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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CURSO DE DIREITO 
Aracaju, 03 de dezembro de 2012.
Prezado (a) aluno(a), 
A disciplina Introdução ao Estudo do Direito II, na turma sob a minha docência (CO), será, como dantes, ministrada com a utilização da presente apostila, ao longo deste semestre letivo (2012/2), tomando por base os livros constantes da bibliografia indicada para a disciplina em apreço, mas, abordando, também, vários outros livros, conforme constam das referências bibliográficas, ao final da apostila. 
Contudo, quero mais uma vez lembrar que uma apostila não poderia ter a pretensão de esgotar os assuntos constantes do conteúdo programático. Assim, a presente apostila é tão somente um roteiro a ser seguido. Nada mais do que isso. Há alunos (as) que, infelizmente, se limitam à apostila. Claro que, nesse caso, podem não lograr êxito na disciplina. Logo, para uma melhor compreensão dos textos apostilados, e, especificamente, para melhor sedimentar os conhecimentos relativos à disciplina, objetivando, inclusive, um bom resultado nas provas, faz-se necessário aprofundar o estudo por meio dos livros que integram a bibliografia básica e daqueles indicados pelo professor. Isso é o mínimo. E sem esse mínimo, o aprendizado e a respectiva aferição ficarão seriamente prejudicados. 
Você sabe que os livros nem sempre tratam de todos os assuntos, ou, às vezes, não o fazem a contento. Portanto, não espere encontrar tudo que precisa em um só livro. Almejo sucesso. 
Cordialmente,
José Lima Santana
Professor
P R O G R A M A D A D I S C I P L I N A
I - CONTEÚDO PROGRAMÁTICO (de acordo com o ementário da disciplina)
1 Conhecimento Jurídico
2 Técnica Jurídica
3 Teoria do Ordenamento Jurídico
4 Escolas do Pensamento Jurídico: Jusnaturalismo, Contratualismo, Escola da Exegese, Historicismo, Orientação Sociológica, Positivismo, Realismo.
5 Hermenêutica Jurídica. Obrigatoriedade e aplicação da lei
6 Hierarquia e constitucionalidade das leis
7 Interpretação da lei: espécies e resultados
8 Procedimentos de integração
9 Eficácia da lei no tempo
Observação: achamos por bem juntar os conteúdos dos itens 5 e 7, pois entendemos que os mesmos devem ser ministrados em conjunto: interpreta-se a lei para aplicá-la. Por outro lado, acrescentamos o item Relações Jurídicas, no final, como meio complementar ao que foi estudado em IED I, referente ao Direito Subjetivo e, também, a fim de proporcionar uma ponte para a parte introdutória ao Direito Civil.
II – OBJETIVOS DA DISCIPLINA
São objetivos da disciplina: 
Geral
– Sequenciar o processo de adaptação do aluno ao curso jurídico.
b) Específicos 
– Apresentar as diferentes escolas do pensamento jurídico;
– Ensinar sobre a hermenêutica jurídica;
– Ensinar sobre a interpretação a aplicação das leis. 
III – METODOLOGIA E RECURSOS
A disciplina será ministrada através de aulas expositivas com discussões coletivas. Os discentes serão encorajados a participar dos debates, pois a aula não deve ser um monólogo. Serão utilizados quadro e giz, recursos audiovisuais, se necessário, além desta apostila e dos textos que o professor indicar. 
IV – CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E FREQUÊNCIA
A avaliação será feita por meio de duas provas objetivas e/ou subjetivas. Podem ser utilizados trabalhos individuais ou em grupo, além de seminários, considerando-se as normas acadêmicas. E a frequência será exigida na forma da legislação pertinente. 
V – BIBLIOGRAFIA BÁSICA
1. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 21 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
2. GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 44 ed. Rio de Janeiro: Editora Gen/Forense, 2011.
3. NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 33 ed. Rio de Janeiro: Editora Gen/Forense, 2011. 
4. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27 ed. 9 reimpressão. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
5. VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito. 3 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2009. 
VI – BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
	Toda aquela referenciada no texto apostilado.
1 CONHECIMENTO JURÍDICO
Conhecimento científico
Estudamos em IED I que o termo ciência tem caráter não unívoco, ou seja, não apresenta um único sentido. Ao menos é o que afirmam alguns estudiosos com base no fato de que a ciência, no geral, assim mesmo deve ser entendida. Outros, em contrapartida, consideram o caráter unívoco da ciência. Há de prevalecer a primeira impressão. Sabe-se que a ciência é constituída por um conjunto de enunciados, que são constatações.
O conhecimento científico procura dar às constatações um caráter estritamente descritivo, genérico, comprovado e sistematizado. Assim, o conhecimento científico constitui um corpo sistemático de enunciados verdadeiros. E faz oposição ao saber vulgar. Trata-se, pois, de saber metodicamente fundado, demonstrado e, como dito antes, sistematizado. 
Em outras palavras, o conhecimento científico não é saber pronto e acabado, mas, sim, saber obtido e elaborado deliberadamente com consciência dos fins a que se propõe; é, enfim, saber metódico (pesquisa, experimentação, descrição).
Bem explana HUGO DE BRITO MACHADO ao dizer que:
O conhecimento é uma relação que se estabelece entre um objeto e um sujeito pensante, que o apreende e assim o faz seu conhecido. Como depende sempre das referências consideradas pelo sujeito, o conhecimento é sempre relativo. Essa relatividade, aliás, pode ser constatada facilmente em uma situação que costumamos colocar como exemplo em nossas aulas. Se todos os alunos, em uma sala de aula, fizerem, individualmente, a descrição da sala em que se encontram, seguramente teremos tantas descrições diferentes quantos são os alunos. Cada um dará ênfase a um aspecto do objeto, que é a sala, e por isto mesmo, embora a sala seja exatamente a mesma, teremos várias descrições diferentes.
Com o Direito, enquanto objeto do conhecimento, ocorre coisa semelhante. Vários são os aspectos pelos quais pode ser conhecido, examinado, vivenciado pelas diversas pessoas, de sorte que são várias as suas versões (2004, p. 43-44).
Concepções epistemológico-jurídicas referentes à cientificidade do conhecimento jurídico
A Filosofia do Direito, enquanto epistemologia jurídica trata dos problemas inerentes à Ciência do Direito, delimitando o sentido de ciência, a especificidade do objeto e do método da especulação jurídico-científica, além de refletir sobre o caráter teórico, prático ou crítico do Direito. Como lembra MARIA HELENA DINIZ, partindo de sugestão de CARLOS COSSIO, várias são as teorias espistemológico-jurídicas dos dois últimos séculos voltadas para a Ciência do Direito, compreendendo seis direções: racionalismo metafísico ou jusnaturalista, empirismo exegético, historicismo casuístico, sociologismo eclético, racionalismo dogmático, egologia existencial (2008, p. 35). Outras podem ser encontradas.
EDITH MARIA BARBOSA RAMOS dá a seguinte contribuição para o debate acerca da análise que devemos fazer do Direito:
Analisar o direito de modo científico, envolvido no fenômeno social, é de extrema importância para a compreensão da realidade jurídica e se faz objeto de análise de todos os estudiosos e aplicadores do direito que têm um mínimo de consciência crítica. O direito vinculado apenas á concepção dogmática tem falhado nos seus objetivos fundamentais, quais sejam, a justiça e segurança sociais, o que ocasiona, ainda, o distanciamento de seu escopo socioeconômico (consagração de uma igualdade concreta, e não meramente formal, e que ao mesmo tempo não resulte num prejuízo da liberdade). Vinculado a uma relação absolutamente positivista, o direito direciona-se a uma estrutura dominadora e autoritária (2003, p. 2). 
E óbvio que os positivistas dogmatizados em excesso não pensam assim. Observamos, nos diversos livros de Direito, a partir dos que tratam da parte introdutória, que a formação dos nossos juristas, em maioria, tem sido caracterizada
pelo dogmatismo. Estes acabam inibidos de “analisar criticamente as antinomias, as lacunas, os defeitos, as falhas e a incompletude do direito, [impedindo-os] de posicionar-se criticamente no dever de superação dos problemas e conflitos sociais”, como diz a autora acima citada (2003, p. 3). E diz mais: “Dessa forma, constata-se, a alienação do próprio direito, que se conforma em afirmar e reafirmar suas verdades como válidas, semelhantes a dogmas de uma fé religiosa” (2003, p. 3). 
É preciso enfatizar que uma ciência deve conter teoria, juízos e princípios. A teoria é a essência de qualquer ciência. Não pode haver ciência sem pressupostos. Logo, a ideia de princípio (pressuposto) é essencial à ciência. Quanto aos juízos são eles apreciações da realidade, ou seja, “algo”, que pode negar ou afirmar sua qualidade (qualidade de ciência). Enfim, os juízos são os enunciados. 
O Direito como objeto de conhecimento: perfil histórico
1.3.1 Direito e conhecimento do Direito: origens
A visão do Direito como simbolismo remete às noções de: a) Direito como ideia de retidão e equilíbrio; b) Direito como símbolo de retidão e equilíbrio. Noções, contudo, vagas e que, por isso mesmo, exigem algumas precisões. Portanto, partindo-se da Grécia, a palavra grega diké (que, como sabemos, designava a deusa da Justiça) derivava de um vocábulo significando “limites à terra de um homem”. Daí veio outra conotação: aquilo que é ligado ao próprio, à propriedade, ao que é de cada um. Donde se seguia que o Direito se vinculasse também “ao que é devido, ao que é exigível e à culpa”. Culpa daquele que afrontasse as normas jurídicas. Na mesma conotação encontram assento a propriedade, a pretensão e o pecado. Na sequência dessa conotação viriam o processo, a pena e o pagamento. 
Desta forma, diké era o poder de estabelecer o equilíbrio social, de maneira abrangente. Nas sociedades primitivas esse poder estava dominado pelo elemento organizador através, de início, do princípio do parentesco. O princípio valia para as relações políticas (sucessão do poder → trono), econômicas (sucessão econômica → herança) e culturais (conhecimento passado de geração a geração).
Produzindo uma segmentação que organizava a comunidade em famílias, grupos de famílias, clãs, grupos de clãs. Dentro da comunidade todos são parentes; o não-parente é figura esdrúxula. As alternativas de comportamento eram pobres: isto ou aquilo; tudo ou nada (TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., 2007, p. 52-53).
1.3.2 O indivíduo, a comunidade e a ordem
	Na comunidade, o indivíduo só era alguém por causa de sua pertinência parental ao clã. O poder de estabelecer o equilíbrio social ligava-se ao parentesco. No Direito arcaico só havia lugar para a única ordem possível: a ditada pela divindade e, por isso, sagrada. Logo, o Direito era a ordem querida (e não criada) por uma divindade. Como ordem não criada, mas, sim, querida, o Direito obrigava tanto o homem quanto a divindade, que o defendia, o impunha, mas não o produzia nem o modificava. A ideia de um Deus criador surgiu na tradição judaica e passa, depois, à tradição cristã (FERRAZ JR., 2007, p. 53). 
1.3.3 O Direito como forma rígida de distribuição social
	O estabelecimento do “que é de cada um”, isto é, o “seu” de cada qual (aquilo que é devido), variava conforme a posição social. Firmava-se a predileção pelo Direito como uma forma rígida de distribuição social. Quem contrariava essa forma (o contraventor) era imediatamente expulso da comunidade. Em suma: ou se estava dentro dela (comunidade) e, portanto, com o Direito, ou se estava fora dela, ou seja, contra o Direito. O Direito, assim, confundia-se com os modos característicos de agir do povo. Os usos e costumes manifestavam-se na forma de regras gerais. O Direito era percebido, primariamente, quando o comportamento de alguém ou de um grupo infringe a expectativa consagrada pelas regras.
	Apareceram, então, sacerdotes ou juízes esporádicos que, como guardiões do Direito, regulavam sua aplicação. Mas esta (a aplicação) não se separava do próprio Direito. Diante disto, o conhecimento do Direito não era algo separado dele (do Direito). O conhecimento do Direito e a sua prática (de aplicação) não se distinguiam. Confundiam-se a guarda, a aplicação e o saber do Direito. 
1.3.4 O desenvolvimento das sociedades e o Direito
	O desenvolvimento das sociedades pelo aumento quantitativo ou pelo aumento da complexidade das interações humanas possíveis levou à substituição do princípio do parentesco (por sua pobreza, isto é, pela sua restrição) como base da organização social. Nas culturas antigas (China, Índia, Grécia, Roma) apareceram, por exemplo, os mercados. E estes possibilitaram o atendimento das necessidades entre os não-parentes. A posição do comerciante deixava de ser determinada por uma situação na família, no clã. O comércio deixava de ser uma atividade só permitida aos patriarcas. Começava a aparecer o domínio político, localizado em centros de administração. Esse domínio político diferenciava-se da organização religiosa, guerreira, cultural etc. (FERRAZ JR., 2007, p. 53). As primeiras cidades edificadas foram importantes para esse estágio do desenvolvimento das sociedades. 
1.3.5 O primado do centro político
	A primazia do centro político teve grande importância para o Direito como poder de estabelecimento do equilíbrio social. As comunidades organizaram-se como sociedade política (polis), criando-se uma forma hierárquica de domínio baseada em prestígio. Essa forma hierárquica levava a símbolos que determinavam quem era quem na sociedade, relações de status, modos distintos de linguagem etc. de tal forma, o Direito que ordenava, que regrava, passou a ligar-se aos homens como tais: os homens como seres livres. A liberdade era, assim, um status próprio do cidadão.
1.3.6 As fórmulas prescritivas
	A transformação do centro político exigia que o Direito se manifestasse através de fórmulas prescritivas de validade permanente. Essas fórmulas prescritivas não se prendem mais às relações de parentesco, porém reconhecem certos modos de escolha (liberdade participativa). O Direito, então, afirmava-se como uma ordem que alcançava todos os setores da vida social (político, econômico, religioso, cultural etc.), mas com eles não se confundia. Assim sendo, tornava-se possível contrapor o sacerdote ao guerreiro, o pai ao filho, o comerciante ao governante, sem que o Direito, de antemão, se identificasse com um ou com outro. 
	O contraventor, então, deixava de ser banido da comunidade, para invocar esse mesmo Direito que alguém levantou contra ele, dentro da comunidade, e não fora dela (tratava-se do direito de defesa, que, hoje, se diz ampla, conforme dispõe o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal). Na comunidade que o acusava, ele se defendia até provar ou não a sua inocência. Como ordem (ou ordenamento), o Direito perdeu seu caráter maniqueísta (o lícito como bem e o ilícito como mal), herança da religião. O tratamento que passou a ser dado a quem tinha comportamento desviante era regulado, passando por procedimentos decisórios. Surgiram as formas de jurisdição: partes, advogados, juízes, tribunais etc. O Direito abarcou o lícito e o ilícito, pois este (ilícito) era também um comportamento jurídico (que interessava ao Direito, para a devida punição), embora proibido. 
1.3.7 O surgimento dos juristas
	A procedimentalização do Direito fez surgir um grupo especializado, com um papel social peculiar: os juristas. Estes desenvolveram uma linguagem peculiar, com critérios próprios, formas probatórias etc. Separaram-se outras formas de exercício do poder (político, econômico, religioso) do exercício do poder argumentativo. A partir daí nasceu a arte de conhecer, elaborar e operar o Direito. 
1.3.8 Conquista tardia da cultura humana
	O conhecimento do Direito como algo diferenciado dele, foi, pois, uma conquista tardia da cultura humana. Passou-se a diferenciar o direito-objeto do Direito-ciência, exigindo que o fenômeno jurídico
alcançasse uma abstração maior, desligando-se de relações concretas, como as de parentesco (o pai não tinha poder de vida e morte sobre o filho apenas por que é pai; havia, ali, uma relação jurídica). 
	Como programa decisório, o Direito fez surgir a possibilidade de o direito-objeto separar-se de sua interpretação, de seu saber, de suas figuras teóricas e doutrinárias que criaram técnicas de persuasão, de hermenêutica, que distinguiam entre leis, costumes, religião etc. 
1.3.9 O saber jurídico não linear
	O desenvolvimento do saber jurídico não é linear. Em diferentes culturas, ele se faz na forma de programas e de recuos. Acompanhar esse desenvolvimento é tarefa que ultrapassa uma introdução ao estudo do Direito. Mas para compreender o direito-objeto é importante mostrar como uma cultura teorizou o próprio Direito. Quem tem a missão de conhecer o Direito deve tomar em suas mãos o seu entendimento. Para o estudante, o ponto inicial é a própria dogmática, ou seja, o modo como paulatinamente ela se formou (FERRAZ JR., 2007, p. 53-55). 
O desenvolvimento do pensamento dogmático
Os Direitos dos povos sem escrita
Antes de adentrarmos na questão da dogmática, vamos abordar, ainda que superficialmente, a questão dos Direitos dos povos pré-históricos, ou seja, que viveram antes da invenção da escrita. Esses povos tiveram mesmo Direitos constituídos? Muitos estudiosos não os admitem, como lembra JOHN GILISSEN, professor da Universidade de Bruxelas:
Numerosos juristas contestaram mesmo que os povos sem escrita possam ter um sistema jurídico porque eles não encontram aí instituições tais como definidas nos sistemas romanistas ou de common Law, por exemplo, a noção de justiça, de regra de direito (rule of Law), de lei imperativa de responsabilidade individual. Marx e Engels consideram, sob influência do pensamento de Hegel, que o direito está ligado ao Estado e afirmam que não há direito nos grupos sociais que não atingiram o estádio de organização social (1995, p. 36). 
O autor, contudo, acredita na possibilidade descartada pelos pais do Manifesto Comunista: 
Mas, sob a influência dos trabalhos dos etnólogos e dos sociólogos, admite-se agora em geral que os costumes dos povos sem escrita têm um caráter jurídico porque existem aí meios de constrangimento para assegurar o respeito das regras de comportamento. Admite-se assim que não existe uma noção universal e eterna de justiça, podendo esta noção variar com o tempo e com o espaço (1995, p. 36). 
Comentando o pensamento de GILISSEN, diz PAULO DE BESSA ANTUNES:
John Gilissen admite a existência do direito nos povos sem escrita, chegando mesmo a arrolar as suas características básicas: a) É limitado o seu grau de abstração; b) os direitos são muito variados em razão do isolamento das comunidades que os adotam; c) guardam semelhanças entre si e d) guardam imensa proximidade com as normas religiosas, sendo praticamente impossível distingui-los (1992, p. 21). 
Direitos da Antiguidade
Os mais antigos escritos de natureza jurídica datam de mais de dois mil anos antes de Cristo. Vieram do Egito e da Mesopotâmia. Até o fim do século XIX nada se conhecia dos Direitos da Antiguidade, a não ser o Direito romano, o Direito grego e o Direito hebraico. As descobertas arqueológicas a partir do início do século XX trouxeram vários textos jurídicos do Egito e, sobretudo, da Mesopotâmia. Daremos voz a GILISSEN:
O Egito não nos transmitiu até à data códigos nem livros jurídicos; mas foi a primeira civilização na história da humanidade que desenvolveu um sistema jurídico que pode chamar-se individualista. Rompendo com as solidariedades ativas e passivas dos direitos arcaicos e feudais, o direito egípcio da época da III à V dinastia (cerca de 3000 a 2600) e o da XVIII dinastia (1500-1300) parecem ter sido tão evoluídos e tão individualistas como o direito romano clássico.
A Mesopotâmia foi o país que conheceu as primeiras formulações do direito. Os sumérios, os acadianos, os hititas, os assírios, redigiram textos jurídicos que se podem chamar de “códigos”, os quais chegaram a formular regras de direito mais ou menos abstratas. 
Os hebreus, situados entre o Egito e a Mesopotâmia, não atingiram um desenvolvimento um desenvolvimento do seu direito tão grande como os seus vizinhos; mas registraram na Bíblia, o seu livro religioso, um conjunto de preceitos morais e jurídicos que foram perpetuados, não somente no seu próprio sistema jurídico até os nossos dias, mas sobretudo no direito canônico, direito dos cristãos, e mesmo no direito muçulmano.
A Grécia, como o Egito, não deixou grandes recolhas jurídicas, nem vastas codificações. Mas com os seus pensadores, sobretudo Platão e Aristóteles, fundou a ciência política, ou seja, a ciência do governo, da polis ou cidade; ela é assim a base do nosso direito público moderno (1995, p.51-52). 
BILLIER et MARYIOLI dão-nos esta impressão acerca do Direito grego: 
 
O objeto dos grandes legisladores gregos [no caso, Drácon, Sólon, Licurgo e Clístenes] é a politeia. Esse conceito [...] deve ser entendido em sentido amplo. Não corresponde exatamente, por exemplo, à expressão moderna ‘regime político’. Em grego antigo, o vocábulo politeia tem múltiplas acepções; organização política, constituição, vida política, política da cidade, república, democracia, poder político, governo, direito da cidade, direito político do cidadão. Contudo, é possível remeter o campo semântico do termo para uma definição global e fundamental: a politeia é a própria questão do direito, uma vez que ela orienta a questão das instituições e do direito de cidadania. Participar da politeia é simplesmente desfrutar de seus direitos; quer dizer, beneficiar-se do direito como tal. Note-se que se trata essencialmente do direito ‘público’ (2005, p. 53). 
Os romanos vão nos legar um portentoso monumento jurídico. Ainda GILISSEN:
Enfim Roma, na época da República e sobretudo no tempo do Império, fez a síntese de tudo o que os outros direitos da antiguidade não tinham trazido. Como os egípcios, os romanos realizaram, nos primeiros séculos da nossa era, um sistema jurídico que atingiu um nível inigualável até então. Muito mais que os mesopotâmicos, eles tiveram de formular as regras do seu direito e redigiram vastos livros de direito. Sobretudo os romanos criaram a ciência do direito; o que os jurisconsultos romanos dos II e III séculos da nossa era escreveram, serve ainda hoje de base a uma importante parte do nosso sistema jurídico.
Antes dos romanos, os povos da antiguidade não puderam, parece, construir um sistema jurídico coerente; mas esta constatação é provavelmente a consequência da insuficiência das fontes jurídicas atualmente disponíveis. É possível que um dia a descoberta de novos documentos permita fazer recuar de vários séculos, ou mesmo milênios, o aparecimento de uma ciência do direito, baseada em princípios jurídicos gerais e abstratos (1995, p. 52). 
A jurisprudência romana
Examinando a dogmática jurídica dentro de um panorama histórico, tem-se como sua finalidade: a) identificar o papel que ela desempenhou na vida social; b) identificar o desenvolvimento do pensamento dogmático na cultura ocidental. O objeto dessa investigação é delimitado pelos argumentos da doutrina em justificar como a dogmática conseguiu afirmar-se. Antes de estudar as teorias dogmáticas, estudam-se as teorizações jurídicas que constituíram a Ciência Dogmática do Direito. 
No Brasil, parte-se das origens do pensamento jurídico europeu continental, excluindo-se o pensamento jurídico anglo-saxão. A referência inicial é sempre Roma. O Direito (jus) era tido como um fenômeno sagrado, desde a fundação daquela cidade. O Direito marcaria a cultura romana desde o começo. Como forma cultural sagrada, o Direito romano era o exercício de uma atividade ética. Era também a prudência, virtude moral do equilíbrio e da ponderação nos atos de julgar. De tal modo que a prudência ganhou relevância especial, recebendo a qualificação particular de jurisprudência
(juris + prudentia). 
A jurisprudência romana desenvolveu-se num ordenamento jurídico que, na prática, dizia respeito a um quadro regulativo geral. A legislação romana restringia-se a regular matérias especiais. O Direito pretoriano (legislado) não era algo completo, pois representava apenas uma forma supletiva de ordem jurídica vigente. Servia para ajudar a superar ou corrigir o Direito Civil. E não se constituía de proposições jurídicas materiais.
O edito do pretor (Direito pretoriano) era formado por esquemas de ações para determinados fatos-tipos (lembrar do juízo disjuntivo de COSSIO, na apostila de IED I: Dado Ft [fato-tipo], deve ser P; não-dado P, deve ser SP) e por fórmulas para a condução de processos. Ao Direito pretoriano faltavam certas regras como, por exemplo, regras de preenchimento de contratos. Também no aspecto de fórmulas, como no caso dos contratos de compra e venda, estas eram apenas espécies de molduras, que deveriam ser preenchidas para uma aplicação prática. 
Na época da República e do Principado tudo isso ocorria. Os jurados que exerciam a jurisprudência eram leigos. Somente no período imperial, com a atuação dos jurisconsultos, que se transformaram na mais alta instância judicante do Império, surgiu a teoria jurídica, a partir do trabalho de juízes profissionais (FERRAZ JR., 2007, p. 55-56). Vide item 4.8.
A influência dos jurisconsultos 
A influência dos jurisconsultos deu-se sob a forma das respostas que eles davam às consultas que eram feitas por uma das partes, quando ocorria um conflito diante do tribunal. Isso já foi estudado em IED I, nas fontes do Direito. As respostas deles (responsa) constituem o início de uma teoria jurídica entre os romanos.
Os responsa, de início, continham pouca argumentação quando se tratava do desenvolvimento coordenado e lógico de premissas e conclusões, limitando-se a apoiar decisões posto que afirmadas por ilustres personalidades da vida jurídica romana. Mais tarde apareceriam o principia e o regulae por conta do grande número de responsa, que levava à escolha de premissas e ao fortalecimento das opiniões por meio de justificações. Advém daí o recurso a conhecimentos técnicos aprendidos dos gregos, tais como a retórica, a gramática, a filosofia etc. Alguns autores, contudo, contestam essa influência grega. 
Sobre o trabalho do jurisconsulto romano diz o norte-americano ROSCOE POUND:
O jurisconsulto não tinha poder legislativo nem imperium. A autoridade de seu responsum, logo que a Lei deixou de ser uma tradição de classe, encontrar-se-ia em sua racionalidade intrínseca; no apelo que fazia à razão e senso de justiça do judex. Na frase grega, se acaso era direito, era-o por natureza (1965, p. 20). 
De qualquer forma, os romanos desenvolveram um modo peculiar de teorizar o Direito. Era um modo de pensar característico, que se pode chamar de jurisprudencial. A palavra jurisprudência – juris + prudentia, como anotado no item 1.4.3, uma das formas usadas pelos romanos, ao lado de disciplina, scientia, ars, notitia, para designar o saber jurídico – liga-se ao que a filosofia grega chamava de fronesis (discernimento). 
Fronesis era uma espécie de sabedoria e capacidade de julgar, e consistia numa virtude desenvolvida pelo homem prudente, capaz de avaliar soluções, apreciar situações e tomar decisões. Para o exercício da fronesis, era preciso o desenvolvimento de uma arte ou técnica no trato e no confronto de opiniões, proposições e ideias. Era o que Aristóteles chamava dialética. Dialéticos, segundo ele, eram discursos meramente verbais, mas suficientes para fundamentar um diálogo coerente (discurso comum). A dialética enquanto arte das contradições tinha por utilidade o exercício escolar da palavra, propiciando um método eficiente de argumentação (FERRAZ JR., 2007, p. 56-57). 
O objeto do conhecimento jurídico
1.4.5.1 Questionamento inicial
Ao se estudar o objeto do conhecimento jurídico, um questionamento deve, de plano, ser feito: o objeto em comento é o estudo das leis ou do Direito? Esta pergunta e outras afins nos levam a filosofar sobre o Direito. E não apenas uma é a resposta que se pode obter. Ao contrário, são muitas, a depender da corrente doutrinária à qual se apega este ou aquele estudioso do Direito.
Para HANS KELSEN e seus discípulos “o objeto do conhecimento jurídico é exclusivamente a norma”, ou seja, “o estudante do Direito estuda leis”. Para certos positivistas, liderados pelo inglês JOHN AUSTIN, seriam objeto do conhecimento jurídico “as leis, no exato sentido em que se costuma empregar esta palavra”. Para outros positivistas, seguidores do francês LÉON DUGUIT, seria o fato social o objeto do conhecimento jurídico. Mas para outro francês, FRANÇOIS GÉNY, seria a ação humana. Há uma posição intermediária provinda do italiano BENVENUTO DONATI, para quem o objeto do conhecimento jurídico é a ação humana enquanto regulada pela norma (JACY DE SOUZA MENDONÇA, 2002, p. 18).
A norma jurídica
O pensamento kelseniano de que a norma é o objeto do conhecimento jurídico tem raiz kantiana, ou seja, recebe influência da obra de IMMANUEL KANT, embora KELSEN tenha afirmado que não conhecia essa obra quando escreveu a Teoria Pura do Direito. Se assim foi, ao menos não se pode ignorar que ele sofreu, no mínimo, uma influência indireta de KANT. Para este, “o pensamento humano não seria capaz de aprender a natureza do Direito, mas deveria limitar-se a um registro meramente fenomenal de sua realidade”. KELSEN partiu dessa compreensão. Desta forma, a Ciência do Direito (por ele dita pura) tem “como objeto o fenômeno jurídico, a aparência do Direito, por ele identificada com a norma jurídica”, como diz MENDONÇA, que acrescenta:
Lamentavelmente, tornou-se impossível para KELSEN qualquer investigação sobre o Direito como fato social (objeto da Sociologia Jurídica e não da Ciência lógica do Direito) e, mais ainda, qualquer aprofundamento relativo à natureza do Direito, ou seja, sobre a Justiça (objeto específico da Filosofia do Direito). Pensar um Direito ideal, pensar como o Direito deveria ser, seria para ele, uma impureza metodológica, uma impureza em relação ao método científico (positivista) a que se autolimitava (2002, p. 20).
Outros positivistas tinham o mesmo pensamento de KELSEN. Os exegetas (Escola Exegética do Direito) tinham na lei o objeto do conhecimento jurídico. Logo, conhecer a lei seria conhecer o Direito, como, aliás, afirmava DEMOLOMBE, que era professor: “Eu não conheço Direito Civil; ensino apenas o Código de Napoleão”. AUSTIN, na Inglaterra, e MERKEL, na Alemanha, ambos positivistas, asseguravam que o objeto do conhecimento jurídico devia se limitar à lei. Porém, DUGUIT via no fato da solidariedade humana, e não na lei, o dado limite para a Ciência do Direito (MENDONÇA, 2002, p. 20). 
A ação humana
FRANÇOIS GÉNY, diferentemente de outros positivistas, não via na lei, mas, sim, na ação humana, possuidora de juridicidade imanente, o objeto do conhecimento jurídico. Eis como MENDONÇA explica, e o faz muito bem, o pensamento de GÉNY a esse respeito:
Partiu da distinção entre o dado e o construído no Direito. O dado seria a própria ação humana, com suas características específicas e imutáveis, que o Direito, enquanto construído [situado, portando, no mundo cultural, como foi estudado em IED I], enquanto técnica, pretenderia modelar. Essa técnica consistiria num conjunto de processos destinados:
à confecção da norma jurídica (técnica legislativa);
à sua aplicação (técnica judiciária); e
à sistematização dos conceitos a ela relativos (técnica doutrinária).
Processos técnicos do Direito seriam, por exemplo, as ficções e presunções (por exemplo, admitir que o homem, no dia em que atinge 18 anos de idade, adquire suficiente maturidade e passa a ser responsável). Processo técnico jurídico seria, também, a criação de categorias jurídicas, como a figura do crime e da contravenção, dos direitos reais, dos contratos etc. A ação legislativa não poderia, no entanto, desrespeitar
o dado, a natureza, onde se encontram elementos imutáveis, físicos (como a situação geográfica, o clima etc.), biológicos (como a bissexualidade, a idade etc.), psíquicos (como a idade, a maturidade, a sanidade), ou ainda psicossociais (como as correntes de economia dominantes etc.). A juridicidade não brota para GÉNY da norma, não resulta da criação da lei, mas está ínsita na própria ação, no próprio ser. Numa afirmação manifesta de jusnaturalismo, a norma apenas a reconhece, se e quando, naturalmente, ela existe na ação (2002, p. 20-21). 
1.4.5.4 A ação humana enquanto regulada pela norma 
Para BENVENUTO DONATI o conhecimento jurídico tem como objeto “a ação humana regulada pela norma”. Ou seja, o Direito não se ocuparia nem da ação humana em si mesma, nem da norma, mas da norma aplicada à ação. A sua posição é eclética, isto é, mescla o aproveitável das posições anteriores (a norma jurídica e a ação humana). Mas, como em toda teoria mista, junta também as deficiências de duas teorias. 
1.5 Filosofia da ação humana 
	Os positivistas e os normativistas kelsenianos não negam que a ação humana seja a base fundamental do Direito, como lembra MENDONÇA. E diz ele que tão somente “por razões metodológicas, entendem que a Ciência do Direito não pode se ocupar dela (que seria objeto de outras disciplinas) e, por isso, deve ocupar-se apenas do fenômeno normativo” Acrescenta o autor citado que:
Esta reflexão só pode ser feita em plano filosófico, tipo de reflexão com a qual o estudante de Direito deve acostumar-se o mais rápido possível (2002, p. 22). 
Partindo do filósofo francês MAURICE BLONDEL, o autor acima mencionado repete que “não existe no ser inércia total nem espontaneidade pura”. E mais: “Todos os seres estão permanentemente em ação. O ser que não age não é”. Até mesmo na pedra imóvel pode-se descobrir, no mínimo, o movimento atômico, “assemelhado ao movimento sideral das estrelas e planetas”. MENDONÇA disserta, filosofando:
O ser humano participa também desse movimento. O existencialismo explorou ao máximo o fato de que nós não somos seres prontos, acabados, mas nos fazemos, na medida em que somos, e somos, na medida em que nos fazemos – isto é a existência. O que nos caracteriza e diferencia dos demais seres é nossa capacidade de um agir consciente e livre, um agir que brota de nossa interioridade, fruto de uma decisão interior.
[...]
Toda ação humana é condicionada pelo pensamento. A Psicologia Experimental explorou a interioridade expressa pela ação humana, a compulsória objetivação das ideias, chegando ao que se denominou a lei da motricidade das ideias: toda imagem representada num campo de consciência, tende a realizar-se, a tornar-se ato (2002, p. 22-23). 
Assim, para o pensador inglês G. K. CHESTERTON, “se o homem não age como pensa, acaba pensando como age”. 
MENDONÇA continua sua preleção:
Todo comportamento humano é fruto de uma filosofia de vida. Viver é filosofar. Por isso, as palavras podem enganar, enquanto as ações revelam a verdadeira realidade de qualquer um.
Voltando a BLONDEL, a ação humana é o lugar de encontro entre a causalidade e a finalidade. Como todos os demais seres, somos empurrados pelas leis de causalidade, mas, livremente, elegemos e buscamos nossos próprios fins. A força da liberdade faculta-nos a opção entre o bem e o mal, proporciona sermos mais e melhores, quando exercemos, adequadamente, nossa racionalidade e optamos em função dela, embora seja também ela que gera a possibilidade do mal, a vitória do irracional sobre o racional em nossas decisões.
Nós somos feitos para o bem, para o justo, para a perfeição, para a realização dos valores de nossa natureza. Nós somos axiotrópicos, isto é, buscamos sempre os valores pelos quais e para os quais somos chamados. A ação boa ou justa não é convencional, fruto da vontade de alguém, fruto da lei, nem mesmo do poderoso, mas decorre de nossa natureza. A ação é essencialmente boa ou justa, independentemente dos poderosos. A ação má ou injusta é um escândalo da natureza, que só o homem, graças a sua liberdade, pode criar (2002, p. 23). 
Diante do exposto, pode-se dizer que ação moral é a ação boa por sua natureza, estudada pela Moral. E ação justa é aquela que se dirige ao bem comum, nas relações intersubjetivas (relações de uns com outros), regidas pelas leis jurídicas e estudadas pela Ciência do Direito, que se ocupa da ação e do fato justos. 
1.6 Direito, estado e política 
1.6.1 Considerações preliminares
	Muitas e diferentes são as concepções acerca das relações entre o Direito e o Estado, como veremos no item 1.6.2.2.
	O professor PAULO NADER sustenta que: “A visão do fenômeno jurídico não pode ser completa se não for acompanhada pela noção de Estado e seus fins”. Citando ALESSANDRO GROPPALI, diz, ainda, que, entre o Direito e o Estado, “há uma interdependência e compenetração” (2011, p. 129). Logo, nessa concepção, o Direito emerge do Estado, que é uma instituição jurídica. Este detém o poder político, que controla a produção jurídica e sua aplicação. Enquanto isso, a ordem jurídica estabelecida “impõe limites à atuação do Estado, definindo seus direitos e obrigações”, como acrescenta NADER (vide item 1.6.2.2 – III).
1.6.2 Estado
Vimos, em IED I, que se entende que o Estado é a mais complexa e perfeita das sociedades. Se, sociologicamente, o Estado é visto como uma espécie de sociedade, politicamente, ele é um ente jurídico. Já sabemos que, na definição clássica de GEORG JELLINEK, o Estado é “a corporação de um povo, assentada num determinado território e dotado de um poder originário de mando” (Apud SIQUEIRA JR., 2001, p. 28). 
A doutrina atual toma três direções para a compreensão e conceituação do Estado.
I – Sociológica
 
É a que analisa o Estado sob o aspecto social, abarcando os seus aspectos jurídico, econômico, espiritual, bem como o seu processo de formação e composição étnica; nessa visão, o Estado é objeto da Sociologia.
II – Política 
É a que se refere “à pesquisa dos meios a serem empregados pelo Estado, a fim de promover o bem-estar da coletividade, que é seu objetivo”; nesse aspecto o Estado é objeto da Política.
III – Jurídica 
É aquela que analisa “a estrutura normativa do Estado, a partir das constituições até a legislação ordinária” ou infraconstitucional; assim, o Estado é objeto da Ciência Jurídica, e é exatamente isso o que nos interessa, neste estudo.
Poder de mando
		Dotado de poder de mando, o Estado avoca a si a criação do Direito, como foi visto, constituindo, assim, o chamado monismo jurídico. Aliás, como é sabido, cabe ao Estado enquanto unidade de poder, a aplicação da sanção jurídica. Como ordenação de poder, o Estado regula as formas e os processos de execução coercitiva do Direito. Esta é a visão tradicional, enfim, conservadora.
1.6.2.2 Teorias sobre a relação entre o Direito e o Estado
	Nesta disciplina não nos parece razoável descer a detalhes acerca das teorias que tentam justificar as origens e os fins do Estado. Disso hão de encarregar-se a Sociologia do Direito e a Teoria Geral do Estado, cabendo, aqui, a análise das teorias que dizem respeito à relação entre o Direito e o Estado. São elas:
I - Teoria dualística 
Por esta teoria, Direito e Estado constituiriam duas ordens completamente distintas, ignorando-se mutuamente. Esta teoria é absurda, pois o Estado é uma instituição social, é uma pessoa jurídica, portanto, portador de direitos e deveres. E o Direito, por seu turno, só obtém efetividade graças à ação estatal.
II – Teoria monística 
Assegura que Direito e Estado formam uma só entidade. HANS KELSEN é seu principal defensor. O Estado seria tão somente a personalização de uma ordem jurídica, antecedendo o Direito. A maioria da doutrina, contudo, afiança que o Direito, historicamente, antecedeu ao aparecimento do Estado. Ao menos o Direito rudimentar. 
III – Teoria do paralelismo 
Essa teoria “afirma que Direito e Estado são entidades distintas, mas que se acham
interligadas e em regime de mútua dependência” (NADER, 2011, p. 137). Esta teoria parece ter sido ditada pelo bem senso.
	Sobre as relações de interdependência entre o Estado e o Direito, deve-se considerar esta lição de HUGO DE BRITO MACHADO:
	Relações nas quais ora predomina o Direito, ora predomina o poder, em face do que a história nos oferece o testemunho da existência arbitrária, e de estados nos quais o poder é no mais das vezes exercido de forma arbitrária, e de estados nos quais o poder é no mais das vezes exercido segundo o Direito. Daí podermos falar em estados de arbítrio, para designar os primeiros, e em Estado de Direito, para designar os últimos (2004, p. 39).
1.6.3 Arbitrariedade e Estado de Direito
1.6.3.1 Arbitrariedade
Pode-se dizer que “arbitrariedade é conduta antijurídica praticada por órgãos da administração pública e violadora de formas do Direito”, como ensina NADER (2011, p. 137). Ora, é preciso considerar que arbitrariedade e Direito não se conformam; são, portanto, ideias inconciliáveis. 
A arbitrariedade é caracterizada pelo fato de uma ação pôr-se de encontro à ordem jurídica estabelecida. Pode materializar-se mediante uma ação, quando o poder público, por exemplo, exorbita a sua competência, ou por omissão, que pode ocorrer na hipótese de um órgão administrativo negar-se à prática de um ato de sua competência. A violação do Direito pode atingir o aspecto de forma ou o de conteúdo, caracterizando, em ambos os casos, a infração jurídica. 
	No caso de violação da forma, pode-se tomar como exemplo o fato de o Poder Legislativo, numa determinada votação, não observar o quorum estabelecido por lei para aquele tipo de deliberação. Isso se verifica quando o quorum previsto seria maioria absoluta, ou seja, metade mais um da totalidade dos membros, mas a deliberação ocorreu por maioria simples, ou seja, metade mais um dos membros presentes à sessão em que se deu a votação. 
Já no caso do conteúdo, pode-se exemplificar com o fato de o Poder Executivo não respeitar os limites de sua competência e vir a dispor sobre assunto de competência do Poder Legislativo, ou seja, o conteúdo, legalmente, não lhe diz respeito (se, p. ex., o chefe do Executivo conceder o título de cidadania a alguém, cuja competência é legislativa). 
	É preciso fazer coro com HUGO DE BRITO MACHADO quando diz que na “elaboração das prescrições jurídicas o uso do conhecimento jurídico a serviço do arbítrio é extremamente perigoso, porque permite que o artífice da norma a construa de modo a, salvando as aparências, dar oportunidade para a prática do [próprio] arbítrio” (2004, p. 38).
1.6.3.2 Estado de Direito
	Houve um tempo, no chamado ancien régime, em que prevalecia o Estado de polícia, arbitrário, em que os cidadãos não gozavam de direitos fundamentais, devidamente protegidos pelo império da lei. Naqueles idos do absolutismo, imperava a vontade do monarca, cristalizada na expressão egocentrista atribuída ao rei LUIZ XIV: “L’ État c’est moi”. 
Com o advento da Revolução Francesa, em que os direitos dos cidadãos foram garantidos e o Estado foi estruturado seguindo o modelo dos poderes independentes e harmônicos, tal como concebido por MONTESQUIEU, tem-se que a ordem jurídica seja um conjunto orgânico coerente e bem definido. Nesse estágio, o Estado não é apenas um órgão sancionador, ou seja, não se limita a aplicar as sanções cabíveis aos transgressores da norma jurídica, mas se torna uma pessoa jurídica portadora de obrigações, exatamente porque se encontra fundado na lei, e em princípios jurídicos claros e previamente definidos. Nesse sentido diz PAULO DE BESSA ANTUNES:
Nos princípios jurídicos adotados pelo Estado de Direito Democrático prevalecem a impessoalidade e a generalidade. A lei não é mais a vontade singular de um governante ou grupo autocrático, a lei passa a ser concebida como fruto e consequência da própria nação que nela expressa a sua vontade, tida como vontade geral (1998, p. 89).
	Não se quer dizer que, hoje, todos os Estados se constituem em Estado de Direito. Ainda há, lamentavelmente, Estados que vivem no limbo do arbítrio. E não são poucos. 
		HUGO DE BRITO MACHADO afiança que se poderia “entender como Estado de Direito aquele que é regulado por normas jurídicas”. Ora, se isso fosse levado em consideração, poder-se-ia dizer que “todo Estado seria Estado de Direito, pois todos os Estados são de algum modo regidos por normas”, como ele mesmo diz. E não é bem assim. Por exemplo, o Estado brasileiro, no período da ditadura militar (1964-1985) era regido por normas jurídicas. Nem por isso se constituía em Estado de Direito.
O raciocínio do jurista acima citado é complementado da seguinte maneira:
Na verdade, somente se deve considerar Estado de Direito aquele dotado de regramento jurídico capaz de colocar limites ao poder, evitando as práticas arbitrárias dos governantes. Não basta a existência de um estatuto jurídico do poder, pois estatuto jurídico do poder e Estado de Direito na verdade não são sinônimos (2004, p. 40).
Também, e, sobretudo, se pode falar em Estado de Direito, em toda sua plenitude, quando o povo participa da administração pública, quer pela escolha de seus legítimos representantes, na chamada democracia representativa, quer pela sua participação direta, na forma prevista em lei, no que se chama democracia participativa, que se manifesta por meio do controle social da Administração Pública. 
	 Em memorável publicação, intitulada ‘Carta aos Brasileiros’, GOFFREDO TELLES JÚNIOR identificou o Estado de Direito por três pontos básicos: “por ser obediente ao Direito; por ser guardião dos direitos; e por ser aberto para as conquistas da cultura jurídica”. Por sua vez, com base no jurista alemão ULRICH KLUG, NADER afirma que “não haverá Estado de Direito quando uma pessoa puder exercer sobre outra um poder incontrolado” (2011, p. 139).
	 A característica essencial do Estado de Direito está na submissão deste à ordem jurídica estabelecida de forma legítima, e, especialmente, no cumprimento das decisões judiciais.
 Mais uma vez, a lição de HUGO DE BRITO MACHADO, que, acertadamente, combate a edição (pelo Estado) de normas com eficácia retroativa em detrimento do cidadão:
A irretroatividade das leis, como princípio de garantia do cidadão, na verdade faz parte da própria essência do Direito. A irretroatividade das leis é o mínimo que um ordenamento jurídico pode oferecer para preservar a liberdade humana. A liberdade do ser humano, de se conduzir, conhecendo o significado jurídico e assim a consequência de seus atos. Sem o princípio da irretroatividade não existe ordenamento jurídico. Segurança, valor protegido pela irretroatividade, e justiça são valores universais e perenes que se confundem com a própria ideia de Direito. Integram a essência deste (2004, p. 41).
	 	Já o americano JOHN RAWLS (1921-2002) diz:
	O Estado de direito implica, sobretudo, o papel determinante de algumas instituições, assim como práticas judiciárias e legais que lhes estão associadas. Pode implicar, entre outras coisas, que todos os empregados do governo, inclusive o poder executivo, sejam submetidos à lei, que seus atos estejam sujeitos a investigação judicial, que o poder judicial seja suficientemente independente e que a autoridade civil prevaleça sobre a autoridade militar (2000, p. 371).
	 	Em tudo o que foi dito anteriormente repousa o Estado de Direito.
	
	 Apenas para fechar este item, lembramos que alguns juristas fazem a distinção entre Estado de Direito e Estado Democrático de Direito. No primeiro caso ter-se-ia o Estado regido por leis, pura e simplesmente; no segundo, ter-se-ia o Estado regido por leis legítimas.
1.6.4 Conjugação Estado/interesse dos cidadãos
	JOSÉ FERNANDO DE CASTRO FARIAS lembra que, para HEGEL, “o Estado é bem constituído quando os seus fins gerais conjugam-se com o interesse peculiar dos cidadãos; um encontra no outro a sua satisfação e a sua realização: ‘o momento de tal união representa
os períodos do seu (Estado) florescimento, da sua virtude, da sua força e de sua felicidade’” (2004, p. 29).
	MIGUEL REALE, discorrendo sobre o maior pensador sergipano, TOBIAS BARRETO, que ele considera “o maior dos pensadores do Nordeste”, lembra ter dito este nosso valoroso patrício que “o cidadão é a forma social do homem, como o Estado é a forma social do povo”, devendo o Estado ser “a sabedoria do poder” (1998, p. 182; 187).
1.6.5 Política
	Como já é amplamente sabido, o termo política provém de polis, politikós, significando tudo aquilo que diz respeito à cidade e, desse modo, ao cidadão no seu convívio social, segundo nos transmitiu ARISTÓTELES, o genial estagirita.
		O jurista português MÁRIO BIGOTTE CHORÃO conceitua a política, em termos amplos, como “a atividade humana concernente à organização e governo da sociedade civil ou política, v.g., da comunidade que modernamente se define como Estado” (2000, p. 210).
 	É preciso salientar de pronto que Estado e Política são assuntos tratados em disciplinas apropriadas. Aqui interessa-nos apenas as relações de ambos com o Direito.
1.6.6 Direito e Política
	VENOSA afirma que o aplicador do “Direito utiliza-se de leis elaboradas pelo Poder Legislativo e, por vezes, excepcionalmente, no Estado de Direito, pelo Poder Executivo. Nesse sentido, não pode ser esquecido que o Direito é um produto da Política. O operador do Direito também exerce uma função política. O Direito é, na verdade, um limitador da atividade política, pois, ao ser aplicado ao caso concreto, cerceia e limita a atividade política” (2006, p. 235). 
	Já DIMITRI DIMOULIS alerta para o fato de que os “políticos deveriam respeitar o Direito, que impõe o princípio da probidade na administração do dinheiro público, pune a corrupção e obriga a cuidar do bem-estar de todos. Dessa forma, o Direito aparece como um instrumento mais poderoso do que a vontade política” (2007, p. 119).
	É importante conhecer as relações entre o Direito e a Política. Para tanto, é imperioso distinguir entre poder legítimo e ilegítimo. Legítimo é o poder que é exercido por quem foi autorizado por uma norma ou por um conjunto de normas, absorvidas e aceitas pela sociedade. Ilegítimo, por exemplo, é o poder paralelo estabelecido atualmente por sociedades criminosas que atuam no seio social. Tais sociedades também exercem o poder e a política, mas à margem do Estado. 
	Inegavelmente, a política gira “em torno do Estado e suas estruturas. Não resta dúvida que o Estado é a mais importante das instituições políticas (vide item 1.6.2). É no Estado que a política se realiza em toda sua magnitude. Não é o Estado, contudo, o reduto exclusivo da política, pois política existe onde está presente o relacionamento humano. Assim, há uma política na empresa, no local de trabalho, nas associações, nas pessoas jurídicas em geral, na família, nas escolas e nas universidades, nas ruas. O que importa, porém, como ciência política, é a política do Estado, que traça as normas e a direção da Administração” (VENOSA, 2006, p. 236).
	A política do Estado é institucional, ou seja, cuida dos desígnios da nação. Como ser social e, por conseguinte, político, o homem comum faz política na escola, nas ruas, dentro de casa. Entretanto, somente a política do Estado cuida de estruturar as instituições. Mas a política também tem por fim agir como mecanismo de convencimento e, assim, procura transformar as instituições. Nesse sentido, as leis que emanam do Estado são reflexos de sua política. Verifica-se, portanto, que há uma estreita relação entre Política e Direito.
1.7 Direito da Política
	Não se pode negar que o Direito é um instrumento da Política. No Direito existe uma esfera técnica e uma esfera política. Cabe à Política escolher um caminho e ao Direito cabe instrumentalizar esse caminho ensejando a realização das diretrizes políticas. Pode-se dizer, então, que existe o Direito da política. A Política serve-se do Direito para realizar seus objetivos. Há quem entende que nem todas as normas jurídicas têm cunho político, pois algumas normas são eminentemente técnicas. Todavia, as normas técnicas complementam as normas que têm inspiração política. 
1.8 Crise da Política e Direito
		Há, sim, uma crise da Política. Isto fica bastante acentuado quando se percebe que a sociedade é colocada à margem das discussões e decisões políticas, por aqueles que detêm cargos públicos e deles fazem uso não para a busca constante do bem-estar social, mas para que sejam trampolins para suas conquistas pessoais ou fins escusos. Percebe-se que há uma ligação estreita entre Política e Moral, pois ambas deixam transparecer a ideia de ação, de conduta. Porém, os critérios são diferentes, posto que nem sempre o que é obrigatório na Moral o é na Política. Nem sempre o que é moralmente lícito é politicamente correto. O ideal mesmo é que as condutas políticas aproximem-se o quanto possível da Moral e com ela se harmonizem, sustentam alguns. Na visão de NORBERTO BOBBIO a dicotomia entre Política e Moral é impossível de ser equacionada no mesmo plano, no mesmo nível em que são colocadas outras esferas de conduta. Diz ele:
Não que não tenham existido teorias que sustentaram a tese contrária, a tese na qual também a política se submete, ou melhor, deve se submeter, à lei moral, mas nunca puderam se firmar com argumentos muitos convincentes, e foram considerados tão nobres quanto inúteis (2000, p. 180).
Em que pese o pensamento bobbiano, é preciso considerar que deve haver uma conduta na política, ou seja, uma ética, que deve sempre ser avaliada em cada momento histórico. CELSO ANTÔNIO CASTRO e LEONOR PEÇANHA FALCÃO, avaliando que cultura e desenvolvimento somente podem obter sucesso dentro do campo ético, dizem:
Todo comportamento social deve pautar-se pela ética. No entanto, no domínio político, a ética é tida como algo extraordinário. É a posição inversa da obediência das leis. Os políticos falam da ética como se fosse uma virtude rara. Isso só denuncia que para eles o normal é desconhecê-la (2004, p. 15).
1.9 Política do Direito
	Quando se fala em política do direito, fala-se, segundo CHORÃO, no “entrecruzamento do direito e da política [visando ao] estudo da adequação dos meios jurídicos, nomeadamente legislativos, à realização dos fins da sociedade política” (2000, p. 217).
VENOSA alerta:
Podemos distinguir dois conceitos de política do direito, ainda que intimamente relacionados. Há um primeiro conceito que diz respeito à determinação dos objetivos da atividade normativa indicados pela autoridade legislativa. Em um segundo conceito, podemos nos referir à política do direito como a técnica e os instrumentos jurídicos mais adequados para atingir os objetivos anteriormente fixados. Esses dois conceitos correspondem, sem dúvida, às principais atividades políticas dos agentes do Estado (2006, p. 241).
	Pode-se afirmar, em princípio, que “o sujeito ativo da política do direito é o órgão constitucional dotado de legitimação política, principalmente o legislador, mas também, em menor grau, o Poder Executivo e o Poder Judiciário”, como diz VENOSA, acrescentando que o Estado “terá uma política do Direito tanto mais eficaz quanto maior for sua capacidade de alterar eficazmente os rumos estabelecidos, de acordo com as necessidades históricas”. Ou seja, o Direito é dinâmico porque dinâmica é a sociedade que o cria e dele depende para manter-se em ordem e paz (2006, p. 241).
		VENOSA ainda afirma:
 A capacidade de adaptação do Estado talvez seja hoje o maior obstáculo à sua correta atuação. Essa capacidade depende, por demais, como é óbvio, da cultura jurídica dos responsáveis pelo Estado. Cada vez mais há tendência, que deve ser tanto quanto possível sofreada, de invasão do direito público na esfera privada e na autonomia da vontade. Essa é uma tendência universal. Muitas vezes, sob a alegação de conceder-se maior proteção geral, violam-se a autonomia da vontade e os direitos fundamentais. A cada passo, essa
política do Direito deve ser questionada (2006, p. 241-242).
	É sempre bom lembrar que nenhum ordenamento estatal funcionará de forma adequada se não forem fornecidos aos cidadãos instrumentos procedimentais para a proteção de seus direitos.
		JOSÉ EDUARDO FARIA, analisando a correlação existente entre Direito e Poder, em termos nitidamente tridimensionais, e dentro do tema ‘a política do direito’, salienta:
De fato, dada a tensão existente entre as situações de conflito que existem na vida em sociedade, fica evidenciada a visão da correlação fundamental existente entre direito e poder, em termos de solução normativa positivada: a ordenação dos fatos segundo valores, encontrando seu momento culminante num ato de poder que expressa a opção por uma, entre diversas proposições normativas, e instaura uma norma jurídica.
	Daí o fenômeno da objetivação do poder, que está na essência do conceito de legalidade e na raiz da moderna ideia de Estado de Direito: o poder objetivado é aquele exercido de acordo com certas normas impessoais que se desligam das vontades que o prescreveram, convertendo-se em intencionalidades objetivadas. Esta ordenação dos fatos segundo critérios de valor é que permite entender o direito, como o faz Freund, como a intermediação entre as atividades políticas e os valores morais, ou seja, a ‘dialética entre a política e a ética’ (1978, p. 22).
OBSERVAÇÃO: 	leitura obrigatória, inclusive para fins de avaliação:
1. Nader: Capítulo XIII, p. 129 a 139.
2. Venosa: Capítulo 9, p. 233 a 242.
2 TÉCNICA JURÍDICA
2.1 Considerações preliminares 
	MIGUEL REALE afirma, com acentuada propriedade, que “a Revolução Francesa atinge um ponto culminante com a publicação do Código Civil de Napoleão”, o que se deu em 1804, para viger no ano seguinte. Esse Código Civil francês era “um monumento da ordenação da vida civil, projetado com grande engenho e não menor arte”, diz o mestre paulista (2002, p. 277). 
Um dos elaboradores do citado Código, PORTALIS, reconheceu que o estatuto civil francês continha insuficiências e lacunas. Entretanto, os seus primeiros intérpretes e aplicadores não pensavam dessa maneira, considerando “que não havia parcela da vida social que não tivesse sido devida e adequadamente regulada, razão pela qual haviam sido revogadas todas as ordenações, usos e costumes até então vigentes” (REALE, 2002, p. 277). 
	Ora, já sabemos que naquele instante mesmo da edição do Código de Napoleão o monismo jurídico aflorava com vigor. A Escola Dogmática, também chamada Exegética ou Legalista, pregava a estreita observância dos ditames da lei. REALE mostra o porquê disso:
Compreende-se essa atitude. A Revolução Francesa vinha declarar a igualdade de todos perante a lei e, ao mesmo tempo esfacelava os núcleos nos quais ainda subsistiam sistemas jurídicos particularistas com pretensão de ‘soberania’ perante o Estado. Os privilégios e as prerrogativas da nobreza e do clero desapareceram para que o Direito se revelasse apenas através da vontade geral. ‘Todos os direitos são fixados pela lei’, como expressão da vontade geral, proclamou Jean Jacques-Rousseau, fundando criadoramente o pensar político do seu tempo.
Surgia, assim, o Código Civil, como expressão da vontade comum, não admitindo qualquer concorrência por parte dos usos e costumes e, também, por parte de elaborações legislativas particulares (2002, p. 277-278).
Como já estudamos, a lei foi elevada a um plano tão distinguido que, nos sistemas de inspiração romana, passou a ser a fonte única do Direito. Logo, o problema da Ciência do Direito “resolveu-se, de certa maneira, no problema da interpretação melhor da lei”, criando-se, de pronto, duas verdades paralelas: “o Direito positivo é a lei; e, uma outra: a Ciência do Direito depende da interpretação da lei segundo processos lógicos adequados” (REALE, 2002, p. 278). 
A interpretação da lei acabaria sendo a base da Escola da Exegese francesa, que, no decorrer do século XIX, prelecionou que na lei positiva (elaborada pelo Estado, na concepção monista) repousava toda e qualquer possibilidade de uma solução para todos os casos concretos da vida social. Dependia de saber interpretar o Direito. A lei era o ápice, era tudo. 
O dever do jurista era ater-se ao texto legal. Fora dele não havia soluções possíveis. Estavam lançadas “as bases do que se costuma denominar Jurisprudência conceitual, por dar mais atenção aos preceitos jurídicos, esculpidos na lei, do que às estruturas sociais, aos campos de interesses aos quais aqueles conceitos se destinam” (REALE, 2002, p. 278). 
 PAULO NADER anota que o homem para alcançar “os fins que deseja, necessita utilizar um conjunto de meios e recursos adequados, ou seja, de empregar a técnica”. E acrescenta: “Os antigos definiam-na como recta ratio factibilium (reta razão no plano do fazer), para distingui-la, consoante expõe a doutrina, da recta ratio agibilium (reta razão no plano de agir). Técnica, no dizer de Legaz e Lacambra, consiste no ‘conjunto de operações pelas quais se adaptam meios adequados aos fins buscados ou desejados’” (2011, p. 221). 
 A ciência dirige o conhecimento humano, ao passo que a técnica objetiva a atividade humana.
2.2 Breve compreensão sobre a técnica jurídica
Diz NADER que para que “o Direito cumpra a finalidade de prover o meio social de segurança e justiça, é indispensável que, paralelamente ao seu desenvolvimento filosófico e científico, avance também no campo da técnica”. Para ele, “somente com a conjugação da filosofia, ciência e técnica, a ordem jurídica pode apresentar-se como um instrumento apto a orientar o bem comum” (2011, p. 222). 
2.3 O que é técnica jurídica
	 Denomina-se técnica jurídica “o conjunto de meios e de procedimentos que tornam prática e efetiva a norma jurídica”. De tal forma, quando “o legislador, [por exemplo], elabora um código, as normas ficam acessíveis ao conhecimento; ao desenvolver a técnica de interpretação, o exegeta revela o sentido e o alcance da norma jurídica; com a técnica de aplicação, os juízes e administradores dão efetividade à norma jurídica. Para cumprir as suas tarefas, o técnico obrigatoriamente deverá possuir o conhecimento científico do Direito” (NADER, 2011, p. 222). 
2.4 Espécies de técnica jurídica
	 	A Doutrina costuma distinguir, em parte, três espécies de técnica jurídica, a saber: técnica de elaboração, técnica de interpretação e técnica de aplicação. Alguns doutrinadores aludem à técnica doutrinária, “desenvolvida pelos juristas no preparo de seus trabalhos científicos e no ensino do Direito”, como salienta NADER. O mesmo autor considera, todavia, que a “elaboração de monografias está ligada às técnicas de comunicação de pensamento e o magistério do Direito às técnicas da didática especial” (2011, p. 223). Com ele comungamos plenamente. 
2.4.1 Técnica de elaboração
	 Diz respeito ao Direito escrito e se desdobra em técnica legislativa e processo legislativo. O processo legislativo foi estudado em IED I, no capítulo destinado às Fontes do Direito, no item referente à lei. Por oportuno, faremos uma ligeira apresentação da técnica legislativa, embora, no presente estudo, nos caiba, sobretudo, apreciar a técnica de interpretação e a técnica de aplicação. 
2.4.2 Técnica de interpretação
		Objetiva revelar o significado das expressões jurídicas. É tarefa de todos os destinatários da norma jurídica, e não apenas de seus aplicadores (juízes, nos processos judiciais, e administradores, nos processos administrativos). O fim da técnica de interpretação consiste em propiciar ao espírito humano o conhecimento do Direito (normas escritas ou consuetudinárias). 
Os meios mais utilizados na interpretação do Direito são o gramatical, o lógico, o sistemático, o histórico, e, modernamente, o teleológico, que serão analisados adiante, no capítulo 7.
2.4.3 Técnica de aplicação
		Alguns autores a denominam técnica judicial. Sua finalidade é orientar os juízes e administradores, na tarefa de
julgar. Aos juízes, claro, nos processos judiciais e aos administradores, nos processos administrativos. Essa espécie de técnica não se limita “à simples aplicação das normas aos casos concretos, mas compreende os meios de apuração das provas e pressupõe o conhecimento da técnica de interpretação”. Por tradição, “a aplicação do Direito é considerada um silogismo, em que a premissa maior é a norma jurídica, a premissa menor é o fato e a conclusão é a sentença ou decisão” (NADER, 2011, p. 223). 
2.5 Conteúdo da técnica jurídica
Segundo NADER, o jurista argentino ABELARDO TORRÉ divide o conteúdo da técnica jurídica em meios formais e substanciais. 
Os meios formais são a linguagem (compreendendo os vocábulos, as fórmulas, o aforismo e o estilo), as formas e o sistema de publicidade. Quanto aos meios substanciais são: as definições, os conceitos, as categorias, as presunções e as ficções. 
2.5.1 Meios formais
	Referem-se às formalidades e seus elementos estruturais, indispensáveis aos atos da vida jurídica. 
I – Linguagem
	A linguagem é o instrumento básico do entendimento humano. O Direito depende da linguagem, pois ela expressa os modelos de comportamento a serem seguidos pelos indivíduos no seio social. Os textos legais devem ser redigidos numa linguagem sem distorções. Do contrário poderão advir distorções na aplicação da lei. Além das leis, as decisões judiciais, os contratos e outras modalidades de negócios jurídicos devem ser elaborados com simplicidade, clareza e concisão, sem perder-se de vista o estilo próprio do Direito e a precisão dos conceitos. 
Vocábulos: a linguagem jurídica deve buscar a conciliação entre os interesses da ciência e os referentes ao conhecimento do Direito pelo povo, evitando o tecnicismo desnecessário. Saliente-se, todavia, que a linguagem jurídica faz uso de vocábulos que lhes são próprios, como: debênture, codicilo, anticrese. Também são usados vocábulos de uso comum, mas com sentido jurídico específico, tais como repetição, tradição, penhor.
Fórmulas: no passado o Direito era constituído por fórmulas de cunho religioso, que eram adotadas nos negócios jurídicos e nos atos judiciais. Tais fórmulas tendem a desaparecer, embora algumas ainda sejam usadas em termos judiciais e até mesmo em contratos particulares ou públicos. No caso do casamento, na forma do art. 1.535 do Código Civil, exige-se que o presidente do ato profira esta fórmula sacramental: “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados”. 
Aforismos: são brocardos, sentenças breves e conceituosas, que ainda são usados nos trabalhos científicos, nas decisões judiciais, nas peças jurídicas em geral; certos aforismos são de origem romana: acessio temporis (acessão do tempo); ad argumentandum tantum (apenas para argumentar); ad nutum (à vontade, ao agrado); fumus boni juris (fumaça do bom direito); honoris causa (por título honorífico); in limine litis (no começo da lide); locus regit actum (o lugar determina o ato); summuum jus, summa injuria (suprema justiça, suprema injúria); sub judice (pendente do juiz); tempus regit actum (o tempo rege o ato); verbo ad verbum (palavra por palavra) etc. 
Estilo: o estilo jurídico deve ser sóbrio, simples, claro e conciso. A clareza da linguagem deve ser a preocupação do legislador e do jurista. “A beleza do estilo, diz NADER, se justifica apenas quando vem ornamentar o saber jurídico” (2011, p. 226). 
II - Formas
	Afirma NADER que as “formalidades exigidas pelo ordenamento jurídico têm a finalidade de proteger os interesses dos que participam na realização dos fatos jurídicos, bem como a de manter organizados os assentamentos públicos, como o de registro das pessoas naturais e jurídicas e de imóveis” (2011, p. 227). 
	Há negócios jurídicos que só têm validade se forem produzidos de acordo com a forma prevista em lei. São os chamados atos formais ou solenes. Quando não há condição legal para a celebração do ato, este é tido como ato não formal. Na atividade jurisdicional é constante a formalidade, uma vez que o rito das ações judiciais é cheio de exigências formais, ditadas pelo Direito Processual. 
III - Sistema de publicidade
	Os atos da vida jurídica que afetam o bem comum devem constar de registros públicos e, quando necessário, devem ser publicados. Se esses atos que interessam ao convívio social ficassem na penumbra o Direito não se configuraria numa vitória dos povos civilizados. Dentre os atos jurídicos que devem ser publicados acham-se as fontes escritas do direito (leis, decretos etc.), fatos ligados à organização das pessoas jurídicas, atos do poder público, formalidades relativas ao casamento civil etc. Os atos que não precisam ser publicados, mas devem constar de assentamentos públicos são, dentre outros, as escrituras públicas lavradas nos tabelionatos, inscrições nos cartórios de registro civil (nascimento, casamento, morte etc.), registro de imóveis etc. 
2.5.2 Meios substanciais
Esses meios são de natureza lógica e derivam do intelecto. 
 
I - Definições
Não cabe ao legislador definir os elementos integrantes do Direito. Essa tarefa é própria da doutrina, a quem compete estudar, interpretar e explicar a fenomenologia jurídica, como, aliás, vimos em IED I. Definir é dar precisão ao “sentido de uma palavra ou revelar um objeto por suas notas essenciais”. Todavia, às vezes o legislador dá-nos certas definições, a fim de: a) evitar insegurança na interpretação, quando ocorre divergência doutrinária sobre a matéria; b) atribuir a um fenômeno jurídico sentido especial, distinto do habitual; c) apresentar um instituto novo, não divulgado suficientemente pela doutrina (NADER, 2011, p. 227-228).
II - Conceitos
Atenção para a explicitação de NADER:
Conceito ou noção é a representação intelectual da realidade. Enquanto a definição é um juízo externo, que revela o conhecimento de alguma coisa mediante a expressão verbal, o conceito é um juízo interno, conhecimento pensante, que pode ou não vir expresso objetivamente por palavras. O termo lei é a expressão verbal de um conceito. Este consiste no fato de o espírito possuir a ideia de um objeto por seus caracteres gerais. Para que alguém possa definir um ser deve, primeiramente, possuí-lo intelectualmente, isto é, conhecê-lo (2011, p. 228). 
Os conceitos jurídicos têm a função de simplificar os textos legislativos e de lhes imprimir maior rigor e precisão lógica. É comum recorrer-se aos conceitos de culpa, dolo, insolvência, justa causa, legítima defesa, contrato etc. 
III - Categorias
	Com vistas à simplificação da ordem jurídica, dotando-a de sistematização e praticidade, a doutrina cria a categoria, que é um gênero agregador de várias espécies que têm afinidades comuns. Por exemplo: a pessoa jurídica de Direito Privado é uma categoria que reúne várias espécies tais como: sociedade civil, comercial, associações, fundações, organizações religiosas, partidos políticos, na forma do art. 44 do Código Civil (vide item 9.13.2.2). As categorias são de grande utilidade à técnica dos códigos, vez que permitem ao legislador referir-se apenas ao gênero, ao invés de enumerar as várias espécies que o compõem. 
IV - Presunções
 	Buscando inspiração no Código Civil francês (Código de Napoleão), CLÓVIS BEVILACQUA definiu a presunção como a “ilação que se tira de um fato conhecido para provar a existência de outro desconhecido”. É considerar verdadeiro o apenas provável. Ou como diziam os romanos, “tomar-se por verdadeiro o fato antes de claramente demonstrado”. Usa-se muito a presunção de inocência, presunção de veracidade etc. 
	A presunção divide-se em: simples ou comum e legal.
Presunção simples ou comum: também chamada “de homem”, é feita pelo juiz, baseado no senso comum, ao examinar a matéria de fato. A sua dedução deve ser feita com prudência e somente quando for possível fundar-se em matéria de prova. Segundo MOACYR AMARAL SANTOS, citado por
NADER, dar-se-á tal presunção quando o “juiz, fundado em fatos provados, ou suas circunstâncias, raciocina, guiado pela sua experiência e pelo que ordinariamente acontece, e conclui por presumir a existência de um outro fato” (2011, p. 229). 
Presunção legal: é a estabelecida por lei e subdivide-se em:
b1) absoluta: também denominada peremptória e juris et de jure (direito e de direito), não admite prova em contrário. Caso a parte interessada consiga provar o contrário, tal fato será insubsistente. Tomemos como exemplo o art. 163 do Código Civil, que configura esta espécie: “Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor”. 
b2) relativa: chamada de condicional e juris tantum (até onde o direito permite), caracteriza-se por admitir prova em contrário. Como diz NADER, a “conclusão que a lei atribui a determinadas situações prevalece somente na ausência de prova em contrário”. Citamos como exemplo o art. 1.231 do Código Civil: “o domínio presume-se exclusivo e ilimitado, até prova em contrário”. 
b3) mista ou intermédia: a lei estabelece uma presunção que, em princípio, não admite prova em contrário, a não ser através de determinado tipo por ela previsto. No Código Civil atual pode ser citado o teor do art. 1.545 como exemplo da presunção legal mista.
 V - Ficções
Ocorrem as ficções quando o legislador, por necessidade, aplica a uma categoria jurídica o regramento próprio de outra. Dessa forma ele se utiliza do elemento ficção jurídica que, segundo FERRARA, “é um instrumento de técnica legislativa para transportar o regulamento jurídico de um fato para fato diverso que, por analogia de situações, ou por outras razões, se deseja comparar ao primeiro” (Apud NADER, 2011, p. 230). Exemplos: as embaixadas estrangeiras, por ficção jurídica, são consideradas como se elas fossem uma extensão do território de seus respectivos Países; os acessórios de um imóvel são móveis por natureza, mas recebem o tratamento jurídico próprio de imóveis. 
Observemos, entretanto, que a ficção jurídica não tem o condão de transformar em verdadeiro o que é evidentemente falso. Assim sendo, não procede a crítica de IHERING, para quem a ficção jurídica é a “mentira técnica consagrada pela necessidade”. 
2.6 Técnica legislativa
2.6.1 Conceito
	 	Para RUDOLF STAMMLER técnica legislativa “é a arte de dar às normas jurídicas expressão exata; de vestir com as palavras mais precisas os pensamentos que encerra a matéria de um Direito positivo; a arte que todo legislador deve dominar, pois o Direito que surge tem de achar suas expressões em normas jurídicas” (Apud NADER, 2011, p. 237). Entre nós vige, desde 1998, a Lei Complementar nº 95, que trata da elaboração das leis. 
2.6.2 Apresentação material dos atos legislativos
I – Artigo 
Artigo, que significa parte, trecho, juntura, “vem a ser a unidade básica para a apresentação, divisão ou agrupamento de assuntos”, segundo HÉSIO FERNANDES PINHEIRO (Apud NADER, 2011, p. 244). Os artigos devem ser numerados, observando-se a seguinte orientação: a) os nove primeiros pela sequência ordinal: art. 1º, art. 2º... art. 9º; b) os que se seguem ao art. 9°, pelos números cardinais: art. 10, art. 11... Quando o artigo é dividido em parágrafos ou outros recursos técnicos, denomina-se caput (cabeça) a parte que antecede o desdobramento.
 II – Parágrafo 
O parágrafo tem por símbolo o sinal gráfico §, tem a finalidade de explicar ou modificar (abrir exceção) o artigo. Não formula regra geral nem o princípio básico, mas limita-se a complementar o caput do artigo. O critério para a numeração dos parágrafos é igual ao dos artigos: sequência ordinal para os nove primeiros, e cardinal para os demais. Quando o artigo apresentar apenas um parágrafo, este não deve ser representado pelo símbolo §, mas escrito por extenso: parágrafo único.
 	 III – Inciso, alínea e item 
O art. 10 da Lei Complementar n° 95/1998, dispondo sobre o desdobramento dos artigos, orienta no sentido de que os artigos deverão ser desdobrados em parágrafos ou em incisos; os parágrafos, em incisos, os incisos em alíneas e as alíneas em itens. Incisos, alíneas e itens servem para “apresentar requisitos, enumerar situações, elementos, hipóteses” (NADER, 2011, p. 246). Aliás, a Lei citada deve ser conhecida por todos que estudam a Ciência Jurídica. 
a) Inciso: o inciso será representado por algarismo romano e sua função é a de dividir artigos e parágrafos. Não possui autonomia de sentido, pois isoladamente nada representa. A sua compreensão somente se revela pela conexão com a parte que desdobra.
b) Alínea: é recurso técnico apenas para desdobrar o inciso e graficamente deverá vir representada por letra minúscula.
Item: destina-se a desdobrar as alíneas, devendo ser expresso em algarismo arábico.
IV – Agrupamento de artigos 
É quando na ocorrência de atos legislativos mais extensos, como os códigos e as consolidações, a matéria legislada é classificada por natureza de assuntos, e cada um destes representa-se por um grupo de artigos. Seguindo o modelo do Código Civil vigente, tem-se um exemplo das formas de agrupamento de artigos, a saber:
a) os artigos formam a seção ou subseção;
b) as subseções formam as seções;
c) as seções formam o capítulo;
d) os capítulos formam o título;
e) os títulos constituem o livro;
f) os livros formam a parte;
g) as partes formam o código.
É salutar a explicação a seguir de NADER, sobre a enumeração anterior:
Esta enumeração registra uma ordem crescente de generalização. Assim, o capítulo contém assuntos mais genéricos do que as seções e mais específicos do que o título. Observe-se que é possível, ainda, conforme enuncia a Lei Complementar citada, o agrupamento de artigos em subseções e estas em seções, critério este adotado [por exemplo] no Código Civil de 2002 em vários de seus capítulos (2011, p. 247). 
OBSERVAÇÃO: 	leitura obrigatória, inclusive para fins de avaliação:
Paulo Nader: capítulo 22 (p. 221 a 247).
3 TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO 
 Ordem
	Para GOFFREDO TELLES JÚNIOR, “no momento em que nos debruçamos sobre o problema da ordem jurídica”, assaltam-nos algumas perguntas, tais como: “Que é a ordem? A ordem sem complementos, sem qualificativos, a ordem em si mesma, a ordem em abstrato, a que se reduz? Em que consiste?” (2006, p. 3).
		Ora, não se pode falar em ordem jurídica sem, antes, falar em ordem social, com todos os seus desdobramentos, e não se deve cogitar da ordem social sem buscar a definição de ordem no contexto geral. Assim sendo, TELLES JR. diz:
Em que, propriamente, estaremos pensando quando meditamos sobre a ordem? Sobre o que estaremos pensando quando refletimos sobre a ordem em abstrato, antes de pensar sobre a ordem cósmica..., a ordem dos elementos..., a ordem das ideias..., a ordem ética..., a ordem jurídica..., a ordem dos livros na biblioteca..., a ordem das mercadorias nas prateleiras..., a ordem dos objetos na gaveta...?
	Há uma ideia de ordem, uma só ideia de ordem em abstrato, que permanece sempre a mesma, em todos esses pensamentos de ordens concretas.
	Tal ideia, por ser preliminar e fundamental, é o que nos preocupa neste instante.
Toda ordem, evidentemente, é uma disposição. Mas não é uma disposição qualquer. É uma certa disposição, uma disposição conveniente de coisas, sendo que a disposição só pode ser considerada conveniente quando alcança o fim em razão do qual ela é dada às coisas.
		[...]
É obvio que toda ordem requer coisas múltiplas, seres necessariamente distintos uns dos outros (embora possam ser iguais uns aos outros). Não pode haver ordem onde não haja multiplicidade de coisas, multiplicidade de seres; onde não haja coisas ou seres distintos para ordenar, isto é, para relacionar uns com os outros e colocar em seus devidos lugares. ‘Não há ordem sem distinção’, disse Santo Thomaz de Aquino.
Numa biblioteca, os livros são diferentes uns dos outros. Num muro,
os tijolos são iguais uns aos outros. Mas, nos dois casos – na biblioteca e no muro –, as coisas ordenadas são múltiplas, e são distintas umas das outras.
E não pode haver ordem sem determinação do fim em razão do qual uma disposição conveniente é dada a seres múltiplos, e por força da qual tais seres passam a constituir uma unidade (2006, p. 3-4).
É preciso entender que “a ordem compreende multiplicidade e unidade”. Nesse sentido, TELLES JR., enfatiza: “E como, em todas as ordens, a multiplicidade dos seres se submete à unidade do conjunto, toda ordem implica dominação da unidade sobre o múltiplo” (2006, p. 5). Levando a proposição para o campo da ordem jurídica, afirma-se que esta se sobrepõe ao múltiplo (às múltiplas normas que a constituem). 
		Oportuna é esta lição de JACY DE SOUZA MENDONÇA, discorrendo sobre a ordem:
Deus não joga dados com o universo, afirmou Albert Einstein, reunindo numa só frase a genial experiência do físico, a plasticidade do poeta e sua inegável vocação filosófica. Natureza, no sentido de conjunto das coisas existentes, é ordem e não caos: as coisas que nos cercam não foram jogadas ao léu, mas estão rigorosamente organizadas. A ordem de todas as coisas forma o universo, a unidade na diversidade. Ordem significa que todas as coisas de um conjunto estão distribuídas e relacionadas em função de determinados fins. Se, ao organizar meus livros, a finalidade pretendida for embelezar o ambiente, irei dispô-los de forma diferente daquela que empregaria se fosse um livreiro e minha finalidade fosse dispô-los para intensificar minhas vendas ou, ainda, se fosse um bibliotecário e pretendesse facilmente encontrar o livro desejado pelo leitor. Estabelecido o fim para a disposição de meus livros, estão implicitamente traçadas as normas de organização de minha biblioteca, que correspondem aos caminhos que conduzem ao fim pretendido (2002, p. 45).
3.2 Ordem, estrutura e existência
		Pode haver ordem sem pensamento? Decerto que não. Assim, o pensamento é condição da ordem. E a ordem é condição da existência, pois não se pode cogitar existência sem ordem. 
		TELLES JR. preleciona:
Todos os seres existentes são estruturas, e as estruturas dependem da ordem a que se submetem seus elementos.
São estruturas, as galáxias e os átomos, as estrelas e as micro-partículas, as moléculas e as células, as rochas e os vegetais, os animais e os homens, os tropismos e os instintos, as sensações e as ideias, os juízos e os raciocínios. São estruturas, as ordenações jurídicas das Nações e dos Estados (2006, p. 13).
3.3 A ordem social
		Na vida social são “inúmeras e complexas as relações estabelecidas entre os indivíduos” que a integram. Além disso, “a cada dia, a cada momento, novas situações surgem, trazendo sempre a possibilidade de conflitos incomuns e, em consequência, ameaçando a harmonia, a paz enfim da coletividade” (ORLANDO DE ALMEIDA SECCO, 2005, p. 31). 
		À proporção que vão se multiplicando as hipóteses de relações entre os indivíduos, aumentam as possibilidades de conflitos, daí exigindo-se maior abrangência da ordem ou ordenamento social, que se constitui por inúmeras regras ou normas não estatais.
		SECCO diz que a ordem social “se caracteriza por uma complexa estrutura de princípios, regras, conceitos e métodos que todos os membros integrantes de uma sociedade devem observar e respeitar, tornando possível a coexistência de maneira pacífica, organizada e progressista”. E diz, ainda:
Paralelamente a essa Ordem Social há então uma Ordem Jurídica, isto é, um Ordenamento Jurídico.
Mas a Ordem Jurídica difere da Ordem Social, embora tenham em comum a mesma finalidade: organização e disciplinamento da sociedade.
Na realidade, a Ordem Jurídica é uma das partes integrantes da Ordem Social e pode ser conceituada como sendo a organização e disciplinamento da sociedade realizada por intermédio do Direito. É a organização e o disciplinamento da sociedade concretizada através de normas exclusivamente jurídicas (2005, p. 31). 
3.4 Aspectos da ordem social: ordem religiosa, moral e de trato social 
	Em IED I nós estudamos os aspectos da ordem social, a saber: ordem religiosa, ordem moral e ordem de trato social, ficando de estudar a ordem jurídica em IED II, como, deveras, o faremos a partir de agora.
3.5 A ordem jurídica e sua caracterização
	
ARTUR MACHADO PAUPÉRIO salienta que há “ordem na sociedade quando esta está convenientemente adaptada à sua própria finalidade, que é o bem comum. Para isso, há de estar a sociedade organizada também pelo direito e ser, assim, portadora do que podemos chamar de ordem jurídica” (1999, p. 39). 
		Como foi visto no semestre anterior, a ordem jurídica regula os aspectos mais importantes da convivência social e manifesta-se por meio das normas jurídicas, como, aliás, já foi dito. De tal maneira, assiste razão a PAUPÉRIO quando afirma:
Não há bem comum sem ordem jurídica, essencialmente indispensável a qualquer Estado.
Enquanto qualquer das outras formas da ordem social (religiosa, moral etc.) pode restringir-se a determinados setores da sociedade, a ordem jurídica alcança todo o campo social, nenhuma de cujas atividades escapa ao seu controle.
Por isso, a ordem jurídica é um verdadeiro sistema, capaz de atender a todas as exigências da vida social. Como sistema, representa um todo orgânico de princípios e normas, nos quais encontra a sociedade, sempre solução para dirimir quaisquer conflitos de convivência social (1999, p. 39).
3.6 Teoria da ordem jurídica
	Aqueles que ainda se iniciam no fascinante mundo do Direito devem ter paciência e perspicácia para compreender as mais diversas teorias e teses que envolvem os diferentes institutos ou assuntos jurídicos. Devem de início ter em mente que a Ciência Jurídica é uma ciência social, portanto, não exata e que, dessa forma, há de comportar variadas concepções sobre um mesmo tema. 
		Um dos aspectos mais polêmicos da teorização geral do Direito é, sem dúvida alguma, o relativo à ordem jurídica. Para alguns, a ordem jurídica se confunde com o ordenamento jurídico e este com o sistema jurídico. Para outros, contudo, ordem jurídica é um conceito próximo e derivado do ordenamento jurídico. 
 PAULO HAMILTON SIQUEIRA JR. diz:
	 O vocábulo ordem, do latim ordine, apresenta radical or, designando diretriz, rumo a seguir. Ordem pode ser conceituada como a unidade na multiplicidade ou a conveniente disposição de elementos para realização de um fim. Na ordem jurídica verificamos uma estrutura escalonada de normas que formam uma unidade. As normas formam um sistema que se reduzem a uma unidade (2001, p. 16).
 ORLANDO DE ALMEIDA SECCO, por seu turno, afirma:
	Variam os autores ao procurarem conceituar o que venha a ser a Ordem Jurídica. Ponto comum, contudo, entre os mais renomados, é a afirmativa de que a Ordem Jurídica é ‘o sistema de legalidade do Estado’. De fato, não há que se negar que ela constitua um verdadeiro sistema legal, compreendendo não só os atos legislativos (leis ordinárias, medidas provisórias etc.) como todas as demais fontes à disposição do Direito, estando implícitos os tratados internacionais, as sentenças, os contratos, a analogia, os costumes, os princípios gerais de direito etc.
 	[...]
Variam também os autores, ora referindo-se à ‘Ordem Jurídica’ e ora ao ‘Ordenamento Jurídico’. Entendemos que entre elas não haja diferença considerável, podendo as expressões ser tidas como idênticas, pois referem-se a uma mesma objetividade.
‘Ordenamento Jurídico’ ou ‘Ordem Jurídica’ é o sistema de legalidade do Estado. É a organização e disciplinamento da sociedade através do Direito. É a parte do Ordenamento Social que estabelece ou restabelece a ordem e a segurança, o equilíbrio enfim das relações intersubjetivas, pelo Direito, neste compreendidas não só as normas jurídicas como todas as demais fontes componentes do sistema de legalidade do Estado (2005, p. 32). 
 A nosso ver, realmente
não se deve guardar distinção entre ordem e ordenamento, ou entre ordenamento e sistema jurídico, no tocante ao conjunto de normas e princípios estatuídos e recepcionados pelo Estado para assegurar a harmonia e a paz social.
 	HUGO DE BRITO MACHADO corrobora este pensamento:
As expressões sistema jurídico e ordenamento jurídico geralmente são utilizadas como sinônimos. Preferimos a expressão ordenamento jurídico para designar o conjunto de normas que compõem o direito positivo de determinado país, mas entendemos que o ordenamento jurídico é sempre um sistema de normas.
[...] Assim, podemos nos referir ao sistema jurídico brasileiro, para designar o ordenamento jurídico vigente em nosso país (2004, p. 60).
	 	Parece-nos relevante salientar as seguintes palavras de FERRAZ JR: “o conceito de ordenamento é operacionalmente importante para a dogmática; nele se incluem elementos normativos (as normas) que são os principais, e não normativos (definições, critérios classificatórios, preâmbulos etc.); sua estrutura revela regras de vários tipos; no direito contemporâneo, a dogmática tende a vê-lo como um conjunto sistemático: quem fala em ordenamento pensa logo em sistema” (2007, p. 178). 
3.7 Pluralidade de elementos
		A ordem jurídica tem formação plural. Assim, é que PAULO NADER proclama:
A ideia de ordem pressupõe uma pluralidade de elementos que, por sua adequada posição ou função, compõem uma unidade de fim. A ordem jurídica, que é o sistema de legalidade do Estado, forma-se pela totalidade das normas vigentes, que se localizam em diversas fontes e se revelam a partir da Constituição Federal – a responsável pelas regras mais gerais e básicas à organização social. As demais formas de expressão do Direito (leis, decretos, costumes) devem estar ajustadas entre si e conjugadas àquela Lei Maior (2011, p. 81). 
		Não é sem razão que na “incidência de uma norma sobre um fato social, ali se encontra presente não apenas a norma considerada, mas a ordem jurídica, pois as normas, apreciadas isoladamente, não possuem vida”. Logo, a “pluralidade de elementos que o Direito oferece compõe-se de normas jurídicas que não se acham justapostas, mas que se entrelaçam em uma conexão harmônica” (NADER, 2011, p. 81). 
3.8 A ordem jurídica como sistema
3.8.1 Considerações gerais
	A palavra sistema provém do grego systema, significando “reunião das partes diversas de um mesmo corpo ou objeto”. Logo, “sistema jurídico ou sistema de direito é um bloco unitário de normas com características comuns” (SIQUEIRA JÚNIOR, 2001, p. 197-198).
	PAULO GUSMÃO afirma que “um dos objetivos da ciência do direito é construir o ‘sistema jurídico’, que muitos denominam ordenamento jurídico” (2011, p. 11). Para TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR. “a noção de ordenamento é complexa”. E complementa: “Em princípio, um ordenamento é um conjunto de normas” (2007, p. 175). Isto nós já o sabemos.
		NORBERTO BOBBIO deixa-nos a seguinte lição:
Quando nos perguntamos se um ordenamento jurídico constitui um sistema, nos perguntamos se as normas que o compõem estão num relacionamento de coerência entre si, e em que condições é possível essa relação (1996, p. 71).
		As normas jurídicas, como sabemos, destinam-se a satisfazer as necessidades resultantes das mais diversas situações sociais e a solucionar os possíveis conflitos de interesses que venham a se estabelecer entre os indivíduos. Tais normas, que constituem o Direito, encontram-se dispersas e são estabelecidas em épocas diferentes. Algumas delas são tidas como superiores, a exemplo da norma constitucional; outras, que constituem a maioria delas, são informadas por princípios comuns a mais de uma norma, possibilitando, desta forma, agrupá-las em conjuntos regidos pelos mesmos princípios (GUSMÃO, 2011, p. 11-12). 
	Esses conjuntos formam os sistemas jurídicos (o geral, como, p. ex., o sistema – ordenamento ou ordem – jurídico brasileiro, e os parciais, como, p. ex., o sistema jurídico brasileiro de direito civil ou de direito penal etc.).
	Como salienta FERRAZ JÚNIOR, o sistema (ordenamento ou ordem) é um conjunto de normas. Esse mesmo é o pensamento de BOBBIO:
Na realidade os ordenamentos são compostos por uma infinidade de normas, que, como as estrelas no céu, jamais alguém consegue contar. Quantas são as normas jurídicas que compõem o ordenamento jurídico italiano? [ou brasileiro?] Ninguém sabe. Os juristas queixam-se que são muitas; mas assim mesmo criam-se sempre novas, e não se pode deixar de criá-las para satisfazer todas as necessidades da sempre mais variada e intrincada vida social (1996, p. 37).
3.8.2 Ciência do Direito e unificação lógica
	As normas jurídicas, como todos sabem, são formuladas pelos legisladores, cabendo à Ciência do Direito “reduzi-las a unidades lógicas”, com o fim de evitar “as contradições dentro de uma ordem jurídica” (GUSMÃO, 2011, p. 12). Em outras palavras, quem faz a unificação lógica das normas jurídicas é a Ciência do Direito, pela atuação dos que a teorizam. No semestre anterior, em IED I, foram estudados os aspectos relativos à unificação lógica das normas jurídicas em sistema, à construção e objetivo deste, bem assim à construção de sistemas mais amplos do que os sistemas nacionais, apenas para fins de estudo. 
3.8.3 Rápido comentário sobre a unificação
	MACHADO NETO prescreve que “a primeira condição lógica, o pressuposto, mesmo, de todos os princípios teóricos configuradores da teoria do ordenamento jurídico é que as normas – Constituição, leis, decretos-leis, decretos, atos administrativos, contratos e sentenças – não se encontram soltas, mas hierarquicamente organizadas”. E completa: “Sem isso, não se poderia falar de sistema, de ordem, de ordenamento jurídico” (1988, p. 147). 
		WANDER BASTOS, seguindo os passos de KELSEN, em sua “Teoria Pura do Direito”, diz que a “ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas uma ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas” (1999, p. 136-137). 
3.8.4 Visão bobbiana acerca do ordenamento jurídico
		No item 3.8.1 nos referimos a NORBERTO BOBBIO. Faremos, agora, uma ligeira apreciação acerca de sua “Teoria do Ordenamento Jurídico”, uma de suas obras mais discutidas e apreciadas. Esse grande pensador italiano chama atenção para o fato de que, desde o século XVII, o problema do ordenamento jurídico não tinha ênfase nos estudos jurídicos, que se voltavam com maior acuidade para o estudo da norma jurídica. Diz ele: “Para nos exprimirmos com uma metáfora, considerava-se a árvore, mas não a floresta” (1996, p. 20). Ou seja, a norma (árvore) sempre figurou como ponta-de-lança do Direito, mas não o conjunto das normas, isto é, o ordenamento (floresta). Mostra, contudo, que um livro famoso de SANTI ROMANO foi “O Ordenamento Jurídico”, de 1917. 
	BOBBIO diz ainda que “o isolamento [ou seja, a separação] dos problemas do ordenamento jurídico dos da norma jurídica e o tratamento autônomo dos primeiros como parte de uma teoria geral do Direito foram obra sobretudo de Hans Kelsen”. E que dentre os méritos do jurista austríaco “está, certamente, o de ter tido plena consciência da importância de problemas conexos com a existência do ordenamento jurídico, e de ter dedicado a eles particular atenção”. E lembra que KELSEN, na “Teoria Geral do Direito e do Estado”, obra kelseniana que ele considera mais completa e concludente, a teoria do Direito é dividida em duas partes chamadas respectivamente Nomostática (que considera os problemas relativos à norma jurídica) e Nomodinâmica (que considera os problemas relativos ao ordenamento jurídico) (1996, p. 20-21). 
		Para BOBBIO “a teoria do ordenamento jurídico constitui uma integração da teoria da norma jurídica”, e não uma oposição como pregavam doutrinadores do passado (1996, p. 22). Considera também a convergência que existe entre o Direito como regra e o Direito como criação do poder soberano do Estado:
Ora, aquele
que está em condições de exercer a força para tornar eficazes as normas é justamente o poder soberano que detém o monopólio do exercício da força. Portanto, a teoria do Direito como regra coativa e a teoria do Direito como emanação do poder soberano são convergentes.
	O que essa teoria da soberania convida a observar, antes de tudo, é que, definido o Direito através do poder soberano, já se realizou o salto da norma isolada para o ordenamento no seu conjunto. Com a expressão muito genérica ‘poder soberano’ refere-se àquele conjunto de órgãos através dos quais um ordenamento que o estabelece. Se é verdade que um ordenamento jurídico é definido através da soberania, é também verdade que a soberania em uma determinada sociedade se define através do ordenamento jurídico. Poder soberano e ordenamento jurídico são dois conceitos que se referem um ao outro. E, portanto, quando o Direito é definido através do conceito de soberania, o que vem em primeiro plano não é a norma isolada, mas o ordenamento; dizer que norma jurídica é a emanada do poder soberano equivale a dizer que norma jurídica é aquela que faz parte de um determinado ordenamento. A soberania caracteriza não uma norma, mas um ordenamento; caracteriza a norma apenas enquanto ela é considerada como parte do ordenamento (1996, p. 25-26). 
	
 O ordenamento jurídico pressupõe uma pluralidade de normas, não havendo, por conseguinte, um ordenamento composto de uma norma só. Logo, o ordenamento não poderia ser concebido a partir de uma norma que tudo permitiria, ou que tudo proibiria ou que tudo obrigaria. Não seria concebível um ordenamento que regulasse todas as ações possíveis com uma única modalidade normativa (a permissiva, ou a proibitiva, ou a obrigatória). E como o ordenamento é composto por mais de uma norma pressupõe-se a existência de problemas:
Se um ordenamento jurídico é composto de mais de uma norma, disso advém que os principais problemas conexos com a existência de um ordenamento são os que nascem das relações das diversas normas entre si.
 Em primeiro lugar se trata de saber se essas normas constituem uma unidade, e de que modo a constituem. O problema fundamental que deve ser discutido a esse propósito é o da hierarquia das normas [...]. 
 Em segundo lugar trata-se de saber se o ordenamento jurídico constitui, além da unidade, também um sistema. O problema fundamental que é colocado em discussão a este respeito é o das antinomias jurídicas [conflito entre normas] [...]. 
Todo ordenamento jurídico, unitário e tendencialmente (se não efetivamente) sistemático, pretende também ser completo. O problema fundamental que aqui é discutido é o das assim chamadas lacunas do Direito [...].
 Finalmente, não existe entre os homens um só ordenamento, mas muitos e de diversos tipos. Têm relações entre si os vários ordenamentos? E de que gênero são tais relações? O problema fundamental que aqui deverá ser examinado é o do reenvio de um ordenamento a outro [...] (1996, p. 34-35).
 O ordenamento jurídico deve conter unidade em sua complexidade normativa:	
 A complexidade de um ordenamento jurídico deriva do fato de que a necessidade de regras de conduta numa sociedade é tão grande que não existe nenhum poder (ou órgão) em condições de satisfazê-la sozinho. Para vir ao encontro dessa exigência, o poder supremo recorre geralmente a dois expedientes:
1) A recepção de normas já feitas, produzidas por ordenamentos diversos e precedentes.
2) A delegação do poder de produzir normas jurídicas a poderes ou órgãos inferiores (1996, p. 38). 
Típico exemplo de recepção é o costume nos ordenamentos jurídicos estatais modernos, onde a fonte direta e superior é a lei, como vimos em IED I, ao estudar as Fontes do Direito. Vimos, ali, que o costume praeter legem (na falta da lei) é acolhido pelo ordenamento jurídico, quando a matéria ainda não foi regrada por lei. 
No caso da delegação tem-se como exemplo o regulamento com relação à lei. Aquele é norma geral e abstrata, como a lei, mas, diferentemente da lei, é produzido pelo Poder Executivo por delegação do Poder Legislativo, como vimos em IED I. 
Outra fonte de normas de um ordenamento jurídico é o poder negocial (autonomia de vontade), também estudado em Fontes do Direito, no semestre anterior. 
O ordenamento jurídico precisa ter coerência. Para KELSEN os sistemas normativos são de dois tipos: estáticos e dinâmicos. Estático, por exemplo, seria o sistema moral. O sistema jurídico é dinâmico. BOBBIO afirma: “Diz-se que um ordenamento jurídico constitui um sistema porque não podem coexistir nele normas incompatíveis” (1996, p. 80). Daí não serem toleradas as chamadas antinomias. O sistema precisa solucionar os conflitos de normas que por ventura existam ou venham a existir, eliminando, por exemplo, uma dentre duas normas conflitantes (quando for o caso). 
Tem-se, também, o caso da completude do ordenamento jurídico. Vem à baila o problema das lacunas. Completude seria a falta de lacunas. Mas elas acabam por existir nos ordenamentos jurídicos. Na afirmação de BOBBIO “um ordenamento é completo quando o juiz pode encontrar nele uma norma para regular qualquer caso que se lhe apresente, ou melhor, não há caso que não possa ser regulado com uma norma tirada do sistema” (1996, p. 115). Nesse caso deve-se observar o contido no art. 4° da Lei de Introdução ao Código Civil, citada, várias vezes, na apostila de IED I:
Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
As questões relativas às antinomias e às lacunas foram vistas no semestre passado, em função jurisdicional, no capítulo dedicado às Fontes do Direito – Jurisprudência. 
No que diz respeito às relações entre os ordenamentos jurídicos (pluralidade de ordenamentos), muitas são as considerações a serem feitas. Primeiro, devem ser distinguidos os chamados ordenamentos não-estatais: a) ordenamentos acima do Estado, como o ordenamento internacional; b) ordenamentos abaixo do Estado, como os ordenamentos sociais, que o Estado reconhece, limitando-os ou absorvendo-os (os estatutos sociais dos clubes etc.); c) ordenamentos ao lado do Estado, como o internacional, na visão de alguns, que o não aceitam acima do Estado, ou o da Igreja Católica (o seu Código de Direito Canônico); d) ordenamentos contra o Estado, como as associações de malfeitores, as seitas secretas etc. 
Enfim, temos o pluralismo jurídico. Mas hão que ser considerados outros tipos de relacionamento entre ordenamentos, como as relações de coordenação e as relações de subordinação (ou reciprocidade de supremacia). Diz BOBBIO:
Relacionamentos típicos de coordenação são aquelas que têm lugar entre estados soberanos e dão origem àquele particular regime jurídico, próprio do relacionamento entre entes que estão no mesmo plano, que é o regime pactuário, ou seja, o regime no qual as regras de coexistência são o produto de uma autolimitação recíproca (1996, p. 165). 
Podemos tomar como exemplo os países que integram o MERCOSUL. 
Já “relacionamentos típicos de subordinação são, por outro lado, os verificados entre o ordenamento estatal e os ordenamentos sociais (associações, sindicatos, partidos, igrejas etc.), que têm estatutos próprios, cuja validade deriva do reconhecimento do Estado” (BOBBIO, 1996, p. 166). 
3.9 Palavra final
Os tempos estão mudando, não resta dúvida. Embora o Estado ainda detenha o poder de mando, num mundo monista que começa a se mostrar cada vez mais cinzento, como foi estudado em IED I, a sociedade clama por novos ordenamentos, capazes de atender seus mais lídimos reclamos. A propósito, diz PAOLO GROSSI, professor da Universidade de Firenze:
	Não há dúvida de que hoje o Estado está em crise, e está em crise o velho legalismo; não há igualmente dúvida de que um terreno eleito é exatamente aquele das fontes do direito, da produção jurídica. E assistimos, por causa da impotência e da ineficiência dos Estados, à formação e ao desenvolvimento de direitos
paralelos ao direito estatal, com a invenção de novos institutos jurídicos mais adequados a ordenar a nova economia e as novas técnicas (2006, p. 34). 
 	Segue, ainda em marcha lenta, é bem verdade, mas contínua, a luta pela afirmação, frente ao Estado, de “uma crescente pluralidade de ordenamentos jurídicos, cada um dos quais pretendendo a própria autonomia”, como diz GROSSI (2006, p. 34). 
	Não deixa de ser interessante, enfim, essa apreciação de FERNANDO RISTER DE SOUSA LIMA:
	E, hoje, na atual crise de valores que a humanidade vive, o mundo pede aos juristas ideários novos, e não simples compilações, ademais disso, os seus textos, claramente, identificam uma reformulação dos estudos do direito, os quais estavam numa polêmica tornada tediosa e infecunda entre o jusnaturalismo e o positivismo, como bem pontuou Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Por tudo isso, a teoria do ordenamento jurídico inovou ao mostrar uma nova visão à literatura jurídica (2011, p. 78). 
OBSERVAÇÃO: 	leitura obrigatória, inclusive para fins de avaliação:
1. Bobbio: capítulos I e II, p. 19-70.
2. Goffredo Telles: capítulos I e II, p. 3-16.
3. Reale: capítulo XV, p. 190-197.
4 ESCOLAS DO PENSAMENTO JURÍDICO 
4.1 Jusnaturalismo
4.1.1 A Teoria do Direito Natural
	De acordo com REALE, “a ideia [ou teoria] de um Direito Natural, distinto do Direito Positivo, é muito antiga”. Ela se encontra “nas manifestações mais remotas da civilização ocidental a respeito do problema da lei e da justiça, o mesmo ocorrendo na cultura do Oriente” (2002, p. 310).
	Para “o estoicismo helênico, [o fundamento do Direito Natural] localizava-se na natureza cósmica”. Já no pensamento teológico medieval, “o Direito Natural seria a expressão da vontade divina”, como diz NADER (2011, p. 374). Para alguns dos que o defendem, o Direito Natural seria uma “expressão da natureza humana”, ou, ainda para outros, seria “dedutível dos princípios da razão” (GUSMÃO, 2011, p. 378). Assim, o Direito Natural foi sempre tido, pelos seus defensores, “como superior ao Direito Positivo (Direito posto pelo Estado), como sendo absoluto e universal por corresponder à natureza humana” (GUSMÃO, 2011, p. 378). 
Houve, no passado, quem entendesse que o Direito Natural era uma espécie de código paralelo aos códigos positivos. Logo, ao lado de cada norma de Direito Positivo haveria uma de Direito Natural. Esta posição, segundo esclarece MONTORO (2008, p. 57), levou a teoria do Direito Natural ao descrédito. Mas há quem, em sentido contrário, não concebe a existência de um Direito Natural paralelo ao Direito Positivo. Para estes, na verdade, o Direito Natural não é constituído por um conjunto de preceitos paralelos ao Direito Positivo, mas pelos princípios fundamentais que devem nortear o Direito Positivo, visto que são princípios imutáveis e universais. Esta é uma posição deontológica, referente ao que deve ser (NADER, 2011, p. 375).
	De qualquer forma, é bom estar atento para o que diz NADER:
O motivo fundamental que canaliza o pensamento ao Direito Natural é a permanente aspiração de justiça que acompanha o homem. Este, em todos os tempos e lugares, não se satisfaz apenas com a ordem jurídica institucionalizada [...] Por inclinação, ao questionar o Direito Positivo vigente, o homem busca, em seu próprio sentimento de justiça e de acordo com a sua visão sobre a ordem natural das coisas, encontrar a legitimidade das normas que lhe são impostas (2011, p. 373). 
4.1.2 O Direito Natural na Grécia e em Roma
	Historicamente, a primeira referência explícita ao Direito Natural encontra-se na literatura grega, e, mais de perto, na tragédia “Antígone” (ou Antígona), de SÓFOCLES (494-406 a.C.), encenada por volta do ano 441 a.C., quando a protagonista da peça solicita à irmã Ismênia para ajudá-la no sepultamento do irmão Polínice, que morrera combatendo o outro irmão, Eteócles, uma vez que o rei Creonte proibira que aquele fosse sepultado, por considerá-lo traidor. Presa e indagada por Creonte se conhecia a proibição proclamada e, mais ainda, por que tivera a audácia de desobedecer tal determinação, Antígone responde:
Sim, porque não foi [Zeus] que a promulgou; e a Justiça [Diké], a deusa que habita com as divindades subterrâneas, jamais estabeleceu tal decreto entre os homens; nem eu creio que teu édito tenha força bastante para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas, que nunca foram escritas, mas são irrevogáveis; não existem a partir de ontem, ou de hoje; são eternas, sim! E ninguém sabe desde quando vigoram! (SÓFOCLES et ÉSQUILO. s/d, p. 227-228).
 	As leis invocadas por Antígone eram decorrentes do Direito Natural, visto que, pela tradição grega, todos tinham o direito sagrado de ser sepultados (Vide GUSMÃO 2011, p. 378, MONTORO, 2008, p. 303 e NADER, 2011, p. 375).
	Discorrendo sobre a atitude de Antígone diz ARNALDO VASCONCELOS:
	O brado de indignação da heroína tebana continua a ressoar através da voz de todos aqueles que, em todo e em qualquer lugar, têm reagido contra as injustiças perpetradas através do Direito Positivo (1998, p. 23).
	PLATÃO (428-347 a.C.) e ARISTÓTELES (384 ou 385-322 a.C.) também estudaram a questão do Direito Natural. 
PLATÃO, na “República”, expõe que “SÓCRATES (469-399 a.C.) refuta o ‘direito da força’ exposto por PROTÁGORAS (480-410 a.C.), que, como outros sofistas, pretende identificar a justiça com ‘o interesse do mais forte’”. E noutra parte de sua obra (no diálogo com EUTIFRON), “opõe-se à afirmação deste de que ‘a justiça é a verdade caprichosa dos deuses’, para sustentar que as ‘coisas não são justas porque os deuses querem, mas que os deuses as querem porque são justas’”. 
Dizia ARQUELAU que “o direito não existe por natureza, mas só em virtude da lei”. Ou seja, o Direito que existe é o que o Estado cria. Em oposição a esse pensamento, ARISTÓTELES afirma que “‘o bem e o justo, objetos de que trata a ciência política, dão lugar a opiniões de tal forma divergentes e às vezes de tal forma degradadas, que se chegou até a sustentar que o justo e o bem existem apenas em virtude da lei e não têm nenhum fundamento na natureza’”. Noutros momentos, ele “distingue o ‘justo natural’, que corresponde às leis da natureza, e o ‘justo legal’ ou positivo, estabelecido por leis emanadas da autoridade pública ou por convenções das partes” (MONTORO, 2008, p. 304).
	Em Roma, o jurisconsulto ULPIANO, que foi assassinado em 223 d.C., concebeu o Direito Natural (jus naturale) como sendo aquele que a natureza ensinou a todos os animais, concepção já anotada. E em sua obra “De Res Publica” (Da República), CÍCERO (106-43 a.C.) “faz a apologia da lei natural, que não precisa ser promulgada pelo legislador para ter validade. É ela que, ao contrário, confere legitimidade ética aos preceitos da lei positiva” (REALE, 2002, p. 311). Esta é uma posição ontológica, ou seja, relativa àquilo que é (NADER, 2011, p. 375).
4.1.3 Os direitos humanos e o Direito Natural
	Mesmo recebendo contestações, o Direito Natural tem influenciado reformas jurídicas e políticas que, ao longo do tempo, deram novos rumos à convivência social, como é o caso da Declaração da Independência dos Estados Unidos (1776) ou da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da França (1789). Aliás, o art. 2º da Declaração francesa diz que “o fim de toda associação é a proteção dos direitos naturais imprescritíveis do homem” (GUSMÃO, 2011, p. 378).
	Na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU (1948) encontram-se os princípios do Direito Natural. Os direitos ali elencados não são outorgados por nenhum país, isoladamente. São direitos tidos como absolutos do homem, a exemplo do direito à vida ou à liberdade, que devem estar protegidos pelo império da lei, em cada país.
	É de lembrar que os direitos humanos consagrados no bojo da Revolução Francesa eram: liberdade, igualdade e fraternidade. Com o tempo, contudo, esses direitos vêm sendo ampliados, como decorrência, segundo a concepção de RENARD,
jurista francês do século XX, dos “direitos do homem de conteúdo progressivo”, a fim “de atender, historicamente, às novas exigências de proteção fundamental à pessoa humana, geradas pelo desenvolvimento científico e ético” (NADER, 2011, p. 381).
	O que sempre se chamou direitos humanos recebe, nos dias correntes, de forma ampla, a designação de direitos fundamentais, ou de direitos e garantias fundamentais, como, aliás, consagra a Constituição Federal.
	Como será estudado mais adiante, em Direito Constitucional, os direitos e garantias fundamentais desdobram-se em direitos de quatro gerações – ou dimensões, como gostam de dizer alguns estudiosos –. 
Assim, os direitos da primeira geração são aqueles apontados anteriormente: liberdade, igualdade e fraternidade, que são tidos como direitos individuais. 
Os direitos de segunda geração são sociais (sociais propriamente ditos, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos, que nasceram abraçados ao princípio da igualdade). 
Os direitos de terceira geração são os direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente sadio, à paz, direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação, que se baseiam no princípio da solidariedade. 
Finalmente, os de quarta geração são direitos à democracia, à informação e ao pluralismo. 
Desses direitos, diz PAULO BONAVIDES, “depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência” (1998, p. 525).
	É de grande valia atentar para o que diz LUIS ALBERTO WARAT: “A função ética do direito deve ser entendida como uma lenta e conflitiva realização da ideia ampla dos direitos humanos” (1997, p. 17). Nem todos concordam com uma função ética do Direito, como é o caso dos positivistas mais arraigados. Mas essa função ética merece ser preservada. Não se deve prender o Direito num esquema lógico simplesmente. Como observa REALE, e como foi estudado em IED I, na Teoria Tridimensional do Direito, o Direito deve ser lógico-axiológico. É como pensamos. 
4.1.4 Escola do Direito Natural
4.1.4.1 Abrangência
A Escola do Direito Natural, que estuda a problemática do Direito Natural, abrange “desde as representações primitivas de uma ordem legal divina, até a moderna filosofia do Direito Natural de RUDOLF STAMMLER e GIORGIO DEL VECCHIO, passando pelos sofistas, estóicos, Padres da Igreja, escolásticos, ilustrados e racionalistas dos séculos XVII e XVIII”, dentre outros (DINIZ, 2008, p. 36).
A doutrina jusnaturalista está dividida em duas grandes correntes: o jusnaturalismo teológico e o jusnaturalismo racionalista. 
Na dimensão teológica o Direito deve ser um ato de justiça “sem o que o Direito fugiria de seu parâmetro de referência” (BASTOS, 1999, p. 6). Já na dimensão racionalista o Direito é expressão da liberdade, da igualdade ou da fraternidade. Assim, o injusto seria antijurídico, e a sanção é o instrumento de restauração da expectativa de justiça. 
4.1.4.2 Evolução
I – Conteúdo teológico do Direito Natural
	Na Idade Média, sob a inspiração “da patrística ou da escolástica, a teoria jusnaturalista apresentava conteúdo teológico, pois os fundamentos do Direito Natural eram a inteligência e a vontade divina, devido ao fato de a sociedade e a cultura estarem marcadas pela vigência de um credo religioso e pelo predomínio da fé” (DINIZ, 2008, p. 36). 
	A Patrística, cujos principais teóricos foram TERTULIANO, no ocaso da Antiguidade, SANTO AMBRÓSIO (340-397), SANTO AGOSTINHO (354-430), e ISIDORO DE SEVILHA, entre o século IV e VII (MONTORO, 2008, p. 306), tinha por objeto a doutrina dos Pais da Igreja, enquanto a Escolástica apresentava várias doutrinas entre os séculos IX e XVII, entrando, assim, na Idade Moderna.
	O ponto central da Escolástica era o problema da relação entre a fé e a razão, subordinando-se o pensamento filosófico greco-romano à teologia cristã. Seus principais formuladores foram: SANTO ANSELMO (1033-1109), GUILHERME DE OCKHAM (1290-1349) e, sobretudo, SANTO TOMÁS DE AQUINO (1225 ou 1227-1274), antes de OCKHAM.
II – Teoria do direito natural objetivo e material
Durante o Medievalismo, prevalecia, na Escolástica, a partir do século XIII, “a teoria do direito natural objetivo e material”, inspirado em SANTO TOMÁS DE AQUINO. “O princípio fundamental [da teoria] é o bem deve ser feito, e, portanto, o mal evitado”. Mas “o homem há de querer o bem pela sua vontade, que é iluminada pela razão”. Daí emanar os seguintes princípios, que são “diretamente impostos pela natureza humana, relativos às tendências naturais do homem”, a saber: 
1) deveres do homem para consigo mesmo (deveria preservar a espécie humana, por isso não mataria o semelhante); 
2) deveres do homem para com a família (o homem deve unir-se à mulher, procriar e educação seus filhos); 
3) deveres do homem de respeitar a sua racionalidade, ou seja, sua inteligência (procurando a verdade); 
4) e deveres do homem para com a sociedade (praticar a justiça, dando a cada um o que é seu, ou seja, o homem não deve lesar o próximo), segundo DINIZ (2008, p. 37).
TOMÁS DE AQUINO procurou romper com o augustinianismo jurídico. Para ele, o Direito não seria um mandamento de inspiração meramente divina, mas um ofício humano. A esse propósito diz MICHEL VILLEY:
São Tomás demonstra que a lex vetus [lei do antigo], feita para reger o povo judeu (contida especialmente no Êxodo, no Levítico e no Deuteronômio) comportava outrora preceitos relativos ao direito, providos de um conteúdo jurídico (judicialia); somente esses preceitos não estão mais em vigor no mundo cristão. Ora, uma vez abolidos os preceitos do direito judeu pelo evento de Jesus Cristo, nada veio substituí-los na ‘lei nova’, porque a mensagem do Evangelho não é política nem de direito. A lei cristã do Evangelho nada tem de jurídico; ela não compreende nada de ‘judicialia’. No final das contas, Deus se recusa a regulamentar essas questões de direito pela lei divina revelada, mas decidiu confiá-las à iniciativa do homem (humano arbitrio relinquuntur [deixada ao arbítrio humano]), e não a clérigos: Pedro somente recebeu as chaves do reino dos céus. O próprio da religião cristã, em oposição à judaica, foi restituir de uma vez o direito à inteligência natural; enquanto os talmudistas judeus se verão constrangidos a modificar sua lei em todos os sentidos para tirar dela em cada tempo as soluções judiciais. Evidentemente, é na história da Europa um evento capital; o direito volta a ser um ofício profano (Apud BILLIER et MARYIOLI, 2005, p. 124). 
AQUINO dividiu e hierarquizou as leis em três ordens, a saber:
a primeira é a lex aeterna (lei eterna), ou seja, a razão divina que governa o mundo (ratio divine sapientie) e que, em sua perfeição, não pode ser conhecida pelo homem; dela o homem só pode ter noções parciais por suas manifestações;
a segunda é a lex naturalis (lei natural), que pode ser diretamente conhecida pela razão humana, porque ela é, no seio da criatura racional, uma participação da lex aeterna, de harmonia com a própria capacidade;
a terceira é a lex humana (lei humana), que é uma invenção do homem com base nos princípios da lei natural; ela não passa de uma aplicação particular da lei natural (Apud BILLIER et MARYIOLI, 2005, p. 124-125; DEL VECCHIO, 1979, p. 65-66). 
GIORGIO DEL VECCHIO diz que a lei humana pode ser decorrente de “conclusões silogísticas deduzidas de premissas fornecidas pela lei natural”, ou pode ser resultante de uma mais completa especificação do que é preceituado genericamente pela lei natural (1979, p. 65-66). 
	Alerta o jusfilósofo italiano:
Desta tríade surgem alguns problemas práticos. Por exemplo: será devida obediência à lex humana no caso de ela contrariar a lex naturalis ou a lex aeterna? Ou, se antes se preferir: até que ponto deve o cidadão obediência às leis promulgadas pelo Estado? Segundo a doutrina tomista, a lei humana deverá
ser obedecida, ainda mesmo no caso de contrariar o bem comum – isto é: mesmo quando provoque um dano, a fim de que a ordem seja mantida (propter vitandum scandalum vel turbationem) –; não deverá ser obedecida, porém, se implicar violação da lex divina (contra Dei mandatum). Tal seria o caso de uma lei que impusesse um culto falso (1979, p. 66). 
III – Jusnaturalismo subjetivo e formal (ou contratualismo)
	A partir do século XVII prevaleceu a doutrina jusnaturalista subjetiva e formal, com o afastamento das raízes teológicas do Direito Natural, no processo chamado “secularização da vida”.
	O Direito Natural tornou-se subjetivo porque passou a ser fundamentado “na regulação do sujeito humano, individualmente considerado, cuja vontade cada vez mais assume o sentido de vontade subjetiva e absolutamente autônoma” (DINIZ, 2008, p. 38). A nova teoria, também conhecida como contratualismo, encontrou sua legitimidade na razão, iniciando-se o processo que culminaria no jusracionalismo. O contratualismo será melhor estudado no item 4.2.
	É preciso lembrar que, ainda no século XIV, coube a OCKHAM exaltar a vontade humana. Segundo sua concepção é “a partir do indivíduo que o direito se elabora”. Logo, a invenção dele é de “um direito subjetivo, poder natural do indivíduo sancionado pelo direito positivo” (BILLIER et MARYIOLI, 2005, p.128). 
IV – Teoria jusracionalista (ou racionalismo)
	Como afirma VANDER BASTOS, “na contraposição ao Direito Natural revelado [ou seja, teológico], os racionalistas elegeram o Direito Natural imanente ao próprio homem, delimitado pelos parâmetros da razão universal que [encontraria] na Revolução Francesa a sua mais expressiva manifestação política” (1999, p. 10).
	Coube a IMMANUEL KANT (1724-1804) ordenar a teoria do Direito racional, organizando uma ciência jurídica rigorosamente lógica. Coube-lhe também separar o Direito da Moral, “sob o prisma formal, e não material, isto é, tal distinção depende do motivo pelo qual se cumpre a norma jurídica ou moral”. Para ele, o homem, no ato moral, age impelido pelo dever; e no ato jurídico, além do dever, age impelido pelo medo da sanção, física ou pecuniária. Para ele, o Direito é identificado com o poder de constranger. 
Para KANT, “sendo racional e livre, o homem é capaz de impor a si mesmo normas de conduta...” Por outro lado, “a obediência do homem à sua própria vontade livre e autônoma, constitui [...] a essência da moral e do direito natural”. Na concepção kantiana, o direito não se baseia na natureza, mas na razão prática (DINIZ, 2008, p. 42-43). 
Para ROSCOE POUND “Kant racionalizou o Direito, nesses termos, como sistema de princípios ou normas universais, a serem aplicadas à ação humana, de modo que o livre arbítrio do ator possa coexistir com a livre vontade de todos os demais indivíduos” (1965, p. 47). 
Muitas têm sido as adesões e as contestações ao pensamento kantiano. Aquelas, provavelmente, mais do que estas. 
V – Crise no jusnaturalismo
	A partir de KANT, que provocou a crise no racionalismo dogmático (de verdades certas), o positivismo (com AUGUSTE COMTE), o historicismo (com KARL MARX) e o sociologismo (com MAX WEBER), que despontaram no século XIX, começaram a abalar o prestígio da teoria do Direito Natural.
Era a época do culto à lei, ao Direito posto ou positivado pelo Estado, no processo chamado de monismo jurídico. Só o Estado podia fazer o Direito. E não se conceberia o Direito que não fosse feito pelo Estado. Surge, como veremos no próximo capítulo, o Positivismo Jurídico, que arrebanharia os principais juristas do século XIX. 
	Tão severos foram os ataques ao Direito Natural que, considerando apenas as cargas da escola histórica, exclamava GIERKE em 1883:
	O que, sob os golpes de espada da escola histórica, restou do direito natural, não é senão a sombra de seu poder altaneiro de outrora (Apud MACHADO NETO, 1987, p. 352).
	ANTÔNIO LUÍS MACHADO NETO, contudo, adverte:
Essa primeira impressão de definitivo fracasso passou, porém, e apenas cinco anos após, baseado na poderosa revivescência do Direito Natural, que ainda se processa em nossos dias, Stammler poderia responder a Gierke da maneira que se segue: ‘Não foram golpes de espada que a escola histórica lançou contra o direito natural, mas golpes de alfinete e injúrias (1987, p. 352).
VI – O neojusnaturalismo
	Apesar dos duros golpes sofridos, a noção do Direito Natural ainda sobrevive. Não sobrevive a doutrina vigente até o século XVIII, mas apenas a ideia fundamental. Assim, “o menor apreço ao homem nas fábricas insalubres do século XIX”, dentre outras ocorrências, motivaram CHARMONT a publicar, em 1910, o livro “Renaissence du Droit Naturel” (Renascimento do Direito Natural), fortalecendo a ideia do Neojusnaturalismo, como resposta ao Positivismo Jurídico.
	Na Itália, antes mesmo de CHARMONT, a crise do positivismo jurídico se “manifestou no fim do século XIX com as obras de ICILIO VANNI (1855-1903), que advogavam a favor do que este autor chamava de ‘positivismo crítico’”, e que foram sequenciadas por PETRONE (1870-1913). Sobre eles falaremos no item 4.7.3.1.3. Todavia, ambos eram positivistas (BILLIER et MARYIOLI, 2005, p.351). 
	O Direito Natural passou a ser reduzido a alguns princípios indispensáveis ao respeito da dignidade humana (que, aliás, está previsto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil).
	Os principais seguidores dessa nova teoria, tidos como neokantistas, são:
		a) Rudolf Stammler (1856-1938)
	A obra deste neokantiano alemão precedeu “de muito pouco a doutrina de seu homólogo italiano”, qual seja DEL VECCHIO. Eis, em síntese, o que dele dizem BILLLIER et MARYIOLI:
Uma vez que a experiência jurídica e, por su lógica, dedutiva e completamente a natureza, idêntica á experiência do que torna possível a vida comum em sociedade, uma definição do direito universal só pode ser puramente independente de fatores históricos ou sociológicos de uma ordem jurídica particular. Nesse sentido, o conceito de direito é o objeto de uma ciência ‘pura’ do direito, como será também para o normativista Hans Kelsen. O direito, como forma universal de organização social, é segundo ele uma Vontade inviolável (constrangedora), autônoma (soberana), coordenadora (combinatória) da atividade dos homens, seja qual for o conteúdo dessa atividade. A ideia do direito, ou seja, os ideais de justiça, é igualmente definida por Stammler de maneira formal (2005, p. 356).
STAMMLER procurou fazer “uma teoria do Direito Natural de conteúdo variável, rejeitando o direito natural material baseado na natureza humana, enaltecendo o método formal, para sistematizar uma dada matéria social, em cada momento histórico, no sentido de um direito justo”, prevalecendo, dessa maneira, a ideia de justiça, na forma das variações da matéria social e das circunstâncias de cada época. Em síntese, na sua concepção, o Direito que existe é o Direito Positivo justo ou injusto. Mas o Direito deve ser sempre uma tentativa de direito justo. E direito justo é aquele que possui a propriedade da correção. A sua máxima é o respeito mútuo, além da participação na vida social (DINIZ, 2008, p. 44).
Sobre o Direito justo diz o próprio STAMMLER:
Um Derecho ‘justo’ es um Derecho ‘de carácter especial’. Es um Derecho positivo, por tanto, de contenido concreto; y unge a través de um proceso históricamente determinado em el ciclo de la vida social. No es um Derecho ‘perfecto’, que no cabe tal, evidentemente, en la limitada realidad de la vida humana; todo Derecho es y tiene que ser imperfecto en cuanto a las normas concretas de que se compone.
Pero, dentro de este Derecho imperfecto, históricamente condicionado, cabe distinguir em términos absolutos dos modalidades de normas jurídicas: unas orientadas en cuanto es posible, dentro de su campo limitado, hacia la suprema nócion de la comunidad pura y otras que no se cumplen debidamente a su misión de orientarse hacia este
punto de mira ideal (2008, p. 231). 
		b) Giorgio del Vecchio (1878-1970)
	DEL VECCHIO definia-se como um continuador da obra crítica ao positivismo feita por PETRONE, mas foi além deste (vide item 4.4). Ele foi quem provocou “a crise definitiva da filosofia do direito positivista na Itália”, como disse G. FASSO, “e fez renascerem na Itália os estudos filosóficos em matéria jurídica” (BILLIER et MARYIOLI, 2005, p.352). Dizem estes autores:
Giorgio Del Vecchio tentou, com efeito, uma crítica neokantiana do positivismo jurídico, fazendo eco à obra de Stammler na Alemanha. Mas, de qualquer forma, é muito curioso constatar que ele não faz em seus trabalhos nenhuma referência às teses de Stammler, e que ele elabora sua doutrina independentemente daquela de seu homólogo alemão. Contudo, assim como Stammler, ele faz uma distinção entre o conceito de direito, objeto de uma pesquisa puramente lógica, e a ideia de direito, correspondente ao ideal do direito que ressalta de uma pesquisa deontológica. Ao lado desses dois tipos de pesquisa, há também lugar para uma pesquisa ‘fenomenológica’ (no sentido de Del Vecchio, não de Husserl), que observa o fenômeno do direito de um ponto de vista puramente histórico e sociológico. Segundo ele, os sistemas jurídicos manifestam, na sua evolução, uma adequação progressiva ao ideal da justiça que foi, tanto para Kant quanto para Fichte, a realização e o desenvolvimento da liberdade da pessoa humana (BILLIER et MARYIOLI, 2005, p.352-253).
DEL VECCHIO “procurou restaurar o jusnaturalismo, não no sentido de propugnar uma volta pura e simples às concepções clássicas, mas de dar-lhe uma nova base idealista depurada [...]”. Logo, concebeu a teoria do Direito Natural minimizado, procurando afirmar no Direito Positivo a pureza formal do ideal do justo, permanente e imutável em sua essência, e não no conhecimento (ou teoria), pois o Direito é dinâmico. Não se trata de abominar o Direito Positivo, mas de vê-lo respeitar a essência do Direito Natural.
Para ele, “na fixação do ideal de justiça, o primeiro problema é saber o que é a natureza humana, enfocada no plano da causalidade ou no da finalidade (ou teleológica)”. Se tal maneira, “ambas as concepções (a física causal e a teleológica) se fundem reciprocamente em duas formas ou funções a priori do intelecto humano. O homem, de um lado, se apresenta como partícula minúscula da natureza e, de outro, se afirma em sua qualidade de sujeito pensante” (DINIZ, 2008, p. 45).
4.1.5 Consideração final
	HERMES LIMA sempre opinou no sentido de que “o direito natural é uma fantasia, embora algumas vezes fecunda”. Mesmo esboçando uma visão positivista, reconhece que:
As doutrinas do direito natural têm exaltado, no curso da história, sentimentos e reivindicações que muito concorreram para abrir caminho a novas concepções morais e a novos progressos jurídicos (2000, p. 213).
	Por fim, vale salientar este precioso ensinamento de REALE:
Alteram-se os sistemas, mudam-se as doutrinas e os regimes políticos, e nem bem se proclama que ele (o Direito Natural) está morto, ressurge das cinzas com renovada vitalidade. Pode-se contestar-lhe a existência como um Direito distinto do Direito Positivo, mas o que se não pode negar é o papel que a sua ideia, ainda que ilusória, tem exercido e continua exercendo no desenvolvimento da experiência jurídica, atuando ora como força revolucionária, ora como fator de declarado conservantismo, tal a paradoxal plurivalência de seu significado (2002, p. 311-312).
	VENOSA afiança que os “princípios e as declarações dos direitos do homem trazidos pela ONU são exemplos de positivação do jusnaturalismo em nível universal. O direito à vida, à honra e à liberdade são direitos inatos. Violá-los qualifica-se como crime contra a humanidade” (2006, p. 53).
	Continua VENOSA:
Em 1998 foi criada a Corte Penal Internacional, decorrente do Tratado de Roma, aprovado por 120 países, ao qual não aderiram inicialmente a China e os Estados Unidos. Do direito à vida, à honra e à liberdade são decorrentes todos os demais direitos fundamentais, sendo impossível elencá-los exaustivamente. Apesar de esses direitos serem reconhecidos internacionalmente, o que já é algo de extraordinário, nem por isso deixam de ser continuamente violados. Cumpre que se faça efetiva sua proteção, que nada mais é do que salvaguarda dos direitos naturais. 
	[...]
Nesses princípios, aponta Bigotte Chorão que a lei natural é natural não somente porque fundada na natureza, mas também porque conhecida da razão natural, isto é, estão ao alcance da razão o conhecimento, as inclinações naturais do homem, bem como os inafastáveis princípios morais e jurídicos básicos. Esses princípios são apreendidos com a experiência, sendo assimilados no curso da vida (2006, p. 53).
	
Daí, alguns autores pregam o eterno retorno ao Direito Natural, diante das novas necessidades da vida social sempre em transformação. Nesse sentido, diz ROSCOE POUND:
O Direito deve ter estabilidade e, não obstante, não pode permanecer inalterável. Por isso toda meditação em torno ao Direito tem tratado de reconciliar as necessidades contraditórias de estabilidade e transformação. O interesse da sociedade na segurança geral tem induzido os homens a buscar alguma base certa que permita dar aos atos humanos um valor absoluto, capaz de assegurar uma ordem social firme e estável. Porém, a incessante transformação das condições da vida social sempre exige novas adaptações ante a pressão de outros interesses e de novas causas suscetíveis de menoscabar a segurança estabelecida (Apud MACHADO NETO, 1987, p. 333).
A batalha pelos direitos fundamentais do homem ainda continuará a ser travada pelos tempos à fora. É de se esperar que a dinâmica da vida social possa impulsionar o homem a buscar, mais e mais, a afirmação de seus direitos individuais e coletivos. 
 Contratualismo
	Os principais doutrinadores da fase que antecedeu o contratualismo foram HUGO GRÓCIO (1583-1645), SAMUEL PUFENDORF (1632-1694) e BARUCH SPINOSA (1632-1677). Mas não se pode esquecer que “a prefiguração das teorias do contrato social é bem mais clara em Marcílio de Pádua, contemporâneo de Ockham”, do que neste. Assim, bem “mais ‘laico’ que Ockham, Marcílio projeta uma doutrina política que apresenta a demonstração de que o poder político é uma emanação do povo que, por isso, pode reivindicar a soberania” (BILLIER et MARYIOLI, 2005, p.129). 
Na fase contratualista propriamente dita destacaram-se JOHN LOCKE (1632-1704), THOMAS HOBBES (1588-1679), e JEAN JACQUES ROUSSEAU (1712-1778).
GRÓCIO, PUFENDORF e LOCKE concebem a natureza humana como genuinamente social, ao passo que SPINOSA, HOBBES e ROUSSEAU a concebem como originariamente a-social ou individualista, daí nascendo a necessidade da celebração de um hipotético contrato social, para garantir a harmonia na sociedade (razão pela qual eles são chamados “contratualistas”).
Para os contratualistas o estado natural teria antecedido o Estado, ou seja, o estado civil, regrado por normas jurídicas, quando os homens, enfim, passaram a viver em sociedade. Mas para HOBBES teria imperado na fase do estado natural “a insegurança, a guerra de todos contra todos, isto é, a lei da força (bellum omnium contra omnes)” (GUSMÃO, 2011, p. 383).
	De tal forma, HOBBES difundiu a ideia latina de que “o homem é o lobo do próprio homem” (homo homini lupus), ou seja, a natureza agressiva do homem leva-o “a bater-se contra seus semelhantes, e somente um poder político severo [o Estado] pode coibir seus excessos”. De tal maneira, “prossegue a necessidade de sobrevivência pessoal, que o impele para a vida comunitária”. Esta, por sua vez, “exige uma disciplina férrea, imposta pelo Estado. Ele é o próprio Leviatã, monstro bíblico, [interpretado como] o crocodilo, que habitava o rio Nilo, devorando as populações ribeirinhas, da mesma forma que o Estado, segundo HOBBES, deve agir com os súditos recalcitrantes” (SIQUEIRA JÚNIOR, 2001, p. 22).
	O “leviatã”
está descrito nos capítulos 40 e 41 do Livro de Jó, no Antigo Testamento. Trata-se de um monstro frio que zomba de todos e nada teme: “Na terra ninguém se iguala a ele, pois foi feito para não ter medo. Afronta os mais altivos, é rei das feras soberbas” (Jó 41, 25-26). Alguns exegetas bíblicos identificam-no com um monstro do caos primitivo, vencido por Deus, enquanto outros aludem ao crocodilo do Nilo, como foi dito anteriormente. 
O Estado seria mesmo parecido com esse monstro? Um estado ditatorial talvez. Mas a posição de HOBBES, com relação à natureza a-social do homem, merece reparações. O homem é, sim, um ser social, que, ao nascer, “paulatinamente se adapta ao modo de ser da sociedade, sendo condicionado a agir de acordo com os valores desta, num processo assimilativo chamado socialização” (SIQUEIRA JR., 2001, p. 22).
LOCKE, ao contrário de HOBBES, diz que no estágio do estado natural “o direito natural garantiria relativamente a propriedade”. E no entender de ROUSSEAU “imperariam a perfeição e a felicidade” (GUSMÃO, 2011, p. 383). Diz ele, por exemplo, no “Discurso sobre a origem e os fundamentos das desigualdades entre os homens”:
Hobbes pretende que o homem é naturalmente intrépido e só procura atacar e combater. Um filósofo ilustre pensa, ao contrário, e Cumberland e Pufendorf também o asseguram, que nada é tão tímido quanto o homem no estado de natureza, e que ele está sempre trêmulo e pronto para fugir ao menor ruído que o impressione, ao menor movimento que perceba (1993, p. 149).
Adiante ele afirma:
Enquanto os homens se contentaram com suas cabanas rústicas, enquanto se limitaram a costurar suas roupas de peles com espinhos de plantas ou espinhas de peixes, a enfeitar-se com penas e conchas, a pintar o corpo com diversas cores, a aperfeiçoar ou embelezar seus arcos e flechas, a talhar com pedras cortantes algumas canoas de pescadores ou alguns instrumentos grosseiros de música, em suma, enquanto se aplicaram apenas a obras que um homem podia fazer sozinho e a artes que não precisavam do concurso de várias mãos, viveram tão livres, sadios, bons e felizes quanto o poderiam ser por sua natureza e continuaram a usufruir entre si as doçuras de um relacionamento independente (1993, p. 189-190).
	Quem, afinal, teria razão: HOBBES ou ROUSSEAU?
Mas, fazendo um contraponto com o Direito Natural, explica DINIZ que, durante as fases pré-contratualista e contratualista, “na especificação dos direitos naturais, salientam-se: o direito de livremente concluir pactos (GROTIUS); o direito de autoconservação (HOBBES) e de liberdade física (SPINOZA); o direito ao trabalho, à propriedade privada enquanto fruto do trabalho; à defesa da própria vida e dos bens, punindo as ofensas por conta própria (LOCKE); o direito à liberdade e igualdade política (ROUSSEAU); o direito ao reconhecimento da dignidade humana (PUFENDORF)” (2008, p. 42).
GUSMÃO faz uma boa síntese do pensamento dos três grandes nomes do contratualismo:
A razão do contrato social, para Hobbes, é a paz social; para Locke, a proteção da propriedade; enquanto para Rousseau, a manifestação da vontade geral (da maioria) da sociedade, criando obstáculos ao abuso de poder. O contrato social instituiu, segundo Hobbes, o governo forte consentido, ou seja, o absolutismo político, domesticador da bestialidade humana e instaurador da paz social; para Locke, o governo responsável, com supremacia do Parlamento, formulando leis, escolhendo juízes independentes, garantindo a propriedade, enquanto para Rousseau, assegurou a igualdade, a liberdade e o governo submetido a leis, que deveriam ser a expressão da vontade geral. Assim, a ideia de contrato social serve, com Hobbes, para justificar o absolutismo real; com Locke, o capitalismo e o parlamentarismo; e com Rousseau, o liberalismo e a república. No caso de Hobbes, o contrato social explica a origem dos direitos individuais; no de Locke, os protege, ampliando-os; enquanto no de Rousseau, transforma os direitos naturais em direitos civis (2011, p. 383).
Sabe-se que o contratualismo, decorrente do jusnaturalismo racionalista, influenciou ideologicamente a Revolução Inglesa (1688-1689) e a Revolução Francesa (1789). Na visão de KANT, seguindo o pensamento de ROUSSEAU, não se deve admitir a historicidade do contrato social. Tal pacto seria apenas a hipótese necessária à fundamentação do governo submetido à lei. Todavia, se não for regra, ao menos a História nos mostra que, ocasionalmente, pactos sociais foram celebrados: em Atenas, nobres e plebeus celebraram um pacto para terminar a guerra civil, escolhendo Sólon como legislador. Na Inglaterra, em 1215, o rei João Sem Terra foi obrigado a assinar a Magna Carta, e Carlos I, em 1628, foi impelido pelo Parlamento a subscrever a Petição de Direitos, limitando o poder real. No mundo atual, os neoliberais incorporaram o pacto social como proposta filosófica e política como condição possibilitadora de reformas sociais.
Como anota GUSMÃO, “tanto para Rawls, como para Kant e para os contratualistas o contrato social não é um fato histórico, mas condição hipotética da sociedade aberta” (2011, p. 384). Há de se concordar com isso. 
4.3 Escola de exegese
A doutrina dessa Escola foi forjada em França, no início do século XIX, a partir da interpretação restritiva ao Código Civil francês, de 1804. O pensamento predominante da Escola era codicista, isto é, de supervalorização do código. Para os seus adeptos, o código encerrava todo o Direito. LAURENT, um dos pontífices máximos da Escola afirmava:
Se uma teoria não tem as suas raízes nos textos, nem no espírito da lei, deve ser rejeitada; ao contrário, será jurídica se expressa na letra da lei e nos trabalhos preparatórios. Nesse caso, deve ser aceita, não se recuando diante de alguma consequência (Apud NADER, 2011, p. 281). 
Para a Escola de exegese (exegética, dogmática, legalista) havia três postulados fundamentais: a) dogmatismo legal; b) subordinação à vontade do legislador; c) o Estado como único autor do Direito. 
4.4 Idealismo jurídico
O idealismo tem suas origens em PLATÃO (cujo verdadeiro nome era ARÍSTODES), a partir de sua “Teoria das Ideias”, exposta, sobretudo, nos diálogos “Parmênides” e “República” (Livro VII) e alcançou o seu apogeu com HEGEL (1770-1831). Para o filósofo grego só se poderia reconhecer realidade às ideias. A essa corrente aderiram juristas e filósofos, sobretudo alemães. Mais tarde, na Itália destacaram-se BENEDETTO CROCE e GIOVANNI GENTILE. 
O idealismo é também entendido como a doutrina dos ideais norteadores do comportamento humano e das criações culturais, a exemplo, dentre outras, do Direito, do Estado etc. Podem ser incluídas nessa doutrina a “Cidade de Deus”, de SANTO AGOSTINHO, que serviria de modelo para a “cidade dos homens”, a “Utopia” (1516), de THOMAS MORUS e a “Cidade do Sol” (1623), de CAMPANELLA, formas utópicas de sociedades políticas.
Antes do idealismo absoluto de HEGEL, conheceu-se o idealismo subjetivo de FICHTE e o idealismo transcendental de KANT. Acerca do pensamento hegeliano, diz GUSMÃO:
Para Hegel, o mundo como conhecemos, a cultura e todas as manifestações, inclusive o direito, só podem ser compreendidos se levadas em conta as épocas históricas nas quais elas floresceram. Por trás de todas as manifestações culturais (inclusive a jurídica), pensa Hegel, encontra-se uma ideia-chave que lhe dá sentido [...]. Paralelamente a essa ideia dominante, surgem, motivadas pela mesma situação histórica, ideias contrárias ao princípio central dela. Esse processo remonta, segundo Hegel, à alvorada da civilização. De lá para cá, teria ocorrido enriquecimento da cultura e das ideias-chaves. Do conflito das ideias-chaves resultaria a síntese de ambas, que contém o que de melhor tem cada uma delas. Mas a síntese, com o tempo, transforma-se em tese, contra a qual virá a se opor outra ideia (antítese), e deste conflito, nova síntese, e assim indefinidamente. O direito, através de todas as civilizações, passou por esse mesmo
processo dialético, havendo na História grandes sínteses, como a do Código de Hammurabi, a do direito romano, a do Código de Napoleão e a do Código Civil alemão. O direito, em qualquer uma de suas fases, na teoria hegeliana, é a conformidade da conduta com a norma (2011, p. 386).
Entre o fim do século XIX e o início do século XX, na Itália, IGINO PETRONE (1870-1913), foi “considerado aquele que lançou a verdadeira batalha antiposotivista e relançou na Itália a filosofia do direito idealista”. Desta forma, PETRONE “preconiza um ‘idealismo crítico’, cujas premissas se encontram nas obras de Fichte e também nas pesquisas psicológicas sobre a consciência pessoal do americano J. M. Baldwin”. Ele chega a “construir seu próprio sistema, afirmando a necessidade de uma concepção capaz de atingir ‘a natureza eminentemente espiritual e moral do direito’”. Para ele, o Direito é “o produto da sociabilidade do homem, cujo fundamento se encontra na intersubjetividade – limitação mútua do ego e do alter – inerente a sua natureza”. PETRONE “tira dessa dialética ideais morais e jurídicos supremos” (BILLIER et MARYIOLI, 2005, p. 351-352). O criticismo neo-idealista de PETRONE abriria as portas para GIOLE SOLARI e DEL VECCHIO. Vide itens 4.1.4.2 – VI b e 4.7.3.1.3.
4.5 Historicismo
O historicismo tem suas raízes em HEGEL, que interligou as manifestações culturais com situações históricas, também correspondendo ao espírito evolucionista do século XIX, que influenciou as ciências sociais. Não tendo sido afetado pelo racionalismo, esse movimento admitiu novas técnicas para o estudo da História. Em suma, é anti-racionalista e contrário à imutabilidade. Substituiu “o determinismo divino pelo determinismo social ou natural; a razão, pela intuição ou pela compreensão, decisiva no processo de conhecimento histórico” (GUSMÃO, 2011, p. 387). Lembra o autor citado que:
Todo esse movimento conduziu, por um lado, ao relativismo e, por outro, a posições nacionalistas em relação ao ‘mundo histórico’, em processo de mudança sem ser à luz da razão. Para esse posicionamento, cada fato histórico é considerado expressão da mentalidade do povo, e não fruto da ação de um ‘herói’ ou de qualquer homem de gênio (2011, p. 387). 
Movimento nitidamente alemão, caracterizou-se desde as origens por fazer oposição ao codicismo e à teoria do Direito Natural. Também defendeu a formação e transformação espontânea do Direito, marcada pelo espírito do povo (Volksgeist). Os seus principais arautos foram GUSTAV HUGO, FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY e GEORG FRIEDRICH PUCHTA. De tal maneira que:
O direito, dizem Savigny, Hugo e Puchta, origina-se espontaneamente, imperceptível, juntamente com as demais obras culturais, espelhando o espírito do povo. O direito assim concebido deveria ser o objeto da ciência jurídica por corresponder mais à realidade histórica, e não, como pensa a maioria dos juristas, o direito artificialmente criado pelo legislador.
De geração espontânea, o direito não é, entretanto, para essa escola, fenômeno sui generis, sem qualquer relação com os demais fenômenos socioculturais, pois, como nota Savigny ao tratar da origem do direito positivo, o direito, em todas as nações, tem caráter próprio, peculiar, correspondendo ao espírito de cada povo, da mesma forma que o idioma e os demais costumes. Tanto o direito como os demais fatos socioculturais ‘estão indissoluvelmente’ interligados, apesar de aparentemente não darem essa ideia. Interligação marcada pelo espírito de cada povo. Daí o seu caráter nacional e histórico que o impedem de ser imutável (GUSMÃO, 2011, p. 388). 
Para essa corrente, o Direito progride com o progresso do povo. No historicismo jurídico estão as bases do sociologismo jurídico. 
4.6 Orientação sociológica
Essa doutrina jurídica tem fundamento no fato social, e a partir dele explica e justifica o Direito. Aplica o método sociológico e os resultados da própria Sociologia ao Direito, que é desvinculado do Estado, posto que definido como fenômeno social, provocado por fatores sociais, dos quais o Direito do Estado, todavia, não se exclui. Não reduz as fontes do Direito às fontes estatais. Admite o pluralismo jurídico, quer do Direito, quer de suas fontes. Quebra, assim, o “fetichismo legal” da Escola de exegese. 
Antes mesmo de a Sociologia despontar, MONTESQUIEU já ensaiava passos em direção ao reconhecimento da dependência do Direito em relação aos meios sociais, como vimos em IED I. A orientação sociológica ou sociologismo jurídico conheceu diversas facetas ou correntes, desde WEBER até os dias de hoje. SUMMER MAINE, SPENCER, MORGAN, GIERKE, GURVITHC, GÉNY, MORIN, KANTOROWICZ, EHRLICH, HECK, POUND, dentre outros, são nomes que se situam nalguma das correntes de cunho sociológico. Além de dar ênfase aos fatores sociais, como ensina GUSMÃO, o sociologismo jurídico, desde os seus primórdios, concentrou-se na lei ou leis da evolução jurídica.
Nos Estados Unidos, POUND, com a sua jurisprudência sociológica, defendia que o juiz deveria adotar a interpretação do texto legal que melhor resultado social produzisse e que menor atrito social provocasse. É uma forma de positivismo sociológico, que será abordado no item 4.7.3.1.1. As variantes dessa doutrina ainda fazem eco nos dias atuais. Diante disso, diz GUSMÃO:
A partir da década de 50, o movimento sociológico concentra-se mais na função social do direito, na sociologia do saber jurídico e nas raízes sociais da criminalidade e de outras condutas de desvio. Deixou de ser “sociologia de gabinete” passando, no meio social, a pesquisar as bases e os reflexos socais do direito legislado e jurisprudencial, ou melhor, a verificar a influência dos fatos sociais no direito, tornando-o assim útil a juízes, juristas, estadistas e legisladores (2011, p. 406). 
4.7 Positivismo
4.7.1 Surgimento da expressão “direito positivo”
	O termo “direito positivo” não era conhecido, ou, pelo menos, não era usado pelos romanos. De início, os romanos, pela voz de ULPIANO, distinguiram o jus civile (direito civil), que era o direito dos cidadãos de Roma, do jus gentium (direito dos gentios), que era o direito dos estrangeiros que residiam no império romano. Depois, distinguiram esses dois sentidos do Direito do jus naturale (direito natural), que tinha por fonte a natureza e seria inerente a todos os animais.
	A expressão jus positivum ou jus positum parece ter sido usada, pela primeira vez, na Idade Média, mas, ainda assim, a ela não se referiam os glosadores (aqueles que pretendiam reconstruir a obra [jurídica] romana, reelaborando textos redescobertos do direito romano, adaptando-os, de modo lógico, às situações de seu tempo). Coube aos jusnaturalistas começarem o questionamento acerca do “direito positivo” e da “positividade” da norma jurídica, como esclarece GUSMÃO, “opondo o direito natural ao direito positivo” (2011, p. 53).
 4.7.2 Uma concepção monista
	A concepção do Direito Positivo é monista, isto é, reduz o Direito àquele posto (ou positivado) pelo Estado, em oposição à teoria do Direito Natural. Os franceses identificavam-no com a lei (ou Código), nascendo daí a Escola Exegética ou Legalista que pregava a submissão do juiz à vontade do legislador.
4.7.3 Escola Positiva do Direito
	Contrapondo-se à Escola do Direito Natural, surgiu, no século XIX, a Escola Positiva do Direito. Para melhor compreender o surgimento dessa nova Escola jurídica é salutar debruçar-se sobre a lição de VANDER BASTOS:
A lei escrita assumiu um papel organizativo essencial, na proposta dos revolucionários franceses no poder, e foi secularizada: de manifestação revelada e inviolável, a lei transformou-se em instrumento essencial de poder, a sua índole e natureza. O processo legislativo deixou de ser obra isolada do governante – vox Regis, vox Dei – e passou a ser elaborada por organismos de representação popular, mais aptos a traduzir para os governantes as expectativas do povo: vox Regis, vox Populi (1999, p. 10-11).
E acrescenta:
A lei escrita transmudou-se
de instrumento de construção da nova ordem social em instrumento de sua conservação. A positivação do racionalismo jusracionalista provocou o desenvolvimento do mais sólido movimento jurídico da história do pensamento jurídico contemporâneo. A legalidade, a ordem escrita, se sobrepôs a todos os padrões de legitimidade e justiça: o justo e o legítimo são valores que a lei transcreve e prescreve, e aquilo que a lei não alcança não é Direito.
A igualdade é a igualdade perante a lei (todos são iguais perante a lei); a liberdade é a liberdade que a lei permite; o crime só é crime se a lei o define como crime (nullun crimen, nulla poena, sine lege); ninguém deve fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei (princípio da reserva legal); nenhuma lei pode modificar direito (legalmente) adquirido, coisa julgada (legalmente) e ato jurídico perfeito; nenhuma pena pode passar da pessoa do criminoso; ninguém pode ser preso por dívida. Estes são os princípios da cidadania consolidados na nova ordem legal (1999, p. 11).
Assim, depreende-se que para os positivistas o Direito é a lei, enquanto o aplicador do Direito, a fim de chegar a uma conclusão, deve apenas limitar-se à comparação do pressuposto legal com o “caso” sujeito à sua verificação. O modelo da nova situação jurídica foi o Código Civil francês, de 1804, que não admitia qualquer interpretação que ultrapassasse a verba legis – o sentido filológico e gramatical de suas palavras. Assim, por exemplo, BUGNET, civilista no período de ascensão do positivismo em França, identificava com extremo exagero Direito e lei que afirmara em certa ocasião: “Eu não conheço o Direito Civil, ensino apenas o Código Napoleônico” (Apud VANDER BASTOS, 1999, p. 13). Parece que outros também o disseram. 
4.7.3.1 Positivismo sociológico e positivismo jurídico
4.7.3.1.1 Positivismo sociológico
I – Comte
	O positivismo sociológico surgiu da teoria de AUGUSTE COMTE, que afirmava ser a Sociologia a única ciência capaz de reformar a sociedade, pois essa era a ciência positiva do fato social.
II – Durkheim
	Para ele, “os direitos naturais, inatos ou pré-sociais do indivíduo nada mais são, na verdade, do que direitos que lhe foram dados pela consciência coletiva, cujo órgão principal é o governo estatal, no decorrer de sua evolução histórico-cultural” (DINIZ, 2008, p. 103).
III – Outros nomes do positivismo sociológico
	Ao sociologismo francês de COMTE e DURKHEIM aderiram, dentre outros, figuras como LÉON DUGUIT, MAURICE HAURIOU, FRANÇOIS GÉNY, GEORGES DAVY e GEORGES GURVITCH, cada qual buscando um enfoque diferenciado, mas sempre na linha do positivismo sociológico. 
	No Brasil, o positivismo sociológico foi defendido, na chamada corrente sociologista eclética, pelos sergipanos TOBIAS BARRETO e SÍLVIO ROMERO, e por CLÓVIS BEVILACQUA, PONTES DE MIRANDA, PEDRO LESSA e outros. 
	Já na Itália, essa Escola foi representada pela Escola Positiva do Direito Penal, tendo à frente CESARE LOMBROSO, ENRICO FERRI e RAFAEL GAROFALO, que fizeram oposição à Escola Penal Clássica de BECCARIA (DINIZ, 2008, p. 104,108-109).
4.7.3.1.2 Positivismo jurídico
	Essa corrente positivista surgiu para purificar o Direito de qualquer fundamento moral de direito natural, que se achava disfarçado no positivismo sociológico. Assim é que DINIZ afirma: “Deveras, embora o positivismo sociológico pareça rejeitar qualquer moral teológica ou metafísica, pretende, mais ou menos explicitamente, substituí-las por certa moral científico-positiva” (2008, p. 115).
	A eliminação do Direito Natural como fundamento moral do Direito teve três fases:
I – Amoralização psicossocial do Direito, realizada por IHERING, que procurou eliminar a moral do Direito. O Direito não seria fundado na moral, mas “no fator psicossocial do interesse geral garantido pelo poder coercitivo do Estado”, e por HENRI DU PAGE, que o fundamenta na força social. Ora, mas há quem, a exemplo de LEONARD VAN ACKER, afirma que “o fator moral não se exclui, [pois] ficou absorvido pelo fator interesse geral e força social”.
II – Amoralização político-estatal de GEORG JELLINEK e MARCEL WALINE, que embasaram o Direito Positivo no poder soberano do Estado, ou seja, o Estado, segundo eles, é a única fonte do Direito, daí não ser possível falar em direitos naturais do homem. O Estado “outorga aos cidadãos direitos subjetivos de ordem pública, que constituem a base de todos os direitos subjetivos de ordem privada”.
III – Amoralização lógico-técnica de KELSEN, que, como se sabe, concebeu o Direito Positivo como sistema normativo. Com ele, “o positivismo jurídico parece ter alcançado a mais completa eliminação da moral ou do direito natural”. No seu entendimento, a base de uma ordem legal não está em princípios morais ou de direito natural, mas numa hipótese de trabalho lógico-técnico-jurídica, observando-se a hierarquia das normas em cujo topo está a norma hipotética fundamental, que justifica a validez da norma constitucional. O positivismo kelseniano ficou também conhecido como normativismo jurídico, ou, ainda, como racionalismo dogmático. Sua grande “aspiração foi salvaguardar a autonomia, neutralidade e objetividade da ciência do direito” (DINIZ, 2008, p. 115, 116-120).
	É imperioso salientar que para KELSEN “o objeto do conhecimento jurídico é a norma jurídica, assim como para o físico é a natureza, ou para o astrônomo, os astros” (VANDER BASTOS, 1999, p. 39). 
4.7.3.1.3 Outras correntes positivistas
	Ao longo do tempo, outras correntes ou variações do positivismo jurídico foram surgindo, com mais ou menos sucesso. Fala-se, por exemplo, no positivismo crítico de ICILIO VANNI, que procurou conciliar o positivismo em si com o criticismo de KANT. Para VANNI a teoria do Direito é fundada na experiência jurídica, cuja validade depende do resultado por ela alcançado (GUSMÃO, 2011, p. 392). Alguns juristas tentam negar a existência desse positivismo crítico. Todavia, dizem-nos BILLIER et MARYIOLI a respeito de VANNI:
A crise do positivismo jurídico na Itália se manifestou no fim do século XIX com as obras de Icilio Vanni (1855-1903) que advogam a favor do que este autor chamava de ‘positivismo crítico’, doutrina que consistia em tirar dos fatos e do relativismo empirista os preceitos morais segundo os quais deveria ser apreciado o direito positivo. Ela teve sequência com as obras de Petrone (2005, p. 351). Sobre PETRONE vide item 4.4.
Registra-se, também, o positivismo lógico ou neopositivismo, em cujo contexto situa-se NORBERTO BOBBIO, para quem o objeto da Ciência é a “análise da linguagem jurídica, de que se serve o legislador, que deve ser rigorosa, possibilitadora do discurso jurídico logicamente exato”. Nos últimos tempos de sua vida, contudo, BOBBIO afastou-se do positivismo lógico, aderindo ao pensamento de HERBERT HART, para o qual o fundamento do Direito encontra-se em uma norma pressuposta, que dá validade às demais normas e que dá “competência ao Poder Constituinte para legislar”, impondo a todos a obrigação de obediência (GUSMÃO, 2011, p. 392).
De qualquer forma, as linhas evolutivas do positivismo “tomaram diferentes inclinações, fugindo, principalmente, dos estreitos limites do legalismo legislativo para ampliar-se e se redefinir nas novas teorias referentes à decisão judicial [...]” (BASTOS, 1999, p. 14).
4.8 Realismo jurídico
	O realismo jurídico norte-americano floresceu especialmente na primeira metade do século XX. Para os seus defensores, “como para os juristas sociológicos, a letra da lei tinha menos importância”, como afirma o irlandês JOHN M. KELLY (1931-1991), que acrescenta:
Mas a característica especial dos ‘realistas’, e a razão de serem chamados assim, era que eles chamavam a atenção para as realidades do processo judicial por meio do qual todo o direito, em caso de disputa, deve ser aplicado. As disputas, o litígio civil ou penal, era assim o terreno sobre o qual se estendia a teoria realista; ‘as disputas’, como escreveu uma das principais figuras
da escola, Karl Llewellyn, ‘são o coração e a essência eternos do direito; não definem sua circunferência, mas sempre definirão seu centro (2010, p. 481).
Ora, para os adeptos do realismo o que importava mesmo eram as decisões dos tribunais, mais do que as leis. A primeira e clássica expressão nesse sentido veio, em 1897, de OLIVER WENDELL HOLMES (1841-1935), que por 30 anos foi juiz da Suprema Corte norte-americana, por meio do ensaio intitulado ‘O caminho do direito’, no qual ele sugeriu que, “para vermos o que o direito é na realidade, adotássemos o ponto de vista de um hipotético ‘malfeitor’ enfrentando um julgamento”. Dizia, então, HOLMES:
Tomemos a pergunta fundamental, o que constitui o direito? Alguns escritores dirão que ele é algo diferente do que é decidido pelos tribunais de Massachusetts ou da Inglaterra: que é um sistema de raciocínio, que é uma dedução feita a partir de princípios de ética, axiomas pressupostos ou sabe-se lá o quê, dedução essa que pode coincidir ou não com as decisões. Porém, se olharmos da perspectiva de nosso amigo, o malfeitor, veremos que ele não se importa com os axiomas ou deduções, mas o que ele quer realmente saber é o que os tribunais de Massachusetts ou da Inglaterra poderão fazer de fato. Penso de modo semelhante ao dele. As profecias sobre o que os tribunais farão de fato, e nada mais pretensioso que isso, é o que eu quero dizer com direito (Apud KELLY, 2010, p. 482). 
Esperamos que você, estudante de Direito, não se sinta incomodado (a) com a preleção de KELLY, para fecharmos este assunto, na esfera jurídica norte-americana. Diz ele:
O objeto do estudo jurídico era simplesmente ‘a predição da incidência da força pública manejada por meio dos tribunais’. A percepção da incerteza do direito, da influência potencial de fatores não declarados sobre sua aplicação em um caso particular, é considerada caracteristicamente americana porque havia fatores atuando nos Estados Unidos que eram desconhecidos na Inglaterra (da qual os americanos haviam levado o common law) ou no continente europeu. Primeiro, o país era dividido em um grande número de jurisdições independentes, todas administrando o common law, mas todas livres para amoldá-lo juridicamente a seu modo; segundo, a subordinação dos poderes legislativos estaduais e federais à Constituição tal como interpretada pela Suprema Corte, que podia facilmente – e o fazia com frequência – declarar inválidos os atos dessas assembleias, atos que, pela confiança depositada neles, poderiam ter originado as mais diversas expectativas e compromissos; terceiro, o tom judicial não profissional que se supunha ter sido introduzido nos padrões dos tribunais inferiores, pelo fato de os juízes desses tribunais serem eleitos pelo povo. De qualquer modo, havia obviamente mais probabilidade, nos Estados Unidos, de surgirem circunstâncias em relação às quais seria absurdo cogitar uma lei preexistente. Jerome Frank (1889-1957) considerou essa percepção tão revolucionária na ciência jurídica quanto uma demonstração que marca época poderia ser nas ciências naturais:
“Como Copérnico fez os homens abandonarem a noção geocêntrica do universo e aceitarem a noção heliocêntrica, assim também o malfeitor de Holmes, mais cedo ou mais tarde, compelirá todas as pessoas inteligentes a admitir que o centro do mundo jurídico não está nas normas, mas nas decisões judiciais específicas (isto é, julgamentos, ordens e decretos) em litígios específicos”. 
Com efeito, a própria ideia de que o direito precisa ser ‘objeto de certeza’, no sentido de ser perfeitamente previsível, foi ridicularizada por Frank como uma sobrevivência, na idade adulta, da necessidade da criança de ter certeza e confiança, que ela vai buscar na força e sabedoria de seu pai.
O próprio Frank classificava os realistas em dois grupos, que chamava respectivamente de ‘céticos quanto às normas’ e ‘céticos quanto aos fatos’ (era a este último grupo que ele pertencia). Os céticos quanto às normas são aqueles cuja descrença na certeza e previsibilidade do direito se limita à afirmação de que por trás da ‘norma no papel’ atuam outros valores invisíveis e não revelados, os quais terão certa probabilidade de determinar o resultado de um caso em particular; esses valores operam nas mentes dos juízes, e os juízes que interessam aos céticos quanto às normas são os dos tribunais recursais. Os céticos quanto aos fatos, mais radicais, aceitam, é claro, as dúvidas dos céticos quanto às normas sobre a confiabilidade da norma escrita, porém vão mais longe; a constatação dos fatos nus que estão em causa num litígio judicial – a qual deve ocorrer antes que alguém pretenda aplicar uma norma – é a própria um processo altamente imprevisível; elementos de todo tipo, muitos deles totalmente inconscientes, podem determinar o que um juiz (para esse ramo de realistas, tipicamente o de primeira instância) ou um júri aceitará como ‘fatos’. Não apenas testemunhas inexatas, esquecidiças ou mentirosas, mas também os mais diversos preconceitos operando a favor ou contra esta ou aquela testemunha ou parte, ou mesmo disposições pessoais momentâneas do juiz ou do jurado, podem ser decisivas (2010, p. 483-484). 
E o que dizer, agora, do realismo escandinavo? Pedimos paciência para novamente ir a KELLY:
Mais ou menos na mesma época em que o realismo americano estava mais ativo, surgiu na Escandinávia uma escola de ‘realistas’ bastante diferente. Até certo ponto os escandinavos referiam-se ao processo judicial em suas considerações sobre o direito, porém os tribunais não eram elemento central de sua doutrina, nem o eram os fatores econômicos e sociais que podiam condicionar os trabalhos dos tribunais. Eles receberam o nome de ‘realistas’, como os americanos, porque se propuseram explicar o que o direito é ‘realmente’; porém, explicavam-no essencialmente em termos psicológicos, em termos de um conjunto de respostas mentais diante de palavras como ‘direito’ e ‘dever’, respostas que o treinamento e o hábito tinham desenvolvido nas pessoas sujeitas a um sistema jurídico e naquelas que o administravam (2010, p. 486-487).
Foi o filósofo sueco AXEL HÄGERSTRÖM (1868-1939) o inspirador do realismo escandinavo, a partir de sua obra sobre o conceito romano de obrigação. Para ele, que era estudioso do Direito Romano, e outros da tradição filosófica empírica, “a maior parte da realidade psicológica que o direito representa hoje é simplesmente o depósito de milênios de condicionamento, primeiro pela magia, depois pelo hábito”. Logo, “falar sobre deveres, direitos, a força obrigatória da lei e assim por diante era inútil, visto que tais conceitos dependem de proposições que na realidade não passam de afirmações de um hábito individual ou preferência individual ou grupal”. Como isso, objetivamente, se processa? Na verdade, “tudo o que se pode fazer é descrever o direito como a totalidade das respostas psicológicas coletivas dos indivíduos – é esse o único fato verificável: se estou persuadido de que tenho um dever, ou acredito que tenho um direito, e assim por diante, um certo estado mental surge em mim e acarreta certas consequências externas prováveis”. É uma questão de convicção que o indivíduo passa a ter. E essa convicção “é o que é ‘real’ no direito” (KELLY, 2010, p. 487-488). 
HÄGERSTRÖM reporta-se à magia e ao hábito porque, em Roma, o Direito, no Fórum, era praticado sob certas formalidades que remetiam a antigas crenças sobrenaturais: por exemplo, havia datas específicas para julgar as demandas, a depender dos oráculos divinos, que somente a classe dos patrícios, que exercia os sacerdócios, conhecia, ao menos até certo tempo, ou seja, até algumas conquistas dos plebeus, que ensejaram a criação dos tribunos da plebe e, mais tarde, culminariam nas revoltas chefiadas pelos irmãos Graco – Tibério e Caio, ambos assassinados. Somente a título de exemplificação, NORBERT ROULAND esclarece: 
A proclamação do livre acesso à justiça, praticamente a todos, não passa de outro tipo de expediente demagógico. Elegíveis
para os sacerdócios nos anos 300 [antes de Cristo] (sabemos que somente as funções sacerdotais possibilitam o conhecimento do direito e do processo), os plebeus não lhes têm acesso efetivo a não ser meio século mais tarde. De qualquer maneira, a justiça permanece nas mãos dos poderosos. Nas palavras de Tito Lívio: “...a preponderância de alguns grandes sempre triunfa sobre a liberdade do povo” (1997, p. 91). 
Outros nomes importantes do realismo escandinavo foram os suecos VILHELM LUNDSTEDT (1882-1955) e KARL OLIVERCRONA (1897-1980), ao lado do dinamarquês ALF ROSS (1899-1979). De todos eles, ROSS parece ser o mais estudado entre nós. 
Para LUNDSTEDT, que é considerado o mais extremo dos realistas escandinavos, os tribunais devem ser levados em grande consideração no entendimento do que é o Direito, a exemplo do que pensam os realistas norte-americanos. Ele, porém, é bem mais radical: rejeita os conceitos jurídicos porque os considera ilusórios. OLIVECRONA, falando sobre a legislação, diz que:
O efeito da legislação é condicionado pela atitude psicológica que nós mesmos e milhões de outras pessoas mantemos [a saber, certos sentimentos evocados pelo uso de palavras como ‘delito’, ‘ilegal’ e assim por diante]. Por causa dessa atitude, os legisladores podem tocar nossas mentes como um instrumento musical (Apud KELLY, 2010, p. 489). 
ALF ROSS, como os demais realistas escandinavos, não admite a realidade independente das normas jurídicas. Para ele, a validade da norma jurídica depende de sua efetiva observância pelos tribunais. A lei é válida quando respeitada e efetivamente aplicada pelos tribunais. Em consequência: o direito é válido se eficaz. Ele define o Direito como a norma disciplinadora do exercício do poder (GUSMÃO, 2011, p. 408). Mas o próprio ROSS dá-nos esta lição: 
O direito tem o seu objetivo em si mesmo: aperfeiçoar a ideia de justiça a ele inerente. A política jurídica é a doutrina que ensina como atingir esse objetivo, o qual distingue a política jurídica da política do bem-estar, da política cultural e da política do poder, que são determinadas com base em objetivos diferentes: econômicos, culturais e políticos.
[...]
Até agora a política jurídica foi principalmente considerada como política legislativa. Vimos [...] que toda administração da justiça contém um ponto de decisão que transcende a atividade intelectual. A decisão judicial, contudo, é menos livre do que a decisão legislativa. A autoridade que administra o direito, em particular o juiz, se sente obrigada pelas palavras da lei e as outras fontes do direito. Todavia, estas sempre deixam espaço para a interpretação, e a norma jurídica concreta na qual se traduz a decisão, é sempre criação no sentido de que não é uma mera derivação lógica de regras dadas (2003, p. 375; 380). 
O movimento realista escandinavo, salvo a obra de ROSS, acabaria por perder prestígio, ao ponto de STRÖMHOLM ter dito que suas “glórias [foram] breves e agora desbotadas”. Ressaltamos que “os realistas escandinavos rejeitavam não só todas as ideias absolutas de justiça, mas também a fortiori a posição inteira do direito natural” (KELLY, 2010, p. 48-490). 
4.9 Direito alternativo 
	Não se pode dizer que o movimento do Direito alternativo constitui uma escola jurídica, mas teve em passado recente grande repercussão em nosso país, embora suas raízes sejam alienígenas. Não será custoso, portanto, fazermos uma apresentação do mesmo. Afinal, esse movimento angariou vários adeptos e não menos desafetos. 
4.9.1 Breve histórico do Direito alternativo
I – Combate à concepção monista e uso alternativo do Direito
	Como foi visto no capítulo anterior, a concepção monista do Direito vem, há algum tempo, sendo combatida. Na América Latina e no Brasil essa tendência cresceu a partir da década de 70. Seguindo os passos de magistrados italianos, abaixo nominados, ROBERTO LYRA FILHO, em 1982, afirmou que “no ‘Direito estatal, as leis que exprimem, em suas linhas gerais, (o) domínio de classe e grupos privilegiados’, também contêm ‘elementos positivos, que podem ser utilizados pelas classes e grupos libertadores’” (Apud AZEVEDO, 1998, p. 162). 
Mas o uso alternativo do Direito surge em “fins dos anos sessenta e começo da década de setenta”, na Itália, através de “um movimento teórico-prático, formado por professores, advogados e principalmente magistrados progressistas”. A finalidade dessa “importante tendência político-jurídica foi propor, diante da dominação e da conservação do Direito burguês capitalista, a utilização do ordenamento jurídico vigente e de suas instituições na direção de uma prática judicial emancipadora, voltada aos setores sociais ou às classes menos favorecidas” (WOLKMER, 1995, p.45).
Os magistrados italianos do movimento do Uso Alternativo do Direito integravam a chamada “Magistratura Democrática”, corrente dissidente no interior da Associação Nacional da Magistratura. Tal movimento aglutinava o interesse de “alguns dos mais importantes juristas críticos e antidogmáticos da Itália, tais como: PIETRO BARCELLONA, GIUSEPPE COTTURRI, LUIGI FERROJALI, SALVATODE SENESE, VICENZO ACCATTATIS etc.”. As ideias dos italianos foram difundidas e encontraram eco entre os juristas e magistrados da Espanha e da Alemanha (WOLKMER, 1995, p. 46). De lá se espalhou pela América Latina: México, Colômbia, Argentina, Brasil etc.
II – Caracterização da expressão “uso alternativo do Direito”
É de importância ímpar salientar que a expressão uso alternativo do Direito (empregada no mesmo sentido que lhe emprestou o movimento italiano) “se caracteriza pela utilização das contradições existentes no sistema, bem como da vagueza ou ambiguidade de suas normas” (BETIOLI, 2000, p. 373).
Ora, o sistema é contraditório “quando o direito positivo possui mais de uma norma jurídica vigente, aplicáveis à mesma situação fática, sendo que há um choque entre elas; a aplicação de uma é a negação da outra”; é a chamada antinomia de normas. A norma é vaga “quando não possui um sentido claro e unívoco, permitindo mais de uma leitura do seu texto (exemplo: termos como ‘função social’, ‘mulher honesta’, ‘segurança nacional’, ‘legítima defesa’ e ‘estado de necessidade’)”. Ambígua é a norma que “possui termos com mais de um significado, mas todos razoavelmente precisos; é o que ocorre, por exemplo, com um termo que possui um sentido técnico e um popular, como a palavra ‘roubo’” (BETIOLI, 2000, p. 373-374).
O uso alternativo do Direito, parte do pressuposto de que diante do conflito de normas ou de sua imprecisão significativas, deve o intérprete optar pela interpretação que esteja mais de acordo com a democracia e com os interesses das classes e grupos menos favorecidos dentro do contexto social. E o instrumento primordial a ser utilizado na esfera do uso alternativo do Direito é a hermenêutica. Aliás, é preciso ressaltar, mais uma vez, que o art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil adota de forma expressa a interpretação finalística (voltada para a finalidade da norma) como critério imprescindível à aplicação do Direito.
4.9.2 O movimento do Direito alternativo no Brasil
	Os prenúncios do Direito alternativo estão nas ocorrências pós 64, quando o Brasil mergulhou na ditadura militar e os direitos fundamentais do cidadão foram restringidos. Em 1975, em “um Congresso Nacional de Magistrados, o então Juiz de Direito JOÃO BATISTA HERKENHOFF, em sessão plenária, propôs uma moção pedindo tão-só a volta do Estado de Direito”. A proposta foi derrotada de “forma esmagadora, recebendo apoio apenas de três ou quatro congressistas”. Ou seja, os “juízes, desembargadores e ministros presentes não quiseram a volta do Estado de Direito” (ANDRADE, 1998, p. 14). Temiam enfrentar a ditadura? Eles a aplaudiam, ao invés de lutarem pela causa da justiça e da liberdade, objetivos do Direito, como muitos estudiosos sempre entenderam? 
	Durante o processo de elaboração da Constituição atual a Associação dos Magistrados Brasileiros organizou várias reuniões para elaborar
propostas à Assembleia Nacional Constituinte. Destacaram-se, em especial, os magistrados gaúchos. Ao mesmo tempo, juristas não magistrados, sob a influência do movimento italiano referente ao uso alternativo do Direito também tomaram o caminho da busca do que seria o Direito Alternativo. Em 1990 ocorreu um episódio histórico que pode ser visto como marco fundamental: na edição de 25 de outubro, o Jornal da Tarde, de São Paulo, “veiculou um artigo [...] com a manchete ‘Juízes Gaúchos Colocam Direito Acima da Lei’”. Na verdade, o artigo procurava ridicularizar os magistrados gaúchos, que estavam se reunindo para “discutir a Ciência Jurídica sob uma visão crítica e debater formas alternativas de aplicação do Direito positivado, buscando alcançar fins sociais”. Mas o alvo principal da “matéria jornalística foi o [então] Juiz de Direito AMILTON BUENO DE CARVALHO [hoje, Desembargador no RS], um dos responsáveis pela organização desses encontros” (ANDRADE, 1998, p. 19). Mas, segundo o autor citado, não ocorreu o que o jornalista LUIZ MAKLOUF, autor do artigo, desejava:
O efeito desejado pelo órgão de imprensa acabou invertido, pois não houve ridicularização ou desmoralização; bem ao contrário, a publicação acabou servindo como um grande veículo de propaganda, unindo vários magistrados descontentes com a postura tradicional do Judiciário, mas, até o momento, isolados e desorganizados. Muitos foram os juízes que escreveram artigos em jornais e revistas defendendo os colegas gaúchos (1998, p. 19-20).
	Entre 04 e 07 de setembro de 1991 foi realizado, em Florianópolis, o “I Encontro Internacional de Direito Alternativo”, que congregou apenas 1.200 participantes, por absoluta falta de espaço. Nesse Encontro foi criado o Instituto de Direito Alternativo – IDA, com sede em Florianópolis. (ANDRADE, 1998, p. 21). 
	
4.9.3 O que é Direito alternativo
	Deve-se entender que o Direito alternativo “não possui uma ideologia única”. De início, ele “surgiu sem um debate teórico prévio”. Os pontos de partida iniciais eram: a não aceitação do sistema capitalista como modelo econômico, o combate ao liberalismo burguês como sistema sócio-político, o combate à miséria (caracterizado na luta pela democracia e na materialização de igualdade de oportunidades e condição mínima e digna de vida para todos) e certa adesão de seus membros em relação à teoria crítica do Direito (ANDRADE, 1998, p. 38).
 
	Na fase de amadurecimento do Direito alternativo, AMILTON BUENO DE CARVALHO o conceituou, em sentido amplo, como “atuação jurídica comprometida com a busca de vida com dignidade para todos, ambicionando emancipação popular com abertura de espaços democráticos, tornando-se instrumento de defesa/libertação contra a dominação imposta” (Apud ANDRADE, 1998, p. 46). 
	O mesmo BUENO DE CARVALHO também disse que o “movimento do direito alternativo, na realidade brasileira atual, caracteriza-se pela busca de um instrumental prático-teórico destinado a profissionais que ambicionam colocar seu saber/atuação na perspectiva de uma sociedade socialista democrática”. E disse ainda que “em nível de América Latina, nasceu com a luta pela concretização dos direitos humanos e como forma de resistência à dominação imposta por regimes ditatoriais. A população, ante o fracasso da tentativa de alteração do modelo vigente, via revolução ou eleição, busca no jurídico um espaço de luta para resistir à dominação ou avançar em lutas libertárias” (SOUZA JR. et AGUIAR, 1993, p. 97). 
	Para BUENO DE CARVALHO, deve “o operar jurídico alternativo abandonar qualquer postura de neutralidade, assumindo, abertamente, um compromisso ético com as classes menos favorecidas, bem como serem os Princípios Gerais do Direito os critérios limites do julgador...” (Apud ANDRADE, 1998, p. 46). 
	O movimento do Direito alternativo, como lembra ANDRADE (1998, p. 46-48), foi dividido em três atividades prático/teóricas, que são:
I – Positivismo de Combate
Como muitas normas não são cumpridas, ou, quando são, sofrem violenta interpretação restritiva, não basta tornar lei os anseios da população. Após a produção normativa, cabe ao operador jurídico alternativo lutar pela efetivação (concretização) das mesmas. Ou seja: deve-se lutar pelo cumprimento da lei. BUENO DE CARVALHO prefere, hoje, chamar de positivação combativa. 
II – Uso alternativo do Direito
Parte de uma visão restrita do movimento italiano anteriormente mencionado, entendendo-se que por uso alternativo do Direito o processo hermenêutico pelo qual o interprete dá a norma legal um sentido diferente daquele pretendido pelo legislador de direito ou pela classe dominante. Estende-se a interpretação das leis de cunho popular e restringe-se a interpretação das leis que privilegiam as classes mais favorecidas.
III – Direito alternativo em sentido estrito
É uma visão do Direito sob a ótica do pluralismo jurídico. Vem a significar o Direito existente nas ruas, emergente da população, ainda não elevado à condição de lei oficial, ao contrário, com ela competindo. É o caso, por exemplo, do Movimento dos Sem-Terra, na luta por um Direito, tido como legítimo, de ter um solo para trabalhar e sobreviver em conflito com o direito de propriedade formalmente estabelecido na legislação brasileira. 
4.9.4 O Direito achado na rua
	Como vimos, o Direito alternativo em sentido estrito é o chamado “Direito achado na rua”. Contudo, levando em conta o exemplo dos Sem-Terra, “para diferenciar esse Direito paralelo, entendido como popular e efetivador de Justiça, do produzido pelos mafiosos ou narcotraficantes, pois também paralelo, colocam-se fatores diferenciadores ético/morais. Só é legítimo o Direito da rua que visa efetuar conquistas democráticas, para edificar uma sociedade mais igualitária e, consequentemente, mais justa” (ANDRADE, 1998, p. 48).
	A expressão “Direito achado na rua” foi cunhada pelo saudoso professor da UNB, ROBERTO LYRA FILHO. E o desenvolvimento da teoria que a sustenta teve, desde o início, a contribuição do professor JOSÉ GERALDO DE SOUZA JÚNIOR, também da UNB.
	ROBERTO A. R. DE AGUIAR, outro lente da UNB, diz que:
A expressão Direito Achado na Rua inquieta a todos que acreditam no Direito como uma atividade tão-só dos gabinetes, das salas de audiência e dos especialistas. Além disso, espanta por deslocar o olhar jurídico para o povo, para a sociedade organizada, saindo do leito asséptico da norma posta pelas elites atrasadas que de há muito se assenhorearam deste país, confundindo-se com o próprio Estado.
Todas as concepções levantadas têm como característica o fato de trabalhar no abstrato, entender o Direito como um fenômeno essencialmente estatal, no máximo concedendo ao costume a condição de fonte do Direito (Apud MOLINA, SOUZA JR. et TOURINHO NETO, 2002, p.51). 
Para AGUIAR, “a leitura dessa expressão forte desloca para a sociedade concreta, desigual e contraditória, o olhar do jurista, forçando-o a se situar no interior dessas contradições, retirando a possibilidade epistemológica da neutralidade ser o selo de conduta dos doutrinadores e dos operadores do Direito”. Dessa forma, “o ser humano concreto, de carne, sangue e sonho toma o lugar da parte, do requerente, do réu”. Isto é: “o cidadão substitui o sujeito abstrato dos códigos e o ator processual limitado pelas capas dos autos” (Apud MOLINA, SOUZA JR. et TOURINHO NETO, 2002, p.51). 
No dizer de AGUIAR, o “Direito Achado na Rua aponta uma posição científica que supera o positivismo e rejeita o jusnaturalismo, procurando construir uma ciência antidogmática”, por meio da releitura de MARX acrescida das contribuições do português BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS (Apud MOLINA, SOUZA JR. et TOURINHO NETO, 2002, p.53). 
AGUIAR insiste na necessidade de renovação da Ciência Jurídica, sob o aspecto holístico de modo a que ela possa se tornar plural:
O Direito tem de trabalhar com a globalidade do ser humano, imerso e atuando na concretude da história, nas contradições da sociedade e nos conflitos existenciais e materiais
que a condição humana impõe. A fonte e o destinatário dos preceitos jurídicos é o cidadão; o Estado é um dos instrumentos (o hegemônico) para a realização desse direito.
A consequência desse entendimento leva o Direito Achado na Rua a rejeitar as concepções monistas do Direito, que o entendem como emanação estatal. O direito passa a ser plural. Não mais um só ordenamento jurídico sacralizado pelo Estado, mas vários ordenamentos em luta, pois os despossuídos, os dominados, na medida em que se organizam, criam direitos paralelos e forçam o direito hegemônico a se modificar, ou mesmo a desaparecer, no caso de uma revolução.
[...]
As manifestações críticas aqui citadas nada mais são do que a procura do ser humano por um direito que espalhe a igualdade fundamental e a dignidade que vai se construindo dialeticamente na história (Apud MOLINA, SOUZA JR. et TOURINHO NETO, 2002, p.53-55). 
4.9.5 A visão crítica não deve morrer
	É sabido que muito tempo ainda haverá de durar a força do Estado na concepção do Direito. O poder e o Direito continuarão a andar de braços dados. A esse respeito, diz BOBBIO:
Direito e poder são duas faces da mesma moeda. Uma sociedade bem organizada precisa das duas. Nos lugares onde o direito é impotente, a sociedade corre o risco de precipitar-se na anarquia; onde o poder não é controlado, corre o risco oposto, do despotismo. O modelo ideal do encontro entre direito e poder é o Estado democrático de direito, isto é, o Estado no qual, através de leis fundamentais, não há poder, do alto ao mais baixo, que não esteja submetido a normas, não seja regulado pelo direito, e no qual, ao mesmo tempo, a legitimidade do sistema de normas como um todo derive em última instância do consenso ativo dos cidadãos. Ocorre, sobretudo, no Estado democrático de direito que filosofia jurídica e filosofia política devem estabelecer entre si fecundas relações de colaboração, dando origem a um agir político que em todos os níveis deve desenvolver-se nos limites das normas estabelecidas e essas mesmas normas possam ser continuamente submetidas a revisões através do agir político, promovido pelos mais diferentes centros de formação de opinião pública, sejam eles grupos de interesses, associações, movimentos livres de reforma e resistência.
[...]
O poder torna-se legítimo através do direito, enquanto o direito se torna efetivo através do poder. Quando um e outro se separam, encontramo-nos diante dos dois extremos, dos quais qualquer convivência organizada deve se afastar, do direito impotente e do poder arbitrário (1997, p. 169-170). 
	AMILTON BUENO DE CARVALHO chama atenção para o fato de que, no Brasil, “o jurídico está à beira da falência”, pois “as Faculdades de Direito, enquanto regra, perderam a capacidade de crítica (a palavra segue a definição que lhe dá ANTÔNIO CARLOS WOLKMER: ‘profundo exercício reflexivo de questionar o que está ordenado e oficialmente consagrado [em nível de conhecimento, do discurso e do comportamento] em uma dada formação social; e a possibilidade de conceber outras formas diferenciadas e pluralistas de prática jurídica’) e não passam de meras repetidoras de práticas antigas. E é de tal laboratório que emerge basicamente o ‘saber’ dos atores jurídicos” (1997, p.123-124).
	ROBERTO LYRA FILHO, diante dos entraves que, por vezes, são postos ante o Direito, diz:
Mas o direito se vinga, cresce, pressiona, conquista alargamentos notáveis, brilha nos estandartes dos espoliados e oprimidos, ecoa na voz dos advogados progressistas, transborda nas sentenças dos magistrados mais inquietos, incorpa-se e procura uma sistematização no pensamento dos professores rebeldes, sacode as bitolas dogmáticas e retempera o ânimo dos que, cedo demais, queiram dar a causa jurídica por indefensável e perdida (Apud CARVALHO, 1997, p. 123).
4.9.6 Uma heresia, segundo Goffredo Telles Júnior
	Discorrendo sobre o Direito alternativo, o professor GOFFREDO TELLES JÚNIOR mostra sua contrariedade com seus postulados:
Uma corte de juízes brasileiros proclamou: “Nosso compromisso é com a justiça, não coma lei!”. E sustentaram: “Leis injustas não podem servir de razão e fundamento de nossas sentenças”, “Colocamos o Direito acima da lei”, “O papel do juiz é o de buscar o ‘justo’, em cada caso concreto, sem servidão à lei”, “O juiz deve trazer o humano para dentro do processo”, “A sentença deve refletir a angústia das pessoas”.
Conferindo-se a si próprios a designação de juízes orgânicos, tais magistrados se disseram pregoeiros da nova justiça – da justiça a que chamaram Direito Alternativo.
Fascinante pensamento aquele, todo inspirado, sem dúvida, num sincero anseio de justiça. E natural foi a grande repercussão que logrou obter, nos centros culturais do País.
Sucede, porém, que o apelidado Direito Alternativo não é mais do que uma quimera. Constitui, em verdade, um contra-senso. Fruto de uma lamentável confusão de ideias, a teoria dos “juízes orgânicos” é uma heresia.
Esta matéria requer um momento de especial atenção.
Fascinante – dissemos – o sonho de colocar, por cima do justo por convenção, por cima do justo segundo a lei, o soberano justo por natureza. Num primeiro impulso, na pura esfera de um sonho, não há quem não se sinta irmanado com os juízes do chamado Direito Alternativo. Mas, no momento em que despertamos, e saímos do sonho, e pomos os pés na terra, e o pensamento na simples realidade, que é que vemos? Vemos que precisamos nos abraçar às leis, para ser livres. Para assegurar o respeito a nossos Direitos. Para usufruir e defender o que é nosso. 
Para que as leis existem? Não precisamos dizê-lo. Elas existem para evitar o arbítrio do Executivo, para evitar o arbítrio do Judiciário, para evitar o arbítrio dos mais fortes.
Há leis péssimas, sem dúvida. Mas há juízes péssimos, como todos sabem. A lei péssima pode ser revogada por outra lei. O povo que faz a lei pode fazer outra lei. Mas quem destituirá os juízes péssimos e vitalícios? 
[...]
O jurista sabe que a lei tem letra e tem espírito. Quase poderíamos dizer que a lei tem corpo e tem alma. A verdade é que a lei, para o jurista, não se esgota em sua letra. A lei se acha, também, no seu pensamento e na sua intenção. 
Nem sempre o espírito da lei se exprime em sua letra. Pode a lei estar mal redigida, mal expressa. Mas, o que é certo é que a lei, seja qual for a sua letra, não deve ser aplicada contra o seu espírito.
O juiz não pode deixar de aplicar a lei, nos casos para os quais ela foi feita. Deve, porém, aplicá-la adequadamente, isto é, deve aplicá-la considerando o espírito, o sentido que ela, em cada caso concreto, precisa ter, para alcançar os exatos objetivos que determinam sua elaboração.
Queremos aqui ressaltar uma conclusão importante. Se a aplicação da letra da lei a um caso concreto produzir efeito contrário ao que a própria lei pretende, aplicá-la equivale a violá-la, porque será contrariar o seu pensamento, o seu espírito. 
O juiz que a tenha aplicado assim, não soube interpretá-la convenientemente: apegou-se à letra rígida da lei, desconhecendo o seu espírito. Ao juiz não é permitido julgar violando a lei; não é permitido julgar “contra legem”. O que lhe compete é julgar em conformidade com o que manda a lei corretamente interpretada.
Miguel reale escreveu: “Uma norma é a sua interpretação”. Impossível dizer melhor (2006, p. 365-366). 
	
4.9.7 O dever de analisar e criticar o Direito
	Defendendo qualquer posição doutrinária, cabe-nos, na Academia, tanto professores quanto alunos, conhecer, analisar e criticar o Direito, tal como teorizado e ensinado, a fim de buscarmos a construção de uma sociedade democrática, sem as amarras que perduram através dos tempos, e que podem muito bem ser sintetizadas, dentre outros, nestes três males: impunidade e injustiça, de um lado, e exploração do outro. 
	Por outro lado, aí estão nessa fase que alguns chamam de pós–modernidade, uma gama de novas realidades sociais a exigirem soluções jurídicas compatíveis: a globalização, a pós-nacionalidade, o multiculturalismo,
a cibernética, o terrorismo internacional, a diversidade, a tolerância, o biodireito, a homoafetividade etc. Mas é preciso não perder de vista dois pontos de suma importância: a constante luta pela afirmação da dignidade da pessoa humana e da liberdade, sempre, sempre, sempre. Para tanto, é preciso fazer coro com BITTAR, quando diz que, ante toda essa problemática, “o Estado encontra-se desafiado em sua concepção de matriz, em sua determinação de estrutural, bem como em sua capacidade de agir” (2005, p. 384).
	Queremos deixar as palavras de MICHEL MIAILLE, referentes à crítica ao Direito:
Esta crítica deve, pois, referir-se não apenas à formulação desta ou daquela teoria, mas sobre os seus fundamentos mesmos; a provar isto, as ‘teorias jurídicas’ presentes nas ‘explicações’ dos juristas aparecem pelo que realmente são: um vasto discurso ideológico a justificar a custo as estruturas da sociedade capitalista de hoje. Digo bem: a custo, pois [se pôde ver, ao longo do nosso estudo] a que acrobacias os representantes da ‘Doutrina’ nos convidam para aceitar as suas construções. A ciência jurídica oficial assemelha-se, muitas vezes, a um credo salpicado de mistérios. A pessoa jurídica, o Estado, a norma de direito e tantos outros, outros tantos objetos de fé, postos em toda a sua majestade pela autoridade dos que deles falam. Porque despojados dessa autoridade, que fica destes conceitos, destas noções e destes raciocínios, todos eles inscritos no estreito círculo de uma ‘ciência’ que se pretende totalmente independente, quer dizer, soberana nas suas formulações? Nada mais resta, na verdade, do que a consequência do isolamento: que é a da pobreza. Uma ciência que, por autossatisfação ou por medo, se recusa direta ou indiretamente a refletir sobre a sua linha e a pôr em causa a natureza dos seus conceitos, já não é uma ciência: talvez uma nova forma de metafísica. Mas uma tal situação é cuidadosamente escondida, de modo que, para o leitor ou auditor pouco atento, o discurso pode ainda iludir. É preciso romper este acordo feito de silêncio e abandono.
	Ora, neste ponto, é preciso concordar que as coisas estão longe de ser simples, como muitos queriam fazer crer (1994, p. 326).
	Recuando para o século XIX, haveremos de invocar, mais uma vez, o pensamento de IHERING (1818-1892):
	O fim do direito é a paz, o meio de atingi-lo a luta. Enquanto o direito tiver de contar com as agressões partidas dos arraiais da injustiça – e isso acontecerá enquanto o mundo for mundo – não poderá prescindir da luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos (1987, p. 15).
Vale a pena lembrar, se nos for permitida a licença poética, os versos de BRECHT, no poema “O Pão do Povo”: 
A justiça é o pão do povo.
Às vezes bastante, às vezes pouco.
Às vezes de gosto bom, às vezes de gosto ruim.
Quando o pão é pouco, há fome.
Quando o pão é ruim, há descontentamento.
4.10 Breve análise do Direito na pós-modernidade
	Concluindo o capítulo 4, após termos falado sobre as Escolas Jurídicas previstas no conteúdo programático e apresentarmos algumas críticas importantes, trazemos a fala do professor da Universidade de Londres, WAYNE MORRISON:
Vivemos em tempos incertos; muitos críticos sentem que as promessas da modernidade de criar sociedades com justiça social, onde as pessoas seriam felizes, mostraram-se falsas. Em termos políticos e sociais, as duas grandes narrativas antagônicas da modernidade enfrentam dificuldades: apesar de ainda fornecer muitos dos conceitos críticos por meio dos quais tentamos compreender as estruturas sociais de nossa época, o marxismo está desacreditado como doutrina política, enquanto o liberalismo parece ser, para muitos, uma casca vazia incapaz de oferecer uma fonte de significado social.
O destino do direito contemporâneo reflete essa história de desenvolvimento social. Estamos cercados pelo direito. Alguns deram a isso o nome de juridificação das esferas sociais (Teubner, 1987). Outros aludem à proliferação de formas de regulamentação jurídica e quase jurídica, e se perguntam se é possível dar algum sentido à infinidade de seus efeitos. Segundo essa narrativa o direito perdeu sua identidade, rendeu-se a novos deuses: é visto como servo da economia, da política e da utilidade, enquanto exigimos que seja visto como um fenômeno moral. Nunca antes, parece, exigiu-se tanto do direito; nunca antes investiu-se tão pouca autoridade nele. Será isso um motivo para preocupações? Precisamos poder ter imagens institucionais para o direito que nos ofereçam mensagens otimistas e magnânimas, ou podemos nos dar por contentes em pensar o direito como instrumento de qualquer poder político ou ideológico que no momento detiver o controle da ordem social? O modo como pensamos o direito torna-se um reflexo de como vemos os objetivos e conteúdos de nossas instituições, bem como os compromissos públicos de nossas sociedades com a tomada de decisões morais e políticas. Tanto para Dworkin quanto para os membros do Movimento dos Estudos Jurídicos Críticos, o positivismo jurídico enfraqueceu nossa capacidade de pensar acerca do direito, e é preciso adotar novas formas de interpretação para compreender o papel do direito na formação de nossa situação atual (2006, p. 16-17). 
	Agora, é chamar MIAILLE: “Nada há a concluir, porque nada está acabado” (1994, p. 325). 
	E deixamos-lhes, por enquanto, as palavras de MARTINHO GARCEZ, jurista sergipano do fim do século XIX e começo do século XX, em Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa, em abril de 1898:
A minha educação jurídica não tolera os extravasamentos do poder até a demolição das comportas fincadas pela lei para que as correntes do Direito não abandonem seu curso natural.
Observação: leitura obrigatória, inclusive para fins de avaliação:
DINIZ. Compêndio de Introdução... Capítulo I, nº 4 (páginas 102 a 116). 
REALE. Lições Preliminares... Capítulo XXIII.
GUSMÃO. Introdução... Capítulo XXXVI. 
HERMENÊUTICA JURÍDICA. OBRIGATORIEDADE, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEI
5.1 A palavra “hermenêutica”
	A palavra hermenêutica é de origem grega (vem de hermeneúein) e significa interpretação. Para certos estudiosos, a sua origem vem do nome do deus da mitologia grega Hermes, filho de Zeus e Maia, “a quem era atribuído o dom de interpretar a vontade divina” (BETIOLI, 2000, p. 329, e NADER, 2011, p. 261). Diz-se, então, que hermenêutica, em sentido amplo, é a interpretação do sentido das palavras. Pode-se, assim, falar de uma hermenêutica bíblica ou de uma hermenêutica poética, por exemplo. 
	Juridicamente, o termo hermenêutica é usado com extensão variada pelos autores. Normalmente, é usado como sinônimo de interpretação da norma jurídica. REALE fala em “hermenêutica ou interpretação do Direito” (2002, p. 277). Já CARLOS MAXIMILIANO distingue a hermenêutica da interpretação. Para ele, aquela seria a teoria científica da arte de interpretar, ao passo que esta seria a aplicação da hermenêutica. Em resumo, “a hermenêutica seria teórica e a interpretação seria de cunho prático, aplicando os ensinamentos da hermenêutica” (BETIOLI, 2000, p. 330). 
5.2 Distinção entre hermenêutica e interpretação
	Na verdade, MAXIMILIANO assim se expressa sobre a hermenêutica:
A Hermenêutica Jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.
As leis positivas são formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabelecem normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer a minúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito. Para o conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. Em resumo, o executor extrai da norma tudo o que na mesma se contém: é o que se chama interpretar,
isto é, determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito (2006, p. 1). 
E sobre a interpretação, ele diz:
A Interpretação, como as artes em geral, possui a sua técnica, os meios para chegar aos fins colimados. Foi orientada por princípios e regras que se desenvolveu e aperfeiçoou à medida que envolveu a sociedade e desabrocharam as doutrinas jurídicas. A arte ficou subordinada, em seu desenvolvimento progressivo, a uma ciência geral, o Direito obediente, por sua vez, aos postulados da Sociologia; e a outra, especial, a Hermenêutica. Esta se aproveita das conclusões da Filosofia Jurídica; com o auxílio delas fixa novos processos de interpretação; enfeixa-os num sistema, e, assim areja com um sopro de saudável modernismo a arte, rejuvenescendo-a, aperfeiçoando-a, de modo que se conserve à altura do seu século, como elemento do progresso, propulsor da cultura profissional, auxiliar prestimosa dos pioneiros da civilização (2006, p. 1)
E conclui, finalmente:
Do exposto, ressalta o erro dos que pretendem substituir uma palavra pela outra; almejam, ao invés da Hermenêutica, – Interpretação. Esta é aplicação daquela; a primeira descobre e fixa os princípios que regem a segunda. A Hermenêutica é a teoria científica da arte de interpretar (2006, p. 1). 
ALBERTO MARQUES também apresenta distinções entre hermenêutica e interpretação. Ele diz: 
Hermenêutica jurídica é a parte da ciência jurídica que tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos que tornam a interpretação do Direito mais fácil e eficiente. É, portanto, uma ciência. Toda ciência tem um objeto de estudo. O objeto de estudo da Hermenêutica são os métodos e técnicas de interpretação do Direito [...]. 
É costume dizer que Hermenêutica e interpretação se diferenciam porque aquela é ciência, e a interpretação é arte. A ciência Hermenêutica estuda a arte de interpretar. A interpretação é seu objeto de estudo. A tarefa da Hermenêutica consiste em fornecer parâmetros, técnicas e instrumentos para auxiliar o intérprete em seu trabalho.
Então, Hermenêutica e interpretação são coisas diferentes (2003, p. 37). 
E acrescenta:
Interpretação é a operação que tem por fim fixar uma determinada relação jurídica, mediante a percepção clara e exata da norma estabelecida pelo legislador. Consiste em determinar o sentido e o alcance da expressão jurídica (MAXIMILIANO). Interpretar é compreender e reescrever, é explicar em outras palavras as palavras da lei.
A interpretação atua ao aplicar as regras que a hermenêutica ordena para o bom entendimento dos textos legais. A hermenêutica é a teoria da interpretação. A interpretação é uma arte melhor desempenhada por quem conhece as regras da hermenêutica (2003, p. 37).
Para o autor acima referido, pode-se resumir da seguinte forma a comparação entre hermenêutica e interpretação:
	 Hermenêutica
	 Interpretação
	Ciência
	Operação (arte)
	A interpretação
	O texto jurídico (lei, contrato, testamento)
	Criar regras e técnicas para tornar a interpretação mais fácil e eficaz
	Compreender os textos jurídicos, aplicando as regras da hermenêutica
5.3 Sentido mais amplo
Há autores que dão à palavra hermenêutica um sentido mais amplo, abrangendo a interpretação, a aplicação e a integração do Direito. Como diz BETIOLI, “destarte, a Hermenêutica Jurídica vem a ser a teoria científica da arte de interpretar, aplicar e integrar o direito” (2000, p. 330). Para este autor há, sim, uma correlação entre as três operações acima citadas: 
De fato, há uma íntima correlação entre essas três operações, embora sejam três conceitos distintos. É assim que, se o Direito existe, existe para ser aplicado. Antes, porém, é preciso interpretá-lo; só aplica bem o Direito quem o interpreta bem. Por outro lado, como a lei pode apresentar lacunas, é necessário preencher tais vazios, a fim de que se possa dar sempre uma resposta jurídica, favorável ou contrária, a quem se encontra ao desamparo de lei expressa. Esse processo de preenchimento das lacunas legais chama-se integração do Direito (2000, p. 330). 
Por conta dessa correlação, que tem sido acatada por muitos autores, preferimos, nesta apostila, fazer a junção dos capítulos 5 e 7 do conteúdo programático. Afigura-se para nós mais coerente essa junção. 
5.4 Conceito de interpretação
5.4.1 A interpretação do Direito
5.4.1.1 A interpretação em geral
		A interpretação não se limita à Dogmática Jurídica. Amplo é o seu alcance. Desta forma, “interpretar é o ato de explicar o sentido de alguma coisa; é revelar o significado de uma expressão verbal, artística ou constituída por um objeto, atitude ou gesto”, como salienta NADER (2011, p. 263). 
	Ensina, ainda, o douto acima citado que a interpretação “consiste na busca do verdadeiro sentido das coisas e para isto o espírito humano lança mão de diversos recursos, analisa elementos, utiliza-se de conhecimentos da lógica, psicologia e, muitas vezes, de conceitos técnicos, a fim de penetrar no âmago das coisas e identificar a mensagem contida” (2011, p. 263). 
5.4.1.2 O trabalho de interpretar o Direito
		Interpretar o Direito representa revelar o seu sentido e alcance. Sobre isso NADER presta o seguinte esclarecimento:
Temos assim: a) revelar o seu sentido: a lei que concede férias anuais ao trabalhador tem o significado, a finalidade de proteger e de beneficiar a sua saúde física e mental; b) fixar o alcance das normas jurídicas: significa delimitar o seu campo de incidência Dentro do exemplo citado, temos que apenas os trabalhadores assalariados, isto é, que participam em uma relação de emprego, fazem jus às normas trabalhistas. De igual modo, as normas contidas no Estatuto dos Funcionários Públicos da União têm o seu campo de incidência limitado (2011, p. 263).
		Ora, se interpretar o Direito é revelar o sentido e o alcance de suas expressões normativas, fixar o sentido de uma norma jurídica “é descobrir a sua finalidade, é pôr a descoberto os valores consagrados pelo legislador, aquilo que teve por mira proteger”. E fixar “o alcance é demarcar o campo de incidência da norma jurídica, é conhecer sobre que fatos sociais e em que circunstâncias a norma jurídica tem aplicação” (NADER, 2011, p. 264). 
		Pode-se dizer que o intérprete da norma jurídica faz um trabalho autônomo, ou seja, interpreta ao seu bel prazer, apenas constatando isto ou aquilo? Exemplar é a lição de NADER a esse respeito:
Ao fixar o sentido e o alcance das normas jurídicas, o intérprete não atua como um autônomo, fazendo simples constatações. Seu papel não é o de revelar algo que já existia com todos os seus elementos e contornos. A interpretação do Direito exige, de certa forma, criatividade. Ao interpretar Beethoven ou Villa Lobos, o músico não se limita a reproduzir as notas musicais, mas vai sempre além, deixando a marca de seu próprio estilo. Ao interpretar os textos jurídicos, o intérprete não se vincula à vontade do legislador, pois o motocontínuo da vida cria a necessidade de se adaptar as velhas fórmulas aos tempos modernos (2011, p. 264). 
		No momento atual, tem sido desenvolvida, na esfera doutrinária e dos tribunais brasileiros, a chamada interpretação conforme a constituição, de acordo com a qual sempre que a norma jurídica ensejar mais de um sentido e um deles for contrário à Constituição Federal, apenas este deverá ser considerado inconstitucional. Assim, a norma jurídica infraconstitucional pode ser parcialmente inconstitucional, devendo-se, por conseguinte, aproveitar tão somente o sentido que se mostre compatível com a regra hierarquicamente superior, ou seja, a regra constitucional. 
		Entretanto, NADER chama atenção para o fato de que o princípio acima (interpretação conforme a constituição) “é mais de aplicação do que de interpretação do Direito, pois visa a orientar sob qual sentido a norma integra a ordem jurídica”. Juristas há, diz ele, “que se referem, igualmente, à interpretação da constituição conforme a lei”. E conclui
o raciocínio, dizendo:
Na pesquisa do espírito da norma constitucional o intérprete deverá levar em consideração o sentido da lei ordinária, que é um desdobramento daquela. Ao elaborar a lei ordinária, o legislador parte da compreensão do mandamento constitucional, pelo que o sentido deste pode ser esclarecido pela regra hierarquicamente inferior (2011, p. 265).
5.4.2 Compreensões passadistas
		Houve um tempo em que se dizia, seguindo-se os passos dos romanos, que a lei clara não carecia de interpretação (in claris cessat interpretatio), isto porque havia a ideia errada de que o intérprete tinha a função de torcer o significado da norma, para colocá-la de acordo com o interesse momentâneo. NADER traz algumas contribuições, como a de HUFELAND, que dizia que “é um mal que a lei precise de uma interpretação”. 
Napoleão Bonaparte teria dito, ao saber que os juristas estavam interpretando o Código Civil de 1804, do qual ele se orgulhava: “O meu Código está perdido”. Por sua vez, o Código da Baviera, de 1841, chegou ao extremo de proibir de forma expressa a interpretação de suas normas (NADER, 2011, p. 265-266). 
5.4.3 Reação às compreensões passadistas
		Mas, ainda na segunda metade do século XIX que, como sabemos, foi o século da afirmação do exegetismo jurídico, algumas vozes já se levantavam contra a concepção reinante e acima exemplificada, pois tal concepção “impunha sérios prejuízos ao Direito e à vida social, pois subordinava inteiramente o intérprete à letra da lei”. 
A primeira contestação partiria do jurista alemão KARL VON SAVIGNY, que disse: 
Admitir uma imperfeição acidental das leis, como condição necessária da interpretação, é considerá-la como um remédio a um mal, remédio cuja necessidade deve diminuir à medida que as leis se tornem mais perfeitas (Apud NADER, 2011, p. 266-267). 
5.4.3.1 A vontade do legislador e a mens legis
	Qual o papel do intérprete? Pesquisar a vontade do legislador ou o pensamento da lei (mens legis)? O estudo dessa questão originou os chamados métodos de interpretação.
5.4.3.1.1 A teoria subjetiva
	Dizem alguns que a origem da teoria subjetiva assenta-se na Escola da Exegese, que surgiu, como sabemos, em França, após a edição do Código Civil de 1804 (Código de Napoleão). Mas os franceses de então devem ter buscado inspiração nos glosadores, que, na Idade Média (sobretudo nos séculos XII e XIII) permaneceram fiéis ao culto permanente à vontade do legislador romano, apegando-se, assim, ao texto do Corpus Juris Civilis do imperador JUSTINIANO, que eles procuravam interpretar a aplicar. Vivia-se a fase do codicismo.
		Por essa teoria, a “técnica de revelação da vontade do legislador exigia que o intérprete examinasse bem o valor semântico de todas as palavras, comparando o texto a ser interpretado com outros, para evitar os conflitos e contradições” (NADER, 2011, p. 268).
5.4.3.1.2 A teoria objetiva
	Vencida a fase do codicismo, ou seja, da extremada valorização dos Códigos, teve início o processo de aperfeiçoamento da teoria da interpretação. Surge, então, a teoria objetiva, que leva o intérprete a pesquisar a vontade da lei. Essa teoria teve início com a chamada Escola Histórica, que teve em SAVIGNY um de seus mais destacados membros. 
Como explica NADER, a “lei não seria produto de uma só vontade, mas resultado do querer social”, de modo que “o legislador não cria a lei em seu intelecto, [mas] apropria-se das fórmulas que a organização social sugere, para transfundi-las nos textos”. Ele cita CARLOS MAXIMILIANO, que disse que o intérprete deve “olhar menos para o passado do que para o presente, adaptar a norma à finalidade humana, sem inquirir da vontade inspiradora da elaboração primitiva”. Cabe-lhe “determinar o sentido objetivo do texto” (2011, p. 269). 
5.4.4 A interpretação do Direito quanto ao resultado 
	Interpretando as expressões jurídicas, o exegeta pode chegar a três resultados diferentes, que são:
5.4.4.1 Interpretação declarativa
	O legislador, no processo de elaboração dos atos legislativos, nem sempre faz uso adequado das palavras. Não é raro utilizar certos termos de forma inapropriada. Mas, quando utiliza as palavras de forma acertada, adequando-as aos significados que deseja imprimir na lei, fala-se que a interpretação é declarativa. Desta forma, o “intérprete chega à constatação de que as palavras expressam, com medida exata, o espírito da lei” (NADER, 2011, p. 269). 
5.4.4.2 Interpretação restritiva
	Esta ocorre quando o legislador não é preciso no manejo das palavras, dizendo mais do queria dizer. Logo, o intérprete elimina a amplitude das palavras. Tem-se como exemplo, dentre outros, o caso de a lei referir-se a descendente, quando na realidade queria referir-se a filho. O legislador disse mais do que deveria dizer, pois como se sabe, a palavra descendente pode refere-se a filho, neto etc. Porém, como a lei queria dizer filho, a interpretação é restritiva. 
5.4.4.3 Interpretação extensiva
	É contraria à hipótese anterior. No ato de interpretar, verifica-se que o legislador disse menos do que queria dizer. Em casos que tais, o intérprete estenderá o alcance da norma, ou seja, o seu campo de incidência, em relação aos vocábulos nela usados. O exemplo anterior também se presta, em sentido contrário, para o resultado presente: a lei refere-se a filho, quando queria dizer descendente. Outro exemplo disto é que se depreende do art. 535 do Código de Processo Civil, que fala “na sentença ou no acórdão”. A doutrina e o Superior Tribunal de Justiça interpretaram o dispositivo abarcando “todos os tipos de decisões processuais” (NADER, 2011, p. 270). 
5.4.5 Interpretação do Direito quanto à fonte
	Quanto à fonte três também são os modos de interpretar. São eles: 
5.4.5.1 Interpretação autêntica
	É também chamada de interpretação legislativa, visto que emana do próprio órgão competente para a edição do ato interpretado. Se lei, por exemplo, deverá decorrer a interpretação por meio de outra lei; se medida provisória ou decreto, da lavra do Poder Executivo, a interpretação dar-se-á por outra medida provisória ou por outro decreto, conforme o caso. A interpretação autêntica retroage ao início da vigência do texto interpretado. Se, porém, o ato interpretativo trouxer inovações, em relação ao texto interpretado, estas não retroagem, a não ser nas condições previstas no ordenamento jurídico. 
Para o Supremo Tribunal Federal, as leis interpretativas, desde que reconhecida a sua existência no sistema de direito positivo brasileiro, não se configuram em usurpação das atribuições do Poder Judiciário e, em consequência, não ofendem o postulado fundamental da divisão funcional do poder. Acrescenta o STF que mesmo “as leis interpretativas expõem-se ao exame e à interpretação dos juízes e tribunais” (Apud NADER, 2011, p. 270).
5.4.5.2 Interpretação doutrinária
	É a produzida pelas obras científicas, pelos textos dos tratadistas, pelos pareceres dos jurisconsultos e pelas lições dos mestres do Direito. 
5.4.5.3 Interpretação judicial
	Judicial ou jurisprudencial é a interpretação emanada dos juízes e dos tribunais. Lembra NADER, que é magistrado, que na “exegese da norma o juiz deve apenas traduzir o sentido e o alcance nela contidos, devendo dar aos textos interpretação atualizadora, vedando-lhe, porém, substituir o critério do legislador pelo seu próprio”. E cita o Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, do STJ, que diz: “Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando contra legem, pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem comum” (2011, p. 270-271).
5.4.6 Elementos da interpretação do Direito
5.4.6.1 Elemento gramatical
		Esse elemento, também chamado literal ou filológico, “compõe-se da análise do valor semântico das palavras empregadas no texto, da sintaxe, da pontuação, etc.”. Antigamente, “o processo literal era mais importante do que hoje”. A crítica que se faz a esse
elemento “não visa, como é natural, à sua eliminação, mas à correção dos excessos que surgem com a sua aplicação”. Afirma MAX GMUR que o processo meramente literal é “maliciosa perversão da lei” (Apud NADER, 2011, p.276). 
		REALE, comentando a interpretação gramatical, afirma:
O primeiro dever do intérprete é analisar o dispositivo legal para captar o seu pleno valor expressional. A lei é uma declaração da vontade do legislador e, portanto, deve ser reproduzida com exatidão e fidelidade. Para isto, muitas vezes é necessário indagar do exato sentido de um vocábulo ou do valor das proposições do ponto de vista sintático.
A lei é uma realidade morfológica e sintática que deve ser, por conseguinte, estudada do ponto de vista gramatical. É da gramática – tomada esta palavra no seu sentido mais amplo – o primeiro caminho que o intérprete deve percorrer para dar-nos o sentido rigoroso de uma norma legal. Toda lei tem um significado e um alcance que não são dados pelo arbítrio imaginoso do intérprete, mas são, ao contrário, revelados pelo exame imparcial do texto (2002, p. 279).
	Não se pode negar que o elemento gramatical ainda é de grande serventia, nalguns casos. RIZZATTO NUNES diz, a respeito, que a “interpretação gramatical serve também para corrigir erros de redação, encontrados no texto normativo”. E adita: “E, claro, ela é fundamental para fixar a significação das palavras contidas nos textos, não só do termo isoladamente, mas no contexto em que ele está inserido, relacionado com os demais”. Ele cita como exemplo, o dispositivo do art. 330 do Código de Processo Civil, quando diz que “O juiz conhecerá diretamente do pedido...”. Esta norma é, pois, cogente, obrigatória. Está dito que o juiz conhecerá. A norma seria dispositiva se dissesse: “O juiz poderá conhecer” (2007, p. 267-268). 
5.4.6.2 Elemento lógico
	O texto legislativo “exige os subsídios da lógica para a sua interpretação”, uma vez que o mesmo é uma “estrutura lógica que pressupõe vontade e raciocínio”. Desde FRANÇOIS GÉNY surgiu a distinção hermenêutica “entre a lógica interna, que explora os elementos fornecidos pela lógica formal e se limita ao estudo do texto, e a lógica externa, que investiga as razões sociais que ditaram a formação dos comandos jurídicos” (NADER, 2011, p. 276).
		RIZZATTO NUNES explica que o intérprete usa “tais instrumentos para verificar a adequação e o conflito dos textos normativos, buscando com sua utilização resposta ao problema encontrado”. E diz mais: “Assim, usando-se pressupostos lógicos, por exemplo, ‘quem pode o mais, pode o menos’, resolvem-se problemas surgidos com a interpretação das normas jurídicas” (2007, p. 269).
	Há, no estudo da lógica, raciocínios simples e complexos. Vejamos, apenas a título de exemplificação, o seguinte silogismo, muito simples por sinal:
A. Todo homem é mortal.
B. João é homem.
C. Logo, João é mortal.
		Estamos diante de três proposições, sendo que “A” é chamada premissa maior, “B”, premissa menor, e “C”, conclusão. 
	Mas, voltando ao Direito, coube a RECASÉNS SICHES, modernamente, expor a doutrina da lógica do razoável, que “visa a combater o apego às fórmulas frias e matemáticas da lógica formal, em favor de critérios flexíveis, mais favoráveis à justiça” (NADER, 2011, p. 276). 
5.4.6.3 Elemento sistemático
	As normas jurídicas não existem de forma autônoma, mas integram o sistema jurídico ou ordenamento jurídico de cada país, aí incluídos os sistemas parciais compostos por determinadas matérias jurídicas (sistema jurídico de Direito Civil, de Direito Penal, etc.), como foi estudado anteriormente. Assim sendo, a norma jurídica “somente pode ser interpretada e ganhar efetividade quando analisada no conjunto das normas que dizem respeito a determinada matéria”, diz NADER (2011, p. 278). Deve haver harmonia entre as normas (leis, etc.) que formam o sistema, do mesmo modo que deve haver harmonia entre os dispositivos de uma mesma lei, “a fim de que haja unicidade no sistema jurídico, ou seja, uma única voz de comando”. 
	Pode-se dizer, então, que o elemento sistemático, que opera considerando os elementos gramatical e lógico, “consiste na pesquisa do sentido e alcance das expressões normativas, considerando-as em relação a outras expressões contidas na ordem jurídica, mediante comparações”. Logo, por meio deste processo, o intérprete “distingue a regra da exceção, o geral do particular”, ensejando que o estudo possa levar “à conclusão se a norma jurídica é cogente ou dispositiva, principal ou acessória, comum ou especial” (NADER, 2011, p. 278). Vide classificação das normas jurídicas, na apostila de IED I.
	Assiste razão a NADER quando diz que é “uma condenável imprudência” a prática de “interpretar artigos isolados”, sem que se tenha uma “visão do conjunto da lei e de outros dispositivos concernentes à matéria”. E adverte: “Quem desenvolve interpretação isolada de dispositivos corre o risco de alcançar resultados falsos, apegando-se, por exemplo, a uma regra geral, quando existe uma específica” (2011, p. 278-279). 
	Para REALE, após a perquirição filológica, como foi vista através de sua fala no item 5.4.6.1, “impõe-se um trabalho lógico, pois nenhum dispositivo está separado dos demais. Cada artigo de lei situa-se num capítulo ou num título e seu valor depende de sua colocação sistemática”. E segue: 
É preciso, pois, interpretar as leis segundo seus valores linguísticos, mas sempre situando-as no conjunto do sistema. Esse trabalho de compreensão de um preceito, em sua correlação com todos os que com ele se articulam logicamente, denomina-se interpretação lógico-sistemática (2002, p. 279).
		Por sua vez, diz RIZZATTO NUNES que “avaliando a norma dentro do sistema, o intérprete observa todas as concatenações que ela estabelece com as demais normas inseridas no mesmo sistema”. E que o “intérprete, em função disso, deve dar atenção à estrutura do sistema, isto é, aos comandos hierárquicos, à coerência das combinações entre as normas e à unidade enquanto conjunto normativo global” (2007, p. 271).
5.4.6.4 Elemento histórico
		O conhecimento gramatical e lógico do texto legal, mais das vezes, não é suficiente para que se compreenda o espírito da lei. É preciso buscar amparo na pesquisa do elemento histórico. Apesar de ser uma força viva que continuamente se renova, dada a renovação constante da própria convivência social, o Direito acha-se vinculado à história. Portanto, o jurista não deve descuidar das raízes históricas do Direito, pois nelas está a gênese das modernas instituições jurídicas, como, aliás, foi visto em IED I, quando foram estudadas as fontes históricas do Direito. 
	Para RIZZATTO NUNES a interpretação histórica “pode ser útil para a compreensão das condições de nascimento e continuidade de aplicação da norma, em especial se se descobrir, por exemplo, que a norma foi feita em período de emergência ou de exceção que justificava sua edição” (2007, p. 277).
		Foi a Escola Histórica do Direito, anteriormente mencionada, que, “concebendo o fenômeno jurídico como um produto da história, enfatizou a importância do elemento histórico para o processo de interpretação” (NADER, 2011, p. 279). É de lembrar a decantada frase de TOBIAS BARRETO, que tanto repetimos desde o semestre anterior: “O Direito não é um filho do céu – é simplesmente um fenômeno histórico, produto cultural da humanidade” (1990, p. 248). 	
5.4.6.5 Elemento teleológico
		REALE anota que a “compreensão finalística da lei, ou seja, a interpretação teleológica veio se afirmando, desde as contribuições fundamentais de Rudolf von Ihering”, sobretudo em sua obra O Fim no Direito (2002, p. 290). 
	Na moderna interpretação do Direito, “o elemento teleológico assume papel de primeira grandeza”, diz NADER, arrematando que “tudo o que o homem faz e elabora é em função de um fim a ser atingido”. De tal forma, na “fixação do conceito e alcance da lei, sobreleva de importância o estudo teleológico”, isto é, o estudo dos fins que a lei procura alcançar.
O autor acima citado explica: “Quando o legislador elabora uma lei, parte da ideia do fim a ser alcançado. Os interesses sociais que pretende proteger, inspiram a formação dos documentos legislativos. Assim, é natural que no ato da interpretação se procure avivar os fins que motivaram a criação da lei, pois nessa descoberta estará a revelação da mens legis. Como se revela o elemento teleológico? Os fins da lei se revelam através dos diferentes elementos de interpretação” (2011, p. 279-280).
Adiante, NADER conclui o raciocínio:
A ideia do fim não é imutável. O fim não é aquele pensado pelo legislador é o fim que está implícito na mensagem da lei. Como esta deve acompanhar as necessidades sociais, cumpre ao intérprete revelar os novos fins que a lei tem por missão garantir. Esta evolução de finalidade não significa ação discricionária do intérprete. Este, no afã de compatibilizar o texto com as exigências atuais, apenas atualiza o que está implícito nos princípios legais. O intérprete não age contra legem, nem subjetivamente. De um lado tem as coordenadas da lei e, de outro, o novo quadro social e o seu trabalho se desenvolve no sentido de harmonizar os velhos princípios aos novos fatos (2011, p. 280). 
	É de notar que, no sistema jurídico brasileiro, o art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil, abraçando a interpretação teleológica, determina que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, princípios obrigatórios na interpretação e aplicação de qualquer norma jurídica, como acentua RIZZATTO NUNES (2007, p. 274).
 
	Hoje, o elemento teleológico já recebe algumas críticas, como acontece, por exemplo, por parte dos juristas argentinos AFTALIÓN, OLANO e VILANOVA, discípulos de COSSIO, como assevera ORLANDO SECCO (2005, p. 207). 
	MIGUEL REALE mostra que é de fundamental importância entender que a interpretação de uma lei não deve se restringir a pinçar um “um de seus artigos para aplicá-lo isoladamente, sem nos darmos conta de seu papel ou função no contexto do diploma legislativo”. E acrescenta:
Estas considerações [...] visam pôr em realce os seguintes pontos essenciais da que denominamos hermenêutica estrutural:
a) toda interpretação jurídica é de natureza teleológica (finalística) fundada na consistência axiológica (valorativa) do Direito;
b) toda interpretação jurídica dá-se numa estrutura de significações, e não de forma isolada;
c) cada preceito significa algo situado no todo do ordenamento jurídico (2002, p. 290-291). 
5.5 As novas escolas de interpretação do Direito
	Instigante é a apreciação de SÍLVIO DE SALVO VENOSA, acerca das Escolas contemporâneas de interpretação do Direito:
Escolas mais recentes admitiram o livre raciocínio do intérprete. Contemporaneamente, há que se entender que as normas de direito são instrumentos práticos, que combinam princípios de ambas as escolas e muito mais. Interpretar não é apenas compreender o sentido gramatical da lei, mas também penetrar no seu sentido mais profundo e em todo substrato que está por trás da norma. As normas não são instrumentos positivos ou negativos, devendo ser aplicados ao caso concreto segundo certos valores para a boa aplicação do Direito. Por outro lado, o sentido da aplicação da lei deve adequar-se à sociedade. Estará fadada a ter vida curta a interpretação não aceita de forma geral pela sociedade. Por isso mesmo, o juiz tem certa liberdade de apreciação, subordinado à hierarquia jurisdicional (2006, p. 160).
		Nesse sentido, tomamos de empréstimo as palavras do Ministro JOAQUIM BARBOSA, do STF, para dizer que o jurista de sólida formação e dotado de rara acuidade deve ser “atentíssimo à expressão vernacular do texto a ser interpretado, mas ao mesmo tempo sensível aos múltiplos significados e consequências que dele podem advir. Noutras palavras, ao exercer o ofício de intérprete legal, [o jurista] jamais [deve se deixar] escravizar pelos aspectos puramente formais da norma. Ao contrário, [deve dar-lhe] vida. [Deve realçar-lhe] os contornos históricos e sociais. [Deve revelar-lhe] a potencialidade benéfica ou nociva, eventualmente ocultas. Em suma, [deve resgatá-la] da frieza inerente à literalidade” (Revista Época, edição de 8 de dezembro de 2008).
5.6 A teoria da argumentação de Perelman
	Na atualidade, tem merecido destaque o pensamento de CHAIM PERELMAN, que principia fazendo a distinção entre demonstração e argumentação. 
Para ele, a “demonstração é a forma de raciocínio atinente às ciências físico-matemáticas, que operam com verdades imutáveis e suscetíveis de comprovação indiscutível. É resultado da lógica formal, que trabalha com um método rígido, um cálculo realizado por normas pré-estabelecidas, que leva a uma conclusão certa, válida em qualquer tempo e em qualquer lugar”. Por conseguinte, a “demonstração independe de interlocutor: ela vale por si mesma. É a expressão de uma verdade perene” (ALBERTO MARQUES, 2003, P. 98). 
Já a argumentação, como expõe o autor acima citado, “é a forma de raciocínio apropriada para as ciências humanas e sociais, como o Direito, que lidam com o mundo do provável, do verossímil, do razoável, com o mundo dos valores e das realidades humanas cambiantes”. E prossegue:
É produto de uma outra espécie de trabalho lógico, flexível, que visa conquistar para uma tese ou ideia a adesão de um interlocutor, o chamado “auditório”. Leva a um “encontro de mentes” entre orador e interlocutor, e a uma adesão sempre provisória à tese exposta, que vale num certo momento e lugar, e pode, à vista de outra argumentação mais convincente, ser abandonada (2003, p. 98). 
	Ora, os advogados argumentam para convencer o juiz, logo, o juiz é seu auditório. Por outro lado, o auditório do juiz são os advogados, as partes, os tribunais (no caso da ocorrência de recursos) e toda a sociedade a quem ele serve, enfim. 
Partindo de certas premissas, PERELMAN estabeleceu um sistema em que resgatou a retórica de ARISTÓTELES e dos pensadores da Idade Média, modernizando-a, no que se chama de nova retórica. Para ele, o auditório não adere à tese exposta porque é certa, mas porque, provisoriamente, convence como a mais justa, ou a mais razoável. A argumentação deve sempre ter por base premissas aceitas pelo auditório, de forma unânime ou majoritária. O orador começa a exposição de sua argumentação sedimentando-a em fatos, teses e verdades, presunções, valores e hierarquias. Todos esses fatores devem ser predominantes no auditório. 
Enfim, registre-se, por oportuno, que as obras de PERELMAN, a exemplo de “A Ética e o Direito”, “Tratado da Argumentação – A Nova Retórica”, “Lógica Jurídica” etc., são de leitura mais fácil do que os resumos que os autores nacionais têm feito dessas mesmas obras. 
Observação: leitura obrigatória, inclusive para fins de avaliação:
Nader, Paulo: Introdução ao Estudo do Direito, capítulos 25 e 26 (páginas 262 a 280). 
Reale, Miguel: Lições Preliminares de Direito, capítulo XXI (páginas 277 a 294). 
HIERARQUIA E CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS
6.1 Hierarquia das leis 
6.1.1 Noções de hierarquia
Em IED I, ao estudar a lei como fonte do Direito, falamos no processo legislativo, como disposto no art. 59 da Constituição Federal. Observando o processo legislativo, podemos extrair o que comumente se convencionou chamar de hierarquia das leis. A hierarquia das leis está dentro do sistema jurídico que elas integram.
Precisamos ter uma ideia do que seja hierarquia. No dizer de ORLANDO SECCO, ela “deve ser entendida como sendo princípios simultâneos de ordenamento e de subordinação, constituídos por diversos escalões decrescentes de autoridade”. E lembra a pirâmide kelseniana: “É, figurativamente, uma pirâmide em cujo vértice se acha a autoridade maior. Daí, até chegar-se à base, partem, simbolicamente, diversas categorias decrescentes de autoridade. Em síntese, no vértice da pirâmide, está a autoridade máxima hierárquica e na base está o último grau de subordinação (2005, p.
194). Isto é o que vem a ser hierarquia em sentido amplo e, por conseguinte, aplicada em qualquer circunstância. A hierarquia pressupõe escalões, como acertadamente lembra o autor citado:
Na pirâmide configurativa da hierarquia, os escalões, quanto mais próximos do ápice (vértice), maior autoridade desfrutam, de modo que os escalões inferiores sempre lhes devem subordinação. Todavia, num mesmo escalão não há supremacia, mas, sim, igualdade de nível hierárquico, equiparação de autoridade (2005, p. 194).
Em qualquer hierarquia alguns escalões são superiores e outros são inferiores. Na ordem jurídica não seria diferente:
Sendo a Ordem Jurídica essencialmente ordenativa, em decorrência do seu próprio nome, e sendo ela disciplinar pela própria natureza, a hierarquia é um dos seus pressupostos básicos. De fato, Ordem Jurídica faz pressupor a existência de escalões hierárquicos. Há, então, hierarquia dentro da Ordem Jurídica, como também há hierarquia entre as Leis. Alguns autores costumam englobá-los como sendo uma só (2005, p. 194). 
É preciso atentar para o que diz SECCO: há hierarquia dentro da ordem jurídica estabelecida, que tem no vértice a Constituição, e há hierarquia entre as leis. 
6.1.2 Sistema hierárquico piramidal de Kelsen
	Coube a HANS KELSEN estabelecer o denominado ordenamento jurídico piramidal, sustentado em diversos escalões hierárquicos, constituindo, assim, uma verdadeira pirâmide. A isto se denomina sistema hierárquico piramidal. 
	No ordenamento jurídico brasileiro, de inspiração romana ou romano-germânica, as leis (normas elencadas no processo legislativo) estão em plano hierárquico superior, sobrepondo-se sobre a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito. A doutrina e a jurisprudência “subordinam-se à lei e às demais fontes”, como diz SECCO (2005, p. 195). Esta é a hierarquia dentro da ordem jurídica. 
	Já no ordenamento jurídico da “Common Law” (Inglaterra, e, com variantes, nos Estados Unidos e outros países colonizados pelos ingleses), ao contrário do nosso, prevalecem os costumes e o precedente judicial (“Case Law”), que encabeçam o sistema. Os costumes prevalecem, sobretudo, na Inglaterra, que não dispõe de uma Constituição escrita, nos moldes modernos, como, por sua vez, dispõem os Estados Unidos, por exemplo, onde a Constituição tem importância ímpar. No caso do Brasil, a cabeça do ordenamento é representada pela Constituição Federal. 
	De novo, a oportuna lição de SECO:
Assim como a Ordem Jurídica, as leis também seguem um rigoroso sistema de hierarquia. A lei que ocupa o vértice da pirâmide, denominada Lei Fundamental ou Lei Fundante, é a “Constituição Federal”. Abaixo dela surgem, então, em diferentes graus hierárquicos, as Leis fundadas (todos os demais atos legislativos componentes do sistema).
Lei Fundante é a que estabelece os princípios e os comandos gerais. As Leis Fundadas devem-lhe obediência. Elas não podem dispor em sentido contrário ao que tenha sido preceituado pela Lei Fundante. Aliás, a maneira exata não é se dizer “não podem”, mas, sim, “não devem”! (2005, p. 195).
No seu entendimento a hierarquia das leis brasileiras é a seguinte:
Constituição Federal (Lei Fundante ou Fundamental, que encabeça todo o sistema).
Leis Constitucionais, compreendendo:
Emendas à Constituição.
Leis Complementares.
Leis Ordinárias, Leis Delegadas, Medidas Provisórias e Tratados Internacionais referendados.
Decretos Legislativos e Resoluções do Congresso Nacional.
Contratos Coletivos de Trabalho.
Decretos.
Regulamentos (2005, p. 195-196).
Os diversos autores que tratam do assunto apresentam divergências nos escalões intermediários, mas não o fazendo quanto ao vértice (Constituição) e à base (Decretos e Regulamentos), salvo questões menores sobre a nomenclatura usada. No que diz respeito aos tratados internacionais referendados pelo Congresso Nacional, tal formalização ocorre por decreto legislativo. O STF decidiu pela “paridade entre as normas do tratado internacional e as constantes de lei internas”, por maioria de votos, como anota HUGO DE BRITO MACHADO. Este autor, todavia, seguindo o pensamento do Ministro FRANCISCO REZEK, que, como grande cultor do Direito Internacional, deixou o cargo de Ministro do STF, para ser Juiz da Corte de Haia, protesta contra a decisão referida:
Para nós, os tratados internacionais devem ser colocados em posição superior à lei interna infraconstitucional, até por uma questão moral. Não se justifica que o Brasil celebre um tratado internacional e depois legisle em sentido contrário (2004, p. 155). 
Já RIZZATTO NUNES defende a posição tomada pelo STF:
A norma advinda do tratado ou convenção internacional, uma vez internalizada, ocupa posição hierárquica de lei ordinária. E isso sempre foi assim no período republicano, com fundamento em todas as constituições e repetindo-se na Carta Magna de 1988.
[...]
E a Constituição Federal em vigor repetiu a regra da Emenda Constitucional n. 1/69, ao disciplinar a competência do Supremo Tribunal Federal:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
...
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
...
declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”.
Importe notar que não resta dúvida, inclusive pelas decisões da Corte Maior, que o tratado tem posição hierárquica de lei ordinária e que ele pode ser revogado por lei posterior que com ele conflite por simples regra de interpretação das normas (2007, p. 104-105). 
Quanto à hierarquia em si, RIZZATTO NUNES entende que as normas jurídicas podem ser classificadas em quatro grupos ou categorias, a saber: 
Normas constitucionais.
Leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, decretos legislativos e resoluções, medidas provisórias.
Decretos regulamentares.
Outras normas de hierarquia inferior, tais como portarias, circulares etc. (2007, p. 210-211).
É de observar que RIZZATTO NUNES coloca no mesmo escalão as leis complementares e as leis ordinárias, e as que são similares a estas. Isto se dá porque há duas correntes doutrinárias no que concerne à colocação ou não das leis ordinárias ao lado das leis complementares. Para alguns, as leis complementares são superiores às leis ordinárias, e colocam-se entre estas e a Constituição. Para estes, então, as leis complementares “têm o caráter de leis orgânicas e procuram pôr em execução preceitos da própria Constituição” (MACHADO PAUPÉRIO, 1999, p. 148). Para outros, leis, complementares ou ordinárias, são apenas leis, ou seja, igualam-se. O que altera é apenas a formalidade para a aprovação de umas e de outras (quorum especial para as complementares, ou seja, maioria absoluta, e quorum simples para as ordinárias), como estudamos em IED I. HUGO DE BRITO MACHADO tem o seguinte entendimento:
Não obstante as divergências da doutrina e o respeito que merecem as opiniões em sentido contrário, na verdade existe hierarquia entre essas duas espécies normativas.
A lei complementar ocupa, em nosso sistema jurídico, posição hierárquica superior à das leis ordinárias. Isto resulta da exigência do quorum qualificado para a aprovação das leis complementares, e ainda do fato de que as leis complementares podem ser consideradas como fundamento de validade das leis ordinárias, na medida em que estabelecem normas gerais a serem respeitadas no trato de certas matérias pelo legislador ordinário.
Não desconhecemos a opinião dos que sustentam não haver diferença hierárquica entre lei complementar e lei ordinária. E que a lei complementar somente seria como tal qualificada quando versasse matéria expressamente a ela reservada pela Constituição. Tais opiniões são respeitáveis, mas resultam do equívoco de admitir que uma norma jurídica pode ganhar identidade específica pela matéria de que trata. Nenhuma norma identifica-se pela matéria de que se ocupa, e sim pelo órgão do qual emana e pelo procedimento
de sua elaboração (2004, p. 150). 
As divergências doutrinárias estão longe de cessar. Há, ainda, uma questão a ser esclarecida quanto às normas abaixo daquelas constantes do processo legislativo (art. 59, da CF). Nesse sentido, é oportuna a lição de MACHADO PAUPÉRIO:
Abaixo de todos esses atos legislativos, temos os decretos executivos emanados do Presidente da República, para execução das leis provenientes do Congresso ou não. Depois dos decretos executivos, temos as portarias ministeriais, as portarias de diretores de departamentos, as instruções, as circulares, as ordens de serviço. Abaixo dos regulamentos, já não temos, porém, propriamente leis e sim atos normativos (1999, p. 148). 
6.1.3 Razões justificativas da hierarquia das leis e da ordem jurídica
	Vários assuntos jurídicos tratados nas matérias propedêuticas, como é o caso de Introdução ao Estudo do Direito, são vistos como desnecessários. É provável que os estudantes que se iniciam no estudo do Direito pensem o mesmo da hierarquia das leis e da ordem jurídica. Qual é, então, a sua importância? Quais as razões que a justificam? Quatro razões podem ser apontadas para tal, como se seguem:
Em primeiro lugar, a justificativa está na própria organização dos sistemas legal e jurídico. Há que existir autoridade e comando estabelecendo um modo lógico de disciplinar as coisas. Se não houvesse a hierarquia das Leis e da Ordem Jurídica, difícil seria solucionar os conflitos de interesses entre os indivíduos, porque, primeiramente, estariam as leis e as demais fontes do Direito suscitando entre elas mesmas. Seria um verdadeiro caos!
Em segundo lugar, a justificativa está na uniformidade dos dispositivos. Havendo hierarquia, as leis superiores cuidam mais detidamente dos aspectos gerais e as inferiores, dos detalhes, das particularidades. Não fora assim, seria grande o problema de dispositivos conflitantes, passando a reinar uma imensa confusão legislativa.
Em terceiro lugar, o juiz há de aplicar a fonte de escalão hierarquicamente inferior quando, comprovadamente, inexistir fonte mais graduada disponível. Não pode, pois, o juiz aplicar o Costume, havendo Lei específica sobre o caso em litígio.
Finalmente, em quarto lugar, pelo princípio hierárquico piramidal é praticamente ineficaz a lei ou a fonte de graduação inferior, quando incompatível com os fundamentos gerais traçados pela Lei Fundante. É o aspecto da constitucionalidade e da inconstitucionalidade das leis (SECCO, 2005, p. 196). 
6.1.4 Constitucionalidade e inconstitucionalidade das leis
	Fala-se em constitucionalidade das leis quando há a total obediência destas aos princípios e dispositivos da Constituição Federal. Todo o aparato legislativo deve estar em conformidade com a Magna Lex, pois, como Lei Fundante ou Fundamental, e, por conseguinte, a norteadora de todas as demais leis, obviamente que os seus mandamentos hão de ser rigorosamente respeitados. Logo, nenhuma lei, de qualquer espécie, deverá dispor em sentido contrário ou diferente daquele contido na Constituição Federal, sob pena de ser declarada a sua inconstitucionalidade. 
	Conforme disposição do art. 52, da CF, compete privativamente ao Senado Federal “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”. A suspensão se fará por resolução (art. 71, CF). Pelo art. 102, alínea “a”, é de competência do Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, processar e julgar, originalmente, “a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual”. Adiante, retornaremos à função do Senado sobre a suspensão da execução da lei declarada inconstitucional. 
	É imperioso entender que se não pode decidir acerca da inconstitucionalidade das leis, analisando-a em face de casos abstratos, mas, sim, de fatos concretos. Assim se reporta MACHADO PAUPÉRIO, com relação à Suprema Corte norte-americana, para, a seguir, referir-se ao STF:
Na verdade, o Judiciário decide sobre casos concretos e não sobre casos abstratos. O Judiciário, portanto, só pode decretar a inconstitucionalidade de uma lei, julgando determinado caso concreto. Não se pode levar simplesmente para o terreno abstrato a arguição de inconstitucionalidade de qualquer lei. Se algum cidadão se vir prejudicado por uma lei que julga inconstitucional, se essa lei prejudicar-lhe os direitos, esse cidadão pode, dirigindo-se ao Judiciário, chegar à Suprema Corte e invocar a inconstitucionalidade de tal lei, que lhe causa lesão, à sua pessoa ou aos seus bens. Nesse caso, a Suprema Corte julgará se a lei é ou não inconstitucional. No caso de ser ela inconstitucional, porém, será afastada de vigência.
De outro lado, o Judiciário, julgando da inconstitucionalidade das leis, não deve tomar conhecimento de questões puramente políticas. O Judiciário é um Poder jurídico e na arguição de inconstitucionalidade não lhe cabe fixar critérios em questões políticas. As questões políticas estão fora do alcance da competência do Judiciário.
De outro lado ainda, o Judiciário só deve declarar inconstitucional uma lei quando houver certeza desse seu caráter, isto é, quando houver razões plausíveis para tal declaração. Quando a inconstitucionalidade for duvidosa, deve prevalecer a lei.
Finalmente, ao judiciário não cabe julgar a lei. Ao Judiciário não cabe dizer se a lei é útil ou não, se é boa ou má: ao Judiciário apenas cabe fixar o critério de legalidade. E esse critério é o que afere a subordinação da lei à Constituição. Se a lei a respeita, mantém-se como tal; entretanto, se a desrespeita, se a fere, a Constituição sobre ela deve prevalecer, porque lhe é superior. Nesse caso, tal lei perde a vigência. A Suprema Corte afasta de vigência aquela lei ordinária, em atenção à sua inconstitucionalidade (1999, p. 150).
	O autor prossegue o raciocínio, referindo-se ao nosso caso:
No Brasil, seguimos o exemplo norte-americano. Também cabe, entre nós, ao Supremo Tribunal Federal, julgar da inconstitucionalidade, embora não propriamente das leis mas dos atos. No Brasil e na Argentina, julgam-se inconstitucionais os atos. Se os atos, de acordo com determinada lei, ferem a Constituição, esses atos podem ser anulados pelo Supremo Tribunal Federal. A lei, porém, continuará em vigor. Para que ela seja afastada de vigência, é preciso que intervenha o Senado Federal. O Supremo Tribunal Federal, julgando inconstitucional um ato, provoca a arguição da inconstitucionalidade da lei, e o Senado, aceitando as razões jurídicas daquele alto Tribunal, afasta então da vigência a lei impugnada. Temos aí a associação do Legislativo ao Judiciário na decretação da inconstitucionalidade das leis, o que é medida relevantemente salutar, por impedir, em certos casos, a prepotência e o governo dos juízes que, mesmo nos países democráticos, pode medrar e desenvolver-se, como, em certa época, medrou e se desenvolveu nos Estados Unidos da América (1999, p. 150-151). 
 
	A visão de MACHADO PAUPÉRIO é acertada. Contudo, nos últimos tempos, aqui entre nós, o STF tem tomado certas posições de cunho político, ou seja, levando em conta certas peculiaridades do Estado, e não relativas a questões político-partidárias. Decisões políticas e não jurídicas, alegam alguns, que merecem contestação. 
6.1.5 Obrigatoriedade e aplicação das leis
	A obrigatoriedade das leis “é a determinação do momento a partir do qual ela se impõe com toda a sua imperatividade, podendo, então, exigir que se cumpram os seus preceitos e aplicar sanções aos que a desobedecerem” (SECCO, 2005, p. 197).
	A lei só é compulsória depois de entrar em vigor, e só entra em vigor depois de oficialmente publicada. O passo inicial para a obrigatoriedade da lei é, assim, a sua publicação. Vimos, em IED I, que, de acordo com o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, a lei entrará em vigor no prazo de 45 dias, a partir da sua publicação, para ter vigência no território nacional, ou no prazo de três meses, nos Estados estrangeiros, quando
admitida, salvo disposição em contrário. Como a própria lei publicada poderá dispor sobre outro prazo, tem sido comum as leis determinarem a sua entrada em vigor na mesma data da publicação, dispondo desta forma, por exemplo: “Esta Lei entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário”. Ou a lei poderá estabelecer um prazo superior ou inferior aos 45 dias acima citados (10, 30, 60, 90 dias etc.). 
	No que tange à aplicação da lei, reporta-se a quem tem atribuição legal para aplicá-la ao caso concreto. Pelo art. 5º da LICC, esta competência é dos juízes das diferentes instâncias judiciárias: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Na aplicação da lei, invoca-se o princípio latino, segundo o qual “O Tribunal conhece o Direito” (IURA NOVIT CURIA). Em outras palavras, o juiz tem o dever de ofício de conhecer a lei. Se a ninguém é dado desconhecê-la, após a sua publicação, muito menos ao juiz. 
	A propósito, o art. 3º da LICC reza que “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. MACHADO PAUPÉRIO adverte que:
Tal princípio, como hoje o conhecemos, é bem recente porque, no direito romano, em alguns casos, admitia-se a desculpa do erro pelo desconhecimento da lei. Atualmente, porém, o desconhecimento da lei não anula o ato jurídico, a não ser no campo privado, quando fere a substância do mesmo. No direito penal, também, a ignorância da lei é admitida, quer como atenuante (C. Penal, art. 65, inciso II), quer como escusativa (Lei das Contravenções Penais, art. 8º). O princípio genérico, porém, continua de pé (1999, p. 145). 
	O art. 65, II, do Código Penal, com a redação determinada pela Lei n° 7.209/1984, estabelece que: “São circunstâncias que sempre atenuam a pena: I-...; II- o desconhecimento da lei”. E o art. 8° da Lei de Contravenções Penais (DL n° 3.688/1941) dispõe: “No caso de ignorância ou de errada compreensão da lei, quando escusáveis, a pena pode deixar de ser aplicada”.
	Também é de destacar que as normas jurídicas não precisam ser provadas em juízo, exatamente em razão do princípio de que o tribunal conhece o Direito. Princípio, aliás, normatizado. Afirma PAUPÉRIO:
É conhecido, de outro lado, o princípio pelo qual as normas de direito não precisam ser objeto de prova em juízo. O advogado não precisa provar o direito: o que se há de provar são os fatos. Os fatos é que precisam ser provados, para que o juiz possa estabelecer com acerto a relação jurídica emergente. Não há necessidade, portanto, de, num processo, juntar-se a página do Diário Oficial que estampe a lei. Subentende-se que o juiz conheça a lei, tão bem ou melhor que o advogado. Com exceção do direito estadual, municipal, costumeiro ou estrangeiro, cuja prova convém ser feita (1999, p. 145-146). 
OBSERVAÇÃO: leitura obrigatória, inclusive para fins de avaliação:
SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao... Capítulo XVI (p. 194-199). 
7 PRODECIMENTOS DE INTEGRAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO: ESPÉCIES E RESULTADOS
	Consideramos necessário adentrar na seara da integração do Direito, abordando a analogia, os princípios gerais de direito e a equidade. Alguns relacionam esses três elementos como fontes complementares do Direito, enquanto outros os têm como elementos de integração do Direito. Achamos preferível esta última conotação.
7.1 Analogia
	O ordenamento jurídico (conjunto das normas em vigor num determinado país, como se sabe) deveria preencher todos os fatos sociais. Isto seria o ideal, mas, sabe-se que é impossível, pois surgirão sempre situações não previstas pelos legisladores. São as lacunas. 
	Contudo, o julgador nunca pode deixar de decidir, alegando a inexistência de norma aplicável ao caso concreto. Entre nós vigora o postulado da plenitude da ordem jurídica, como apregoa o art. 126 do Código de Processo Civil:
O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade na lei. No julgamento da lide, caber-lhe-á aplicar as normas legais, não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
		Por outro lado, o art. 4° da Lei de Introdução ao Código Civil também determina o uso da analogia.
		Mas, o que é analogia? PAULO NADER dá-nos a seguinte conceituação:
A analogia é um recurso técnico que consiste em se aplicar, a uma hipótese não prevista pelo legislador, a solução por ele apresentada para uma outra hipótese fundamentalmente semelhante à não-prevista (2011, p. 194).
	
	O autor acima citado assevera que a analogia se destina à aplicação do Direito, não se constituindo, desta forma, “fonte formal, porque não cria normas jurídicas, apenas conduz o intérprete ao seu encontro”, uma vez que “o trabalho que desenvolve é todo de investigação” (2011, p. 194). 
		De qualquer forma, é preciso cuidado na definição e na aplicação da analogia. MAURIZIO MARCHETTI diz, com razão:
Definir a analogia não é tarefa fácil, mas poderíamos dizer que as definições giram em torno de dois conceitos básicos a respeito. Para uns, a analogia é um procedimento de natureza lógica; para outros, a analogia é um procedimento de natureza axiológica (2002, p. 41).
	Tomemos como parâmetro o exemplo citado por RECASÉNS SICHES, tirado de RADBRUCH e PETRASYSKI, respectivamente. O caso é simples, mas serve muito bem para exemplificar se a analogia deve ser um procedimento lógico ou axiológico (valorativo). Diz ele:
Na plataforma de uma estação ferroviária da Polônia tinha um aviso que transcrevia um artigo do regulamento ferroviário, cujo texto dizia: Proibida a estrada com cachorro. Certa vez, ocorreu de alguém querer entrar na plataforma acompanhado de um urso. O empregado encarregado de vigiar a porta impediu-lhe o acesso. Protestou a pessoa acompanhada do urso, dizendo que aquele artigo do regulamento proibia apenas a entrada com cachorro, mas não com outros animais; e deste modo surgiu um conflito jurídico, em torno da interpretação daquele artigo do regulamento (Apud MARCHETTI, 2002, p. 43-44).
		Ora, como o dispositivo regulador proibia apenas o acesso de pessoas à plataforma da estação ferroviária com cachorro, se a lógica fosse aplicada o passageiro tinha razão. Mas esta conclusão seria absurda, na visão de RECASÉNS SICHES. Haveria, assim, de prevalecer o procedimento axiológico. 
		Daí dizer MARCHETTI:
O que caracteriza a analogia é que nestes casos o princípio que fez gerar o dispositivo legal expresso também deve ser aplicado nos casos lacunosos.
Assim, no exemplo citado, a razão que levou à proibição do ingresso de cães foi manter a segurança e higiene do local, e, talvez até por mais razão, não deve permitir-se o ingresso do urso.
Verifica-se que neste raciocínio não se analisou apenas aspectos formais, mas foi fundamental a manipulação dos valores em jogo no conflito, sem o que a decisão inevitável seria o ingresso do urso na estação (2002, p. 45). 
	É preciso, todavia, atentar para o fato de que a analogia pode operar, segundo muitos autores, de duas formas: analogia legal (analogia legis) e analogia jurídica (analogia juris).
7.2 Analogia legal
	Esclarece VENOSA que pela analogia legal “o aplicador do Direito busca uma norma que se aplique a casos semelhantes”. Assim, “a analogia legal parte da semelhança da espécie submetida ao exame com a situação descrita no dispositivo legal”. É o que ocorre, por exemplo, “na hipótese do leasing ou arrendamento mercantil, que constitui, em princípio, uma locação, com opção de compra a final”. E conclui: “Na hipótese de omissão do texto legal, o intérprete pode valer-se dos princípios da compra e venda e da locação para solucionar o caso concreto”, cabendo ao julgador investigar “institutos que possuam semelhança coma situação apresentada” (2006, p. 140). 
7.3 Da analogia legal para a analogia jurídica
	Se o julgador não tiver êxito em encontrar “um texto semelhante para aplicar ao caso concreto, ou sendo os textos semelhantes insuficientes, recorrerá
a um raciocínio mais profundo e mais complexo”. Nesse caso, “tentará extrair do pensamento jurídico dominante, de um aparato de normas, uma conclusão particular para o caso em testilha” (2006, p. 140). Tem-se presente, então, a analogia jurídica.
7.3.1 Analogia jurídica
		Novamente, a lição de VENOSA:
A analogia jurídica fundamenta-se no conjunto de disposições de um ordenamento, do qual o aplicador extrai princípios para nortear determinada situação não prevista na lei. A analogia júris na realidade deixa de ser simples método de aplicação para invadir a seara dos princípios gerais do Direito.
 		[...]
A analogia é um procedimento de semelhança, mas especialmente a analogia jurídica requer cuidado maior do intérprete e conhecimento profundo da ciência jurídica. Para o uso da analogia, é necessário que exista lacuna na lei e semelhança com a relação não prevista pelo legislador. A seguir, no derradeiro estágio do raciocínio, o julgador procura uma razão de identidade entre a norma encontrada ou conjunto de normas e o caso contemplado. O maior risco na aplicação analógica, principalmente na analogia juris, é o aplicador dar voos mais elevados e tornar-se legislador alternativo (2006, p. 141).
		Já REALE tem o seguinte entendimento:
	A esse respeito, faz-se uma distinção entre analogia legis e analogia juris. A primeira é a analogia propriamente dita; a segunda, por mais que alguns tenham procurado demonstrar o contrário, outra coisa não é senão o procedimento pelo qual se supre a deficiência legal mediante o recurso aos princípios gerais de direito (2002, p. 298). 
7.3.2 Analogia e interpretação extensiva não se confundem
	VENOSA alerta que a “analogia não se confunde com a interpretação extensiva”. Ora, qual a diferença entre ambas? Ele esclarece:
	Na interpretação extensiva existe uma previsão legal, mas com uma insuficiência de descrição. A má redação da lei dá margem à interpretação extensiva. Nesta hipótese não há lacunas, como ocorre no raciocínio analógico (2006, p. 141). 
7.3.3 Não aplicação da analogia no Direito Penal
	Sabe-se que no Direito Penal vigora o princípio da reserva legal, não admitindo, por conseguinte, o uso do costume nesse ramo do Direito, o mesmo ocorrendo com a analogia. Entretanto, alguns autores admitem, no campo criminal, o uso da analogia para beneficiar o réu (analogia in bonam partem). 
7.4 Princípios gerais de direito
7.4.1 Os princípios no ordenamento jurídico
		A matéria relativa aos princípios gerais de direito é de ordem filosófica. Logo, conceituar “princípios gerais de direito é tarefa árdua que se espalha em inúmeras teorias, nem sempre conclusivas”, como diz VENOSA, assegurando, ainda, que tais princípios “são, em última instância, uma regra de convivência” (2006, p. 141). 
	Muitas legislações, como a brasileira, fazem menção a esses princípios. Entre nós, é o caso do já falado art. 4° da LICC, que tem nesses princípios “o último elo a que o juiz deve recorrer perante a lacuna legal” (VENOSA, 2006, p. 141). Igualmente, refere-se a esses princípios o art. 8° da CLT. Para NADER, na “ausência da lei, de analogia e costume, o preceito orientador há de ser descoberto mediante os princípios gerais de Direito” (2011, p. 199). Mas é preciso atentar para a lição de REALE quando afirma que “o apelo à analogia não impede que recorramos, concomitantemente, aos costumes e aos princípios gerais” (2002, p. 315). 
7.4.2 Definição
	Na visão de NADER os princípios são importantes, na vida do Direito, “em duas fases principais: na elaboração das leis e na aplicação do Direito, pelo preenchimento das lacunas da lei” (2011, p. 200).
		
REALE assim definiu os princípios em comento:
A nosso ver, princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Cobrem, desse modo, tanto o campo da pesquisa pura do Direito quando o de sua atualização prática (2002, p. 304-305). 
Também merece registro este comentário do mestre citado:
Alguns deles [dos princípios gerais] se revestem de tamanha importância que o legislador lhes confere força de lei, com a estrutura de modelos jurídicos, inclusive no plano constitucional, consoante dispõe a nossa Constituição sobre os princípios de isonomia (igualdade de todos perante a lei), de irretroatividade da lei para proteção dos direitos adquiridos, etc. (2002, p. 305). 
E este outro:
Os princípios gerais de direito são, em suma, conceitos básicos de diversa graduação ou extensão, pois alguns cobrem o campo todo da experiência jurídica universal; outros se referem aos ordenamentos jurídicos pertencentes, por assim dizer, à mesma ‘família-cultural’; outros são próprios do Direito pátrio.
[...]
Os princípios gerais de direito põem-se, destarte, como as bases teóricas ou as razões lógicas do ordenamento jurídico, que deles recebe o seu sentido ético, a sua medida racional e a sua força vital ou histórica. A vida do Direito é elemento essencial do diálogo da história (2002, p. 316-317). 
		7.4.3 Natureza
	
		É preciso observar que, no concernente à natureza dos princípios gerais de direito, “a polêmica dominante é travada entre as duas grandes forças da Filosofia do Direito: a positivista e a jusnaturalista” (NADER, 2011, p. 201). Àquela soma-se a Escola Histórica do Direito. Entende-se, portanto, que esses princípios são apenas aqueles consagrados pelo ordenamento jurídico. Quando da aplicação, o juiz deverá fazer uso do Direito vigente, de forma objetiva, evitando cair na tentação do subjetivismo. 
	Mas, para a corrente jusnaturalista ou filosófica “os princípios gerais de direito são de natureza suprapositiva, constantes de princípios eternos, imutáveis e universais, ou seja, os do Direito Natural” (NADER, 2011, p. 202).
7.5 Equidade
	Costuma-se dizer que a equidade serve para “atenuar, amenizar, dignificar a regra jurídica”. Ela “é um trabalho de abrandamento da norma jurídica no caso concreto”, flexibilizando “a aplicação da lei” (VENOSA, 2006, p. 144). 
		Embora o Código Civil de 2002 não faça menção à equidade “como forma direta de aplicação do Direito”, faz referência, em oportunidades diversas, “a fixação da indenização ou pagamento de forma equitativa, o que implica raciocínio por equidade por parte do legislador (arts. 413, 479, 738, 928, parágrafo único, 944, 953, parágrafo único)”. 
		O anteriormente citado art. 8° da CLT também se refere à sua aplicação “na falta de disposições legais ou contratuais”. Do mesmo modo, os arts. 6° e 25 da Lei 9.099/1995 (Juizados Especiais) e o art. 108 do Código Tributário Nacional, que “prevê a aplicação da equidade para a hipótese de disposição expressa e desde que inviável a solução mediante o emprego, em ordem de prioridade, da analogia, princípios gerais de Direito Tributário e princípios gerais de Direito Público” (NADER, 2011, p. 115). Todavia, pelo uso da equidade não se dispensa o pagamento de tributo devido. 
		O art. 127 do Código de Processo Civil, por sua vez, diz, rigoroso, que “o juiz decidirá por equidade nos casos previstos em lei”. O rigorismo do CPC faz a festa dos legalistas. 
		Atente-se para esta apreciação de VENOSA:
Em síntese, a equidade se traduz na busca constante e permanente do julgador da melhor interpretação legal e da melhor decisão para o caso concreto. Trata-se, como se vê, de um raciocínio que procura a adequação da norma ao caso concreto. Em momento algum, porém, salvo quando expressamente autorizado por lei, o julgador pode decidir exclusivamente pelo critério do justo e do equânime, abandonando o texto legal, sob o risco de converter-se em legislador. Essa posição deve ser frontalmente combatida, mormente com relação àqueles que veem nessa prática o famigerado “direito alternativo”, ponto de ilegalidade e de absoluta insegurança das relações sociais. A equidade pode, destarte, ser entendida mais como um método
de interpretação e integração do que como método criativo do Direito (2006, p. 146-147).
		Lembramos que o “famigerado direito alternativo”, na concepção de VENOSA e de muitos juristas conservadores mais contundentes, foi estudado no capítulo 4. 
	
	Não será custoso aludir à lição de REALE, quando afirma que “mediante juízos de equidade, se amenizam as conclusões esquemáticas da regra genérica, tendo em vista a necessidade de ajustá-la às particularidades que cercam certas hipóteses da vida social” (2002, p. 298-299). 
		Por fim, diz REALE:
Os romanos advertiam, com razão, que muitas vezes a estrita aplicação do Direito traz consequências danosas à justiça: summum jus, summa injuria. Não raro, pratica injustiça o magistrado que, com insensibilidade formalística, segue rigorosamente o mandamento do texto legal.
Há casos em que é necessário abrandar o texto, operando-se tal abrandamento através da equidade, que é, portanto, a justiça amoldada à especificidade de uma situação real.
		[...]
O Direito, como experiência, deve ser pleno, e muitos são os processos através dos quais o juiz ou o administrador realizam a integração da lei para atingir a plenitude da vida (2002, p. 298-299). 
OBSERVAÇÃO: leitura obrigatória, inclusive para fins de avaliação:
Nader, Paulo. Introdução ao... Capítulos 19 e 20 (p. 191-205). 
Reale, Miguel. Lições... Capítulos XXII e XXIII (p. 295-307).
Venosa, Sílvio de Salvo. Capítulo 4 (p. 139-147). 
8 EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO
	Este tema foi objeto de estudo em IED I, quando tratamos da lei como fonte do Direito, ao menos em parte. Por força do que dispõe a grade curricular, retornamos ao assunto, para, inclusive, aprofundá-lo. 
8.1 A temporalidade da lei no cenário jurídico
	A eficácia da lei no tempo reporta-se ao tempo de sua atuação dentro do ordenamento jurídico até que seja dele afastada. E isto pode ocorrer em duas hipóteses:
Se a lei tem fixado o seu tempo de duração, com o decurso do prazo determinado ela perde sua eficácia e vigência.
Se ela não tem prazo determinado de duração, permanece atuando no mundo jurídico até que seja modificada ou revogada por outra de hierarquia igual ou superior (LICC, art. 2º); é o princípio da continuidade das leis (BETIOLI, 2000, p. 411).
8.1.1 Revogação
	O ato revocatório significa tornar sem efeito uma norma jurídica, retirando sua obrigatoriedade. A revogação é gênero que comporta duas espécies, a saber:
Derrogação: quando a norma é revogada apenas em parte.
Ab-rogação: quando ocorre a supressão total da norma.
8.1.1.1 Tipos de revogação 
	Há dois tipos de revogação, quando assim considerada em sentido amplo, ou seja, como gênero (derrogação e ab-rogação). São eles:
Expressa: quando vem expressamente declarada, explicitando qual ou quais normas anteriores estão sendo revogadas; é de lembrar que uma norma jurídica só pode ser revogada por outra norma de hierarquia igual ou superior. O art. 9º da Lei Complementar nº 95/1998, determina: “A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas”. 
Tácita: quando houver incompatibilidade entre a lei nova e a antiga, ou pelo fato de que a nova possa regular inteiramente a matéria tratada pela anterior, como determina o art. 2º, § 1º, da LICC, que dispõe: “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. 
Alguns autores referem-se ainda à revogação pelo desuso e pelo costume contra legem, quando a lei não apresenta um mínimo de eficácia. Outros, entretanto, não admitem essa possibilidade, por conta da primazia da lei no nosso ordenamento jurídico. Para estes, que são maioria, só a lei poderá revogar outra lei. A revogação pelo desuso ou pelo costume contra legem é, portanto, matéria controvertida. 
8.1.1.2 Normas que não podem ser revogadas
Não será custoso lembrar que há normas constitucionais que não podem ser revogadas, por expressa manifestação da própria Constituição, como determina o seu art. 60, § 4º. São chamadas cláusulas pétreas, ou seja, não podem ser revogadas ou alteradas de forma alguma por Emendas Constitucionais. Somente podem ser objeto de outra Constituição. 
8.1.2 Conflito de leis no tempo
	Decorre o conflito de leis no tempo do “fato de uma lei suceder a outra, regulando de modo diferente a matéria de que a primeira se ocupava”, como diz HERMES LIMA (2000, p. 144). 
	
	ORLANDO SECCO alude da maneira seguinte, ao conflito de leis:
Diz-se que há conflito de leis no tempo quando situações jurídicas constituídas sob a égide de uma lei velha defrontarem-se com as disposições da lei nova revogadora daquela. O problema, então, consiste em se definir se a lei velha continua a surtir efeitos mesmo depois de revogada, se a lei nova deve produzir efeitos anteriores mesmo à sua vigência, ou se devem ser aplicadas ambas as leis, sendo a lei velha até entrar em vigor a lei nova, e a lei nova a partir da data da sua vigência.
[...]
O conflito de leis no tempo não é nada mais do que a colisão da lei nova com a lei velha, reclamando uma definição acerca da aplicabilidade só de uma; só da outra; ou de ambas, sendo uma até um dado momento e a outra a partir daí (2005, p. 235). 
Como resolver esse conflito? HERMES LIMA explica:
Esse conflito decorre de circunstâncias tais como subsistirem consequências da lei antiga sob o império da lei nova; de situações criadas pela lei antiga que na lei nova não encontram mais apoio. Que lei se deve aplicar em tais casos, como resolver-se a questão nos seus múltiplos aspectos? 
O conflito assim estabelecido vai buscar no Direito intertemporal ou transitório as normas de suas soluções, pois nesse direito deparamos regras estabelecidas pelo legislador ou princípios elaborados pela ciência jurídica e destinados a conciliar a aplicação da lei nova com as consequências da lei anterior.
Temos assim no Direito intertemporal as disposições transitórias oriundas do legislador e os princípios da irretroatividade ou não retroatividade numa sistemática de conceitos elaborada pela técnica jurídica (2000, p. 145).
As disposições do Direito intertemporal são chamadas de transitórias porque só têm vigor durante o período de transição entre o antigo e o novo regime jurídico. Ou seja: são normas cuja vigência tem prazo determinado. 
É comum o legislador tomar medidas antecipadas para solucionar o conflito de leis? Diz ORLANDO SECCO, corroborando o pensamento acima exposto por HERMES LIMA:
Fato comum é o legislador preocupar-se antecipadamente com o possível conflito, tomando, então, medidas preventivas, já na própria lei nova. Essas medidas preventivas, verdadeiras regras de Direito Intertemporal, constituem as denominadas “Disposições Transitórias”, encontradas em muitas leis. São, por assim dizer-se, espécies de ‘amortecedores’ destinados a equilibrar as coisas no exato momento em que a lei nova introduz mudanças substanciais e consideráveis, se comparadas à situação regulada pela lei velha até então (2005, p. 236). 
	ORLANDO SECCO alude ao fato de ao legislador não ser possível prever todos os conflitos possíveis:
Mas, não se pode esperar que o legislador consiga prever todos os conflitos possíveis ao elaborar as disposições transitórias. A prática revelará sempre uma imensidão de problemas a exigir soluções, raramente contempladas na lei nova. No Direito Intertemporal estão, porém, estabelecidos os princípios que disciplinam a matéria e solucionam o conflito (2005, p. 237).
Por isso, temos os princípios da irretroatividade e da retroatividade da lei, assim como a sua ultratividade. 
8.1.3 Irretroatividade e retroatividade
Já é do conhecimento de todos que uma lei nova só vale para o futuro, em regra, isto é, não opera efeitos retroativos. Afigura-se a irretroatividade. Como exceção, contudo, a lei nova poderá ter seus efeitos retroagindo para alcançar situações anteriormente constituídas.
Dá-se, então, a retroatividade. 
O fundamento principal do princípio da irretroatividade, sob consagração da doutrina e da legislação, é a proteção do indivíduo contra possíveis arbitrariedades legislativas. Caso a retroatividade fosse admitida como regra, a segurança jurídica do indivíduo estaria prejudicada. E isto seria inaceitável na atualidade. 
Com acerto, afirma JOSÉ FLÓSCOLO DA NÓBREGA que: “A irretroatividade é assim um impositivo da justiça, como condição da segurança e estabilidade das relações sociais” (2007, p. 142). E PAULO NADER afirma de forma peremptória que se “fosse admitida a retroatividade como princípio absoluto, não haveria o Estado de Direito, mas o império da desordem” (2011, p. 252).
A Constituição Federal não proíbe a retroação da lei, como exceção à regra da irretroatividade, a não ser da lei penal que não beneficie o réu (art. 5º, inciso XL), e, noutra situação, desde que resguardados sempre o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5º, inciso XXXVI). Neste último sentido é também o que dispõe o art. 6º da LICC. Ressalvados estes casos, podem ser editadas leis com caráter retroativo. A retroatividade não é presumida, mas, sim, deverá vir expressa no texto legal. 
Além das situações acima mencionadas, há outras que podem ser consideradas. A este propósito, afiança ORLANDO SECCO:
Admite-se, portanto, a retroatividade da lei no Direito Penal, quando for mais favorável ao criminoso; no Direito Administrativo, em relação às penas disciplinares de segurança e de polícia e em relação às leis de aumentos.
Há autores, como MACHADO PAUPÉRIO e PAULO NADER, que citam ainda a retroatividade das leis abolitivas, a exemplo da lei que aboliu a escravatura, e das leis interpretativas que retroagem à data da vigência da lei por elas interpretadas (2005, p. 242). 
MARCELO REBELO DE SOUSA e SOFIA GALVÃO, autores portugueses, também dizem que: 
A lei interpretativa é, naturalmente, retroactiva. Ela representa um novo acto do poder político, autônomo do interpretado, que visa produzir efeitos no passado (1994, p. 82).
NADER, por sua vez, diz admitir-se a retroatividade da lei nos seguintes casos, como mencionado por SECCO:
Admite-se a retroatividade da lei:
No Direito Penal, quando as disposições novas beneficiam aos réus na exclusão do caráter delituoso do ato ou no sentido de minorarem a penalidade;
No tocante às leis interpretativas;
Quanto às leis abolitivas, que extinguem instituições sociais ou jurídicas, incompatíveis com o novo sentimento ético da sociedade, como ocorreu com a abolição da escravatura (2011, p. 252-253). 
Mas, adverte NADER que as “leis interpretativas devem ser examinadas cuidadosamente, pois, sob o manto retroativo da interpretação, podem apresentar novos preceitos. Ocorrendo tal hipótese, as regras inovadoras deverão subordinar-se ao disposto no art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil” (2011, p. 252, nota de rodapé nº 6). O art. 6º da LICC estabelece: “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. 
8.1.4 Teorias sobre a irretroatividade
	Não são poucas as teorias que tratam do conceito e da caracterização da irretroatividade da lei. Dentre todas, algumas merecem destaque, como se verá a seguir, conforme retratado por NADER (2011, p. 253-254):
8.1.4.1 Doutrina clássica ou dos direitos adquiridos
	O ponto de partida dessa teoria é a distinção entre faculdade, expectativa e direito adquirido.
I – Faculdade: é a “possibilidade jurídica de se praticar atos”, como, por exemplo, o de “emancipação de filho”.
II – Expectativa: é apenas a esperança “de se adquirir um direito caso venha a realizar-se um acontecimento futuro, que lhe dará efetividade”. Pode-se tomar como exemplo a situação de em que se encontra uma pessoa “em relação à herança de um parente próximo, tendo em vista o que dispõe a legislação vigente”. Em face da “circunstância da época, não há de se falar ainda de direito sucessório, mas apenas expectativa que se transformará em direito caso não haja alteração na ordem sucessória e o fato venha a se confirmar”.
III – Direito adquirido: é aquele que ingressa em nosso domínio e, em consequência, forma parte dele e não pode ser desfeito, como definido por MERLIN, citado por MÁYNEZ. NÓBREGA, contudo, lembra “que a tendência do direito moderno é pelo abandono da noção do direito adquirido, orientando-se de preferência no sentido do respeito dos fatos consumados (facta preteritae) e do princípio tempus regit factum (os fatos se regem pela lei vigente ao tempo de sua produção)” (2007, p. 142-143). 
8.1.4.2 Teoria da situação jurídica concreta
	Tem-se por situação jurídica “a posição de uma pessoa em relação à lei”. Deve-se partir, segundo BONNECASE, da distinção entre situação jurídica abstrata e concreta. A situação abstrata “se caracteriza quando a pessoa não é alcançada pela regra; o fato jurídico que o colocaria sob os efeitos da lei não se realizou”. Exemplo: a condição do solteiro em relação à instituição do casamento. Já a situação jurídica concreta, no dizer do autor acima citado, é “a maneira de ser de uma pessoa determinada, derivada de um ato ou de um fato jurídico que a faz atuar, em seu proveito ou contra si, as regras de uma instituição jurídica, e a qual ao mesmo tempo lhe tem conferido efetivamente as vantagens e as obrigações inerentes ao funcionamento dessa instituição”. Cita-se como exemplo “o indivíduo casado em relação à lei do casamento”. A retroatividade somente se caracteriza quando a lei nova alcança a situação jurídica concreta, o que não é admitido pelo autor citado. 
8.1.4.3 Teoria dos fatos cumpridos
	Esta teoria foi exposta por WINDSCHEID, DERNBURG e FERRARA. Para esta concepção, o importante “não é a verificação da existência de direito adquirido, mas a constatação se o fato foi cumprido durante a vigência da lei anterior”. Assim, somente haveria retroatividade “quando o ato legislativo atingisse o fato jurídico realizado no passado, desfazendo-o ou alterando os seus efeitos produzidos na vigência da lei revogada”. 
8.1.4.4 Teoria de Roubier
	Para o francês PAUL ROUBIER, parte-se da “distinção dos possíveis efeitos da lei em relação ao tempo: a) efeito retroativo (ação sobre atos e fatos passados); b) efeito imediato (ação apenas sobre o presente); c) efeito diferido (quando a lei vai alcançar o futuro)”. Para o autor da teoria, “o ponto capital do problema radica na distinção entre efeito retroativo e efeito imediato”. Para ele, “a lei somente deve alcançar os fatos do presente, respeitando os fatos pretéritos”. Do mesmo modo, “não admite que a lei estenda os seus efeitos sobre o futuro”.
8.1.4.5 Concepção de Planiol
	Apresenta analogia com a teoria de ROUBIER. Assim, para PLANIOL, “a lei é retroativa quando atua sobre o passado, seja para apreciar as condições de legalidade de um ato, seja para modificar ou suprimir os efeitos de um direito já realizado”. De tal forma, fora de “tais casos não há retroatividade, e a lei pode modificar os efeitos futuros de fatos ou de atos anteriores, sem ser retroativa”.
8.1.4.6 O princípio ratione materiae
	O sistema jurídico, ao disciplinar o problema da irretroatividade da lei, “pode optar pela adoção de determinadas teorias, fixando-se assim em princípios gerais e abstratos, como o fez o legislador brasileiro, ou optar pelo princípio ratione materiae, isto é, pela particularização de assuntos”. Os códigos da Alemanha, Suíça e Itália seguem essa orientação. 
8.1.5 Ultratividade
	A ultratividade da lei é a aplicação dos seus dispositivos depois de cessada a sua vigência, tendo, porém, como incidência os fatos ocorridos enquanto a lei ainda vigorava. No Código Penal a ultratividade está prevista no art. 3º, que diz:
A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.
Preleciona
ORLANDO SECCO que não há que confundir ultratividade e efeito deferido (quando a lei vai alcançar o futuro), da lei:
A ultratividade da lei é a sua aplicação após ter perdido a vigência, mas acerca de fatos consumados enquanto ela ainda vigorava. Aplicação da lei a destempo sobre fatos tempestivos.
No efeito deferido, aplicar-se-ia a lei já revogada aos fatos ainda por se consumarem em uma data futura, ocasião em que já estivesse a lei nova vigorando. Como se sabe, em nosso Direito, tendo a lei nova efeito imediato e geral, não tem aplicação o efeito deferido da lei (velha). O efeito deferido seria, se viável fosse, a aplicação da lei a destempo, sobre fatos intempestivos (2005, p. 243). 
8.2 Sanção e coação
	Para muitos, a eficácia da lei depende também da sanção e da coação. Isto tem despertado muitas polêmicas. Todavia, não se pode desprezar o papel que a sanção e a coação exercem no âmbito do Direito. Por esta razão, inserimos no presente texto uma apreciação sobre ambas. 
8.2.1 Sanção
8.2.1.1 Sanção em sentido amplo
 	As regras em geral são formuladas para serem cumpridas: tanto as religiosas, quanto as morais, as de trato social ou as jurídicas. As regras, portanto, implicam certa obediência ou respeito. Sendo da essência da regra a obediência e o cumprimento, “é natural que todas elas se garantam, de uma forma ou de outra, para que não fiquem no papel, como simples expectativas ou promessas. As formas de garantia do cumprimento das regras denominam-se ‘sanções’”, diz REALE (2002, p. 72).
 	Logo, pode-se dizer que sanção é “todo e qualquer processo de garantia daquilo que se determina em uma regra” (REALE, 2002, p. 72).
	Na religião, por exemplo, há a ideia da vida após a morte, em que, ao menos no ideário cristão, os homens serão julgados de acordo com a sua vida ética, implicando numa vida devotada à fé, para alguns, ou à fé e às boas ações, para outros. O remorso é, também, para os religiosos, uma força sancionadora imperiosa, daí porque, em alguns credos, pela penitência busca-se chegar à expiação dos pecados.
	Na ordem moral, as regras são cumpridas por motivação espontânea. Entretanto, quando tais regras são descumpridas, “a desobediência provoca determinadas consequências, que valem como sanção”. 
	
	MARIA HELENA DINIZ preleciona:
	O desrespeito a uma norma moral pode causar:
sanção individual e interna, ou seja, da consciência, que nada mais é senão a satisfação ou o desgosto (arrependimento, vergonha, remorso);
sanção externa, como a opinião pública, que estima as pessoas honestas [por exemplo] e lança ao desprezo os iníquos (desconsideração social) (2008, p. 376).
 As sanções morais, entretanto, não estão organizadas, como sói acontecer com as sanções jurídicas. “Acham-se difusas [diz REALE] no espaço social: é a crítica e a condenação, que a infração suscita; é a opinião pública que se forma sobre a conduta reprovada; são todos os mecanismos de defesa da sociedade, que, aos poucos, eliminam da convivência o indivíduo que não obedece aos preceitos de ordem moral” (2002, p. 73).
Salienta-se, como o faz REALE, que há “aqueles que nem sequer se arreceiam do exame de sua própria consciência, por estarem tão embrutecidos que nela é impossível o fenômeno psíquico do remorso”. Do mesmo modo, não “faltam os que nenhuma importância dão à reação social...” Assim, faz-se “necessário organizar as sanções” (2002, p. 73). Cabe ao fenômeno jurídico a tarefa de organizar as sanções.
8.2.1.2 Sanção em sentido estrito (jurídica)
8.2.1.2.1 Evolução da sanção
	Pouco a pouco, a sanção difusa (moral) foi se tornando “predeterminadamente organizada”, com a passagem do “mundo ético em geral para o mundo jurídico”. Este foi se separando do mundo religioso e moral até adquirir feições próprias e formar “um todo homogêneo pela organização progressiva da própria sanção” (REALE, 2002, 73-74).
	Pode-se dizer que a sanção jurídica é uma espécie do gênero sanção. O que a caracteriza, como já se percebeu, é a sua predeterminação e organização. Sem dúvida, algumas sanções morais e jurídicas correspondem, respectivamente, “às regras de natureza moral e jurídica”. Lembra REALE que “matar alguém é um ato que fere tanto um mandamento ético-religioso como um dispositivo penal”. Mas há, entre este e aquele, uma diferença fundamental:
A diferença está em que, no plano jurídico, a sociedade se organiza contra o homicídio, através do aparelhamento policial e do Poder Judiciário. Um órgão promove as investigações e toma as medidas necessárias à determinação do fato; um outro órgão examina a conduta do agente e pronuncia um veredicto de absolvição ou de condenação. Condenado, eis novamente a ação dos órgãos administrativos para aplicar a pena (REALE, 2002, p. 74).
	O progresso cultural do homem implicou no aprimoramento da vida jurídica, passando-se do plano do direito da força para o da força do direito. Nos tempos primitivos, as contendas eram resolvidas em termos de vingança. De início, existiu a vingança social (coletiva) e, depois, a vingança privada (individual), em que se personalizava a responsabilidade. Aos poucos, a vingança privada foi sendo regrada, submetida a certos princípios limitadores: é o tempo dos duelos, das ordálias ou ordálios (juízo ou julgamento de Deus, que era, no Direito antigo, “um meio de aferição da verdade pela submissão da parte a testes que demonstrariam, ou não, a sua inocência, como, por exemplo, submeter a mulher acusada de adultério a atravessar, descalça, um tapete de brasas”, como diz DE PLÁCIDO E SILVA, 2006, P. 985), do talião (olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé). O Estado acabaria proibindo os duelos, abrandando, deste modo, a força. Por fim, chamou a si a responsabilidade de fazer a distribuição da justiça. E, assim, a sanção jurídica evoluiu com o Direito, tornando-se proporcional ao delito (penal ou civil).
	A sanção jurídica evoluiu ainda mais, na visão de diversos autores, com a aplicação de “processos que possam influir no sentido da adesão espontânea dos obrigados, como os que propiciam incentivos e vantagens”. Ou seja, ao lado das sanções penais, surgiram as sanções premiais “que oferecem um benefício ao destinatário, como, por exemplo, um desconto ao contribuinte que paga o tributo antes da data do vencimento”, como esclarece REALE (2002, p. 76).
	A ideia inicial da sanção como prêmio ou recompensa no Direito remonta ao século XV, quando já havia “uma procura por um instrumental de governo diversificado e indireto que fosse além da imposição de comportamentos por meio da força”. O primeiro opúsculo tratando do Direito Premial foi escrito pelo italiano GIACINTO DRAGONETTI, em 1765. Mas o pai do Direito Premial é, na consideração de muitos, JEREMIAS BENTHAM, no século XIX (BENEVIDES FILHO, 1999, p. 45-56).
	No Brasil do século XIX, o jurista e filósofo sergipano TOBIAS BARRETO foi defensor da sanção premial. Atualmente, acha-se ela em voga, entre muitos estudiosos do Direito. Outros, contudo, negam a sua existência, sob a afirmação de que sanção é sanção e prêmio é prêmio. Ou seja, a função da sanção é a de conferir uma punição, e não um benefício. Ora, para quem acredita que o Direito só se baseia na força fica afastada a hipótese da existência de uma sanção premial. 
8.2.1.2.2 Conceito de sanção jurídica
	Citando o jurista português MARCELLO CAETANO, MONTORO diz que sanção “pode ser definida como a ‘consequência jurídica que atinge o sujeito passivo pelo não cumprimento da sua prestação”. Cita, ainda, GARCIA MÁYNEZ, para quem “sanção é a consequência jurídica que o não cumprimento de um dever produz em relação ao obrigado”. E conclui dizendo que “a sanção é uma ‘consequência’. Pressupõe um ‘dever’, que não foi cumprido” (2008, p. 526).
8.2.1.2.3 O papel do Estado e a aplicação da sanção
	O Estado, como é notório, é a organização da nação (povo) em uma unidade de poder. É essa unidade de poder que vai aplicar a sanção jurídica. Como ordenação de poder, o Estado regula as formas
e os processos de execução coercitiva do Direito.
	Na aplicação, o Estado, através dos julgadores, só pode lançar mão da sanção previamente estabelecida em lei (princípio de legalidade da pena). A sanção jurídica “pode recair sobre a pessoa ou o patrimônio do transgressor” da norma. É assim que “através da sanção, o Estado distribui a justiça reparadora, no caso de ilícito civil, determinando a reparação do dano, e a justiça repressiva, no caso de crime, aplicando pena privativa da liberdade ou pena de multa” (GUSMÃO, 2011, p. 85).
8.2.1.2.4 Espécies de sanção
8.2.1.2.4.1 – Segundo o magistério de Franco Montoro
I – Quanto ao ramo do direito a que correspondem
		a) Civis: quando são aplicadas em face do descumprimento das normas cíveis, a exemplo da nulidade de atos irregulares, a condenação pecuniária, a prescrição (perda do direito por falta de atuação do titular) e a decadência (perda do direito por prazo predeterminado em lei, ou seja, por decurso de prazo), etc.
		b) Penais: quando alcançam os infratores dos dispositivos penais, tais como as penas privativas de liberdade (reclusão e detenção), cf. art. 32, inciso I, combinado com o art. 33 do Código Penal, as restritivas de direito (prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas e limitação de fim de semana), cf. inciso II, art. 32, c/c o art. 43, e multa, cf. inciso III, art. 32, c/c o art. 49, todos do citado Código Penal. A título de ilustração, “a pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto”, enquanto “a de detenção, em regime semi-aberto ou aberto, saldo necessidade de transferência a regime fechado”, como determina o art. 33 do CP. No Brasil, como se sabe, a pena de morte somente será aplicada excepcionalmente, conforme determina o art. 5º, inciso XLVII, alínea “a”, da Constituição Federal.
		c) Administrativas: quando aplicadas pela Administração Pública aos seus servidores ou a terceiros (contratados e outros administrados), na forma da lei. Podem ser multas, apreensão de mercadorias, interdição de estabelecimentos, penas disciplinares, rescisão contratual, etc.
		d) Processuais: aplicadas nos autos de um processo, tais como a condenação nas custas processuais e honorários do advogado da parte adversa (art. 20 do Código de Processo Civil), a revelia (art. 319 do CPC), a preclusão dos prazos (art. 183 do CPC), etc.
Lembra MONTORO a existência de outras sanções (fiscais, comerciais, trabalhistas) que têm características semelhantes, mas são adaptadas às peculiaridades desses outros ramos do Direito (2008, p. 527-528).
II – Quanto à sua natureza
		a) Coativas: quando se faz necessário o recurso à força organizada do Estado para sua aplicação, a exemplo da prisão, da apreensão de bens, do despejo, etc.
		b) Não coativas: quando não se faz necessário o uso da força para sua execução, porquanto consistem na perda de um direito, como a nulidade de um ato, a perda de um prazo, a revelia, etc.
8.2.1.2.4.2 Outras classificações
MARIA HELENA DINIZ (2008, p. 377-378), citando GOFFREDO TELLES JR., apresenta uma classificação diversa de MONTORO, no que concerne à natureza das sanções, chamando-as de:
restitutivas: visam à reposição das coisas no estado anterior em que estavam antes da violação da norma;
compensatórias: abrangem indenização ou reparação de dano;
repressivas: constituem as penas em geral do direito criminal ou penal;
advenientes: são as sanções por incúria, abandono, desídia, etc., que consistem na perda de um direito; trata-se da prescrição, revelia, decadência, pena de confesso, preclusão dos prazos, etc.”
preventivas: são constituídas pelas medidas de segurança estabelecidas em lei por motivos de precaução, p. ex.: as medidas de segurança em matéria penal.
Já GUSMÃO expõe uma classificação das sanções semelhante, em parte, à que DINIZ apresenta (2011, p. 85-86).
	
8.2.2 Coação
8.2.2.1 Acepções da palavra coação
De acordo com MIGUEL REALE (2002, p. 69-72) “é preciso entender bem os significados que a palavra ‘coação’ comporta”. Assim, ele esclarece que “coação é um termo técnico, empregado pelos juristas, em duas acepções bastante diferentes”, a saber:
em primeiro lugar, “coação significa apenas a violência física ou psíquica, que pode ser feita contra uma pessoa ou um grupo de pessoas” (cf. art. 151 do atual Código Civil). É patente que a “violência não é uma figura jurídica, mas quando se contrapõe ao Direito, torna anuláveis os atos [ou negócios] jurídicos” (cf. art. 171, II, do CC).
em segundo lugar, coação “não é contraposto do Direito, mas é, ao contrário, o próprio Direito enquanto se arma da força para garantir o seu cumprimento”. Desta forma, acrescenta REALE que “a astúcia do Direito consiste em valer-se do veneno da força para impedir que ela triunfe...”.
8.2.2.2 Entendimento diverso acerca da coação
Segundo DINIZ, teria sido PUFFENDORF quem lançou a ideia de que a norma jurídica é coativa (2008, p. 378 – nota de rodapé). KANT a absorveu, enquanto IHERING e WEBER a defenderam ardorosamente. RUDOLF VON IHERING disse que o Direito sem a coação “é fogo que não queima; uma luz que não ilumina”, ao passo que MAX WEBER afirmou que “o decisivo no conceito de direito é a existência de um quadro coativo” (Apud NADER, 2011, p. 88).
Mas a questão relativa ao entendimento da coação não é pacífica. MARIA HELENA DINIZ, por exemplo, diz:
Os adeptos da teoria do coativismo sustentam que a nota especificadora da norma jurídica reside no uso da força. Com isso a norma jurídica se converteria num fenômeno físico; [...] Ela apareceria como a causa de um efeito. A norma não exerce nenhuma pressão sobre o indivíduo, apenas lhe indica o caminho que deve seguir.
Realmente, como poderia a norma coagir? Como poderia por si mesma tomar um indivíduo pelo braço e forçá-lo a fazer ou a não fazer isto ou aquilo? A norma não age. Logo, não coage, apenas prescreve a conduta daquele que pode exercer coação. Esta, portanto, não é exercida pela norma jurídica, mas por quem é lesado pela violação dela. Se a norma jurídica fosse coativa, a coação seguiria, necessariamente, a sua violação, mas nem sempre isto ocorre. Pode suceder que a norma seja violada sem que haja alguma coação contra o seu infrator. Se o lesado por esta violação não quiser coagir quem o prejudicou, nenhuma coação ter-se-á (2008, p. 378-379).
A citada mestra vai além, em sua explanação, alegando que “a coação pode nunca aparecer, contanto que a norma não seja violada”. Claro está que se o dever jurídico for devidamente satisfeito, cumprido pelo sujeito que está obrigado a observar a norma, não haverá sanção. Assim, não há falar em coação, uma vez que esta é considerada a aplicação forçada da sanção. Alerta, também, que “para que a coação possa ser aplicada, é mister que o violador da norma seja encontrado e identificado”. Sabe-se que muitos infratores conseguem evadir-se: podem não ser encontrados pela polícia, ou não ser identificados etc.
DINIZ sustenta, ainda, que “a coação não é elemento constitutivo da norma jurídica, pois se o fosse, nos casos em que se torna impossível coagir, desapareceria a norma jurídica” Ela diz que “há quem julgue que a norma jurídica exerce contínua coação sobre todos, pelo medo que inspiram as consequências decorrentes de sua violação”. Mas, nesse caso, completa a mestra, “trata-se de uma coação psíquica, ou melhor, da coerção” (2008, p. 380). Adiante, cuidaremos da coerção (item 8.2.4).
Também enfático contra a coação, enquanto elemento essencial do Direito, ARNALDO VASCONCELOS sustenta que “o problema da coação no Direito [apresenta-se] tão maltratado nos compêndios universitários” (1988, p. 14). Mostra que os juristas brasileiros, em “imensa maioria”, afirmam, “com apoio nas teorias positivistas da segunda metade do século passado [refere-se ao século XIX], que o Direito é coativo, sendo precisamente esse o traço que o distinguiria da Moral. A seu favor, contam com a
autoridade de KANT, que cometera o equívoco de levar a coação para dentro do Direito, e com o prestígio de IHERING, que radicalizara a doutrina, fazendo-a circular em frase cheia de força e de sedução estilística, ao comparar o Direito sem coação a fogo que não queima, a chama que não alumia” (1998, p. 14).
Em obra mais recente, VASCONCELOS lembra a contribuição de TOBIAS BARRETO acerca do papel da força na constituição do Direito, em parte já citada alhures nesta apostila e na de IED I:
A linguagem do nosso Tobias Barreto, ao determinar o papel decisivo da força na constituição do Direito, revela a índole do combatente quase solitário, mas destemido, que forceja a todo custo por destruir o velho sistema de Direito das Faculdades brasileiras do final do século XIX, dominado pelo que se chamava ecletismo espiritualista. Estas suas palavras foram proferidas em abril de 1883, num ato solene de colação de grau: ‘Não se crava o ferro no âmago do madeiro com uma só pancada de martelo. É mister bater, bater cem vezes, e cem vezes repetir: o direito não é um filho do céu – é simplesmente um fenômeno histórico, um produto cultural da humanidade. Serpens nisi serpentem comederit, non fit draco (a serpe[nte] que não devora a serpe[nte], não se faz dragão); a força que não vence a força não se faz direito; o direito é a força que matou a própria força [...]’ (2001, p. 20). 
É preciso entender, como o fazem WILSON DE S. C. BATALHA e SÍLVIA MARINA, que “para que a força se transforme em Direito, é mister favoreça e defenda um interesse em harmonia com o interesse da sociedade” (2000, p. 289).
Para ARNALDO VASCONCELOS não se pode negar a existência da coação no mundo jurídico. É preciso, contudo, identificar se “a coação integrará a essência, ou participará da existência do Direito...” (1998, p. 15). Diz VASCONCELOS que a coação não integra a essência do Direito, isto é, não está dentro do Direito, individualizando-o e distinguindo-o, como pregavam KANT, IHERING, KELSEN e outros. Lembra que, “do contrário, todo ato executado sem o uso da força – que é precisamente o que significa coação – não seria ato jurídico”. Assegura que “a coação só de modo excepcional ocorre no Direito” (1998, p.15).
Nesse sentido, há de voltar-se para o pensamento de VICTOR CATHREIN:
Assim como é impossível conceber a coação como elemento da lei jurídica, depreende-se que mesmo a coação há de ser regulada pela lei. A coação acompanhada da lei não pode converter-se em uma arbitrariedade e em violência. Só se pode permitir e suportar a coação numa sociedade ordenada, quando [estiver] dirigida pela lei. Agora, repare: essas leis que têm por objeto a coação e a regulam, compreendem também a coação como elemento essencial? E indaga-se: que lei regula a coação? E assim, ou se fica adstrito a um círculo, ou há de se chegar à conclusão de que uma lei jurídica não encerra a coação como elemento essencial, apenas a autoriza e condiciona (1945, p. 86).
Há muito tempo, dizia THOMASIUS que “o Direito pode eventualmente estar unido à coação, embora dela independa” (Apud BENEVIDES FILHO, 1999, p. 91). 
Por sua vez, ÁLVARO DE MELO FILHO ensina:
Os que asseveram que a coerção é da essência do conceito de Direito, cometem primário e grosseiro erro de natureza filosófica, pois a coerção é potência, é a possibilidade jurídica da coação, configurando-se assim como coação virtual ou latente. E, se a coerção no mundo jurídico é potencialidade, ou seja, se ela pode aparecer ou deixar de aparecer, o que é possibilidade jamais poderá ser filosoficamente considerada como parte essencial do Direito. Assim, facilmente compreende-se que a coerção é um elemento acidental e contingente do Direito, pondo-se por terra opiniões e argumentos expostos por muitos juristas.
Para eliminar a validade das teses coativistas e demonstrar que a coação é um elemento eventual do Direito, basta apontar-se o seguinte silogismo:
	A coação só ocorre quando a norma jurídica é desatendida; ora, o desatendimento ao preceito normativo pressupõe sua existência; logo, a norma jurídica existe anterior e independentemente à coação, que, como tal, não lhe é essencial (1976, p. 108-109).
	RIZZATTO NUNES assevera que “a coação é o último estágio da aplicação da sanção: é a sua aplicação forçada, contra a vontade do agente que descumpriu a norma”. Ele exemplifica:
Assim, por exemplo, o inquilino é despejado “de fato” por ordem do Poder Judiciário; o homicida é preso e vai cumprir pena na penitenciária; o devedor tem seus bens penhorados e vendidos em hasta pública (leilão), para que o produto da venda sirva para pagar sua dívida etc. (2007, p. 205).
8.2.3 Diferença fundamental entre sanção e coação
	PAULO NADER afirma que “as noções de coação e de sanção não se confundem. A primeira (coação) é uma reserva de força a serviço do Direito, enquanto a segunda (sanção) é considerada, geralmente, medida punitiva para a hipótese de violação de normas” (2011, p. 88).
MARIA HELENA DINIZ segue idêntico caminho, afirmando:
Sanção e coação não se confundem. A sanção é uma consequência jurídica prevista pela norma jurídica; a coação é sua aplicação efetiva, segundo processos legais, ou, como diz Cesarini Sforza, ‘é o modo de concretizar-se da sanção’. Exemplificativamente: a multa contratual é sanção, e a cobrança judicial dessa multa é coação (2008, p. 378).
	MONTORO, basicamente, não diz diferente:
A “sanção” não se confunde com a “coação”. Como vimos, sanção é a consequência da não prestação, estabelecida pela ordem jurídica. Coação é a aplicação forçada da sanção. No caso do descumprimento de um contrato, a sanção mais frequente é a multa contratual. Se a parte contrária se recusar a pagá-la, pode ser obrigada a fazê-lo por via judicial, que pode chegar à penhora de seus bens [quando disponíveis para tal, na forma da lei]: é a coação.
Na imensa maioria dos casos, a sanção atua apenas psicologicamente como possibilidade ou ameaça. A coação como execução forçada, só se realiza excepcionalmente. Podemos dizer que a coação é um meio empregado em última instância, quando a lei for desrespeitada (2008, p. 526). 
E RIZZATTO NUNES também diz que: “Quanto à coerção e à coação, destaque-se que elas não se confundem com a sanção” (2007, p. 204). Vê-se, de pronto, que ele separa, inclusive, a coerção da coação. 
8.2.4 Coerção
	Falamos, anteriormente, em coerção. Alguns autores têm-na como sinônimo de coação. Mas o que a coerção vem mesmo a ser? Afirma MARIA HELENA DINIZ que é a coação psíquica. MONTORO, por sua vez, afirma que à “influência psicológica da sanção, que leva as partes a cumprir a obrigação para evitar os aspectos aflitivos da execução forçada muitos autores denominam coerção” (2008, p. 527). E cita MACHADO NETO, que afirma ser a coerção “fenômeno psicossocial decorrente da antecipação, pelo indivíduo, dos efeitos aflitivos da sanção” (2008, p. 527, nota de rodapé nº 31).
	PAULO NADER discorrendo sobre a coercibilidade, como característica da norma jurídica, afiançava, na 23ª edição de sua “Introdução ao Estudo do Direito”, de 2003, concordar “com o argumento global dos que [...] negam à coação a condição de elemento essencial ao Direito”, no que coincidia com o pensamento anteriormente exposto por DINIZ e, também, por VASCONCELOS. NADER, então, arrematava:
	Entendemos, contudo, que essencial ao Direito é a coercibilidade, isto é, a possibilidade de o mecanismo estatal utilizar a força a serviço das instituições jurídicas. A coercibilidade é a coação em estado de potência e não em ato. Não é contingente, pois, como possibilidade, existe sempre, é permanente (2003, p. 86).
Todavia, a partir da 25ª edição, de 2005, NADER retirou o pensamento acima, limitando-se a demonstrar a existência de duas correntes, uma a favor da coação como elemento essencial ao Direito, e outra contrária a essa tese (2011, p. 88-89). 
	Para RIZZATTO NUNES, a “coerção e a coação são, na verdade, elementos intrínsecos da sanção que atuam em momentos diferentes”.
E sobre a coerção, em separado, diz:
A coerção é o efeito psicológico da sanção e que tem função preventiva. Age sobre o destinatário como um aviso: se ele não cumprir a norma jurídica, poderá sofrer os efeitos concretos da sanção.
Note-se que a coerção é uma influência psicológica admoestadora em relação à sanção, mas também em relação à coação.
[...]
A coerção, portanto, é o temor do efeito físico, forçado, da sanção, além da imputação ocasionada pela própria sanção (2007, p. 205). 
OBSERVAÇÃO: 	leitura obrigatória, inclusive para fins de avaliação:
NADER, Paulo. Introdução ao... Capítulo 24 (p. 249-254).
REALE, Miguel. Lições Preliminares... Capítulo VII (p. 69-80).
9 RELAÇÕES JURÍDICAS
9.1 Considerações gerais 
Ao referir-se às relações jurídicas, SÍLVIO VENOSA tece interessantes considerações sobre como as mesmas são estabelecidas:
Aponta-se com insistência que onde houver sociedade há direito (ubi societas ibi ius). A vida em sociedade produz uma série de relações, que, quando banhadas pela juridicidade ou protegidas pela ordem jurídica, transformam-se em relações jurídicas. Desse modo, surgirá ou poderá surgir uma relação jurídica no momento em que duas pessoas se encontram ou mantêm qualquer forma de contato. Em princípio, numa ilha deserta, onde houver uma só pessoa, sem qualquer contato com outrem, tal como no imortalizado romance Robinson Crusoé, não há relação jurídica, a qual se estabelecerá no momento em que uma segunda pessoa se fizer presente. A partir daí, haverá direitos de cada um a serem respeitados, bem como obrigações a serem exigidas: cada um estabelecerá seu território, sua posse sobre determinadas coisas, enfim, ocorrerão relações jurídicas. É certo também que relações de outras naturezas podem ocorrer, sem um cunho jurídico (2006, p. 243). 
MIGUEL REALE lembra que IHERING disse “que a relação jurídica está para a Ciência do Direito como o alfabeto está para a palavra” (2002, p. 213). Mas REALE enfatiza que “o conceito de ‘relação jurídica’ não desempenha, hoje em dia, o mesmo papel que lhe foi conferido, até bem pouco tempo, dado o reconhecimento de outras categorias jurídicas não menos relevantes, não deixa ela de ser um tema básico da Teoria Geral do Direito” (2002, p. 213). 
9.2 Objeto das normas jurídicas como fundamento das relações jurídicas 
Quando se fala em relações jurídicas, fala-se, primeiro, nas normas que as fundamentam, e, por conseguinte, no objeto destas. 
Sabe-se que as normas jurídicas disciplinam as condutas humanas: a) não tanto as condutas individuais; b) quanto as relacionadas com outras pessoas. Com isso se quer dizer que as normas jurídicas regram relações intersubjetivas, como foi aprendido no semestre anterior. 
Assim sendo, as normas jurídicas impõem obrigações aos indivíduos em função dos outros. Isto é, elas se voltam para a alteridade (alter = outro), garantindo direitos a uns e impondo deveres a outros, daí nascendo um vínculo entre os sujeitos (ativo e passivo) envolvidos. Quando há vínculo, há relação social. 
9.3 Relações sociais comuns e relações jurídicas
A relação jurídica é antes de tudo uma relação social. Contudo, não se trata de uma relação social comum. Como diz ORLANDO DE ALMEIDA SECCO, é, na realidade, “uma relação social especial, estabelecendo uma correlatividade entre os direitos e poderes [de alguém] e as obrigações e deveres [de outrem]”. Diz ainda que é especial justamente “porque nasce de um fato jurídico ‘lato sensu’ (‘em sentido amplo’), decorrendo daí estarem plenamente garantidos os seus efeitos em virtude da lei. Se nascesse de um fato qualquer, não-jurídico, os efeitos não teriam nenhuma garantia” (2005, p. 66).
Embora já o saibamos, não será custoso lembrar que algumas relações sociais são comuns, nas quais o Direito não interfere. Essas relações geralmente giram em torno do plano moral, do plano religioso ou do plano do trato social, mas não giram em torno do plano legal. Vale dizer: não criam nenhum vínculo jurídico entre as partes envolvidas. Tomemos como exemplo as relações de amizade, de namoro etc. Acabou a amizade? Acabou o namoro? Nesses casos não há falar em direitos ou deveres de lado a lado. Salvo, no caso do namoro, diante de certas condições modernas, se restar provada a existência de uma vida comum, que configure uma união estável. Afora isso, namoro acabado é cada um para o seu lado. 
Diante do que foi exposto, não teria nenhum sentido alguém propor uma ação judicial para punir a insinceridade do amigo, se tal ocorreu, levando ao rompimento da amizade. Ou a proposição de uma ação para a volta do namoro desfeito. 
Todavia, tomemos agora como exemplo o casamento. Eis um “exemplo típico de relação jurídica desde o momento em que seja celebrado, passando imediatamente a produzir efeitos”, diz SECCO. Assim, o enlace matrimonial gera instantaneamente “direitos e obrigações, exigíveis de uma parte em relação à outra, face à interferência do Direito” (2005, p. 67). Mas há relações jurídicas que podem não produzir efeitos imediatos, servindo de base apenas para futuros direitos e obrigações (HERMES LIMA, 2000, p. 63), como se dá, por exemplo, na relação jurídica de parentesco (pai e filho etc.), pois há direitos patrimoniais dela decorrentes somente a partir de novo fato, como a morte, gerando, assim, o direito à herança. 
Vê-se claramente que a relação jurídica é uma relação social, mas uma relação social especial. Nela o Direito interfere para garantir os efeitos que dela resultam. 
		O citado HERMES LIMA afirma:
	Relações jurídicas são relações da vida social, entre pessoas consideradas sujeitos de direito, e cujos efeitos a lei garante [...]. Assim, a relação de direito compõe-se de dois elementos: primeiro, a matéria dada, ou seja, a relação em si mesma; segundo, a ideia de direito que regula esta relação.
	A relação jurídica nasce de um acontecimento ou de um fato que a lei considerou, em todas ou em algumas de suas consequências, relevante para a proteção do direito: ex facto oritur jus – do fato nasce o direito (2000, p. 62). 
As pessoas vinculadas pela relação jurídica se colocam nos dois polos da relação: o ativo (que é o titular de um direito subjetivo, e que tem o poder de exigibilidade) e o passivo (que tem o dever objetivo de prestar algo, de cumprir com uma determinada obrigação). Além de pessoas humanas, são pessoas em sentido jurídico. De tal forma, a exemplo da norma, como já estudamos, a relação jurídica é heterônoma, bilateral, externa e coercitiva.
		Esclarece HERMES LIMA:
Heterônoma porque se impõe às partes em virtude da lei, ainda que decorra da vontade dos interessados, pois, uma vez constituída, passa a ser obrigatória; bilateral porque de um lado é relação de poder, de outro, relação de dever; é externa porque depende da adequação objetiva da conduta ao fim colimado na relação e não da intenção que inspirou o comportamento; é coercitiva porque produz efeitos mesmo contra a vontade dos interessados (2000, p. 63). 
9.4 Conceito 
VENOSA afirma que SAVIGNY, no século XIX, dentro da chamada escola histórica, conceituou de forma clara “a relação jurídica como ‘um vínculo entre pessoas, em virtude do qual uma delas pode pretender algo a que a outra está obrigada’” (2006, p. 244).
Já RIZZATTO NUNES conceitua a relação jurídica “como o vínculo que une duas ou mais pessoas, cuja relação se estabelece por fato jurídico, cuja amplitude relacional é regulada por normas jurídicas, que operam e permitem uma série de efeitos jurídicos” (2007, p. 153).
Dessa definição podem ser destacados os elementos que serão estudados no item a seguir: a) os sujeitos da relação (ativo e passivo): pessoa física, pessoa jurídica ou os “entes despersonalizados”; b) o vínculo que une os sujeitos: fatos jurídicos; c) e o objeto protegido: direitos reais, pessoais e da personalidade.
9.5 Elementos
Como foi visto no item anterior, na relação jurídica estão presentes quatro elementos básicos,
que são: a) o sujeito ativo; b) o sujeito passivo (estes já citados); c) o vínculo jurídico ou vínculo de atributividade; d) e o objeto.
Se na relação jurídica há dois sujeitos (ativo e passivo), podemos afirmar que uma das condicionantes da relação “é que haja relação intersubjetiva, ou seja, entre pessoas consideradas sujeitos de direito” (SECCO, 2005, p. 68). A relação entre dois sujeitos é, basicamente, uma relação entre duas subjetividades, daí dizer-se intersubjetiva. 
Pode-se dizer que a outra condicionante “é que essa relação intersubjetiva resulte de um fato jurídico ‘lato sensu’ (‘em sentido amplo’), isto é, de uma hipótese ou suposto jurídico, estabelecendo um vínculo entre as partes de tal maneira eficaz que imponha direitos e deveres recíprocos” (SECCO, 2005, p. 68). É o denominado vínculo jurídico ou vínculo de atributividade, como foi estudado em IED I. 
9.5.1 Sujeito ativo
O primeiro elemento da relação jurídica é o sujeito ativo que é o titular de um direito subjetivo. Ex: o proprietário de um determinado bem, como uma casa, por exemplo. Ou, ainda, o credor diante do devedor; o menor alimentando diante do prestador dos alimentos, o Estado diante do contribuinte que deve pagar tributos etc.
É preciso lembrar que o Direito Subjetivo é tutelado pelo Direito Objetivo. O direito à propriedade que se acha garantido pelo art. 5°, XXII, da Constituição Federal é Direito Objetivo, posto que direcionado a todos que se acham na mesma situação jurídica, ou seja, a todos que possuam ou venham a possuir bens. Já o direito de alguém à sua propriedade é direito individual, personalizado, logo, subjetivo. Este (o subjetivo) é deduzido daquele (o objetivo).
É o elemento primordial de uma relação jurídica, visto que é o titular do direito, o detentor do poder de exigir do outro sujeito (passivo) o cumprimento de uma obrigação. 
9.5.2 Sujeito passivo
	
Como é sabido, aquele que deve respeitar o direito subjetivo é o sujeito passivo que se constitui no segundo elemento da relação. Ele é responsável pelo dever jurídico. Ou seja, ele integra a relação jurídica, tendo a obrigação de praticar uma conduta ou prestação em favor do sujeito ativo. Em outras palavras, ele deve dar, ou fazer, ou deixar de fazer algo etc.
Importante a lição de PAULO NADER, embora, em tese, já sabida por todos:
	Sujeito ativo e sujeito passivo apresentam-se sempre em conjunto nas relações jurídicas. Um não pode existir sem o outro, do mesmo modo que não existe direito onde não há dever (2011, p. 300).
9.5.3 Vínculo jurídico 
Para que se configure a relação jurídica, não bastam os ‘sujeitos’ (ativo e passivo) e o ‘objeto’. Mas é preciso que haja um vínculo de atributividade. Faremos algumas considerações complementares ao que foi visto no semestre anterior, no capítulo pertinente ao Direito Subjetivo. 
Este elemento é que atribui o poder de exigibilidade ou o direito subjetivo do sujeito ativo diante do sujeito passivo. O vínculo decorre da lei ou do contrato. Mas o contrato, para ter validade, deve ser celebrado na conformidade da lei, obviamente. Sem o vínculo, não se poderia exigir o cumprimento da obrigação, de tal forma que “a relação cairia fatalmente no plano comum, exatamente aquele cujos efeitos não são legalmente amparados” pelo Direito. O vínculo jurídico garante a pretensão do titular do direito, mesmo que o devedor não queira cumprir o seu dever (SECCO, 2005, p. 70). 
9.5.4 Objeto
 
O quarto (há quem diga terceiro) elemento é o ‘objeto’. O mesmo já foi estudado no semestre anterior, pois o objeto do Direito Subjetivo é o mesmo que se estuda como sendo o da relação jurídica. Mas serão traçadas, aqui, outras considerações.
Para MACHADO PAUPÉRIO o objeto da “relação jurídica é tudo aquilo sobre que incide diretamente o poder do homem”. Portanto, o “objeto do direito, em última análise, assim, há de ser sempre um bem, no sentido genérico do termo” (1999, p. 169).
O objeto é a figura central em torno da qual se constitui a relação jurídica. Se alguém é titular de um direito e outrem é o responsável pelo dever, supõe-se “a existência de algo concreto em torno do que venha a se constituir o relacionamento desses sujeitos”. O objeto é, por assim dizer, “o meio pelo qual se procura atingir um determinado fim” (SECCO, 2005, p. 71). 
O autor citado explana e exemplifica:
O vínculo jurídico está sempre alicerçado em algo, a que se denomina objeto. É em torno desse objeto que se estabelece o direito de um sujeito e a obrigação do outro, bem como todos os demais direitos e obrigações secundárias.
Na compra e venda de imóvel, ou na locação, o objeto é o próprio imóvel vendido, ou locado. No contrato de mútuo citado, o objeto é o dinheiro correspondente ao empréstimo feito. Na doação, o objeto é a coisa doada e que passa a enriquecer o patrimônio de quem a recebe graciosamente (2005, p. 71).
O ser humano pode vir a ser objeto de uma relação jurídica, em determinados casos? Dividem-se os doutrinadores a esse respeito. 
RECASÉNS SICHES, LEGAZ Y LACAMBRA, este seguido por FLÓSCOLO DA NÓBREGA, opinam que não é possível. Diz o último:
Ao contrário do que muitos supõem, não pode a pessoa ser objeto de relação jurídica, não sendo concebível um direito sobre a própria pessoa, ou sobre pessoa estranha (Apud SECCO, 2005, p. 71). 
	
Para quem pensa assim, a pessoa humana somente fora objeto da relação jurídica nos tempos da escravidão, pois o escravo era, juridicamente, uma coisa, equiparado aos semoventes (animais). Entre nós, eram tidos como peças.
	Já MACHADO PAUPÉRIO, em oposição ao pensamento anterior, preleciona:
Tais poderes jurídicos, entretanto, podem não só recair sobre a própria pessoa e sobre outras pessoas, como também sobre coisas.
Os primeiros decorrem dos chamados direitos da personalidade humana; os segundo, dos deveres impostos a determinadas pessoas, obrigadas a certas prestações; os terceiros, finalmente, dos bens sobre os quais recaem os chamados direitos reais (1999, p. 170).
REALE é também de opinião que a pessoa pode ser objeto de uma relação jurídica, como se dá nos direitos pessoais:
Tudo está em considerar a palavra ‘objeto’ apenas no seu sentido lógico, ou seja, como a razão em virtude da qual o vínculo se estabelece. Assim, a lei civil atribui ao pai uma soma de poderes e deveres quanto à pessoa do filho menor, que é a razão do instituto do pátrio poder (2002, p. 220).
SECCO filia-se à segunda corrente exposta, que, deveras, merece ser seguida. Ele acentua:
Concordamos com estes últimos autores. Assim, possível será também ser objeto, no sentido meramente jurídico da palavra, uma pessoa física. Tal acontece, por exemplo, na adoção em que o objeto é o próprio indivíduo a ser adotado; na interdição em que o objeto é a própria pessoa a ser interditada; na emancipação em que o objeto é o menor a ser emancipado etc. (2005, p. 72).
9.6 Direitos e obrigações principais e secundários
É necessário observar que os direitos geram deveres recíprocos, e vice-versa. Logo, alerta SECCO, “o próprio devedor da obrigação principal (sujeito passivo) possuirá outras obrigações e até mesmo alguns direitos, embora sejam secundários; da mesma forma, o credor dessa obrigação (sujeito ativo) terá outros direitos e também alguns deveres igualmente secundários” (2005, p. 68).
		É interessante o exemplo que o próprio SECCO apresenta:
Quando, por exemplo, um imóvel é alugado, o locador (sujeito ativo) tem o direito de receber pontualmente o aluguel mensal, que é a obrigação principal dessa relação jurídica a ser cumprida pelo locatário (sujeito passivo). Entretanto, esse locatário, apesar de ter tal obrigação, tem o direito de somente pagar o aluguel na data de seu vencimento, ficando qualquer antecipação de pagamento a seu exclusivo critério; tem o direito de permanecer no imóvel sem ser molestado, enquanto persistir o prazo da locação, desde que esteja cumprindo com os seus deveres etc. Mas, apesar de possuir tais direitos secundários, tem ainda
o locatário obrigações também secundárias, tais como: manter o imóvel em perfeito estado de conservação; não usá-lo para outro fim que não seja o previsto contratualmente; não sublocar etc.
Já o locador, obrigado a respeitar o prazo contratual, desde que o locatário esteja cumprindo com os seus deveres; obrigado a somente cobrar o aluguel na data do vencimento; obrigado a passar um recibo discriminativo, correspondente aos valores que lhe sejam pagos etc.; apesar de tudo isso, tem também direitos secundários, tais como: o de exigir que, findo o prazo contratual, o imóvel lhe seja restituído e em perfeito estado de conservação; o de exigir que somente sejam feitas obras no imóvel locado com a sua autorização expressa e por escrito; proibir cessão ou transferência do contrato sem que haja a sua interveniência etc. (2005, p. 68-69).
A relação jurídica como já estudamos em IED I, é intersubjetiva, ou seja, une duas ou mais pessoas, que são sujeitos de direito. É preciso destacar que no polo ativo ou no polo passivo pode estar apenas uma pessoa (de cada lado) ou podem estar duas ou mais pessoas (de um lado ou de ambos os lados). Exemplo: duas pessoas são coproprietárias de uma casa e a alugam a uma terceira pessoa: ambas são locadoras, e estão situadas, pois, no polo ativo da relação jurídica contratual. Ou pode ser o caso de duas pessoas tomarem, conjuntamente, um empréstimo (marido e mulher celebram um contrato de mútuo para o financiamento da casa própria, juntando suas respectivas rendas). Temos, aqui, dois sujeitos como devedores solidários (mutuários). Ou seja, pode-se ter então sujeito passivo, bi ou pluripessoal. 
Afirma REALE que “o que não se pode admitir é que a relação jurídica se estabeleça entre uma pessoa e uma coisa: só pessoas podem ser sujeitos de uma relação jurídica, e sem duas ou mais pessoas ela não se constitui”. E acrescenta: “É o que afirma, com acerto, a chamada ‘teoria dos dois sujeitos’, que melhor se denominaria ‘teoria intersubjetiva da relação jurídica’” (2002, p. 220). 
Conclui-se que realmente não há relação entre sujeito e coisa. A relação é sempre entre sujeitos, entre pessoas. Os sujeitos que integram a relação jurídica podem ser pessoas físicas ou jurídicas. 
	
9.7 Fontes
São fontes de uma relação jurídica tudo aquilo que lhe dá origem. É o que dá causa à própria relação jurídica. 
Quando estudamos a estrutura da norma jurídica de conduta, em IED I, vimos que a fórmula do chamado imperativo hipotético (lembre-se de KELSEN: Se F é...) se compõe de duas partes: a primeira é a hipótese, preceito, suposto ou fato.
Na hipótese, preceito, suposto ou fato jurídico está a fonte das relações jurídicas. Como diz SECCO, o “fato jurídico é um acontecimento que, dependente ou não da nossa vontade, dá origem a uma relação jurídica”. Assim, diz ele, os “fatos jurídicos, produzindo efeitos jurídicos, ensejam relações intersubjetivas às quais denominamos relações jurídicas” (2005, p. 73). 
Em resumo, o fato jurídico, em sentido amplo, é a fonte das relações jurídicas.
9.8 Espécies
Há, segundo a doutrina, muitas espécies de relações jurídicas, a depender do autor. Alguns as englobam em apenas duas espécies, como é o caso de FERRARA.
9.8.1 Classificação englobante de Ferrara
9.8.1.1 Relativas
Relativas são as relações jurídicas que se referem e vinculam aos seus efeitos as pessoas diretamente envolvidas. Só estas. São também denominadas relações pessoais. Como exemplos, podemos citar as relações familiares, em que os direitos e os deveres estão limitados, tão somente, às pessoas dos entes familiares (marido e mulher, pais e filhos etc.); as relações contratuais, em que os direitos e as obrigações estão limitados às partes contratantes, às que garantem o contrato, ou às que nele intervém por algum motivo (SECCO, 2005, p. 74). 
9.8.1.2 Absolutas
Absolutas são as relações jurídicas que vinculam aos seus efeitos todas as pessoas, indistintamente, e não apenas as pessoas diretamente envolvidas. Todos são atingidos pelos efeitos desse tipo de relação jurídica. Esse alcance sobre todos é a característica basilar da relação jurídica absoluta. Daí se dizer que as relações jurídicas absolutas operam erga omnes (para todos). 
São exemplos desse tipo de relação jurídica as relações que dizem respeito aos direitos personalíssimos e aos direitos reais. No primeiro caso temos como exemplo a liberdade de ir e vir (locomoção), os direitos que versam sobre a honra, a vida, o nome, a integridade física, etc. No segundo, o direito de propriedade, as servidões, o usufruto, o uso, o penhor, a habitação, a hipotética etc.
O direito de alguém à propriedade da sua casa ou o seu direito de locomover-se, por exemplo, deve ser respeitado por todos (relação jurídica absoluta). Já o direito de outrem com relação a quem emprestou algum objeto só opera contra o devedor (relação jurídica relativa). 
9.8.2 Classificação quanto ao objeto
Lembra RIZZATTO NUNES que a “divisão do objeto em imediato (ações e abstenção) e mediato (coisas e pessoas) permite outra classificação, fundada exatamente nas pessoas, nas coisas e nas ações. São os chamados direitos obrigacionais, direitos reais e direitos da personalidade” (2007, p. 163). 
9.8.2.1 Pessoais (ou da personalidade)
	São as relações jurídicas ligadas diretamente à personalidade jurídica do sujeito. 
No que tange à pessoa física, “tais direitos dizem respeito aos seus múltiplos aspectos físicos e psíquicos, tais como o direito à vida, à integridade física, à honra, à segurança, ao casamento, à constituição de família, às liberdades etc.” (NUNES, 2007, p. 163).
No referente às pessoas em geral (física, jurídica e “entes despersonalizados”), “são os relativos aos demais aspectos, tais como o direito ao nome, à imagem, à associação, à reputação etc.” (NUNES, 2007, p. 163). 
9.8.2.2 Obrigacionais
São as relações jurídicas que envolvem direitos pessoais (não confundir com os direitos da personalidade, vistos anteriormente) ou direitos de crédito. Referem-se a direitos que o titular (sujeito ativo) tem em relação às prestações de outra pessoa, que são obrigações de fazer, de dar e de não fazer.
9.8.2.3 Reais
Referem-se aos direitos que o sujeito tem sobre as coisas. Ex: direito de propriedade. Esse direito pode ser sobre:
I – coisa corpórea ou material: 
a) imóvel (casa, terreno) 
b) móvel (carro, eletrodoméstico etc.);
II – coisa incorpórea ou imaterial (direito autoral, da propriedade intelectual, relativos à criação da obra literária, artística e científica; ou a propriedade industrial, relativa a inventos, modelos industriais, marcas e patentes etc.).
9.8.3 Relações de Direito Público e de Direito Privado
MIGUEL REALE alude às relações jurídicas regradas ora pelo Direito Público, ora pelo Direito Privado (2002, p. 223-224).
9.8.3.1 De Direito Público 
São aquelas em que predomina o interesse imediato pelo bem social. Caracterizam-se por enlaces de subordinação ou sujeição do cidadão ao querer do estado, que se apresenta na relação jurídica com o seu poder de império. Ex: o estado convoca um plebiscito, na forma do que dispõe a CF, ou o estado contrata a empresa vencedora de uma licitação (contrato administrativo).
9.8.3.2 De Direito Privado
São as que se voltam mais para o interesse particular. Distinguem-se por enlaces de coordenação das vontades num plano de paridade (igualdade). Ex: o contrato celebrado entre dois particulares para uma prestação de serviços.
9.9 Efeitos	
A característica fundamental das relações jurídicas está nos efeitos que produzem, ao vincular sempre dois sujeitos: o ativo e o passivo. Esses efeitos podem ser imediatos e diferidos.
A força do Direito reside na garantia que o mesmo dá condizente aos efeitos ditos vinculativos. Assim é que o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal assevera:
A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Então, se alguém for titular de um determinado direito,
há de contar com a tutela judicial para que este possa se concretizar de maneira efetiva caso o sujeito passivo não cumpra espontaneamente com a sua obrigação. 
9.9.1 Imediatos
Tem-se, como regra, que os efeitos de uma relação jurídica são imediatos. Logo, na ocorrência do fato jurídico, estará constituída a relação jurídica que vai operar automaticamente os seus efeitos. Se, por exemplo, alguém contrai casamento, de imediato passam a existir diversos direitos e deveres face à pessoa do outro cônjuge. 
9.9.2 Diferidos
Há casos em que os efeitos são retardativos. São efeitos mediatos, adiados ou diferidos. Nesses casos a relação jurídica é apenas a base para direitos e obrigações futuros. Exemplo: os descendentes são os primeiros contemplados na escala da sucessão legítima, conforme dispõe o art. 1.829 do Código Civil vigente. O parentesco, então, é uma condição fundamental e prévia para que, no futuro, ao morrer alguém (ascendente), possa o descendente ser chamado à sucessão, habilitando-se para receber a respectiva herança a que faz jus. 
Deve restar claro estar que a habilitação acima mencionada só ocorrerá após o falecimento do parente, oportunidade em que é aberta a sucessão em favor dos herdeiros. Vê-se que os efeitos sucessórios que decorrem da relação jurídica do parentesco são, portanto, diferidos (não imediatos). Ou seja, não é porque alguém é filho que tem direito aos bens dos pais, pura e simplesmente, enquanto estes viverem. 
9.9.3 Outra classificação dos efeitos da relação jurídica
Os efeitos da relação jurídica ainda podem ser classificados em múltiplos e exclusivos.
9.9.3.1 Múltiplos
São os efeitos em que a relação jurídica enseja em direito e uma obrigação principal, mas paralelamente, origina outros direitos e obrigações secundários, como é o caso do exemplo anteriormente dado sobre a locação.
9.9.3.2 Exclusivos
São os efeitos de cuja relação jurídica decorre apenas um direito e uma obrigação. Raramente poderemos encontrar efeitos desse tipo. HERMES LIMA dá-nos este exemplo:
Só excepcionalmente da relação ocorre um único direito e uma obrigação, 	como no empréstimo sem juros em que só há obrigação de restituir (2000, p. 63). 
9.10 Os sujeitos da relação jurídica
Já sabemos quais são os elementos ou sujeitos da relação jurídica: o sujeito ativo e o sujeito passivo. Ambos podem ser desmembrados, como se sabe, em pessoas físicas, pessoas jurídicas e os chamados “entes despersonalizados”. 
9.10.1 A pessoa física
9.10.1.1 Etimologia da palavra pessoa
A “palavra pessoa, que hoje identifica o portador de direitos e obrigações, provém do vocábulo latino persona e tem a sua origem na Antiguidade Clássica. Era empregada, conforme AULO GELIO esclarece, para designar a máscara, larva histotionalis, que os autores usavam em suas apresentações nos palcos, com o fim de tornar a sua voz mais vibrante e sonora” (NADER, 2011, p. 289). Seria, por assim dizer, um protótipo do microfone, guardadas as devidas proporções. 
Persona vem, assim, de per sonare (para soar). Acrescenta o citado autor que em “sua evolução semântica, persona passou a denominar o próprio ator, o personagem, para depois estender o seu significado e indicar, genericamente, o homem” (2011, p. 289).
Alguns autores, como GARCIA MÁYNEZ, entendem que a distinção entre pessoa natural (individual, física) e pessoa jurídica (coletiva) não é precisa, pois ambas são pessoas jurídicas, ou seja, capazes de direitos e deveres, como assevera o Código Civil. Logo o citado jurista prefere nomeá-las por pessoa jurídica individual e pessoa jurídica coletiva. E o baiano TEIXEIRA DE FREITAS denominava-as pessoas de existência visível e de existência ideal, como, aliás, foi aproveitado no Código Civil da Argentina.
9.10.1.2 Conceito de pessoa física
Pessoa física ou pessoa natural é o ser humano que se afigura como sujeito de direitos e obrigações.
De acordo com RIZZATTO NUNES, a “pessoa física tem personalidade jurídica, que não se confunde com a personalidade natural. Esta é individual, composta pelo complexo psíquico e físico da pessoa natural. Aquela é a aptidão que todos têm para adquirir direitos e contrair obrigações” (2007, p. 154). 
Assim sendo, a personalidade natural varia de indivíduo para indivíduo, sendo pessoal e individualizada. Logo, tantas serão as personalidades naturais quantos forem os seres humanos existentes.
Mas a personalidade jurídica é igual para todos os seres humanos. Ou seja: todos a têm na mesma medida e na forma da lei. 
A pessoa física tem, igualmente, capacidade jurídica. Esta não se confunde com a personalidade jurídica nem com a capacidade natural.
9.11 Personalidade Jurídica
9.11.1 Distinções acerca da palavra pessoa
A finalidade do Direito é o ser humano. E as “relações que [o Direito] define envolvem apenas os interesses e os valores necessários ao ente dotado de razão e vontade”. Juridicamente, pessoa é o ser, individual (pessoas física) ou coletivo (pessoa jurídica). Além do sentido jurídico, “a palavra pessoa apresenta outras conotações”, diz PAULO NADER (2011, p. 287). Biologicamente, significa homem e na linguagem filosófica o ser inteligente que tem fins a alcançar. Religiosamente, pessoa é o ser dotado de alma.
9.11.2 Conceito
Diz NADER que “personalidade jurídica, atributo essencial ao ser humano, é a aptidão para possuir direitos e deveres, que a ordem jurídica reconhece a todas as pessoas” (2007, p. 288). No Direito pátrio, tal reconhecimento é feito pelo Código Civil: 
		Art. 1° Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
Nos tempos modernos o ser humano (pessoa natural) e o ser coletivo (pessoa jurídica) possuem personalidade jurídica. Mas nem sempre foi assim. Na época da escravidão, por exemplo, os escravos não tinham personalidade jurídica. Uma vez libertos, adquiriam-na. Por outro lado, em Roma, como se sabe, o imperador CALÍGULA chegou ao absurdo de nomear o seu cavalo para o cargo de cônsul, com presença garantida no Senado (os cônsules eram, também, senadores, mais ou menos como sucede no sistema parlamentarista, em que o primeiro-ministro é membro do Parlamento). Ora, o cônsul tinha personalidade jurídica. Mas, Incitatus, o cavalo de CALÍGULA, também a tinha? Decerto que não.
9.11.3 Início e fim da personalidade
9.11.3.1 Início
Sobre o início da personalidade humana há duas correntes doutrinárias: uma fixa-a a partir do nascimento com vida, enquanto a outra tem-na a partir da concepção. 
O legislador brasileiro optou pela primeira compreensão, mas dispôs, quanto à proteção dos interesses do nascituro (que teria, para alguns, personalidade jurídica formal), no art. 2° do Código Civil:
A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. 
O nosso Direito considera a respiração como indicativo de vida. Para atender a esse preceito (diga-se, de passagem, que o Código Civil anterior, de 1916, tinha a mesma concepção), o art. 53, § 2°, da Lei n° 6.015/73 – Lei dos Registros Públicos – define:
No caso de a criança morrer na ocasião do parto, entretanto, respirando, serão feitos os dois assentos, o de nascimento e o de óbito, com os elementos cabíveis e com remissões recíprocas. 
Na ocorrência de um processo judicial em que se manifeste o interesse do nascituro, é designado um curador ao ventre, durante o seu período de vida intra-uterina.
9.11.3.2 Fim
Acaba a personalidade jurídica da pessoa natural, na forma do que dispõe o art. 6° do Código Civil, com a morte real ou presumida e com a declaração de ausência pelo juiz. 
VICENTE RÁO esclarece que o não presente não se confunde com o ausente, embora a linguagem comum não faça tal distinção. E diz:
O direito, porém, os distingue substancialmente e, em linguagem jurídica, diz-se não presente aquele que se não encontra em seu domicílio, mas sobre a existência do qual nenhuma incerteza existe; e ausente se diz quem desaparece
de seu domicílio sem deixar nem enviar notícias durante longo tempo, em circunstâncias tais que sua existência, ou sua inexistência, não possam ser provadas de modo positivo (2004, p. 752).
9.11.3.3 Comoriência 
Quando ocorre a hipótese em que duas ou mais pessoas são encontradas mortas e for relevante apurar-se a ordem dos óbitos, o Direito brasileiro considera-os simultâneos, caso não se consiga provar o contrário. Tem-se, assim, a comoriência. Em casos que tais, o sistema jurídico pátrio estabeleceu a presunção relativa (juris tantum), que admite prova em contrário (art. 8°, CC).
9.11.3.4 Ausência 
No que concerne à ausência, esta fica caracterizada, sob o ponto de vista jurídico, “quando o juiz a declara, após ficar comprovado, em processo especial, que uma pessoa desapareceu de seu domicílio e dela não se tem notícia, decorrido determinado lapso de tempo” (NADER, 2011, p. 290).
9.11.3.5 Morte presumida sem declaração de ausência
Mas a morte presumida pode ser declarada, sem decretação de ausência, nos termos do disposto no art. 7° do Código Civil, quando o óbito se mostra provável em face das circunstâncias, nas seguintes hipóteses:
a) se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
b) se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.
A declaração acima referida pressupõe, necessariamente, que as buscas e averiguações tenham sido completas. Pode-se lembrar do saudoso Deputado ULISSES GUIMARÃES, que pereceu num desastre de helicóptero, em pleno mar, e cujo corpo jamais seria encontrado, ou dos trabalhadores que sucumbiram na plataforma da PETROBRÁS, na bacia de Campos, no Rio de Janeiro, dentre os quais alguns sergipanos, há anos atrás. 
9.11.4 Registro
Considerando a organização social, os principais acontecimentos da vida da pessoa devem ser inscritos em registro público, de acordo com as hipóteses elencadas no art. 9° do CC, para fins de fornecer aos interessados as informações necessárias por meio do fornecimento de certidões expedidas pelos cartórios. Devem ser inscritos:
I – os nascimentos, casamentos e óbitos;
II – a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz;
III – a interdição por incapacidade absoluta ou relativa;
IV – a sentença declaratória da ausência e de morte presumida.
9.11.5 Nome
Quando se inscreve, no registro civil, o nascimento da pessoa natural, é preciso que se lhe atribua um nome, para fins de sua identificação. A doutrina, por maioria, entende que o nome é um direito de personalidade, inalienável e irrenunciável.
O nome civil é formado por dois componentes: o prenome e o cognome ou nome patronímico. O primeiro é individual e é escolhido livremente pelos pais, ao passo que o segundo corresponde ao próprio cognome dos pais, vinculando a pessoa à família. 
9.11.6 Domicílio civil
Para variados fins de Direito, é imprescindível que a pessoa natural tenha um domicílio, o qual corresponde ao lugar onde reside com ânimo definitivo. Se a pessoa possui mais de uma residência, pelo que diz o art. 71 do CC, “considerar-se-á domicílio seu qualquer delas”. Mas se a pessoa não possuir residência certa, ter-se-á por seu domicílio o lugar em que for encontrada. Nas relações profissionais, considera-se domicílio da pessoa natural o local onde a profissão é exercida.
9.12 Capacidade jurídica
	
Como vimos anteriormente, personalidade é “a aptidão fundamental para ser sujeito de direitos e obrigações”. É preciso distinguir personalidade de capacidade. Capacidade “é a maior ou menor extensão dos direitos da pessoa” (MONTORO, 2008, p. 553). Juridicamente, todas as pessoas são igualmente dotadas de personalidade. Contudo nem todas têm a mesma capacidade jurídica. 
Alguns autores distinguem a capacidade em capacidade de direito e capacidade de fato. Outros têm a capacidade de direito como sendo a própria personalidade, referindo-se apenas à capacidade de fato.
9.12.1 Capacidade de fato e de direito
É a que é exercida pessoalmente pelo titular do direito subjetivo (sujeito ativo) ou pelo responsável pelo dever jurídico (sujeito passivo). Ex: a capacidade plena de alguém com mais de 18 anos de idade para comprar um bem imóvel, assumindo a dívida em prestações, ou para vendê-lo, a posteriori. 
Em resumo, o sujeito tem o direito de exercer a capacidade e, de fato, a exerce por si mesmo. Assim, capacidade de fato “consiste na aptidão reconhecida à pessoa natural para exercitar os seus direitos e deveres” (NADER, 2011, p. 291). 
Enquanto a personalidade jurídica refere-se a todas as pessoas indistintamente e se refere à fruição de direitos e à aquisição de deveres, a capacidade de fato se refere a diversos requisitos legais e diz respeito à possibilidade de a pessoa praticar os atos da vida civil. 
9.12.2 Capacidade apenas de direito
É aquela em que o titular não pode responder pessoalmente, precisando ser representado (se absolutamente incapaz) ou assistido (se relativamente incapaz) por um terceiro. Ex: o menor de 13 anos (absolutamente incapaz) pode ser proprietário de um imóvel, mas quem irá administrá-lo de fato, dar quitação dos valores pagos a título de aluguéis, por exemplo, serão os seus representantes legais (pais, tutores). Estes, conforme o caso, o substituirão, no exercício do direito, podendo tomar as providências jurídicas necessárias em seu nome. 
Mas se for um menor de 17 anos (relativamente incapaz) que tiver que passar uma procuração, deverá ser assistido pelo seu responsável legal, ou seja, deverá assiná-la com este. O responsável legal não substitui o menor, nesse caso, apenas o assiste no ato. 
A capacidade jurídica apresenta características próprias, ligadas aos diversos setores da vida jurídica. Pode-se falar, então, em capacidade civil, penal, política, laboral etc. 
9.12.3 Capacidade civil plena
A capacidade civil plena é adquirida aos 18 anos de idade, conforme art. 5°, do Código Civil, que diz:
A menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Mas a incapacidade cessará também, para os menores de 18 anos, nos casos previstos no parágrafo único do citado art. 5°: 
I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 16 (dezesseis) anos completos; 
II – pelo casamento; 
III – pelo exercício de emprego público efetivo; 
IV – pela colação de grau em curso de ensino superior; 
V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 (dezesseis) anos completos tenha economia própria.
Incapacidade civil relativa
Os relativamente incapazes podem praticar atos da vida civil, desde que assistidos pelos responsáveis, como também foi visto. Na forma do art. 4° do Código Civil, são eles:
I – os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos;
II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV – os pródigos.
A incapacidade dos maiores de 16 anos e menores de 18 anos cessa com o fato jurídico da emancipação, definida no art. 5°, parágrafo único, inciso I, do Código citado, como, aliás, já foi visto.
A incapacidade dos pródigos (pessoas que esbanjam seus bens, por indução de uma anomalia psíquica, perdendo a noção dos valores econômicos) fica restrita às atividades econômicas e é suprida pela nomeação de um curador. 
A capacidade dos índios, consoante dispõe o parágrafo único do art. 4°, do CC, será regulada por legislação especial. Eles “se acham sob regime tutelar da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), salvo os já integrados à comunidade nacional, que se subordinam ao Direito Comum” (NADER, 2011, p. 292).
9.12.5
Incapacidade civil absoluta
Os absolutamente incapazes não podem praticar quaisquer atos da vida civil, devendo ser representados pelos responsáveis, como foi visto. São eles (art. 3° do Código Civil):
I – os menores de 16 (dezesseis) anos;
II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
9.12.6 Capacidade política	
 	Há, também, a capacidade política, na forma do que dispõe a Constituição Federal. Assim:
I – o voto é obrigatório para os maiores de 18 anos (art. 14, § 1°, I);
II – o voto é facultativo para os maiores de 16 e menores de 18 anos, para os analfabetos e os maiores de 70 anos (art. 14, § 1°, II);
	
III – para ser votado o cidadão deve ter a seguinte idade mínima (art. 14, VI, “a” a “d”):
		a) 35 anos Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; 
		b) 30 anos para Governador e Vice-Governador;
c) 21 anos Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;
		d) 18 anos para Vereador.
9.12.7 Capacidade laboral
Alude-se também à capacidade para o trabalho, consoante disposições do art. 7°, inciso XXXIII, CF, e da CLT. São distinguidas três espécies:
I – Incapacidade radical 
A dos menores de 16 anos, que não podem trabalhar, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos de idade. 
II – Incapacidade parcial
Refere-se aos maiores de 16 anos e menores de 18 anos de idade, que não podem exercer certos trabalhos, como os insalubres, perigosos e noturnos.
III – Capacidade plena
		Esta é reservada aos maiores de 18 anos de idade. 
9.12.8 Responsabilidade penal
Alguns se referem à capacidade penal, enquanto outros aludem à responsabilidade penal. Esta ocorre a partir dos 18 anos de idade, mas, como estabelece o art. 27 do Código Penal, “os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. 
9.13 Pessoa jurídica
9.13.1 Conceito
A pessoa jurídica, como enfatiza REALE, “não é algo de físico e de tangível como é o homem, pessoa natural” (2002, p. 233). Para MONTORO, pessoa jurídica é toda a entidade ou instituição “a que a ordem jurídica atribui capacidade para ser titular de direitos e obrigações” (2008, p. 563).
RIZZATTO NUNES segue o tom de MONTORO ao dizer que pessoa jurídica “é a entidade ou instituição que, por força das normas jurídicas criadas, tem personalidade e capacidade jurídicas para adquirir direitos e contrair obrigações” (2007, p. 156). 
Ela nasce de instrumento formal e escrito que a constitui, ou diretamente da lei que a institui. No primeiro caso, temos as pessoas jurídicas de Direito Privado; no segundo as pessoas jurídicas de Direito Público, como se verá a seguir.
9.13.2 Classificação das pessoas jurídicas
	
Considerando o Direito brasileiro, as pessoas jurídicas podem ser de Direito Público e de Direito Privado, como está dito acima. 
9.13.2.1 De Direito Público 
As pessoas jurídicas de Direito Público dividem-se em pessoas jurídicas de Direito Público externo (representadas pelos Estados soberanos e organismos internacionais, como a ONU, a OEA etc.) e pessoas jurídicas de Direito Público interno, que, segundo dispõe o art. 41 do CC, são:
- a União;
- os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
- os Municípios;
 	 - as autarquias, inclusive as associações públicas;
 	 - as demais entidades de caráter público criadas por lei.
9.13.2.2 De Direito Privado
	
De acordo com o art. 44 do CC há cinco tipos de pessoas jurídicas de Direito Privado:
- as associações;
 		 - as sociedades;
- as fundações;
- as organizações religiosas;
- os partidos políticos. 
É preciso salientar que o Poder Público pode instituir fundações com regime jurídico de Direito Público ou Privado. Mas as fundações particulares são eminentemente de Direito Privado. 
9.13.3 Os “entes despersonalizados”
Ao lado das pessoas físicas e jurídicas, como sujeitos de direitos e obrigações, encontram-se os chamados “entes despersonalizados”. 
São aqueles que, “embora possam ser capazes de adquirir direitos e de contrair obrigações, não preenchem as condições legais e formais para serem enquadrados como pessoas jurídicas, por falta de algum requisito ou pela sua situação jurídica sui generis” (NUNES, 2007, p. 159).
	São exemplos de “entes despersonalizados”: a pessoa jurídica “de fato” (ou sociedade não personificada), a massa falida, o espólio, a herança jacente, a herança vacante.
9.13.3.1 Pessoa jurídica de fato
É figura muito conhecida no mercado. Trata-se de pequenos comerciantes, que compram e vendem produtos, sem ter uma sociedade regularmente constituída. São os ambulantes, os camelôs e qualquer pessoa que exerça algum tipo de atividade industrial, comercial, de prestação de serviços, etc. e que tenha constituído de forma adequada e legal seu negócio.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90) basicamente reconheceu esse tipo de “ente despersonalizado”, na figura do “fornecedor”, conforme definição do art. 3º.
9.13.3.2 Massa falida
A massa falida surge a partir da declaração judicial da insolvência (falência) de alguma sociedade. Ela se constitui do patrimônio (bens, direitos e obrigações) arrolado pelo juízo falimentar. Esse patrimônio é administrado por um síndico, nomeado pelo juiz, e que é o síndico da massa falida. Cabe-lhe cuidar do processo de falência e responder em nome da massa falida. Esta é sujeito de direitos e obrigações.
9.13.3.3 Espólio
É composto do patrimônio originário do arrolamento dos bens, direitos e obrigações de pessoa falecida. Tal patrimônio é levado ao processo de inventário, que terá como responsável um inventariante nomeado pelo juiz para representar e administrar o espólio, até decisão final. Da mesma forma, o espólio é sujeito de direitos e obrigações. 
9.13.3.4 Herança jacente e herança vacante
Herança jacente é aquela cujos herdeiros ainda não são conhecidos, ou, se conhecidos, renunciaram à herança, não havendo outros herdeiros. 
É herança vacante aquela em que os bens não foram reclamados. Ou seja: a herança jacente passa a ser vacante quando, mesmo depois de praticadas todas as diligências, não aparecer interessados. Isto acontece no prazo de um ano depois de concluído o inventário (art. 1.820 do Código Civil). Passados cinco anos desde então, a herança vacante reverterá ao domínio do poder público. 
OBSERVAÇÃO: 	leitura obrigatória, inclusive para fins de avaliação:
1. Nader: capítulos XXVIII, p. 287-296, e XXIX, p. 297-303.
2. Rizzatto Nunes: capítulo IV, p. 152-169.
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