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I Encontro de Pesquisa UFMG 2003 Lógica X Retórica X Dialética: diferentes abordagens da argumentação Marco Antônio Sousa Alves UFMG raulzito666@hotmail.com Antes de entrar mais diretamente no objeto desta comunicação, qual seja, as diferentes abordagens da argumentação, gostaria de fornecer um panorama geral da teoria da argumentação e onde se situa o ponto que será tratado. Tal introdução se justifica, sobretudo, em razão do desconhecimento que em geral os filósofos brasileiros têm do estudo da argumentação. Caberia, então, dar uma definição prévia do que se entende por argumentação. Tal tarefa é, entretanto, ingrata, pois as definições oferecidas são alvos de intensas críticas e questiona-se, até mesmo, a possibilidade de se oferecer uma definição prévia. Apesar disso, só para dar uma idéia desse território, ofereço quatro definições gerais, a primeira de Perelman, a segunda de Toulmin, a terceira de Eemeren e a quarta de Habermas: “Argumentar é fornecer argumentos, ou seja, razões a favor ou contra uma determinada tese.”1 “O termo argumentação será usado para se referir à atividade total de propor teses, pô-las em questão, respaldá-las produzindo razões, criticando essas razões, refutando essas críticas, e assim em diante”.2 “Argumentação é uma atividade social, intelectual e verbal servindo para justificar ou refutar uma opinião, consistindo em uma constelação de proposições e dirigida no sentido de obter a aprovação de um auditório”.3 1 PERELMAN, Chaïm. Argumentação. In: Enciclopédia Einaudi - Vol.11. Imprensa nacional-casa da moeda, Lisboa, 1987. p.234. 2 TOULMIN, Stephen; RIEKE, Richard; JANIK, Allan. An introduction to reasoning. 2a ed. New York : Macmillan ; London : Collier Macmillan Publishers, 1984. p.14. No original: "The term argumentation will be used to refer to the whole activity of making claims, challenging them, backing them up by producing reasons, criticizing those reasons, rebutting those criticisms, and so on". 3 EEMEREN; GROOTENDORST; KRUIGER. Handbook of Argumentation Theory: a critical survey of classical backgrounds and modern studies. Dordrecht-Holland / Providence-USA: Foris Publications, 1987. p.7. No original: “Argumentation is a social, intellectual, verbal activity serving to justify or refute an opinion, consisting of a constellation of statements and directed towards obtaining the approbation of an audience.” Marco Antonio Text Box Citar:nullALVES, Marco Antônio Sousa. Lógica x Retórica x Dialética: diferentes abordagens da argumentação. In: I ENCONTRO DE PESQUISA UFMG, Belo Horizonte, 2003. Comunicações apresentadas no I e II Encontro de Pesquisa em Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: Programa de Educação Tutorial (PET) Filosofia da UFMG, 2005. Disponível em http://ufmg.academia.edu/MarcoAntonioSousaAlves/Papers/894367/Logica_x_Retorica_x_Dialetica_diferentes_abordagens_da_argumentacao. Acesso em: [data de acesso] nullnullContato: marcofilosofia@ufmg.br I Encontro de Pesquisa UFMG 2003 2 “Chamo argumentação ao tipo de fala em que os participantes tematizam as pretensões de validez que se tornam duvidosas e tratam de aceitá-las ou recusá-las por meio de argumentos. Uma argumentação contém razões que estão conectadas de forma sistemática com as pretensões de validez da manifestação ou emissão problematizadas. A força de uma argumentação se mede num contexto dado pela pertinência das razões”4. Não pretendo me alongar em comentários acerca dessas definições. O que se deve reter aqui é apenas a amplitude do conceito que parece abrigar em seu interior toda situação em que razões são oferecidas ou refutadas. Quanto à importância do estudo da argumentação para a filosofia, temos que a prática filosófica se caracteriza exatamente pela necessidade de fundamentação, de dar razões para comprovar ou refutar determinadas teses. Saber algo implica necessariamente o ‘saber porque’ e reenvia nesse sentido às justificações potenciais. Diferentes teorias da argumentação estabelecem diferentes critérios de justificação e diferentes normas de racionalidade. A racionalidade passa a ser um conceito que vem de par com a teoria da argumentação, e depende da fiabilidade do saber que encarna, ou seja, na sua susceptibilidade de crítica ou de fundamentação. Dessa forma, é dito irracional aquele que defende suas opiniões de modo dogmático ou que é incapaz de as justificar. Assim, a teoria da argumentação, ao estudar a filosofia como prática argumentativa, constitui uma empresa claramente meta-filosófica, que tem por objeto o filosofar ele mesmo. O estudo da argumentação, apesar de remontar à Antiguidade (sobretudo Aristóteles), está ainda dando seus primeiros passos. Tendo em vista sua precocidade e também sua abrangência e complexidade, tal estudo é ainda cercado de grande imprecisão e confusão. O presente estudo busca analisar uma tentativa, conhecida como perspectivista, de sanar essa imprecisão e jogar alguma luz nesse campo. Proponho dividir a exposição em três partes. Na primeira (I), esclareço melhor o que é o perspectivismo. Na segunda (II), procurarei explicar em que consiste exatamente a abordagem retórica, lógica e dialética da argumentação, partindo dos estudos realizados por Joseph Wenzel. Na terceira e última parte (III), analiso as vantagens que tal distinção nos traz para a compreensão dos diversos estudos contemporâneos acerca da argumentação. I Os perspectivistas são teóricos que procuram ressaltar as diferentes formas de ver e estudar a argumentação. Tal estudo não se interessa pelo fenômeno per se, mas pelos modos de olhar para ele. O que está em jogo são as diferentes formas de se compreender o argumentar 4 HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa I. Madrid: Taurus, 1987. p.37. I Encontro de Pesquisa UFMG 2003 3 humano, ou seja, as diferentes perspectivas de se estudar a argumentação. Wayne Brockriede define assim o perspectivismo: “O perspectivismo reconhece que tudo está relacionado com tudo. O ponto de vista perspectivista é uma forma de focalizar cada imagem por vez sem violar a integridade da visão sob análise”.5 Os perspectivistas afirmam a impossibilidade de estudar o puro argumento, sem qualquer contaminação, sem partir de qualquer perspectiva. Um argumento é extremamente complexo, o que impede uma análise que foque todos os aspectos simultaneamente. Brockriede usa a metáfora figura/fundo (figure/ground) para explicar como é possível ressaltar um aspecto de cada vez sem perder o conjunto6. O perspectivismo é, assim, uma estratégia de ênfase (a strategy of emphasis). A atividade do teórico da argumentação pode ser comparada à do fotógrafo, que registra vários ângulos diferentes na tentativa de obter um quadro mais completo de determinado evento. Dessa forma, a câmera foca ora o argumento, ora as relações entre os participantes, ora como se usa a linguagem, ora quais são as regras e procedimentos, etc. O perspectivismo abriu um espaço enorme para se analisar os diferentes pontos de vista adotados no estudo da argumentação. Começou-se a se questionar sobre como a argumentação poderia ser estudada e também sobre como historicamente ela o teria sido. O próximo passo da apresentação consiste, então, em apresentar os estudos desenvolvidos por Joseph Wenzel, nos quais ele distingue três perspectivas cruciais, consagradas na tradição ocidental, que nos auxiliam a compreender a riqueza do campo da argumentação. II A originalidade de Wenzel não estaria em criar uma nova abordagem para o estudo da argumentação, mas antes em reconhecer as perspectivas existentes, analisá-las mais detidamente e fornecer, pela primeira vez, um quadro mais amplo de tais estudos, relacionando-os entre si7. Para Wenzel, o estudo da argumentação estava caracterizado, até então (década de 60- 70), pela diversidade de abordagens e a aparente incomensurabilidade entre os resultados. A 5 BROCKRIEDE, Wayne. Constructs, experience and argument (1985). Quarterly Journal of Speech, 71, 151-63. apud TRAPP, Robert; SCHUETZ, Janice. (eds.) Perspectives on Argumentation: essays in honor of Wayne Brockriede. Prospect Heights, Illinois: Waveland Press, 1990, p.1. No original: “Perspectivism recognizes that everything is related to everything else. A perspectivist view is a way of focusing on one picture at a time without violating the integrity of the view under scrutiny”. 6 Cf. BROCKRIEDE, Wayne. Arguing about understanding (1982). Communication Monographs, 49, 137- 147. 7 O próprio Wenzel, entretanto, reconhece a importância dos estudos anteriores de Walter R. Fisher & Edward M. Sayles (The Nature and Functions of Argument, 1966), Maurice Natanson (The Claims of Immediacy, 1965) e Douglas Ehninger & Wayne Brockriede (Decision by debate, 1960). I Encontro de Pesquisa UFMG 2003 4 pergunta “o que é o argumento?” é vista por ele como enganosa e, se se objetiva criar uma teoria da argumentação completa, deve ser substituída pelas seguintes questões8: a) “Quais são os vários modos ou perspectivas criados pelos teóricos da argumentação na construção do argumento?”; b) “Quais interesses ou propósitos nutrem cada perspectiva?”; c) “Qual o ganho em se estudar a argumentação de tal ou tal modo?”. Partindo dessas questões, Wenzel encontrou três perspectivas que teriam guiado de fato o estudo da argumentação na tradição ocidental. Essas três perspectivas ou pontos de partida para o estudo do argumento não devem ser confundidas com três tipos de argumento, ou três sentidos diferentes para a palavra ‘argumento’. Segundo Wenzel: “As perspectivas devem ser entendidas como diferentes pontos de vista. Como a planta de uma construção, mostrando a visão de frente e dos lados, as três perspectivas discutidas aqui revelam diferentes aspectos de qualquer instância da argumentação”.9 Essas três perspectivas podem ser previamente descritas como: a) Perspectiva retórica: centrada no processo persuasivo; b) Perspectiva dialética: foca o procedimento que regula as discussões e organiza as intervenções; c) Perspectiva lógica: explora o argumento como produto e aplica padrões de avaliação de validade. A distinção entre as três abordagens reflete-se, na linguagem ordinária, na diferença entre “apresentar argumentos” (argument as process), “engajar-se em uma argumentação” ou “conduzir uma argumentação” (argument as procedure) e “julgar ou examinar um argumento” (argument as product). O tema tratado aqui, entretanto, não será a aplicação ordinária dessa distinção, mas a importância teórica. Antes de partir para a análise mais detida de cada uma dessas abordagens, reproduzo o quadro elaborado por Wenzel no qual ele apresenta de maneira reduzida os pontos principais dessas três perspectivas10: 8 “This essay, therefore, poses a more appropriate set of questions along these lines: What are the several ways in which scholars construe argument? What different perspectives are thereby created? What interests or purposes inform each perspective? What can be gained from studying argument in each way? An analysis of the three chief perspectives that have guided the study of argument in fact (though often unconsciously) will yield a better appreciation of the uses and limits of each one and may pave the way to an eventual synthesis.” (WENZEL. Joseph W. Perspectives on Argument. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.) Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, pp.121-143, 1992. p.121). 9 WENZEL, Joseph W. Three perspectives on argument: rhetoric, dialectic, logic. In: TRAPP, Robert; SCHUETZ, Janice. (eds.) Perspectives on Argumentation: essays in honor of Wayne Brockriede. Prospect Heights, Illinois: Waveland Press, pp.9-26, 1990. p.9. No original: “The perspectives, therefore, should be understood as different points of view. Like the plans for a building, showing front, side and top views, the three perspectives discussed here reveal different aspects of any instance of argumentation”. 10 Cf. WENZEL. Joseph W. Perspectives on Argument. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.) Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, pp.121-143, 1992. p.134. I Encontro de Pesquisa UFMG 2003 5 Resumo das três perspectivas Perspectiva retórica focando o arguir (arguing) como processo Perspectiva dialética focando a argumentação (argumantation) como procedimento Perspectiva lógica focando o argumento (argument) como produto Fim prático persuasão crítica julgamento Fim teórico entender as condições da eficácia argumentativa explicar as condições de uma argumentação crítica e sincera estabelecer padrões de validade e força dos argumentos (sound argument) Situação situações retóricas naturais arenas de discursos regrados campo do argumento Regras regras sociais tácitas regras procedimentais explícitas regras inferenciais explícitas Padrão de qualidade eficácia (effectiveness) sinceridade (candidness) força conclusiva (soudness) Falante ator social ingênuo advogado consciente explicação impessoal Ouvintes auditório particular visada universalista auditório universal a) retórica A argumentação vista sob o ângulo de processo seria um fenômeno que ocorre quando atores sociais se dirigem a outros com o fim de ganhar a adesão. Tal estudo acentua o caráter contextual11, a ação humana em situação (real, concreta, particular e imediata), no sentido de persuadir alguém12. Cito Wenzel: 11 Habermas compreende a dimensão retórica de forma oposta ao particularismo ressaltado por Wenzel. O discurso argumentativo visto como processo é, para Habermas, aquele que visa satisfazer condições ideais para a comunicação. Aqui interessam as estruturas de uma situação ideal da linguagem imunizada contra a repressão e a desigualdade. Habermas pretende satisfazer essa exigência a partir da reconstrução das condições universais de simetria, mediante uma investigação sistemática das contradições performativas e sustentando a possibilidade de uma situação ideal de fala onde apenas o melhor argumento aja coercitivamente. A intuição fundamental ligada a esse plano caracteriza-se pela intenção de convencer um auditório universal. Nesse ponto, Habermas cita Perelman como aquele que introduziu essa expressão justamente como uma construção ideal na qual todos os seres racionais seriam participantes. Considero um equívoco essa leitura de Habermas, pois a visada ao auditório universal caracteriza justamente o convencimento e não a persuasão, que é o objeto próprio da retórica. Nesse sentido, concordo com a interpretação que Wenzel dá ao próprio Habermas, caracterizando-o como dialético e deixando o termo ‘retórico’ para designar aquilo que Perelman descreveu como persuasão, ou seja, a adesão de um auditório particular. 12 “A useful set of distinctions derives from Perelman's characterization of audiences as particular or universal. The rhetorical audience is understood as a particular assemblage of persons either in actuality or in I Encontro de Pesquisa UFMG 2003 6 “Para ser mais preciso, quando se fala do estudo da argumentação a partir da perspectiva retórica, quer-se dizer que se busca compreender certos elementos embutidos no processo de persuasão. Então, a perspectiva retórica constrói o argumentar como um processo persuasivo”.13 Uma boa teoria retórica é aquela que consegue mostrar como adaptar eficazmente um discurso a um auditório particular. Os manuais de retórica dos sofistas seriam exemplos claros dessa abordagem na antiguidade e os trabalhos de Wolfgang Klein14 seriam um exemplo de abordagem retórica contemporânea. Isócrates, uma vez que acrescenta um valor moral à prática persuasiva, não se preocupa mais unicamente com a eficácia do discurso. Também para Aristóteles e Perelman, a abordagem retórica só pode ser atribuída com reservas, pois ambos abrem espaço para uma argumentação qualificada (o raciocínio dialético para o primeiro e a visada ao auditório universal para o segundo). b) dialética Dentre os vários sentidos que esse termo possui, Wenzel o emprega como um método, um sistema ou procedimento para regular discussões15. O estudo sob o ângulo do procedimento acentua a forma de se conduzir o discurso. Ao dialético interessa as estruturas de uma concorrência ritualizada pelos melhores argumentos. Dentre as regras que visam permitir esse tipo especial de interação estão: o reconhecimento da sinceridade dos participantes, as regras de distribuição dos encargos de argumentação, a ordenação dos temas e contribuições, o princípio de inércia (segundo o qual apenas as opiniões controversas precisam ser justificadas), o princípio da relevância (que regula a pertinência dos argumentos), dentre outros. Os participantes não são mais vistos como meros atores sociais, mas como pleiteantes auto-conscientes e motivados unicamente the speaker's construal of persons he addresses. The act of rhetoric is an adaptation of ideas to particular persons in a particular situation” (WENZEL. Joseph W. Perspectives on Argument. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.) Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, pp.121-143, 1992. p.132). 13 WENZEL. Joseph W. Perspectives on Argument. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.) Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, pp.121-143, 1992. p.124. No original: “To be more precise, when we speak of studying "argument" from the rhetorical perspective, we mean that we seek to understand certain elements embedded in the process of persuasion. Thus, the rhetorical perspective construes "arguing" as a persuasive process”. 14 KLEIN. Argumentation und Argument apud HABERMAS, Teoría de la acción comunicativa I. Madrid: Taurus, 1987. 15 “Of all the meanings of the term "dialectic," the one I employ here takes dialectic to be a method, a system, or a procedure for regulating discussions among people. The ultimate object of such regulation is to produce good decisions”. (WENZEL, Joseph W. Three perspectives on argument: rhetoric, dialectic, logic. In: TRAPP, Robert; SCHUETZ, Janice. (eds.) Perspectives on Argumentation: essays in honor of Wayne Brockriede. Prospect Heights, Illinois: Waveland Press, pp.9-26, 1990. p.14). I Encontro de Pesquisa UFMG 2003 7 pelo esforço cooperativo da compreensão e da decisão. O aspecto cooperativo é ressaltado pela aceitação prévia das regras a serem seguidas. O objetivo de uma teoria dialética é projetar e usar métodos de tomada de decisão coletiva. Seu fim último, como método argumentativo, é promover um exame crítico. A intuição fundamental ligada a esse plano caracteriza-se pela intenção de acabar a discussão com um acordo motivado racionalmente. Tal via nos remete à prática socrática de discussão, que consistia em um jogo de pergunta/resposta cujo objetivo não era defender a própria visão, mas sim proceder juntos um exame crítico de forma a encontrar a melhor filosofia16. A teoria crítica de Habermas, a proposta pragma-dialética de Eemeren & Grootendorst17 e o método de correção argumentativa de Ehninger18 seriam exemplos contemporâneos de abordagens dialéticas da argumentação. c) lógica Do ponto de vista lógico, a argumentação é uma cadeia de proposições (premissas e conclusões) concebidas abstratamente, ignorando-se o processo comunicativo. Ao lógico interessa as estruturas que determinam as construções dos argumentos e suas relações entre si. A questão é saber quais as propriedades intrínsecas a um argumento que o tornam sólido, concludente. O objetivo de uma teoria lógica é descobrir e empregar padrões para o juízo racional. Eles desenvolvem, assim, cânones de inferências válidas que nos permitem tomar certas expressões por conhecimento fiável. O movimento da lógica informal, como os trabalhos realizados por Blair & Johnson19 e o diagrama de Toulmin20 são exemplos de abordagens lógicas da argumentação. III 16 “The simplest form of dialectic is that depicted in Plato's dialogues, where two people alternate in the roles of speaker and interlocutor, critically testing one another's opinions in an effort to arrive at the true answer to some philosophical question” (WENZEL, Joseph W. Three perspectives on argument: rhetoric, dialectic, logic. In: TRAPP, Robert; SCHUETZ, Janice. (eds.) Perspectives on Argumentation: essays in honor of Wayne Brockriede. Prospect Heights, Illinois: Waveland Press, pp.9-26, 1990. p.14). 17 Cf. EEMEREN, Frans H. van; GROOTENDORST, Rob. Argumentation, communication, and fallacies: a Pragma-Dialectical Perspective. Hillsdale, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1992. 18 Cf. EHNINGER, Douglas. Argument as Method: its Nature, its Limitations and its Uses. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.) Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, pp.145-159, 1992. 19 Cf. BLAIR & JOHNSON. Informal Logic. Edgepress, 1980; BLAIR, J. Anthony. Everyday argumentation from an informal logic perspective. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.) Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, 1992. p.357-376; JOHNSON, Ralph H. Logic naturalized: recovering a tradition. In: EEMEREN, Frans H van; GROOTENDORST, Rob; BLAIR, J Anthony; WILLARD, Charles A (eds.) Argumentation: across the lines of discipline. Dordrecht/Holland, Providence/USA: Foris, pp.47-56, 1987. 20 Cf. TOULMIN, Stephen. The uses of Argument. Cambridge University Press, 1964 (1a ed.: 1958). I Encontro de Pesquisa UFMG 2003 8 A taxonomia oferecida por Wenzel é interessante por vários motivos21: 1) Ela permite que se adote várias abordagens complementares no estudo da argumentação; 2) Ela nos permite observar como estudos tradicionais da argumentação se assentavam em perspectivas distintas; 3) A partir dela, podemos avaliar melhor os resultados obtidos por cada abordagem e também compreender melhor como esses resultados se relacionam entre si sem se excluírem mutuamente; 4) Ao escolher quais perspectivas adotar, delimita-se o que se considera importante estudar, evitando que se estude a argumentação a partir de todos os caminhos possíveis ao mesmo tempo (o que só gera confusão); Entendo que o perspectivismo ajuda a eliminar a imprecisão, em razão da clareza que ele oferece para o estudo das diversas teorias da argumentação22. Assim como a palavra ‘argumento’ tem sentidos distintos23, também a pergunta “o que é um bom argumento?” pode receber ao menos três respostas distintas, que, como foi visto, pode ser o argumento eficaz (retórica), o argumento sólido (lógica) ou o argumento sincero e crítico (dialética)24. 21 Como justifica o próprio Wenzel: “First, it acknowledges the legitimacy of multiple approaches to the study of argument. There is no need to choose between a "process" or "product" orientation, for each one is valuable at different times for different purposes. Second, once we begin to see how different research traditions are grounded in different perspectives, we can appreciate how each kind of research produces unique results, how it differs from other approaches, but also how different perspectives relate to one another. Third, recognizing that there are so many possible perspectives enables one to admit to limitations: not everyone can study argumentation in every way. So, in choosing which perspectives to employ, we take a stand on what questions we consider important in the study of argumentation” (WENZEL, Joseph W. Three perspectives on argument: rhetoric, dialectic, logic. In: TRAPP, Robert; SCHUETZ, Janice. (eds.) Perspectives on Argumentation: essays in honor of Wayne Brockriede. Prospect Heights, Illinois: Waveland Press, pp.9- 26, 1990. p.11). 22 “...the taxonomy provided by the three perspectives may, in itself, help to clarify the significance of previous work in argumentation as well as the potentialities of future lines of research. The significance of much previous research becomes clearer when framed within the purview of the three perspectives.” (WENZEL. Joseph W. Perspectives on Argument. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.) Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, pp.121-143, 1992. p.136). 23 Cf. os estudos de Daniel O’Keefe (Two concepts of argument, 1977): Argument1 – refere-se a um tipo de proferimento ou ato comunicativo. É algo que a pessoa faz, profere. (Ex: ele emitiu um argumento). Argument2 – refere-se a um tipo particular de interação. É algo que as pessoas têm, se engajam, participam. (Ex: Eles participaram de uma argumentação). Além desses dois sentidos, temos o Argument0, proposto por Hample (The functions of argument, 1983), que corresponde à dimensão cognitiva do argumento, o processo mental que ocorre na mente das pessoas. 24 “The particular normative stance of each perspective can be seen in the answers each gives to the question. "What is a good argument?" The rhetorician would say something like, "Good arguing consists in the production of discourse (in speech or writing) that effectively helps members of a social group solve problems or make decisions." The dialectician might say, "Good argumentation consists in the systematic organization of interaction (e.g., a debate, discussion, trial, or the like) so as to produce the best possible decisions." The logician might say, "A good argument is one in which a clearly stated claim is supported by acceptable, relevant and sufficient evidence." (WENZEL, Joseph W. Three perspectives on argument: rhetoric, dialectic, logic. In: TRAPP, Robert; SCHUETZ, Janice. (eds.) Perspectives on Argumentation: essays in honor of Wayne Brockriede. Prospect Heights, Illinois: Waveland Press, pp.9-26, 1990. p.12). I Encontro de Pesquisa UFMG 2003 9 Ao não perceber essas diferenças, o estudo da argumentação se viu envolto em pseudo- problemas. Um exemplo típico é o debate sobre a relevância da lógica para a retórica, como a crítica de Willard ao modelo de Toulmin, dizendo que a complexidade dos argumentos persuasivos não podia ser adequadamente explicitada por um diagrama lógico25. Outro pseudo-problema seria a pesquisa de uma ‘validade retórica’, como pretende McKerrow, acreditando ser o campo da argumentação complexo demais para ser avaliado logicamente26. Uma teoria completa da argumentação deveria conseguir levar em consideração esses três aspectos em conjunto. Como compara Wenzel: “Assim como o corpo humano pode ser estudado anatomicamente ou fisiologicamente ou quimicamente, também o processo da argumentação pode ser estudado retoricamente, dialeticamente ou logicamente. Em cada caso, os vários estudos se complementam e enriquecem um ao outro”.27 Mas, apesar de defender as três perspectivas como legítimas, complementares e indispensáveis para uma teoria completa da argumentação, Wenzel mostra maior simpatia pela abordagem dialética, acreditando estar aí o lugar central na conceitualização da argumentação, onde o rigor lógico e o apelo retórico são combinados no exame crítico das teses28. Tal também acontece com Habermas, que também reconhece a necessidade de se levar em conta essas três abordagens, mas acaba atrofiando a sua proposta no dialético29. 25 Cf. WILLARD, Charles Arthur. On the utility of descriptive diagrams for the analysis and criticism of arguments. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.) Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, 1992. p.239-257. 26 Cf. McKERROW, Ray E. Rhetorical Validity: an Analysis of three Perspectives on the Justification of Rhetorical Argument. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.) Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, 1992. p.297-311. 27 WENZEL. Joseph W. Perspectives on Argument. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.) Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, pp.121-143, 1992. p.125. No original: “But just as the human body can be studied anatomically or physiologically or chemically, so the processes of argumentation can be studied rhetorically or dialectically or logically. In each case, the several studies complement and enrich one another” 28 “...the dialectical perspective should now be recognized, analyzed, and investigated on an equal footing with the rhetorical and logical. It is my impression that works addressed to the concerns of the dialectical perspective have not been so well integrated into the scholarship and teaching of argumentation as have the other two (the one notable exception seems to be Ehninger and Brockriede, Decision by Debate). Although I am not prepared to develop the argument here, I suspect that the dialectical perspective may deserve the central place in a conceptualization of argument, for it is only within the framework of a dialectical encounter that the resources of rhetorical appeal and logical rigor are combined for the critical testing of theses.” (WENZEL. Joseph W. Perspectives on Argument. In: BENOIT, William; HAMPLE, Dale; BENOIT, Pamela. (eds.) Readings in Argumentation. Berlin, New York: Foris, pp.121-143, 1992. p.140). 29 A crítica seria que, ainda que Habermas considere que o bom desenvolvimento de uma teoria da argumentação necessita considerar esses três aspectos em conjunto, tal coordenação se dá de forma desequilibrada na própria proposta habermasiana, que pende mais para o aspecto da motivação racional em detrimento dos outros dois. Dessa forma, “a perspectiva da argumentação que se desenha no eixo habermasiano comunicação/racionalidade estabelece a primazia da normatividade sobre a efetividade argumentativa” (CARRILHO. Rhétoriques de la modernité. Paris: PUF, 1992. p.108). A perspectiva I Encontro de Pesquisa UFMG 2003 10 Conclusão Gostaria de concluir essa comunicação ressaltando o objetivo principal da minha fala, que foi mostrar como o perspectivismo permite jogar alguma luz nos estudos da argumentação, oferecendo um quadro que permite compreender melhor as diferentes formas de se abordar o assunto e, também, os diferentes resultados obtidos. Além disso, tal classificação ajuda a evitar alguns pseudo-problemas, advindos de uma visão míope. Concordo com a afirmação de Wenzel e de Habermas de que uma teoria completa da argumentação precisa levar em consideração essas três abordagens. Entendo também que no caso da argumentação filosófica, a abordagem dialética seria mais valiosa, na medida em prescreve normas para a discussão racional sem precisar abstrair de sua dimensão comunicativa, discursiva. É nesse sentido que desenvolvo atualmente no mestrado um estudo sobre o auditório universal, tal como Perelman o compreende. Espero assim poder jogar alguma luz na problemática pretensão filosófica à verdade e objetividade, além de clarear em que sentido se apela à razão e qual limite pode existir em tal pretensão. comunicativa oferece uma concepção divergente do elemento retórico e do argumentativo, acentuando o caráter normativo do último e ornamental do primeiro. Tal não se coaduna bem com aquilo que disse o perspectivismo. Isso explicaria a facilidade com que Habermas separa a persuasão do convencimento no interior do discurso argumentativo e sua orientação de maneira exclusiva em direção à reconstrução de situações ideais, atrofiando sua teoria da argumentação no normativo dialético (por ele descrito como retórico). II III