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→ Estudo Dirigido de História do Direito: NASPOLINI, Samyra Haydêe. Capítulo 10: Aspectos Históricos e Políticos Legais da Inquisição. IN: WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos de História do Direito. 5 ed. Belo horizonte: Del Rey, 2012. p.253 – 268. Aspectos Históricos e Políticos Legais da Inquisição Introdução: Fenômeno da Inquisição é um dos fatos históricos mais controvertidos entre os estudiosos. Inquisição Medieval: é sinônimo de grande caça às bruxas e hereges que ocorreu principalmente entre os séculos XV e XVII. Este trabalho enfoca nas mudanças no direito penal associadas aos aspectos políticos e ao contexto social nos quais a inquisição encontrou potenciais aliados para atingir o seu apogeu. Serão estudados aspectos históricos da Inquisição, contexto social, aspectos políticos, união do poder espiritual ao poder temporal na caça aos hereges. Além disso, aborda-se a questão jurídica – sistema de direito penal alterado, para que heresia e bruxaria fossem eficazmente combatidos; novas regras para o processo, que lhe conferiram feição inquiritória, aliadas à reintrodução da tortura como meio de extrair a confissão, redundavam num processo do qual dificilmente o acusado escapava sem condenação. Inquisição foi um fenômeno ocorrido em toda a Europa ocidental e em suas colônias. Aspectos Históricos e Políticos: Igreja desempenha um papel importante na vida política e social do Império Romano, com o Edito de Tolerância de Milão. Período da Baixa Idade Média (séculos XII e XIII) o poder eclesiástico atingiu o seu apogeu; os reis recebiam o seu poder da Igreja, que os sagrava e podia excomunga-los. Inquisição: criada para combater toda e qualquer forma de contestação aos dogmas da Igreja Católica. Sua denominação origina-se do processo per inquisitionem utilizado pelas cruzadas religiosas no combate às heresias. Heresia: qualquer atividade ou manifestação contrária ao definido pela Igreja em matéria de fé. Hereges: mouros, judeus, cátaros, albagineses e supostos praticantes de bruxaria. Inquisição: consistia na identificação, julgamento e condenação de indivíduos suspeitos de heresias, era desempenhada por membros do clero, se encontrava dividida entre Tribunais Eclesiásticos e Tribunais Seculares. Procedimento: aprisionavam, interrogavam, fazendo o possível para conseguir a confissão, e levava à condenação. A condenação consistia: condenação pelo fogo, banimento, trabalho nas galeras dos navios, prisão e, invariavelmente, no confisco dos bens. Inquisição medieval penetrou na Europa Ocidental, alguns países da Europa Oriental e nas colônias. No início da Idade Moderna ocorreu uma explosão demográfica violenta, aumentou a pobreza e a oferta limitada de recursos. Introdução do capitalismo mercantil e agrário, grande aumento no preço de todas as mercadorias. Fome acrescida de más colheitas, pragas, pestes e surtos de doenças epidémicas, além de guerras. Clima de tensão e miséria vivenciado pela sociedade tenha gerado entre os detentores do poder o medo de rebeliões e desordens, e que, portanto, tenha levado ao acirramento da Inquisição. Durante a Idade Média, a Espanha mostrou-se como um dos países mais tolerantes da Europa em relação aos hereges. Por ocasião do casamento da princesa Isabel de Castela com o príncipe Fernando de Aragão herdaram, respectivamente, o reino de Castela e o reino de Aragão, são chamados reis católicos, e os reinos herdados encontravam-se em um caos político e financeiro devido a disputas travadas entre os membros da nobreza. A nobreza, movida pelos ideias da reconquista, expulsou os mouros da Granada, através do controle que obtinha de todo o aparato militar do reino. No mesmo ano, um edito decretou a expulsão dos judeus da Espanha, caso não se convertessem ao catolicismo. Alguns milhares de judeus preferiram deixar a Espanha, outros milhares, que aceitaram o batismo e permaneceram no país, foram chamado de conversos, eles continuaram a manter o domínio sobre o comércio e o capital. Essa classe representava uma ameaça para a nobreza. Inquisição ganhou força na Espanha; instituída sob o pretexto de verificar a sinceridade da conversão dos judeus, foi utilizada pela nobreza e pelo clero para atingir o ideal que a expulsão não realizou. A Inquisição nada mais era que uma arma de classes, usadas para impor a ideologia de uma única classe: a aristocracia dos leigos e dos eclesiásticos. Aspectos Legais: Direito canônico: elaborado inicialmente para aplicar-se aos membros e as autoridades do clero católico, sua influência sobre as legislações da Europa Ocidental deveu-se ao alargamento do poder jurisdicional dos Tribunais Eclesiásticos que, durante a Idade Média, estendeu-se aos leigos. Competência dos Tribunais Eclesiásticos: processar e julgar pessoas que praticassem infração contra a religião (heresia, apostasia, simonia, sacrilégio, bruxaria), bem como o adultério e a usura. No apogeu da Inquisição os Tribunais Seculares ganharam jurisdição sobre tais crimes, suplementando os Tribunais Eclesiásticos. Fatores que levaram à significativa influência do direito canônico sobre o direito laico: direito escrito e formalizado; objeto de vários estudos doutrinais e ter sido sistematizado antes que o laico; poder da Igreja acabou refletindo-se sobremaneira nos princípios e na logica de ordenação do direito laico; extensão da competência dos Tribunais Eclesiásticos tornou a caça aos hereges essencialmente uma operação judicial. Todo esse aparato legal não pode ser considerado como a causa da Inquisição, mas, segundo Levack, foi uma condição necessária aliada a fundamentos culturais e teológicos. Cada processo, cada sentença lida em público, fornecia novos dados para a elucidação sobre os crimes de heresia, alimentando o imaginário popular, bem como o dos juristas, teólogos, filósofos e demais intelectuais da época. O processo penal acusatório: O período mais importante na formação dos direitos europeus, quando passou-se de um sistema irracional para um sistema racional de direito, principalmente no que dizia respeito à prova, foi mudança do processo acusatório para o processo de inquirição. A ação penal só era desencadeada apor uma pessoa privada, que seria a parte prejudicada ou seu representante. A acusação era pública e feita sob juramento. Se as provas apresentassem fossem inequívocas ou se admitisse o juiz decidiria. Em caso de dúvida, a determinação da culpa ou inocência era feita de modo irracional: intervenção divina. Não cabia ao homem, o assunto era colocado nas mãos de Deus. Ordálio: teste ao qual o acusado submetia-se como meio para verificação de sua inocência. Exemplos: acusado mergulhava o braço em água fervente ou então carregava ferro em brasa, sendo que, após um certo número de dias, caso fosse inocente, deveria mostrar a ferida milagrosamente curada por obra de Deus; ou então era mergulhado num rio e seria considerado inocente caso afundasse (pois, neste caso, Deus tê-lo-ia acolhido). Além do ordálio, tinha os duelos judiciais, no qual a vitória daquele era sinal de sua inocência. Outra forma de provar a inocência era obter um número considerável de testemunhas que jurassem a honestidade do acusado. Atuação do juiz: árbitro imparcial, orientava o processo, mas nunca julgava o acusado. Papel do promotor: desempenhado pelo próprio acusador, que seria julgado caso o réu provasse a sua inocência. Deficiências do sistema: tornava os crimes ocultos difíceis de serem julgados; consistia num risco para a pessoa do acusador, que responderia um processo em caso de inocência do acusado; o apelo a meios sobrenaturais de prova poderia ensejar a manipulação do processo em benefício do acusado; uma maior resistência à dor e facilidade para a cura de ferimentos, bem como técnicas respiratórias poderiam facilitar a passagem pelo ordário; homens de renomada reputação ou muitas posses poderiam reunir muitas testemunhas e ser inocentados através da compurgação. O processo por inquérito: Processo por inquérito substituiu o processo acusatório, alterou profundamente todo o sistema penal, atribuindo ao juízo humano um papel essencial, condicionado pelas regras racionais do direito. Antigo sistema: ineficácia ao combate à crescente criminalidade. Este ponto aliado á restauração do estudo do direito romano, estimulou a mudança do sistema penal. Outros fatores políticos e filosóficos, como por exemplo, a influência dos humanistas historicistas tiveram importância nessa mudança. Igreja influenciou e incentivou novos procedimentos. Igreja proibiu, no IV Concílio de Latrão, a participação dos clérigos nos ordálios. Desse modo, os ordálios não poderiam mais serem realizados. A atitude da Igreja não foi movida por motivos humanitários: o novo sistema mostrava-se muito mais eficiente no combate aos crimes de heresia. Ação penal ainda poderia ser feita pela acusação privada, mas o acusador não tinha nenhuma responsabilidade em caso de inocência do réu. Denúncia também poderia ser feita por habitantes de uma comunidade inteira. Juiz não era mais árbitro imparcial, ele assumia a investigação dos crimes e determinava a culpabilidade ou não do réu, normalmente através do interrogatório de testemunhas e do próprio réu, tudo registrado por escrito. Processo criminal permanecia secreto. Segundo Foucault, a forma secreta e escrita do processo conferia o poder de estabelecer a verdade, única e exclusivamente aos juízes e profissionais do direito, o que em última instância correspondia ao direito de punir do soberano. Estabelecimento da verdade obedecia a certas normas. Provas dividiam-se em: diretas, indiretas, manifestas, imperfeitas ou, ainda, as provas plenas (testemunho ocular de duas pessoas), indícios próximos (chamados de provas semiplenas) e os indícios longínquas (opinião pública, má fama do suspeito). Provas plenas poderiam acarretar qualquer condenação, as semiplenas ensejar suplícios, mas nunca a pena capital, e os indícios bastavam para declarar um suspeito e iniciar investigações. Provas poderiam ser combinadas entre si. Mas por mais combinações que pudessem sofrer, não se transformariam em prova plena. Os crimes de bruxaria e heresia eram crimes ocultos. Faziam-se mister a confissão: a confissão ganha de qualquer prova. Até certo ponto ela as transcende; elemento no cálculo da verdade, ela é também o ato pelo qual o acusado aceita a acusação e reconhece que esta é bem fundamentada; transforma uma afirmação feita sem ele em uma afirmação voluntária. A tortura: Meio utilizado para obter a confissão: tortura. Utilização “da tortura na heresia, bruxaria e outras causas foi, portanto, o resultado direito da adoção do processo por inquérito”. Tortura como um meio de obter a confissão não como uma inovação, mas como uma restauração, dado o fato de ter sido amplamente aplicado na Antiguidade e inicio da Idade Média. Igreja autorizou adoção a tortura pelos inquisidores nos julgamentos de bruxaria e heresia. Argumento para uso da tortura: uma pessoa submetida ao sofrimento físico durante o interrogatório, confessaria a verdade. Tortura: grau excessivo e perguntas capciosos, definido por Mandrou como “processo infalível”, índice de condenação chegava a 95%. Consequências do uso indiscriminado da tortura: contribuição para a formulação do conceito cumulativo de bruxaria; a exigência que se fazia ao tortura, para que fornecesse o nome de seus supostos cúmplices. Provas de bruxaria: área insensível e regiões de coloração ou textura diferenciada do resto corpo. Mas não subsituiam a confissão. “Vingança pública”: o crime passa a ser uma ofensa não de um individuo a outro, mas ao Estado. A condenação: Após a confissão, vinha a condenação e a execução da pena. Mas, antes disso, o condenado era obrigado a confessar sua culpa em uma igreja, pedindo perdão a Deus e aos Santos por ter-se entregue ao Diabo. Auto-fé. Em seguida, era conduzido ao cadafalso, normalmente situado em praça público, onde seria queimado pelo carrasco. Normalmente, a sentença pronunciada era imediatamente executada. Havia alguns casos de apelação, o que era raro. Bens da pessoa executada eram todos confiscados a pretexto de prover as custas do processo. Não existia o Princípio da Pessoalidade da Pena e devido à crença de que a propensão a prática de certos crimes era hereditária, dificilmente os familiares de um condenado escapam dos processos. 4.Conclusão: Elucidas como o direito sofreu influência direta dos interesses da Igreja, servindo-lhes por um longo período de tempo. A Inquisição, que é hoje um dos capítulos encerrados da história da humanidade, apresenta profundas semelhanças com os regimes totalitários e racistas espalhados pelo mundo ainda em pleno século XX. O emprego da tortura e a manipulação do direito, que são lugar-comum nestes regimes.