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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA O QUE A ESCOLA ENSINA E O QUE DEVERIA ENSINAR (ESTUDO DOS TRABALHOS PUBLICADOS NA ANPED NO GT EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL 2000 A 2007) Tamiris Louzada Mario SÃO CARLOS 2008 O QUE A ESCOLA ENSINA E O QUE DEVERIA ENSINAR (ESTUDO DOS TRABALHOS PUBLICADOS NA ANPED NO GT EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL 2000 A 2007) UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA O QUE A ESCOLA ENSINA E O QUE DEVERIA ENSINAR (ESTUDO DOS TRABALHOS PUBLICADOS NA ANPED NO GT EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL 2000 A 2007) Tamiris Louzada Mario Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como um dos requisitos para a graduação no curso de Pedagogia da Universidade Federal de São Carlos . SÃO CARLOS 2008 Dedico este trabalho a todos que acompanharam meus esforços me apoiaram, me aconselharam e estiveram do meu lado durante essa fase decisiva de minha vida. "Que os nossos esforços desafiem as impossibilidades. Lembrai-vos de que as grandes proezas foram sempre conquistas daquilo que parecia impossível.” Charles Chaplin AGRADECIMENTOS: Agradeço a Professora Doutora Rosa M. M. A. de Oliveira, que me acompanhou desde o estágio de docência até a realização de meu trabalho de conclusão de curso, pelo grande estímulo e compreensão para com meu trabalho e pelo grande amadurecimento profissional que me ajudou a construir. À meus pais, responsáveis por minha educação, pessoas singulares as quais devo o que sou nessa vida. Aos meus irmãos Natália Louzada Mario e João Gilberto Mario Junior por estarem ao meu lado, e por dedicarem tanto amor e carinho, mesmo que às vezes em silêncio. RESUMO O mundo do trabalho influencia a sociedade em que vivemos em todas as suas instâncias, inclusive na escola. Pautado nessa concepção há dois modos principais de exercer a profissão docente; aceitando e perpetuando as desigualdades por meio dos conteúdos historicamente acumulados pela humanidade e por meio de modos de ser que a sociedade nos impõe; ou propondo um tipo de educação que conscientize e dê aos alunos a possibilidade de se tornarem cidadãos, cientes da realidade em que vivem. Essas duas concepções foram nomeadas por mim como processo de socialização e processo de humanização. Procurei então no presente trabalho compreender como essas concepções estão presentes nos trabalhos publicados na ANPED (Associação Nacional de Pesquisa em Educação) GT 13 Educação Fundamental de 2000 a 2007. Palavras chaves: Socialização, humanização, formação do cidadão e conscientização. SUMÁRIO Introdução........................................................................................................................10 1. Referencial teórico.......................................................................................................15 2. Procedimentos metodológicos utilizados na seleção dos trabalhos da ANPED – GT 13 Educação Fundamental...............................................................................................29 3. Apresentação dos dados: Seleção dos trabalhos publicados na ANPED entre os anos de 2000 e 2007.................................................................................................................31 3.1. Primeira seleção dos trabalhos.................................................................................31 3.2 Segunda seleção dos trabalhos da ANPED...............................................................35 4. Análise e discussão dos dados.....................................................................................41 5. Considerações finais....................................................................................................55 6. Referencias bibliográficas...........................................................................................57 9 Introdução: Considero relevante descrever brevemente neste momento o que me conduziu à escolha do tema: “O que a escola ensina ou deveria ensinar (estudo dos trabalhos publicados na ANPED no GT Educação fundamental 2000 a 2007)” para o meu trabalho de conclusão de curso. No segundo semestre do ano de 2007, o meu sexto período do curso de licenciatura plena em pedagogia na Universidade Federal de São Carlos, realizei o estágio de docência que sem dúvida foi um período muito marcante, de muita aprendizagens e principalmente de muito amadurecimento em minha formação docente. Nesse momento pude ter contato com boa parte do referencial teórico escolhido por mim no presente trabalho, mas, o motivo principal pela escolha do tema foi o contato que eu pude ter com a prática daquela escola, e constatar o tempo todo as questões que eram colocadas, na maioria das vezes, implicitamente pela professora para que os alunos pensassem melhor sobre a realidade que eles viviam, e pude perceber também a facilidade que eles tinham em reproduzir as relações que a sociedade e a vivência os impunha fora da escola. Observei durante todo o semestre de estágio que a professora possuía uma prática pedagógica diferenciada, apesar de estar sujeita ao currículo comum a toda a escola, ela sabia problematizar grandes questões que estavam postas dentro e fora da escola, questões que, em minha opinião, os alunos levarão para toda a vida, questões que os faziam pensar como cidadãos. Nesse momento vi despertado em mim o interesse em estudar o reflexo da sociedade atual na educação, como está posta nos dias de hoje, como também os trabalhos que tratam sobre educação, para analisar se eles propunham novas formas de educação e, além disso, se consideravam a relação que existe entre sociedade e educação e a necessidade de mudança que se põe atualmente, a necessidade de um tipo de educação que possa vir a transformar o modo com a educação e a escola estão postas atualmente. No meu modo de entender à escola foi delegada durante muito tempo somente a função de ensinar os conteúdos historicamente acumulados pela humanidade ocidental, as letras, matemática, história, geografia, entre outros, havendo pouco espaço para a discussão das diferentes relações que eram travadas dentro da escola e dentro da sala de 10 aula, pouco espaço para um tipo de educação que forma um cidadão, consciente da realidade. Isso pode ser comprovado por meio da Constituição Federal de 1967, através da emenda constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, que apesar de entender a educação como direito de todos e dever do Estado oferecê-la, deixa a qualidade dessa educação a cargo dos legisladores, e não oferece nenhuma diretriz quanto aos conteúdos que devem compor essa educação. O texto constitucional de 1967 talvez tenha tomado essa forma porque até esse momento o modelo de escolarização estava pautado nos grupos escolares, muito difundidos na década de 60. Para Bencostta (2002) os quatro anos de formação elementar estavam pautados nas matérias de “leitura, caligrafia, aritmética, desenho, linguagem, música, geometria, trabalhos manuais, história, geografia e cosmografia, ciências físicas e naturais, higiene, moral e cívica”. É possível observar que nesse momento ainda não há nenhuma preocupação com a real formação do cidadão, com a formação do cidadão que possa pensar por si mesmo, ser crítico, reflexivo. Há apenas a preocupação de mantê-lo obediente perante ao Estado, fazendo o uso da educação moral e cívica para tal fim. Considero que na constituição de 1988 a educação teve sua importância reconhecida, pois, o direito a educação aparece como o primeiro e mais importante dos “Direitos Sociais”. Apesar da realidade educacional brasileira estar repleta de desajustes até os dias de hoje, como as taxas de mortalidade infantil, que de acordo com o IBGE, no ano de 2006 era de aproximadamente 19 mortos a cada mil crianças nascidas, a educação a partir desse momento é entendida como indispensável à formação do futuro cidadão. Desde 1988 e até os dias de hoje o papel da escola se modificou, e isso pode ser visto nos inúmeros documentos e trabalhos de autores que tratam da educação. Hoje ela tem que corresponder aos anseios da sociedade de grandes mudanças, preparar o futuro cidadão, preparar seus alunos para o trabalho e também ensinar a eles os conhecimentos sistematizados. A lei de diretrizes e bases da educação nacional, a LDB (lei Nº. 9.394/96) atendendo a essa preocupação da sociedade, entende a educação como um direito de todos e dever do Estado fornecê-la e assegurar condições para que o aluno permaneça na escola, sendo obrigatório que o aluno freqüente a escola até a oitava série ou nono ano. 11 Essa lei também estabelece que o papel da escola não está somente em instruir, (diferindo muito do papel do grupo escolar) ela deve preparar o educando para o exercício da cidadania e fornecer meios para que este progrida em estudos posteriores, mas, a questão que se põe nesse momento é que tipo de educação é oferecida aos alunos. A LDB apresenta ainda grandes preocupações com o total desenvolvimento da leitura e escrita no seu Art.32, modificado pela Lei nº. 11.274, de 2006, e estabelece o ensino fundamental de nove anos. A extensão do ensino fundamental de nove anos pode significar que os alunos tenham mais condições de progredir em estudos posteriores, essa extensão acaba por tornar obrigatório mais um ano de estudo aos alunos. Essa modificação na LDB pode ter sido uma resposta a dados alarmantes que mostram que alunos completavam os oito anos de estudo e mal sabiam ler e escrever. De acordo com os dados apresentados pelo IBGE a respeito do ano de 2007, 2,1 milhões de crianças entre 7 e 14 anos no país que, embora freqüentem a escola, continuam analfabetas. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) indo no mesmo sentido que a LDB, entende que o papel do ensino e por extensão da escola não deve estar somente pautado na transmissão de conteúdos, de conhecimentos historicamente acumulados, o ensino deve preparar o cidadão crítico e participativo, que esteja apto a atender as necessidades da sociedade, ou seja, em minha opinião é a sociedade de acordo com essa concepção que delimita e também estabelece o que um aluno deve ou não aprender e como ele deve ser para posteriormente quando inserido no mercado de trabalho; E possa ter um nível de instrução suficiente para desempenhar determinado papel na sociedade avançada e de grandes mudanças dos dias de hoje. Porém, penso a educação para além desses moldes, para que essa possa preparar o cidadão consciente de sua realidade e do lugar que ocupa na sociedade e não tendo somente em vista o trabalho e a formação que a sociedade deseja que seja dada, preparando o tipo de cidadão que ela almeja. A escolarização deve ter como fim preparar o cidadão como um todo e não somente para o mundo do trabalho. Não descarto a necessidade de se preparar os indivíduos para o mundo do trabalho, no entanto, em minha opinião reduzir todo o processo de humanização e de aprendizado a isso pode ser um erro, que foi cometido no passado e vem sendo cometido cada dia mais por muitas escolas, por muitos docentes e por muitos órgãos superiores que impõem as leis e diretrizes para a educação em nosso país. 12 Ao mesmo tempo que essa educação para o trabalho atende a uma parte privilegiada da sociedade, as chamadas elites, ela também atende ao anseios das pessoas que estão inseridas na escola, pois, as prepara para o mundo fora dela, mas a atenção está no modo como esses indivíduos são preparados, se são preparados de acordo com a lógica de disseminação das diferenças ou se ao invés disso são preparados para possuírem consciência do lugar que ocupam na sociedade. Pretendo então compreender por meio da análise dos trabalhos publicados na ANPED GT 13 Educação Fundamental se a educação caminha no sentido de transmitir aos seus alunos somente os conhecimentos historicamente acumulados que a sociedade deseja, ou se ao invés disso a escola já reflete sobre um processo de humanização e de formação verdadeira de um cidadão que se faz necessário nos dias atuais. No capítulo 1 “Referencial Teórico” do presente trabalho realizo uma revisão de leitura, ou seja, um levantamento bibliográfico dos trabalhos que já foram produzidos na área, utilizando obras de autores que dissertam sobre formação de cidadão e concepções de ensino. No capítulo 2 “Procedimentos metodológicos utilizados na seleção dos trabalhos da ANPED – GT 13 Educação Fundamental” disserto sobre os procedimentos utilizados por mim para a seleção dos trabalhos, os quais realizarei as analises posteriormente, e também disserto sobre a importância da realização de um trabalho bibliográfico. O capítulo 3 “Apresentação dos dados: Seleção dos trabalhos publicados na ANPED entre os anos de 2000 e 2007” apresento os dados encontrados no site da ANPED. No item 3.1, há um breve resumo de todos os trabalhos selecionados em um primeiro momento. O item 3.2 apresenta uma seleção mais minuciosa dos trabalhos, acompanhada de um breve resumo dos que efetivamente contribuíram para a minha pesquisa. Já no capítulo 4 “Análise e discussão dos dados” realizo a apreciação dos trabalhos selecionados por mim na ANPED GT 13, tendo em vista o referencial teórico escolhido, ou seja, é a análise dos trabalhos a luz do referencial teórico. As considerações finais de meu trabalho encontram-se no capítulo 5, onde realizei alguns apontamentos e também realizo algumas considerações tendo em vista o objetivo definido no presente trabalho, que é verificar se os trabalhos da ANPED dão ênfase à transmissão dos conteúdos historicamente acumulados pela humanidade, conteúdos esses 13 selecionados pela sociedade em que vivemos, ou se os trabalhos vêem a necessidade e dissertam sobre um tipo de educação que desperte nos alunos o processo de humanização e os prepare como verdadeiros cidadãos. 14 1. Referencial Teórico: Iniciarei este capítulo do meu trabalho de conclusão de curso fazendo uma revisão de leitura, trata-se da análise de algumas obras que já foram produzidas neste sentido, obras que tratam sobre a transmissão dos conhecimentos dentro da escola, transmissão dos conteúdos escolares e modos de ser que a sociedade impõe (o que aqui chamo de processo de socialização) e a formação do cidadão para a vida pública, reunindo a transmissão dos conteúdos ditos escolares de forma inovadora, não perpetuando os pensamentos excludentes da sociedade atual e sim dando aos indivíduos consciência do lugar que ocupam na sociedade (o que denomino por processo de humanização). Esses conceitos foram utilizados no trabalho com base em Gimeno Sacristán e Peréz Gomes, os meus dois principais referenciais teóricos. No momento em que defini esses termos a minha intenção não era de colocar um em detrimento do outro, e sim de mostrar que, do meu ponto de vista, há duas formas principais de se exercer a profissão docente: a primeira é quando você é mais um professor que transmite os conteúdos a seus alunos como sempre o fizeram, preocupada com as competências que o mundo atual exige, sem problematizar todas as questões sociais que se fazem presente nesses conteúdos; a outra trata-se da forma de transmitir aos alunos os conteúdos escolares necessários a sua idade-série de forma que eles tenham consciência do mundo que o cercam, ou seja, um tipo educação para transformação, não transformação da sociedade e sim a transformação do tipo de educação que é perpassado aos indivíduos, mesmo que um fator possua relação direta com o outro. Delors (2000) disserta sobre os quatro pilares em que educação deve estar construída, e nesses pilares podemos ver uma grande relação com o que chamo de processo de socialização. O primeiro pilar determinado por ele é o aprender a conhecer, esse resumidamente trata-se do desenvolvimento da atenção, da memória e da reflexão, ou seja, deve ser estimulado na pessoa atributos para que esta aprenda ao longo de sua vida. A escola nesse pilar não é vista como um fim e sim como um meio que possa garantir ao aluno que ele continue aprendendo mesmo quando este não está mais em contato com instituições de ensino, aprendizagem essa que pode ser desenvolvida no dia-a-dia. 15 O segundo pilar a ser determinado é o aprender a fazer, que está diretamente ligado ao modo como o indivíduo realiza determinadas funções de sua profissão. Nesse sentido, o cidadão deve saber aplicar de diferentes maneiras e em diferentes situações o conhecimento adquirido e juntamente com isso deve ser capaz de se relacionar da melhor maneira possível com a sociedade em geral e principalmente com as pessoas que o cercam em seu ambiente de trabalho. O terceiro pilar da educação é o aprender a viver juntos, aprender com os outros, isso significa que o cidadão deve conviver com as diferenças de forma pacífica, serena e resolver do melhor modo os conflitos que possam surgir. Para o desenvolvimento desse pilar a escola deve preparar o aluno para a descoberta de si mesmo, e do outro, que significa entender e aceitar que existem diferenças entre grupos, religiões, etnias, entre outros, e conviver de forma serena e respeitosa para com estas. Por isso há a necessidade de uma educação na escola que valorize qualidades comuns a todos, tornando as diferenças aparentemente minimizadas e, mesmo quando elas ainda existirem trabalhar em uma melhor forma de solucioná-las. O quarto pilar é considerado o aprender a ser, que está pautado na adaptação do indivíduo ao mundo de constantes mudanças que vivemos hoje. Com base nisso o indivíduo deve ser crítico, ser capaz de pensar, refletir, e tomar a decisão mais adequada ao momento, para que segundo Delors (2000) sejam “donos de seu próprio destino”, mas, muito ainda há de se questionar nessa afirmação. Sem dúvida esses pilares têm imensa relação com o que tanto a LDB quanto o PCN esperam das escola/ensino, porque eles estão pautados no ensino de conteúdos propriamente ditos e no ensino de ações e comportamentos para a vida após a escola. Porém esse horizonte em que a escola deve estar pautada reflete a dinâmica da sociedade em que vivemos, pois, a escola reproduzindo esse papel deve ensinar o indivíduo a continuar aprendendo ao longo da vida; deve ensiná-lo a aplicar determinado conhecimento de diversas maneiras, a lidar de forma pacífica com as diferenças e, por fim, a ser flexível as mudanças. Seria ignorância minha negar a importância do desenvolvimento dessas habilidades nos alunos, mas é importante destacar que esses saberes, competências, da forma como estão postos e são seguidos na sociedade atual encontram-se pautados no tipo de cidadão que a sociedade do conhecimento visa formar, pois, segundo as palavras de Delors (2000) deve-se “trabalhar em profundidade um pequeno número de matérias”. Podemos constatar a partir do que foi acima citado a lógica do trabalho na sociedade em 16 que vivemos, um indivíduo que sai da escola com todos os atributos acima citados está perfeitamente capacitado para ser um excelente trabalhador, mas pode estar totalmente alienado da realidade que lhe é imposta, da realidade social em que vive. Ele está adequado para se adaptar as diferente realidades de trabalho, mas está incapacitado de refletir sobre ela criticamente. Em nenhum momento aparece de forma clara que um desses pilares da educação deve ser o ensino dos conteúdos escolares, o que deve ser a função primeira da escola, portanto, penso então que o ensino dos conteúdos fica em segundo plano, pois é mais importante a construção de um sujeito afinado a lógica social e de trabalho do que de um sujeito que saiba os conteúdos ditos escolares de forma crítica e problematizadora, pois, somente a transmissão dos conteúdos sem reflexão também pode ser um erro na prática docente, ou seja, socializa-se os indivíduos em modos de ser e em alguns conteúdos elementares que devem saber quando inseridos no mercado de trabalho, mas não os humaniza para tornarem-se um verdadeiro cidadão na sociedade em que vive. Desde o meu estágio ficaram sempre perguntas. A escola consegue desempenhar todos esses papéis que a ela foram atribuídos? Ela é capaz de incorporar toda a dinamicidade da sociedade atual? Ou, sempre um tipo de conhecimento aparecerá em detrimento do outro? É possível ao mesmo tempo em que se passa implicitamente aos alunos um tipo de ideologia por meio do currículo também formá-los como verdadeiros cidadãos? É possível atrelar formação para o trabalho e formação como cidadão? É possível realizar uma prática pedagógica para a real transformação? Seriam necessários anos de estudo para que todas essas questões fossem solucionadas, mas, a partir do momento em que são pensadas e se reflete sobre elas a luz da teoria eu já considero um grande avanço, e um avanço ainda maior seria contatar que os pesquisadores em educação refletem sobre este tipo de prática, por isso a análise dos trabalhos publicados na ANPED (Associação Nacional de Pesquisa em Educação). Esse pode ser o início da minha reflexão nesse momento importante de formação. A grande questão para mim é: o que é mais importante do ponto de vista da escola, o que se faz mais importante nesse momento, os conteúdos e um modo de ser imposto pela sociedade, ou a formação como futuro cidadão (insiro nessa formação os conteúdos ditos como escolares), o enriquecimento da conduta humana. 17 A escola sem dúvida é um mecanismo utilizado pela sociedade para produzir cidadãos que saibam o que se pode fazer, o que é expressamente proibido de ser feito, como cada um deve se portar como pessoa, sempre pautado em determinada ideologia, em posturas e demandas da sociedade. Todavia, há espaço dentre esses anseios da sociedade para a formação de um cidadão capaz de refletir sobre os problemas que vive e propor mudanças. Pérez Gomes (1998) responde a alguns desses questionamentos. Para o autor a escola nasceu como uma tentativa de socializar as novas gerações nas concepções da sociedade a qual faziam parte, porque nesse momento a convivência com os outros e também com a família já não eram suficientes para realizar essa tarefa. Esse processo de socialização costuma ser genericamente chamado como processo de educação. A escola desde então surge na esfera social como uma instituição que realiza um processo conservador, ou seja, ela tende a garantir os meios para que a sociedade permaneça como está, ou então, permite as mudanças desde que elas estejam em sintonia principalmente com esfera econômica da sociedade. Segundo Pérez Gomes (1998): A função da escola, concebida como instituição especificamente configurada para desenvolver o processo de socialização das novas gerações, aparece puramente conservadora: garantir a reprodução social e cultural como requisito para a sobrevivência mesma da sociedade. (PÉREZ GOMES 1998 p. 14) Para Pérez Gomes (1998 p. 15) a escola influenciada pela sociedade socializa os alunos nos conteúdos historicamente acumulados pela humanidade, os socializa em determinada cultura, em determinado modo de pensar, e por último prepara o cidadão para o mundo do trabalho, função que foi delegada a ela desde os seus primórdios. Mas quando a educação caminha por essa via é passado aos alunos a ideologia e o tipo de cultura que dominam em seu convívio social e daí nascem inúmeras crenças e pensamentos a respeito do sucesso escolar, como o é a idéia do individualismo, muito presente atualmente na sociedade em geral e principalmente na escola. Indo ao encontro da idéia de Pérez Gomes (1998), Sacristán (1999) disserta sobre o projeto de educação da modernidade. Para ele a modernidade via a educação como um elemento importante e fundamental para o desenvolvimento da nação como um todo, ou seja, a educação era necessária para alavancar o progresso da sociedade. 18 Para que a nação pudesse ser considerada uma nação desenvolvida seria necessário que a educação fosse estendida a todos os cidadãos, desde a mais tenra idade, que o ensino fosse universalizado, e esse objetivo, em minha opinião, a modernidade alcançou (em partes), pois, atualmente, na pós modernidade, de acordo com a LDB todos os cidadãos tem direito ao ensino e dever de freqüentá-lo até a oitava série ou nono ano. Para Sacristán (1999, p. 49) o moderno projeto da educação pretendia formar um cidadão que estivesse afinado com a lógica da sociedade atual, fosse disciplinado, conhecesse a cultura dessa sociedade, tivesse em si os ideais democráticos e por fim fosse um bom cidadão e bom trabalhador. É importante destacar também que o projeto pensado para a modernidade era excludente e privilegiava alguns em detrimentos de outros. Para o autor a grande questão que o projeto da modernidade não conseguiu solucionar foram os métodos em que esta educação deveria estar baseada. O grande pilar dessa educação sem dúvida era a cultura, mas qual era essa cultura? Essa cultura era a da classe dominante da sociedade a cultura dos livros, artes, selecionadas e fragmentadas em forma de currículos escolares universais. Mas essa universalização era forjada, porque alguns cidadãos tinham o direito de se aprofundar nessa cultura, alguns inclusive já tinham contato com essa cultura em suas famílias enquanto a outros eram dados apenas rudimentos dela. A grande contradição desse momento, ao meu entender, é de um lado a universalização do ensino e de outro a diferenciação a uma parcela da sociedade menos abastada, ou seja, as classes populares. Esse é tido por Sacristán como uma dos contrastes do projeto moderno de educação, e é ao que me atenho nesse momento. Muito evoluiu desde o projeto da modernidade para a educação até a realidade que vivemos atualmente, porém, muito ainda é mantido. De acordo com Sacristán (1999 p. 175) a cultura, devida a influência da antropologia, é entendida de forma diferente nos dias atuais, não só a cultura clássica é entendida como tal, atualmente todas as manifestações culturais de um grupo de indivíduos podem ser entendidas assim. Atualmente presenciamos muitos elementos que restaram do projeto da modernidade para a educação, no entanto, é importante colocar neste momento que a educação é um projeto destinado a um tipo de cidadão que se deseja formar, por isso, como a sociedade não modifica seus objetivos de um dia para o outro a educação também não o faz, a educação também é entendida por mim como um processo que nunca 19 alcançará um fim, nunca será algo pronto e acabado, assim, na maioria das vezes alguns elementos são conservados ao mesmo tempo em que outros elementos são introduzidos ou modificados. Como um exemplo de alguns elementos do projeto da educação que podem ser vistos da realidade educacional de hoje, considero: os currículos fechados, os professores que inúmeras vezes são tidos como simples “aplicadores” de um método, como técnicos, a universalização de educação sem qualidade, entre tantos outros fatores. Com base nas afirmações de Sacristán (1999) compreende-se que, um dos elementos presente atualmente no projeto da modernidade, da educação, e a ótica do individualismo, ou seja, é aquela concepção de que o aluno só obtém sucesso em sua vida escolar e fora dela se houver esforço para tal, e nesse momento fica para trás pensar em que tipo de educação eu ofereci ao aluno para que ele progredisse, que tipo de pensamentos eu o ajudei a construir para que ele obtivesse sucesso na vida. São desconsiderados os mecanismos sociais de diferenciação que estão por trás desse tipo de educação, e a resposta parece muitas vezes bem clara. Perpetuando e reproduzindo esse tipo de pensamento, segundo Pérez Gomes (1998 p. 14), acabamos por definir e acentuar ainda mais as diferenças entre os alunos, pois, nesse tipo de educação escolar fica claro desde cedo o lugar que cada um deve ocupar, o “destino” de cada indivíduo. Mas, de acordo com o autor, os alunos dentro da sala de aula possuem também modos de resistência para com essa cultura de socialização, eles resistem como podem a esse tipo de escola/educação, e isso, em minha opinião, pode ser visto por meio dos índices de fracasso e evasão facilmente encontrados na realidade escolar. Esse fator é entendido pelo autor como um proceso de humanização. Desse modo, para Pérez Gomes (1998 p.15) o papel da escola está de certo modo dividido na sociedade atual, o mundo do trabalho quer que indivíduos sejam socializados de um modo especifico e a esfera social quer que eles o sejam de outro modo. Assim, a escola cabe nos dias de hoje um papel mais dinâmico, o que acabou por torná-la segundo o autor a “válvula de escape das contradições e desajustes sociais” (p. 16). O citado autor também considera que a escola não está totalmente presa ao processo de transmissão de determinada ideologia e cultura. A escola possui relativa autonomia que se concretiza de forma muito singular em cada uma. Essa autonomia pode ser dada quando a escola provoca o conhecimento privado de cada uma dos seus alunos, 20 utiliza o conhecimento público, a experiência e a reflexão, que podem romper com o processo reprodutor e, utilizando as palavras do autor, pode realizar o processo de humanização em seus alunos. Essa humanização a meu ver é formação do cidadão ciente da sociedade, de suas contradições, capaz de criticar e refletir sobre sua vida, capaz de tomar atitudes, decisões conscientes e de compreender a complexidade e as diferenças do contexto em que vive. Para o autor, é função da escola fazer uso do conhecimento “público” para romper com essas formas de transmissão do conhecimento e perpetuação da desigualdade. A utilização do conhecimento público, da experiência a da reflexão da comunidade social ao longo da história introduz um instrumento que quebra ou pode quebrar o processo reprodutor. O conhecimento nos diferentes âmbitos do saber é uma poderosa ferramenta para analisar e compreender as características, os determinantes e as conseqüências do complexo processo de socialização reprodutora. (PÉREZ GOMES 1998 p.22) A utilização do conhecimento público pode ser feita quando a escola, os docentes, a prática educativa, compreendem as influências a qual estão submetidos, compreende as intenções e conseqüências de determinado modo de ensino, e oferece para debate aberto as características e conseqüências desse tipo de ensino reprodutor, ou seja, tornar tanto a escola quanto os seus alunos cientes da condição em que vivem e do que a sociedade espera deles, dar a eles autonomia para realizar escolhas em sua vida. A escola da era pós industrial, segundo Pérez Gomes (1998, p.25), deve estar centrada em dois eixos, que são: 1) Organizar o desenvolvimento radical da função compensatória das desigualdades de origem, mediante a atenção e o respeito pela diversidade; 2) Provocar e facilitar a reconstrução dos conhecimentos, das disposições e das pautas de conduta que a criança assimila em sua vida paralela e anterior a escola. Nos dias de hoje a maioria das pessoas conhecem o discurso de “escola igual para todos”, mas esse discurso baseia-se em uma igualdade forjada. Essa escola igual para todos torna-se uma escola desigual para a maioria, pois, baseada em um currículo homogêneo ela espera atingir a todos os alunos de forma igual, espera que todos aprendam juntos, com o mesmo ritmo, e quem acaba por sair bem nesse tipo de escola são 21 os alunos que já detêm o conhecimento próprio da escola, os alunos que aprendem dentro de suas famílias, alunos que vivem em um ambiente favorável a construção do conhecimento escolar, e o que acontece com os alunos que estão fora desse contexto é que acabam ficando cada dia mais a margem da sociedade e da escola. Debaixo de um discurso de igualdade podemos constatar a máxima da distinção e da desigualdade. Por isso, para o autor (PÉREZ GOMES, 1998, p.23) é um desafio para a escola possuir um currículo que respeite a diversidade a forma de viver e pensar de cada um de seus alunos, um currículo que compreenda que cada um dos alunos possui tempos diferentes de aprendizado e, também oferecer aqueles que não tiveram nenhum contato com a cultura escolar essa possibilidade, para que não fiquem mais uma vez atrás dos privilegiados pela sociedade. É função deste currículo flexível promover a pluralidade de formas de pensar, de viver, de encarar o mundo que nos cerca e cultivar as diferenças entre os indivíduos. Segundo Pérez Gomes (1998 p. 22) é ingenuidade pensar que a escola seria capaz de suprir todas essas deficiência, mas ela pode de certo modo atenuá-las e acabar com o seu caráter de “inevitável”. A esse tipo de educação escolar o autor dá o nome de educação compensatória, e para ele essa educação compensatória “requer a lógica da diversidade pedagógica dentro do marco da escola compreensiva e comum”. Quando falamos de educação compensatória parece inevitável pensarmos em um tipo de educação que compense todas as desigualdades existentes, um tipo de educação que “dê” aos alunos o que os foi negado, mas, para Pérez Gomes (1998 p. 23) essa educação deve fornecer aos alunos meios para que eles consigam compreender e atuar em uma sociedade de diferenças, desigualdades. Trata-se não de dar algo pronto e sim subsídios, possibilidades para que eles, os indivíduos, saiam do pensamento comum de reprodução de desigualdades. Para que esse tipo de educação ocorra é necessária uma profunda transformação na escola em geral, em seu corpo docente, e essa parece ser uma tarefa árdua. Assim, por meio do meu trabalho, pretendo constatar se esse tipo de transformação pretende ser realizada ou se a escola continua pautada somente nas concepções da sociedade atual em que vivemos e transmitindo aos seus alunos os conteúdos que ficam a cargo da escola. É importante pensarmos também que existem inúmeras ideologias na sociedade e a função da escola não é tomar uma ou outra como verdadeira, e sim fornecer aos seus alunos 22 meios para que possam ser autônomos, conscientes para realizar escolhas dentro da sociedade. Esse tipo de educação que compensa as diferenças possibilitando aos indivíduos a consciência sobre a realidade em que vivem é considerada por mim o verdadeiro processo de humanização, a verdadeira educação para a transformação. Sem dúvida é impossível ignorar como a nova concepção de sociedade globalizada influencia diretamente a educação, por isso, nesse momento remeto-me e Sacristán (2005), que faz esse tipo de analogia, indo ao encontro, e de certo modo complementando o que trata Pérez Gomes (2001). Para Sacristán (2005 p. 15), a educação tendo em vista esse novo modo de organização da sociedade deve refletir sobre o que está sendo posto até então na escola, tendo sempre em vista a transformação. O autor entende a globalização como uma grande rede que une indivíduos diferentes, assim, apesar de cada um possuir sua cultura, seu modo de viver e pensar, eles compartilham de uma mesma cultura que á a imposta pela globalização, utilizando as palavras do autor, “pela sociedade da informação”. Penso que a educação no modo como está nos dias de hoje reflete exatamente esta realidade, ou seja, a escola une indivíduos diferentes que partilham de uma cultura diferente, ao mesmo tempo possui a pretensão de unir todos os indivíduos utilizando para isso um currículo homogêneo, baseado grande parte das vezes em uma cultura considerada legítima pela sociedade. Para Sacristán (2005 p. 23) a globalização possui alguns traços muito marcantes que são: em primeiro lugar alguns indivíduos interiorizam totalmente os preceitos da globalização e aderem sem relutar a esse novo modo de vida, em contraponto alguns outros renegam essas concepções e se colocam totalmente contra, assim a globalização ao mesmo tempo em que une os indivíduos opõem uns aos outros; em segundo lugar há um tipo de concepção que vê somente a globalização enquanto influência de mercado e há um tipo que a vê influenciar todas as esferas da sociedade, e o autor se identifica com este último conceito; Em último lugar o autor entende a globalização como uma prática que “coloniza” de algum modo todos os indivíduos nela contidos, e essa colonização se dá sempre ignorando e anulando a singularidade de alguns povos. Tendo em vista essa concepção, considero que a educação como está posta nos dias de hoje “coloniza” os indivíduos a que elas estão submetidos, pensasse nos dias de 23 hoje em uma prática homogênea, um currículo homogêneo com a função de atingir a todos ao mesmo tempo, mas pouco pensasse em uma educação que atinja a cada indivíduo em sua particularidade, uma educação disposta a quebrar com essa noção de prática homogênea e fornecer aos indivíduos subsídios para entender as relações como se dão na sociedade, uma educação que trans/forme verdadeiramente o cidadão ao invés de inculcar nele os valores impostos pela sociedade da informação. Um fator a ser levado em conta é como a escola prepara seus alunos em uma sociedade demasiadamente complexa como essa, ela é capaz de prepará-los para o mundo do trabalho, função essa delegada a escola desde sua criação? Para Sacristán (2005) p.21, a escola atualmente encontra-se sem norte quanto a preparação do trabalhador. Na sociedade pós-moderna as profissões, assim como as informações, a economia, e outros elementos mudam em grande velocidade a escola encontra-se em um momento em que não sabe qual tipo de trabalhador deve formar, pois, as concepções de trabalhador hoje podem já estar ultrapassadas amanhã, hoje há a necessidade de um tipo de trabalhador, porém, amanha esse trabalhador pode ser desnecessário. Mas o autor é pontual quando diz que apesar desse grande número de contradições e de ambigüidades, na educação ligada ao trabalho e a sociedade atualmente, a formação do “capital humano” ainda é um fator muito importante e necessário a este tipo de pensamento social. Levando em conta os fatores acima citados o autor propõe não uma quebra e negação desta sociedade, mas, uma forma de educação e de ensino dentro da esfera dessa sociedade, uma educação para a transformação e para a conscientização dos indivíduos e não uma educação que vise conformar o cidadão, uma educação que humanize. Para Sacristán (2005) é impossível pautar-se em um modelo de educação tradicional na sociedade de grandes mudanças que vivemos, é um erro propor práticas pedagógicas ultrapassadas, o ideal seria propor práticas afinadas com a realidade atual, mas, propondo sempre a formação do cidadão consciente da realidade em que vive assim: A partir das coordenadas deste contexto geral, pretende-se que a educação se ajuste as linhas que servem as prioridades marcadas. Também é neste contexto que se têm de colocar as possibilidades da sua ação transformadora. (SACRISTÁN, 2005 p. 22) Vejo neste momento instaurado um conflito na sociedade, pois de um lado há ainda os que defendem as práticas pedagógicas tradicionais, há ainda outros que 24 entendem a educação como está pautada nos dias de hoje como legítima, mas há também quem entenda que a educação como esta posta nos dias de hoje necessita de uma transformação, que é exatamente a perspectiva que abordei até então em meu trabalho. Sacristán (2005) faz uma abordagem muito completa da educação atualmente, apesar de tratar da realidade européia, muito se assemelha à realidade do nosso país. Por meio de pesquisa ele ilustra como os jovens dos dias de hoje pouco se interessam pela leitura (p. 94), como eles sentem-se pouco a vontade nas escolas e como a escola não representa para eles um ambiente prazeroso. O autor também interpreta a declaração dos direitos humanos de modo que ela se transforma em uma prática educativa para a transformação, muito diferente do que propõe Delors (2000). Mas o que efetivamente importa é como essa educação para a transformação pode ser posta efetivamente nas escolas de hoje. Para Sacristán (2005, p. 113), desde os primórdios à escolarização sempre foi instaurada a preocupação com função desta, sempre houve a indagação de: Para que ir a escola? E a resposta a essa pergunta é muito simples, sendo a escola um aparelho “normalizador”, ela é usada para produzir/reproduzir indivíduos desejáveis para determinado tipo de sociedade, moldar seus comportamentos, embutir determinados tipos de pensar, transmitir ideais, idéias, entre outros valores, ou seja, possui a função de “modelar o outro”. (p. 114) Mas, para Sacristán (2005) também junto com essa função reprodutora pode estar entrelaçada a função produtora de um novo tipo de educação, “outra que podemos chamar de produtora, que anima e justifica a pulsão de influenciar as crianças como forma de as fazer crescer ou nelas criar algo de novo” (p. 114). Por isso para o autor o que fornece uma diretriz para a educação é que tipo de educação queremos praticar, que tipo de indivíduo queremos formar, ou seja, é termos dentro de cada um de nós uma “racionalidade educativa” (p. 114). Essa racionalidade educativa é entendida pela autor como a consciência de um professor de que tipo de cidadão ele pretende formar. Para Sacristán (2005 p. 120) é preciso que entendamos que o ato de educar é muito mais do que cumprir o que está prescrito nos currículos, pois, a educação “deve servir para o desenvolvimento do ser humano como indivíduo e como cidadão, a sua mente, o seu corpo e a sua sensibilidade”. Assim, a educação pode ser traduzida como um bem desejável, pois fica a cargo dela a melhora da dignidade humana. Os professores 25 nesse sentido devem sentir-se como verdadeiros educadores e praticarem uma educação que tenha a seu favor o currículo e não sentar-se sobre ele fazendo somente o que esta escrito como se fossem meros técnicos, somente transmitindo os conteúdos que já foram impostos pelo Estado. Tratando dos conteúdos o autor (p. 121) tem uma concepção que em minha opinião contrasta com Delors (2000), pois, ele vê nos conteúdos um aliado a educação para a transformação, para ele pensar em uma prática pedagógica humanizadora não se trata de esvaziar os conteúdos, como propõe Delors (2000) e sim trabalhar com eles de forma dinâmica. Para Sacristán (2005 p. 12) a educação deve ser reinventada sem grandes utopias ou melancolias, ela deve ser pensada a partir do que já possuímos, pensar em qualidade, objetivos e experiências pontuais como bons professores. Nesse momento, segundo o autor a prática educativa deve ser transformada a partir dos subsídios que já possuímos, de nossa realidade, ao invés de ficarmos pensando em uma prática pedagógica milagrosa que irá surgir e resolver todas as mazelas existentes nos dias de hoje, o que parece ser uma tarefa muito árdua. O autor então propõe uma prática pedagógica que deve conter as seguintes bases: a) Ampliar as possibilidades e referentes vitais dos indivíduos, partam estes de onde partam. Crescer e abrir a mundos de referências mais amplos é uma possibilidade para todos... b) Fazer dos mais jovens cidadãos solidários, colaboradores e responsáveis, proporcionando-lhes as experiências adequadas, sendo reconhecidos como tais cidadãos enquanto se educam. c) Despertar neles atitudes de tolerância no estudo das próprias matérias, o que implica a transformação destas. d) Firmar no aluno princípios de racionalidade na percepção do mundo, na sua relação com os demais e nas suas actuações. e) Torná-lo consciente da complexidade do mundo, da sua diversidade e da relatividade da própria cultura, sem renunciar a valorizá-la também como “sua” a de cada grupo, cultura, país, modo de vida... f) Capacitá-lo para a deliberação democrática. (p.121) É possível pensar que uma prática pedagógica pautada em todos esses itens definidos por Sacristán (2005) é a verdadeira prática que transforma a escolarização em verdadeira formação de um cidadão consciente da realidade em que vive, do mundo que o 26 cerca e principalmente um cidadão que saiba lidar com as diferenças, ao invés de apenas aceitá-las. Esse para mim é o verdadeiro sentido do “processo de humanização”, pois humanizar não é somente transmitir os conteúdos ou então deixar a educação vazia de conteúdo e cheia de modos de vida. É propor uma prática que possa unir essas duas concepções de modo crítico e consciente. Sacritán e Pérez Gomes possuem uma concepção sobre educação que se distingue da concepção de Delors. Ele disserta basicamente sobre como os modos de viver devem estar inseridos dentro da escola. Percebo em seu texto o caráter de reprodução da realidade, o caráter de reprodução da esfera social. Há nele a grande preocupação com os modos de ser que devem ser transmitidos aos alunos, mas há ai um esvaziamento dos conteúdos como se estes já não importassem. Já Pérez Gomes (1998), assim como Sacristán (2005) vêem a escola e a educação atualmente como estão postas como mecanismo de reprodução social, mas, também vêem nesta uma possível transformação que pode contribuir para a formação de um cidadão critico reflexivo e consciente da realidade em que vive. Fica claro então que quando trato do processo de humanização (formação do verdadeiro cidadão, pautada em uma prática pedagógica real, reflexiva e crítica da realidade) e processo de socialização (perpetuação das desigualdades que estão sendo postas até os dias de hoje, por meio de conteúdos vazios ou modos de viver e se comportar), faço uso das definições já então citadas e definidas por mim a partir das concepções de Pérez Gomes (1998) e Sacristán (2005), porque acredito que elas possuem maior relação com a verdadeira pratica pedagógica e com o objetivo que pretendo dar ao meu trabalho de conclusão de curso. Além desses fatores, me projeto nessas concepções para futuramente desempenhar a função docente. Pretendo em meu trabalho de conclusão de curso analisar através dos trabalhos da ANPED (Associação Nacional de Pesquisa em Educação) se eles se assemelham ao que Delors (2000) ou ao que Pérez Gomes (1998) e Sacristán (2005) tratam, se eles pretendem somente o processo de socialização dos escolares, juntamente com a reprodução da sociedade em que vivemos, ou se também trazem consigo a concepção de que o processo de humanização e a educação para a transformação se fazem necessárias na sociedade de desigualdades e falta de oportunidades. Trata-se da análise por meio de um trabalho bibliográfico de concepções sobre educação e práticas pedagógicas, para compreender se 27 elas trazem consigo um tipo de educação que realmente “humaniza” ou se então estão pautadas e centradas nos modos de ser, com conteúdos vazios. 28 2. Procedimentos metodológicos utilizados na seleção dos trabalhos da ANPED – GT 13 Educação Fundamental. O procedimento metodológico utilizado por mim para a primeira seleção dos trabalhos foi, conectar-me no site da ANPED (www.anped.org.br), acessando o link reuniões anuais, seguindo para “textos dos trabalhos e pôsteres” e enfim para o GT 13 Educação Fundamental. Considero importante salientar que a minha pesquisa se restringiu aos trabalhos referentes às comunicações, pois, não realizei análise de pôsteres. Visualizei todos os trabalhos ano a ano. Considerei inviável realizar a leitura profunda de todos no primeiro momento. Realizei uma leitura de modo que eu pudesse detectar se apresentavam ou não relação com o tema do meu trabalho de conclusão de curso e para isso, utilizei a busca de palavras chaves como: humanização, socialização, transmissão de conteúdos, formação de cidadão, inclusão social, neoliberalismo, reprodutivismo e transformação. Considero relevante neste momento dissertar sobre a importância da realização de um trabalho bibliográfico, já que esta é a natureza do meu trabalho de conclusão de curso. Tomando as concepções de Lüdke e André (1986, p.38), a análise documental pode ser considerada uma valiosa fonte de informação, seja complementando outro tipo de pesquisa ou então descobrindo aspectos novos de um tema ou problema. Para os autores a análise documental consiste na análise de todo tipo de material escrito, sejam documentos, diários, revistas, jornais, entre outros. Para esses autores a análise documental tem a intenção de buscar respostas a partir de questionamentos ou hipóteses levantadas sobre o tema a ser pesquisado. A partir dessa análise podem ser encontradas evidencias que fundamentem as hipóteses iniciais levantadas pelo pesquisador. No caso do meu trabalho, pretendo compreender a partir das análises dos trabalhos encontrados no site da ANPED, se eles tratam da transmissão dos conteúdos como a sociedade atual deseja e nos impõe ou se refletem sobre a necessidade de um tipo de educação para a real trans/formação dos cidadãos. 29 Segundo ainda Lüdke e André (1986 p.40) para realizar uma análise documental é imprescindível que o pesquisador caracterize o documento que irá analisar, realizando essa escolha a partir de alguma hipóteses levantadas inicialmente no trabalho, prosseguindo com análises dos documentos em si. A análise documental é entendida por Patton (apud: LÜDKE E ANDRÉ, 1986) como: [...] esforço de detectar padrões, temas e categorias é um processo criativo que requer julgamentos cuidadosos sobre o que é realmente relevante e significativo nos dados. Como as pessoas que analisam dados qualitativos não têm testes estatísticos para dizer-lhes se uma observação é ou não significativa, elas devem basear-se na sua própria inteligência, experiência e julgamento (p.313) O presente trabalho constitui-se em análise documental porque analisa os trabalhos publicados na ANPED de 2000 a 2007. Tomando por base os autores acima citados, considero a realização deste trabalho de grande relevância, pois, os dados serão buscados a partir de hipóteses levantadas por mim no início do trabalho, como também posteriormente os dados da pesquisa documental serão analisados tendo em vista o referencial teórico escolhido para a concretização deste trabalho. No presente trabalho de conclusão de curso há a preocupação em seguir todas as etapas propostas pelos autores, pois, deste modo pretendo realizar um trabalho consistente e de grande relevância para a educação e principalmente para a minha formação, como também deve ser levando em conta a dificuldade de se realizar um trabalho apenas teórico na área de educação, tendo em vista as mudanças a que essa área esta sujeita todo o tempo. A educação nunca consistirá em uma prática pronta e acabada, situações em que possamos aplicar determinadas fórmulas e obter sempre os mesmos resultados, por isso pretendo realizar um trabalho que visa compreender e refletir sobre essas mudanças e a realidade e não apontar soluções para os problemas da escola e da educação. 30 3. Apresentação dos dados: Seleção dos trabalhos publicados na ANPED entre os anos de 2000 e 2007. Para a seleção dos trabalhos inicialmente visualizei todos procurando por palavras chaves que tivessem relação com meu tema “O que a escola ensina ou deveria ensinar (estudo dos trabalhos publicados na ANPED no GT Educação fundamental 2000 a 2007)” e também através do título dos trabalhos. Em um segundo momento após a seleção dos trabalhos organizei uma tabela (que pode ser visualizada no item 3.1) contendo as idéias principais dos trabalhos selecionados. Utilizei esse método para que por meio da leitura integral com o intuito de compreender qual a idéia principal de cada trabalho eu pudesse selecionar os que impreterivelmente tem a contribuir com o presente estudo. Após a primeira seleção cheguei ao montante de apenas cinco trabalhos e com estes fiz um breve resumo contendo procedimentos metodológicos, problema, objetivo e possíveis apontamentos. Esses cinco trabalhos finais serão utilizados na análise que realizarei tendo em vista o referencial teórico. Segue abaixo todas as etapas do caminho percorrido para realizar por fim a análise dos trabalhos da ANPED utilizando para tal o referencial teórico apresentado. 3.1 Primeira seleção dos trabalhos Após essa primeira seleção construí uma tabela contendo as idéias principais dos trabalhos selecionados inicialmente. Segue abaixo a tabela. 31 Título do trabalho Ano Idéias principais Temas transversais: Novidade? 2000 O embate da educação desde o séc. XIX sobre conteúdos escolares X formação de cidadão. Relações intergovernamentais e as política para a educação fundamental. 2000 O caráter político, no sentido eleitoreiro, na administração pública da educação no estado do Pará, especificamente na cidade de Belém. O tempo histórico nas primeiras séries do ensino fundamental. 2000 Sugere a abordagem escolar do tempo histórico de forma diferenciada, de forma que relacione esse tempo com acontecimentos relacionados a vida dos alunos, como a construção de um bairro, a pavimentação de uma rua, o tempo que vive um cachorro e o tempo que vive uma tartaruga, etc. Autonomia e gestão democrática da escola à luz da teoria de ação comunicativa de Habermas. 2001 Relata a aplicação da Teoria da Ação Comunicativa (TAC) de Habermas no desenvolvimento de uma gestão autônoma e democrática dentro da escola. As crianças e suas experiências: O mundo invadindo a escola. 2001 Esse trabalho relata diversas situações vividas em um contexto escolar, entendendo que muitas vezes as reações das crianças a determinadas situações e suas dificuldades são fruto da realidade social em que vivem. Questões nucleares da temática trabalho, consumo e educação nos PCN’s: implicações na gestão do trabalho pedagógico. 2001 Como a questão da lógica do trabalho e consumo aparecem registradas dentro da escola e da formação dos seus alunos. Aponta para o modo como os temas transversais dos PCN’s podem contribuir para a quebra desse “paradigma”. Globalização e Neoliberalismo no espaço escolar: O que pensam os professores. 2001 Determina a influência do neoliberalismo na fala de professores de uma escola pública, evidenciando o quanto as concepções são duais e o modo como o neoliberalismo invade o dia-a- dia da escola e influencia na formação dos alunos. O autor se posiciona contra a lógica do neoliberalismo e da globalização. A estrutura escolar e os rumos da educação – série e fase: Um estudo comparativo. 2001 O trabalho consiste na análise de duas formas de organização escolar na cidade de Brasília, as séries e as fases, se posicionando a favor das fases. Os incluídos na escola: A negação/ocultamento do processo de disciplinamento. 2001 Trata-se da análise da disciplina do ponto de vista de Focault. Enfatiza a disciplina em seu modelo conservador como sendo o adequado a ser praticado em detrimento da indisciplina 32 encontrada atualmente nas salas de aula. Práticas de disciplinarização e não- disciplinarização dos corpos infantis no início do ensino fundamental: Uma análise sobre o uso do espaço. 2002 Analisa posturas e discursos (muitas vezes divergentes) de professoras de uma escola quanto ao controle, ou seja, a disciplina do corpo no contexto educacional, principalmente nas filas e posições que ficam em suas carteiras, do ponto de vista de Focault. Fracasso escolar: “Cultura do ideal” e “Cultura do amoldamento” 2003 Trata da análise de uma escola que aparenta estar no modelo de escola ideal. Mas, na verdade oculta todos os seus problemas para se encaixar nesse modelo, a escola acaba perdendo a oportunidade de refletir sobre os seus possíveis desafios, para se “amoldar” a determinado tipo de cultura escolar. Os incluídos na escola: o disciplinamento nos processos emancipatórios. 2003 Análise da disciplina imposta aos corpos infantis, sob a luz teórica Foucaultiana utilizando experiências de alunos do estagio de docência para pedagogia de uma universidade. O trabalho também define os indivíduos entre os incluídos na escola e a sociedade, por isso sujeito a regras e disciplinas, e os não incluídos, sujeitos a mecanismos de exclusão. Aprendizagem conceitual e organização do ensino: Contribuições da teoria da atividade. 2003 Análise da apropriação dos conteúdos pelos alunos tendo em vista a teoria psicológica de Vygotsky. Educação Integral: Concepções e práticas na educação fundamental. 2004 Identificar qual a concepção de educação integral que possuem profissionais que trabalham nesses tipo de instituições, por meio da analise de duas CIEP’s (Centros Integrados de Educação Pública) Avaliação do desempenho escolar: O modelo adotado em Angra dos Reis. 2004 Disserta sobre o modelo adotado em angra dos reis para avaliar o desempenho dos alunos de modo geral, através de provas coletivas (como SARESP), apontando as principais dificuldades desses alunos em termo de aprendizado. Os educadores e a organização do ensino em ciclos na rede municipal de São Paulo (1992-2002) 2004 Esse trabalho discute a implementação dos ciclos, mas aponta que por trás dela há ainda antigas concepções da rede organizada por séries, principalmente as concepções excludentes. A complexidade do processo ensino aprendizagem e a possibilidade de uma prática pedagógica 2004 O trabalho por meio da análise de uma escola sugere um tipo de pratica pedagógica visando a necessidade de cada aluno, identificando assim cada processo que esse passa, tendo em vista que assim os alunos estariam menos sujeitos as 33 inclusiva na escola de ensino fundamental. praticas excludentes e sairiam verdadeiramente “formados” da escola. A escola em ciclos e os ciclos na escola: Um lugar de qualidade? 2005 Esse realiza uma retrospectiva histórica da implementação dos ciclos nas escolas da cidade de São Paulo, constata os problemas existentes nessa escola e por fim sugere uma melhor forma de se pensar e fazer educação, discutindo sempre a noção de qualidade em educação. Ciclos e progressão continuada no estado de São Paulo: Faces de uma mesma “moeda”. 2005 Analisar a implantação dos ciclos em São Paulo tendo em vista a ótica da sociedade, em especial a ótica do trabalho, fazendo alusão ao modo de produção e o tipo de ensino que ele promulga. O trabalho questiona o que é realmente a educação para a cidadania e o que se tem feito utilizando essa definição. Fracasso escolar e escola em ciclos: Tecendo relações históricas políticas e sociais. 2005 Esse trabalho discute a relação entre avaliação/reprovação e qual a ligação dessa concepção com a política de implantação nos ciclos nas escolas. Práticas escolares: Aprendizagem e normalização dos corpos. 2006 A normalização e o posicionamento dos sujeitos na política de ciclos (produtora de um novo tipo de disciplinamento), com base em Michael Focault. Escola pública e camadas médias: Uma relação complexa. 2006 Mudança de alunos de classe média de escolas particulares para escolas publicas, impulsionadas pela política de separação de séries nas escolas municipais e estaduais. Também retrata os critérios dos pais de camadas média pela escolha da escola. A organização da escolaridade em ciclos: Impactos na escola. 2007 Analisa uma escola de Niterói RJ pautada na escolaridade em ciclos para apontar como essa nova modalidade de ensino s reflete na escola, se reflete muitas vezes na formação incompleta dos indivíduos que estão presente nesta. A exclusão escolar na rede pública municipal de ensino: A história continua no século XXI. 2007 Esse trabalho através de uma retrospectiva histórica apresenta como o fracasso escolar ainda se faz presente nas escolas nos dias de hoje, analisando uma escola de Pelotas RS, mesmo depois da implantação de inúmeras políticas sobre educação no país. 34 3.2 Segunda seleção dos trabalhos da ANPED. Nesta segunda seleção dos trabalhos foi feita uma síntese menos pontual do que a do item anterior, apontando o nome do autor, ano do trabalho, metodologia, procedimentos metodológicos, local onde o trabalho foi desenvolvido, problema e os possíveis apontamentos que o trabalho apresenta. Após leitura minuciosa de cada um dos trabalhos, foram selecionados os que tratavam do tema da formação do cidadão sob diferentes pontos de vista e que decisivamente contribuirão com a análise que será feita posteriormente no capítulo 4 tendo em vista o referencial teórico. Após o caminho percorrido para a seleção dos trabalhos ter sido longo, desde o momento em que entrei no site, até a primeira análise a leitura de todos os trabalhos, a posterior síntese destes, sinto-me apta para considerar que muitos trabalhos apresentam íntima relação com o referencial teórico por mim escolhido e muito contribuirão para a realização deste trabalho. Trabalho número 1: TEMAS TRANSVERSAIS: NOVIDADE? LUCAS, Mª Angélica Olivo Francisco. Ano de publicação na ANPED: 2000 Nesse trabalho é realizada a discussão dos temas transversais dos PCN’s atualmente em contraponto a educação moral e cívica presentes nos currículos escolares do século XIX. A autora entende que a preocupação na manutenção, preservação da sociedade como ela está sempre esteve presente no ensino, na educação desde os seus primórdios, e se antes ela era feita com o nome de educação moral e cívica, agora ela é feita sob o nome de temas transversais. Levando esses fatores em conta a autora entende que os temas transversais não são novidades eles agora não são mais tidos como disciplinas (como no séc. XIX no embate entre utilitaristas e humanistas), mas estão inseridos entre as matérias, de maneira transversal, como o próprio nome já diz “temas transversais”. Segundo a concepção da autora, esses temas não devem ser vistos somente como inovadores, mas devem ser amplamente discutidos dentro da escola por se tratarem de 35 confrontos que estão presentes todos os dias nas realidades sociais, e também por se tratarem do velho conflito entre os modos de produção e as relações sociais que estes produzem, ou seja, esses temas são postos dentro da escola exatamente para “remediar” de algum modo conflitos que o modo de produção vigente cria, reproduz e de algum modo alimenta em nossa sociedade. Finalizando o trabalho a referida autora cita o papel da escola, para ela hoje e sempre à escola cabe a difícil tarefa de por um lado preparar o homem para o mundo do trabalho de outro lado prepará-lo para ser cidadão. Trabalho número 2: GLOBALIZAÇÃO E NEOLIBERALISMO NO ESPAÇO ESCOLAR: O QUE PENSAM OS PROFESSORES ? CORRÊA, Vera Maria de Almeida Ano de publicação na ANPED: 2001 Como o próprio título do trabalho anuncia, ele pretende compreender de que modo o neoliberalismo está posto dentro da escola, como essa concepção (de senso comum) atinge os professores e as concepções que eles constroem a partir dessas mudanças. Para atingir essa finalidade foram feitas entrevistas com os professores que atuam em salas de aula dos anos iniciais do Ensino Fundamental das Escolas Públicas do Município do Rio de Janeiro, pois, essa cidade possui a maior rede de ensino municipal da América Latina. Para a autora do trabalho, o neoliberalismo é introduzido na vida das pessoas de forma que em determinado momento elas passam a não se dar conta do processo a que estão sujeitas e acabam por defender como legítima e verdadeira a ótica da exclusão. Devido a esses fatores, a concepção neoliberal passa a ser entendida como algo natural as pessoas e não como uma realidade que foi construída e é mantida socialmente. Partindo dessa concepção, o referida autora pretende passar para a esfera do “micro” das “micro relações” que ocorrem no interior da escola. Analisando as falas, a posição das professoras, o autor conclui que elas resistem ao neoliberalismo e a resolução mágica dos problemas que ele impõe, mas ao mesmo tempo acreditam não haver outra solução que não a apontada pelo governo para os problemas enfrentados pela escola, porém, elas continuam dando suas aulas e resistindo 36 ao pensamento homogêneo e excludente, o que é definido pelo autor como uma grande contradição. Em linhas gerais, como apontamento para a problemática do pensamento neoliberal dentro da escola, o autor sugere que ela, a escola, tenha seu trabalho pautado em práticas educativas plurais inclusivas e não em práticas excludentes e individualistas como vemos atualmente. Trabalho número 3: FRACASSO ESCOLAR: “CULTURA DO IDEAL” E “CULTURA DO AMOLDAMENTO” OLIVEIRA, Tamara Fresia Mantovani de. Ano de publicação na ANPED: 2003 A autora do trabalho parte do princípio de que antes o fracasso escolar era medido pelas taxas de evasão e repetência, mas atualmente com o regime de progressão continuada essas taxas passaram a ser medidas pelos altos índices de insatisfação dos alunos e a permanência de uma cultura do “não-saber”. Para analisar esse novo modelo a autora realiza uma abordagem das ações e objetivos da escola, do cotidiano escolar e como esta lida com os problemas do fracasso escolar, no caso da escola estudada uma das formas que ela lidava com esse problema era com a realização de um reforço extra- escolar, ou seja, um reforço que não estava previsto pela secretaria estadual de educação. A pesquisa foi desenvolvida em uma escola da rede estadual paulista (de 5ª a 8ª série), com foco nas estratégias desenvolvidas por elas para o enfrentamento do problema do fracasso escolar. Os procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa foram: a observação, entrevistas semi-estruturadas e análise dos documentos escolares. No momento em que a pesquisadora entrou em contato com a escola ficou evidente que o reforço que estava fixado ali encontrava-se totalmente desvinculado do trabalho dos professores, por isso a pesquisa nesse momento voltou-se para a compreensão das cultura que permeavam aquelas práticas. Após a realização da pesquisa a autora diz ter percebido que a maior dificuldade dos docentes era lidar com o novo regime de progressão continuada e suas conseqüências, como indisciplina, a falta de condições e até a falta de saber como agir diante desse novo 37 modo de organizar a escola. A autora também chegou a conclusão de que a escola apresentava em seus documentos um tipo de proposta pedagógica, “ideal”, inovadora, mas o que se via na prática era o oposto, era o não enfrentamento dos seus problemas reais, principalmente os problemas relatados pelos docentes. Como apontamento a autora sugere que a melhor forma de “tocar” os docentes é compreendendo sua cultura, seus valores e formas de realizar o trabalho pedagógico, assim, a cultura docente deve ser considerada em todo projeto de inovação quando o pretendido é que esse projeto dê frutos a toda a escola. Trabalho número 4: OS EDUCADORES E A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO EM CICLOS NA REDE MUNICIPAL DE SÃO PAULO (1992-2001) JACOMINI, Márcia Aparecida. Ano de publicação na ANPED: 2004 A autora do trabalho entende a educação organizada em ciclos como mais uma forma de transmitir aos alunos a ideologia da classe dominante e de algum modo negar a eles o ensino propriamente dito. Se antes, com a organização das escolas em séries, uma forma de negar o ensino a classe menos privilegiada era a repetência e conseqüentemente a evasão, hoje com o ensino em ciclos a forma se modificou, os alunos saem das escolas sem efetivamente aprender os conteúdos. Mudou-se somente a forma, mas, o objetivo continua o mesmo: a negação e a exclusão. O único modo de “lutar” contra essas concepções, do ponto de vista da autora, é conhecendo as políticas públicas que envolvem as iniciativas educacionais, conhecimento esse que deve se adquirido de forma crítica, para que a escola e a comunidade ao seu entorno possam lutar contra esse tipo de ação por parte do Estado, questionando as idéias dominantes e construir ali o tipo de ideologia que ela acredita ser a correta. A pesquisa foi realizada com professores da rede municipal da cidade de São Paulo utilizando para este fim entrevistas sobre a política de ciclos e a participação deles na implementação dela. Após a pesquisa a autora concluiu que a política dos ciclos foi imposta aos professores “de cima para baixo” sem a sua efetiva participação, alguns ainda nem sequer sabiam efetivamente como se daria o ensino em ciclos e se viram sem sua 38 ferramenta de maior poder dentro da escola, a reprovação, o que causou um mal estar geral entre os professores que começaram compreendê-la como um mecanismo de desvalorização do trabalho docente. No primeiro momento de implantação dos ciclos ao invés destes romperem com a exclusão até então praticada, eles acabaram se tornando mais um mecanismo de exclusão. Devido a esses fatores, na concepção da autora a proposta dos ciclos inicial de 1992 não está implantada na rede atualmente. O que se vê é um misto de seriação e ciclos, o que causa mal estar entre os docentes e altos níveis de alunos que completam os oito anos da educação fundamental com uma aprendizagem restrita. Como possível apontamento para a problemática da escola organizada em ciclos a autora sugere que os professores conheçam o que realmente é essa política, e que a partir daí lutem por uma educação de qualidade, desmistificando a idéia de que são os alunos e seus familiares responsáveis pelo seu insucesso na vida escolar. Trabalho número 5: CICLOS E PROGRESSÃO CONTINUADA NO ESTADO DE SÃO PAULO: FACES DE UMA MESMA “MOEDA” DIAS, Vagno Emygdio Machado. Ano de publicação na ANPED: 2005 O autor do trabalho, inicialmente, distingue ciclos de progressão continuada e posteriormente faz um estudo bibliográfico sobre os ciclos e progressão continuada, desde experiências na França e Inglaterra até as experiências brasileiras. O autor reflete sobre o modo como a questão da promoção automática foi inserida em países como França e Inglaterra. Nesses países a discussão teve início com a preocupação de alguns educadores em democratizar e expandir o ensino, e usando para isso a ferramenta da promoção automática. Já no Brasil, apesar de influenciado pela tendência francesa e inglesa, esta discussão teve início, salvo exceções, com as grandes taxas de evasão e repetência, não priorizando a questão da democratização e expansão do ensino. O autor do trabalho compreende que as concepções, tanto seriadas quanto em ciclos ou promoções automáticas, são as respostas aos momentos que a sociedade do 39 trabalho vive, ou seja, a sociedade forma os indivíduos de acordo com a mão de obra que necessita em determinado momento. Dias (2005) estende o debate da progressão continuada para o campo da avaliação. Para ele a avaliação nesse tipo de experiência pode se limitar somente a avaliação da competência, e não dos conteúdos apreendidos pelos alunos, pois, de que modo um professor avalia uma situação tão ampla quanto essa se muitas vezes ao menos ele compreende o que é a progressão continuada. Para o autor, a progressão continuada se legitimou na idéia dos ciclos, e apesar de se tratarem de conceitos opostos hoje em dia se tornaram um só. Para ele, o CEE (Conselho Estadual de Educação) assumiu totalmente a pedagogia do aprender a aprender da UNESCO, pois ensinar e avaliar competências para ele se constituiu em uma “farsa do ensino”, por isso, como solução para esse problema o autor sugere muito brevemente um tipo de educação que ofereça ao indivíduo seu total desenvolvimento e não somente o desenvolvimento de competências. O problema se faz então no modo como o conhecimento é trabalhado dentro da escola e transmitido aos alunos. 40 4. Análise e discussão dos dados Neste capítulo pretendo realizar a análise e discussão dos trabalhos encontrados no GT 13 Educação Fundamental da ANPED tendo em vista o referencial teórico por mim escolhido (capítulo 1). Pretendo compreender se os trabalhos tratam de um tipo de educação que socializa os alunos nos conteúdos historicamente acumulados e no modo de viver da sociedade atual, ou se eles pretendem um tipo de educação que humaniza o indivíduo, uma educação para a transformação praticada em todos os contextos escolares. Considero imprescindível, antes de analisar os cinco trabalhos por mim selecionados (listados abaixo) que tratam sobre a formação do cidadão, analisar de forma geral todos os trabalhos encontrados no site da ANPED GT 13 • “Temas Transversais: Novidade?” • “Globalização e Neoliberalismo no espaço escolar: O que pensam os professores?” • “Fracasso escolar: Cultura do ideal e cultura do amoldamento” • “Os educadores e a organização do ensino em ciclos na rede municipal de São Paulo (1992-2001)” • “Ciclos e progressão continuada no Estado de São Paulo: Faces de uma mesma moeda” Muitos dos trabalhos encontrados no site da ANPED GT 13 remetem-se aos ciclos e a progressão continuada dentro da escola. Percebi que esses trabalhos que tratam sobre os ciclos concentram-se principalmente após o ano de 2002, e tendo em vista que a implantação dos ciclos ocorreu em 1992, eles apontam possíveis soluções à problemas reais enfrentados pela escola. Pude constatar também que na maioria dos anos os trabalhos publicados na ANPED GT 13 fazem alusão à população marginalizada na sociedade como os índios, os negros, entre outros. Gostaria de apontar também a grande relação que os trabalhos encontrados no site fazem entre as políticas em sentido social e as políticas destinadas especialmente à educação, por isso, muitos trabalhos partem da perspectiva de que a sociedade influência em grande parte as políticas pensadas para a educação. 41 Os trabalhos selecionados no item 3.1 tratam sobre temas variados, porém, algumas particularidades chamaram minha atenção. Dos 24 trabalhos selecionados 7 tratam sobre os ciclos na escola (assim como os trabalhos encontrados em todos os anos do site da ANPED). Há também temas variados como disciplinamentos dos corpos, fracasso escolar, escola pública e camadas médias. Porém, o que mais despertou minha atenção foi o fato de grande parte desses trabalhos, 19 deles, tratarem a escola de forma ampla, propondo apontamentos aos seus diferentes campos, mas, somente 3 trabalhos tratam das dificuldades e do cotidiano dos alunos nas escolas. Passando agora para a análise dos cinco trabalhos que considerei possuírem maior relação com a temática tratada neste trabalho de conclusão de curso, o primeiro que gostaria de analisar é o de tema: “Temas Transversais: Novidade”. Este trabalho como já foi explanado no item anterior trata da implantação dos temas transversais na escola, sua origem e sua significação no contexto social. A autora fala sobre o modo como estes temas surgiram e também de certo modo defende que eles sempre existiram como uma ferramenta para educar os indivíduos em determinados preceitos, ou seja, moldar indivíduos de acordo com as necessidades da sociedade. O que mudou nesse momento foi apenas a nomenclatura que se dá a eles. Logo no início do trabalho (LUCAS, 2000) trata da forma como a maioria dos profissionais agem mediante as transformações na educação. Para ela os profissionais incorporam e interiorizam as transformações na educação sem questioná-las, e, em minha opinião, isso pode significar um erro, pois, assim o Governo manda e desmanda livremente, faz o que quer e com finalidade que deseja a educação, tendo em vista que os principais atores da educação não questionam as modificações, algumas vezes absurdas que os são impostas: [...] a grande maioria destes profissionais não reflete sobre o significado dessas novas diretrizes curriculares e respondem mecanicamente às exigências governamentais para a sua implantação, sem questionarem o que fazem e porque fazem. (LUCAS 2000 p.1) Fazendo alusão ao referencial teórico, essa é uma afirmação muito importante, pois, como trata Pérez Gomes (1998) e Sacristán (2005), o tipo de educação que a sociedade em geral por meio do currículo passa para as escolas é pautada em determinada ideologia, que para Sacristán (2005) é uma ideologia baseada na lógica da sociedade da 42 informação. Assim, o currículo fica baseado em um tipo de educação que homogeiniza os alunos, os socializa nos preceitos da sociedade atual, não há na educação, como está posta nos dias de hoje, de acordo com Lucas (2000) utilizando agora as palavras de Pérez Gomes (1998) uma educação para a transformação, ou para o verdadeiro processo humanização do cidadão. A autora trata em grande parte de seu trabalho sobre o embate travado desde o século XIX sobre o ensino das ciências e das humanidades que basicamente podem ser traduzidos no ensino de elementos necessários para que o homem seja produtivo e em elementos para que o homem se torne cidadão, mas nesse momento, segundo a autora, a escola optou pela formação de um cidadão afinado com a lógica do trabalho. Os conteúdos ensinados pela escola obtiveram o caráter de conservação da sociedade como ela estava no momento, o que do meu ponto de vista ocorre também atualmente. Para a autora: As sucessivas crises econômico-sociais, de proporções mundiais, no séculoXX, evidenciam ainda mais a necessidade de reforçar esta formação, pois quanto mais as forças produtivas se desenvolvem, mais se acirra a luta individual pela vida, mais competitivo o mercado se torna e mais egoístas os homens se mostram. As dificuldades crescentes de convivência entre os homens têm levado as sociedades, na atualidade, a se preocuparem com a educação, mais especificamente com a formação do cidadão. (LUCAS 2000 p. 9) A questão nesse momento é que tipo de cidadão a sociedade desde os primórdios do nascimento da escola até os dias de hoje pretende formar e a resposta pode ser encontrada em Pérez Gomes (1998). Pérez Gomes (1998) defende que a escola atualmente influenciada pela sociedade socializa os alunos nos conteúdos historicamente acumulados pela humanidade, os socializa em determinado modo de viver, de pensar, de agir diante dos conflitos da vida, e em determinada cultura, tendo como finalidade preparar o indivíduo para o mundo do trabalho. Porém, o autor defende que, quando a educação caminha por essa via ela prepara para a vida um cidadão que possui ideologia e cultura que dominam em seu meio, ditadas em sua maioria pela sociedade em que vive. Para ele a escola tem a função de “garantir a reprodução social e cultural como requisito para a sobrevivência mesma da sociedade.” (p.14) 43 Nesse momento me sinto apta a dizer que a escola submete os alunos a um tipo de comportamento que a sociedade da informação deseja, ela socializa os alunos em determinada vivência, mas nesse contexto o processo de humanização e formação de um indivíduo capaz de questionar sobre a realidade em que vive, porque também ao atores educacionais muitas vezes devido as grandes jornadas de trabalho, as más condições em que vivem, ou mesmo pela sua formação deficiente deixam de questionar a educação como está posta, ou imposta nos dias de hoje. Em suma, o cidadão que está sendo preparado nos dias de hoje na escola e o foi antigamente, é um cidadão que tenha um tipo de pensamento capaz de manter a sociedade com está em toda a sua desigualdade, ou então modificá-la somente quando necessário e legítimo. Para Lucas (2000), a autora do trabalho “Temas Transversais: Novidade”, nos dias de hoje esse amoldamento do cidadão está denominado nos currículos nacionais como temas transversais, assim como era no século passado denominado como educação moral e cívica. Para ela essas temáticas deixam de lado o embate que realmente ocorre no seio da sociedade entre relações sociais de produção e forças produtivas. Nesse trabalho, Lucas (2000) não sugere nenhum tipo de educação que pretenda quebrar com a educação como está posta nos dias de hoje, mas a autora problematiza as questões intrínsecas aos processos educativos escolares e mais que isso propõe uma abordagem histórica como possível entendimento para o presente, o que pode ser considerado, do meu ponto de vista, um grande passo para a verdadeira formação do cidadão. Para pensarmos, pesquisarmos e, refletirmos em educação devem haver três preceitos básicos: uma abordagem histórica, para compreendermos que a educação é um processo e podemos ter consciência do modo como algumas atitudes do futuro se projetam em nosso presente; entender a educação como uma esfera da sociedade ligada a todas as outras como se fosse uma grande rede e por isso influenciada por elas e não como algo desconexo; e por fim, entender que a educação é um processo e não um fim em si mesmo. Por isso considerei o trabalho “Temas transversais: Novidade?” de grande contribuição, levando em conta que ele mostra como ocorrem as mudanças na sociedade sempre perpetuando as desigualdades, socializando os indivíduos em determinados modos de ser, e sugere ainda uma abordagem histórica como um meio para se entender o futuro. 44 Pretendo compreender nos trabalhos que seguem se eles propõem um novo tipo de educação disposto a quebrar com o que a autora disse em seu trabalho, a quebrar com esse processo de reprodução das desigualdades e enquadramento dos indivíduos à ótica do trabalho, pois, mais que problematizar torna-se importante apontar se há a sugestão entre os trabalhos da ANPED de um tipo de educação para a transformação. No trabalho “Globalização e Neoliberalismo no espaço escolar: O que pensam os professores?” Corrêa (2001) , trata da influência destes dois conceitos no ambiente escolar (globalização e neoliberalismo). Ela pretende constatar, utilizando para tal, pesquisa de campo, como essa nova forma de organização da sociedade influência os professores em sua prática pedagógica diária e como eles assimilaram internamente esses conceitos tão comuns atualmente. Logo no início do trabalho Corrêa (2001) disserta sobre o modo como a sociedade, como esta colocada nos dias de hoje, faz com que cada dia mais as pessoas assimilem e tornem como natural as ferramentas que esta utiliza para a transformação de todos, para a autora: [...] a idéia de que ao expandir e generalizar a mercantilização de tudo, a globalização excludente e o neoliberalismo podem atingir as consciências no sentido de introjetar o valor mercantil e as relações mercantis como padrão dominante para as relações e práticas sociais. Em conseqüência, os homens poderiam passar a considerar o livre mercado como o regulador "natural" de todas as atividades humanas. Esse processo de reconstrução discursivo- ideológica tem o claro objetivo de criar nas consciências um novo senso comum para que não somente aceitem as reformas liberais, mas as defendam como se fossem suas, promovendo a naturalização da exclusão ou “exclusão sem culpa. (CORRÊA, 2001 p. 6) De acordo com Pérez Gomes (1998), um tipo de educação baseada nos preceitos acima citados faz com que a exclusão vista na sociedade se coloque expansivamente dentro da escola, ou seja, baseado na idéia de que todos tem condições de ir à escola, todos tem oportunidade, acabam por marginalizar os alunos que não conseguem, por motivos muitas vezes sociais, apresentar os melhores rendimentos. Assim eles tornam-se cada dia mais marginalizados, e, no entanto, a sociedade age como se não tivesse culpa alguma, pois, se determinado aluno não conseguiu chegar a determinado lugar a obter sucesso na vida ele é tido como um incapaz, (instaura-se nesse momento a ótica do 45 individualismo) e não como uma pessoa que o tempo todo se viu marginalizada na sociedade, uma pessoa que o tempo todo lhe foi negado alguns tipos de conhecimentos. Corrêa (2001) faz uma análise muito pontual do modo como pensam as professoras da escola em que sua pesquisa foi desenvolvida, explicitando os seus pensamentos: Algumas acreditam que a escola deveria formar o indivíduo para que ele possa conviver com outro, que é diferente dele, de uma maneira mais ou menos harmônica, respeitando para ser respeitado. Outras perceberam que há uma normativa social que regula os comportamentos socialmente desejados de seus cidadãos e que a escola deveria atuar no sentido de introjetar esses "padrões" que a sociedade exige das pessoas, para que sejam aceitos socialmente. Na realidade, mecanismos de inclusão como esses promovem uma espécie de inclusão às avessas. (CÔRREA, 2001 p.06) Podemos constatar grande semelhança entre a definição que a autora faz do modo como pensam os professores, nos dois momentos, com Delors (2000), tendo em vista que a formação para a convivência harmônica (competências) com o diferente trata-se de um dos quatro pilares em que a educação deve estar baseada o “aprender a viver juntos, aprender com os outros”, e pode-se entender que a reprodução desse e dos outros pilares em que a educação deve estar assentada levaria a formação de um cidadão conforme pregam o modelo neoliberal. Trata-se então de pensamentos complementares ou até evolutivos, onde o primeiro pensamento desenvolvido culminaria no segundo. Ou seja, quando o tipo de competência, como o “aprender a viver juntos, aprender com os outros” é passado como ideologia aos alunos se está a um passo ou no caminho de formar um cidadão de acordo com os preceitos da sociedade atual, este tipo de ensino do meu ponto de vista não passa da socialização dos indivíduos com o mundo, não há nada de humanização nesse tipo de pensamento pedagógico, porque as pessoas são apenas “inseridas” na sociedade e tornam como legitima seus preceitos ao invés de compreendê- los e questioná-los Considero importante destacar que em se tratando de uma pesquisa, ela reflete a realidade da sociedade, e a realidade das professoras entrevistadas é uma realidade de perpetuação das desigualdades impostas pela sociedade. Pode ser facilmente detectado na fala dessas professoras a grande importância que elas dão aos modos de ser de seus alunos, ou seja, há muito pouco de transformador em seus discursos. 46 Neste trabalho Corrêa (2001) fala sobe a necessidade de a educação estar pautada em um novo tipo de concepção de prática pedagógica e de escola: A escola é uma instância social, dentre outras, que tem uma função mediadora de um projeto de sociedade, que tanto pode ser conservador como transformador. A educação deve ser assim compreendida, numa dimensão dialética, a partir de seus determinantes e condicionantes histórico-sociais, mas com possibilidades de agir no sentido de sua democratização. (CORRÊA, 2001 p. 09) Pérez Gomes (1998) assim como Corrêa (2001), também percebe a necessidade que há em se pensar um novo tipo de educação e de prática pedagógica, pois ele entende que a educação deve fornecer subsídios para que os alunos possam atuar de forma dinâmica na sociedade para que eles não somente aceitem tudo o que é passado pela sociedade, mas para que os indivíduos possam se libertar do pensamento encontrado no senso comum de reprodução das desigualdades. Por isso, há instaurada no pensamento tanto de Pérez Gomes (1998) como de Corrêa (2001) a necessidade de uma educação para a transformação, desta forma, para o verdadeiro processo de humanização dos indivíduos. No final do trabalho a autora faz algumas considerações importantes de serem citadas: “A escola pública deve ser entendida como espaço social, de vivências com pluralidade cultural, contradições, conflitos, dissensos e consensos. Não há como reinventar a escola sem questionar a sociedade na qual está inserida.” (CORRÊA, 2001 p.13) A citação posta acima tem grande relação com o pensamento de Sacristán (2005), um dos meus referenciais teóricos, pois ambos vêem a necessidade de se questionar a sociedade em que vive para então haver a possibilidade de um novo tipo de educação, questionar a ótica do individualismo, do consumismo, do trabalho, da cultura tomada como legítima, da mídia, dos meios de produção, entre outras, mas, Corrêa (2001) propõe uma quebra com a atual sociedade, e compreende como possível colocar uma sociedade mais justa, menos desigual e excludente no local da que temos hoje, e, a partir dessa transformação na sociedade pensar um novo tipo de educação. Já Sacristán (2005) propõe uma solução mais cabível ao problema da educação atualmente, pois, propõe uma transformação na escola a partir do modo como a sociedade está posta, não a negando, mas sim propondo soluções a seus problemas e a partir de então pensar a transformação na sociedade. 47 Particularmente não concordo que a sociedade com está não necessita de mudanças e nem de revisões em suas práticas cotidianas, mas, considero que devido ao momento delicado que a escola passa nos dias de hoje, momentos de aprendizagens vazias, evasão, falta de interesse, violência, entre outros, devemos trabalhar um tipo de educação para a transformação e humanização que estão ao nosso alcance, tomando como ponto de partida a realidade que possuímos para então poder sonhar com um tipo de sociedade e de educação diferente do que vivemos atualmente. Apesar da divergência de opinião da autora do trabalho com o meu ponto de vista, considero que o trabalho de Corres (2001) percebe e aponta a necessidade de uma mudança, de um novo tipo de educação e até esboça alguns caminhos tendo em vista a mudança, ele não fica somente pautado no discurso, propõe algumas ferramentas para que essa mudança ocorra, para que seja proporcionado de mais formas o processo de humanização dos alunos que freqüentam a escola, para que eles possam se tornar cidadãos. O trabalho que analisarei agora foi publicado no ano de 2003 na ANPED e seu título é “Fracasso escolar: “cultura do ideal” e “cultura do amoldamento”, Oliveira (2003). A autora trata da forma como o fracasso escolar pode ser observado após a implantação da política de progressão continuada nas escolas. Para a autora apesar de não haver mais na escola os mecanismos de repetência desde a implantação da política da progressão continuada, ainda se faz um cenário de exclusão para muitos de seus alunos. Segundo Oliveira (2003): [...] estudos chamam atenção para a existência de práticas, rituais, rotinas presentes na escola que pouco ou nada contribuem para melhoria da qualidade do ensino, problematizando mecanismos pelos quais a escola organiza seu trabalho - os quais estariam refletindo a presença de uma lógica de seleção, classificação, fracionamento, homogeneização, ou seja, de exclusão. (OLIVEIRA, 2003, p.2) Há grande relação com a citação do trabalho de Oliveira (2003) com Pérez Gomes (1998). A lógica de exclusão, que trata o trabalho analisado nesse momento, é justificada pela sociedade pela ótica do individualismo (tratada por Pérez Gomes, 1998), na qual, os alunos só se tornam bem sucedidos nos estudos se tiverem se esforçado para tal, se tiverem “capacidade” e “força de vontade”, mas, pouco se pensa que tipo de educação foi 48 oferecida aquele aluno para que obtivesse sucesso, pois na maioria das situações a educação é e tem um perfil excludente. Já a sociedade abaixo do discurso de que todos têm acesso à escola, culpa os alunos pelo fracasso e não a si mesma, não repetindo mais os alunos ela se redime de qualquer tipo de culpa, quando é na verdade a maior culpada por essa situação, por oferecer um tipo de educação ou de escolarização que exclui os alunos de inúmeras maneiras, ao invés de incluí-los verdadeiramente no mundo em que vivem. No momento em que a escola pratica este tipo de exclusão pode-se constatar que ela esta pautada nos ideais impostos pela sociedade que vivemos, pois, nessa sociedade alguns progredirão nos estudos e terão muito sucesso, outros devem saber o suficiente para serem bons trabalhadores. A educação serve então para manter a sociedade como está, onde a cada um deve ser e é mostrado o seu lugar desde muito cedo. (PÉREZ GOMES, 1998). Oliveira (2003) em seu trabalho pretendia analisar uma escola que tivesse mecanismos próprios para enfrentamento do fracasso escolar, lidando da melhor forma com as dificuldades, com os erros dos alunos e ainda proporcionando nesse momento um aprendizado a todos os professores que nela tivessem envolvidos, pois, essa escola poderia ser considerada, utilizando as palavras da autora, uma escola “boa”, pois ela mesma enfrenta os seus problemas e não espera que ninguém o faça por ela. Vejo nesse momento grande semelhança entre o que a autora diz e o trabalhado por Sacristán (2005). Para ele a educação deve ser reinventada sem grandes utopias ou melancolias, ela deve ser pensada a partir do que já possuímos, pensar em qualidade, objetivos e experiências pontuais como bons professores, ao invés de ficarmos a cargo de novas mudanças que com a mesma força que emergem, fracassam e afundam novamente. Um tipo de educação baseado nestes preceitos sem dúvida possibilita de alguma maneira avanços, evoluções, tanto no aprendizado de seus alunos quanto em sua vida para fora da escola, proporcionando aos indivíduos o que chamamos de processo de humanização. Porém, segundo Oliveira (2003), não é isso que ocorre efetivamente na escola estudada quando se analisa sua prática de perto, pois, na realidade essa escola por meio da diretora tendia a se “amoldar” as exigências que vinham externamente à ela, e assim tornava-se uma escola ideal, mas, nesse momento grande parte de seus problemas 49 tinham de ser esquecidos ou nem citados, desprezava-se o que acontecia internamente naquela instituição. Vejo nesse momento que, debaixo de um discurso de um novo tipo de educação e de prática escolar, que poderiam levar ao verdadeiro processo de humanização e formação do cidadão, está posto somente o processo de socialização de seus alunos e professores na educação excludente, ou seja, a escola age aparentemente do modo como esperam dela, abafando os verdadeiros problemas e os verdadeiros conflitos que como dizia Pérez Gomes (1998) poderiam utilizar o conhecimento público para despertar o conhecimento privado de cada um dos atores educacionais daquela escola e principalmente aos alunos que dela faziam parte. Neste trabalho não aparece efetivamente uma proposta de educação que ofereça subsídios para pensarmos em um tipo de educação para a transformação, mas ele apresenta uma análise de como os professores e a escola nos dias de hoje estão pautados em normas, currículos e interessados em corresponder aos anseios que vem externamente a escola. Considero então que o presente trabalho deixa claro que deve haver uma mudança de comportamento da escola e de seus atores, e isso pode ser considerado um grande avanço tendo em vista a realidade educacional atual. Ou seja, assim como todos os outros trabalhos citados, eles apontam existir na realidade de nosso país um problema. Mas, nesse trabalho o problema apenas existe e não estão sugeridos nenhum tipo possível de solução para eles. No trabalho “Os educadores e a organização do ensino em ciclos na rede municipal de São Paulo (1992-2001), Jacomini (2004), a autora entende que é com base em um padrão definido historicamente que os professores pautam a sua prática educativa, e muitas vezes este tipo de padrão acaba por refletir a ótica da sociedade capitalista que vivemos nos dias de hoje, e um exemplo disso são os ciclos. Para a autora: Na sociedade capitalista não se pode, então, falar de uma educação universal, mas de uma educação cujos objetivos e função são definidos pelas necessidades de reprodução da divisão social dessa sociedade. Por isso, as classes sociais e seus distintos setores recebem tipos de educação diferentes, mas é a classe dirigente que decide sobre a educação destinada às classes subalternas. (JACOMINI, 2004, p.5) 50 Pude observar no texto da autora grande semelhança com Sacristán (2005 p.42) um dos autores citados em meu referencial teórico. Para Sacristán, a sociedade influencia e de certo modo pretende “colonizar” os indivíduos nessa nova forma de viver chamada de globalização, e por isso, as práticas pedagógicas, em grande parte dos casos encontram-se pautadas em currículos homogêneos que tem de abarcar com as necessidades de todos, sem olhar para cada um em sua individualidade. Para o autor, a escola nasceu e até hoje detêm em suas raízes a função de normalizar os corpos na sociedade em que vivemos, ou seja, tem a função de manter a sociedade como ela se encontra, e ajudar a modificá-la quando ela requerer essa atitude. Jacomini (2004) fala sobre o fracasso da proposta de ciclos na cidade de São Paulo, e esse fracasso pode ser facilmente entendido se o analisarmos a luz da teoria de Sacristán (2001), pois, apesar da proposta de ciclos ser uma proposta inovadora ela continua pautada na exclusão, na diferença, na falta de oportunidades para todos e na falta de uma educação verdadeira para as pessoas, de uma verdadeira formação como cidadão, de um verdadeiro processo de humanização. Debaixo de uma proposta que parece mais democrática e menos excludente eu observo uma prática que acaba por disseminar ainda mais a exclusão, pois de certo modo nega definitivamente a educação a quem não tem oportunidades fazendo uso de um discurso de educação igual à todos, e debaixo do discurso do individualismo, onde quem se esforçar mais vai obter mais sucesso, negando as condições que foram dadas a cada um de seus alunos. Afora o conteúdo ideológico que é transmitido por meio dos conteúdos das diversas disciplinas, a falsa democratização do ensino tem servido para reforçar a reprodução das desigualdades sociais, por meio de falsas idéias sobre o direito e a igualdade. (JACOMINI, 2004 p.6) Para Jacomini (2004) não se pode dizer nos dias de hoje que as crianças não têm acesso aos meios de educação, mas a grande questão que se coloca é que tipo de educação é dado a elas, e a resposta já foi nos dada acima por Sacristán (2005). Assim, a educação dada a elas é um tipo de educação excludente que reflete a ótica da sociedade em que vivemos atualmente, portanto, nessa proposta nada há de democrático, somente o nome. 51 A autora do trabalho citado até então compreende a crise que o ensino/educação vive atualmente, porém ela propõe uma solução que difere um pouco do referencial por mim escolhido. Segundo as palavras da autora: É na dinâmica entre as formulações teóricoideológicas das políticas educacionais e as contradições geradas no processo de implementação que ocorre a possibilidade de a escola converter-se, por meio da compreensão e da ação dos educadores e da comunidade usuária, num espaço de questionamento das idéias dominantes, podendo buscar, por meio da construção de uma outra ideologia que se pretende tornar hegemônica, outras formas de as classes subalternas verem e interpretarem o mundo. (JACOMINI, 2004, p. 12) Tanto para Sacristán (2005), quanto para Pérez Gomes (1998), a educação está passando por um momento muito delicado, um momento de mudanças, mas diferente da autora que pretende quebrar com o modo de viver da sociedade nos dias de hoje, ambos os autores propõem uma mudança que utiliza as ferramentas que temos em nossas mãos, uma mudança partindo da sociedade como está posta, não uma conformação com o que foi posto até hoje, mas, em minha opinião, uma mudança que está mais próxima de acontecer. Para Sacristán (2005), Se considerarmos que a educação deve continuar a propor modelos de ser humano e de sociedade, sem se limitar a adaptar-se às exigências do momento (o que não significa desconsiderá-las), não podemos ficar a espera do que nos peça o exterior e do que o mercado reclama. Devemos antes defender uma determinada atitude comprometida com um projeto democraticamente elaborado que sirva um modelo flexível de individuo e de sociedade. (p.37) Já para Pérez Gomes (1998), A igualdade de oportunidades não é um objetivo ao alcance da escola. O desafio educativo da escola contemporânea é atenuar, em parte, os efeitos da desigualdade e preparar cada indivíduo para lutar e se defender, nas melhores condições possíveis no cenário social. (p.24) 52 Levando em consideração as citações de Sacristán (2005) e de Pérez Gomes (1998) fica evidente o contraste que há entre o pensamento de ambos e o pensamento da autora. Porém nesse momento considero imprescindível entender que apesar dessa diferença considerável, a autora propõe um tipo de educação que pretende modificar o que está sendo posto até então, ela pretende um tipo de educação que provoque o processo de humanização nos indivíduos. Mesmo que de outro modo, a autora entende a necessidade que está posta em se concentrar nosso modelo de educação em outros moldes, diferente do que foi posto/imposto aos alunos e as escolas até os dias de hoje. O último trabalho analisado por mim neste capítulo é “Ciclos e progressão continuada no estado de São Paulo: Faces de uma mesma “moeda”, Dias (2004). Nesse trabalho é feita uma abordagem histórica sobra a implementação dos ciclos no Brasil. Contudo, o que o diferencia é que o autor entende que a implementação dos ciclos é um reflexo direto da ótica do trabalho na educação, no ensino, assim: “O toyotismo introduziu um novo modelo de gestão empresarial, baseados em princípios mais flexíveis e individualizados, cuja similaridade com os princípios da noção de ciclos e organização escolar em ciclos são idênticas”. (DIAS, 2005, p.10) A citação de Dias (2005) se assemelha muito com as palavras de Pérez Gomes (1998), pois para esse autor a escola surge como uma necessidade de socializar os indivíduos jovens nas regras, normas de conduta, modos de agir e pensar da sociedade, já que a comunidade como também a família já não abarcavam sozinha essa função. A esse processo deu-se o nome de processo de educação. Nos dias de hoje a função da escola se modificou em alguns pontos, mas ainda é ela que tem o dever de manter a sociedade como esta se encontra. Deste modo, para uma conceituação que não se pretende generalizável tomamos que uma organização escolar em ciclos pressupõe uma escola que rompa com o modelo pedagógico unilateral, passivo e fragmentado de ensino e reconheça, como o centro das preocupações da escola e como base da organização escolar, o aluno em sua totalidade; com objetivo de ensinar e conduzir os alunos ao aprendizado de um mesmo conteúdo curricular intelectual adequado aos alunos de mesma idade, preocupando-se em respeitar seus modos e ritmos distintos de aprendizagem, considerando que esses modos e ritmos incluem o reconhecimento da história e experiência individual e social de cada aluno, e sem esquecer que as particularidades dos alunos são atributos dos seres humanos e não deve servir de empecilho para novamente fragmentar e individualizar ainda mais esses alunos, mas servir à união do coletivo social, acrescentando que os conteúdos intelectuais são aqueles que servem como direcionamento histórico-social (mediação) por 53 meio do qual os alunos se libertam da alienação imposta e superem a competitividade individual e a visão estreita de sociedade, em prol de uma explicação científica da sociedade capitalista, na luta pela mudança social e transformação dos indivíduos em sujeitos históricos. (DIAS, 2005, p.13) Considero imprescindível nesse momento discutir a citação acima. É importante destacar que a proposta dos ciclos em sua teoria não deve ser totalmente desprezada e nem descartada, o problema é que, partindo de uma proposta elaborada para a formação de um tipo de cidadão, que é o cidadão que a sociedade reclama, foi colocado dentro desta proposta a ideologia de Delors (2000), do aprender a ser, do aprender a fazer, ou seja, dos quatro pilares em que a educação deve estar baseada. E o que aconteceu com os ciclos foi que se tornaram uma proposta educacional vazia de conteúdos e repleta de competências, onde a avaliação de conteúdos foi substituída pela avaliação das habilidades. Em seu trabalho DIAS (2005) considera importante pensarmos em um novo tipo de educação, e também propõe uma forma de realizar essa mudança: “A mudança do conteúdo curricular envolve uma reorganização das funções da escola perante a sociedade, a de formar cidadãos. Aliás, esta função sempre foi um dos objetivos da escola, contudo, agora, tornou-se sua principal finalidade” (p. 15) Essa concepção do autor se assemelha muito com a concepção de Pérez Gomes (1998), pois, ele também propõe uma mudança na escola como um todo como possível enfrentamento para o problema que vemos posto nos dias de hoje. Para Dias (2005) a escola deve possuir um currículo mais heterogêneo, mais aberto as diferenças e as individualidades, de modo que não perpetue as desigualdades encontradas atualmente em nossa realidade educacional. Por fim, gostaria de realizar neste capítulo uma breve conclusão: Em um momento onde tanto habilidades quanto conteúdos deveriam importar, a educação foi esvaziada de conteúdos e repleta de habilidades, ou seja, inúmeros alunos saem da escola sem nenhum tipo de conteúdo e sem ter tido a possibilidade de contato com algum processo de humanização. Gostaria de ir além nessa discussão no momento, se pensarmos que todas ou grande parte das escolas atualmente possuem propostas pedagógicas baseadas em ciclos o que pode acorrer com os futuros cidadãos? Que tipo de pessoas estão sendo formadas? O que a escola ensina nos dias de hoje e de que forma ensina? Essa talvez é uma pergunta 54 sem resposta certa, ou com uma resposta que dificilmente encontraremos, por isso, minha intenção no capítulo que segue, e sugerir apontamentos e compreensões para a temática por mim estudada, e não fornecer respostas concretas a esses questionamentos. 55 5. Considerações Finais Nesse momento realizo as considerações finais de meu trabalho de conclusão de curso, para isso considero imprescindível reafirmar o meu objetivo definido no início do trabalho, pois, acredito que ele me orientará nessa tarefa. Inicialmente a minha intenção era em constatar nos trabalhos da ANPED GT 13 se eles davam maior ênfase ao que eu chamei de transmissão dos conteúdos e modos de ser impostos pela sociedade (ou processo de socialização) ou se eles tendiam para o lado de uma educação para a transformação e para a formação do cidadão (o que eu denominei como processo de humanização),com base em Gimeno Sacristán e Pérez Gomes. Ao fim deste trabalho pensando em todo o processo que percorri, desde entrar ao site, à primeira seleção dos trabalhos, para posteriormente a seleção dos cinco trabalhos que realmente contribuíram para o meu estudo, até a análise dos trabalhos tendo em vista o referencial teórico, foi um longo caminho, mas, sem dúvida o resultado me surpreendeu. Pude observar que apesar dos trabalhos diferirem um pouco entre si, pela metodologia, pelo tipo de pesquisa, pelos referenciais, eles possuem um ponto em comum. Eles consideram que a educação como está posta nos dias de hoje não está adequada a realidade que vivemos, ou seja, todos os trabalhos consideram que a educação encontra-se deficiente em inúmeros aspectos nesse momento. Dos cinco trabalhos analisados, quatro tratavam efetivamente sobre a progressão continuada e a política de ciclos e todos os quatro apontavam para a influência da sociedade, da globalização, do mundo no trabalho, do neoliberalismo na implantação dessas políticas, ou seja, fica claro em todos esses trabalhos que a sociedade e principalmente o mundo do trabalho influência de maneira profunda a realidade educacional de nosso país, tendo em vista que a maioria das escolas públicas brasileiras estão organizadas em ciclos. Assim, nesse tipo de prática educativa atinge-se com maior destreza o processo de socialização nos conteúdos e modos de ser que o Estado deseja (nesse momento, desconsidero as exceções que são os professores que possuem uma prática pedagógica 56 diferenciada). O processo de humanização e de formação do cidadão ainda ocorre somente de maneira discreta e não aparente. O trabalho que foi analisado em primeiro lugar não discute os ciclos mas, discute a forma como os temas transversais estão propostos e discute a influência que a sociedade tem sobre eles. Mais uma vez é a sociedade e o mundo do trabalho impulsionando um processo de socialização na educação, não deixando espaço para a verdadeira formação do cidadão, para o processo de humanização. Se os trabalhos da ANPED pudessem ser discutidos por si só, descartando a realidade que está contida nos trabalhos, diria que todos eles propõem um tipo de educação que impulsiona o processo de humanização, mas, a realidade que pode ser vista nesses trabalhos é exatamente oposta a isso, ou seja, eles relatam a realidade educacional que vivemos, a realidade de transmissão dos conteúdos de forma apenas para socializar os cidadãos nos rudimentos que a sociedade requer e vêem este tipo de educação como uma educação fragmentária. Nesse momento se faz necessária a observação de que no decorrer do trabalho, fazendo uso dos conceitos, processo de socialização e processo de humanização, de Pérez Gomes e Gimeno Sacristán, a intenção não estava em tornar os dois conceitos opostos, em dicotomizar, pois, considero que o processo de humanização ocorre na escola o tempo todo, nos intervalos, na interação com os colegas e em mais inúmeros espaços. Porém, o chamado processo de humanização ainda não ocorre de maneira ampla, levando em conta que a socialização está mais presente no cotidiano escolar. É importante nesse momento considerar que o processo de socialização também é necessário no cotidiano escolar, no entanto, a grande questão esta no modo como ele é posta na escola. Enfim, nesse momento pretendo responder a pergunta que fiz logo no início do meu trabalho de conclusão de curso: Os trabalhos da ANPED dão mais ênfase a transmissão dos conteúdos da forma que a sociedade impõe, ou a formação verdadeira do cidadão? Sem dúvida todos os trabalhos propõem um tipo de educação para a transformação, alguns de forma mais radical que outros, mas todos propõem. Agora, enquanto futura educadora, o que me preocupa é a realidade que eles denunciam em suas entrelinhas, e por isso minha intenção nesse momento é progredir em estudos para que eu tenha a possibilidade de desvelar essa realidade, compreendendo-a da melhor maneira possível. 57 Referências Bibliográficas: AGUIAR, Denise Regina da Costa. A escola em ciclos e os ciclos na escola: Um lugar de qualidade? In: < http://www.anped.org.br/reunioes/28/GT13/gt131172int.rtf > acesso em 02/06/2008. BARBOSA, Mirtes Lia Pereira. Práticas escolares: Aprendizagem e normalização dos corpos. In: < http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT13-1895--Int.pdf > acesso em 03/06/2008. BENCOSTTA, M. A educação nas constituições do Brasil. Rio de Janeiro: DP& A, 2002. BERGAMASCHI, Maria Aparecida. O tempo histórico nas primeiras séries do ensino fundamental. In: <http://www.anped.org.br/reunioes/23/textos/1317t.PDF> acesso em 29/05/2008. COELHO, Lígia Martha. 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