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Enviado por Jelson Dias Neto em

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C o le ç ão E d u c a ç ão F ís ica
T edição
Editora Unijuí 
Ijuí - Rio Grande do Sul - Brasil 
2003
Cenas de um casamento (in)feliz
uando falamos de teoria 
da Educação Física não 
insistimos na sua adjetivação 
como teoria científica. Isso não 
significa que tenhamos abandonado 
a pretensão de racionalidade para essa 
teoria,- muito mais, significa alertar para 
a necessidade de elucidar o conceito 
de racionalidade científica que 
é utilizado no discurso e na prática, bem 
como para as dificuldades de 
tal empreendimento. O debate 
epistemologia) atual parece indicar 
muito mais, por um lado, no sentido 
da superação da racionalidade científica 
clássica ou predominante (originada no 
plano da física e adotada pelas ciências 
naturais e também pelo positivismo 
como modelo para as ciências sociais 
e humanas), e, por outro, no sentido 
de certo relativismo que desloca 
a racionalidade científica do pedestal 
da racionalidade enquanto tal e a coloca 
no mesmo nível de outras "racio­
nalidades" ou discursos acerca 
da realidade. As dificuldades e os 
movimentos aludidos parecem indicar 
prudência no que diz respeito 
à reivindicação de adjetivar uma teoria 
da Educação Física de científica, 
embora indique também prudência 
quanto à propensão de abandonar 
precocemente a pretensão da funda­
mentação racional da prática. Nem 
consumar o casamento nem o divórcio.
© 1999, Editora Unijuí 
Rua do Comércio, 1364 
Caixa Postal 560 
98700-000 - Ijuí - RS 
- Brasil -
Fone: (0__55) 3332-0217
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E-mail: editora@unijui.tche.br 
Http: / / www. unijui. tche. br/unijui/editora 
Responsabilidade Editorial e Administrativa:
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste 
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
Serviços Gráficos: Sedigraf
Capa: Elias Ricardo Schüssler
Primeira edição: 1999 
Segunda edição: 2003
Catalogação na Fonte 
Biblioteca Central Unijuí
B796e Bracht, Valter
Educação física & ciência : cenas de um casa­
mento (in)feliz / Valter Bracht. 2.ed. - Ijuí: Ed. Unijuí, 
2003.- 160 p. - (Coleção educação física).
ISBN 85-7429-102-1
1.Educação física 2.Ciência do esporte 3.Motri­
cidade humana 4.Prática pedagógica 5.Epistemo­
logia I.Título II.Série.
CDU: 796
796:001
______________________________________001: 796____________ _
Editora Unijuí afiliada:
A ssociação B rasile ira 
das E ditoras U niversitárias
A coleção Educação Física é um projeto editorial da Editora 
Unijuí, vinculado a um conselho editorial interinstitucional, que visa 
dar publicidade a pesquisas que buscam um constante aprofundamento 
da compreensão teórica desta área que vem constituindo sua reflexão 
conceituai, bem como os trabalhos que garantam uma maior aproxi­
mação entre a pesquisa acadêmica e os profissionais que encontram- 
se nos espaços de intervenção. Promover este movimento é sem dúvi­
da o maior desafio desta coleção.
Conselho Editorial
Carmen Lucia Soares - Unicamp 
Mauro Betti - Unesp/Bauru 
Tarcisio Mauro Vago - UFMG 
Luis Osório Cruz Portela - UFSM 
Amauri Bassoli de Oliveira - UEM 
Giovani De Lorenzi Pires - UFSC 
Valter Bracht - UFES 
Nelson Carvalho Marcellino - Unicamp 
Paulo Evaldo Fensterseifer - Unijuí 
Vicente Molina Neto - UFRGS 
Elenor Kunz - UFSC 
Victor Andrade de Melo - UFRJ 
Silvana Vilodre Goellner - UFRGS
Comitê de Redação
Paulo Fensterseifer 
Fernando Gonzalez 
Maria Simone Vione Schwengber 
Leopoldo Schonardie Filho 
Joel Corso
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................. 9
PARTE I - EDUCAÇÃO FÍSICA E CIÊNCIA
A CONSTITUIÇÃO DO CAMPO ACADÊMICO 
DA EDUCAÇÃO FÍSICA............................................... 15
As características da teorização na Educação Física.. 16
As Ciências do Esporte e a despedagogização 
do teorizar em Educação Física................................. 18
Repedagogizando o discurso acadêmico no campo 
da Educação Física..................................................... 24
Considerações finais (perspectivas)............................ 25
A EPISTEMOLOGIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA............. 27
O campo acadêmico da Educação Física.................. 28
Considerações finais (problematizações) ................... 37
A PRÁTICA PEDAGÓGICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA: 
CONHECIMENTO E ESPECIFICIDADE........................41
As diferentes concepções do objeto
da Educação Física..................................................... 42
A especificidade pedagógica da cultura corporal 
de movimento .......... .................................................. 48
PARTE II - A(S) CIÊNCIA(S) DO ESPORTE, 
A CIÊNCIA DA MOTRICIDADE HUMANA
AS CIÊNCIAS DO ESPORTE: QUE CIÊNCIA É ESSA?. 57
O conhecimento do conhecimento............................ 61
A questão da identidade epistemológica da área..... 63
O debate em tomo do “objeto” da Educação Física .. 65
Breves olhares sobre o caso da pedagogia............. 68
A Educação Física e a cientificidade...................... .70
As Ciências do Esporte:
fragmentação versus unidade................................. 71
Considerações finais................................................... 73
AS CIÊNCIAS DO ESPORTE NO BRASIL:
UMA AVALIAÇÃO CRÍTICA......................................... 75
Como se caracterizam as práticas científicas 
no âmbito das Ciências do Esporte?.......................... 76
O esporte e as Ciências do Esporte: 
empreendimentos da modernidade........................... 85
Dimensões da interdisciplinaridade nas Ciências 
do Esporte................................................................... 91
A Condição pós-moderna, a crise da razão
científica e as Ciências do Esporte............................ 95
A TESE DA CIÊNCIA DA MOTRICIDADE HUMANA,
DE MANUEL SÉRGIO.................................................... 99
Kefren Calegari dos Santos
Sobre Manuel Sérgio e a tese da Ciência 
da Motricidade Humana.......................................... 101
Levantando questões............................................... 104
Discutindo questões................................................. 105
Considerações finais................................................ 113
Quadro da evolução do pensamento
de Manuel Sérgio em torno da CMH...................... 114
PARTE III - DIÁLOGOS (IM)PERTINENTES
A EPISTEMOLOGIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA:
UM DIÁLOGO COM MAURO BETTI......................... 117
Debatendo com M. Betti ......................................... 119
Considerações finais................................................ 128
EPISTEMOLOGIA E POLÍTICA NA EDUCAÇÃO 
FÍSICA BRASILEIRA..................................................... 129
Delineando as posições presentes na Educação 
Física brasileira e no CBCE...................................... 132
Considerações finais................................................ 139
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................... 143
BIBLIOGRAFIA 149
INTRODUÇÃO
O pior casamento é o que dá certo.
(Millôr Fernandes, 1994)
Os escritos aqui reunidos discutem uma relação que, 
guardadas as limitações de uma metáfora, apresenta algu­
mas características presentes nas relações conjugais.
Não há aqui, obviamente, um julgamento de valor acerca 
do próprio casamento, entendido no seu sentido tradicional 
de união de dois seres humanos, embora o texto em epígrafe 
assim o sugira. Muito mais, pretende discutir a possibilidade 
de que uma relação bem-sucedida, neste caso, pode trazer 
antes um resultado negativo do que positivo. Assim como 
podemos questionar ser o casamento condição indispensável
para a felicidade humana, também podemos colocar em 
dúvida a positividade da relação da Educação Física (EF) 
com a ciência, ou mesmo a transformação da Educação Físi­
ca em ciência.
De qualquer forma é uma relação de risco (menos para 
a ciência do que para a Educação Física). Eliminar a identi­
dade de um dos pólos desta relação (do casamento), trans-
formando um no outro, confundindo os dois, ou subordinan­
do uma identidade à outra (no caso a EF à ciência), pode, 
assim como no casamento, ter resultados desastrosos.
Se ilidirmos o fato de que a EF é, em certo sentido, 
filha da ciência moderna (o que significaria em caso de casa­
mento uma relação incestuosa), o casamento entre a EF e a 
ciência sempre foi almejada, mesmo porque, até há bem 
pouco tempo a ciência era um grande “partido”. Um tal 
casamento poderia trazer à EF (ao noivo ou à noiva, como 
se queira) prestígio e status social (o dote da ciência seria 
enorme) e, por extensão, a todos que a sustentam e a fa­
zem.
Embora hoje a ciência continue a ser um grande “par­
tido”, ela perdeu muito de seu glamour; a imagem da 
racionalidade científica está muito mais arranhada hoje do 
que estava há vinte anos. Muitas vozes, em função deste 
questionamento, hoje falam na necessidade do divórcio ou 
no rompimento do noivado.
O esporte, a partir de sua crescente importância no 
contexto da cultura corporal de movimento, entra em cena e 
vai constituir com a EF e a ciência um “triângulo amoroso”. 
Assumiu o lugar do noivo ou da noiva (EF); falou em seu 
nome e ofereceu-se para contrair o matrimônio (ou patrimô­
nio) com a ciência. A reivindicação por ciência pelo fenôme­
no esportivo redundou na tentativa de se instituir as chama­
das Ciências do Esporte e nestas a EF foi renomeada de 
área pedagógica.
A crise de identidade da EF foi entendida então como 
resultado da incapacidade da EF concretizar o casamento. 
Hoje, ao contrário, alguns entendem que sua ligação com a 
ciência já foi forte/longe demais e que seria preciso resgatar 
outros valores que lhe são próprios para que possa superar
sua crise de identidade. Nessa ótica, um tal casamento não 
só não superaria a crise da Educação Física, como desvirtua­
ria suas características mais importantes.
Outros, como é o nosso caso, advogam para a EF uma 
relação com a ciência que é ao mesmo tempo de proximida­
de e de distanciamento. Isto significa que as identidades dos 
“parceiros” não se confundem. Só com esta condição a rela­
ção parece ser produtiva. Isto significa refletir sobre as pos­
sibilidades, mas também, sobre as limitações da ciência, 
exatamente para não tomá-la como um dogma.
Os textos aqui reunidos foram escritos em diferentes 
momentos da discussão que vem-se travando nos últimos 
anos, na nossa área. Assim, minhas posições aparecem no 
seu processo de desenvolvimento.
E sempre muito difícil organizar textos escritos de for­
ma esparsa numa ordem lógica. A forma encontrada e que 
pareceu menos problemática foi a de organizá-los em três 
partes: “I - Educação Física e Ciência”, discute a constitui­
ção do campo acadêmico da EF, as questões epistemológicas 
que se colocam a partir da EF e a especificidade do conheci­
mento tratado pela EF; “II - A(s) Ciência(s) do Esporte, a 
Ciência da Motricidade Humana”, reúne os textos que 
enfocam especificamente as tentativas de se constituirem as 
Ciências do Esporte e a Ciência da Motricidade Humana, 
bem como uma avaliação crítica da sua produção. Nesse 
ponto tivemos a colaboração de um jovem e tale ato : o pro­
fessor de Educação Física, Kefren Calegari dos Santos, que 
levanta pontos importantes para a discussão da tese de Ma­
nuel Sérgio; “III - Diálogos (im)pertinentes”, reúne os textos 
que debatem com posições expressas por outros pesquisa­
dores da área que se ocupam com essa questão, num caso 
identificando o interlocutor, Mauro Betti, e em outro dialo­
gando com posições presentes na área.
Cabe neste momento agradecer às várias instituições e 
aos colegas que foram fundamentais para o desenvolvimen­
to destas reflexões; Ao Conselho Nacional de Desenvolvi­
mento Científico e Tecnológico (CNPq), que por algum tem­
po colaborou mediante a concessão de uma bolsa de pesqui­
sa; à UFES, que me acolheu como docente; aos colegas de 
trabalho do LESEF; aos colegas de diálogo que não nomino 
para não cometer injustiças esquecendo alguém.
A CONSTITUIÇÃO 
DO CAMPO ACADÊMICO 
DA EDUCAÇÃO FÍSICA1
„stssss*'** v" ' ‘
Neste capítulo tomamos como foco de atenção a cons­
trução do campo acadêmico da EF no Brasil, com especial 
atenção para o período que vai do final da década de 60 até 
nossos dias.
E importante desde logo ressaltar que nossa atenção 
recai sobre a produção acadêmica da “área”, vale dizer, a 
teorização que envolve e acompanha esta prática social que 
convencionamos chamar de Educação Física, ou seja, é um 
estudo sobre o pensamento da EF brasileira e sobre como 
ela vem-se pensando. Especificamente, perseguimos a ques­
tão de como foram pensados os limites/contornos deste cam­
po, quem dele participa legitimamente, quais problemáticas 
são privilegiadas e reconhecidas como pertencentes ao cam­
po, ou seja, como a partir deste conjunto de práticas forja-se 
o próprio campo.
Outro aspecto que considero necessário aclarar desde 
logo, dadas as posições que venho defendendo em relação 
ao uso do termo EF (Bracht, 1992 e 1995), é de que enten-
1 Este texto foi inicialmente apresentado no IV Encontro Nacional de História do 
Esporte, Lazer e Educação Física (Belo Horizonte/MG, 1996).
do esta, fundamentalmente, como uma prática que tematiza 
com a intenção pedagógica as manifestações da cultura cor­
poral de movimento. Esse entendimento, sabemos, está lon­
ge de ser unanimidade. Ele convive com vários outros que 
estendem o significado do termo para, por exemplo, todas 
as manifestações da cultura corporal de movimento, ou en­
tão, como é mais comum, para todos os campos de atuação 
do profissional de EF. E nítido que ao longo do desenvolvi­
mento do campo acadêmico da “EF”2nem sempre foi esse o 
entendimento, muito ao contrário, os limites deste campo 
sempre estiveram difusos (e confusos). Assim, embora parta 
da posição acima aclarada, será preciso, para analisar a 
construção do campo acadêmico “EF”, adentrar e enfocar as 
produções que se colocam como pertencentes ao campo, 
mas que partem de uma outra visão de quais são seus con­
tornos.
As características da teorização na Educação Física
O surgimento ou a incorporação de práticas corporais 
nos currículos escolares na Europa no século XVIII e princi­
palmente XIX foi precedida e portanto resultou de uma série 
de mudanças e desenvolvimentos no âmbito da medicina e 
da própria pedagogia3. Na medicina, os avanços provoca­
ram uma valorização da atividade física, como elemento 
fomentador e garantidor de saúde, e, na pedagogia, a acei­
tação crescente de uma visão de homem calcada na ciência,
2 Coloco aspas exatamente para chamar a atenção de que é uma denominação 
provisória, porque concorrente com denominações (e propostas) como as de Ciên­
cias do Esporte, Ciência do Movimento Humano ou Ciência da Motricidade 
Humana.
3 Essas mudanças estão ancoradas no complexo processo de mudanças societárias
mais amplas, mas que aqui não serão discutidas.
basicamente nas ciências naturais, levou a se fundamentar a 
propriedade das práticas corporais pertencerem ao currículo 
escolar (Cachay, 1988). O século XIX vai ser o século da 
sistematização dos chamados métodos ginásticos cujo dis­
curso científico fundamentador era predominantemente de­
rivado das ciências biológicas,
sendo os intelectuais que cons­
truíram esse discurso do campo médico e também pedagó­
gico, sendo, neste último caso, a fundamentação também 
fortemente marcada por pressupostos biológicos. Outra ins­
tituição importante e que foi cadinho da elaboração teórica 
da EF é a militar.
Assim, as estruturas de pensamento, com seus pressu­
postos científicos e filosóficos, estavam ancoradas tanto na 
instituição médica quanto na militar, mas também na pró­
pria pedagogia. Neste sentido é interessante a hipótese le­
vantada por Ferreira Neto (1999), de que, no caso brasileiro, 
a instituição militar construiu, nas décadas de 30 e 40 deste 
século, um projeto de EF para o país, articulado com um 
projeto para a educação brasileira como um todo.
Sem adentrar aos detalhes dessa produção de forma 
diferenciada, como aliás seria necessário, gostaria apenas 
de destacar uma sua característica que julgo ser possível 
identificar. Refiro-me ao fato de que a teorização da ginásti­
ca escolar era realizada a partir de um olhar pedagógico 
(médico-pedagógico, moral-pedagógico), ou seja, as práti­
cas corporais eram construídas e vistas como instrumentos 
para a educação para a saúde e para a educação moral. 
Teorizar4 era fundamentar uma prática pedagógica envol­
vendo práticas corporais, embora com base em um arcabouço
4 E importante ressalvar que os intelectuais ativos no âmbito da ginástica escolar ou 
EF trabalhavam mais na perspectiva da recepção dos métodos ginásticos do que na 
construção fundamentada destes. Quem sabe a única iniciativa neste sentido na 
época tenha sido o concurso promovido em 1942 para a elaboração de um método 
nacional de EF (Ministério da Educação e da Saúde, 1952).
teórico-metodológico marcadamente biológico. Outra carac­
terística é a de que essa teorização era realizada, necessaria­
mente, por intelectuais de outros campos (medicina, forças 
armadas, pedagogia, ciências políticas), uma vez que o campo 
acadêmico “EF” (ou ginástica escolar) não havia ainda se 
constituído. Isto passa a se realizar com a formação em nível 
de terceiro grau, de profissionais civis de EF, bem como com 
a afirmação da EF enquanto curso de formação de professo­
res, nas instituições superiores de ensino.
As características da formação de instrutores de ginás­
tica, inicialmente, e de professores de EF, mais recentemen­
te, fortemente marcada pela idéia de treinamento através 
da execução de movimentos, fizeram retardar o apareci­
mento do intelectual da EF. Não me refiro aqui ao intelectual 
no singular, mas, sim, ao agente social pertencente a um 
campo acadêmico capaz e instrumentalizado para construir 
teoria que fundamente a prática pedagógica em EF. Exis­
tem indicadores de que os intelectuais que pensaram a EF 
brasileira, neste período, trouxeram/adquiriram o instrumental 
para tanto em outros campos, ou seja, o campo da “EF” não 
dispunha dos meios para teorizar sua prática. De qualquer 
forma o discurso, a teorização neste campo emergente, era, 
até a década de 60, marcadamente de caráter pedagógico.
As Ciências do Esporte e a despedagogização 
do teorizar em Educação Física
Se nas suas origens, no Brasil, e até aproximadamente 
a década de 60 o discurso no âmbito da EF era marcado 
pelo viés pedagógico (de tom muitas vezes fortemente 
normativo), a partir de então passa a ganhar espaço um 
“teorizar” cientificista. Logo levantou-se a questão se a EF
■'"'Í 8 l™ ,,.
era uma ciência ou uma disciplina acadêmica ou científica. 
Questão levantada muito em função de uma pressão exter­
na para que a EF se legitimasse no campo científico, que 
tem nas universidades seu locus privilegiado.
Fator determinante para essa nova onda cientificista 
na EF, no entanto, foi o enorme desenvolvimento que so­
freu, após a II Guerra Mundial, o fenômeno esportivo e como 
ele foi absorvido ou se impôs à EF.
As décadas de 60 e 70 são cruciais para o campo 
acadêmico da EF e isto não somente no caso do Brasil. 
Aliás, no Brasil, esse movimento apresenta um atraso de 
quase uma década em relação aos países capitalistas desen­
volvidos. Whitson e Macintosh (1990), retratam como, no 
Canadá, nas décadas de 60 e 70, o discurso humanista da 
EF foi substituído por um outro, de tipo cientificista, com 
base nas Ciências do Esporte (CE) ou Ciências do Movimen­
to Humano, sob a influência dos EUA. Willimczik (1987), 
por outro lado, analisando o desenvolvimento da Ciência 
Desportiva (Sportwissenschaft) na Alemanha, afirma que a 
discussão teórico-científica naquele país sobre a questão do 
objeto desta “área”, centrou-se no período de 1935 a 1970, 
na contraposição entre teoria da EF (Leibeserziehung) e te­
oria dos exercícios corporais (Leibesübungen). Mas, em pri­
meiro plano, o objeto era visto como um objeto pedagógico. 
No final dos anos 60 se impôs a denominação Ciência 
Desportiva e isso, segundo o autor, em função da tendência 
internacional nesse sentido, bem como do fato de que o 
esporte tornou-se o fenômeno dominante nesta área. Dietrich 
e Landau (1987, p. 384s.) vão além, afirmando que o con­
ceito de pedagogia desportiva (Sportpädagogik) determinou 
o fim da época do conceito de teoria da EF (Leibeserziehung) 
com suas concepções orientadas nas teorias da educação.
Além disso, também a pedagogia desportiva, como outras 
subdisciplinas da Ciência Desportiva, vão ser funcionalizadas 
a partir dos interesses da instituição desportiva.
Podemos perceber então pelas análises de Greendorfer 
(1987), Whitson e Macintosh (1990), Willimczik (1987) e 
Dietrich e Landau (1987), que tanto na Alemanha como no 
Canadá e nos EUA, nas décadas de 60 e 70, a EF esteve 
orientada para a melhoria do desempenho esportivo no país5. 
O “Diagnóstico da EF/Desportos no Brasil” (Costa, 1971) 
apontou uma deficiência no âmbito da medicina desportiva, 
considerada uma das razões da deficiência da área. A partir 
daí investimentos foram orientados para melhorar o nível de 
desenvolvimento científica da “área”, como o incentivo à 
pós-graduação e os investimentos em laboratórios de fisiolo­
gia do exercício. Nesse contexto é fundada, no final dos 
anos 70, uma nova entidade científica, o Colégio Brasileiro 
de Ciências do Esporte (CBCE).
A produção acadêmica volta-se para o fenômeno es­
portivo. É a importância social e política desse fenômeno 
que faz parecer legítimo o investimento em ciência neste 
campo. Por sua vez, aqueles que atuam no campo ou tem 
interfaces com ele privilegiam o tema do esporte porque é 
ele que oferece as melhores possibilidades de acumulação 
de capital simbólico por via de seu tratamento científico. 
São pesquisas que dele se ocupam que têm maiores chances 
de serem reconhecidas no campo e fora dele6. Ou seja, é a 
importância política e social do fenômeno esportivo (ou do
5 Evidências disso podem ser encontradas nos documentos: Diagnóstico da EF e dos 
Desportos no Brasil (Costa, 1971); Plano Nacional de EF e Desportos 1976-1979 
(Brasil, 1976) e era Gonçalves, J. A. P. Subsídios para implantação de uma política 
nacional de desportos. Brasília, 1971, entre outros.
6 Como lembra Bourdieu (1983, p. 124), “é inútil distinguir entre determinações'
propriamente científicas e as determinações propriamente sociais das práticas es­
sencialmente sobredeterminadas”.
desempenho esportivo do país em nível internacional) que 
confere legitimidade ao próprio campo acadêmico da EF ou 
das Ciências do Esporte7 ou EF e Ciências do Esporte (EF & 
CE).
E nesse contexto que se permite afirmar a EF nas 
universidades, que se permite um discurso científico na área, 
com reivindicação conseqüente de cursos de pós-graduação, 
simpósios científicos, entidades
científicas, financiamento de 
pesquisas científicas, estruturação de laboratórios de pesqui­
sa, etc., que é forjado um “novo” agente social, o intelectual 
da EF, ou seja, intelectual com formação original em EF e 
que agora almeja também a prática científica, isto é, reivin­
dica e se lança à prática de teorizar (cientificamente) so­
bre... Bem, qual é o objeto deste teorizar? Em princípio o 
objeto é construído ou ganho enfocando o fenômeno esporti­
vo e a problemática central é a melhoria da performance 
esportiva.
A partir de 1970 a EF é colocada explicitamente e 
planejadamente a serviço do sistema esportivo, desempe­
nhando o papel de base da pirâmide, sistema esse que pos­
suía como culminância a alta performance esportiva. Plane­
jou-se constituir a EF como elemento do sistema esportivo. 
EF e esporte ou EF/esporte deveriam elevar o nível de apti­
dão física da população.
O campo da EF/CE é permeado, nas décadas de 70 e 
80, por profissionais de diferentes disciplinas. Ele é 
pluridisciplinar: médicos, psicólogos, sociólogos, professores 
de EF, etc. É.importante destacar, no entanto, que o teorizar
7 Segundo Paiva (1994), a iniciativa de “elevar” a profissão de EF à condição de 
Ciências do Esporte tem seu ápice na publicação do editorial da RBCE 2(2), onde 
se lê: “o professor de EF não pode mais ser representado como um homem forte e 
de boa vontade [...]: em resumo, ele hoje não é mais o ‘professor de ginástica’, mas
o mestre em ciências do esporte”.
— nr-
de caráter cientificista vai-se dar fundamentalmente a partir 
das ciências-mãe, como a fisiologia, a psicologia, etc. como 
ainda hoje diagnosticam Gaya (1994), Greendorfer (1987) e 
Willimczik (1987), com tendências à especialização a partir 
de subdisciplinas. Ora, o profissional de EF, num primeiro 
momento, premido pela busca de reconhecimento no e para 
o campo, vincula-se a uma especialidade ou a uma 
subdisciplina das Ciências do Esporte (ou da EF ou ainda da 
Ciência do Movimento Humano) e torna-se um “cientista” 
no âmbito da fisiologia do exercício, da biomecânica, da 
sociologia do esporte e não um cientista da EF. É fácil perce­
ber que a EF enquanto prática pedagógica quase que desa­
parece do horizonte de preocupações deste teorizar, com 
exceção das preocupações como as que buscavam identifi­
car o método mais eficiente para ensinar determinada des­
treza (esportiva).
O discurso pedagógico que havia caracterizado este 
campo em construção, até mais ou menos a década de 60, 
é deslocado para um plano secundário - só no final da déca­
da de 80 é que as pesquisas mostram que há um aumento 
crescente das pesquisas na área que vai ser denominada, no 
interior das Ciências do Esporte, de ‘pedagógica (Matsudo, 
1983; Gaya, 1994).
Isso acontece porque o sistema esportivo somente apela 
para a categoria educação como forma de buscar legitimida­
de social. Estando, no entanto, orientado por outros princí­
pios, permanece a questão educacional apenas como recur­
so retórico. O que importa mesmo é a medalha! Isso não 
significa que ele não tenha efeito educativo, ao contrário. 
Significa, isto sim, que a lógica que define as ações no cam­
po esportivo (que determina o que está em jogo no campo) 
ignora e não é influenciada pelo resultado educativo — o 
campo ou o sistema esportivo é indiferente ao resultado que
produz em termos educacionais. As ações no sistema espor­
tivo não serão redefinidas em função de um melhor ou pior 
resultado educacional e, sim, em função de um melhor ou 
pior resultado esportivo8.
Assim, o esporte se impôs à EF, como conteúdo e 
como sentido da própria EF (Bracht, 1992). O esporte é 
que legitima a EF porque faz coincidir seu discurso com o 
daquela no que diz respeito ao seu papel nos planos 
educativo e da saúde - o esporte se impôs também enquan­
to tema e orientador da teorização neste campo acadêmico 
em construção. Em suma, o discurso pedagógico na EF foi 
quase que sufocado pelo discurso da performance esportiva; 
literalmente afogado pela importância sociopolítica das me­
dalhas olímpicas, ou pelo “desejo”, tornado público, por 
medalhas.
Chegou-se aqui a uma situação que, na esteira de 
Bourdieu (1996), poderíamos denominar de subordinação 
estrutural, com o campo acadêmico da “EF/CE” usufruindo 
de quase nenhuma autonomia para determinar a problemá­
tica teórica a ser privilegiada no campo. Essa tendência à 
funcionalização deste campo acadêmico a partir dos interes­
ses da instituição esportiva também foi detectada por Whitson 
e Macintosh (1990) e Dietrich e Landau (1987) para os ca­
sos do Canadá e Alemanha, respectivamente.
8 Aos poucos o sistema esportivo vai sentindo-se forte o suficiente para abandonar o 
discurso da promoção da educação e da saúde. O presidente da Confederação 
Brasileira de Natação, Coaracy Nunes Filho, afirmou, em entrevista à revista Veja, 
que educação não tem nada a ver com esporte, mesmo que esporte também seja 
educação (Nunes Filho, 1995, p.8).
....—n r *
Repedagogizando o discurso acadêmico 
no campo da Educação Física
No mesmo processo de busca de reconhecimento aca­
dêmico da EF e dos seus profissionais no âmbito universitá­
rio, alguns destes freqüentaram cursos de pós-graduação 
(mestrado) em programas da área da Educação (filosofia da 
educação, principalmente)9.
É a partir do contato, não com as Ciências do Esporte, 
e sim com o debate pedagógico brasileiro das décadas de 70 
e 80, que profissionais do campo da EF passam a construir 
objetos de estudo a partir do viés pedagógico. Independen­
temente da matriz teórica que esses profissionais vão ado­
tar, o que caracteriza suas reflexões é que estão orientadas 
pelas ciências humanas e sociais e isso por via do discurso 
pedagógico10.
Essa vertente vai representar não só um pólo de resis­
tência política no campo, defendendo interesses não-domi- 
nantes, interesses aliás ligados aos do sistema esportivo, mas, 
também, resistência acadêmica ao cientificismo das Ciên­
cias do Esporte. Mais recentemente alguns autores (Coletivo 
de Autores, 1992; Bracht, 1992; Betti, 1992) vêm refor­
çando a necessidade de construção de uma teoria da EF, 
entendida esta como uma prática pedagógica, ou seja, uma 
repedagogização do teorizar na EF, uma vez que essa práti­
ca pedagógica foi quase que alijada do campo enquanto 
objeto. A construção de um corpo teórico com base num 
discurso pedagógico, que possa filtrar e reconverter, à luz da 
lógica desse campo, a influência “externa” do sistema es­
9 Alguns dos mais influentes na área: Vítor Marinho de Oliveira, João Paulo Subirá 
Medina, Apolônio Abadio do Carmo, Lino Castellani Filho e Carmen Lúcia Soares.
10 Isso também vai redundar numa certa fragilidade teórica dessa produção.
portivo, é elemento importante para a construção da auto­
nomia (pedagógica) da EF. É claro que, no momento em que 
a educação e o magistério estão numa situação caótica em 
nosso país, só mesmo pensando na perspectiva da resistên­
cia é possível alimentar essa necessidade.
Considerações finais (perspectivas)
O campo acadêmico da EF ou da EF/CE11, como 
convencionou-se chamá-la no interior do CBCE, é hoje cru­
zado e recortado por basicamente três perspectivas diferen­
tes de caracterização ou de delimitação: a) tentativa de deli­
mitação de um campo acadêmico que teorize a prática pe­
dagógica que tematiza manifestações da cultura corporal de 
movimento, ou seja, o teorizar aí estaria voltado para a cons­
trução de uma teoria da EF, entendida enquanto uma práti­
ca pedagógica; b) tentativa de construir um campo interdis- 
ciplinar a partir das Ciências do Esporte, que, em alguns 
casos (Gaya, 1994),
reivindica uma Ciência do Esporte vol­
tada para as necessidades da prática esportiva; c) a tentati­
va de construção de uma nova ciência, a Ciência da Motri­
cidade Humana (Sérgio, 1989; Tojal, 1994; Cavalcanti, 
1994). O que é importante e interessante ressaltar é que 
todas essas perspectivas vão buscar a tradição e as institui­
ções da original EF (ginástica escolar) - se colocam como 
herdeiras desta.
Existe uma forte pressão, já que a total instrumentali­
zação da EF não foi possível em função de uma resistência 
interna (com desdobramentos acadêmico-científicos e políti-
11 No CNPq a área é tratada como a subárea EF e faz parte das ciências da saúde. Na 
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) a área é denominada de 
Ciências do Esporte/Motricidade Humana e faz parte das ciências aplicadas.
cos), no sentido da construção de um campo acadêmico liga­
do/voltado ao esporte. Existem sinais de que se está cons­
truindo um discurso para justificar o surgimento de um cam­
po acadêmico autônomo ligado ao esporte - que não estaria 
subordinado aos códigos da pedagogia como é o caso da EF. 
A reivindicação de uma ciência do esporte tem como base a 
importância sociopolítica (e econômica) do esporte e a con­
tribuição da ciência para o seu progresso.
Parece-nos claro, por exemplo, que os cursos de ba­
charelado em esporte sejam já o resultado dessa pressão (do 
mercado). Os dirigentes esportivos, cada vez mais claramen­
te, reivindicam uma formação universitária específica para 
os profissionais do campo esportivo, argumentando inclusive 
que as atuais faculdades de EF não suprem as suas necessi­
dades: “Quero uma universidade do esporte para formar 
técnicos, em vez das atuais faculdades de EF” (Nuzman, 
1996, p. 8).
Outro elemento indicador é o de que o ex-ministro 
extradordinário dos Desportos, Edson Arantes do Nascimen­
to (Pelé), reivindicou uma linha de financiamento de pesqui­
sas específica para as Ciências do Esporte junto ao CNPq. 
Além disso, o Instituto Brasileiro do Desenvolvimento do 
Desporto (INDESP) dispõe de dotação orçamentária para 
pesquisas e publicações das Ciências do Esporte.
Se, por um lado, isso indica uma autonomização do 
campo acadêmico da EF em relação ao sistema esportivo - 
e indica no sentido do surgimento de um campo acadêmico 
que estaria voltado para o teorizar especificamente desta 
prática social, sem ter como viés central o pedagógico - co­
loca questões para a EF como a de obter, urgentemente, le­
gitimidade no interior do campo pedagógico, enquanto práti­
ca e disciplina acadêmicas, sob pena de ter sua própria exis­
tência ameaçada e isso não simplesmente no sentido da ex­
tinção, mas de simples substituição pelo esporte (na escola).
A EPISTEMOLOGIA 
DA EDUCAÇÃO FÍSICA1
Quando abordamos o tema da epistemologia da Edu­
cação Física (EF) assalta-nos uma série de questões que tem 
aparecido muito frequentemente em nossas discussões nos 
últimos anos, afetando, inclusive, a questão da (crise de) 
identidade da EF. Algumas dessas questões são:
- a EF é uma ciência ou uma disciplina científica?
- Deve a EF almejar/pretender ser uma ciência? E essa uma 
reivindicação legítima? Essa pretensão é orginária do inte­
rior da própria EF ou de “fora” dela?
- Qual a epistéme predominante na EF? E a científica? A 
prática científica ligada à EF filia-se aos princípios das ci­
ências naturais ou aos das ciências sociais e humanas? Ou 
então, com qual concepção de ciência opera a EF?
- Quais são as especificidades ou peculariedades da questão 
epistemológica da EF?
- Quais são os limites e as possibilidades do paradigma cien­
tífico para fundamentar a prática do profissional da EF?
1 Este texto (Bracht, 1997) foi originalmente publicado no V. 5 de Ensaios: Educação 
Física e Esporte, de Carvalho & Maia (p. 5-17).
- É a interdisciplinaridade científica uma imposição à produ­
ção do conhecimento em EF?
É claro que o conjunto das questões acima listadas não 
esgota os questionamentos possíveis, mas pode dar uma 
idéia da complexidade da questão.
Quero iniciar com a pergunta sobre se a EF é uma 
ciência. Essa questão assumiu importância no debate em 
torno da crise de identidade da EF, porque levantou-se a 
hipótese (ou a tese) de que a superação dessa crise (que 
seria de legitimidade também no plano acadêmico universi­
tário) viria com a sua afirmação como ciência, ou seja, com 
a definição de objeto, método e linguagem próprios.
0 campo acadêmico da Educação Física
Para tratar dessa questão é preciso resgatar um pouco 
o processo de construção do campo acadêmico da EF. A 
chamada EF moderna é filha da modernidade. Isso significa 
que ela surge num quadro social em que a racionalidade 
científica se afirma como a forma correta de ler a realidade, 
em que o Estado burguês se afirma como forma legítima de 
organização do poder e a economia capitalista baseada na 
indústria emerge e se consolida. A EF moderna sofre a influên­
cia, desde seus primeiros passos, do pensamento científico. 
Vale o princípio: exercitar cientificamente o corpo, ou exer­
citar o corpo de acordo com o conhecimento científico a 
respeito. Ling e Amoros esmeraram-se em construir seus 
métodos ginásticos em estreita consonância com os conheci­
mentos oriundos da fisiologia e da anatomia humana. Ling 
falava inclusive, em movimento racional com economia de 
esforço. Ou seja, desde logo, esta prática, qual seja, este 
conjunto sistematizado de exercitações corporais, buscou fun­
" 28 *' •
damentar-se no conhecimento das disciplinas científicas emer­
gentes (como a física orgânica = fisiologia). Portanto, não é 
gratuita a presença influente da instituição médica na EF 
(ver a respeito Cachay, 1988, e Soares, 1994).
Num primeiro momento, em função do papel atribuí­
do à EF (na perspectiva higienista), o aporte de conhecimen­
tos científicos vinha exatamente das ciências biológicas. O 
corpo e as atividades físicas eram estudados como fatos/ 
fenômenos biológicos2. Por isso mesmo, falava-se menos em 
movimento humano e mais em atividade física. O que é 
importante ressaltar é que o campo da EF era marcado me­
nos como um campo acadêmico de produção do conheci­
mento, e mais, como de aplicação do conhecimento (cientí­
fico). Os métodos ginásticos eram construídos aplicando-se 
os conhecimentos da anatomia, da fisiologia e da medicina 
ao campo dos exercícios físicos.
Quando a EF passou a se afirmar no âmbito dos siste­
mas de ensino como componente curricular, ascendendo ao 
ensino superior (em alguns casos universitário), para a for­
mação de professores, já um número bastante grande de 
disciplinas se ocupava do estudo do corpo/movimento hu­
mano ou de suas objetivações culturais como o esporte. 
Aliás, não esqueçamos de que o esporte, como fenômeno 
social, teve papel importante no reconhecimento da necessi­
dade de formação de profissionais em nível universitário e 
da necessidade da produção do conhecimento científico nes­
se âmbito. Em grande parte foi sua importância sociopolítica 
que determinou o surgimento de organizações científicas de 
Ciências do Esporte.
2 Não estou desconhecendo ou ignorando a influência grega sobre alguns filantropos,
que no final do século XVIII e no início do XIX buscavam legitimar a ginástica ou a 
exercitação corporal nas suas escolas a partir do ideal da “harmonia entre corpo e 
espírito”. Apesar dessa influência, vários estudos mostram (Cachay, 1988; Krüger, 
1990) que as ciências naturais logo se impuseram como elemento fundamentador, 
como base legitimadora dessas práticas.
O que observávamos naquele momento, e aqui estou 
falando basicamente das décadas de 60 e 70 deste século
(em alguns países mais cedo, em outros mais tarde), era, 
por um lado, o surgimento e, por outro, a consolidação de 
uma série de subdisciplinas ligadas epistemologicamente às 
tradicionais disciplinas científicas: fisiologia do esforço, a 
biomecânica (do esporte), a psicologia do esporte, a sociolo­
gia do esporte, etc.
Já aqui devo dizer que entendo a EF como aquela prá­
tica pedagógica que trata/tematiza as manifestações da nossa 
cultura corporal e que essa prática busca fundamentar-se em 
conhecimentos científicos, oferecidos pelas abordagens das 
diferentes disciplinas. Ou seja, o campo acadêmico da EF 
vem se constituindo a partir da absorção e/ou incorporação 
de práticas científicas fortemente marcadas por abordagens 
monodisciplinares do fenômeno do movimento humano ou 
da atividade física3.
Ora, o fato do campo acadêmico EF incorporar cada 
vez mais intensamente as práticas científicas, não só conhe­
cimento científico (isso no Brasil se dá mais intensamente na 
década de 70), determinou a criação de entidades científi­
cas próprias, realização de eventos científicos próprios, cria­
ção de cursos de pós-graduação, definição de programas de 
apoio à pesquisa, etc. No entanto, na produção do conheci­
mento predomina o enfoque disciplinar ou monodisciplinar 
determinado pela chamada disciplina-mãe. Um pouco da 
crise de identidade da EF vem daí, do desejo de tornar-se 
ciência, e da constatação de sua dependência de outras dis­
ciplinas científicas (a EF é “colonizada” epistemologicamente
3 Existem indicadores de que lá onde a EF desde logo obteve o status universitário, 
a incorporação das práticas científicas ao campo processou-se mais rápida e inten­
samente. Em alguns países, como a Argentina, o fato da formação de professores de 
EF dar-se em cursos não-universitários tem dificultado tal processo; por exemplo, 
naquele país não existem até hoje cursos de mestrado na área da EF.
por outras disciplinas). Assim, no processo de sua constitui­
ção, o campo acadêmico EF fragmentou-se; as línguas cien­
tíficas faladas são diferenciadas, específicas. No campo da 
EF, no que diz respeito à produção do conhecimento científi­
co, surgiram os especialistas, não em EF, mas, sim, em 
fisiologia do exercício, em biomecânica, em psicologia do 
esporte, em aprendizagem motora, em sociologia do espor­
te, etc.4. Os professores de EF, enquanto “cientistas”, pas­
saram a se identificar como especialistas em fisiologia, em 
biomecânica, etc. e não em EF. Em função do processo de 
especialização não demorou a instalar-se no campo um “diá­
logo de surdos”. Dada a importância e o status que a ciência 
goza na sociedade e principalmente no meio acadêmico, a 
EF coloca como meta tornar-se ela própria uma ciência. 
Passa então, a sofrer de certo tipo de complexo de édipo; 
quer ser mas não pode ser, não consegue ser (não pode 
consumar o ato). Esse complexo é tão grande que alguns 
entenderam ter surgido, como que de dentro do campo da 
EF, uma nova ciência, a Ciência da Motricidade Humana, 
para alguns, ou a Ciência do Movimento Humano, para ou­
tros. Se essa se concretizasse, finalmente os professores de 
EF poderiam dizer-se “cientistas”, poderiam dizer-se perten­
centes a um campo científico, o da Ciência da Motricidade 
Humana.
Por outro lado, uma forte pressão para a cientifização 
da EF vem das chamadas Ciências do Esporte. E exatamen­
te quando a EF deixa de se apresentar como ginástica (mé­
todos ginásticos) e consolida-se o esporte enquanto seu con­
teúdo maior, que as chamadas Ciências do Esporte insta­
lam-se no campo, inicialmente chamado de EF. Hoje, não é 
possível distinguir os campos de produção do conhecimento
4 E interessante notar que análises recentes feitas por importantes autores do campo 
da pedagogia também identificam esse problema em seu campo (Arroyo, 1998; 
Brandão, 1998; Libâneo, 1996).
da EF e das Ciências do Esporte. Publicam-se os mesmos 
trabalhos em revistas de EF e/ou de Ciências do Esporte, 
apresentam-se trabalhos em congressos de um e de outro, 
sem qualquer discriminação ou alteração. A EF, nesse âmbi­
to, costuma ser tratada como pedagogia do esporte.
Portanto, embora sejam profissionais de EF e não mais 
apenas biólogos, médicos, fisiólogos, psicólogos e sociólogos 
que pesquisam em torno do movimento humano e suas 
objetivações culturais, a situação concreta é que essas pes­
quisas têm sua identidade epistemológica ancorada nas ciên- 
cias-mãe e não na EF, ou seja, a EF não é capaz de ofere­
cer/fornecer uma identidade epistemológica5 própria a es­
sas pesquisas. A pesquisa em fisiologia do exercício não é 
ciência da EF e, sim, ciência fisiológica, assim como história 
do esporte não é Ciência do Esporte e, sim, ciência his­
tórica.
Aqui, neste âmbito, ocorreu um equívoco que reputo à 
influência de uma concepção empirista ingênua de ciência. 
Refiro-me ao fato de confundirmos objeto científico com al­
gum fato/fenômeno ou recorte da realidade: ou seja, o en­
tendimento de que ter um objeto próprio seria o mesmo que 
identificar um fenômeno do mundo concreto/empírico que 
seria propriedade dessa ciência ou disciplina. O movimento 
humano por si só não é um objeto científico, são antes os 
problemas que lhe são colocados sob uma nova perspectiva 
que podem configurar um novo campo do conhecimento. 
Objeto científico é algo construído a partir de determinada 
abordagem.
Defendo a idéia de que a EF não é uma ciência. No 
entanto, está interessada na ciência, ou nas explicações cien­
tíficas. A EF é uma prática de intervenção e o que a carac­
5 Identidade epistemológica significa a forma própria com que cada disciplina cientí­
fica interroga e explica a realidade, o que é determinado pelo tipo de problema que 
levanta, pelos métodos de investigação e pela linguagem que desenvolveu e utiliza.
teriza é a intenção pedagógica com que trata um conteúdo 
que é configurado/retirado do universo da cultura corporal 
de movimento. Ou seja, nós, da EF, interrogamos o movi- 
mentar-se humano sob a ótica do pedagógico.
Acredito que, influenciados exatamente pela pressão 
cientificista, sempre entendemos a definição de nosso obje­
to como a definição de um “objeto científico”. Ora, o objeto 
de uma prática pedagógica não tem as mesmas característi­
cas fundantes de um objeto de uma ciência. O objeto da EF 
enquanto prática pedagógica é retirado do mundo da cultura 
corporal/movimento, ou seja, é selecionado a partir de crité­
rios variáveis, ou seja, dependentes de uma teoria pedagógi­
ca, desse universo. Podemos chegar ao ponto de configurar 
nosso objeto de forma mais abstrata e aí diríamos ser a 
cultura corporal de movimento.
A EF está interessada nas explicações, compreensões 
e interpretações sobre as objetivações culturais do movimen­
to humano fornecidas pela ciência, com o objetivo de funda­
mentar sua prática, e isso porque nós, da EF, estamos con­
frontados com a necessidade de constantemente tomar deci­
sões sobre como agir. Por exemplo: decisões sobre o conteú­
do dos meus planos de ensino; sobre a quantidade e a inten­
sidade de exercícios; sobre õ método de ensino a adotar 
para ensinar um esporte; sobre a forma de reagir de frente a 
uma atitude agressiva de um aluno, etc. Com base em qual 
conhecimento eu tomo essas decisões? Como ter certeza 
de que as decisões que tomei são as corretas?
Bem, em princípio achamos que a ciência nos auxilia­
ria nessa tarefa. Há (ou houve) o entendimento de que a 
ciência faria com que tivéssemos respostas mais seguras/ 
verdadeiras para essas questões. Mas, o que é conhecer cien­
tificamente a realidade? Por que ela nos ofereceria um co­
nhecimento ou uma base
mais segura?
A ciência moderna parte do pressuposto de que as 
explicações da realidade estão contidas nela mesma, ou seja, 
rompendo com o pensamento mítico, entende que as expli­
cações do que acontece na natureza não precisam apelar 
para forças externas a ela (como a vontade divina). Existem 
leis internas que determinam o movimento das coisas. A 
descoberta dessas leis permite prever o comportamento dos 
corpos ou das coisas de forma universal. Ou seja, a realidade 
contém regularidades e possui uma ordem. A ciência está 
interessada na regularidade, na rotina, no que é comum na 
realidade, para controlá-la (desvelar, desvendar a realidade, 
descobrir as leis que a regem).
Por exemplo: eu posso prever o comportamento da 
queda de um dardo, porque sobre qualquer corpo físico age 
uma lei universal, que é a lei da gravidade. Posso prever, 
com relativa precisão, a repercussão de um treinamento de 
corridas contínuas em determinada intensidade sobre a con­
dição aeróbica de uma pessoa, porque estou de posse de 
uma teoria (que expressa uma lei ou leis) construída no âm­
bito da fisiologia, que diz que, quando uma pessoa é subme­
tida a uma atividade X, o organismo reage de forma Y. 
Teorias expressam leis que permitem prever o comporta­
mento da realidade e assim nela intervir e/ou controlá-la.
Buscou-se aplicar esses mesmos princípios para o co­
nhecimento “científico” da realidade social e do comporta­
mento humano. Durkheim dizia que a realidade social devia 
ser estudada como “coisa” e Comte chamava a atual socio­
logia de física social. No entanto, movimentos acadêmicos 
logo questionaram a possibilidade e a validade da aplicação 
desses princípios científicos ao estudo da realidade social 
e humana. Dilthey, por exemplo, entendia que as humani­
dades (Geisteswissenschaften) devem operar com a catego­
ria da compreensão, ao passo que as ciências naturais 
(Naturwissenschaften) operam com a categoria da explica­
ção. Compreender (verstehen) é uma operação diferente da 
de explicar (erklären) e, para o caso das humanidades, o 
adequado é o primeiro: compreender o sentido/significado 
subjetivo das condutas humanas.
Tem também leis (universais) capazes de explicar o 
comportamento humano, regularidades sociais/históricas do 
mesmo tipo das presentes na natureza? O debate em torno 
de um possível dualismo metodológico ou epistemológico 
entre as ciências naturais e as ciências sociais e humanas 
continua. Para nós interessa a pergunta: o estudo do movi­
mento humano deve ser feito a partir dos princípios das 
ciências naturais ou das ciências sociais e humanas, ou, ain­
da, de ambas?6
Parece que o mais importante é ter a capacidade de 
entender o tipo de conhecimento do movimentar-se humano 
que uma e outra abordagem possibilita, as possibilidades e 
limitações de cada uma das abordagens. Toda abordagem 
científica é “pré-conceituosa”, portanto, oferece explicações/ 
interpretações da realidade que são relativas (a um ponto de 
vista) e, por conseqüência, limitadas pelo aparato teórico- 
metodológico próprio daquela disciplina. Por exemplo: quando 
faço uso do instrumental teórico-metodológico da biomecânica 
para estudar o movimento humano, o conhecimento produ­
zido falará algo do movimento humano mas se “calará” em 
relação a uma série de aspectos desse mesmo movimento. 
Assim, não farão parte desse conhecimento os aspectos li­
gados à afetividade do sujeito que se move, os aspectos 
sociais ligados ao contexto em que se realiza o movimento e 
que o influenciam, etc. O mesmo acontece em relação às 
outras disciplinas científicas - não existe uma abordagem 
global que “esgote” a realidade.
6 Aliás, M. Sérgio coloca a Ciência da Motricidade Humana no âmbito das ciências
do homem, mas, em momento algum reporta-se ao que isso, epistemologicamente, 
significa; pelo menos não se refere ao aludido debate epistemológico e não toma 
posição a respeito, de maneira que fica-se sem saber das conseqüências (metodo­
lógicas) que tal vinculação/classificação teria.
Essa característica do saber científico - toda aborda­
gem ser “pré-conceituosa” e relativa a um ponto de vista - 
impõe, para o caso da EF, a questão da interdisciplinaridade. 
Entendo que a questão da interdisciplinaridade se impõe ao 
campo acadêmico da EF. Para a EF (para fundamentar essa 
prática) não basta somar o conhecimento da biomecânica, 
com o da fisiologia do exercício, com o da psicologia. Há a 
necessidade de operar uma síntese ou sínteses, o que é dife­
rente da soma das partes (ao mesmo tempo, mais que a 
soma das partes e menos que cada parte, como diria E. 
Morin, 1993); uma síntese operada a partir das necessida­
des e dos interesses específicos da EF, da prática pedagógi­
ca em EF (descolonização científica). O que hoje predomina 
são as problemáticas/temáticas disciplinares.
Gostaria de dar um exemplo para demonstrar a neces­
sidade de superar as perspectivas disciplinares. Partirei de 
uma pergunta: qual é o método que devo usar nas aulas 
para ensinar um esporte, como o volibol? O método sintéti­
co ou o método analítico? Se escuto as pesquisas da apren­
dizagem motora posso ter a resposta, hipotética, de que é o 
método analítico. Se escuto as pesquisas da fisiologia do 
exercício, posso ter a resposta de que é o método sintético 
(que propicia maior movimentação). Se escuto a sociologia 
ou a psicologia social, seria, talvez, o método sintético pela 
maior possibilidade de contato social. Se atento para a socio­
logia do currículo questionarei inclusive o próprio esporte 
enquanto fenômeno cultural que expressa relações de poder, 
etc. Qual abordagem devo considerar para minhas decisões 
de professor de EF? Como integrar essas distintas aborda­
gens? E possível decidir com base no conhecimento discipli­
nar? E possível decidir sempre no plano da racionalidade 
científica?7
7 Interessante é observar que, apesar da flagrante necessidade de mediação entre os 
saberes disciplinares presentes no campo da EF, os especialistas nas diferentes 
subdisciplinas do nosso campo não conseguem dialogar, ou seja, a partir de sua 
especialidade interagir com outra, como ficou claro no IX Congresso Brasileiro de 
Ciências do Esporte (Vitória/ES, Set. 95).
Considerações finais (problematizações)
Para finalizar este capítulo gostaria de pontuar algu­
mas problemáticas que, considero, devem ser enfrentadas 
pela reflexão espistemológica do campo da EF.
Precisamos, por exemplo, analisar a tese da Ciência 
da Motricidade Humana de M. Sérgio (1989), como possível 
fornecedora do estatuto epistemológico da EF. Adianto mi­
nha posição, embora sem fazer aqui uma análise mais exaus­
tiva dessa tese: ela não apresenta uma solução para os pro­
blemas epistemológicos da EF. Aliás, em M. Sérgio, a EF 
aparece, em relação à Ciência da Motricidade Humana, com 
duas conotações: ora como a Pré-Ciência da Motricidade 
Humana, e ora como ramo pedagógico dessa ciência. A 
idéia ou tese de que a EF é a Pré-Ciência da Motricidade 
Humana é sustentável apenas à medida que sob essa deno­
minação esse campo acadêmico se constituir; resta no en­
tanto, demonstrar que esse constitui-se hoje na forma de 
uma nova disciplina científica ou de uma nova ciência. Já a 
tese de que a EF8 seria o ramo pedagógico da Ciência da 
Motricidade Humana me parece altamente questionável. Em 
nenhum momento, aliás, os autores que referendam essa 
tese explicam o que significa para a EF (ou Educação Motora) 
ser o ramo pedagógico de uma tal ciência (partindo-se do 
pressuposto de que tal ciência existe). Significa que essa 
prática pedagógica tematiza os conhecimento oriundos de 
tal ciência? Significa que os fundamentos dessa prática pe­
dagógica vêm dessa mesma ciência? As “outras
ciências”
8 O autor da tese, M. Sérgio, prefere denominar a EF de educação motora, Yio que é 
seguido por um grupo de professores brasileiros, principalmente atuantes na Facul­
dade de Educação Física da UNICAMP. No livro, que foi publicado como resultado 
de um simpósio sobre educação motora (De Marco, 1995), alguns autores, ao invés 
de falar em educação motora (ex-EF) como ramo pedagógico da Ciência da 
Motricidade Humana, falam em ramo pedagógico da teoria da motricidade huma­
na, sem justificar, no entanto, o porquê dessa opção por teoria, em vez de ciência.
também possuem um ramo pedagógico? Por acaso o ensino 
da biologia constitui-se no ramo pedagógico da biologia? O 
que se ensina na biologia é o conhecimento biológico. O que 
se ensinaria na EF ou educação motora? Seria o conheci­
mento da Ciência da Motricidade Humana? Essas são ques­
tões que estão a merecer uma resposta.
Continua me parecendo mais importante para nosso 
campo acadêmico interpretar a EF como prática pedagógi­
ca. Parlebas (1993) também entende que a EF não é uma 
ciência e, sim, uma “pedagogia das condutas motrizes”. En­
tende como objeto específico da EF as “ações motrizes”. Já, 
Gamboa (1994) situa a EF no âmbito do que chama de 
“novos campos epistemológicos”, pois, superando a pers­
pectiva de “ciência aplicada”, tem como característica ser 
uma ciência da e para a ação educativa ou uma ciência da 
ação, como a pedagogia. O autor considera que o “eixo da 
sistematização científica” (p. 37) e o que lhe fornecer especifici­
dade é o movimento/ação do corpo humano (motricidade). 
Entendo que as reflexões de Gamboa (1994) significam um 
avanço para a discussão da área sobre suas questões 
epistemológicas e isso porque: primeiro, o autor afirma a 
especificidade da EF no plano pedagógico e, com isso, subli­
nha a dimensão de intervenção imediata própria de nosso 
campo; segundo, aponta para novos elementos e a necessi­
dade da interdisciplinaridade.
Mas, algumas questões precisam ser aprofundadas. Por 
exemplo, sabemos quase nada sobre como realizar a 
interdisciplinaridade (não dispomos de uma epistemologia 
interdisciplinar). Como comenta Parlebas (1993, p. 131), 
“se postula que a adição de conhecimentos que provém de 
distintos horizontes vão harmonizar-se numa unidade. Tal 
milagre, porém, não pode produzir-se”. Assim, entendo que 
o teorizar específico da EF deveria concentrar-se exatamen­
te na integração das diferentes abordagens, seria um teorizar 
sintetizador de conhecimento à luz das necessidades especí­
ficas da prática pedagógica. Vale lembrar que isso ocorre 
também com a pedagogia. O que complexifica a questão é 
a possível existência de um saber prático ou corporal que 
resiste à teorização, como diz Mauro Betti (1994) em 
instigante artigo. Por outro lado, não é possível ignorar o 
debate em torno das limitações da racionalidade científica (e 
sua crise) e da polêmica relação entre o saber fático e o éti- 
co-normativo, questões re-colocadas pelo pós-modernismo.
E preciso considerar os limites da própria racionalidade 
científica, quanto ao fornecimento dos fundamentos de nos­
sa prática. Como sabemos, a prática pedagógica envolve 
sempre uma dimensão ética de caráter normativo, ou seja, 
se a ciência se atém ao fático, a prática pedagógica opera 
também no plano do contrafático (do dever-ser). Outra di­
mensão importante presente no âmbito pedagógico é a di­
mensão estética. Sem me alongar no assunto, diria que o 
teorizar na EF precisa ultrapassar as limitações da racionali­
dade científica, para integrar no seu teorizar/fazer a dimen­
são do ético e do estético.
Assim, o apelo para a cientifização da EF é problemá­
tico porque a racionalidade científica (tradicional) é limitada 
em relação às necessidades de fundamentação de sua práti­
ca - o que indica a superação do modelo tradicional de ra­
cionalidade científica (por exemplo, com o projeto da razão 
comunicativa de J. Habermas) - e sofre, ao mesmo tempo, 
o abalo da nova filosofia da ciência que é relativista no senti­
do de não reconhecer superioridade na racionalidade cientí­
fica de frente às outras formas de conhecer a realidade.
A PRÁTICA PEDAGÓGICA 
DA EDUCAÇÃO FÍSICA: CONHECIMENTO 
E ESPECIFICIDADE1
Parece-me que o tema remete a uma questão que 
tornou-se fator de frustração e, em alguns casos, motivo de 
pesadelos para o professor de Educação Física (EF): a tão 
propalada crise de identidade da EF, que em muitos mo­
mentos foi entendida como resultado da falta de definição 
do seu “objeto”, da falta de definição clara de sua especifi­
cidade (identidade no sentido de sua singularidade). Entendo 
que a temática colocada, em última instância, nos remete a 
essa questão.
Para adentrar ao tema e colocar minha posição desejo 
fazer, inicialmente, uma demarcação.
Quando falo em objeto da EF me refiro ao “saber” 
específico de que trata essa prática pedagógica. Não estou 
me referindo, portanto, ao objeto de uma prática científica 
específica - não coloco, para responder a essa questão, as 
exigências que são feitas para definir o objeto de uma ciên­
cia. Essa diferenciação é importante porque entendo que
1 Artigo originalmente publicado na Revista Paulista de Educação Física. Supl.2, 
1996, p. 23-8.
parte das dificuldades na superação da “crise de identidade” 
advém do fato de se insistir em ver na EF uma disciplina 
científica e, mais, como uma disciplina com estatuto episte- 
mológico próprio. Entendo que a especificidade da EF no 
campo acadêmico é a de que ela se caracteriza, fundamen­
talmente, como prática pedagógica2, no que concordamos 
com Lovisolo (1995). A necessidade e a reivindicação de 
fundamentar “cientificamente” a EF é que a levou a incor­
porar as prática cientificas ao seu campo acadêmico (o que 
é muito diferente de passar a ser uma ciência com estatuto 
epistemológico próprio). Então, quando nos referimos ao objeto 
da EF, pensamos num saber específico, numa tarefa peda­
gógica específica, cuja transmissão/tematização e/ou reali­
zação seria atribuição desse espaço pedagógico que chama­
mos EF.
As diferentes concepções 
do objeto da Educação Física
Feita essa demarcação, vejamos como se entendeu o 
“saber” próprio da EF ou a sua especificidade. As expres- 
sões-chave para tal identificação foram ou são:
a) “atividade física”; em alguns casos, “atividades físico-es- 
portivas e recreativas”;
b) “movimento humano” ou “movimento corporal humano”, 
“motricidade humana” ou, ainda, “movimento humano 
consciente”;
2 Gamboa (1994) entende que a EF, assim como a pedagogia, estariam situadas no 
que chama de “novos campos epistemológicos”, cuja característica específica seria 
exatamente a dimensão da “ação” (que estou chamando de “intervenção"); para 
esse autor, a EF é uma ciência da e para a ação.
c) “cultura corporal”, “cultura corporal de movimento” ou 
“cultura de movimento”.
Pretendo defender, aqui, a tese/idéia de que, para a 
configuração do saber específico da EF, devemos recorrer ao 
conceito de cultura corporal de movimento.
É importante termos claro que a definição do objeto da 
EF está relacionada com a função ou com o papel social a 
ela atribuído e que define, em largos traços, o tipo de conhe­
cimento buscado para sua fundamentação3. Os termos “ati­
vidade física”, e “exercícios físicos” são fortemente marca­
dos pela idéia de que o papel da EF é contribuir para o 
desenvolvimento da aptidão física e pertencem claramente, 
no plano do conhecimento, ao arcabouço conceituai das dis­
ciplinas científicas do âmbito da biologia, das ciências bioló­
gicas4.
A definição clássica de EF, nessa perspectiva, é a que 
a
considera como disciplina que, por meio das atividades 
físicas, promove a educação integral do ser humano - mas, 
a conotação, na prática, é a do desenvolvimento físico-mo- 
tor ou da aptidão física, servindo a “educação integral do ser 
humano” para satisfazer/caracterizar o discurso pedagógico.
A absorção na EF do discurso da aprendizagem motora, 
do desenvolvimento motor, da psicomotricidade e, mesmo, 
em certo sentido, da antropologia filosófica, resultou numa 
mudança de denominação de nosso objeto (embora nem sem-
3 Aqui estamos de frente a uma via de mão dupla: a função atribuída à EF determina
o tipo de conhecimento buscado para fundamentá-la e o tipo de conhecimento 
predominante sobre o corpo/movimento humano determina a função atribuída à 
EF. No entanto, nem um nem outro são auto-explicativos: eles precisam ser analisa­
dos integradamente como componentes de um movimento mais geral e complexo 
da sociedade.
4 Não é necessário aqui resgatar o tipo de educação (física) que é postulado e 
acontece a partir desse entendimento. Basta lembrar que ela ficou conhecida como 
uma perspectiva biologicista de EF.
pre numa mudança de paradigma ou de concepção). Pas­
sou-se a privilegiar os termos “movimento humano” (em al­
guns casos, “motricidade humana”). Destaca-se, a partir dessa 
perspectiva, a importância do movimento para o desenvolvi­
mento integral da criança e esse é o papel atribuído à EF.
A definição clássica, nesse caso, é a de que a EF é a 
educação do e pelo movimento. Como exemplo paradig­
mático temos a abordagem desenvolvimentista de Tani, 
Manoel, Kokubun & Proença (1988), mas, também, com 
nuanças, a educação de corpo inteiro, de Freire (1992). A 
base teórica advém, fundamentalmente, da psicologia da 
aprendizagem e do desenvolvimento, uma com ênfase no 
desenvolvimento motor e outra no desenvolvimento cognitivo.
Fala-se, nesses casos, em repercussões do movimento 
sobre a cognição e a afetividade ou o domínio afetivo-social; 
fala-se dos diversos arranjos e tarefas motoras para garantir 
o desenvolvimento das habilidades motoras básicas (Tani et 
alii, 1988), com repercussões sobre os domínios cognitivo e 
afetivo-social. Mas ambas as propostas não superam a pers­
pectiva da psicologia, o que, para a questão pedagógica, é 
problemático, como salienta Silva (1993a), em “Descons- 
truindo o Construtivismo”.
A psicologização da educação implica, necessariamen­
te, a sua despolitização. Não é suficiente afirmar, a título de 
defesa - de forma simplista -, que determinada psicologia 
leva em conta os fatores sociais. O que importa, ao contrá­
rio, é destacar a existência de um aparato social e político, 
como é a educação institucionalizada, e as implicações disso 
(Silva, 1993a, p.5).
As duas definições, ou melhor, construções do objeto 
da EF, tratadas até aqui (biologia/psicologia do desenvolvi­
mento), permitem ver o objeto não como construção social e
44 C..,,.. '-- ..
histórica e, sim, como elemento natural5 e universal, portan­
to, não histórico, neutro politica e ideologicamente, caracte­
rísticas que marcam, também, a concepção de ciência onde 
vão sustentar suas propostas.
A outra perspectiva presente é a de que o objeto da EF 
é a cultura corporal de movimento. É importante salientar 
que se, em princípio, fala-se neste caso das mesmas ativida­
des humanas presentes nas concepções anteriores, as ex­
pressões usadas para denominá-las denunciam, além de uma 
diferença terminológica, diferenças e conseqüências subs­
tanciais no plano pedagógico6, pois, o objeto de uma prática 
pedagógica é uma construção - e não uma dimensão inerte 
da realidade - para a qual pressupostos teóricos são fundantes 
e/ou constitutivos. Não é possível dissociar o fenômeno do 
discurso da teoria que o constrói enquanto objeto (pedagó­
gico).
Nessa perspectiva, o movimentar-se é entendido como 
forma de comunicação com o mundo que é constituinte e 
construtora de cultura, mas, também, possibilitada por ela. 
E uma linguagem, com especificidade, é claro, mas que, 
enquanto cultura habita o mundo do simbólico7. A naturali­
zação do objeto da EF, por outro lado, seja alocando-o no 
plano do biológico ou do psicológico, retira dele o caráter 
histórico e com isso sua marca social. Ora, o que qualifica o 
movimento enquanto humano é o sentido/significado do 
mover-se, sentido/significado mediado simbolicamente e que 
o coloca no plano da cultura.
5 E “naturalmente social”.
6 Como diria Assmann (1993): “não são apenas festejos diferentes de linguagem”.
7 Daí a importância do artigo de Mauro Betti (1994) que remete a novos horizontes 
do estudo do movimento humano ou das manifestações da cultura corporal de 
movimento através da semiótica.
No entanto, trabalhar na EF com o movimentar-se na 
perspectiva da cultura (cultura corporal de movimento) não 
basta para colocá-la no âmbito de uma concepção progres­
sista de educação, mesmo porque, o conceito de cultura 
pode ser definido e operacionalizado em termos social e 
politicamente conservadores. É preciso portanto, articular 
um conceito de cultura que se coadune com os pressupostos 
sociofilosóficos da educação crítica.
Para Geertz, citado por Thompson (1995, p. 176),
“cultura é o padrão de significados incorporados nas for­
mas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e ob­
jetos significativos de vários tipos, em virtude dos quais os 
indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiên­
cias, concepções e crenças”.
Thompson aponta a insuficiência dessa concepção, di­
zendo que
“estas formas simbólicas estão também inseridas em contex­
tos e processos sócio-históricos específicos dentro dos quais, 
e por meio dos quais, são produzidas, transmitidas e recebi­
das. Estes contextos e processos estão estruturados de várias 
maneiras. Podem estar caracterizados, por exemplo, por rela­
ções assimétricas de poder, por acesso diferenciado a recur­
sos e oportunidades e por mecanismos institucionalizados de 
produção, transmissão e recepção de formas simbólicas (1995, 
p. 181).
Dessa forma, a análise cultural como o estudo de for­
mas simbólicas deve considerar os “contextos e processos 
específicos e socialmente estruturados dentro dos quais, e 
por meio dos quais, essas formas simbólicas são produzidas, 
transmitidas e recebidas”. Portanto, o movimentar-se e mesmo 
o corpo humano precisam ser entendidos e estudados como 
uma complexa estrutura social de sentido e significado, em 
contextos e processos sócio-históricos específicos.
Uma das razões para entendermos nosso objeto valen­
do-nos do conceito de cultura diz respeito ao fato de que ela 
é uma categoria-chave para o empreendimento educativo 
de maneira geral. A relação entre educação e cultura é orgâ­
nica. Como lembra Forquin (1993),
“o que justifica fundamentalmente o empreendimento educativo 
é a responsabilidade de ter que transmitir e perpetuar a expe­
riência humana considerada como cultura” (p. 13).
“A cultura é o conteúdo substancial da educação, sua fonte e 
sua justificação última” (p. 14).
Nas abordagens de EF baseadas no conceito (biológico) 
de atividade física e no conceito (psicológico) da abordagem 
desenvolvimentista, o corpo e o movimentar-se humano apre­
sentam-se desculturalizados8.
Duas observações ainda se fazem necessárias quanto à 
relação cultura-educação:
a) “a educação ‘realiza’ a cultura como memória viva, reativação 
incessante e sempre ameaçada, fio precário e promessa 
necessária da continuidade humana” (Forquin, 1993, p. 
14);
b) “Uma teoria cultural da educação, vê a educação, a peda­
gogia e o currículo como campos de luta e conflito 
simbólicos,
como arenas contestadas na busca da imposi­
ção de significados e de hegemonia cultural. (Silva, 1993b, 
p. 122)
8 Desculturalizados não no sentido de que os movimentos, os jogos e as brincadeiras 
utilizados nessas abordagens não emanem do universo cultural - por exemplo, 
Freire (1992) e valoriza sobremaneira a cultura infantif- mas, sim, no sentido de 
que os critérios a partir dos quais são sistematizados e tratados pedagogicamente 
advêm, exclusivamente, de análises do desenvolvimento infantil, descontextualizadas 
social e historicamente.
A especificidade pedagógica 
da cultura corporal de movimento
Para a construção de uma teoria da EF coloca-se aqui 
uma questão central: qual é a especificidade pedagógica da 
cultura corporal de movimento enquanto saber escolar?9
Os saberes tradicionalmente transmitidos pela escola 
provêm de disciplinas científicas ou então, de forma mais 
geral, de saberes de caráter teórico-conceitual. Entendo que, 
diferentemente do saber conceituai, o saber de que trata a 
EF (e a Educação Artística) encerra uma ambigüidade ou um 
duplo caráter: a) ser um saber que se traduz num saber- 
fazer, num realizar “corporal”; b) ser um saber sobre esse 
realizar corporal10.
No caso do entendimento de que o objeto da EF era a 
atividade física ou o movimento humano, a ambigüidade era 
resolvida a favor da dimensão “prática” ou do fazer corporal. 
Esse fazer corporal é que repercutia sobre a “totalidade” (os 
diferentes domínios do comportamento) do ser humano. Nesse 
caso, o debate se desenvolveu em torno da polarização: edu­
cação do ou pelo movimento, ou ambos.
Já, trabalhando a partir da idéia da cultura corporal de 
movimento como objeto da EF, a questão do saber sobre o 
movimentar-se do homem passa a ser incorporado enquanto 
saber a ser transmitido (não é apenas instrumento do profes­
sor). Desenvolveu-se aqui, rapidamente, o “pré-conceito” de
9 Outras questões aderem a esta, como: o que é possível ensinar/aprender quando 
trato pedagogicamente essa parcela da cultura? Quais são os critérios para selecio­
nar e sistematizar essa dimensão da cultura?
10 Essa questão está magistralmente tratada no artigo mais instigante de nossa área
publicado em 1994. Refiro-me ao artigo de Mauro Betti, publicado na revista 
Disco rpo: O que a Semiótica Inspira ao Ensino da EF.
que o que se estava propondo, nesse caso, era transformar a 
EF num discurso sobre o movimento, retirando o movimen- 
tar-se do centro da ação pedagógica em EF.
Betti, enfocando essa questão, observa:
“Não estou propondo que a EF transforme-se num discurso 
sobre a cultura corporal de movimento, mas numa ação pe­
dagógica com ela [grifo nossoj. E evidente que não estou 
abrindo mão da capacidade de abstração e teorização da lin­
guagem escrita e falada, o que seria desconsiderar o simbolis­
mo que caracteriza o homem. Mas a ação pedagógica a que se 
propõe a EF estará sempre impregnada da corporeidade do 
sentir e do relacionar-se.” (1995, p. 41)
Nos parece que, no fundo, está aqui presente a ambigui­
dade insuperável que radica-se no nosso estatuto corpóreo. 
Simultaneamente, somos e temos um corpo.
Um desdobramento ou uma vertente dessa ambigüida­
de refere-se à relação natureza-cultura, que é uma questão 
que afeta o entendimento geral de ser humano e que se 
aguça sobremaneira quando falamos de corpo e movimento.
É interessante colocar aqui o que Cullen11 chama de 
encruzilhada quando buscamos situar o lugar do corpo na 
cultura. Para esse filósofo argentino, o corpo, ou a existên­
cia corporal do homem, é fonte de certo mal-estar para a 
cultura, pois seriam marcas do corpo a singularidade, ao 
passo que a cultura seria o reino do comum, o remeter 
imediatamente ao desejo e à morte, necessitar de espaço e 
movimento e depender do meio ambiente. A cultura cir­
cunscreve o corpo, que parece querer negá-la, ao plano da 
natureza, impondo-o, assim, um vazio, ou então fá-lo reger- 
se por uma idéia ou modelo - é o simulacro. Por isso estamos, 
segundo o autor, numa encruzilhada: culturalizar o corpo e
11 Anotações pessoais da palestra proferida por C. Cullen durante o II Congresso 
Argentino de Educación Física y Ciência (La Plata, outubro/1995).
torná-lo semelhante (reprimindo sua singularidade) ou descul- 
turalizar o corpo e reduzi-lo à diferença. O corpo naturaliza­
do ou o corpo culturalizado? Ou, talvez o grande desafio do 
projeto educativo: como culturalizar sem desnaturalizar?
Como isso se expressou na EF? A EF sempre fez um 
discurso, baseado nas ciências naturais, de controle do cor­
po, de “construção” de um corpo saudável e produtivo, 
treinável, capaz de grandes e belos desempenhos motores. 
Era o corpo “natural” submetido ao entendimento dominan­
te de nossa corporeidade. Não há aqui espaço para conside­
rar o corpo “sujeito” de cultura, produtor de cultura, ele ape­
nas “sofre cultura”. E interessante notar que em alguns casos 
ainda temos a denominação de órgãos públicos de Secreta­
ria de Esportes e Cultura; cultura é o que retrata artistica­
mente o corpo, ou então, aquelas atividades corporais que 
são realizadas sob o signo da cultura (ballet, por exemplo). 
Outra postura é aquela que enaltece o sensível (o lúdico), 
enquanto instância ainda não submetida às regras do mundo 
racional ou social, que busca e valoriza aquelas experiências 
que atestam a unidade homem-mundo, uma certa unidade 
primordial, experiências em que somos corpo e mundo. Uma 
terceira postura quase que elimina a primeira natureza em 
favor da segunda natureza, a cultura, privilegiando nesta a 
racionalidade científica.
O movimento instalado na EF brasileira a partir da 
década de 80, ao menos em uma de suas vertentes (aquela 
que vai buscar fundamentação pedagógica na pedagogia his­
tórico-crítica), situa-se na terceira perspectiva descrita, que 
tem pelo menos um aspecto em comum com a primeira: 
uma perspectiva racionalista do movimento humano. Ou seja, 
em vez de controlar o movimento apenas no sentido mecâ- 
nico-fisiológico, encarando-o agora como fenômeno cul­
tural, pretende dirigi-lo a partir da “consciência crítica 
dos determinantes sociopolítico-econômicos que sobre ele 
recaem”.
Ghiraldelli Júnior (1990) detectou essa questão e colo­
cou frente a frente duas tendências no âmbito da chamada 
EF progressista: a tendência racionalista e a tendência anti- 
racionalista. Segundo o autor, as tendências racionalistas 
buscam uma saída pela janela:
“Detectando no movimento, na “prática corporal”, elemen­
tos não desejáveis, acabam por tomá-los como a própria e ex­
clusiva essência do movimento e, na sequência, concluem que 
é preciso que ‘alguma coisa de fora’ venha acrescentar-lhe cri- 
ticidade, venha libertá-lo, libertando seu praticante. Essa coi­
sa exterior é o discurso, que pode ter caráter sociológico, an­
tropológico, político, etc. [...] A aula de EF torna-se uma aula 
sobre o movimento e não mais uma aula com movimento. 
Ou então, uma aula com o movimento nas condições da EF 
‘tradicional’ agregada ao estudo e discurso crítico.” (p. 197-8)
Por outro lado,
“as correntes anti-racionalistas captam que o movimento cor­
poral humano, por não ser algo que passe pela verbalização, 
pode escapar da razão e, por essa via, se aproximar da intui­
ção. Afinal, o movimento não é algo que pode ser descrito e 
explicado (positivismo e afins) nos seus últimos detalhes, mas 
é algo que pode ser compreendido (historicismo e afins), vivi­
do, sentido; é algo do plano subjetivo e que esconde que este 
plano foi construído subjetivamente.” (p. 198)12
Parece-me que aqui a EF é levada a uma encruzilhada 
ou mesmo um paradoxo: racionalizar algo que, ao ser racio­
nalizado, se descaracteriza.
Ou seja, existiria uma dimensão 
das experiências/vivências humanas passíveis de serem pro­
piciadas também pelo movimentar-se (nas mais diferentes 
formas culturais) que “resiste às palavras”, ou, dito de outra 
forma, não é possível pedagogizá-las por via da sua descri­
12 Ghiraldelli Júnior (1990) entende que ambas as correntes ficam a meio caminho e 
propõe uma visão alternativa baseada numa leitura dialética materialista. No nosso 
entendimento, a busca da contradição interna, por via da historicização, acaba se 
circunscrevendo na própria perspectiva racionalista, não superando, portanto, o 
impasse identificado pelo autor.
ção científica; fogem ao controle, à previsão (da ciência); 
são, de certa forma, únicas, singulares. Aliás, para Nietzsche, 
citado por Naffah Neto (1991, p. 23),
“Nossas experiências verdadeiramente fundamentais não são, 
de forma alguma, tagarelas. Elas não saberiam se comunicar, 
mesmo que quisessem. É que lhes falta a palavra. Aquilo para 
que encontramos palavras, já ultrapassamos [...] A língua, 
parece, foi inventada somente para as coisas medíocres, co­
muns, comunicáveis. Pela linguagem, aquele que fala se vul­
gariza13.”
Como tratar na EF essas experiências? Nos subordinar 
ao “desfrute lúdico”? Como construir uma prática pedagógi­
ca que, por definição, é uma intervenção racional/conscien­
te sobre o desenvolvimento da personalidade dos indivíduos, 
de maneira a contemplar essas dimensões do movimen- 
tar-se humano?
A questão se complexifica porque sabemos que a edu­
cação da sensibilidade ou o afeto é tão importante quanto a 
cognição na definição do comportamento social (político) dos 
indivíduos. Por isso retomo aqui uma pergunta que formulei 
em um simpósio de nossa área14: é possível falar em “movi­
mento crítico”? A criticidade ou a educação crítica em EF 
somente pode acontecer através de um discurso crítico so­
bre o movimento? E preciso não incorrer no erro de enten­
der criticidade, neste caso, apenas como um conceito da 
esfera da cognição. E preciso alargá-lo abarcando a dimen­
são estética. Aliás, Carlos R. Brandão, no VIII Congresso 
Brasileiro de Ciências do Esporte (Recife/1987), afirmou 
que, para ele, crítico só poderia ser o sujeito amoroso, aque­
le que tem a capacidade de se sensibilizar com o drama do 
mundo. É preciso, valendo-me de Assmann (1993), ampliar
13 Há, nessa interpretação, uma redução das possibilidades da linguagem, o que é 
reconhecido por Naffah Neto (1991), que vai, na seqüência discutir, essa questão a 
partir de Merleau-Ponty, com seu “uso criativo da linguagem”.
14 Precisamente em Goiânia, no ano de 1991.
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o conceito de linguagem a todo tipo de ativações da 
corporeidade15. Parafraseando Chauí (1994), poderíamos 
dizer que, na filosofia e nas ciências, falamos de “movimen­
to e pensamento” (um discurso filosófico e científico sobre o 
movimento), mas que, na EF, deveríamos falar de movimen- 
to-pensamento.
Por algum tempo pensei e falei (em círculos mais pró­
ximos) em uma “epistemologia do movimento”. Ao contrá­
rio das conhecidas taxionomias do domínio psicomotor, tra­
tava-se, pensava eu, de identificar o tipo de conhecimento 
da realidade que o movimentar-se humano pode propiciar, 
que tipo de leitura da realidade essa forma de comunicação 
com o mundo pode propiciar e quais conhecimentos e leitu­
ra da realidade determinadas formas culturais do movimen­
tar-se propiciariam. Estou inclinado a complementar essa 
proposta com uma “fenomenologia/hermenêutica do movi­
mento”, uma vez que a expressão epistemologia está exces­
sivamente comprometida com uma postura racionalista no 
sentido cognitivista, que não abre espaço para a ampliação 
do conceito de verdade. Como pergunta Gadamer, citado 
por Hekman (1990, p. 147):
“É correto reservar o conceito de verdade para o conheci­
mento conceptual? Não devemos também admitir que a obra 
de arte possui verdade? Veremos que o reconhecimento des­
tes aspectos coloca não só o fenômeno da arte, mas também
o da história [e o do movimento, VB], sob uma nova luz”.
15 Lembro aqui das palavras de Benedito Nunes (1994, p. 403), discorrendo sobre a 
“poética do pensamento”. Vale a pena ouvi-lo: “A poesia-canto desobjetifica a 
linguagem, retira-a do âmbito da visão prática, da ação e do intercurso cotidiano, 
a que serve de instrumento de comunicação, para o da abertura, temporal e 
histórica. Do mesmo modo que na arte a terra se torna terra, e não é propriamente 
usada, ao contrário do que sucede com o instrumento material, absorvido em seu 
próprio emprego, a poesia usa a palavra como palavra, sem gastá-la, librando o seu 
poder de nomear, de fundar o ser, de desencobri-lo no poema. E o que distingue o 
poeta do pensador é que a nomeação naquele alcança o que excede à compreen­
são do ser em torno do qual o último gravita: o sagrado, indizível, estranho ao 
pensamento”.
Assim, uma educação crítica no âmbito da EF tem 
igual preocupação com a educação estética, com a educa­
ção da sensibilidade, o que significa dizer, “incorporação”, 
não por via do discurso e, sim, por via das “práticas corpo­
rais”16 de normas e valores que orientam gostos, preferên­
cias, que junto com o entendimento racional, determinam a 
relação dos indivíduos com o mundo. Sem me alongar na 
polêmica da crise da razão (iluminista) ou da racionalidade 
científica, entendo que não se trata de subsumi-la à sensibi­
lidade, mas, sim, de não pretender absolutizá-la.
O desafio parece-me ser: nem movimento sem pensa­
mento, nem movimento e pensamento, mas, sim, mouimen- 
topensamento17.
16 Coloquei o termo entre aspas para demonstrar, por um lado, que reconheço a falta 
de um termo que supere o dualismo inevitavelmente presente na nossa linguagem 
quando usamos a palavra “corpo", mas, por outro lado, preciso reconhecer, tam­
bém, que ele é fruto da possibilidade que temos de reconhecer nossa existência 
corporal.
17 Deixo a cargo dos prezados leitores a interpretação do porquê aglutinei a palavra 
“pensamento" à palavra “movimento” e não, por exemplo, “sentimento”. Talvez, 
ambigüamente, intuitiva-racionalmente, esteja me contrapondo às posturas relativistas 
que postulam uma pluralidade radical da razão, sem hierarquia de qualquer tipo.
AS CIÊNCIAS DO ESPORTE: 
QUE CIÊNCIA É ESSA?1
No ano em que o Colégio Brasileiro de Ciências do 
Esporte (CBCE) completou quinze anos de existência fize­
mos a pergunta: que ciência é essa que fizemos nestes anos 
todos?
Tomar essa questão como tema de congresso pareceu 
refletir uma necessidade do colegiado e da “área”. Essa orien­
tação/necessidade estava já presente na temática do VII 
Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte (CONBRACE), 
realizado em Uberlândia, em 1991, e, também, no livro do 
ano editado pela Sociedade Brasileira para o Desenvolvi­
mento da Educação Física2.
Entendemos que depois de uma certa euforia e “inge­
nuidade” cientificista dos seus primeiros anos de existência, 
com conseqüente aversão à reflexão filosófica, a que se se­
guiu um predomínio ideológico com a sobreposição do polí­
tico ao acadêmico, o CBCE chegou aos seus quinze anos
1 Artigo originalmente publicado na Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 13(1), 
1993.
2 Existem vários indicadores nesse sentido, como os recorrentes reclamos de pesqui­
sadores da área como Tani (1988) e Carmo (1987) e de órgãos financiadores 
como o CNPq e a F1NEP.
como que possuído pelo desejo de complementar o conheci­
mento das coisas com o conhecimento de si mesmo - dos 
pressupostos epistemológicos com que opera.
O VIII CONBRACE foi então organizado e estruturado 
fundamentalmente para servir de palco para uma discussão 
em torno dos
pontos que ao longos destes anos apresenta­
ram-se como problemáticos para o desenvolvimento científi­
co da área da EF/CE (Educação Física/Ciências do Esporte). 
Pretendeu-se dar também um caráter deliberativo a esse 
congresso, para que a síntese dos debates nele desenvolvi­
dos, bem como as perspectivas e as ações possíveis para a 
superação dos problemas, sejam consubstanciadas em docu­
mento aprovado pelo colegiado em assembléia. Com isso, o 
CBCE, entidade da sociedade civil, busca a iniciativa e cha­
ma para si a responsabilidade de orientar o desenvolvimen­
to científico da área da EF/CE.
E importante situar historicamente essa iniciativa e seu 
significado sociopolítico. Essa iniciativa constrói-se após um 
período de institucionalização da pesquisa científica na “área”3 
(criação e implantação de cursos de pós-graduação, incenti­
vo à capacitação docente, financiamento e fomento de pes­
quisa científica), em cujo âmbito as ações governamentais 
foram sempre as norteadoras e decisivas. Pode-se levantar a 
hipótese de que isso tenha significado que a pesquisa na 
área tenha estado fortemente atrelada aos interesses dos 
sucessivos governos do regime ditatorial vigente, principal­
mente na década de 70. Ou seja, estamos apontando, com 
mais essa iniciativa do CBCE, para o aumento da possibili­
dade de construirmos uma prática científica mais afinada 
com os interesses democráticos da sociedade brasileira. Isso 
dependerá, é claro, do grau de legitimidade que alcançar­
mos com essa ação coletiva.
3 Uso a palavra área entre aspas por entender que um dos problemas é exatamente 
identificar/explicitar os seus contornos.
Mas, a década de 70 parece ter sido realmente decisi­
va para a área da EF/CE. O Diagnóstico da Educação Físi­
ca e dos Desportos, realizado pelo MEC em 1969/1970, 
identificara a falta de pesquisa científica na área. Lembre­
mos rapidamente, que a ciência (objetiva e neutra) fazia 
parte do credo e do discurso tecnocrático e era entendida 
como fundamental instrumento para garantir a eficiência dos 
programas de ação governamentais nas diferentes áreas (no 
caso na EF/esportes). Datam dessa década uma série de 
iniciativas no setor:
- envio de grande número de professores para cursar pós- 
graduação no exterior, principalmente nos EUA;
- convênios e intercâmbios com centros de pesquisa no ex­
terior - por exemplo com a Escola Superior de Colônia, da 
Alemanha;
- criação e implantação de cursos de pós-graduação na área 
da EF/CE;
- implantação de laboratórios de pesquisa, principalmente 
de fisiologia do esforço e cineantropometria, em alguns 
centros universitários - por exemplo, na UFRJ e UFRGS.
Não se deve esquecer que é nesse âmbito que vão 
surgir o CELAFISCS e, posteriormente, o próprio CBCE.
A partir da reforma univerisitária, através da Lei ng 
5.540, de 1968, que estabeleceu as regras para a pós-gra­
duação, baseadas basicamente no modelo norte-americano, 
a Educação Física vai almejar/reivindicar o status acadêmi­
co da pós-graduação. Isto é, as “práticas científicas” passam 
a fazer parte, de maneira agora mais intensa, da atividade 
acadêmica dos docentes dos cursos superiores de Educação 
Física.
Ora, já se instalara a relação de simbiose (parasitismo) 
entre o esporte e a Educação Física, já havia-se consolidado 
a esportivização da Educação Física, com a instrumentalização
desta última pelo primeiro, instrumentalização aprofundada 
pelos sucessivos planos governamentais da área que coloca­
vam a Educação Física como base para o desporto nacional. 
Assim, pesquisa em esporte e em Educação Física podiam- 
se confundir. Faço essa digressão para a) explicar a razão do 
uso privilegiado da expressão “Ciências do Esporte”, e b) 
evidenciar que apesar da pesquisa da época orientar-se, 
majoritariamente, por uma matriz teórico-científica que ad­
voga a neutralidade da ciência, o fomento à pesquisa tinha 
como objetivo garantir a eficiência do sistema esportivo (e 
da EF a ele atrelado).
Neste contexto, a comunidade acadêmica da EF/CE 
busca legitimidade no âmbito das organizações vinculadas à 
pesquisa científica. Ela reivindica cursos de pós-graduação, 
reivindica recursos para financiar pesquisa científica, etc. 
Mas, é preciso adentrar ao campo científico para solicitar/ 
exigir esclarecimentos ou respostas a questões do tipo: Ef é 
ciência, ou devemos falar em Ciências da EF ou do Esporte? 
Qual é o objeto desta ou destas ciências? E esse objeto o 
esporte, a atividade física ou o movimento humano? Lem­
bremos que os órgãos de fomento à pesquisa científica pre­
cisam e exigem classificá-la para reconhecê-la4.
Embora sempre reclamadas, as respostas a essas ques­
tões nunca apresentaram grande consistência teórica e, por 
vezes, essas questões foram solenemente ignoradas5, per­
manecendo a área no plano do que o sociólogo francês P. 
Bourdieu chama de doxa (no plano do não-discutido).
4 Junto ao CNPq nossa classificação ss dá a partir do nome Educação Física e no 
âmbito das Ciências da Vida - Coordenação de Saúde. Na SBPC se dá com o 
nome de Motricidade Humana/Esportes e como Ciência Aplicada.
5 Isso me faz lembrar a observação de M. Sérgio (1988, p. 6): “A Educação Física 
nunca precisou autolegitimar-se epistemologicamente, ou seja, de encontrar em si 
as formas e razões de sua própria cientificidade, precisamente porque o poder 
sempre se serviu dela e nunca a serviu como instrumento insubstituível de conheci­
mento e transformação".
Mas, antes de apontar mais precisamente os proble­
mas que consideramos sejam os que mais obstaculizam o 
desenvolvimento científico da área, gostaríamos de rever ra­
pidamente o conhecimento do conhecimento produzido.
0 conhecimento do conhecimento
Entendo que uma das possibilidades de fazer a avalia­
ção da ciência que fizemos nestas últimas três décadas é 
recuperar as análises e os estudos já realizados sobre a pro­
dução do conhecimento em nossa área. Essas análises ou o 
conhecimento do conhecimento produzido é, a nosso ver, 
denunciador do próprio estágio de desenvolvimento científi­
co da área no seu percurso histórico, ou seja, no próprio 
autoconhecimento é possível identificar as limitações cientí­
ficas da área.
E possível caracterizar pelo menos dois momentos dis­
tintos nos estudos sobre a produção do conhecimento na 
área. Num primeiro grupo pode ser alocada uma série de 
trabalhos produzidos na década de 80, como os de Matsudo 
(1983), Canfield (1988), Tubino (1984) e Faria Jr. (1987). 
Nesses estudos encontramos basicamente uma descrição e/ 
ou identificação das “subáreas” onde mais se concentrava a 
pesquisa, como também suas tendências de crescimento. 
Ou seja, os estudos consistiam em dividir a “área” em 
“subáreas” e verificar o percentual de pesquisas realizadas 
(apresentadas/publicadas) em cada uma dessas.
A pergunta “Que ciência é essa?”, era na verdade 
traduzida nas perguntas “Em quais subáreas mais se pesqui­
sa?” Qual é a tendência em termos de crescimento da pes­
quisa nas diferentes subáreas?”
Esses estudos constataram então que havia um predo­
mínio das “subáreas” da medicina esportiva, da fisiologia e 
da cineantropometria, enfim, uma forte influência das ciên­
cias naturais, mas que, principalmente a partir de 1980, 
podia-se verificar um crescimento das “subáreas” pedagógi­
ca e sociocultural, essas sob a influência das ciências sociais 
e humanas. A discussão propriamente epistemológica esta­
va na verdade ausente, mas o crescimento da influência das 
ciências sociais e humanas vai fazer aflorar esse debate ne­
cessário6.
Um segundo momento do conhecimento do conheci­
mento marca o início da discussão propriamente
epistemo­
lógica. No início dos anos 90 aparecem os estudos que bus­
cam não mais identificar em quais “subáreas” mais se pes­
quisa, mas, sim, quais são as “matrizes teóricas”, ou seja, as 
concepções de ciência, que orientam as pesquisas na área. 
O estudo central nesse caso é a dissertação de mestrado da 
professora Rossana Valéria S. e Silva (1990), que analisou as 
teses de mestrado produzidas na década de 80. Faria Jr.
(1991), também baseado em Gamboa (1989), amplia seu 
estudo original (Faria Jr., 1987), incorporando a discussão 
epistemológica. Mas, recentemente, Gaya (1993) publicou 
estudo que situa-se também nessa perspectiva de análise.
Que ciência é essa? Como se apresentava/apresenta 
a produção científica quando interrogada sua matriz teórica?
Os resultados encontrados “denunciam” que a produ­
ção do conhecimento na área baseia-se numa concepção 
positivista (Souza e Silva, 1990) ou empírico-analítica (Faria 
Jr., 1991 e Gaya, 1993) de ciência, identificando uma ten­
dência (embora tímida) de crescimento das pesquisas funda­
6 Mesmo porque muito do que se apresentava como científico nas subáreas pedagó­
gica e sociocultural não era assim reconhecido pelo segmento orientado nas ciên­
cias naturais.
mentadas na fenomenologia e no materialismo histórico 
dialético, aliás, tendência encontrada também por Gamboa 
(1989) no âmbito da educação, o que nos leva a suspeitar de 
uma forte influência do pensamento pedagógico na Educa­
ção Física.
Lembrando rapidamente: Souza e Silva (1990) chegou 
à conclusão, em seu estudo
“que o entendimento dominante de ciência nas pesquisas está 
atrelado aos princípios da quantificação e matematização dos 
fenômenos, da análise e descrição dos mesmos segundo 
parâmetros estatísticos, da descontextualização e isolamento 
dos fenômenos ou fatos para sua experimentação e neutrali­
dade dos pesquisador, entre outras características que apon­
tam para uma visão de ciência voltada para a vertente posi­
tivista”. (p. 154)
Ao mesmo tempo propunha-se a adoção do materia­
lismo histórico dialético ou a abordagem crítico-dialética (como 
na pedagogia), como o caminho para a superação dos 
reducionismos e equívocos da pesquisa da área.
Eu mesmo (Bracht, 1991) procurei avaliar a produção 
do conhecimento sobre o esporte com um referencial basea­
do na distinção habermasiana dos interesses norteadores do 
conhecimento, ressaltando que, no caso dos estudos enfocando 
o esporte no Brasil, o interesse norteador é basicamente o 
interesse técnico - o que explica a predominante adoção da 
matriz empírico-analítica - e, em bem menor grau, os inte­
resses prático e emancipatório.
A virtude desses estudos foi questionar os critérios de 
cientificidade até então legítimos na área, preparando o ca­
minho para uma possível superação do senso comum cientí­
fico predominante.
E importante salientar que a incorporação dessa dis­
cussão, no âmbito da EF/CE, foi propiciada pelo amplo e 
radical debate que instalou-se no início da década de 80 e
que consubstanciou-se na chamada “crise” (Medina, 1983) 
da EF. Esse “movimento” teve conseqüências fundamentais 
na história e construção do próprio CBCE, que a exigüidade 
do espaço impede desenvolver aqui7.
A questão da identidade epistemoiógica da área
Além dos estudos que descreviam a incidência das pes­
quisas nas diferentes subáreas, apontando suas tendências, 
e daqueles que buscavam identificar as matrizes teóricas com 
as quais se operava na área, alguns autores preocuparam-se 
com o que poderíamos chamar de estatuto ou identidade 
epistemoiógica da área da EF/CE. Destaco neste caso os 
estudos do filósofo português Manoel Sérgio, com sua tese 
da Ciência da Motricidade Humana (Sérgio, 1988), de Go 
Tani (1988), de Apolônio A. do Carmo (1987), de Silvino 
Santin (1992) e, mais recentemente, de Hugo Lovisolo (1993 
e 1995)8. A esses estudos gostaria de acrescentar minha 
modesta contribuição, tomando como interlocutores princi­
palmente os trabalhos de Tani et al.(1988) e Lovisolo (1993).
Antes, porém, gostaria de ressaltar que os problemas 
no âmbito da produção e veiculação do conhecimento na 
área da EF/CE não se restringem à questão da identidade 
epistemoiógica. Além desse aspecto, mas também a ele vin­
culado, o Departamento Científico do CBCE tem identifica­
do outros, como o baixo grau de significação do conheci­
mento produzido no sentido de dar resposta aos problemas 
colocados pela prática a socialização restrita do conhecimen-
7 Remeto o leitor a esse respeito ã obra de Paiva (1994).
8 Observe-se que estou me atendo aos estudos no âmbito da lingua portuguesa, não 
ignorando os estudos a respeito no âmbito dos países de línguas inglesa, francesa, 
espanhola e alemã. Além dos citados anteriormente, outros dois autores da área 
desenvolveram estudos recentes. São eles Adroaldo Gaya e Vítor M. de Oliveira.
to produzido decorrente da falta de publicações periódicas a 
falta de rigor científico do que é produzido e publicado e a 
excessiva proliferação de eventos em detrimento das publi­
cações.
Atenho-me, assim, um pouco mais às questões da iden­
tidade ou estatuto epistemológico (estatuto científico) da EF/ 
CE. Parece-me claro o quanto essa questão é também fun­
damental para os aspectos listados anteriormente, ou seja, 
para a estruturação dos cursos de pós-graduação, para os 
esforços de publicação, para a pesquisa e para a própria 
discussão curricular.
Um dos pontos sempre levantados para a construção 
da identidade epistemoiógica é a necessidade de esclarecer 
o objeto9 da EF/CE.
0 debate em tomo do “objeto” da Educação Física
Nem sempre, no entanto, na busca do objeto da EF 
(deixo de lado, por um instante, a expressão Ciências do 
Esporte), teve-se claro que ela é antes de tudo uma prática 
pedagógica, portanto uma prática de intervenção imedia­
ta10. Tani (1988) busca clareza nesse sentido, a partir da 
distinção entre a EF enquanto profissão e enquanto discipli­
na acadêmica.
9 “Uma disciplina acadêmica se caracteriza pela existência de um objeto de estudo, 
de uma metodologia de estudo e de um paradigma próprios” (Tani, 1988, p. 388).
10 Lovisolo (1993, p. 39) de certa forma comunga desta idéia. Ele entende o “educa­
dor físico” como uma espécie de brícoleur “que a partir de fragmentos de antigos 
objetos, guardados no porão, constrói um objeto novo no qual as marcas dos antigos 
não desaparecem". Assim, o educador físico articula os diferentes conhecimentos 
sobre as práticas corporais com vistas a uma intervenção social.
Essa distinção é fundamental para a discussão epistemo­
lógica, como procurarei demonstrar a seguir. Quando per­
guntamos pelo objeto da EF, estamos perguntando por um 
“objeto” de uma prática de intervenção imediata que tem 
seu “sentido não na compreensão, mas no aperfeiçoamento 
da praxis” (Schmied-Kowarzik, 1983, p. 23), ou por um 
“objeto científico”?
Tani (1988) reclama do fato de que sempre se privile­
giou o entendimento da EF enquanto profissão negligencian- 
do-se o entendimento enquanto disciplina acadêmica, suge­
rindo algum tipo de antagonismo. Entendemos que não há 
antagonismo, mas, reconhecer a EF primeiro enquanto prá­
tica pedagógica é fundamental para o reconhecimento do 
tipo de conhecimento, de saber necessário para orientá-la e 
para o reconhecimento do tipo de relação possível/desejável 
entre a Educação Física e o “saber científico”, ou as discipli­
nas científicas11.
Entendemos que enquanto área de estudo da realidade 
com vistas ao aperfeiçoamento da prática pedagógica, a EF 
precisa construir seu objeto a partir da intenção pedagógica. 
Essa é que deve nortear a construção
da problemática teóri­
ca que vai orientar o estudo do seu objeto. Mas, por que 
falar em “construção do objeto”? Ele já não está dado na 
realidade?
Como reconhecido por muitos autores o objeto da EF 
situa-se no plano do movimento humano (Tani, 1988, Santin, 
1992)12. Mas esse reconhecimento está longe de solucionar
11 Confundir os dois papéis, o do cientista e o do bricoleur ou “interventor", é o 
primeiro e freqüente mal-entendido que encontramos entre os educadores físicos" 
(Lovisolo, 1993, p. 40).
12 Lovisolo (1993) entende que “o campo dos fenômenos que ocupa a EF é o das 
atividades corporais num sentido amplo” (p. 37). Nós temos denominado esse cam­
po como o da cultura corporal (Coletivo de Autores, 1992, Bracht, 1992).
o problema de demarcação ou construção de um objeto cien­
tífico. Parece-me que Tani (1988), de certa forma, é refém 
de uma postura empirista que busca delimitar o objeto a 
partir de um recorte da realidade empírica. Bourdieu et al.
(1993), tratando dessa questão, citam Saussure: “o ponto 
de vista cria o objeto” (p. 51). Isto é, uma ciência não poder 
definir-se por um setor do real que lhe corresponder. Conti­
nuam os autores, citando então Marx: “a totalidade concre­
ta, como totalidade do pensamento é, de fato, um produto 
do pensamento na concepção” (idem, p. 51).
Laplantine (1991) segue essa linha de raciocínio ao 
afirmar que
“uma disciplina científica (ou que pretende sê-lo) não deva ser 
caracterizada por objetos empíricos já constituídos, mas, pelo 
contrário, pela constituição de objetos formais. Ou seja, a 
única coisa possível, a nosso ver, de definir uma disciplina 
(qualquer que seja), não é de forma alguma um campo de in­
vestigação dado (a tecnologia, o parentesco, a arte, a religião 
... o esporte - V.B.), muito menos uma área geográfica ou um 
período da história, e sim a especificidade da abordagem utili­
zada que transforma esse campo, essa área, esse período em 
objeto científico”, (p. 96)
Voltemos para Bourdieu et al. (1993). Os autores en­
tendem que Max Weber formulou um princípio epistemológico 
que é instrumento de ruptura com o realismo ingênuo. Eles o 
citam:
“Não são as relações reais entre ‘coisas’ o que constitui o 
princípio de delimitação dos diferentes campos científicos, e 
sim, as relações conceituais entre problemas. Somente assim, 
onde se aplica um método novo a novos problemas e onde, 
portanto, se descobrem novas perspectivas nasce uma ‘ciên­
cia nova’.” (p. 51).
Assim, a investigação científica se organiza de fato em 
torno de objetos construídos que não têm nada em comum 
com aquelas unidades delimitadas pela percepção ingênua 
ou imediata.
Ora, não temos no âmbito da EF/CE uma construção 
única ou unívoca do objeto (científico) denominado de movi­
mento humano. Ou seja, na biomecânica, na aprendizagem 
motora, na sociologia do esporte, na fisiologia do esforço, 
etc., o movimento humano enquanto objeto científico não é 
o mesmo. Então não temos um objeto científico. Isso modi­
fica a percepção do problema que se tem colocado como o 
da fragmentação do conhecimento em torno do movimento 
humano. Isso explica por que as chamadas Ciências do Es­
porte cada vez menos mantêm diálogo entre si (mesmo ten­
do como “objeto” o movimento humano ou o esporte) e 
tendem ou a criar organizações específicas (na verdade, fóruns 
específicos de discussão; por exemplo a Sociedade Brasilei­
ra de Biomecânica), ou a buscarem o abrigo das disciplinas- 
mãe (psicologia, fisiologia, sociologia, etc.), onde a identida­
de epistemológica é determinada pela disciplina-mãe e não 
pela especialidade, ou seja, sociologia do esporte ou fisiolo­
gia do esforço não é Ciência do Esporte e sim ciência socio­
lógica ou fisiológica.
Breves olhares sobre o caso da Pedagogia
Talvez seja produtivo lançar um olhar sobre a pedago­
gia ou as “ciências da educação”, onde problemas seme­
lhantes podem ser encontrados.
Vejamos o que diz o professor M. O. Marques (1990):
“buscamos [...] justificar as pretensões de uma Pedagogia, ao 
mesmo tempo como ciência e como a ciência do coletivo dos 
educadores, em oposição tanto à separação entre o pensar/ 
decidir e o fazer [...], quanto às incursões atomizadoras das 
chamadas ciências da educação, que operam com conceitos 
gerados em outros contextos a respeito de outros temas. Os 
esforços das interdisciplinaridades não conseguem, a nosso
ver, recuperar a unidade teórica necessária, a não ser que nas 
distintas regionalidades do saber, como é a educação, haja 
uma ciência articuladora do eixo interno dos saberes e práti­
cas, a partir do qual possa a reflexão inserir-se dinamicamente 
no universo teórico mais amplo do saber, das ciências e da 
filosofia”, (p. 10)
O que é reivindicado aqui, e gostaria de analogamente 
estendê-lo à Educação Física, é a construção de uma disci- 
plina-síntese (no caso ainda adjetiuada de científica) ou 
articuladora que pudesse fornecer o saber necessário - ou 
que pudesse construir esse saber - para orientar a prática 
dos educadores. Uma ciência da e para a prática, como 
diria Schmied-Kowarzik (1983).
Outro pensador da educação que tem tratado da 
especificidade da pedagogia enquanto ciência é L. C. de 
Freitas (1995). Ele introduz o problema citando Ribes (1982), 
para quem
“a identidade de uma disciplina configura-se, em primeiro lu­
gar, a partir de sua especificidade epistemológica como modo 
de conhecimento científico [...]. A identidade da psicologia 
educacional não pode ser encontrada como uma ciência da 
educação, mas sim, como ciência psicológica” (p. 84-5).
Para Ribes (1982) apud Freitas (1995, p. 27), “se uma 
disciplina não possui campo epistemológico próprio - como 
no caso da pedagogia - o que a define é a sua responsabili­
dade social13, ou seja, sua vinculação com a solução de pro­
blemas concretos sob o marco de uma instituição social”. E 
conclui Freitas (1995):
“A pedagogia [a Educação Física - V.B., portanto, opera em 
um nível qualitativo diferente daquele das ciências individuais 
que lhe dão suporte epistemológico tais como a psicologia, a 
sociologia e outras. Este nível qualitativamente diferente está
13 Lovisolo (1993), traçando um paralelo entre a EF e a medicina, tem um entendi­
mento muito próximo ao de Ribes (1982).
expresso na própria elaboração da teoria educacional e peda­
gógica, em relação dialética com a prática educacional 
multifacetada. Este é o papel de uma ciência pedagógica”, (p. 
87)
A Educação Física e a cientificidade
Mas, se reivindicamos para a EF (e a pedagogia) o 
estatuto de uma ciência especial (da e para a prática), o que 
estamos reivindicando? Tornar a EF uma tal ciência significa 
institucionalizar no seu âmbito as ditas práticas científicas e 
trabalhar com as categorias epistemológicas da “ciência”? 
Precisaríamos aclarar se a EF operaria a partir dos princípios 
epistemológicos das ciências naturais14 ou das ciências so­
ciais e humanas15? Se formos operar a partir dos princípios 
da “ciência clássica” poderíamos introduzir reducionismos no 
estudo do movimento humano que precisariam ser evitados. 
Ou seja, o teorizar em EF precisa ultrapassar o próprio teorizar 
científico. A teorização permitida ou realizada com as cate­
gorias epistêmicas da ciência tradicional não atende às ne­
cessidades da EF que tem no objeto “movimento humano” e 
na intenção pedagógica suas características definidoras. Pre­
cisaríamos teorizar de forma a contemplar o biológico, o 
psicológico e o social, mas também o ético e o estético, 
numa perspectiva de globalidade - portanto numa nova cons­
trução de nosso objeto. Ora, o ético e o estético, como sabe­
mos,
sempre foram alijados do âmbito da “ciência” e reme­
tidos ao decisionismo subjetivista ou a uma disciplina especí­
fica da filosofia e/ou para as expressões artísticas. Ao colo­
14 É o que faz ver Santin (1992) com ceticismo e como problemática a reivindicação 
da EF por cientificidade.
15 Estou partindo do dualismo epistemológico que é negado, por exemplo, pelo
positivismo e pelo racionalismo crítico popperiano.
car a questão ético-normativa16 como necessariamente pre­
sente na teorização em EF coloca-se (na pretensão de 
cientificidade desse teorizar) a questão da separação clássica 
entre o saber fático e o saber ético-normativo - e estamos 
então no difícil terreno do debate em torno da dimensão 
ético-política da produção do conhecimento e da prática 
pedagógica em Educação Física.
Para que a EF se desse por satisfeita com o conheci­
mento científico precisamos ampliar o significado da ciên­
cia, ou fazê-la operar, como querem K. O. Apel e J. 
Habermas, com um novo conceito de razão, a razão comuni­
cativa, que engloba a razão teórica, a razão prática e a 
dimensão da subjetividade.
Entendo que há a necessidade de voltar a produção do 
conhecimento nas faculdades, institutos, departamentos e 
centros de EF (e Desportos) para as necessidades da prática 
pedagógica em EF, ou seja, superar a fragmentação a partir 
das necessidades da prática, que são globais.
As Ciências do Esporte: fragmentação versus unidade
Quanto às Ciências do Esporte ou Ciências do Movi­
mento Humano parece-me inevitável neste momento usar o 
plural. A tendência parece ser ainda a da fragmentação. 
Não me parece ter sido construída na área urna problemáti­
ca teórica que possa agrupar/reunir os esforços das discipli-
16 Lovisolo (1993) parece ter captado esse problema com clareza ao dizer que “os 
valores não são nem verdades científicas nem questão de mero gosto individual” (p. 
31) e enfatiza que “a velha solução de dialogar sobre os valores continua sendo um 
caminho transitável se acreditarmos na razoabilidade do homem” (p. 32). A esse 
respeito gostaria de remeter o leitor ainda ao interessante texto de Klafki (1992) 
que discute os limites do conhecimento produzido pelas “ciências da educação" no 
estabelecimento dos objetivos educacionais.
nas que se ocupam cientificamente do esporte ou do movi­
mento humano. Elas continuam operando, cada uma, com 
seu referencial teórico-metodológico, com problematizações 
próprias/específicas, que são, como denuncia Sobral (1992) 
as das disciplinas-mãe.
E comum ouvir que o esporte ou o movimento humano 
são tão complexos que exigem um tratamento interdiscplinar 
ou “crossdisciplinar”. Ora, isso é permanecer no âmbito de 
uma visão empirista. O movimento humano ou o esporte 
não exigem por si só tratamento interdisciplinar, nós é que 
podemos problematizá-lo de modo a exigir tratamento 
interdisciplinar17, e isso está na dependência dos interesses 
norteadores do conhecimento.
Então, as dificuldades no sentido da (re)unificação ou 
síntese do conhecimento, que hoje se assemelha às ofertas 
de um supermercado, são inúmeras. Talvez um caminho seja 
interrogarmo-nos sobre a legitimidade do pesquisar em 
“Ciências do Esporte”. Tradicionalmente essa legitimidade 
advinha do objetivo de (a) fornecer conhecimento para a 
prática pedagógica em EF, (b) fornecer conhecimento útil 
para os órgãos públicos, para a indústria, etc. e (c) fornecer 
conhecimento para o crescimento e desenvolvimento do pró­
prio sistema esportivo. Não se deve esquecer de que há 
aqueles que defendem a pesquisa em Ciências do Esporte a 
partir do simples objetivo de conhecer (desinteressadamen­
te) essa dimensão da realidade.
A pergunta que fica é se essas legitimações são suficien­
tes e/ou ainda podem ser sustentadas e se elas podem ori­
ginar uma problemática teórica unificadora.
17 Como lembram Bourdieu et al. (1993), “não há que se esquecer que o real não tem 
a iniciativa, posto que só pode responder o que se lhe pergunta. Bachelard susten­
tava, em outros termos que o ‘vetor epistemológico [...] vai do racional para o real e 
não o inverso’.” (p. 55).
Considerações finais
Procurei demonstrar que estamos de frente a grandes 
desafios, que, aliás, somente serão vencidos com um enor­
me esforço coletivo.
Por falar em coletivo, entendo que o CBCE, organiza- 
cionalmente, pode trilhar basicamente dois caminhos: a) apos­
tar numa possível unidade do conhecimento produzido na 
área, ou b) se curvar de frente à “fragmentação” (uma das 
tendências nesse sentido é a criação de comitês de, por 
exemplo, sociologia, de fisiologia, etc.) e correr o risco de, 
em breve, ser palco de uma “diálogo de surdos”.
Por outro lado, para outro tipo de pluralidade o CBCE 
precisa dar solução adequada. Refiro-me à diversidade de 
entendimento do que é e por que fazer ciência: o chamado 
pluralismo científico. Esse, como lembra Martins (1993, p. 
105),
“reflete o problema de que o caráter, o estatuto, o conceito e 
os limites da própria ciência são controvertidos e de que o 
conflito entre concepções de ciência, com suas pretensões 
divergentes de verdade e relevância, não exclui (nem méto­
dos, nem teorias, nem o cânon das disciplinas, nem ainda os 
critérios de suas avaliação)”.
E preciso não incorrer no equívoco de reduzir a multipli­
cidade, “nem a uma unidade inconstante, imune à contro­
vérsia, dotada de critérios unívocos de cientificidade, nem a 
uma mera diversidade, supostamente neutra”, pois, “o con­
ceito de pluralismo científico abrange uma diversidade anta­
gônica e não neutra” (Martins, 1993, p. 105). Para que não 
se busque uma solução simplista e negativa como a de ex­
cluir o antagônico, parece-nos só existir o lábil caminho da 
democracia interna; a humildade democrática de não pos­
-----í 73 "v
suir a verdade acabada e absoluta e ao mesmo tempo reco­
nhecer e fazer valer os melhores argumentos. Unir a vigilân­
cia epistemológica à vigilância democrática.
Retomando o início de nossa intervenção relembro que 
o CBCE, a comunidade reunida sob essa entidade, está cha­
mando para si a responsabilidade de orientar a prática cien­
tífica na área, o que, como procurei colocar brevemente, 
nos coloca de frente a desafios de várias naturezas. Mas, 
gostaria de lembrar que o metadesafio continua a ser, a meu 
ver, colocar mais essa prática a serviço da humanização do 
homem.
AS CIÊNCIAS DO ESPORTE NO BRASIL: 
" AVALIAÇÃO CRÍTICA1
“O saber não é um lugar, é antes uma porta 
que abrimos, sem saber ao certo 
ou previamente para onde vamos." (Fichtner, 1993)
Partindo de uma avaliação da produção do conheci­
mento nas Ciências do Esporte, buscamos mapear os princi­
pais problemas desta “área do conhecimento”, para então 
problematizar em torno da legitimidade, do sentido das Ciên­
cias do Esporte, em torno das exigências e possibilidades (ou 
não) da interdisciplinaridade, e, brevemente, situar e discutir 
as Ciências do Esporte no âmbito do debate a respeito da 
crise da razão científica.
Esperamos com esta abordagem ter êxito quanto ao 
levantar de questões que nos auxiliem no processo de 
autoconhecimento, fundamental para o desenvolvimento de 
uma área do conhecimento.
1 Artigo originalmente publicado na coletânea organizada por Goeltner, S., Ferreira 
Neto, A., Bracht, V. As ciências do esporte no Brasil. Campinas : Autores Associa­
dos, 1995.
...—
A opção por esta abordagem deveu-se ao nosso enten­
dimento de que se faz necessário realizar uma crítica radical 
das Ciências do Esporte enquanto empreendimento científi­
co, enquanto projeto que se coloca no plano de determinada 
racionalidade, para chegarmos (expormos)
à base, aos fun­
damentos, aos modelos (entendido num certo sentido como 
paradigmas) que determinam nosso pensar, nosso teorizar.
Como se caracterizam as práticas científicas 
no âmbito das Ciências do Esporte?
“Nunca houve tantos cientistas-filósofos como atualmente [...]. 
Depois da euforia cientista do séc. XIX e da conseqüente aver­
são à reflexão filosófica, bem simbolizada pelo positivismo, 
chegamos a finais do séc. XX possuídos pelo desejo quase 
desesperado de complementarmos o conhecimento das coi­
sas com o conhecimento do conhecimento das coisas, isto é, 
com o conhecimento de nós próprios”. (B. S. Santos, 1988)
Não serei propriamente original na tentativa de res­
posta a esta questão. Vou valer-me aqui de alguns estudos 
recentes que considero fundamentais para conhecer critica­
mente o que vem sendo as Ciências do Esporte no âmbito 
dos países de língua portuguesa, ou, mais especificamente, 
no Brasil e em Portugal. Refiro-me à dissertação de mestrado 
de Rossana V. e Souza e Silva (1990), à tese de doutorado 
de Adroaldo Gaya (1994), à dissertação de mestrado de 
Fernanda Paiva (1994) e aos estudos de Francisco Sobral 
(1992). Assim, neste ponto, procurarei apresentar as princi­
pais conclusões desses estudos e dialogar criticamente com 
eles, perspectiva de construir um ponto de partida para as 
problematizações anunciadas.
Claro, logo de início somos confrontados com uma ques­
tão terminológica. Embora as definições de termos coloquem 
uma questão de vocabulário e, por conseguinte, de conve-
"76 “
niência (que não podem ser submetidas ao critério de verda­
de/falsidade, como lembra Japiassu, 1976), elas podem nos 
colocar algumas armadilhas e nos levar, no plano conceituai, 
a equívocos. Não raras vezes, é bom que se diga, o caos 
terminológico evidencia já dificuldades de ordem teórico- 
conceituais.
Refiro-me à necessidade de definição do âmbito, do 
objeto a ser focalizado: as chamadas “Ciências do Esporte”. 
E possível distingui-las das “ciências da Educação Física”? ou 
das ciências ou “Ciência do Movimento Humano (ou da 
Motricidade Humana)? ou, ainda, das “ciências da atividade 
física”2?
Referindo-se a esse problema, Sobral (1992), observa, 
por exemplo, que os
“adeptos da Pedagogia do Desporto são ‘tão flexíveis’ ao ponto 
de publicarem a mesma obra, num país, com o título de didá­
tica das atividades físicas, em outro, Pedagogia da Educação 
Física, em outro ainda, Pedagogia do Desporto. E tudo isto 
sem alterarem uma linha do texto original.” (p.58)
Ora, os estudos que buscam analisar a produção do 
conhecimento nessa “área” se deparam com esse problema; 
alguns simplesmente o ignoram (Matsudo 1983, Tubino, 
1984), outros a tomaram como “área” indiferenciada, inde­
pendentemente de sua denominação, enquanto que alguns 
estudos mais cuidadosos problematizaram exatamente essa 
questão, embora sem chegar a uma sugestão mais consis­
tente. Tanto Paiva (1994), quanto Gaya (1994) e Sobral
(1992) identificam esse problema. Sobral (1992) e Gaya
(1994) advogam a necessidade de diferenciar claramente os 
campos da Educação Física e das Ciências (ou Ciência, como 
propõe Gaya) do Esporte; enquanto que Paiva (1994) colo­
2 Quase que exclusivamente artigos de fisiologia do exercício.
S 77-N
cando das dificuldades concretas de diferenciação, opta por 
usar a expressão “Educação Física/Ciências do Esporte (EF/ 
CE)”, como, aliás, tornou-se hábito no interior do próprio 
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, afirmando que 
essa “ambigüidade” acompanha o processo de construção 
desse campo, no sentido de Bourdieu.
Parece-me claro que, hoje, não é possível diferenciar a 
identidade epistemológica de uma e de outra, nem sequer 
uma identidade própria. Daí, também, alguns autores pro­
porem, como solução, uma “nova ciência”: a do movimento 
humano ou a da motricidade humana3, ou, ainda, como foi 
o caso da Alemanha, a Ciência (no singular) do Esporte. Isso 
significaria concretizar uma identidade epistemológica nova 
e própria.
Portanto, estaremos aqui fazendo uma análise da pro­
dução científica da “área” que envolve as “Ciências do Es­
porte” e a “Educação Física”, pela impossibilidade de dife- 
renciá-las concretamente.
A quais conclusões básicas chegaram os estudos que 
avaliaram nossa produção científica (no âmbito da EF/CE)?
É importante destacar que os primeiros estudos nesse 
sentido preocuparam-se mais com a identificação de em 
quais subáreas mais se pesquisava, estudos esses, com ca­
racterísticas mais descritivas, por exemplo, Matsudo (1983), 
Canfield (1988), Tubino (1984) e Faria Jr (1987). Os estu­
dos com preocupações mais acentuadamente epistemológicas 
são mais recentes. Poderíamos dizer, como já identificado 
por Paiva (1994) para o caso do CBCE, que essa discussão 
ganha espaço no final dos anos 80 e início dos 90.
3 Neste caso, ao menos é a proposta de M. Sérgio, a Educação Fisica seria “o ramo 
pedagógico da Ciência da Motricidade Humana”.
■o^78 — —
Um dos primeiros estudos foi o de Rossana V. Souza e 
Silva (1990), que analisou as dissertações de mestrado dos 
cursos existentes no Brasil. Nesse estudo, Souza e Silva (1990) 
buscou identificar as matrizes teóricas que orientavam essas 
pesquisas, concluindo que a concepção de ciência ampla­
mente predominante é a de cariz positivista (empírico-analí­
tica), com tímido crescimento, nos últimos anos da década 
de 80, de pesquisas orientadas na fenomenologia herme­
nêutica e no materialismo histórico dialético.
Essa conclusão não é negada pelos estudos subsequentes 
(Gaya, Sobral e Paiva). De certa forma, ou de forma indire­
ta, eles a reforçam. No entanto, outras foram acrescenta­
das.
A. Gaya (1994) chegou às seguintes conclusões bási­
cas ao analisar um amplo conjunto de pesquisas (teses, 
dissertações, artigos em periódicos), tanto brasileiras quanto 
portuguesas:
1. as investigações respondem predominantemente a ques­
tões das disciplinas de origem;
2. a própria delimitação das variáveis independentes de in­
vestigação, se bem que normalmente referenciadas ao des­
porto, encontram-se distanciadas das práticas desportivas 
concretas;
3. os conhecimentos produzidos são, em grande parte, parcia­
lizados, fragmentados e desarticulados;
4. predominam as concepções empiristas e objetivistas;
5. há uma forte tendência para o aumento de investigações 
com abordagem metodológica especulativa;
6. desenvolve-se pesquisas com interesses em temas de ou­
tras áreas específicas;
7. os conteúdos não têm qualquer preocupação inicial com 
referenciais teóricos orientadores (definem-se variáveis, 
coletam-se dados, aplicam-se técnicas estatísticas, apre- 
sentam-se os resultados e publicam-se os trabalhos);
8. os conteúdos não tem o adequado cuidado com o conjun­
to de regras lógicas, o que determina falta de coerência, 
consistência e originalidade em muitos dos trabalhos pu­
blicados;
9. há uma evidente dificuldade de interações entre as di­
versas disciplinas que co-habitam o seu espaço (multidis- 
ciplinar);
10. nas ciências do desporto configura-se uma produção in­
telectual com pressupostos epistemológicos e metodoló­
gicos dicotômicos; como mostram nossas análises, de 
modo geral as investigações apresentam um caráter empi- 
rista e objetivista, ou assumem delineamentos discursivos 
e subjetivistas.
Analisando os problemas da investigação científica em
ciências do desporto, Sobral (1992) levanta três teses:
a) as ciências do desporto procuram compensar, através de 
um formalismo exacerbado, tomado de empréstimo a ou­
tros campos da iniciativa científica, as suas limitações pró­
prias no domínio da
Problematização (sofrem de um feu­
dalismo epistemológico das ciências suseranas; falta auto­
nomia científica às ciências do desporto);
b) as ciências do desporto têm-se imposto mais como uma 
operação estratégica de alguns quadros acadêmicos oriun­
dos da EF, em busca de influência num mercado apetecí­
vel, como é o desporto de rendimento, do que pelo trata­
mento sério dos problemas que emergem dos domínios do 
treino e da competição.
c) como conseqüência, a investigação em ciências do des­
porto apresenta uma configuração heterogênea, sem um 
paradigma nítido, realçando a acumulação de fatos em 
prejuízo da construção da teoria.
Paiva (1994), analisando a história do Colégio Brasilei­
ro de Ciências do Esporte e os trabalhos publicados no seu 
periódico, identificou três fases diferenciáveis quanto ao en­
tendimento de ciência: 1978-1985, 1985-1989 e 1989- 
1993.
De 1978 a 1985:
- a ciência e a prática científica são neutras e “possuem” a 
verdade; fazer ciência é medir e comparar dados;
- as ciências do desporto são as diversas ciências instru­
mentalizando a “melhor” forma de fazer atividade física e 
praticar esportes.
De 1985 a 1989:
- A ciência e a prática científica são instâncias ideológicas 
e devem trabalhar para a “transformação social”. Fazer 
ciência é analisar um dado fenômeno de forma a possibili­
tar uma interferência nele, visando a conservá-lo ou 
transformá-lo;
- as ciências do desporto são a Educação Física transforma­
da em ciência, tenha ela o predicativo “do movimento”, 
“da motricidade humana”, “do esporte” (no singular) ou 
“da EF”.
De 1989 a 1993:
- a ciência deve discutir na sua dimensão epistemoiógica e a 
sua dimensão ideológica; fazer ciência é analisar e teorizar 
dado fenômeno buscando instrumentalizar uma possível e 
necessária intervenção no real;
- as ciências do desporto são a assunção valorativa de que é 
possível e necessário tratar do ponto de vista científico 
fenômenos referentes á prática pedagógica, á prática de 
atividades esportivas, ao esporte, ao lazer, ao movimento, 
ao corpo, etc.
Fica claro no estudo de Paiva (1994) que a comunida­
de científica do CBCE, mais recentemente, passa a diferen­
ciar os fenômenos da Educação Física (entendida como uma 
disciplina curricular que tematiza a cultura corporal ou física) 
e os do esporte (uma prática corporal específica que é 
tematizada na EF).
Num esforço de síntese, podemos resumir os resulta­
dos desses estudos em alguns pontos básicos:
a) a investigação no âmbito das Ciências do Esporte se a- 
presenta extremamente heterogênea, tanto no que diz res­
peito à matriz teórica, quanto à orientação teórico- 
metodológica disciplinar, não sendo possível identificar, cla­
ramente, algum tipo de unidade (nem mesmo quanto ao 
fenômeno estudado, que nem sempre é o esporte); isto 
significa, na linguagem kuhniana, ausência de situação 
paradigmática, ou ausência de paradigma;
b) predominam as investigações orientadas numa concepção 
de ciência oriunda das ciências naturais, de cariz empírico- 
analítica, que privilegia técnicas quantitativas de pesquisa 
(dentro do credo objetivista); nos últimos anos observa-se 
um incremento das investigações orientadas na fenome- 
nologia hermenêutica e no materialismo histórico-dialético 
(que foram classificados por A. Gaya como orientação 
especulativa/discursiva e subjetivista).
c) as investigações estão atreladas aos interesses e aos pro­
cedimentos teórico-metodológicos das disciplinas científi­
cas de origem, o que determina, primeiro, uma falta de
autonomia científica; segundo, que muito raramente os 
problemas investigados revestem-se de importância para 
o destinatário em potencial, o próprio esporte; e terceiro, 
uma falta de interação entre as diferentes subdisciplinas 
(temos uma multidisciplinaridade e não interdisciplinaridade);
d) metodologicamente as investigações oscilam entre um ob- 
jetivismo empirista ingênuo (onde fazer ciência significa 
medir/quantificar, comparar e acumular dados, sem exer­
cício propriamente teórico)4, e um discurso hiperpolitizado, 
que negando a neutralidade científica postulada pela ver­
são objetivista, descuidou-se da autovigilância epistemoló­
gica; no afã da crítica à rigidez metodológica, descui­
dou-se do rigor metodológico5;
e) não existem critérios claros elaborados que permitam di­
ferenciar as pesquisas classificáveis como pertencentes às 
Ciências do Esporte daquelas pertencentes à Educação 
Física; a partir da criação dos cursos de pós-graduação 
vinculados aos centros universitários de Educação Física e 
Esportes, têm crescido o número de professores de Edu­
cação Física que investigam o âmbito das Ciências do 
Esporte.
E claro que uma tal síntese peca, necessariamente, 
por insuficiência e por inevitáveis reducionismos. Mas, a partir 
do quadro esboçado, já é possível levantar alguns 
questionamentos que podem ser frutíferos no sentido de au­
xiliar no processo de nosso autoconhecimento.
4 Em editorial do periódico alemão Sportwissenschaft (Ciência Desportiua, 20(1), 
1990), pode-se ler a reclamação da dificuldade de se conseguirem bons artigos de 
revisão ou síntese.
5 O entendimento de ciência polarizou-se, como mostraram Gaya (1994), e Paiva 
(1994) para o Brasil, entre uma visão “empirista ingênua” e uma visão “político- 
instrumentalista”, ambas com insuficiência crônica de debate epistemológico.
Muitos dos problemas levantados podem nos levar à 
pergunta: como resolvê-los6? Para muitos desses problemas, 
portanto, buscaríamos soluções como “aperfeiçoar os méto­
dos de investigação” e “melhorar o nível de teorização”. Para 
outros, no entanto, entendo ser necessário radicalizar o 
questionamento, perguntando se é possível dar outro 
direcionamento às investigações ou à produção do conheci­
mento na área, mantendo-nos no interior do paradigma de 
ciência hoje hegemônico. Seguindo essa trilha (radicalização), 
chegamos rapidamente à questão da própria legitimidade 
das Ciências do Esporte7: por que e para que elas existem8? 
O que move ou moveu a ciência (as diferentes disciplinas 
científicas) a objectualizar o esporte? Entendo também apro­
priado perguntar: até que ponto as Ciências do Esporte al­
cançaram o que se poderia chamar de “consciência de si”, 
no sentido de reconhecer com quais princípios (epistemoló- 
gicos) opera? Quais são as bases (teoria da ciência) sobre as 
quais assenta sua prática científica, sua produção do conhe­
cimento?
6 Sobral (1992) lançou-se nessa tarefa, propondo quatro conjuntos de atitudes para 
superar os problemas levantados e aqui já referidos: a) cultivar o pensamento diver­
gente; b) problematizar a partir dos fenômenos e não dos quadros de interpreta­
ção; c) desenvolver a crítica e formular teorias; d) definir problemas mais amplos, 
utilizar metodologias mais abrangentes.
7 Tenho dúvidas se a comunidade científica das ciências do desporto mantém a 
capacidade de perguntar sobre o sentido das ciências do desporto. Parece-me que
o mito moderno da ciência como que eliminou das mentes tal necessidade. Ou, 
como lembra Santos (1988, p. 68), “a explicação científica dos fenômenos é 
autojustificação da ciência enquanto fenômeno central da nossa contempora- 
neidade".
8 Em tempos marcados pelo utilitarismo, conservador ou revolucionário, parece-me
que é muito bom manter viva a tradição de que conhecer é um bem em si mesmo, 
independentemente das utilidades imediatas ou mediatas que se derivem do conhe­
cer. Essa posição “academicista” entendo ser uma posição unilateralizada como 
também o é a utilitarista. Precisamos é buscar um “compromisso” entre estas duas 
posturas.
84 L —
Pretendo, na seqüência, não propriamente responder 
a esses questionamentos, mas balizar caminhos que nos per­
mitam uma reflexão frutífera a respeito.
0 esporte e as Ciências do Esporte: 
empreendimentos da modernidade
Para discutir o sentido das Ciências do Esporte, enten­
do necessário buscar, brevemente, a gênese do fenômeno 
esportivo e a da própria ciência moderna, relacionando-as.
Ainda que discutível, podemos entender o esporte (mo­
derno) como um fenômeno que é gestado sob a influência do 
que se convencionou chamar de “modernidade”. Nas socie­
dades tradicionais, as práticas corporais, assim como todas 
as atividades sociais, estiveram fortemente marcadas pela 
influência da religião. A religião constituía-se no primeiro 
discurso, no centro, que totaliza o sentido das práticas soci­
ais e culturais e as dota de significação (por exemplo o jogo 
de pelota entre os maias)9. O esporte moderno, no seu pro­
cesso de construção, sofre influência das transformações so- 
cioculturais e absorve uma série de características da socie­
dade industrial moderna. Guttmann (1979) sumarizou nos 
seguintes termos as características do esporte moderno: secu- 
larização; igualdade de chances; especialização; racionaliza­
ção; burocratização, quantificação; busca do recorde10. Como 
mostrou Rigauer (1981), há um paralelismo entre o processo 
de racionalização do treinamento esportivo e a racionaliza­
ção do sistema produtivo na sociedade capitalista industrial.
9 Veja-se a respeito. La función dei juego de pelota entre los antiguos mapas. 
(Weis, 1979).
10 Veja-se a respeito também Eichberg, H. Der Weg des Sportos in die industrielle 
Zivilisation e Sport und Arbeit (Rigauer, 1981).
Para entendermos, portanto, a relação entre ciência e 
esporte, é importante situar um pouco melhor o advento da 
modernidade que viu e fez surgir o fenômeno esportivo.
Como sabemos, para Max Weber (cf. Rouanet, 1987) 
a modernidade é o produto do processo de racionalização 
que ocorreu no Ocidente, desde o final do século XVIII, e 
que implicou a modernização da sociedade e a moderniza­
ção da cultura. Nesse contexto,
“a modernização cultural é o processo de racionalização das 
visões de mundo e especialmente da religião. Em conseqüên­
cia desse processo, vão se diferenciando esferas axiológicas 
(Wertsphãren) autônomas, até então embutidas na religião: a 
ciência, a moral e a arte. A ciência moderna permite o au­
mento cumulativo do saber empírico e da capacidade de prog- 
nose, que podem ser postos a serviço do desenvolvimento 
das forças produtivas. A moral, inicialmente derivada da religião, 
se torna cada vez mais secular [...]. Enfim, surge a arte autô­
noma, destacando-se do seu contexto tradicionalista (arte re­
ligiosa) em direção a formas cada vez mais independentes, 
como o mecenato secular e finalmente a produção para o 
mercado”. (Rouanet, 1987, p. 231-2)
Numa outra perspectiva sociológica é possível identifi­
car o processo de diferenciação social abrangendo o despor­
to; este vai-se constituir, aos poucos, em uma instituição 
diferenciada das outras esferas.
Isso tudo levou a formulações, entre outras, do tipo: o 
desporto é a racionalização ou institucionalização do jogo, ou 
um crescente alijamento do lúdico, para falarmos com Huizinga 
(1980).
Com isso quero argumentar que a racionalidade cientí­
fica, característica da modernidade, cujo paradigma hegemô­
nico estava voltado para a identificação das leis inerentes às 
coisas ou fenômenos, com o objetivo de aumentar nosso 
poder/controle sobre esses (M. Weber apud Rouanet, 1987)
chamou de Zweckrationalitat, racionalidade com vistas-a- 
fins), foi co-produtora do esporte moderno; ou então, que o 
desenvolvimento do esporte moderno se dá no mesmo caldo 
sociocultural em que se desenvolveu a ciência moderna.
A ciência entra como coadjuvante/auxiliar para a 
concretização de uma das características centrais do esporte 
moderno: a maximização do rendimento. A esse objetivo 
adapta-se exemplarmente a racionalidade científica hegemô­
nica (denominada pelos frankfurtianos de razão instrumen­
tal), porque está voltada exatamente para o aumento da 
eficiência dos meios, excluindo, por definição, a discussão 
em torno dos fins dessa prática11.
Ora, o aumento da importância social do esporte, prin­
cipalmente da importância sociopolítica (e mais recentemente 
econômica), requisitou os serviços da ciência, para eliminar 
o acaso, o imprevisto, e, assim, “garantir” o sucesso. Basta 
ver o incremento das investigações em torno do esporte a 
partir da sua inserção nos movimentos da Guerra Fria e, 
mais recentemente, com a transformação do esporte num 
segmento importantíssimo da economia mundial.
Dentro dessa perspectiva e de forma consequente, o 
interesse norteador da produção do conhecimento, usando 
uma expressão de J. Habermas, é o interesse técnico e, 
num plano muito secundário, os interesses prático e emanci­
11 Um episódio da copa do mundo de futebol realizada nos EUA, em 1994, é, em 
meu entender, indicado para exemplificar a “racionalização” do desporto. Os co­
mentaristas da emissora de TV Bandeirantes, indignados com a forma de jogar da 
equipe de Camarões, chamaram seus jogadores de irresponsáveis porque encara­
vam os jogos como brincadeiras; ao contrário, para os comentaristas, a Copa do 
Mundo, o futebol, é coisa séria. Segundos eles, a equipe de Camarões praticava 
uma forma de jogar que era absurda, não voltada para a vitória e sim para o 
espetáculo.
patório12. Isso, de certa forma, confirma-se nos estudos an­
teriormente citados, que demonstram a predominância da 
abordagem empírico-analítica, que J. Habermas associa, jus­
tamente, ao interesse técnico.
A razão instrumental impôs-se também nas Ciências 
do Esporte. Hegemonizou-se determinada visão de ciência 
que inscreve-se no âmbito do “agir-racional-com-respeito-a- 
fins” (Zweckrationalitãt), o qual, estando os objetivos estabe­
lecidos em situações preconcebidas, acaba extraindo da 
racionalidade o que ela tem de característico, que é refletir 
levando em consideração os interesses globais da sociedade.
Interessantes são algumas consequências que Habermas 
(1988a) extrai para a comunidade científica. Segundo ele,
“a comunidade comunicativa dos pesquisadores, que toma 
como sua tarefa a justificação de um auto-entendimento 
cientificista da ciência, pode se auto-tematizar apenas a partir 
dos conceitos de uma ciência objetiva. [...] Assim, a comuni­
dade científica não pode se perceber enquanto sujeito; a sua 
postura objetivista obriga-a a uma auto-objetivação” (p. 374).
Daí o porquê da minha observação de que a comu­
nidade das Ciências do Desporto perdeu a capacidade de 
refletir sobre o seu sentido numa perspectiva que não seja 
funcional-pragmática.
Não se trata aqui de fazer uma sociologia do esporte, 
mas é necessário mostrar, na esteira da sociologia da ciên­
cia, como o processo de produção do conhecimento está 
atrelado aos processos de desenvolvimento da sociedade como 
um todo e da conseqüente necessidade de superar a visão
12 Habermas (1988a) argumenta que toda produção do conhecimento tem a norteá- 
la um interesse cognitivo. Ele classifica esses interesses em técnico, prático e 
emancipatório. O interesse cognitivo determina como o fenômeno será 
objectualizado. “As ciências estritamente empíricas estão sob as condições 
transcendentais da ação instrumental, enquanto que as ciências hermenêuticas 
procedem ao nível das ações comunicativas” (Habermas, 1988a, p. 236).
empírico-objetivista para poder discutir, ainda com reivindi­
cação racional para essa reflexão, o sentido da prática cien­
tífica no âmbito das Ciências do Esporte. Trata-se, também, 
de mostrar que, apesar do postulado inerente à concepção 
empírico-objetivista de ciência predominante nas ciências 
do desporto (de neutralidade política), essa prática esteve 
sempre inserida num contexto (do desenvolvimento sociocul­
tural, aí incluído o esporte), que confere uma determinada 
finalidade ao conhecimento científico produzido, indepen­
dentemente das vontades subjetivas de seus pesquisadores13. 
Trata-se de alertar, mais uma vez, para o condicionamento 
social de todo conhecimento científico.
Nesse sentido vale aqui lembrar a advertência de Mar­
ques (1993, p. 88):
“As ciências empírico-analíticas não podem ignorar-se cons­
tituídas por atos humanos, sustentadas por uma comunidade 
científica e inseridas no processo cultural mais amplo da lin­
guagem ordinária. Estão elas sujeitas ao processo de valida­
ção de suas premissas, à prova da argumentação, não da ex­
perimentação em si mesma, porque se voltam à interpreta­
ção, não à simples produção de novas experiências ad 
infinitum. Não pode, por isso, o interesse técnico do conhe­
cimento desvincular-se dos interesses prático e emanci­
patório.”
Gostaria de apenas citar, como indicadores da necessi­
dade da superação da unilateralidade da ciência empírico- 
analítica, as repercussões das pesquisas nas Ciências do Es-
13 Lovisolo (1995), defende a legitimidade da pesquisa pelo fato de que “conhecer é 
bom porque é bom conhecer”, o que não reduz nem amplia as conseqüências 
sociais do conhecimento produzido, independentemente das satisfações pessoais
do pesquisador.
porte na questão do doping14 e nas consultorias (por exem­
plo, Matsudo, 1991, discutindo a pílula anticoncepcional 
enquanto doping).
Temos como perspectiva dominante a posição de legi­
timar as Ciências do Esporte pela importância que têm para 
o sistema esportivo (deixando inquestionável sua função so­
cial, que é positiva). Nesse sentido, vale observar o que diz a 
respeito K. H. Bette (apud Rütten, 1990), que opera com a 
teoria dos sistemas de N. Luhmann. O autor, analisando a 
relação de dois sistemas complexos (esporte e ciência), pro­
cura demonstrar como o sistema esportivo cria dificuldades 
para as abordagens científicas que não trabalham com os 
códigos dessa instituição, por exemplo, a maximização do 
rendimento na perspectiva do crescimento infinito, e, ao 
contrário, propõe uma relativização do conceito de rendi­
mento a partir de razões pedagógicas, sociais ou de saúde. 
O sistema esportivo tende a funcionalizar para si, a partir de 
seus códigos, a ciência. Isso tem conseqüências importantís­
simas para as discussões em torno das razões/necessidades 
de uma Ciência do Esporte de caráter aplicado.
Para finalizar este ponto: o que estou a reivindicar é 
uma reflexão sobre a legitimidade das Ciências do Esporte, 
que ultrapasse uma legitimação funcional pela obviedade do 
desporto busque ancorar-se num projeto emancipatório.
14 A Sociedade Alemã de Ciência Desportiva, no Congresso de 1992 (Oldenburg), 
tomou posição a respeito da pesquisa em torno de substâncias dopantes, dizendo 
que a comunidade científica precisa assumir a responsabilidade política que a ela 
cabe nesses casos.
90 t — *-...-
Dimensões da interdisciplinaridade 
nas Ciências do Esporte
Falta unidade, o campo é excessivamente heterogê­
neo, dizem os estudos. Uma das possibilidades da superação 
desse problema é o caminho da interdisciplinaridade? Mas o 
que é interdisciplinaridade?
Existem vários argumentos a favor da interdisciplinari­
dade. Um deles diz respeito ao fato de termos construído 
uma cultura de especialistas, o que tem-se mostrado, embo­
ra não necessariamente, antagónico a visões mais amplas, 
que são necessárias (tanto quanto o conhecimento discipli­
nar especializado) para a solução dos problemas e para evi­
tar outros15.
Para Japiassu (1976, p. 40-1), a exigência da interdisci­
plinaridade,
“longe de constituir progresso real, talvez seja mais o sintoma 
da situação patológica em que se encontra hoje o saber [...], o 
especialista converteu-se neste homem que, à força de co­
nhecer cada vez mais sobre um objeto cada vez menos exten­
so, acaba por saber tudo sobre o nada. Nesse ponto do 
esmigalhamento do saber, a exigência interdisciplinar não passa 
da manifestação, no domínio do conhecimento, de um esta­
do de carência”.
E claro que podemos observar reivindicações por coo­
peração (inter)disciplinar fundamentadas em interesses ain­
da disciplinares. Por exemplo, um biomecânico que busca 
auxílio do estatístico, do matemático, do engenheiro eletrô­
nico e do fisiologista para a solução de um problema, ainda 
biomecânico; o que na verdade não é interdisciplinaridade, 
mas sim, “intradisciplinariedade”.
15 O problema da ecologia é sempre citado como exemplo da ação unilateral, sem o 
entendimento das repercussões sistêmicas sobre o meio ambiente das ações par­
ciais, o que somente poderia ser alcançado com uma abordagem interdisciplinar.
Para além dessa visão simplista e equivocada de 
interdisciplinaridade, esta tem o objetivo de superar a frag­
mentação naquilo que ela dificulta colocar a ciência a serviço 
da vida humana em geral. Nesse caso, estamos também 
falando na mediação entre ciência e filosofia, ou da media­
ção entre ciência e arte, ou, em outros termos, entre os 
diferentes saberes ou racionalidades.
Se observarmos o quadro das Ciências do Esporte, 
verificaremos que o movimento dominante ainda é o da frag­
mentação, que é crescente, com o aparecimento de sempre 
novas especialidades e subespecialidades, inclusive com a 
criação de entidades específicas (Sociedade Brasileira de 
Biomecânica, Medicina Esportiva, etc.), e isso porque não 
existe nada que sirva de elo de ligação entre as Ciências do 
Esporte absortas em seus problemas específicos. Não existe 
uma identidade epistemológica das Ciências do Esporte. 
Como demonstram os estudos de Gaya (1994), não é possí­
vel identificar, na atual produção do conhecimento na área, 
elementos que indiquem no sentido de uma unidade.
Mas, no caso das Ciências do Esporte, a reivindicação 
por interdisciplinaridade está baseada nas necessidades da 
prática, que exige um conhecimento sintético (interdisciplinar). 
No entanto, pela subordinação, já referida por Sobral (1992) 
e Gaya (1994) às problemáticas das disciplinas de origem, a 
produção do conhecimento é fragmentada disciplinarmente 
e não tematicamente como reivindica Santos (1988).
As Ciências do Esporte vivem num estágio pluridisci- 
plinar16. Convenhamos, em nossos congressos cada um dá 
seu recado em meio à indiferença simpática dos demais, o 
que leva à pergunta: faz algum sentido ainda organizarmos 
congressos multidisciplinares?
16 Essa é também a avaliação de Roberto Prohl (1991), que analisou exaustivamente 
a situação da Ciência do Esporte (Sportwissenschaft) na Alemanha, que havia se 
colocado como projeto explícito a construção, por via da interdisciplinaridade, de 
uma nova ciência (no singular).
Existem muitos obstáculos para a superação dessa frag­
mentação (outros nem a entendem necessária). Japiassu 
(1976) identifica três ordens de obstáculos: a) os de ordem 
epistemológica (já brevemente discutidos aqui); b) os de or­
dem institucional; c) os de ordem psicosociológica.
Também a partir do modelo de J. Habermas (dos dife­
rentes interesses que norteiam a produção do conhecimento) 
é possível prever/identificar dificuldades.
Outra dificuldade é a idéia equivocada que se instalou 
em nosso imaginário, de que temos um objeto científico 
comum: o esporte (o que justificaria a existência de organi­
zações que congreguem pesquisadores com um objetivo co­
mum). Embora, sob a perspectiva da prática, exista real­
mente um objeto comum, o mesmo não acontece com a 
produção do conhecimento. O esporte, enquanto objeto 
empírico, não é, necessariamente, um objeto científico 
unívoco. Um objeto científico é algo construído; construído 
pela abordagem específica de cada disciplina. “Cada méto­
do é uma linguagem e a realidade responde na língua em 
que é perguntada” (Santos, 1988, p. 66).
Um outro equívoco é o de ver as dificuldades da 
interdisciplinaridade como um problema de simples falta de 
comunicação entre os pesquisadores (por isso deveríamos 
continuar a realizar congressos pluridisciplinares e apelar para 
a “vontade” dos cientistas de estabelecerem relações). Vale 
lembrar, nesse sentido, o que dizem Bourdieu et al. (1993):
“Ver, como normalmente se faz, o princípio de todas as difi­
culdades de comunicação entre as disciplinas na diversidade 
das linguagens, é abster-se de descobrir que os interlocutores 
se encerram em sua linguagem porque os sistemas de expres­
são são ao mesmo tempo os esquemas de percepção e de 
pensamento que fazem existir os objetos sobre os quais vale a 
pena falar.
São realmente objetos e não um objeto, no caso das 
Ciências do Esporte.
Gostaria de observar, sem poder desenvolver, já que 
não é esse o tema aqui, que a questão da interdisciplinaridade 
é particularmente importante para a Educação Física (en­
tendida essa enquanto prática pedagógica).
A interdisciplinaridade não pode ser tomada como pa- 
nacéia. A necessidade da interdisciplinaridade não é algo 
abstrato; está ligada ao interesse na realização de determi­
nado projeto, para o qual é (ou não) necessária. Portanto, a 
unidade interdisciplinar só pode ser uma unidade ética. As­
sim, voltamos à questão discutida anteriormente, ou seja, o 
sentido das Ciências do Esporte, como também, a questão 
da mediação entre os diferentes saberes ou racionalidades. 
Os estudos sobre a interdisciplinaridade esbarram, por um 
lado, nas dificuldades da construção de uma epistemologia 
interdisciplinar (não alcançada até hoje) e, por outro lado, 
nas fronteiras da própria epistemologia.
Um mini-resumo pontual:
- as Ciências do Esporte não possuem objeto científico em 
comum; operam a partir dos mais diferentes interesses; 
não possuem identidade epistemológica própria; reúnem- 
se em organizações em função de interesses corporativos 
(as ciências, independentemente das organizações de 
ciências ou Ciência do Esporte, continuam a estudar o 
esporte);
— uma Ciência do Esporte, de cunho aplicado, está forte­
mente atrelada aos interesses da instituição esportiva; com 
isso, é subordinada aos seus códigos e interesses; assim, 
perderia seu pontencial crítico, tornando-se pragmático- 
funcional; legitima-se pela importância do fenômeno es­
portivo;
■ ' - ' ' 9 4 I _____
- A Educação Física (ou pedagogia, onde o esporte é um 
dos temas) oferece uma problemática teórica que pode 
ser tratada também cientificamente; essa problemática 
exige exercício/tratamento interdisciplinar, tanto entre di­
ferentes disciplinas científicas, quanto entre as diferentes 
racionalidades.
A condição pós-moderna, a crise da razão científica 
e as Ciências do Esporte
“Nas questões fundamentais, o conhecimento 
científico desemboca em insondáveis incertezas”
(Morin, 1993)
Alguns desenvolvimentos recentes no plano da ciência 
e da epistemologia deveriam fazer eco nas Ciências do Es­
porte e isso porque afetam as bases, os princípios do pensa­
mento científico, que supõe-se serem seguidos pelas Ciên­
cias do Esporte, isto é, sejam os fundamentos de nossas 
práticas científicas.
Além do debate, não concluído no plano da epistemo­
logia (e nem sequer iniciado ou percebido nas Ciências do 
Esporte), sobre a questão do possível dualismo metodológico/ 
epistemológico entre ciências naturais e ciências sociais/hu­
manas, o que hoje está em questão é o próprio paradigma 
da ciência moderna ou da racionalidade científica. Segundo 
Marques (1993), “de inquiridora a razão converter-se-á em 
inquirida”.
O desenvolvimento da ciência17, incluídos aí tanto os 
desenvolvimentos da micro e da macrofísica, da química e 
da biologia, quanto os da hermenêutica e os da filosofia da
17 “O aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos pilares em 
que se funda” (SANTOS, 1988, p. 54).
linguagem e das por elas suscitadas e a elas ligadas discus­
sões epistemológicas, chegamos ao que se poderia chamar 
de limites/fronteiras da epistemologia (que sempre procurou 
um ponto de vista privilegiado como garantia de certeza) e 
que coloca os epistemólogos em dois lados:
a) os fundacionalistas ou criterialistas;
b) os antifundacionalistas (ou relativistas) ou não-criterialistas.
Alguns autores associam a segunda postura à condição 
ou ao pensamento pós-moderno que, no que diz respeito à 
questão do saber científico, coloca-se como uma postura 
relativista. Ou seja, critica/relativiza a posição absolutista da 
razão (científica). Advoga a pluralidade irredutível da razão; 
pleiteia o livre jogo das diferentes racionalidades (num livre 
jogo de linguagens), sem postular/almejar unidade, muito 
menos hierarquia.
Isso não significa que a ciência, repentinamente, per­
deu sua capacidade de prognose, de fornecer elementos que 
permitam interferir na realidade. Significa muito mais, que 
ela deve abdicar de sua condição/aspiração de conhecimen­
to privilegiado da realidade e da aspiração de fornecer a 
chave de todos os “mistérios” do mundo18. Nas questões 
fundamentais, como afirma Morin (1993, p. 22), “o conhe­
cimento científico desemboca em insondáveis incertezas”.
Essa crise, que, na opinião de B. Santos (1988, p. 54), 
não apenas é profunda, mas irreversível (ou indica um reco­
meço, como querem M. O. Marques e F. S. Rouanet), é o 
resultado de condições sociais e teóricas. As condições teóri­
cas já foram rapidamente aludidas aqui. Quanto às condi­
ções sociais, entre tantos (como os que identificam na revo­
18 “Ampliando-se os espaços do conhecimento, ampliam-se também as fronteiras do 
desconhecido, na direção do infinitamente grande e do infinitamente pequeno, 
para além do alcance dos homens" (Marques, 1993, 57).
' 96
lução eletrônica a base das modificações socioeconômicas e 
culturais que geraram a condição pós-moderna), evoco aqui 
a versão marxista, defendida por Frederic Jameson e Marilena 
Chauí, de que o pós-modernismo (e sua versão no plano da 
cultura e do saber) é fruto da nova fase do capitalismo, cuja 
característica central é a acumulação flexível do capital.
Malgrado a precariedade desses debates e o caráter de 
transição do momento que vivemos, parece-me importante 
perguntar como as Ciências do Esporte estão a reagir ou 
reagirão a essas questões. É interessante notar que, se por 
um lado, as Ciências do Esporte buscam satisfazer as exi­
gências de rigor científico do paradigma dominante, por ou­
tro, são abalroadas nesse processo, pela crise desse mesmo 
paradigma.
Ciências do desporto! Pois bem, a qual cientificidade 
se ligam ou querem se ligar essas ciências? Abrir-se-ão as 
ciências do desporto à possibilidade de ampliação do concei­
to de razão, abarcando a racionalidade estético-expressiva e 
a prático-moral, para falar com Habermas?
Finalizando: ou as ciências do desporto dão respostas a 
essas questães, ou melhor, as enfrentam e assumem a res­
ponsabilidade das respostas, ou estaremos num barco ao 
qual nos compete imprimir velocidade, mas não determinar- 
lhe a direção. A direção.... Bem, esta será determinada pelo 
jogo das forças do mercado (A própria
racionalidade neoli- 
beral!), ou pelas forças do poder constituído e nós, das Ciên­
cias do Esporte, embora constituída de seres humanos com 
capacidade para optar por determinados fins, nos restringi­
remos a mantê-lo em movimento (ao menos enquanto for­
mos nutridos com capital financeiro e simbólico).
E preciso, portanto, fortalecer esse tipo de debate/ 
reflexão no âmbito das organizações científicas da área, para 
que possam assumir a condição de sujeito coletivo que assu­
me posturas políticas e age de acordo com elas.
Para concluir quero enfatizar a importância do 
reconhecimento do “envolvimento” (no duplo sentido) do cien­
tista (do esporte), valendo-me das palavras da filósofa M. 
Chauí (1994, p. 481), comentando a obra de M. Ponty:
O artista, como o filósofo, [e eu diria um cientista], nunca 
está no centro de si mesmo, estão sempre fora de si, rodea­
dos pela miséria empírica do mundo e pelo mundo que devem 
realizar e revelar pela obra [...]. Por isso interrogam o mundo, 
a si mesmos, seu próprio trabalho, não podendo parar de 
pintar, compor, dançar, escrever. Sua obra é interminável por­
que nunca abandonamos nossa vida e o mundo, nunca vemos 
a idéia, o sentido e a liberdade cara a cara".
A TESE DA CIÊNCIA 
DA MOTRICIDADE HUMANA, 
DE MANUEL SÉRGIO1
Kefren Calegari dos Santos2
Está caracterizado, por meio de diversas publicações a 
respeito, que as décadas de 70/80 apresentam-se como um 
período de “crise” para a Educação Física. Sérgio (1988, 
p. 12) citado por Bracht, por exemplo, afirma que “o discur­
so da Educação Física é, desde a década de 60, 
declaradamente de crise”. Mas é Medina (1983) que, no 
início da década de 80, denuncia publicamente a “crise” da 
Educação Física no cenário brasileiro, momento este de um 
intenso e proveitoso debate na área. Entretanto o(s) motivo(s) 
desta denominada crise não está(ão) totalmente claro(s). Bracht 
(1992) relata que diferentes causas são aludidas, “uma de­
las, por exemplo, parte do argumento de que não existe 
uma profissão de professor de Educação Física” enquanto
1 Este texto é um resumo da monografia apresentada ao CEFD/UFES como requisito 
parcial ã conclusão do curso de graduação em Educação Física (97/1), sob orienta­
ção de Valter Bracht.
2 Especialista em Fisiologia do Exercício pelo CBM/UFES; professor de Educação 
Física no Centro Educacional Gênesis/Cooperativa Educacional (CEG/ 
COOPEDUC) e de natação na Associação Esportiva Siderúrgica Tubarão (AEST).
outros “entendem que a crise é de cunho epistemologia” 
(p. 36). Para esse autor a crise de identidade da Educação 
Física está relacionada com a sua possível falta de legitimi­
dade e lembra que esta não pode ser confundida com legali­
dade.
Para alguns a legitimação desejada somente seria 
alcançada quando a Educação Física fosse reconhecida como 
ciência. Para tanto, propostas de “cientifização” dessa área 
surgem, apresentando-se como Ciências do Esporte, Ciên­
cia da Motricidade Humana (ambas de raiz européia) e 
Ciência do Movimento Humano (esta de origem americana), 
entre as mais conhecidas atualmente. Devemos lembrar, 
entretanto, que para a aceitação de alguma, ou mesmo al­
gumas dessas teses/teorias pela comunidade “científica” da 
área, questões devem ser respondidas, principalmente num 
momento em que a própria racionalidade científica encon­
tra-se em crise, como defendem alguns filósofos da ciência. 
Dessa forma a crise da Educação Física não é apenas de 
cunho epistemológico como uns afirmam, mas diante das 
propostas apresentadas a busca de sua legitimação não pode 
prescindir do debate epistemológico.
Em nosso estudo abordamos a tese da Ciência da 
Motricidade Humana (CMH), do filósofo português Manuel 
Sérgio Vieira e Cunha, que afirma estarmos de frente a uma 
nova ciência. A escolha da Ciência da Motricidade Humana 
justifica-se pela considerável penetração que essa tese al­
cançou na comunidade acadêmica da Educação Física (diga­
mos que de forma um pouco passiva), ao mesmo tempo em 
que identificamos algumas questões preliminares não res­
pondidas e/ou não bem compreendidas em sua tese, por 
meio das quais pudemos visualizar a abertura para um possí­
vel debate com o autor, a fim de buscarmos soluções coeren­
tes para o problema (da crise) ora levantado. Objetivamos,
então, analisar a evolução do pensamento de Manuel Sérgio 
em torno da tese da Ciência da Motricidade Humana, desta­
cando o referencial teórico utilizado pelo autor e buscando 
identificar a necessidade e as possibilidades de uma tal ciên­
cia. Com isso, esperamos estar contribuindo no sentido de 
oferecer alguns elementos para o debate epistemológico acer­
ca da (crise de) identidade da Educação Física. Este estudo 
caracteriza-se como uma pesquisa de cunho teórico através 
da reflexão hermenêutica de textos do autor acerca de sua 
tese. Para construção deste trabalho foram seguidos alguns 
passos, a saber:
I - levantamento da produção de Manuel Sérgio que diz res­
peito à tese da Ciência da Motricidade Humana (CMH);
II - levantamento da produção acadêmica que se baseia na
tese da CMH, de Manuel Sérgio;
III - levantamento das referências na bibliografia da área à
tese da CMH3;
IV - análise da evolução do pensamento de Manuel Sérgio
em torno da tese da CMH, destacando o referencial 
teórico utilizado pelo autor;
V - identificação dos autores que servem como pilares da
tese da CMH; leitura e análise desses autores, com vis­
tas a avaliar a adequação do seu uso por Manuel Sérgio.
Sobre Manuel Sérgio e a tese da Ciência da 
Motricidade Humana
Manuel Sérgio é um filósofo português que há muito 
tem contribuído para a reflexão a respeito da Educação Físi­
ca. Podemos dizer que a sua contribuição através de ensaios
3 Na monografia, disponível na biblioteca do CEFD/UFES, encontram-se em anexo 
os levantamentos I, II e III.
— ^ J 1 0 1
iniciou-se no ano de 1974 quando publicou o livro Para uma 
Nova Dimensão do Desporto. Antes, porém, já havia publi­
cado obras literárias, como crônicas e poesias, e posterior­
mente escreveu também narrativas de cunho jornalístico. 
Entre a sua extensa obra (considerando seus livros e artigos 
temos mais de trinta publicações), interessa-nos a bibliogra­
fia referente à tese da CMH. Nesse sentido, a publicação 
que inaugura o seu pensamento acerca daquela tese, apa­
renta ser Prolegómenos a uma Ciência do Homem, publi­
cado pela primeira vez na revista Ludens, em 1979, e pos­
teriormente num livro intitulado Filosofia das Atividades 
Corporais, em 1981. Como o próprio título sugere a inten­
ção do autor é apresentar de forma ainda sincrética a nova 
ciência que futuramente denominaria de CMH. Naquele 
momento Manuel Sérgio oscilava na dúvida sobre a sua me­
lhor denominação: Ciência do Movimento Humano ou 
Quinantropologia? Entretanto, é interessante ressaltar que, 
em 1974, Manuel Sérgio já perguntara pela existência de 
uma Ciência do Movimento Humano (Quinantropologia?). 
Trata-se de uma rápida passagem, num pequeno capítulo 
intitulado “Educação pelo Desporto”, do livro Para uma Nova 
Dimensão do Desporto, de sua própria autoria. Nesse livro, 
dizia Sérgio (1975), que, se confirmada a existência da Ciên­
cia do Movimento Humano (Quinantropologia?), faria parte 
dela a “iniciação desportiva”, tendo, aí, o pedagogo lugar 
privilegiado e função imprescindível. Sua grande preocupa­
ção centrava-se na “humanização” do desporto, possibilita­
da, segundo ele, somente pela adequada orientação peda­
gógica - diga-se científica4.
4 Nesse texto Sérgio (1975) considera a pedagogia uma ciência e por isso reclama 
sua inserção na educação desportiva. Afirma ele que “no campo
da ‘iniciação 
desportiva’ [...] a atualização científica mais se torna necessária, já que a pedagogia 
é uma ciência e não é possível orientar uma criança (seja no que for) à base da 
intuição, esquecendo as exigências hodiernas da pedagogia” (p. 82).
Daí em diante, Manuel Sérgio assumiu com determi­
nação o seu maior projeto - a tese da CMH - e com isso deu 
prosseguimento à sua elaboração teórica, concentrando-se 
quase que exclusivamente nesse intento. Isso fica bem evi­
dente na vasta publicação a respeito - em média um livro ou 
artigo por ano. Entre elas, podemos destacar: Filosofia das 
Atividades Corporais (1981); Uma Nova Ciência do Ho­
mem - a Quinantropologia (1983); A Investigação Epistemo­
iógica na Ciência da Motricidade Humana (1985); Motri­
cidade humana: uma nova ciência do Homem (1986); Edu­
cação Física ou Ciência da Motricidade Humana? (1991); 
Para uma Epistemologia da Motricidade Humana (1994); 
Motricidade Humana: um Paradigma Emergente (1995). 
Entretanto, é no decorrer das leituras que percebemos varia­
ções no trato com a sua tese, apresentando-a de formas 
diferentes, bem como fundamentando-a a partir de referen­
ciais diversos.
Com o objetivo de levantar essas diferenças, discutimo- 
as em torno das seguintes categorias: motricidade humana; 
homem; Ciência da Motricidade Humana; e corte epistemo­
lógico.
Cabe ressaltar que essas são apenas categorias cen­
trais, escolhidas por aparecerem constantemente em sua obra 
e porque, no decorrer do estudo, evidenciaram variações ao 
longo do pensamento do autor - ocorrendo inclusive mudan­
ças nas suas denominações. Contudo, devido à limitação de 
espaço, dada pelo caráter deste livro, não foi possível apre­
sentar essa evolução de forma resumida sem esvaziar seu 
conteúdo e/ou prescindir das relações possíveis e reflexões 
necessárias. Desse modo, ao final deste capítulo encontra-se 
um quadro resumo da evolução do pensamento de Manuel 
Sérgio em torno da CMH, que pretende apenas situar o 
leitor, ilustrando suas tendências ao longo da sua obra. Para 
maiores esclarecimentos, remetemos à leitura do capítulo II 
da monografia em questão.
Levantando questões
Partindo do que foi evidenciado na obra de Manuel 
Sérgio acerca da tese da CMH, recuperamos, abaixo, algu­
mas dúvidas/contradições levantadas por nós e, em seguida 
estabelecemos um debate com autores que nos serviram de 
auxílio nesta discussão. Acreditamos que nesses momentos 
estaremos também contribuindo para aclarar um pouco aque­
las variações que citamos anteriormente.
- Qual é a concepção de ideologia defendida por Sérgio em 
sua relação com a ciência?
- Quais implicações surgem ao considerar-se a motricidade 
humana como objeto de estudo e a ciência que dela se 
ocupa pertencente às ciências do homem, como defende 
Manuel Sérgio?
- Está claro qual é a especificidade dessa nova ciência?
- O que significa a educação motora ser considerada um 
ramo pedagógico da CMH? Como se daria a relação da­
quela com esta?
- O que significam algumas mudanças conceituais, de fun­
damentação teórica e/ou de termos, identificadas na tese 
da CMH?
- Qual é a possibilidade de conjugarem se dois autores, con­
siderados pela discussão epistemológica atual como repre­
sentantes legítimos de tendências opostas, para fundamentar 
a existência da CMH? Tais autores são Popper e Kuhn.
- Nesse texto Sérgio (1975) considera a pedagogia uma 
ciência e por isso reclama sua inserção na educação despor­
tiva. Afirma ele que “no campo da ‘iniciação desportiva’ 
[...] a atualização científica mais se torna necessária, já 
que a pedagogia é uma ciência e não é possível orientar
uma criança (seja no que for) à base da intuição, esquecen­
do as exigências hodiernas da pedagogia” (p. 82). Em que 
se baseia a necessidade de afirmar a E. F. como ciência? 
Ela realmente possibilita um acesso superior ao conheci­
mento do homem, como quer Manuel Sérgio? No plano 
pedagógico, quais são suas limitações?
Discutindo questões
Ciência e ideologia
Podemos dizer que, com base no pensamento 
althusseriano, categorias como corte epistemológico e pro­
blemática dão início à fundamentação teórica do surgimento 
da nova ciência proclamada por Manuel Sérgio. No texto, 
“Louis Althusser ou uma Certa Maneira de Ler o Desporto”, 
Sérgio (1984) faz uma leitura do desporto à luz do pensa­
mento epistemológico de Althusser. Para ele “o Desporto 
integra uma nova ciência do Homem (a Cinantropologia)” e 
“o Desporto é ciência e filosofia” (p. 140). Sintetizando, 
Sérgio (1984) apresenta as idéias de Althusser a respeito da 
relação entre ciência, filosofia e política:
“Em meia dúzia de palavras podemos afirmar que a prática 
filosófica se recorta no labor da produção de teses respeitantes 
à rotura entre ciência e ideologia. Fazer filosofia equivale a 
uma expressão intensa de vitalidade intelectual ao traçar 
linhas de demarcação entre o científico e o ideológico [grifo 
nosso], entre o idealismo e o materialismo [neste segundo 
caso, a filosofia intervém na prática social, fornecendo teses 
a uma das classes em luta], (p.137)
Diante disso ocorrem-nos duas questões referentes à 
dicotomia estabelecida entre ciência e ideologia e o papel 
atribuído à filosofia:
a) Entendendo a realidade como um campo de luta de clas­
ses (Althusser é de filiação marxista), se está realmente 
garantindo uma prática científica isenta de ideologia ao 
proclamar-se que a filosofia deve optar por uma das clas­
ses em luta e fornecer-lhe teses? Para “desideologizar” a 
ciência, basta vinculá-la a uma das classes? A verdade, 
nomeadamente científica, pertence a esta ou àquela clas­
se social?
Entender a ciência como campo permeado por relações 
de poder, onde os cientistas ficam submetidos a instâncias 
burocráticas que nada ou pouco têm relação com a ativi­
dade propriamente racional, é facilmente compreensível; 
mas propor sua “desideologização” e seu “preenchimen­
to” com a ideologia de uma das classes em luta é desconsi­
derar o avanço do conhecimento científico alcançado até 
os nossos dias.
b) Na leitura apresentada por Manuel Sérgio, a filosofia apa­
rece como orientadora dos rumos que a ciência deve se­
guir. Antes vejamos de que forma isso se daria. A partir 
da distinção althusseriana entre leitura literal e leitura 
sintomal, Sérgio (1984) relaciona-as com o aparecimento 
das categorias de problemática e corte epistemológico. A 
leitura literal aparece como descrição aparente, enquanto 
a leitura sintomal é responsável pelos questionamentos, 
através de uma contextualização histórico-política. Apres­
sadamente podemos dizer que neste segundo tipo de lei­
tura é possível buscar uma problemática, ou seja, explicitar 
questões que a ciência coloca ao seu objeto, possibilitando 
um corte epistemológico, que consagra “a linha de sepa­
ração entre a ciência e a ideologia” (p. 136). Nesse senti­
do, a filosofia cumpre o papel de vigilância epistemoiógica 
operando com teses/teorias que garante aquela ruptura. 
Podemos adentrar agora na segunda questão; pergunta­
mos, então, pelo ponto de vista onde reside a superiorida­
de da filosofia.
Evangelista (1990) nos lembra que, para Althusser,
“a principal palavra de ordem era reduzir oposições, como 
por exemplo as propostas por Kuhn entre os paradigmas a 
uma única e absoluta oposição, à oposição entre A ciência e 
A ideologia”, (p. 222)
E prossegue ele:
“quem decretava a cientificidade da ciência era uma filo­
sofia científica, o Marxismo enquanto filosofia científica” 
(p. 222).
Entretanto, Evangelista (1990) ressalta que Althusser, 
diante da
“demonstração de Dominique Lecourt será forçado [...] a fa­
zer uma auto-crítica”. (p. 222).
Nas palavras de Althusser (1966) citado por Evangelista 
(1990):
“necessário [...] reconhecer a ilusão e a impostura de seu pro­
jeto [ou seja de uma epistemologia]. É preciso (...) ele renun­
ciar e criticar o idealismo ou os mofos idealistas de toda 
epistemologia”, (p. 222)
Parece que, assim como Althusser, Manuel Sérgio tam­
bém reviu algumas de suas colocações anteriores sobre cate­
gorias utilizadas, bem como a relação entre ciência e ideolo­
gia. Em “Carta Aberta à Presidente do CBCE”, à época, a 
professora Celi Taffarel, Sérgio (1989), depois de quase dois 
anos de permanência no Brasil, despede-se do CBCE. Nes­
sa carta, além dos gentis agradecimentos a todos que o re­
ceberam neste país, Manuel Sérgio reflete rapidamente a 
respeito de alguns pontos que a Educação Física brasileira 
precisa observar, defendendo, obviamente, a tese da CMH. 
Num desses pontos, Sérgio (1989) afirma que “a Educação 
Física brasileira precisa de criar uma teoria, que nasça do 
diálogo com a sua prática específica” (p. 74). Contudo, lem­
bra que não defende atualmente, “um corte epistemológico
(grifo do autor) ao jeito althusseriano” (p. 74). Ainda, segun­
do ele, “a ideologia não é o simples reverso das Ciências” 
(p. 74). Entretanto, aí reside uma dúvida: Manuel Sérgio 
não explicita em nenhum momento (nesse e nos seus outros 
escritos) os motivos que o levaram a pensar diferentemente, 
bem ao contrário do que fez anteriormente, quando preferiu 
a categoria de problemática (da linha Bachelard-Althusser) à 
de paradigma (formulada por Kuhn).
Pensamos não ser possível demarcar claramente o que 
é ideológico daquilo que é científico. Não existe uma linha 
clara que pode consagrar essa separação, nem tampouco 
uma disciplina pode ser responsável por isso. Essa tentativa 
poderia ser (talvez seja realmente) inócua. Uma alternativa 
que achamos viável é aquela trilhada pela “epistemologia 
crítica”, que, segundo Japiassu (1991), surge da interroga­
ção sobre a significação real da ciência, de uma reflexão 
histórica feita pelos cientistas sobre os resultados, o lugar, o 
alcance, os limites e as significações socioculturais da ativi­
dade científica, interrogando-se portanto sobre a responsa­
bilidade social dos cientistas. Japiassu constata que a 
racionalidade científica transformou-se em ideologia, quan­
do pretendeu impor-se como a única forma de racionalidade 
possível, criando, assim, a ideologia do cientificismo, em 
que o homem alienado deposita toda a sua confiança na 
ciência, como se ela fosse uma nova religião. E a fé cega na 
ciência e nos seus resultados: o domínio da natureza, a ri­
queza material, a organização eficaz da vida social, etc.
Objeto de estudo, especificidade e filiação epistemológica
É bastante evidente, desde o início dos escritos de 
Manuel Sérgio, a consideração da/do Motricidade Humana/ 
Movimento Humano como objeto de estudo da CMH, bem
como sua filiação epistemológica às ciências do homem5. 
Sérgio (1981, p. 126), afirma, por exemplo, que “a Ciência 
do Movimento Humano tem portanto o seu lugar assegurado 
entre as Ciências do homem, como uma região da realidade 
bem específica: o movimento humano” (p. 126). Diante dis­
so perguntamos se de fato podemos afirmar o objeto de 
estudo de uma ciência a partir da delimitação de uma “re­
gião da realidade”, como defende Manuel Sérgio.
Bracht (1993), partindo de uma breve contextualização 
histórica acerca da incorporação das “práticas científicas” 
no interior da EF/CE, bem como da reivindicação desta por 
um “status científico”, indaga que ciência é essa (EF/CE), 
apresentando-nos nesse sentido algumas questões que na 
sua opinião devem necessariamente acompanhar essa rei­
vindicação. Entre elas, uma pode-nos ser útil na discussão do 
objeto de estudo da CMH: o objeto de estudo desta(s) 
ciência(s)6 é o esporte, a atividade física ou o movimento 
humano? Especificamente nesta última, a tentativa de se 
fazer do movimento humano o objeto de estudo de uma 
ciência7 é criticada por Bracht (1993). Ele entende que o 
objeto de estudo não é um simples recorte da realidade 
empírica, caracterizando essa visão como uma concepção 
empirista ingênua de ciência. No entanto, sabendo-se que o 
objeto de estudo não está dado na realidade, a construção 
desse objeto de estudo8 se dá pela maneira como essa reali­
dade é abordada (p. 114). Dessa forma o movimento huma­
no, como bem-lembram Ferreira e Bracht (1995), pode ser
5 Muitas vezes a CMH é confundida mesmo com a própria ciência do homem.
6 Bracht indaga se a melhor denominação não é ciências da Educação Física ou do 
esporte (no plural)
7 Aí incluímos a CMH.
8 Para Bracht (1993) a EF “é antes de tudo uma prática pedagógica, e portanto uma
prática de intervenção imediata” (p. 114). Neste caso a construção de seu objeto de
estudo deve partir da intenção pedagógica.
abordado de diversas maneiras ou pontos de vista, cada qual 
a partir d& condição epistemológica de cada disciplina que 
dele se ocupa (p. 57). Essa fragmentação do conhecimento 
observada em torno do movimento humano apresenta-se 
então como um obstáculo a qualquer ciência que intente 
construir seu objeto de estudo tendo o movimento humano 
como objeto de estudo9.
Nesse sentido ainda, sabemos que as diferentes disci­
plinas que se ocupam do estudo do movimento humano se 
orientam por matrizes epistemológicas específicas1^ ou seja, 
pautam-se por princípios epistemológicos das ciências da 
natureza ou das ciências sociais e humanas11. Enquanto, por 
exemplo, a fisiologia e a biomecânica (CN) estão interessa­
das em explicar os aspectos fisiológicos ou biomecânicos do 
movimento humano, a sociologia e a filosofia (CSH) ínteres- 
sam-se pela compreensão do movimento humano nos seus 
aspectos sociológicos ou filosóficos. Constatado isso, uma 
interrogação surge: como defender a inserção da suposta 
CMH no interior das ciências do homem (CSH), inclusive 
com o mesmo status das demais, se a ela não pode prescin­
dir dos conhecimentos acerca do movimento humano oriun­
dos das ciências da natureza? Ao mesmo tempo, contradito­
riamente, Manuel Sérgio afirma que os princípios da expli­
cação e da compreensão cabem inteiramente na CMH 
como foi evidenciado no capítulo II da monografia em ques­
tão. As contradições se ampliam aprofundando a incoerên­
cia da sua tese, quando ele, Manuel Sérgio, começa a 
referenciar o filósofo português Boaventura Souza Santos. 
Esse autor defende que, na transição para uma ciência pós-
9 A respeito da fragmentação do conhecimento, bem como dos limites e das possibi­
lidades da interdisciplinaridade, consultar Veiga Neto (1996).
>o Essa é uma discussão bastante complexa e polêmica que neste momento deixare- 
mos suspensa.
11 Esta última Manuel Sérgio prefere nominar de ciências do homem.
moderna, “começa deixar de fazer sentido a distinção entre 
ciências naturais e ciências sociais” (1998, p. 48). Ainda 
segundo este, o paradigma emergente que se anuncia no 
horizonte fundamenta-se na superação daquela dicotomia 
entre Ciências Naturais e Ciências Sociais, cuja “distinção 
assenta numa concepção mecanicista de matéria e da natu­
reza a que contrapõe, com pressuposta evidência, os concei­
tos de ser humano, cultura e sociedade” (p. 60). Sabendo-se 
da insistente tentativa de Manuel Sérgio de entender o ho­
mem através da sua tese, que se daria pela superação das 
dicotomias inauguradas com a modernidade, torna-se difícil 
aceitar que ele ao longo de toda a sua obra, defenda a CMH 
enquanto ciência do homem, principalmente quando busca 
sustentação em Souza Santos. Ademais, essa sua considera­
ção vem carregada de todo tipo de problema epistemológico
detectado acima. Ele não deveria, na verdade, caminhar 
para essa superação? Ou será que está-se apoiando na tese 
da curvatura da vara12?
Parece que Manuel Sérgio é capturado também por 
uma armadilha que afeta a própria ciência: a fragmentação 
do conhecimento. Veiga Neto (1996) ressalta que o conheci­
mento disciplinar (fragmentado) é fruto da própria moder­
nidade, ou seja, “a disciplinariedade é a maneira pela qual 
não só o conhecimento se organizou como, ainda e princi­
palmente, organizou o próprio mundo contemporâneo” (p. 
132). Além dessa perspectiva foucaultiana de entender a 
constituição das ciências13, ele lembra que a causa dessa
12 Observação feita, em tom de brincadeira, pelo professor Francisco Caparroz, em 
conversa particular. Grosso modo, essa tese afirma que para alcançarmos um ponto 
de chegada a partir de um extremo devemos buscar o outro extremo, como na 
tentativa de endireitar uma vara torta. Analogamente, será que defendendo a CMH 
enquanto ciência do homem, Manuel Sérgio busca um ponto de superação a partir 
da negação da ciências da natureza? Pensamos ser essa uma hipótese improvável.
13 Segundo Japiassu (1991) a constituição das ciências, numa perspectiva foucaultiana, 
está alicerçada no importante conceito de epistéme, ou seja, como a infra-estrutura 
cultural do saber propriamente dito , caracterizado como representação, como 
registro epistemológico específico de todo um período do pensamento e da cultura.
^JTÍT*N
suposta doença do conhecimento científico14 pode ser bus­
cada mais na “separação entre a res cogitans e a res exten­
sas [grifos do autor], ou seja, no nosso afastamento, enquan­
to pensantes, do resto do mundo” (p. 136). Lembra ainda as 
contribuições recentes da filosofia que apontam no sentido 
de ser impossível “o estabelecimento de um campo 
epistemológico único” (p. 132). Kuhn ressalta que
“os paradigmas, nos quais se circunscrevem áreas do conhe­
cimento (e seus praticantes), são partilhados por comunida­
des de linguagem. Isso significa que cada paradigma tem não 
só seu próprio discurso e sua própria maneira de colocar suas 
questões e de determinar o que é e o que não é relevante e 
problemático. Tal especificidade paradigmática faz com que 
aquilo que é visto como um problema e/ou objeto de pesquisa 
numa comunidade possa até nem ser visto ou notado por 
outra comunidade.” (p. 132).
Com as considerações acima, tentamos evidenciar que 
a constituição de uma ciência que tenha o movimento hu­
mano como objeto de estudo encontra obstáculos erguidos 
pela própria maneira como o conhecimento se organizou, o 
que leva a diferentes possibilidades de abordar o movimento 
humano, cada qual a partir da sua especificidade (para­
digma?). Dessa forma a proposição de uma CMH que tenta 
abarcar todo o conhecimento (científico) em torno do movi­
mento esbarra nos mesmos obstáculos observados anterior­
mente, pois, como bem-lembra Veiga Neto (1996), “o co­
nhecimento disciplinar [no caso do movimento humano, frag­
mentado por disciplinas como a fisiologia, a biomecânica, a 
sociologia e a filosofia] não pode ser extinto por atos de 
vontade e por decretos epistemológicos” (p. 132).
É notável a boa vontade e o otimismo impregnados no 
espírito de Manuel Sérgio, todavia, um projeto dessa enver­
gadura é fruto nada menos do que de muita audácia. Pode-
14 Para Veiga Neto a fragmentação do conhecimento não pode ser considerada uma 
doença. Já Japiassu a vê assim, inclusive publicou um livro intitulado 
Interdisciplinariedade e Patologia do Saber.
mos, no entanto, até especular se ele não está mais interes­
sado em reconstruir as próprias ciências do homem, que por 
muito tempo estiveram pautadas por princípios positivistas 
que ele tanto condena. Com isso afastou-se de uma aborda­
gem nova que vem anunciando, a qual pode conferir especifi­
cidade e, portanto, uma identidade epistemoiógica15 à uma 
área (EF) que, como ele tão bem observa/denuncia, sempre 
foi usada a serviço das mais variadas formas de poder. Res­
ta, para Manuel Sérgio, explicitar a especificidade da CMH, 
que traduz uma maneira própria de abordar o movimento 
humano. Entendemos que o primeiro passo é apresentar um 
conjunto de questões que configura uma problemática pró­
pria a essa “ciência”.
Considerações finais
Para a aceitação da tese da Ciência da Motricidade 
Humana tornam-se necessários esclarecimentos e/ou res­
postas a questões respeitantes, por exemplo, à sua 
especificidade, à sua filiação epistemoiógica, à sua relação 
com outras “ciências” e com a prática pedagógica de Edu­
cação Física e às suas necessidades e possibilidades. Essas 
questões foram levantadas durante o decorrer do trabalho e 
acreditamos que são questões geradoras de dúvidas e 
impasses que comprometem o/a surgimento/afirmação da 
CMH. Entretanto, uma autocrítica também nos cabe: não 
foi possível discorrer sobre todas as questões levantadas, bem 
como aprofundar as exposições desenvolvidas. Dessa forma, 
na revisitação de alguns pontos e na exploração dos outros, 
estamos abertos e esperamos, críticas e sugestões para a 
concretização deste trabalho.
Bracht (1996) lembra-nos que identidade epistemoiógica “significa a forma pró-
pria com que cada disciplina científica interroga e explica a realidade, o que é 
determinado pelo tipo de problema que levanta, pelos métodos de investigação e 
linguagem que desenvolveu e utiliza” (p. 6).
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A EPISTEMOLOGIA 
DA EDUCAÇÃO FÍSICA: UM DIÁLOGO 
COM MAURO BETTI1
Avoluma-se e cresce em qualidade a discussão em tor­
no da caracterização científica da área da Educação Física 
(Ciências do Esporte; Ciência do Movimento Humano; Ciên­
cia da Motricidade Humana)2. A preocupação com tal carac­
terização tem-se concentrado em três aspectos distintos e 
complementares: a) a identificação da distribuição da produ­
ção do conhecimento nas diferentes “subáreas” (biológica, 
sociológica, psicológica, pedagógica, etc.); b) a identificação 
das concepções de ciência (positivismo, neopositivismo, 
fenomenologia-hermenêutica, materialismo histórico dialético) 
que têm orientado as pesquisas na área; e c) a tentativa de 
delimitar e caracterizar epistemologicamente a área ou o 
campo, ou seja, caracterizar a identidade da área no que diz 
respeito à sua relação com a ciência.
Em estudos anteriores (Bracht, 1992, 1993, 1995, 
1996 e 1997) enfocamos esses três aspectos. Uma tese 
recorrente nesses nossos estudos, entre outras, é a da não
1 Trabalho apresentado no GTT de Epistemologia do X CONBRACE (Goiânia/GO, 
1997).
2 A denominação da área se dá de forma diferenciada. No entanto, qualquer que seja
a denominação, sempre está-se referindo a uma tradição que teve como denomina­
ção comum o termo Educação Física (e anteriormente a esta, ginástica). Ou seja, 
todas se colocam como herdeiras do campo da Educação Física.
existência de um elemento norteador da produção do conhe­
cimento na área que permite vislumbrar a construção de 
uma unidade (seja disciplinar, seja interdisciplinar), ou seja, a 
produção do conhecimento é disciplinar e caminha na dire­
ção de sua crescente fragmentação e especialização. Colo­
cam-se aí pelo menos duas questões: a) quais são as razões 
dessa tendência à fragmentação? b) Qual pode ser o ele­
mento orientador a conferir uma unidade que permita falar 
de uma área do conhecimento?
Mais recentemente (Bracht, 1996, 1997), recuperan­
do o processo histórico de construção do campo acadêmico 
(ou da área) da Educação Física (EF),
viemos construindo a 
tese de que existe a possibilidade de construir um campo 
acadêmico a partir de um elemento integrador do esforço 
teórico na área da “EF”. Para tanto temos de superar o 
entendimento empirista-ingênuo de que o esporte, a ativi­
dade física, o movimento ou a motricidade humana podem 
ser entendidos como um objeto científico (de uma ou de 
mais ciências). Assim, um pressuposto inicial é o de que tal 
elemento integrador, ou o nosso objeto, é uma problemática 
teórica compartilhada.
Analisando a história da EF, entendo ser possível 
caracterizá-la como uma prática pedagógica (com sua 
especificidade) e que, como tal, requereu e requer um corpo 
de conhecimentos que a sustente. Esse corpo de conheci­
mentos (que muitos, entre eles, Betti [1996], entendem deve 
ser adjetivado de científico), se o entendermos vinculado a 
essa prática, precisa ser construído a partir da problemática 
que identifico como o movimentar-se humano e suas 
objetivações culturais na perspectiva de sua participação/ 
contribuição para a educação do homem3. Portanto, ele-
3 Desde logo, para prevenir possíveis mal-entendidos, esclareço que essa é uma 
caracterização meramente descritiva. Educação do homem, objetivações culturais 
e outros conceitos nela presentes precisam receber tratamento teórico para adqui­
rirem concretude.
mento caracterizador indispensável dessa proposta de pro­
blemática é a intenção pedagógica, ou seja, o olhar que 
orientará a reflexão (na busca de explicações e compreen- 
sões), sobre o movimentar-se humano e suas objetivações 
culturais (cultura corporal de movimento), é o pedagógico.
Betti (1996)4, em recente trabalho, analisa criticamen­
te essa tese e os elementos que a sustentam e levanta uma 
série de perguntas e questionamentos. Na seqüência nos 
ocuparemos, então, em acompanhar o raciocínio do autor 
buscando refletir sobre os questionamentos levantados, na 
perspectiva de melhor fundamentar nossas posições.
Debatendo com M. Betti
Betti (1996) intitulou seu trabalho de forma sugestiva: 
Por uma Teoria da Prática. O título já indica uma opção e 
uma direção: a sua preocupação com a prática, em ofere­
cer uma teoria da prática; é ao longo do texto que ele carac­
teriza, então, seu entendimento do que é prática no âmbito 
da EF.
O autor se propôs no texto a estabelecer um debate 
com autores que, nos últimos anos, no seu julgamento, “con­
tribuíram significativamente para a constituição de uma teo­
ria da EF de matizes brasileiras”. Os autores tomados para 
tal interlocução foram: Tani (1988, 1989), Lovisolo (1994), 
Kolyniak Filho (1994, 1995a, 1995b) e Bracht (1993). Tra­
ta-se em nosso entender de um dos mais brilhantes esforços 
já empreendidos para analisar sistematicamente o pensa­
mento epistemológico da EF brasileira.
4 Estamos nos valendo aqui do texto na versão a nós enviada pessoalmente pelo autor, 
pelo que agradecemos de público. O texto foi publicado, não sabemos se com 
modificações, na revista Motus Corporis (v. 3, n. 2, dez. 1996).
Uma tônica presente ao longo do texto é o combate 
aos diversos dualismos/dicotomias (EF versus Esporte; es­
porte versus jogo; EF como área do conhecimento uersus EF 
como prática pedagógica, etc.) que o autor entende existi­
rem na nossa área. Aliás, para o autor é possível identificar 
uma “nova macro dicotomia” na divisão dos discursos atuais 
sobre a teoria da EF: uma, que vê a EF como área do conhe­
cimento científico; outra, que a vê como prática pedagógi­
ca. Situa os diferentes autores nessas duas “matrizes”, 
alocando-nos na segunda, ou seja, na matriz pedagógica5.
Inicialmente Betti observa que os defensores da matriz 
pedagógica,
“desesperados com o desaparecimento da EF, buscam 
resguardá-la no interior da Escola, restringindo o seu alcance 
conceituai, quando deveriam buscar ampliá-lo. Perdem igual­
mente a EF quando a encontram. Antagonizam com o espor­
te, hostilizam as academias, criticam as bases epistemológicas 
das ciências da natureza e associam a si próprios com as ciên­
cias humanas [e instalam aí uma nova dicotomia...]”6.
É claro que o autor está trabalhando, necessariamente, 
com generalizações. Cada um dos “atingidos” pode sentir-se 
não-contemplado ou “injustiçado”. Particularmente, para o 
nosso caso, entendemos que a caracterização acima não é 
adequada, como procuraremos argumentar na seqüência. 
Antes, porém, é importante colocar melhor a recepção, por 
parte de Betti, do nosso pensamento.
5 Observe-se aqui que não será possível, neste momento, debater também com o 
conjunto de autores revisados/criticados por Betti (1996). Limitar-nos-emos a um 
diálogo com as interpretações de Betti de nossas posições, embora tangencie postu­
ras de outros autores.
6 Uma observação rápida: os termos dualismo e dicotomia são utilizados 
alternadamente, sem que nos dois casos aconteça o seu tratamento conceituai. 
Como observarei adiante esses termos estão longe de serem auto-explicativos ou 
não-problemáticos.
Betti faz menção ao nosso entendimento de que, para 
a busca do objeto da EF, devemos ter claro que ela é antes 
de tudo uma prática pedagógica e que reconhecer a EF 
primeiro como prática pedagógica é fundamental para reco­
nhecer o tipo de conhecimento, de saber necessário para 
orientá-la, e para o reconhecimento do tipo de relação pos­
sível/desejável entre a EF e o “saber científico”, ou as disci­
plinas científicas. Refere-se, também, ao nosso entendimen­
to de que o movimento humano enquanto fenômeno não é 
já um objeto científico e que sua objectualização pelas dife­
rentes disciplinas redunda, na verdade, em diferentes obje­
tos. Apresenta nossa idéia de que a EF tem de assumir o 
caráter de uma ciência da e para a prática. Betti diz entusias­
mar-se, até esse ponto, com nossas conclusões. Mas, enten­
de que, ao aprofundarmos nosso entendimento sobre tal ciên­
cia, incorremos em uma nova dicotomia. Refere-se Betti a 
nossa observação de que “precisaríamos aclarar se a EF ope­
raria a partir dos princípios epistemológicos das ciências na­
turais ou das ciências sociais e humanas”. Coloca ainda que, 
em nosso entendimento, a “ciência clássica” introduz, inevi­
tavelmente, reducionismos no estudo do movimento huma­
no, e que sugerimos então que o teorizar em EF precisa 
ultrapassar o próprio teorizar científico, contemplando o 
biopsicossocial, o ético e o estético, numa perspectiva de 
globalidade, portanto uma nova construção do nosso objeto. 
Afirma Betti, ainda, que nós não acreditamos na interdisci­
plinaridade, já que entendemos predominar a tendência à 
fragmentação e não existir uma problemática teórica que 
possa integrar as disciplinas que se ocupam cientificamente 
do movimento humano.
Nesse ponto Betti (1996) diz ter, em relação às nossas 
posições, muitas objeções: 1) se a ciência “clássica” ou “tradi­
cional” a que nos referimos são as ciências naturais ou o po­
sitivismo e se a alternativa são as ciências humanas/sociais;
nos imputa, nesse caso, uma assimilação entre positivismo e 
empirismo e certa confusão entre positivismo e quantificação; 
2) argumenta que, se o ético e o estético são remetidos para 
a filosofia, isso não é pouco, pois Apel e Habermas são 
filósofos; faltou, no seu entender, estabelecer relações mais 
explícitas entre a filosofia e as demandas da pesquisa em 
EF; 3) por que temos de escolher primeiro a prática pedagó­
gica e depois o conhecimento científico
“Se Bracht reconhece que a ‘chave’ está na relação entre as 
duas instâncias, o que interessa então é a inter-relação. Ter 
que optar por um primeiro, é como ter que'optar entre o 
indivíduo e a sociedade, o sujeito e o objeto, a
teoria e a 
prática, minimizando a possibilidade da mediação”. (Betti, 
1996).
Por fim, o autor concorda ser preciso haver um princí­
pio integrador, que nós entendemos ser a prática pedagógi­
ca; nesse sentido Betti entende ser necessário que esta últi­
ma abarque todas as manifestações da motricidade social­
mente institucionalizadas.
Algumas das questões que Betti nos coloca são passí­
veis de respostas razoavelmente imediatas e simples; outras,, 
no entanto, e estas são as realmente substanciais, são extre­
mamente complexas e dificilmente respondíveis, devido às 
nossas limitações pessoais e à própria indefinição e polêmi­
ca existente no plano do pensamento científico-filosófico mais 
avançado. Ma;, vamos às questões!
As duas primeiras questões situam-se no plano geral 
da teoria do conhecimento e/ou teoria da ciência.
Quando nos referimos à ciência “clássica” ou “tradicio­
nal”, estamos nos referindo não às ciências naturais enquan­
to tais, mas às ciências que fazem seus os princípios daque­
las. É importante frisar que é esse o modelo ou a concepção 
de ciência que torna-se hegemônico, inclusive no interior das
ciências sociais e humanas. O positivismo é apenas um exem­
plo. Assim sendo, é claro que a alternativa para fundamen­
tar a EF não é simplesmente as ciências sociais e humanas. 
É, no entanto, no interior dessas que temos um movimento 
contestador dos princípios da ciência tradicional ou hegemô­
nica, que traz à luz as limitações (conseqüências) dessa para 
a explicação/compreensão das ações humanas. Se existem 
diferentes entendimentos do que é a racionalidade científi­
ca, se temos no seu interior um debate em torno do monismo 
ou dualismo metodológico, quando falamos em dar funda­
mentos científicos para a EF, o que se exige, no mínimo, é 
que nos posicionemos a esse respeito7. Não é possível falar 
de ciência como se esta fosse um mar de unanimidades. E 
preciso tomar posição e com fundamento racional, diga-se 
de passagem, porque o que campeia são posições assumi­
das com base em vinculações meramente emocionais, políti- 
co-partidárias, ou então que se situam no plano da doxa ou 
do senso comum.
A questão dois, vinculada a essa, diz respeito ao pres­
suposto básico daquela ciência tradicional da qual faláva­
mos. Trata-se da distinção entre o saber fático e o ético- 
normativo. A ciência sempre se propôs a se pronunciar so­
bre o que é a realidade e não sobre o que ela deveria ser. 
Ou seja, a racionalidade científica não está em condições de 
se pronunciar acerca do que deveríamos ou não ser; ela está 
em condições de auxiliar as decisões éticas com conheci-
7 É interessante a crítica de incorrer no dualismo (ciências naturais versus ciências 
sociais e humanas) que Betti nos endereça, porque ele mesmo trabalha com a 
distinção entre essas ciências para criticar Kolyniak Filho: “Para mim [M. Betti], a 
limitação do positivismo não é tanto a fragmentação em áreas e subáreas cada vez 
mais especializadas (que atingiu tanto as Ciências da Natureza quanto as Ciências 
Humanas), mas na indistinção entre as metodologias das Ciências Naturais e Ciên­
cias Humanas. Exige-se para estas últimas os mesmos critérios de cientificidade 
consagrados nas primeiras, não considerando a possibilidade de que a objetividade 
das Ciências Humanas seja de outra ordem e esteja em construção, em adequação 
crescente aos seus objetos (Ladrière, 1982)” (Betti, 1996).
mento seguro do que somos ou do que a realidade é, ou 
melhor, de como a realidade funciona (quais as leis que a 
regem). De sentenças sobre o que a realidade é não é possí­
vel deduzir lógica e necessariamente (ou cientificamente, se 
quiserem) o que ela deve ser. Como a EF, enquanto prática 
pedagógica, necessariamente envolve a dimensão do ético- 
normativo, para que a ciência (ou a racionalidade científica) 
possa lhe fornecer a fundamentação necessária, é preciso, 
ou complementar o conhecimento científico com a filosofia 
(que me parece a opção de Betti porque fala por diversas 
vezes (p. 33) em conhecimentos “científicos e filosóficos” e 
em “ciências/filosofia”8, ou, trabalhar com um novo concei­
to de racionalidade (que talvez não precise ser adjetivada de 
científica se nos livrarmos do fetiche da ciência moderna), 
que consiga estabelecer a ponte entre o fático e normativo 
sem abdicar da pretensão à racionalidade para suas assertivas. 
Esse é o projeto conhecido de J. Habermas, o da razão 
comunicativa. Mas, base para tal empreendimento é a su­
peração do paradigma científico centrado na relação sujeito- 
objeto, a favor do paradigma da linguagem (a partir da vira­
da linguística operada pela filosofia analítica e pela 
hermenêutica), que se constitui em base do conceito de ra­
zão comunicativa. Nessa, a linguagem não é mais mera for­
ma de representação e sim uma forma de ação.
“Desloca-se o foco da investigação da racionalidade cognitivo- 
insirumental para a racionalidade comunicativa. Não mais se 
embasa o conhecimento na relação sujeito-objeto, mas na 
relação intersubjetiva que assumem atores sociais capazes de 
fala-ação ao se entenderem entre si sobre algo no mundo”. 
(Marques, 1993, p. 86).
8 Devolvo aqui a crítica de incorrer numa dicotomia. Betti, quase ao final de seu texto, 
afirma: “o princípio integrador possível neste processo advém de um processo de 
valoração; portanto, só a filosofia pode propiciar esta integração". Porque só a 
filosofia? A filosofia não estaria contemplada no plano da racionalidade científica? 
Que tipo de verdade seria produzida por uma e por outra?
Não se trata de considerar supérfluo o conhecimento 
produzido a partir do interesse técnico (pelas ciências 
empírico-analíticas), nem absolutizar o conhecimento produ­
zido a partir do interesse prático pelas ciências histórico- 
hermenêuticas. Trata-se, isto sim, de reconhecer seus limi­
tes e possibilidades e reinterpretá-los, submetê-los a outro 
critério, a uma racionalidade comunicativa. “Entrelaçam-se 
na unidade da razão comunicativa o interesse prático das 
ciências histórico-hermenêuticas e o interesse emancipatório 
das ciências crítico-reflexivas” (Marques, 1993, p. 89).
Buscando superar o dualismo entre a racionalidade téc­
nica e a racionalidade normativa, a teoria da ação comuni­
cativa busca uma racionalidade prática de ação comum à 
procura dos melhores objetivos através do diálogo.
Betti (1996) fez uma tentativa de pensar uma possível 
teoria da prática para a EF, a partir da teoria da prática (da 
ação) de P. Bourdieu. E uma tentativa interessante, mas 
que, se não incorro em erro, exclui ou não contempla exata­
mente o dualismo acima discutido (conhecimento fático uersus 
conhecimento normativo), aspecto fundamental para uma 
'teoria da prática, entendida como ação ética, normativa, 
caracteristicamente humana. Assim, parece-me interessan­
te, também, pensar uma teoria da EF a partir da proposta 
de Habermas (num certo sentido E. Kunz e colaboradores na 
UFSC estão engajados nesse projeto). A nós parece, e esse 
é um julgamento preliminar e parcial, que a teoria da ação 
comunicativa é mais produtiva para o caso de uma prática 
pedagógica. Se pensarmos junto com Habermas (tomarmos 
a sua posição), diríamos, provavelmente, que Bourdieu, com 
sua tentativa de superar o impasse objetivismo uersus 
subjetivismo, presente na sociologia, em favor de uma teoria 
da prática, permanece no paradigma da filosofia da consciên­
cia e recai, ora no objetivismo, ora no subjetivismo (por isso
ele é criticado por alguns autores como estruturalista e recla­
ma-se dele algo propositivo). Mas esse debate não pode ser 
levado a termo aqui.
A terceira questão foi colocada
por Betti da seguinte 
forma: por que temos de primeiro escolher a prática peda­
gógica e depois o conhecimento científico? Recoloquemos a 
questão: postulamos que a EF deve ser entendida primeiro 
como prática pedagógica, ou seja, definidor de sua identida­
de, como prática social, é a sua característica de ser uma 
prática de intervenção imediata, no caso, uma prática peda­
gógica. Portanto, nossa questão não é colocá-la aqui ou ali: 
ou ciência, ou prática pedagógica. Esses não são termos 
antagônicos, embora diferentes. Alguns autores, como Tani, 
em alguns momentos, e M. Sérgio, a quem as minhas afir­
mações estavam endereçadas, parecem só ver uma possibi­
lidade da EF alcançar legitimidade: afirmando-se como ciên­
cia. Por que para nós a questão não se apresenta como 
alternativa? Porque toda prática social, principalmente aquela 
com características de prática pedagógica, exige um supor­
te teórico que não pode prescindir do saber científico para 
fundamentar as decisões com as quais está constantemente 
confrontada. Constituir um campo acadêmico é, portanto, 
necessário complemento/acompanhamento dessa prática. 
Quais são as características e os contornos desse campo, 
com quais outros interage e como, com qual concepção de 
racionalidade (científica) vai ou deve operar? Bem, essa é a 
questão! Mas, tentar afirmar a identidade da EF somente ou 
primeiramente como ciência é, em nosso entendimento, uma 
inversão, mesmo porque a EF (sua tradição), nessa perspec­
tiva, se perde.
Talvez este seja o momento de fazer algumas conside­
rações acerca da proposta de uma Ciência do Movimento 
Humano ou Cinesiologia (Tani, 1996) ou Ciência da Motri-
cidade Humana (CMH) (Sérgio, 1994). Tani (1996), como 
bem-observa Betti (1996), tem a virtude de se preocupar 
com a Educação Física, entendendo-a como ciência aplica­
da, enquanto Sérgio (1994) considera a EF (Educação Motora) 
como ramo pedagógico da CMH. Já apresentamos nossos 
argumentos que, no nosso entendimento, demonstram a im­
possibilidade de tal ciência (no singular). De certa forma, 
após duas décadas de experiência, uma boa parte dos estu­
diosos alemães da área também concluiu que a ciência 
desportiva continua e continuará sendo Ciências do Esporte 
(no plural)9. No entanto, é claro que as Ciências do Movi­
mento Humano ou as Ciências da Motricidade Humana po­
dem se organizar “debaixo de um mesmo teto”, propiciando 
um ambiente no qual cada um faz suas pesquisas em meio à 
indiferença simpática dos demais. Parece-me inclusive ha­
ver demanda, nos mais diversos setores sociais, para tal co­
nhecimento (disciplinar, pluridisciplinar). Se então elas de­
vem ocupar nas universidades um espaço específico, organi­
zarem-se num instituto, centro, etc., é uma decisão política. 
A decisão pode ser inclusive, a de transformar os hoje cen­
tros/departamentos/escolas de Educação Física e Desportos 
em centros/departamentos/institutos de Cinesiologia. No 
entanto, qualquer que seja a decisão, esses não irão substi­
tuir a prática social EF. Isto é, não devemos confundir a 
reorganização dos saberes nas instâncias de sua produção e 
de formação profissional com determinada prática social. 
Particularmente, e esta é uma posição política, entendemos 
e colocamos nossos esforços na perspectiva da EF entendida 
como prática pedagógica.
9 Ver a respeito Prohl (1991).
Considerações finais
Betti (1996) propõe corrigir nossa posição ampliando 
o conceito por nós utilizado de “prática pedagógica” para
“prática social das atividades corporais de movimento, con­
cebida como campo de dinamismo social, onde se dá a con­
frontação e a disputa de modelos de prática e no qual atuam 
diversas forças sociais (inclusive a comunidade acadêmico-pro- 
fissional da EF). Uma prática social assim concebida é quase 
sinônimo do conceito de ‘cultura corporal de movimento’.” 
(Betti, 1996, p .31).
O problema que vejo aqui é que, assim definida, a EF 
não é quase sinônimo de cultura corporal de movimento; ela 
é sinônimo propriamente dito dessa expressão! Uma teoria 
(geral) da EF é então uma teoria geral da cultura corporal de 
movimento. Assim formulada, fica muito difícil identificar 
uma problemática teórica que delimite os esforços teóricos 
específicos deste campo. Entendemos que nossa formulação 
permite identificar tal problemática quando centra/organiza 
tal teorizar na perspectiva do pedagógico. Assim, repetindo, 
a teoria da EF tem como problemática a participação/con­
tribuição do movimentar-se humano e suas objetivações cul­
turais na/para a educação do homem. A teoria daí decor­
rente poder orientar/fundamentar os sujeitos da ação na­
quelas instâncias sociais em que a intenção pedagógica con­
fere o sentido (fosse o leitmotiu) dessas ações. Toda vez que 
um profissional (da EF, do esporte...) pretendesse, em qual­
quer instância social, tematizar qualquer elemento da cultura 
corporal de movimento, a partir da intenção pedagógica, ele 
encontraria fundamentos nessa teoria. Vale dizer, que a ins­
tituição educacional possui especificidades que tornam ne­
cessárias reflexões para adequar-lhe a teoria.
EPISTEMOLOGIA 
E POLÍTICA NA EDUCAÇÃO
“El discurso metafísico de Occidente está llegando a su fin y 
la filosofia, en su atardecer, nos há hecho, através de los 
grandes nombres dei siglo, un ultimo servido: deconstruir su 
proprio terreno y crear las condiciones de su propia 
imposibilidad. Pensemos, por ejemplo, en los indecidibles de 
Derrida. Una vez que la indecidibilidad há alcanzado al propio 
fundamento, una vez que la organización de un cierto campo 
es gobernada por una decisión hegemónica - hegemónica 
porque ella no es determinada objetivamente, porque decisiones 
diferentes son también posibles - el reino de la filosofia llega 
a su fin y comienza el reino de la política.” (Laclau, 1996)
Os desenvolvimentos científicos das últimas décadas 
nos levaram a uma maior consciência dos limites da racio­
nalidade científica. Acirrou-se o debate em torno dos funda­
mentos da ciência, sobre as possibilidades/impossibilidades 
de encontrar/construir fundamentos seguros para a ativida­
de de conhecer cientificamente a realidade. Esse debate 
parece ter resultado num grande não à possibilidade de um 
fundamento último a partir do qual o edifício científico pu­
desse ser construído. Afirma-se cada vez mais o caráter pro-
1 Texto enviado para o GTT Epistemologia do XI CONBRACE (Florianópolis/SC, 
1999).
cessual da verdade. Acentuou-se também, muito em função 
da ameaça ecológica, a consciência de que a produção cien­
tífica (traduzida em tecnologia) não é inocente, que a produ­
ção científica não pode ser reduzida a uma operação lógica, 
ela é sempre intrinsecamente política, não sendo possível 
isolar hermeticamente em pólos distintos o papel do cidadão 
e o do cientista. As ciências naturais, outrora tão zelosas (e 
arrogantes) quanto à propalada objetividade do conhecimen­
to que produzem, precisaram aos poucos admitir, a partir de 
seus próprios desenvolvimentos, que o objeto não permane­
ce indiferente ao observador ou ao sujeito do conhecimento. 
Nas ciências sociais e humanas ouvem-se, em volume cres­
cente, vozes que admitem a necessidade de rever o antago­
nismo natureza-cultura que permeou e permeia essas ciên­
cias. A pretensão da racionalidade científica de eleger-se 
como a própria racionalidade é acusada de ser coadjuvante 
de reducionismos e totalitarismos, ao mesmo tempo em que 
se busca e se propala a importância de outras racionalidades, 
numa perspectiva psicologizante, outras inteligências, como 
a emocional. Intervir a partir do conhecimento científico passa
a ser problemático porque o otimismo, a visão positiva da 
racionalidade científica, como forma privilegiada de conhe­
cer a realidade está sob forte suspeita: abalou-se a “crença” 
no poder da razão científica, o que tem levado, por um lado, 
à sua negação simplista, justificando um mergulho no 
esoterismo e, por outro, a tentativas de redefinição/recons­
trução do modelo de racionalidade, tomando-a como 
fenômeno também histórico e portanto contingente. Da crí­
tica à oposição cultura-natureza emerge a revalorização 
da nossa (primeira) natureza, ou do corpóreo no homem, 
não mais entendido como mero mecanismo de uma 
estrutura superior, a mental, mas como uma estrutura com­
plexa que ao mesmo tempo contém aquela (ou na qual aquela 
radica), mas a transcende. Desenvolvimentos da filosofia da
^ ^ 130^ -—- - - - - —
linguagem mostram como somos seres imersos na lingua­
gem, como as apreensões que fazemos do real são depen­
dentes e préfiguradas pelos conceitos dos quais nos valemos, 
isto é, a linguagem não é um instrumento/meio neutro na 
ação do conhecimento. A superação paulatina do euro- 
centrismo permite considerar outras culturas não como “in­
feriores” mas como diferentes e dignas. A complexificação 
do mundo pela interpenetração ou crescente intercâmbio de 
várias ordens (econômico-financeiro, político e cultural) pa­
rece-nos colocar de frente a uma “nova intransparência” (J. 
Habermas).
Todos esses desdobramentos, internos e externos ao 
fazer científico propriamente dito, afetam nossa vida e nos­
sa produção acadêmica talvez mais do que num primeiro 
momento possamos perceber, ou mesmo estejamos dispos­
tos a admitir. Estamos confrontados com problemas que pa­
recem desafiar nossos modelos de pensamento ou o modelo 
moderno do conhecimento (cf. Marques, 1993). Entre as 
inúmeras questões que nos desafiam a partir do quadro es­
boçado acima, selecionei algumas que entendo afetam a 
vida do CBCE (Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte) 
como comunidade que reúne pessoas interessadas no avan­
ço do conhecimento e na intervenção social qualificada para 
a qual esse conhecimento pode contribuir.
As questões a que me refiro estão ligadas a um conjun­
to de conceitos que albergam polêmi;as e visões, ao menos 
aparentemente, conflitantes: pluralismo, diversidade, dife­
rença, particularismo, fragmentação, antifundacionalismo, 
irracionalismo, acaso/caos, de um lado, e unidade, totalida­
de, universalidade, ordem e racionalismo de outro2. A polê­
mica em torno destes temas marca as posições e as ações
2 A polarização que fiz é meramente didática. Ela em verdade é precária, como 
discutirei no texto.
em torno da relação epistemologia e política ou entre conhe­
cimento e intervenção. Buscarei demonstrar como estas ques­
tões não só afetam nossas noções de conhecimento, ciência 
e verdade, como as de democracia e política. Destacam-se 
neste sentido as discussões em torno do pluralismo e do 
relativismo, temáticas caras ao antifundacionalismo e que 
afetam mais diretamente nossas noções de democracia.
Delineando as posições presentes 
na Educação Física brasileira e no CBCE3
Na Educação Física brasileira e particularmente no 
CBCE, depois de um debate entre os que advogavam uma 
ciência neutra e aqueles que defendiam uma ciência engajada 
(década de 80, principalmente), o debate que se impõe hoje 
parece ser de outra ordem. Não mais o debate entre, de um 
lado, o isolamento e, de outro, o engajamento da ciência, 
mas sobre possibilidades, características, limitações, enfim, 
sobre o que pode ou deve significar ciência engajada. Como 
lembra Demo (1998), modernamente avolumou-se o inte­
resse em caracterizar a relação entre ciência e política como 
intrínseca, em que pese a fácil banalização que isso pode 
acarretar.
Dentro desse novo quadro algumas posições se deli­
neiam. Podemos observar, no campo, uma visão da relação 
epistemologia e política que entende que no plano da produ­
ção do conhecimento reflete-se a contradição, ou melhor, o
3 Neste texto opto por não identificar autores com as posições aqui delineadas por 
dois motivos. O primeiro deles é que, ao caracterizar posições, esta é feita 
esquematicamente, ressaltando pontos e empobrecendo possíveis nuanças internas 
à própria posição. O segundo é que, dada a pouca discussão acumulada na área, 
em EF tendemos a transformar essas caracterizações/aproximações imediatamen­
te em rótulos valorativos.
' 132C v v w < - ^ wv
antagonismo social, o que leva a uma necessária dicotomia 
que é determinada pela opção política a favor dos interesses 
dominantes (capital) ou a favor dos interesses dominados 
(trabalho). A opção pelo interesse (político) histórico da maio­
ria (classe trabalhadora/proletariado) conferiria a condição 
de um acesso privilegiado, em termos de conhecimento (ver­
dadeiro), à realidade. A outra posição (opção) seria ideológi­
ca, no sentido da falsa consciência. Essa posição desemboca 
em contradições e está sustentada em bases hoje dificilmen­
te defensáveis e muitas vezes é alvo de banalização. A mais 
comum é
“o abandono apressado da lógica, como se democracia a subs­
tituísse. Em vez do argumento cuidadoso, logicamente funda­
do, prefere-se o discurso exacerbado, agressivo, demolidor, 
sem dispor de nada mais sólido para colocar no lugár. No 
extremo, pretende-se submeter lógica à democraciâ, fazendo 
o erro oposto do positivismo, que submete democracia à lógi­
ca. Falta apenas exigir que se vote, para decidir se lógica 
ainda vale”. (Demo, 1998, p. 238)
Numa versão vulgar, essa posição advoga a possibilida­
de da identificação de leis históricas (à semelhança das leis 
da natureza) que indicam o proletariado como a classe res­
ponsável pelo projeto de emancipação humana; a reconcilia­
ção do homem com ele mesmo. Não há maiores problemas, 
em princípio, em identificar um grupo, uma classe social 
como responsável por um tal projeto. O problema se coloca 
quando se o faz com a pretensão de que essa é uma neces­
sidade histórica inelutável e portanto, “cientificamente 
comprovável”. Entendo ser essa necessidade argumentável, 
mas não pelo seu caráter inevitável e sim por razões políti­
cas e éticas.
A idéia da prática como critério de verdade, muitas 
vezes citada para indicar o entendimento de ciência adota­
do, leva a um círculo vicioso. A vida concreta dos homens, é
..
claro, é nossa referência última. No entanto, essa prática 
adquire significado humano quando por ele refletida. Portan­
to, é a prática interpretada que é o critério de verdade. Para 
tal interpretação concorrem (pré)conceitos que demandam 
opções. Ou seja, estamos no plano de um círculo herme­
nêutico.
Não obstante é preciso advertir:
“A negação que haja um fundamento a partir do qual os con­
teúdos sociais obteriam um sentido preciso, pode ser facil­
mente transformada na afirmação de que a sociedade carece 
inteiramente de sentido; questionar a universalidade dos agen­
tes da transformação histórica conduz, com freqüência, à pro­
posição de que toda intervenção histórica é igualmente limita­
da e sem esperança; e mostrar a opacidade dos processos de 
representação é com frequência considerado como equivalen­
te a negar que a representação seja em absoluto possível.” 
(Laclau, 1996, p. 153)
A posição acima exposta adota a perspectiva da uni­
dade metodológica no sentido de que determinada via per­
mite um acesso privilegiado (verdadeiro) à realidade, negan­
do assim, o relativismo e o pluralismo metodológico.
Outra posição vem-se delineando mais recentemente 
no plano filosófico, científico e político-social e vai adquirin­
do proeminência
nos últimos anos, inclusive na Educação 
Física. Trata-se de posições identificadas pelo jargão “pós- 
moderno”; posições que parecem poder ser identificadas pela 
idéia de superação do projeto e das crenças características 
da modernidade, muitas delas já apresentadas no início do 
texto.
Como mostrou Welsch (1988), o termo “pós-moderno” 
tem significações muito distintas nos diferentes campos do 
conhecimento e setores sociais: na arte, na filosofia, na socio­
logia, na política, etc. Sem a possibilidade de perseguir o 
processo de construção simbólica que envolve o tema da
134
pós-modernidade nesses diferentes campos, vou ater-me a 
identificar alguns pontos que dizem diretamente respeito aos 
objetivos da presente discussão.
Um deles é o antifundacionalismo que traz consigo a 
discussão do relativismo e do pluralismo. Na Educação e na 
Educação Física essa discussão acontece mais com base na 
obra de M. Foucault, tendo como pano de fundo Nietzsche, 
a partir dos quais a ciência é expressão da vontade de po­
der, sendo que não há a possibilidade de qualquer discurso 
situar-se fora de seu domínio.
O antifundacionalismo e o desconstrucionismo enten­
dem que a pretensão da razão científica moderna é desme­
surada e expressa a aspiração à totalidade que leva intrinse­
camente a totalitarismos que massacram o particular e a 
diferença, que pecam contra o pluralismo necessário para 
que exista respeito a posições minoritárias e não-hege- 
mônicas. Vários são os movimentos intelectuais que dão sus­
tentação à posição antifundacionalista, entre eles situamos 
os desenvolvimentos da lingüística e filosofia da linguagem 
(virada lingüística) e as discussões no plano da filosofia da 
ciência nas suas tentativas, frustradas, de encontrar um fun­
damento último (não-metafísico) para a própria razão cien­
tífica.
Colocada essa posição em termos genéricos, vou to­
mar como referência a posição de um autor antifundacio­
nalista importante, que é R. Rorty, com base na recepção 
feita por E. Laclau (1996). Isso porque Rorty é um dos raros 
antifundacionalistas que buscam pensar as conseqüências 
dessa posição no plano da política. Isso adquire relevância 
porque, conforme Laclau (1996), a adoção da posição que 
advoga a indecidibilidade está afetando o sentido da ação 
coletiva, está levando a um isolamento generalizado do 
político.
Rorty se autodefine como liberal irônico (ironista libe­
ral). Para Rorty, segundo Laclau (1996), liberais são aqueles 
que pensam que a crueldade é o pior que se pode fazer. E 
irônico é o tipo de pessoa que é capaz de assumir a contin­
gência de suas crenças e desejos mais centrais - alguém tão 
historicista e nominalista a ponto de haver abandonado a 
idéia de que essas crenças e desejos centrais remetam a algo 
além do tempo e da oportunidade. Os liberais irônicos são 
gente que inclui, entre os desejos impossíveis de fundamen­
tar, sua própria esperança de que o sofrimento diminuirá, de 
que a humilhação dos seres humanos por outros seres huma­
nos poderá cessar. Como podemos perceber, uma posição 
francamente antifundacionalista.
Afirmar que a ordem social ou uma comunidade são 
igualmente contingentes carece de fundamento último, na 
interpretação de Laclau. Rorty se manobraria numa dificul­
dade, porque o vocabulário no qual a democracia liberal ha­
via inicialmente se apresentado é o do racionalismo iluminista. 
Ele precisa, então, fazer um esforço para reformular o ideal 
democrático de um modo não-racionalista e não-universalista.
Um dos pontos a ser enfrentado é o do relativismo, 
que é questionado com uma pergunta de Michael Sandel, 
citado por Laclau (1996): se as convicções próprias são ape­
nas relativamente válidas, por que defendê-las resolutamen­
te? Rorty tenta responder, buscando demonstrar que o pro­
blema do relativismo é um falso problema. Descarta as no­
ções de validade absoluta ou universal e diz que a única 
alternativa é restringir a oposição entre formas racionais e 
irracionais de persuasão aos confins de um jogo de lingua­
gem dentro do qual é possível distinguir entre razões de uma 
crença e causas de uma crença que não são racionais.
A posição de Rorty leva a questionar a própria noção 
de irracionalidade ou irracionalismo. A conseqüência é que a 
questão da validade é essencialmente aberta e conversacional.
Mas, se, segundo Rorty, uma sociedade liberal é aquela que 
se contenta em chamar verdadeiro ao resultado desses en­
contros, qualquer que seja, como compatibilizá-la com uma 
situação em que uma sociedade aceita um sistema de tabus 
e a imposição de uma ordem social? Segundo Laclau (1996, 
p. 191), o poeta e o revolucionário utópico, que são os 
atores centrais na narrativa de Rorty, desempenham o papel 
de protestar em nome da própria sociedade contra aqueles 
aspectos da sociedade que são infiéis à sua própria imagem.
Laclau (1996) mesmo se incumbe de colocar duas ob- 
jeções à utopia liberal de Rorty: a primeira é que o abando­
no de uma fundamentação metafísica das sociedades libe­
rais as privará de um cimento social indispensável para a 
continuidade das instituições livres e a segunda é que não é 
possível, desde um ponto de vista psicológico, ser um liberal 
irônico sem se ter, ao mesmo tempo, algumas crenças 
metafísicas acerca da natureza dos seres humanos (p. 193).
Além dessas objeções, gostaria de colocar que a posi­
ção do liberal irônico parece conduzir para uma aporia se­
melhante a identificada por Habermas (1988a, O discurso 
filosófico da modernidade) na teoria do poder de M. Foucault; 
a de que o sofrimento imposto pelo poder não pode ser 
percebido como tal (sofrimento) porque não há nada exterior 
ao próprio poder que possa servir de referência (tudo é dis­
curso). Como julgar o caráter revolucionário e utópico de 
uma ação, se todas são contingentes, se não há fundamento 
não-questionável, não-contingente, ou melhor, se não se deve 
buscar um fundamento universal para as diferentes posições? 
Como lembrou Luchi (1999) em recente palestra, afirmar a 
diferença pura e simplesmente é canonizar o fraco, é cano­
nizar o forte e, acrescentaríamos, o tolerante e o intolerante, 
o democrático e o autoritário, ou, com diz Brayner (1999), o 
problema é que existem certos “diferentes” que, uma vez no 
poder, gostariam de suprimir a própria diferença que os per­
mitiu se manifestar. A tolerância deve tolerar o intolerante? 
Parece também que Rorty não consegue evitar a contradi­
ção performativa como colocada por Apel (1988): argumen­
tar resolutamente a favor de uma posição relativista é (impli­
citamente) reivindicar validade para sua posição em detri­
mento de outras - eu não posso argumentar sem pretender 
validade para minha posição.
De qualquer forma, a posição acima discutida tem-se 
apresentado como uma denúncia do caráter conservador e 
de .suas vinculações com o poder de princípios e idéias como 
as de universalidade, unidade e totalidade, contrapondo a 
essas as de diversidade, diferença, particularidade e contin­
gência; uma postura que nega qualquer possibilidade de 
hierarquizar o conhecimento em mais ou menos verdadeiro 
(portanto, rejeita a idéia de ideologia), propugnando um 
pluralismo radical, com base no relativismo, e que de forma 
conseqüente declara como inimiga a idéia de unidade/totali­
dade, erigindo como princípio a diferença.
Uma terceira posição presente na educação física bra­
sileira (e no CBCE) é aquela estribada na teoria da razão 
comunicativa de J. Habermas. Algumas idéias centrais aqui 
são: (a) faz sentido e é necessário diferenciar racionalismo 
de irracionalismo; (b) a verdade (científica) não deve ser en­
tendida
como correspondência entre conceito e fenômeno, 
mas sim como a validade de uma tese proveniente de um 
consenso obtido num diálogo discursivo isento de coerção 
(verdade é uma pretensão de validade); (c) a discutibilidade 
radical das asserções sobre o real como princípio básico; (d) 
não há como prescindir de um fundamento universal (na 
ciência/na razão e na política); e (e) a conjugação da quali­
dade formal e política do conhecimento, trazendo para a 
cena da cientificidade, além do compromisso lógico sistemá­
tico, a democracia dos consensos possíveis e bem-discutidos 
(Demo, 1998).
^ Í 3 8 t _
Demo (1998), de quem passo a me valer para apre­
sentar a posição habermasiana, discutindo o caráter intrínse­
co do questionamento crítico e autocrítico, observa que esse 
fenômeno é também intrinsecamente político, identificando 
três marcas políticas nesse processo:
“A primeira marca política está na necessidade de diálogo, 
pois uma crítica solitária não acarreta resposta, destruindo 
desde logo a complementariedade dialogai advinda da 
contracrítica. A ciência sem diálogo é um aborto. Seria ape­
nas um narcisismo lógico. A segunda marca política está na 
pretensão de validade, revelando que implica ambiência hu­
mana questionadora. Strito sensu uma posição só pode ser 
aceita por consenso, para não ser coação ou artimanha. A 
terceira marca política encontra-se na comunicação intersub- 
jetiva, imprimindo ao conhecimento a fraqueza e a grandeza 
dos fenômenos históricos humanos. O consenso, de si, não 
garante necessariamente nada. Basta relembrar a condenação 
consensual de Galileu. Entretanto, para algo valer, o consen­
so aceitável é aquele discutido abertamente, nunca o imposto 
ou cabalado. A abertura irrestrita do questionamento continua 
sendo a arma lógica e política mais decisiva para se obter, 
rever, superar consensos”. (Demo, 1998, p. 235)
Os defensores dessa posição não abdicam da idéia de 
uma unidade possível ou de um consenso possível, que está, 
porém, submetido ao princípio do permanente questiona­
mento e autoquestionamento. A idéia aqui é de que os acor­
dos em torno das regras que regem o campo devem ser 
resultado de um processo comunicativo que busca os melho­
res argumentos, mas que os entende como necessariamente 
provisórios (comunidade ilimitada de comunicação).
Considerações finais
Como podemos perceber, superada a questão da neu­
tralidade do conhecimento científico, advogada pelas postu­
ras positivistas, a relação do conhecimento com a política
(com a questão da democracia) passa a ser intrínseca. No 
entanto, admitir isso não é o fim da jornada, é antes colocar- 
se de frente a uma série ainda maior de dificuldades, se não 
quisermos banalizar o problema. Inúmeras são as armadilhas 
que precisam ser superadas, algumas das quais procuramos 
debater aqui.
No nosso entender, para uma comunidade como o 
CBCE, essa discussão é plena de conseqüências. Colo- 
cam-se questões como: em que bases essa comunidade se 
sustenta, qual é o cimento dessa organização? Quais são as 
bases de sua intervenção e quais as crenças compartilha­
das4? Por que a pluralidade e as diferenças nela presentes 
não determinam sua desintegração? Qual é a base de sua 
unidade (unidade da diversidade, é claro!)? E mais: como 
deve essa comunidade tratar do diferente, a partir de quais 
princípios tratar a diversidade? Qual vinculação entre conhe­
cimento e política defender e como chegar a essa decisão? 
Como manter coerência entre os princípios (as regras) que 
orientam a produção do conhecimento e os que estruturam 
as relações sociais na sua comunidade? Como evitar a con­
tradição entre a forma (os princípios que orientam) de cons­
trução do conhecimento (a verdade científica) e a interven­
ção social (a verdade política)?
Podemos perceber que as diferentes posições esboçadas 
aqui dariam, quanto a alguns aspectos, respostas diferentes 
a essas perguntas. Não vou-me alongar nesse aspecto, ape­
nas delineá-las resumidamente (com riscos de simplificação): 
a) uma posição é a de que essa comunidade deve-se orientar 
na idéia de que há uma verdade cujo acesso está franqueado 
aos que fazem a opção política a favor de determinada clas­
se social; (b) outra posição entende poder prescindir de uma
4 Uma resposta a essa questão com base na teoria de P. Bourdieu pode ser observada 
no estudo de Paiva (1994).
idéia fundamentadora, que confira unidade e oriente a co­
munidade; a base é contingente e o mais importante é con­
viver com a diferença e a indecidibilidade sobre a verdade; e 
(c) uma posição que vai-se orientar pela idéia colocada no 
horizonte de que deve valer o melhor argumento, que só 
pode ser identificado, só terá validade, se construído por 
uma comunidade ilimitada de comunicação.
Mas nossas reflexões aqui têm como alvo central as 
três últimas questões, as que envolvem diretamente a rela­
ção epistemologia e política. Minha posição pessoal a res­
peito se aproxima dos caminhos apontados por Habermas, 
embora concorde com uma série de críticas a ele endereçadas 
e perceba seus impasses.
A questão central está nas conseqüências do relativismo 
da verdade para a construção da democracia, da necessida­
de do universal (ou não) para fundamentar a democracia. 
Junto com Laclau (1996) entendo que o abandono total de 
qualquer tipo de universalismo abala os fundamentos de uma 
sociedade democrática. A proposta habermasiana (e de Apel) 
é a pragmática universal que está radicada na linguagem - 
na visão de uma comunicação livre de coerção. Mas, para 
Laclau (1996), a própria idéia de universalidade é contin­
gente/histórica. E preciso abraçá-la como base para a de­
mocracia, mas sem abdicar da idéia de que o próprio univer­
salismo é contingente. Na perspectiva habermasiana, a pró­
pria comunidade, a partir desse princípio, define por con­
senso as normar às quais se submeteria para decidir sobre os 
discursos válidos (verdadeiros) e sobre como intervir. No en­
tanto, as normas definidas por consenso, na perspectiva ado­
tada, são provisórias e podem por exemplo, não respeitar o 
diferente. Estaria esta posição, a habermasiana, subestimando 
o elemento de coerção, de força (o poder) nas relações co­
municativas? Uma resposta seria a de que as normas mu­
dam, mas não muda o respeito à democracia. Mas se ela é 
também contingente, também histórica, porque devemos 
respeitá-la? Não há critério externo ao processo de sua cons­
trução. Para Habermas o que a fundamenta é a pragmática 
universal, a contradição performativa. Estamos num círculo 
ou tratando com a auto-referencialidade. E o que aparece 
em Laclau, quando diz:
“Toda teoria acerca do poder em uma sociedade democrática 
tem que ser uma teoria acerca das formas de poder que são 
compatíveis com a democracia, não uma teoria da eliminação 
do poder”. (1996, p. 200)
A concepção de democracia que emana dessas refle­
xões é a que tem por base a auto-referência. Para Maturana 
(1998), a tarefa da democracia é criar um domínio de convi­
vência no qual a pretensão de acesso privilegiado a uma 
verdade absoluta desvanece. Ou, como afirma Laclau (1996):
“A condição de uma sociedade democrática é seu caráter 
constitutivamente incompleto - o que implica, desde logo, a 
impossibilidade de um fundamento racional último. Como 
podemos ver, esta des-fundação escapa à perversa dicotomia 
modernidade - nihilismo: ela nos enfrenta, não com a alter­
nativa presença-ausência de um fundamento, e sim, com a 
busca sem fim de algo que deve dar um valor positivo à sua 
própria impossibilidade”, (p. 177)
Mas, esse não é um fundamento com pretensão uni­
versal?
Bem, com qual concepção da relação entre conheci­
mento e democracia queremos (devemos) operar? E preciso 
construir uma unidade (ética) como comunidade? Ou essa é 
uma questão irrelevante e é ainda uma aspiração metafísica? 
Com a palavra a comunidade (ilimitada) de comunicação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concordamos com Betti (1996), que as posições so­
bre a identidade epistemológica da Educação Física, na dis­
cussão brasileira, podem ser resumidas e classificadas em 
dois grandes grupos: a) aqueles que entendem que a própria 
Educação Física é uma ciência ou que no seu âmbito se 
construiu/constituiu uma nova ciência, denominada às vezes 
de Ciência da Motricidade Humana e outras de Ciência do 
Movimento Humano, ou ainda Cinesiologia e também Ciên­
cia do Esporte; e b) aqueles que a entendem como uma 
prática pedagógica, como uma prática social de intervenção 
imediata e que enquanto prática humana necessita ser teori­
camente elaborada. Como aquele autor já indica, situamo- 
nos no segundo grupo. Entendemos ter demonstrado que 
sob o prisma epistemológico não existe a possibilidade de 
fundamentar a existência de uma nova ciência nesse cam­
po, ou, ainda, que não existe um novo objeto científico. No 
entanto, existe também um forte movimento na área, que, 
como estratégia de alcançar legitimidade no campo acadê­
mico, começa a denominá-la de ciência e a organizar espa­
ços de produção e veiculação do conhecimento a partir des­
sa idéia. Como a Educação Física pode ficar órfã nesse pro­
cesso e também por razões epistemológicas expostas, de­
fendemos a posição política de envidar esforços para cons­
truir teoria da Educação Física, tomando-a como prática pe­
dagógica, ou seja, o debate/embate é inextricavelmente 
epistemológico e político.
Quando falamos em teoria da Educação Física não in­
sistimos na sua adjetivação como uma teoria científica. Isso 
não significa que tenhamos abandonado a pretensão de 
racionalidade para essa teoria; muito mais, significa alertar 
para a necessidade de elucidar o conceito de racionalidade 
científica que é utilizado no discurso e na prática, bem como, 
para as dificuldades de tal empreendimento. O debate 
epistemológico atual parece indicar muito mais, por um lado, 
no sentido da superação da racionalidade científica clássica 
ou predominante (originada no plano da física e adotada 
pelas ciências naturais e também pelo positivismo como 
modelo para as ciências sociais e humanas) e, por outro, no 
sentido de certo relativismo que desloca a racionalidade cien­
tífica do pedestal da racionalidade enquanto tal e a coloca 
no mesmo nível de outras “racionalidades” ou discursos acer­
ca da realidade. As dificuldades e os movimentos aludidos 
parecem indicar prudência no que diz respeito à reivindica­
ção de adjetivar uma teoria da Educação Física de científica, 
embora indique também prudência quanto à propensão de 
abandonar precocemente a pretensão da fundamentação 
racional da prática. Nem consumar o casamento nem o 
divórcio. Indicamos nos diferentes capítulos, mas apenas in­
dicamos, a tentativa de J. Habermas de superar alguns des­
ses impasses com sua teoria da razão comunicativa, como 
alternativa para orientar uma possível teoria da prática, mes­
mo porque, uma das questões que tal teoria necessita en­
frentar é a relação entre o fático e o normativo, questão que 
é central no pensamento habermasiano.
Para Chauí (1995, p. 251), uma teoria científica
144'!
“é um sistema ordenado e coerente de proposições ou enun­
ciados baseados em um pequeno número de princípios, cuja 
finalidade é descrever, explicar e prever do modo mais com­
pleto possível um conjunto de fenômenos. A teoria científica 
permite que uma multiplicidade empírica de fatos aparente­
mente muito diferentes sejam compreendidos como semelhan­
tes e submetidos às mesmas leis; e vice-versa, permite com­
preender por que fatos aparentemente semelhantes são dife­
rentes e submetidos a leis diferentes”.
Podemos observar nessa definição de teoria científica 
o seu caráter “descritivo” e não prescritivo. Não ignoro o 
fato de que as descrições podem assumir caráter prescritivo 
e normativo, como também não ignoro o quanto as descri­
ções são condicionadas histórica e ideologicamente. No en­
tanto, apesar disso, nos parece que, de uma descrição de 
como a realidade é não deriva, necessária e logicamente, 
nenhuma norma de ação, embora essas possam ou devam 
ser definidas a partir de uma análise atenta da realidade. 
Construir uma “ponte” entre essas duas dimensões faz parte 
do projeto habermasiano. Esse aspecto é importante por­
que, enquanto teoria de uma prática de intervenção, a teo­
ria da Educação Física é necessariamente prescritiva ou 
normativa.
Tomado nessa perspectiva o teorizar em Educação Fí­
sica está de frente a vários desafios. Entre eles destacamos a 
necessidade de articular organicamente os conhecimentos 
produzidos acerca do movimentar-se humano pelas diferen­
tes disciplinas científicas; articular o conhecimento da reali­
dade com uma visão prospectiva da realidade, portanto, com 
uma visão de homem, mundo e sociedade - articular descri­
ção com prescrição; articular o saber conceituai com o saber 
prático.
Mas, é bom desde logo refletir sobre as possibilidades 
e as limitações de uma teoria da e para a prática. Não 
vamos retomar a discussão dos limites da racionalidade cien­
tífica para tal intento. Muito mais, para finalizar, gostaría­
mos de abordar os limites da teoria, num sentido lato, en­
quanto organizadora e orientadora da prática pedagógica 
em Educação Física.
As teorias científicas, no âmbito das ciências da natu­
reza (e muitas vezes também nas ciências sociais e huma­
nas), à medida que retratam o funcionamento da realidade, 
das leis que regem o seu movimento, permitem prever o seu 
comportamento e, conseqüentemente, fornecem elementos 
que orientam uma intervenção eficiente - o desenvolvimen­
to de uma tecnologia. A ciência é, aí, um instrumento de 
poder; amplia nossa capacidade de intervir na realidade. 
São teorias desse tipo as teorias da aprendizagem, da fisio­
logia do esforço, etc. Aliás, uma certa vertente educacional 
pretendeu orientar-se por esses princípios (pedagogia tecni- 
cista). Entender uma teoria da educação nessa perspectiva é 
um reducionismo com conseqüências políticas bem-conheci- 
das de todos nós. Assim, é preciso considerar que uma teo­
ria de uma prática pedagógica não pode se resumir à discus­
são dos meios eficientes para sua ação, mas, sobretudo, 
precisa refletir sobre os fins, sobre o sentido dessa ação - os 
meios lhe são subordinados.
Por outro lado, é comum perceber no âmbito da Edu­
cação Física o entendimento de que a teoria deve ter como 
tarefa primordial oferecer um conjunto de prescrições, ou 
seja, oferecer uma tecnologia (ações eficientes) - aquilo que 
convencionou-se chamar de “receitas”. Entendo ser essa uma 
expectativa equivocada por várias razões, entre essas as de 
que as receitas (dos outros) desobrigam os seus utilizadores 
da tarefa de pensar, de criar. Não obstante, toda teoria que 
não se apresenta na forma de uma tecnologia imediatamen­
te consumível, tende a ser rotulada de “filosófica” (em senti­
do pejorativo, distante da realidade). Ora, qualquer teoria,
no plano pedagógico, por mais que forneça indicadores para 
a prática, não poderá nunca apresentar um conjunto de pres­
crições de como agir do mesmo modo como um prospecto 
indica os passos da montagem de uma mesa ou de uma 
máquina. Uma teoria pedagógica não deve ser uma tecnologia 
(Como dito anteriormente, isso aconteceu e acontece ainda 
hoje). A
relação pedagógica é (deve ser!) uma relação entre 
sujeitos; deve ser uma relação criativa e criadora, não pode 
ser reduzida a uma téchne-, ela deve ser sempre também 
poíesis. A teoria não substitui a prática e vice-versa; cada 
qual tem sua lógica, lógicas essas que precisam fecundar-se 
mutuamente, para uma teoria da prática e para uma práti­
ca teorizada.
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alter Bracht nasceu em Toledo 
(PR) em 1957. Realizou seu 
curso de graduação em 
Educação Física na Universidade 
Federal do Paraná. Na mesma 
un ive rs idade rea l i zou curso 
de especialização em treinamento 
desportivo. Obteve o grau de mestre em 
Educação Física na Universidade 
Federal de Santa M aria (RS) 
e doutorou-se na Universidade 
de Oldenburg (Alemanha). Foi docente 
da Universidade Estadual de Maringá e 
da Universidade Federal de Santa 
Maria e atualmente é professor do 
Centro de Educação Física e Desportos 
da Universidade Federal do Espírito 
Santo onde íntegra, também, 
o Laboratório de Estudos em Educação 
Física (LESEF).
É autor dos livros Educação Física 
e aprendizagem social (Magister, 1992) 
e Sociologia crítica do esporte; uma 
introdução (CEFD/UFES, 1997) e co- 
autor de Metodologia do ensino 
da educação física (Cortez, 1992). Foi 
presidente do Colégio Brasileiro 
de Ciências do Esporte por duas gestões 
(1991/93 e 1993/95).
Educação Física deve tornar-se uma ciêncía!(!) 
A esta, propõem-se os nomes de: Cinesiologia, 
Cíência(s) do Movimento Humano, Ciência 
da Motricidade Humana e Ciência(s) do Esporte. 
Este "casamento" foi indicado, por algum tempo, para que 
a Educação Física lograsse legitimidade enquanto área 
do conhecimento, e, ao mesmo
tempo, superasse sua crise 
de identidade. Embora tivesse chegado a soar a marcha 
nupcial, para o bem ou para o mal, o "casamento" não 
concretizou-se. Não que faltasse torcida. No entanto, parece 
que mais recentemente, também para a área da Educação 
Física a ciência deixou de ser um "partido" inquestionável. 
O objeto de discussão deste livro são os detalhes
e as conseqüências que este namoro trouxe e vem trazendo
i
para a Educação Física.

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