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Aula 24 - Formação Econômica do Brasil Caps. 21 22 e 23 - Furtado C.

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Enviado por Cristiano Martins em

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Formação Econômica do Brasil 
Celso Furtado
Capítulo XXI – O Problema da mão-de-obra I. Oferta Interna Potencial.
	O capítulo é iniciado com uma discussão da inelasticidade da mão-de-obra escrava no Brasil. Diferentemente do que ocorria nos EUA, os índices de crescimento vegetativo da massa escrava brasileira não raro era negativo, ou seja, o índice de mortalidade superava o de natalidade. Ao passo que nos EUA tendia-se a estimular a reprodução natural da mão-de-obra escrava, sobretudo nas colônias do Antigo Sul, e realizar-se então um comércio interprovincial de mão-de-obra, no Brasil as condições de vida deveriam ser muito mais precárias para explicar a diminuição da população escrava ao longo do tempo; Furtado acredita, inclusive, que a pressão sobre o negro tenha aumentado após a extinção do tráfico, já que a redução da oferta de escravos aumentara-lhes os preços, fazendo com que os proprietários tivessem de extrair mais força de trabalho dos escravos que já possuíam, dado que não podiam adquirir outros. 
	Assim, a problemática da oferta de mão-de-obra colocou-se premente na segunda metade do século XIX no Brasil, tanto mais porque a expansão da economia nacional fazia-se apenas extensivamente, pela incorporação do único fator abundante, a terra, o que requeria continuamente mais mão-de-obra. 
	Furtado discute, então, por que não se podia aproveitar a mão-de-obra livre existente no país. Esta era formada fundamentalmente por dois setores sociais: os livres que se encontravam na agricultura de subsistência e aqueles que se encontravam no meio urbano. 
	Os indivíduos livres que trabalhavam na agricultura de subsistência, dada a estrutura de divisão de terras no Brasil, tendiam a trabalhar não apenas para si nas roças, a partir das quais obtinham os alimentos necessários à sua manutenção, mas tinham vínculos com um todo social maior. Como as terras em que se encontravam geralmente pertenciam a um proprietário que não eles próprios (notar, no entanto, que dada a abundância de terras, não chegavam a pagar rendas por seu uso), estes homens livres prestavam serviços, econômicos ou não, aos proprietários, com quem estabeleciam vínculos de fidelidade. Desse modo, seria muito difícil desarticular esta estrutura social regional para levar os roceiros livres para a grande lavoura demandante de mão-de-obra. Já os livres das cidades não estavam acostumados ao ritmo de trabalho exigido no serviço das lavouras.
	Explica-se daí porque uma alternativa como a importação de mão-de-obra européia surgia como mais profícua que a realocação interna da força produtiva. 
Capítulo XXII – O problema da mão-de-obra II. A Imigração Européia. 
	Frente aos problemas de oferta de mão-de-obra no Brasil e do enorme fluxo emigratório de força de trabalho européia para os EUA que se experimentou naquele século, mostrava-se de maneira relativamente clara o caminho que se devia tomar. 
	No entanto, as circunstâncias em que se processou a imigração para o Brasil e para os EUA foram extremamente diversas: nos EUA a imigração européia não tinha objetivo precípuo fornecer mão-de-obra para a grande lavoura, como o problema era colocado aqui, mas, pelo contrário, os colonos que para lá emigraram tendiam a fornecer produtos, e não força de trabalho, para o mercado em rápida expansão que se organizava a partir das grandes lavouras, as quais eram supridas por escravos “cultivados” em regiões específicas.
	No Brasil, as experiências de colonização com mão-de-obra européia não haviam suscitado resultados econômicos de vulto. No início do século XIX, a política imigrantista levada a cabo por D. João VI instituía centros de povoamento que, sem um mercado com o qual pudessem comercializar seus excedentes, tendia a involuir para uma economia de subsistência com caracteres de extrema rusticidade e baixa produtividade. 
	Havia duas maneiras de desenvolver economicamente aquelas colônias de povoamento europeu: integrá-las ao mercado exportador ou desenvolver o mercado interno para que elas pudessem comercializar o excedente. Nenhuma das duas, no entanto, era atrativa para os grandes proprietários de terra: de um lado, já tendo o problema da mão-de-obra como premente, o desenvolvimento das colônias em torno de produtos de exportação não apenas retirar-lhes-ia a potencialidade de obter nestas colônias força de trabalho, como criaria nelas centros concorrentes com o produto que exportavam. Desenvolver o mercado interno, por sua vez, estava intimamente ligado a desenvolver a agricultura de exportação, mas ao crescimento desta impunha-se justamente o problema da mão-de-obra, sem contar que o próprio desenvolvimento das colônias privaria estes senhores de terra de obter ali a mão-de-obra de que necessitavam. 
	Estava claro, portanto, que um novo modelo precisava ser adotado. E este surgiu pioneiramente através das colônias de parceria iniciadas pelo Senador Vergueiro. Nestas, o trabalhador europeu, sobretudo de origem suíça e alemã, era recrutado na Europa, devendo assinar um contrato de trabalho que o prendia à terra até que suas dívidas de transporte e instalação fossem saldadas. Não demoraria, no entanto, para que este modelo degenerasse em servidão temporária. Em 1867, chegou a ser denunciado na Sociedade Internacional de Emigração de Berlim que os colonos emigrados para o Brasil eram submetidos a um sistema de escravidão disfarçada. 
	Tendo falhado o sistema de parcerias, com alguns governos europeus, sempre atentos a qualquer atividade relacionada ao escravismo, chegando a proibir a imigração para o Brasil, e tendo-se acirrado ainda mais o problema da escassez de mão-de-obra (não apenas a expansão cafeeira se intensificara, como também houvera desenvolvimento algodoeiro no nordeste, decorrente da Guerra de Secessão nos EUA), a necessidade por força de trabalho estimulou o desenvolvimento de um novo sistema de imigração, a “subvencionada”. 
	Agora, estabelecia-se um sistema misto de remuneração ao trabalho: o trabalhador europeu era contratado por salários fixos, que lhe cobriam a maior parte da renda, e por rendas variáveis semelhantes ao sistema de meação do sistema de parcerias; o governo também passou a subvencionar a passagem e o fazendeiro responsabilizava-se pelos seus gastos de instalação. Some-se a isto o fato de os imigrantes serem destinados agora principalmente para as fazendas das fronteiras agrícolas, o que lhes permitia ocupar terras mais férteis para cultivar lavouras com fim de auto-consumo.
	Além disso, os imigrantes passaram a ser recrutados fundamentalmente na Itália, que à época passava por profundas alterações econômico-sociais que seriam fundamentais para explicar o sucesso da política imigratória brasileira: tendo-se realizada a unificação da nação, as indústrias do sul, menos desenvolvidas tecnologicamente, não tardaram a sofrer a pressão do norte muito mais desenvolvido economicamente. O resultado foi uma onda de desemprego, sobretudo ao sul da Itália, que se teria revertido em profundas pressões sociais não fosse a válvula de escape que significou a imigração para o Brasil. 
	O problema da mão-de-obra para a lavoura cafeeira resolvia-se, portanto, pela nova política imigrantista, pela alteração da percepção do fazendeiro frente ao imigrante (não mais confundido propositalmente com os caracteres do trabalho cativo) e pelas características peculiares em que se encontrava a principal nação fornecedora daquela força produtiva. 
Capítulo XIII – O Problema da mão-de-obra III. Transumância Amazônica. 
	Com a decadência da economia extrativista engenhosamente organizada pelos jesuítas na exploração da mão-de-obra indígena, a região amazônica não tardaria a decair em profunda letargia econômica; sua base produtiva permaneceria a extração de produtos da terra, sobretudo o cacau, e o desenvolvimento de alguma agricultura de exportação, sobretudo no Pará, ligada ao algodão, embora a produção local nunca fosse significativa em termos nacionais. 
	A situação, no entanto, ver-se-ia profundamente alterada no últimoquartel do século XIX e primeiro decênio do século XX. O rápido desenvolvimento da indústria automobilística passou a demandar crescentemente a borracha.
	O problema da exploração desta seria fundamentalmente o mesmo que se apresentava na lavoura cafeeira: mão-de-obra, embora ali a escassez de força produtiva fosse significativamente maior que no centro-sul. 
	A longo prazo, é certo que se podia realizar plantações da seringueira em áreas apropriadas e com maior contingente populacional, mas era a curto prazo que interessava a extração, já que a demanda crescente e a oferta insuficiente inflaram de modo extremo os preços no mercado internacional. Assim, o amplo desenvolvimento da extração da borracha neste período demonstra que houve um enorme afluxo populacional para a região amazônica: Furtado calcula que cerca de meio milhão de pessoas foi deslocado para a região entre 1860 e 1910, o que evidencia a existência de “[...] um reservatório substancial de mão-de-obra [no Brasil] e leva a crer que, se não tivesse sido possível solucionar o problema da lavoura cafeeira com imigrantes europeus, uma solução alternativa teria surgido dentro do próprio país”. 
	No entanto, este enorme deslocamento populacional pode ser explicado a partir de circunstâncias bastante específicas, já que, como observado no capítulo XXI, havia entraves sociais aos deslocamentos das massas populacionais que se dedicavam à agricultura de subsistência. No período de 1877-1880, uma grande seca na região nordestina fez perecer de 100 a 200 mil pessoas e maior parte do rebanho daquela parcela populacional que involuíra para uma economia de subsistência baseada na pecuária. Sem alternativas e diminuído o poder clientelista dos proprietários de terras frente àquela contingência, estes indivíduos migraram para as regiões litorâneas e centros urbanos, mas tal afluxo populacional seria extremamente malquisto pelos habitantes locais, sobretudo por ser aquela massa associada à insalubridades e doenças. Assim, surge a possibilidade de deslocar essa massa humana para a região amazônica carente de braços e não se tardará em fazê-lo.
	Uma vez esgotada a extração seringalista e explorada ao extremo aquela mão-de-obra, em um regime muito próximo ao da servidão, a região amazônica tenderia à involução extrema de sua economia, lançando aquela população à miséria e ao declínio demográfico. Assim, “o grande movimento de população nordestina para a Amazônia consistiu basicamente em um enorme desgaste humano em uma época em que o problema fundamental da economia brasileira era aumentar a oferta de mão-de-obra”. 
	O resultado geral foi o de que o século XIX observou dois grandes fluxos demográficos: o europeu para a economia cafeeira e o nordestino para a economia extrativista seringalista. O desenvolvimento diferenciado subseqüente das regiões em que se deram estes dois fluxos demonstram quão grandes foram as diferenças que os permearam: enquanto no centro-sul encaminhava-se para uma política econômica de assalariamento e desenvolvimento de cunho mais estritamente capitalista, na Amazônia reinstalavam-se práticas típicas do servilismo. 
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