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* * * PARASITOLOGIA MÉDICA Complemento multimídia dos livros “Parasitologia” e “Bases da Parasitologia”. Para a terminologia, consultar “Dicionário de termos técnicos de Medicina e Saúde”, de Luís Rey Fundação Oswaldo Cruz Instituto Oswaldo Cruz Rio de Janeiro 2. PROTOZOOLOGIA * * * FLAGELADOS PARASITOS Doenças do homem causadas por Protozoários Flagelados * * * Os tripanossomatídeos (1) São protozoários, isto é, organismos unicelulares dotados de um núcleo diferenciado e contendo, no citoplasma, uma estrutura característica – o cinetoplasto – ligado a sua longa mitocôndria. O cinetoplasto contém um DNA especial, o kDNA. De suas proximidades parte um flagelo curto ou longo. Esquema de um tripanossomo cuja metade superior da região posterior foi suprimida no desenho. O flagelo fica parcialmente preso à membrana celular por meio da membrana ondulante. * * * Os tripanossomatídeos (2) Durante seu ciclo biológico, que exige dois hospedeiros – um vertebrado e um inseto –, esses parasitos podem apresentar formas distintas, denominadas: (A) amastigota, (B) promastigota, (C) coanomastigota, (D) epimastigota, (E) tripomastigota e (F) opistomastigota. Formas essas que ocorrem em função da espécie e do meio em que os protozoários se encontrem. Em amastigotas (A), o flagelo não ultrapassa os limites da célula, ficando contido em um espaço, o bolso flagelar. Em epimastigotas (D), ele se inicia adiante do núcleo. Em tripomastigotas (E), parte da extremidade posterior. * * * Os tripanossomatídeos (3) Esses flagelados multiplicam-se por divisão binária simples, iniciando-se a reprodução pela duplicação do corpúsculo basal do flagelo e do cinetoplasto. No tubo digestivo dos insetos, a reprodução ocorre na forma epimastigota (A) mas, nos macrófagos dos vertebrados, na fase amastigota (B) intracelular. Um dos cinetoplastos conser-va o flagelo, e o outro produz novo. Seguem-se a divisão nuclear por endocitose e a do corpo celular (citodiérese). Na Fig. C, um Trypanosoma cruzi está em divisão, passando o corte pelos cinetoplastos e um corpúsculo basal do flagelo. (Segundo R. Milder, USP.) A B C * * * Tripanossomíase americana A doença de Chagas * * * Trypanosoma cruzi Em Trypanosoma cruzi, que é a espécie mais importante para a patologia humana, no Brasil apenas as formas (A) amastigota, (B) epimastigota e (C) tripomastigota são encontradas. A B C B = blefaroplasto F = flagelo G = aparelho de Golgi I = inclusão citoplásmica K = cinetoplasto M = mitocôndria Mo = membrana ondulante mt = microtúbulos N = núcleo RE = retículo endoplásmico V = vacúolo * * * Tripanossomíase por T. cruzi : doença de Chagas Existem duas ou mais variedades ou linhagens de Trypanosoma cruzi, morfologicamente indistinguíveis: - uma, causadora habitual da doença de Chagas e transmitida, em geral, por insetos triatomíneos nos domicílios (ou por transfusão); - outras, que são zoonoses e só raramente infectam o homem, pro-duzindo quadros benignos ou assintomáticos da doença. O ciclo de T. cruzi passa-se, em parte, nos insetos triatomíneos, que se infectam ao sugar pessoas ou animais parasitados. O flagelado multiplica-se sob a forma epimastigota no intestino do inseto (A). Depois, no reto (B), muda para tripomastigota infectante, que sai com a urina ou com as fezes (C) toda vez que, ao sugar sangue, o inseto vier a defecar. Se as fezes contaminarem uma ferida (a da picada, p. ex.) ou a conjuntiva ocular, a pessoa poderá contrair a infecção (D, E, F). * * * Ciclo do T. cruzi no homem Ao penetrar no organismo, o T. cruzi invade algumas células do sistema fagocítico mononuclear da pele, onde, depois de ter destruído a parede do vacúolo fagocitário e de ter invadido o cito-plasma celular, multi-plica-se por divisão simples, sob a forma de amastigotas. Na figura, vêem-se dois amastigotas que acabam de resultar de uma divisão celular. (Segundo R. Milder, USP.) * * * Ciclo do T. cruzi no homem Após algumas divisões biná-rias intracelulares (A), o T. cruzi passa a tripomastigota e invade a circulação sanguí-nea, sendo disseminado por todo o organismo. T. cruzi no sangue: forma fina. B A Os tripomastigotas do sangue (B, C) não se multiplicam, mas alguns invadem outras células, inclusive as musculares lisas, as estriadas e as miocárdicas, que serão por fim destruídas. Original de Regina Milder, USP. T. cruzi: duas formas sanguícolas finas e duas largas. C * * * O T. cruzi nos tecidos As formas finas do parasito têm a capacidade de invadir qualquer célula do hospedeiro, mas principalmente as musculares, as quais vão destruindo lentamente ao crescerem e se multiplicarem nelas. Na foto da esquerda, reprodução em uma fibra muscular lisa e, na de cima, em fibra estriada parcialmente destruída. (Segundo Z. Brener.) As células rotas serão invadidas por uma reação inflamatória. * * * O quadro clínico Os triatomíneos podem picar qualquer parte do corpo que se encontre descoberta, em geral à noite. O período de incubação varia de 1 a 3 semanas. A infecção aguda é marcada por inflamação local: o chagoma de inoculação, uma inflamação com conjuntivite, que constitui o sinal de Romaña (edema bipalpebral e unilateral). Doc. de J. C. Pinto Dias, Brasília. * * * Patologia da tripanossomíase (1) Muitas infecções podem apresentar uma fase aguda febril, tornando-se depois, assintomáticas. Outros casos permanecem sem sintomas indefinidamente. Nos casos sintomáticos, a freqüência com que cada órgão ou tecido é atingido varia bastante, como mostra este gráfico (segundo Koeberle, 1968). * * * Patologia da tripanossomíase (2) Nas formas graves, o coração é geralmente o órgão mais afetado. Seu volume fica aumentado e com as paredes delgadas (A). Eventualmente com um aneurisma em sua ponta (B). Pode haver, então, a formação de um trombo, com risco elevado de causar embolias. Eletrocardiogra-ma e exame clíni-co constatam as alterações da con-dução do estímulo e do ritmo cardía-cos, os bloqueios aurículo-ventricu-lares e de ramo. AA B A Fotos do Dr. H. Lenzi, FIOCRUZ * * * Patologia da tripanossomíase (3) A cardiomegalia é uma das manifestações da cardiopatia chagá-sica crônica e é de mau prognóstico. Sua evolução leva à insuficiência cardíaca congestiva e pode evoluir para a fibrilação e morte súbita. A radiografia ao lado mostra a área cardíaca muito aumentada de um paciente crônico. Doc. do Serviço do Prof. N.C. Caminha, Rio de Janeiro. * * * Patologia da tripanossomíase (4) Outro sistema muitas vezes afetado é o digestório. As alterações produzidas nas estruturas da parede do tubo digestivo, com a destruição de seus plexos nervosos e atrofia muscular, levam à dilatação e atonia do órgão. Isso pode ocorrer ao nível do esôfago, produzindo o megaesôfago, que causa difi-culdade para a deglutição. A radiografia com o contraste de bário mostra o esôfago dilatado acima do cárdia. Doc. do Serviço do Prof. N.C. Caminha, Rio de Janeiro. * * * Patologia da tripanossomíase (5) O megacólon consiste na dilatação do intestino grosso, pelas mesmas razões que levam ao megaesôfago. A falta de movimentos peristálticos adequados cria um estado de constipação crônica e acúmulo de grandes volumes de fezes nesse nível. O tratamento é cirúrgico e consiste na ressecção do segmento intestinal afetado. Doc. do Serviço do Prof. N.C. Caminha, Rio de Janeiro. * * * Diagnóstico da infecção Várias técnicas permitem o diagnóstico da infecção: Na fase aguda, o exame de sangue a fresco (onde se vê o parasito em movimento), em gota espessa ou estirada, coradas pelo método de Giemsa (ou de Leishman) permitem visualizar os tripanossomos circulantes, que são então abundantes. Uma gota de sangue (A) é depositada sobre uma lâmina de microscopia e estendida, para fixação e coloração posterior. Uma gota espessa (B) pode ser desemoglobinizada, fixada e depois corada, para melhor visualização dos parasitos. Outras técnicas possíveis são a hemocultura e a PCR, se bem que esta última não tenha entrado ainda na rotina diagnóstica. * * * Sorologia e xenodiagnóstico Também o xenodiagnóstico pode ser utilizado, sobretudo na fase crônica, e consiste em fazer alguns triatomíneos limpos (criados no laboratório e alimen-tados sobre aves) sugarem o sangue do paciente (figura). No xenodiagnóstico, uma amostra de sangue, retirada por punção venosa, é posta dentro de um preservativo (não lubrificado) e exposta aos insetos (que estiveram em jejum prolongado) para que suguem. Se o paciente for positivo, decorridas 2 a 6 semanas, o exame microscópico das fezes desses insetos mostra a presença de tripomastigotas infectantes. Na fase crônica, a sorologia (pela imunofluorescência, hemaglutinação ou pelo método de ELISA) é mais eficiente por demonstrar a presença de anticorpos específicos no soro. Frasco (c) coberto com tela de filó (a, b), tendo suportes (d, e) para os triatomíneos e um preservativo contendo o sangue a testar (f). * * * Tratamento da tripanossomíase Só existe tratamento medicamentoso para a fase aguda, quando se utiliza o benznidazol (ou o nifurtimox), com resultados variáveis segundo as linhagens de Trypanosoma cruzi. O controle de cura é difícil, sendo feito pela sorologia, pela hemocultura ou pelo xenodia-gnóstico. Na fase crônica, o tratamento é sintomático, sendo a cardiopatia chagásica medicada como as de outras etiologias. Tanto o megaesôfago como o megacólon são tratados cirurgicamente. * * * PREVALÊNCIA Os inquéritos feitos no Brasil, em 1980, pelo método de imunofluorescência indireta, indicavam uma prevalência global de 4,4%, variando de Estado para Estado, segundo mostra o gráfico abaixo, onde Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Goiás figuravam com as maiores prevalências. Estimava-se existirem no Brasil 6 milhões de pessoas sorologicamente positivas. A situação hoje é bem outra. * * * Reservatórios A tripanossomíase americana é uma zoonose de animais silvestres, originária dos Andes bolivianos, que os movimentos populacionais levaram primeiro para o Peru, Paraguai, Chile e Argentina, depois para o sul do Brasil. Em nosso país, muitos mamíferos silvestres podem ser reservatórios, tais como os tatus e os marsupiais, como o gambá, além de roedores e macacos. Dasypus novemcinctus Didelphis marsupialis * * * Os insetos vetores Em geral, a infecção é transmitida por insetos da família Reduviidae e dos gêneros Panstrongylus, Triatoma e Rhodnius. São possíveis também a transmissão congênita, ou por transplante e a transfusional sanguínea. No Brasil, os principais vetores são: Triatoma infestans (de hábitos domésticos) e Panstrongylus megistus (doméstico ou silvestre, segundo as regiões). Mas, várias outras espé-cies silvestres, que transmi-tem a infecção entre os animais, podem contaminar pessoas que penetrem no ecossistema onde vivem. Ou quando, por acaso, esses insetos invadem as casas, como faz o Triatoma braziliensis, de hábitos peri-domésticos e o principal transmissor da infecção em todo o Nordeste do Brasil. T. infestans P. megistus * * * Distribuição dos vetores Os insetos triatomíneos dis-tribuem-se do sul da Argentina (Patagônia) até o sul dos EUA. Porém, o principal transmis-sor da doença de Chagas – Triatoma infestans – ocupa os países andinos a partir do Peru até o Uruguai, o Paraguai e o sul do Brasil. Panstrongylus megistus – o segundo vetor em importância – encontra-se principalmente no Brasil e no Paraguai. Triatoma braziliensis – habi-ta o Nordeste do Brasil. Rhodnius prolixus – vive nos focos do norte do Continente Sul-Americano. * * * Fatores epidemiológicos (1) A importância maior do Triatoma infestans está no fato de ter-se adaptado ao ambiente doméstico, vivendo nas casas com paredes de barro, onde se abriga e se multiplica nas fendas e em outros esconderijos, durante o dia. Saem à noite para sugar sangue, pois são hematófagos em todas as fases evolutivas. A figura mostra seus estádios de desenvolvimento nas paredes de barro: Os ovos (1). Ninfas de primeiros estádios (2). Ninfas de quinto estádio (3). Insetos adultos (4). * * * Fatores epidemiológicos (2) As casas rurais com paredes de barro e sem revestimento, ou com cobertura de palha, oferecem um microambiente muito favorável para triatomíneos como os Triatoma infestans, que se domiciliaram no Brasil. Sendo uma espécie exótica, que não se adaptou aos novos ambientes silvestres, sua erradicação é possível mediante o uso de inseticidas aplicados nas moradias. A borrifação das pa-redes internas das casas (e tetos de pa-lha) com inseticidas de ação residual tem- -se revelado eficiente para interromper a transmissão da ende-mia por T. infestans. Outrora ela era feita com o hexacloro-benzeno (ou BHC) e, atualmente, com os piretróides. * * * O programa de controle da endemia Não existindo terapêutica eficaz, nem processo de imunização que proteja os indivíduos suscetíveis, a ação contra essa tripanossomíase consiste basicamente na eliminação dos principais triatomíneos vetores com inseticidas. O êxito obtido, de início, no Estado de São Paulo (desde 1984) e, depois, em extensas regiões do país levou à convic-ção de que é possível eliminar a transmissão domiciliar. Com isso, tem-se impedido o apareci-mento de novos casos. Foto de J. C. Pinto Dias, Brasília. * * * Controle do Triatoma infestans Redução das áreas de dispersão do T. infestans no Brasil, no período compreendido entre 1983 e 1999. * * * Problemas do controle Em regiões onde os insetos vetores têm hábitos silvestres, como no Nordes-te do Brasil, e costumam invadir as habitações huma-nas, o controle é mais difícil, visto que, após cada borrifa-ção, haverá reinvasão dos domicílios rurais. Isso exige a aplicação periódica dos inseticidas de ação residual, por tempo indefinido; ou até que as precárias habitações rurais venham a ser substituídas por construções que ofere-çam total proteção contra os insetos. Outro problema é o contro-le dos doadores de sangue. Os que estão infectados devem ser identificados soro-logicamente para que seu sangue não seja utilizado. Os bancos de sangue devem fazer seleção rigorosa e sistemática dos doadores (o que nem sempre tem acontecido) para evitar a transmissão transfusional. O mesmo problema ocorre nos transplantes de órgãos. São medidas necessárias enquanto existirem na po-pulação pessoas portadoras de infecções crônicas, ainda que assintomáticas. * * * Resultados do controle da tripanossomíase americana Situação do controle da tripanossomíase americana após 1980, de acordo com as taxas de infecção registradas nos grupos populacionais (indicados entre parênteses) dos países do Cone Sul (OMS, 2002). No Brasil, baixou de 5% para 0,3%, no grupo de 0 a 7 anos. A doença de Cha-gas residual subsiste agora quase só entre adultos os sobreviventes. Agora, um programa de vigilância epide-miológica ocupa-se de monitorizar a situa-ção. * * * Leituras complementares ALENCAR, J.E. – História Natural da Doença de Chagas no Estado do Ceará. Fortaleza, Imprensa Universitária da UFC, 1987 [341 páginas]. DIAS, J.C.P & COURA, J.R. – Clínica e Terapêutica da Doença de Chagas. Uma abordagem prática para o clínico geral. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1997 [486 páginas]. REY, L. – Bases da Parasitologia. 2a edição. Rio de Janeiro, Guanabara-Koogan, 2002 [380 páginas]. REY, L. – Parasitologia. 3a edição. Rio de Janeiro, Guanabara- Koogan-, 2001 [856 páginas]. SILVEIRA, A.C. e outros – O controle da Doença de Chagas nos Países do Cone Sul da América. História de uma iniciativa internacional, 1991-2001. Uberaba, Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, 2002 [316 páginas]. WORLD HEALTH ORGANIZATION – Control of Chagas Disease. WHO Technical Report Series, 905. Geneva, WHO, 2002 [109 páginas].