Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A Bacia hidrográfica e balanço hídrico ciclo hidrológico é normalmente estudado com maior interesse na fase terrestre, onde o elemento fundamental da análise é a bacia hidrográfica. A bacia hidrográfica é a área de captação natural dos fluxos de água originados a partir da precipitação, que faz convergir os escoamentos para um único ponto de saída, seu exutório. A definição de uma bacia hidrográfica requer a definição de um curso d’água, de um ponto ou seção de referência ao longo deste curso d’água e de informações sobre o relevo da região. Uma bacia hidrográfica pode ser dividida em sub-bacias e cada uma das sub-bacias pode ser considerada uma bacia hidrográfica. A bacia hidrográfica pode ser considerada como um sistema físico sujeito a entradas de água (eventos de precipitação) que gera saídas de água (escoamento e evapotranspiração). A bacia hidrográfica transforma uma entrada concentrada no tempo (precipitação) em uma saída relativamente distribuída no tempo (escoamento). As características fundamentais de uma bacia que dependem do relevo são: • Área • Comprimento da drenagem principal • Declividade A área é um dado fundamental para definir a potencialidade hídrica de uma bacia, uma vez que a bacia é a região de captação da água da chuva. Assim, a área da bacia multiplicada pela lâmina precipitada ao longo de um intervalo de tempo define o volume de água recebido ao longo deste intervalo de tempo. A área de uma bacia hidrográfica pode ser estimada a partir da delimitação dos divisores da bacia em um mapa topográfico. Capítulo 3 O I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 13 Um exemplo de bacia delimitada é apresentado na Figura 3. 1. A bacia delimitada corresponde à bacia do Arroio Quilombo, próximo a Lomba Grande e Novo Hamburgo, até a seção que corresponde a ponte da estrada vicinal indicada no mapa. O divisor de águas apresentado como uma linha pontilhada separa as regiões do mapa em que a água da chuva vai escoar até a seção da ponte das regiões em que a água da chuva não vai escoar até esta seção. O divisor de águas passa, em geral, pelas regiões mais elevadas do entorno do Arroio Quilombo e de seus afluentes, mas não necessariamente inclui os pontos mais elevados do terreno. O divisor de águas intercepta a rede de drenagem em apenas um ponto, que corresponde ao exutório da bacia (no exemplo é a seção da ponte). Figura 3. 1: Exemplo de uma bacia hidrográfica delimitada sobre um mapa topográfico. A área da bacia pode ser medida através de um instrumento denominado planímetro ou utilizando representações digitais da bacia em CAD ou em Sistemas de Informação Geográfica. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 14 O comprimento da drenagem principal é uma característica fundamental da bacia hidrográfica porque está relacionado ao tempo de viagem da água ao longo de todo o sistema. O tempo de viagem da gota de água da chuva que atinge a região mais remota da bacia até o momento em que atinge o exutório é chamado de tempo de concentração da bacia. A declividade média da bacia e do curso d’água principal também são características que afetam diretamente o tempo de viagem da água ao longo do sistema. O tempo de concentração de uma bacia diminui com o aumento da declividade. A equação de Kirpich, apresentada abaixo, pode ser utilizada para estimativa do tempo de concentração de pequenas bacias: 385,03 57 ∆ ⋅= h L tc onde tc é o tempo de concentração em minutos; L é o comprimento do curso d’água principal em km; e ∆h é a diferença de altitude em metros ao longo do curso d’água principal. A equação de Kirpich, apresentada acima, foi desenvolvida empiricamente a partir de dados de bacias pequenas (menores do que 0,5 Km2). Para estimar o tempo de concentração de bacias maiores pode ser utilizada a equação de Watt e Chow, publicada em 1985 (Dingman, 2002): 79,0 5,068,7 ⋅= S L tc onde tc é o tempo de concentração em minutos; L é o comprimento do curso d’água principal em Km; e S é a declividade do rio curso d’água principal (adimensional). Esta equação foi desenvolvida com base em dados de bacias de até 5840 Km2. Outras características importantes da bacia Os tipos de solos, a geologia, a vegetação e o uso do solo são outras características importantes da bacia hidrográfica que não estão diretamente relacionadas ao relevo. Os tipos de solos e a geologia vão determinar em grande parte a quantidade de água precipitada que vai infiltrar no solo e a quantidade que vai escoar superficialmente. A vegetação tem um efeito muito grande sobre a formação do escoamento superficial e sobre a evapotranspiração. O uso do solo pode alterar as características naturais, Tempo de concentração é o tempo que uma gota de chuva que atinge a região mais remota da bacia leva para atingir o exutório. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 15 modificando as quantidades de água que infiltram, que escoam e que evaporam, alterando o comportamento hidrológico de uma bacia. Representação digital de uma bacia hidrográfica Tradicionalmente os estudos de hidrologia estiveram baseados em mapas topográficos para a caracterização de bacias hidrográficas. A partir da década de 1970 a popularização dos computadores permitiu que fossem criadas formas de representar o relevo digitalmente, permitindo a armazenagem e processamento de dados topográficos de uma forma prática para análises hidrológicas. Existem três formas principais de representar o relevo em um computador. Em primeiro lugar, o relevo pode ser representado em um computador utilizando linhas digitalizadas representando as curvas de nível. Esta forma de representação é muito útil para a geração de mapas. Em segundo lugar o relevo pode ser representado utilizando faces triangulares inclinadas formadas a partir de três pontos com cotas e coordenadas conhecidas. Esta forma de representação é muito utilizada para ferramentas de visualização em três dimensões do terreno. A Figura 3. 2 apresenta um exemplo de um TIN (Triangular Irregular Network) representando o relevo de uma região. Figura 3. 2: Representação digital do terreno através de triângulos (TIN). A terceira forma de armazenar dados topográficos é baseada na utilização de uma grade ou matriz em que cada elemento contém um valor que corresponde à altitude local. Esta forma de armazenar dados topográficos, denominada Modelo Digital de Elevação (MDE), é a forma de representação do relevo mais utilizada para extrair informações úteis para estudos hidrológicos. Para a visualização, as altitudes são convertidas em cores, ou níveis de cinza. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 16 Figura 3. 3: Representação do relevo na forma de uma matriz (MDE) com sobreposição de curvas de nível de separadas por 10 m. Um MDE pode ser obtido a partir da digitalização e interpolação de mapas em papel, através da interpolação de dados obtidos em levantamentos topográficos de campo (GPS); ou com sensores remotos, a bordo de aviões ou satélites. Uma característica fundamental de um MDE é sua resolução espacial, que corresponde ao tamanho do elemento em unidades reais do terreno. Um MDE de alta resolução de uma bacia urbana poderia ter uma resolução espacial de 2m. Isto significa que cada célula representaria um quadrado de 2 m por 2 m de extensão. Em grandes bacias rurais não há necessidade de informações tão detalhadas, neste caso um MDE de resolução espacial de 100 m seria, em geral, adequado. Utilizando um MDE é possível identificar, para cada elemento da matriz, qual é a direção preferencial de escoamento. Admite-se que a água deve escoar de uma célula para uma das oito células vizinhas, de acordo com o critério de maior declividade. Este I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 17 cálculo é repetido para todas as células de uma matriz. O resultado é uma nova matriz em que cada célula recebe um valor que é um código de direção de escoamento. A partir da matriz com os códigos de direção de escoamento é possível definir os divisores de uma bacia hidrográfica automaticamente. Contando o número de células existentes dentro de uma bacia delimitada é possível calcular a área da bacia. A Figura 3. 4 apresenta as direções de escoamento da água sobre um terreno representado na forma de uma grade, ou matriz, com altitudes indicadas em cada célula. Figura 3. 4: Determinação das direções de escoamento sobre o relevo representado na forma de uma grade (Modelo Digital de Elevação): a) altitudes; b) códigos utilizados para definir as direções de fluxo; c) grade com direções de fluxo codificadas; d) grade com direções de fluxo indicadas por setas. Supondo que o objetivo da análise seja determinar a área da bacia a montante da célula localizada na penúltima linha e na penúltima coluna, conforme indicado na Figura 3. 5, seria fácil identificar as células que conduzem a água até este local, simplesmente I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 18 analisado as direções das setas. Este tipo de procedimento pode ser automatizado em um programa de computador, permitindo a análise de bacias muito mais complexas. a) b) Figura 3. 5: Delimitação de uma bacia hidrográfica sobre uma grade com direções de fluxo calculadas a partir do MDE. A figura da esquerda mostra a célula definida como o exutório da bacia. A figura da direita mostra a área da bacia até este exutório. A representação do relevo em grade obviamente resulta numa aproximação da forma real que pode conduzir a erros. A Figura 3. 6 mostra a diferença entre o contorno de uma bacia hidrográfica real e o contorno aproximado para duas resoluções espaciais diferentes. Observa-se que quanto maior a resolução espacial, menores os quadrados e melhor é a aproximação do contorno real da bacia. Figura 3. 6: Aproximação do contorno real de uma bacia hidrográfica sobre uma grade de (a) baixa resolu;cão e (b) alta resolução espacial. (a região hachurada é a área da bacia real e a linha escura apresenta o contorno aproximado sobre a grade regular). I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 19 Exemplo 1) Determine as direções de escoamento para as células do MDE da figura abaixo, considerando que a resolução espacial é de, aproximadamente, 90 x 90 m e que as altitudes estão em metros. Começamos considerando que as células do contorno drenam para o interior da figura. Assim, para a primeira célula (canto superior esquerdo) é necessário definir qual é a direção de maior declividade. A altitude da primeira célula é de 355 m. A altitude da célula localizada ao leste é de 359m, o que significa que a água não pode escoar para o leste. As duas células localizadas ao sul e a sudeste apresentam altitudes mais baixas. A declividade a partir da primeira célula para o sul pode ser calculada por: 0778,0 90 348355 = − =S A declividade a partir da primeira célula para o sudeste pode ser calculada por (considera-se que a distância no sentido diagonal é igual à resolução vezes a raiz de 2): 0864,0 290 344355 = ⋅ − =S Portanto a direção de fluxo na primeira célula (canto superior esquerdo) é para sudeste. Este procedimento é repetido para cada uma das células. Para as células centrais é preciso calcular a declividade para um número maior de vizinhas antes de escolher a direção de maior declividade. A figura abaixo mostra o MDE original e as direções de fluxo determinadas para todas as células. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 20 Num SIG pode-se utilizar a capacidade do computador para representar bacias hidrográficas de forma bastante detalhada. Um modelo digital de elevação obtido durante uma missão do ônibus espacial da NASA está disponível gratuitamente na Internet. Este MDE, denominado SRTM (sigla para Shuttle Radar Topography Mission), apresenta uma resolução espacial de cerca de 90 m, e pode ser no endereço http://srtm.csi.cgiar.org/. Uma versão deste MDE com alguns produtos derivados para aplicações em hidrologia é denominada Hydrosheds, e é distribuída no sítio http://hydrosheds.cr.usgs.gov/. No Brasil, o Laboratório de Geoprocessamento do Centro de Ecologia da UFRGS (http://www.ecologia.ufrgs.br/labgeo/SRTM_BR.php) disponibiliza um MDE para cada um dos estados brasileiros, obtido a partir do SRTM, previamente analisado e com alguns erros corrigidos. O MDE do SRTM é adequado para a análise de bacias hidrográficas de escala relativamente grande. Para bacias pequenas bacias urbanas a resolução espacial de 90 m obviamente não é adequada. Além disso, o MDE do SRTM apresenta erros devido à presença de prédios, o que inviabiliza sua aplicação em bacias urbanas. Balanço hídrico numa bacia O balanço entre entradas e saídas de água em uma bacia hidrográfica é denominado balanço hídrico. A principal entrada de água de uma bacia é a precipitação. A saída de água da bacia pode ocorrer por evapotranspiração e por escoamento. Estas variáveis podem ser medidas com diferentes graus de precisão. O balanço hídrico de uma bacia exige que seja satisfeita a equação: QEP dt dV −−= ou, num intervalo de tempo finito: QEP t V −−= ∆ ∆ onde ∆V é a variação do volume de água armazenado na bacia (m3); ∆t é o intervalo de tempo considerado (s); P é a precipitação (m3.s-1); E é a evapotranspiração (m3.s-1); e Q é o escoamento (m3.s-1). I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 21 Figura 3. 7: Relevo de uma bacia hidrográfica e as entradas e saídas de água: P é a precipitação; ET é a evapotranspiração e Rs é o escoamento (adaptado de Hornberger et al., 1998). Em intervalos de tempo longos, como um ano ou mais, a variação de armazenamento pode ser desprezada na maior parte das bacias, e a equação pode ser reescrita em unidades de mm.ano-1, o que é feito dividindo os volumes pela área da bacia. QEP += onde P é a precipitação em mm.ano-1; E é a evapotranspiração em mm.ano-1 e Q é o escoamento em mm.ano-1. As unidades de mm são mais usuais para a precipitação e para a evapotranspiração. Uma lâmina de 1 mm de chuva corresponde a um litro de água distribuído sobre uma área de 1 m2. O percentual da chuva que se transforma em escoamento é chamado coeficiente de escoamento de longo prazo e é dado por: P QC = O coeficiente de escoamento tem, teoricamente, valores entre 0 e 1. Na prática os valores vão de 0,05 a 0,5 para a maioria das bacias. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 22 A Tabela 3. 1 apresenta dados de balanço hídrico para as grandes bacias brasileiras, de acordo com dados da Agência Nacional da Água (ANA). A região do Rio Grande do Sul está contida nas bacias do rio Uruguai e na bacia do Atlântico Sul, onde a precipitação média é de 1699 e 1481 mm por ano, respectivamente. Na bacia do rio Uruguai o escoamento é de 716 mm por ano, o que corresponde a 4040 m3.s-1 de vazão média nesta bacia, que tem área de 178.000 km2. Na bacia do Atlântico Sul, em que está inserida a bacia do rio Guaíba, o escoamento é de 643 mm por ano, enquanto a evapotranspiração, que completa o balanço, é de 838 mm por ano. O coeficiente de escoamento nas duas bacias é um pouco superior a 40%, o que significa que cerca de 40% da chuva é transformada em vazão, enquanto 60% retorna à atmosfera pelo processo de evapotranspiração. Tabela 3. 1: Características de balanço hídrico das grandes regiões hidrográficas do Brasil (valores em mm correspondem às laminas médias precipitadas, escoadas e evaporadas ao longo de um ano). A tabela mostra que a evapotranspiração tende a ser maior nas bacias mais próximas do Equador. Observa-se também que a disponibilidade de água (vazão em mm por ano) é menor na bacia do rio São Francisco e na bacia Atlântico Leste (1) que inclui as regiões mais secas da região Nordeste do Brasil. Leituras adicionais A representação de bacias hidrográficas em ambiente computacional é um assunto muito explorado em livros sobre Sistemas de Informação Geográfica (SIG). Alguns softwares de SIG apresentam ferramentas poderosas para analisar e extrair I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 23 informações úteis em hidrologia a partir de um MDE de uma região. Os manuais destes softwares, como ArcGIS e Idrisi podem ser utilizados como consulta adicional. Exemplos 2) Qual seria a vazão de saída de uma bacia completamente impermeável, com área de 60km2, sob uma chuva constante à taxa de 10 mm.hora-1? Cada mm de chuva sobre a bacia de 60km2 corresponde a um volume total de 60.000 m3 lançados sobre a bacia, o que significa que em uma hora são lançados 600.000 m3 de água sobre esta bacia. Como a bacia é impermeável toda a água deve sair pelo exutório a uma vazão constante de 167 m3.s-1. 3) A região da bacia hidrográfica do rio Taquari recebe precipitações médias anuais de 1600 mm. Em Muçum (RS) há um local em que são medidas as vazões deste rio e uma análise de uma série de dados diários ao longo de 30 anos revela que a vazão média do rio é de 340 m3.s-1. Considerando que a área da bacia neste local é de 15.000 Km2, qual é a evapotranspiração média anual nesta bacia? Qual é o coeficiente de escoamento de longo prazo? O balanço hídrico de longo prazo de uma bacia é dado por P = E + Q onde P é a chuva média anual; E é a evapotranspiração média anual e Q é o escoamento médio anual. A vazão média de 340 m3.s-1 em uma bacia de 15.000 km2 corresponde ao escoamento anual de uma lâmina dada por: )m.mm(1000)m(A )ano.s(365243600)s.m(Q)ano/mm(Q 12 113 − −− ⋅ ⋅⋅⋅ = ou )km(A 365246,3)s.m(Q)ano/mm(Q 213 ⋅⋅ = − 1ano.mm715 15000 365246,3340)ano/mm(Q −≅⋅⋅⋅= e a evapotranspiração é dada por E = P – Q =1600 – 715 = 885 mm.ano-1. O coeficiente de escoamento de longo prazo é dado por C = Q/P = 715/1600 = 0,447. I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A 24 Exercícios 1) Uma bacia de 100 km2 recebe 1300 mm de chuva anualmente. Qual é o volume de chuva (em m3) que atinge a bacia por ano? 2) Uma bacia de 1100 km2 recebe anualmente 1750 mm de chuva, e a vazão média corresponde a 18 m3/s. Calcule a evapotranspiração total desta bacia (em mm/ano). 3) A região da bacia hidrográfica do rio Uruguai recebe precipitações médias anuais de 1700 mm. Estudos anteriores mostram que o coeficiente de escoamento de longo prazo é de 0,42 nesta região. Qual é a vazão média esperada em um pequeno afluente do rio Uruguai numa seção em que a área da bacia é de 230 km2. 4) Considera-se para o dimensionamento de estruturas de abastecimento de água que um habitante de uma cidade consome cerca de 200 litros de água por dia. Qual é a área de captação de água da chuva necessária para abastecer uma casa de 4 pessoas em uma cidade com precipitações anuais de 1400 mm, como Porto Alegre? Considere que a área de captação seja completamente impermeável.