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Aula 17 - 1822 As Dimensões da Independência - Novais F.

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Enviado por Cristiano Martins em

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1822: As Dimensões da Independência 
Fernando Novais
1. Perspectivas sobre o processo de independência brasileira (*).
	Novais explicita a complexidade do processo de independência brasileiro, envolto que está em um contexto mais amplo de crise do antigo sistema colonial e imbuído de diversas características que perpassam aspectos econômicos, sociais, políticos, ideológicos, de percepção de uma época por seus contemporâneos etc. 
	Assim, procede a uma breve crítica de análises históricas que se focam em aspectos exclusivistas deste amplo processo.
	A primeira crítica dirige-se contra a perspectiva puramente econômica. Focando-se em apenas um dos aspectos da realidade social, os historiadores que assumiram esta base econômica exclusivista tenderam a observar a inexistência de um verdadeiro processo de independência no Brasil. Dadas as novas características da organização econômica, teria o Brasil passado de colônia portuguesa para colônia inglesa. Tem-se, portanto, que o erro dessa análise economicista “[...] é justamente igualizar em categorias genéricas as mais díspares situações históricas (veja-se, por exemplo, a noção de ‘sociedade tradicional’ nas etapas de Rostow)”, o que nada contribui para a compreensão mais profunda das origens das economias subdesenvolvidas da América Latina. 
	A segunda vai contra as perspectivas exclusivamente políticas. A partir de análises exclusivas de documentos políticos da época, ter-se-ia constituído no Brasil um corpo já completamente capaz de se auto-dirigir. Assim, todos os problemas da nação decorrem da incapacidade daqueles órgãos recém instituídos em lidar com as necessidades do país. O grande problema desta perspectiva é justamente desconsiderar o conjunto mundial de relações que se estavam alterando profundamente em fins do século XVIII e início do XIX. 
	Finalmente, a terceira crítica dirige-se contra a perspectiva de que o Brasil nunca havia sido efetivamente uma colônia portuguesa, uma vez que Portugal, em seu desenvolvimento econômico à época, não teria acompanhado o ritmo do desenvolvimento das demais potências européias. Assim, a independência não era mais que a simples corroboração de uma situação de fato. Novais observa, contudo, que esta é uma idéia simplista para explicar o não desenvolvimento ulterior de formas mais avançadas de capitalismo entre os lusitanos: nega-se, assim, a colonização para não se identificar “[...] os fatores pelos quais, apesar da exploração colonial, retrasou-se a metrópole em relação ao conjunto da economia européia”.
2. Caracterização e crise do Antigo Sistema Colonial.
	O processo de independência brasileira deve ser compreendido nos quadros mais gerais da desagregação do Antigo Sistema Colonial. 
	Como toda crise deve advir necessariamente das contradições internas de um sistema, as quais se vão maturando até que as possibilidades de sua reprodução esgotem-se, faz-se necessário encarar o contexto mais amplo da crise desse sistema para melhor compreender o processo de independência brasileiro. 
	Nesta parte de seu texto, Novais retoma fundamentalmente os conceitos que desenvolveu quando da discussão de seu “sentido profundo da colonização”. 
	Em uma possível resposta às críticas de Gorender, que se baseiam na idéia de que o sistema colonial foi o catalisador da acumulação primitiva de capital apenas naqueles países que já vinham desenvolvendo suas estruturas internas para tanto, Novais explica que: “o sistema colonial do Antigo Regime tem de ser apreendido como uma estrutura global subjacente a todo o processo de colonização da época moderna, [...], não apenas nas relações de cada metrópole com as respectivas colônias”. 
	Retomando o conceito de “sentido profundo da colonização”, Novais desenvolve o argumento de que a colonização foi um mecanismo para a acumulação primitiva do capital necessário à consolidação do capitalismo moderno. A colonização surge como um desdobramento da expansão comercial européia: desenvolvem-se na América estruturas mais complexas que aquelas baseadas simplesmente na circulação de mercadorias, mas o objetivo precípuo desta maior complexidade permanece sempre o mesmo, a saber, o de atender ao mercado europeu, promovendo ali a acumulação do capital comercial. 
	O Antigo Sistema Colonial, desenvolvido a partir do “exclusivo comercial” e do escravismo, é parte de um sistema mais amplo, o Antigo Regime. As peças constituintes deste, entre as quais está, obviamente, o próprio sistema colonial, coadunam-se harmonicamente neste período da Idade Moderna. No plano político, vigora o Estado Absolutista; economicamente, temos o capitalismo comercial, com as relações mercadológicas sendo desenvolvidas mas ainda não dominando completamente todos os campos de ação dos indivíduos; socialmente, há uma sociedade ainda estamental, mas que já tem desenvolvido em seu terceiro estado uma diferenciação de classes, dentre as quais está a preponderante figura da burguesia.
	Essas características do Antigo Regime complementam-se em diversos sentidos: o Estado absolutista faz-se necessário para levar adiante o capitalismo comercial, sendo essencial no processo de estabelecimento das práticas colonialista. 
	No entanto, as contradições também surgem começam a brotar das características apontadas. O desenvolvimento comercial tende a fortalecer a influência burguesa; no entanto, estando a sociedade baseada em estamentos, o burguês não pode experimentar maior poder político. Além disso, permanecendo a sociedade estamental, não raro tende o Estado a proteger elementos da nobreza a expensas dos interesses burgueses. 
	Assim, à medida que se desenvolve, o sistema colonial cria e fortalece contradições. 
	Pelo lado das colônias, estas contradições também acirram-se continuamente. Para potencializar o processo de colonização, cujo objetivo precípuo, conforme tantas vezes salientado, é a acumulação primitiva de capital, as metrópoles têm de desenvolver nas colônias estruturas sócio-econômicas e políticas cada vez mais complexas. Assim, mesmo que se assuma um crescimento puramente extensivo das colônias, tem-se que novos interesses são criados nestas e não necessariamente coadunam-se perfeitamente com aqueles existentes na metrópole. Pelas palavras de Novais: “[...] a pouco e pouco se vão revelando oposições de interesse entre colônia e metrópole, e quanto mais o sistema funciona, mas o fosso se aprofunda”. 
	A aplicação das políticas mercantilistas também gera um caráter cada vez mais belicista entre as nações participantes do jogo. Tal situação poderia ser resolvida apenas pela hegemonia de um deles, o que evidencia que os demais não poderiam manter exiguamente o sistema colonial. 
	Por fim, a grande contradição que gerou a desagregação não apenas do sistema colonial, mas de todo o Antigo Regime, foi justamente a consolidação do capitalismo industrial a partir do capital acumulado pelas vias do colonialismo. 
	Tendo sido consolidada a forma mais avançada do capitalismo, ou seja, tendo-se processado a Revolução Industrial, o “exclusivo comercial” e o escravismo teriam de dar lugar a um regime de livres forças de mercado. Ou seja, para absorver o novo tipo de produção, as estruturas determinadas pelo sistema colonial não poderiam mais ser mantidas, justamente elas, que haviam tornado possível aquele desenvolvimento. 
	São estes os “mecanismos profundos da crise do sistema colonial, e “este, a nosso ver, o quadro de fundo a partir do qual se pode analisar o movimento de nossa independência, para lhe dimensionar o verdadeiro significado histórico”. 
3. Considerações finais. 
	Novais ressalta o caráter esquemático da análise que desenvolveu. É claro que esta perspectiva geral não pode abarcar toda a complexidade das realidades históricas e que efetivamente existiram muitas e profundas exceções ao esquema geral, mas que as disparidades não tornam o geral inválido. 
	Em segundo lugar, os mecanismos descritos acima possuem a necessidade de serem encarados no conjunto, já que se referem às diversas característicasdo Antigo Regime e às relações estabelecidas entre os potentados metropolitanos europeus aos séculos XVIII e XIX. 
	Finalmente, a terceira observação é a de que um sistema não precisa esgotar completamente suas possibilidades para entrar em crise. “Assim, não foi indispensável que se completasse a industrialização (no sentido da revolução industrial) de toda a economia central para que o sistema se desagregasse; bastou que o processo de passagem para o capitalismo industrial se iniciasse numa das metrópoles para que as tensões se agravassem de forma insuportável”. O processo então culminaria primeiramente na independência dos EUA: realizado este fato sem precedentes no sistema colonial, o último já não seria capaz de subsistir. 
	
(*) Os subtítulos não constam na versão original, sendo acrescentados por mim	1