérebro, divide-se em duas partes principais: o sis tema nervoso central, que consiste no cé rebro e na medula espinhal, e o sistema nervoso periférico, que consiste no res tante do sistema nervoso (como por exem plo, os nervos do rosto, das pernas, dos braços e das vísceras). 2. De que maneira os pesquisadores estu dam as principais estruturas e processos do cérebro? Durante séculos, os cientistas só conseguiam visualizar o cérebro por meio de dissecações. As técnicas modernas de dissecação incluem o uso de microscó pios eletrônicos, além de sofisticadas aná lises químicas para investigar os mistérios das células individuais do cérebro. Além disso, as técnicas cirúrgicas em animais (ex.: uso de lesões seletivas e registro de células isoladas) são usadas com freqüên cia. Em seres humanos, os estudos incluí ram análises elétricas (como EEGs e potenciais relativos a eventos), estudos baseados em técnicas de raios X (como angiogramas e TC), estudos de análises computadorizadas de campos magnéticos dentro do cérebro (RM) e estudos de aná lises computadorizadas do fluxo sangüí neo e do metabolismo dentro do cérebro (PET e RMf). 3. O que os pesquisadores descobriram co mo conseqüência dos estudos sobre o cé rebro? As principais estruturas do cérebro podem ser classificadas como aquelas que ficam no prosencéfalo {ex.: córtex cerebral - muito importante -, o tálamo, o hipo tálamo o sistema límbico, incluindo hi pocampo), o mesencéfalo (incluindo uma porção da haste do cérebro) e o rombencé falo (incluindo a medula oblongada, a ponte e o cerebelo). O córtex cerebral, al tamente circunvoluto, cerca o interior do cérebro e é a base para grande parte da cognição humana. O córtex recobre os he misférios direito e esquerdo do cérebro, li gadospelo corpo caloso. Geralmente, cada hemisfério controla contralateralmente o lado oposto do corpo. Tendo como base amplas pesquisas com cérebro dividido, muitos pesquisadores acreditam que - na maioria das pessoas - os dois hemisférios sejamespecializados: o hemisférioesquerdo parece controlar principalmente a lingua gem. O hemisfério direito parece controlar principalmente o processamento visual/es pacial. Os dois hemisférios também pro cessam dados de maneiras diferentes. Outra maneira de ver o córtex é identificar as diferenças entre os quatro lobos. Aproxi madamente, pode-se dizer que o pensa mento superior e o processamento motor ocorrem no lobo frontal. O processamento somatossensorial ocorre no lobo parietal e o processamento auditivo, no lobo tempo ral e o processamento visual, no occipital. No lobo frontal, o córtex motor primário Capítulo 2 • Neurociência Cognitiva 63 controla o planejamento, o controle e a execução dos movimentos. No parietal, o córtex somatossensorial é responsável pe las sensações nos músculos e na pele. As regiões específicas desses dois córtices po dem ser mapeadas a determinadas regiões do corpo. Leituras Sugeridas Comentadas Anderson, A. K.; Phelps, E. A. Lesions of the human amygdala impair enhanced per- ception of emotionally salient events. Na- ture, 411, 305-309. Matéria interessante sobre os efeitos das lesões na amígdala sobre a percepção. Gazzaniga, M. The new cogniúve neuroscience. Cambridge: MÍT Press, 2000. Provavel mente a resenha mais abrangente sobre Neurociência Cognitiva disponível atual mente. Texto de alto nível. Taylor, M. J.; Baldeweg, T Application of EEG, ERP and intracranial recordings to the investigation of cognitive functions in children. Devehpmental, 5 (Science 3), 318-334, 2002. Cobertura da combinação das alterações neurológicas e de compor tamento na infância. * V , \i CAPITULO Percepção 3 EXPLORANDO A PSICOLOGIA COGNITIVA 1. Como são percebidos objetos estáveis no ambiente, dada uma estimulação variável? 2. Quais são duas abordagens fundamentais para explicar a percepção? 3. O que acontece quando pessoas que recebem sensações visuais normais não conse guem perceber estímulos visuais? Alguma vez já lhe disseram que você "não consegue enxergar um palmo além do na riz"? Ou então, que vocêé aquele que "vê a árvoree não enxerga a floresta?" Já ouviu sua música favorita seguidamente para tentar decifrar a letra? Em todas essas situa ções utiliza-se o complexo constructo da percepção. A percepção é o conjunto de processos pelos quais é possível reconhecer, organizar e entender as sensações provenientes dos estí mulos ambientais (Epstein, Rogers, 1995; Goodale, 2000a, 2000b; Kosslyn, Osherson, 1995; Marr, 1982; Pomerantz, 2003). A percepção compreende muitos fenômenos psicoló gicos. Este capítulo trata da percepção visual, que é a modalidade (sistema de um determi nado sentido, por exemplo o tato ou o olfato) mais amplamente reconhecida e a mais estudada da percepção. Para conhecer alguns fenômenos da percepção, os psicólogos geral mente estudam situações que levantam problemas para compreender as nossas sensações. Considere, por exemplo, a imagem mostrada na Figura 3.1. Para a maioria das pessoas, inicialmente, a figura parece um.borrão de sombras sem significado. No entanto, a figura mostra uma criatura queolhadiretamente parao leitor, quepodenão identificá-la. Quando, finalmente, percebem o que é, as pessoas sentem-se acuadas. Na Figura 3.1, a imagem de uma vaca está oculta em constantes graduações de sombreado que constituem a imagem. Antes de conseguir identificar a figura da vaca, o leitor já terá percebidocorretamente to dos os aspectos da figura, mas ainda não terá conseguido organizar assensações paraformar um percepto, ou seja, uma representação mental de um estímulo percebido. Sem esse per- cepto da vaca, não seria possível captar de maneira significativa aquilo que havia sido per cebido anteriormente. Na Figura 3.2 também sevêm sombreados, que, no entanto, sãobem mais discretos. Emmuitos casos, não passam de pontos e, novamente, aqui há outro objeto oculto. Com algum esforço, pode-se identificar um cachorro farejando algo no chão. Esses exemplos mostram que, às vezes, não se consegue perceber o que existe. Em ou tras, todavia, percebem-se coisas que não existem. Por exemplo, o triângulo negro no cen tro do painel esquerdo da Figura 3.3 e o triângulo branco no centro do painel direito. Parecem quesaltamaos olhos, mas quandose olha cuidadosamente paracada um dos pai néis, pode-se verque os triângulos, na verdade nãoestão ali. O preto que forma o triângulo central no painel esquerdo parece mais escuro ou mais preto do que o preto ao seu redor, 65 66 Psicologia Cognitiva FIGURA 3.1 O que seaprende a respeito daprópria percepção ao tentar identificar o objeto que olha diretamente para você nessa foto? Daüenbach, K. M., 1951. "A puzzle-picture with a new principie ofconcealment". AmericanJournalof Psychology, 54,431-433, 1951. FIGURA 3.2 Quais mudanças perceptuais facilitariam a identificação da figura aqui apresentada? mas não é. Nem o triângulo central branco no painel direito é mais claro ou mais branco do queo branco que o cerca. Os dois triângulos centrais são ilusões de ótica,que compreen dem a percepção da informação visual fisicamente não presente no estímulo visual senso- rial. Além disso, em outras ocasiões, percebe-se o que não pode estar lá. Considere, por exemplo, a escada na Figura3.4 e tente chegar ao topo. Difícil, não é?Esta é a ilusãoda "es cada perpétua", que parece estar sempre indo para cima, mas isso é impossível. FIGURA 3.3 Capítulo3 • Percepção 67 eA* Z_ A Nestafigura, os triângulos podem ser facilmente vistos - ouserão apenas uma ilusão? In Search of the Human Mind, RobertJ. Stemberg© 1995, HarcourtBrace, Company. Reproduzido com permissão doeditor. FIGURA 3.4 De quemodo se pode chegar ao topo daescada aqui apresentada? A existência de ilusões perceptivas indica que aquilo que se sente (por meio dos ór gãosdo sentido) não é necessariamente o que é percebido (na mente). A mente pode es tar se utilizando da informação sensorial disponível e manipulando-a de alguma forma para criar representações mentais de objetos, propriedades e relacionamentos espaciais do próprio ambiente (Peterson, 1999). Além disso, a maneira como esses objetos são re presentados depende em parte do ponto de vista do indivíduo ao percebê-los. (Edelman, Weinshall, 1991; Poggio, Edelman, 1990;Tarr, 1995; Tarr, Bülthoff, 1998). Ao longo de milênios, as pessoas reconhecem que o que se percebe geralmente é diferente dos estímu los sensoriais retilíneos que chegam aos receptores dos sentidos. Um exemplo é o uso de ilusões de ótica na construção do Parthenon (Figura 3.5). Se tivesse sido construído do modo como é percebido por quem o vê (com uma forma estritamente retilínea), o Par thenon pareceria estranho. Embora o ser humano tenha uma visão limitada e esteja sujeito a ilusões, ainda é muito mais capacitado que os robôs paracodificar representações visuais e dar sentidoa elas. Dadaa sofisticação dos robôs de hojeem dia, qual é a razão da superioridade humana? Possivelmente 68 Psicologia Cognitiva FIGURA 3.5 No início do primeiro séculod.C, o arquiteto romano Marcos Vitrúvio Folião escreveu a obra De Architectura, na qual documenta o gênio dos arquitetos gregos íctino e Calícrates, que projetaram o Parthenon (consagrado em 438 a.C). As colunas do Parthenon, naverdade, são salientes no meio (b) para compensar a tendência visual de perce berque as Unhas paralelas (a) parecem se curvar para dentro. Da mesma forma, as linhas horizontais das vigas que cruzam o topo das colunas e o degrau superior do vestíbuío inclinam-se ligeiramente para cima, para compensar a ten dência visual de perceber que elas securvam para baixo. Além disso, as colunas sempre se inclinam ligeiramente para dentro no topo para compensar a tendência de percebê'las como se estivessem se abrindo, quando vistas debaixo. Vitrúvio também descreveu muitas ilusões de ótica nesse tratado sobre arquitetura e, até hoje, os arquitetos levam em contaessasdistorções da percepção visual em seusprojetos. várias, mas o conhecimento é certamente uma delas. O ser humano simplesmente conhece muito mais acerca do ambiente e das fontes de regularidade no ambiente do que os robôs. O conhecimento humano é uma grande vantagem que os robôs - ao menos os atuais - não são capazes de suplantar. Os arquitetos não são os únicos a terem reconhecido alguns princípios fundamentais de percepção. Há séculos, artistas sabem como induziro ser humano a perceber os perceptos tri dimensionais (3D) quando se olha para imagens bidimensionais (2D). Quais são alguns dos princípios que orientam as percepções de perceptos tanto reais como ilusórios? Emprimeiro lugar, considere-se a informação perceptual que leva à percepção do espaço em 3D a partir da informaçãoem 2D. A seguir, discutiremos algumas das maneiras pelasquais se percebe um conjunto estável de perceptos. Essa percepção estável ocorre a despeito das constantes mu dançasno tamanho e na forma daquiloque se observa. Depois, seguimos para as abordagens teóricas da percepção e, por fim, consideraremos algumas falhas raras na percepção visual normal em pessoas com lesões cerebrais. Capítulo3 • Percepção 69 Da Sensação à Representação Princípios da Visão A visão tem início quando a luz passa através da camada protetora do olho. Essa camada, a córnea, é um domo claro que protege o olho. Em seguida, a luz passa através da pupila, a abertura no centro da íris. Depois, a luz passa através do cristalino e do humor vítreo. O cris talino é uma membrana transparente localizada atrás da íris. Essa membrana se flexiona ou relaxa para permitir a visão de objetos próximos ou distantes. O humor vítreo é uma subs tância gelatinosa que compreende a maior parte do olho. O papel fundamental do humor vítreo é dar suporte ao olho. Esse processo resulta na refração, que é uma mudança na dire ção e na velocidade da luz que entra no olho. A luz refratada é focalizada na retina, uma rede de neurônios que se estende por quase toda a superfície superior do interior do olho. A retina é onde ocorre a transdução da energia da luz eletromagnética, ou seja, onde ocorre a conversão dessa energia em impulsos neurais eletroquímicos (Blake, 2000). Embora a retina seja pouco espessa - talvez como a página deste livro -, ela é composta por três ca madas importantes de tecido neural. Na primeira camada de tecido neuronal - mais próxima à frente, ou seja, na direção da parte externa do olho - fica a camada das células ganglionares, cujos axônios constituem o nervo óptico. A segunda camada consiste de três tipos de células interneuronais. As cé lulas amácrinas e as células horizontais formam ligações laterais simples por entre as áreas adjacentes da retina, na camada central das células. As células bipolares realizam conexões duplas para frente e para fora das células ganglionares bem como para trás e para dentro da terceira camada de células retinais. A terceira camada da retina contém os fotorreceptores, que convertem a energia da luz em energia eletroquímica. Essa energia pode, então, ser transmitida pelos neurônios para o cérebro. A transmissão permite ao olho detectar o estímulo visual. Ironicamente, as células fotorreceptoras ficam nas células retinais mais distantes da fonte de luz. A luz precisa passar primeiro por outras duas camadas. As mensagens são, então, passadas para trás, na direção da frente do olho, antes de viajar para o cérebro. Há dois tipos de fotorreceptores: os bas- tonetes - fotorreceptores finos e longos -, que ficam mais concentrados na periferia do que na região fóvea da retina, onde a visão é mais aguda. Os cones - fotorreceptores grossos e curtos - que ficam mais concentrados na região fóvea do que na periferia da retina. A fó vea é uma região pequena e fina da retina, do tamanho da cabeça de um alfinete, que fica mais diretamente na linha da visão. Na verdade, quando se olha diretamente para um ob jeto, os olhos giram para que a imagem caia diretamente na fóvea. O campo visual recep tivo da fóvea tem o tamanho aproximado de uma uva. Cada cone da fóvea geralmente tem sua própria célula ganglionar, mas os bastonetes na periferia (área externa limitante) da retina compartilham as células ganglionares com os ou tros bastonetes. Dessa maneira, cada célula ganglionar, ao captar informação que vem da periferia, coleta informações dos inúmeros bastonetes. Porém, cada célula ganglionar da fó vea capta informação de um único cone, talvez por causa da função mais complexa dos co nes com relação ao processamento da cor. Cada olho contém aproximadamente 120 milhões de bastonetes e 8 milhões de cones. Bastonetes e cones se diferenciam não apenas em forma, mas também em suas composições, localizações e reações à luz. Dentro dos bastonetes e dos cones ficam os fotopigmentos, substâncias químicas que reagem à luz e que dão início ao complexo processo de transduc- Ção, que transforma a energia física eletromagnética em impulso neural eletroquímico, que então pode ser compreendido pelo cérebro. Os bastonetes, os cones e os fotopigmentos não poderiam cumprir suas tarefas se não fos sem - de alguma forma - ligados ao cérebro (Sandell, 2000). As mensagens neuroquímicas 70 Psicologia Cognitiva processadas pelos bastonetes e cones da retina viajam através das células bipolares até as células ganglionares (ver Goodale, 2000a, 2000b). Como foi observado antes, os axônios das células ganglionares no olho formam coletivamente o nervo óptico deste. Os nervos ópticos dos dois olhos se unem na base do cérebro e formam o quiasma óptico. Nesse ponto, as células ganglionares da parte interna - ou nasal (próxima ao nariz) - da retina se cruzam através do quiasma óptico e vão até o hemisfério oposto do cérebro. As células ganglionares da parte externa - ou temporal (próxima à têmpora) - da retina vão para o hemisfério do mesmo lado do corpo. As lentes de cada olho invertem naturalmente a ima gem do mundo enquanto projetam a imagem para a retina. Dessa maneira, a mensagem enviada ao cérebro está literalmente invertida e para dentro. Depois de serem levadas pelo quiasma óptico, as células ganglionares se dirigem para o tálamo. Dali, os neurônios carregam toda a informação para o córtex visual primário no lobo occipitaí do cérebro. O córtex visual contém várias áreas de processamento, cada qual com diferentes tipos de informação visual relativas à intensidade e à qualidade, inclusive cor, localização, profundidade, padrão e forma. Vamos considerar mais detalhadamente de que modo o córtex processa as informações de cor por meio do funcionamento dos basto netes e dos cones. O ser humano possui dois sistemas visuais distintos. Um responsável pela visão em luz fraca, que depende dos bastonetes. O outro, responsável pela visão em luz clara, que de pende dos cones (Durgin, 2000). Alguns Conceitos Básicos da Percepção Se uma árvore cai na floresta e não há alguém por perto para ouvir ou ver o fato, ela faz algum som? A resposta para esta antiga charada pode ser encontrada, colocando-a no con texto da percepção. Em seu trabalho influente e polêmico, james Gibson (1966, 1979) oferece uma estrutura muito útil para o estudo da percepção. Ele introduziu os conceitos do objeto distai (externo), meio informacional, estímulo proximal e objeto perceptual. O objeto distai (distante) é aquele do mundo externo. Nessecaso, a árvore que cai. Esse evento impõe um padrão no meio informacional, que é a luz refletida, ondas de som (aqui o som da árvore caindo), moléculas químicas ou informações táteis (relativas ao toque) ori ginadas do ambiente. Assim, os pré-requisitos para a percepção de objetos no mundo externo começam cedo e têm início mesmo antes da informação sensorial atingir os receptores dos sentidos (células neurais que são especializadas em receber determinados tipos de infor mação sensorial). Quando a informação entra em contato com os receptores sensoriais apropriados dos olhos, ouvidos, nariz, da pele ou da boca, ocorre a estímulação proximal (próxima). Por fim, a percepção ocorre quando um objeto perceptual interno reflete de al guma forma as propriedades do mundo externo. O Quadro 3.1 resume essa estrutura para a ocorrência da percepção, listando as várias propriedades dos objetos distais, dos meios de informação, dos estímulos proximais e dos ob jetos perceptuais compreendidos na percepção do ambiente. Para retornar à questão origi nal, caso uma árvore da floresta caia e não haja alguém por perto para ouvir, ela não faz qualquer som percebido, porém, faz um som. Então, a resposta será sim ou não, dependendo da forma como se encara a questão. A questão de onde se deve estabelecer o limite entre a percepção e a cognição - ou mesmo entre a sensação e a percepção - é motivo de intensos debates. Na verdade, para maior produtividade, tais processos deveriam ser vistos como parte de um contínuo onde a informação flui por meio do sistema. Processos diferentes abordam questões diferentes. As questões da sensação se concentram nas qualidades da estimulação. Aquela tonalidade de vermelho é maisclara do que o vermelho da maçã? Ou o som da árvore que caiu é mais alto que o som de um trovão? A informação sobre a mesma cor ou o mesmo som responde a di ferentes questões para a percepção, que são normalmente questões de identidade, forma, Capítulo 3 • Percepção 71 QUADRO 3.1 • Contínuo Perceptivo i medida que os objetos ambientais oferecem a estrutura do meioA percepção ocorre í informacional que, fi nalmente, atinge os receptores sensoriais, levan do à identificação interna do objeto. Objeto Distal Meio Informacional Estímulo proximal Objeto perceptual Visão - vista (ex.: Luz refletida no rosto da Absorção de fótons O rosto da avó o rosto da avó) avó (ondas nos bastonetes e cones eletromagnéticas da retina, a superfície visíveis) receptora na parte posterior do olho Audição - som {ex.: Ondas sonoras geradas Condução de ondas Arvore que cai uma árvore que cai) pela queda da árvore sonoras à membrana basilar, superfície receptora dentro da cóclea do ouvido interno Olfato - cheiro (ex.: Moléculas liberadas pela Absorção molecular nas Toucinho toucinho fritando) fritura do toucinho células do epitélio olfativo, a superfície receptora na cavidade nasal Paladar —gosto (ex.: Moléculas do sorvete Contato molecular com Sorvete uma porção de sorvete) liberadas no ar e as papilas gustativas, as dissolvidas em água células receptoras na língua e no palato mole, combinadas com estimulação olfativa (ver item anterior) Tato (ex.: teclado de Pressão mecânica e Estimulação de várias Teclado do computador computador vibração no ponto de células receptoras na contato entre a derme, a camada mais superfície da pele profunda da pele (epiderme) e o teclado padrão e movimento. Aquela coisa vermelha é uma maçã? Será que acabei de ouvir uma ár vore caindo?Finalmente, a cogniçãoocorre à medidaque essa informação é utilizada para ser vir a outros objetivos. Será que aquela maçã é comestível? Será que preciso sair da floresta? Jamais será possível conhecer pela experiência da visão, da audição, do paladar ou do tato exatamente o mesmo conjunto de propriedades de estímulos que já se experimentou antes. Assim, uma questão fundamental para a percepção é "de que modo se adquire a es tabilidade perceptual diante dessa completa instabilidade em nível de receptores senso riais?" Na verdade, em virtude da natureza dos receptores sensoriais humanos, a variação parece ser necessária à percepção. 72 Psicologia Cognitiva No fenômeno da adaptação sensorial, as células receptoras se adaptam à estimulação constante ao deixar de disparar até que haja uma mudança na estimulação. Por meio da adaptação sensorial, pode-se parar de detectar a presença de um estímulo. Este mecanismo garante que a informaçãosensorial mude constantemente. Em razão da adaptação sensorial da retina (a superfície receptora do olho), os olhos estão constantemente realizando minús culos e rápidos movimentos, que, por sua vez, criam constantes alterações na localização da imagem projetada no interior do olho. Para estudar a percepção visual, os cientistas inven taram um modo de criar imagens estabilizadas. Estas imagens não se movimentam na retina porque, na realidade, elas seguem os movimentos dos olhos. A utilização dessa técnica con firmou a hipótese de que a estimulação constante das células da retina dá a impressão de que a imagem desaparece (Ditchburn, 1980; Martinez-Conde, Macknik, Hybel, 2004; Riggs etai., 1953). Desse modo, a variação do estímulo é um atributo fundamental para a percep ção, que, paradoxalmente, torna mais difícil a tarefa de explicar a percepção. Constância Perceptiva O sistema perceptivo lida com a variabilidade desempenhando uma análise muito impor tante com relação aos objetos no campo perceptivo. Por exemplo, pense em leitor que está no compus da universidade dirigindo-se à sua aula de Psicologia Cognitiva. Suponha que dois alunos estejam conversando do lado de fora da sala de aula quando você chega. A medida que você se aproxima da porta, a quantidade de espaço em sua retina destinada às imagens dessas duas pessoas torna-se cada vez maior. Por um lado, essa evidência sensorial proximal sugere que os dois alunos estão ficando maiores. Por outro, você percebe que as pessoas continuam do mesmo tamanho. Por quê? A constância percebida do tamanho de seus colegas é um exemplo de constância per ceptiva. A constância perceptiva ocorre quando a percepção de um objeto permanece igual, mesmo quando a sensação proximal do objeto distai se altera (Gillam, 2000). As caracterís ticas físicas do objeto distai externo provavelmente não estão mudando, mas, porque ao ser humano é possível lidar efetivamente com o mundo externo, o sistema perceptivo possui me canismos que ajustam a percepção do estímulo proximal. Dessa maneira, a percepção se mantém constante, embora a sensação proximal mude. Dentre os diversos tipos de constân- cias perceptivas, consideram-se dois principais: constância de tamanho e de forma. A constância de tamanho é a percepção de que um objeto mantém o mesmo tamanho, apesar das mudanças no tamanho do estímulo proximal. O tamanho de uma imagem na re tina depende diretamente da distância do objeto em relação ao olho. O mesmo objeto co locado em duas distâncias diferentes projeta imagens de tamanhos diferentes na retina. Algumas ilusõessurpreendentes são obtidas quando os sistemas sensoriais e perceptivos são enganados pela mesma informação, que normalmente auxilia o indivíduo a adquirir a cons tância de tamanho. Por exemplo, a Figura 3.6 apresenta a ilusão de Ponzo, na qual dois ob jetos que parecem ser de tamanhos diferentes são, na verdade, do mesmo tamanho. A ilusão de Ponzo resulta da impressão de profundidade criada pelas linhas convergentes. Imagens de tamanhos equivalentes em profundidades diversas normalmente indicam objetos de ta manhos diferentes. Outro exemplo é a ilusão de Müller-Lyer, ilustrada na Figura 3.7. Nesse caso, dois segmentos de reta com o mesmo comprimento parecem ter comprimentos dife rentes. Finalmente, compare os dois círculos centrais nos dois padrões circulares da Figura 3.8. Ambos são do mesmo tamanho, mas o tamanho do círculo central relativo aos círcu los ao seu redor afeta a percepção de tamanho do círculo central. Assim como a constância de tamanho, a constância de forma está relacionada à per cepção das distâncias, mas de um modo diferente. A constância de forma é a percepção de que um objeto mantém a mesma forma, apesar das mudanças na forma do estímulo proxi mal. Por exemplo, a Figura 3.9 é uma ilusão da constância de forma, em que a forma perce- Capítulo 3 • Percepção 73 FIGURA 3.6 (a) (b) Percebe-se a linha acima (a) e o tronco acima (b) como mais compridos quea linha e o tronco na linha de baixo, em bora ambos sejam do mesmo comprimento. Isso acontece porque nomundo real em três dimensões a linha e o tronco da linha superior seriam maiores. FIGURA 3.7 /N \y N/ (a) <b) <c) [F^ - -> LjSf^ Também nessa ilusão, a tendência é enxergar dois segmentos de reta igualmente íongos como sefossem de comprimentos diferentes. Em especial, os segmentos verticais nos painéis (a) e (c) parecem mais curtos que os dos painéis (b) e (d), embora todos sejam do mesmo (amanho. Curiosamente, não se sabe por que uma ilusão tão simples ocorre. Às vezes, a ilusão vista nos segmentos dos painéis (a) e (b) pode ser expUcada em termos das Unhas diagonais aofinal dos segmentos verticais. Essas íinAas diagonais podem ser pistas deprofundidade semelhantes às que o indivíduo veria em suas percepções do exterior e do interior de uma construção (Coren, Girgus, 1978). No painel (c), visto do exterior de um edifício, parece que os lados se afastam na distância - com as Unhas diagonais angulando em direção aos segmentos da Unha vertical, como no painel (a), enquanto que no painel (d), visto do interior de um edifíáo, parece que os lados se aproximam do espectador - com as linhas diagonais angulando ese afastando do segmento da unha vertical, como no painel (b). bida de um objeto permanece igual, apesar das alterações em sua orientação e, assim, na forma de sua imagem retinal. A medida que a forma real da imagem da porta se altera, al gumas partes da porta parecem mudar de modo diferente em relação à distância do espec tador. E possível usar neuroimagens para localizar as partes do cérebro utilizadas nesta 74 Psicologia Cognitiva FIGURA 3.8 O o (a) (b) Qual dos dois círculos centrais é maior (a ou b)? A seguir, meçao diâmetro de cada umdeles. análise da forma. Elasestão no córtex extraestriado (Kanwisher etai., 1996, 1997). Os pon tos próximos à borda superior externa da porta parecem se mover mais rapidamente na di reção do espectador do que os pontos próximos à borda superior interna. Mesmo assim, é possível perceber que a porta continua com o mesmo formato. Percepção de Profundidade À medida que se movimenta em seu ambiente, o indivíduo está sempre olhando em volta e se orienta visualmente no espaço em três dimensões. Ao olhar para frente à distância, olha-se para a terceira dimensão da profundidade. A profundidade é a distância de uma superfície, em geral, usando-se o própriocorpo como superfície de referência em termos de percepçãode profundidade. Vamos ver o que acontece quando se transporta o próprio corpo ou se movi menta para alcançar objetos, ou mesmo quando se posiciona no mundo tridimensional. E precisoutilizar todasessas informações com relaçãoà profundidade. O usodessas informações vai alémdo alcance do própriocorpo do indivíduo. Ao dirigirum automóvel, o indivíduousa a profundidade para avaliar a distância do veículo que se aproxima. Quando decide chamar alguémconhecido na rua, a pessoa determina o volume da voz com base na distância em que percebe estar o amigo. Essa decisão é baseada em como o indivíduopercebea distância entre ele e o amigo. Como se percebe o espaço em três dimensões quando os estímulos proximais nas retinas não passam de projeções em duas dimensões daquilo que se vê? Sugerimos voltar à escada impossível (Figura 3.4) e observar também as configurações impossíveis da Figura 3.10. Elas são confusas porque há uma informação de profundidade contraditória em partes distintas da imagem. Os pequenossegmentos dessas figuras impos síveis parecem razoáveis porque não há inconsistência em suas pistas individuais de pro fundidade (Hochberg, 1978). Contudo, é difícil entender a figura como um todo. A razão para isso é que as pistas que fornecem informações de profundidade em vários segmentos da imagem são conflitantes. Geralmente, as pistas de profundidade são monoculares (mono - "um"; ocular, "relativo aos olhos") ou binoculares (bi - "ambos", "dois"). As pistas de profundidade monoculares podem ser representadas em apenas duas dimensões e observadas apenas com um olho. Capítulo3 • Percepção 75 FIGURA 3.9 Aqui, vê-se uma porta com batente emformato retangular. Estaportaaparece fechada, semiaberta, bem aberta e completamente aberta. Certamente, a porta não parece ter um formato diferente em cada painel. Na verdade, seria estranho se o espectador percebesse a porta mudando deformato enquanto elase abre. E, noentanto, o formato da imagem daporta captado pela retina muda quando a porta se abre. Olhando para a figura, vê-se que a imagem dese nhada na porta é diferente em cada painel. O Quadro 3.2 também descreve a paralaxe de movimento, a única pista de profundi dade monocular que não está na figura. A paralaxe de movimento requer movimento e, portanto, não pode ser utilizada para avaliar a profundidade em uma imagem estática, como, por exemplo, uma fotografia. Outro método de avaliar a profundidade compreende as pistas de profundidade binoculares, baseadas na recepção da informação sensorial em três dimensões para ambos os olhos (Parker, Cumming, Dodd, 2000). O Quadro 3.2 tam bém resume algumas das pistas binoculares usadas paraa percepção da profundidade. As pistas de profundidade binoculares usam o posicionamento relativo aos olhos do in divíduo. Os dois olhos estão posicionados com distância suficiente para levar dois tipos de informaçãoao cérebro: a disparidade binocular e a convergência binocular.Na disparidade 76 Psicologia Cognitiva FIGURA 3.10 Quais pistas podem fazer com que você perceba essas figuras impossíveis como totalmente plausíveis? QUADRO 3.2 Pistas Monoculares e Binoculares para Percepção da Profundidade Várias pistas perceptuais contribuem para a percepção do mundo tridimensional. Algumas podem ser observadas por apenas um olho, enquanto outras requerem o uso dos dois olhos. Pistas para Percepção da Profundidade Parece Mais Próximo Pistas de profundidade monoculares Gradientes de textura Tamanho relativo lnterposição Perspectiva linear Perspectiva aérea Localização no plano da figura Paralaxe de movimento Grãos maiores e mais afastados Maior Obscurece parcialmente outros objetos Linhas aparentemente paralelas parecem divergir ao se afastar do horizonte Imagens parecem mais nítidas, mais claramente delineadas Acima do horizonte, os objetos estão mais altos no plano da imagem; abaixo do horizonte, os objetos estão mais baixos no plano da imagem Os objetos que se aproximam parecem maiores e em velocidade cada vez maior (isto é, grandes e se aproximando rapidamente) Pistas de profundidade binoculares Convergência binocular Disparidade binocular Olhos parecem ser trazidos para dentro, na direção do nariz Enorme discrepância entre a imagem vista pelo olho esquerdo e a imagem vista pelo olho direito Parece Mais Distante Grãos menores e mais próximos Menor Éparcialmente obscurecida por outros objetos Linhas aparentemente paralelas parecem convergir ao se aproximar do horizonte Imagens parecem nebulosas, menos claramente delineadas Acima do horizonte, os objetos estão mais baixos no plano da imagem; abaixo do horizonte, os objetos estão mais altos no plano da imagem Os objetos que se afastam parecem menores e em velocidade menor (isto é, pequenos e se afastando lentamente) Olhos relaxam em direção aos ouvidos Pequena discrepância entre a imagem vista pelo olho esquerdo e a imagem vista pelo olho direito Capitulo 3 " Percepção 77 binocular, ambos os olhos enviam imagens cada vez mais diferentes ao cérebro, à medida que os objetos se aproximam. O cérebro interpreta o grau de disparidade com indicação da dis tância até o espectador. Além disso, para os objetos vistos em lugares relativamente próxi mos, o espectador usa as pistas de profundidade baseadas na convergência binocular. Na convergência binocular, os dois olhos viram cada vez mais para dentro à medida que os obje tos se aproximam. O cérebro interpreta esses movimentos musculares como indicações da distância. A Figura 3.11 ilustra como esses dois processos funcionam. O cérebro contém neurônios especializadosna percepção da profundidade, conhecidos, obviamente, como neu rônios binoculares, que integram a informação que chega dos dois olhos para formar a FIGURA 3.11 Visão do olho esquerdo Visão do olho esquerdo nn Objeto distante Visão do olho direito (a) Disparidade binocular Comandos musculares (fortes) Sinais neurais (fortes) Comandos musculares (fracos) Sinais neurais II (fracos) II longe (b) Convergência binocular (a) Disparidade binocular: quanto mais próximo umobjeto estiver do espectador, maior a disparidade das visões dele percebidas pelos olhos, um de cada vez- Éfácil testar as perspectivas, colocando-se o dedo cerca de um centímetro e meio daponta do próprio nariz- Olhe primeiro com um olho coberto, depois com o outro. Parece que o dedo pula para frente e para trãs. Agora, façaa mesma coisa com um objeto que esteja a 3 metros de distância e, depois, a 30 me tros. O pulo aparente, que indica a quantidade dedisparidade binocular, irá diminuir com a distância. O cérebro in terpreta a informação com relação à disparidade como uma pista indicando disparidade, (b) Convergência binocular: como os olhos estão situados em pontos diferentes da cabeça, quando se gira o olho deforma que uma imagem caia diretamente na parte central do olho, na qual se tem maior acuidade visual, cada olho deve virar umpouco para den tro para registrar essa mesma imagem. Quanto mais próximo o objeto quese está tentando ver, mais osolhos devem se voltar para dentro. Os músculos enviam mensagens ao cérebro com relação aograu em que osolhos estão se vol tando para dentro, e essas mensagens são interpretadas como pistas indicando profundidade. 78 Psicologia Cognitiva informação sobre profundidade. Os neurônios binoculares são encontrados no córtex visual (Parker, 2007). A percepção de profundidade depende mais do que apenas a distância ou a profundidade na qual o objeto está localizado em relação ao indivíduo. Proffitt et ai. (2003, 2006) relata- ram que a distância percebida para um alvo é influenciada pelo esforço necessário para cami nhar até o local do alvo, e que a distância percebida da localização de um alvo é maior para pessoas carregando uma mochila pesada do que para aquelas que não carregam esse peso. Em outras palavras, pode haver uma interação entre o resultado perceptual e o esforço percebido exigido para chegar até o objeto percebido (ver também Wilt, Proffitt, Epstein, 2004). Quanto maior o esforço de uma pessoa para alcançar algo, mais distante ele parece estar. O papel do esforço não é limitado ao caminhar na direção de algo. Quando jogam bem, os tenistas relatam que a bola de tênis parece relativamente grande. Da mesma forma, para os jogadores de golfe, o suporte da bola sempre parece maior do que é (Wilt, Proffitt, 2005). Em ambos, as percepções são, em parte, uma função da qualidade do desempenho. Esse fe nômeno foi confirmado por investigadores (Wilt, Proffitt, 2005), que constataram que os bons rebatedores (de beisebol) que acertam suas tacadas percebem a bola maior do que aqueles que rebatem não tão bem. A percepção da profundidade é um bom exemplo de como as pistas facilitam a percep ção. Não há algo intrínseco a respeito do tamanho relativo para indicar que um objeto que parece menor esteja mais distante. Ao contrário, o cérebro utiliza essa informação contex- tual para concluir que o objeto menor está mais distante. Abordagens para Percepção de Objetos e Formas Abordagens centradas no Observador versus Abordagens Centradas no Objeto Nesse momento, estou olhando para o computador no qual digito este texto. Eu descrevo o que vejo como uma representação mental. Que forma assume essa representação mental? Há duas posições comuns para responder a essa pergunta. Atores e modelos costumam utilizar-se dessas pistas de percepção de pro fundidade em seu benefício enquanto são fotografados. Por exemplo, algu mas pessoas só se deixam ser fotografadas em determinados ângulos ou posições. Um nariz longo pode parecer mais curto se fotografado de uma posição um pouco abaixo da linha central do rosto (algumas fotos de Barbara Streisand de ângulos diferentes, por exemplo), porque a ponta do nariz recua um pouco à distância. Além disso, inclinar-se um pouco para frente pode fazer com que a parte superior do corpo pareça um pouco maior do que a inferior e vice-versa, ao inclinar-se um pouco para trás. Em fotos de grupo, ficar um pouco atrás de outra pessoa faz com que o indi víduo pareça menor, e ficar um pouco à frente faz com que ele pareça maior. Os estilistas de moda que fazem trajes de banho femininos criam peças com ilusões de ótica para ressaltar partes do corpo, fazendo com que as pernas pareçam mais longas, a cintura menor, aumentando ou diminuindo a linha do busto. Alguns desses processos para alteração da percepção são tão básicos que muitos animais possuem adaptações espe ciais para fazer com que pareçam maiores (por exemplo, o rabo do pavão aberto em leque) ou para disfarçar suas identidades dos predadores. Pense um pouco em como aplicar os processos perceptuais em seu benefício. APLICAÇÕES PRÁTICAS DA PSICOLOGIA COGNITIVA Capítulo 3 • Percepção 79 Uma delas, a da representação centrada no observador, diz que o indivíduo armazena a forma como o objeto lhe parece. Sendo assim, o que importa é a aparência do objeto ao observador, e não sua estrutura real. A segunda posição, a representação centrada no ob jeto, diz que o indivíduo armazena uma representação do objeto, independentemente de sua aparência ao observador. A semelhança fundamental entre essas duas posições é que ambas podem explicar como o indivíduo representa um detetminado objeto e suas partes. A dife rença fundamental está em representar um objeto e suas partes em relação ao próprio indi víduo (centrado no observador) ou em relação à totalidade do objeto propriamente dito, independentemente da própria posição do indivíduo (centrado no objeto). Consideremos, por exemplo, o meu computador. Ele tem diferentes partes: um monitor, um teclado, um mouse e assim por diante. Suponha que eu represente o computador em ter mos da representação centrada no observador, de maneira que suas partes sejam armazena das em termos de sua relação à minha pessoa. Vejo a tela diante de mim, em um ângulo de, digamos, 20 graus. Vejo o teclado de frente para mim, na horizontal. Vejo o mouse diante de mim, à direita. Supondo que, em vez disso, use uma representação centrada no objeto, assim, veria a tela do monitor em um ângulo de 70 graus em relação ao teclado e o mouse estaria diretamente do lado direito do teclado, nem na frente nem atrás dele. Uma possibilidade de conciliação dessas duas abordagens de representação mental sugere que as pessoas podem usar os dois tipos de representações. De acordo com esta abor dagem, o reconhecimento de objetos ocorre em um contínuo (Burgund, Marsolek, 2000; Tarr, 2000; Tarr, Bülthoff, 1995). Em um extremo desse contínuo, estão os mecanismos cog nitivos que são mais centrados no observador. No outro, estão os mecanismos cognitivos mais centrados no objeto. Por exemplo, suponha que você veja a imagem de um carro de forma invertida. Como saber que é um carro? Os mecanismos centrados no objeto iriam re conhecer o objeto como um carro, porém os mecanismos centrados no observador reconhe ceriam o carro estando invertido. Geralmente, a decomposição de objetos em partes é útil para reconhecer as diferenças entre um Mercedes e um Hyundai, mas podem não ser tão úteis para reconhecer que as duas visões diferentes de um Mercedes são visões do mesmo carro. Nesse caso, a percepção centrada no observador pode ser mais importante. Uma terceira orientação é a representação centrada em um marco. Na representação centrada em um marco, a informação é caracterizada por sua relação com um item proemi nente bem conhecido. Imagine-se visitando uma cidade nova. Todos os dias, você sai do hotel e faz pequenos passeios. E fácil imaginar que você iria representar a área a ser explo rada em relação ao seu hotel. De volta ao exemplo do computadot, na representação cen trada em um marco, a escrivaninha pode ser descrita em termos de um monitor de computador. Por exemplo, o teclado está na frente do monitor e o mouse situado do lado direito do monitor. As evidências indicam que, em laboratório, os participantes podem alterar entre as três estratégias. Todavia, há diferença na ativação cerebral nessas três estratégias (Committeri et aí., 2004). A Abordagem Gestaltista A percepção faz muito mais para o ser humano do que manter a constância na profundidade do tamanho e da forma. Ela organiza objetos em uma disposição visual em grupos coerentes. Kurt Koffka (1886-1941), Wolfgang Kõhler (1887-1968) e Max Wertheimer (1880-1943) instituíram a abordagem gestaltista de configuração perceptiva, com base na idéia de que o todo é diferente da soma de suas partes individuais (ver o Capítulo 1). A abordagem gestaltista provou ser especialmente útil para o entendimento de como se percebem grupos de objetos ou mesmo partes deles para formar todos integrais (Palmer, 1999a, 1999b, 2000; Palmer, Rock, 1994; Prinzmetal, 1995). De acordo com a Lei de Prágnanz (pregnância perceptiva) da Psicologia da Gestalt, a tendência é perceber qualquer disposição visual de forma a organizar do modo mais simples possível os elementos díspares em uma forma 80 Psicologia Cognitiva coerente e estável. Dessa maneira, não se experimenta simplesmente uma mistura de sensa ções ininteligíveis e desorganizadas. Por exemplo, tende-se a perceber a figura focai e outras sensações à medida que formam o fundo para a imagem sobre a qual se vai focalizar. Pense no que acontece quando se entra em um recinto conhecido. Percebe-se que al gumas coisas se sobressaem (ex.: os rostos nas fotografias ou quadros). Outras coisas somem ao fundo (ex.: paredes e pisos sem decoração). A figura é qualquer objeto que se percebe como importante e é quase sempre percebida em contraste com algum tipo de fundo recuado ou não ressaltado. A Figura 3.12 a ilustra o conceito de figura-fundo —que se so bressai versus aquilo que recua no fundo. Provavelmente, o leitor irá perceber a maneira em que a palavra figure está escrita; percebe-se essa palavra como a figura contra o fundo mais escuro que envolve as letras da palavra ground (fundo). Da mesma forma, a Figura 3.12 b mostra um vaso branco contra um fundo preto ou as silhuetas de dois rostos olhando uma paraoutracontra um fundo branco. Épraticamente impossível veros dois conjuntos de ob jetos simultaneamente. Embora se possa alternar rapidamente entre os rostos e o vaso, eles não podem ser vistos ao mesmo tempo. Uma das razões sugeridaspara que a figura faça algum sentido é que ambas estão de acordo com o princípio da simetria da Psicologia da Gestalt. A simetria requer que as figuras tenham FIGURA 3.12 (a) (b) Nessas duas imagens daGestalt (aeb), descubra o que éfigura e o que é fundo. (Fotob: Cortesia deKaiser Porcelain, Ltd.) Capítulo 3 • Percepção 81 proporções equilibradas em torno de umeixo ou ponto central. O Quadro3.3 e a Figura 3.13 resumem alguns dosprincípios gestaltistas da percepção da forma. São eles: a percepção de fi- gura-fundo, a proximidade, a semelhança, a continuidade, o fechamento e a simetria. Cada um desses princípios sustenta a abrangente Lei de Prãgnanz (pregnância perceptiva) e, dessa maneira, cada um deles ilustra a tendência a perceber configurações visuais de modo a orga nizar, de modo mais simples possível, oselementos díspares em umaforma estável e coerente. Por um momento, paree olhe parao ambiente à suavolta. Você perceberá umaconfiguração coerente, completa e contínua de figuras e fundo, mas não perceberá furos nosobjetos onde o livro os tapa, isto é, bloqueia sua visão. Se o livro obscurece parte do canto da mesa, ainda assim, você irá perceber a mesa como uma entidade contínua e não interrompida. Ao olhar para o ambiente, a tendência é perceber agrupamentos. Veem-se agrupamentos de objetos próximos (proximidade) ou de objetos parecidos (semelhança). Veem-se também grupos de objetos completos em vez de parciais (fechamento), linhascontínuasao invés de interrompi das (continuidade), bem como padrões simétricos em lugarde assimétricos. As pessoas tendem a usarosprincípios gestaltistas mesmo quandoconfrontadas com no vos estímulos. Palmer (1977) mostrou a participantes formas geométricas novas que serviam como alvos. Em seguida, mostrou-lhes fragmentos das formas. Os participantes precisavam QUADRO 3.3 1 Princípios de Percepção Visual da Psicologia da Gestalt Os princípios gestaltistas de proximidade, semelhança, continuidade, fechamento e simetria ajudam na percepção das formas. Princípios da Gestalt Princípio Figura Ilustrando o Princípio Figura-fundo Quando se percebe um campo visual, alguns objetos (figuras) parecem desta car-se e outros aspectos do campo re cuam no fundo A Figura 3.12 apresenta um vasode fi gura-fundo, na qual um modo de perce ber destaca a perspectiva ou um objeto, enquanto o outro modo destaca outro objeto, relegando o primeiro plano an terior ao fundo Proximidade Quando se percebe uma variedade de objetos, tende-se a ver os que estão pró ximos como um grupo. Na Figura 3.13 (a), a tendência é en xergar os quatro círculos no centro, como dois pares de círculos Semelhança A tendência é agrupar objetos com base em sua semelhança Na Figura 3.13 (b) tende-se a ver quatro colunas de x e o, e não quatro linhas de letras alternadas Continuidade A tendência é perceber formas que fluem de modo regular ou contínuo ao invés de formas interrompidas ou não contínuas A Figura 3.13 (c) apresenta duas curvas fragmentadas que se cruzam, que são percebidas como duas curvas regulares, ao invés de curvas interrompidas Fechamento Tende-se a fechar ou completar objetos que, na realidade, não são completos A Figura 3.13 (d) apresenta apenas segmentos de linha desarticulados, misturados, que o observador fecha para enxergar um triângulo e um círculo Simetria Tende-se a perceber objetos como se formassem imagens de espelho ao redor do próprio centro Por exemplo, quando se vê a Figura 3.13 íe) uma configuração de parênte ses, colchetes e chaves, a variedade se enxerga formandoquatro conjuntos de sinais, ao invés de oito itens individuais, porque se integram os elementos simé tricos em objetos coerentes 82 Psicologia Cognitiva FIGURA 3.13 {©HSGCtEEESiffi) <a)©3n ® s ® s ® s ® a ® ss © s ® ss ® {[]}<()> Osprincípios de percepção da forma da Psicologia da Gestalt incluem a percepção da figura-fundo, (a) proximidade, (b) semefnança, (c) continuidade, (d)fechamento e (e) simetria. Todos esses princípios demonstram a íei/unaamen- tal da Lei de Prügnanz (pregnância perceptiva), a qual sugere que, por meio da percepção, unificam'Se estímulos vi suais díspares em um todo coerente e estável. reconhecer os fragmentos como partes do alvo original, caso não estivessem em conformi dade com os princípios gestaltistas. Por exemplo, um triângulo apresenta fechamento e foi reconhecido com mais rapidez como parteda nova figura original do quecomo três segmen tos comparáveis ao triângulo, porém não estavam fechados e, portanto, em desacordo com os princípios gestaltistas. Em suma, parece que se usam os princípios da Psicologia da Gestalt na percepção cotidiana, sejam ou não conhecidas as figuras às quais são aplicados. Os princípios gestaltistas de percepção da forma são muito simples e, no entanto, ca racterizam grande parte da organização perceptual humana (Palmer, 1992). Os princípios da Gestalt oferecem valiosos insights sobrea percepção da forma e de padrões, porém pouca ou quasenenhuma explicação sobre esses fenômenos. Paramelhor entender comoe por que se percebem formas e padrões, é preciso examinar as teorias explanatórias da percepção. Sistemas de Reconhecimento de Padrões Como reconhecer padrões? Por exemplo, como reconhecer fisionomias? Uma das propostas é que os seres humanos têm dois sistemas de reconhecimento de padrões (Farah, 1992, 1995; Farah et ai, 1998). O primeiro sistema é especializado no reconhecimento de partes de objetos e na montagem dessas partes em todos distintos. Por exemplo, quando, durante uma aula de biologia, um aluno observa os elementos de uma tulipa - a haste, o pistilo e assim por diante -, ele está olhando a flor por meio desse primeiro sistema. O segundo sis tema é especializado no reconhecimento de configurações maiores e não está equipado adequadamente para analisar as partes dos objetos ou sua construção, mas é bemequipado o bastante para reconhecer configurações. Por exemplo, ao olhar para uma tulipa no jardim e admirarsua beleza e forma específicas, o indivíduo estará olhando para a flor por meio do segundo sistema. O segundo sistema, muitas vezes, é o mais importante para o reconhecimento de fisio nomias. Assim, ao olhar para um amigo que você vê todos os dias, irá reconhecê-lo usando o sistema configuracional. O ser humano é tão dependente nesse sistema do dia-a-dia que Capítulo 3 * Percepção 83 pode sequer perceber quando ocorre alguma mudança na aparência dessa pessoa, como o comprimento do cabelo ou os óculos novos. Todavia, o primeiro sistema também pode ser usado para o reconhecimento de fisionomias. Suponha que você vê alguém cujo rosto lhe é vagamente familiar, mas não tem certeza de quem possa ser. Você começa analisando as ca racterísticas e depois se dá conta de que é um amigo que você não vê há dez anos. Nesse caso, você conseguiu fazer o reconhecimento facial apenas após ter analisado o rosto por meio de seus traços fisionômicos. No fim das contas, tanto a análise configuracional como a de traços serve para auxiliar a fazer difíceis reconhecimentos e discriminações. O reconhecimento de fisionomia ocorre, ao menos em parte, no giro fusiforme do lobo temporal (Gauthier et ai., 2003; Kanwisher, McDermott, Chun, 1997; Tarr, Cheng, 2003). Existem boas evidências de que há algo especial a respeito do reconhecimento fisionômico, até mesmo na mais tenra idade. Por exemplo, os bebês conseguem identificar os movimentos de uma foto com um rosto humano mais rapidamente do que identificam os movimentos de estímulos de complexidade semelhante que não sejam fisionomias (Farah, 2000a). Em um es tudo, foram exibidos aos participantes desenhos de dois tipos de objetos: fisionomias e casas (Farah etai., 1998). Em todos os casos, o rosto fazia par com o nome da pessoa cuja fisiono mia estava sendo representada e a casa fazia par com o nome do dono da casa, e, para cada bateria de teste, havia seis pares. Depois de estudarem os seis pares, os participantes tinham que reconhecer partes de cada uma das fisionomias ou das casas, ou, ainda, reconhecer as fi sionomias ou casascomo um todo. Por exemplo, eles podiam ver apenas um nariz ou uma ore lha, ou apenas uma janela ou porta de entrada. Ou então, veriam um rosto inteiro ou uma casa inteira. Se o reconhecimento de fisionomia é, de alguma forma, especial e, principal mente, dependente do segundo, o sistema configuracional, então, as pessoas deveriam ter mais dificuldade em reconhecer partes dos rostos do que partes das casas. As pessoasnormalmente têm mais facilidade em reconhecer casas, sejam estas apresen tadas em partes ou inteiras, porém, mais importante ainda, as pessoas têm relativamente mais dificuldade em reconhecer partes dos rostos do que em reconhecer rostos inteiros. Por outro lado, seu desempenho foi quase igual para reconhecer partes de casas ou casas intei ras. Assim sendo, o reconhecimento de fisionomias parece ser especial e, provavelmente, depende, em especial, do sistema configuracional. Um exemplo interessante de efeito configuracional em reconhecimento de fisionomias ocorre quando as pessoas fixam o olhar em rostos distotcidos. Ao olhar fixamente por algum tempo para um rosto distorcido (Figura 3.14) e, em seguida, fixar o olhar em um rosto nor mal, o rosto normal vai parecerdistorcidona direçãooposta. Por exemplo, ao olhar fixamente para um rosto em que os olhos estão muito próximos um do outro, ao olhar para um rosto nor mal, os olhos parecerão muito distantes um do outro (Leopold et ai., 2001; Webster et ai., 2004; Zhao, Chubb, 2001). O conhecimento de fisionomias normalmente informa o que é FIGURA 3.14 Rosto normai (centro) e rostos distorcidos. 84 Psicologia Cognitiva NO LABORATÓRIO DE STEPHEN PALMER Um assunto importante, | mas muito ignoradono es- | tudo da Psicologia Cogni- s tiva é a estética: a dimensão o psicológica ancorada na 5 extremidade positiva, pe- (3 Ia experiência da beleza e do sublime e na extremi dade negativa, pela feiúra. Pode-se supor que a estética só é de interesse para as pessoas que apreciam as artes (pintura, música,dança etc), mas ela permeia a vida de todas as pessoas. Escolher roupas, filmes que irão assistir ou móveis novos, ou o lugar para as próximas fé rias e até mesmo escolher outras pessoas- tudo isso é fortemente influenciado pelas reações estéticas a essas escolhas. Recentemente, em meu laboratório, iniciei um estudo científico da estética visual. Ao examinar a estética da composição espacial, por exemplo, mostramos aos participantes duas figuras que se diferenciam apenas na lo calização de um único objeto dentro de uma moldura retangular e, em seguida, pedimos que nos dissessemqual figura eles preferem em termos de estética. A Figura a mostra esses três pares de figuras descrevendo um lobo sobre um fundo liso. (Antes de continuar a leitura, (a) veja qual dos pares lhe parece mais agradável esteticamente). Registramos as opções das pessoas para todos os pares de posições e para qual direção o lobo está olhando. Em seguida, computámos a quantidade de vezes que cada posição e cada direção foram escolhidas em comparação com todas as outras. O padrão de resultados que encontramos está na figura b, marcando curvas separadas para os objetos voltados para a esquerda e para a direita. Ela mostra três efeitos impor tantes: uma forte predisposição para o centro, uma forte predisposição para dentro e uma pre disposição para a direita mais fraca. A predispo sição para o centro refere-se à preferência pelo objeto que fique no centro ou perto do centro do quadro e se reflete no gráfico pelo fato de que as duas curvas são geralmente mais altas perto da posição central do que perto das la terais do quadro. Esta é a razão pela qual o leitor provavelmente preferiu a figura da es querda do par superior da Figura a. A predis posição para dentro refere-se ao fato de que as pessoas normalmente preferem um objeto direcionado com o rosto na direção de den tro do quadro, ao invés de fora dele, e isso se reflete no gráfico pela assimetria das cutvas indo para a direita e para a esquerda. Caso o objeto não esteja centralizado para o lado es querdo do quadro, as pessoas vão preferir o objeto do lado direito do quadro. Contudo, se estiver descentralizado do lado direito do qua dro, as pessoas vão preferir o objeto voltado para a esquerda. Por esse motivo, o leitor pro vavelmente escolheu a figura direita do par central da figura a como a mais agradável, uma vez que ambas estão descentralizadas, mas os lobos olham para dentro, do lado di reito do quadro, e para fora, do lado es querdo. A predisposição para a direita refere-se ao fato de que as pessoas geralmente prefe rem um objeto direcionado olhando para a direita do que para a esquerda, e está refletido no gráfico pelo fato de que a curva para os objetos olhando para a direita é ligeiramente mais alta do que a curva para os objetos olhando para a esquerda. Essa diferença é mais acentuada na posição central. Provavel mente, esse é o motivo pelo qual o leitor es colheu a figura esquerda no par inferior da Capítulo 3 • Percepção 85 NO LABORATÓRIO DE STEPHEN PALMER (continuação) Esquerda (b) Centro Posição no quadro Direita Figura a; ambas estão localizadas no mesmo ponto do quadro, porém o lobo olha para o lado direito do quadro. As propensões do centro, de dentro e de fora também ficaram evidentes quando demos aos participantes uma câmera fotográfica e um conjunto de objetos e pedimos que tirassem a foto mais esteticamente agradável possível, na opinião deles. Caso decidissem colocar um objeto olhando para a direita fora do centro do quadro, por exemplo, eles quase sempre posicionavam o objeto do lado esquerdo do quadro maisdo que do lado direito. Vimos que as mesmas propensões estavam presentes quando demos aos participantes uma tela de computador na qual eles poderiam controlar a posição do objeto e pedimos que o colocassem na posição esteticamente mais agradável. Estamos agora examinando as opções de emol- duramento de fotógrafos e pintores pela medi ção da posição e direção das figuras com um único objeto focai cm fotos e pinturas reais obtidas nos bancos de dados da internet. Também estamos estudando as preferências para a posição vertical e para o tamanho dos objetos em quadros com um único objeto fo cai. Tão logo esse estudo termine, daremos início a um estudo sobre questões muito mais complexas em termos de composição, ques tões essas que surgem quando dois objetos ou mais são descritos na mesma ilustração. O ponto mais importante de nossos resultados até o momento é que as preferências estéticas podem ser estudadas cientificamente. A be leza, sem dúvida, está nos olhos de quem a vê, conforme o antigo ditado, mas enquanto cientistas cognitivos podemos entender a percepção de beleza do mesmo modo que qualquer outro fenômeno perceptivo, ou seja, ao isolar as variáveis importantes e de terminar de que modo elas se combinam na mente do espectador. 86 Psicologia Cognitiva um rosto normal e o que é um rosto distorcido, mas, nesse caso, o conhecimento é anulado pelo fato de o espectador ter se acostumado ao tosto distorcido. O processamento cognitivo de fisionomias e a emoção do rosto podem interagir. Na rea lidade, existem evidências do efeito de "positividade fisionômica" relacionado à idade. Nesse estudo, adultos mais velhos demonstraram preferência em olhar para rostos alegres e distantes do que pata tostos tristes ou zangados (Isaacowitz et ai., 2006a, 2006b). Além disso, tostos alegres são considetados mais familiares do que rostos neutros ou negativos (Lander, Metcalfe, 2007). Há provas também de que a emoção aumenta a ativação dentro do giro fusiforme quando as pessoas estão processando fisionomias. Durante um estudo, os participantes tive ram que olhar para um rosto e dat um nome a essa pessoa ou dat um nome à expressão desse rosto. Ao serem solicitados a dar nome à expressão, os participantes apresentaram um au mento na ativação do giro fusiforme em comparação a dar nome à pessoa {Ganel et ai., 2005). Exames em pacientes com autismo também oferecem mais evidências para o proces samento da emoção dentto do giro fusiforme. Estes pacientes apresentam deficiência no re conhecimento emocional. O escaneamento de cérebro de pessoas com autismo revela que o giro fusiforme é menos ativo do que em pessoas que não apresentam essa síndrome. Pacientes com autismo conseguem aprender a identificar as emoções por meio de um processo muito penoso. Contudo, esse tteino não petmite que a identificação da emoção torne-se um processo automático nessa população nem aumenta a ativação no giro fusi forme (Bolte et ai, 2006; Hall, Szechtman, Nahmias, 2003). Em outro estudo, os participantes olharam tanto para casas como para rostos. O giro fu siforme era ativado quando as pessoas olhavam para os rostos, mas não quando olhavam para as casas. Assim, no que se refere a rostos, parece haver uma localização de percepção genuína nessa área ao contrário do que para outros objetos que talvez fossem percebidos (Yovel, Kanwisher, 2004). Nem todos os pesquisadores concordam que o giro fusiforme seja especializado para a percepção de fisionomia em oposição às outras formas de percepção. Outro ponto de vista é que esta é uma área de maior ativação na petcepção de rostos, mas com ativação de outras áreas também, embora em níveis inferiores. Da mesma forma, estas —ou quaisquet ou tras áreas do cérebro que reagem maximamente às fisionomias ou qualquer outra coisa, ainda podem apresentar alguma ativação enquanto percebem outros objetos. De acordo com essa visão, as áreas do cérebro não são "tudo-ou-nada" naquilo que percebem, mas, ao contrário, podem ser ativadas difetencialmente - em níveis maiores ou menores, de pendendo do que é percebido (Haxby et ai., 2001; Haxby, Gobbini, Montgomery, 2004; OTooleetaI.,2005). Outra teotia telativa à função do giro fusiforme tem o nome de hipótese da individua- ção especializada, a qual diz que o giro fusiforme é ativado quando alguém examina itens com os quais tenha uma habilidade visual. Por exemplo, um especialista em pássatos que passa muito tempo estudando as aves. Espera-se que ele seja capaz de diferenciá-las em meio às se melhantes e que tenha bastante prática nessa tarefa de diferenciação. Como conseqüência, se cinco rouxinóis (tordos) lhe forem apresentados, ele seria capaz de facilmente diferenciá- los. Contudo, um indivíduo sem essa habilidade provavelmente não conseguiria diferenciar os mesmos pássaros. Caso o cérebro dessa pessoaseja escaneado durante essa atividade, a ati vação do giro fusiforme - especificamente o direito - seria vista. Essaativação é vista em pes soas especialistas em carros e pássaros. Até mesmo quando se ensinam pessoas a diferenciar as várias figurasabstratas semelhantes, a ativação do giro fusiforme é notada (Gauthier et ai., 1999, 2000; Rhodes et ai., 2004; Xu, 2005). Essa é a teotia que sustenta a ativação do giro fusiforme quando as pessoas visualizam faces, por que, na realidade, o ser humano é um ex- pert no exame de fisionomias. A prosopagnosia - a incapacidade de reconhecer rostos - implicatia em algum tipo de dano no sistema configuracional. Contudo, outras disfunções, como a dificuldade precoce Capítulo3 • Percepção 87 de leitura, na qual o leitor iniciante tem dificuldade pata teconhecer os traços que com preendem palavras únicas, podem advir de danos ao primeiro sistema, baseado em elemen tos. Além disso, o processamento pode passai de um sistema pata outro. Um leitor típico pode aprender a aparência das palavras por meio do primeiro sistema - elemento por ele mento - e, depois, vir a reconhecer as palavras como todos integrados. Na vetdade, algu mas deficiências de leitura podem surgir da incapacidade do segundo sistema de assumir a tarefa do primeiro. Abordagens Teóricas da Percepção Existem diversas abordagens teóricas da percepção. Percepção Direta Como o indivíduo reconhece a letra A quando a vê? Fácil de perguntat, difícil de responder. Claro, a letra é um A porque se parece com um A, mas o que faz com que ela se pareça com um A e não com um H? A dificuldade em responder a essa pergunta fica clara quando se olha para a Figura 3.15. E provável que o leitor veja a imagem da Figura 3.15 como as pa lavras em inglês"THE CAT", porém o "H" da palavra "THE" é idêntico ao "A" da palavra "CAT". Aquilo que subjetivamente parece ser um processo simples de reconhecimento de padrões, é quase certamente muito complexo. Como se faz a ligação daquilo que se per cebe com aquilo que está atmazenado na mente? Os psicólogos da Gestalt se referem a esse problema como a Função Hoffding (Kóhler, 1940), uma referência ao psicólogo dinamarquês do século XIX Harald Hoffding, que questionou se a percepção pode ser reduzida a uma simples associação do que é visto ao que é lembtado. James J. Gibson (1904-1980), in fluente e polêmico teórico, também questionou o associacionismo. De acordo com a teoria da percepção direta de Gibson, o conjunto de informações nos receptores sensoriais, inclusive o contexto sensorial, é tudo de que o homem necessita para perceber qualquer coisa, ou seja, o ser humano não necessita de processos cognitivos supe riores ou qualquer outra coisa para mediar as experiências sensoriais e as percepções. As crençasexistentes ou osprocessos de pensamentos de inferências de níveiselevados não são necessários à percepção. Gibson acreditava que, no mundo real, as informaçõescontextuais suficientes, com o pas sar do tempo, geralmente existem para que julgamentos perceptuais sejam feitos. Ele afirma FIGURA 3.15 Ao ler essas palavras, o leitor provavelmente nao terá dificuldade para diferenciar o "A" do "H". Olhando mais de perto cada uma das letras, quais características as diferenciam? 88 Psicologia Cognitiva que o ser humano não precisa apelar para os processos intelectuais de alto nível para explicar a percepção. Gibson (1979) acreditou que as pessoas usam essa informação contextual dire tamente. Emessência, o homem é biologicamente regulado para reagir a ela e, ainda segundo sua teoria, muitas vezes, se observam pistas de profundidade como gradientes de textura. Tais pistas ajudam a perceber diretamente a proximidade relativa ou a distância de objetos e par tes de objetos. Com base nas análises de telações estáveis entre caractetísticas de objetos e ambientes de mundo real, se percebe diretamente o ambiente (Gibson, 1950, 1954/1994; Mace, 1986). Não há necessidade de ajuda dos processos complexos de pensamento. Essas informações contextuais podem não ser prontamente controladas em um experi mento de laboratório; porém, é provável que estejam disponíveis no mundo real. O modelo de Gibson é chamado, às vezes, de modelo ecológico (Turvey, 2003), em razão de sua preo cupação com a percepção, em como acontece no dia-a-dia (o ambiente ecológico) ao invés das situações de laboratório, onde a disponibilidade de informação contextual é menor. As limitações ecológicas aplicam-se não apenas às percepções iniciais como também às repre sentações internas finais (como conceitos), que são formados a partir dessas percepções (Hubbard, 1995; Shepard, 1984)- Outra pesquisadora que deu continuidade à teoria gibso- niana foi Eleanor Gibson (1991, 1992), que conduziu pesquisas de referência sobre a per cepção em bebês. Elaobservou que os bebês~ que certamente carecem de muita informação e experiência prévios - desenvolvem rapidamente muitos aspectos da consciência percep tiva, inclusive a percepção de profundidade. Teorias Ascendentes {Bottom-up) e Descendentes (Top-dov/n) As teorias que começam com o processamento de características de nível elementat são chamadas de teorias ascendentes {bottom-up), ou seja, são acionadas por dados (isto é, por estímulos). Entretanto, nem todos os teóricos se detêm nos dados sensoriais do estímulo perceptual e muitos preferem as teorias descendentes (top-dourn.), que são conduzidas por processos cognitivos de nível elevado, pelo conhecimento existente e pelas expectativas anteriores que influenciam a percepção (Clark, 2003). Essas teorias, então, operam consi derando os dados sensoriais, como o estímulo perceptivo. As expectativas são importantes. Sempre que as pessoas esperam para ver algo, elas o verão mesmo que isso não esteja ali no momento ou já não exista. Pot exemplo, supondo que alguém espere ver uma determinada pessoa em um determinado lugar. Esse indivíduo pode pensar que vê aquela pessoa, mesmo que esteja vendo, na realidade, outra pessoa que apenas vagamente lembra aquela outra (Simons, 1996). As abordagens descendente (top-down) e ascendente (bottom-up) são aplicadas em praticamente todos os aspectos da cognição. Com telação à percepção, existem duas teorias importantes que expressam as abordagens ascendente (bottom-up) e descendente (top-down), mas que, de algum modo, podem lidar com diferentes aspectos do mesmo fenômeno. Em última análise, uma teoria completa da percepção precisa compreen- det tanto os processos ascendentes (bottom-up) como os descendentes (top-down). Teorias Ascendentes [bottom-up) As quatro teorias bottom-up mais importantes da petcepção da fotma e do padrão são: as teorias do gabarito, as teorias do protótipo, as teotias das características e as teorias da des crição estrutural. Teorias do Padrão Uma teoria afirma que todas as pessoas possuem armazenada na mente uma enorme quanti dade de padrões, que são modelos altamente elaborados para os moldes que as pessoaspode rão reconhecer. Reconhece-se um molde pela comparação deste com o conjunto de padrões. A seguir, escolhe-se o padrão certo, que combina perfeitamente com aquilo que se está Capítulo 3 • Percepção 89 observando (Selfridge, Neisser, 1960). Vêm-se exemplos de combinações de padrões na vida diária. As impressões digitais correspondem-se dessa maneira. As máquinas processam rapidamente os números impressos nos cheques, comparando-os aos padrões (gabaritos). Cada vez mais, produtos de todos os tipos são identificados por meio dos códigos universais de produtos (CUPs ou "códigos de barra"), que podem ser lidos e identificados por compu tadores no ato da compra. Jogadoresde xadrez - que conhecem muitas jogadas- utilizam-se da estratégia de combinação de acotdo com a teoria do padrão para poderem se lembrar dos jogos anteriores (Gobet, Jackson, 2002). Em cada um dos exemplos citados, o objetivo de se encontrai uma cottespondência per feita e desconsiderar as correspondências imperfeitas orienta a tarefa. Seria alarmante, pot exemplo, descobrir que o sistema bancário de reconhecimento de números deixou de regis trar um depósito em sua conta corrente. Isso pode acontecer porque o sistema do banco es tava programado para aceitar um caractere ambíguo, segundo o que parecesse a melhor possibilidade. Para a correspondência de padrões, apenas uma correspondência exata será suficiente. E é exatamente isso o que se espera do computador do banco. Enttetanto, con sideremos o sistema perceptivo agindo em situações cotidianas. Ele raramente funcionaria caso se exigissem correspondências exatas para todos os estímulos a serem reconhecidos. Imagine-se, por exemplo, precisar de padrões mentais para cada percepto possível do rosto de alguémque se ama ou um para cada expressãofacial, ou cada ângulo de visão, cada pen teado ou cada vez que se aplica ou temove maquiagem. As letras do alfabeto são mais simples que as fisionomias e outros estímulos complexos. De qualquer modo, as teorias de correspondênciade padrões (ou gabaritos) também não ex plicam alguns aspectos da percepçãodas letras. Por exemplo, essas teoriasnão explicama per cepção humana das letras e das palavras na Figura 3.15. É possível identificar duas letras diferentes (Ae H) a partir de somente uma forma física. Hoffding (1891) observououtros pro blemas. E possível se reconhecer um A como A independentemente das variações no tama nho, na otientação e na forma nas quais a letra está escrita. Deve-se, então, acteditar que o ser humano possui padrões mentais possíveis para cada tamanho, orientação e formade uma letra? Armazenar, organizare recuperar tantos padrões na memória seria muito complicado. Além disso, como se anteciparia ou se criaria tantos padtões para cada objeto de percepção concebível (Figura 3.16)? Teorias dos Protótipos A complicação e a rigidez das teorias dos padrões rapidamente deram origem a uma expli cação alternativa para a percepção de padrões: a teoria da correspondência de protótipos. O protótipo é uma espécie de média de uma classe de objetos ou padrões relacionados que integra todos os ttaços mais característicos (e mais freqüentemente observados) daquela classe. Ou seja, o protótipo é altamente representativo de um padrão, mas não pretende oferecer uma correspondência exata ou idêntica de qualquer padrão ou de outros padrões que representa. Há uma grande quantidade de pesquisas que sustenta a abordagem de cor respondência de protótipos (por exemplo, Franks, Bransford, 1971). O modelo de protótipo parece explicar a percepção das configurações. Entre os exemplos estão um conjunto de pontos, um triângulo, um diamante, uma letra F, um M ou até mesmo uma configuração aleatória (Posner, Goldsmith, Welton, 1967; Posner, Keele, 1968) ou desenhos extrema mente simplificados de fisionomias (Reed, 1972). Os protótipos incluem até mesmo feições muito bem definidas criadas pela polícia, chamados de identikits, que são normalmente uti lizados para a identificação de testemunhas (Solso, McCarthy, 1981; Figura3.17). Surpreendentemente, parece que o ser humano é capaz de formar protótipos até mesmo quando nunca tenha visto um exemplar que corresponda exatamente ao protótipo, ou seja, os protótipos que o indivíduo forma parecem integrar todos os traços mais característicos de um padrão. Isso ocorre mesmo quando nunca se tenha visto um único caso em que todas as características típicas sejam integradas ao mesmo tempo (Neumann, 1977). Considere uma 90 Psicologia Cognitiva FIGURA 3.16 A 61 1 46 9 228 92 7 6 11146' 922892 * 7 61 1 46 I 922892 a 7 6 1 146 I 922892 A correspondência depadrões irá distinguir entre diferentes códigos de barra, mas não entre diferentes versões da letra "A" escritascomfontes diferentes. ilustração dessa questão. Alguns pesquisadores geraram diversassériesde padrões, como os da Figura 3.17 aec, baseados em um protótipo. Em seguida, mostraram aos participantes a série de padrões gerados, contudo não apresentaram o protótipo no qual se baseavam os padrões. Mais tarde, mostraram novamente a série de padrões gerados aos participantes e também ou tros padrões, incluindo tanto os distratores como o padrão do protótipo. Nessas condições, os participantes não apenas identificaram o padtão do protótipo como aquele que haviam visto antes (por exemplo: Posner, Keele, 1968). Eles também ofeteceram avaliações particular mente altas da própria segurança em ter visto o protótipo antes (Solso, McCarthy, 1981). Teorias das Características Outra explicação alternativa da percepção de formas e padrões são as teorias de correspon dência de traços ou características. De acordo com essas teorias, o indivíduo tenta estabelecet correspondência entre as caractetísticas de um padrão e aquelas armazenadas na memória, ao invés de associar um padtão inteiro a um gabarito ou protótipo (Stankiewicz, 2003). Um FIGURA 3.17 (a) Padrão protótipo • • • • • • • • • Triângulo • • • • a • • * M * • • • • • • • • • F • • • • a Aleatório Distorções do triângulo • • • • • • • • • • • • • • Capítulo 3 • Percepção 91 100% 75% 50% 25% 75% 50% £5% 0% Itens anugos Itens novos Semelhança com o protótipo (a) Essas configurações de pontos são semelhantes àquelas usadas cm experimentos por Michael l. Posner e seus cola boradores. Michael L Posner, Ralph Goldsmith e Kennelh E. \velton, Jr. (1967), "Perceived Distance and the Cias- sification ofDistorted Patterns", do Journal of Experimental Psychology, 73(1): 28-38. © 1967, American Psychological Association. Reimpresso com permissão, (b) Esses desenhos altamente simpíi/icados de rostos humanos são semelhantes aos usados por Stephen Reed. StephenK. Reed(l972), "Pattem Recognition and Categorization", Cognitive Psychology, julho de 1972, 3(3): 382-407- Reimpresso com permissão de Elsevier, (c) Esses rostos são semelhantes aos criados nos experimentos de Robert Solso eJohn McCarthy (1981). Robert Solso efudith McCarthy (1981), "Prototype Formation ofFaces: A Case ofPseudomemory", British joumal ofPsychology, novembro de 1981, v. 72, n. 4, p. 499-503. Reimpresso com permissão da The British Psychobgical Society. (d) Esse gráfico ilus tra asconclusões de Solso e McCarthy, indicando a freqüência do reconhecimento percebido decada rosto, inclusive o reconhecimento deum rosto prototípico jamais visto pelos participantes do estudo. desses modelos de correspondência de características é chamado de pandemônio, no qual "demônios" metafóricos - com funções específicas - recebem e analisam as características de um estímulo (Selfridge, 1959). A Figura 3.18 demonstra esse modelo. O modelo de pandemônio deOliverSelfridge descreve "demônios da imagem", osquais passam uma imagem retinal de "demônios de características". Cada demônio de caracterís tica manifesta-se quando há correspondência entre o estímulo e a característica oferecida. Essas combinações são gritadas aos demônios no ptóximo nível dahierarquia, os "demônios (pensamentos) cognitivos", que gritam possíveis padrões armazenados na memória associa dos a uma ou mais características obsetvadas pelos demônios das características. Um "de mônio da decisão" ouve o pandemônio de demônios cognitivos e decide qual foi visto, a pattit de qual demônio cognitivo esteja gritando com mais freqüência (ou seja, qual deles tem mais características cotrespondentes). Embora o modelo de Selfridge seja umdos mais conhecidos, existem outras propostas de mo delos e a maioria dos modelos de características não apenas distingue diferentes características 92 Psicologia Cognitiva FIGURA 3.18 Demônio da imagem (recebe dados sensoriais) Demônios das características (decodificam características específicas) H> Linhas 1 2 3 4 verticais O ° iO f o Linhas horizontais 1 O 2 O — 3 O 4 O Linhas oblíquas 1 o 3 O \ 4 O Demônios cognitivos ("gritam" quando recebem certas combinações de características) Demônio da decisão ("escuta" em busca do grito mais alto no pandemônio para identificar os dados recebidos) Processament de sinal iU> Ângulos retos 1 n r A x</ -O * "B" :: , 3® .E w' =o G* => ^ J -i \/ ^K V- -L / => v °^ =o T —> U , ^=JJ -v w => \/, X ;z H> M> r 4 O Àng jIos agudos 1 0 N 2 O V 3 0 4 O Curvas descontínuas 1 © 2 O "} 3 O J 4 O Curvas contínuas 1 O 2 O 3 O 4 O Segundo o modelo de correspondência de características deOliver Selfridge, o reconhecimento de padrões ocorre asso- ciando-se as características observadas àquelas jáarmazenadas na memória. Reconhecem-se padrões para os quais se encontram o maior númerode correspondências. como também difetentes tipos de catactetísticas, como, por exemplo, globais versus locais. As características locais constituem os aspectos pequenos ou detalhados de um determinado pa drão. Não há consenso em relação a exatamente o que constitui uma característica local. Mesmo assim, de um modo geral, é possível fazer a distinção dessas características das globais, características essas que dão forma ao seu formato geral. Considerem-se, por exemplo, os estí mulos descritos na Figura 3.19 a e b. Esses estímulos são do tipo usado em algumas pesquisas sobre percepção de padrões (Navon, 1977). Em tetmos gerais, os estímulos nos painéis a e b Capítulo 3 • Percepção 93 formam a letra H. No painel a, as características locais (Hs pequenos) correspondem às glo bais. No painel b, que compreende muitas letras Ss locais, isso não acontece. Em um estudo, os participantes identificaram o estímulo tanto em nível global como em nível local (Navon, 1977). Vejam o que aconteceu quando as letras locais eram peque nas e estavam perto umas das outras. Os participantes conseguitam identificar os estímulos em nível global mais rapidamente do que em nível local. Além disso, quando solicitados a identificar estímulos em nível global, não fez diferença se as características locais combina vam com as globais, pois os participantes responderam mais rapidamente se as característi cas globais concordavam com as locais. Em outras palavras, eles ficavam mais lentos se tivessem que identificar os Ss locais combinados para formar um H global em vez de iden tificar os Hs combinados para formar um H global. Este padtão de resultados é conhecido como efeito de precedência global. Em comparação, quando as letras estavam mais espaçadas, como nos painéis a e b da Fi gura 3.20, o efeito era invertido. Nesse caso, surgia o efeito de precedência local, ou seja, FIGURA 3.19 H H S S H H S s H H S s H H S s HH H HH H S S s s s s H H S s H H S s H H S s H H S s (a) (b) Compare o painel (a) (Hs globais feito deHs locais) com o painel (b) (Hs globais feitos deSs locais). Todas as letras locais ficam bem juntas. D. Navon, "Forest Before Trees: ThePrecedence to Global Features in Visual Perception", Cognitive Psychology, v. 9, n. 3, p. 353-382, julho de 1977. Reimpresso com permissão da Elsevier. FIGURA 3.20 H H S S H H S S H H H s s s H H s s H 0) H s (b) s Compare ospainéis (a) e (b), nosquais as letras locais são bem espaçadas. Em qual figura (3.21 ou 3.22) observa-se o efeito deprecedência global? Emque figura se observa o efeito de precedência local? D. Navon, "Forest Before Trees: The Precedence to Global Features in Visual Perception", Cognitive Psychology, v. 9, n. 3, p. 353-382, julho de 1977. Reimpresso compermissão da Elsevier. 94 Psicologia Cognitivn Z?L hving Biederman é pro fessorda William M. Keck dadisciplina de Neurociência Cognitiva na Uràversity of Southern Califórnia. Efamoso por seu trabalho sobre visão dealto nível e, especifi camente, sobrereconhe cimento deformas. Sua teoria dos geons mostra um modopossível paraque várias imagens de objetos sejamdecompostas em um conjunto de unidades fun damentais. (Cortesiado />. írving Biederman) FIGURA 3.21 os participantes identificaram mais rapidamente as características lo cais das letras individuais do que as globais e as características locais interferiram no reconhecimento global nos casos de estímulos contra ditórios (Martin, 1979). Outras limitações (por exemplo: o tamanho dos estímulos) e outros tipos de características também influenciam a percepção. Um tipo de apoio às teorias das catactetísticas vem da pesquisa neurológica e fisiológica. Os pesquisadores usam técnicas de registro de atividade de célula isolada com animais (Hubel, Wiesel, 1963, 1968, 1979). Eles mediram cuidadosamente as tespostas de neurônios individuais no córtex visual e, depois, mapearam esses neurônios para combinar com estímulos visuais para determinados locais no campo visual (ver Capítulo 2). Essa pesquisa mostrou que os neurônios es pecíficos do córtex visual no cérebro respondem a diferentes estí mulos aptesentados em regiões específicas da retina que correspondem a esses neurônios. Cada neurônio cortical individual pode, pottanto, ser mapeado em relação a um determinado campo receptivo na re tina. Uma quantidade desproporcionalmente grande do córtex visual é dedicada a neurônios mapeados para os campos receptivos da tegião fóvea da retina. A maioria das células no córtex não reage somente a pontos de luz, mas a "segmentos de luz especificamente otientados" (Hubel, Wiesel, 1979, p. 9). Além disso, essas células parecem mostrar uma estrutura hierárquica no grau de complexidade dos estímulos aos quais reagem de forma, mais ou menos, semelhante às idéias do mo delo de pandemônio. Veja o que acontece à medida que o estímulo avança pelo sistema visual em níveis mais elevados no cóttex. Em geral, o tamanho do campo receptivo aumenta, assim como aumenta a complexidade do estímulo exigido para desencadear uma reação imediata. Como prova dessa hierarquia, há dois tipos de neurônios no córtex visual (Figura 3.21), células simples e células complexas (Hubel, Wiesel, 1979), que, se acredita, sejam diferentes na complexidade da informação a respeito dos estímulos que processam, e esta é uma teoria comprovadamente supersimplificada. off on Davíd Hubel e Torsten Wiesel descobriram queas células do córtex visual são ativadas apenas quando detectam a sen sação desegmentos de linha dedirecionamentos específicos. In Search of the Human Minei, RobertJ. Stemberg, ©1995, Harcourt Brace and Company. Reproduzido com permissão doeditor. Capitulo3 • Percepção 95 Com base no trabalho de Hubel e Wiesel, outros pesquisadores enconttaram detectores de caractetísticas que respondem a cantos e ângulos (De Valois, De Valois, 1980; Shapley, Lennie, 1985). Em algumas áreas do córtex, células complexas altamente sofisticadas so mente disparam maximamente em resposta a formas muito específicas, independentemente do tamanho do estímulo ideal oferecido, como uma mão ou um rosto. A medida que o es tímulo deixa de se assemelhar à forma ideal, essas células têm cada vez menos probabilida des de disparar. Sabe-se agora que isso é bem maiscomplicado do que Hubel e Wiesel imaginaram. Inú meros tipos de células se ptestam a inúmeras funções, e estas células operam parcialmente em paralelo, embora não se tenha consciência dessa operação. Por exemplo, notou-se que a informação espacial a respeito da localização de objetos percebidos foi processada simul taneamente com a informação a respeito de que modo os contornos dos objetos são inte grados. Em tesumo, julgamentos muito complexos a respeito do que é percebido são realizados em um estágio bem adiantado do processamento da informação, e também em paralelo (Dakin, Hess, 1999). Outro trabalho sobre percepção visual identificou vias neurais separadas no córtex ce rebral para processar diferentes aspectos dos mesmos estímulos (De Yoe, Van Essen, 1988; Kõhler etai., 1995). São chamadas vias "o quê" e "onde". A via "o quê" desce do córtex vi sual ptimátio, no lobo occipital (ver o Capítulo 2), em direção aos lobos temporais, sendo responsável sobretudo pelo processamento da cor, da forma e da identidade dos estímulos visuais. A via "onde" sobe desde o lobo occipital até o parietal, sendo responsável pelo pro cessamento de informações sobrelocalização e movimento. Assim, as informações sobreca racterísticas alimentam pelo menos dois sistemas diferentes pata a identificação de objetos e eventos no ambiente. Uma vez qtie as características distintas tenham sido analisadas conforme suas posições, como são integradas de forma que se possa reconhecer como objetos específicos? Teoria da Descrição Estrutural Considere-se uma forma pela qual se possam formar representações mentais estáveis de objetos em 3-D, com base na manipulação de algumas formas geométricas simples (Bieder man, 1987). Esse meio é um conjunto de geons em 3-D (para íons geométricos), que inclui objetos como tijolos, cilindros, cunhas, cones e seus equivalentes em eixos curvos (Bieder man, 1990/1993b, p. 314)- De acordo com a teoria do reconhecimento por componentes de Biederman (RPC), é possível reconhecer rapidamente objetos obsetvando-se suas cunhas para depois decompor os objetos em geons. Os geons também podem se recompor em configurações alternativas. Sabe-se que um pequeno grupo de letras pode ser manipu lado para compor inúmeras palavras e frases. Igualmente, um pequeno número de geons pode ser usado para construir muitas formas básicas e, depois, em uma infinidadede objetos básicos (Figura 3.22). Os geons são simples e não variam conforme o ponto de vista, ou seja, os objetoscons- ttuídos a partir de geons são facilmente reconhecidos de muitas perspectivas, independen temente do ruído visual. Segundo Biederman (1993a), sua teoria RPC explica de forma simples como se consegue reconhecer a classificação geral de tantos objetos de maneira rá pida, automática e precisa. Esse reconhecimento ocorre apesar das mudanças no ponto de vista, e até mesmo em muitas situações nas quais o objeto que estimula está deteriorado de algum modo. A teoria RPC de Biederman explicacomo se reconhecemcadeiras, lâmpadas e rostosde modo geral, mas não explica como reconhecer cadeirasou rostos específicos. Um exemplo seria o próprio rosto ou o de um grande amigo. 96 Psicologia Cognitiva FIGURA 3.22 ,-(tr5> (a) Irving Biederman ampliou a teoria da associação de características ao propor um conjunto de componentes elementares de padrões (a) que baseou emformas tridimensionais derivada de um cone (b). O próprio Biederman reconheceu que alguns pontos de sua teoria requerem mais pesquisa, como a maneira pela qual as relações entre as partes de um objeto podem ser descritas (Biederman, 1990/1993b, p. 16). Outro problema com a abordagem de Bieder man e também da abordagem ascendente (bottom-up), em geral, é como explicar os efei tos das expectativas antetiotes e do contexto ambiental sobre alguns fenômenos da percepção de padrões. Abordagens Descendentes [Top-down) Em contraste com a abordagem ascendente (bottom-up) está a abordagem descendente (top-aWi) (Btuner, 1957; Gregory, 1980; Rock, 1983; von Helmholtz, 1909/1962). Na per cepção construtiva, quem percebe constrói uma representação cognitiva (petcepção) do Capítulo3 • Percepção 97 estímulo, usando informações sensoriais como base para a estru tura, além de usar outras fontes de informação para construir a percepção. Esse ponto de vista também é conhecido como percep ção inteligente porque diz que o pensamento de ordem superior cumpre um papel importante na petcepção. Além disso, dá ênfase ao papel do aprendizado na percepção (Fahle, 2003). Alguns pes quisadores apontam para o fato de que o mundo não apenas afeta a percepção do indivíduo como também o mundo experimentado é, na realidade, formado pela própria percepção (Goldstone, 2003). Essas idéias retornam à filosofia de Immanuel Kant. Em outtas pa lavras, a percepção é recíproca com o mundo que se experimenta, afetando e sendo afetada por essa experiência. Por exemplo, imagine-se dirigindo por uma estrada pela qual nunca passou. Ao se aproximar de uma intersecção sem visibili dade, vê um sinal octogonal vermelho, escrito em branco com as letras "PA_E". Um galho de árvore grande demais encobre parte do A e do E. E possível que, a partir da sua percepção, você cons trua a sensação de uma placa de PARE. Dessa forma, sua reação será certa. É assim que os consttutivistas sugerem que as percep ções de constância de forma e tamanho indicam que os processos construtivos de alto nível estão operantes dutante a percepção. Outro tipo de constância perceptiva pode ser visto como uma ilus tração da construção descendente (top-down) da percepção. Na constância da cor, percebe-se que a cor de um objeto permanece a mesma apesar das mudanças na iluminação, que alteram a tonalidade. Imagine que a ilumi naçãofique tão fraca que assensações de cor sãoquase ausentes. Ainda assim, percebem-se a banana como amarela, a ameixa como arroxeada e assim por diante. De acordo com os consttutivistas, durante a percepção, formam-se rapidamente várias hipóteses com relação aos perceptos, que são baseadosem três fatores. O primeiro é o que se percebe pelos sentidos (dados sensoriais). O segundo é o que se conhece (conhecimento armazenado na memória) e o terceiro é o que se pode inferir (usando-se os processos cog nitivos de alto nível). Na percepção, consideram-se as expectativas anteriores. Um exem plo seria esperar ver a aproximação de um amigo com o qual se tenha marcado um encontro. Usa-se também o que se sabe sobre o contexto. Nesse caso, um exemplo seria que os trens sempre correm nos trilhos, enquanto aviões e carros, não. Além disso, pode-se usar aquiloque se consegue inferir razoavelmente com base nos dados e no que se sabe a tespeito deles. Segundo os construtivistas, getalmente são feitas atribuições corretas com relação às sensações visuais. O motivo é porque se infere inconscientemente o processo pelo qual - também inconscientemente - se assimilam informações a partir de uma variedade de fon tes paracriaruma percepção (Snow, Mattingley, 2003). Em outras palavras, usando mais de uma fonte de infotmação, são feitos julgamentos dos quais sequet se tem ciência. No exemplo da placa de PARE, as informações sensoriais informam que a placa é um grupode consoantes sem significado e organizadas de forma estranha. Entretanto, o apren dizado antetiot passa uma mensagem importante: que uma placa dessa cor e dessa forma, colocada em um cruzamento, contendo essas três letras e nessa seqüência, provavelmente significa que o indivíduo deve pararpara pensar nessas letras estranhas. Na verdade, é bom começar a pisar no freio. A percepção construtiva bem-sucedida requer inteligência e pen samento para combinar a informação sensorial com o conhecimento obtido a partirda ex periência anteriot. Um argumento de defesa da abordagem construtivista é que as teorias ascendentes - de baixo paracima - da percepção (a partirde dados) não explicam totalmente os efeitos de hvin Rockfoi professor adjunto de Psicologia na University of Califórnia, emBerkeley. E conhecido pelapromoção do papelda solução deproblemas na percepção e suaafirmação dequea percepção é indireta. Criou também o estudo da aprendizagem deensino único e fez importantes contribuições ao estudo da lua e outras ilusões perceptuais. (Foto: Cortesiado Dr. Irvm Rock) 98 Psicologia Cognitiva contexto. Os efeitos de contexto são as influências do ambiente sobre a percepção (exem plo: a percepção das palavras "THE CAT" na Figura 3.15. Efeitos de contexto muito inten sos podem ser demonstrados de modo experimental (Biederman, 1972; Biederman et ai, 1974; Biederman, Glass Stacy, 1973; De Graef, Christiaens, D'Ydewalle, 1990). Durante um estudo, pediu-se que os participantes identificassem objetos após tê-los visto em um contexto apropriado ou inadequado a eles (Palmer, 1975). Por exemplo, os participantes podem ver uma cena de uma cozinha seguida de estímulos como um pão, uma caixa de correio ou um tambor. O objeto adequado ao contexto estabelecido —nesse caso, o pão —foi reconhecido mais rapidamente do que aqueles que não pertenciam ao contexto. A força do contexto tam bém desempenha papel impottante no reconhecimento de objetos (Bar, 2004). Talvez ainda mais impressionante seja um efeito de contexto conhecido como efeito de superioridade deconfiguração (Bat, 2004; Pomerantz, 1981), por meio do qual os objetos apre sentados em uma determinada configuração são mais fáceis de serem reconhecidos do que os objetos apresentados isoladamente, mesmo que os primeiros sejam mais complexos que os segundos. Suponha que se mostre a um participante quatro estímulos - todos eles sendo linhas diagonais. Três linhas estão inclinadas para um lado, enquanto a restante, para o outro. A tarefa do participante é identificar qual estímulo é diferente dos outros (Figura 3.23 a). Suponha também que se mostrem aos participantes quatro estímulos, todos in cluindo três linhas (Figura 3.23 c). Três dos estímulos têm forma de triângulo e o outro não. Em cada caso, o estímulo é uma linha diagonal (ver Figura 3.23 a) mais outras linhas (Fi gura 3.23 b). Dessa forma, os estímulos nessa segunda condição são variações mais comple xas do que os estímulos na primeira condição. Os participantes conseguem identificat mais rapidamente qual das figuras de três lados é diferente das outras do que qual das linhas é di ferente das outras. Na mesma linha, há um efeito de superioridade de objetos, no qual uma linha-alvo que fotma uma patte do desenho de um objeto em 3-D é identificada com mais precisão do que um alvo que forma parte de um padrão em 2-D desconectado (Lanze, Weisstein, Harris, 1982; Weisstein, Harris, 1974)- Essas conclusões são paralelas àquelas sobre o re conhecimento de letras e palavras. O ponto de vista da percepção construtiva e inteligente mostra a relação central entre percepção e inteligência e, de acordo com ele, a inteligência é patte integrante do proces- FIGURA 3.23 (a) (b) (c) Os sujeitos percebem mais rapidamente as diferenças entre configurações integradas com muitas linhas (c) doqueas com linhas solitárias (a). Nestafigura, as linhas em (b) sãoadicionadas às linhas em (a) para criar formas em (c), tomando assim, o painel (c) mais complexo do que o painel (a). Capítulo 3 • Percepção 99 samento perceptual do ser humano. Simplesmente, não se petcebe em termos do que está "lá no mundo", mas percebe-se em termos de expectativas e de outras cognições trazidas para a interação do indivíduo com o mundo. Conforme essa teoria, a inteligência e os pro cessos de percepção interagem na formação de crenças sobre o que se encontra nos conta tos do dia-a-dia com o mundo em geral. Uma posição radical descendente (top-doum) setiaa de sesubestimar a importância dos dados sensoriais. Se isso fosse correto, as pessoas seriamsuscetíveis a grandes imprecisões de percepção e, geralmente, formariam hipóteses e expectativas que julgariam de modo impró prio os dados sensoriais disponíveis. Por exemplo, quando se espera ver um amigo e outra pessoa aparece, é possível que se considere de modo inadequado as diferenças perceptíveis entre o amigo e a outra pessoa. Dessa forma, uma abordagem construtivista extrema da per cepção estaria altamente suscetível a erroe, portanto, ineficiente. Entretanto, uma aborda gem ascendente (bottom-up) radical não permitirá qualquer influência da experiência anterior ou conhecimento sobre a percepção. Por que armazenarconhecimento que não tem utilidade para quem percebe? Nenhum dos extremos é ideal para explicar a percepção. E mais útil considerar formas por meio das quais os processos ascendentes (bottom-up) e des cendentes (top-doum) interagem para formar perceptos com significado. Sintetizando as Abordagens Ascendentes (Bottom-up) e Descendentes (Top-down) Ambas as abordagens teóticas têm obtido sustentação empírica (cí. Cutting, Kozlowski, 1997, vs. Palmer, 1975). Então, qual delas escolher? De um lado, a teoria da percepçãocons trutiva, que é ascendente (top-doum), parece contradizer a teoria da percepção direta, que é descendente (bottom-up). Os construtivistas enfatizam a importância do conhecimento an terior, combinado com informações relativamentesimples e ambíguas dos receptores senso riais. Por outro lado, os teóricos da percepção direta enfatizam a completude da informação nos próprios receptores, sugerindo que a percepção ocorra de modo simples e direto e, por tanto, não há grande necessidade de um processamento complexo da informação. Em vez de considerar essas teorias como incompatíveis, pode-se aprender mais sobre a percepção considerando-as complementates. A informação sensorial pode ser mais infor mativa e menos ambígua na intetpretação de experiências do que imaginam os construti vistas, mas pode sermenos informativa do que afitmam os teóricos da percepção direta. Da mesma forma, os processos perceptivos podem ser mais complexos do que os teóricos da hi pótese gibsoniana. Isso se aplicaria especialmente em condições reais em que os estímulos sensoriais aparecem apenas brevemente ou estão degradados. Estímulos degradados são me nos informativos por vários motivos, por exemplo, os estímulos podem estar parcialmente obscurecidos ou enfraquecidos por causa da iluminação fraca. Ou então, podem estar in completos ou distorcidos por pistas ilusórias ou quaisquer outros "ruídos" visuais (distração visual semelhante a ruídos audíveis). O mais provável é que se use uma combinação de in formações de receptores sensoriais e o conhecimento anterior para entender aquilo que se percebe. Evidências experimentais apoiam essa abordagem integrada (Treue, 2003; van Zoest, Donk, 2004; Wolfe et aí., 2003) Alguns trabalhos mais recentes sugerem que, enquanto etapas iniciais da via visual re presentam apenas o que está na imagem retiniana de objeto, logo depois também serão representadas a cor, a direção, o movimento, a profundidade, a freqüência espacial e a fre qüência tempotal. As representações tardias não são independentes do foco de atenção do indivíduo. Ao contrário, são afetadas ditetamente por este (Maunsell, 1995). Além disso, a visão de coisas diferentes pode assumir formas diferentes. O controle visual da ação é me diado por vias corticais diferentes das envolvidas no controle visual da percepção (Ganel, 100 Psicologia Cognitiva Goodale, 2003). Em outras palavras, quando se vê apenas um objeto - como um telefone celular - isso se processa de modo diferente de quando se tem a intenção de pegá-lo. Em ge ral, segundo Ganel e Goodale (2003), os objetos são percebidos de forma holística; porém, caso se pretenda fazer algo com eles, serão notados mais analiticamente pata que se possa agir de modo eficaz. Em resumo, as teorias atuais com relação às maneiras como se percebem os padrões ex plicam alguns, mas não todos os fenômenos que se encontram no estudo da petcepção da forma e do padrão. Dada a complexidade do processo, é impressionante que se consiga compreender tanta coisa. Ao mesmo tempo, uma teoria abrangente certamente ainda não está confirmada, pois necessitaria da comprovação de todos os tipos de efeitos de contex tos aqui descritos. Deficits Perceptivos Agnosias e Ataxias De modo geral, quais são os caminhos visuais no cérebro? Uma hipótese é que há dois ca minhos visuais distintos: um para a identificação de objetos e o outro para apontar onde esses objetos se localizam no espaço (Ungerleider, Haxby, 1994; Ungerleider, Mishkin, 1982). Os pesquisadores se referema isso como a hipótese do quefonde. Esta divisão tem como base uma pesquisa conduzida com macacos. Em especial, um grupo de macacos com lesões no lobo temporal conseguiam indicar onde as coisas estavam, mas não conseguiam reconhe cer o que eram. Em contrapartida, macacos com lesões no lobo parietal foram capazes de reconhecer o que as coisas eram, mas não onde estavam. Uma interpretação alternativa dos caminhos visuais sugere que os dois caminhos refe rem-se não ao que as coisas são ou onde estão, mas àquilo que são e como funcionam. Esta é a hipótese do quelcomo (Goodale, Milner, 2004; Goodale, Westwood, 2004). Esta hipótese sustenta que a informação espacial a respeito de alguma coisa está localizada no espaço e está sempre presente no processamento da informação visual. O que diferencia os dois ca minhos é se a ênfase reside em identificar o que um objeto é ou, ao contrário, de como situar-se de forma a alcançar os objetos. Assim, a questão aqui é determinar se é mais im portante sabet o que o objeto é ou como alcançá-lo. Dois tipos de deficits de processamento sustentam a hipótese do que/como. Vamos con siderarprimeiro o "que". Obviamente, os psicólogos cognitivos sabem muita coisa a tespeito dos processos perceptivos notmais quando estudam a percepção em participantes normais. Além disso, entretanto, tambémobtêm compteensão da percepção ao estudar pessoas cujos processos perceptuais são diferentes da norma (Farah, 1990; Weiskrantz, 1994). Um exem plo seriao daspessoas que sofrem de agnosia, um grave déficit na capacidade de perceberin formações sensoriais (Moscovitch, Winocur, Behrmann, 1997). São diversas as formas de agnosias e nem todas são visuais. Aqui o enfoque é nas incapacidades específicas de enxer gar formas e padrões no espaço. Pessoas com agnosia visual possuem sensações normais do que está diante delas, mas não conseguem reconhecer o que são. As agnosias geralmente ocorrem em conseqüência de lesões cerebrais (Farah, 1990, 1999). Outra causa importante de agnosia decorre da falta de oxigênio em certas áreas do cérebro. A falta de oxigênio é com freqüência decorrente de traumatismo cerebral (Zoltan, 1996).As agnosias estão asso ciadas a danos nas áreas limítrofes do lobo occipital e do temporal. Pessoas com esses defi cits têm problemas com o caminho do "que". Capítulo 3 • Percepção 101 Sigmund Freud (1953), que se especializou em neurologia clínica antes de desenvolver sua teoria psicodinâmica da personalidade, observou que alguns de seus pacientes não con seguiam identificar objetos conhecidos. Não obstante, não apresentavam qualquer perturba ção psicológica específicaou dano aparente em suas habilidades visuais. Na vetdade, pessoas que sofrem de agnosia visual de objeto conseguem captar todas as partes do campo, porém os objetos que vêem não têm significado para elas (Kolb, Whishaw, 1985). Por exemplo, um paciente agnósico, ao olhar para um par de óculos, primeiro notou um círculo, depois outro, depois que havia uma haste e, finalmente, imaginou que estivesse olhando para uma bici cleta. Na verdade, uma bicicleta é feita de dois cítculos e uma haste (Luria, 1973). Lesões em certas áreas visuais do córtex são responsáveis pela agnosia visual de objeto. Transtornos na região temporal do córtex podem conduzir à simultagnosia, na qual um indivíduo não consegue prestar atenção a mais de um objeto ao mesmo tempo. Por exem plo, se você fosse simultanósico e estivesse olhando para a Figura 3.24, você não consegui ria ver cada um dos objetos ali apresentados. Ao contrário, você diria que está vendo o martelo, mas não os outros objetos (Williams, 1970). Na agnosia espacial, o indivíduo tem grande dificuldade em se orientar no ambiente cotidiano. Por exemplo, um agnósico espa cial pode se perder de casa, virar em lugares errados no trajeto diátio e até mesmo não con seguir reconhecer as referências mais familiares. Tais indivíduos também aparentam grande dificuldade em desenhar traços simétricos de objetos simétticos (Heaton, 1968). Esse pro blema, aparentemente, é tesultado de lesões no lobo parietal do cérebro. A prosopagnosia, mencionada antetiotmente, resulta em uma deficiência grave na capacidade de reconheci mento de fisionomias (Farah et ai., 1995; Feinberg et ai., 1994; McNeil, Warrington, 1993; Young, 2003). Um indivíduo com prosopagnosia, por exemplo, poderá nem mesmo reco nhecer a si próprio no espelho. Além disso, existem casos muito mais raros de prosopagnó- sicos, que não conseguem reconhecer fisionomias humanas, masque conseguem reconhecer a dos animais de sua fazenda, de modo que o problema parece ser extremamente específico ao reconhecimento de fisionomias humanas (McNeil, Warrington, 1993). Este transtorno fascinante deu origem a muitas pesquisas sobre identificação de fisionomias e tomou-se o mais recente "assunto do momento" na percepção visual (Damasio, 1985; Farah et aí., 1995; FIGURA 3.24 Quandoseolhapara essa figura, veem-se vários objetos sobrepostos. Indivíduos com simuitagnosia não conseguem ver mais que um objeto de cada vez- Sensation and Perception, de Stanley Coren e Lawrence M. \vard, © J989, de Harcourt Brace, Company. Reproduzido com permissão doeditor. 102 Psicologia Cognitiva Farah, Levinson, Kelin, 1995; Haxby et ai., 1996). O funcionamento do giro fusiforme do hemisfério direito está fortemente associado à prosopagnosia, e, em particular, esse trans torno está ligadoa danos ao lobo temporal direito do cérebro. Para complicar ainda mais as coisas, a prosopagnosia pode surgir de várias formas. Algumas vezes, outros domínios da ca pacidade são afetados, como nomes de animais conhecidos ao invés de fisionomias huma nas. Portanto, o transtorno pode não ser exclusivamente a falha em reconhecer fisionomias, como se pensava no início. A prosopagnosia, em particulat, e a agnosia, em geral, são obs táculos que persistem ao longo do tempo. Em um determinado caso, uma mulher, após into xicação por monóxido de carbono, começou a sofrer de agnosia, inclusive a prosopagnosia. Depois de 40 anos, essa mesma paciente foi reavaliada e ainda apresentava essesdeficits. Es sas conclusões revelam a longevidade da agnosia (Sparr et aí., 1991). Há ainda outros tipos de agnosias. Um deles é a agnosia auditiva, que é a incapacidade de reconhecer determinados sons. O paciente C. N. não conseguia distinguir diferentes tipos de música. Ela não conseguia reconhecet melodias de sua própria coleção de discos, além de não conseguir dizer se duas melodias eram iguais ou diferentes (Peretz et ai., 1994). A pesquisa recente sugere que a agnosia auditiva pode ser neurologicamente diferente da agnosia musical (Ayotte et ai., 2000; Peretz et ai., 1996). Em termos comportamentais, a agnosia auditiva e a musical podem ser separadas (Vignolo, 2003). Em alguns pacientes, a capacidade de reconhecer músicas conhecidas fica prejudicada. Em outros, a capacidade de reconhecer sons não musicais específicosé comprometida. Dois outros tipos de agnosias estão ligados ao reconhecimento de objetos (Gazzaniga, Ivry, Mangun, 2002). A agnosia aperceptiva é a incapacidade de reconhecer objetos e está li gada a uma falha no processamento perceptual. A agnosia associativa é a capacidade de re- presentar objetos visualmente, mas não set capaz de usar essa informação para reconhecer coisas. Assim, na agnosia associativa, o problema não está no processamento perceptual, mas nos processos cognitivos associativos que operam sobte as representações percep tuais (Anaki etai, 2007). Um tipo final de agnosia a ser descrito é a agnosia de cores. A ag nosia de cores é a incapacidade para nomear as cores sem uma perda correspondente na capacidade de percebê-las (Nijboer et aí., 2007; Nijboer, van Zandvoort, de Haan, 2007; Woodwardetaí., 1999). Outro tipo de déficit de percepção está associado ao dano no caminho do "como". Este déficit é a ataxia óptica, redondo que é um defeito na capacidade de usar o sistema visual pata orientar os movimentos (Himmelbach, Karnath, 2005). As pessoascom esse déficit têm dificuldade para alcançar coisas. Por exemplo, ter medo de deixar as luzes da casa apagadas por não ser capaz de, na volta, enxergar a fechadura e ficar tateando até acertat a chave no buraco da fechadura, o que é muito desagradável e toma muito tempo. Alguém com ataxia óptica apresenta esse problema, mesmo tendo visão perfeita. Nesse caso, o caminho do "como" está danificado. Esse tipo de especificidade extrema dos deficits leva a questões sobte a especialização. Especificamente, existem centros de processamentos distintos ou módulos para determi nadas tarefas perceptuais? Essa questão vai além da separação dos processos perceptivos e das modalidades sensoriais diferentes (ex.: as diferenças entre percepção visual e audi tiva). Os processos modulares são aqueles especializados em tarefas específicas e podem ser apenas processos visuais (como na percepção da cor) ou uma integração dos processos visuais e auditivos (como em determinados aspectos da petcepção do discurso, discutidos no Capítulo 10). Jerry Fodor, filósofo moderno e influente, escteveu um livro inteiramente dedicado à delineação das características necessárias dos processos modulares. Para que alguns proces sos sejam realmente modulares, as seguintes propriedades devem existir. Em primeiro lu gar, os módulos precisam funcionar com rapidez e essa operaçãoé compulsória. Emsegundo Capítulo 3 • Percepção 103 lugar, os módulos apresentam resultados caracterizadamente superficiais (ou seja, reve lando categorizações básicas). O acesso central às computações é limitado e não está su jeito às influências conscientes da atenção. Em terceiro lugar, os módulos são específicos de domínio e em sintonia com relação aos tipos de informações utilizadas. A informação não flui necessariamente livre entre os diversos módulos e, por vezes, fica "encapsulada". Finalmente, os módulos são sustentados por arquiteturas neurais fixas e, portanto, softem padrões característicos de relações. Sendo assim, para que a percepção de fisionomias seja considerada um processo verdadeiramente modular, é necessário que se obtenha mais evi dência da especificidade de domínio e encapsulação informacional. Ou seja, os outros processos perceptuais não deveriam contribuir, interferir ou compartilhar informações para a percepção de fisionomias. Além disso, as bases neurológicas da prosopagnosia não são bem compreendidas. Embora os psicólogos cognitivos fiquem intrigados pelo fato de que algumas pessoas apresentam a prosopagnosia, eles ficam ainda mais fascinados com o porquê de a maioria das pessoas não o ser. Como é que se reconhece a mãe ou o melhor amigo? E como se re conhecem formas muito mais simples e menos dinâmicas das letras das palavras nesta frase? Este capítulo examinou apenas alguns dos inúmeros aspectos da percepção que interessam aos psicólogos cognitivos. São dignos de nota os processos cognitivos pelos quais se for mam as representações mentais daquilo que é percebido pelos sentidos. Essas representa ções usam conhecimento anterior, inferências e operações cognitivas especializadas pata entendet as sensações humanas. Anomalias na Percepção da Cor Outro tipo de déficit perceptivo é o da cor, que é muito mais comum em homens do que em mulheres e está ligado à hereditariedade. Este déficit é diferente da agnosiada cor, discutida anteriormente, na qual a pessoa, ainda que perceba a cor, não consegue dizer que cor é. Sempre que o déficit na percepção da cor ocorre, o indivíduo não consegue perceber as di ferenças nas cores. O déficit na percepção da cor geralmente dura a vida inteira e, ao con trário da agnosia da cor, se desenvolve a partir de uma lesão. Há vátios tipos de deficiência de cor, também chamada de daltonismo. Enttetanto, ape nas um tipo representa o verdadeiro daltonismo, que ocorre quando as pessoas não conse guem ver cor alguma. Pessoas apresentando essagrave dificuldade possuem o que se chama de monocromacia. Indivíduos com déficit de percepção de cor em um grau inferior à mono- cromacia sofrem de dicromacia, que ocorre por causa do mau funcionamento de um dos me canismos da percepção da cor. O resultado desse erro é um dos deficits de percepção de cor que se seguem.O mais comum é o relacionado ao vermelho e ao verde. As pessoas que so frem deste déficit têm dificuldade para distinguir vermelho de verde, embora consigam dis tinguir, digamos, vermelho escuro do verde claro. Essas pessoas apresentam uma das duas síndtomes descritas a seguir (Visual disabilities: Color-blindness, 2004)- Um tipo é a protanopia, que é uma forma extrema de daltonismopara vermelhoe verde. As pessoas com esta síndrome têm dificuldade para ver comprimentos de onda muito lon gos, ou seja, os vermelhos. Esses vermelhos lhes parecem mais como beges, porém mais es curosdo que de fato são. Os vetdesse parecem com os vermelhos. A protanomalia é a forma menos extrema de daltonismo para vermelho e verde. O segundo tipo de daltonismo para vermelho e verde é a deuteranopiay em que as pessoas têm dificuldade pata ver comprimen tos de onda médios, ou seja, os verdes. A deuteranomalia é uma forma menos grave dessa condição. Embora aspessoas comdeuteranomalia não consigam enxergar osvermelhos e os verdes como as pessoas normais, em geral, ainda conseguem distingui-los. 104 Psicologia Cognitiva Muito menos comum do que o daltonismo para vermelho e verde é o daltonismo para azul e amarelo. As pessoas com esse tipo de daltonismo têm dificuldade para distinguir azul de verde. A tritanopia é a falta de sensibilidade aos comptimentos de onda curtos, ou seja, os azuis. Os azuis e os verdes podem ser confusos, mas os amarelos também parecem desa parecer ou parecem tons claros de vermelhos. A menos comum das anomalias de cor é o monocromatismo de bastonetes, também cha-: mado de acromatismo. As pessoas com essa condição não conseguem ver qualquer cor, ou seja, esta é a forma verdadeira de daltonismo puro. Os portadotes dessa anomalia têm co nes que não funcionam e só enxergam tons de cinza como resultado de sua visão através dos bastonetes do olho. Aquinetopsia e Acromatopsia A aquinetopsia é uma perda seletiva da percepção do movimento (Gazzaniga, Ivry, Man- gun, 2002). Nesse transtorno, o indivíduo não consegue perceber o movimento. Ao con trário, o movimento lhe parece apenas uma série de instantâneos. Este é um déficit apatentemente muito raro (Zihl, von Cramon, Mai, 1983) e parece ocorrer apenas em casos de lesão bilateral grave nos córtices tempoparietais, como conseqüência de lesão no córtex ptestriado. A acromatopsia é uma disfunção hereditária que provoca a ausência de cones na retina. As pessoas com esta síndrome precisam confiar nos bastonetes para poder enxergar. Falta- -lhes a visão em cotes e têm dificuldade para enxergar detalhes. A incidência dessa anoma lia é de aproximadamente uma em 33.000 pessoas (What is achromatopsia?, 2007). Temas Fundamentais Vários temas fundamentais, como os descritos no Capítulo 1, surgem no estudo da percep ção. O primeiro é o do racionalismo i<ersus empirismo. Quanto daquilo que se petcebe pode ser compreendido como resultado de alguma ordem no ambiente que seja relativamente independente dos mecanismos perceptuais? Segundo a visão gibsoniana, muito do que se percebe deriva da estrutura do estímulo, independentemente da experiência do indivíduo com ele. Em contrapartida, na visão da percepção, construtivista, constrói-se o que se per cebe. Constroem-se mecanismos para a percepção com base na experiência com o ambiente. Como tesultado disso, a percepção é influenciada, pelo menos na mesma proporção, pela inteligência e pela estrutura dos estímulos percebidos. O segundo tema importante é o da pesquisa básica versus a pesquisa aplicada. A pes quisa sobre percepção tem muitas aplicações, por exemplo, no entendimento de como são construídas as máquinas que percebem. O United States Postal Service - empresa de correios dos Estados Unidos, por exemplo, faz muito uso de máquinas que lêem os códigos postais em correspondências e pacotes enviados. Se essas máquinas não forem precisas, as cartas e encomendas correm o risco de se perder. Essas máquinas não podem depender apenas de uma rigorosa correspondência de padrões, porque as pessoas escrevem números de manei ras diferentes. Assim, as máquinas devem fazer pelo menos alguma análise das caractetísti- cas. Outro exemplo de aplicação da pesquisa da percepção está nos fatores humanos. Os pesquisadores dos fatores humanos projetam máquinas e interfaces do usuário para que se jam fáceis de usar. Um motorista de automóvel ou um piloto de avião precisa tomar deci sões em frações de segundos, de forma que as cabines devem ter painéis de instrumentos bem iluminados, fáceis de serem lidos e acessíveis para ação imediata. Capítulo3 • Percepção 105 O terceiro tema é o da generalidade versus especificidade de domínio. Talvez, em ne nhum outro lugar este tema seja tão bem ilusttado do que na pesquisa sobre o reconheci mento de fisionomias. Há algo de especial no reconhecimento de fisionomias? Parece que sim. No entanto, muitos dos mecanismos utilizados para o reconhecimento de rostos tam bém são utilizados para outros tipos de percepção. Dessa forma, parece que os mecanismos conceituais podem ser mistos - alguns, gerais entre domínios; outros, específicos de domí nios, como o reconhecimento de fisionomias. Fique de péem um dos lados de uma sala e levante opolegar na altura doolho, de forma que fique do mesmo tamanho da potta do lado oposto. E possível acreditat que seu polegar seja maior que a porta? Não. Você sabe que seu polegar está petto de você, que só parece ser do tamanho da potta. Há inúmeras indicações nesse aposento indicando que a potta está mais longe que seu dedo. Em sua mente, você torna a porta muito maior para compensar a distância entre você e ela. Em consistência com um tema mencionado no início do capítulo, o conhecimento é a chave para a percepção. Você sabe que seu polegare a porta não são do mesmo tamanho e, pottanto, tem condiçõesde usar esse conhecimento para aquiloque você sabe que não é. Leituras Sugeridas Comentadas Gauthier, I. Skudlarski, P. Gore, J. C, An- Sparr, S. A.; Jay, M.; Drislane, F W; Venna, derson, A. W. Expertise fot cats and bitds N. A histotical case of visual agnosia te- recruits brain áreas involved in face recog- visitedafter 40 years. Bra/n, 114(2), 789- nition. Nature Neuroscience, 3, 191-197, 790,1991. Um exame da agnosiadurante 2000. Um exame do papel da técnica no a vida de um paciente, giro fusiforme. Xu, Y. Revisiting the role of the fusiform face Palmer, S. E. Vision Science. Cambridge: Bra- área in visual expertise. Cerebral Córtex, dford Books, 1999. Uma análise com- 15(8), 1234-1242, 2005. Um exame da pleta e muito penetrante de todos os técnica visual, aspectosdo estudo cognitivo e científico da visão. CAPITULO Atenção e Consciência 4 EXPLORANDO A PSICOLOGIA COGNITIVA \ 1. E possível processar ativamente a informação mesmo que não se esteja ciente disso? Em caso afirmativo, o que se faz e como se faz isso? 2. Quais são algumas das funções da atenção? 3. Quais são algumas teorias que os psicólogos cognitivos desenvolveram para explicar aquilo que observaram a respeito dos processos da atenção? 4. O que os psicólogos cognitivos aprenderam a respeito da atenção pelo estudo do cé- rebro humano? [Atenção] é a tomada de posse pela mente, de modo claro e vivido, de um entre o que parecem ser vários objetos ou linhas de pensamentos simultaneamente pos síveis. (...) Implica em se afastar de algumas coisas para lidar efetivamente com outras. —William James, Princípios da Psicologia A Natureza da Atenção e da Consciência Atenção é o meio pelo qual se processa ativamente uma quantidade limitada de infor mação a partir da enorme quantidade de informaçãodisponível por meio dos sentidos, da memória armazenada e de outros processos cognitivos (De Weerd, 2003a; Duncan, 1999; Motter, 1999; Posner, Fernandez-Duque, 1999; Rao, 2003). Ela inclui processos cons cientes e inconscientes. Os processos conscientes são relativamente fáceis de ser estudados em muitos casos. Os processos inconscientes são mais difíceis de estudar porque simples mente não se tem consciência deles. (Jacoby, Lindsay, Toth, 1992; Merikle, 2000). Porexem plo, o indivíduo sempre tem disponível em sua memória o lugar onde dormia quando tinha 10anos, mas talvez não consiga processar essa informação ativamente com muita freqüência. Da mesma forma, sempre terá disponível uma infinidadede informações sensoriais (porexem plo: no próprio corpo e em sua visão periférica neste exato momento). Mas dá atenção a apenas uma quantidade limitada de informação sensorial disponível em determinado 107 108 Psicologia Cognitiva instante (Figura 4.1). Além disso, têm-se pouca informação confiável sobre o que acontece quando se dorme e, mais ainda, os conteúdos da atenção podem residir dentro ou fora da consciência (Davies, 1999; Davies, Humphreys, 1993; Metzinger, 1995). Há muitas vantagens em se ter processos de atenção de algum tipo. Parece que há, pelo menos, alguns limites para os nossos recursos mentais. Também há limites quanto ao volume de informação na qual se podem concentrar aqueles recursos mentais em um determinado momento. Os fenômenos psicológicos da atenção possibilitam o uso dos recursos mentais li mitados de maneira sensata. Ao diminuir a atenção sobre muitos estímulos externos (sensa ções) e internos (pensamentos e lembranças), podemos focar os estímulos que mais nos interessam. Este foco acentuado aumenta a probabilidade de resposta rápida e precisa aoses tímulosque interessam. A atenção acentuada também abre caminho para os processos de re cordação. E mais provável que o indivíduo se recorde de informações às quais prestou atenção do que aquelas que ignorou. A consciência inclui tanto o sentimento de percepção consciente como o conteúdo da consciência, parte da qual pode estar sob o foco da atenção (Block, Flanagan, Güzeldere, 1997; Bourguignon, 2000; Chalmers, 1995, 1996; Cohen Schooler, 1997; Farthing, 1992, 2000; Mareei, Bisiach, 1988; Nelkin, 1996; Peacocke, 1998; Taylor, 2002; Velmans, 1996). Assim sendo, a atenção e a consciência formam dois conjuntos parcialmente sobrepostos (DiGirolamo, Griffin, 2003). Em um dado momento, os psicólogos acreditavam que a aten ção fosse a mesma coisa que a consciência. Atualmente, contudo, eles reconhecem que parte do processamento ativo da informaçãosensoriale da informação lembrada ocorre sem cons ciência (Shear, 1997; Tye, 1995). Por exemplo, nessa altura da sua vida, escrever o próprio nome não requer consciência. E possível escrevê-to sem que você o faça enquanto realiza conscientemente outras atividades, porém não o fará se estiver completamente inconsciente. Em contrapartida, escrever um nome que nunca se viu antes requer atenção para a seqüên cia das letras. Os benefícios da atenção são especialmente visíveis quando se referem aos processos conscientes da atenção. Além do valor geral da atenção, a atenção consciente serve a três propósitos ao desempenhar um papel causai na cognição. Em primeiro lugar, ajuda a mo nitorar as interações do indivíduo com o ambiente. Por meio desse monitoramento, man tém-se a consciência de quão bem o indivíduo está se adaptando à situação em que se encontra. Em segundo lugar, ela ajuda as pessoas a estabelecerem uma relação com o pas sado (lembranças) e com o presente (sensações) para dar um sentido de continuidade da experiência. Essa continuidade pode até mesmo servir como base para a identidade pessoal. Em terceiro lugar, a atenção ajuda no controle e no planejamento das ações futuras, que se FIGURA 4.1 Sensações + Processos controlados Lembranças > Atenção: (inclusive consciência) »- Ações + + Processos de pensamento Processos automáticos A atenção funciona como meio dedirecionar osrecursos mentais para a informação e osprocessos cognitivos que es tão mais em evidência, em um determinado momento. Capítulo4 • Atenção e Consciência 109 faz com base nas informações do monitoramento e das ligações entre as lembranças do pas sado e as sensações do presente. Processamento pré-consciente Algumas informações que atualmente ficam fora da consciência ainda podem estar disponí veis na consciência ou, pelo menos, nos processos cognitivos. As informações disponíveis para o processamento cognitivo, mas que, atualmente, estão fora da consciência, existem no nível pré-consciente da consciência. A informação pré-consciente inclui recordações arma zenadas que não estão sendo usadas em um determinado momento, mas que podem ser acessadas quando necessário. Por exemplo, sempre que estimulado, o indivíduo pode se lem brar de como é o próprio quarto; no entanto, não fica pensando conscientemente a respeito do quarto (a menos, talvez, se estiver se sentindo extremamente cansado). Da mesma forma, as sensações também podem ser trazidas da pré-consciência para a consciência. Porexemplo, antes de ler esta sentença, o leitor pode dizer se estava bastante consciente das sensaçõesem seu pé direito? Provavelmente, não. Entretanto, essas sensações estavam disponíveis. . Como é possível estudar coisas que, atualmente, estão fora da consciência? Os psicólo gos resolveramesseproblema estudando um fenômeno conhecido como priming (ativação). O primingocorre quando o reconhecimento de determinados estímulos é afetado pela apre sentação anterior dos mesmos estímulos (Neely, 2003). Suponha, por exemplo, que alguém esteja lhe dizendo o quanto gosta de ver televisão desde que comprou uma antena parabó lica. Ele faz um discurso sobre as vantagens desse tipo de antena. Mais tarde, você ouve a palavra antena e é provável que pense que se trata de uma parabólica e não de uma an tena comum de televisão. Isto é completamente diferente para outra pessoa que não tenha ouvido a conversa sobre as antenas parabólicas. A maioria dos primings é positiva, uma vez que a apresentação prévia dos estímulos facilita o reconhecimento. Entretanto, o priming, às vezes, pode ser negativo e pode impedir o reconhecimento tardio. As vezes, tem-se cons ciência dos estímulos de priming, por exemplo, agora você já tem priming para ler descrições de estudos sobre priming. Entretanto, o priming ocorre mesmo quando os estímulos de priming são apresentados de maneira que não permitam sua entrada na consciência. Nesse caso, é apresentado em uma intensidade tão baixa, em um ambiente com excesso de "ruído" (por exemplo, quando muitos outros estímulos desviam a atenção consciente sobre eles) ou en tão de forma rápida demais para serem registrados na consciência. Por exemplo, em uma série de estudos, Mareei observou o processamento de estímulos que haviam sido apresentados em um período curto demais para serem detectados pela consciência (Mareei, 1983a, 1983b). Nesses estudos, as palavras eram apresentadas aos par ticipantes muito brevemente (em milissegundos ou milésimos de segundos). Depois de apresentadas, cada palavra era substituída por uma máscara visual, que bloqueia a perma nência da imagem da palavra na retina (a superfície posterior do olho que contém os recep tores sensoriais da visão). Mareei cronometrou as apresentações para que fossem muito breves (de 20 a 110 milissegundos), assegurando-se de que os participantes não seriam ca pazes de detectá-las de forma consciente. Quando solicitados a adivinhar a palavra que ha viam visto, os participantes ofereceram palpites ao acaso. Em outro estudo, Mareei apresentou aos participantes uma série de palavras a serem classificadas em diversas categorias. Alguns exemplos seriam perna-parte do corpo e pinhei- ro-planta. Nesse estudo, os estímulos de priming foram palavras com mais de um significado. Por exemplo, palma tanto pode ser uma parte da mão como uma planta. Em uma instância, os participantes estavam conscientes de ver uma palavra de priming que tinha dois signifi cados. Para esses participantes, o caminho mental para um dos dois significados parecia 110 Psicologia Cognitiva estar ativado. Em outras palavras, um dos dois significados das palavras apresentava o efeito de priming, facilitando (acelerando) a classificação da palavra relacionada subsequente. Contudo, o outro sentido apresentava um tipo de priming negativo, inibindo (tornando mais lenta) a classificaçãoda palavra não relacionada subsequente. Por exemplo, se a pala vra palma fosse apresentada por um período longo o bastante para que o participante tivesse consciência de tê-la visto, a palavra tanto inibiria como facilitaria a classificação da pala vra punho, dependendo da associação que o participante fizesse da palavra paima com mão ou com planta. Aparentemente, se o participante estivesse consciente de ter visto a palavra palma, o caminho mental para um significado era ativado. O caminho mental para o outro significado foi inibido. Em contrapartida, se a palavra palma for apresentada por pouco tempo, de modo que a pessoa não tenha ciência de vê-la, os dois significados da palavra pa recem ter sido ativados. Esse procedimento facilitou a classificação seguinte de palavras no vas, como por exemplo, punho. Os resultados de Mareei foram polêmicos e precisavam ser replicados por investigações independentes que utilizassem formas rígidas de controle, o que de fato aconteceu (Chees- man, Merikle, 1984). Essas investigações utilizaram uma tarefa de identificação de cores, e a conclusão a que chegaram é que a ocorrência da percepção subliminar dependeria da de finição do limiar da consciência. Se o limiar, abaixo do qual a percepção é subliminar, fosse definido em termos do nível em que os participantes relatam a ocorrência de uma palavra na metade do tempo, então a percepção subliminar ocorreria. Se, no entanto, a definição da percepção subliminar for em termos de um limiar objetivo que se aplica a todos, então, ela não terá ocorrido. Esse estudo aponta para a importância da definição em qualquer in vestigação cognitiva-psicológica. Se um fenômeno ocorre ou não, às vezes, depende da forma exata como ele é definido. Outro exemplo de possíveisefeitos de priming e processamento pré-consciente pode ser en contrado em um estudo definido como teste de intuição. Esse estudo usou uma tarefa envol vendo "dtades de tríades" (Bowers et ai., 1990). Apresentaram-se, aos participantes, pares (díades) de grupos de três palavras (tríades). Uma das tríades em cada díade era um agrupa mento potencialmente coerente; a outra continha palavras aleatórias e não relacionadas. Por exemplo, as palavras no Grupo A, uma tríade coerente, podem ter sido: "brincando", "crédito" e "relatório". As palavras no Grupo B, uma tríade incoerente, podem ter sido: "ainda" "páginas" e "música". Após a apresentação da díade de tríades, foram mostradas aos participantes possí veis opções para uma quarta palavra relacionada a uma das duas tríades. Em seguida, os parti cipantes foram solicitados a identificar duas coisas. A primeira era qual das duas tríades era coerente e relacionada a uma quarta palavra. A segunda, qual quarta palavra era ligada à trí ade coerente. No exemplo anterior, as palavras do Grupo A podem ser associadas - de modo significativo- a uma quarta palavra - carta (carta de baralho, carta de amor, carta de moto rista). As palavrasdo Grupo B não apresentavam essa relação. Alguns participantes não conseguitam descobrir qual era a quarta palavra unificadora de um determinado par de tríades, mas, mesmo assim, foram solicitados a indicar quais das duas tríades era coerente. Mesmo quando não conseguiam afirmar qual era a palavra unificadora, os participantes conseguiram identificar a tríade coerente em um nível superior ao do acaso. Pareciam ter alguma informação pré-consciente disponível que os levava a escolher uma tríade em detrimento de outra, e o faziam mesmo que não soubessem conscientemente qual palavra unificava a tríade. Os exemplos descritos acima se referem ao priming, que, no entanto, não precisa ser ne cessariamente visual. Os efeitos do priming também podem ser demonstrados pelo uso de ma terial de áudio. Os experimentos explorando o priming auditivo revelam os mesmos efeitos comportamentais dos primings visuais. Ao usar métodos de neuroimagem, os pesquisadores Capítulo 4 • Atenção e Consciência 111 descobriram que áreas similares do cérebro estão envolvidas em ambos os tipos de priming (Badgaiyan, Schacter, Alpert, 1999; Bergerbest, Ghahremani, Gabrieli, 2004; Schacter, Church, 1992). Uma aplicação interessante de priming auditivo foi utilizada com pacientes sob efeito de anestesia. Enquanto anestesiados, listas de palavras foram apresentadas a esses pacientes, que, depois de acordados, deveriam responder sim ou não e completar as palavras dos radi cais que ouviram. Os pacientes tesponderam às perguntas de sim ou não ao acaso e não re lataram conhecimento consciente das palavras. Entretanto, na tarefa de completar palavras a partir de radicais, os pacientes demonstraram evidência de priming, pois completavam fre qüentemente as palavras cujos radicais lhes foram apresentados enquanto estiveram sob o efeito da anestesia. Esses resultados demonstram que, mesmo quando o paciente não tem qualquer lembrança de um evento auditivo, isso pode afetar seu desempenho (Deeprose et aí., 2005). Infelizmente, às vezes, trazer informações pré-conscientes para a consciência não é fá cil. Por exemplo, a maioria das pessoas já experimentou o fenômeno "na'ponta'da-língua", no qual se tenta lembrar de algo que se sabe está armazenado na memória, mas que não se consegue acessar. Os psicólogos tentaram criar experimentos para mensurar esse fenômeno. Por exemplo, tentaram descobrir o quanto as pessoaspodem recobrar informações que, apa rentemente, estão situadas no nível pré-consciente. Em um estudo (Brown, McNeill, 1966), foram lidas aos participantes inúmeras definições de dicionário. Em seguida, foram solicitados a identificar as palavras que correspondiam a esses significados. Esse procedi mento constituiu um jogo semelhante aos programas de TV em que os participantes res pondem a perguntas sobre temas diversos. Por exemplo, eles poderiam receber a dica: "instrumento usado por navegadores para medir o ângulo entre um corpo celeste e o hori zonte". No estudo, alguns participantes não conseguiram apresentar a palavra, mas acha vam que a conheciam. Em seguida, várias perguntas a respeito da palavra foram feitas; pot exemplo, eles poderiam identificar a primeira letra ou indicar o número de sílabas, ou uma aproximação dos sons da palavra. De modo geral, os participantes responderam a todas as perguntas corretamente. Eles foram capazes de indicar algumas propriedades da palavra certa para o instrumento mencionado anteriormente. Por exemplo, começa com "s'\ tem duas sílabas e soa como "sexteto". Por fim, alguns participantes descobriram que a palavra procurada era "sextante". Esses resultados indicam que informações prévias pré-conscientes, embora não estejam totalmente acessíveis ao pensamento consciente, estão disponíveis para os processos de atenção. O fenômeno "na-ponta-da-língua" é aparentemente universal e é encontrado nas mais diversas línguas. Também é visto em pessoas com limitações de leitura ou analfabetas (Brennen, Vikan, Dybdahl, 2007). Esse fenômeno varia conforme a idade da pessoa e a di ficuldade da pergunta. Adultos mais velhos apresentam mais experiências "na-ponta-da-lín gua" do que adultos jovens (Gollan, Brown, 2006). O córtice anterior e os córtices pré-frontais cingulados antetiores são acionados quando alguém vivência a experiência "na- ponta-da-língua", que se deve ao alto nível de mecanismos cognitivos que sãoativados para resolver a falha na recuperação da informação (Maril, Wagner, Schacter, 2001). A percepção pré-consciente também é observada em pessoas com lesões em algumasáreas do córtex visual (Ro, Rafai, 2006), geralmente pacientes cegos em áreas do campo visual que correspondem às áreas lesionadas do córtex. Entretanto, alguns desses pacientes parecem apresentar visão cega - traços de capacidade perceptiva visual em áreas cegas (Kentridge, 2003). Sempre que forçados a dar um palpite sobre um estímulo na região "cega", eles acer tam localizações e posições de objetos em níveis superiores ao acaso (Weiskrantz, 1994). Da mesma forma, quando forçados a tentar pegar objetos na área cega, "os participantes 112 PsicologiaCognitiva corticalmente cegos (...) mesmo assim, pré-ajustam as mãos adequadamente ao tamanho, à forma, à posição e à localização em 3D do objeto que está no campo cego" (Mareei, 1986, p. 41). Contudo, não conseguem demonstrar comportamento voluntário, como tentar pe gar um copo de água que esteja na região cega, mesmo quando estão com sede. Parece ocor rer algum processamento visual mesmo quando os participantes não têm consciência das sensações visuais. Um exemplo interessante de visão cega é o estudo de caso de um paciente chamado D. B. (Weiskrantz, 1986). O paciente ficou cego no lado esquerdo do campo visual em conse qüência de uma operação mal sucedida, ou seja, cada um dos olhos tinha um ponto cego no lado esquerdo do campo visual. Coerente com esse dano, D. B. relatou não ter consciência de qualquer objeto colocado no seu lado esquerdo ou de quaisquer eventos que ocorressem daquele lado. Contudo, apesar da falta de consciência de visão desse lado, havia evidên cias de visão. O investigador mostrava objetos do lado esquerdo do campo visual e, a seguir, apresentava a D. B. um teste de escolha focada, em que o paciente tinha de indicar qual de dois objetos havia sido apresentado desse lado. D. B. teve um desempenho em níveis sig nificativamente melhores do que o acaso. Em outras palavras, ele "viu", apesar de não ter consciência de ter visto. Outro estudo foi concluído com um paciente com danos no córtex visual em conse qüência de um derrame. Os experimentadores repetidamente emparelharam um estímulo visual com choque elétrico. Após inúmeros pares de estímulos, o paciente começou a de monstrar medo sempre que o estímulo visual era apresentado, embora não pudesse explicar porque estava com medo. Deste modo, o paciente foi processando a informação visual, em bora não pudesse enxergar (Hamm et ai., 2003). Os exemplos anteriores mostram que, pelo menos, algumas funções cognitivas podem ocorrer fora da consciência. Parece que o ser humano pode sentir, perceber e até mesmo reagir a muitos estímulos que nunca adentram a consciência (Mareei, 1983a). Então, quais processos requerem ou não a consciência? INVESTIGANDO A PSICOLOGIA COGNITIVA Escreva seu nome várias vezes em um pedaço de papel enquanto visualiza tudo o que puder lembrar sobre o quarto em que você dormia quando tinha 10 anos. Enquanto continua escrevendo seu nome e visualizando seu antigo quarto, faça uma viagem mental de consciência para observar suas sensações corporais, começando pelo dedão do pé, seguindo pela perna, cruzando o torso até o ombro oposto e descendo pelo braço. Que sensações você está sentindo —pressão do chão, dos sapatos ou das roupas, ou talvez uma pressão em algum outro lugar?Você ainda está conseguindo escrever seu nome enquanto acessa imagens na memória e continua pres tando atenção às sensações desse momento? Processos Controlados versus Processos Automáticos Muitos processos cognitivos também podem ser diferenciados em termos de exigência ou não de controle consciente (Schneider, Shiffrin, 1977; Shiffrin, Schneider, 1977). Os pro cessos automáticos não requerem controle consciente (ver Palmeri, 2003). Em sua maior parte, são realizados sem consciência, mas pode-se estar consciente de estarem sendo feitos. Eles demandam pouco ou nenhum esforço, ou mesmo intenção. Os processos automáticos múltiplos podem ocotrer simultaneamente ou, pelo menos, muito rapidamente e sem uma seqüência específica, e são chamados de processos paralelos. Em comparação, os processos controlados são acessíveis ao controle consciente e até mesmo o requerem, sendo realizados Capítulo4 • Atenção e Consciência 113 NO LABORATÓRIO DE JOHN F. KIHLSTROM John Kihlstrom é professor do Departamento de Psicologia da University of Califórnia, em Berkeley, e é membro do Institute for Cognitive and Brain Sciences e do Institute for PersonaUty and Social Re search. Atualmente, dirige umprograma interdisciplinar degraduação em Ciên cias Cognitivas. Em seu artigo "The Cognitive Unconscious" (O Inconsciente Cognitivo) publi cado na revista Science, foi amplamente reconhe cido e suscitou renovado interesse cientifico na vida mental inconsciente depois de quase um século do freuãsmo (Kihlstrom, 1987). O objetivo maior da minha pesquisa é uti lizar os métodos da Psicologia Cognitiva para compreender o fenômeno da hipnose, um es tado especialde consciência, no qual os sujeitos podem enxergar coisas que não existem, não conseguem ver coisas que existem e reagem a sugestões pós-hipnóticas sem saber o que estão fazendo ou por que o estão fazendo. Depois de sair da hipnose, eles não conseguem se lembrar daquilo que fizeram enquanto hipnotizados. Esse fenômeno, conhecido como amnésia pós- -hipnótica, tem sido o foco mais importante da minha pesquisa (Kihlstrom, 2007). Em primeiro lugar, no entanto, precisa mos encontrar os indivíduos certos, pois exis tem enormes diferenças individuais em termos de hipnotizabilidade ou a propensão a ser hip notizado. Embora indivíduos hipnotizáveis te nham propensão para outras experiências de imaginação ou de absorção, não há um questio nário de personalidade que possa afirmar com segurança quem pode ou não ser hipnotizado. A única maneira de descobrir quem é hipnotizá- vel é tentar hipnotizá-lo e ver se funciona. Com esse propósito, dispomos de um conjunto de escalas padronizadas de suscetibilidade hip nótica, que são testes firmados em desempenho semelhantes aos testes de inteligência. Cada escala começa com uma indução à hipnose, na qual o indivíduo é solicitado a relaxar, focalizar os olhos e prestar atenção à voz do hipnotiza dos Em seguida, o indivíduo recebe uma série de sugestões para várias experiências. Sua rea ção a cada uma dessas sugestões é avaliada de acordo com um critério padronizado de comportamento que leva a uma nota total, representando a capacidade deste indiví duo de ser hipnotizado. A partir deste ponto, no entanto, nossos experimentos em cognição se parecem com quaisquer outros, exceto pelo fato de que os nossos participantes estão hipnotizados. Em um estudo que usou um paradigma de apren dizado verbal conhecido (Kihlstrom, 1980), os sujeitos memorizaram uma lista de 15 pa lavras conhecidas, como menina ou cadeira, e depois recebiam uma sugestão para amnésia pós-hipnótica: "Vocênão conseguirá se lem brar que aprendeu essas palavras enquanto esteve hipnotizado... Você não se lembrará que eu falei essas palavras ou o que são essas palavras". Como parte dessa sugestão, esta belecemos uma "pista de reversibilidade" ("Agora você se lembra de tudo") para can celar a sugestão de amnésia. Após sair da hipnose, os sujeitos altamente hipnotizáveis não se lembravam de quase nada da lista, ao passo que os não suscetíveis - que ha viam passado pelos mesmos procedimentos - se lembravam da lista quase que perfeita mente. Isto demonstra que a ocorrência de amnésia pós-hipnótica está altamente corre lacionada com a hipnotizabilidade. Depois, os participantes receberam um teste de associaçãode palavras no qual eram apresentadas pistas e lhes era solicitado que relatassem a primeira palavra que lhes viesse à mente. Algumas dessas pistas eram pala vras como menino e mesa, que sabidamente produziam "alvos críticos" na listado estudo. Outras eram pistas de controle, como lâm pada e cachorros, com probabilidade igual mente alta de produzir alvos neutros, como Iu^ e gatos, que não haviam sido estudados. Apesar da incapacidade de se lembraremdas palavras que haviam acabado de estudar, os sujeitos hipnotizáveis e os amnésicos não produziram menos alvos críticos do que os sujeitos não suscetíveis e os não amnésicos. Isto demonstra que a amnésia pós-hipnótica é uma interrupção da memória episódica, mas não da semântica. De fato, Endel Tul- ving (1983) citou esse experimento como (contínua) 114 Psicologia Cognitiva NO LABORATÓRIO DE JOHN F. KIHLSTROM (continuação) um dos primeiros estudos convincentes sobre a diferença entre esses dois tipos de memória. Mais importante ainda, no teste de livre associação, os sujeitos tiveram mais probabilida des de gerar alvos críticos em lugar de neutros. Este é um fenômeno de priming semântico, no qual uma experiência prévia, como a de estudar uma lista de palavras, facilita o desempenho em uma tarefa posterior, como a de gerar pala vrasdurante um teste de associação livre (Meyer, Schvaneveldt, 1971). A magnitude do efeito de priming foi a mesma nos sujeitos hipnotizáveis e amnésicos e nos não suscetíveis e não amnési cos. Em outras palavras, a amnésia pós-hipnótica acarreta uma dissociação entre a memória explí cita e a implícita (Schacter, 1987). Enquanto a memória explícita e implícita está dissociada de outras formas de amnésia, a dissociação observada na amnésia pós-hipnó tica possui algumas características que a tornam especial. A maioria dos estudos da memória implícita em sujeitos neurologicamente intac tos emprega condições de codificação altamente degradadas, tais como processamento sem pro fundidade, de forma a prejudicar a memória ex plícita. Contudo, na amnésia pós-hipnótica, a codificação não é degradada de forma alguma. Os sujeitos deliberadamente memorizaram a lista, conforme critério rígido de aprendizado, antes que a sugestão de amnésia fosse dada, e se lembraram perfeitamente de toda a lista bem depois da sugestão para amnésia ser revertida. Dessa forma, o fenômeno comprova que a me mória implícita pode ser dissociada da memória explícita até mesmo sob condições de processa mento profundo. Mais importante, a grande maioria dos estudos de memória implícita na amnésia (e memória normal também) dizem respeito ao priming de repetição, conforme exemplificado pelos testes de complementação de radicais e complementação de fragmen tos. O primingde repetição pode ser mediado por meio de uma representação com base na percepção do prime (estímulo ativador) e de acordo com as teorias mais populares do foco de memória implícita nos sistemas de representação perceptiva no cérebro. Porém, nesse estudo, a natureza do priming é semân tica e precisa ser mediada por uma represen tação com base na representação do prime. Dessa maneira, os estudos sobre a hipnose nos lembram que uma teoria abrangente da memória implícita terá de ir muito além do priming de repetição e dos sistemas de re presentação perceptiva. Referências Kihlstrom, j. F. Posthypnotic amnésia for re- cently learned material: Interactions with "episodic" and "semantic" memory. Cog nitive Psychobgy, 12, 227-251, 1980. Kihlstrom, J. F. The cognitive uncons- cious. Science, 237(4821), 1445-1452, 1987. Kihlstrom, J. F. Consciousness in hypnosis. In P D. Zelazo, M. Moscovitch, E. Thompson (ed.), Camf?rídge handbook of consciousness (p. 445-479). Cambridge: Cambridge University Press, 2007. Meyer, D. E. Schvaneveldt, R. W. (1971). Facilitation in recognizing pairs of words: Evidence of a dependence between re- trieval operations. Journal of Experimental Psychology, 90, 227-234, 1971. Schacter, D. L. Implicit memory: History and current status. Journal of Experimen tal Psychology: Leaming, Memory, and Cognition, 13, 501-518, 1987. Tulving, E. Elements of episodic memory. Oxford: Oxford University Press, 1983. em seqüência, isto é, um passo de cada vez. Levam mais tempo para serem executados, pelo menos em comparação com os processos automáticos. Trêsatributoscaracterizamos processos automáticos (Posner, Snyder, 1975). Primeiro, são ocultosda consciência. Segundo, não são intencionais e, terceiro, consomem poucos recursos da atenção. Uma visão alternativa sugete um continuum entre os processos inteiramente au tomáticos e os inteiramente controlados. De um lado, a extensão dos processos controlados Capítulo4 • Atenção e Consciência 115 é tão grande e diversificada que seria muito difícil caracterizartodos os processos controlados da mesma maneira (Logan, 1988). Dificuldades semelhantes surgem ao se caracterizarem os processos automáticos. Alguns deles não podem ser recuperados na consciência, apesar dos inúmeros esforços feitos para tanto. Entre esses exemplos estão o processamento pré-cons ciente e o priming. Outros processos automáticos, como amarrar os sapatos, podem set con trolados intencionalmente, mas raramente são conduzidos dessa maneira. Por exemplo, dificilmente se pensa a respeito de todas as etapas envolvidas na execução dos muitos com portamentos automáticos; independentemente de serem trazidos até a consciência, esses pro cessos não requerem decisões conscientes com relação a quais músculos mexer e que ações tomar. Porexemplo, quando se faz uma ligação telefônica pata alguém conhecido ou quando se está ao volante, indo para um lugar conhecido, não se questiona quantos músculos serão necessários para desempenhar essa tarefa. Contudo, suas identidades podem ser trazidas até a consciência e controladas de modo relativamente fácil. (O Quadro 4-1 resume as caracte rísticas dos processos controlados versus os processos automáticos.) QUADRO 4.1 1 Processos Controlados versus Processos Automáticos É possível que haja um continuum de processos cognitivos, desde os totalmente controla dos até os completamente automáticos; esses traços caracterizam os extremos polares de cada grupo. Características Processos Controlados Processos Automáticos Quantidade de esforço intencional Requerem esforço intencional. Requerem pouco ou nenhum esforço (e o esforço intencional pode até ser necessário para evitar comportamentos automáticos). Grau de consciência Requerem consciência total. Geralmente ocorrem fora da consciência, embora alguns processos automáticos possam estar disponíveis à consciência. Uso de recursos da atenção Consomem muitos recursosda atenção. Consomem recursos de atenção desprezíveis. Tipo de processamento Realizado em série (um passo por vez). Realizado por meio de processamento paralelo (por exemplo, muitas operações ao mesmo tempo ou, pelo menos, sem seqüência definida). Velocidade de processamento Execução relativamente demorada, se comparada com processos automáticos. Relativamente rápidos. Novidade relativa das tarefas Tarefas novas e imprevistas ou com muitas características variáveis. Tarefas conhecidas e muito executadas, com catactetísticas bastante estáveis. Nível de processamento Níveis relativamente altos de processamento cognitivo (exigindo análise ou síntese). Níveis telativamente baixos de processamento cognitivo (análise ou síntese mínimas). Dificuldade das tarefas Tarefasgeralmente difíceis. Tarefas quase sempre relativamente fáceis, mas mesmo as quase complexas podem ser automatizadas, com prática suficiente. Processo de aquisição Com prática suficiente, muitos procedimentos de rotina e até mesmo estáveis po dem se tomar automatizados, de maneira que os ptocessos altamente controlados podem se tornar parcial ou totalmente automáticos; assim,o total de prática neces sária para a automatização aumenta muito para as tarefas altamente complexas. 116 Psicologia Cognitiva Na verdade, muitas tarefas que começam como processos controlados acabam se tor nando automáticas. Por exemplo, dirigir um carro é inicialmente um processo contro lado. Uma vez que se aprende a fazê-lo, torna-se automático em condições normais de direção. Essas condições compreendem trajetos conhecidos, tempo bom e pouco ou ne nhum tráfego. Da mesma forma, quando se aprende a falar uma língua esttangeira, é pre ciso traduzir palavra por palavra a partir da sua língua nativa. Com o tempo, o indivíduo começa a pensar na segunda língua. Esse pensamento possibilita que se pule a etapa da tra dução intermediária, fazendo com que o processo de falar se torne automático. A atenção consciente pode ser revertida ao conteúdo, em lugar do processo da fala. Mudança seme lhante do controle ao processamento automático ocotre quando se adquire a capacidade de ler. Entretanto, quando as condições mudam, a mesma atividade poderá exigir nova mente controle consciente. Ao dirigir, por exemplo, se a rua estiver molhada, o indivíduo provavelmente irá prestar, mais atenção para frear e acelerar. As duas tarefas são normal mente automáticas ao dirigir. Pode-se observar que os procedimentos que se aprendem no início da vida, muitas ve zes, tornam-se automáticos e menos acessíveis à consciência do que aqueles adquiridos mais tardiamente. Alguns exemplos são amarrar os sapatos, andar de bicicleta ou até mesmo ler.* Geralmente, os processos e os procedimentos de rotina adquiridos mais recentemente são menos automáticos. Ao mesmo tempo, estão mais acessíveis ao controle consciente. A au tomatização (também chamada de procedimentalizaçâo) é o processo pelo qual um procedi mento passa de altamente consciente a relativamente automático. Como o leitor pode ter imaginado com base em sua própria experiência, a automatização acontece como conseqüên cia da prática. Atividades muito praticadas podem ser automatizadas, tornando-se, assim, automáticas (LaBerge, 1975, 1976, 1990; LaBerge, Samuels, 1974). Como ocorre a automatização? Uma visão bastante aceita é a de que, durante a prática, a implementação dos vários passos acaba por se tornar mais eficiente. O indivíduo combina, gradualmente, os passos individuais trabalhosos com componentes integrados. Estes com ponentes, então, são ainda mais integrados. Por fim, todo o processo é um único procedi mento altamente integrado ao invés de uma junção de passos individuais (Anderson, 1983; LaBerge, Samuels, 1974). Conforme essa teoria, as pessoas consolidam vários passos distin tos em uma única operação, que requer pouco ou nenhum recurso cognitivo, como a aten ção. Essa abordagem da automatização está, aparentemente, sustentada por um dos primeiros estudos da automatização (Bryan, Harter, 1899). Esse estudo investigou de que forma os operadores de telégrafo automatizavam, gradualmente, a tarefa de enviar e receber mensagens. No início, os novos operadores automatizavam a transmissão de letras indivi duais. Entretanto, uma vez automatizada a transmissão de letras, eles automatizavam a transmissão de palavras, de frases e, depois, de outros grupos de palavras. Outra explicação alternativa - chamada "teoria do exemplo" - foi proposta. Logan (1988) sugeriu que a automatização ocorre porque se acumula conhecimento de modo gra dual sobre determinadas reações e estímulos. Por exemplo, quando uma criança aprende a somar e a subtrair, ela aplica um procedimento geral - contar - para lidar com cada par de números. Após a prática repetida, a criança armazena, pouco a pouco, o conhecimento so bre pares específicos de números específicos. Ainda assim, pode recorrer ao procedimento geral (contar) quando for necessário. Do mesmo modo, quando aprende a dirigir, uma pes soa pode se utilizar de uma riqueza acumulada de experiências específicas. Essas experiên cias formam uma base de conhecimento a partir da qual a pessoa pode, rapidamente, lançar mão de procedimentos específicos a fim de responder a estímulos específicos, como carros que se aproximam ou faróis de trânsito. Conclusões pteliminares sugerem que a teoria do exemplo de Logan explica melhor as respostas específicas a estímulos específicos, como o cálculo de combinações aritméticas. A visão predominante pode explicar melhor respos tas mais gerais, no que diz respeito à automatização (Logan, 1988). Capítulo 4 • Atenção e Consciência 117 Os efeitos da prática sobre a automatização mosttam uma curva de aceleração negativa. Nessa curva, os efeitos da prática inicial são grandes. Um gráfico de melhoria de desempe nho mostraria uma curva de ascendência brusca no início. Os efeitos da prática posterior fazem cada vez menos diferença no grau de automatização. Em um gráfico que mostra essa melhoria (Figura 4.2), a curva acabaria por se estabilizar. Claramente, os processos automá ticos geralmente regem tarefas conhecidas e bastante praticadas. Os processos controlados comandam tarefas relativamente fáceis. A maioria das tarefas difíceis requer processa mento controlado, contudo, com prática suficiente, até as mais complexas tarefas, como ler, podem se tornar automatizadas. Como os comportamentos extremanente automatizados exigem pouco esforçoou controle consciente, pode-se ter múltiplos comportamentos auto máticos, potém dificilmente pode-se ter mais de umcomportamento controlado automático que demande muito esforço. Embora não exijam controle consciente, os processos automá ticos raramente estão sujeitos a este tipo de controle. Por exemplo, a correta articulação (fala) e exímia digitação podem ser intetrompidas quase que imediatamente a um sinal ou reação à detecção de erro. Entretanto, o exímio desempenho de comportamentos automá ticos, muitas vezes, é prejudicado pelo controle inconsciente. Tente ler andando de bici cleta enquanto monitora conscientemente todos os seus movimentos. Vai ser muito difícil executar essas duas tarefas. A automatização de tarefascomo a leitura não é garantida, mesmocom prática. Inúme ras pesquisas apontam que, em casos de dislexia, a automatização fica prejudicada. Maises pecificamente, indivíduos com dislexia, em geral, apresentam dificuldades em finalizar tarefas normalmente automáticas, além da leitura (Brambati et ai., 2006; Ramus et ai., 2003; van der Leij, de Jong, Rijswijk-Prins, 2001; Yap van der Leij, 1994). Não necessaria mente todas as tarefas relacionadas à automatização estão prejudicadas em pessoas com dis lexia. Em alguns estudos, algum nível de automatização foi registrado em indivíduos com dislexia (Kelly, Griffths, Frith, 2002). FIGURA 4.2 100 1 23456789 10 Blocos de testes A taxade melhoria provocada pelos efeitos daprática mostra umpadrão deaceleração negativa. A curva deaceleração negativa atriimiaíi a efeitos da prática é semelhante àcurva apresentada, indicando que a taxa do aprendizado fica mais lenta à medida que o volume do aprendizado aumenta, até atingir um pico de aprendizado em nível estável. 118 Psicologia Cognitiva E importante automatizar várias rotinas de segurança (Norman, 1976). Isto se aplica, principalmente, às pessoas com ocupações de alto risco, como pilotos, mergulhadores e bombeiros. Porexemplo, mergulhadores novatos reclamam da freqüente repetição de vários procedimentos de segurança dentro dos limites de uma piscina. Um exemplo de procedi mento seria ter que se soltar de um cinturão estorvador com pesos. Entretanto, essa é uma prática muito importante, como eles verão mais tarde. Os mergulhadores experientes reco nhecem o valor desses procedimentos quando precisam contar com eles diante de eventual pânico ao confrontar uma situação de emergência no fundo do mar que coloquesuas vidas em risco. Em algumas situações, os processos automatizados podem salvar vidas, ao passo que em outras, podem colocá-las em risco (Langer, 1997). Consideremos um exemplo daquilo que Langer (1989) chama de "descuido". Em 1982, piloto e copiloto repassavam uma lista de itens antes da decolagem. Observaram "sem cuidado" que o anticongelante estava des ligado, como era para acontecer em circunstâncias normais, porém não nas gélidas condi ções em que se preparavam para voar. O voo acabou em um acidente com a morte de 74 passageiros. Muitas vezes, a implementação descuidada de processos automáticos resulta em conseqüências bem menos trágicas. Por exemplo, ao dirigir, é possível que a pessoa acabe indo direto paracasa ao invés de pararem uma loja, como havia planejado. Ou, após ser vir-se de um copo de leite, o indivíduo acabe guardando a caixa de leite no armário da co zinha e não no refrigerador. Uma análise abrangente dos erros humanos aponta que podem ser classificados como equívocos ou como lapsos (Reason, 1990). Os equívocos são erros na escolha de um obje tivo ou na especificação de um meio para atingi-lo; já os lapsos são erros na realização de um meio para se atingir um objetivo. Suponha, por exemplo, que você tenha resolvido que não precisa estudar para um exame. Assim, propositadamente, deixa o livro em casa ao sair para um fim de semana prolongado, mas, no momento do exame, descobre que deveria ter estudado. Segundo Reason, você cometeu um equívoco. Contudo, suponha que tivesse a intenção de levaro livro, pois planejou estudar muito durante o fim de semana prolongado, mas, com pressa, sem querer, esqueceu o livro em casa. Isso seria um lapso. Resumindo, os equívocos compreendem erros em processos controlados intencionais e os lapsos, ge ralmente, compreendem erros em processos automáticos (Reason, 1990). Existem vários tipos de lapsos (Norman, 1988; Reason, 1990; ver Quadro 4-2). Em ge ral, os lapsos têm maior probabilidade de ocorrer em duas circunstâncias. Na primeira cir cunstância, desvia-se de uma rotina e osprocessos automáticos, inadequadamente, dominam os processos intencionais e controlados. Na segunda, os processos automáticos são inter rompidos. Essas interrupções, em geral, resultam de eventos externos ou informações de fora, mas, algumas vezes, podem ser resultado de eventos internos, como os pensamentos que causam muita distração. Imagineque você está digitando um documento logo após ter discutido comumamigo. Você iráfazer pausas emsuadigitação à medida que ospensamen tos sobre como deveria ter reagido à discussão irão interromper a sua digitação, normal mente automática. Os processos automáticos são muito úteis em várias ocasiões. Eles liberam aspessoas de prestar excessiva atençãoem tarefas rotineiras, como amarrar ossapa tos ou ligar para um número conhecido. Assim, é provável que se abra mão dos processos automáticos apenas pata evitar lapsos ocasionais. Ao contrário, deve-se tentar minimizar os custos desses lapsos. Como minimizar o potencial paraas conseqüências negativas dos lapsos? Em situações cotidianas, é menos provável que se cometam lapsos quando se recebem respostas adequa das do ambiente. Por exemplo, a caixa de leite pode ser maior que a prateleira do armário da cozinha ou seu passageiro poderá lhe dizer: "Achei que iríamos passar na loja antes de ir para casa". Capítulo 4 • Atenção e Consciência 119 QUADRO 4.2 Lapsos Associados a Processos Automáticos Ocasionalmente, quando nos distraímos ou somos interrompidos durante a implementa ção de um processo automático, ocorrem lapsos. Todavia, em comparação com o número de vezes em que o indivíduo se envolve em processos automáticos a cada dia, os lapsos são eventos relativamente raros (Reason, 1990). Tipo de Erro Descrição de Erro Exemplo de Erro Erros de captura A intenção é desviar-se de uma atividade rotineira que se está implementando em um contexto conhecido, mas, no ponto de onde deveria distanciat-se da rotina, se para de prestar atenção e obtet controle novamente do processo. Então, o processo automático captura o comportamento, e o indivíduo não consegue se desviar da rotina. 0 psicólogo William James (1890-1970, citado em Langer, 1989) deu um exemplo no qual ele seguiu automaticamente sua rotina usual, tirando as roupas de trabalho, vestindo o pijama e indo para a cama - para só então se dat conta de que pretendia tirar a roupa de trabalho e vestir-se para ir a um jantat. Omissões* A interrupção de uma atividade de rotina pode causar um lapso de um passo ou dois na implementação da parte remanescente da rotina. Quando se vai a outro cômodo da casa para pegar algo, se uma distração (por exemplo, o telefone) o interromper, o indivíduo poderá voltar ao cômodo onde estava sem pegar o objeto. Perseverações* Após um procedimento automático ter sido concluído, um ou mais de seus passos podem ser repetidos. Se, ao ligar o carro, o indivíduo se distrair, poderá girar a chave outra vez. Erros de descrição Uma descrição interna de um comportamento pretendido leva a realizar a ação correta sobre o objeto errado. Ao guardar as compras, o indivíduo pode colocar o sorvete no armário e um pacote de farinha no congelador. Erros causados por dados Informações sensoriais que se recebe podem acabar por dominar as variáveis pretendidas em uma seqüência de ação automática. Na intenção de digitar um número conhecido, ao ouvir alguém dizer outra série de números, o indivíduo pode acabar digitando alguns desses números em lugar daqueles que pretendia. Erros de ativação associativa Associações fortes podem desencadear a rotina automática errada. Quando se espera que alguém chegue à potta, se o telefone tocar, o indivíduo pode atender dizendo: "Entre!". Erros de perda de ativação A ativação de uma rotina pode ser insuficiente pata levá-la até o final. Freqüentemente, todas as pessoas passam pela sensação de ir a outro cômodo da casa para fazer algo e, ao chegar lá, se perguntam: "O que é que vim fazer aquií". Talvez,pior ainda, seja a sensação desagradável: "Sei que eu deveria estat fazendo alguma coisa, mas não lembro o que é". Até que algo no ambiente motive a lembrança, as pessoas podem se sentir extremamente frustradas. * As omissões e perseverações podem ser consideradasexemplosde erros na seqüência de processos automáticos. Entre os erros desse tipo estão a sequência incorreta de passos, como tentar tirar as meiasantes dos sapatos. 120 PsicologiaCognitiva Se fosse possível encontrar maneiras de se conseguir um retorno útil, talvezse pudessem reduzir as probabilidades de conseqüências desastrosas dos lapsos. Um tipo de retorno bas tante útil envolve uma função forçada. Essas são limitações típicas que dificultam ou impos sibilitam a tealização de um comportamento automático que possa levar a um lapso (Norman, 1988). Como exemplo de função forçada, alguns carros modernos dificultam ou impedem que se dirija sem o cinto de segurança. Pode-se elaborar as próprias funções for çadas, como colocar um aviso na direção como lembrete de que precisa fazer algo antes de ir para casa ou colocar objetos na frente da casa, de forma a bloquear a saída para forçar a lembrança de que se deseja levar algo consigo. Durante a vida, automatizam-se inúmeras tarefas cotidianas, mas um dos pares mais úteis de processos automáticos aparece, pela primeira vez, horas após o nascimento: a habi tuação e seu oposto complementar, a desabituação. Habituação e Adaptação A habituação está relacionada ao ato de se acostumar com um estímulo de tal modo que, aos poucos, se passe a prestar cada vez menos atenção a ele. A conttapartida da habituação é a desabituação, na qual uma mudança em um estímulo conhecido leva o indivíduo a começar a notá-lo outra vez. Os dois processos ocorrem automaticamente, sem nenhum esforço consciente. A estabilidade e a familiaridade relativas do estímulo comandam esses processos. Quaisquer aspectos que pareçam diferentes ou novos (desconhecidos) conduzem à desabituação e fazem com que a habituação seja menos provável. Por exemplo, suponha APLICAÇÕES PRÁTICAS DA PSICOLOGIA COGNITIVA A habituação também tem falhas. Entediar-se durante uma palestra ou durante a leitura de um livro didático é sinal de habituação. Sua atenção pode começar a se desviar para os ruídos de fundo ou você pode descobrir que leu um ou dois parágrafos sem qualquer lembrança do conteúdo. Fe lizmente, você pode se desabituar com muito pouco esforço. Aqui estão alguns passos que sugerem como superar os efeitos negativos do tédio. 1. Faça pausas ou alterne tarefas diferentes, se possível. Se você não consegue se lembrar dos últimos parágrafos do texto, é hora de parar por alguns minutos. Volte e marque a última página de que se lembra e largue o livro. Se uma pausa lhe parece desperdício de tempo va lioso, faça outro trabalho por certo tempo. 2. Faça anotações enquanto lê ou escuta. A maioria das pessoas faz isso. As anotações concentram a atenção no conteúdo mais do que apenas escutar ou ler. Se necessário, tente alternar entre o texto impresso e suas anotações, a fim de tornar a tarefa mais interessante. 3. Ajuste seu foco de atenção para aumentar a variedade dos estímulos. A voz do instrutor está se arrastando interminavelmente, de modo que você não consegue fazer uma pausa durante a exposição? Tente observar outros aspectos dessa pessoa, como gestos das mãos ou mo vimentos corporais e, ao mesmo tempo, preste atenção ao conteúdo. Crie um intervalo no fluxo, fazendo uma pergunta - levantar a mão já pode fazer uma mudança no padrão de fala do palestrante. Mude seu nível de excitação. Se nada mais adiantar, você precisará se forçar para se interessar pelo conteúdo. Pense sobre como ele poderá ser usado em sua vida diária. Além disso, às vezes, apenas respirar fundo de vezem quando ou fechar os olhos por alguns segundospode mudar seus níveis internos de excitação. Capítulo 4 • Atenção e Consciência 121 QUADRO 4.3 Diferenças entre Ada Dtação Sensorial e Habituação As reações relacionadas à adaptação fisiológica ocorrem principalmente nos órgãos sen- soriais, ao passo que aquelas relacionadas à habituação cognitiva ocorrem principal mente no cérebro (e se relacionam à aprendizagem). Adaptação Habituação Não acessível ao controle consciente (Exemplo: você não consegue determinar o quão rapidamente irá se adaptar a determinado cheiro ou a uma mu dança específicana intensidade da luz). Acessível ao controle consciente (Exemplo: você pode decidir ficat ciente de conversas de fundo às quais havia se habituado). Muito vinculado à intensidade dos estímulos (Exem plo: quanto mais aumenta a intensidade de uma luz, mais fortemente seus sentidos irão se adaptar a ela). Não muito vinculado à intensidade do estímulo (Exemplo: seu nível de habituação não vai ser muito diferente em sua reação ao som de um ventiladot barulhento e de um condicionador de ar silencioso). Não relacionado à quantidade, à duração e ao período de exposições anteriores (Exemplo: os receptotes sen- soriaisde sua pele responderão às mudanças de tem peratura basicamente da mesmaforma, não impor tando quantas vezes você tenha sido exposto a essas mudançase o quão tecentemente as experimentou). Muito vinculado à quantidade, à duração e ao cará- tet recente de exposições anteriores (Exemplo: você se habituará com rapidez ao som de um carrilhão se tiver sido exposto ao som com mais freqüência, por períodos mais longose em ocasiões mais recentes). que umrádio estejatocando música instrumental enquanto você lêo seu livro de Psicologia Cognitiva. A princípio, o som poderá distraí-lo, mas, após algum tempo, você se habitua a ele e malo percebe. Porém, se o volume da música mudasse muito de uma hora para outra, você iria, imediatamente, desabituar-se a ele. O som que antes era familiar e ao qual você estava habituado deixaria de ser familiar, entrando, dessa maneira, em sua consciência. A habituação não é limitada aosseres humanos, sendo encontrada em organismos tão simples como o molusco Aplysia (Castellucci, Kandel, 1976). Em geral, não realizamos qualquer esforço para nos habituar às sensações dos estímulos do ambiente. Não obstante, embora geralmente não se tenha controle consciente sobre a própriahabituação, é possível fazê-lo. Assim, a habituação é um fenômeno da atenção que difere do fenômeno fisiológico da adaptação sensorial. A adaptação sensorial é uma dimi nuição da atençãoa um estímulo que não seja objetode controleconsciente. Ela ocorre di retamente nosórgãos sensoriais e não no cérebro. Pode-se exerceralgum controle consciente sobre a observação de algo com o qual se tenha habituado, mas não tem qualquercontrole consciente sobre a adaptação sensorial. Por exemplo, não podemos nos forçar consciente mente a sentir um aroma ao qual os nossos sentidos se adaptaram, nem podemosconscien temente forçar as pupilas a se adaptarem - ou não se adaptarem - aos diferentes níveis de claridade ou escuridão. Por outro lado, se alguém nos perguntar: "Quem é o guitarrista da quelamúsica?", podemos novamente observar a música de fundo. O Quadro 4-3 oferece ou tras distinções entre adaptação sensorial e habituação. Dois fatores que influenciam a habituação são a variação dos estímulos internos e a ex citação subjetiva. Alguns estímulos estão mais ligados à variação interna que outros. Por exemplo, a música de fundo contém mais variação interna do que o ruído estável de um aparelho de ar-condicionado. A complexidade relativa do estímulo (um tapete oriental complexo versus um tapete cinza) não parece importante para a habituação. Ao invés disso, o que impotta é o volume de mudança que ocotre no estímulo com o passar do tempo. Por exemplo, um mobile envolve mais mudanças do que uma escultura rígida e mais complexa. 122 PsicologiaCognitiva Dessa maneira, é relativamente difícil estar sempre habituado aos ruídos de uma televisão que mudam o tempo todo, mas é relativamente fácil ficar habituado ao ruído constante de um ventilador. A razão é que as vozes, muitas vezes, falam animadamente e com inflexão acentuada, ou seja, mudam constantemente, enquanto o som do ventilador permanece constante, com pouca variação. Os psicólogos conseguem observar a habituação ocorrendo no nível fisiológico ao me dir o nível de excitação das pessoas. A excitação é o nível de agitação fisiológica, da reação e da prontidão pata a ação em relação a uma condição básica. Mede-se a excitação, geral mente, pelos batimentos cardíacos, pela pressão sangüínea, pelos padrões de eletroencefa- lograma (EEG) e também por outros sinais fisiológicos. Vamos considerar o que acontece, por exemplo, quando um estímulo visual fixo permanece no campo de visão do indivíduo por muito tempo. A atividade neural (conforme demonstrado pelo EEG), em resposta a esse estímulo, diminui (ver o Capítulo 2). Tanto a atividade neural como outras reações fisioló gicas (por exemplo, batimentos cardíacos) podem ser mensuradas. Essas mensuraçõesdetec tam alta excitação em resposta à novidade percebida ou diminuída em resposta à familiaridade. Na verdade, os psicólogos de diversos campos de atividade fazem uso das in dicações fisiológicas da habituação para estudar uma ampla gama de fenômenos psicológi cos em pessoas que não conseguem relatar verbalmente suas reações. Dentre essas pessoas incluem-se os bebês e pacientes em coma. Os indicadores fisiológicos da habituação infor mam ao pesquisador se a pessoa observa mudanças nos estímulos. Essas mudanças podem ocorrer em termos de cor, padrão, tamanho ou formato do estímulo. Esses indicadores sina lizam se a pessoa percebe as mudanças sob qualquer condição bem como quais mudanças específicas a pessoa observa no estímulo. Entre outros fenômenos, os pesquisadores usaram a habituação para estudar a discrimi nação visual (detecção de diferenças entre os estímulos) nos bebês. Primeiramente, eles ha bituam o bebê a um determinado padrão visual, apresentando-o até que o bebê não preste mais atenção nele. Em seguida, apresentam um padrão visual ligeiramente diferente da quele ao qual o bebê está habituado. Se ele conseguir discriminar a diferença, não se habi tuará, ou seja, irá notar o novo padrão. Se, todavia, o bebê não conseguir perceber a diferença, parecerá habituado também ao novo padrão. A habituação, definitivamente, oferece ao sistema de atenção das pessoas muito mais do que recebe, ou seja, a própria habituação não demanda qualquer esforço consciente e re quer poucos recursos de atenção. Apesar de usar pouquíssimos recursos, a habituação ofe rece enorme apoio aos processos da atenção, permitindo que as pessoas facilmente desviem a atenção dos estímulos conhecidos e relativamente estáveis, direcionando-os a estímulos novos e instáveis. Pode-se conjecturar a respeito do valor evolutivo da habituação; sem ela, o sistema de atenção sofreria uma demanda muito maior. Com que facilidade o ser humano funcionaria em ambientes altamente estimulantes se não pudesse se habituar a estímulos conhecidos? Imagine-se tentando ouvir uma aula se não pudesse se habituar aos sons da sua respiração, ao ruído dos papéis e livros e ao zumbido abafado das lâmpadas fluorescentes. Percebe-se um exemplo de falha de habituação em pessoasque sofrem de tinnitus (zum bido no ouvido). Pessoascom tinnitus apresentam problemas de habituação a estímulos au ditivos. Muitas pessoascom zumbido no ouvido, quando colocadas em um espaço silencioso, irão relatar o zumbido ou outros sons. Entretanto, pessoas que sofrem de tinnitus crônico têm grande dificuldade de se adaptarem ao ruído (Walpurger et ai, 2003). Há também evi dências que indicam que pessoas com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), que será discutido mais adiante neste capítulo, têm dificuldade em se habituar a vários tipos de estímulos. Essadificuldade ajuda a explicai porque estímulos comuns, como o zumbido das lâmpadas fluorescentes, podem distrair uma pessoa com TDAH (Jansiewicz et ai, 2004). Capítulo 4 • Atenção e Consciência 123 Atenção Detecção de Sinais A habituação sustenta o sistema humano de atenção, que realiza muitas funções além de apenas sair da sintonia dos estímulos conhecidos e entrar em sintonia com estímulos novos. A atenção consciente possui quatro funções básicas. Em primeiro lugar, pela detecção de sinais, detecta-se o surgimento de determinados estímulos. O indivíduo tenta detectar um sinal por meio da vigilância, até mesmo quando se começa a sentir cansaço em conseqüência de uma longa ausência de sinal. Em segundo lugar, pela atenção seletiva, escolhe-se prestar atenção em alguns estímulos e ignorar outros (Cohen, 2003; Duncan, 1999). Em tetceiro lugar, pela atenção dividida, aloca-se prudentemente os recursos de atenção disponíveis para coordenar o desempenho em mais de uma tarefa por vez. Em quarto lugat, pela busca, ten ta-se encontrar um sinal dentre as inúmeras distrações. Essasquatro funções estão resumidas no Quadro