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2 - Fisiologia Médica (Guyton e Hall) 9a ed[1][1]. - Cap. 01 a 13

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UNIDADE I
INTRODUÇÃO A FISIOLOGIA: FISIOLOGIA
CELULAR E GERAL
Ø Organização Funcional do Corpo Humano e Controle do "Meio Interno"
Ø A Célula e seu Funcionamento
Ø Controle Genético da Síntese de Proteínas, do Funcionamento e da
Reprodução Celular
2
CAPÍTULO I
Organização Funcional do Corpo Humano e
Controle do "Meio Interno"
A fisiologia tenta explicar os fatores físicos e químicos
responsáveis pela origem, desenvolvimento e progressão da
vida. Cada tipo de vida, desde o mais simples vírus até a maior
árvore ou o complexo ser humano, possui características
funcionais próprias. Portanto, o vasto campo da fisiologia pode
ser dividido cm fisiologia virai, fisiologia bacteriana, fisiologia
celular, fisiologia vegetal, fisiologia humana, e em muitas outras
áreas.
Fisiologia humana. Na fisiologia humana, estamos
interessados nas características e mecanismos específicos do corpo
humano que o tornam um ser vivo. O simples fato de que
permanecemos vivos está quase além de nosso controle, pois
a fome nos faz procurar alimento e o medo, a buscar abrigo. As
sensações de frio nos levam a produzir calor e outras forças
nos levam a procurar companhia e a reproduzir. Assim, o ser
humano é, na verdade, um autômato, e o fato de sermos seres
que sentem, que têm sentimentos e conhecimento c parte dessa
seqüência automática da vida; esses atributos especiais nos
permitem viver sob condições extremamente variáveis que, de
outra forma, impossibilitariam a vida.
AS CÉLULAS COMO AS UNIDADES
VIVAS DO CORPO
A unidade viva fundamental do corpo é a célula e cada
órgão é um agregado de muitas células diferentes, mantidas
unidas por estruturas intercelulares de sustentação. Cada tipo
de célula é especialmente adaptado para a execução de uma
função determinada. Por exemplo, os glóbulos vermelhos do
sangue, um total de 25 trilhões de células, transportam
oxigênio dos pulmões para os tecidos. Embora esse tipo de
célula talvez seja o mais abundante, é possível que existam
outros 75 trilhões de células. Todo o corpo é formado, então, por
cerca de 100 trilhões de células.
Embora as inúmeras células do corpo possam, muitas vezes,
diferir acentuadamente entre si, todas apresentam determinadas
características básicas que são idênticas. Por exemplo, em todas
as células, o oxigênio reage com carboidratos, gordura ou
proteína para liberar a energia necessária ao funcionamento
celular. Ainda mais, os mecanismos gerais para a transformação
dos nutrientes em energia são, em termos básicos, os mesmos em
todas as células e, igualmente, todas as células eliminam os
produtos finais de suas reações químicas para os líquidos onde ficam
imersas.
Quase todas as células também têm capacidade de se repro-
duzir e, sempre que células de determinado tipo são destruídas
por qualquer causa, as células remanescentes do mesmo tipo
regeneram, com muita freqüência, novas células até que seja
restabelecido seu número adequado.
O LÍQUIDO EXTRACELULAR - O MEIO
INTERNO
Cerca de 56% do corpo humano são compostos de líquidos.
Embora a maior parte desse líquido fique no interior das células
— e seja chamado de liquido intracelular —, cerca de um terço
ocupa os espaços por fora das células e é chamado de liquido
extracelular. O líquido extracelular se movimenta continuamente
por todo o corpo. É transportado rapidamente no sangue
circulante e, em seguida, misturado entre o sangue e os líquidos
teciduais por difusão através das paredes capilares. No líquido
extra-celular ficam os íons c os nutrientes necessários às células,
para manutenção da vida celular. Por conseguinte, todas as
células partilham de um mesmo ambiente, o líquido extracelular,
razão por que esse líquido extracelular é chamado de meio
interno do corpo, ou milieu intérieur, expressão criada, há
pouco mais de 100 anos, pelo grande fisiologista francês do
século XIX, Claude Bernard.
As células são capazes de viver, crescer e desempenhar suas
funções específicas enquanto estiverem disponíveis, nesse
ambiente interno, as concentrações adequadas de oxigênio,
glicose, diversos íons, aminoácidos, substâncias gordurosas e
outros constituintes.
Diferenças entre os líquidos extra e intracelulares. O líquido
extracelular contém grandes quantidades de íons sódio, cloreto
e bicarbonato, mais os nutrientes para as células, tais como
oxigênio, glicose, ácidos graxos c aminoácidos. Também contém
dióxido de carbono que está sendo transportado das células
até os pulmões para serem excretados, além de outros produtos
celulares que, igualmente, estão sendo transportados para o
rim, onde vão ser excretados.
O líquido intracelular difere, de forma significativa, do
líquido extracelular; em especial, contém grandes quantidades
de íons potássio, magnésio e fosfato, em lugar dos íons sódio e
cloreto presentes no líquido extracelular. Essas diferenças são
mantidas por mecanismos especiais de transporte de íons através
das membranas celulares. Esses mecanismos são discutidos no
Cap. 4.
3
MECANISMOS "HOMEOSTÁTICOS"
DOS PRINCIPAIS SISTEMAS
FUNCIONAIS
 HOMEOSTASIA
A palavra homeostasia é usada pelos fisiologistas para
significar manutenção das condições constantes, ou estáticas, do
meio interno. Em essência, todos os órgãos e tecidos do corpo
exercem funções que ajudam a manter essas condições
constantes. Por exemplo, os pulmões fornecem oxigênio para o
líquido extracelular para repor o que está sendo consumido
pelas células; os rins mantêm constantes as concentrações iônicas
e o sistema gastrintestinal fornece nutrientes. Grande parte deste
texto está relacionado ao modo como cada órgão ou tecido
contribui para a homeostasia. Para iniciar esta discussão, serão
descritos, resumidamente, os diferentes sistemas funcionais do
corpo e seus mecanismos homeostáticos; em seguida, será
apresentada a teoria básica dos sistemas de controle que atuam
harmoniosamente entre si.
OS SISTEMAS DE TRANSPORTE DO LÍQUIDO
EXTRACELULAR - O SISTEMA CIRCULATÓRIO
O líquido extracelular é transportado para todas as partes
do corpo em duas etapas distintas. A primeira depende do
movimento do sangue ao longo do sistema circulatório, e a
segunda, do movimento de líquido entre os capilares sanguíneos
e as células. A Fig. 1.1 mostra a circulação geral do sangue.
Todo o sangue contido na circulação percorre todo o circuito
em cerca de um minuto em média, no repouso, e até seis vezes
por minuto quando a pessoa está extremamente ativa.
Fig 1.1 Organização geral do sistema circulatório.
Conforme o sangue circula pelos capilares, ocorre troca
contínua de líquido extracelular entre a parte de plasma do
sangue e o líquido intersticial que preenche os espaços entre as
células: os espaços intercelulares. Esse processo é mostrado na
Fig. 1.2. Note que os capilares são porosos, de modo que grandes
quantidades de líquido e de seus constituintes em solução podem
difundir, nos dois sentidos, entre o sangue e os espaços
teciduais, como indicado pelas setas na figura. Esse processo
de difusão é causado pela movimentação cinética das
moléculas, tanto no plasma como no líquido intersticial. Isto é, o
liquido e as moléculas em solução estão continuamente em
movimento e saltando em todas as direções no interior do
próprio líquido e também através dos poros e pelos espaços
teciduais. Quase que nenhuma célula fica distante mais de 25 a
50 ?m de um capilar, o que assegura a difusão de quase todas as
substâncias do capilar para a célula dentro de poucos segundos.
Assim, o líquido extracelular, por todo o corpo, tanto o do plasma
como o do líquido contido nos espaços intercelulares, está sendo
continuamente misturado, o que garante sua homogeneidade
quase total.
ORIGEM DOS NUTRIENTES DO LÍQUIDO
EXTRACELULAR
Sistema respiratório. A Fig. 1.1 mostra que, cada vez que
o sangue circula pelo corpo, ele também flui pelos pulmões.
Nos alvéolos, o sangue capta oxigênio, ganhando,
dessa forma,
o oxigênio necessitado pelas células. A membrana entre os
alvéolos e o lúmen dos capilares pulmonares tem espessura de
apenas 0,4 a 2,0 ?m e o oxigênio se difunde, através dessa
membrana, para o sangue exatamente da mesma maneira
como a água e os íons se difundem através dos capilares
teciduais.
Tubo gastrintestinal. Grande parte do sangue que é
bombeada pelo coração também passa pelas paredes dos órgãos
gastrintestinais. Aí, diversos nutrientes dissolvidos, incluindo
carboidratos, ácidos graxos, aminoácidos e outros, são
absorvidos para O líquido extracelular.
Fígado e outros órgãos que desempenham funções
primariamente metabólicas. Nem todas as substâncias absorvidas
do tubo gastrintestinal podem ser usadas, na forma em que foram
absorvidas, pelas células. O fígado modifica as composições
químicas dessas substâncias, transformando-as em formas mais
utilizáveis, e outros tecidos do corpo — as células adiposas, a
mucosa gastrintestinal, os rins e as glândulas endócrinas —
ajudam a modificar
Fig. 1.2 Difusão de líquido através das paredes
capilares e pelos espaços intersticiais.
4
as substâncias absorvidas ou as armazenam, até que sejam
necessárias no futuro.
Sistema musculoesquelético. Algumas vezes, é levantada a
questão: como é que o sistema musculoesquelético participa nas
funções homeostáticas do corpo? A resposta a ela é óbvia e
simples. Se não fosse por esse sistema, o corpo não se poderia
deslocar para um local apropriado no tempo adequado, a fim
de obter os alimentos necessários para sua nutrição. O sistema
musculoesquelético também gera a motilidade usada na proteção
contra os ambientes adversos, sem o que todo o corpo, junto
com os demais mecanismos homeostáticos, poderia ser destruído
instantaneamente.
REMOÇÃO DOS PRODUTOS FINAIS
DO METABOLISMO
Remoção do dióxido de carbono pelos pulmões. Ao mesmo
tempo que o sangue capta oxigênio nos pulmões, o dióxido de
carbono está sendo liberado do sangue para os alvéolos, e o
movimento respiratório do ar, para dentro e para fora dos
alvéolos, transporta esse gás para a atmosfera. O dióxido de
carbono é o mais abundante de todos os produtos finais do
metabolismo.
Os rins. A passagem de sangue pelos rins remove a maioria
das substâncias que não são necessárias às células. De forma
especial, essas substâncias incluem os diferentes produtos finais
do metabolismo celular, além do excesso de íons e de água que
podem ter-se acumulado no líquido extracelular. Os rins realizam
sua função, primeiro, ao filtrarem grandes quantidades de
plasma, pelos glomérulos, para os túbulos e, em seguida,
reabsorverem para o sangue as substâncias que o corpo
necessita — como glicose, aminoácidos, quantidades
apropriadas de água e muitos íons. Contudo, a maior parte das
substâncias que não são necessárias ao corpo, especialmente os
produtos finais do metabolismo, como a uréia, é pouco
reabsorvida e, como resultado, elas passam pelos túbulos renais
para serem eliminadas na urina.
 REGULAÇÃO DAS FUNÇÕES CORPORAIS
O sistema nervoso. O sistema nervoso é formado por três
constituintes principais: o componente sensorial, o sistema
nervoso central (ou componente integrativo) e o componente
motor. Os receptores sensoriais detectam o estado do corpo ou o
estado de seu ambiente. Por exemplo, os receptores, presentes
por toda a pele, denotam cada e todas as vezes que um objeto
toca a pessoa em qualquer ponto. Os olhos são órgãos
sensoriais que dá à pessoa uma imagem visual da área que a
cerca. O sistema nervoso central é formado pelo encéfalo e pela
medula espinhal. O encéfalo pode armazenar informações,
gerar pensamentos, criar ambições e determinar quais as reações
que serão executadas pelo corpo em resposta às sensações. Os
sinais apropriados são, em seguida, transmitidos, por meio do
componente motor do sistema nervoso, para a efetivação dos
desejos da pessoa.
Um grande componente do sistema nervoso é chamado de
sistema autonômico. Ele atua ao nível subconsciente e controla
muitas funções dos órgãos internos, inclusive o funcionamento
do coração, os movimentos do tubo gastrintestinal e a secreção
de diversas glândulas.
O sistema de regulação endócrina. Existem dispersas no
corpo oito glândulas endócrinas principais, secretoras de
substâncias químicas, os harmônios. Os hormônios são
transportados pelo líquido extracelular até todas as partes do
corpo, onde vão participar da regulação do funcionamento
celular. Por exemplo, os hormônios tireóideos aumentam a
velocidade da maioria das reações químicas celulares. Dessa
forma, o hormônio tiróideo deter mina a intensidade da
atividade corporal.
 A insulina controla o metabolismo da glicose, os hormônios do
córtex supra-renal controlam o metabolismo iônico e protéico, e
o hormônio paratiróideo controla o metabolismo ósseo. Assim,
os hormônios formam um sistema de regulação que complementa
o sistema nervoso. O sistema nervoso, em termos gerais, regula,
principalmente, as atividades motoras e secretoras do corpo,
enquanto o sistema hormonal regula, de modo primário, as
funções metabólicas.
REPRODUÇÃO
Por vezes, a reprodução não é considerada como uma função
homeostática. Todavia, a reprodução participa da manutenção
das condições estáticas, por produzir novos indivíduos que vão
tomar o lugar dos que morreram. Isso talvez pareça um uso
permissivo do termo homeostasia, mas, na verdade, ilustra que,
em última instância, todas as estruturas do corpo, em essência,
são organizadas de forma a manter a automaticidade e a
continuidade da vida.
OS SISTEMAS DE CONTROLE DO
CORPO
O corpo humano contém literalmente milhares de sistemas
de controle. Os mais intricados deles são os sistemas genéticos
de controle, atuantes em todas as células, para regular o
funcionamento intracelular e, também, todas as funções
extracelulares. Este tópico é discutido no Cap. 3. Muitos outros
sistemas de controle atuam ao nível dos órgãos, para regular o
funcionamento de partes distintas desses órgãos; outros atuam
ao nível de todo o corpo, para regular as inter-relações entre os
órgãos. Por exemplo, o sistema respiratório, atuando em
associação com o sistema nervoso, regula a concentração de
dióxido de carbono no líquido extracelular. O fígado e o
pâncreas regulam a concentração de glicose no líquido
extracelular. Os rins regulam a concentração dos íons
hidrogênio, sódio, potássio, fosfato e muitos outros no
líquido extracelular.
EXEMPLOS DE MECANISMOS DE CONTROLE
Regulação das concentrações de oxigênio e de dióxido de
carbono no líquido extracelular. Dado que o oxigênio é uma das
principais substâncias necessárias para as reações químicas no
interior das células, é muito importante que o corpo disponha
de mecanismo especial de controle para manter uma
concentração de oxigênio constante e quase invariável no líquido
extra - celular. Esse mecanismo depende, principalmente, das
características químicas da hemoglobina, presente em todos os
glóbulos vermelhos do sangue. A hemoglobina se combina com o
oxigênio enquanto o sangue circula pelos pulmões. Em seguida,
conforme o sangue passa pelos capilares teciduais, a hemoglobina
não libera o oxigênio no líquido tecidual, caso ele já contenha
teor elevado de oxigênio, mas, se a concentração de oxigênio
estiver baixa, será liberado oxigênio em quantidade suficiente
para restabelecer a concentração tecidual adequada de
oxigênio. Dessa forma, a regulação da concentração de
oxigênio nos tecidos depende, primariamente, das características
químicas da própria hemoglobina. Essa regulação recebe o
nome de função tamponadora de oxigênio da hemoglobina.
A concentração de dióxido de carbono no líquido
extracelular é regulada de forma bastante diferente. O dióxido de
carbono é um dos principais produtos finais das reações
oxidativas das células. Se todo o dióxido de carbono formado
nas células pudesse se acumular nos líquidos teciduais,
a
ação de massa
5
do próprio dióxido de carbono interromperia, em pouco tempo,
todas as reações liberadoras de energia das células. Felizmente,
um mecanismo nervoso controla a expiração do dióxido de
carbono pelos pulmões e, dessa forma, mantém concentração
constante e relativamente baixa de dióxido de carbono no líquido
extracelular. Em outras palavras, a concentração elevada de
dióxido de carbono excita o centro respiratório, fazendo com que
a pessoa respire mais freqüentemente e com maior amplitude.
Isso aumenta a expiração de dióxido de carbono e, por
conseguinte, acelera sua remoção do sangue e do líquido
extracelular, e esse processo continua até que sua concentração
retorne ao normal. Regulação da pressão arterial. Vários
sistemas distintos contribuem para a regulação da pressão arterial.
Um deles, o sistema barorreceptor, é exemplo excelente e muito
simples de um mecanismo de controle. Na parede da maioria
das grandes artérias da parte superior do corpo - e, de modo
especial, na bifurcação da artéria carótida comum e no arco
aórtico - existem numerosos receptores neurais que são
estimulados pelo estiramento da parede arterial. Quando a
pressão arterial se eleva, esses barorreceptores são estimulados
de forma excessiva, quando, então, são transmitidos impulsos
para o bulbo, no encéfalo. Aí, esses impulsos inibem o centro
vasomotor, o que, por sua vez, reduz o número de impulsos
transmitidos, pelo sistema nervoso simpático, para o coração e
para os vasos. Essa diminuição dos impulsos provoca menor
atividade de bombeamento pelo coração e maior facilidade para
o fluxo de sangue pelos vasos periféricos; esses dois efeitos
provocam o abaixamento da pressão arterial até seu valor
normal. De modo inverso, queda da pressão arterial relaxa os
receptores de estiramento, permitindo que o centro vasomotor
fique mais ativo que o usual, o que provoca a elevação da pressão
arterial ate seu valor normal.
Faixas normais de variação dos constituintes
importantes do liquido extracelular
O Quadro 1,1 enumera os constituintes mais importantes
- junto com suas características físicas - do líquido extracelular,
alem de seus valores normais, faixas normais de variação e limites
máximos que podem ser mantidos, sem morte, por curtos
períodos. Deve ser notado, de forma especial, como é estreita a
faixa normal de variação para cada um desses constituintes.
Valores fora dessa faixa são, em geral, causa ou resultado de
doença. Ainda mais importantes são os limites que, quando
ultrapassados, podem levar à morte. Por exemplo, aumento da
temperatura corporal de apenas 6 a 7°C acima da normal pode,
muitas vezes, gerar um ciclo vicioso de aumento do metabolismo
celular que, literalmente, destrói as células. Também deve ser
notada a faixa muito estreita para o equilíbrio ácido-básico do
corpo,
Quadro 1.1 Alguns constituintes importantes e as características
físicas do líquido extracelular, sua faixa normal de variação e seus
limites não letais aproximados
Limites
Valor Faixa não-letais
normal normal aproximados Unidades
Oxigênio 40 35-45 10-1.000 mm Hg
Dióxido de carbono 40 35-45 5-80 mm Hg
Íon sódio 142 138-146 115-175 mmol/l
Íon potássio 4,2 3,8-5,0 1,5-9,0 mmol'l
Íon cálcio 1,2 1,0-1,4 0,5-2,0 mmoi'i
Íon cloreto 108 103-112 70-130 mmol/l
Íon bicarbonato 28 24-32 8-45 mmol/l
Glicose 85 75-95 20-1.500 mmol/l
Temperatura corporal 37,0 37,0 18,3-43,3 "C
Ácido-básico 7,4 7,3-7,5 6,9-8,0 pH
com valor normal do pH de 7,4 e valores letais 0,5 abaixo e
acima desse valor normal. Outro fator especialmente importante
é o íon potássio, pois, sempre que sua concentração cai até menos
de um terço da normal, a pessoa tende a ficar paralisada, devido
à incapacidade dos nervos de transmitir os sinais nervosos e,
caso chegue a aumentar até duas ou mais vezes a normal, é
muito possível que o músculo cardíaco fique gravemente
deprimido. Por outro lado, quando a concentração do íon cálcio
cai abaixo da metade da normal, a pessoa fica suscetível de
apresentar contrações tetânicas nos músculos de todo o corpo,
devido à geração espontânea de impulsos nervosos nos nervos
periféricos. Quando a concentração de glicose fica reduzida a
menos da metade da normal, a pessoa, com muita freqüência,
apresenta intensa irritabilidade mental e, por vezes, até
convulsões.
Assim, a análise desses exemplos deve levar à apreciação
extrema da importância e, até mesmo, da necessidade de grande
número de sistemas de controle, mantenedores do corpo
funcionando no estado de saúde; a ausência ou falta de um
desses controles pode resultar em doença grave e até em morte,
CARACTERÍSTICAS DOS SISTEMAS DE CONTROLE
Os exemplos antes apresentados de mecanismos de controle
homeostáticos são apenas uns poucos das muitas centenas a
milhares existentes no corpo; todos eles possuem determinadas
características comuns. Essas características comuns serão
explicadas nas páginas seguintes.
A natureza de feedback negativo da maioria dos
sistemas de controle
A maior parte dos sistemas de controle do corpo atua pelo
processo de feedback negativo, que pode ser melhor explicado
por revisão de alguns dos sistemas de controle homeostáticos
apresentados acima. Na regulação da concentração de dióxido
de carbono, uma concentração elevada de dióxido de carbono
no líquido extracelular provoca aumento da ventilação pulmonar
e isso, por sua vez, produz redução da concentração de dióxido
de carbono, dado que os pulmões conseguem excretar maior
quantidade de dióxido de carbono para fora do corpo. Em outras
palavras, a concentração elevada provoca redução dessa
concentração, o que é negativo em relação ao estímulo inicial. De
modo inverso, caso a concentração de dióxido de carbono caia
até valores muito baixos, isso vai produzir aumento por
feedback dessa concentração. Essa resposta também é negativa
em relação ao estímulo inicial.
Nos mecanismos reguladores da pressão arterial, a elevação
da pressão causa uma série de reações que resultam em redução
da pressão, ou a queda da pressão causa uma série de reações
que resultam em elevação da pressão. Nos dois casos, os efeitos
são negativos em relação ao estímulo inicial.
Por conseguinte, em termos gerais, se algum fator aumenta
ou diminui muito, um sistema de controle ativa um feedback
negativo, que consiste em uma série de alterações que fazem
com que esse fator retorne a determinado valor médio,
mantendo, assim, a homeostasia.
O "ganho" de um sistema de controle. O grau de eficácia
com que um sistema de controle mantém as condições constantes
é determinado pelo ganho do feedback negativo. Por exemplo,
admita-se que grande volume de sangue foi transfundido em
pessoa cujo sistema de controle dos barorreceptores para a
pressão não esteja atuando, e que a pressão arterial se eleve
de seu valor normal de 100 mm Hg até 175 mm Hg. Em seguida,
admita-se que esse mesmo volume de sangue seja transfundido
na mesma pessoa, quando seu sistema barorreceptor estiver
6
atuante e, nesse caso, a pressão só se eleva por 25 mm Hg.
Assim, o sistema de controle por feedback produziu "correção"
de -50 mm Hg, isto é, de 175 mm Hg para 125 mm Hg. Contudo,
ainda persiste um aumento da pressão de +25 mm Hg, o que
é chamado de "erro", e que significa que o sistema de controle
não é 100% eficaz em impedir a variação da pressão. O ganho
do sistema pode ser calculado pelo uso da seguinte relação:
Ganho =
Correção
Erro
Assim, no exemplo acima, a correção é de -50 mm Hg
e o erro que persiste é de +25 mm Hg. Por conseguinte, o
ganho do sistema barorreceptor dessa pessoa, para controle de
sua pressão arterial é —50 dividido por +25, o que é igual a -
2. Isso quer dizer que um fator extrínseco que tenda a aumentar ou
a diminuir a pressão arterial só exerce efeito de cerca de dois
terços do que teria caso o sistema de controle não estivesse
atuando.
Os ganhos de outros sistemas fisiológicos de
controle são
muito maiores que o do sistema barorreceptor. Por exemplo,
o ganho do sistema regulador da temperatura corporal é de cerca
de -33. Por conseguinte, pode-se ver que o sistema de controle
da temperatura corporal é muito mais eficaz que o sistema
barorreceptor.
 O feedback positivo — os cicios viciosos e morte
causados por feedback positivo
Poderá ser feita a seguinte pergunta: Por que, em essência,
todos os sistemas de controle do corpo atuam por mecanismo
de feedback negativo, e não por feedback positivo? Todavia,
se for considerada a natureza do feedback positivo,
imediatamente será visto que o feedback positivo nunca leva à
estabilidade, mas, sim, à instabilidade e, muitas vezes, à morte.
A Fig. 1.3 apresenta um caso em que pode ocorrer morte
por feedback positivo. Essa figura apresenta a eficiência de
bombeamento do coração, mostrando que o coração de pessoa
normal bombeia cerca de 5 litros de sangue por minuto.
Contudo, se a pessoa perder, subitamente, 21 de sangue, a
quantidade de sangue restante no corpo fica reduzida a nível
tão baixo que chega a ser insuficiente para um bombeamento
eficaz pelo coração. Como resultado, a pressão arterial cai e o
fluxo de sangue para o músculo cardíaco, por meio dos vasos
coronários, também diminui. Isso resulta em enfraquecimento do
coração, com redução ainda maior do bombeamento, decréscimo
adicional do fluxo sanguíneo coronário e enfraquecimento ainda
maior do coração. Esse ciclo se repete indefinidamente até a
morte. Deve ser notado que cada ciclo de feedback resulta em
enfraquecimento adicional do coração. Em outras palavras, o
estímulo inicial provoca seu próprio aumento, o que é um
feedback positivo.
O feedback positivo é melhor conhecido como "ciclo
vicioso", mas, na verdade, um grau moderado de feedback
positivo pode ser compensado por mecanismos de controle por
feedback negativo do corpo, situação na qual não se
desenvolverá ciclo vicioso. Por exemplo, se a pessoa do
exemplo acima só perdesse 11, e não 2 1, os mecanismos
normais de feedback negativo de controle do débito cardíaco
e da pressão arterial poderiam anular o feedback positivo, e
a pessoa poderia se recuperar, como mostrado pela curva
tracejada da Fig. 1.3.
Fig. 1.3 Morte causada por feedback positivo quando 21 de sangue
são removidos da circulação.
do feedback positivo. Quando um vaso sanguíneo é rompido
e começa a formação do coágulo, diversas enzimas, chamadas
de fatores de coagulação, são ativadas no interior do próprio
coágulo. Algumas dessas enzimas atuam sobre outras enzimas,
ainda inativas, presentes no sangue imediatamente adjacente ao
coágulo, ativando-as e produzindo coagulação adicional. Esse
processo persiste até que a rotura do vaso fique ocluída e não
mais ocorra sangramento. Infelizmente, por vezes, esse processo
pode ficar descontrolado e produzir coágulos indesejados. Na
verdade, é isso que desencadeia a maioria dos ataques cardíacos
agudos, causados por coágulo que se forma cm placa
aterosclerótica em artéria coronária e que cresce até ocluir
completamente essa artéria.
O parto é outro exemplo de participação de feedback
positivo. Quando as contrações uterinas ficam suficientemente
intensas para empurrar a cabeça do feto contra a cérvix, o
estiramento da cérvix emite sinais, por meio do próprio
músculo uterino, até o corpo do útero, que responde com
contrações ainda mais intensas. Assim, as contrações uterinas
distendem a cérvix e o estiramento da cérvix produz mais
contrações. Quando esse processo fica suficientemente intenso, o
feto nasce. Caso não sejam suficientemente intensas, essas
contrações cessam, para reaparecer alguns dias depois.
Finalmente, outro importante uso do feedback positivo é
representado pela geração de sinais neurais. Isto é, quando a
membrana de uma fibra nervosa é estimulada, isso causa pequeno
influxo de íons sódio, através dos canais de sódio da membrana
neural, para o interior da fibra. Esses íons sódio que penetram
na fibra modificam o potencial de membrana, o que causa
abertura de mais canais, levando a maior variação do potencial,
abertura de mais canais adicionais, e assim por diante. Assim,
de um início bem pequeno, ocorre explosão do influxo de
sódio que gera o potencial de ação. Por sua vez, esse
potencial de ação excita a fibra nervosa em ponto adiante, o
que faz com que esse processo progrida ao longo de todo o
comprimento da fibra.
Contudo, vai-se aprender que, em cada um desses processos
onde o feedback positivo é útil, o próprio feedback positivo faz
parte de processo global de feedback negativo. Por exemplo,
no caso da coagulação do sangue, o processo de coagulação por
feedback positivo é um processo de feedback negativo para a
manutenção do volume normal de sangue. E o feedback positivo
que gera os sinais neurais permite que os nervos participem em
muitos milhares de sistemas de controle por feedback negativo.
7
Alguns tipos mais complexos de sistemas de controle - os
sistemas adaptativos de controle
Adiante, quando se estudar o sistema nervoso, será visto
que esse sistema contém um emaranhado de sistemas de controle
interconectados. Alguns desses sistemas são sistemas de feedback
simples, como os que foram discutidos até aqui. Contudo, muitos
não o são. Por exemplo, vários movimentos do corpo são tão
rápidos que, simplesmente, não há tempo suficiente para que
os sinais neurais trafeguem das partes periféricas do corpo até
o encéfalo e voltem para a periferia, para regular esses
movimentos. Por conseguinte, o encéfalo utiliza um princípio,
chamado de controle por feed-forward, para produzir as
contrações musculares desejadas. Então, sinais nervosos
sensoriais, originados nas partes era movimento, informam o
encéfalo de se o movimento apropriado, planejado pelo
encéfalo, foi ou não executado. Caso não tenha sido, o
encéfalo corrige os sinais de feed-forward que envia para os
músculos na próxima vez em que esse movimento vier a ser
executado. Então, mais uma vez, se for preciso correção
adicional, ela será feita para os movimentos subseqüentes. Isso
é chamado de controle adaptativo. Em determinado sentido, é
óbvio que o controle adaptativo nada mais é que um feedback
negativo retardado.
Assim, pode-se ver como são complexos alguns dos sistemas
de controle por feedback encontrados no corpo. Em termos
literais, a vida da pessoa depende de todos eles. Por conseguinte,
grande parte deste texto será dedicada à discussão desses
mecanismos protetores da vida.
RESUMO - A AUTOMATICIDADE DO
CORPO
O objetivo deste capítulo foi o de destacar, primeiro, a
organização geral do corpo e, segundo, os meios pelos quais as
diferentes partes do corpo funcionam em harmonia. Para
resumir, o corpo c, na verdade, uma ordem social com cerca de
100 trilhões de células, organizada em diferentes estruturas
funcionais, algumas das quais são chamadas órgãos. Cada
estrutura funcional contribui com sua cota para a manutenção das
condições homeostáticas do líquido extracelular, que é chamado
de ambiente interno. Enquanto as condições normais forem
mantidas no ambiente interno, as células do corpo continuarão a
viver e a funcionar adequadamente. Dessa forma, cada célula se
beneficia da homeostasia e, por sua vez, contribui com sua cota
para a manutenção dessa homeostasia. Essa interação recíproca
resulta em automaticidade contínua do corpo, que perdurará
até que um ou mais sistemas funcionais percam sua capacidade
de contribuir com sua cota de funcionamento. Quando isso
acontece, todas as células do corpo sofrem. A disfunção extrema
leva à morte, enquanto a disfunção moderada causa doença.
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8
CAPÍTULO 2
A Célula e seu Funcionamento
Cada uma das 75 a 100 trilhões de células do corpo humano
é uma estrutura viva que pode sobreviver indefinidamente e,
em muitos casos, até se reproduzir, desde que os líquidos que
a banham contenham os nutrientes adequados. Para a
compreensão do funcionamento dos órgãos e das demais
estruturas que compõem o corpo humano, é essencial que,
primeiro, se conheça a organização básica da célula e o
funcionamento de suas partes componentes.
ORGANIZAÇÃO DA CÉLULA
Uma célula típica, como vista ao microscópio óptico, é
apresentada na Fig. 2.1. Seus dois constituintes principais são o
núcleo e o citoplasma. O núcleo é separado do citoplasma pela
membrana nuclear, enquanto o citoplasma é separado dos
fluidos circundantes pela membrana celular.
As diferentes substâncias que compõem a célula são
chamadas, em conjunto, de protoplasma. Esse protoplasma é
formado, em sua maior parte, por cinco substâncias básicas:
água, eletrólitos, proteínas, lipídios e carboidratos.
Água. O principal meio líquido da célula é a água, presente
em concentrações que variam entre 75 e 85%. Muitas substâncias
químicas celulares estão dissolvidas na água, enquanto outras
ficam em suspensão, sob forma particulada ou membranosa. As
reações químicas ocorrem entre as substâncias químicas
dissolvidas ou nas superfícies limitantes entre as partículas ou
membranas em suspensão e a água.
Eletrólitos. Os eletrólitos mais importantes da célula são
o potássio, o magnésio, o fosfato, o sulfato, o bicarbonato, e
pequenas quantidades de sódio, cloreto e cálcio. Esses eletrólitos
serão discutidos em maior detalhe no Cap. 4, onde serão
apresentadas as relações entre os líquidos intra e extracelular.
Os eletrólitos fornecem as substâncias químicas inorgânicas
para as reações celulares. Também são necessários para a
operação de diversos mecanismos celulares de controle. Por
exemplo, os eletrólitos, atuando ao nível da membrana celular,
permitem a transmissão dos impulsos eletroquímicos nas
fibras nervosas e musculares, enquanto os eletrólitos
intracelulares determinam a velocidade de numerosas reações
catalisadas por enzimas, imprescindíveis ao metabolismo celular.
Proteínas. Após a água, a substância mais abundante na
maioria das células é a proteína que, normalmente, representa
de 10 a 20% da massa celular. Essa proteína pode ser dividida
em duas classes distintas, as proteínas estruturais e as proteínas
globulares, que são, em sua maioria, enzimas.
Para se ter idéia do que se quer dizer por proteínas estruturais,
apenas será preciso notar que o couro é formado, quase que
inteiramente, por proteína estrutural. As proteínas dessa classe
existem nas células sob forma de filamentos longos e finos que
são, em si mesmos, polímeros de muitas moléculas protéicas.
O uso mais freqüente desses filamentos intracelulares é no
mecanismo contrátil de todos os músculos. Contudo, outros
desses filamentos também ocorrem organizados nos
microtúbulos que formam os "citoesqueletos" de organetas como
os cílios e o fuso mitótico das células em mitose. No ambiente
extracelular, as estruturas fibrilares aparecem nas fibras de
colágeno e elásticas do tecido conjuntivo, dos vasos sanguíneos,
dos tendões, ligamentos etc.
Por outro lado, as proteínas globulares formam classe
inteiramente distinta de proteínas, compostas, em gerai, por
moléculas protéicas únicas ou, no máximo, por agregado de
poucas moléculas, tendo forma globular, e não fibrilar. Essas
proteínas são, em sua maioria, as enzimas celulares e, no que
diferem das proteínas fibrilares, são, com muita freqüência,
solúveis nos líquidos das células ou são parte ou aderem a
estruturas membranosas no interior das células. As enzimas
entram em contato direto com outras substâncias no interior
celular, quando catalisam as reações químicas. Por exemplo, as
reações químicas que degradam a glicose em seus componentes e,
em seguida, os combinam com o oxigênio, para gerar dióxido de
carbono e água, ao mesmo tempo que liberam energia para o
funcionamento celular, são catalisadas por várias enzimas
protéicas.
Lipídios. Os lipídios são formados por diversos tipos
diferentes de substâncias, consideradas como pertencentes a uma
mesma classe por terem a propriedade comum de serem solúveis
em solventes de gorduras. Os tipos mais importantes dos
lipídios são os fosfolipídios e o colesterol, que representam cerca
de 2% da massa celular total. A importância especial dos
fosfolipídios e do colesterol é a de que são quase insolúveis em
água e, portan-
Fig. 2.1 Estrutura de uma célula como
é vista ao microscópio
óptico.
9
to, são usados na formação de barreiras membranosas,
separadoras dos diversos compartimentos intracelulares.
Além dos fosfolipídios e do colesterol, algumas células
contêm grandes quantidades de trigricerídeos, também chamados
de gordura neutra. Nas chamadas células adiposas, os
triglicerídios representam, muitas vezes, até 95% da massa
celular. A gordura armazenada nessas células representa o
principal depósito de nutriente armazenador de energia que
pode ser mobilizado e utilizado como energia sempre que o
corpo necessitar.
Carboidratos. Em geral, os carboidratos têm pequena
participação no funcionamento estrutural da célula, exceto como
parte das moléculas de glicoproteínas, mas têm participação
fundamental na nutrição celular. A maioria das células humanas
não mantém grandes depósitos de carboidratos que, em geral,
representam cerca de 1% de sua massa total. Contudo, o
carboidrato, sob forma de glicose, sempre está presente no líquido
extracelular circundante, de modo a ser facilmente disponível
para a célula. Na maioria das situações, a célula armazena
pequena quantidade de carboidrato, sob forma de glicogênio, um
polímero insolúvel da glicose e que pode ser rapidamente
utilizado para suprir as necessidades energéticas da célula.
A ESTRUTURA FÍSICA DA CÉLULA
A célula não é, simplesmente, um saco cheio de líquido,
enzimas e substâncias químicas; também contem estruturas
físicas, extremamente organizadas, muitas delas chamadas
organelas, e a natureza física de cada uma delas é tão
importante para o funcionamento celular como o são seus
constituintes químicos.
Por exemplo, sem uma das organelas, as mitocôndrias, mais de
95% do suprimento energético da célula cessaria imediatamente.
Algumas das organelas principais são mostradas na Fig. 2.2,
incluindo a membrana celular, a membrana nuclear, o retículo
endoplasmático, o aparelho de Golgi, as mitocôndrias, os
lisossomas e os centríolos.
 AS ESTRUTURAS MEMBRANOSAS DAS CÉLULAS
Em essência, todas as organelas celulares são revestidas por
membranas, formadas, em sua maior parte, por lipídios e por
proteínas. Essas membranas incluem a membrana celular, a
membrana nuclear, a membrana do retículo endoplasmático e as
membranas das mitocôndrias, dos lisossomas e do aparelho de
Golgi, além de várias outras. Os lipídios dessas membranas
formam barreiras que impedem o livre deslocamento da água e
das substâncias solúveis em água entre os diferentes
compartimentos da célula. As moléculas de proteína, por sua
vez, penetram, com certa freqüência, através de toda a
espessura dessas membranas, o que interrompe a continuidade
da barreira lipídica e, por conseguinte, forma pertuitos para a
passagem de substâncias específicas através dessas membranas.
Também, muitas das proteínas das membranas são enzimas que
catalisam muitas reações químicas diferentes, que serão
discutidas adiante neste capítulo e nos subseqüentes.
A membrana celular
A membrana celular, que reveste inteiramente toda a célula,
é uma estrutura muito delgada e elástica, com espessura entre
Fig. 2.2 Reconstrução de uma célula típica, mostrando as
organelas internas no citoplasma e no núcleo.
10
7,5 e 10 nanômetros. É formada quase que exclusivamente por
proteínas e lipídios. Sua composição aproximada é de 55% de
proteínas, 25% de fosfolipídios, 13% de colesterol, 4% de outros
lipídios c 3% de carboidratos.
A barreira lipídica da membrana celular. A Fig. 2.3
apresenta a membrana celular. Sua estrutura básica é uma
bicamada lipídica, que é uma película delgada de lipídios, com a
espessura de duas moléculas, contínua por sobre toda a
superfície celular. Dispersas nessa película lipídica, existem
moléculas de proteínas globulares.
A bicamada lipídica é formada quase que inteiramente por
fosfolipídios e por colesterol. Parte das moléculas de fosfolipídios
c de colesterol é solúvel em água, isto é, hidrofílica, enquanto
outra parte só é solúvel em gordura, isto é, hidrofóbica. O radical
fosfato dos fosfolipídios é hidrofílico e os ácidos graxos são
hidrofóbicos. O colesterol contém um radical hidroxila que é
hidrossolúvel e um núcleo esteróide que ê solúvel em gordura.
Como as partes hidrofóbicas dessas moléculas são repelidas pela
água mas se atraem mutuamente, essas moléculas possuem
tendência natural para se alinharem umas às outras, como
mostrado na Fig. 2.3, com suas frações graxas ocupando a
região central da membrana e com suas regiões hidrofílicas
voltadas para sua superfície, em contato com a água que as
banha.
A bicamada lipídica da membrana representa importante
barreira, impermeável às substâncias comuns, hidrossolúveis, tais
como íons, glicose, uréia e outras. Por outro lado, as substâncias
solúveis em gordura, como o oxigênio, dióxido de carbono e
álcool, podem atravessar facilmente essa região da membrana.
Característica especial da bicamada lipídica é a de ser um
fluido, e não um sólido. Por conseguinte, partes dessa membrana
podem, literalmente, fluir de um ponto a outro, ao longo da
superfície dessa membrana. As proteínas e outras substâncias
dissolvidas ou flutuando na bicamada lipídica tendem a se difundir
para todas as áreas da membrana celular.
As proteínas da membrana celular. A Fig. 2.3 apresenta
massas globulares flutuando na bicamada lipídica. São proteínas
da membrana, a maioria das quais é formada por glicoproteínas.
São encontrados dois tipos de proteínas: as proteínas integrais,
que atravessam toda a espessura da membrana, e as proteínas
periféricas, que ficam apenas presas à superfície da membrana.
sem atravessá-la.
Muitas das proteínas integrais formam canais (ou poros)
estruturais, pelos quais podem difundir as substâncias
hidrossolúveis, especialmente os íons, entre os líquidos intra a
extracelular. Contudo, essas proteínas apresentam propriedades
seletivas que produzem difusão diferencial de algumas
substâncias mais que de outras. Outras proteínas integrais atuam
como proteínas carreadoras para o transporte de substâncias na
direção oposta à natural de sua difusão, o que é chamado de
"transporte ativo". Outras, ainda, são enzimas.
As proteínas periféricas ocorrem quase inteiramente na face
interna da membrana e, normalmente, ficam presas a uma das
proteínas integrais. Essas proteínas periféricas atuam quase que
exclusivamente como enzimas.
Os carboidratos da membrana — o "glicocálise"
celular. Os carboidratos da membrana aparecem, de modo quase
invariável, em combinação com proteínas e lipídios, sob a forma
de glicoproteínas e de glicolipídios. Na verdade, a maioria das
proteínas integrais é composta de glicoproteínas e cerca de um
décimo das moléculas lipídicas é de glicolipídios. A fração "glico"
dessas moléculas, quase que invariavelmente, proemina na face
externa da célula, chegando a ficar pendurada para fora da célula.
Muitos outros compostos carboidratos, chamados proteoglicanos,
formados principalmente por carboidratos unidos entre si por
pequenos núcleos protéicos, podem, por vezes, também ocorrer
frouxamente ligados à superfície externa da célula. Assim, toda a
superfície externa da célula é, muitas vezes, inteiramente
revestida por capa de carboidrato, chamada de glicocálice.
Os radicais carboidratos presos à superfície externa da célula
desempenham diversas funções importantes: (1) muitos deles
têm carga negativa, o que dá, à maioria das células, uma carga
global negativa em sua superfície, o que repele qualquer coisa
que também seja portadora de carga negativa; (2) o glicocálice
de muitas células se fixa ao glicocálice de outras células, o que
serve para fixar (ou unir) as células entre si; (3) muitos desses
carboidratos atuam como substâncias receptoras para a fixação
de hormônios, como a insulina, e, ao fazê-lo, ativam proteínas
integrais que, por sua vez, ativam uma cascata de enzimas
intracelulares; e (4) alguns participam de reações
imunes, como
discutido no Cap. 34.
Fig. 2.3 Estrutura da membrana celular, mostrando que é composta, principalmente, de bicamada lipídica, com grande número de moléculas
de proteína protruindo através dessa bicamada. Também existem moléculas de carboidrato presas às moléculas de proteína na face externa
da membrana, além de moléculas adicionais de proteína em sua face interna. (De Lodish e Rothman: The assembly of cell membranes, Sei,
Amer., 240:48, 1979. Copyright 1979 by Scientific American Inc. Todos os direitos reservados.)
11
O CITOPLASMA E SUAS ORGANELAS
O citoplasma é cheio de partículas e organelas dispersas,
com tamanhos que vão de poucos nanômetros até muitos
micrômetros. Aparte líquida clara do citoplasma, onde ficam
dispersas essas partículas e organelas, é chamada de citosol; ele
contém muitas proteínas, eletrólitos, glicose e quantidades
diminutas de compostos lipídicos dissolvidos.
A região do citoplasma imediatamente abaixo da membrana
celular contém, com muita freqüência, um emaranhado de micro-
filamentos, formado, em sua maior parte, por fibrilas de actina.
Essa estrutura forma um sistema de sustentação semi-sólido, com
a consistência de gel, para a membrana celular. Essa região do
citoplasma é chamada de córtex ou de ectoplasma. A parte do
citoplasma que fica entre o córtex e a membrana nuclear é líquida
e chamada de endoplasma.
Ocorrem, dispersos no citoplasma, gotículas de gordura
neutra, grânulos de glicogênio, ribossomas, grânulos secretórios
e cinco organelas especialmente importantes: o retículo
endoplasmático, o aparelho de Golgi, as mitocôndrias, os
lisossomas e os peroxissomas.
O retículo endoplasmático
A Fig. 2.2 mostra, no citoplasma, uma rede de estruturas
tubulares e vesiculares achatadas, chamada de retículo
endoplasmático. Os túbulos e as vesículas se intercomunicam.
Por outro lado, suas paredes são formadas por membranas de
bicamada lipídica, contendo grande quantidade de proteínas,
como ocorre na membrana celular. A área total da superfície
dessa estrutura em determinadas células — como, por
exemplo, as hepáticas — pode chegar até a 30 ou 40 vezes
maior que a de toda a superfície celular.
Um detalhe da estrutura de pequena parte do retículo
endoplasmático é mostrado na Fig. 2.4. O espaço no interior
dos túbulos e das vesículas é cheio com a matriz
endoplasmática, um meio líquido que difere do encontrado por
fora do retículo endoplasmático. Micrografias eletrônicas
mostram que o espaço no interior do retículo endoplasmático
está conectado ao espaço entre as duas membranas da dupla
membrana nuclear.
As substâncias sintetizadas em outras regiões da célula
penetram nesse espaço do retículo endoplasmático e são levadas
até outras partes da célula. Por outro lado, a imensa área da
superfície desse retículo, além dos múltiplos sistemas enzimáticos
presentes em suas membranas, compõe o maquinário para
fração importante das funções metabólicas da célula.
Ribossomas e o retículo endoplasmático granular.
Existem, fixadas à superfície externa de muitos trechos do
retículo endoplasmático, pequenas partículas granulares,
denominadas ribossomas
Nas regiões do retículo endoplasmático onde isso ocorre, esse
retículo é chamado de retículo endoplasmático granular. Os
ribossomas são formados por mistura de ácido ribonucléico
(ARN) e de proteínas e atuam na síntese de proteínas pelas
células, como discutido adiante neste capítulo e no seguinte.
O retículo endoplasmático agranular. Parte do retículo
endoplasmático não tem ribossomas fixados a ele. Essa parte é
chamada de retículo endoplasmático agranular, ou liso. O
retículo agranular atua na síntese de substâncias lipídicas e de
muitos outros processos enzimáticos das células.
O aparelho de Golgi
O aparelho de Golgi, mostrado na Fig. 2.5, é intimamente
relacionado ao retículo endoplasmático. Possui membranas
semelhantes às do retículo endoplasmático agranular. Em geral,
é formado por quatro a cinco camadas empilhadas de vesículas
fechadas, delgadas e achatadas, situadas próximo ao núcleo. Esse
aparelho é muito proeminente nas células secretoras; nelas fica
situado no lado da célula por onde são extrudadas as substâncias
secretórias.
O aparelho de Golgi funciona associado ao retículo
endoplasmático. Como mostrado na Fig. 2.5, pequenas "vesículas
de transporte", também chamadas vesículas de retículo
endoplasmático ou, simplesmente, vesículas RE, são formadas,
de forma contínua, pelo retículo endoplasmático e, em seguida,
se fundem com o aparelho de Golgi. Desse modo, as substâncias
são transferidas do retículo endoplasmático para o aparelho de
Golgi. As substâncias transferidas são, em seguida, processadas
no aparelho de Golgi, para formar lisossomas, vesículas
secretórias ou outros componentes citoplasmáticos, discutidos
adiante neste capítulo.
 Os lisossomas
Os lisossomas são organelas vesiculares, formadas pelo
aparelho de Golgi e que, em seguida, ficam dispersas por todo o
citoplasma. Os lisossomas formam um sistema digestivo
intracelular que permite que a célula digira e, por conseguinte,
remova substâncias e estruturas indesejadas, em especial
estruturas estranhas ou lesadas, tais como bactérias. O
lisossoma, mostrado na Fig. 2.2, difere muito de uma célula
para outra, mas, em geral, tem diâmetro entre 250 e 750 nm. É
limitado por membrana de bicamada lipídica típica e seu interior
é cheio de pequenos grânulos, com diâmetro entre 5 e 8 nm, que
são agregados protéicos de enzimas hidrolíticas (digestivas).
Uma enzima hidrolítica
Fig. 2.4 Estrutura do retículo endoplasmático. (Modificado de De Ro-
bertis, Saez e De Robertis: Cell Biology. 6. ed. Philadelphia, W.B.
SaundersCo., 1975.)
Fig. 2.5 Um típico aparelho de Golgi e sua relação com o retículo
endoplasmático e com o núcleo.
12
é capaz de degradar um composto orgânico em dois ou mais
componentes, por combinar um hidrogênio, derivado da água,
com parte desse composto, e peia combinação da hidroxila da
molécula de água com outra parte desse composto. Por exemplo,
a proteína é hidrolisada para formar aminoácidos, enquanto o
glicogênio é hidrolisado para formar glicose. Mais de 50 hidrolases
ácidas já foram identificadas nos lisossomas, e as principais
substâncias que essas organelas podem hidrolisar são as
proteínas, os ácidos nucléicos, os mucopolissacarídeos, os
lipídios e o glicogênio.
Comumente, a membrana que envolve o lisossoma impede
que as enzimas hidrolíticas de seu interior entrem em contato
com as outras substâncias no interior celular. Todavia, numerosas
e diversas condições celulares podem romper a membrana de,
pelo menos, alguns lisossomas, o que produz a liberação dessas
enzimas. Como resultado, essas enzimas degradam as substâncias
orgânicas com que entram em contato, produzindo substâncias
muito difusíveis, como aminoácidos e glicose. Algumas das
funções mais específicas dos lisossomas são discutidas adiante
neste capítulo.
 Os peroxissomas
Os peroxissomas são, cm termos físicos, semelhantes aos
lisossomas, mas diferem deles por dois aspectos importantes:
primeiro, admite-se que sejam formados pelo retículo
endoplasmático liso, e não pelo aparelho de Golgi; segundo, as
enzimas em seu interior são oxidases, e não hidrolases. Diversas
dessas oxidases são capazes de combinar o oxigênio com o íon
hidrogênio para formar peróxido de hidrogênio (H2O2). O peróxido
de hidrogênio, por sua vez, é composto altamente oxidante e que
atua associado à catalase, outra enzima oxidase presente em alta
concentração nos peroxissomas, na oxidação de muitas
substâncias que, de outra forma, intoxicariam a célula. Por
exemplo, a maior parte do álcool ingerido por uma pessoa é
detoxificado pelos peroxissomas das células hepáticas por esse
mecanismo. O mecanismo oxidativo peróxido de hidrogênio
catalase também é usado para finalidades funcionais específicas
da célula, tais como a
degradação de ácidos graxos a acetil-CoA
que, em seguida, é utilizado como energia pela célula.
 Vesículas secretárias
Uma das funções importantes de muitas células é a secreção
de substâncias especiais. Quase todas as substâncias secretórias
desse tipo são formadas pelo sistema retículo endoplasmático-
aparelho de Golgi e são, em seguida, liberadas pelo aparelho
de Golgi no citoplasma no interior de vesículas de
armazenamento, chamadas vesículas secretórias ou grânulos
secretários. A Fig. 2.6 mostra vesículas secretórias típicas no
interior de células acinares pancreáticas, armazenando
proenzimas protéicas (enzimas que ainda não foram ativadas);
essas proenzimas vão ser, algum tempo depois, secretadas
através de membrana celular externa para o dueto pancreático e,
por meio dele, atingem o duodeno, onde vão ser ativadas e
desempenhar suas funções digestivas.
 As mitocôndrias
As mitocôndrias são chamadas de "usinas" celulares. Sem
elas, as células seriam incapazes de extrair quantidades
significativas de energia dos nutrientes e do oxigênio, e, como
conseqüência, para todos os efeitos práticos, cessaria todo o
funcionamento celular. Como mostrado na Fig. 2.2, essas
organelas são encontradas disseminadas por quase todo o
citoplasma, mas seu número total varia desde menos de cem
até vários milhares, dependendo da quantidade de energia
exigida pela célula.
Fíg. 2.6 Grânulos secretórios nas células acinares do pâncreas.
Ainda mais, as mitocôndrias ficam concentradas nas regiões
celulares que são responsáveis pela maior fração de seu
metabolismo energético. Por outro lado, o tamanho das
mitocôndrias é muito variável, assim como sua forma; algumas
têm diâmetro de apenas poucas centenas de nanômetros, com
forma globular, enquanto outras podem ter até 1 ?m de
diâmetro e comprimento de 7 ?m, com forma filamentosa ou
ramificada.
A estrutura básica da mitocôndria é mostrada na Fig. 2.7,
onde aparece formada, em sua maior parte, por duas membranas
de dupla camada lipídica: uma membrana externa e outra
membrana interna. Muitas pregas da membrana interna formam
as cristas, sobre as quais ficam presas enzimas oxidativas. Além
disso, a cavidade interna de cada mitocôndria c cheia com matriz
contendo grande quantidade de enzimas dissolvidas, que são
necessárias para a extração de energia dos nutrientes. Essas
enzimas atuam associadas às enzimas oxidativas das cristas,
para efetuar a oxidação dos nutrientes, do que resulta a formação
de dióxido de carbono e água. A energia liberada c utilizada
na síntese de substância com alta energia, chamada trifosfato de
adenosina (ATP). Em seguida, o ATP é transportado para fora
da mitocôndria, difundindo-se por toda a célula e liberando sua
energia sempre e onde for necessário para a execução das
funções celulares. Os detalhes da síntese do ATP pelas
mitocôndrias são apresentados no Cap. 67 e algumas das
importantes funções do ATP são apresentadas adiante neste
capítulo.
As mitocôndrias são auto-replicativas, o que significa que
uma mitocôndria pode dar origem a uma segunda, a uma terceira,
e assim por diante, sempre que houver necessidade celular de
Fig. 2.7 Estrutura da mitocôndria. (Modificado de De Robertis, Saez
e De Robertis, Ceil Bivlogy. 6. ed. Philadelphia, W.B. Saunders Co.,
1975.)
13
quantidades aumentadas de ATP. Na verdade, as mitocôndrias
contêm ácido desoxirribonucléico (ADN) semelhante ao
encontrado no núcleo. No capítulo seguinte, será destacado
que o ADN é a substância básica do núcleo, controladora da
replicação celular. Essa substância desempenha função
semelhante na mitocôndria, porém não idêntica, visto que, no
processo de replicação mitocondrial, muitas proteínas e lipídios
que já foram formados no citoplasma são incorporados às
mitocôndrias, quando estas aumentam de volume e produzem
brotamentos, que são as novas mitocôndrias.
Estruturas filamentosas e tubulares das células
As proteínas fibrilares da célula estão, em geral, organizadas
em filamentos ou túbulos. Tais estruturas têm origem como
moléculas protéicas precursoras, sintetizadas pelos ribossomas e
que aparecem, inicialmente, dissolvidas no citoplasma. Aí, elas
polimerizam para formar filamentos. Já foi destacada a presença
freqüente de grande número de filamentos de actina na zona
externa do citoplasma, a região chamada de ectoplasma, dando
sustentação elástica à membrana celular. Também, nas células
musculares, os filamentos ocorrem organizados em mecanismo
contrátil especializado que é a base da contração muscular em
todo o corpo, como discutido em detalhe no Cap. 6.
Um tipo especial de filamento, formado por moléculas
polimerizadas de tubulina, é usado por todas as células para a
construção de estruturas tubulares, os microtúbulos. Quase
invariavelmente, eles são formados por 13 protofilamentos de
tubulina, paralelos entre si, formando círculo, compondo longo
cilindro oco, com diâmetro de cerca de 25 nm e comprimento
que varia de 1 a muitos micrômetros. Tais cilindros aparecem,
com freqüência, sob forma de feixes, o que lhes confere, em
conjunto, considerável resistência estrutural. Contudo, os
microtúbulos são estruturas rígidas, que quebram se forem
dobradas em demasia. A Fig. 2.8 mostra microtúbulos típicos,
extraídos do flagelo de um espermatozóide.
Outro exemplo de microtúbulo é a estrutura mecânica
tubular dos cílios, que lhes confere resistência estrutural, que se
irradiam desde o citoplasma celular até a ponta do cílio. Por
outro lado, os centríolos e o fuso mitótico das células em mitose
são formados por microtúbulos rígidos.
Dessa forma, uma função primária dos microtúbulos é a
de atuar como um citoesqueleto, formando estruturas físicas
rígidas para determinadas regiões celulares. Mas o citoplasma,
com freqüência se escoa (flui) na vizinhança dos
microtúbulos, o que poderia ser explicado pelo movimento dos
braços que se projetam para fora dos microtúbulos.
O NÚCLEO
O núcleo é o centro controlador da célula. De modo
resumido, o núcleo contém grande quantidade de ADN, a que se
chamou, por muitos anos, genes. Os genes determinam as
características das enzimas protéicas do citoplasma e, por esse
meio, regulam as atividades citoplasmáticas. Também controlam
a reprodução; os genes, primeiro, se reproduzem e, após isso,
a célula se divide por processo especial, chamado mitose, para
formar duas células filhas, cada uma recebendo um dos dois
conjuntos de genes. Todas essas atividades nucleares são
apresentadas em detalhes no próximo capítulo.
A imagem microscópica do núcleo não dá muitos indícios
sobre os mecanismos que usa para o desempenho de suas
atividades. A Fig. 2.9 apresenta a imagem, por microscópio
óptico, do núcleo na interfase (o período entre as mitoses), com o
material que se cora intensamente, a cromatina, presente em
todo o nucleoplasma. Durante a mitose, a cromatina fica
facilmente identificável como os cromossomas extremamente
estruturados, que podem ser observados com facilidade pelo
microscópio óptico, como discutido no Cap. 3.
 O envelope nuclear
O envelope nuclear é, com freqüência, denominado
membrana nuclear. Contudo é, na verdade, formado por duas
membranas distintas, uma por dentro da outra. A membrana
externa é contínua com o retículo endoplasmático, c o espaço
entre as duas membranas nucleares também é contínuo com o
compartimento no interior do retículo endoplasmático.
O envelope nuclear é atravessado por vários milhares de
poros nucleares. Esses poros são muito grandes, com quase 10
nm de diâmetro. Contudo, grandes complexos de proteínas ficam
presos às bordas desses poros, de modo que seus orifícios centrais
Fig. 2.8 Microtúbulos dissecados do flagelo de
espermatozóide. (De Porter: Ciba Foundation
Symposium: Principies of Biomolecuhr Organizaiion.
Boston, Little, Brown & Co, 1966)
14
Fig. 2.9 Estrutura do núcleo.
têm, apenas, 9 nm de diâmetro.
Mesmo assim, esses poros são
suficientemente grandes para permitir a passagem de moléculas
com peso molecular de até 44.000 com relativa facilidade;
moléculas com peso molecular abaixo de 15.000 os atravessam
com extrema rapidez.
Nucléolos
Os núcleos da maioria das células contêm uma ou mais
estruturas que se coram levemente, chamadas nucléolos. O
nucléolo, ao contrário da maioria das organelas discutidas até
aqui, não apresenta membrana limitante. Pelo contrário, é,
simplesmente, uma estrutura que contém grande quantidade de
ARN e de proteínas dos tipos encontradas nos ribossomas. O
nucléolo fica muito aumentado quando a célula está
sintetizando ativamente proteínas. Os genes de cinco
cromossomas distintos sintetizam o ARN e o armazenam no
nucléolo, a partir de ARN fibrilar frouxo que, depois, se
condensa para formar as "subunidades"
granulares dos ribossomas. Estas, por sua vez, são transportadas
através dos poros da membrana nuclear até o citoplasma, onde
se agregam para formar os ribossomas "maduros" que
desempenham papel fundamental na formação de proteínas,
tanto no citoplasma como em associação com o retículo
endoplasmático, como será discutido em mais detalhes no
capítulo seguinte.
COMPARAÇÃO DA CÉLULA ANIMAL COMAS
FORMAS PRÉ-CELULARES DE VIDA
Muitos de nós imaginam que a célula seja a forma mais simples
de vida. Todavia, a célula é organismo muito complexo e que exigiu
muitas centenas de milhões de anos para se desenvolver depois que
a forma inicial da vida, um organismo semelhante aos vírus atuais,
primeiro apareceu na terra. A Fig. 2.10 mostra as dimensões relativas
dos menores vírus conhecidos, de um vírus grande, de uma rickettsia,
de uma bactéria e de uma célula nucleada, esta célula tendo diâmetro
1.000 vezes maior que o do menor vírus e, por conseguinte, com
volume 1 bilhão de vezes maior que o desse vírus. Como conseqüência, o
funcionamento e a organização anatômica da célula também são
muitíssimo mais complexos que o do vírus.
O constituinte essencial do vírus, responsável por ele ser vivo, é
o ácido nucléico, envolto por capa de proteína. Esse ácido nucléico
é formado pelos mesmos constituintes básicos (ADN e ARN)
encontrados nas células de mamíferos e será capaz de se reproduzir caso
existam condições adequadas. Assim, um vírus é capaz de propagar sua
linhagem, de geração a geração, e, portanto, é uma estrutura viva, do
mesmo modo como o são uma célula e um organismo humano.
Com a evolução da vida, outras substâncias químicas, além dos
ácidos nucléicos e simples proteínas, passaram a fazer integralmente
parte do organismo, e funções especializadas começaram a se desenvolver
em diferentes partes do vírus. Surgiram, assim, uma membrana, formada
Fig. 2.10 Comparação entre as dimensões de organismos pré-celulares
e uma célula típica do corpo humano.
a seu redor, e uma matriz fluida, por dentro dessa membrana. No interior
dessa matriz, desenvolveram-se substâncias químicas especializadas para
a execução de funções especiais; muitas enzimas protéicas surgiram,
capazes de catalisar reações químicas e, como conseqüência, de
determinar as atividades desse organismo.
Em estágios mais avançados, de modo especial, nos estágios de
rickettsia e de bactéria, organelas se desenvolveram no interior do
organismo, representadas por estruturas físicas de agregados químicos,
capazes de executar funções de forma bem mais eficiente que as
substâncias químicas dispersas por toda a matriz fluida. Finalmente, na
célula nucleada, ocorreu o desenvolvimento de organelas ainda mais
complexas, a mais importante delas sendo o próprio núcleo. O núcleo
distingue esse tipo celular de todas as outras formas mais inferiores de
vida; essa estrutura estabelece um centro de controle de todas as
atividades celulares e permite uma reprodução muito precisa de novas
células, geração após geração, cada nova célula possuindo, em
essência, a mesma estrutura de seu progenitor.
SISTEMAS FUNCIONAIS DA CÉLULA
No restante deste capítulo, serão discutidos diversos sistemas
funcionais representativos da célula, que a tornam um organismo
vivo.
INGESTÃO PELA CÉLULA - ENDOCITOSE
Se a célula vai viver e crescer, ela deverá obter nutrientes
e outras substâncias dos líquidos que a banham. A maioria das
substâncias atravessa a membrana por difusão e por transporte
ativo, discutidos em detalhe no Cap. 4. Contudo, grandes
partículas atingem o interior da célula por meio de função
especializada da membrana celular, chamada endocitose, As duas
formas principais de endocitose são a pinocitose e a fagocitose.
Pinocitose significa ingestão de vesículas extremamente pequenas,
contendo líquido extracelular. Fagocitose significa ingestão de
grandes partículas, tais como bactérias, células ou restos de tecido
em degeneração.
Pinocitose. A pinocitose ocorre continuamente na membrana
da maioria das células, mas de modo especialmente rápido em
algumas células. Por exemplo, nos macrófagos, ocorre de forma
tão rápida que cerca de 3% da membrana total dessas células
são engolfados, sob forma de vesículas, a cada minuto. Mesmo
assim, visto que as vesículas pinocíticas são muito pequenas,
com diâmetros de 100 a 200 nm, elas só podem, em geral, ser
vistas ao microscópio eletrônico.
A pinocitose representa o único meio pelo qual algumas
macromoléculas bastante grandes, tais como a maioria das
moléculas;
15
Fig. 2.11 Mecanismo da pinocitose
cuias de proteína podem entrar nas células. Na verdade, a
velocidade de formação das vesículas pinocíticas fica aumentada
quando essas macro moléculas se fixam à membrana celular.
A Fig. 2.11 mostra as etapas sucessivas da pinocitose, a
partir de três moléculas que se fixam à membrana celular.
Geralmente, essas moléculas se prendem a receptores na
superfície da membrana celular, que são específicos para os tipos
de proteínas que vão ser absorvidas. Esses receptores, na
maioria dos casos, ficam concentrados em pequenas depressões
da membrana celular, denominadas depressões espessadas. Na
face interna da membrana celular, por baixo dessas depressões,
existe uma malha de uma proteína fibrilar, chamada de clatrina,
além de filamentos contrateis de actina e de miosina. Uma vez
tendo ocorrido a fixação das moléculas de proteína a seus
receptores, as propriedades da superfície da membrana se
alteram, de modo que toda a depressão se invagina para dentro
da célula e as proteínas contrateis fazem com que seus bordos
se fechem, englobando as proteínas fixadas e pequena quantidade
de líquido extracelular. Imediatamente após, a porção invaginada
da membrana se solta da superfície celular, formando uma
vesícula pinocítica.
Permanece ainda como mistério o mecanismo que faz com
que a membrana celular passe pelas contorções necessárias para
formar as vesículas pinocíticas. Contudo, esse processo necessita
de energia, vinda do interior da célula; essa energia é suprida
pelo ATP, substância rica em energia, discutida adiante neste
capítulo. Por outro lado, também necessita da presença de íons
cálcio no líquido extracelular, que, provavelmente, reagem com
os filamentos contrateis, por baixo da depressão, para gerar a
força que leva à separação da vesícula da membrana celular.
Fagocitose. A fagocitose ocorre quase que do mesmo modo
que a pinocitose, exceto que envolve grandes partículas, e não
moléculas. Apenas determinados tipos celulares têm capacidade
fagocítica, de forma mais acentuada os macrófagos teciduais e
alguns glóbulos brancos.
A fagocitose tem início quando proteínas ou grandes
polissacarídios da superfície da partícula que vai ser fagocitada
— isto é, uma bactéria, uma célula morta ou qualquer outro
detrito tecidual — fixam-se a receptores na superfície do
fagócito. No caso das bactérias, elas estão, geralmente, ligadas a
anticorpos específicos, e são esses anticorpos que se prendem aos
receptores fagocíticos. Essa intermediação por anticorpos
é
chamada de opsonizaçâo, e é discutida nos Caps. 33 e 34.
A fagocitose ocorre nas seguintes etapas:
1. Os receptores da membrana celular fixam-se aos ligandos
superficiais da partícula.
2. As bordas da membrana em torno desses pontos de
fixação se evaginam, dentro de fração de segundo, cercando a
partícula;
em seguida, de forma progressiva, mais e mais receptores da
membrana se fixam aos ligandos das partículas, tudo isso
ocorrendo, de modo abrupto, como o fechamento de um zíper.
3. Filamentos de actina, além de outros, também contrateis,
circundam a partícula engolfada e se contraem, em torno de
sua margem externa, o que empurra a partícula mais para dentro.
4. As proteínas contráteis, então, destacam a vesícula
fagocítica, deixando-a no interior celular, do mesmo modo pelo
qual são formadas as vesículas pinocíticas.
 DIGESTÃO DE SUBSTÂNCIAS ESTRANHAS PELAS
CÉLULAS — A FUNÇÃO DOS LISOSSOMAS
Quase imediatamente após a chegada de vesícula pinocítica
ou fagocítica no interior celular, um ou mais lisossomas se
prendem a ela c despejam seu conteúdo de hidrolases ácidas
em seu interior, como mostrado na Fig. 2.12. Dessa forma, é
formada uma vesícula digestiva, onde as hidrolases iniciam a
hidrólise das proteínas, do glicogênio, dos ácidos nucléicos, dos
mucopo-lissacarídios e outras substâncias contidas na vesícula.
Os produtos dessa digestão são moléculas pequenas de
aminoácidos, glicose, fosfatos etc que, em seguida, difundem-se
através da membrana, para o citoplasma. O que resta da
vesícula, chamado de corpo residual, representa as substâncias
indigeríveis. Na maioria dos casos, eles são excretados, através da
membrana celular, pelo processo denominado exocitose, que é, em
essência, o oposto da endocitose.
É por isso que os lisossomas são chamados de órgãos
digestivos das células.
Regressão dos tecidos e autólise celular. Muitas vezes, os
tecidos do corpo regridem de tamanho. Por exemplo, isso ocorre
no útero, após o parto, nos músculos, durante períodos longos
de inatividade, e nas glândulas mamarias, ao término do período
de amamentação. Os lisossomas são responsáveis por grande
parte dessa regressão. Contudo, o mecanismo pelo qual a falta
de atividade de um tecido leva a aumento da atividade dos
lisossomas ainda é desconhecido.
Outro papel muito especial dos lisossomas é o da remoção
de células lesadas ou da parte do tecido onde existam células
lesadas — células lesadas por calor, por frio, por trauma, por
agentes químicos, ou por qualquer outro fator. A lesão celular
causa rotura dos lisossomas, e as hidrolases liberadas começam
imediatamente a digerir as substâncias orgânicas das cercanias.
Se a lesão for pequena, apenas uma parte da célula será removida,
seguida por seu reparo. Todavia, se a lesão for grave, toda a
célula será digerida, processo que é chamado de autólise. Desse
modo, toda a célula será removida e, comumente, uma nova
Fig. 2.12 Digestão das substâncias contidas nas vesículas pinocíticas
pelas enzimas dos lisossomas.
16
célula do mesmo tipo, formada por reprodução mitótica de célula
vizinha, toma o lugar da que foi removida.
Os lisossomas também contêm agentes bactericidas, capazes
de matar as bactérias antes que possam causar lesão à célula.
Esses agentes incluem a lisozima, que dissolve a membrana da
célula bacteriana, a lisoferrina, que fixa ferro e outros metais
imprescindíveis para o crescimento bacteriano, e ácido, em pH
de cerca de 5,0, que ativa as hidrolases e também inativa alguns
dos sistemas metabólicos bacterianos.
Os lisossomas também armazenam enzimas que podem
iniciar a digestão de agregados lipídicos e dos grânulos de
glicogênio, tornando o lipídio c o glicogênio disponíveis para a
utilização em outras regiões da célula e, até mesmo, do corpo. Na
ausência dessas enzimas, o que resulta de distúrbios genéticos
ocasionais, ocorre, muitas vezes, acúmulo de quantidades
muito grandes de lipídios ou de glicogênio nas células de muitos
órgãos, especialmente nas do fígado, o que leva à morte
precoce.
 SÍNTESE E FORMAÇÃO DE ESTRUTURAS
CELULARES PELO RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO E
PELO APARELHO DE GOLGI
A grande extensão do retículo endoplasmático e do aparelho
de Golgi, especialmente nas células secretoras, já foi destacada.
Essas duas estruturas são formadas, principalmente, por
membranas de bicamada lipídica, e suas paredes são literalmente
cravejadas de enzimas protéicas que catalisam a síntese de
muitas das substâncias necessárias às células.
Em geral, a maior parte dessa síntese começa no retículo
endoplasmático, mas a maioria dos produtos que são aí formados
é transferida para o aparelho de Golgi, onde passam por
processamento adicional, antes de serem liberados no
citoplasma. Mas, primeiro, deve-se notar quais os produtos que
são sintetizados em regiões especiais do retículo
endoplasmático e do aparelho de Golgi.
Formação de proteínas pelo retículo endoplasmático
granular. O retículo plasmático granular é caracterizado pela
presença de grande número de ribossomas presos à face externa
da membrana do retículo. Como discutido no capítulo seguinte,
as moléculas de proteína são sintetizadas no interior da estrutura
ribossômica. Ainda mais, os ribossomas extrudam muitas das
moléculas de proteína sintetizadas, não para o citosol, mas, ao
contrário, através da parede do retículo endoplasmático, para a
matriz endoplasmática.
Quase tão rapidamente como as moléculas de proteína
chegam à matriz endoplasmática, as enzimas da parede do
retículo endoplasmático as modificam. Primeiro, quase todas as
moléculas são imediatamente glicosiladas, isto é, conjugadas
com radicais de carboidratos, para formar glicoproteínas.
Portanto, essencialmente, todas as proteínas endoplasmáticas
são glicoproteínas, diferindo das proteínas formadas pelos
ribossomas no citosol, que são, em sua maioria, proteínas livres.
Segundo, as proteínas são ligadas entre si e dobradas, para formar
moléculas mais compactas.
Síntese de lipídios pelo retículo endoplasmático, em especial,
pelo retículo endoplasmático liso. O retículo endoplasmático
também sintetiza lipídios, especialmente, fosfolipídios e
colesterol. Eles são rapidamente incorporados à bicamada lipídica
do próprio retículo endoplasmático, o que permite que esse
retículo cresça continuamente. Isso ocorre, sobretudo na região
lisa do retículo endoplasmático.
Para impedir que o retículo endoplasmático cresça além dos
limites da célula, pequenas vesículas — denominadas vesículas
do retículo endoplasmático, ou vesículas transportadoras —
desprendem-se continuamente do retículo liso; será visto
adiante que a maioria dessas vesículas migra, com muita
rapidez, para o aparelho de Golgi.
Outras funções do retículo endoplasmático. Outras funções
importantes do retículo endoplasmático — e, de novo,
especialmente do retículo liso — são:
1. Contém as enzimas que controlam a degradação do
glicogênio, quando esse composto é usado para energia.
2. Contém número muito grande de enzimas que são capazes
de detoxificar as substâncias que estão lesando as células, como
os medicamentos; esse resultado é obtido por coagulação,
hidrólise, conjugação com ácido glicurônico e por outros meios.
Funções sintéticas do aparelho de Golgi. Embora a principal
função do aparelho de Golgi seja a de processar substâncias
já formadas no retículo endoplasmático, essa estrutura também
tem capacidade para sintetizar determinados carboidratos que
não podem ser formados no retículo endoplasmático. Isso é
particularmente verdadeiro para o ácido siálico e para a
galactose. Além disso, o aparelho de Golgi pode formar polímeros
sacarídios muito grandes e fixados a quantidades muito pequenas
de proteína; os mais importantes são o ácido hialurônico e o
condroiti-nossulfato. Entre as muitas funções desses dois
polímeros no corpo merecem destaque: (1) são os principais
componentes dos proteoglicanos
secretados no muco e em outras
secreções glandulares: (2) são os principais componentes da
substância fundamental que preenche os espaços intersticiais,
atuando como "recheio" entre as fibras de colágeno e as
células; e (3} são os principais componentes da matriz orgânica
das cartilagens e dos ossos.
Processamento das secreções endoplasmáticas pelo aparelho
de Golgi — a formação de vesículas. A Fig. 2.13 resume as
principais funções do retículo endoplasmático e de aparelho de
Golgi. À medida que as substâncias vão sendo formadas no
retículo endoplasmático — em especial, proteínas —, elas são
transportadas pelos túbulos até as regiões do retículo
endoplasmático liso situadas mais próximas ao aparelho de
Golgi. Nesse ponto, pequenas vesículas de transporte se
destacam, de modo contínuo, e difundem para as partes mais
profundas do aparelho de Golgi. No interior dessas vesículas
ficam as proteínas e outros produtos sintetizados.
Instantaneamente, essas vesículas se fundem com o aparelho de
Golgi e despejam seu conteúdo nos espaços vesiculares dessa
estrutura. Aí são adicionados radicais adicionais de carboidrato
a essas secreções. Por outro lado, é função muito importante do
aparelho de Golgi a de compactar as secreções do retículo
endoplasmático em "pacotes" muito concentrados. Conforme as
secreções migram para as camadas mais externas do aparelho de
Golgi, essa compactação e o processamento continuam;
finalmente, vesículas, tanto grandes como pequenas, se destacam
continuamente do aparelho de Golgi, levando consigo
Fig. 2.13 Formação de proteínas, lipídios e vesículas celulares pelo
retículo endoplasmático e pelo aparelho de Golgi,
17
as substâncias secretórias compactadas, e, em seguida,
difundem-se para fora da célula.
Para se ter idéia do decurso temporal desses processos:
quando uma célula glandular é imersa em solução com
aminoácidos radioativos, moléculas de proteína radioativa
recém-formadas podem ser detectadas no retículo
endoplasmático após 3 a 5 minutos; dentro de 20 minutos, essas
proteínas recém-formadas estão presentes no aparelho de Golgi
e, dentro de 1 a 2 horas, essas proteínas radioativas são
secretadas da superfície celular.
Tipos de vesículas formadas pelo aparelho de Golgi —
vesículas secretoras e lisossomas. Em célula intensamente
secretora, as vesículas formadas pelo aparelho de Golgi são, em
sua grande maioria, vesículas secretárias, contendo especialmente
as substâncias protéicas que vão ser secretadas pela superfície
celular. Essas vesículas se difundem para a superfície das células,
onde se fundem com a membrana celular e esvaziam seu
conteúdo no exterior, pelo processo chamado exocitose, que é,
em essência, o oposto da endocitose. Na maioria dos casos, a
exoeitose é estimulada pela entrada de íons cálcio na célula; esses
íons cálcio interagem com a membrana vesicular — por
mecanismo ainda não esclarecido — para provocar sua fusão
com a membrana.
Por outro lado, parte das vesículas é destinada à utilização
intracelular. Por exemplo, regiões especializadas do aparelho de
Golgi formam os lisossomas, já discutidos. Acredita-se que as
membranas dessas regiões especializadas contenham receptores
químicos que fazem com que as hidrolases ácidas se fixem a
elas. Desse modo, essas enzimas são concentradas e, em seguida,
liberadas do aparelho de Golgi sob forma de vesículas
lisossômicas.
Outro tipo de vesícula, formado por mecanismo análogo,
é o doperoxissoma. Contudo, acredita-se que este tipo de vesícula
seja formado no retículo endoplasmático liso, junto com a
formação das vesículas de transporte, e não pelo aparelho de
Golgi. Aqui, de novo, receptores especiais na membrana do
retículo endoplasmático, provavelmente, atraem e fixam as
enzimas oxidativas que vão ser liberadas, sob forma concentrada,
nos peroxissomas.
Utilização de vesículas intracelulares para recomposição das
membranas celulares. Muitas das vesículas vão, finalmente,
fundir-se com a membrana celular ou com as membranas de
quaisquer outras estruturas intracelulares, como a mitocôndria
ou o próprio retículo endoplasmático. Isso, obviamente, aumenta
a extensão dessas membranas e as recompõe, à medida que vão
sendo destruídas. Por exemplo, a membrana celular perde parte
considerável de sua substância cada vez que forma vesícula
fagocítica ou pinocítica, e são as vesículas do aparelho de Golgi
que continuamente a recompõem.
Assim, em resumo, o sistema de membranas do retículo
endoplasmático c do aparelho de Golgi representa órgão
intensamente metabólico, capaz de formar tanto novas estruturas
celulares como as substâncias secretórias que vão ser extrudadas
pela célula.
EXTRAÇÃO DA ENERGIA DOS NUTRIENTES —
A FUNÇÃO DAS MITOCÔNDRIAS
As principais substâncias de onde a célula extrai energia
são o oxigênio e um ou mais tipos de alimento — carboidrato,
gordura e proteína. No corpo humano, em termos essenciais,
os carboidratos são convertidos em glicose antes que atinjam
as células, as proteínas são convertidas em aminoácidos, e as
gorduras, em ácidos graxos. A Fig. 2.14 mostra o oxigênio e
os nutrientes — glicose, aminoácidos e ácidos graxos — entrando
todos na célula. Uma vez no interior, esses nutrientes reagem
quimicamente com o oxigênio, sob ação de diversas enzimas
— controladoras da velocidade dessas reações — e direcionam
Fig. 2.14 Formação de trifosfato de adenosina (ATP) na célula,
mostrando que a maior parte do ATP é formada nas mitocôndrias.
 a energia liberada na direção adequada.
Quase todas essas reações oxidativas ocorrem dentro das
mitocôndrias e a energia liberada é usada principalmente para
formar ATP. Em seguida, o ATP, e não os nutrientes originais,
é usado em toda a célula para energizar quase todas as reações
metabólicas intracelulares.
Características funcionais do ATP
A fórmula do ATP é a seguinte:
O ATP é um nucleotídio formado pela base nitrogenada
adenina, a pentose ribose e por três radicais fosfato. Os dois
últimos radicais fosfato são ligados ao resto da molécula por
ligações chamadas de ligações fosfato de alta energia. Cada uma
dessas ligações contém cerca de 12.000 calorias de energia por
mole de ATP, nas condições físicas do corpo (nas condições-
padrão, cerca de 7.300 cal, que é muito mais que a energia
armazenada na ligação química média de outros compostos
orgânicos, o que justifica a denominação "ligação de alta
energia". Ainda mais, a ligação fosfato de alta energia é muito
lábil, de modo que pode ser rompida instantaneamente por
demanda, sempre que for necessária energia para a promoção
de outras reações celulares.
Quando o ATP libera sua energia, é liberado um radical
de ácido fosfórico e formado difosfato de adenosina (ADP). Em
18
seguida, a energia liberada dos nutrientes celulares faz com que
o ADP e o ácido fosfórico se recombinem, para gerar novo
ATP; esse processo se repete continuamente. Por essa razão,
o ATP foi chamado de moeda energética da célula, pois pode
ser gasto e refeito repetitivamente, em geral, com tempo de
renovação de apenas uns poucos minutos no máximo.
Processos químicos na formação do ATP — o papel das
mitocôndrias. Ao entrar nas células, a glicose é submetida à
ação de enzimas do citoplasma que a convertem em ácido
pirúvico (é o processo chamado de glicólise). Pequena
quantidade de ADP é convertida em ATP pela energia liberada
por essa conversão, mas essa quantidade é responsável por
menos de 5% do metabolismo energético global da célula.
De longe, a maior parte do ATP formado na célula o é
nas mitocôndrias. Os ácidos pirúvico e graxo, além da maior
parte dos aminoácidos, são convertidos no composto acetil-CoA
na matriz das mitocôndrias. Por sua vez, esse composto sofre
a ação de outra série de enzimas da matriz mitocondrial, sendo
decomposto em seqüência de reações químicas, chamadas, em
conjunto, de ciclo do ácido cítrico ou ciclo de Krebs. Essas reações
são explicadas em detalhe no Cap. 67.
No ciclo do ácido cítrico, a acetil-CoA é degradada a seus
componentes básicos, átomos de hidrogênio e dióxido de carbono.
O dióxido de carbono, por sua vez, difunde-se para fora das
mitocôndrias e, eventualmente para fora da célula.
Mas, por outro lado, os átomos de hidrogênio são
extremamente reativos e, por fim, vão combinar-se com o
oxigênio que difundiu para as mitocôndrias. Essa reação libera
quantidade muito grande de energia, que é usada pelas
mitocôndrias na conversão de grande quantidade de ADP em
ATP. Os processos dessas reações são muito complexos,
exigindo a participação de grande número de enzimas protéicas
que são parte integral das cristas membranosas que proeminam
para a matriz mitocondrial. O evento inicial é a remoção de um
elétron do átomo de hidrogênio, convertendo-o em íon
hidrogênio. O evento final é o movimento desses íons através
de grandes proteínas globulares, denominadas ATP sintetase,
que fazem protrusão, como maçanetas, das membranas das
cristas mitocondriais. A ATP sintetase é uma enzima que utiliza a
energia do movimento do íon hidrogênio para promover a
conversão de ADP em ATP, enquanto, ao mesmo tempo, os
íons hidrogênio reagem com o oxigênio para formar água.
Finalmente, o recém-formado ATP é transportado para fora das
mitocôndrias, indo para todas as regiões do citoplasma e do
nucleoplasma, onde é usado para energizar o funcionamento da
célula.
Esse processo global de formação do ATP é chamado de
mecanismo quimiosmótico para a formação de ATP. Os detalhes
químicos e físicos desse mecanismo são apresentados no Cap.
67, e muitas das funções metabólicas do ATP no corpo são
apresentadas nos Caps. 67 a 71.
Uso do ATP no funcionamento celular. O ATP é usado para
promover três categorias principais do funcionamento celular;
(1) transporte através de membranas, (2) síntese de compostos
químicos em toda a célula, e (3) trabalho mecânico. Esses três
tipos distintos de uso do ATP são mostrados nos exemplos da
Fig. 2.15: (1) fornecimento de energia para o transporte de sódio
através da membrana celular, (2) promoção da síntese de
proteínas pelos ribossomas, e (3) fornecimento da energia
necessária para a contração muscular.
Além do transporte de sódio através de membranas, a
energia do ATP é necessária, direta ou indiretamente, para o
transporte dos íons potássio, cálcio, magnésio, fosfato, cloreto,
urato, hidrogênio e muitos outros íons e diversas substâncias
orgânicas. O transporte através de membranas é tão
importante para o funcionamento celular que algumas células —
como, por exemplo, as células tubulares renais — utilizam
até 80% do ATP formado nelas exclusivamente para esse fim.
Fig. 2.15 Uso de trifosfato de adenosina para prover energia para três
processos principais do funcionamento celular: (1) transporte através
de membrana, (2) síntese de proteínas, e (3) contração muscular.
Além de sintetizar proteínas, as células também produzem
fosfolipídios, colesterol, purinas, pirimidinas e grande número
de outras substâncias. A síntese de quase todos os compostos
químicos exige energia. Por exemplo, uma só molécula de
proteína pode conter vários milhares de aminoácidos, ligados
entre si por ligações peptídicas; a formação de cada uma dessas
ligações exige a rotura de quatro ligações de alta energia; dessa
forma, muitos milhares de moléculas de ATP (ou do composto
comparável, trifosfato de guanosina [GTP]) devem liberar sua
energia para cada molécula de proteína formada. Na verdade,
algumas células chegam a utilizar até 75% do ATP formado
nelas na síntese de compostos químicos; isso é especialmente
válido durante a fase de crescimento celular.
A última utilização principal do ATP é o fornecimento de
energia para células especializadas, para produção de trabalho
mecânico. Será visto no Cap. 6 que cada contração muscular
exige o consumo de quantidades imensas de ATP. Outras células
realizam trabalho mecânico de outra forma, em especial os
movimentos ciliar e amebóide, descritos adiante neste capítulo.
A fonte de energia para todos estes tipos de trabalho
mecânico é o ATP.
Portanto, para resumir, o ATP está sempre disponível para
liberar sua energia, de forma rápida e quase explosiva, sempre
que for necessário na célula. Para repor o ATP usado pela célula,
numerosas reações químicas, distintas e mais lentas, degradam
os carboidratos, gorduras e proteínas, e a energia nelas liberada
é usada na formação de novo ATP. Cerca de 95% desse ATP
é formado nas mitocôndrias, o que explica a designação das
mitocôndrias como as "usinas" da célula.
LOCOMOÇÃO AMEBÓIDE DAS CÉLULAS
De longe, o tipo mais importante de movimento celular que
ocorre no corpo é o das células musculares especializadas que
formam os músculos esquelético, cardíaco e liso que, em
conjunto, representam quase 50% de toda a massa corporal. O
funcionamento especializado dessas células é descrito nos
Caps. 6 a 9. Todavia, existem dois outros tipos de movimento,
encontrados em outras células: a locomoção amebóide e o
movimento ciliar.
Locomoção amebóide significa o movimento de toda a célula
em relação a seu substrato, como, por exemplo, o movimento
dos glóbulos brancos através dos tecidos. Contudo, seu nome
advém do fato de as amebas se deslocarem por esse mecanismo,
representando excelente modelo para o estudo desse fenômeno.
19
Fig. 2.16 Movimento amebóide por uma célula.
Tipicamente, o movimento amebóide começa pela protrusão de um
pseudópodo por uma das extremidades da célula. O pseudópodo se
projeta para longe da célula, fixando-se, então, sobre nova área do
tecido, e. por fim, o restante da célula se desloca em direção do
pseudópodo. A Fig. 2.16 mostra esse processo, apresentando uma célula
alongada, cuja extremidade direita é um pseudópodo. A membrana
dessa extremidade celular está continuamente se deslocando para a
frente e a membrana da extremidade esquerda a está acompanhando,
seguindo o movimento celular.
Mecanismo da locomoção amebóide. A Fig. 2.16 apresenta o princípio
geral do movimento amebóide. Basicamente, ele resulta de exocitose
contínua que forma nova membrana na extremidade anterior do
pseudópodo e de endocitose, também contínua, nas regiões média e
posterior da célula. Além disso, outro efeito é indispensável para o
movimento para a frente da célula. Esse efeito é a fixação do
pseudópodo aos tecidos circundantes, de modo que ele fica preso em
sua posição de avanço, enquanto o restante da célula é (racionado em
direção a esse ponto de fixação. Essa fixação é efetuada pelas
proteínas receptoras que revestem o interior das vesículas exocíticas.
Quando essas vesículas passam a fazer parte da membrana do
pseudópodo, elas se abrem, de modo que seu interior fica evertído para
o exterior, contactando ligandos nos tecidos circundantes. Um dos
importantes ligandos é uma proteína, denominada fihrinectina, presa às
fibras colágenas dos tecidos.
Na outra extremidade da célula, a atividade endocítica afasta os
receptores de seus ligandos, para formar vesículas endocíticas. Em
seguida, no interior da célula, essas vesículas fluem na direção do
pseudópodo, onde são usadas para formar nova membrana para esse
pseudópodo.
O que ainda permanece obscuro no processo do movimento
amebóide é a fonte de energia, responsável pelo fluxo de vesículas, da
extremidade endocítica para a ponta do pseudópodo. Parte dela poderia
resultar da contração dos filamentos de actina e de miosina no
ectoplasma das células, contraindo a célula em sua extremidade
posterior e, lateralmente, empurrando as vesículas e o citoplasma para a
extremidade do pseudópodo.
Tipos de células que apresentam locomoção amebóide. No corpo
humano, as células mais comuns que apresentam movimento amebóide
são os glóbulos brancos, que se deslocam do sangue para os tecidos,
sob forma de macrófagos ou micrófagos teciduais. Contudo, muitos tipos
de células podem
apresentar locomoção amebóide em circunstâncias
específicas. Por exemplo, os fibroblastos invadem qualquer área lesada
para participar de seu reparo, e até mesmo algumas das células germinais
da pele, embora, na maioria das situações, sejam células inteiramente
sésseis, deslocam-se para uma área cortada para reparar a fenda.
Finalmente, a locomoção celular é de importância especial no
desenvolvimento do feto, pois as células embrionárias podem migrar, por
longas distâncias, desde seus locais primordiais de origem até novas áreas,
durante o desenvolvimento de estruturas especiais.
Controle da locomoção amebóide — "quimiotaxia". O fator mais
importante que, em geral, desencadeia a locomoção amebóide é o
processo chamado de quimiotaxia. Ele resulta do aparecimento de
determinadas substâncias químicas nos tecidos. O composto químico
gerador da quimiotaxia é chamado de substância quimiotáxica. A
maioria das células que apresentam locomoção amebóide se desloca em
direção ã substância quimiotáxica — isto é, de área onde sua
concentração seja baixa, para outra onde seja alta —, o que é
chamado de quimiotaxia positiva.
Contudo, outras células se afastam da substância quimiotáxica, o que é
chamado de quimiotaxia negativa.
Mas, como é que a quimiotaxia controla a direção da locomoção
amebóide? Embora ainda não exista resposta definitiva, é sabido que
o lado da célula que fica mais exposto à substância quimiotáxica passa
por modificações de sua membrana que influenciam a protrusão de
pseudópodos.
CÍLIOS E MOVIMENTOS CILIARES
O segundo tipo de movimento celular — o movimento ciliar —
é semelhante ao de uma chicotada dos cílios que revestem a superfície
das células. Isso só ocorre em duas regiões do corpo humano: nas
superfícies internas das vias respiratórias e das trompas uterinas
(trompas de Falópio) no aparelho reprodutor. Na cavidade nasal e nas
vias aéreas inferiores, o movimento em chicotada dos cílios promove o
movimento da camada de muco, com velocidade de 1 cm/min, em
direção à faringe, removendo, assim, não apenas o muco dessas vias, mas
todas as partículas que ficaram retidas nesse muco. Nas trompas uterinas,
os cílios promovem o lento movimento de líquido do óstio para a
cavidade uterina; é esse movimento de líquido que leva o óvulo até o
útero.
Como mostrado na Fig. 2.17, um cílio parece um pêlo curvado,
com ponta aguda, que se projeta por 2 a 4 um da superfície celular.
Muitos cílios se projetam de cada célula — por exemplo, cerca de 200
cílios se projetam da superfície de cada célula epitelial das vias aéreas
respiratórias. O cílio é recoberto por expansão da membrana celular
e é sustentado por 11 microtúbulos: nove túbulos duplos, situados em
tomo da periferia, e dois túbulos simples, localizados em sua porção
central, como mostrado no corte transverso da figura. Cada cílio se
origina de estrutura situada imediatamente abaixo da membrana celular,
chamada de corpo basal do cílio.
O flagelo do espermatozóide tem organização semelhante à do cílio;
na verdade, tem quase que o mesmo tipo de estrutura e o mesmo tipo
de mecanismo contrátil. Todavia, o flagelo é bem mais longo e se move
em ondas quase sinusoidais, em vez de em movimentos de chicotada.
No detalhe da Fig. 2.17 é mostrado o movimento de um cílio. O
cílio se move para a frente de forma abrupta e rápida, 10 a 20 vezes
por segundo, curvando-se acentuadamente em seu ponto de emergência
da superfície celular. Em seguida, move-se para trás, bem lentamente
como em uma chicotada. O movimento rápido para frente empurra o
líquido adjacente à célula na direção do movimento do cílio, e o
movimento lento de chicotada, na direção oposta, pouco atua sobre
o líquido. Como resultado, o líquido c continuamente propelido na
direção do movimento rápido para frente. Dado que a maioria das células
ciliadas apresenta grande número de cílios em sua superfície, e dado
que todas as células têm seus cílios orientados na mesma direção, isso
representa meio muito eficaz para o deslocamento de líquido ao longo
de uma superfície.
Mecanismo do movimento ciliar. Embora nem todos os aspectos
do movimento ciliar já tenham sido esclarecidos, sabemos o que se segue.
Primeiro, os nove túbulos duplos são interligados entre si por um
complexo de pontes transversas protéicas; esse complexo total de
túbulos e de pontes transversas é chamado de axonema. Segundo,
mesmo após remoção da membrana e destruição dos outros elementos
do cílio, exceto o axonema, o cílio ainda pode mover-se em
determinadas condições. Terceiro, existem duas condições essenciais para
a continuidade do batimento do axonema, após remoção das outras
estruturas do cílio: (1) presença de ATP, e (2) condições iônicas
adequadas, incluindo, de modo especial, concentrações adequadas de
magnésio e de cálcio. Quarto, durante o movimento rápido para frente,
os túbulos da face anterior do cílio deslizam para diante, em direção
à ponta do cílio, enquanto os túbulos da face posterior permanecem
imóveis. Quinto, três braços, formados por uma proteína dotada de
atividade ATPase, chamada dineí-na, unem cada conjunto de túbulos
periféricos ao seguinte.
A partir desta informação básica, foi postulado que a liberação
de energia do ATP, ao entrar em contato com a ATPase dos braços
de dineína, faz com que esses braços "engatinhem" ao longo da superfície
dos pares de túbulos adjacentes. Se esse engatinhar ocorrer em direção
ã extremidade do cílio, nos túbulos anteriores, enquanto os posteriores
ficam estacionários, obviamente o resultado será uma curvatura.
Não é conhecido o mecanismo de controle da contração ciliar.
Contudo, os cílios de determinadas células geneticamente anormais não
contém os dois túbulos simples centrais, e esses cílios não se movem.
Portanto.
20
Fig. 2.17 Estrutura e funcionamento do cílio. (Modificado de Satir:
Cilia; Sei. Amer., 204:108. 1961. Copyright 1961 by Scientific
American Inc. Todos os direitos reservados.)
é presumido que algum sinal, talvez eletroquímico, seja transmitido ao
longo desses dois túbulos para ativar os braços de dineína.
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21
CAPÍTULO 3
Controle Genético da Síntese de Proteínas, do Funcionamento
e da Reprodução Celular
Virtualmente todas as pessoas sabem que os genes controlam a
hereditariedade dos pais aos filhos, mas a maioria das pessoas não
compreende que esses mesmos genes controlam a reprodução e o
funcionamento dia-a-dia das células. Os genes controlam o
funcionamento celular ao determinarem quais as substâncias que serão
sintetizadas pela célula
— que estruturas, quais enzimas, quais compostos químicos.
A Fig. 3.1 mostra um esquema geral do controle genético. Cada
gene, que é um ácido nucléico, chamado de ácido desoxirribonucléico
(ADN), controla, automaticamente, a formação de outro ácido nucléico
o ácido ribonucléico (ARN), que se difunde por toda a célula e controla
a formação de proteínas específicas.
Algumas dessas proteínas são proteínas estruturais que, associadas a
diversos lipídios e carboidratos, formam a estrutura de muitas das
organelas discutidas no Cap. 2. Mas, de longe,
as proteínas são, em sua maioria, enzimas que catalizam as diferentes
reações químicas que ocorrem nas células. Por exemplo, as enzimas
promovem as reações oxidativas que fornecem energia para as células
e, também, promovem a síntese de diversos compostos químicos, tais
como lipídios, glicogênio, trifosfato de adenosina (ATP) etc.
Para a formação de cada proteína celular, só existe, em geral, um
par de genes em cada célula. Tem sido estimado que as células humanas
teriam mais de 100.000 desses pares de genes, o que significa que até
100.000 proteínas diferentes podem ser formadas nas diferentes células,
embora não todas por uma mesma célula, por razões que serão discutidas
adiante neste capítulo.
 OS GENES
Grande número de genes — ligados entre si, formando uma fileira
— fica contido em moléculas de ADN, formadas por filamentos duplos
helicoidais, cujo peso molecular é medido em bilhões. Um segmento
muito curto de uma dessas moléculas é mostrado na Fig. 3.2. Essa molé-
cula é formada por vários compostos químicos simples, dispostos segundo
um padrão regular que é explicado nos parágrafos seguintes.
As unidades básicas do ADN. A Fig. 3.3 mostra os compostos
químicos básicos que participam na formação do ADN. Esses compostos
incluem (1) ácido fosfórico. (2) um açúcar, chamado desoxirribose, e (3)
quatro bases nitrogenadas (duas purinas, adenina e guanina, e duas
pirimidinas, timina e citosina). Os dois filamentos helicoidais são
formados pelo ácido fosfórico e pela desoxirribose, representando o
arcabouço da molécula do ADN, enquanto as bases ficam entre os dois
filamentos, ligando-os.
Os nucleotídios. A primeira etapa na formação do ADN é a combinação
de uma molécula de ácido fosfórico, uma molécula de desoxirribose e uma
molécula de uma das quatro bases, para compor um nucleotídio. Dessa
forma, são formados quatro nucleotídios, um para cada uma das bases:
ácidos desoxiadenílico, desoxitimidílico, desoxiguanílico e
desoxicitidílico.
Fig. 3.1 Esquema geral de como os genes controlam o funcionamento
celular.
A Fig. 3.4 apresenta a estrutura química do ácido adenílico, enquanto a
Fig. 3.5 mostra os símbolos simples que representam os quatro
nucleotídios básicos do ADN.
Organização dos nucleotídios para formar o ADN. A Fig. 3.6 mostra
o modo pelo qual números múltiplos de nucleotídios se combinam para
formar o ADN. Note-se que essa combinação ocorre de modo tal que
o ácido fosfórico e a desoxirribose ocupam posições alternadas nos dois
filamentos, e esses filamentos são unidos entre si por ligações fracas
Fig. 3.2 A estrutura helicoidal de dois filamentos do gene. Os filamentos
externos são formados por ácido fosfórico e pelo açúcar desoxirribose.
As moléculas internas unindo os dois filamentos da hélice são bases
de purina e de pirimidina; elas determinam o "código" do gene.
22
Fig. 3.3 As unidades básicas do ácido desoxirribonucléico (ADN).
Fig 3.4 O ácido desoxiadenílico, um dos que compõem o
ADN.
Fig. 3.5 Combinações das unidades básicas do ADN, para formar os
nucleotídios. ({P = ácido fosfórico; D = desoxirribose.) As quatro
bases dos nucleotídios são A (adenina); T" (timina); G (guanina); e
C(citosina). Esses quatro tipos de nucleotídios formam o ADN.
entre as bases de purina e de pirimidina. Mas deve ser
cuidadosamente notado que:
1. a base purina adenina sempre se liga à base pirimidina
timina, e
2. a base purina guanina sempre se liga à base pirimidina
ciíosina.
Assim, na Fig. 3.6, a seqüência dos pares complementares de
bases é CG, CG, GC, TA, CG, TA.GC, AT e AT.
Contudo, essas bases são interligadas por pontes de
hidrogênio muito fracas, representadas na figura por linhas
tracejadas.
Devido à fraqueza dessas ligações, os dois
filamentos podem separar-se facilmente, e o fazem durante o
curso de seu funcionamento na célula.
Agora, para colocar o ADN em sua perspectiva física
adequada, basta que as duas extremidades sejam apanhadas e
torcidas, para formar uma hélice. Em cada volta completa da
hélice da molécula de ADN existem 10 pares de nucleotídios,
como mostrado na Fig. 3.2.
O CÓDIGO GENÉTICO
A importância do ADN reside em sua capacidade de
controlar a formação de outras substâncias pela célula. Isso é
realizado por meio do chamado código genético. Quando os dois
filamentos da molécula de ADN são separadas, as bases de purina e
de pirimidina ficam expostas.
pois se projetam lateralmente de cada filamento. São essas bases
proeminentes que formam o código.
Estudos experimentais, realizados nos últimos anos, demonstraram
que o código genético é composto de "trincas" (triptets) sucessivas de
bases — isto é, o grupo de três bases em seqüência forma uma palavra
do código. As trincas sucessivas controlam, eventualmente, a seqüência
dos aminoácidos de uma molécula de proteína, durante sua síntese na
célula. Note-se, na Fig. 3.6, que cada filamento da molécula de ADN
tem seu próprio código genético. Por exemplo, o filamento superior
tem, da esquerda para a direita, o código genético GGC, AGA e CTT,
as trincas estando separadas por setas. Ao se acompanhar esse código
genético nas Figs. 3.7 e 3.8 será notado que essas três trincas são
responsáveis pela colocação sucessiva dos três aminoácidos, prolina,
serina e ácido glulâmico, na molécula de proteína.
ARN— O PROCESSO DE TRANSCRIÇÃO
Dado que quase todo o ADN fica no núcleo da célula e, todavia,
a maior parte do funcionamento celular ocorre no citoplasma, deve existir
algum meio para que os genes do núcleo possam controlar as reações
23
Químicas no citoplasma. Isso é realizado pela intermediação de outro
tipo de ácido nucléico, o ARN, cuja formação é controlada pelo ADN
do núcleo. Nesse processo, o código ê transferido para o ARN, o que
é chamado de transcrição. O ARN, então, difunde-se do núcleo, passando
pelos poros nucleares, para o compartimento citoplasmático, onde
controla a síntese de proteína.
Síntese de ARN
Durante a síntese do ARN, os dois filamentos do ADN se separam
durante certo tempo: em seguida, um dos filamentos é usado como
molde para a síntese das moléculas de ADN. As trincas do código do
ADN promovem a formação de trincas complementares do código no
ARN (chamadas códons); esses códons, por sua vez, controlam a
seqüência dos aminoácidos de uma proteína que vai ser,
subseqüentemente, sintetizada no citoplasma. Quando um filamento de
ADN é usado dessa maneira para a formação do ARN, o outro filamento
permanece inativo. Cada filamento de ADN em um cromossoma é
molécula tão grande que pode conter o código para 4.000 genes em
média.
As unidades básicas do ARN. As unidades básicas do ARN são
as mesmas do ADN, exceto por duas diferenças. Primeiro, o açúcar
desoxirribose não faz parte do ARN, Em seu lugar, existe outro açúcar,
com composição ligeiramente diferente, a ribose. Segundo, a timina
é substituída por outra pirimidina, o uracit.
Formação dos nucleotídios do ARN. Inicialmente, as unidades básicas
do ARN formam nucleotídios de forma idêntica à descrita acima para
a síntese do ADN. Também aqui, quatro nucleotídios são usados na
formação do ARN. Esses nucleotídios contêm as bases adenina, guanina,
áiosina e uracii. Note-se que essas são as mesmas bases do ADN, exceto
pelo uracil substituir a timina.
Ativação dos nucleotídios. A etapa seguinte na síntese do ARN
é a ativação dos nucleotídios. Isso ocorre pela incorporação de dois
radicais fosfato a cada nucleotídio, do que resulta a formação de
trifosfatos. Esses dois últimos radicais fosfato são unidos ao nucleotídio
por ligações fosfato de alia energia, derivadas do ATP da célula.
O resultado desse processo de ativação é que grandes quantidades
de energia ficam disponíveis para cada nucleotídio, e essa energia é
usada para promover as reações químicas subseqüentes, do que resulta
a formação da cadeia de ARN.
Montagem da molécula de ARN a partir de nucleotídios
ativados, usando o filamento de ADN como molde — o
processo de "transcrição".
A montagem da molécula de ARN é mostrada na Fig. 3.7, sob
a influência da enzima ARNpolimemse. Esta é uma enzima muito grande
e apresenta muitas propriedades funcionais, necessárias para a formação
da molécula de ARN. Essas propriedades funcionais são as seguintes:
1. No filamento de ADN, imediatamente antes do gene inicial.
existe uma seqüência de nucleotídeos, chamada de promotor. A ARN
polimerase contém uma estrutura complementar apropriada, que
reconhece esse promotor e se liga a ele. Esta é a etapa essencial
para a formação da molécula de ARN.
2. Uma vez que a ARN polimerase tenha-se ligado ao promotor.
ela faz com que cerca de duas voltas da hélice de ADN se destorçam
e, em seguida, se separem.
3. Após isso, a ARN polimerase passa ao longo do filamento de
ADN, temporariamente destorcendo e separando os filamentos de ADN
a cada estágio de sua passagem. Conforme passa, ela vai formando
a molécula de ARN pelas seguintes etapas;
4. Primeiro, provoca a formação de pontes de hidrogênio entre
as bases sucessivas do filamento de ADN e as bases dos nucleotídios
complementares presentes no nucleoplasma.
5. Em seguida, e um de cada vez, a ARN polimerase remove dois
dos três radicais fosfato de cada um dos nucleotídios do
ARN, liberando
grandes quantidades de energia das ligações fosfato de alta energia que
são rompidas; essa energia é usada na formação de ligações covalentes
entre o radical fosfato restante no nucleotídio com a ribose da
extremidade crescente da molécula de ARN.
6. Quando a ARN polimerase atinge o fim do gene ou grupo de
genes, ela encontra nova seqüência de nucleotídios do ADN, chamada
de seqüência de terminação da cadeia; isso faz com que a ARN polimerase
se afaste do filamento de ADN. Em seguida, essa polimerase pode
prender-se a outro trecho do mesmo ou de outro filamento de ADN,
podendo
ser usada repetidamente na formação de novas moléculas de ARN.
7. Conforme o novo filamento de ARN é formado, suas pontes
de hidrogênio com o molde de ADN são rompidas, porque o filamento
complementar de ADN tem energia de ligação, o que força o afastamento
do novo filamento de ARN e promove a reunião dos dois filamentos
de ADN. Como resultado, a molécula de ARN fica solta no núcleo
plasma.
Deve ser lembrado que existem quatro tipos distintos de bases do
ADN e, também, quatro tipos distintos de bases nucleotídicas de ARN.
Ainda mais, essas bases só interagem entre si por combinações
específicas. Portanto, o código presente no filamento de ADN é
transmitido, sob forma complementar, para a molécula de ARN. As bases
dos nucleotídios de ribose se combinam com as bases dos de
desoxirribose da seguinte forma:
Base do ADN
guanina .............................................................................. citosina
citosina ............................................................................ guanina
adenina .............................................................................. uracii
timina ............................................................................ adenina
Após a liberação das moléculas de ARN no nucleoplasma, elas
ainda devem passar por processamento adicional, antes de ir para o
citoplasma. A razão disso é que o ARN recém-transcrito contém muitas
seqüências indesejáveis de nucleotídios de ARN. Alguns deles ocorrem
nas duas extremidades do filamento de ARN e muitos outros ficam
no meio do filamento; esse material indesejável constitui, provavelmente,
mais de 9H% de todo o filamento. Felizmente, várias enzimas do
nucleoplasma apresentam a capacidade de remover essas seqüências
indesejáveis e, em seguida, de juntar os
segmentos que sobraram,
processo chamado de recomposição do ARN (ARN-splicing). Após isso,
o ARN fica pronto para ser usado na formação de proteína.
Existem três tipos distintos de ARN, cada um com papel
independente e completamente diferente na formação das proteínas.
Fig. 3.7 Combinação dos nucleotídios de ribose com um
filamento de ADN para formar uma molécula de ácido
ribonucléico (ARN) que transfere o código do ADN do gene
para o citoplasma. A ARN polimerase se desloca ao longo do
filamento de ADN e constrói a molécula de ARN.
Base do ARN
24
Fig. 3.8 Parte da molécula de ácido ribonucléico,'mostrando três
palavras do "código", CCG, UCU e GAA, que representam os três
aminoácidos prolina, serina e ácido glutâmico.
 Esses tipos são:
1. ARN mensageiro, que transporta o código genético até o
citoplasma, para o controle da formação das proteínas;
2. ARN transportador, que transforma os aminoácidos ativados até
os ribossomas, onde vão ser usados na montagem das moléculas de
proteínas; e
3. ARN ribossômico, que, junto com cerca de 75 proteínas
diferentes, formam os ribossomas, as estruturas físicas e químicas onde
ocorre
realmente a montagem das moléculas de proteína.
O ARN MENSAGEIRO — OS "CÓDONS"
As moléculas de ARN mensageiro são longos filamentos simples
de ARN que existem em suspensão no citoplasma. Essas moléculas são
formadas por centenas a milhares de nucleotídios, dispostos em filamento
único, contendo os códons que são exatamente complementares às trincas
do código dos genes. A Fig. 3.8 mostra pequeno segmento da molécula
de ARN mensageiro. Seus códons são CCG, UCU e GAA. Esses são
os códons para os aminoácidos prolina, serina e ácido glutâmico. A
transcrição desses códons é mostrada na Fig. 3.7.
Os códons do ARN para os diferentes aminoácidos. O Quadro 3.1
apresenta os códons do ARN para os 20 aminoácidos encontrados nas
moléculas de proteína. Note-se que a maioria desses aminoácidos é
representada por mais de um códon; também, existe um códon
sinalizando "comece a produzir uma molécula de proteína", e três códons
sinalizando "pare de produzir a molécula de proteína". No Quadro 3.1,
esses dois tipos de códons são designados como Cl (início da cadeia) e
CT (término da cadeia).
O ARN TRANSPORTADOR — OS "ANTICÓDONS"
Outro tipo de ARN com papel essencial na síntese de proteínas
é chamado ARN transportador, por transportar as moléculas de
aminoácidos até as moléculas de proteína ã medida que essa
proteína está
Quadro 3.1 Códons do ARN para os diferentes aminoácidos
e para o começo e fim
sendo sintetizada. Cada tipo de ARN transportador se combina,
especificamente, com um dos 20 aminoácidos que podem ser
incorporados às proteínas. O ARN transportador atua, assim, como um
carreador para o transporte de tipo específico de aminoácido até os
ribossomas, onde estão sendo formadas as moléculas de proteína. Nos
ribossomas, cada tipo específico de ARN transportador reconhece
determinado códon no ARN mensageiro, como descrito a seguir, e,
portanto, entrega o aminoácido adequado no local apropriado da cadeia
da molécula de proteína em formação.
O ARN transportador, contendo cerca de 80 nucleotídios, é
molécula relativamente pequena, em comparação com o ARN
mensageiro. Ele é uma cadeia dobrada em forma de folha de trevo,
semelhante à mostrada na Fig. 3.9. Uma das extremidades da
molécula sempre contém ácido adenílico; é nessa extremidade que o
aminoácido transportado se fixa ao radical hidroxila da ribose do ácido
adenílico. Enzima específica provoca essa fixação para cada tipo de
ARN transportador; essa mesma enzima também determina que tipo de
aminoácido vai fixar-se ao tipo respectivo de ARN transportador.
Como a função do ARN transportador c a de produzir a fixação
de aminoácido específico à cadeia em formação da proteína, é essencial
que cada tipo de ARN transportador também possua especificidade para
um códon determinado do ARN mensageiro. O código específico do
ARN transportador, que permite seu reconhecimento de um códon
específico é, de novo, uma trinca de bases nucleotídicas, chamada de
anticódon. Essa trinca fica localizada, aproximadamente, no meio da
molécula do ARN transportador (na pane mais inferior da estrutura
em forma de folha de trevo mostrada na Fig. 3.9). Durante a formação
de uma molécula de proteína, as bases do anticódon se fixam
fracamente, por meio de pontes de hidrogênio, com as bases dos códons
do ARN mensageiro. Desse modo, os aminoácidos correspondentes são
alinhados, um após outro, ao longo da cadeia de ARN mensageiro, o
que estabelece a seqüência apropriada de aminoácidos da molécula de
proteína.
 O ARN RIBOSSÔMICO
O terceiro tipo de ARN na célula é ARN ribossômico; constitui
cerca de 60% dos ribossomos. O restante do ribossomo é formado por
proteína, contendo cerca de 75 tipos diferentes de proteínas, tanto
proteínas estruturais como enzimas necessárias para a produção de
moléculas de proteína.
O ribossomo é a estrutura química do citoplasma onde vai, efetiva-
mente, ocorrer à síntese de proteínas. Contudo, sempre atua em
associarão com os dois outros tipos de ARN: o ARN transportador
carreia os aminoácidos até os ribossomos, para serem incorporados à
molécula de proteína em formação, enquanto o ARN mensageiro
fornece a informação necessária para o sequenciamento dos
aminoácidos, na ordem correta para cada tipo de proteína que vai ser
formada.
Os ribossomas de células nucleadas são formados por duas
subunidades físicas, denominadas subunidade pequena, contendo uma
molécula de ARN e 33 proteínas, e a subunidade grande, com três
ARNs e mais de 40 proteínas.
Aminoácido Códons do ARN
Ácido aspártico GAU GAC
Ácido glutãmico GAA GAG
Alanína GCU GCC GCA GCG
Arginina CGU CGC CGA CGG AGA AGG
Asparagina AAU AAC
Cisteína UGU UGC
Fenilalanina UUU UUC
Glicina GGU GGC GGA GGG
Glutamina CAA CAG
Histidina CAU CAC
Isoleucina AUU AUC AUA
Leucina CUU CUC CUA CUG UUA UUG
Usina AAA AAG
Metionina AUG
Prolina CCU CCC CCA CCG
Serina UCU UCC UCA UCG AGC AGU
Tirosina UAU UAC
Treonina ACU ACC ACA ACG
Triptofano UGG
Valina GUU GUC GUA GUG
Começo (Cl) AUG
Fim (CT) UAA UAG UGA
Fig. 3.9 Mecanismo de como uma molécula de proteína é formada nos
ribossomas, em associação com o ARN mensageiro e o ARN
transportador.
25
Embora só se tenha conhecimento parcial do mecanismo da síntese de
proteínas pelos ribossomas, é sabido que o ARN mensageiro e o ARN
transportador se complexam, inicialmente, com a subunidade pequena.
Em seguida, a subunidade grande fornece a maioria das enzimas que
promovem a formação das ligações peptídicas entre os aminoácidos
sucessivos. Dessa forma, os ribossomas funcionam como uma fábrica,
onde são produzidas as moléculas de proteína.
Formação dos ribossomas no nucléolo. Os genes do ADN para a
formação de ribossomas ficam localizados em cinco pares diferentes de
cromossomas no núcleo e cada cromossoma contém muitas duplicatas
desses genes, devido à grande quantidade de ARN ribossômico
que é necessária para o funcionamento celular.
À medida que o ARN ribossômico é formado, ele se acumula no
nucléolo, estrutura especializada situada ao lado dos cromossomas.
Quando grandes quantidades de ARN ribossômico estão sendo formadas,
o nucléolo aparece como uma grande estrutura, enquanto, nas células
que sintetizam quantidades muito pequenas de proteína, o nucléolo pode
ser inaparente. O ARN ribossômico é especificamente processado no
nucléolo e combinado a "proteínas ribossômicas" para formar
condensações granulares que são as subunidades primordiais dos
ribossomas. Essas subunidades são, então, liberadas pelo nucléolo e
transportadas, através dos grandes poros do envelope nuclear, para
quase todas as partes do citoplasma. Só após essas subunidades terem
chegado ao citoplasma é que são unidas para formar os ribossomas
adultos e funcionais. Por conseguinte,
as proteínas não são formadas no
núcleo, pois o núcleo não contém ribossomas maduros.
FORMAÇÃO DAS PROTEÍNAS NOS RIBOSSOMAS — O
PROCESSO DE "TRADUÇÃO"
Quando uma molécula de ARN mensageiro entra em contato com
um ribossoma, ele a percorre em toda sua extensão, a partir de extremi-
dade predeterminada da molécula de ARN, que é especificada por uma
seqüência apropriada de bases do ARN. Em seguida, como mostrado
na Fig. 3.9, enquanto o ARN mensageiro passa pelo ribossoma. é formada
a molécula de proteína — um processo chamado de tradução. Nele, o
ribossoma lê o código do ARN mensageiro, da mesma forma como
uma fita é "lida11 ao passar pela cabeça de reprodução do toca-fitas.
Então, quando é atingido o códon de término (ou de "término da
cadeia"), é sinalizado o fim da molécula de proteína que é liberada no
citoplasma.
Polirribussomas. Uma só molécula de ARN mensageiro pode formar
moléculas de proteína em diversos e diferentes ribossomas ao mesmo
tempo, com o filamento de ARN passando ao ribossoma seguinte a
medida que sai do anterior, como mostrado na Fig. 3.9. Obviamente,
as moléculas de proteína estarão em etapas diferentes de formação em
cada ribossoma. Como resultado, existem, freqüentemente, grupos de
ribossomas com cerca de 3 a 10 ribossomas presos ao mesmo tempo
à mesma molécula de ARN mensageiro, Esses grupos de ribossomas
são chamados de pofirribossomas.
Deve ser especialmente notado que um ARN mensageiro pode pro-
mover a formação de molécula de proteína em qualquer ribossoma,
por não existir qualquer especificidade do ribossoma para determinado
tipo de proteína. O ribossoma é simplesmente, a estrutura onde ocorrem
às reações químicas.
Fixação dos ribossomas ao retículo endoplasmático. No
capítulo anterior, foi notado que muitos ribossomas ficam presos ao
retículo endoplasmático.
 Isso só ocorre após os ribossomas terem iniciado a formação das
moléculas de proteína. Essa fixação acontece porque as extremidades
iniciais de algumas moléculas de proteína contêm seqüências de
aminoácidos que se fixam, imediatamente, a sítios receptores
específicos do retículo endoplasmático; isso permite que essas
moléculas atravessem a parede do retículo, atingindo sua matriz. Isso
ocorre enquanto a molécula de proteína ainda está sendo formada no
ribossoma, o que puxa o ribossoma para o retículo endoplasmático, do
que resulta a aparência "granular" desse retículo.
A Fig. 3.10 apresenta a relação funcional do ARN mensageiro com
o ribossoma e, também, o modo como esse ribossoma se fixa à membrana
do retículo endoplasmático. Note-se que o processo de tradução está
ocorrendo em diversos ribossomas ao mesmo tempo, em resposta a um
só filamento de ARN mensageiro. E também deve ser notado que as
cadeias polipeptídicas recém-formadas passa através da membrana do
retículo endoplasmático para atingir sua matriz.
Todavia, também deve ser notado que, exceto em células
glandulares, formadoras de grande número de vesículas secretórias
contendo proteínas, a maioria das proteínas formadas nos ribossomas é
liberada diretamente no citosol. Essas são as enzimas e as proteínas
estruturais da célula.
Etapas químicas da síntese de proteínas. Algumas das reações
químicas que ocorrem durante a síntese de moléculas de proteína são
mostradas na Fig. 3.11. Essa figura mostra as reações representativas
para três aminoácidos distintos, AA2, AA2 e AA3. As etapas dessas
reações são as seguintes: (1) cada aminoácido é ativado por um
processo químico onde o ATP se combina com o aminoácido para
formar um complexo de monofosfato de adenostna com aminoácido,
rompendo duas ligações fosfato de alta energia; (2) o aminoácido
ativado, contendo excesso de energia, combina-se, então, com seu ARN
transportador especifico, para formar um complexo aminoácido-ARNt,
liberando, ao mesmo tempo, o monofosfato de adenosina; (3) o ARN
transportador, carreando o aminoácido complexado, entra, em seguida,
em contato com a molécula de ARN mensageiro no ribossoma, o que situa
seu aminoácido na seqüência correta para a formação da molécula de
proteína. Então, sob a influência da enzima peptidiltransferase, uma das
proteínas do ribossoma, são formadas ligações peptídicas entre os
aminoácidos sucessivos, o que, progressivamente, alonga a cadeia da
proteína. Essas etapas químicas exigem a energia de duas ligações
fosfato de alta energia, o que eleva para quatro o total de ligações
fosfato de alta energia necessárias à incorporação de um aminoácido
na cadeia de proteína. Dessa forma, a síntese de proteína é um dos
processos com maior consumo de energia da célula.
Ligação peptídica. Os aminoácidos sucessivos da cadeia de proteínas
são unidos entre si segundo a reação típica:
Nesta reação química, um radical hidroxila é removido da COOH
de um aminoácido, enquanto um hidrogênio é removido do radical NH;
do outro. O que é removido forma água e os dois sítios reativos dos
Fig. 3.10 Concepção artística da estrutura dos ribosso-
mas e de sua relação funcional com o ARN mensageiro,
com o ARN transportador e com o retículo endoplas-
mático, durante a formação de moléculas de proteína.
(De Bloom e Fawcett: A Textbook of Histology. 10. ed.
Philadelphia, W.B SaundeTS Co., 1975.)
26
Fig. 3.11 Eventos químicos na formação de uma molécula de proteína.
dois aminoácidos sucessivos reagem entre si, do que resulta a formação
de uma só molécula. Esse processo é chamado de ligação peptídica.
SÍNTESE DE OUTRAS SUBSTÂNCIAS PELA CÉLULA
Os muitos milhares de enzimas protéicas formadas pelo mecanismo
descrito acima controlam, em essência, todas as demais reações químicas
que ocorrem nas células. Essas enzimas promovem a síntese de lipídios,
glicogênio, purinas, pirimidinas e centenas de outras substâncias. Muitos
desses processos sintéticos, relacionados ao metabolismo dos
carboidratos, lipídios e proteínas, são discutidos nos Caps. 67 a 69.
É por meio dessas diferentes substâncias que são realizadas muitas das
funções celulares.
 CONTROLE DA FUNÇÃO GENÉTICA E DA ATIVIDADE
BIOQUÍMICA DAS CÉLULAS
Do que foi discutido até aqui, fica claro que os genes controlam
tanto o funcionamento físico como o químico das células. Contudo,
a ativação dos próprios genes também deve ser controlada; de outro
modo, algumas partes da célula poderiam crescer excessivamente ou
algumas reações químicas poderiam ocorrer de modo desmesurado,
podendo matar a célula. Felizmente, cada célula é dotada de potentes
mecanismos internos de controle por feedback que mantêm as diversas
operações funcionais da célula em ritmo e intensidade adequados entre
si. Para cada gene ou para cada pequeno grupo de genes (100.000 no
total) existe, pelo menos, um desses mecanismos de feedback.
Os menores vírus têm contribuído imensamente para a nossa
compreensão do funcionamento celular, por terem dimensões
suficientemente pequenas para permitir que os biólogos elucidem quase
que os detalhes mais precisos de seu funcionamento, molécula a
molécula. Em um nível pouco mais alto, as bactérias também são
muito valiosas, em especial a bactéria Escherichia coli, muito
abundante nas fezes. A maior parte do que vai ser discutido nas
páginas que se seguem foi aprendida por experimentos com essas
formas mais inferiores de vida. Infelizmente, contudo, a célula nucleada é
tão complexa que só agora se está começando a compreender os
mecanismos especiais de controle que foram desenvolvidos por essa
forma mais elevada de vida. Para exemplificar a diferença de
complexidade entre a célula nucleada (chamada de eucarioto) e a
célula não-nucleada (chamada de procariota), basta mencionar que o
eucarioto do ser humano contém 1.000 vezes mais ADN que a bactéria
E. Coli.
Basicamente, existem dois métodos diferentes para o controle das
atividades bioquímicas da célula. Um deles é chamado de regulação
genética, responsável pelo controle das atividades dos próprios genes,
e o outro é chamado
de regulação enzimática, responsável pelo controle
do nível da atividade das enzimas na célula.
 REGULAÇÃO GENÉTICA
O opéron do procariota e seu controle da síntese bioquímica
— a função do "promotor". A síntese de produto bioquímico celular
exige, geralmente, uma série de reações, e cada uma dessas reações é
catalisada por enzima protéica especial. A formação de todas as enzimas
necessárias para os processos sintéticos é, muitas vezes, controlada por
uma seqüência de genes, localizados em série, um após outro, no
mesmo filamento de ADN cromossômico. Esse trecho do filamento de
ADN é denominado opéron, e os genes responsáveis pela formação da
enzima respectiva são chamados de genes estruturais. Na Fig. 3.12,
são mostrados três genes estruturais em um opéron e vê-se que eles
controlam a formação de três enzimas específicas, usadas em
determinado processo de síntese bioquímica.
Agora, deve ser notado na figura o segmento do filamento de ADN
designado promotor. É formado por uma série de nucleotídios que têm
afinidade específica pela ARN polimerase, como já discutido. A
polimerase deve fixar-se a esse promotor antes que possa percorrer o
filamento de ADN para sintetizar o ARN. Portanto, o promotor é o
elemento essencial na ativação do opéron.
Controle do opéron por "proteína repressora" - o "operador
repressor". Também deve ser notada na Fig. 3.12 a faixa adicional de
nucleotídios situada no meio do promotor. Essa região é chamada de
operador repressor porque uma proteína repressora pode fixar-se a ela
e impedir a fixação da ARN polimerase ao promotor, o que impede
a transcrição dos genes. Proteína reguladora desse tipo é chamada de
proteína repressora. Contudo, cada proteína reguladora repressora existe,
em geral, sob duas formas alostéricas, uma capaz de se prender ao
operador e reprimir a transcrição e outra que não se fixa. Isto é, por
exemplo, uma das formas pode ser uma proteína linear, enquanto a
outra pode ser dobrada no meio. Apenas uma dessas formas pode repri-
mir o operador. Por sua vez, diversas substâncias não-protéicas da célula,
como determinados metabólitos celulares, podem combinar-se com essa
proteína repressora, alterando sua forma. A substância que ao se
combinar com a proteína repressora modifica sua forma, fazendo-a
capaz de se combinar com o operador e, assim, de interromper a
transcrição, é chamada de substância repressora ou substância inibidora.
Por outro lado, a substância que ao se combinar com a proteína
repressora altera sua forma, tornando-a incapaz 6e se fixar ao operador,
é chamada de substância ativadora ou substância indutora, pois ela ativa
— ou induz — o processo da transcrição pela remoção da proteína
repressora.
Para ilustrar o controle da transcrição gênica por proteína repressora,
basta um exemplo, O sacarídio lactose não está, nas condições usuais,
disponível para a bactéria E.coli, como substrato alimentar. Por
conseguinte, geralmente a bactéria não vai sintetizar as enzimas
necessárias à degradação metabólica da lactose. Todavia, quando está
disponível, a lactose induz alteração conformacional alostérica em
proteína repressora, fazendo com que ela abandone sua fixação em
operador repressor
Fig. 3.12 Funcionamento do opéron no controle da biossíntese. Notar
que o produto sintetizado exerce feedback negativo; inibidor do
funcionamento do próprio opéron e, desse modo, controlando
automaticamente a concentração do produto sintetizado.
27
do opéron que transcreve para as enzimas metabólicas necessárias. Como
resultado, o opéron fica desreprimido e, dentro de poucos minutos,
as enzimas adequadas estão presentes na bactéria para produzir a
degradação da lactose. Em seguida, à medida que o teor de lactose na
célula começa a baixar, a intensidade da síntese enzimática começa a
diminuir até retornar ao nível adequado à disponibilidade inicial de
lactose. Assim, fica evidente a lógica da existência de tais sistemas
reguladores na célula.
Controle do opéron por uma "proteína ativadora" — o
"operador ativador". Note, agora, na Fig. 3.12, outro operador, chamado
de operador ativador, situado ao lado mas à frente do promotor. Quando
uma proteína reguladora se fixa a esse operador, ela ajuda a atrair a ARN
polimerase para o promotor, ativando. assim, o promotor. Por
conseguinte, uma proteína reguladora desse tipo é chamada de proteína
atiradora. O opéron pode ser ativado ou inibido, por meio do
operador ativador, por mecanismo exatamente oposto ao do controle
pelo operador repressor.
Controle por feedback negativo do opéron. Finalmente, deve ser
notado na Fig. 3.12 que a presença de quantidade crítica de um produto
sintetizado na célula pode provocar inibição, por feedback negativo,
do opéron responsável por sua síntese. Isso pode ocorrer por fazer com
que proteína reguladora repressora se fixe ao operador repressor ou
por fazer com que a proteína reguladora ativadora quebre sua ligação
com o operador ativador. Nos dois casos, o opéron fica inibido. Portanto,
uma vez que o produto necessário que é sintetizado atinja qualidade
suficientemente abundante, o opéron fica inativado. Por outro lado.
quando esse produto sintetizado é degradado na célula, com baixa de
sua concentração, o opéron volta a ficar ativo. Dessa forma, a
concentração desse produto é controlada automaticamente.
Outros mecanismos para o controle da transcrição pelo opéron.
Foram identificadas, com muita rapidez, nos últimos anos diversas
variantes do mecanismo básico de controle do opéron. Sem entrar em
detalhes, podemos enumerar algumas delas:
1. Um opéron é, muitas vezes, controlado por gene regulador
localizado em outro ponto do complexo genético do núcleo. Isto é, o
gene regulador causa a formação de proteína reguladora que, por sua
vez, atua como substância ativadora ou repressora, para controlar o
opéron.
2. Ocasionalmente, muitos e diferentes opérons são controlados,
ao mesmo tempo, pela mesma proteína reguladora. Em alguns casos,
a mesma proteína reguladora atua como ativadora para um opéron e
repressora para outro. Quando diversos opérons são controlados
simultaneamente dessa maneira, todos os opérons que atuam em
conjunto formam um reguton.
3. Alguns opérons são controlados não ao nível de seu ponto inicial
de transcrição no filamento de ADN, mas, pelo contrário, em ponto
mais adiante desse filamento. Por vezes, esse controle não ocorre no
próprio filamento de ADN, mas, sim, durante o processamento das
moléculas de ARN no núcleo, antes de serem liberadas no citoplasma;
ou, raramente, o controle pode ocorrer ao nível da tradução do ARN
pelos ribossomas.
4. Nos eucariotos, o ADN nuclear fica restrito a unidades estruturais
específicas, chamadas cromossomas. E, no interior de cada cromossoma,
o ADN ocorre enrolado em torno de pequenas proteínas, chamadas
historias, que, por sua vez, são ainda mais compactadas por outras
proteínas. Enquanto o ADN está nesse estado compactado, ele não
pode atuar para formar ARN. Contudo, múltiplos mecanismos de
controle estão sendo identificados, capazes de fazer com que trechos
selecionados do cromossoma sejam descompactados, região após
região, de modo a permitir a transcrição do ARN. Assim, no eucarioto,
são usadas ordens de controle ainda mais elevadas para o estabelecimento
da função celular adequada. Além disso, sinais vindos de fora da
célula, como alguns hormônios, podem ativar regiões cromossômicas
determinadas, o que produz o maquinário químico necessário para
funções específicas.
Devido à existência de até 100.000 genes diferentes em cada célula
humana, o grande número de modos como a atividade genética pode
ser controlada não é surpreendente. Os sistemas de controle genético
são especialmente importantes para a regulação das concentrações
intracelulares de aminoácidos, de derivados de aminoácidos e os
substratos intermediários do metabolismo dos carboidratos, lipídios e
proteínas.
CONTROLE DA ATIVIDADE ENZIMÁTICA
Além de controlarem o sistema regulador genético, algumas das
enzimas intracelulares podem ser, por sua vez, controladas por ativadores
ou inibidores intracelulares. Isso representa, portanto, uma segunda
categoria de mecanismos que permitem o controle das funções
bioquímicas celulares.
Inibição enzimática. Algumas das substâncias químicas formadas
nas células exercem efeito direto de feedback, ao inibirem os sistemas
enzimáticos que as sintetizam. Quase sempre, o produto sintetizado atua
sobre a primeira enzima da seqüência, e não nas enzimas subseqüentes,
em geral se fixando diretamente a essa enzima e provocando alteração
conformacional alostérica que a inativa. Pode ser facilmente reconhecida
a importância da inativação da primeira enzima: isso impede o acúmulo
de produtos intermediários que não vão ser utilizados.
Esse processo de inibição enzimática é outro exemplo de controle
por feedback negativo: é responsável pelo controle das concentrações
intracelulares de alguns aminoácidos, purinas, pirimidinas, vitaminas e
outras substâncias.
Ativação enzimática. As enzimas que normalmente estão
inativas ou que foram inativadas por alguma substância inibidora
podem ser, muitas vezes, ativadas. Exemplo disso é a ação do
monofosfato de adenosina cíclico (AMPc) produzindo a clivagem do
glicogênio, com liberação de moléculas de glicose, para formar ATP rico
em energia, como discutido no capítulo anterior. Quando a célula é
depletada da maior parte de seu ATP, começa a ser formada grande
quantidade de AMPc, como produto da degradação do ATP; a
presença desse AMPc indica que as reservas celulares de ATP
caíram a níveis muito baixos. Todavia, o AMPc ativa imediatamente
a enzima degradadora do glicogênio, a fosforilase, liberando moléculas
de glicose que são metabolizadas com muita rapidez, e sua energia é
usada para a restauração das reservas de ATP. Assim, nesse caso, o
AMPc atua como ativador enzimático e, por conseguinte, ajuda a
regular a concentração intracelular de ATP.
Outro exemplo interessante de ativação e de inibição enzimática
ocorre na formação das purinas e das pirimidinas. Essas substâncias
são demandadas pela célula, em quantidades aproximadamente iguais,
para a síntese de ADN e de ARN. Quando as purinas são formadas,
elas inibem as enzimas necessárias à formação adicional de purinas.
Todavia, elas ativam as enzimas que vão participar da formação de pirimi-
dinas Inversamente, as pirimidinas inibem as enzimas necessárias à sua
própria formação, enquanto ativam as enzimas para formação de purinas.
Desse modo, existe contínua interação cruzada entre os sistemas de
síntese para essas duas substâncias, do que resultam quantidades quase
iguais das duas, a qualquer momento, nas células.
Para resumir, existem dois meios principais para a célula regular
as proporções e concentrações adequadas dos diferentes constituintes
celulares: (1) o mecanismo de regulação genética, e (2) o mecanismo
da regulação enzimática Os genes tanto podem ser ativados como inibi-
dos e, de igual modo, os sistemas enzimáticos também podem ser ativados
ou inibidos. Com maior freqüência, esses sistemas reguladores atuam
por meio de sistemas de controle por feedback que, continuamente,
monitorizam a composição bioquímica das células, efetuando as
correções que forem necessárias. Mas, por vezes, substâncias vindas de
fora da célula (em especial, alguns dos hormônios que serão discutidos
adiante, neste texto) também podem controlar as reações bioquímicas
intracelulares, por ativarem ou inibirem um ou mais sistemas de controle
intracelular.
REPRODUÇÃO CELULAR
A reprodução celular é outro exemplo do papel difuso e ubíquo
que o sistema genético do ADN desempenha em todos os processos
vitais. Os genes e seus mecanismos reguladores determinam as
características de crescimento de todas as células e, também, se e quando
essas células se dividirão para formar novas células. Desse modo, o todo
importante sistema genético controla cada etapa do desenvolvimento
do ser humano, desde a célula única do óvulo fertilizado até o corpo
totalmente funcionante. Assim, se é que existe um tema central para a
vida, ele é o sistema genético do ADN.
O ciclo vital da célula. O ciclo vital de uma célula é o período
de tempo que vai de uma reprodução celular até a seguinte. Quando
as células de mamíferos não estão inibidas e se reproduzindo tão
rapidamente quanto podem, esse ciclo vital dura de 10 a 30 horas. E
terminado por uma série de eventos físicos distintivos, chamada mitose,
do que resulta a divisão dessa célula em duas novas células filhas. Os
eventos (ou etapas) da mitose estão representados na Fig. 3.13 e serão
descritos adiante.
A verdadeira fase de mitose, contudo, só dura 30 minutos,
28
Fig. 3.13 Etapas da reprodução celular. A, B e C, prófase; D,
prometáfase; E, metáfase; F, anáfase; Ge H, teldfase. (Redesenhadode
Mazia: How celta divide. Sei. Amer., 205:102, 1961. Copyright by
Scientific American Inc. Todos os direitos reservados.)
de modo que mais de 95% do ciclo vital, mesmo de células com
reprodução rápida, são representados pelo intervalo entre mitoses
sucessivas, e que é chamado de interfase. Na verdade, exceto em
condições especiais de reprodução celular acelerada, fatores inibitórios
inibem ou interrompem, quase sempre, o ciclo vital desinibido da
célula. Por conseguinte, os ciclos vitais das diferentes células do corpo
têm durações que variam entre o mínimo de 10 horas, para as células
estimuladas da medula óssea, até o máximo de toda a sobrevida do
corpo humano, para as células nervosas e musculares estriadas.
REPLICAÇÃO DO ADN, A ETAPA INICIAL
DA REPRODUÇÃO CELULAR
Como ocorre para quase todos os eventos importantes da célula,
a reprodução começa no próprio núcleo. A primeira etapa é a replicação
(duplicação) de todo o ADN nos cromossomas. Só após isso ter ocorrido
é que pode ter início a mitose.
O ADN começa a ser duplicado cerca de 5 a 10 horas antes da
mitose e termina dentro de 4 a 8 horas. O ADN só é duplicado uma
vez, de modo que o resultado final é a formação de duas réplicas precisas
de todo o ADN. Essas réplicas, por sua vez, vão ser o ADN das duas
células filhas que vão ser formadas na mitose. Após a replicação do
ADN, existe um período de 1 a 2 horas, antes que, abruptamente,
comece a mitose. Contudo, mesmo durante esse breve período, já
começam a ocorrer alterações preliminares que vão levar à mitose.
Eventos químicos e físicos da replicação do ADN. O ADN é
replicado de modo quase análogo à transcrição do ARN, a partir do
ADN, exceto por algumas diferenças importantes:
1. Os dois filamentos de ADN de cada cromossoma são replicados,
e não apenas um deles.
2. Os dois filamentos inteiros da hélice de ADN são replicados
de uma ponta a outra e não apenas pequenos trechos de cada um
como ocorre na transcrição de ARN pelos genes.
3. As principais enzimas para a replicação do ADN são um complexo
enzimático, chamado ADNpolimerase, que é comparável à ARN polime-
rase. Ele se fixa ao filamento molde de ADN e se desloca ao longo
dele, enquanto outra enzima, ADN ligase, produz ligação entre os
sucessivos nucleotídios entre si, usando ligações fosfato de alta energia
para energizar essas ligações.
4. A formação de cada novo filamento de ADN ocorre, a um só
tempo, em centenas de segmentos ao longo dos dois filamentos da hélice
até que todo o filamento seja replicado. Então, as extremidades das
subunidades são unidas entre si pela enzima ADN ligase.
5. Cada filamento recém-formado de ADN permanece fixado, por
pontes de hidrogênio fracas, ao filamento original de ADN, que foi
usado como molde. Por conseguinte, são formadas duas novas hélices
de ADN que são cópias exatas uma da outra e que ainda permanecem
enroladas entre si.
6. Dado que as hélices de ADN em cada cromossoma têm cerca
de 6 cm de comprimento e apresentam milhões
de voltas em cada hélice,
seria impossível que as duas novas hélices de ADN que foram formadas
se desenrolassem uma da outra, sem a assistência de mecanismo especial.
Esse mecanismo depende de enzimas que, a determinados intervalos
cortam a hélice longitudinalmente, produzem a rotação de cada
segmento, o suficiente para provocar a separação e, em seguida,
reformam
a hélice. Desse modo, as duas novas hélices são desenroladas.
Reparo e "revisão" do ADN. Durante o período de 1 hora, ou
pouco mais, entre a replicação do ADN e o começo da mitose, ocorre
período muito ativo de reparo e "revisão" dos filamentos de ADN.
Isto é, onde quer que nucleotídios inadequados tenham sido unidos
a nucleotídios do filamento molde original, enzimas especiais removem
a área defeituosa e a substituem por nucleotídios complementares
corretos. Isso é efetuado pelas mesmas ADN polimerases e ADN
ligases que foram usadas no processo de replicação. Esse processo
de reparo é chamado de revisão do ADN.
Devido a esse reparo e revisão, o processo de transcrição quase
nunca comete erros. Quando ocorre erro, ele é chamado de mutação;
o que causará, por sua vez, a formação de proteína anormal pela célula,
muitas vezes resultando em funcionamento irregular da célula e, por
vezes, até em morte celular. Contudo, devido à precisão do processo
de transcrição, já foi calculado que cada gene humano sofre mutação
uma vez a cada 200.000 anos de vida humana. Não obstante, quando
se pensa que existem 100.000 ou mais genes no genoma humano e que
o período entre duas gerações sucessivas é de cerca de 30 anos, ainda
poderiam ser esperadas até 10 mutações na passagem do genoma do
genitor a seu filho. Felizmente, todavia, cada genoma humano é repre-
sentado por dois conjuntos distintos de cromossomas com genes quase
idênticos, de modo que um gene funcional de cada par está, quase sempre,
disponível para a criança, apesar das mutações.
OS CROMOSSOMAS E SUA REPLICAÇÃO
As hélices de ADN no núcleo ficam contidas nos cromossomas.
A célula humana contém 46 cromossomas dispostos em 23 pares. A
maior parte dos genes nos dois cromossomas de cada par são idênticos
ou quase idênticos entre si, de modo que é dito que, em geral, os
diferentes genes também existem aos pares, embora, por vezes, isso não
aconteça.
No cromossoma, além do ADN, também existe grande quantidade
de proteínas, grande parte delas sendo historias, moléculas pequenas
com carga positiva. As histonas se dispõem em grande número de
estruturas, em forma de bobinas, na parte central do cromossoma. Os
segmentos sucessivos de cada hélice de ADN se enroscam,
seqüencialmente, em torno dessas bobinas. Então, durante a mitose,
essas bobinas sucessivas são empurradas, umas contra as outras, o que
permite que a molécula de ADN, extremamente longa — com
comprimento linear de 6 cm e peso molecular de cerca de 60 bilhões
—, possa assumir a forma enrolada e dobrada do cromossoma mitótico,
com comprimento de apenas alguns micrômetros, 1/10.000 do
comprimento do ADN desenrolado.
Os núcleos de histona têm provavelmente papel importante na
regulação da atividade do ADN, visto que, enquanto o ADN estiver
densamente enrolado, não pode funcionar como molde para a formação
de ARN ou para a replicação de novo ADN. Ainda mais, algumas das
proteínas reguladoras são capazes de descondensar o enrolamento do
ADN nas histonas e permitir que pequenos segmentos formem, a cada
vez, o ARN. Assim, essa é uma ordem mais superior de regulação
do que os tipos que foram discutidos antes.
Algumas proteínas não-histonas também são componentes impor-
29
tantes dos cromossomas, funcionando como proteínas estruturais
cromossômicas e, em relação ao maquinário da regulação genética, como
ativadoras, inibidoras e enzimas.
A replicação dos cromossomas, em sua totalidade, ocorre durante
poucos minutos, imediatamente após a replicação das hélices de ADN;
as novas hélices de ADN captam novas moléculas de proteína, à medida
que forem necessárias. Nessa etapa, os dois cromossomas recém
formados são chamados de cromátides. Eles permanecem
temporariamente unidos entre si (até o momento da mitose) no ponto
chamado de centro-mero, localizado próximo ao centro de cada
cromátide.
MITOSE
O processo pelo qual a célula se divide em duas novas células é
chamado de micose. Desde que cada cromossoma tenha sido replicado
para formar dois cromátides, a mitose ocorre, automaticamente, em
cerca de 1 ou 2 horas.
O aparelho mitótico. Um dos primeiros eventos da mitose ocorre
no citoplasma, durante a fase final da interfase na fase inicial da prófase.
nas ou perto das pequenas estruturas chamadas de centríolos. Como
mostrado na Fig. 3.13, dois pares de centríolos ficam próximos um do
outro, perto de um dos pólos do núcleo. (Esses centríolos, como o
ADN e os cromossomas, foram replicados na interfase, em geral pouco
antes da replicação do ADN.) Cada centríolo é estrutura cilíndrica e
pequena, com cerca de 0,4 fim de comprimento e diâmetro de 0,15
fjm, formada principalmente por nove estruturas tubulares paralelas,
dispostas em forma de cilindro. Em cada par, os centríolos ficam em
ângulo reto entre si.
Pouco antes do início da mitose, os dois pares de centríolos começam
a se afastar. Isso decorre da polimerização sucessiva da proteína dos
microtúbulos, o que os faz crescer entre os dois pares de centríolos,
do que resulta seu afastamento. Ao mesmo tempo, outros microtúbulos
crescem radialmente a partir de cada par de centríolos, formando uma
estrela cheia de pontas, denominadas áster, em cada extremidade da
célula. Algumas dessas pontas, ou espinhas, penetram no núcleo e
participam na separação dos dois conjuntos de cromátides durante a
mitose. O complexo de microtúbulos unindo os dois pares de centríolos é
chamado de fuso, e todo o conjunto de microtúbulos, mais os dois pares
de centríolos, constitui o aparelho mitótico.
Prófase. A primeira etapa da mitose, denominada próftue, é mos-
trada na Fig. 3.13.A, B e C. Enquanto o fuso esta se formando, os
cromossomas do núcleo, que na interfase são compostos de filamentos
frouxamente enrolados, condensam-se em cromossomas bem-definidos.
Prometáfase. Durante essa etapa (Fig. 3.13D), o envelope
nuclear se rompe. Ao mesmo tempo, um novo conjunto de microtúbulos
começa a crescer para fora, a partir de pequena região condensada de
cada cromátide, chamada de cinetócoro, situada na face externa do
centrômero, região de união dos dois cromátides. Esses novos
microtúbulos, por sua vez, fixam-se ou interagem com os microtúbulos
dos dois ásteres do aparelho mitótico, com um cromátide se fixando
ao áster de uma das extremidades celulares, enquanto o outro se fixa ao
áster da extremidade oposta.
Metáfase. Durante a metáfase (Fig. 3.13E), os dois ásteres do
aparelho mitótico são ainda mais afastados pelo crescimento adicional
do fuso mitótico. Simultaneamente, os cromátides são intensamente
tracionados, pelos microtúbulos fixados a eles, para o centro preciso da
célula, onde se alinham para formar a placa equatorial do fuso mitótico.
Anáfase. Durante essa fase (Fig. 3.13F), os dois cromátides de cada
cromossoma são afastados um do outro ao nível do centrômero. O modo
preciso de como isso é realizado pelo sistema microtubular ainda não
é conhecido; contudo, sabe-se que os microtúbulos contêm actina, além
de tubulina; a actina é uma das proteínas contrateis do músculo. Por
conseguinte, foi presumido que os microtúbulos poderiam se contrair
ou que os túbulos cromossômicos poderiam interagir de forma deslizante
com os microtúbulos do áster, gerando a forma de tração.
Independentemente do mecanismo, todos os 46 pares de cromátides são
separados, formando dois conjuntos distintos de 46 cromossomas filhos.
Um desses conjuntos é tracionado em direção a um dos ásteres
mitóticos e o outro em direção ao áster do pólo oposto da célula em
divisão.
Telófase. Na telófase (Fig.
3.13Ge H), os dois conjuntos de cromos-
somas filhos já estão completamente separados. Em seguida, o aparelho
mitótico se dissolve e nova membrana nuclear se forma em torno de
cada conjunto de cromossomas; essa membrana se origina de partes
do retículo endoplasmático já presentes no citoplasma. Pouco
depois, a célula se divide em duas, na região entre os dois novos
núcleos. Isso é causado por um anel contrátil de microfilamentos
(formados por actina e, provavelmente, por miosina, as duas proteínas
contrateis do músculo) que se forma na junção das duas células em
desenvolvimento e as separa.
CONTROLE DO CRESCIMENTO E DA
REPRODUÇÃO CELULARES
Todos sabemos que certas células crescem e se reproduzem, como,
por exemplo, as células hemopoéticas da medula óssea, as células das
camadas germinativas da pele e do epitélio do intestino. Contudo, muitas
outras células, tais como as musculares lisas, podem não se reproduzir
por muitos anos. Algumas células, como os neurônios e a maioria das
células musculares estriadas, não se reproduzem durante toda a vida
de uma pessoa.
Em determinados tecidos, a falta, ou número insuficiente, de alguns
tipos de células faz com que essas células cresçam c se reproduzam
muito rapidamente até que seu número volte a ser o apropriado. Por
exemplo, sete oitavos do fígado podem ser removidos cirurgicamente,
e as células do oitavo remanescente irão crescer e se reproduzir até
que a massa hepática retorne praticamente ao normal. O mesmo acontece
com quase todas as células glandulares, com o epitélio intestinal, células
da medula óssea, tecido subcutâneo e quase que qualquer outro tecido,
exceto para células muito diferenciadas, como as nervosas e musculares.
Sabe-se muito pouco sobre os mecanismos que mantêm números
adequados dos diferentes tipos de células do corpo. Contudo,
experimentos já demonstraram três modos como o crescimento pode ser
controlado. Primeiro, o crescimento, muitas vezes, é controlado por
fatores de crescimento, produzidos em outras partes do corpo. Alguns
desses fatores circulam no sangue, mas outros se originam em tecidos
adjacentes. Por exemplo, as células epiteliais de diversas glândulas,
como as do pâncreas, não crescem quando falta um fator de crescimento,
produzido pelo tecido conjuntivo subjacente da glândula. Segundo, a
maior parte das células normais pára de crescer quando elas deixam de
ter espaço para tal. Isso ocorre quando as células são mantidas em cultura
de tecidos; as células crescem até entrarem em contato com objeto
sólido, quando cessa o crescimento. Terceiro, muitas vezes, as células
mantidas em cultura de tecidos param de crescer quando quantidades
diminutas de suas próprias secreções são deixadas acumular no seu
meio de cultura. Isso também poderia representar mecanismo de
feedback negativo para o controle do crescimento.
Regulação das dimensões celulares. As dimensões celulares são
reguladas quase que inteiramente pela quantidade de ADN funcional
no núcleo. Se não ocorrer replicação do ADN, a célula cresce até
determinado tamanho e, após esse tamanho, não mais se altera. Por
outro lado, é possível, pelo uso da substância colchicina, impedir a
formação do fuso mitótico e, portanto, a mitose, embora continue a
replicação do ADN. Nesse caso, o núcleo passa a conter maior
quantidade de ADN que a normal c a célula cresce ate dimensões
proporcionalmente maiores. Admite-se que isso resulte, simplesmente, da
produção aumentada de ARN e de proteínas celulares, o que, por sua
vez, faria com que a célula crescesse até maior tamanho.
DIFERENCIAÇÃO CELULAR
Característica especial do crescimento e da divisão celular é a da
diferenciação celular, o que implica alteração das propriedades físicas
e funcionais das células, à medida que proliferam no embrião, para
formar as diferentes estruturas corporais.
A primeira — e a mais simples — teoria que buscava explicar a
diferenciação foi a de que a composição genética do núcleo sofreria
modificações, ao correr das gerações sucessivas de células, de tal modo
que uma célula filha herdasse um conjunto distinto de genes do que
o recebido pela outra célula filha.
Todavia, essa teoria mostrou-se errônea em muitos aspectos, mas,
de forma especialmente ilustrativa, pelo simples experimento seguinte.
O núcleo de célula da mucosa intestinal de rã, quando transplantado
em óvulo (também de rã) cujo núcleo original havia sido previamente
removido, pode, muitas vezes, levar ã formação de rã inteiramente
normal.
Isso demonstra que até mesmo a célula da mucosa intestinal, que
é célula relativamente bem-diferenciada, ainda contém toda a informação
30
genética necessária para o desenvolvimento de todas as estruturas
necessárias do corpo da rã.
Por conseguinte, ficou claro que a diferenciação resulta não de perda
de genes, mas, sim, da repressão seletiva de diferentes opérons genéticos.
Na verdade, micrografias eletrônicas sugerem que alguns segmentos das
hélices de ADN, enroladas em torno dos núcleos de histona, ficam tão
condensados que não mais podem desenroscar-se para formar moléculas
de ARN. Uma sugestão para a causa desse efeito é a seguinte: suponha-se
que um gene regulador no genoma comece, em determinado estágio
da diferenciação celular, a produzir proteína reguladora que produza
ativação por feedback positivo, desse mesmo gene regulador. Esse feed-
back positivo causaria a produção continuada dessa proteína, que, daí
para diante, seria produzida permanentemente; mas essa proteína
reguladora reprimiria outro grupo selecionado de genes. Como
resultado, os genes reprimidos nunca voltariam a funcionar.
Independentemente do mecanismo, a maioria das células adultas do
corpo humano produz entre 8.000 e 10.000 proteínas, em vez das
100.000 ou mais que, potencialmente, poderiam ser produzidas caso
todos os genes estivessem ativos.
Experimentos embriológicos também demonstram que
determinadas células do embrião controlam a diferenciação das células
adjacentes. Por exemplo, o cordamesoderma primordial é chamado de
organizador primário do embrião, por representar um foco em torno do
qual se desenvolve o resto do embrião, Ele se diferencia no eixo
mesodérmico, contendo os somitas, com disposição segmentar, e, como
resultado de induções nos tecidos circundantes, determina a formação de
praticamente todos os órgãos do corpo.
Outro exemplo de indução ocorre quando as vesículas ópticas em
desenvolvimento entram em contato com o ectoderma da cabeça, fazendo
com que se espesse — para formar a placa do cristalino — e se dobre
para dentro, dando origem ao cristalino do olho. Conseqüentemente,
grande parte do embrião se desenvolve à custa dessas induções, uma
parte do corpo agindo sobre outra e esta, por sua vez, aluando ainda
sobre outras.
Desse modo, embora nossa compreensão da diferenciação celular
ainda seja muito grosseira, conhecemos muitos mecanismos distintos
de controle pelos quais essa diferenciação poderia ocorrer.
CÂNCER
O câncer é causado em todos (ou quase todos) os casos por mutação
ou por ativação anormal de genes celulares que controlam o crescimento
e a mitose celular. Esses genes anormais são chamados de oncogenes.
Apenas fração diminuta das células do corpo que sofreram mutações
leva ao câncer. Existem diversas razões para isso. Primeiro, a maioria
das células mutantes tem menor capacidade de sobrevivência que as
células normais e, como resultado, simplesmente, elas morrem. Segundo,
apenas algumas das células mutantes que sobreviveram perdem os
controles normais de feedback que impedem o crescimento excessivo.
Terceiro, as células que são potencialmente cancerígenas são, com grande
freqüência, destruídas pelo sistema imune do corpo, antes que possam
formar um câncer. Isso ocorre do seguinte modo: a maioria das células
mutantes produz proteínas anormais em seus corpos celulares, devido a
seus genes alterados, e essas proteínas estimulam o sistema imune
do
corpo, fazendo com que ele produza anticorpos ou linfócitos
sensibilizados contra as células cancerígenas, e assim as destrua. A
confirmação dessa explicação é dada pelo fato de que as pessoas cujo
sistema imune foi suprimido, como, por exemplo, as tratadas com
imunossupressores, após transplante de rim ou de coração, têm
probabilidade várias vezes maior de desenvolver câncer.
Mas, o que causa os genes alterados? Quando se leva em conta
que muitos trilhões de novas células são formadas anualmente, em cada
corpo humano, essa pergunta poderia ser melhor formulada do modo
seguinte: Por que nós não desenvolvemos literalmente milhões ou bilhões
de células cancerígenas? A resposta é dada pela incrível precisão com
que os filamentos de ADN cromossômico são replicados em cada célula
antes da mitose e, também, devido ao processo de "revisão" que corta
e repara qualquer filamento anormal de ADN antes que o processo
mitótico seja deixado prosseguir. Contudo, apesar de todas essas
precauções, é provável que uma célula recém-formada em alguns poucos
milhões de células seja portadora de características mutantes
significativas.
Dessa forma, é necessário apenas o acaso para que ocorram
mutações, de modo que se pode supor que grande número de cânceres
seja simplesmente resultado de uma infeliz ocorrência.
Todavia, a probabilidade de ocorrência de mutações pode ser
aumentada de muitas vezes quando a pessoa é exposta a determinados
fatores químicos, físicos ou biológicos. Alguns deles são os seguintes:
1. E bem conhecido que a radiação ionizante, tal como raios X,
raios gama e partículas irradiadas por substâncias radioativas, e até
mesmo a radiação ultravioleta podem predispor ao câncer. Os íons
formados nas células teciduais, por efeito dessas radiações, são muito
reativos e podem romper os filamentos de ADN, causando, assim,
muitas mutações.
2. Compostos químicos de certos tipos também apresentam muita
propensão para causar mutações. Historicamente, foi descoberto, há
muito tempo, que diversos derivados dos corantes de anilina apresentam
elevada probabilidade de causar câncer, de modo que os operários da
indústria química produtora desses compostos, caso não sejam
protegidos, têm predisposição especial para o câncer. As substâncias
químicas capazes de produzir mutações são denominadas carcinogênicas.
Os carcinógenos que, de longe, causam o maior número de mortes
em nossa sociedade atual são os presentes na fumaça dos cigarros.
Eles causam cerca de um quarto de todas as mortes por câncer.
3. Os irritantes físicos também podem causar câncer, como, por
exemplo, a abrasão continuada do revestimento do tubo digestivo por
alguns tipos de alimento. A lesão dos tecidos provoca a rápida
substituição mitótica das células. Quanto mais rápidas forem as mitoses,
maior
será a probabilidade de mutações.
4. Em muitas famílias ocorre forte tendência hereditária para o
câncer. Provavelmente, isso resulta do fato de que a maioria dos
cânceres
depende de mais de uma mutação, antes que o câncer se forme. Nas
famílias especialmente predispostas ao câncer, presume-se que um ou
mais genes do genoma herdado já sofreram mutações. Portanto, número
bem menor de mutações adicionais deve ocorrer nessas pessoas antes
que um câncer comece a crescer.
5. Em animais de experimentação, certos tipos de vírus podem
causar determinados tipos de câncer, inclusive leucemia.
Ocasionalmente, isso pode ocorrer por um de dois modos. Primeiro,
no caso dos vírus de ADN, o filamento de ADN no vírus pode
inserir-se diretamente em um dos cromossomas e, assim, causar a
mutação que leva ao câncer. No caso dos vírus de ARN, alguns deles são
portadores da enzima transcriptase reversa, que permite a transcrição
do ADN a partir do ARN. Em seguida, o ADN transcrito se insere no
genoma das células do animal, levando ao câncer. Contudo, apesar da
demonstração de que o câncer virótico pode ocorrer em animais,
ainda não foi comprovado que o câncer se propaga por esse
mecanismo nos seres humanos, nem que o câncer seja contagioso,
passando de uma pessoa a outra.
Característica invasiva da célula cancerosa. As três diferenças
principais entre uma célula normal e outra cancerosa são: (1) A célula
cancerosa não respeita os limites normais do crescimento celular; a
razão disso é que as células cancerosas não necessitam dos fatores de
crescimento, como ocorre para as células normais. (2) As células
cancerosas são muito menos aderentes entre si que as células normais.
Como resultado, tendem a vagar através dos tecidos, a entrar na circulação
e a serem transportadas para todo o corpo, onde formam ninhos para
novos e numerosos crescimentos cancerosos. (3) Alguns cânceres são
capazes de produzir fatores angiogênicos que produzem o crescimento
de vasos sanguíneos para e no câncer, o que garante o fornecimento de
nutrientes necessários para o crescimento do câncer.
Por que as células cancerosas matam? A resposta a essa
pergunta é, em geral, muito simples. O tecido canceroso compete com os
tecidos normais pelos nutrientes. Visto que as células cancerosas
continuam a proliferar indefinidamente, seu número se multiplicando
dia após dia, pode ser facilmente compreendido que as células
cancerosas, dentro de pouco tempo, exigirão toda a nutrição disponível
para o corpo. Como resultado, os tecidos normais, gradativamente
sofrem morte nutricional.
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32
UNIDADE II
FISIOLOGIA DA MEMBRANA, DO NERVO
E DO MÚSCULO
Ø Transporte de íons e de Moléculas Através da Membrana Celular
Ø Potenciais de Membrana e Potenciais de Ação
Ø Contração do Músculo Esquelético
Ø Excitação da Contração do Músculo Esquelético:
Ø Transmissão Neuromuscular e Acoplamento Excitação-Contração
Ø Contração e Excitação do Músculo Liso
33
CAPÍTULO 4
Transporte de Íons e de Moléculas Através da Membrana Celular
A Fig. 4.1 apresenta a composição aproximada do líquido
extracelular, situado por fora das membranas celulares, e do
líquido intracelular, que fica no interior das células. Note-se
que o líquido extracelular contém grandes quantidades de sódio,
mas apenas pequenas quantidades de potássio. Exatamente o
oposto ocorre no líquido intracelular. Ao mesmo tempo, o líquido
extracelular contém grande quantidade de cloreto, enquanto o
líquido intracelular só o tem em pequenas quantidades. Mas as
concentrações de fosfatos—em essência, todos são metabólitos
intermediários orgânicos — e de proteínas no líquido
intracelular são consideravelmente maiores que as do líquido
extracelular. Todas essas diferenças são extremamente
importantes para a vida da célula. O objetivo deste capítulo é o
de explicar como essas diferenças são produzidas pelos
mecanismos de transporte das membranas celulares.
A barreira lipídica e as proteínas de transporte da
membrana celular
A estrutura da membrana celular foi discutida no Cap. 2
e apresentada na Fig. 2.3. Ela é composta, quase que
inteiramente, da bicamada lipídica, com grande número de
moléculas de proteína flutuando no lipídio, muitas delas
atravessando toda a espessura dessa bicamada, como mostrado
na Fig. 4.2.
A bicamada lipídica não é miscível com os líquidos extra
e intracelular. Por conseguinte, ela representa barreira ao
movimento da maioria das moléculas de água e das substâncias
hidrossolúveis entre os compartimentos dos líquidos extra e
intracelulares. Contudo, como indicado pela seta à esquerda da
Fig. 4.2, algumas substâncias conseguem atravessar essa
bicamada, entrando na célula ou saindo dela, passando
diretamente pela substância lipídica.
Por outro lado, as moléculas de proteína apresentam
propriedades de transporte inteiramente diferentes. Suas
estruturas moleculares interrompem a continuidade da
bicamada lipídica e, portanto, formam via alternativa através
da membrana celular. A maioria dessas proteínas penetrantes é,
como resultado, formada por proteínas de transporte. As
diferentes proteínas vão atuar por modos distintos. Algumas
contêm espaços aquosos, ao longo de toda a sua molécula, e
permitem o livre movimento de determinados íons e moléculas;
são denominadas proteínas de canal.
Outras, chamadas de proteínas carreadoras, fixam-se às
substâncias que vão ser transportadas, e alterações
conformacionais dessas moléculas de proteína movem as
substâncias, ao longo dos interstícios da molécula, até o outro
lado da membrana.
Tanto as proteínas de canal como as proteínas carreadoras são
extremamente seletivas quanto ao tipo (ou tipos) de moléculas
ou íons que podem atravessar a membrana.
Difusão versus transporte ativo. O transporte através da
membrana celular, seja diretamente, pela bicamada lipídica, ou
por meio de proteínas, ocorre por um dos dois processos básicos,
a difusão (também chamada de "transporte passivo") e o
transporte ativo. Embora existam numerosas variantes distintas
desses dois processos básicos, como veremos adiante neste
capítulo, a difusão implica movimento molecular aleatório da
molécula da substância pelos espaços intermoleculares da
membrana ou em combinação com proteína carreadora. A
energia causadora da difusão é a energia do movimento cinético
normal da matéria. Pelo contrário, o transporte ativo implica o
movimento de íons ou outras substâncias, em combinação com
proteína carreadora, mas, além disso, contra um gradiente de
energia, como, por exemplo, de um estado de baixa
concentração para outro de alta concentração, processo que
exige outra fonte de energia além da cinética para que ocorra o
movimento. Vamos explicar em maiores detalhes a física e a
físico-química básicas desses dois processos distintos.
DIFUSÃO
Todas as moléculas e íons dos líquidos corporais, inclusive
tanto as moléculas de água como as das substâncias em solução,
estão continuamente em movimento, cada partícula seguindo
percurso próprio. O movimento dessas partículas constitui o que
os físicos chamam de calor — quanto mais intenso for essa
movimentação, maior será a temperatura — e esse movimento
nunca cessa, sob quaisquer condições, exceto na temperatura do
zero absoluto. Quando uma molécula em movimento, A, se
aproxima de outra molécula estacionária, B, as forças
eletrostáticas e internucleares da molécula A repelem a
molécula B, transferindo parte da energia do movimento para a
molécula B. Conseqüentemente, a molécula B ganha energia
cinética de movimento, ao mesmo tempo em que a molécula
A tem seu movimento lentificado, pois perdeu parte de sua
energia cinética. Assim, como mostrado na Fig. 4.3, cada
molécula de uma solução pula por entre as outras moléculas,
primeiro em determinada direção, em seguida em outra, e assim
por diante, aleatoriamente, bilhões de vezes a cada segundo.
34
Fig. 4.1 Composição química dos líquidos extras e
intracelulares.
Esse contínuo movimento de moléculas por entre as
outras, nos líquidos e nos gases, é chamado difusão. Os íons se
difundem do mesmo modo como moléculas, e até mesmo
partículas colóides em suspensão se difundem do mesmo modo,
exceto por sua difusão ocorrer bem mais lentamente que as
substâncias moleculares, devido às suas grandes dimensões.
DIFUSÃO ATRAVÉS DA MEMBRANA CELULAR
A difusão através da membrana celular é dividida em dois
subtipos distintos, chamados de difusão simples e difusão
facilitada. A difusão simples é o movimento cinético molecular
de moléculas ou íons através de pertuito da membrana ou dos
espaços intermoleculares, sem necessidade de fixação a
proteínas carreadoras da membrana. A velocidade dessa difusão é
determinada pela quantidade existente da substância, pela
velocidade do movimento cinético e pelo número de pertuitos da
membrana através dos quais a molécula ou íon pode passar. Por
outro lado, a difusão facilitada implica a interação das
moléculas ou íons com proteína carreadora que facilita sua
passagem através da membrana, provavelmente por se fixar
quimicamente a ela e se deslocar, através da membrana, nessa
forma fixada.
A difusão simples pode ocorrer através da membrana por
dois percursos: pelos interstícios da bicamada lipídica ou pelos
canais aquosos de algumas proteínas de transporte, como
mostrado à esquerda da Fig. 4.2.
Difusão simples através da bicamada lipídica
Difusão de substâncias lipossolúveis. Em estudos
experimentais, os lipídios das células foram separados das
proteínas e, em seguida, reconstituídos, formando membranas
artificiais, constituídas por uma bicamada lipídica, sem qualquer
das proteínas de transporte. Por meio dessas membranas
artificiais, foram determinadas as propriedades de transporte das
bicamadas lipídicas.
Um dos fatores mais importantes que determinam com que
rapidez uma substância irá atravessar essa bicamada lipídica é
a lipossolubilidade da substância. Por exemplo, a lipossolubi-
Fig. 4.2 Vias de transporte através da membrana celular e os
mecanismos básicos de transporte.
lidade do oxigênio, do nitrogênio, do dióxido de carbono e dos
álcoois é muito alta, de modo que todos esses compostos são
capazes de se dissolver diretamente na bicamada lipídica e se
difundir através da membrana celular, de modo idêntico ao da
difusão em solução aquosa. Por motivos óbvios, a velocidade
de difusão dessas substâncias através da membrana é diretamente
proporcional às suas lipossolubilidades. Quantidades
extremamente grandes de oxigênio podem ser transportadas por
esse modo; como resultado, o oxigênio chega ao interior da
célula como se a membrana celular não existisse.
Transporte de água e de outras moléculas insolúveis em
lipídios. Embora a água seja extremamente insolúvel nos
lipídios da membrana, ela, não obstante, atravessa facilmente a
membrana celular; em parte, ela passa, de modo direto, através
da bicamada lipídica e, em sua maior parte, pelas proteínas de
canal. A rapidez com que a água pode atravessar a membrana
celular é, na verdade, surpreendente. Como exemplo, a
quantidade total de água que se difunde, nas duas direções,
através da membrana da hemácia, a cada segundo, é,
aproximadamente, 100 vezes maior que o volume da hemácia.
A razão para a grande intensidade da difusão de água através
da bicamada lipídica ainda não foi determinada, mas acredita-se
que as moléculas de água sejam suficientemente pequenas e que
sua energia cinética seja grande o bastante para que elas possam,
simplesmente, penetrar como projéteis na parte lipídica da
membrana, antes que sua característica "hidrofóbica" consiga
detê-las.
Outras moléculas insolúveis em lipídios também podem
atravessar a bicamada lipídica do mesmo modo como a água,
desde que sejam suficientemente pequenas.
Fig. 4.3 Difusão de uma molécula de um líquido, durante um
bilionésimo de segundo.
35
Todavia, à medida que suas dimensões aumentam, sua
capacidade de penetração cai acentuadamente. Por exemplo, o
diâmetro da molécula da uréia é apenas 20% maior que o da de
água. Contudo, sua penetração através da membrana celular é
cerca de mil vezes menor que a da água. Mesmo assim, tendo-
se em mente a extraordinária velocidade de penetração da água,
essa velocidade ainda permite o transporte rápido da uréia
através da membrana celular. A molécula de glicose, com
diâmetro três vezes maior que o da molécula de água, atravessa a
bicamada lipídica com velocidade 100 mil vezes menor que a da
água, o que demonstra que as únicas moléculas insolúveis em
lipídios capazes de penetrar na bicamada lipídica são as de
menores dimensões.
Incapacidade de íons de se difundirem através da bicamada
lipídica. Muito embora a água e outras moléculas muito pequenas,
sem carga, possam difundir-se facilmente através da bicamada
lipídica, os íons — mesmo os mais pequenos, como os íons
hidrogênio, sódio, potássio e outros — só penetram na bicamada
lipídica com velocidades cerca de 1 milhão de vezes menores
que a da água. Por conseguinte, qualquer transporte
significativo desses íons através da membrana celular deve
ocorrer pelos canais nas proteínas, como será discutido mais
adiante. A razão para essa impenetrabilidade da bicamada
lipídica aos íons é a carga elétrica dos íons; ela impede o
movimento iônico por dois modos distintos: (1) a carga
elétrica dos íons faz com que várias moléculas de água se
prendam a esses íons, formando íons hidratados. Isso aumenta,
de muito, as dimensões dos íons, o que, por si só, impede a
penetração da bicamada lipídica; (2) o que é ainda mais
importante à carga elétrica do íon interage com as cargas da
bicamada lipídica do seguinte modo: deve ser lembrado que
cada metade da bicamada é formada por lipídios "polares",
portadores de excesso de cargas positivas, voltados para a
superfície da membrana; como resultado, quando um íon dotado
de carga tenta penetrar na barreira elétrica positiva Ou negativa,
ele é, instantaneamente, repelido. Para resumir, o Quadro 4.1
apresenta as permeabilidades relativas da bicamada lipídica a
diversos tipos de moléculas ou a íons de diferentes diâmetros.
Deve ser especialmente notada a diminuta permeância dos
íons, devida a suas cargas elétricas, e a fraca permeância da
glicose, devida a seu diâmetro molecular. Também deve ser
notado que o glicerol penetra na membrana com facilidade
quase igual à da uréia, embora seu diâmetro seja quase o dobro.
A razão disso é seu discreto grau de lipossolubilidade.
A difusão simples através dos canais das proteínas e as
"comportas" desses canais.
As proteínas de canais são consideradas como contendo pertuitos
aquosos pelos interstícios dessas moléculas protéicas. Na
verdade, a reconstrução tridimensional por computadores de
algumas dessas proteínas demonstrou a existência de canais,
em forma de tubos, que se estendem entre as duas
extremidades da molécula, nas faces extra e intracelular da
membrana.
Quadro 4.1 Relações entre os diâmetros efetivos das
diferentes substâncias para suas permeabilidades nas bicamadas
lipídicas.
Substância Diâmetro Permeabilidade
Relativa
Molécula de água 0,3 1,0
Molécula de uréia 0,36 0,006
Íon cloreto hidratado 0,386 0,00000001
Íon potássio hidratado 0,396 0,0000000006
Íon sódio hidratado 0,512 0,0000000002
Glicerol 0,62 0,0006
Glicerol 0,86 0,000009
 Portanto, as substâncias podem difundir-se diretamente, por
esses canais, de uma das faces da membrana até a outra.
Todavia, esses canais protéicos são distinguidos por duas
características importantes: (1) muitas vezes, eles são
seletivamente permeáveis a determinadas substâncias, e (2)
muitos desses canais podem ser abertos ou fechados por meio
de comportas.
Permeabilidade seletiva dos diferentes canais protéicos. A
maioria (mas não todos) dos canais protéicos é muito seletiva
para o transporte de um ou mais íons ou moléculas. Isso resulta
das características do próprio canal, tais como seu diâmetro,
sua forma e a natureza das cargas elétricas nas suas superfícies
internas. Como exemplo, um dos mais importantes canais
protéicos , o chamado canal de sódio, com diâmetro calculado de
apenas 0,3 por 0,5 nm, tem, em suas superfícies internas, fortes
cargas negativas, como representado pelos sinais de menos no
interior do canal protéico na parte superior da Fig. 4.4. Postula-
se que essas fortes cargas negativas atraiam os íons sódio, com
mais intensidade do que outros íons fisiologicamente importantes,
para o interior dos canais, devido ao menor diâmetro iônico do
sódio não-hidratado. Uma vez no interior do canal, os íons sódio
podem difundir-se em qualquer direção, segundo as leis da
difusão. Por conseguinte, o canal de sódio 6 especificamente
seletivo para a passagem dos íons sódio.
Por outro lado, outro grupo de canais protéicos é seletivo
para o transporte de
potássio, como mostrado na parte inferior
da Fig. 4.4. Esses canais, com diâmetros calculados menores
que os dos canais de sódio, da ordem de 0,3 por 0,3 nm, não
contêm cargas negativas. Como resultado, não existem forças
atrativas fortes que puxem os íons para o interior dos canais,
e os íons não são retirados das moléculas de água que os hidratam.
A forma hidratada do íon potássio é muito menor que a forma
hidratada do íon sódio porque o íon sódio tem todo um conjunto
orbital de elétrons a menos que o íon potássio, o que permite
Fig. 4.4 O transporte dos íons sódio e potássio pelos canais protéicos.
Também são mostradas as alterações conformacionais das
moléculas de proteína dos canais que abrem ou fecham as
"comportas" desses canais.
36
ao íon sódio atrair número bem maior de moléculas de água
do que o potássio. Por conseguinte, os íons hidratados de
potássio, menores, podem passar facilmente por esse canal mais
estreito, ao passo que os íons sódio são rejeitados, o que, de
novo, causa permeabilidade seletiva para um tipo de íon.
As comportas dos canais protéicos. A existência de comportas
nos canais protéicos representa meio de controle da
permeabilidade desses canais. Isso é mostrado nas partes
superior e inferior da Fig. 4.4, para os íons sódio e potássio.
Acredita-se que essas comportas sejam, efetivamente,
projeções em forma de comporta da molécula da proteína de
transporte, que podem ocluir a abertura do canal ou que podem
ser afastadas dessa abertura, como resultado de alteração
conformacional da forma da própria molécula protéica. Nos
canais de sódio, essa comporta abre e fecha na face externa da
membrana celular, enquanto, no canal de potássio, ela abre e
fecha na face interna.
A abertura e o fechamento das comportas são controlados
por dois modos principais:
1. Comportas voltagem-dependentes. Nesse mecanismo, a
conformação molecular da comporta depende do potencial
elétrico através da membrana celular. Por exemplo, quando
existe forte carga negativa no interior da membrana celular, os
canais de sódio permanecem fortemente fechados; por outro lado,
quando o interior da membrana celular perde sua carga
negativa, as comportas se abrem, permitindo a passagem de
quantidades imensas de sódio para o interior da célula, por
meio dos poros de sódio (até que outro grupo de comportas,
situadas nas extremidades citoplasmáticas dos canais, se feche,
como é explicado no Cap. 5). Essa é a causa básica dos
potenciais de ação dos nervos, responsáveis pelos sinais neurais.
As comportas de potássio também abrem quando o interior da
membrana celular fica carregado positivamente, mas essa
resposta é bem mais lenta que a das comportas de sódio. Esses
eventos são discutidos no capítulo seguinte.
2. Comportas ligando-dependentes. Algumas comportas dos
canais protéicos são abertas quando outra molécula se fixa à
proteína; isso produz alteração conformacional da molécula de
proteína que abre ou fecha a comporta. Elas são chamadas de
comportas ligando-dependentes, e a substância que se fixa à pro
teína é o ligando. Um dos exemplos mais importantes de com
portas ligando-dependentes é o efeito da acetilcolina sobre o
chamado canal de acetilcolina. Essa substância abre a comporta
desse canal, criando um poro com diâmetro de cerca de 0,65
nm que permite a passagem de todas as moléculas e íons positivos
com diâmetros menores que o do poro. Essa comporta é especial
mente importante na transmissão de sinais de uma célula nervosa
a outra (Cap. 45) e de uma célula nervosa à célula muscular
(Cap. 7).
O estado-aberto e o estado-fechado dos canais com
comportas. A Fig. 4.5 apresenta uma característica especialmente
importante dos canais com comportas voltagem-dependente.
Essa figura apresenta dois registros da corrente elétrica que
flui por canal de sódio isolado, quando existia gradiente de
potencial — de aproximadamente 25 milivolts — através da
membrana. Deve ser notado que o canal conduz a corrente de
modo tudo-ou-nada. Isto é, a comporta do canal se abre ou
fecha abruptamente, cada abertura ou fechamento ocorrendo
em poucos milionésimos de segundo. Isso demonstra a rapidez
com que podem ocorrer alterações conformacionais na forma
das comportas dos canais protéicos. Em determinado valor do
potencial, o canal pode permanecer fechado todo o tempo, ou
quase todo o tempo, enquanto em outro nível de voltagem ele
pode ficar aberto todo o tempo, ou quase todo o tempo.
Contudo, nas voltagens intermediárias, as comportas tendem a se
abrir e fechar intermitentemente, como mostrado no registro
superior, o que permite fluxo médio de corrente, entre o mínimo
e o máximo.
O método de fixação de placa para o registro do fluxo de
corrente iônica através de canais isolados. Pode-se questionar como é
tecnicamente possível o registro do fluxo de corrente iônica por canais
isolados, como mostrado na Fig. 4.5. Isso é conseguido pelo método de
"fixação de placas", representado na Fig. 4.5B. De modo muito simples,
uma micro-pipela, cuja ponta tenha diâmetro da ordem de 1 a 2 txm é
encostada na face externa da membrana celular. Em seguida, é feita
sucção pelo interior da pipeta, de modo a puxar a membrana
ligeiramente para o interior da ponta da pipeta. Isso cria um anel
de vedação na zona
Fig. 4.5 A, Registro do fluxo de corrente através de canal de sódio
voltagem-dependente, isolado, demonstrando o caráter de tudo-ou-nada
de abertura do canal. B, O método de "fixação de placa" para o registro
do fluxo de corrente através de canal protéico isolado; à esquerda, o
registro é feito em "placa" de membrana, ainda na célula; à direita,
o registro é feito em placa de membrana que foi removida da célula.
37
onde as bordas da pipeta entram em contato com a membrana celular.
O resultado é a formação de diminuta "placa" de membrana, através
da qual pode ser registrado o fluxo de corrente.
De modo alternativo, como mostrado à direita da Fig. 4.5B, a
pequena placa de membrana, na ponta da pipeta, pode ser removida da
célula. A pipeta com sua placa é, então, introduzida em solução salina.
Isso permite a alteração, conforme desejado, das concentrações tônicas
no interior da pipeta e na solução externa. Por outro lado, a
voltagem entre as duas faces da placa de membrana pode ser estabelecida
e mantida em qualquer valor — isto é, ela pode ser "fixada" em uma
determinada voltagem.
Felizmente, tem sido possível a obtenção de placas suficientemente
pequenas para que nelas só exista canal protéico único. Ao se variar
às concentrações dos diferentes íons e a voltagem através da membrana
celular, podem ser determinadas as características de transporte desse
canal, bem como as propriedades de suas comportas.
Difusão facilitada
A difusão facilitada também é chamada de difusão mediada
por carreador, porque uma substância transportada por esse
modo não é capaz, na maioria das vezes, de atravessar a
membrana, a não ser com a participação de proteína carreadora
específica. Isto é, o carreador facilita a difusão da substância
para o outro lado.
A difusão facilitada difere da difusão simples por um canal
aberto do seguinte modo, muito importante: embora a velocidade
da difusão por um canal aberto aumente na proporção direta
da concentração da substância difusora, na difusão facilitada à
velocidade da difusão tende a um máximo, denominado Vmáx
com o aumento da concentração da substância. Essa diferença
entre a difusão simples e a difusão facilitada é ilustrada na Fig.
4.6, mostrando que, à medida que a concentração da substância
aumenta, a velocidade da difusão simples continua a aumentar
proporcionalmente, mas também mostra a limitação da difusão
facilitada ao valor de Vmáx.
O que limita a velocidade da difusão facilitada? Uma
provável razão é o mecanismo representado na Fig. 4.7. Essa
figura mostra uma proteína carreadora com canal suficientemente
largo para transportar uma molécula específica
até certo ponto,
mas não através de toda a membrana.
Fig. 4.6 Efeito da concentração de uma substância sobre a intensidade
de difusão, através de membrana, onde ocorre difusão simples, e através
de membrana onde ocorre difusão facilitada. Isso demonstra que a difu-
são facilitada tende a uma intensidade máxima, denominada VMÁX
Fig. 4.7 Um mecanismo proposto para a difusão facilitada.
Ela também mostra um "receptor" com capacidade fixadora nessa
proteína carreadora. A molécula que vai ser transportada entra
no canal e é fixada. Em seguida, dentro de fração de segundo,
ocorre alteração conformacional na proteína carreadora, de
modo que o canal passa a ficar aberto para o lado oposto da
membrana. Porque a força fixadora do receptor é fraca, o
movimento térmico da molécula fixada provoca sua liberação e
sua conseqüente liberação para o lado oposto. Obviamente, a
velocidade com que as moléculas podem ser transportadas por
esse mecanismo nunca pode ser maior que a velocidade com
que a molécula da proteína carreadora pode alternar-se, em seus
dois estados, por meio de alterações conformacionais. Note-se,
especialmente, que esse mecanismos permite que a molécula
transportada se "difunda" em ambas as direções através da
membrana.
Entre as mais importantes substâncias que atravessam a
membrana por difusão facilitada devem ser citadas a glicose e
a maioria dos aminoácidos. No caso da glicose, sabe-se que a
molécula carreadora tem peso molecular de cerca de 45.000;
ela é capaz de transportar vários outros monossacarídios com
estruturas semelhantes à da glicose, inclusive a manose, a
galactose, a xilose e a arabinose. Por outro lado, a insulina é
capaz de aumentar a velocidade da difusão facilitada por até 10
a 20 vezes. Esse é o principal mecanismo pelo qual a insulina
controla a utilização de glicose pelo corpo, como discutiremos
no Cap. 78.
FATORES QUE INFLUENCIAM A VELOCIDADE
EFETIVA DA DIFUSÃO
Neste ponto, já está evidente que muitas substâncias
diferentes podem difundir-se tanto através da bicamada lipídica
como por meio dos canais protéicos da membrana celular.
Contudo, deve ser claramente entendido que as substâncias que se
difundem em uma direção também podem fazê-lo na direção
oposta. Em geral, o que é importante para a célula não é a
quantidade total que se difunde nas duas direções, mas a diferença
entre as difusões nas duas direções, que é definida como a
velocidade efetiva da difusão em uma direção.
Os fatores que a influenciam são (1) a permeabilidade da
membrana, (2) a diferença de concentração da substância
difusora entre as duas faces da membrana, (3) a diferença
de pressão através da membrana, e (4) no caso dos íons, a
diferença de potencial elétrico entre as duas faces da
membrana.
38
Permeabilidade da membrana. A permeabilidade da
membrana para determinada substância é expressa como a
intensidade efetiva da difusão dessa substância, através de área
unitária da membrana, em função de diferença unitária de
concentração (quando não existem diferenças elétricas ou de
pressão). Os diversos fatores que influenciam a permeabilidade da
membrana celular são:
1. A espessura da membrana — quanto maior, mais lenta
será a difusão.
2. A lipossolubilidade — quanto maior for a solubilidade
da substância nos lipídios da membrana celular, maior será a
quantidade de substância que pode dissolver-se nessa membrana
e, conseqüentemente, que vai atravessá-la.
3. O número de canais protéicos pelos quais a substância
pode passar — a velocidade da difusão é diretamente
proporcional ao número de canais por unidades de área.
4. A temperatura — quanto maior for a temperatura, maior
vai ser o movimento térmico das moléculas e dos íons em solução,
de modo que a difusão aumenta na proporção direta com a
temperatura.
5. O peso molecular da substância difusora — isso tem efeito
complexo; a velocidade do movimento térmico de uma substância
dissolvida é proporcional à raiz quadrada de seu peso molecular.
Por outro lado, à medida que o diâmetro molecular se aproxima
do diâmetro do canal, a resistência aumenta de forma muito
acentuada, de modo que, freqüentemente, uma membrana pode
ser centenas a milhões de vezes mais permeável às pequenas
moléculas que às grandes, como é evidente pelos valores relativos
constantes do Quadro 4.1.
O coeficiente de difusão. Outro fator que influencia a
velocidade total da difusão é a área da membrana. Como
resultado, para a determinação da permeabilidade total de uma
membrana celular, deve-se multiplicar sua permeabilidade (que
mede o movimento da substância por área unitária da
membrana) pela área total da membrana. Essa permeabilidade
total define o coeficiente de difusão; sua relação com a
permeabilidade é dada por:
D = P x A
onde D é o coeficiente de difusão, P é a permeabilidade e A
é a área total.
Efeito da diferença de concentração. A Fig. 4.8A
apresenta uma membrana celular, separando soluções de uma
substância em alta concentração na face externa e baixa
concentração na interna. A velocidade com que a substância se
difunde para o interior é proporcional à concentração de suas
moléculas no exterior, pois é essa a concentração que determina
quantas moléculas irão de encontro à abertura externa dos
canais a cada segundo. Por outro lado, a velocidade com que as
moléculas se difundem para o exterior é proporcional à sua
concentração no interior da membrana. Por conseguinte, é
óbvio que a difusão efetiva para o interior da célula é
proporcional à concentração externa menos a concentração
interna, ou seja:
Difusão efetiva ? D (Ce - Ci)
onde Ce é a concentração externa, Q é a concentração interna
e D é o coeficiente de difusão da membrana para a substância.
Efeito de potencial elétrico sobre a difusão de íons.
Caso seja aplicado um potencial elétrico através da membrana,
como mostrado na Fig. 4.8B, os íons, devido à sua carga
elétrica, atravessarão a membrana, mesmo quando não existirem
diferenças de concentração para impulsioná-los. Assim, no
painel esquerdo da figura, a concentração de íons negativos é
exatamente igual nos dois lados da membrana, mas foi aplicada
carga positiva no lado direito dessa membrana e carga negativa
no lado esquerdo, criando gradiente elétrico através dela.
Fig. 4.8 Efeito da diferença de concentração (A), da diferença
de potencial elétrico (B) e da diferença de pressão (C) sobre a difusão
efetiva de moléculas e de tons, através de membrana celular.
A carga positiva atrai os íons negativos, ao mesmo tempo que a
carga negativa os repele. Por conseguinte, ocorre difusão
efetiva da esquerda para a direita. Após muito tempo, grande
quantidade de íons negativos terá passado para o lado direito
(caso se despreze, momentaneamente, o efeito perturbador dos
íons positivos da solução), criando a condição mostrada no
painel direito da Fig. 4.8B, onde se desenvolveu diferença de
concentração de direção oposta à da diferença de potencial
elétrico. Obviamente, essa diferença de concentração tende
agora a mover os íons para a esquerda, enquanto a diferença de
potencial elétrico tende a movê-los para a direita. Quando a
diferença de concentração aumentar o suficiente, esses dois
efeitos se contrabalançam exatamente. Na temperatura corporal
normal (37°C), a diferença elétrica capaz de contrabalançar com
exatidão dada diferença de concentração de íons univalentes —
como o sódio (Na+), o potássio (K+) ou cloreto (Cl) — pode ser
determinada pela seguinte relação, chamada de equação de
Nernst:
FEM (em milivolts) = ± 61 log C1
 C2
onde FEM é a força eletromotriz (a voltagem) entre as faces
1 e 2 da membrana, C, é a concentração no lado 1 e Q é a
concentração no lado 2. A polaridade da voltagem na face 1,
nesta equação, é + para os íons negativos e — para os íons
positivos. Essa relação é extremamente importante para a
compreensão da transmissão dos
impulsos nervosos, razão por
que será discutida de modo muito mais detalhado no Cap. 5.
39
Efeito de diferença de pressão. Por vezes, pode desenvolver-
se diferença considerável de pressão entre as duas faces de uma
membrana. Isso ocorre, por exemplo, na membrana capilar, onde
existe pressão da ordem de 20 mm Hg maior no interior do
capilar que em seu exterior. Por pressão se entende a soma das
forças de todas as diferentes moléculas que atingem uma área
de superfície em dado instante. Portanto, quando a pressão é
maior em uma das faces de uma membrana que na outra,
isso significa que a soma das forças das moléculas que atingem
os canais dessa face da membrana é maior que a da outra face.
Isso pode resultar de maior número de moléculas atingindo a
membrana a cada segundo, ou de maior energia cinética da
molécula média que atinge a membrana. Em qualquer dos
casos, maiores quantidades de energia ficam disponíveis para
causar o movimento efetivo das moléculas da região de
maior para a de menor pressão. Esse efeito é mostrado na Fig.
4.8C, que mostra um pistão criando alta pressão em uma das faces
de membrana celular, o que provoca difusão efetiva, através da
membrana, para o outro lado.
OSMOSE ATRAVÉS DE MEMBRANAS
SELETIVAMENTE PERMEÁVEIS - A
DIFUSÃO EFETIVA DE ÁGUA
A água é, de longe, a substância mais abundante que se
difunde através da membrana celular. Deve ser lembrado que,
regra geral, a quantidade de água que se difunde, nas duas
direções, através da membrana da hemácia, a cada segundo,
corresponde à cerca de 100 vezes o próprio volume da hemácia.
Contudo, normalmente, a quantidade que se difunde nas duas
direções é tão precisamente balanceada que não ocorre qualquer
movimento efetivo de água. Como resultado, o volume dessa
célula permanece constante. Contudo, sob certas circunstâncias,
pode desenvolver-se uma diferença de concentração para a água
através de uma membrana, exatamente do mesmo modo como
isso pode ocorrer para outras substâncias. Quando isso acontece,
ocorre, realmente, movimento efetivo de água através da
membrana celular, fazendo com que a célula murche ou inche,
na dependência da direção desse movimento efetivo. Esse
processo de movimento efetivo da água, causado por diferença
de concentração da própria água, é chamado de osmose.
Para dar um exemplo de osmose, vamos admitir as condições
mostradas na Fig. 4.9, com água pura em um dos lados da
membrana celular e solução de cloreto de sódio no outro.
Consultando-se o Quadro 4.1, vê-se que as moléculas de água
atravessam facilmente a membrana, enquanto o sódio e o cloreto
só a atravessam com grande dificuldade.
 Portanto, a solução de cloreto de sódio é, na realidade, uma
mistura de moléculas permeantes de água e de íons não-
permeantes de sódio e cloreto; a membrana é dita seletivamente
permeável (ou "semipermeável) à água, mas não aos íons sódio
e cloreto. Todavia, a presença do sódio e do cloreto deslocou
parte das moléculas de água e, portanto, reduziu a
concentração das moléculas de água a valor menor que na
água pura. Como resultado, no exemplo da Fig. 4.9, maior
número de moléculas de água atinge os canais da face esquerda,
em contato com a água pura, que à direita, onde a concentração
de água está diminuída. Assim, ocorre movimento efetivo de
água do lado esquerdo para o direito — isto é, há osmose da
água pura para a solução de cloreto de sódio.
Pressão osmótica
Se, na Fig. 4.9, fosse aplicada pressão à solução de cloreto
de sódio, a osmose da água para essa solução poderia ser
lentificada, interrompida ou invertida. A quantidade de pressão
necessária para interromper precisamente a osmose é
denominada pressão osmótica da solução de cloreto de sódio.
O princípio da oposição à osmose por uma diferença de
pressão é mostrado na Fig. 4.10, onde uma membrana
seletivamente permeável separa duas colunas de líquido, uma
contendo água e a outra contendo solução aquosa de um soluto
qualquer a que a membrana não é permeável. A osmose da água
do compartimento B para o A faz com que os níveis das colunas
líquidas fiquem progressivamente mais afastados até que,
eventualmente, se desenvolva diferença de pressão
suficientemente intensa para impedir o efeito osmótico. Nesse
ponto, a diferença de pressão entre as duas faces da membrana é
a pressão osmótica da solução contendo o soluto não-difusível.
A importância do número de partículas osmóticas (ou da
concentração molar) para a determinação da pressão osmótica.
A pressão osmótica exercida pelas partículas de uma solução
sejam elas moléculas ou íons, é determinada pelo número de
partículas por unidade de volume do líquido, e não pela massa
dessas partículas. A razão disso é que cada partícula da solução,
Fig. 4.9 Osmose através de membrana celular quando é colocada uma
solução de cloreto de sódio em um dos lados da membrana e água
no lado oposto.
Fig. 4.10 Demonstração da pressão osmótica entre as
duas faces de membrana semipermeável.
40
independentemente de sua massa, exerce, em média, a mesma
quantidade de pressão sobre a membrana. Isto é, todas as
partículas estão se chocando entre si, em média com a mesma
energia. Se algumas partículas apresentarem maior energia
cinética de movimento que outras, seu impacto com as
partículas de menor energia transferirá parte de sua energia para
estas, o que diminui o teor de energia das partículas com muita
energia, ao mesmo tempo que aumenta esse teor nas partículas
com pouca energia, o que leva, ao longo do tempo, à
equalização do teor de energia de todas as partículas. Por
conseguinte, as partículas maiores, com mais massa (m) que
as partículas menores, deslocam-se com menor velocidade (v),
enquanto as partículas menores se movem com mais velocidade,
de modo que suas energias cinéticas médias (k), definidas pela
equação
K= MV2
 2
serão iguais para todas as partículas. Como resultado, em média,
a energia cinética de cada molécula ou íon que atinge a membrana
vai ser aproximadamente a mesma, independente de suas
dimensões moleculares. Como conseqüência, o fator que
determina a pressão osmótica de uma solução é a concentração
dessa solução em termos do número de suas partículas (o
que é o mesmo que a concentração molar, no caso de moléculas
não-dissociadas), e não em termos da massa do
soluto."Osmolalidade" — O osmol. Como a quantidade de
pressão osmótica exercida por um soluto é proporcional à
concentração do soluto, expressa em número de moléculas ou
de íons, o uso da concentração do soluto em função de sua
massa não tem qualquer valor na determinação da pressão
osmótica. Para expressar essa concentração em termos do
número de partículas, é usada a unidade osmol, em lugar de
gramas.
Um osmol é o número de moléculas em uma molécula-grama
de soluto não-dissociado. Assim, 180 g de glicose, que
correspondem a uma molécula-grama dessa substância, são
iguais a 1 osmol, porque a glicose não se dissocia. Por outro
lado, caso o soluto se dissocie em dois íons, 1 molécula-grama
desse soluto equivale a 2 osmóis, visto que o número de
partículas osmoticamente ativas passa a ser o dobro daquele do
soluto não-dissociado. Por conseguinte, 1 molécula-grama de
cloreto de sódio, 58,5 g, é igual a 2 osmóis. Uma solução que
contenha / osmol de soluto dissolvido em 1 quilograma de
água tem osmolalidade de 1 osmol por quilograma e a solução que
contenha VIM» osmol dissolvido por quilograma tem osmolalidade
de 1 miliosmol por quilograma (1 mOsm/ kg). A osmolalidade
normal dos líquidos extra e intracelular é de cerca de 300
mOsm/kg. Relação entre a osmolalidade e a pressão osmótica. Na
temperatura normal do corpo, 37ºC, a concentração de 1 osmol
por litro produzirá - pressão osmótica de 19.300 mm Hg na
solução. De igual modo, a concentração de 1 miliosmol por litro é
equivalente à pressão osmótica de 19,3 mm Hg. Multiplicando-
se esse valor pela concentração de 300 miliosmóis dos líquidos
corporais, obtém-se uma pressão osmótica total calculada para
esses líquidos de 5.790 mm Hg. O valor medido, no entanto,
é, em média, de 5.500 mm Hg. A razão dessa diferença é
que muitos dos íons nos líquidos celulares tais como os de
sódio e cloreto, são fortemente atraídos uns pelos outros;
conseqüentemente, eles não conseguem deslocar-se livremente
por esses líquidos, criando todo o seu potencial osmótico. Como
resultado, em média, a verdadeira pressão osmótica dos
líquidos corporais é de cerca de 0,93 do valor calculado.
O termo "osmolaridade". Devido à dificuldade de se medir quilogramas
de água em uma solução, o que é necessário para a determinação da os-
molalidade usa-se, geralmente, outro termo, "osmolaridade",
quando a concentração osmolar é expressa como osmóis por
litro de solução, e não osmóis por quilograma de água.
Embora, em sentido estrito, sejam os osmóis por quilograma de
água os determinantes da pressão osmótica, não obstante, para
soluções diluídas, como as encontradas no corpo, as diferenças
quantitativas entre osmolaridade e osmolalidade são menores
que 1%. Visto que é muito mais fácil a medida da
osmolaridade que a da osmolalidade, ela se tornou prática
comum em quase todos os experimentos fisiológicos.
TRANSPORTE ATIVO
Do que foi discutido até agora, é evidente que nenhuma
substância pode difundir-se contra um "gradiente eletroquímico"',
que é a soma de todas as forças difusionais que agem
sobre a membrana — as forças geradas pelas diferenças de
concentração, de potencial elétrico e de pressão. Isto é,
muitas vezes é dito que as substâncias não podem difundir-se
"ladeira acima".
Contudo, é por vezes necessária grande concentração de
uma substância no líquido intracelular, embora o líquido
extracelular só contenha quantidade diminuta dela. Isso é
verdade, por exemplo, para os íons potássio. De modo inverso,
é importante a manutenção de outros íons muito baixa no
interior da célula, apesar de suas concentrações no líquido
extracelular serem muito altas. Isso é especialmente verdade
para os íons sódio. Obviamente, nenhum desses dois efeitos
poderia ocorrer pelo processo da difusão simples, pois ela tende
sempre a equilibrar as concentrações nas duas faces da
membrana. Ao contrário, alguma fonte de energia deve provocar
o movimento "ladeira acima" dos íons potássio, para o interior
da célula, e, também, o movimento dos íons sódio,
igualmente "ladeira acima", mas para fora da célula. Quando a
membrana celular transfere moléculas ou íons "ladeira acima"
contra um gradiente de concentração (ou "ladeira acima"
contra gradiente elétrico ou de pressão), o processo é
chamado de transporte ativo.
Entre as diferentes substâncias que são transportadas ativa-
mente, através das membranas celulares, estão os íons sódio,
potássio, cálcio, ferro, hidrogênio, cloreto, iodeto, urato,
diversos e distintos açúcares e a maioria dos aminoácidos.
Transporte ativo primário e secundário. O transporte ativo
é dividido em dois tipos, segundo a fonte de energia utilizada
para o transporte. São chamados de transporte ativo primário
e de transporte ativo secundário. No transporte ativo primário,
a energia é derivada diretamente da degradação do trifosfato
de adenosina (ATP) ou de qualquer outro composto de fosfato
rico em energia. No transporte ativo secundário, a energia é
derivada, secundariamente, de gradientes iônicos que foram
criados, em primeiro lugar, por transporte ativo primário. Nos
dois casos, o transporte depende de proteínas carreadoras, que
atravessam toda a espessura da membrana, como acontece na
difusão facilitada. Contudo, no transporte ativo, a proteína
carreadora funciona de modo distinto do carreador da difusão
facilitada, pois ela é capaz de transferir energia para a
substância transportadas, a fim de que possa mover-se contra o
gradiente eletroquímico. Vamos apresentar alguns exemplos de
transporte ativo primário e secundário e explicar, com mais
detalhes, os princípios de seu funcionamento.
Transporte ativo primário – A “bomba” de sódio-
potássio
Entre as substâncias que são transportadas por transporte ativo
primário estão os íons sódio, potássio, cálcio, hidrogênio,
cloreto e alguns outros. Todavia, nem todas essas substâncias
são transportadas pelas membranas de todas as células. Ainda
mais, algumas das bombas funcionam em membranas intrace-
lulares em vez de (ou além de) nas membranas da superfície
41
das células, como na membrana do retículo sarcoplasmático das
células musculares e em uma das duas membranas das
mitocôndrias. Não obstante, todas funcionam, essencialmente,
com o mesmo mecanismo básico.
O mecanismo de transporte ativo que foi estudado mais
detalhadamente é a bomba de sódio-potássio, o processo de
transporte que bombeia os íons sódio para fora, através da
membrana celular, enquanto, ao mesmo tempo, bombeia os
íons potássio de fora para dentro. Essa bomba está presente em
todas as células do corpo e é a responsável pela manutenção das
diferenças de concentração de sódio e de potássio através da
membrana celular, além de estabelecer um potencial elétrico
negativo no interior das células. Na verdade, veremos no
capítulo seguinte que essa bomba é à base do funcionamento
nervoso de transmissão de sinais nervosos por todo o sistema
nervoso.
A Fig. 4.11 apresenta os componentes básicos da bomba
Na+-K+. A proteína carreadora é um complexo de duas proteínas
globulares distintas, uma maior, com peso molecular de cerca
de 100.000, e outra menor, com peso molecular de 55.000.
Embora não seja conhecida a função da proteína menor, a maior
tem três características específicas que são importantes para o
funcionamento da bomba:
1. Apresenta três sítios de fixação para os íons sódio, situa
dos na parte da molécula que protrui para o interior da célula.
2. Tem dois sítios de fixação para os íons potássio em sua
face externa.
3. A parte interna dessa proteína, adjacente ou muito
próxima dos sítios de fixação de sódio, tem atividade de
ATPase.
Agora, para descrever o funcionamento da bomba: quando
três íons sódio se fixam na parte interna da proteína carreadora
e dois íons potássio se fixam à parte externa, a função ATPase
da proteína é ativada. Isso cliva uma molécula de ATP,
transformando-a em difosfato de adenosina (ADP) e liberando a
energia de uma ligação fosfato rica em energia. Acredita-se que
essa energia provoque alteração conformacional da molécula da
proteína carreadora, o que expulsa o sódio para o exterior e
trazendo o potássio para o interior. Infelizmente, o mecanismo
preciso dessa alteração conformacional do carreador ainda não
foi identificado.
Importância da bomba Na+-K+ para o controle do volume
celular. Uma das mais importantes funções da bomba Na+-K+ é
a de controlar o volume das células. Sem essa função da bomba, a
maioria das células iria inchar até estourar. O mecanismo para o
controle do volume é o seguinte: no interior da célula existe
grande número de proteínas e de outros compostos orgânicos
que não podem sair dela. A maior parte desses compostos tem
Fig. 4.11 Mecanismo proposto para a bomba de sódio-
potássio.
carga negativa e, como conseqüência, eles agregam ao seu redor
grande número de íons positivos. Todas essas substâncias atuam,
então, no sentido de provocar osmose de água para o interior
da célula; se isso não fosse impedido, a célula iria inchar,
indefinidamente, até estourar. Todavia, o mecanismo normal
para impedir que isso aconteça é a bomba Na+-K+. Note-se,
de novo, que esse mecanismo bombeia dois íons Na+ para o
exterior, enquanto bombeia dois íons J+ para o interior. Por
outro lado, a membrana é bem menos permeável ao sódio que
ao potássio, de modo que, quando os íons sódio estão no
exterior, eles têm forte tendência a permanecer aí. Assim, isso
representa perda contínua e efetiva de substâncias iônicas
para fora da célula, o que produz tendência osmótica
oposta
para deslocar a água para fora da célula. Ainda mais, quando a
célula começa a inchar, isso ativa, automaticamente, a bomba
Na+-K+, o que transfere mais íons para o exterior, levando água
com eles. Por conseguinte, a bomba Na+-K+, exerce papel
permanente de vigilância para a manutenção do volume
normal da célula.
A natureza eletrogênica da bomba Na+-K+. O fato de a
bomba Na+-K+, transportar três íons sódio para o exterior, em
troca de dois íons potássio transportados para o interior, implica a
efetiva transferência de uma carga positiva para o exterior, a cada
ciclo da bomba. Obviamente, isso gera positividade no exterior
da célula, mas cria déficit de íons positivos no interior celular;
isto é, ela produz negatividade nesse interior. Como resultado, a
bomba Na+-K+ é dita eletrogênica, por criar um potencial elétrico
através da membrana como conseqüência de seu bombeamento.
A bomba de cálcio
Outro mecanismo, igualmente muito importante, de
transporte ativo primário é o da bomba de cálcio. Os íons
cálcio são mantidos, normalmente, em concentrações
extremamente baixas no citosol intracelular, de cerca de
10.000 vezes menor que no líquido extracelular. Isso é
realizado por duas bombas de cálcio. Uma delas fica na
membrana celular e bombeia cálcio para fora da célula. A outra
bombeia cálcio para o interior de uma ou mais das organelas
vesiculares do interior celular, como o retículo sarcoplasmático
das células musculares e as mitocôndrias de todas as células.
Nos dois casos, a proteína carreadora atravessa toda a
espessura da membrana e também funciona como ATPase,
com a mesma capacidade de desdobrar o ATP, como tem a
ATPase das proteínas carreadoras de sódio. As duas
proteínas carreadoras diferem pelo fato de esta proteína
carreadora ter sítio de fixação para o cálcio, e não para o sódio.
 Saturação do transporte ativo
O transporte ativo fica saturado de modo idêntico ao da
saturação da difusão facilitada, como mostrado na Fig. 4.6.
Quando a concentração da substância a ser transportada é
pequena, a intensidade do transporte aumenta, em proporção
direta, com o aumento da concentração. Todavia, com
concentrações muito elevadas, o transporte tende a um valor
máximo, chamado de Vmax, como ocorre na difusão facilitada. A
saturação é causada pela limitação da velocidade com que as
reações químicas de fixação, liberação e alterações
conformacionais do carreador podem ocorrer.
Energética do transporte ativo
A quantidade de energia necessária para transportar
ativamente uma substância através de membrana (sem levar em
conta a energia perdida com o calor nas reações químicas) é
determinada pelo grau a que a substância é concentrada durante
o transporte.
42
Tomando como base a energia necessária para aumentar a
concentração da substância por 10 vezes, será necessário
consumo de três vezes mais energia para aumentar sua
concentração por 100 vezes. Em outras palavras, a energia
necessária é proporcional ao logaritmo do grau a que é
concentrada a substância, como definido pela relação seguinte:
C1
Energia (em calorias por osmol) - 1.400 log —
C2
Isto é, em termos de calorias, a quantidade de energia necessária
para concentrar por 10 vezes 1 osmol de uma substância é de
cerca de 1.400 calorias e, por 100 vezes, 2.800 calorias. Pode-se
ver que o consumo de energia para aumentar a concentração
de substâncias no interior celular, ou para a remoção de
substâncias para o exterior, contra gradiente de concentração,
pode ser muito grande. Algumas células, como as que revestem
os túbulos renais e certas células glandulares, consomem até
90% de sua energia nesse tipo de atividade.
Transporte ativo secundário — co-transporte e
contratransporte
Quando os íons sódio são transportados para fora das células
por transporte ativo primário, forma-se, na maioria das vezes,
um gradiente de concentração de sódio muito intenso —
concentração muito elevada no exterior e muito baixa no
interior. Esse gradiente representa um reservatório de energia,
visto que o excesso de sódio, no exterior da célula, tende sempre
a se difundir para o interior. Sob condições adequadas, essa
energia de difusão do sódio pode, literalmente, puxar outras
substâncias, junto com o sódio, através da membrana. Esse
fenômeno é chamado de co-transporte; é uma das formas do
transporte ativo secundário.
Para que o sódio possa levar consigo outras substâncias, é
necessário um mecanismo de acoplamento. Isso é realizado por
meio de outro tipo de proteína carreadora da membrana celular.
Neste caso, o carreador atua como ponto de fixação para o íon
sódio e para as substâncias que vão ser co-transportadas. Uma
vez tendo acontecido a fixação dos dois, ocorre alteração
conformacional da proteína carreadora e o gradiente de energia
do sódio faz com que tanto o íon sódio como a substância co-
transportada sejam transferidos juntos para o interior da célula.
No contratransporte, de novo, os íons sódio tendem a se
difundir para o interior da célula, devido a seu intenso gradiente
de concentração. Contudo, neste caso, a substância que vai ser
transportada está no interior da célula e deve ser transportada
para o exterior. Por conseguinte, o íon sódio se fixa à proteína
carreadora em sua extremidade que se projeta para fora, na
face externa da membrana, enquanto a substância que vai ser
contratransportada se fixa à projeção interna da proteína
carreadora. Uma vez tendo acontecido a fixação dos dois, ocorre
nova alteração conformacional, com a energia do íon sódio o
transferindo para o interior e levando a outra substância a se
deslocar para o exterior.
Co-transporte do sódio com glicose ou com aminoácidos. A
glicose e muitos aminoácidos são transportados para o interior
das células contra gradientes muito intensos de concentração;
o mecanismo disso é o sistema de co-transporte mostrado na
Fig. 4.12. Deve ser notado que a proteína carreadora para esse
transporte tem dois sítios de fixação em sua extremidade externa,
um para o sódio e outro para a glicose. Por outro lado, a
concentração de sódio é muito elevada no exterior e muito baixa
no interior, o que dá a energia para o transporte. É propriedade
especial dessa proteína transportadora que a alteração
conformacional que permite a transferência do sódio para o
interior só pode ocorrer quando uma molécula de glicose
também se fixa
Fig. 4.12 Mecanismo proposto para o co-transporte sódio-glicose.
a ela. Quando os dois estão fixados, a alteração conformacional
ocorre de modo automático e tanto o sódio como a glicose são
transportados, ao mesmo tempo, para o interior da célula. Esse
é, portanto um mecanismo de co-transporte sódio-glicose.
O co-transporte de sódio com aminoácidos ocorre de modo
idêntico ao da glicose, exceto pela utilização de conjunto diverso
de proteínas de transporte. Já foram identificados cinco tipos
distintos de proteínas de transporte para aminoácidos, cada um
responsável pelo transporte de um subtipo de aminoácidos com
características moleculares específicas.
O co-transporte de sódio com glicose ou aminoácidos ocorre,
de forma especial, nas células epiteliais do tubo intestinal e dos
túbulos renais, participando na absorção dessas substâncias para
o sangue, como discutiremos em outros capítulos.
Outros dois importantes mecanismos de co-transporte são
(1) o co-transporte de sódio-potássio-dois cloretos, que possibilita
a transferência de dois íons cloreto, junto com um íon sódio
e um íon potássio, para o interior da célula, todos se movendo
na mesma direção, e (2) co-transporte potássio-cloreto, que
possibilita a passagem de íons potássio e cloreto, juntos, do
interior para o exterior celular. Outros tipos de co-transporte,
encontrados, pelo menos, em algumas células, incluem os
cotrans-portes de íons iodeto, de íons ferro e de íons urato.
Contratransporte de sódio e íons cálcio e íons hidrogênio.
Dois mecanismos
especialmente importantes de contratransporte
são os de contratransporte sódio-cálcio e contratransporte sódio-
hidrogênio, O contratransporte de cálcio existe em todas — ou
quase todas — as membranas celulares, com o íon sódio se
movendo para o interior e os íons cálcio para o exterior, ambos
fixados à mesma proteína transportadora, em sistema de contra-
transporte. Isso acontece adicionalmente ao transporte primário
de cálcio, encontrado em alguns tipos celulares. O
contratransporte sódio-hidrogênio existe em diversos tecidos.
Exemplo especialmente importante ocorre no túbulo proximal
dos rins, onde os íons sódio se movem do lúmen tubular para
o interior das células tubulares, ao mesmo tempo que os íons
hidrogênio são transferidos para o lúmen. Esse mecanismo é
crucial para a regulação dos íons hidrogênio nos líquidos
corporais, como é discutido em maiores detalhes no Cap. 30.
Outros mecanismos de contratransporte incluem as trocas de
cátions, de íons cálcio ou sódio, em uma das faces da membrana,
por íons magnésio ou potássio, na outra, e as trocas de ânions,
íons cloreto se movendo em uma direção, e íons bicarbonato ou
sulfato se movendo na direção oposta.
TRANSPORTE ATIVO ATRAVÉS DE LÂMINAS
CELULARES
Em muitas regiões do corpo, as substâncias devem ser
transportadas através de toda a espessura de lâminas
formadas por muitas células, e não, simplesmente, através de
uma membrana celular.
43
Fig. 4.13 Mecanismo básico para o transporte ativo através de toda
a espessura de uma lâmina celular.
 Esse tipo de transporte ocorre no epitélio intestinal, no epitélio
dos túbulos renais, no epitélio de todas as glândulas exócrinas,
no epitélio da vesícula biliar, na membrana do plexo coróide
cerebral e em muitas outras membranas.
O mecanismo básico do transporte de substâncias através
de lâminas celulares é o de (1) haver transporte ativo através
da membrana celular, em uma das extremidades da célula e,
em seguida, (2) haver difusão simples ou facilitada, através da
membrana, na extremidade oposta da célula.
A Fig. 4.13 mostra o mecanismo para o transporte de íons
sódio através do epitélio do intestino, da vesícula biliar e dos
túbulos renais. Essa figura mostra que as células epiteliais são
unidas entre si, ao nível de seu pólo luminal, por meio de junções
fechadas que bloqueiam, principalmente, a difusão dos íons sódio
pelos espaços entre as células. Contudo, as superfícies luminais
dessas células são muito permeáveis aos íons sódio e à água.
Por conseguinte, os íons sódio e a água se difundem com grande
facilidade para o interior dessas células. Então, nas membranas
basais e laterais das células, os íons sódio são ativamente
transportados para o líquido extracelular. Isso gera intenso
gradiente de concentração de sódio através dessas membranas, o
que, por sua vez, provoca a osmose da água. Assim, o
transporte ativo de sódio, através das superfícies basolaterais das
células epiteliais, provoca não apenas o transporte dos íons
sódio, mas também, ao mesmo tempo, o de água.
Ainda mais, qualquer outra substância que esteja acoplada
por co-transporte ao sódio pode ser também transportada. Por
exemplo, as cargas positivas dos íons sódio puxam, em geral,
os íons cloreto, com carga negativa, junto com o sódio. De igual
modo, quando a glicose (ou aminoácidos) é co-transportada com
o sódio, através da superfície luminal da célula, a concentração
intracelular de glicose aumenta. Então, essa glicose é
transportada, por difusão facilitada, através das membranas
basolaterais dessas células, atingindo, finalmente, o líquido
extracelular, junto com os íons sódio, os íons cloreto e a água.
Esses são os mecanismos pelos quais quase todos os
nutrientes, os íons e outras substâncias são absorvidos do
intestino para o sangue; também representam o meio como essas
mesmas substâncias são reabsorvidas do filtrado glomerular
pelos túbulos renais.
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45
CAPÍTULO 5
Potenciais de Membrana e Potenciais de Ação
Existem diferenças de potencial elétrico através das membranas
de praticamente todas as células do corpo, e algumas células,
como as nervosas e musculares, são "excitáveis isto é, capazes de
autogerar impulsos eletroquímicos em suas membranas e, na
maioria dos casos, utilizar esses impulsos para a transmissão de
sinais ao longo das membranas. Em outros tipos de células, tais
como as glandulares, os macrófagos e as células ciliadas, outras
classes de variação dos potenciais de membrana têm,
provavelmente, participação ativa no controle de muitos
aspectos do funcionamento celular. Todavia, o que será discutido
neste capítulo está relacionado aos potenciais de membrana
gerados, no repouso e durante a atividade, pelas células
nervosas e musculares.
A FÍSICA BÁSICA DOS POTENCIAIS
DE MEMBRANA
OS POTENCIAIS DE MEMBRANA CAUSADOS
PELA DIFUSÃO
A Fig. 5.1A e B apresenta uma fibra nervosa sob condições
em que não ocorre transporte ativo de sódio e de potássio. Na
Fig. 5. IA, a concentração de potássio é muito elevada no interior
da membrana, enquanto é muito baixa no exterior. Vamos
admitir que, nesse caso, a membrana seja muito permeável aos
íons potássio, mas não seja permeável a qualquer outro íon.
Devido ao grande gradiente de concentração de potássio,
dirigido do interior para o exterior, existe forte tendência para
o potássio se difundir para o lado de fora. À medida que isso
acontece, esses íons transportam cargas positivas para o
exterior, o que cria estado de eletropositividade por fora da
membrana e de etetronegatividade em seu interior, causado
pelos ânions negativos que aí permanecem e que não se
difundem para fora junto com o potássio. Essa nova diferença de
potencial repele os íons positivos de potássio, na direção oposta,
do exterior para o interior. Dentro de cerca de um milissegundo,
essa variação do potencial fica suficientemente intensa para
bloquear qualquer difusão adicional de íons de potássio para o
exterior, apesar do elevado gradiente de concentração desse íon.
Nas maiores fibras nervosas normais de mamíferos, a diferença
de potencial necessária para esse efeito é da ordem de 94 mV,
com a negatividade no interior da membrana da fibra.
A Fig. 5.1B apresenta o mesmo fenômeno que a Fig. 5. IA,
mas, agora, com concentração elevada de íons sódio por fora
da membrana e muito baixa em seu interior. Esses íons também
têm carga positiva e, aqui, a membrana é extremamente
permeável aos íons sódio, mas impermeável a qualquer outro
íon. A difusão dos íons sódio para o interior resulta em potencial
de membrana com polaridade invertida, negatividade interna e
positividade interna. De novo, o potencial de membrana
aumenta o suficiente, em milissegundos, para bloquear a
continuação da difusão efetiva de íons sódio para o interior;
todavia, neste caso, nas fibras nervosas de maior calibre de
mamíferos, a diferença de potencial necessária é de 61 mV, com
a positividade no interior da fibra.
Assim, nos dois painéis da Fig. 5.1, vemos que a diferença
de concentração de íons, através de membrana seletivamente
permeável, pode, em condições adequadas, ser causa de um
potencial de membrana. Em algumas seções adiante, veremos
que muitas das alterações rápidas dos potenciais de membrana
observados durante o curso da transmissão de impulsos no
nervo e no músculo resultam da ocorrência desse tipo de
potenciais de difusão, de variação muito rápida.
Relação do potencial de difusão com a diferença de
concentração — a equação de Nernst. O nível do potencial
através da membrana, capaz de impedir, com exatidão, a difusão
efetiva de um íon, em qualquer direção, é chamado de
potencial de Nernst para esse íon. O valor desse potencial é
determinado pela proporção entre as concentrações do íon
nos dois lados da membrana — quanto maior for essa
proporção, maior será a tendência do íon a se difundir em uma
direção e, como resultado, maior será o potencial de Nernst. A
seguinte equação, chamada de equação de Nernst, pode ser
usada para o cálculo do potencial de Nernst para qualquer íon
monovalente na temperatura normal do corpo de 37°C:
Concentração interna
Concentração externa
Ao se usar esta relação, admite-se que o potencial por fora da
membrana sempre permaneça exatamente em zero e o potencial
de Nernst que é calculado é o que vigora no interior da membrana.
Por outro lado, o sinal do potencial é positivo (+) quando o
íon em questão é negativo e negativo (-) quando esse íon é
positivo.
Por exemplo, quando a concentração de um íon positivo
FEM (em milivolts) = ± 61 log
46
Fig. 5.1 A, Desenvolvimento de um potencial de difusão através de
membrana celular, causado pela difusão de íons potássio, do interior
para o exterior, através de membrana que só é" seletivamente permeável
aos íons potássio. B, Desenvolvimento de um potencial de difusão quando
a membrana só é permeável aos íons sódio. Notar que o potencial interno
da membrana é negativo, pela difusão dos íons potássio, e positivo
quando a difusão é de íons sódio, devido à direção oposta dos
gradientes de concentração desses dois íons.
(digamos, o íon potássio) no interior for 10 vezes maior que
no exterior, e como o logaritmo de 10 é 1, o valor calculado
para o potencial de Nernst será de -61 mV no interior da
membrana.
Cálculo do potencial de difusão quando a
membrana é permeável a vários íons diferentes
Quando a membrana é permeável a vários e diversos íons,
o potencial de difusão que se desenvolve depende de três fatores:
(1) a polaridade da carga elétrica de cada íon; (2) a
permeabilidade da membrana (P) para cada íon; e (3) as
concentrações (C) dos íons respectivos, dentro (i) e fora (e) da
membrana. Então, pela seguinte relação, chamada de equação
de Goldman, ou de equação de Goldman-Hodgkin-Katz, pode-
se calcular o valor do potencial de membrana vigente no interior
da membrana quando dois íons positivos monovalentes, sódio
(Na+) e potássio (K+), e um íon negativo, também monovalente,
o cloreto (Cl"), são participantes:
Vamos, agora, analisar a importância e o significado desta
equação. Primeiro, os íons sódio, potássio e cloreto são os íons
com participação mais importante no desenvolvimento dos
potenciais de membrana nas fibras nervosas e musculares, bem
como
nas células neuronais do sistema nervoso central. O
gradiente de concentração de cada um desses íons, através da
membrana, ajuda na determinação da voltagem do potencial de
membrana.
Segundo, o grau de importância de cada íon, na
determinação da voltagem, é proporcional à permeabilidade da
membrana para esse íon. Assim, caso a membrana seja
impermeável aos íons potássio e cloreto, o potencial de
membrana será totalmente dependente apenas do gradiente de
concentração dos íons sódio, e o potencial resultante será
exatamente igual ao potencial de Nernst para o sódio. O mesmo
princípio permanece válido para cada um dos outros dois íons,
caso a membrana fique seletivamente permeável para apenas um
dos dois.
Terceiro, um gradiente de concentração iônica, do interior
para o exterior da membrana, vai produzir eletronegatividade
no interior dessa membrana. A razão disso é que os íons positivos
se difundem para o exterior, quando sua concentração interna
é maior que a externa. Isso carrega cargas positivas para fora,
mas deixa os ânions negativos não-difusíveis no interior. O efeito
exatamente oposto ocorre quando existe gradiente de íon
negativo. Isto é, um gradiente do íon cloreto, do exterior para
o interior, produz negatividade no interior da célula, porque os
íons cloreto, com carga negativa, se difundem para o interior,
ao mesmo tempo que os íons positivos ficam do lado de fora.
Quarto veremos adiante que as permeabilidades dos canais
de sódio e de potássio passam por variações muito rápidas,
durante a condução do impulso nervoso, enquanto a
permeabilidade dos canais de cloreto não se altera de muito
nesse processo. Por conseguinte, as variações das
permeabilidades ao sódio e ao potássio são as principais
responsáveis pela transmissão dos sinais pelos nervos, o que é o
assunto do resto deste capítulo.
MEDIDA DO POTENCIAL DE MEMBRANAS
O método para a medida do potencial de membrana é simples em
teoria, mas, muitas vezes, difícil na prática, devido às dimensões diminutas
da maioria das fibras. A Fig. 5.2 mostra pequena pipeta, cheia de solução
eletrolítica concentrada (KC1), que é impalada, através da membrana
celular, até o interior da fibra. Em seguida, outro eletródio, chamado
de "eletródio indiferente", é colocado nos líquidos intersticiais, e a
diferença de potencial entre o interior e o exterior da fibra é medida
por meio de voltímetro adequado. Esse voltímetro é, na realidade, um
aparelho eletrônico muito sofisticado, capaz de medir voltagens bastantes
reduzidas, apesar de haver resistência extremamente elevada ao fluxo
elétrico pela ponta da micropipeta. que tem, em geral, diâmetro
inferior a 1 µm e resistência que pode atingir um bilhão de ohms.
Para o registro de variações rápidas do potencial de membrana,
durante a transmissão de impulsos nervosos, o microeletródio é ligado a
um osciloscópio, como explicado adiante, neste capítulo.
A MEMBRANA CELULAR COMO UM
CAPACITADOR ELÉTRICO
Em cada uma das figuras usadas até agora, as cargas iônicas negativas
e positivas que geram o potencial de membrana foram mostradas como
dispostas em contato com a membrana, e nada se falou da sua disposição
em outras partes dos líquidos, nem do interior da fibra nervosa, ou
fora dela, no líquido intersticial. Contudo, a Fig. 5.3 mostra isso,
destacando que, exceto na região adjacente à própria membrana
celular, as cargas negativas e positivas estão precisamente em
igualdade. Isso é chamado de princípio da neutralidade elétrica; isto é,
para cada íon positivo, existe, na vizinhança, outro íon, negativo, para
neutralizá-lo; de outra forma, seriam gerados potenciais elétricos de
bilhões de volts nesses líquidos.
Quando cargas positivas são bombeadas para fora da membrana,
essas cargas positivas se alinham ao longo da face externa da membrana,
enquanto em sua face interna se alinham os ânions que permaneceram
no interior da fibra.
Fig. 5.2 Medida do potencial de membrana de fibra nervosa por meio
de micropipeta.
47
Fig. 5.3 Distribuição dos íons com cargas positivas e negativas no líquido
intersticial que banha uma fibra nervosa e no líquido no interior da
fibra; notar a disposição em dipolos das cargas negativas na superfície
interna da membrana e das cargas positivas na face externa, No painel
inferior são mostradas as variações abruptas do potencial de membrana,
ao nível da membrana, nos dois lados da fibra.
Isso cria uma camada de dipolos, de cargas positivas e negativas, entre as
faces externa e interna da membrana, mas permanece igual número de
cargas positivas e negativas nas outras regiões dos líquidos. Esse é o
mesmo efeito observado quando as placas de capacitador (ou
condensador) elétrico são eletricamente carregadas — isto é, o
alinhamento de cargas negativas e positivas nos lados opostos da
membrana dielétrica do capacitador. Por conseguinte, a bicamada
lipídica da membrana celular funciona, na realidade, como o dielétrico
do capacitador da membrana celular, do mesmo modo como mica papel
ou Mylar funcionam como dielétrico em capacitadores elétricos.
Por ser a membrana celular extremamente fina (de 7 a 10 nm),
sua capacitância é imensa, em relação à sua área — cerca de 1 microfarad
por centímetro quadrado.
A parte inferior da Fig. 5.3 mostra o potencial elétrico que vai
ser registrado em cada ponto na ou próximo da membrana de fibra
nervosa, começando do lado esquerdo da figura e progredindo para
a direita, Enquanto o eletródio estiver por fora da membrana neural,
o potencial que vai ser registrado será zero, que é o potencial do líquido
extracelular. Em seguida, quando o eletródio atravessar a camada do
dipolo elétrico na membrana celular, o potencial diminuirá,
imediatamente, até -90 mV. De novo, o potencial de membrana
permanece em valor estável enquanto o eletródio passa pelo interior da
fibra, mas volta a zero, ao passar pela região oposta da membrana.
O fato de a membrana funcionar como um capacitor tem um ponto
de importância especial: para que seja criado um potencial negativo
no interior da membrana, basta o transporte de número de íons positivos
suficientes para a produção da camada elétrica de dipolos do nível da
própria membrana. Todos os íons remanescentes no interior da fibra
ainda podem ser íons positivos e negativos. Como resultado, apenas
um número extremamente reduzido de íons precisa ser transferido para
produzir o potencial normal de —90 mV no interior da fibra nervosa
— apenas cerca de 1/5.000,000 a 1/100.000.000 das cargas positivas totais
do interior da fibra precisa ser transferido. Também, número igualmente
diminuto de íons positivos se deslocando do exterior para o interior
pode inverter o potencial de —90 mV para até +35 mV dentro de intervalo
de tempo da ordem de 1/10. 000 de segundo. Esse rápido deslocamento
de íons, dessa forma, gera os sinais nervosos que iremos discutir em
seções subseqüentes deste capítulo.
O POTENCIAL DE MEMBRANA EM
REPOUSO DOS NERVOS
O potencial de membrana das fibras nervosas de grande
calibre, quando elas não estão transmitindo sinais nervosos, é
de cerca de -90 mV. Isto é, o potencial no interior da fibra é
90 mV mais negativo que o potencial do líquido intersticial,
por fora da fibra. Nos parágrafos seguintes, vamos explicar todos
os fatores que determinam o valor desse potencial, mas, antes
de fazê-lo, devemos descrever as propriedades de transporte da
membrana neural em repouso para o sódio e o potássio.
Transporte ativo dos íons sódio e potássio através da
membrana - a bomba sódio-potássio. Primeiro, devemos nos
lembrar do que foi discutido no capítulo precedente, que todas
as membranas celulares do corpo apresentam uma potente
bomba sódio-potássio e que essa bomba, continuamente,
bombeia sódio para o exterior e potássio para o interior. Devemos
nos lembrar, ainda, que essa é uma bomba eletrogênica, pois
mais cargas positivas são bombeadas para fora que para
dentro (três íons
Na+ para o exterior para cada dois íons K+
para o interior), deixando déficit efetivo de íons positivos no
interior; isso é o mesmo que criar carga negativa no interior da
membrana celular.
Essa bomba sódio-potássio também é causa dos imensos
gradientes de concentração para o sódio e o potássio através
da membrana neural em repouso. Esses gradientes são os
seguintes:
Na+ (externa):
Na+ (interna):
K+ (externo):
K+ (interno):
As proporções entre esses dois
íons, do interior para o exterior, são:
Na+ interior / Na + exterior = 0,1
K+ interior/ K+ exterior = 35,0
Vazamento de sódio e de potássio através da membrana
neural. A direita na Fig. 5.4 é mostrada uma proteína de
canal da membrana celular, pela qual os íons sódio e potássio
podem vazar, denominada canal de "vazamento" para sódio-
potássio. Na verdade, existem diversos tipos distintos de
proteínas desse tipo, com características diferentes de
vazamento. Contudo, a ênfase recai sobre o vazamento de
potássio, porque, em média, os canais são muito mais
permeáveis ao potássio que ao sódio, cerca de 100 vezes mais.
Veremos adiante que essa permeabilidade diferencial é
extremamente importante para a determinação do valor do
potencial de membrana normal em repouso.
Fig. 5.4 As características funcionais da bomba Na+-K+ e dos canais
de "vazamento" para o potássio.
142 mEqA
14 mEq/1
4 mEq/1
140 mEq/1
48
ORIGEM DO POTENCIAL DE MEMBRANA
EM REPOUSO NORMAL
A Fig. 5.5 apresenta os fatores importantes para o
estabelecimento do potencial de membrana em repouso normal
de -90 mV. Eles são os seguintes:
Contribuição do potencial de difusão do potássio. Na Fig.
5.5A, admitimos que o único movimento de íons através da
membrana seja por difusão de íons potássio, como mostrado
pelos canais abertos para o potássio, entre o interior da
membrana e o exterior. Devido à proporção muito alta entre as
concentrações interna e externa desse íon, da ordem de 35
para 1, o potencial de Nernst correspondente a essa
proporção é de -94 mV, dado que o logaritmo de 35 é 1,54 e
esse valor multiplicado por -61 dá -94 mV. Por conseguinte, caso
os íons potássio fossem o único fator causador do potencial de
repouso, esse potencial de repouso também seria igual a -94
mV, como mostrado na figura.
Contribuição da difusão do sódio através da membrana
neural. A Fig. 5.5B mostra a adição da reduzida
permeabilidade
Fig, 5.5 Desenvolvimento do potencial de membrana em repouso, em
fibras nervosas, sob três condições distintas: A, quando o potencial de
membrana é causado apenas pela difusão de potássio; B quando o
potencial de membrana é causado pela difusão de íons sódio e potássio;
C, quando o potencial de membrana é causado pela difusão conjunta
de íons sódio e potássio, mais o bombeamento desses dois íons pela
bomba Na--K+.
da membrana neural aos íons sódio, causada pela diminuta
difusão de íons sódio pelos canais de vazamento K+ -Na+. A
proporção entre os íons sódio do interior e do exterior é de
0,1 e isso dá um valor calculado para o potencial de Nernst
para o interior da membrana de +61 mV. Mas também é
mostrado na Fig. 5.5B o potencial de Nernst para a difusão do
potássio de -94 mV. Como eles interagem entre si e qual vai ser o
potencial resultante? Isso pode ser respondido por meio da
equação de Goldman, descrita antes. Todavia, de modo intuitivo,
pode-se ver que, se a membrana for muito permeável ao
potássio, mas pouco permeável ao sódio, é lógico que a difusão
de potássio terá contribuição muito maior para o potencial de
membrana que a difusão do sódio. Na fibra nervosa normal, a
permeabilidade da membrana ao potássio é cerca de 100 vezes
maior que para o sódio. Se for usado esse valor na equação de
Goldman. obtém-se valor para o potencial interno da membrana
de -86 mV, como mostrado à direita da figura.
Contribuição da bomba Na+- K+ Finalmente, na Fig. 5.5C, é
mostrada a contribuição adicional da bomba Na+-K+. Nessa
figura, ocorre bombeamento contínuo de três íons sódio para
o exterior, e de dois íons potássio para o interior da membrana.
O fato de serem bombeados mais íons sódio para o exterior
que de potássio para o interior resulta em perda continuada
de cargas positivas pelo interior da membrana, o que causa grau
adicional de negatividade (de cerca de - 4 mV) do interior, além
da que poderia ser explicada apenas por difusão. Por conseguinte,
como mostrado na Fig. 5.5C, o potencial de membrana efetivo,
com todos esses fatores atuando ao mesmo tempo, é de -90 mV.
Em resumo, apenas os potenciais de difusão, causados pela
difusão de potássio e de sódio, produziriam um potencial de
membrana da ordem de - 86 mV, quase que todo ele resultante
da difusão de potássio. Além disso, cerca de - 4 mV adicionais
representam a contribuição para o potencial de membrana da
bomba eletrogênica de Na + -K+, dando o potencial efetivo de
membrana de -90 mV.
O potencial de membrana em repouso nas grandes fibras
musculares esqueléticas é, aproximadamente, o mesmo que o
das fibras nervosas mais calibrosas, em torno de -90 mV.
Contudo, nas fibras nervosas mais delgadas c nas menores fibras
musculares — por exemplo, as do músculo liso —, bem como
em muitos neurônios do sistema nervoso central, o potencial de
membrana pode ser de apenas -40 a -60 mV, em vez de -90
mV.
O POTENCIAL DE AÇÃO NEURAL
Os sinais neurais são transmitidos por meio de potenciais
de ação, que são variações muito rápidas do potencial de
membrana. Cada potencial de ação começa por modificação
abrupta do potencial de repouso negativo normal para um
potencial positivo e, em seguida, termina com modificação
quase tão rápida para o potencial negativo. Para conduzir um
sinal neural, o potencial de ação se desloca, ao longo da fibra
nervosa, até atingir seu término. O painel superior da Fig. 5.6
apresenta as alterações que ocorrem na membrana durante o
potencial de ação, com transferência de cargas positivas para
o interior no seu início e retorno dessas cargas positivas
para o exterior ao seu fim. O painel inferior retrata
graficamente as alterações sucessivas do potencial de
membrana, durante alguns poucos décimos milésimos de
segundo, mostrando o início explosivo do potencial de ação e
sua restauração em tempo quase tão rápido.
As fases sucessivas do potencial de ação são as seguintes:
Fase de repouso. É o potencial de membrana em repouso,
antes que comece o potencial de ação. Diz-se que a membrana
está "polarizada" durante esta fase, devido ao elevado potencial
de membrana presente.
49
Fig. 5.6 Potencial de ação típico, registrado pelo método
mostrado no painel superior da figura.
Fase de despolarização. Em determinado momento, a
membrana fica, abruptamente, muito permeável aos íons
sódio, o que permite a entrada de grande número de íons
sódio para o interior do axônio. O estado "polarizado" normal
de - 90 mV é perdido, com o potencial variando rapidamente
na direção da positividade. Isso é chamado de despolarização.
Nas fibras nervosas mais calibrosas, o potencial de membrana
"ultrapassa" (overshoots) o valor zero, e fica positivo, mas, nas
fibras mais finas e em muitos neurônios do sistema nervoso
central, o potencial apenas fica próximo do valor zero, e não o
ultrapassa para ficar positivo.
Fase de repolarização. Dentro de poucos décimos milésimos
de segundo após a membrana ter ficado extremamente permeável
aos íons sódio, os canais de sódio começam a se fechar, enquanto
os canais de potássio se abrem mais que o normal. Então, a
rápida difusão dos íons potássio para o exterior restaura o
potencial de membrana negativo normal do repouso. Isso é
chamado de repolarização da membrana.
Para explicar com mais detalhes os fatores responsáveis pelos
processos de despolarização e de repolarização, precisamos,
agora, explicar as características especiais de outros dois tipos
de canais para o transporte através da membrana neural: os
canais de sódio e de potássio voltagem-dependentes.
OS CANAIS DE SÓDIO E DE POTÁSSIO
VOLTAGEM DEPENDENTES
O agente necessário para a produção da despolarização e
da repolarização da membrana neural, durante o potencial de
ação, é o canal de sódio voltagem-dependente. Contudo, o canal
de potássio voltagem dependente também tem participação
importante ao aumentar a rapidez da repolarização da
membrana. Esses dois canais voltagem - dependentes existem
juntamente com a bomba Na+ -K+ e os canais de vazamento Na+ -
K+.
O canal de sódio voltagem-dependente — "ativação"
e "inativação" do canal
O painel superior da Fig. 5.7 apresenta o canal de sódio
voltagem-dependente em três estados distintos. Esse canal tem
Fig. 5.7 Características dos canais de sódio e potássio voltagem-
dependentes, mostrando a ativação e a inativação dos canais de sódio,
mas apenas a ativação dos canais de potássio, que só ocorre quando o
potencial de membrana varia de seu valor negativo normal em repouso
para um valor positivo.
duas comportas, uma próxima à extremidade externa do canal,
chamada de comporta de ativação, e outra próxima à extremidade
interna, chamada de comporta de inativação. A esquerda é
mostrado o estado dessas duas comportas no período normal
de repouso, quando o potencial de membrana é de —90 mV.
Nesse estágio, a comporta de ativação fica fechada, o que
impede o acesso de qualquer íon sódio ao interior da fibra por
meio desses canais. Por outro lado, as comportas de inativação
estão abertas, não constituindo, nesse estágio, qualquer
impedimento à passagem de íons sódio.
Ativação do canal de sódio. Quando o potencial de membrana
fica menos negativo que durante o período de repouso, passando
de -90 mV para zero, ele passa por uma voltagem. em geral
entre -70 e -50 mV, que provoca alteração conformacional
da comporta de ativação, fazendo com que ela se abra. Isso
é chamado de estado ativado; durante ele, os íons sódio podem
literalmente jorrar por esses canais, aumentando a
permeabilidade ao sódio da membrana por até 500 a 5.000
vezes.
Inativação do canal de sódio. Na extrema direita do painel
superior da Fig. 5.7 é mostrado o terceiro estado do canal de
sódio. O mesmo aumento da voltagem que abre a comporta
de ativação também fecha a comporta de inativação. Contudo,
o fechamento da comporta de inativação só ocorre após alguns
décimos milésimos de segundo da abertura da comporta de
ativação. Isto é, a alteração conformacional que modifica o
canal de inativação para a posição fechada é um processo mais
lento, enquanto a alteração conformacional que abre a comporta
de ativação é muito rápida. Como resultado, após o canal de
sódio ter ficado aberto por alguns décimos milésimos de
segundo, ele se fecha e os íons sódio não mais podem jorrar
para o interior da membrana. A partir desse momento, o
potencial de membrana começa a variar em direção ao valor
vigente no estado de repouso da membrana, o que constitui o
processo de repolarização.
Característica muito importante do processo de inativação
50
do canal de sódio é a de que a comporta de inativação não voltará
a se abrir até que o potencial de membrana retorne até (ou bastante
próximo) o valor do potencial de membrana de repouso inicial.
Como conseqüência, não é possível nova abertura dos canais
de sódio até que a fibra nervosa se tenha repolarizado.
Os canais de potássio voltagem dependentes e sua
ativação
O painel inferior da Fig. 5.7 apresenta o canal de potássio
voltagem-dependente em dois estados distintos: durante o estado
de repouso e próximo ao término do potencial de ação. Durante
o estado de repouso, o canal de potássio fica fechado, como
mostrado à esquerda da figura, e os íons potássio são impedidos
de passar por esse canal para o exterior. Quando o potencial
de membrana começa a aumentar, a partir de -90 mV, em
direção ao zero, essa variação de voltagem provoca alteração
conformacional, abrindo o canal e permitindo aumento da difusão
do potássio por ele. Contudo, devido à lentidão com que esses
canais de potássio se abrem, eles ficam abertos apenas a partir
do momento em que os canais de sódio começam a ser inativados
e, portanto, se fechando. Assim, a diminuição do influxo de
sódio para a célula, com aumento simultâneo do efluxo de
potássio, acelera de muito o processo da repolarização, levando,
dentro de poucos décimos milésimos de segundo, à recuperação
completa do potencial de membrana de repouso.
O método de estudo para a medida do efeito da voltagem sobre a
abertura e fechamento dos canais voltagem-dependentes - a "fixação
de voltagem". Os estudos originais que levaram à nossa compreensão
quantitativa dos canais de sódio e de potássio foram tão engenhosos que
levaram à outorga de Prêmios Nobel aos cientistas responsáveis, Hodgkin
e Hux-ley. A parte fundamental desses estudos é mostrada nas Figs.
5.8 e 5.9.
A Fig. 5.8 mostra o equipamento usado nesses experimentos,
chamado de fixador de voltagem, que foi usado para medir o fluxo de
íons pelos diferentes canais. Ao se usar esse equipamento, dois
eletródios são introduzidos na fibra nervosa. Um deles destina-se à
medida da voltagem do potencial de membrana. A outra é usada para
conduzir corrente elétrica, tanto para dentro, como para fora da fibra
nervosa. Esse equipamento é usado do seguinte modo: o
experimentador escolhe a voltagem que deseja produzir no interior da
fibra nervosa. Em seguida, ajusta a parte eletrônica do equipamento
para a voltagem desejada, o que, automaticamente, faz com que
ocorra injeção de eletricidade positiva ou negativa, por meio do eletródio
de corrente, na intensidade necessária para manter a corrente, como
medida pelo eletródio de voltagem, no valor escolhido pelo
experimentador. Por exemplo, quando o potencial de membrana é
subitamente aumentado de -90 mV até zero, os canais de sódio e
potássio voltagem-dependentes se abrem.
Fig. 5.8 O método de "fixação de voltagem" para o estudo do fluxo
de íons por seus canais específicos.
e os íons sódio e potássio começam a jorrar pelos canais. Para
contrabalançar o efeito desses movimentos iônicos sobre o potencial
fixado, é injetada corrente elétrica, automaticamente, por meio do
eletródio de corrente do fixador de voltagem, para manter a voltagem
intracelular em zero. Para que isso possa ocorrer, a corrente injetada
deve ser exata-mente igual, mas com a polaridade inversa, ao fluxo
efetivo de corrente através dos canais da membrana. Para a medida de
quanto fluxo de corrente está ocorrendo a cada instante, o eletródio de
corrente é ligado a um osciloscópio que registra o fluxo de corrente,
como mostrado na tela do osciloscópio na figura. Finalmente, o
experimentador ajusta as concentrações dos íons aos valores desejados,
tanto no interior como por fora da fibra, e repete a medida. Isso pode ser
feito com bastante facilidade quando são usadas fibras nervosas muito
calibrosas, obtidas de crustáceos, em especial o axônio gigante da
lula que, por vezes, chega a ter diâmetro de 1 mm. Quando o sódio é o
único íon permeante nas soluções interna e externa que banham o axônio
da lula, esse método de fixação de voltagem só mede o fluxo de
corrente pelos canais de sódio. Quando o único íon permeante é o
potássio, só é medido o fluxo de corrente pelos canais de potássio.
Outro método para estudo do fluxo de íons por canais com
características específicas é por bloqueio de um tipo de canal de
cada vez. Por exemplo, os canais de sódio podem ser bloqueados pela
toxina tetro-dotoxina, quando aplicada à superfície externa da fibra
nervosa, onde ficam as comportas de ativação do sódio. Inversamente, o
tetraetilamônio bloqueia os poros de potássio, quando c aplicado ã
superfície interna da fibra nervosa.
A Fig. 5.9 mostra as variações típicas da condutância dos canais
de sódio e potássio voltagem-dependentes, quando se faz o potencial
de membrana variar subitamente, por meio
do fixador de voltagem,
de -90 mV para +10 mV e, 2 ms depois, de volta a -90 mV. Deve
ser notada a abertura abrupta dos canais de sódio (estágio de ativação)
dentro de fração muito pequena de milissegundo após o potencial de
membrana ter atingido o valor positivo. Contudo, durante
aproximadamente o milissegundo seguinte, os canais de sódio se fecham
de forma automática (estágio de inativação).
Agora, note-se a abertura (ativação) dos canais de potássio. Eles
se abrem lentamente e só atingem o estado de abertura total após o
fechamento quase completo dos canais de sódio. Ademais, uma vez
abertos os canais de potássio, eles permanecem abertos por toda a
duração do potencial de membrana positivo c não se fecham até que o
potencial de membrana tenha retornado a valor muito negativo.
Finalmente, devemos lembrar que os canais voltagem-dependentes
passam muito rapidamente do estado aberto para o fechado, e vice-versa,
como mostrado na Fig. 4.5, Então, como as curvas da Fig. 5.9 são
tão regulares? A resposta é que essas curvas representam o fluxo de
íons sódio e potássio por literalmente milhares de canais ao mesmo
tempo. Alguns se abrem para determinada voltagem, outros em outro
valor, e assim por diante. De igual forma, alguns são inativados em
pontos distintos do ciclo que outros. Assim, as curvas mostradas
representam a soma algébrica dos fluxos iônicos por muitos canais.
Fig. 5.9 Variações típicas da condutância dos canais iônicos para o sódio
e o potássio, quando o potencial de membrana é aumentado de seu
valor normal de repouso de —90 mV para um valor positivo de +10
mV, durante 2 ms. Esta figura demonstra que os canais de sódio se
abrem (ativação) e fecham (inativação) em tempo menor que 2 ms,
enquanto, nesse período, os canais de potássio só se abrem (ativação).
51
SUMÁRIO DOS EVENTOS QUE CAUSAM
O POTENCIAL DE AÇÃO
A Fig. 5.10 apresenta, de modo sumário, os eventos
seqüenciais que ocorrem durante e logo após o potencial de
ação. Eles são os seguintes:
Na parte inferior da figura são apresentadas as variações
da condutância da membrana aos íons sódio e potássio. Durante
o período de repouso, antes do início do potencial de ação,
a condutância do potássio é mostrada como sendo de 50 a 100
vezes maior que a do sódio. Isso é causado pelo maior vazamento
de íons potássio que de íons sódio pelos canais de vazamento.
Todavia, com o início do potencial de ação, os canais de sódio
ficam instantaneamente ativados, permitindo aumento de 5.000
vezes da condutância do sódio. Em seguida, o processo de
inativação fecha os canais de sódio dentro de fração de
milissegundo. O início do potencial de ação também leva à
ativação, pela voltagem, dos canais de potássio, fazendo-os abrir
em fração de milissegundo após a abertura dos canais de
sódio. E, ao término do potencial de ação, o retorno do
potencial de membrana a seu estado negativo faz com que os
canais de potássio se fechem, voltando a seu estado original, o que
só ocorre após breve retardo.
Na parte média da Fig. 5.10 c mostrada a proporção entre
as condutâncias do sódio e do potássio, instante a instante, du-
Fig. 5.10 Variações da condutância para o sódio e o potássio, durante
um potencial de ação. Note-se que a condutância para o sódio aumenta
por vários milhares de vezes, durante as fases iniciais do potencial de
ação, enquanto a do potássio só aumenta por cerca de 30 vezes, durante
as fases finais e por breve período após o término do potencial de ação.
(Estas curvas foram traçadas a partir dos resultados experimentais
publicados de Hodgkin e Huxley, mas transpostos do axônio de lula
para os potenciais de fibras nervosas calibrosas.)
rante todo o potencial de ação e, acima disso, o próprio potencial
de ação. Durante a fase inicial do potencial de ação, essa
proporção aumenta por mais de 1.000 vezes. Por conseguinte,
número muito maior de íons sódio está fluindo para o interior
da fibra que de íons potássio para o exterior. E isso que faz
com que o potencial de ação se torne positivo. Em seguida,
os canais de sódio começam a ficar inativados, enquanto os canais
de potássio se abrem, de modo que a proporção entre as
condutâncias varia, passando a uma condutância muito maior do
potássio que do sódio. Isso permite perda muito rápida de íons
potássio para o exterior, enquanto, em essência, não há fluxo
de íons sódio para o interior. Como conseqüência, o potencial
de ação retorna rapidamente a sua linha de base.
O pós-potencial "positivo"
Também deve ser notado na Fig. 5.10 que o potencial de membrana
fica ainda mais negativo que o potencial de membrana de repouso
original, durante alguns milissegundos, após o término do potencial de
ação. Estranhamente, isso é chamado de pós-potencial "positivo", uma
designação errônea, pois o pós-potencial positivo é, na realidade, mais
negativo que o potencial de repouso. A razão para esse pós-potencial ser
chamado de "positivo" é que, historicamente, as primeiras medidas do
potencial foram feitas na superfície externa da membrana da fibra nervosa,
e não em seu interior; quando medido dessa forma, esse pós-potencial
causa deflexão positiva no registro, e não uma deflexão negativa.
A causa do pós-potencial positivo é, em grande parte, que muitos
canais de potássio permanecem abertos após o processo de repolarização
da membrana ter-se completado. Isso permite que excesso de íons
potássio se difunda para fora da fibra nervosa, deixando déficit extra
de íons positivos no interior, o que implica negatividade.
PARTICIPAÇÃO DE OUTROS ÍONS NO POTENCIAL DE
AÇÃO
Até agora, discutimos apenas a participação dos íons sódio e potássio
na geração do potencial de ação. Contudo, pelo menos três outros tipos
de íons devem ser levados em conta. Eles são:
Os íons impermeantes com carga negativa (ânions), no interior
do axônio. No interior do axônio existem muitos íons com carga
negativa que não podem passar pelos canais. Eles incluem moléculas de
proteína, muitos compostos orgânicos de fosfato, compostos sulfatados e
muitos outros. Devido a não poderem sair da fibra, qualquer déficit de
íons positivos no interior da membrana leva a excesso de íons negativos
impermeantes. Por conseguinte, esses íons negativos impermeantes são
responsáveis pelas cargas negativas no interior da fibra, sempre que
houver déficit de íons potássio com carga positiva ou de outros íons
positivos.
Íons cálcio. As membranas celulares de quase todas — se não de
todas — as células do corpo contêm uma bomba de cálcio semelhante
à bomba de sódio. Como ocorre com a bomba de sódio, essa bomba
de cálcio bombeia os íons cálcio do interior para o exterior da membrana
(ou para o retículo endoplasmático), criando gradiente de cálcio de cerca
de 10.000 vezes, deixando concentração interna de íons cálcio da ordem
de 10-7 molar, contrastando com a concentração externa de cerca de
10-3 molar. Além disso, também existem canais de cálcio voltagem-
dependentes. Esses canais são pouco permeáveis aos íons sódio, além de
serem permeáveis aos íons cálcio; quando abertos, tanto os íons cálcio
como os íons sódio fluem para o interior da fibra. Por isso, esses
canais são, por vezes, chamados de canais Ca+ + -Na+. Os canais de
cálcio têm ativação muito lenta, necessitando de tempo 10 a 20 vezes
maior para serem ativados que os canais de sódio. Essa é a razão de
serem, com muita freqüência, denominados canais lentos, para distingui-
los dos canais de sódio, chamados de canais rápidos. Os canais de
cálcio são muito numerosos no músculo cardíaco e no músculo liso.
Na verdade, em alguns tipos de músculo liso, os canais rápidos de sódio
são bastante raros, de modo que seu potencial de ação é causado quase
que totalmente pela ativação dos canais lentos de cálcio.
Aumento da permeabilidade dos canais de sódio quando
existe déficit de íons cálcio. A concentração de íons cálcio no
líquido intersticial também exerce efeito intenso sobre o
valor da
voltagem em que os canais de sódio ficam ativados.
52
. Quando existe déficit de íons cálcio, os canais de sódio são ativados
(abertos) por aumento bastante pequeno do potencial de membrana,
acima de seu nível normal de repouso. Como resultado, a fibra fica
extremamente excitável, por vezes disparando repetitivamente, sem
qualquer provocação, em vez de permanecer no estado de repouso. Na
verdade, basta que a concentração de íons cálcio baixe por 30 a 5(1%
abaixo da normal para que ocorra atividade espontânea em muitos
nervos periféricos, causando, muitas vezes, a "telania" muscular que pode
chegar a ser fatal, devido à contração tetânica dos músculos respiratórios.
O modo provável de os íons cálcio influenciarem os canais de sódio
é o seguinte. Esses íons parecem fixar-se às extremidades externas da
molécula de proteína do canal de sódio. Por sua vez, as cargas positivas
desses íons cálcio alteram o estado elétrico da própria proteína do canal
e, dessa forma, aumentam o valor da voltagem necessária para abrir
a comporta.
Íons cloreto. Os íons cloreto vazam através da membrana em repouso
de modo idêntico ao do vazamento de pequenas quantidades de íons
potássio e íons sódio. Na fibra nervosa comum, a intensidade do
vazamento de íons cloreto é apenas a metade da difusão de íons
potássio. Por conseguinte, deve ser feita a pergunta: por que não
consideramos os íons cloreto em nossa explicação do potencial de
ação? A resposta é que o íon cloreto funciona passivamente no
processo. E, também, a permeabilidade dos canais de vazamento de
cloreto não se altera de forma significativa durante o potencial de ação.
No estado normal de repouso da fibra, os -90 mV no interior
da fibra repelem a maior parte dos íons cloreto que tendem a entrar
nela. Como resultado, a concentração de íons cloreto no interior da
fibra é de apenas 3 a 4 mEq/l, enquanto a concentração externa é da
ordem de 103 mEqA. O potencial de Nemst para essa proporção entre
as concentrações do íon cloreto é exatamente igual ao potencial de
membrana de -90 mV, que seria previsto para um íon que não é
bombeado ativamente.
Durante o potencial de ação, pequenas quantidades de íon cloreto
chegam efetivamente a se difundir para o interior da fibra, devido a
perda temporária da negatividade interna. Esse movimento do cloreto
serve para alterar ligeiramente o momento de ocorrência das variações
sucessivas de voltagem durante o potencial de ação, mas não modifica
o processo fundamental.
GERAÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO
Ate este ponto, explicamos a variação das permeabilidades
ao sódio e ao potássio da membrana e o desenvolvimento do
próprio potencial de ação, mas ainda não explicamos o que
produz o potencial de ação. A resposta a isso, como se segue,
é muito simples.
Um feedback positivo abre os canais de sódio. Primeiro,
enquanto a membrana da fibra nervosa permanecer sem sofrer
qualquer perturbação, nenhum potencial de ação ocorre no nervo
normal. Contudo, se algum fator produzir uma elevação inicial
suficiente do potencial de membrana, a partir do valor de -90
mV, em direção ao zero, essa elevação da voltagem irá fazer
com que muitos canais de sódio voltagem-dependentes comecem
a se abrir. Isso permite o influxo rápido de íons sódio, o que
produz elevação ainda maior do potencial de membrana, abrindo,
assim, número ainda maior de canais de sódio voltagem-
dependentes e resultando em jorro mais intenso de íons sódio
para o interior da fibra. Obviamente, esse processo é um ciclo
vicioso de feedback positivo que, caso esse feedback seja
suficientemente intenso, irá prosseguir até que todos os canais de
sódio voltagem-dependentes fiquem ativados (abertos). Em
seguida, dentro de fração de milissegundo, a elevação do
potencial de membrana produz o início da inativação dos canais de
sódio, além da abertura dos canais de potássio, e o potencial de
ação logo chega a seu fim.
Limiar para a geração do potencial de ação. Não
ocorrerá um potencial de ação até que a elevação do potencial
de membrana seja suficientemente grande para criar o ciclo
vicioso descrito no parágrafo anterior.
 Em geral, é necessária elevação abrupta da ordem de 15 a 30
mV. Por conseguinte, aumento súbito do potencial de
membrana., em fibra calibrosa, de - 90 mV até cerca de - 65
mV será capaz, na maioria das vezes, de deflagrar o
desenvolvimento explosivo do potencial de ação. Esse nível de -
65 mV é, conseqüentemente, chamado de limiar para a
estimulação.
Acomodação da membrana — falta de atividade apesar da
elevação da voltagem. Se o potencial da membrana se elevar de
forma muito lenta — durante vários milissegundos, em vez de em fração
de milissegundo —, as comportas lentas de inativação dos canais de
sódio terão tempo suficiente para se fecharem ao mesmo tempo que as
comportas de ativação estiverem se abrindo. Como resultado, a abertura
das comportas de ativação não será tão eficaz para promover o
aumento do fluxo de íons sódio, como ocorre normalmente. Portanto,
o aumento lento do potencial interno de uma fibra nervosa vai exigir
voltagem limiar mais elevada ou impede, completamente, a geração de
potencial de ação; por vezes, até mesmo com elevações da voltagem
até zero ou com voltagem positiva. Esse fenômeno é chamado de
acomodação da membrana ao estímulo.
PROPAGAÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO
Nos parágrafos precedentes, discutimos o potencial de ação
como se ele ocorresse em ponto único da membrana celular.
Contudo, um potencial de ação gerado em qualquer ponto de
uma membrana excitável excita, geralmente, as regiões
adjacentes da membrana, resultando na propagação desse
potencial de ação. O mecanismo disso é mostrado na Fig. 5.11.
A Fig. 5.11A mostra uma fibra nervosa normal cm repouso,
enquanto a Fig. 5.11B mostra fibra que foi excitada em sua
região média — isto é, essa porção média, subitamente, passou a
apresentar permeabilidade aumentada para o sódio. As setas
indicam o "circuito local" do fluxo de corrente entre as regiões
despolarizadas da membrana e as áreas adjacentes da
membrana em
Fig. 5.11 Propagação dos potenciais de ação nas duas direções, em
fibra condutora.
53
repouso; cargas elétricas positivas, carreadas pelos íons sódio
que se difundem para o interior, fluem para o interior da fibra,
através da região despolarizada e, em seguida, por vários
milímetros, ao longo da parte central do axônio. Essas cargas
positivas aumentam a voltagem, por distância de 1 a 3 mm nas
fibras calibrosas, até valor acima do valor limiar da voltagem
para geração do potencial de ação. Por conseguinte, os canais
de sódio nessas novas áreas ficam imediatamente ativados e,
como mostrado na Fig. 5.11C e D, o explosivo potencial de ação
se propaga. Em seguida, essas novas áreas despolarizadas
produzem novos circuitos locais de fluxo de corrente cm pontos
mais distantes da membrana, causando mais e mais
despolarizações. Dessa forma, o processo da despolarização
trafega ao longo de toda a extensão da fibra. A transmissão do
processo de despolarização ao longo de fibra nervosa ou
muscular é chamada de impulso nervoso ou muscular.
Direção da propagação. É óbvio, como mostrado na Fig.
5.11, que uma membrana excitável não apresenta direção única
de propagação, o potencial de ação podendo passar nas duas
direções a partir do ponto estimulado — e até mesmo pelas
ramificações de uma fibra nervosa — até que toda a membrana
seja despolarizada.
O princípio do tudo-ou-nada. É igualmente óbvio que,
uma vez tendo sido produzido um potencial de ação, em algum
ponto da membrana de fibra normal, o processo de
despolarização irá se propagar, se as condições forem
adequadas, por toda a membrana e, caso as condições não
sejam adequadas, poderá não se propagar. Isso é chamado de
princípio do tudo-ou-nada e é aplicável a todos os tecidos
excitáveis normais. Todavia, ocasionalmente, o potencial de
ação poderá atingir região da membrana onde
não será capaz de
gerar voltagem suficiente para estimular a área seguinte da
membrana. Quando isso ocorre, a propagação da
despolarização cessa. Por conseguinte, para que ocorra a
propagação continuada de um impulso, a proporção entre o
potencial de ação e o limiar deve ser sempre maior que 1. Isso
é chamado de fator de segurança para a propagação.
RESTABELECIMENTO DOS GRADIENTES IÔNICOS
DO SÓDIO E DO POTÁSSIO APÓS OS POTENCIAIS DE
AÇÃO - A IMPORTÂNCIA DO METABOLISMO
ENERGÉTICO
A transmissão de cada impulso ao longo da fibra nervosa
reduz, por quantidade infinitesimal, as diferenças de
concentração do sódio e do potássio entre o interior e o exterior
da membrana, devido à difusão de sódio para dentro, durante a
despolarização, e à difusão de potássio para fora, durante a
repolarização.Para um só potencial de ação, esse efeito c tão
diminuto que não pode ser medido. Na verdade, de 100.000 a
50.000.000 de impulsos podem ser transmitidos por uma fibra
nervosa — esse número depende do calibre da fibra e de
outros fatores — antes que as diferenças de concentração
tenham diminuído a ponto de interromper a condução dos
potenciais de ação. Contudo, mesmo assim, com o correr do
tempo, passa a ser necessário o restabelecimento das diferenças
de concentração de sódio e de potássio através da membrana.
Isso é efetivado pela ação da bomba Na+ -K+, exatamente da
mesma maneira como foi descrita antes, neste capítulo, para o
estabelecimento original do potencial de repouso. Isto é, os íons
sódio que se difundiram para o interior da célula, durante o
potencial de ação, e os íons potássio que se difundiram para o
exterior são retornados a seus locais originais pela bomba Na+-
K+. Visto que esta bomba exige energia para operar, esse
processo de "recarga" da fibra nervosa é metabolicamente ativo,
usando energia do sistema do trifosfato de adenosina da célula.
Fig. 5.12 Produção de calor por fibra nervosa, durante o repouso e
sob freqüência crescente de estimulação.
A Fig. 5.12 mostra que a fibra nervosa produz calor em excesso,
o que representa medida de seu consumo de energia, quando
aumenta a freqüência dos impulsos.
Característica especial da ATPase da bomba sódio-potássio
é que o grau de sua atividade fica fortemente estimulado quando
ocorre acúmulo excessivo de íons sódio no interior da membrana
celular.
Na verdade, a atividade de bombeamento aumenta,
aproximadamente, em proporção ao cubo da concentração de
sódio. Isto é, conforme a concentração interna de sódio
aumenta de 10 para 20 mEq/1, a atividade da bomba não fica,
simplesmente, duplicada, mas, ao contrário, aumenta por cerca
de oito vezes.
Por conseguinte, pode ser facilmente compreendido como o
processo de "recarga" da fibra nervosa pode entrar
rapidamente em ação, sempre que as diferenças de
concentração dos íons sódio e potássio, através da membrana,
começarem a "desaparecer".
O PLATÔ DE ALGUNS POTENCIAIS DE AÇÃO
Em alguns casos, a membrana excitável não se repolariza
imediatamente após a despolarização, mas, pelo contrário, o
potencial permanece em platô, com valor próximo ao do potencial
em ponta, durante muitos milissegundos antes do começo da
repolarização. Um desses platôs é mostrado na Fig. 5.13; pode
ser facilmente notado que o platô prolonga de muito a duração
do período de despolarização. Esse tipo de potencial de ação
ocorre nas fibras musculares do coração, onde o platô dura por
até dois ou três décimos de segundo e faz com que a contração
do músculo cardíaco dure por igual período de tempo.
A causa do platô é uma combinação de diversos fatores
distintos.
Primeiro, no músculo cardíaco, dois tipos diferentes de
canais participam do processo de despolarização: (1) os canais de
sódio voltagem-dependentes usuais, chamados de canais rápidos,
e (2) canais de cálcio voltagem-dependentes, com ativação lenta,
e, por isso, chamados de canais lentos — estes canais permitem,
principalmente, a difusão de íons cálcio, mas também deixam
passar pequena quantidade de íons sódio.
A ativação dos canais rápidos produz o potencial em
ponta do potencial de ação, enquanto a ativação lenta mas
prolongada dos canais lentos é responsável, principalmente,
pelo platô do potencial de ação.
Um segundo fator, responsável, em parte, pelo platô, é que
os canais de potássio voltagem-dependentes são, em diversos
casos, de ativação lenta, muitas vezes não se abrindo até o fim
54
Fig. 5.13 Potencial de ação de fibra de Purkinje, mostrando o "platô"
do platô. Isso retarda o retorno do potencial de membrana a
seu valor de repouso. Mas, então, essa abertura dos canais de
potássio, ao mesmo tempo que os canais lentos começam a se
fechar, provoca o retorno rápido do potencial de ação, de seu
valor do platô até o valor negativo de repouso, explicando a
deflexão descendente rápida ao término do potencial de ação.
RITMICIDADE DE ALGUNS TECIDOS
EXCITÁVEIS - A ATIVIDADE REPETITIVA
Atividade repetitiva autogerada, ou ritmicidade, ocorre
normalmente no coração, na maioria dos músculos lisos e em
muitos neurônios do sistema nervoso central. É essa atividade
rítmica que produz o ritmo cardíaco, o peristaltismo e os eventos
neuronais do tipo do controle rítmico da respiração.
Por outro lado, todos os outros tecidos excitáveis podem
apresentar atividade repetitiva caso seus limiares para
estimulação fiquem suficientemente diminuídos. Por exemplo,
até mesmo fibras nervosas e musculares esqueléticas, que são,
normalmente, muito estáveis, podem apresentar atividade
repetitiva quando imersas em solução contendo veratrina ou
quando a concentração de íons cálcio cai abaixo de um valor
crítico.
O processo de reexcitação necessário para a ritmicidade.
Para que ocorra ritmicidade, a membrana, mesmo em seu estado
natural, já deve ser suficientemente permeável aos íons sódio
(ou aos íons cálcio e sódio, pelos canais lentos de cálcio) para
permitir a despolarização automática da membrana. Assim, a
Fig. 5.14 mostra que o potencial de membrana "cm repouso" é
de apenas - 60 a - 70 mV. Essa voltagem não é suficiente
para manter os canais de sódio e de cálcio fechados. Em
outras palavras, (1) existe influxo de íons sódio e de íons cálcio;
(2) isso aumenta, ainda mais, a permeabilidade da membrana; (3)
quantidade ainda maior de íons flui para o interior; (4) a
permeabilidade aumenta mais, e assim por diante, levando ao
processo regenerativo da abertura dos canais de sódio e de
cálcio, até que seja gerado um potencial de ação. Em seguida,
após o término do potencial de ação, a membrana se repolariza.
Mas, pouco depois, recomeça o processo de despolarização, e
novo potencial de ação ocorre espontaneamente. Esse ciclo se
repete por várias vezes e resulta na excitação rítmica autogerada
do tecido excitável.
Contudo, por que a membrana não se despolariza
imediatamente após se ter repolarizado, só o fazendo após
retardo de quase um segundo, antes da geração do potencial de
ação seguinte?
Fig. 5.14 Potenciais de ação rítmicos, semelhantes aos registrados no
centro de controle do ritmo cardíaco. Notar sua relação com a
condutância para o potássio e com o estado de hiperpolarização.
A resposta a isto pode ser dada fazendo-se referência à Fig. 5.10,
que mostra que, próximo ao término de todos os potenciais de
ação, e persistindo por breve período após esse término, a
membrana fica excessivamente permeável ao potássio. Esse
efluxo excessivo de íons potássio transfere número
extremamente elevado de cargas positivas para fora da
membrana, criando, no interior da fibra, negatividade
consideravelmente maior que a que ocorreria, durante breve
período, após o potencial de ação precedente ter terminado,
deslocando, assim, o potencial de membrana para valor mais
próximo do potencial de Nernst para o potássio. Esse é o estado
chamado de hiperpolarização, que é mostrado na Fig. 5.14.
Enquanto esse estado persistir, não
ocorrerá reexcitação; mas,
gradativamente, a condutância excessiva do potássio (e o estado
de hiperpolarização) diminui até desaparecer, como mostrado
nessa figura, o que permite que o potencial de membrana
aumente até atingir o limiar para excitação; então, subitamente,
aparece novo potencial de ação: esse ciclo ocorre
repetitivamente.
ASPECTOS ESPECIAIS DA TRANSMISSÃO DE SINAIS
EM TRONCOS NERVOSOS
Fibras nervosas mielínicas e amielínicas. A Fig. 5.15 apresenta
corte transversal de um típico tronco nervoso pequeno, mostrando
muitas fibras nervosas calibrosas que ocupam a maior parte da área
desse corte transverso Todavia, se essa figura for examinada com
cuidado, poderão ser notadas muitas fibras, bem mais delgadas,
intercaladas entre as mais calibrosas. Essas fibras mais calibrosas são
fibras mielínicas, enquanto as mais delgadas são amielínicas. Um tronco
nervoso típico contém cerca de duas vezes mais fibras amielínicas que
mielínicas. A Fig 5.16 mostra uma fibra mielínica típica. A pane central
dessa fibra é o axônio, c a membrana desse axônio que representa a
verdadeira membrana condutora. O interior do axônio é ocupado pelo
axoplasma, que é líquido intracelular bastante" viscoso. Circundando o
axônio existe a bainha de mielina que, muitas vezes, é bem maior que
o próprio axônio e que, a intervalos de cerca de 1 a 3 mm, ao
longo de toda a extensão do axônio, é interrompida pelos nodos de
Ranvier. A bainha de mielina é formada, em torno do axônio, pelas
células de Schwann do seguinte modo: a membrana de uma célula de
Schwann, inicialmente, circunda o axônio. Em seguida, essa célula gira
em torno do axônio por muitas voltas, depositando múltiplas camadas de
sua membrana celular, que contém a substância lipídica esfingomielina.
Essa substância é excelente isolante, capaz de diminuir o fluxo
iônico através da membrana por cerca de 5.000 vezes, ao mesmo
tempo que reduz a capacitância da membrana por 50 vezes. Contudo,
no ponto de junção entre duas células de Schwann sucessivas, ao longo
do axônio, persiste pequena região não-isolada, com apenas cerca de 2 a
3 µm de extensão, por onde os íons podem fluir, com facilidade, do
líquido extracelular para o interior do axônio. Essa região é o nodo de
Ranvier.
Condução "saltatória", de nodo a nodo, nas fibras mielínicas.
55
Fig. 5.15 Corte transverso de pequeno tronco
nervoso, contendo fibras mielínicas e amielínicas.
Muito embora os íons não possam fluir com intensidade significativa
através das espessas bainhas de mielina dos nervos mielinizados, eles
podem fluir com grande facilidade pelos nodos de Ranvier. Por
conseguinte, os potenciais de ação só podem ocorrer nos nodos. Assim,
os potenciais de ação são conduzidos de nodo para nodo, como
mostrado na Fig. 5.17; esse processo é chamado de condução saltatória.
Isto é, a corrente elétrica flui pelos líquidos extracelulares que
circundam a fibra, mas também pelo axaplasma, de nodo a nodo,
excitando seqüencialmente os sucessivos nodos. Assim, o impulso
nervoso salta ao longo da fibra, o que deu origem à designação de
"saltatória".
A condução saltatória é importante por duas razões. Primeira, por
fazer com que a despolarização salte por sobre longos trechos, ao longo
do eixo da fibra nervosa; esse mecanismo aumenta de muito a velocidade
da transmissão neural nas fibras mielinizadas por até 5 a 50 vezes.
Segundo, a condução saltatória conserva energia para o axônio, pois
apenas os nodos despolarizam, permitindo perda de íons cerca de 100
vezes menor do que a que seria necessária, caso não ocorresse condução
saltatória e, como resultado, exigindo pouca atividade metabólica para o
restabelecimento das diferenças de concentração de sódio e potássio,
através da membrana celular, após uma série de impulsos nervosos.
Outra característica da condução saltatória nas grandes fibras mielí-
nicas é a seguinte: o excelente isolamento criado pela membrana de
mielina e a redução de 50 vezes da capacitância da membrana permitem
Flg. 5.16 Função da célula de Schwann no isolamento das fibras
nervosas. A, O enrolamento da membrana da célula de Schwann em
torno de axônio calibroso, para formar a bainha de mielina da fibra
nervosa mielínica. (Modificado de Leeson e Leeson: Hutohgy,
Philadelphia, W.B. SaundersCo., 1919.) B, Evaginação da membrana e
do citoplasma de célula de Schwann em torno de várias fibras nervosas
amielínicas.
Fig. 5.17 Condução saltatória em axônio mielínico.
56
que o processo de repolarização ocorra com transferência muito reduzida
de íons. Assim, ao término do potencial de ação, quando os canais
de sódio começam a fechar, a repolarização ocorre de modo tão rápido
que, em geral, os canais de potássio ainda não estão abertos em número
significativo. Como resultado, a condução do impulso nervoso por fibra
nervosa mielínica é efetuada, quase que inteiramente, pelas variações
seqüenciais dos canais de sódio voltagem-dependentes, com contribuição
muito pequena dos canais de potássio.
 VELOCIDADE DE CONDUÇÃO NAS FIBRAS NERVOSAS
A velocidade de condução nas fibras nervosas varia desde o mínimo
de 0,5 m/s, nas fibras amielínicas mais delgadas, até cerca de 100 m/s
(o comprimento de um campo de futebol em um segundo), nas fibras
mielínicas mais calibrosas. Em termos aproximados, essa velocidade de
condução aumenta em proporção direta com o diâmetro nas fibras
mielínicas e com a raiz quadrada do diâmetro da fibra nas amielínicas.
EXCITAÇÃO — O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO
POTENCIAL DE AÇÃO
Basicamente, qualquer fator que faça com que os íons sódio possam
fluir para o interior, através da membrana, em número significativo,
irá deflagrar a abertura regenerativa, automática, dos canais de sódio.
Isso pode resultar de perturbação mecânica da membrana, de efeitos
químicos sobre a membrana ou da passagem de eletricidade através da
membrana. Todos esses processos ocorrem em diferentes territórios do
corpo para a produção de potenciais de ação nos nervos e nos músculos:
a pressão mecânica para a excitação de terminações nervosas sensoriais
da pele, os neurotransmissores químicos para a transmissão de sinais
de um neurônio para outro, no sistema nervoso central, c a corrente
elétrica para a transmissão de sinais entre as células musculares do
coração e do intestino. Com o objetivo de compreensão do processo da
excitação, vamos começar pela discussão dos princípios da estimulação
elétrica.
Excitação de fibra nervosa por eletródio metálico com carga
negativa. O método mais comum para excitar um nervo ou músculo, no
laboratório, é o de aplicar eletricidade à superfície do nervo ou do
músculo por meio de dois pequenos eletródios, um dos quais tem
carga negativa e o outro, carga positiva. Quando isso é feito, verifica-se
que a membrana excitável é estimulada pelo eletródio negativo.
A causa desses efeitos é a seguinte. Deve ser lembrado que o
potencial se inicia com a abertura dos canais de sódio voltagem
dependentes. Ainda mais, esses canais são abertos pela diminuição da
voltagem através da membrana. A corrente negativa que passa pelo
eletródio negativo reduz, imediatamente, a voltagem fora da
membrana, reduzindo-a até bem próximo da voltagem negativa no
interior da fibra. Isso reduz a voltagem através da membrana,
permitindo a ativação dos canais de sódio, disso resultando um
potencial de ação. Inversamente, no anódio a injeção de cargas
positivas, por fora da membrana neural, aumenta a diferença de
voltagem através da membrana, e não a diminui. Isso causa estado de
"hiperpolarização", que diminui a excitabilidade da fibra.
O limiar para excitação e os "potenciais locais agudos". Estímulo
elétrico fraco pode não ser capaz de excitar uma fibra. Todavia, à medida
que o estímulo é progressivamente aumentado, é atingido um ponto
onde vai ocorrer a excitação. A Fig. 5.18 mostra os efeitos de estímulos
sucessivos com intensidades crescentes. Estímulo muito fraco
{(ponto
A) faz com que o potencial de membrana varie de -90 para —85 mV,
mas essa variação não é suficiente para que se desenvolva o processo
regenerativo automático do potencial de ação. No ponto B, o estímulo
é mais intenso, mas, de novo, ainda insuficiente. Não obstante, esses
estímulos são capazes de alterar localmente o potencial de membrana
por até um milissegundo ou mais, após cada um desses estímulos fracos.
Essas variações locais do potencial são chamadas de potenciais locais
agudos, e, quando não são capazes de produzir potenciais de ação, são
referidos como potenciais subliminares agudos.
No ponto C da Fig. 5.18, o estímulo é ainda mais forte. Aí, o
potencial local apenas atingiu o valor necessário para a produção de
potencial de ação, que é chamado de valor limiar, mas o potencial de
ação só ocorre após certo tempo, que é chamado de "período latente".
No ponto D, o estímulo é ainda mais forte, o potencial local é maior
Fig. 5.18 Efeito dos estímulos sobre o potencial de membranas
excitáveis, mostrando o desenvolvimento de "potenciais subliminares
agudos", quando os estímulos ficam abaixo do valor limiar necessário para
produzir um potencial de ação.
e o potencial de ação ocorre a intervalo menor que o período latente.
Assim, essa figura mostra que até mesmo um estímulo muito fraco
sempre causa variação locai de potencial na membrana, mas que a
intensidade do potencial local deve atingir um valor limiar para que seja
produzido um potencial de ação.
O "período retratário" durante o qual novos potenciais de ação
não podem ser produzidos
Um novo potencial de ação não pode ser produzido enquanto a
membrana estiver despolarizada pelo potencial de ação precedente. A
razão disso é que, logo depois que se inicia um potencial de ação, os
canais de sódio (ou de cálcio, ou os dois) ficam inativados e qualquer
quantidade de sinal excitatório que seja aplicada a esses canais nessa
fase não irá abrir as comportas de inativação. A única condição que
as reabrirá é o retorno do potencial de ação ao valor (ou quase) do
potencial de membrana em repouso. Então, dentro de pequena fração
de segundo, as comportas de inativação dos canais se abrem, e novo
potencial de ação poderá ser produzido.
O intervalo de tempo durante o qual não pode ser produzido outro
potencial de ação, mesmo com estímulo muito forte, é chamado de
período refratário absoluto. Esse período, para as grandes fibras
mielínicas, é da ordem de 1/2. 500 de segundo. Portanto, pode ser
facilmente calculado que essa fibra poderá transmitir, no máximo, 2.500
impulsos por segundo.
Após o período refratário absoluto, existe um período refratário
relativo, com duração entre um quarto e um meio da do período absoluto.
Durante ele, estímulos mais fortes que os normais são capazes de excitar
a fibra. Essa refratariedade relativa tem duas causas: (1) durante ela,
alguns canais de sódio ainda não retornaram de seu estado de inativação,
e (2) nela, os canais de potássio ainda estão, em geral, inteiramente
abertos, produzindo estado de hiperpolarização, que dificulta a
estimulação da fibra.
INIBIÇÃO DA EXCITABILIDADE — "ESTABILIZADORES"
E ANESTÉSICOS LOCAIS
Contrastando com os fatores que aumentam a excitabilidade neural,
existem outros, chamados de fatores estabilizadores da membrana, que
podem diminuir a excitabilidade. Por exemplo, alta concentração
extracelular de íons cálcio diminui a permeabilidade da membrana, ao
mesmo tempo que também diminui sua excitabilidade. Por isso, os íons
cálcio são ditos "estabilizadores". De igual modo, baixa concentração de
íons potássio no líquido extracelular, por ter efeito direto de redução da
permeabilidade dos canais de potássio, também atua como estabilizadora,
reduzindo a excitabilidade da membrana. Ainda mais, na doença
hereditária designada como paralisia periódica familiar, a concentração
extracelular do íon potássio fica, muitas vezes, tão reduzida que a pessoa
chega, na verdade, a ficar paralisada, mas retorna ao normal,
instantaneamente, após administração venosa de potássio.
57
Anestésicos locais. Entre os mais importantes estabilizadores, são
incluídas muitas substâncias usadas na clínica como anestésicos locais,
como a procaína, a tetracaína e muitas outras. A maioria deles atua
diretamente sobre as comportas de ativação dos canais de sódio, fazendo
com que sua abertura fique dificultada e, portanto, reduzindo a
excitabilidade da membrana. Quando a excitabilidade fica tão reduzida
a ponto da proporção entre a. força do potencial de ação e o limiar de
excitabilidade (chamada de "fator de segurança") ser menor que 1, 0, o
potencial de ação não é capaz de atravessar a área anestesiada.
REGISTRO DOS POTENCIAIS DE MEMBRANA E
DE AÇÃO
O osciloscópio de raios catódicos. Antes, neste capítulo, chamamos
atenção para a rapidez com que o potencial de membrana varia no
curso do potencial de ação. Na verdade, todo o complexo do potencial
de ação, nas fibras nervosas calibrosas, ocorre em menos de 1/1. 000
de segundo. Em algumas figuras deste capítulo são mostrados medidores
elétricos para o registro dessas variações de potencial. Todavia, deve
ser entendido que qualquer sistema de medida capaz de registrar essas
variações de potencial deve ter respostas muito rápidas. Para os objetivos
práticos, o único tipo comum de sistema de medida capaz de registrar
com precisão essas variações muito rápidas do potencial de membrana
é o osciloscópio de raios catódicos.
A Fig. 5.19 apresenta os componentes básicos do osciloscópio de
raios catódicos. O tubo de raios catódicos, em si, é composto basicamente
por um canhão de elétrons e por uma superfície fluorescente contra a qual
são lançados os elétrons. No ponto atingido pelos elétrons, a superfície
fluorescente brilha. Se o feixe de elétrons é movido através da
superfície, o ponto brilhante também o faz, traçando linha fluorescente
ao longo dela.
Além do canhão de elétrons e da superfície fluorescente, o tubo
de raios catódicos também dispõe de dois conjuntos de placas
eletricamente carregadas, um desses conjuntos situado nos dois lados
do feixe de elétrons e o outro acima e abaixo dele. Circuitos de controle
eletrônico apropriados fazem variar a voltagem dessas placas, de modo
que o feixe de elétrons possa ser deslocado para cima ou para baixo,
em resposta aos sinais elétricos que vêm dos eletródios de registro nos
nervos. Também, o feixe de elétrons pode ser passado
horizontalmente ao longo da superfície fluorescente ("varredura") com
velocidade constante. Esses dois efeitos dão origem ao registro mostrado
na face do tubo de raios catódicos, com uma linha de tempo horizontal e
a variação de voltagem, nos eletródios dos nervos, no plano vertical. Deve
ser notado, na extremidade esquerda, o pequeno artefato do estímulo,
causado pelo estímulo elétrico usado para produção do potencial de
ação; em seguida, aparece o próprio potencial de ação.
Registro do potencial de ação monofásico. Em todo este capítulo.
Fig. 5.19 O osciloscópio de raios catódicos, usado para o registro de
potenciais de ação transientes,
Fig. 5.20 Registro de potenciais de ação bifásicos
as figuras apresentaram o potencial de ação "monofásico". Para o registro
desses potenciais, uma micropipeta com eletródio, mostrada no início
do capítulo, na Fig. 5.2, foi introduzida no interior da fibra. Em seguida,
à medida que o potencial de ação se propaga ao longo da fibra, foram
registradas as variações de potencial no interior da fibra, como mostrado
nas Figs. 5.6, 5.10 e 5.13.
Registro do potencial de ação bifásico. Quando se deseja registrai
os impulsos em todo um tronco nervoso, não é possível a introdução
de eletródios no interior das fibras desse tronco. Portanto, o método
usual de registro é a colocação de dois eletródios por fora das fibras.
Contudo, o registro que é obtido nessas condições é bifásico, pelas
seguintes razoes: quando um potencial de
ação que se propaga ao longo
das fibras atinge o primeiro eletródio, este fica com carga negativa,
enquanto o segundo ainda não é afetado. Isso faz com que o osciloscópio
registre deflexão negativa. Em seguida, com a continuação da
propagação do potencial de ação, ocorre um momento em que a
membrana por sob o primeiro eletródio fica repolarizada, enquanto o
segundo eletródio fica negativo e o osciloscópio registra deflexão na
direção oposta. Assim, um registro como o mostrado na Fig. 5.20, obtido
por osciloscópio, apresenta variação de potencial, primeiro em uma
direção e, em seguida, na oposta.
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59
CAPÍTULO 6
Contração do Músculo Esquelético
Cerca de 40% do corpo são compostos por músculos
esqueléticos e quase outros 10% são formados por músculos liso e
cardíaco. Muitos dos princípios básicos da contração são
comuns a todos esses tipos de músculos, mas, neste capítulo, será
discutido principalmente o funcionamento do músculo
esquelético; o funcionamento especializado do músculo liso é
discutido no Cap. 8 e o do músculo cardíaco, no Cap. 9.
ANATOMIA FUNCIONAL DO MÚSCULO
ESQUELÉTICO
 A FIBRA MUSCULAR ESQUELÉTICA
A Fig. 6.1 apresenta a organização do músculo esquelético,
mostrando que todos os músculos esqueléticos são compostos
por numerosas fibras, com diâmetros variando entre 10 e 80
µm. Por sua vez, cada uma dessas fibras é formada por diversas
subunidades, cada uma menor que a outra, também mostradas
na Fig. 6.1, que serão discutidas nos parágrafos subseqüentes.
Na maioria dos músculos, as fibras se estendem por todo
o comprimento do músculo; exceto por cerca de 2% delas, são
inervadas por terminação nervosa única, localizada perto do meio
da fibra.
O sarcolema. O sarcolema é a membrana celular da fibra
muscular. Contudo, o sarcolema
é formado por uma verdadeira
membrana celular, chamada de membrana plasmática, e por
revestimento externo, composto de fina camada de material
polissacarídico, contendo numerosas fibrilas finas de colágeno. Na
extremidade da fibra muscular, esse revestimento superficial do
sarcolema se funde com uma fibra tendinosa e essas fibras
tendinosas se unem, formando feixes, até comporem um tendão
muscular que se insere no osso.
Miofíbrilas: os filamentos de actina e de miosina. Cada
fibra muscular contém de muitas centenas a vários milhares de
miofibrilas, representadas pelos numerosos círculos vazios na
vista em corte transverso da Fig. 6.1C. Cada miofibrila (Fig.
6.1D e E), por sua vez, contém, lado a lado, cerca de 1.500
filamentos de miosina e 3.000 filamentos de actina, que são grandes
moléculas poliméricas, responsáveis pela contração muscular.
Esses filamentos são apresentados, em vista longitudinal, na
microfotografia eletrônica da Fig. 6.2 e são representados,
esquematicamente, na Fig. 6.1 (partes E a L). Nesses esquemas,
os filamentos grossos são os de miosina e os finos, os de actina.
Deve ser notado que os filamentos de actina e de miosina
se interdigitam em parte, o que faz com que as miofibrilas
apresentem faixas alternadas escuras e claras. As faixas
claras só contém filamentos de actina e são chamadas de
faixas I, por serem isotrópicas à luz polarizada.
 As faixas escuras contêm os filamentos de miosina além das
extremidades dos filamentos de actina e são chamadas de
faixas A por serem anisotrópicas à luz polarizada. Também
devem ser notadas as pequenas projeções laterais dos filamentos
de miosina. Elas são chamadas de pontes cruzadas: proeminam
da superfície dos filamentos de miosina, por toda sua extensão,
exceto na sua parte mais central. E a interação entre essas
pontes cruzadas e os filamentos de actina que produz a
contração.
A Fig. 6.1E também mostra que as extremidades dos
filamentos de actina estão presos ao chamado disco Z. A
partir desse disco, os filamentos se estendem, nas duas
direções, para se interdigitar com os filamentos de miosina.
O disco Z, que é formado por proteínas filamentosas diferentes
das dos filamentos de actina e de miosina, passa de miofibrila a
miofibrila, fixando-as entre si, ao longo de toda a espessura da
fibra muscular. Por conseguinte, toda a fibra muscular
apresenta faixas claras e escuras, como acontece com a
miofibrila. Essas faixas dão ao músculo esquelético e
cardíaco sua aparência "estriada".
A região de uma miofibrila (ou de toda uma fibra muscular)
situada entre duas linhas Z consecutivas é chamada de sarcômero.
Quando a fibra nervosa está em seu comprimento normal de
repouso, completamente estirada, o sarcômero tem extensão de
cerca de 2 µm. Nesse comprimento, os filamentos de actina se
sobrepõem totalmente aos filamentos de miosina e começam
a se sobrepor uns aos outros. Veremos adiante que, nesse
comprimento, o sarcômero também é capaz de gerar sua força
máxima de contração.
O sarcoplasma. As miofibrilas, no interior da fibra muscular,
ficam suspensas em uma matriz, chamada de sarcoplasma,
formada pelos constituintes intracelulares usuais. O líquido do
sarcoplasma contém grandes quantidades de potássio e de
magnésio, de fosfato e de enzimas protéicas. Também está
presente número imenso de mitocôndrias que ficam entre e
paralelas as miofibrilas, situação indicativa da grande necessidade
das miofibrilas em contração de quantidade elevada de trifosfato
de adenosina (ATP), formado nas mitocôndrias.
O retículo sarcoplasmático. Também existe no sarcoplasma
um extenso retículo endoplasmático, chamado, na fibra muscular,
de retículo sarcoplasmático. Esse retículo apresenta organização
especial, muito importante para o controle da contração
muscular, o que é discutido no capítulo seguinte. A
microfotografia eletrônica da Fig. 6.3 mostra a disposição desse
retículo sarcoplasmático c indica como pode ser extenso. Os
tipos de músculo de contração mais rápida possuem retículo
sarcoplasmático extremamente longo, indicando que essa
estrutura é importante para a produção de contração muscular
rápida, o que será também discutido adiante.
60
Fig. 6.1 Organização do músculo esquelético, do
nível macroscópico ao molecular, f, G, He /são
cortes transversais nos níveis indicados. (Desenho
de Sylvia Colard Keene; modificado de Fawcett:
Bloom and Fawcett: A lextbook ofhistotogy.
Philadelphia, W. B. Saunders Co., 1986).
O MECANISMO GERAL DA CONTRAÇÃO MUSCULAR
O desencadeamento e decurso de uma contração muscular
ocorre segundo as etapas sucessivas seguintes:
1. Um potencial de ação percorre um axônio motor até
suas terminações nas fibras musculares.
2. Em cada terminação, há secreção de pequena quantidade
da substância neurotransmissora, chamada acetilcolina.
3. A acetilcolina atua sobre área localizada da membrana
da fibra muscular, abrindo numerosos canais protéicos
acetilcolina dependentes.
4. A abertura desses canais acetílcolina-dependentes
permite o influxo de grande quantidade de íons sódio para o
interior da membrana da fibra muscular, no ponto da terminação
nervosa.
 Isso produz um potencial de ação na fibra muscular.
5. O potencial de ação se propaga ao longo da membrana
da fibra muscular do mesmo modo como o faz nas membranas
neurais.
6. O potencial de ação despolariza a membrana da fibra
muscular e também penetra profundamente no interior dessa
fibra. Aí, faz com que o retículo sarcoplasmático libere, para
as miofibrilas. grande quantidade de íons cálcio, que ficam
armazenadas em seu interior.
7. Os íons cálcio geram forças atrativas entre os filamentos
de actina e de miosina, fazendo com que deslizem um em direção
ao outro, o que constitui o processo contrátil.
8. Após uma fração de segundo, os íons cálcio são
bombeados de volta para o retículo sarcoplasmático, onde
permanecem
armazenados até que ocorra novo potencial de ação muscular;
termina a contração muscular.Vamos agora descrever o
mecanismo do processo contrátil, mas, no capítulo seguinte,
retornaremos aos detalhes da excitação muscular.
MECANISMO MOLECULAR DA CONTRAÇÃO
MUSCULAR
Mecanismo de deslizamento da contração. A Fig. 6.4
apresenta o mecanismo básico da contração muscular. Na parte
de cima, mostra o estado relaxado de um sarcômero e, na
parte de baixo, seu estado contraído. No estado relaxado, as
extremidades dos filamentos de actina derivados de dois discos Z
consecutivos se superpõem apenas discretamente, enquanto, ao
mesmo tempo, se sobrepõem completamente aos filamentos de
miosina.
61
Fig. 6.2 Microfotografia eletrônica das miofibrilas de músculo, mostrando os detalhes da organização dos filamentos de actina e de miosina.
Devem ser notadas as mitocôndrias, situadas entre as miofibrilas. (De Fawcett: The Cell. Philadelphia, W.B. Saunders Co., 1981.)
Por outro lado, no estado contraído, os filamentos de actina
foram tracionados para a parte média, de modo que ficam, nesse
estado, bem mais sobrepostos que antes. Também, os discos
Z foram puxados, pelos filamentos de actina, até as extremidades
dos filamentos de miosina. Na verdade, os filamentos de actina
podem ser tracionados tão intensamente que as extremidades
dos filamentos de miosina chegam a ficar dobradas durante as
contrações muito fortes. Assim, a contração muscular é causada
por mecanismo de deslizamento dos filamentos.
Mas, o que faz com que os filamentos de actina
deslizem, em direção central, por entre os filamentos
de miosina? Isso é o resultado de forças mecânicas
geradas pela interação das pontes cruzadas dos
filamentos de miosina com os filamentos de actina, como
discutiremos nas seções seguintes. Nas condições de
repouso, essas forças estão inibidas, mas, quando o
potencial de ação se propaga ao longo da membrana da
fibra muscular, ele provoca a liberação de grande
quantidade de íons cálcio no sarcoplasma
que banha as
miofibrilas. Por sua vez, esses íon cálcio ativam as forças
Fig. 6.3. Retículo sarcoplasmático em torno das
miofribrilas mostrandos, em corte transverso, os túbulos
T ( setas). Que levam ao exterior da membrana da fibra e
que contém líquido extracelular.
62
Fig. 6.4 Os estados relaxado e contraído de unia miofibrila, mostrando
o deslizamento dos filamentos de actina (em preto) pelos espaços entre
os filamentos de miosina (em vermelho).
Entre os filamentos, dando início à contração, mas também é
necessária energia para que a contração possa seguir seu
curso. Essa energia é derivada das ligações de alta energia do
ATP, que é degradado a difosfato de adenosina (ADP), para
liberar a energia necessária.
Nas seções seguintes, vamos descrever o que se sabe sobre
os detalhes dos processos moleculares da contração. Para dar
início a essa discussão, vamos, primeiro, caracterizar os detalhes
dos filamentos de miosina e de actina.
CARACTERÍSTICAS MOLECULARES DOS
FILAMENTOS CONTRÁTEIS
O filamento de miosina. O filamento de miosina é composto
por numerosas moléculas de miosina, cada uma com peso
molecular de cerca de 480.000. A Fig. 6.5A apresenta uma
dessas moléculas isolada; à parte B mostra o modo de organização
dessas moléculas para formar um filamento de miosina, bem
como sua interação em um dos lados com as extremidades de dois
filamentos de actina.
A molécula de miosina é formada por seis cadeias
polipeptídicas — duas cadeias pesadas, cada uma com peso
molecular de 200.000, e quatro cadeias leves, cada uma com peso
molecular de cerca de 20.000. As duas cadeias pesadas se
enrolam, de modo espiralado, uma em torno da outra, para
formar uma dupla hélice. Contudo, uma das extremidades de
cada uma dessas cadeias se dobra para formar uma massa protéica
globular, chamada de cabeça da miosina. Dessa forma, existem
duas cabeças livres, situadas uma ao lado da outra, em uma das
extremidades da molécula em dupla hélice da miosina; a porção
alongada dessa dupla hélice é chamada de cauda. As quatro
cadeias leves também fazem parte das cabeças de miosina, duas
para cada cabeça. Essas cadeias leves participam do controle
do funcionamento da cabeça, durante o processo de contração.
O filamento de miosina é formado por 200 ou mais moléculas
individuais de miosina. A parte central de um desses filamentos
é mostrada na Fig. 6.5B, com as caudas das moléculas de miosina
presas entre si para formar o corpo do filamento, enquanto muitas
cabeças das moléculas pendem para fora e para os lados desse
corpo. Também, parte da porção helicoidal de cada molécula
de miosina, junto com a cabeça, estende-se para o lado,
formando, assim, um braço que afasta a cabeça do corpo, como
mostrado na figura. Esses braços e a cabeça proeminentes
formam, em seu conjunto, as pontes cruzadas. Acredita-se que
cada ponte cruzada seja flexível em dois pontos, chamados de
dobradiças;
Fig. 6.5 A, A molécula de miosina. B, A combinação de muitas
moléculas de miosina para formar um filamento de miosina. Também são
mostradas as pontes cruzadas e a interação entre as cabeças das pontes
cruzadas e os filamentos adjacentes de actina.
um fica localizado onde o braço se afasta do corpo do filamento
de miosina e o outro, onde as duas cabeças se prendem ao braço.
O braço dobrável permite que as cabeças sejam muito afastadas
do corpo do filamento de miosina ou que sejam trazidas para
muito próximo dele. As cabeças dobráveis são consideradas como
tendo participação no próprio processo de contração, como
discutiremos nas seções seguintes.
O comprimento total de cada filamento de miosina é muito
uniforme, quase que exatamente 1,6 µm. Contudo, deve ser
notado que não existem cabeças de pontes cruzadas no centro
verdadeiro do filamento de miosina, em extensão de cerca de
0,2µm, devido ao fato de os braços dobráveis se estenderem
para as extremidades do filamento, a partir desse centro;
conseqüentemente, só existem caudas das moléculas de miosina
nesse centro, e não existem cabeças.
Agora, para completar esse quadro, o filamento de miosina
é, por sua vez, torcido, de modo que cada grupo consecutivo
de pontes cruzadas fica axialmente deslocado do grupei anterior
por 120 graus. Isso assegura que as pontes cruzadas se estendam
em todas as direções em torno do filamento.
Atividade de ATPase da cabeça de miosina. Outra
característica da cabeça de miosina, essencial para a contração
muscular, é que ela atua como uma enzima do tipo ATPase.
Como veremos adiante, essa propriedade permite que a cabeça
clive ATP e utilize a energia derivada das ligações fosfato de
alta energia desse ATP para energizar o próprio processo da
contração.
O filamento de actina. O filamento de actina também é
complexo. É formado por três constituintes protéicos: actina,
tropo-miosina e troponina.
O arcabouço do filamento de actina é uma molécula da
proteína actina-F com dois filamentos, mostrada pelos dois
filamentos mais claros da Fig. 6.6. Esses dois filamentos
formam hélice, do mesmo modo como acontece com a molécula
de miosina, mas com uma volta completa a cada 70 nm.
Cada filamento da dupla hélice da actina-F é composto de
moléculas polimerizadas de actina-G, cada uma com peso
molecular de cerca de 42.000. Existem aproximadamente 13
dessas moléculas em cada revolução de um dos filamentos da
hélice.
63
Fig. 6.6 O filamento de actina, formado por dois filamentos helicoidais
de actina-F e por moléculas de tropomiosina que se encaixam
frouxamente nos sulcos entre os filamentos de actina. Preso a uma das
extremidades de cada molécula de tropomiosina existe um complexo de
troponina que inicia a contração.
Em cada molécula de actina-G está fixada uma molécula de
ADP. Acredita-se que essas moléculas de ADP representem o
sítio ativo dos filamentos de actina, com que interagem os
filamentos de miosina para produzir a contração muscular. Os
sítios ativos dos dois filamentos de actina-F ocorrem
escalonados, de modo que, ao longo de todo o filamento de
actina, existe um sítio ativo a cada 2,7 nm.
Cada filamento de actina tem comprimento aproximado de
1 µm. As bases desses filamentos são fortemente fixadas nos
discos Z, enquanto as duas extremidades proeminam, nas duas
direções, para os sarcômeros adjacentes, situando-se nos espaços
entre as moléculas de miosina, como mostrado na Fig. 6.4.
As moléculas de tropomiosina. Os filamentos de actina
contêm outra proteína, a tropomiosina. Cada molécula de
tropomiosina tem peso molecular de 70.000 e comprimento de 40
nm. Essas moléculas estão frouxamente fixadas aos filamentos
de actina-F e enroladas, de forma espiralada, ao longo dos
lados da hélice de actina-F. No estado de repouso, acredita-se
que as moléculas de tropomiosina fiquem sobrepostas aos sítios
ativos dos filamentos de actina, de modo a impedir que ocorra
atração entre os filamentos de actina c de miosina, para
produção de contração. Cada molécula de tropomiosina recobre
cerca de sete sítios ativos.
Troponina e sua participação na contração muscular. Ainda
existe outra molécula de proteína, chamada troponina, que ocorre
fixada próximo da extremidade de cada molécula de
tropomiosina. Ela é, na verdade, um complexo de três
subunidades protéicas, frouxamente interligadas, cada uma com
participação específica no controle da contração muscular. Uma
dessas subunidades (troponina I) tem forte afinidade pela
actina, outra (troponina T) a tem pela tropomiosina e a
terceira (troponina C), pelos íons cálcio. Acredita-se que esse
complexo fixe a tropomiosina a actina. Também é admitido que
a forte afinidade da troponina pelos íons cálcio desencadeie o
processo contrátil, como explicado na seção seguinte.
Interação da miosina, dos filamentos de actina e
dos íons cálcio para a produção da contração
Inibição do filamento de actina pelo complexo
troponina-tropomiosina; ativação pelos íons cálcio. Um
filamento puro
de actina, desprovido do complexo troponina-
tropomiosina, fixa-se fortemente a moléculas de miosina, em
presença de íons magnésio e ATP, ambos normalmente
abundantes na miofibrila. Contudo, se for adicionado o
complexo troponina-tropomiosina, essa fixação não mais ocorre.
Por conseguinte, acredita-se que os sítios ativos no filamento
normal de actina no músculo relaxado estejam inibidos ou
fisicamente recobertos pelo complexo troponina-tropomiosina.
Conseqüentemente, esses sítios não podem fixar os filamentos
de miosina para produzir a contração. Antes que a contração
possa ocorrer, o efeito inibitório do complexo troponina-
tropomiosina deve ser, por sua vez, inibido.
Agora, vamos discutir o papel dos íons cálcio. Em presença de
grandes quantidades de íons cálcio, o efeito inibitório da
troponina-tropomiosina sobre os filamentos de actina fica
inibido. Esse mecanismo ainda é desconhecido, mas uma
hipótese é a seguinte: quando os íons cálcio reagem com a
troponina C — e cada uma dessas moléculas pode fixar-se
fortemente a até quatro íons cálcio, mesmo quando estes estão
presentes em quantidades diminutas —, admite-se que o complexo
da troponina sofra alteração conformacional que, de algum
modo, traciona a molécula de tropomiosina e, supostamente, a
empurra mais profundamente para o fundo do sulco entre os
dois filamentos de actina. Isso "descobre" os sítios ativos da
actina, o que permite o desenvolvimento da contração. Embora
esse seja um mecanismo hipotético, ele enfatiza, todavia, que a
relação normal entre o complexo troponina-tropomiosina e a
actina é modificada pelos íons cálcio, produzindo nova condição
que leva à contração.
Interação entre o filamento "ativado" de actina e as pontes
cruzadas da miosina — a teoria do "sempre em frente" da
contração. Tão logo o filamento de actina seja ativado pelos íons
cálcio, as cabeças das pontes cruzadas imediatamente são
fixadas aos sítios ativos do filamento de actina e isso, de
alguma maneira, faz com que aconteça a contração. Embora
ainda seja desconhecido o modo preciso como essa interação
entre as pontes cruzadas e a actina produz a contração, foi
proposta uma hipótese baseada em evidências consideráveis, que
foi chamada de teoria do "sempre em frente [walk-along] (ou
teoria da cremalheira) da construção.
A Fig. 6.7 apresenta o mecanismo postulado para o "sempre
em frente". A figura mostra as cabeças de duas pontes cruzadas
se fixando e se soltando dos sítios ativos do filamento de actina.
Acredita-se que, quando uma cabeça se prende a um sítio ativo,
essa fixação produz, ao mesmo tempo, profundas alterações nas
forças intermoleculares entre a cabeça e o braço da ponte cruzada.
O novo alinhamento de forças força a cabeça a se inclinar, em
direção do braço, trazendo junto o filamento de actina. Essa
inclinação da cabeça é chamada de movimento de tensão [power
strake]. Em seguida, imediatamente após a inclinação, a cabeça,
de modo automático, solta-se do sítio ativo, voltando à sua
posição perpendicular normal. Nessa posição, ela se fixa a
novo sítio ativo, localizado cm ponto mais adiante do filamento
de actina; então, a cabeça se inclina de novo, para novo
movimento de tensão, e o filamento de actina se desloca um
pouco mais. Desse modo, as cabeças das pontes cruzadas se
inclinam e se endireitam, seguindo sempre em frente ao longo
do filamento de actina, em direção ao centro do filamento de
miosina.
Acredita-se que cada ponte cruzada atue
independentemente de todas as outras, cada uma se fixando e
tracionando em ciclo contínuo, mas aleatório. Por
conseguinte, quanto maior for o número de pontes cruzadas
em contato com os filamentos de actina, em dado momento,
maior será, teoricamente, a força da contração.
ATP como fonte de energia para a contração - as etapas
químicas do movimento das cabeças da miosina. Quando o
mús-
Fig. 6.7 O mecanismo "sempre em frente" para a contração do músculo
64
culo se contrai sob o efeito de uma carga, é realizado trabalho
e é necessária energia. Grandes quantidades de ATP são clivadas,
para formar ADP durante o processo da contração. Ainda mais,
quanto mais trabalho for realizado pelo músculo, maior será
a quantidade clivada de ATP, o que é chamado de efeito Fenn.
Embora ainda não seja conhecido de modo preciso como o ATP
é utilizado para fornecer a energia para a contração, foi sugerida
a seqüência que se segue para o mecanismo desse processo:
1. Antes que comece a contração, as cabeças das pontes
cruzadas fixam ATP. A atividade de ATPase das cabeças da
miosina cliva, imediatamente, o ATP, embora os produtos dessa
clivagem — ADP e Pi — permaneçam presos à cabeça. Nesse
estado, a conformação da cabeça é tal que ela se estende
perpendicularmente em direção ao filamento de actina,
embora ainda não se fixe a ele.
2. Em seguida, quando o efeito inibitório do complexo
troponina-tropomiosina for, por sua vez, inibido pelos íons
cálcio, os sítios ativos do filamento de actina ficam descobertos,
o que permite a fixação das cabeças de miosina a eles, como
mostrado na Fig. 6.7.
3. A ligação entre a cabeça da ponte cruzada e o sítio ativo
do filamento de actina provoca alteração conformacional da
cabeça, fazendo com que ela se incline em direção ao braço da
ponte
cruzada. Isso produz o movimento de tensão para tracionar o
filamento de actina. A energia que ativa o movimento de tensão
é a que já está armazenada, como uma mola "engatilhada",
pela alteração conformacional da cabeça, quando a molécula
de ATP foi clivada.
4. Uma vez tendo ocorrido a inclinação da cabeça, isso
permite a liberação do ADP e do Pi que estavam, até então,
presos à cabeça; no local de onde foi liberado o ADP, prende-se
outra molécula de ATP. Essa fixação, por sua vez, provoca o
desprendimento da cabeça da actina.
5. Após a cabeça ter-se desprendido da actina, também é
clivada a nova molécula de ATP, e a energia novamente
"engatilha" a cabeça de volta a sua posição perpendicular,
pronta para iniciar novo ciclo de movimento de tensão.
6. Então, quando a cabeça engatilhada, com sua energia
armazenada derivada do ATP clivado, fixa-se a novo sítio ativo
no filamento de actina, ela torna-se desengatilhada, gerando novo
movimento de tensão.
7. Dessa forma, o processo se repete por várias vezes, até
que os filamentos de actina puxem os discos Z até que pressionem
as extremidades dos filamentos de miosina ou até que a carga
que atua sobre o músculo seja demasiadamente grande para
impedir qualquer tracionamento adicional.
GRAU DE SUPERPOSIÇÃO DOS FILAMENTOS DE
ACTINA E DE MIOSINA - EFEITO SOBRE A TENSÃO
QUE É DESENVOLVIDA PELO MÚSCULO EM
CONTRAÇÃO
A Fig. 6.8 mostra o efeito do comprimento do sarcômero
e do grau de superposição dos filamentos de actina e de miosina
sobre a tensão ativa que é desenvolvida durante a contração
de uma fibra muscular. À direita são apresentados diferentes
graus de superposição dos filamentos de actina e de miosina,
em diversos comprimentos do sarcômero. Nesse esquema, o
ponto D marca o afastamento do filamento de actina além da
extremidade do filamento de miosina, sem qualquer
superposição. Nesse ponto, a tensão desenvolvida pelo músculo
ativado é zero. Em seguida, à medida que o sarcômero se
encurta e os filamentos de actina começam a se sobrepor aos de
miosina, começa o desenvolvimento de tensão, com aumento
progressivo, até que o comprimento do sarcômero diminua
para cerca de 2,2 µm.
Fig. 6.8 Relação comprimento-tensão para um sarcômero isolado,
mostrando a força máxima de contração ocorrendo quando o
sarcômero tem comprimento entre 2,0 e 2,2µm. No canto superior à
direita, são mostradas as posições relativas dos filamentos de actina e de
miosina, para diferentes comprimentos do sarcômero, do ponto A ao
ponto D. (Modificado de Gordon, Huxley e Julian: The length-tension
diagram of single vertebrate striated muscle fibers. J. Physiol., 77/.-28P,
1964.)
Nesse ponto, o filamento de actina já se sobrepôs a todas as
pontes cruzadas do filamento de miosina, mas ainda não
atingiu o centro desse filamento. Com encurtamento ainda
maior, o sarcômero mantém tensão máxima até o ponto B, com
comprimento desse sarcômero de cerca de 2,0 µm. Nesse ponto,
as extremidades dos filamentos de actina começam a se sobrepor
umas às outras, além de estarem sobrepostas aos filamentos de
miosina. Quando o comprimento do sarcômero cai de 2,0 µm
para cerca de 1,6 /ira, no ponto A, a força da contração diminui.
É nesse ponto que os dois discos Z do sarcômero entram em
contato com as extremidades dos filamentos de miosina. Então,
à medida que a contração prossegue, com comprimentos do
sarcômero ainda menores, as extremidades dos filamentos de
miosina são dobradas, como mostrado na figura, e a força da
contração diminui abrupta e aceleradamente.
Esse esquema demonstra que a contração máxima ocorre
quando existe grau máximo de sobreposição entre os filamentos
de actina e as pontes cruzadas dos filamentos de miosina, e
confirma a hipótese de que, quanto maior for o número de
pontes cruzadas a puxar o filamento de actina, maior será a força
de contração.
Efeito do comprimento do músculo sobre a força de contração
nos músculos íntegros. A curva superior da Fig. 6.9 é semelhante
à curva da Fig. 6.8, mas é obtida de músculos íntegros, em vez
de fibra muscular isolada. O músculo íntegro contém grande
quantidade de tecido conjuntivo; por outro lado, os sarcômeros,
em diferentes partes do músculo, não se contraem
necessariamente de modo sinerônico. Como resultado, a curva
tem dimensões algo diferentes das amostras para a fibra
muscular isolada, mas, não obstante, sua forma é a mesma.
Deve ser notado, na Fig. 6.9, que, quando o músculo está
em seu comprimento normal de repouso, que corresponde a
comprimento do sarcômero de cerca de 2 µm, sua contração
tem força máxima. Caso o músculo seja estirado até comprimento
muito acima do normal antes da contração, esse músculo vai
gerar elevada tensão de repouso, antes que ocorra a contração;
essa tensão resulta das forças elásticas do tecido conjuntivo, do
sarcolema, dos vasos sanguíneos, dos nervos etc. Contudo, o
aumento da tensão durante a contração, chamado de tensão ativa,
fica progressivamente menor, se o músculo for estirado além
65
Fig. 6.9 Relação entre o comprimento do músculo e a força de
contração.
de seu comprimento normal — isto é, até comprimento do
sarcômero maior que cerca de 2,2µm. Na figura, isso é
mostrado pelo menor comprimento da seta.
RELAÇÃO ENTRE A VELOCIDADE DE CONTRAÇÃO E A
CARGA
Um músculo se contrai de forma extremamente rápida quando sua
contração não sofre oposição de qualquer carga - para um músculo
médio, a contração máxima é atingida dentro de 0,1 s. Contudo, quando
são aplicadas cargas, a velocidade de contração diminui progressivamente
à medida que a carga for aumentada, como mostrado na Fig. 6.10.
Quando a carga aumenta até igualar a força máxima que pode ser gerada
pelo músculo, a velocidade de contração é zero, e não ocorre contração,
apesar da ativação das fibras musculares.
Essa velocidade decrescente em função do aumento da carga ê
causada pelo fato de que a carga imposta a um músculo em
contração é uma força inversa que se opõe à força contrátil gerada
pela contração do músculo. Por conseguinte, a força efetiva
disponível para produzir a velocidade de encurtamento fica diminuída
proporcionalmente.
Fig. 6.10 Relação entre a carga e a velocidade de contração em músculo
esquelético com 8 cm de comprimento.
 ENERGÉTICA DA CONTRAÇÃO MUSCULAR
Produção de trabalho durante a contração muscular
Quando um músculo se contrai, sob ação de carga, ele realiza
trabalho. Isso significa que é transferida energia do músculo para
a carga externa, por exemplo, para elevar um objeto a uma
altura maior ou para sobrepujar resistência a movimento.
Em termos matemáticos, o trabalho é definido pela seguinte
relação:
W = C x D
onde W é o trabalho produzido, C é a carga e D é a distância
percorrida, sob ação da carga. A energia necessária para a
realização do trabalho é derivada das reações químicas, nas
células musculares, durante a contração, como descreveremos nas
seções seguintes.
Fontes de energia para a contração muscular
Já vimos que a contração muscular depende da energia
fornecida pelo ATP. A maior parte dessa energia é necessária
para pôr em ação o mecanismo de "sempre em frente" por meio
do qual as pontes cruzadas puxam os filamentos de actina, mas
pequenas quantidades são necessárias para (1) bombear cálcio
do sarcoplasma para o retículo sarcoplasmático, ao término da
contração, e (2) bombear íons sódio e potássio, através da
membrana da fibra muscular, para manter o ambiente iônico
adequado para a propagação dos potenciais de ação.
Contudo, a concentração de ATP presente na fibra muscular,
da ordem de 4 milimolar, só é suficiente para manter a contração
por, no máximo, 1 a 2 segundos. Felizmente, após o ATP ter
sido clivado a ADP, como descrito no Cap. 2, o ADP é
refosforilado, para formar novo ATP, em fração de segundo.
Existem várias fontes de energia para essa fosforilação.
A primeira fonte de energia que é utilizada para reconstituir
o ATP é o composto fosfocreatina, que contém uma ligação
fosfato de alta energia semelhante à do ATP. Essa ligação fosfato
de alta energia da fosfocreatina contém quantidade pouco maior
de energia livre que a do ATP, como discutiremos em maiores
detalhes nos Caps. 67 a 72. Como resultado, a fosfocreatina
é clivada de imediato e a energia liberada provoca a ligação
de novo íon fosfato ao ADP, para reconstituir o ATP. Todavia,
o teor de fosfocreatina também é muito reduzido — apenas cinco
vezes maior que o do ATP. Como conseqüência, a energia
combinada do ATP e da fosfocreatina armazenados no
músculo só c capaz de manter a contração máxima do
músculo por cerca de 7 a 8 segundos.
A mais importante fonte de energia a seguir, usada para
reconstituir tanto o ATP como a fosfocreatina, é o glicogênio
previamente armazenado nas células musculares. A rápida
degradação enzimática do glicogênio a ácido pirúvico e ácido
lático libera energia que é utilizada para converter ADP em
ATP e esse ATP pode ser usado diretamente para energizar à
contração muscular ou para reconstituir a fosfocreatina. A
importância desse mecanismo de "glicólise" é dupla. Primeiro, as
reações glicolíticas podem ocorrer até mesmo na ausência de
oxigênio, de modo que a contração muscular pode ser mantida,
por breve período, na falta de oxigênio. Segundo, a velocidade
com que é formado o ATP, pelo processo glicolítico, é duas
vezes e meia maior que a da formação de ATP pela reação dos
nutrientes celulares com oxigênio. Todavia, infelizmente, ocorre
acúmulo de muitos produtos finais da glicólise nas células
musculares, de modo que a glicólise, isoladamente, só pode
manter a contração muscular máxima por cerca de 1 minuto.
66
A última fonte de energia é o processo do metabolismo
oxidativo. Isso significa a combinação de oxigênio com os diversos
nutrientes celulares para formar ATP. Mais de 95% de toda
a energia utilizada pelos músculos em contrações continuadas
de longa duração derivam dessa fonte. Os nutrientes que são
consumidos são os carboidratos, as gorduras e as proteínas. Para
a atividade muscular de duração extremamente longa — de
algumas horas —, a maior proporção da energia que é
consumida deriva, em sua maior parte, das gorduras.
Os detalhes dos mecanismos desses processos energéticos
são discutidos nos Caps. 67 a 72. Além disso, a importância
dos diversos mecanismos para liberação de energia em diferentes
atividades esportivas é discutida no Cap. 81, que versa sobre
a fisiologia do esporte.
Eficiência da contração muscular. A "eficiência" de uma máquina
ou de um motor é calculada como a porcentagem da energia consumida
que é transformada em trabalho, e não em calor. A porcentagem da
energia consumida pelo músculo (a energia química dos nutrientes) que
pode ser convertida em trabalho é de menos de 20 a 25%, o restante
sendo transformado em calor. A razão para essa baixa eficiência é que
cerca da metade da energia dos nutrientes é perdida na formação de
ATP e apenas cerca de 40 a 45% da energia do próprio ATP podem
ser, posteriormente, transformados em trabalho.
Só pode ser conseguida eficiência máxima quando o músculo se
contrai com velocidade moderada. Se o músculo se contrair muito
lentamente ou sem que ocorra algum movimento, são liberadas grandes
quantidades de calor de manutenção durante o processo da contração,
mesmo se estiver sendo realizado pouco ou nenhum trabalho, o que
diminui a eficiência. Por outro lado, se a contração for muito rápida,
grande parte da energia será consumida para vencer o atrito viscoso no
interior do próprio músculo, e isso também reduz a eficiência da
contração. Comumente, a eficiência máxima é obtida quando a velocidade
da contração é de cerca de 30% da velocidade máxima.
CARACTERÍSTICAS DA CONTRAÇÃO DE TODO O
MÚSCULO
Muitas características da contração muscular podem ser
especialmente demonstradas pela produção de abalos musculares
isolados. Isso pode ser conseguido por estimulação breve do nervo que
vai para o músculo ou pela passagem de estímulo elétrico de curta
duração pelo próprio músculo, o que produz contração única e abrupta
do músculo, que dura fração de segundo.
Contrações isométrica e isotônica. Uma contração muscular é dita
isométrica quando o músculo não se encurta durante a contração e é
dita isotônica quando ele se encurta, com a tensão desenvolvida pelo
músculo permanecendo constante. Os métodos para o registro desses
dois tipos de contração muscular são mostrados na Fig. 6.11.
No método isométrico, o músculo se contrai contra um transdutor
Fig. 6.11 Sistemas para o registro de contrações isotônicas e isométricas.
de força, sem que varie seu comprimento, como mostrado à direita
da Fig. 6.11. No método isotônico, o músculo se encurta sob ação de
uma carga constante. Isso é mostrado à esquerda da figura, que apresenta
o músculo levantando um prato cheio de pesos. Obviamente, as
características da contração isotônica dependem da carga contra a qual o
músculo vai contrair-se, bem como da inércia da carga. Por outro lado, o
método isométrico só permite o registro, em sentido estrito, da
variação da força da própria contração muscular. Como resultado, é
usado com maior freqüência o método isométrico para a comparação
entre as características funcionais dos diversos tipos de músculo.
O componente elástico em série da contração muscular. Quando as
fibras musculares se contraem sob ação de uma carga, as partes do
músculo que não se contraem — os tendões, as extremidades do
sarcolema das fibras musculares por onde se fixam aos tendões e,
talvez, os braços dobráveis das pontes cruzadas — são ligeiramente
estiradas, à medida que aumenta a tensão. Conseqüentemente, o
músculo vai encurtar-se por mais de 3 a 5% para compensar o
estiramento desses elementos. Os elementos do músculo que são
estirados durante a contração formam o componente elástico em série
desse músculo.
CARACTERÍSTICAS DOS ABALOS ISOMÉTRICOS
REGISTRADOS EM DIFERENTES MÚSCULOS
O corpo apresenta músculos esqueléticos de tamanho muito variado
- desde o minúsculo músculo estapédio, no ouvido médio, com poucos
milímetros de comprimento e cerca de 1 mm de diâmetro, até o imenso
quadríceps, meio milhão de vezes maior que o estapédio. Ademais,
as fibras desses músculos podem ter diâmetro que varia do mínimo de
10 µm até o máximo de 80 µm. Finalmente, a energética da contração
muscular varia consideravelmente de um músculo para outro. Por
conseguinte, não surpreende que as características da contração muscular
difiram entre todos esses músculos.
A Fig. 6.12 mostra as contrações isométricas de três tipos distintos
de músculos esqueléticos: um músculo ocular, cuja contração dura menos
que 1/40 de segundo; e o músculo gastrocnêmio, com contração durando
cerca de1/15 de segundo; e o músculo solear com contração durando
1/5 de segundo. É interessante que as durações de contração sejam
adaptadas ao funcionamento dos músculos respectivos. Os movimentos
oculares devem ser extremamente rápidos para manter a fixação dos
olhos sobre objetos específicos, e o músculo gastrocnêmio deve
contrair-se de forma moderadamente rápida para permitir velocidade
suficiente dos movimentos das pernas, do tipo correr ou pular,
enquanto o músculo solear está relacionado, de modo prioritário, à
contração lenta para a sustentação contínua do corpo contra a ação da
gravidade.
Fibras musculares rápidas e lentas. Como discutiremos em maior
detalhe no Cap. 84, sobre a fisiologia do esporte, cada músculo do
corpo é formado por combinação das chamadas fibras musculares rápidas
e lentas, existindo outras fibras com características intermediárias entre
esses dois extremos. Os músculos que reagem muito rapidamente são
Fig. 6.12 Duração das contrações isométricas de diferentes tipos de
músculos de mamíferos, mostrando o período latente da contração
entre o potencial de ação e a contração muscular.
67
compostos por grande maioria de fibras rápidas, com número muito
pequeno de fibras do tipo lento. Inversamente, os músculos que
respondem de forma lenta, com contração longa, são compostos por
maioria de fibras lentas. As diferenças entre esses dois tipos de fibras
são as seguintes:
Fibras rápidas: (1) fibras muito maiores para uma maior força de
contração; (2) retículo sarcoplasmático extenso, para a liberação rápida
de íons cálcio, para desencadear a contração; (3) grande quantidade
de enzimas glicolíticas para a liberação rápida de energia pelo processo
glicolítico; (4) vascularização pouco extensa, pela importância secundária
do metabolismo oxidativo; (5) pequeno número de mitocôndrias,
igualmente por ser o metabolismo oxidativo secundário.
Fibras lentas: (1) fibras menores; (2) também inervado por fibras
nervosas mais finas; (3) vascularização bem mais extensa, com muitos
capilares para fornecimento de quantidades adicionais de oxigênio; (4)
número muito grande de mitocôndrias, permitindo a manutenção de
alto nível do metabolismo oxidativo; (5) as fibras contêm grande
quantidade de mioglobina, proteína contendo ferro, semelhante à
hemoglobina das hemácias. A mioglobina se combina com o oxigênio,
armazenando-o até que seja necessário, e acelera de muito o
transporte de oxigênio para as mitocôndrias. A mioglobina dá ao
músculo lento uma coloração avermelhada, razão desses músculos serem
chamados de músculos vermelhos, enquanto sua falta, nos músculos
rápidos, os faz serem chamados de músculos brancos.
A partir dessas descrições, pode-se ver que as fibras rápidas são
adaptadas para contrações musculares muito rápidas e fortes, como as
que ocorrem nos saltos e na corrida curta. As fibras lentas são adaptadas
para a atividade muscular prolongada e contínua, como a de sustentação
do corpo contra a gravidade e atividades esportivas de longa duração,
como a maratona.
MECÂNICA DA CONTRAÇÃO MUSCULAR
ESQUELÉTICA
A unidade motora
Cada motoneurônio que emerge da medula espinhal inerva
numerosas fibras musculares: esse número depende do tipo de músculo.
Todas as fibras musculares inervadas por uma só fibra nervosa motora
formam a chamada unidade motora. Em geral, os músculos pequenos, que
reagem rapidamente e cujo controle deve ser bastante precisa, têm
unidades motoras com poucas fibras musculares (até apenas duas a
três fibras nos músculos laríngeos). Por outro lado, os músculos grandes,
que não precisam de controle muito exato, como, por exemplo, o músculo
gastroenemio, podem ter unidades motoras com várias centenas de fibras
musculares. Um valor médio para todos os músculos do corpo pode ser
tomado
como sendo de cerca de 100 fibras musculares em cada unidade
motora.
As fibras musculares de uma unidade motora não ficam todas
grupadas no músculo, mas, pelo contrário, ficam dispersas por todo o
músculo, em microfeixes de 3 a 15 fibras. Por conseguinte, esses
microfeixes ocorrem intercalados com outros microfeixes de diversas
unidades motoras. Essa interdigitação permite que as unidades motoras
distintas se contraiam em apoio umas às outras, e não de forma total
como se fossem segmentos isolados.
Ele é importante por permitir a gradação da força muscular, durante
uma contração fraca, em etapas pequenas; essas etapas ficam
progressivamente maiores quando são necessárias grandes imensidades
de força. A causa do princípio do tamanho é que as unidades motoras
pequenas são ativadas por fibras nervosas motoras bastante delgadas e os
pequenos motoneurônios da medula espinhal são, de longe, muito mais
excitáveis que os grandes, de modo que, naturalmente, eles são excitados
em primeiro lugar.
Outra característica importante da somação de fibras múltiplas é
que as diferentes unidades motoras são ativadas de modo assincrônico
pela medula espinhal, de modo que a contração se alterna entre diversas
unidades motoras, umas se contraindo após outras, o que permite uma
contração contínua e uniforme, mesmo sob baixas freqüências do sinal
neural.
Somacão por freqüência e tetanização. A Fig. 6.13 apresenta os
princípios da somação por freqüência e da tetanização. À esquerda são
mostrados abalos isolados ocorrendo consecutivamente, produzidos por
baixas freqüências de estimulação. Em seguida, à medida que essa
freqüência aumenta, é atingido um momento em que cada nova
contração ocorre antes do término da precedente. Como resultado, a
segunda contração é parcialmente somada à anterior, de forma que a
força total da contração aumenta progressivamente com a intensificação
da freqüência de estimulação. Quando essa freqüência atinge um nível
crítico, as contrações sucessivas são tão rápidas que, verdadeiramente,
se fundem entre si, e a contração aparece como uniforme e contínua,
como mostrado na figura. Isso é chamado de tetanização. Com
freqüências ainda mais elevadas, a força da contração atinge seu máximo,
de modo que qualquer aumento adicional da freqüência não produzirá
qualquer aumento da força contrátil. Isso decorre de que existem
suficientes íons cálcio no sarcoplasma, até mesmo no intervalo entre os
potenciais de ação, para manter o estado de contração máxima, sem
permitir o relaxamento entre os potenciais de ação.
Força máxima de contração. A força máxima das contrações
tetânicas de músculo operando em seu comprimento normal 6, em
média, de 3 a 4 kg/cm2 de músculo. Uma vez que o músculo
quadríceps pode chegar a ter 40 centímetros quadrados em sua barriga,
ele poderá exercer tensão, sobre o tendão patelar, de até 350 kg. Pode-
se facilmente compreender como, por vezes, um músculo pode
desinserir seu tendão do osso.
Variações da força muscular no início da contração — o
fenômeno da escada (treppe). Quando um músculo começa a se contrair
após longo período de repouso, sua força inicial de contração pode ser
de apenas a metade da que será após os 10 a 50 abalos seguintes. Isto
é, a força da contração aumenta até ser atingido um platô, um fenômeno
conhecido como o efeito de escada ou treppe.
Embora ainda não sejam conhecidas» todas as causas possíveis para
o efeito de escada, acredita-se que, primariamente, seja devido a aumento
do teor de íons cálcio no citosol, decorrente da liberação desses íons
pelo retículo sarcoplasmático a cada potencial de ação e da incapacidade
de recaptação imediata desses mesmos íons.
 Contrações musculares com torça diferente — somação da
força
Somação significa a adição de todas as contrações individuais dos
abalos para aumentar a intensidade da contração muscular global. A
somação pode ocorrer por dois modos distintos: (1) pelo aumento do
número de unidades motoras que se contraem a um só tempo, o que
é chamado de somação de fibras múltiplas, e (2) pelo aumento da
freqüência da contração, o que é chamado de somação por freqüência ou
tetanização.
Somação de fibras múltiplas. Quando o sistema nervoso central
envia um sinal fraco para contrair determinado músculo, as unidades
motoras com fibras pequenas e em menor número são estimuladas
preferencialmente às maiores unidades motoras. Em seguida, à medida
que aumenta a intensidade do sinal neural, são estimuladas as unidades
motoras progressivamente maiores, sendo que as unidades motoras muito
grandes chegam a desenvolver, muitas vezes, mais de 50 vezes a força
contrátil das unidades motoras menores. Isso é chamado de princípio do
tamanho.
Fig. 6.13 Somação por freqüência e tetanização.
68
Tônus do músculo esquelético
Mesmo quando os músculos estão em repouso, ainda persiste certo
grau de tensão. Isso é chamado de tônus muscular. Visto que as fibras
musculares esqueléticas não se contraem sem que exista um verdadeiro
potencial de ação para estimulá-las (exceto em algumas condições
patológicas), o tônus do músculo esquelético é totalmente dependente de
impulsos nervosos originados na medula espinhal. Esses impulsos, por
sua vez, são, em parte, controlados por impulsos transmitidos do
encéfalo para os motoneurônios anteriores correspondentes e, em parte,
por impulsos que se originam dos fusos musculares localizados no próprio
músculo. Esses dois mecanismos são discutidos em relação aos fusos
musculares e ao funcionamento da medula espinhal no Cap. 54.
Fadiga muscular
Contrações fortes e prolongadas de um músculo levam ao estado
bem conhecido de fadiga muscular. Estudos em atletas mostraram que
a fadiga muscular aumenta quase em proporção direta com a intensidade
da depleção do glicogênio muscular. Por conseguinte, a maior parte
da fadiga resulta, com muita probabilidade, simplesmente da
incapacidade dos processos contrateis e metabólicos das fibras
musculares de produzir, de modo contínuo, a mesma quantidade de
trabalho. Todavia, experimentos demonstraram que a transmissão do
sinal neural através da placa motora, que é discutida no capítulo
seguinte, pode ficar diminuída após atividade muscular prolongada, o
que diminuiria ainda mais a contração muscular.
A interrupção do fluxo sanguíneo para um músculo em contração
produz fadiga muscular quase total em um minuto ou pouco mais, devido
à perda óbvia do fornecimento de nutrientes - em especial, a falta
de oxigênio.
Os sistemas de alavanca do corpo
Obviamente, os músculos atuam pela aplicação de tensão a seus
pontos de inserção nos ossos e, estes, por sua vez, formam vários tipos
de sistemas de alavanca. A Fig. 6.14 apresenta o sistema de alavanca
ativado pelo músculo bíceps para elevar o antebraço. Se for admitido
que um músculo bíceps volumoso tenha área de seção transversa de
15 cm2, ele seria capaz de desenvolver uma força máxima de contração
da ordem de 131 kg. Quando o antebraço forma precisamente um ângulo
reto com o braço, a inserção do tendão do bíceps fica cerca de 5 cm
adiante do fulcro do cotovelo, e o comprimento total da alavanca formada
pelo antebraço é de 35 cm. Por conseguinte, a quantidade de potência
elevatória que o bíceps poderá ter, ao nível da mão, seria apenas de
um sétimo da força de 131 kg, ou seja, 19 kg. Quando o membro superior
está em sua posição de extensão completa, a inserção do bíceps fica
abem menos que 5 cm anterior ao cotovelo, e a força com que o antebraço
pode ser movido para a frente é bem menor que 19 kg.
Resumindo, a análise dos sistemas de alavanca do corpo depende
de (1) conhecimento preciso do ponto de inserção muscular, (2) sua
Fig. 6.14 O sistema de alavanca ativado pelo músculo bíceps
distância do fulcro da alavanca, (3) o comprimento do braço da alavanca,
e (4) a posição dessa alavanca. Obviamente, o corpo pode realizar muitos
e diferentes tipos de movimento, alguns
exigindo grande força, outros
grandes distâncias de deslocamento. Por essa razão, existem todas as
variedades de músculos; alguns são longos e se contraem por grandes
distâncias, outros são curtos, mas têm grandes áreas de seção transversa,
e são capazes de desenvolver grandes forças contrateis durante pequenos
encurtamentos. O estudo dos diferentes tipos de músculos, dos sistemas
de alavancas e de seus movimentos é chamado de cinesiologia e é área
muito importante da fisioanatomia humana.
"Posicionamento" de parte do corpo pela contração de músculos
antagonistas nos lados opostos de uma articulação - "Co-
ativação" dos músculos antagonistas
Virtualmente, todos os movimentos do corpo são causados pela
contração simultânea dos músculos antagonistas nos lados opostos das
articulações. Isso é chamado de co-ativação dos músculos antagonistas
e é controlado pelos mecanismos motores do encéfalo e da medula
espinhal.
A posição de cada parte distinta do corpo, como, por exemplo,
a de um membro, é determinada pelo grau relativo de contração dos
grupos de músculos antagonistas. Por exemplo, vamos admitir que um
membro seja colocado no ponto médio de sua faixa de movimento.
Para que isso seja conseguido, os músculos antagonistas são excitados
aproximadamente com igual intensidade. Deve ser lembrado que um
músculo estirado se contrai com mais força que um músculo retraído,
como aparece na Fig. 6.9, que mostra a força máxima de contração
para o comprimento total do músculo, e quase nenhuma força para
a metade do comprimento normal do músculo. Por conseguinte, o
músculo antagonista mais longo se contrai com maior força que o
músculo mais curto. Conforme o membro se move para o ponto médio,
a força do músculo mais longo diminui, ao mesmo tempo que a do
músculo mais curto aumenta, até que as duas forças fiquem
perfeitamente iguala das. É nesse ponto que cessa o movimento do
membro. Assim, ao variar a proporção entre os graus de ativação dos
músculos antagonistas, o sistema nervoso direciona o posicionamento
do membro.
Veremos no Cap. 54 que o sistema nervoso motor também possui
mecanismos adicionais muito importantes para compensar as diferentes
cargas impostas aos músculos durante esse processo de posicionamento.
REMODELAGEM DO MÚSCULO PARA ATENDER A
SUA FUNÇÃO
Todos os músculos do corpo estão sob remodelamento contínuo
para que melhor possam atender o que lhes é exigido. Seus diâmetros
são modificados, seus comprimentos são alterados, suas forças são
variadas, suas vascularizações são modificadas e, até mesmo, os tipos
de suas fibras são mudados, pelo menos, em pequeno grau. Esse
processo de remodelagem é, muitas vezes, bastante rápido,
ocorrendo dentro de poucas semanas. Na verdade, experimentos têm
demonstrado que, até mesmo em condições normais, as proteínas
contráteis do músculo podem ser totalmente substituídas uma vez a
cada 2 semanas.
Hipertrofia e atrofia musculares
Quando a massa total de um músculo aumenta, ocorre a hipertrofia
muscular. Quando essa massa diminui, o processo é chamado de atrofia
muscular.
Virtualmente, toda hipertrofia muscular é resultado da hipertrofia
das fibras musculares isoladas, o que é chamado, simplesmente, de
hipertrofia das fibras. Em geral, isso ocorre em resposta à contração do
músculo com força máxima ou quase máxima. Ocorre hipertrofia
muito mais acentuada quando o músculo é estirado durante o processo
contrátil. Bastam apenas umas poucas dessas contrações, a cada dia,
para que ocorra hipertrofia quase máxima dentro de 6 a 10 semanas.
Infelizmente, ainda é desconhecido o modo como as contrações
fortes levam a hipertrofia. Todavia, é sabido que a velocidade da síntese
das proteínas contrateis do músculo é muito maior durante o
desenvolvimento da hipertrofia que a velocidade de sua degradação,
do que resulta aumento progressivamente maior do número de
filamentos de actina e de miosina nas miofinrilas.
69
 Por sua vez, as miofibrilas se dividem no interior de cada fibra muscular,
para formar novas miofibrilas. Dessa forma, é esse grande aumento do
número de miofibrilas adicionais que produz a hipertrofia das fibras
musculares.
Junto com o aumento do número de miofibrilas, os sistemas
enzimáticos que fornecem energia também aumentam. Isso é
especialmente verdade para as enzimas da glicólise, permitindo um
fornecimento rápido de energia durante as contrações» musculares fortes,
durante breves períodos.
Quando um músculo permanece inativo por longos períodos, a
velocidade de degradação das proteínas contrateis, bem como a
redução do número de miofibrilas, é maior que a velocidade com que são
repostas. Como resultado, ocorre atrofia muscular.
Ajuste do comprimento muscular. Ocorre outro tipo de hipertrofia
quando os músculos são estirados além de seu comprimento normal.
Isso faz com que sejam adicionados novos sarcômeros nas extremidades
das fibras musculares onde elas se fixam aos tendões. Na verdade, a
adição desses novos sarcômeros pode ser bastante rápida, até de vários
sarcômeros a cada minuto, demonstrando a grande rapidez desse tipo
de hipertrofia.
Inversamente, quando um músculo permanece retraído a
comprimento menor que o seu normal por longos períodos, os
sarcômeros nas extremidades das fibras desaparecem de modo
igualmente rápido. É por esses processos que os músculos são
continuamente remodelados para terem o comprimento adequado para
uma contração muscular apropriada.
Hiperplasia das Fibras musculares. Sob condições muito raras de
geração de força muscular extrema, já foi observado aumento do número
de fibras musculares, mas de apenas uns poucos pontos percentuais,
além da hipertrofia das fibras. Esse aumento do número de fibras é
chamado de hiperplasia das fibras. Quando ocorre, seu mecanismo é
o da divisão longitudinal de fibras previamente hipertrofiadas.
Remodelagem das fibras "lentas" em corredores de
maratona
Os músculos muito rápidos, de ação tipo mola, como o gastrocnêmio,
só podem manter alto nível de força contrátil por períodos muito curtos
de tempo de atividade contínua. Por conseguinte, os chamados músculos
lentos, tais como o solear, são usados para as atividades prolongadas,
tais como a corrida de maratona. Esses músculos não se hipertrofiam
tanto como os músculos rápidos. Na verdade, eles são remodelados
por outro modo. A atividade prolongada, por períodos de muitas horas
a cada dia, causa, além de hipertrofia das fibras, de discreta a moderada,
as seguintes alterações que aumentam a capacidade das fibras de
utilizarem os nutrientes:
1. Aumento da mioglobina em cada fibra, para o transporte de
oxigênio para as mitocôndrias.
2. Número muito aumentado de mitocôndrias para formar
quantidades muito maiores de ATP.
3. Quantidades aumentadas de enzimas oxidativas nessas
mitocôndrias para provocar maior intensidade do metabolismo
oxidativo, o que aumenta ainda mais a produção de ATP.
4. Intenso crescimento de capilares no próprio músculo, resultando
em menor espaçamento desses capilares por entre as fibras musculares,
de modo que o oxigênio e outros nutrientes possam ser rápida e facilmente
fornecidos durante os períodos prolongados de atividade.
Efeitos da desnervação muscular
Quando um músculo fica privado de sua inervação, ele deixa de
receber os sinais contrateis necessários para manter suas dimensões
normais. Como resultado, a atrofia começa quase imediatamente.
Após cerca de 2 meses, começam a aparecer alterações degenerativas
nas próprias fibras musculares. Se houver reinervação, ocorrerá
restauração completa da função até, nas condições usuais, 3 meses; mas,
após esse período, a capacidade de restauração funcional fica
progressivamente menor, com perda definitiva de função após 1 a 2
anos.
Nas etapas finais da atrofia de desnervação, a maior parte das fibras
musculares já está destruída e substituída por tecido fibroso e gorduroso.
As fibras remanescentes são
formadas por longa membrana celular, com
fileira de núcleos de células musculares, mas desprovidas de propriedades
contráteis e sem capacidade de regeneração de miofibrilas, caso ocorra
reinervação.
Infelizmente, o tecido fibroso que toma o lugar das fibras musculares
durante a atrofia de desnervação apresenta tendência a se retrair durante
muitos meses, o que é chamado de contratura. Por conseguinte, um
dos mais importantes problemas na prática da fisioterapia é a de impedir
que os músculos atróficos venham a desenvolver contraturas debilitantes
e desfigurantes. Isso é conseguido pelo estiramento diário dos músculos
ou pelo uso de aparelhos que mantenham os músculos estirados durante
o processo da atrofia.
Recuperação da contração muscular na poliomielite:
desenvolvimento de unidades macromotoras. Quando algumas fibras
nervosas para um músculo são destruídas, com conservação de algumas,
como ocorre freqüentemente na poliomielite, as, fibras remanescentes
apresentam brotamentos de seus axônios que vão originar novos ramos
axônicos, que, por sua vez, vão formar muitas ramificações novas, que,
em seguida, inervam muitas das fibras musculares paralisadas. Disso
resulta a formação de unidades motoras muito grandes, chamadas de
unidades macromotoras, que chegam a conter número de fibras
musculares cinco vezes maior que o número normal para cada
motoneurônio da medula espinhal. Isso, obviamente, reduz a precisão
do controle que deve existir sobre os músculos, mas, não obstante,
permite que os músculos readquiram sua força.
RIGOR MORTIS
Várias horas após a morte, todos os músculos do corpo passam
para um estado de contratura que é chamado de rigor mortis; isto é, o
músculo se contrai e fica rígido, mesmo sem potenciais de ação. Essa
rigidez é causada pela perda total de ATP, que é necessário para a
separação das pontes cruzadas dos filamentos de actina durante o
processo de relaxamento. Os músculos permanecem em rigor até que as
proteínas musculares sejam destruídas, o que, em geral, é causado
por autólise por enzimas liberadas dos lisossomas, cerca de 15 a 25
horas após a morte; esse processo é mais rápido nas temperaturas
elevadas.
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71
CAPÍTULO 7
Excitação da Contração do Músculo Esquelético: Transmissão
Neuromuscular e Acoplamento Excitação-Contração.
TRANSMISSÃO DOS IMPULSOS DOS NERVOS
PARA AS FIBRAS MUSCULARES ESQUELÉTICAS:
A PLACA MOTORA
As fibras musculares esqueléticas são inervadas por fibras
mielínicas grossas, originadas nos grandes motoneurônios da ponta
anterior da medula espinhal. Como notado no capítulo anterior,
cada uma dessas fibras nervosas em geral se ramifica
extensamente e estimula de três a várias centenas de fibras
musculares esqueléticas. A terminação nervosa forma uma
junção, chamada de placa motora (ou junção neuromuscular),
e o potencial de ação na fibra muscular se propaga nas duas
direções, dirigindo-se para as suas extremidades. Com exceção
de cerca de 2% das fibras
musculares, só existe uma dessas
junções em cada fibra muscular.
Anatomia fisiológica da junção neuromuscular — a "placa
motora". A Fig. 7.1 partes A e B, apresenta uma junção
neuromuscular entre uma fibra mielínica calibrosa e uma fibra
muscular esquelética. A fibra nervosa se ramifica, próximo de sua
extremidade, formando numerosas terminações nervosas, que se
invaginam na fibra muscular, embora permaneçam
inteiramente por fora da membrana plasmática dessa fibra
muscular. Toda a estrutura resultante é revestida por uma ou
mais células de Schwann que a isolam dos líquidos
circundantes.
A Fig. 7.1 C mostra um esquema derivado de
microfotografias eletrônicas da junção entre terminação
axônica única e a membrana da fibra muscular. A
invaginação da membrana é chamada de goteira sináptica e o
espaço entre a terminação axônica e a membrana da fibra é a
fenda sináptica. A fenda sináptica tem largura de 20 a 30 nm e é
revestida por uma lâmina basal, formada por fina camada de
fibras reticulares esponjosas, através da qual se difunde o líquido
extracelular. No fundo dessa goteira existem dobras menores da
membrana muscular, chamadas de pregas subneurais, que
aumentam de muito a área da superfície sobre a qual vai atuar o
transmissor sináptico.
Na terminação nervosa existem muitas mitocôndrias que
fornecem energia, principalmente para a síntese do transmissor
excitatório acetileolina que, por sua vez, excita a fibra
muscular. A acetileolina é sintetizada no citoplasma da
terminação, sendo rapidamente absorvida para o interior de
numerosas e pequenas vesículas sinápticas; nas condições
normais, existem cerca de 300.000 dessas vesículas em cada
terminação axônica de placa motora.
Fixada à matriz da lâmina basal existe grande quantidade da
enzima acetilcolinesterase, que é capaz de destruir a acetileolina,
o que vai ser explicado adiante em maiores detalhes.
Secreção de acetileolina pelas terminações nervosas
Quando um impulso nervoso invade a junção
neuromuscular, cerca de 300 vesículas de acetileolina são
liberadas pelas terminações axônicas na goteira sináptica. A Fig.
7.2 apresenta alguns detalhes desse mecanismo, mostrando
imagem ampliada de uma goteira sináptica com a membrana
neural acima e a membrana muscular com suas fendas
subneurais abaixo.
Existem na superfície interna da membrana neural barras
densas lineares, mostradas em corte transverso na Fig. 7.2. De
cada lado de uma barra densa existem partículas protéicas que
atravessam toda a membrana, e que são consideradas como
formando canais de cálcio voltagem-dependentes. Quando o
potencial de ação se propaga por toda a terminação, esses canais
se abrem, permitindo a difusão de grande quantidade de
cálcio para o interior da terminação. Os íons cálcio, por sua vez,
exercem influência atrativa sobre as vesículas de acetileolina,
puxando-as para a membrana neural adjacente às barras densas.
Algumas dessas vesículas se fundem com a membrana neural e
esvaziam seu conteúdo de acetileolina na goteira sináptica pelo
mecanismo de exoeitose.
Embora alguns dos detalhes descritos acima ainda sejam
especulativos, sabe-se que o estímulo efetivo para fazer com
que a acetileolina seja liberada das vesículas é o influxo de íons
cálcio. Ainda mais, o esvaziamento das vesículas ocorre na
membrana adjacente às barras densas.
Efeito da acetilcolina para abrir os canais iônicos acetilcolina-
dependentes. A Fig. 7.2 mostra muitos receptores para
acetilcolina na membrana muscular; na realidade, esses
receptores são canais iônicos acetilcolina-dependentes,
localizados, em sua quase totalidade, próximo à entrada das
pregas subneurais, situadas imediatamente abaixo da área das
barras densas, onde a acetilcolina é liberada na fenda sináptica.
Cada receptor é um grande complexo protéico, com peso
molecular total de 275.000. O complexo é formado por cinco
subunidades protéicas, que atravessam toda a espessura da
membrana, uma ao lado da outra, formando um círculo que
circunda um canal tubular.
72
Fig. 7.1 Diferentes aspectos da placa motora terminal.
A, Seção longitudinal através da placa motora. B, Visão
superficial da placa motora. C, Aspecto à micrografia
eletrônica dos pontos de contato entre uma das
terminações axonais e a membrana da fibra muscular,
representando a área retangular mostrada em A. (De
Bloom e Fawcett, como modificado de R. Couteaux: A
Textbook of Histology. Philadelphia, W. B. Saunders
Company, 1975.)-
Esse canal permanece contraído até que a acetilcolina se fixe a
uma de suas subunidades. Isso provoca alteração
conformacional, abrindo o canal, como mostrado na Fig. 7.3;
no painel superior, o canal está fechado, no inferior, aberto pela
fixação de molécula de acetilcolina.
Quando aberto, o canal de acetilcolina tem diâmetro de
cerca de 0,65 nm, suficientemente grande para permitir a
passagem de todos os íons positivos importantes — sódio (Na+),
potássio (K+) e cálcio (Ca++) — com muita facilidade. Por outro
lado, os íons negativos, como os íons cloreto, não passam por
ele, devido às fortes cargas negativas presentes em sua abertura
externa.
Contudo, na prática, quantidade muito maior de íons sódio
do que de qualquer outro íon passa pelos canais de acetilcolina,
por duas razões. Primeira, só existem dois íons positivos em
concentração suficientemente alta para terem importância: os
Fig. 7.2 Liberação de acetilcolina pelas vesículas sinápticas na
membrana neural da placa motora. Notar a grande proximidade dos
locais de liberação com os receptores para acetilcolina nas bocas das
pregas subneurais.
Fig. 7.3 O canal da acetilcolina: acima, no estado fechado; abaixo, apôs
fixação de acetilcolina, uma alteração conformacional abriu o canal,
permitindo entrada de sódio em excesso na fibra muscular, excitando
a contração. Notar as cargas negativas na boca do canal que impedem
a entrada de íons negativos.
73
íons sódio, no líquido extracelular, e os íons potássio, no líquido
intracelular. Segunda, o potencial muito negativo vigente na face
interna da membrana muscular, de cerca de - 80 a - 90 mV,
puxa os íons sódio, com carga positiva, para o interior da fibra,
ao mesmo tempo que impede o efluxo dos íons potássio, quando
estes tentam sair.
Por conseguinte, como mostrado no painel inferior da Fig.
7.3, o resultado efetivo da abertura dos canais acetilcolina-
dependentes é o de permitir a passagem de grande número de
íons sódio para o interior da fibra, carregando com eles muitas
cargas positivas. Isso gera um potencial local no interior da fibra,
chamado de potencial da placa, que leva a um potencial de ação
na membrana muscular, produzindo, assim, a contração
muscular.
Destruição da acetilcolina liberada pela acetilcolineslerase.
A acetilcolina, uma vez que tenha sido liberada na fenda
sináptica, continua a ativar os receptores para a acetilcolina,
enquanto persistir na fenda. Contudo, ela é rapidamente
removida por dois mecanismos. (1) A maior parte da
acetilcolina é destruída pela enzima acetilcolinesterase, que, em
sua maior parte, ocorre fixada à lâmina basal, a fina camada
esponjosa de tecido conjuntivo que enche a fenda sináptica
entre o terminal pré-sináptico e a membrana muscular pós-
sináptica. (2) Pequena quantidade de acetilcolina se difunde
para fora da fenda sináptica, não mais sendo disponível para
atuar sobre a membrana da fibra muscular.
Todavia, no intervalo de tempo extremamente breve em
que a acetilcolina permanece na fenda sináptica — no máximo
de uns poucos milissegundos -, a acetilcolina é quase sempre
suficiente para excitar a fibra muscular. Então, a rápida remoção
dessa acetilcolina impede a reexcitação muscular, após a fibra
ter-se recuperado do primeiro potencial de ação.
O "potencial da placa" e a excitação da fibra muscular esquelética.
O influxo abrupto dos íons sódio para o interior da fibra muscular,
conseqüente à abertura dos canais de acetilcolina,
faz com que o potencial
de membrana, na área localizada da placa motora, varie, em direção
à positividade. por até 50 a 75 mV, gerando um potencial locai, chamado
de potencial da placa. Deve ser lembrado do Cap. 5 que o aumento
súbito do potencial de membrana por mais de 15 a 30 mV é suficiente
para desencadear o feedback positivo, efeito da ativação dos canais de
sódio, o que leva à compreensão de que o potencial de placa causado
pela estimulação por acetilcolina é, em condições normais, mais que
suficiente para desencadear um potencial de ação na fibra muscular.
A Fig. 7.4 mostra como o potencial de placa pode produzir um
potencial de ação. Essa figura mostra três potenciais de placa distintos.
Os potenciais da placa A e C são fracos demais para provocar um
potencial de ação, mas, não obstante, produzem os pequenos potenciais
locais mostrados na figura. Como contraste, o potencial da placa B é
bem mais forte e provoca a ativação de canais de sódio em número
suficiente para que o efeito auto-regenerativo do influxo crescente de
íons sódio, para o interior da fibra, inicie um potencial de ação. O
pequeno potencial da placa no ponto A foi produzido pelo
envenenamento da fibra muscular com curare, substância que impede a
ação excitatória da acetilcolina sobre os canais de acetilcolina, ao
competir com a própria acetilcolina pela fixação ao seu receptor. O
outro pequeno potencial da placa, no ponto C, resultou da aplicação de
toxina botulínica, uma toxina bacteriana que reduz a liberação de
acetilcolina pelas terminações nervosas.
O "fator de segurança" para a transmissão na placa motora -
fadiga da junção. Comumente, cada impulso que chega à placa motora
provoca um potencial de placa que é de três a quatro vezes maior que
o necessário para estimular a fibra muscular. Por conseguinte, diz-se
que a placa motora normal tem um fator de segurança muito alto.
Todavia, a estimulação artificial da fibra nervosa, com freqüências
acima de 100 por segundo, durante vários minutos, costuma diminuir o
número de vesículas de acetilcolina liberadas a cada impulso, de modo que
muitos desses impulsos deixam de atingir a fibra muscular. Isso é
chamado de fadiga da placa motora, e é análoga à fadiga das sinapses no
sistema nervoso central. Sob as condições normais de funcionamento, a
fadiga da placa motora só ocorreria raríssimas vezes e, assim mesmo, nos
níveis mais extenuantes da atividade muscular.
Fig. 7.4 Potenciais de placa motora. A, Potencial de placa terminal
reduzido, registrado num músculo curarizado, demasiado fraco para
deflagrar um potencial de ação. B, Potencial normal de placa motora
produzindo um potencial de ação no músculo. C, Potencial de placa
motora reduzido causado pela toxina botulínica que diminui a liberação de
acetilcolina na placa, novamente muito fraco para deflagrar um
potencial de ação no músculo.
Biologia molecular da formação e da liberação de
acetilcolina
Uma vez que a placa motora é suficientemente grande para ser
estudada com facilidade, ela é uma das poucas sinapses do sistema
nervoso em que a maior parte dos detalhes da transmissão química já
foi elucidada. Nessa junção, a formação e a liberação da acetilcolina
ocorrem nas seguintes etapas;
1. Numerosas vesículas pequenas, com diâmetro de cerca de 40
nm, são formadas no aparelho de Golgi, no corpo celular do
motoneurônio da medula espinhal. Essas vesículas são, então,
transportadas pela "torrente" do axoplasma pela parte central do
axônio, desde o corpo celular até a placa motora, na extremidade da
fibra muscular. Cerca de 300.000 dessas vesículas são coletadas nas
terminações nervosas de uma só placa terminal.
2. A acetilcolina é sintetizada no citosol das terminações das fibras
nervosas, mas é, em seguida, transportada através de suas membranas
para o interior das vesículas, onde fica armazenada de forma extrema
mente concentrada, com cerca de 1.000 moléculas de acetilcolina em
cada vesícula.
3. Em condições de repouso, ocasionalmente uma vesícula se funde
com a membrana superficial da terminação nervosa, liberando seu
conteúdo de acetilcolina na goteira sináptica. Quando isso ocorre,
aparece um potencial miniatura de placa, com amplitude de 1 mV e
duração de poucos milissegundos, restrito à área localizada da fibra
muscular, devido à ação desse "pacote" de acetilcolina.
4. Quando um potencial de ação invade a terminação nervosa, ele
induz ã abertura de muitos canais de cálcio na membrana dessa
terminação, visto que ela contém muitos canais.de cálcio voltagem-
dependentes.
Como resultado, a concentração de íons cálcio, no interior da terminação,
aumenta por cerca de 100 vezes, o que, por sua vez, intensifica a fusão
das vesículas de acetilcolina com a membrana da terminação por cerca
de 10.000 vezes. Quando uma vesícula se funde, sua superfície externa
atravessa a membrana celular, do que resulta a exoeitose da acetilcolina
para a goteira sináptica. Em geral, para cada potencial de ação, ocorre
rotura de 200 a 300 vesículas. Em seguida, ainda na goteira sináptica,
a acetilcolina é degradada, pela acetilcolinesterase, em íon acetato e
em colina; essa colina é ativamente reabsorvida pela terminação neural,
para ser reutilizada na síntese de acetilcolina. Toda essa seqüência leva
de 5 a 10 ms.
5. Após cada vesícula ter liberado seu conteúdo de acetilcolina,
a membrana da vesícula passa a fazer parte da membrana celular.
Contudo, o número de vesículas disponíveis na terminação neural é
suficiente para permitir a transmissão de apenas alguns milhares de
impulsos nervosos. Por conseguinte, para a continuidade do
funcionamento da placa motora, as vesículas devem ser recuperadas da
membrana celular. Essa
74
recuperação é realizada pelo processo de endocitose, que foi explicado
no Cap. 2. Dentro de poucos segundos após o término do potencial
de ação, "depressões revestidas" aparecem na superfície da membrana
da terminação neural, induzidas pelas proteínas contrateis do citosol,
em especial pela proteína catrina, que fica fixada por baixo da membrana
nas áreas das vesículas originais. Dentro de 20 segundos, essas proteínas
se contraem c fazem com que essas depressões passem para o interior
da terminação, formando novas vesículas. Dentro de mais poucos
segundos, a acetílcolina é transportada para o interior dessas vesículas,
que ficam, assim, prontas para novo ciclo de liberação de acetilcolina.
Substâncias que atuam sobre a transmissão na placa
motora.
Substâncias que estimulam a fibra muscular por ação
semelhante à da acetilcolina. Muitos compostos distintos, incluindo a
metacolina, o carbacol e a nicotina, têm o mesmo efeito sobre a
fibra muscular que a acetilcolina. A diferença entre esses compostos
e a acetilcolina é que eles não são degradados pela acetilcolinesterase,
ou o são apenas muito lentamente, de modo que, quando aplicados à
fibra muscular, sua ação persiste por muitos minutos, podendo durar
várias horas. Esses compostos atuam por produzir áreas localizadas de
despolarização na placa motora, onde ficam localizados os receptores
para a acetilcolina. Então, a cada vez que a fibra muscular fica
repolarizada em algum outro ponto, essas áreas despolarizadas, em
virtude de seu vazamento de íons, induzem novos potenciais de ação,
o que leva a estado de espasmo.
Substâncias que bloqueiam a transmissão na placa motora.
Um grupo de compostos, conhecidos como substâncias curare -
miméticas, pode impedir a passagem dos impulsos da placa motora para
o músculo. Assim, a D-tubocurarina atua sobre a membrana por competir
com a acetilcolina pelos receptores da membrana, de modo que a
acetilcolina não pode aumentar a permeabilidade dos canais de
acetilcolina o suficiente para desencadear uma onda de despolarização.
Substâncias que estimulam a placa motora por inativação da acetilco-
linesterase. Três compostos particularmente bem conhecidos, a neostig-
mina, a fisostigmina e o diisopropil-fluorofosfato,

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