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andré franco montoro - introdução à ciência do direito

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INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
ANDRÉ FRANCO MONTORO 
INTRODUÇÃO 
À CIÊNCIA 
DO DIREITO 
© desta edição: 2000 
EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS LTDA. 
Diretor Responsável: CARLOS HENRIQUE DE CARVALHO FILHO 
CENTRO DE ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR: Tel. 0800­11­2433 
Rua Tabatinguera, 140, Térreo, Loja 1 • Caixa Postal 678 Tel. (011) 3115­2433 • 
Fax (011) 3106­ 
3772 CEP 01020­901 ­ São Paulo, SP, Brasil 
Aos meus alunos com a esperança de que, bem conhecendo o Direito, melhor possam 
servir à 
Justiça. 
"Teu dever é lutar pelo direito, mas no dia em que encontrares o direito em 
conflito com a justiça, 
luta pela justiça" (Dos mandamentos do advogado redigidos por EDUARDO COUTURE) 
"O direito não é uma pura teoria, mas uma força viva. Todos os direitos da 
humanidade foram 
conseguidos na luta. O direito é um trabalho incessante, não somente dos poderes 
públicos, mas 
da nação inteira" (A luta pelo direito, IHERING) 
Ao concluir o presente volume, escrito simultaneamente ao exercício do 
magistério e ao 
desempenho do mandato parlamentar, pareceu­me de justiça dedicá­lo: 
a meus pais, de quem recebi a lição simples do amor ao trabalho; 
à minha mulher, que me ajudou e estimulou a seguir essa lição; 
a meus filhos e netos, a quem espero deixar a mesma mensagem. 
Brasília, julho de 1971. 
"O moderno é ler Platão." 
Umberto Eco 
"Enquanto na Europa Moderna os filósofos idealistas constroem cada um seu 
sistema pessoal, a 
filosofia de Aristóteles, descrição e visão do real, tornou­se um bem comum da 
humanidade. Os 
juristas não têm o direito de ignorar essa filosofia." 
Michel Villey 
"Para certo público universitário S. Tomás seria um símbolo do `obscurantismo 
medieval', 
ultrapassado pela ciência moderna. É suficiente lê­lo para mudar de opinião." 
Michel Villey 
"Recriminaram­me, com razão, a ignorância das idéias de S. Tomás. Quantos erros 
teriam sido 
evitados se houvéssemos conservado com fidelidade as suas doutrinas! Quanto a 
mim, creio que
se as houvesse conhecido antes, não teria escrito o meu livro. As idéias 
fundamentais que 
desejava publicar já se acham expressas, com clareza perfeita e notável 
profundidade, por esse 
pensador vigoroso." 
lhering 
"A análise do sentimento de justiça foi feita por S. Tomás em termos que nunca 
foram 
ultrapassados." 
L. Duguit 
SUMÁRIO 
Prefácio à 25.' edição                 1 
Prefácio à 23.' edição: "Nova Visão do Desenvolvimento"                 3 
Prefácio à 21.' edição: "Novos Direitos da Pessoa Humana"                 7 
1. Direito ao ambiente sadio (9); 2. Direito ao trabalho (12); 3. 
Direitos 
do Consumidor (13); 4. Direito de participação (15); 5. Direito ao 
desenvolvimento (19) 
Prefácios anteriores                 21 
Plano de trabalho                 25 
1 ­  PRIMEIRA PARTE ­ O DIREITO COMO CIÊNCIA        29 
(Epistemologia Jurídica) 
O CONCEITO DE DIREITO 
2 ­  1. Origens do vocábulo (29); 2. Pluralidade de significações do 
direito        61 
­ Cinco realidades fundamentais (33); 3. Direito­conceito análogo (42); 
4. Aplicação dos princípios da analogia às diversas significações do 
direito (44); 5. Outras formulações (53); 6. Bibliografia (59). 
O PROBLEMA DA CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS 
1. O direito como ciência (61); 2. Classificação das ciências de Augusto 
Cocote e de Dilthey (62); 3. A ordem universal (65); 4. A classificação 
de Aristóteles e suas modificações (70); 5. Outras formulações (77); 6. 
Bibliografia (81). 
3 ­ O DIREITO NO QUADRO DAS CIÊNCIAS                 83 
1. A teoria no direito (83); 2. A técnica no direito (89); 3. A ética e 
o 
direito ­ O direito como ciência normativa ética (94); 4. Outras 
formulações (98); 5. Bibliografia (103). 
4 ­ VISÃO CONJUNTA DA CIÊNCIA DO DIREITO                 105 
5 ­  1. As diversas ciências jurídicas (105); 2. A divisão do direito em 
público        121 
e privado (110); 3. Outras formulações (113); 4. Bibliografia (117). 
SEGUNDA PARTE ­ O DIREITO COMO JUSTO 
(Axiologia Jurídica) 
O CONCEITO DE JUSTIÇA 
1. O Direito como exigência da justiça (/21); 2. Acepção subjetiva e objetiva da 
justiça (125); 3. 
Sentido latíssimo, lato e estrito da justiça (128); 4. Características 
essenciais da justiça (130); 5. 
Espécies de justiça: comutativa, distributiva e social (138); 6. Virtudes anexas 
à justiça (140); 7. 
Outras formulações (142); 8. Bibliografia (147). 
XII        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA ~O DIREITO 
6 ­  A JUSTIÇA COMUTATIVA 
149 
7 ­  1. Conceito de justiça comutativa (149); 2 A "alteridade" na justiça 
173 
comutativa (151); 3. O "devido" na justi~a comutativa (152); 4. A
"igualdade" na justiça comutativa (159); 5. Aplicações da justiça 
comutativa (160); 6. Outras formulações (154); 7. Bibliografia (171). 
A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA 
8 ­  1. O conceito de justiça distributiva (173); Z A "alteridade" na 
justiça 
distributiva (176); 3. O "devido" na justiça distributiva (182); 4. A 
"igualdade" na justiça distributiva (189); 5. Aplicações da justiça 
distributiva (192); 6. Outras formulações (2'5); 7. Bibliografia (210). 
A JUSTIÇA SOCIAL 
212 
9 _        1. Conceito de justiça social (212); 2. A "alteridade" na justiça 
social 
(215); 3. O "devido" na justiça social (217); 9. A "igualdade" na 
justiça 
social (225); 5. Aplicações da justiça social (227); 6. Outras 
formulações 
(231); 7. Bibliografia (240). 
SIGNIFICAÇÃO DA JUSTIÇA PARA O 
DIREITO                 242 
1. Concepção positivista e concepção ética do direito (243); 2. O 
positivismo filosófico (244); 3. O positivismo t;ientífico no direito (247); 
4. O positivismo jurídico (252); 5. Doutrina clássica do direito natural 
(257); 6. Doutrina racionalista ou do direito NaturalI abstrato (272); 7. 
Doutrina dos valores ou da cultura (275); 8. Conclusões (279); 9. Outras 
formulações (282); 10. Bibliografia (289). 
10        TERCEIRA PARTE ­ O DIREITO CbMO NORMA        293 
(Teoria da norma jurígica) 
­ CONCEITO DE LEI E NORMA JURÍDICA 
11        1. Etimologia e diversidade de significação do vocábulo "lei" (293); 
321 
2. A lei universal ou cósmica (296); 3. A lei humana, ética ou moral 
(300); 4. A lei jurídica (305); 5. Outras formulações (314); 6. 
Bibliografia (320). 
­ ESPÉCIES E FONTES DA NORMA JURÍDICA 
1. O problema das fontes do direito. Fontes formais e materiais. 
Perspectiva filosófica, sociológica e jurídica (321); 2. Importância e 
conceito de lei: elemento formal, material e inttrumental (327); 3. As 
diversas espécies de lei (333);.4. Os costumes jurídicos: denominações, 
conceito, importância, espécies (347); 5. A jurisbrudência. Seu conceito 
e importância como fonte do direito (352); 6. A doutrina como fonte do 
direito. Conceito e importância (356); 7. O problema das fontes não 
estatais (358); 8. As fontes materiais: a realidade social e os valores 
jurídicos (361); 9. Outras formulações (365); 1O. Bibliografia (367). 
12 ­ INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS 
1. Interpretação e hermenêutica: conceito (369); Espécies de interpretação: 
quanto à origem, ao 
método e aos efeitos (372); 3. Sistemas ou escolas de interpretação: sistemas 
tradicionais oti 
legalistas e sistemas 
SUMÁRIO        XIII 
l03        modernos (375); 4. Novas correntes (379); 5. A integração jurídica e 
o 
problema das lacunas da lei (380); 6. Outras formulações (382); 7. 
Bibliografia (386). 
­ APLICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS NO ESPAÇO E NO 
TEMPO                 388 
114        1. Limites ao campo de aplicação das normas jurídicas (388); 2. 
Vigência        403 
das leis no tempo (389); 3. Vigência da lei no espaço (396); 4. Outras 
formulações (398); 5. Bibliografia (402).
­ DIVISÃO DO DIREITO EM PÚBLICO E PRIVADO 
1. Histórico e critérios da givisão do direito em público e privado 
(403); 
2. Ramos do direito público: direito constitucional, administrativo, 
fiscal,
judiciário, penal, internacional público (406); 3. Ramos do direito 
privado: direito civil, direito comercial, direito do consumidor, 
direito do 
trabalho e direito internacional privado (420); 4. Outras formulações 
(429); 5. Bibliografia (433). 
QUARTA PARTE ­ O DIREITO COMO FACULDADE 
(Teoriy dos Direitos subjetivos) 
15 ­ CONCEITO DE DIREITO SUBJETIVO         : 
1. Noções preliminares: denominações e problemas (437); 2. Teorias negadoras do 
direito 
subjetivo: teoria objetiva ou realista de Duguit e teoria formalista de Kelseq 
(438): 3. Teorias sobre 
a natureza do direito 
1. Análise do direito subjetivo em seus elementos (454); 2. O sujeito do 
direito. Sujeito ativo e 
sujeito passivo. O problema dos direitos sem sujeito. O dever jurídico. A 
prestação (455); 3. Objeto 
do direito: objeto imediato; prestação; objeto mediato; coisas, pessoas ou ações 
(460); 4. A relação 
jurídica. Seu elemento gerador: o fato jurídico (fatos naturais, atos jurídicos 
e atos ilícitos) (465); 5. 
A proteção jurídica: a sanção, a coação e a coerção. Espécies de sanção. A ação 
jurídica e o 
direito de ação (467); 6. Outras forr>hulações (472); 7. Bibliografia (475). 
17­ CLASSIFICAÇÃO DOSA DIREITOS SUBJETIVOS         477 
1. Critérios de classificaçN0 (477); 2. Classificação fundada no sujeito 
passivo: direitos relativos ee 
absolutos (478); 3. Classificação fundada no sujeito ativo: direitos próprios 
aos indivíduos, próprios 
às instituições e comuns a indivíduos e instituições (479); 4. Classificação 
fundada no objeto do 
direito: direitos da personalidade, direitos reais, direitos obrigacionais 
(480); 5. Clzassificação 
fundada na finalidade do direito: direito­interesse e direito­ft nção (484); 6. 
Outras formulações 
(485); 7. Bibliografia (488). 
437 
subjetivo: doutrinas da vontade (Windscheid), do interesse (Ihenng) e mistas 
(Jellinek, Salleiles 
Michoud) (443); 4. Conclusões. Tríplice aspecto do direito subjetivo: direito­ 
interesse, direito­poder 
e direito 
relação (447); 5. Outras formulações (449); 6. Bibliografia (452). 
16 ­ ELEMENTOS DO DIREITO SUBJETIVO 
454 
369 
XII        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
6 ­  A JUSTIÇA COMUTATIVA                 149 
7 ­  1. Conceito de justiça comutativa (149); 2. A "alteridade" na justiça 
173 
comutativa (151); 3. O "devido" na justiça comutativa (152); 4. A 
"igualdade" na justiça comutativa (159); 5. Aplicações da justiça 
comutativa (160); 6. Outras formulações (164); 7. Bibliografia (171).
A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA 
8 ­  1. O conceito de justiça distributiva (173); 2. A "alteridade" na 
justiça        212 
distributiva (176); 3. O "devido" na justiça distributiva (182); 4. A 
"igualdade" na justiça distributiva (189); 5. Aplicações da justiça 
distributiva (192); 6. Outras formulações (205); 7. Bibliografia (210). 
A JUSTIÇA SOCIAL 
9 _        1. Conceito de justiça social (212); 2. A "alteridade" na justiça 
social        242 
(215); 3. O "devido" na justiça social (217); 4. A "igualdade" na 
justiça 
social (225); 5. Aplicações da justiça social (227); 6. Outras 
formulações 
(231); 7. Bibliografia (240). 
SIGNIFICAÇÃO DA JUSTIÇA PARA O DIREITO 
1. Concepção positivista e concepção ética do direito (243); 2. O 
positivismo filosófico (244); 3. O positivismo científico no direito (247); 
4. O positivismo jurídico (252); 5. Doutrina clássica do direito natural 
(257); 6. Doutrina racionalista ou do direito natural abstrato (272); 7. 
Doutrina dos valores ou da cultura (275); 8. Conclusões (279); 9. Outras 
formulações (282); 10. Bibliografia (289). 
TERCEIRA PARTE ­ O DIREITO COMO NORMA 
(Teoria da norma jurídica) 
10  ­ CONCEITO DE LEI E NORMA JURÍDICA                 293 
11        1. Etimologia e diversidade de significação do vocábulo "lei" (293); 
321 
2. A lei universal ou cósmica (296); 3. A lei humana, ética ou moral 
(300); 4. A lei jurídica (305); 5. Outras formulações (314); 6. 
Bibliografia (320). 
­ ESPÉCIES E FONTES DA NORMA JURÍDICA 
1. O problema das fontes do direito. Fontes formais e materiais. 
Perspectiva filosófica, sociológica e jurídica (321); 2. Importância e 
conceito de lei: elemento formal, material e instrumental (327); 3. As 
diversas espécies de lei (333);.4. Os costumes jurídicos: denominações, 
conceito, importância, espécies (347); 5. A jurisprudência. Seu conceito 
e importância como fonte do direito (352); 6. A doutrina como fonte do 
direito. Conceito e importância (356); 7. O problema das fontes não 
estatais (358); 8. As fontes materiais: a realidade social e os valores 
jurídicos (361); 9. Outras formulações (365); 10. Bibliografia (367). 
modernos (375); 4. Novas correntes (379); 5. A integração jurídica e o problema 
das lacunas da lei 
(380); 6. Outras formulações (382); 7. 
Bibliografia (386). 
13 ­ APLICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS NO ESPAÇO E NO TEMPO        388 
........................................... 
1. Limites ao campo de aplicação das normas jurídicas (388); 2. Vigência das 
leis no tempo (389); 
3. Vigência da lei no espaço (396); 4. Outras formulações (398); 5. Bibliografia 
(402). 
14 ­ DIVISÃO DO DIREITO EM PÚBLICO E PRIVADO         403 
1. Histórico e critérios da divisão do direito em público e privado (403); 2. 
Ramos do direito público: 
direito constitucional, administrativo, fiscal, judiciário, penal, internacional 
público (406); 3. Ramos 
do direito privado: direito civil, direito comercial, direito do consumidor, 
direito do trabalho e direito 
internacional privado (420); 4. Outras formulações 
(429); 5. Bibliografia (433). 
QUARTA PARTE ­ O DIREITO COMO FACULDADE (Teoria dos Direitos Subjetivos) 15 ­
CONCEITO DE DIREITO SUBJETIVO         437 
1. Noções preliminares: denominações e problemas (437); 2. Teorias negadoras do 
direito 
subjetivo: teoria objetiva ou realista de Duguit e teoria formalista de Kelsen 
(438); 3. Teorias sobre 
a natureza do direito subjetivo: doutrinas da vontade (Windscheid), do interesse 
(Ihering) e mistas 
(Jellinek, Salleiles, Michoud) (443); 4. Conclusões. Tríplice aspecto do direito 
subjetivo: direito­ 
interesse, direito­poder e direitorelação (447); 5. Outras formulações (449); 6. 
Bibliografia (452). 
16 ­ ELEMENTOS DO DIREITO SUBJETIVO         454 
1. Análise do direito subjetivo em seus elementos (454); 2. O sujeito do 
direito. Sujeito ativo e 
sujeito passivo. O problema dos direitos sem sujeito. O dever jurídico. A 
prestação (455); 3. Objeto 
do direito: objeto imediato; prestação; objeto mediato; coisas, pessoas ou ações 
(460); 4. A relação 
jurídica. Seu elemento gerador: o fato jurídico (fatos naturais, atos jurídicos 
e atos ilícitos) (465); 5. 
A proteção jurídica: a sanção, a coação e a coerção. Espécies de sanção. A ação 
jurídica e o 
direito de ação (467); 6. Outras formulações (472); 7. Bibliografia (475). 
17­ CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS SUBJETIVOS 
1. Critérios de classificação (477); 2. Classificação fundada no sujeito 
passivo: direitos relativos e 
absolutos (478); 3. Classificação fundada no sujeito ativo: direitos próprios 
aos indivíduos, próprios 
às instituições e comuns a indivíduos e instituições (479); 4. Classificação 
fundada no objeto do 
direito: direitos da personalidade, direitos reais, direitos obrigacionais 
(480); 5. Classificação 
fundada na finalidade do direito: direito­interesse e direito­função (484); 6. 
Outras formulações 
(485); 7. Bibliografia (488). 
SUMÁRIO 
XIII 
12 ­ INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS 
........................... 
1. Interpretação e hermenêutica: conceito (369); 2. Espécies de interpretação: 
quanto à origem, ao 
método e aos efeitos (372); 3. Sistemas ou escolas de interpretação: sistemas 
tradicionais ou 
legalistas e sistemas 
369 
477 
XIV        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
18 ­ A PESSOA FÍSICA         490 
1. Conceito de pessoa física. Denominações. Conceito filosófico,
psicológico e 
jurídico de pessoa 
(490); 2. A capacidade da pessoa física (491); 3. Começo e fim da personalidade 
(494); 4. Outras 
formulações (497); 5. Bibliografia (498). 
19 ­ A PESSOA JURÍDICA 
1. Conceito de pessoa jurídica. Denominações. Teoria sobre a natureza da pessoa 
jurídica (500); 
2. Classificação das pessoas jurídicas (502); 3. Capacidade da pessoa jurídica 
(504); 4. Começo e 
fim da pessoa jurídica (505); 5. Outras formulações (506); 6. Bibliografia 
(509).
QUINTA PARTE ­ O DIREITO COMO FATO SOCIAL 
(Sociologia do Direito) 
20 ­ CONCEITO DE SOCIOLOGIA DO DIREITO 
1. Precursores, fundadores e cultores da sociologia jurídica (513); 2. Distinção 
entre filosofia do 
direito, ciência do direito e sociologia do direito (518); 3. Os grandes 
problemas da sociologia 
jurídica (520); 4. Outras formulações (523); 5. Bibliografia (525). 
21 ­ MICROSSOCIOLOGIA JURÍDICA 
1. Conceito de microssociologia. Espécies jurídicas fundamentais: relações 
jurídicas e sedimentos 
jurídicos (527); 2. As relações jurídicas fundamentais: direito social e direito 
interindividual (530); 3. 
Os sedimentos jurídicos de profundidade. Direito organizado e direito espontâneo 
(535); 4. Outras 
formulações (540); 5. Bibliografia (542). 
22 ­ SOCIOLOGIA JURÍDICA DIFERENCIAL OU TIPOLÓGICA.. 
1. Objeto da sociologia jurídica diferencial ou tipológica (544); 2. 
Ordenamentos jurídicos dos 
grupos particulares. Direito estatal e direito social. Direito social comum, do 
trabalho, do esporte, da 
igreja, internacional. Conclusões (545); 3. Sistemas jurídicos das sociedades 
globais, Tipologia de 
Max Weber e Gurvitch. Sistemas contemporâneos. O sistema jurídico brasileiro 
(558); 4. Outras 
formulações (576); 5. Bibliografia (579). 
23 ­ SOCIOLOGIA GENÉTICA DO DIREITO         580 
1. Os temas da Sociologia Genética do Direito (580); 2. Influência da sociedade 
sobre o direito 
(581); 3. Influência do direito sobre a sociedade (592); 4. Outras formulações 
(596); 5. Bibliografia 
(600). 
PREFÁCIO À 25.a EDIÇÃO 
Em suas sucessivas edições, a presente Introdução à Ciência do Direito tem 
recebido diferentes 
prefácios. Eles vêm sendo mantidos por uma preocupação pedagógica: mostrar o 
direito vivo. 
Por isso, são indicados pontos atuais na evolução histórica do direito, como os 
novos direitos do 
meio ambiente, do consumidor, do desenvolvimento, da participação da sociedade 
civil. 
A esses direitos que vêm sendo consagrados é oportuno acrescentar um novo tipo 
de direito que 
se desenvolve paralelamente ao atual processo de integração de países em grandes 
comunidades 
regionais. Trata­se do "direito comunitário", elaborado, notadamente, no 
processo da União 
Européia e na formação do Mercosul. 
Esse direito comunitário, distinto do direito nacional e do direito 
internacional clássico, é uma nova 
realidade jurídica que vem se formando com normas próprias ­ leis ou normas 
comunitárias ­ e até 
tribunais específicos, com competência jurisdicional, como o Tribunal de 
Luxemburgo na 
Comunidade Européia. 
Essa referência aos novos direitos mostra, em oposição às concepções estáticas e 
ultraconservadoras, o sentido dinâmico e transformador do direito.
São Paulo, junho de 1998 
ANDRÉ FRANCO MONTORO 
PREFÁCIO À 23.­ EDIÇÃO NOVA VISÃO DO DESENVOLVIMENTO 
"Mais grave do que o sofrimento dos famintos é a inconsciência dos fartos." 
Depois de sucessivas assembléias mundiais dedicadas ao "desenvolvimento 
econômico", a ONU, 
por iniciativa do Ex­Presidente do Chile, Patricio Aylwin, tomou a decisão 
histórica de convocar 
uma reunião de Chefes de Estado e de Governo de todos os países do mundo para 
debater os 
problemas do atual modelo de desenvolvimento e abrir caminhos para um novo 
"desenvolvimento 
social". 
A Conferência ­ Cúpula Mundial pelo Desenvolvimento Social, Copenhague, 6 a 
12.03.1995 ­ teve 
o sentido de grave advertência sobre os rumos do desenvolvimento econômico 
mundial. 
Mostrou a face injusta e insustentável do atual progresso e indicou novos 
caminhos para um 
desenvolvimento mais humano, que não pode se limitar aos aspectos econômicos e 
financeiros. A 
reunião de Copenhague abriu, em escala mundial, uma nova visão do 
desenvolvimento. 
Três questões fundamentais integraram a ordem do dia da Conferência: 
1. a luta contra a pobreza; 
2. o apoio à integração social dos grupos marginalizados; 3. a criação de 
empregos e 
oportunidades de trabalho. 
O quadro da pobreza 
A mundialização da economia e o progresso das tecnologias aumentam a cada dia a 
interdependência entre as nações. Caminhamos para um mundo só. Chegou­se a 
admitir que essa 
mundialização beneficiaria a todos. Mas a presente realidade mundial oferece 
contrastes gritantes. 
Ao lado das conquistas e avanços do desenvolvimento econômico, cresce e se 
agrava 
continuamente um quadro de miséria, desemprego, marginalização e desigualdades 
inadmissíveis. 
4        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
Os dados são estarrecedores. Enquanto avança o progresso econômico e a riqueza 
das nações: 
­ mais de 1 bilhão de pessoas, isto é, uma quinta parte da população mundial, 
passa fome e vive 
em condições de extrema pobreza; 
­ 30% de toda população em idade economicamente ativa está desempregada; 
­ em países altamente industrializados, e não apenas nos demais, o desemprego e 
a exclusão 
social tornaram­se endêmicos. "Tanto nos Estados Unidos como na Comunidade 
Européia cerca 
de 15% da população vive abaixo do limiar da pobreza", diz textualmente o 
Documento de 
Antecedentes da Reunião de Copenhague. 
Pobres, desempregados, sem­teto, trabalhadores migrantes, meninos de rua, 
periferias das 
grandes cidades, minorias marginalizadas, constituem em todo o mundo grupos 
carentes, vítimas 
de discriminações de toda ordem. Em lugar da igualdade desejada existe o 
progressivo
agravamento das desigualdades. "Os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres 
cada vez mais 
pobres", enfatizou o Secretário­Geral das Nações Unidas, Sr. 
. A persistência e o 
contínuo agravamento dessa realidade mostram que não se trata de uma situação 
conjuntural, 
mas de um quadro de pobreza estrutural grave e ameaçadora. 
É urgente modificar esse quadro. Como disse o Presidente da França, Mitterrand, 
"não podemos 
deixar que o mundo se transforme num mercado global, sem outra lei que a do mais 
forte. 
Precisamos repensar esse mundo e introduzir o social entre os pontos maiores de 
nossas 
preocupações". 
Integração dos marginalizados 
Para enfrentar a situação de pobreza e dos grupos marginalizados, não bastam os 
tradicionais 
programas de socorro e assistência. Impõese o esforço pela adoção de uma nova 
política de 
integração social. 
•        preciso incluir os excluídos. 
• desenvolvimento social, centrado na dignidade das pessoas humanas e no 
reconhecimento da 
cidadania, exige não apenas medidas emergenciais de alívio à pobreza, mas 
políticas que elevem 
os marginalizados à condição não de objeto, mas de agentes do seu próprio 
desenvolvimento. 
Essa integração dos excluídos e sua participação nos programas de 
desenvolvimento só são 
possíveis em nível local. Documentos preparatórios da Conferência indicaram a 
necessidade de 
"acolher 
PREFÁCIO À 233 a EDIÇAO        5 
formas descentralizadas de gestão da coisa pública" e de "políticas sociais 
descentralizadas", 
longe das custosas centralizações burocráticas 
•        mais perto das populações locais. 
Os debates mostraram a importância e o sucesso de programas descentralizados e 
iniciativas 
locais, ao lado do fracasso de grandes programas centralizados, de custos 
elevados, geradores de 
corrupção 
•        ineficiência. 
Exemplos dessa ineficiência encontram­se em todas as partes do mundo. O 
Relatório Nacional 
Brasileiro, com base nos cálculos do Banco Mundial, reconheceu que "somente 10% 
dos recursos
empregados em programas sociais atingem seu público­alvo", isto é, 90% dos 
recursos disponíveis 
são absorvidos pela burocracia e por medidas 
• contratos de seriedade discutível. Até mesmo na Dinamarca, uma gigantesca rede 
de assistência 
pública criou uma camada de parasitas sociais, para quem mais vale a pena viver 
do seguro­ 
desemprego concedido pelo Estado do que trabalhar. Cálculos do próprio Governo 
indicam que 
existem cerca de 200 mil assistidos no país. 
Criação de empregos 
O grande caminho para a integração dos marginalizados é a criação de novos 
empregos. A maior
parte da população em estado de pobreza não possui emprego. Como escreveu 
Ignácio Sachs, o 
progresso dos dois primeiros objetivos da Conferência ­ combate à miséria e 
integração social ­ 
dependerá em grande parte dos resultados alcançados na criação de empregos, pois 
"a integração 
produtiva é a única forma de atacar as raízes da exclusão social". E, em 
linguagem mais simples, o 
Presidente do Chile, Eduardo Frei, e o PrimeiroMinistro Felipe Gonzalez, da 
Espanha, disseram 
com palavras semelhantes: "O melhor caminho para sair da pobreza é o trabalho". 
Os Estados, os organismos internacionais e a sociedade civil dispõem de meios e 
possibilidades 
de executar uma ampla política de emprego, através de investimentos em infra­ 
estrutura e projetos 
geradores de emprego, ação descentralizada e participativa, incentivo as 
economias locais. Lugar 
destacado nesses programas deve ocupar o apoio às pequenas empresas e 
cooperativas, que são 
os principais geradores de trabalho e renda. No Brasil existem hoje cadastradas 
mais de 4 milhões 
de pequenas empresas. E as não cadastradas são em número bem maior, gerando 
oportunidades 
de trabalho para milhões de brasileiros. 
Existem hoje, em todo o mundo, milhares de experiências, exemplos e 
possibilidades de 
multiplicação de pequenos empreen­ 
8        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
PREFÁCIO À 21.a EDIÇÃO 
9 
Ao lado dos técnicos da administração, da economia, da informática e das demais 
especializações, 
os homens do direito têm a missão específica de atuar no sentido de que o 
desenvolvimento da 
vida social se processe em termos de justiça, isto é, que se assegure a cada 
homem e a todos os 
homens o respeito que lhes é devido, a partir de sua dignidade fundamental de 
pessoa. 
A justiça é o valor que deve iluminar todo o campo do direito. Não se trata de 
contrapor a realidade 
a um modelo idealista e absoluto que "fica longe numa caverna platônica". É na 
planície em que 
vivemos, no processo histórico­social da luta entre liberdade e opressão, 
minorias dominadoras e 
maiorias sacrificadas, manifestações de violência ou movimentos de 
solidariedade, que se há de 
exercer, com espírito crítico e independente, a tarefa de construção dos homens 
do direito. 
Nessa luta pela vigência concreta e viva da justiça é que se realiza a razão de 
ser do direito. Não 
podemos limitar o estudo do direito ao conhecimento pretensamente "neutro", 
"puro" e "objetivo" da 
norma estabelecida, para sua "cega" aplicação. 
A realidade social e a justiça, como valor fundamental, estão presentes em todos 
os momentos da
vida do direito: na elaboração de normas, na sua interpretação e aplicação, nas 
sentenças, 
pareceres, petições e recursos. Aceitar as normas jurídicas estabelecidas como 
inexorável 
imposição dos detentores do poder e negar ao jurista outra tarefa que não seja a 
de executor 
mecânico das mesmas significa desnaturar o direito e, mais do que isso, traí­lo. 
É certo que forças poderosas atuam continuamente, com habilidade e competência, 
no sentido de 
impor à sociedade normas que atendem a seus interesses e objetivos, muitas vezes 
contrários ao 
bem comum. É certo também que vivemos em uma sociedade marcada pela injustiça. 
Mas essa 
situação, em lugar de diminuir, só pode aumentar a importância e a 
responsabilidade dos cultores 
do direito. Ela nos obriga a rejeitar, com maior veemência, o papel que se 
pretende impor ao 
jurista: o de instrumento insensível destinado à defesa de um sistema de 
interesses estabelecidos. 
A certas concepções formalistas e normativistas, é preciso opor uma visão 
humanista e 
humanizadora do direito. 
Formalismo jurídico ou humanisno jurídico? A resposta que decorre da própria 
natureza do direito 
e está contida em um dos mandamentos do advogado, redigidos por Eduardo Couture, 
é clara e 
imperativa: "Teu dever é lutar pelo direito, mas, no dia em que encontrares o 
direito em conflito 
com a justiça, luta pela justiça!" Como adverte Stammler: "Todo direito deve ser 
uma tentativa de 
um direito justo". A fonte das fontes do direito é a pessoa humana. 
NOVOS DIREITOS 
De uma forma geral, todo sistema jurídico moderno reconhece a pessoa humana como 
valor 
supremo do direito. Os Códigos e as Constituições definem, com a possível 
precisão e crescente 
abrangência, os direitos básicos da pessoa humana. E essa uma tendência 
universal. Após longa 
tradição de solenes documentos nacionais e internacionais, a partir da Magna 
Carta (1.215), 
passando pelo Bill of Rights inglês de 1699, a Declaração da Independência dos 
Estados Unidos 
(04.07.1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França, 
26.08.1789), vigora 
hoje, com a aprovação da Assembléia­Geral das Nações Unidas, em 10.12.1948, a 
Declaração 
Universal dos Direitos Humanos, "como ideal comum a ser atingido por todos os 
povos e todas as 
Nações". 
A Declaração Universal proclama, em seu primeiro "considerando', que o 
"reconhecimento da 
dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos 
gerais e inalienáveis 
constitui o fundamento da liberdade da justiça e da paz do mundo". 
Todos reconhecem que não existe um número fechado desses direitos. A dinâmica da 
vida 
econômica e social e as transformações que se operam especialmente no campo de 
novas 
tecnologias fazem surgir novas realidades e situações que repercutem sobre as 
pessoas e sua
relações. Essas situações geram novos problemas e a necessidade da formulação de 
novos 
direitos. 
Entre os novos direitos da pessoa humana que passam a ser reconhecidos pelos 
sistemas 
jurídicos contemporâneos, podem ser destacados: 
I. direito ao ambiente sadio; 2. direito ao trabalho; 3. direitos do consumidor; 
4. direito de 
participação; 
5. direito ao desenvolvimento. 
1. DIREITO AO AMBIENTE SADIO 
A questão ecológica é um dos temas mais importantes de nosso século. O 
desenvolvimento 
científico e tecnológico deu aos homens enorme poder de destruição, que atinge a 
qualidade de 
vida de milhões de pessoas. 
Como defesa da sociedade, diante dos males e ameaças provocados pelas diversas 
modalidades 
de poluição do ar, das águas, do solo, da flora e da fauna, estão sendo 
elaboradas novas normas 
em quase todos os campos do direito. Em seu conjunto, essas normas de direito 
constitucional, 
administrativo, penal, internacional, civil, 
10        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
processual e outros constituem o que se poderia chamar o moderno direito 
ecológico. 
Entre essas normas, ocupam lugar destacado aquelas que definem o direito das 
pessoas a um 
ambiente sadio. 
A nova Constituição do Brasil afirma expressamente esse direito nos termos 
seguintes: "Todos têm 
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e 
essencial à 
sadia qualidade de vida, impondo­se ao Poder Público e à coletividade o 
dever de defendê­lo e preservá­lo para as presentes e futuras gerações" 
(art. 225). 
Outras Constituições recentes, como as da Espanha e Portugal, contêm disposição 
semelhante.' 
Para a garantia desse direito, diversas normas estão sendo incorporadas à 
legislação, como a 
definição do "crime ecológico", imputável aos responsáveis pela poluição, ou a 
exigência do estudo 
do "impacto
ambiental" provocado por qualquer projeto de obra pública ou privada 
capaz de alterar 
o meio ambiente. Muitas legislações dispõem amplamente sobre o dever do Estado 
no sentido de 
proteger 
Constituição da Espanha, de 1978: "Art. 45. 1. Todos têm direito a desfrutar de 
um meio ambiente 
adequado ao desenvolvimento da pessoa, assim como o dever de o conservar. Os 
Poderes 
Públicos velarão pela utilização racional de todos os recursos naturais, com o 
fim de preservar e 
melhorar a qualidade de vida e defender e restaurar e meio ambiente, apoiando­se 
na 
indispensável solidariedade coletiva. Contra os que violarem o disposto no 
número anterior nos 
termos que a lei fixar serão estabelecidas sanções penais ou, se for caso, 
sanções administrativas, 
bem como a obrigação de reparar o dano causado".
Constituição de Portugal de 1982: "Art. 66 (Ambiente e qualidade de vida). Todos 
têm direito a um 
ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o 
defender. Incumbe 
ao Estado por meio de organismos próprios e por apelo e apoio a iniciativas 
populações: a) 
prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de 
erosão; b) ordenar o 
espaço territorial de forma a construir paisagens biologicamente equilibradas; 
c) criar e desenvolver 
reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger 
paisagens e sítios de 
modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais 
de interesse 
histórico ou artístico; d) promover o aproveitamento nacional dos recursos 
naturais, 
salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica. 
E conferido a todos o direito de promover, nos termos da lei, a prevenção ou a 
cessação dos 
fatores de degradação do ambiente, bem como, em caso de lesão direta, o direito 
à 
correspondente indenização. O Estado deve promover a melhoria progressiva e 
acelerada da 
qualidade de vida de todos os portugueses". 
Por sua originalidade, é interessante reproduzir o texto adotado pela 
Constituição das Filipinas de 
1986. Art. II, Seção 16: "O Estado protegerá e promoverá o direito do povo a uma 
ecologia 
equilibrada e saudável de acordo com o ritmo e a harmonia da natureza". 
PREFÁCIO À 211 a EDIÇÃO 11 o meio ambiente, criam organismos administrativos 
destinados a 
essa proteção ou instituem processos de "consulta obrigatória" à população 
interessada. 
Dentro dessa linha e para assegurar a efetividade desse direito 
das pessoas a Conciliação Brasileira impõe ao Poder Público, entre outras, as 
seguintes 
obrigações: 
preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo 
ecológico das 
espécies e ecossistemas; preservar a diversidade e a integridade do patrimônio 
genético do País e 
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; 
definir, em todas 
as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem 
especialmente 
protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, 
vedada qualquer 
utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua 
proteção. 
4. exigir, na forma de lei, para instalação de obra ou atividade 
potencialmente causadora de significativa degradação do meio 
ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará 
publicidade; 
5. controlar a produção, a comercialização e o emprego de 
técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a 
vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; 
6. promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino 
e a conscientização pública para a preservação do meio 
ambiente; 
7. proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que 
coloquem em riscos sua função ecológica, provoquem a extinção
de espécies ou submetam os animais a crueldade (art. 225). 
E um amplo conjunto de leis, decretos, portarias, resoluções, sentenças 
judiciais e decisões 
administrativas dispõem sobre diferentes aspectos da proteção ambiental."' 
1. 2. 
3. 
Código de Águas (Dec. 24.643, de 10.07.1934), Convenção para proteção da flora, 
fauna e 
belezas naturais dos países da América (Dec. Legislativo 3, de 13.02.1948), 
Código Nacional de 
Saúde (Lei 2.312, de 03.09.1954, e Dec. 49.974­A, de 21.01.1961), normas sobre o 
lançamento de 
resíduos tóxicos ou oleosos nas águas interiores ou litorâneas (Dec. 50.877, de 
29.06.1961, e Lei 
5.357, de 17.11.1967), normas determinando a arborização das margens das 
rodovias do Nordeste 
e a construção de aterros e barragens para represamento de águas (Dec. 4.466, de 
12.11.1964), 
Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 30.11.1964), novo Código Florestal (Lei 4.775, 
de 15.09.1965), 
promulgação do tratado de proscrição de experiências com armas nucleares na 
atmosfera, no 
espaço cósmico e sob a água (Dec. 58.380 de 26.04.1966), Lei de proteção 
12        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
2. DIREITO AO TRABALHO 
O desemprego e o subemprego de milhões de trabalhadores, em todo o mundo, 
constituem hoje 
uma das maiores ameaças ao desenvolvimento das nações e à sua convivência no 
plano 
internacional Razões de ordem tecnológica, como a automação e práticas 
comerciais, financeiras e 
monetárias, na economia mundial e nacional, vêm contribuindo para o agravamento 
do problema, 
considerado um dos mais dramáticos de nossa época. 
Diante da gravidade da situação, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) 
decidiu, em 1984, 
convidar os representantes dos governos, dos trabalhadores e dos empregadores e 
os demais 
órgãos ou autoridades responsáveis pelo planejamento para examinar as 
repercussões das 
práticas comerciais, financeiras e monetárias internacionais sobre o desemprego 
e a pobreza. 
Esse apelo foi reiterado na Conferência da OIT, em 1986. E finalmente, em 
novembro de 1987, foi 
realizada em Genebra a reunião extraordinária de alto nível destinada a debater 
esse problema, 
com a participação de representantes, no plano mundial, de empregados, de 
empregadores, 
governos e entidades internacionais como o Banco Mundial, Fundo Monetário 
Internacional, FAO, 
UNESCO, Organização Mundial de Saúde e outros. 
No Documento de Base, preparado pela OIT, são lembradas as disposições da 
Declaração de 
Filadelfia, em que se afirma: "Todos os seres humanos, sem distinção de raça, 
credo ou sexo, têm 
o direit de promover seu bem­estar material e seu desenvolvimento espiritual em 
condições de 
liberdade e dignidade, de segurança econômica e e igualdade de oportunidades". 
à fauna (Lei 5.197, de 03.01.1967), Lei de proteção e estímulos à pesca (Dec. 
lei 221, de
28.02.1967), criação do Instituto Brasileiro de Desenvolviment Florestal (Dec.­ 
lei 289, de 
28.02.1967), instituição da Política Nacional d Saneamento (Lei 5.318, de 
26.09.1967), criação da 
Secretaria Especial do Mei Ambiente ­ SEMA (Dec. 73.030, de 30.10.1973), medidas 
de prevenção 
controle da poluição industrial (Dec.­lei 1.413, de 14.08.1975 e Dec. 76.389 de 
03.10.1975), 
convenção relativa à proteção do patrimônio mundial, cultural e natural (Dec. 
Legislativo de 
aprovação 74, de 30.06.1997), instituição d Sistema de Proteção ao Programa 
Nuclear Brasileiro ­ 
SIPRON (Dec.­lei 1.809, de 07.10.1980), política nacional do meio ambiente (Lei 
6.938, de 
31.08.1981, e Dec. 88.351, de 01.06.1983), normas sobre distribuição e 
comercialização de 
produtos agrotóxicos (Lei estadual de São Paulo 4.002, de 05.01.1984), ação 
civil pública de 
responsabilidade por danos causados ao meio ambiente (Lei 7.347, de 24.07.1985), 
medidas para 
proteção de florestas existentes nas nascentes dos rios (Lei 7.754, de 
14.04.1989), normas sobre 
criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre Política 
Nacional do Meio 
Ambiente (Dec. 99.274, de 06.06.1990, e Lei 7.804, de 18.07.1989), fixação de 
padrões de 
qualidade
do ar (Resolução CONAMA 3, de 28.06.1990). 
PREFÁCIO À 21.a EDIÇÃO        13 
Estão aí as raízes de um novo direito da pessoa humana que começa a ser definido 
nas 
constituições, na legislação, em acordos coletivos e na vida do direito em todo 
o mundo: o direito 
ao trabalho. 
Entre os direitos sociais, consagrados na Declaração Universal de 1948, está 
afirmado 
expressamente o direito ao emprego ou ao trabalho nos termos seguintes: "Toda 
pessoa tem 
direito ao trabalho, à livre escolha de seu emprego, a condições justas e 
satisfatórias de trabalho e 
à proteção contra o desemprego" (art. 23, n. 1). 
A Constituição do Brasil, de 1988, afirma esse direito: "São direitos sociais a 
educação, a saúde, o 
trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e 
à infância, a 
assistência aos desamparados" (art. 6.°). E no artigo seguinte determina: "São 
direitos dos 
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua 
condição social: 1 ­ 
relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa; II 
­ 
segurodesemprego em caso de desemprego involuntário". 
Na mesma linha, esse direito é assegurado em Constituições recentes. Assim 
dispõe a 
Constituição de Portugal: "Art. 51. Incumbe ao Estado através de planos de 
política econômica e 
social garantir o direito ao trabalho assegurado: 
a) a execução de política de pleno emprego, e o direito à 
assistência material dos que involuntariamente se encontrem 
em situação de desemprego; 
b) a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos 
sem justa causa ou por motivos políticos".
Constituição do Uruguai: "Art. 53. O trabalho está sob a proteção especial da 
lei". 
Constituição da Venezuela: "Art. 84. A lei adotará medidas tendentes a garantir 
a estabilidade no 
trabalho, estabelecerá as prestações que recompensem à antigüidade do 
trabalhador nos serviços 
e o protejam quando este cessar". 
Constituição da Itália: "Art. 4. A República reconhece a todos os cidadãos o 
direito ao trabalho e 
promove as condições que o tornam efetivo". 
3. DIREITOS DO CONSUMIDOR 
Os direitos do consumidor começam a ser assegurados no sistema jurídico de todas 
as nações. 
O consumo é uma parte essencial do dia­a­dia do ser humano. 0 consumidor é o 
sujeito em que se 
encerra todo ciclo econômico. Daí a importância de se dar ao consumidor poderes 
que o 
capacitem para exercer com eficiência o papel de fiscal e agente regulador do 
14        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
mercado. Essa atribuição é particularmente importante nos regimes democráticos. 
Poucos atos de 
governo podem caracterizar melhor a preocupação efetiva pelos direitos da pessoa 
humana e pela 
justiça social como a instituição de mecanismos de defesa da população 
consumidora. 
Dado o caráter universal da questão, a Organização das Nações Unidas (Resolução 
ONU 
39/248/85) recomenda aos governos "que devem estabelecer e manter uma infra­ 
estrutura 
adequada que permita formular, aplicar e vigiar o funcionamento das políticas de 
proteção ao 
consumidor". 
E, entre os direitos que recomenda sejam assegurados ao consumidor, inscrevem­se 
os seguintes: 
1. segurança física dos consumidores; 
2. a proteção dos interesses econômicos dos consumidores; 3. acesso a 
informações necessárias 
aos consumidores para que 
façam escolhas acertadas; 
4. medidas que permitam aos consumidores obter ressarcimento; 5. a distribuição 
de bens e 
serviços essenciais para o consumidor; 6. produção satisfatória e padronização 
de execução; 7. 
práticas comerciais adequadas e informações precisas quanto 
às mercadorias; e 
8. propostas de cooperação internacional na área de proteção ao consumidor. 
Como órgão consultivo da ONU, constitui­se a International Organization of 
Consumers Unions 
(IOCU), que congrega centenas de entidades de defesa do consumidor de diferentes 
países. Essa 
entidade assim definiu os "direitos fundamentais e universais do consumidor": 
1. Direito à segurança. Garantia contra produtos ou serviços que 
possam ser nocivos à vida ou à saúde. 
2. Direito à escolha. Opção entre vários produtos e serviços com 
qualidade satisfatória e preços competitivos. 
3. Direito sobre a informação. Conhecimento dos dados indis 
pensáveis sobre produtos ou serviços para uma decisão 
consciente. 
4. Direito a ser ouvido. Os interesses dos consumidores devem ser levados em 
conta pelos
governos no planejamento e execução das políticas econômicas. 
5. Direito à indenização. Reparação financeira por danos causados por produtos 
ou serviços. 
PREFÁCIO À 21. a EDIÇÃO        15 
Direito à educação para o consumo. Meios para o cidadão exercitar 
conscientemente sua função 
no mercado. 
Direito a um meio ambiente saudável. Defesa do equilíbrio ecológico para 
melhorar a qualidade de 
vida agora e preservála para o futuro. 
A defesa dos direitos do consumidor está expressamente assegurada nas 
Constituições modernas, 
como as da Espanha, Portugal e outras. 
A Constituição do Brasil de 1988 incluiu no Título II, entre os "Direitos e 
garantias fundamentais", o 
seguinte preceito: "O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor" 
(art. 5.°). E, no 
art. 78 das Disposições Constitucionais Transitórias, determinou: "O Congresso 
Nacional, dentro 
de cento e vinte dias da promulgação, elaborará código de defesa do consumidor. 
• Código de Defesa do Consumidor foi instituído pela Lei 8.078, de 11.09.1990, 
que define como 
consumidor "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou 
serviço como 
destinatário final". 
Basicamente, o Código estabelece como direitos do consumidor: 
1. a proteção à vida, à saúde, à dignidade e à segurança contra 
riscos decorrentes de produtos e serviços; 
2. informação adequada e clara sobre produtos e serviços; 3. proteção contra 
publicidade 
enganosa e abusiva; 4. reparação de danos patrimoniais e morais; 5. acesso à 
Justiça e garantia 
da defesa desses direitos. 
4. DIREITO DE PARTICIPAÇÃO 
• despertar da sociedade civil e a participação ativa de todos os seus setores 
no processo de 
desenvolvimento da sociedade constitui um dos fenômenos marcantes da história 
atual. 
• a substituição dos antigos processos paternalistas e autoritários pela prática 
de métodos 
democráticos em que as pessoas passam a atuar, fiscalizar e tomar iniciativas 
através de 
comunidades, grupos de múltipla atuação e movimentos sociais. 
Dentro dessa realidade e com base no texto da Declaração Universal de 1948, 
podemos fixar as 
linhas de um novo direito social em formação, representado pelo direito que tem 
cada homem de 
participar ativamente no processo de desenvolvimento de sua comunidade. Não se 
trata apenas de 
receber os benefícios do progresso, mas de "tomar parte" nas decisões e no 
esforço para a sua 
realização. Em lugar de ser tratado como "objeto" das atenções paternalistas dos 
6. 7. 
16        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
dententores do Poder, o homem passa a ser reconhecido como "sujeito" e "agente" 
no processo do 
desenvolvimento. Trata­se de uma exigência decorrente da natureza inteligente e 
responsável da 
pessoa humana.
Esse ponto foi assim fixado por João XXIII, na famosa Encíclica Mater et 
Magistra: "Quando as 
estruturas e o funcionamento de um sistema comprometem a dignidade humana dos 
que nele 
trabalham, enfraquecem o sentido de sua responsabilidade ou impedem seu poder de 
iniciativa, 
esse sistema é injusto ainda mesmo que a produção atinja altos níveis 
(desenvolvimento 
econômico) e seja distribuída conforme as normas da justiça e da eqüidade 
(desenvolvimento 
social)". Daí a necessidade de "dar às instituições sociais a forma e a natureza 
de autênticas 
comunidades (...), o que só acontecerá se os seus membros forem sempre 
considerados como 
pessoas e chamados a participar da vida
e das atividades sociais". E, entre 
outras aplicações, 
lembra que na vida econômica os empregados "não podem ser tratados como simples 
executores 
silenciosos, completamente passivos, sem possibilidade de dar sua opinião e 
sugestões e de influir 
nas decisões que dizem respeito a seu trabalho". "Quanto à nação, muito importa 
que os cidadãos, 
em todos os setores, se sintam cada vez mais responsáveis pelo bem comum." 
A substituição do "paternalismo" pela "participação" é um imperativo da moderna 
política social. Na 
medida em que se queira respeitar a dignidade da pessoa humana, é preciso 
assegurar­lhe o 
direito de participar ativamente na solução dos problemas que lhe dizem 
respeito. 
Como primeiras manifestações desse reconhecimento, já econtramos na Declaração 
Universal dos 
Direitos do Homem (1948) a formulação específica de alguns direitos. 
Assim, o art. 21 afirma: "Todo homem tem o direito de tomar parte no governo de 
seu país, 
diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. A vontade 
do povo será a 
base da autoridade do governo". Na mesma linha, no campo do trabalho, estabelece 
o art. 23: 
"Todo homem tem direito de organizar sindicatos e neles ingressar para proteção 
de seus 
interesses". E o art. 27 dispõe que: "Todo homem tem direito de participar da 
vida cultural da 
comunidade". 
Mas outras modalidades de participação vêm sendo praticadas e reconhecidas, como 
a dos 
moradores, dos jovens, dos consumidores, dos defensores do meio ambiente etc. 
A importância desse comportamento social, humano e democrático de participação 
dos membros 
da comunidade foi destacada em documento oficial da ONU: "A necessidade de os 
membros de 
um grupo, classe ou organização participarem no planejamento dos seus 
PREFÁCIO À 21.a EDIÇÃO        17 
próprios programas é básica em qualquer tipo de projeto e confundese com a 
própria maneira 
democrática de viver". 
Com esse fundamento, as legislações começam a definir e assegurar o novo direito 
das pessoas à 
participação ativa no processo de desenvolvimento da respectiva comunidade. 
O regime representativo tradicional reduz a participação do cidadão à 
formalidade do voto. Mas as
novas condições de vida coletiva exigem novas soluções. Camadas cada vez mais 
amplas da 
população tomam consciência do caráter meramente formal e aparente de antigas 
fórmulas 
democráticas, em que a participação do povo é mais simbólica do que real. 
O homem contemporâneo começa a tomar consciência de que não é apenas um 
"espectador" da 
história, mas seu "agente". O homem já não se contenta em suportar passivamente 
os 
acontecimentos. Já não acredita na fatalidade, mas toma em suas mãos a própria 
história, 
procurando fazê­la e dominá­la. É nisso, sobretudo, que a história se tomou 
consciente. Essa 
consciência não se limita a algumas elites, mas se amplia progressivamente a 
todos os setores da 
vida social. O sentimento de participação é um dos mais poderosos elementos 
propulsores da 
atividade humana. É ele que entusiasma e anima a ação dos construtores de uma 
obra coletiva, 
seja uma casa, uma represa, uma catedral, um bairro ou uma cidade. 
Dentro desse quadro, a nova Constituição do Brasil abriu novos caminhos à 
participação das 
pessoas ao declarar, em seu art. 1.°, que o poder será exercido pelo povo, "por 
meio de 
representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição". E 
estabelece em seu 
contexto diferentes modalidades de participação dos cidadãos, como a iniciativa 
de projetos de lei, 
o referendo, o plebiscito e instituições semelhantes. Consagrou, assim, o 
princípio de que o regime 
político brasileiro é não apenas representativo, mas também participativo. 
Além do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular de projetos de lei 
(art. 14), a Constituição 
consagrou outras formas de participação, especialmente relacionadas com os 
empregados e 
trabalhadores, que constituem a parcela mais ampla da população. 
Assim, assegura "plena liberdade de associação para fins lícitos" (art. 5.°, 
XVII) e, em relação aos 
sindicatos e associações de trabalhadores, estabelece: "É livre a associação 
profissional ou 
sindical. A lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de 
Sindicato, ressalvado o 
registro do órgão competente vedadas ao Poder Público a interferência e a 
intervenção na 
organização sindical" (art. 8.°, 1 e III). 
0 direito de sindicalização foi estendido aos funcionários públicos: "E 
garantido ao servidor público 
civil o direito à livre associação sindical" (art. 37, VI). 
18        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
Foi concedida aos sindicatos e aos partidos políticos a prerrogativa de impetrar 
mandado de 
segurança "coletivo" (art. 5.°, LXX). 
A participação através da negociação coletiva é assegurada aos trabalhadores 
pelo 
"reconhecimento das convenções e acordos coletivos do trabalho" (art. 7.°, 
XXVI). 
A _ Constituição define como direito dos trabalhadores "a participação nos 
lucros, ou resultados,
desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da 
empresa, conforme 
definido em lei" (art. 7.°, XI). 
Estabeleceu, também, o princípio da participação de trabalhadores 
• empregadores nos conselhos dos órgãos públicos, nos termos seguintes: "É 
assegurada a 
participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos 
em que seus 
interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e 
deliberação" (art. 10). 
Na mesma linha, a Constituição estabeleceu a, figura do representante dos 
empregados nas 
empresas, dentro da seguinte norma: "Nas empresas de mais de duzentos empregados 
é 
assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de 
promover­lhes 
•        entendimento direto com os empregadores" (art. 11). 
Foi mantida a representação paritária de trabalhadores e empregadores na 
composição dos 
órgãos da justiça do trabalho (art. 111, § 1.°, art. 115, parágrafo único, e 
art. 116, parágrafo único). 
Em relação às ações governamentais na área da assistência social, a Constituição 
determina: "A 
participação da população, por meio de organizações representativas, na 
formulação das políticas 
e no controle das ações em todos os níveis" (art. 204, II). 
O direito à informação ­ participação na informação ­ foi estabelecido na forma 
seguinte: "Todos 
têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse 
particular, ou de interesse 
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob a pena de 
responsabilidade, 
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e 
do Estado" (art. 
5.°, XXXIII). 
A ação popular foi também assegurada: "Qualquer cidadão é parte legítima para 
propor ação 
popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que 
o Estado 
participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio 
histórico 
•        cultural, ficando o autor, salvo comprovada má­fé, isento de custas 
judiciais e do ônus da 
sucumbência" (art. 5.°, LXXIII). 
A Constituição abriu, assim, instrumentos institucionais que permitem a 
participação cada vez mais 
ampla da população no conhecimento, fiscalização e controle dos negócios 
públicos. Assegurou, 
ainda, aos diversos setores da sociedade o direito de atuar na defesa e promoção 
dos interesses 
coletivos. 
PREFÁCIO À 21.a EDIÇÃO        19 
5. DIREITO AO DESENVOLVIMENTO 
"Desenvolvimento é o novo nome da paz." (Paulo VI, Encíclica Populorum 
Progressio) 
Entre os novos direitos que começam a ser reconhecidos universalmente destaca­se 
o "direito ao 
desenvolvimento". 
A Assembléia­Geral das Nações Unidas (ONU), reunida em 04.12.1986, decidiu 
aprovar a 
Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, que pode ser assim sintetizada:
"A Assembléia­Geral das
Nações Unidas, 
Reconhecendo que o desenvolvimento é um processo econômico, social, cultural e 
político 
abrangente, que visa o constante incremento do bem­estar de toda a população e 
de todos os 
indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no 
desenvolvimento e na 
distribuição justa dos benefícios daí resultantes; 
Considerando que a eliminação das violações maciças e flagrantes dos direitos 
humanos dos 
povos e indivíduos afetados por situações tais como as resultantes do 
colonialismo, 
neocolonialismo, apartheid, racismo e discriminação racial, dominação 
estrangeira, ocupação, 
agressão e ameaças contra a soberania nacional, 
•        ameaças de guerra contribuiria para o estabelecimento de condições 
propícias para o 
desenvolvimento de grande parte da humanidade; 
Reafirmando que existe uma relação íntima entre desarmamento e desenvolvimento e 
que o 
progresso no campo do desarmamento promoveria consideravelmente 
• progresso no campo de desenvolvimento, e que os recursos liberados pelas 
medidas de 
desarmamento deveriam dedicar­se ao desenvolvimento econômico e social e ao bem­ 
estar de 
todos os povos e, em particular, daqueles dos países em desenvolvimento; 
Reconhecendo que a pessoa humana é o sujeito central do processo de 
desenvolvimento e que a 
política de desenvolvimento deveria fazer do ser humano 
•        principal participante e beneficiário do desenvolvimento; 
Confirmando que o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável e 
que a igualdade 
de oportunidades para o desenvolvimento é uma prerrogativa tanto das nações 
quanto dos 
indivíduos que as compõem; 
Proclama a seguinte Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento: 
Artigo 1.° 
1. O direito ao desenvolvimento é um inalienável direito humano, em virtude do 
qual toda pessoa 
humana e todos os povos têm reconhecido seu direito de participar do 
desenvolvimento 
econômico, social, cultural e político, a ele contribuir 
•        dele desfrutar; e no qual todos os direitos humanos e liberdades 
fundamentais possam ser 
plenamente realizados. 
2. O direito humano ao desenvolvimento também implica a plena realização do 
direito dos povos à 
autodeterminação, que inclui o exercício de seu direito inalienável de soberania 
plena sobre todas 
as suas riquezas e recursos naturais. 
20        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO Artigo 2.° 
1. A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deve ser 
participante ativo e 
beneficiário do direito ao desenvolvimento. 
2. Todos os seres humanos têm responsabilidades pelo desenvolvimento, individual 
e 
coletivamente. 
3. Os Estados têm o direito e o dever de formular políticas nacionais adequadas 
para o
desenvolvimento que visem o constante aprimoramento do bemestar de toda a 
população e de 
todos os indivíduos, com base em sua participação ativa, livre e significativa 
no desenvolvimento e 
na distribuição eqüitativa dos benefícios resultantes. 
Seguem­se outras considerações e definições destinadas a precisar e apoiar a 
realização desse 
direito. 
Em janeiro de 1990, como novo passo no processo histórico do reconhecimento e 
implantação 
desse direito, a ONU realizou em Genebra uma reunião com a participação de 150 
representantes 
de todo o mundo, denominada `Consultas Mundiais sobre a Realização do Direito ao 
Desenvolvimento como um Direito Humano'. 
Os trabalhos da reunião focalizaram três pontos centrais: 1. problemas; 2. 
critérios; e 3. 
mecanismos de implementação e cumprimento do direito ao desenvolvimento, como um 
direito 
humano. 
Como se vê, trata­se de um processo em marcha para a afirmação de um novo 
direito. Para 
identificar o caráter de luta desse processo é oportuno lembrar que a Declaração 
sobre o Direito ao 
Desenvolvimento foi aprovada pela Assembléia­Geral das Nações Unidas, em 1968, 
pelo voto de 
160 países, com a abstenção da Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Israel, Japão e 
Inglaterra, a 
ausência da Albânia, S. Domingos e Vanatu, e o único voto contrário dos Estados 
Unidos. 
A evolução dos trabalhos da ONU mostra um avanço: nos anos 60 e 70 discutia­se o 
direito à 
autodeterminação dos povos, que passaram a se constituir em Estados 
independentes. Hoje o 
debate avançou para o problema dos direitos da pessoa e das coletividades 
humanas no âmbito 
de estruturas globais de dominação, exploração ou indiferença e se afirma, 
implícita ou 
explicitamente, o dever de solidariedade. 
Como observou o representante do Brasil na reunião de Genebra, Professor Cançado 
Trindade, 
Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores: "A consagração do 
direito ao 
desenvolvimento como um direito humano introduz um forte componente ético na 
avaliação e 
condução das relações internacionais contemporâneas". 
"Não se pode falar de uma Agenda para a paz, sem se falar de uma Agenda para o 
desenvolvimento", afirmou, na mesma linha, o Secretário­Geral das Nações Unidas, 
Perez de 
Cuellar. 
E, assim, através da história, enfrentando injustiças, opressões e violências, o 
direito vai abrindo 
caminhos para que o desenvolvimento da sociedade se realize dentro do respeito à 
igual dignidade 
de todos os homens. Como lembra Levy­Ullmann, "a idéia de justiça se encontra em 
todas as leis, 
mas não se esgota em nenhuma; é ela, entretanto, que dá sentido e significação a 
todo o direito 
positivo". 
São Paulo, março de 1993.
PREFÁCIOS ANTERIORES 
PREFÁCIO À 9.a EDIÇÃO 
Desde 1972, quando foi publicada a 3.' edição deste livro, várias edições se 
sucederam 
rapidamente, sem que tivéssemos a oportunidade de fazer a atualização e as 
revisões que nos 
parecem convenientes. 
A premência de novas tiragens ­cinco edições em pouco mais de seis anos ­ e a 
intensidade da 
vida parlamentar não nos permitiram realizar, de uma só vez, a revisão do texto 
integral, como 
havíamos planejado. Decidimos, por isso, fazer esse trabalho por partes, a 
partir de agora. Nesta 
9.' edição, começamos por rever o Capítulo I da Primeira Parte e introduzir 
pequenas alterações ou 
correções no restante da obra. 
É nossa intenção proceder da mesma forma nas próximas edições, até que tenhamos 
a obra 
inteiramente revista. 
Ao agradecer a crescente acolhida que professores e alunos têm dispensado a este 
livro, de clara 
orientação humanista, é oportuno lembrar o papel histórico que, no processo de 
desenvolvimento 
nacional, cabe à luta pelo direito. 
Talvez em nenhuma época, como hoje, o estudo e a prática do direito tenham se 
identificado tanto 
com a própria defesa da civilização e do humano. Em qualquer das modalidades de 
sua atuação, 
como juiz, promotor, consultor, advogado, administrador ou legislador, cabe ao 
jurista trabalhar 
permanentemente para assegurar a cada homem o respeito que lhe é devido: suum 
cuique 
tribuere. E defender, assim, aquela realidade fundamental que é a fonte das 
fontes do direito: a 
pessoa humana. 
Ao lado dos técnicos da administração, da economia ou da cibernética, os homens 
do direito têm a 
missão insubstituível de fazer com que o desenvolvimento da sociedade se 
processe em termos de 
justiça, isto é, que se assegure a cada homem e a todos os homens o respeito aos 
direitos que lhe 
são devidos. 
Por isso, a Nação entrega às Faculdades de Direito a tarefa humanizadora, 
essencial ao 
desenvolvimento, de formar cidadãos que serão, na vida nacional, os lutadores 
permanentes da 
justiça e da liberdade. 
São Paulo, janeiro de 1980 
ANDRÉ FRANCO MONTORO 
A disciplina tradicionalmente denominada Introdução à Ciência do Direito recebe 
hoje nova 
designação oficial: Introdução ao Estudo do Direito, por iniciativa do Conselho 
Federal de 
Educação, que, em 28.01.1972, aprovou o currículo mínimo para os cursos de 
Direito. 
O conteúdo da presente obra corresponde, com exatidão, à nova denominação 
oficial. Como se
verifica pelo Plano de Trabalho (p. 25), este livro não se limita ao estudo de 
direito como ciência. 
Seu conteúdo é, na realidade, uma introdução ao estudo do direito em suas 
diversas perspectivas
fundamentais, como ciência, justiça, norma, direito subjetivo e fato social. 
Além dos naturais acréscimos, atualizações e melhor esclarecimento de alguns 
textos, sai a 
presente edição com duas modificações mais importantes: 
A primeira ­ decorrente de solicitação generalizada dos alunos ­ é a tradução 
dos textos de autores 
estrangeiros citados no parágrafo dedicado a Outras Formulações, que se encontra 
no fim de cada 
capítulo. 
A segunda ­ que atende também a sugestões de alunos e professores ­ consiste na 
inclusão, no 
fim de cada volume, de um índice alfabético de assuntos tratados e o outro de 
autores citados. 
Com essa providência, temos em vista facilitar o trabalho de pesquisa e consulta 
dos que se 
utilizarem desta obra. 
Agradecemos, mais uma vez, a acolhida que tem recebido o presente trabalho e as 
sugestões e 
críticas, que muito têm contribuído para seu aperfeiçoamento. 
São Paulo, janeiro de 1972 
PREFÁCIO À 2." EDIÇÃO 
Publicado o 1.° volume da presente obra (1968), a edição esgotouse antes de ser 
feita a 
publicação do 2.° volume. Essa circunstância permitiu­nos realizar um 
remanejamento da matéria e 
acrescentar alguns elementos, que contribuirão para melhor distribuição e 
aperfeiçoamento do 
texto. 
Essas modificações, aconselhadas pela experiência e estimuladas pela 
contribuição de 
professores, alunos e críticos especializados, acentuam o caráter experimental e 
dinâmico que 
pretendemos dar a esta Introdução à Ciência do Direito. 
Quais os objetivos de um curso de Introdução ao Direito? 
Essa pergunta é fundamental, se quisermos examinar criticamente os atuais cursos 
e introduzir 
nos mesmo modificações que correspondam às expectativas e necessidades de um 
estudante que 
inicia o estudo do Direito. Sem a fixação dos objetivos, é impossível avaliar a 
eficiência de qualquer 
curso. 
No caso do curso de Introdução à Ciência do Direito, pensamos que os principais 
objetivos podem 
ser assim indicados: 
1. Proporcionar aos alunos uma visão geral do campo do direito, o que se 
desdobra naturalmente 
no conhecimento: 
­ da posição do direito no conjunto dos conhecimentos humanos; 
­ dos ramos do direito público e privado; 
­ das disciplinas jurídicas fundamentais. 
2. Introduzir os estudantes no conhecimento da terminologia jurídica e das 
categorias 
fundamentais do direito, tais como a norma jurídica, suas espécies e 
interpretação, o direito 
subjetivo e o dever jurídico, a relação jurídica, o sujeito ativo e passivo e o 
objeto do direito, a 
prestação jurídica, a pessoa física e a jurídica, a sanção e a ação judicial, a 
estrutura e os poderes 
do Estado etc.
3. Conduzir a uma tomada de consciência sobre a importância e o significado do 
direito na 
promoção do desenvolvimento nacional, em termos de justiça, isto é, com o 
respeito à dignidade 
pessoal de todos os homens. 
A esse tríplice objetivo procura atender o presente estudo, como se pode 
verificar pela distribuição 
de suas partes e especialmente pela leitura dos n. 1, 2, 63 e 69. 
24        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
É oportuna uma palavra sobre os métodos no ensino do Direito. 
A reforma universitária, que se processa no país, tem uma de suas justificativas 
na necessidade de 
ser assegurada ao estudante uma participação ativa no desenvolvimento dos 
cursos. 
O aluno não pode continuar a ser simples ouvinte de preleções dos professores. 
Sua participação 
deve ser promovida pelo exame e discussão de textos, casos de jurisprudência e 
questões de 
interesse real. 
A divisão da turma em grupos, para a pesquisa e debate de tais problemas, com a 
apresentação 
dos resultados perante a classe, tem sido adotada com sucesso e servido de base 
para exposição 
posterior e explicações do professor. 
A realização de trabalho pessoal e escrito pelos alunos sobre temas relativos ao 
programa é outra 
forma de participação ativa do estudante. 
Com o propósito de facilitar essas e outras modalidades de participação e 
trabalho dos alunos no 
desenvolvimento do curso, incluímos no fim de cada capítulo um parágrafo 
dedicado a Outras 
Formulações, onde são transcritos textos divergentes de diversos autores, casos 
julgados pelos 
tribunais ou documentos semelhantes, e outro dedicado à Bibliografia 
especializada. Como o 
mesmo objetivo, incluímos, no fim do volume, um índice geral das matérias 
tratadas e outro índice 
de autores. 
Agradecemos, antecipadamente, as sugestões e críticas que possam contribuir para 
que este livro 
seja um instrumento cada vez mais útil aos que devem auxiliar as novas gerações 
na Introdução à 
Ciência do Direito. 
São Paulo, fevereiro de 1970 
PLANO DE TRABALHO 
1. O direito pode ser encarado sob duas perspectivas diferentes: como elemento 
de conservação 
das estruturas sociais, ou como instrumento de promoção das transformações da 
sociedade. 
Para os que defendem a função conservadora do direito, a concepção mais adequada 
a essa 
missão é a identificação do direito com a lei, e, por extensão, ao contrato, 
como lei entre as partes. 
Nesse sentido, é significativa a advertência com que famoso professor de Paris 
iniciativa seu 
curso: "Não vim ensinar o direito, vim expor o Código Civil". 
Mas, principalmente nos países em desenvolvimento, o erro dessa posição é 
patente. Fazer do 
direito uma força conservadora é perpetuar
•        subdesenvolvimento e o atraso. Identificar o direito com a lei é errar 
duplamente, porque 
significa desconhecer seu verdadeiro fundamento 
•        condená­lo à estagnação. 
Para fundamentar a missão renovadora e dinâmica do direito é preciso rever 
certos conceitos de 
base e afirmar, na sua plenitude, o valor fundamental, que dá ao direito seu 
sentido e dignidade: a 
justiça. 
Não se trata de um conceito novo, mas permanente, que deve ser afirmado, 
estudado e 
efetivamente aplicado, se quisermos dar ao direito sua destinação verdadeira, 
que é a de ordenar 
a convivência 
•        o desenvolvimento dos povos. 
Nos textos clássicos de Aristóteles, Ulpiano, Cícero, S. Tomás 
• outros, encontramos formulada a doutrina básica da justiça, mas adaptada a uma 
realidade 
profundamente diferente da atual. Encontram­se aí as sementes para a elaboração 
ulterior de um 
pensamento jurídico­filosófico, que precisa ser desenvolvido e aplicado às novas 
condições da 
sociedade e ao direito moderno. 
A esse respeito, dois erros, a nosso ver, precisam ser evitados. Primeiro, a 
simples repetição 
daquele pensamento, como se o mundo não houvesse mudado. Segundo, a rejeição 
pura e 
simples dessa doutrina, como se a mudança das condições sociais destruísse as 
exigências 
fundamentais do respeito à pessoa humana. 
26        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
2. Que é direito? 
Na linguagem comum e na linguagem científica, o vocábulo direito é empregado com 
significações 
diferentes. Ele tem sentido nitidamente diverso nas seguintes expressões: 
1. o direito brasileiro proíbe o duelo; 
2. o Estado tem direito de cobrar impostos; 3. o salário é direito do 
trabalhador; 4. o direito é um 
setor da realidade social; 
5. o estudo do direito requer métodos próprios. 
Cada uma dessas frases emprega uma das significações fundamentais do direito. Na 
primeira, 
direito significa a lei ou norma jurídica (direito­norma). Na segunda, direito 
tem o sentido de 
faculdade ou poder de agir (direito­faculdade ou direito­poder). Na terceira, 
indica o que é devido 
por justiça (direito­justo). Na quarta, o direito é considerado como fenômeno 
social (direito­fato 
social). Na última, ele é referido como disciplina científica (direito­ciência). 
São cinco realidades distintas. E, se quisermos saber
o que é o direito, 
precisamos estudar o 
conteúdo essencial de cada uma dessas significações. 
Esse é o plano do presente trabalho. Consta ele de cinco partes: 
1.8 parte ­ O direito como ciência (Epistemologia Jurídica); 2.' parte ­ O 
direito como justo 
(Axiologia Jurídica); 
3.' parte ­ O direito como norma (Teoria da norma jurídica); 4.' parte ­ O 
direito como faculdade 
(Teoria dos direitos sub 
jetivos); 
5.' parte ­ 0 direito como fato social (Sociologia do Direito).
Primeira Parte 
O DIREITO COMO CIÊNCIA (Epistemologia Jurídica) 
1 
O CONCEITO DE DIREITO 
SUMÁRIO: 1. Origens do vocábulo: 1.1 Problemas de epistemologia jurídica; 1.2 
Definição nominal 
e real; 1.3 Origem dos vocábulos "direito" e "jurídico" ­ 2. Pluralidade de 
significações do direito ­ 
Cinco realidades fundamentais: 2.1 Direito­norma: 2.1.1 Direito positivo e 
Direito natural; 2.1.2 
Direito estatal e não­estatal; 2.2 Direito­faculdade; 2.3 Direito justo; 2.4 
Direito­ciência; 2.5 Direito­ 
fato social; 2.6 Outras acepções ­ 3. Direito­conceito análogo: 3.1 Conclusões; 
3.2 Analogia: 3.2.1 
Analogia intrínseca 'ou de proporção; 3.2.2 Analogia extrínseca ou de relação; 
3.2.3 Analogia 
metafórica ­ 4. Aplicação dos princípios da analogia às diversas significações 
do direito: 4.1 
Analogia de relação: 4.1.1 Analogia entre as significações fundamentais do 
direito. Primado da Lei 
ou da Justiça? Formalismo jurídico e humanismo jurídico; 4.1.2 Outra analogia: 
Direito positivo e 
Direito natural; 4.2 Analogia intrínseca: Direito estatal e Direito não­estatal 
­ 5. Outras formulações: 
5.1 "Conceito de direito", João Mendes; 5.2 "Uma concepção sociológica do 
direito", Lévy­Bruhl; 
5.3 "Justo, conteúdo essencial da norma jurídica", F. Geny; 5.4 "O Direito e o 
materialismo histórico 
e dialético", K. Marx; 5.5 "Concepção quântica do direito", Goffredo Telles 
Júnior ­ 6. Bibliografia. 
1. Origens do vocábulo 
1.1 Problemas de epistemologia jurídica 
Ao estudar o direito como ciência, devemos naturalmente examinar sua definição, 
assim como o 
lugar que ele ocupa no conjunto 
das ciências e a natureza de seu objeto. Tais problemas pertencem ao campo da 
Epistemologia 
Jurídica. 
Epistemologia, do grego epistême (ciência) e logos (estudo), significa 
etimologicamente "teoria da 
ciência". Nesse sentido, podemos 
30        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
dizer, com Machado Neto, que "tratar da ciência do direito, ainda que para o 
mister elementar de 
defini­lo, é fazer Epistemologia".' 
Há, entretanto, na linguagem filosófica, certa imprecisão e diversidade de 
conceitos sobre a exata 
significação do vocábulo. Assim, Lalande define Epistemologia como "o estudo 
crítico dos 
princípios, das hipóteses e dos resultados de cada ciência" (Vocabulaire 
technique et critique de la 
Philosophie, verbete "epistemologie"). E, em nota, esclarece que a palavra 
inglesa epistemulogy é 
freqüentemente empregada para designar toda a "teoria do conhecimento" ou 
"gnosiologia". Da 
mesma forma, os italianos, em geral, não costumam distinguir epistemologia e 
teoria do 
conhecimento. De qualquer forma, os problemas citados: definição de direito, sua 
posição no
quadro das ciências, a natureza de seu objeto constituem inquestionavelmente 
temas de 
Epistemologia do Direito. 
1.2 Definição nominal e real 
Conceituar o direito é defini­lo. E há duas espécies de definição: a) nominal, 
que consiste em dizer 
o que uma palavra ou nome significa; b) real, que consiste em dizer o que uma 
coisa ou realidade 
é. Em obediência à recomendação da lógica, é o que vamos fazer 
em relação ao direito. Estudaremos, primeiramente, a significação da 
palavra. Examinaremos, em seguida, a realidade ou realidades que 
constituem o direito. 
O estudo das palavras e da linguagem em geral é da maior importância. Quando um 
vocábulo é 
empregado durante várias gerações para designar uma realidade, ele se apresenta 
cheio de 
conteúdo e significação. O nome é a experiência acumulada e constitui, de certa 
forma, o limiar da 
ciência.' 
1.3 Origem dos vocábulos "direito" e "jurídico" 
Que significa a palavra "direito"? Qual a sua origem? 
Nas línguas modernas encontramos dois Direito        conjuntos de termos 
utilizados para exprimir a 
idéia de direito. 
Um primeiro conjunto liga­se ao vocábulo "direito", que encontra similar em 
todas as línguas 
neolatinas e, de forma geral, nas línguas ocidentais modernas: Droit (francês); 
Diritto (italiano); 
Derecho (espanhol); Recht (alemão); Right (inglês); Dreptu (romeno). 
~" A. L. Machado Neto, Compêndio de introdução à ciência do Direito. São Paulo, 
Saraiva, 1969, p. 7. 
2' É hoje geralmente reconhecido que a linguagem é elemento fundamental no 
estudo de ciências 
humanas, como o direito e a filosofia. V. "Filosofia da linguagem" e a "Doutrina 
de linguagem 
jurídica", no item 4.2.4, Capítulo 9 do presente volume. 
CONCEITO DE DIREITO        31 
Essas palavras têm sua origem num vocábulo do baixo latim: directum ou rectum, 
que significa 
"direito" ou "reto". Rectum ou directum é o que é conforme "Directum" a uma 
régua. 
Mas, ao lado desse, existe outro conjunto de palavras que, nas línguas modernas, 
liga­se à noção 
de direito. Esse conjunto é representado pelos vocábulos: "jurídico", 
"jurisconsulto", "judicial", 
"judiciário', "jurisprudência" etc., que encontram, também, similar em quase 
todas as línguas 
modernas. 
Qual a origem desses vocábulos? 
É visível que a etimologia dessas palavras encontra­se no termo latino jus 
Guris), que sig­ "Jus" 
nifica "direito". 
Mas, se remontarmos um pouco além e formos investigar a significação originária 
do vocábulo jus, 
encontraremos, pelo menos, duas origens diferentes indicadas pelos filósofos. 
Alguns pretendem que jus se tenha constituído no idioma latino, como derivado de 
jussum, 
particípio passado do verbo jubere, que significa mandar, ordenar. 
"Jussum" 
E apontam, nesse sentido, certas fórmulas
que eram usadas nas Assembléias Curiais em Roma, nas quais os cidadãos, depois 
de discutirem 
as leis, decidiam sobre a sua promulgação. A fórmula usada, então, para 
encerramento da 
discussão, era a seguinte: jubeate quirites (mandai cidadãos); ou então, 
adsentite jubere quirites 
(concordai em mandar, cidadãos). 
Outros preferem ver no vocábulo jus uma derivação de justum, isto é, aquilo que 
é justo ou 
conforme à justiça. "Jus dictum est quia est justum", diz Isidoro de "Justum" 
Sevilha (Etymol., cap. 
3): 
Como confirmação dessas hipóteses são indicadas vocábulos de uma tradição ainda 
mais antiga. 
Assim, ligado à noção de jussum (mandado), indicam alguns autores, como radical 
remoto de jus, 
o vocábulo sânscrito yú, que significa vínculo de onde derivam palavras como: 
jugo, jungido, 
cônjuge (cumyú, vínculo comum). 
Os que pretendem ver, no vocábulo jus, uma derivação da idéia de justiça ou de 
santidade 
(justum), encontram, por sua vez, como raiz remota, o vocábulo do idioma védico 
yós, que significa 
bom, santo, divino, de onde parece terem sido originadas as expressões Zeus 
(Deus ou o pai dos 
deuses, no grego) e Jovis (Júpiter, no latim). 
"Yú" 
"Yós" 
32        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
CONCEITO DE DIREITO        33 
Assim, para citar alguns autores que mais diretamente estudaram 
• problema, podemos mencionar, entre os defensores da primeira hipótese, 
Ihering, que afirma: 
"Jus significa `vínculo', da raiz sânscrita Yú (ligar), de onde derivam: jugo, 
jungir e outras inúmeras 
palavras".3 No mesmo sentido é a opinião de Pott, Meringer e outros.' 
Mas, de outro lado, ilustres autores, como Schrader, Mommsen 
• Breal,5 adotam a tese de que a palavra jus liga­se ao que é justo, santo, 
puro. Para Mommsen, 
jus aproxima­se de jurare. E Breal, no estudo sobre a "Origem das palavras que 
designam o direito 
e a lei no latim", afirma que o vocábulo jus
encontra­se ligado às palavras jaus 
ou jous, nos povos 
da Itália, Pérsia e índia, e exprimiria uma idéia correspondente às noções mais 
elevadas que possa 
conceber o espírito do homem. O pensamento ancestralmente contido nessa palavra 
seria o da 
vontade ou do poder divino.' 
Evidentemente, a esta segunda acepção também se ligam famosos textos de Direito 
Romano, 
como aquele em que se define o direito como "a arte do bem e do justo", ars boni 
et aequi (Celso), 
ou a jurisprudência como "o conhecimento das coisas divinas e humanas 
• a ciência do justo e do injusto", ` jursprudentia est divinarum atque 
humanarum rerum notitia, justi 
atque injusti scientia" (Ulpiano, Dig., 1, 1). 
Segundo Lachance, é ainda possível que o vocábulo jus proceda de juvo, juvare, 
ajudar, proteger.
O direito seria, nesse sentido, uma proteção destinada a defender os homens 
contra qualquer 
violência.' 
Para completar a indicação das origens do vocábulo "direito", 
convém citar, também, a palavra grega correspon"Diké"        dente. Trata­se do 
vocábulo diké (direito), 
por sua 
vez ligado à raiz indo­européia dik, que significa indicar. Não há, entretanto, 
nas línguas modernas 
palavras vinculadas ao diké grego. Apenas nos trabalhos eruditos esse termo é 
mencionado. 
Esse fato confirma um dos aspectos conhecidos da história da cultura. Quase 
todas as palavras 
ligadas ao direito são de origem latina, 
• que revela a influência poderosa do direito romano sobre o direito moderno, ao 
lado da influência 
quase nula da cultura grega, nesse particular. 
Ihering, R. von, Espírito del derecho romano, § 165. 
Ver F. Senn, De Ia justice et du droit, Sirey, cap. II, p. 25, n. 1. 
cs~ F. Senn, loc. cit. V. L. Lachance, "Définition nominale du droit", in Le 
concept 
de droit en Aristote et S. Thomas, § 2. 
(6) Michel Breal, "L'origine des mots désignant le droit et Ia loi en latin", i 
Nouv. Rev. Historique de Droit, 1883, p. 603. 
" Loc. cit. 
Em outros setores, como na filosofia, nas artes e nas ciências especulativas, 
foi profunda a 
influência da cultura helênica. Mas, no campo do direito, quase nada Grécia 
encontramos que nos 
ligue à Grécia. A influência e Roma decisiva nesse campo foi de Roma. O gênio 
prático dos 
romanos contrasta com a sabedoria teórica dos gregos. No campo do pensamento 
puro os gregos 
foram notáveis. Pode dizer­se que não houve em Roma filósofo que mereça ser 
posto ao lado de 
Sócrates, Platão ou Aristóteles. Mas, do ponto de vista prático ­ e 
•        direito se situa nesse campo ­, os romanos foram insuperáveis. E 
• monumento jurídico que eles deixaram à humanidade, o Direito Romano, 
comunicou­se até nós e 
ainda influi poderosamente no direito contemporâneo. 
2. Pluralidade de significações do direito ­ Cinco realidades fundamentais 
Não podemos nos limitar ao estudo do vocábulo. Devemos passar do plano das 
palavras para o 
das realidades. Consideremos as expressões seguintes: 
1 ­ o direito não permite o duelo; 
2 ­ o Estado tem o direito de legislar; 3 ­ a educação é direito da criança; 
4 ­ cabe ao direito estudar a criminalidade; 
5 ­ o direito constitui um setor da vida social. 
Se atentarmos para a significação do vocábulo "direito", nessas diversas 
expressões, verificaremos 
que, em cada uma, ele significa coisa diferente. 
Assim, no primeiro caso ­ ` o direito não 
permite o duelo" ­ "direito" significa a norma, Norma a lei, a regra social 
obrigatória. 
Na segunda expressão ­ "o Estado tem o 
direito de legislar" ­ "direito" significa a facul­ Faculdade dade, o poder, a 
prerrogativa que o Estado 
tem de criar leis. 
Na terceira expressão ­ "a educação é direito 
da criança" ­ "direito" significa o que é devido Justo por justiça. 
Na quarta expressão ­ "cabe ao direito
estudar a criminalidade" ­ "direito" significa Ciência ciência, ou, mais 
exatamente, a ciência do 
direito. 
34        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
Na última expressão ­ "o direito constitui um setor da vida social" ­ "direito" 
é considerado como 
fenômeno da vida coletiva. Ao lado dos fatos econômicos, 
artísticos, culturais, esportivos etc., também o direito é um fato social. 
Temos, assim, cinco realidades diferentes a que correspondem as acepções 
fundamentais do 
direito. Um estudo mais detido nos revela que, partindo destas, podemos chegar, 
ainda, a outras 
significações, de menor importância. 
Façamos um exame rápido dessas significações. 
2.1 Direito­norma 
Direito, no sentido de lei ou norma, é uma das acepções mais comuns do vocábulo. 
Muitos autores 
o denominam "direito objetivo", em oposição ao "direito subjetivo" ou "direito­ 
faculdade", que é 
sempre uma prerrogativa do sujeito (subjectum). 
Essa denominação, no entanto, é imprópria, porque outras acepções do direito, 
como justo ou fato 
social, são, também, objetivas. Direito objetivo não é apenas a lei. 
Inúmeras definições correntes referem­se à acepção do direito como lei. Assim, 
por exemplo, a de 
Clóvis Beviláqua, que, em sua Teoria Geral do Direito Civil, conceitua o Direito 
como "uma regra 
social obrigatória". Ou a de Aubry e Rau: "O Direito é o conjunto de preceitos 
ou regras, a cuja 
observância podemos obrigar o homem, por uma coerção exterior ou física".' É 
esse, também, o 
'caso da definição de Ihering, que considera o direito como "um conjunto de 
normas, coativamente 
garantidas pelo poder público".9 
Mas, direito, na acepção de norma ou lei, indica realidades diferentes, quando 
se refere: a) ao 
direito positivo e ao direito natural; b) ao direito estatal e ao direito não­ 
estatal (ou social). 
2.1.1 Direito positivo e Direito natural 
O Direito positivo é constituído pelo conjunto de normas elaboradas por uma 
sociedade 
determinada, para reger sua vida interna, com a proteção da força social. 
Direito natural significa coisa diferente. E constituído pelos princípios que 
servem de fundamento 
ao Direito positivo. 
A palavra "direito" indica realidades diferentes num e noutro caso. Inúmeras 
interpretações 
inexatas do Direito natural decorrem, 
(e' C. Aubry; C. Rau, Cours de Droit Civil français, Paris, 1936, § 1.°. (9) 
Ihering, Zweck im Recht, 
1, § 18. 
CONCEITO DE DIREITO        35 
exatamente, do fato de se atribuir significação unívoca, isto é, uma única 
significação ao vocábulo 
"direito" em ambos os casos. 
É, por exemplo, famoso o ponto de vista ­de Oudot,10 jurista francês, para quem 
o Direito positivo
e o Direito natural constituiriam dois Códigos paralelos. Teríamos, ao lado de 
cada norma do 
Direito positivo, uma correspondente de Direito natural. 
Na concepção de Oudot e dos chamados "jusnaturalistas racionalistas", o vocábulo 
"direito", 
aplicado ao Direito natural e ao Direito positivo, teria a mesma significação. 
Seria unívoco. 
Ora, essa concepção do Direito natural é inaceitável. O Direito natural, na sua 
formulação clássica, 
não é um conjunto de normas paralelas e semelhantes às do Direito positivo. Mas 
é o fundamento 
do Direito positivo. É constituído por aquelas normas que servem de fundamento a 
este, tais como: 
"deve se fazer o bem", "dar a cada um o que lhe é devido", "a vida social deve 
ser conservada", "os 
contratos devem ser observados" etc., normas essas que são de outra natureza e 
de estrutura 
diferente das do Direito positivo." 
2.1.2 Direito estatal e não­estatal 
Distinção semelhante devemos estabelecer entre o direito estatal e o direito 
não­estatal, também 
chamado direito grupal ou direito 
social, por Gurvitch,12, Lévi­Bruhl,l3 Geny 14 e outros. 
A palavra "direito" aplica­se geralmente às normas jurídicas elaboradas pelo 
Estado, para reger a 
vida social, como por exemplo o Código Civil, a Constituição, o Código 
Comercial, as demais leis 
federais, estaduais e municipais, os decretos etc. 
Mas, ao lado do direito estatal, existem outras normas obrigatórias, elaboradas
por diferentes 
grupos sociais e destinadas a reger a vida interna desses grupos. Estão nesse 
caso, pelo menos 
em grande 
Fato Social 
"Le droit naturel est Ia collection des règles du just e de l'injuste qu'iI est 
souhaitable de voir 
immediatement transformer en lois positives", Oudot, Premiers éssais de 
philosophie du droit, 
1846, § 67. As normas do direito positivo, diz Kelsen, têm a estrutura de uma 
proposição hipotética 
condicional: Se o inquilino não pagar o aluguel, ele estará sujeito a uma ação 
de despejo; se o 
eleitor não votar, estará sujeito a uma multa. As normas de Direito natural são 
proposições 
diferentes: o bem deve ser feito, a pessoa humana deve ser respeitada, a 
sociedade deve ser 
conservada. G. Gurvitch, Le temps présent et l'idée du droit social, Paris, J. 
Vrin, 1932. Ver 
Capítulo 11, n. 7, da Terceira Parte (p. 358), e, Capítulo 22, n. 2, da Quinta 
Parte (p. 545). 
Lévy­Bruhl, "Les sources du droit", in Introduction à l'étude du droit, I, p. 
257 e ss. 
F. Geny, Science et technique en droit privé positif, § 19. 
parte, o direito universitário, o direito esportivo, o direito religioso 
(canônico, muçulmano etc.), os 
usos e costumes internacionais etc. ­ o mesmo ocorre com as normas trabalhistas 
derivadas de 
convenções coletivas, acordos e outras fontes não estatais.
Os estatutos, regulamentos e demais normas que regulamentam a vida de uma 
universidade, 
quando elaborados por esta, constituem um direito autônomo: o direito 
universitário. 
O direito que vigora dentro da comunidade esportiva constitui outro exemplo. A 
atividade esportiva 
está, entre nós, como em outros países, regulamentada não pelo Estado, mas pelas 
próprias 
organizações do esporte. Estas elaboram normas e até mesmo códigos que regulam, 
com força 
obrigatória, a atividade esportiva. Existem, inclusive, tribunais esportivos, 
incumbidos da aplicação 
de tais normas. 
Grande parte do moderno Direito do trabalho, que regula as relações de emprego, 
foi, 
principalmente nos países da Europa, elaborada pelas próprias organizações 
interessadas. Os 
sindicatos e outras organizações operárias e patronais, através de usos e 
contratos coletivos, 
foram estabelecendo normas, que passaram a regular, com força obrigatória, as 
relações de 
trabalho em cada categoria profissional. Não foi o Estado que elaborou essas 
normas. Foram os 
próprios interessados. No Brasil o processo foi diferente. O estatuto básico dos 
direitos dos 
trabalhadores, a CLT ­ Consolidação das Leis do Trabalho ­ foi outorgada pelo 
Presidente Getúlio 
Vargas (Dec.­lei 5.452 de 01.05.1943). Entretanto, ao lado das leis e decretos 
estatais, grande 
parte das normas que regem as relações de trabalho decorre de acordos coletivos 
e 
entendimentos realizados diretamente pelas organizações representativas de 
empregados e 
empregadores. Ocorreu, assim, fenômeno semelhante ao europeu, como demonstra 
Oliveira 
Viana, no estudo sobre instituições políticas brasileiras.` 
Do direito religioso são exemplos o direito canônico, o direito muçulmano, o 
judeu, o budista, 
elaborados pelas próprias comunidades e disciplinando, com normas precisas, a 
atividade 
espiritual de milhões de criaturas. 
As regras editadas pelos organismos internacionais, que se multiplicam, e os 
usos e costumes 
internacionais, com força obrigatória, foram amplamente estudados por Gurvitch, 
Geny, Lévy­Bruhl, 
Le Fur, nas obras citadas, e constituem outras tantas manifestações do direito 
não­estatal ou 
social. 
051 V. Oliveira Viana, Instituições políticas brasileiras, J. Olímpio, 1949; 
Maxime Leroy, "Le droit 
proletarien", introdução a La coutume ouvrière, 2 v., Paris, 1900; Gurvitch, 
"Droit ouvrier", in ob. cit., 
cap. 1; S. Panunzio, Le droit sindical et Ia notion d'autorité; Dolléans, 
Histoire du mouvement 
ouvrier, Paris, Colin, 1953. 
Como observa Gurvitch, esse direito social ou não­estatal pode existir dentro do 
Estado, ao lado do 
Estado e acima do Estado. Dentro do Estado, como o direito universitário ou o 
direito operário. Ao 
lado do Estado, como o direito canônico, que dispõe sobre matéria religiosa, 
enquanto o Estado
regula outras atividades. Acima do Estado, como os usos e costumes 
internacionais. 
Teremos oportunidade de voltar ao exame desse problema, que é amplamente 
estudado pela 
Sociologia jurídica e pelo Direito moderno.' Mas, por ora, importa esclarecer 
que o vocábulo direito, 
aplicado ao direito estatal e ao direito não­estatal, tem significação diversa e 
não unívoca. E por 
isso que muitos autores não admitem que se denomine "direito" a esses 
ordenamentos jurídicos 
não­estatais. Tais autores defendem a tese do "monismo jurídico". Negam caráter 
jurídico aos 
ordenamentos não­estatais. Afirmam, como Kelsen, que só há um ordenamento 
jurídico: o estatal. 
Recusam o "pluralismo jurídico". O que revela que não é no mesmo sentido que se 
emprega a 
palavra "direito", num e noutro caso. É por só admitirem o sentido estrito de 
"direito" que muitos 
autores negam o caráter jurídico dos ordenamentos não­estatais. 
2.2 Direito faculdade 
Passemos à segunda das acepções fundamentais que enumeramos: o direito­faculdade 
ou direito­ 
poder. 
O vocábulo direito, com freqüência, é empregado para designar o poder de uma 
pessoa individual 
ou coletiva, em relação a determinado objeto. O direito de usar um imóvel, 
cobrar uma dívida, 
propor uma ação são exemplos de direito­faculdade ou direito subjetivo. Nesse 
caso, também, o 
direito de legislar ou de punir, de que o Estado é titular, o pátrio­poder do 
chefe de família etc. 
Cada um desses direitos é uma prerrogativa ou faculdade de agir. Uma facultas 
agendi, em 
oposição ao direito­lei, que é uma norma agendi. 
E nesse sentido que Meyer define o direito como "o poder moral de fazer, exigir 
ou possuir alguma 
coisa"." E Ortolan, como "a 
G. Gurvitch, Sociologia jurídica, Rio, Kosmos, 1964, cap. II; Le temps présent 
et l'idée de droit 
social, Paris, J. Vrin, 1932; F. Geny, Science et technique en droit privé 
positif, § 19; H. Lévy­Bruhl, 
Introduction à l'étude du droit (em colaboração), Paris, Ed. Rousseau, 1951, v. 
1.°, p. 257 e ss.; G. 
Del 
Vecchio, "A propos de Ia conception étatique du droit", in Justice, Droit, État, 
Sirey, 1938, p. 282 e 
ss.; Maxime Leroy, Le Code civil et le droit nouveau, 
Paris; G. Morin, La révolte des faits contre le Code, Paris, Sirey; P. Bonnet, 
Le droit en retard sur 
les faits (1930), Paris, Droit et jurisprudence; G. Renard, 
la theorie de l'institution, Paris, Sirey, 1930. 
M. E. Meyer, Filosofia del derecho, Ed. Labor, 1937. 
38 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
CONCEITO DE DIREITO        39 
faculdade de exigir dos outros uma ação ou inação". Kant, por sua vez, refere­se 
a este sentido ao
definir o direito como "a faculdade de exercer aqueles atos, cuja realização 
universalizada não 
impeça a coexistência dos homens"." Esse é também o aspecto focalizado por 
Ihering ao propor a 
seguinte definição de direito: "é o interesse protegido pela lei".19 
A expressão "direito subjetivo" explica­se e se justifica porque o direito nessa 
acepção é realmente 
um poder do sujeito. E uma faculdade reconhecida ao sujeito ou titular do 
direito. 
Devemos, entretanto, distinguir duas acepções nitidamente diferentes de direito 
subjetivo: a) o 
direito­interesse; b) o direito­função. 
Muitos direitos são concedidos ou reconhecidos no interesse de seu titular como 
meios de permitir­ 
lhe a satisfação de suas necessidades materiais ou espirituais. E o caso do 
direito à vida, à 
integridade física ou à liberdade, o direito de usar um imóvel ou reivindicar 
uma propriedade. A 
esse tipo de direito subjetivo dá­se a denominação de direito­interesse. 
Mas, ao lado do direito­interesse, instituído em benefício de seu titular, há 
outra categoria de 
direitos subjetivos,
instituídos em benefício de outras pessoas. É o direito­ 
função, como o pátrio­ 
poder do chefe de família, que é conferido ao pai no interesse do filho. O mesmo 
ocorre com o 
direito de julgar ou de legislar, atribuídos ao juiz ou a legislador, em 
benefício da coletividade. 
2.3 Direito justo 
A palavra "direito", como dissemos, é ainda suscetível de outra significação, 
claramente distinta 
das anteriores, que coloca o direito em outra perspectiva e o relaciona com o 
conceito de justiça. 
Tratase do direito na acepção de justo. 
Dentro dessa acepção, devemos distinguir, também, dois sentidos diferentes. 
a) Umas vezes "direito", na acepção de justo, designa o bem "devido" por 
injustiça. Por exemplo, 
quando dizemos que "o salário 
De acordo com o pensamento de Kant, o direito tem por finalidade garantir a 
coexistência das 
liberdades. Seu princípio fundamental pode ser assim formulado; age segundo uma 
norma que 
possa ser praticada universalmente. Por exemplo: é possível erigir o furto em 
regra universal? Não, 
porque tornarse­ia impraticável a coexistência entre os homens. Como não é 
possível esta 
universalização, o furto é contrário ao direito. Inversamente, o respeito à 
propriedade é uma norma 
que pode ser universalizada. O direito de exigir a devolução de um objeto 
emprestado, o direito de 
exigir o pagamento do salário etc. são normas que podem ser universalizadas e, 
por isso, jurídicas. 
Ihering, Espírito do direito romano, § 70. 
é direito do trabalhador", a palavra "direito" significa "aquilo que é devido 
por justiça". 
b) Outras vezes "justo" significa a "conformidade" com a justiça. Por exemplo: 
quando digo que 
"não é direito condenar um anormal", quero dizer não é conforme à justiça. 
São duas acepções diferentes, se bem que ambas relacionadas com o conceito de 
justiça. 
A primeira acepção pode ser denominada `justo objetivo", porque direito, nesse 
caso, é aquele
bem que é devido a uma pessoa por uma exigência da justiça. Nesse sentido o 
respeito à vida é 
devido a todo homem, o pagamento é devido ao vendedor, a aposentadoria é devida 
ao 
empregado, o imposto é devido ao Estado etc. 
A esse sentido é que se refere a definição de S. Tomás, segundo a qual "direito 
é o que é devido a 
outrem, segundo uma igualdade"." 
É, também, a essa acepção do direito que se refere o famoso conceito de Ulpiano: 
"Justiça é a 
vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito"." Definição que 
remonta aos mais 
antigos estudos sobre o direito e a justiça. Em Aristóteles e Platão, por 
exemplo, encontramos a 
mesma definição com pequenas variações. 
A palavra "direito" é aí empregada no sentido de "justo objetivo". E o bem 
devido a outrem, 
segundo uma igualdade. E o objeto da justiça. Acepção fundamental, como veremos, 
que é 
retomada hoje por ilustres juristas, como Karl Engisch, Michel Villey e 
outros.22 
A ela corresponde, com exatidão, o vocábulo jus. E significa o que é devido por 
justiça. É esse o 
significado da palavra "direito" na Declaração Universal dos Direitos Humanos. 
A segunda acepção ligada ao conceito de justiça é, como vimos, a conformidade 
com a justiça. No 
exemplo visto ­ "não é direito condenar um anormal" ­ direito é sinônimo de 
justo, mas justo aí 
significa um qualificativo. Indica a conformidade com as exigências da justiça. 
(20) S. Tomás, De justitia, II, q. 80, c. 
(Z' "Justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi", 
"Regras de Ulpiano", livro 
1, constante do Digesto, livro 1. "De justitia et jure", fr. 10 pr. Esse texto é 
reproduzido nas 
Institutas, de Justiniano, livro 1, tit. 1, "De justitia et jure, principium", 
em termos quase idênticos: 
"justitia est 
constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuens". É freqüente traduzir 
perpetua por 
permanente, contínua, o que não é rigorosamente certo. Como observa F. Senn, 
"perpétuo" 
significa ` o que dura tanto tempo quanto a pessoa. Assim, a virtude da justiça 
no homem deve 
durar sua vida inteira" (De Ia 
Justice et du droit, p. 2, n. 2). 
(22) Ver Karl Engisch. Introdução ao pensamento jurídico, trad. J. B. Machado, 
Lisboa, Gulbenkian, 
1972; Michel Villey, Seize essais de Philosophie du Droit, 
cap. li. 
40        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
Encontramos definições de direito que se referem a esta acepção. Entre outras, 
podemos citar a 
de Liberatore: "Direito é tudo o que é reto, na ordem dos costumes",23 onde está 
claramente 
indicada a conformidade com regra de conduta. 
2.4 Direito­ciência 
Num plano inteiramente diferente dos anteriores, a palavra direito é, com 
freqüência, empregada 
para designar a "ciência do direito".
Quando falamos em estudar "direito", formar­se em direito, doutor ou bacharel em 
direito, método 
ou objeto de direito, é no sentido de "ciência" que empregamos a palavra. 
Entre as definições de direito que o consideram sob este prisma, podemos citar o 
clássico conceito 
de Celso: "Direito é a arte do bom e do justo" ("jus est ars boni et aequi"), ou 
a definição de 
Hermann Post: "Direito é a exposição sistematizada de todos os fenômenos da vida 
jurídica e a 
determinação de suas causas" .24 
2.5 Direito fato social 
Finalmente, numa perspectiva distinta das anteriores, a palavra direito é 
empregada principalmente 
pelos sociólogos, mas também pelos juristas, no sentido de fato social. El hecho 
del derecho (O 
fato do direito) é o título de obra coletiva de Cabral Moncada e outros (Ed. 
Losada, 1956), na qual 
Olivecrona estuda "o direito como fato". 
Ao realizar o estudo de qualquer coletividade, a sociologia distingue diversas 
espécies de 
fenômenos sociais. Considera os fatos religiosos, econômicos, culturais e, entre 
eles, o direito. 
O direito é, então, considerado um setor da vida social, independentemente de 
sua acepção como 
norma, faculdade, ciência ou justo. EJ como setor da vida social, deve ser 
estudado 
sociologicamente. E dentro dessa perspectiva que se situa a Sociologia do 
Direito. 
Sob esse aspecto, Gurvitch define o direito como "uma tentativa para realizar, 
num dado meio 
social, a idéia de justiça, através de um sistema de normas imperativo­ 
atributivas" .25 
É essa, também, a perspetiva em que se coloca Tobias Barreto, ao definir o 
direito como "o 
conjunto das condições existenciais e evolucionais da sociedade, coativamente 
asseguradas 26 ou 
em fórmula 
CONCEITO DE DIREITO        41 
mais atual, o conjunto das condições de existência e desenvolvimento da 
sociedade, coativamente 
asseguradas". Na mesma linha está situada a obra de Olivecrona Law as fact, 
1980. 
2.6 Outras acepções 
As acepções fundamentais que acabamos de examinar são as que mais interessam ao 
estudo 
jurídico. Entretanto, podemos acrescentar ainda outras menos importantes, que 
são de uso 
corrente. 
Assim, a palavra direito é usada, muitas vezes, no sentido de tributo ou taxa, 
por exemplo, quando 
se fala em "direitos" alfandegários ou aduaneiros. 
Direito é ainda empregado com o significado de "reto", no sentido geométrico. 
Por exemplo, um 
"segmento direito", isto é, geometricamente reto. 
É, ainda, usado para indicar uma operação certa: "Este cálculo está direito". 
Isto é, aritmeticamente 
certo. 
Pode­se usar a palavra para designar um "homem direito", no sentido de ter uma 
conduta
moralmente correta. 
Direito pode significar, finalmente, oposto a esquerdo: lado "direito". 
Evidentemente, essas últimas acepções não apresentam interesse jurídico. São 
mencionadas 
apenas como objetivo de fazer, na medida do possível, uma análise exaustiva das 
significações do 
direito, que podem ser assim sintetizadas: 
ACEPÇÕES DIREITO­NORMA DIREITO­FACULDADE 
DIREITO­JUSTO DIREITO­CIÊNCIA DIREITO FATO­SOCIAL 
FUNDAMENTAIS 
DIREITO POSITIVO DIREITO NATURAL DIREITO ESTATAL DIREITO NÃO­ESTATAL 
1 DIREITO­INTERESSE DIREITO­FUNÇÃO
DEVIDO POR JUSTIÇA 
CONFORME A JUSTIÇA 
(23) Liberatore, Comp. di Filosofia del Diritto, Pádua, Cedam. X20' In C. 
Beviláqua, Teoria Geral do 
Direito Civil, § 1.°. 
G. Gurvitch, Sociologia jurídica, Kosmos, 1946, introd., § V. 
(26) Introdução ao estudo de Direito, cap. V, em Obras completas de Tobias 
Barreto, Inst. Nac. do Livro, 1966, Estudo de Filosofia, t. 2, p. 143. Tobias 
Barreto adota, com modificações, a definição de lhering: "O direito é o conjunto 
de condições de vida da sociedade, coativamente asseguradas pelo poder público'. 
Tobias Barreto 
acrescenta às condições de vida as de desenvolvimento (evolucionais) e dispensa 
a referência ao 
poder público. Ambos consideram o direito como fenômeno social, criado pela 
própria sociedade, 
para assegurar a sua vida e desenvolvimento. 
42        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
ACEPÇÕES SECUNDÁRIAS 
DIREITO COMO TRIBUTO (direitos alfandegários) DIREITO COMO RETO (segmento 
direito) 
DIREITO COMO CERTO (cálculo direito) DIREITO COMO CORRETO (homem direito) 
DIREITO COMO OPOSTO A ESQUERDA (lado direito) 
3. Direito­conceito análogo 
3.1 Conclusões 
Do exame que acabamos de fazer decorrem algumas conclusões, que devem se 
explicitadas: a) a 
palavra "direito" não designa apenas uma, mas várias realidades distintas; b) em 
conseqüência, 
não é possível formular uma definição única do direito; devem ser formuladas 
diferentes definições, 
correspondentes às diversas realidades; c) o estudo feito demonstra que o 
vocábulo "direito" não é 
unívoco, nem equívoco, mas análogo. 
3.2 Analogia 
Como sabemos, a lógica divide os termos em unívocos, equívocos e análogos. 
Unívoco é o termo que se aplica a uma única realidade. Exemplo: livro, homem, 
vegetal. 
Equívoco é o que se aplica a duas ou mais realidades radicalmente diversas. 
Exemplo: o termo 
"lente", aplicado ao professor e ao vidro refrativo. 
Análogo é o termo que se aplica a diversas realidades que apresentam entre si 
certa semelhança. 
O termo análogo é, assim, intermediário entre o unívoco e o equívoco. Exemplo: o 
vocábulo
"direito", que designa a lei, a faculdade, a ciência, o justo, o fato social. 
Os termos análogos, por sua vez, podem ser classificados em três categorias 
diferentes, 
correspondentes às diversas espécies de analogia: a) analogia intrínseca ou de 
proporção própria; 
b) analogia extrínseca, de relação ou de atribuição; c) analogia metafórica ou 
de proporção 
imprópria ou figurada. 
3.2.1 Analogia intrínseca ou de proporção 
Dá­se a analogia intrínseca, ou de proporção, quando o vocábulo é aplicado a 
diversas realidades, 
entre as quais existe uma relação de proporcionalidade. Exemplo: o vocábulo 
"princípio" aplica­se 
ao princípio (começo) do dia, ao princípio (início) de uma estrada, aos 
princípios da ciência, aos 
princípios morais. 
Estas diversas acepções são diferentes. "Princípio" não significa a mesma coisa 
nesses diversos 
casos. Mas existe entre eles uma proporção que se poderia assim enunciar: os 
princípios da 
ciência estão para a ciência, assim como o princípio do dia está para o dia, 
assim como o princípio 
da estrada está para a estrada, assim como os princípios morais estão para a 
conduta. Em todas 
essas acepções, "princípio" significa aquilo de que alguma coisa, de qualquer 
forma, depende. 
Há aí uma analogia de proporção, que é intrínseca, porque o termo "princípio" 
encerra, em si 
mesmo, essa analogia. Não se pode dizer, por exemplo, que os fundamentos da 
ciência tenham 
mais a natureza de "princípio" do que o começo do dia. Todos são "princípios" em 
sentido próprio. 
Todos são aquilo de que alguma coisa, de qualquer forma, depende. Esse aditivo 
"de qualquer 
forma" indica normalmente a existência de uma analogia intrínseca. 
3.2.2 Analogia extrínseca ou de relação 
Outra vezes, os termos apresentam outra espécie de analogia: é a chamada 
analogia extrínseca, 
de relação ou de atribuição. 
Realiza­se esta analogia quando o termo se aplica, em sentido direto e próprio, 
a uma realidade. 
Mas se aplica, também, por extensão, a outra realidade ou realidades, que mantêm 
com a anterior 
relações de dependência, geralmente causais. 
Neste caso, o primeiro objeto, aquele a que o termo se aplica em sentido direto 
e próprio, é 
chamado "analogado principal". E o objeto ou objetos a que o termo se aplica por 
extensão 
denominamse "analogados secundários" ou derivados. 
Exemplo típico de analogia de relação ou extrínseca é o que se dá com o vocábulo 
"sadio". Esse 
termo se aplica ao "homem sadio", ao "clima sadio", ao "alimento sadio" e à "cor 
sadia". 
Se prestarmos atenção ao significado da palavra "sadio", em suas diversas 
acepções, 
verificaremos que o vocábulo não tem a mesma significação em todos os casos. Dá­ 
se aí uma 
analogia extrínseca ou de relação. Qual dentre essas realidades é aquela que, 
com propriedade,
pode ser denominada sadia? Quem é propriamente sadio? O clima? O alimento? O 
homem? A 
cor? Na linguagem comum, o homem é que é sadio. O alimento é chamado sadio, 
porque é uma 
das causas do homem sadio. O clima está no mesmo caso. A cor é sadia, porque é 
efeito ou 
manifestação da saúde. O vocábulo sadio aplica­se, assim, diretamente ao homem 
e, por 
extensão, a outras realidades, que mantêm com ele relações de dependência 
(causa, efeito ou 
manifestação do homem sadio). 
Percebe­se claramente que há diferenças entre a estrutura desta analogia e a que 
mencionamos 
no caso anterior. 
CONCEITO DE DIREITO        43 
3.2.3 Analogia metafórica 
Há, ainda, um terceiro caso de analogia: metafórica, imprópria ou figurada. 
Nesta espécie de 
analogia o termo tem uma significação direta e própria, mas se aplica também a 
outras realidades, 
em sentido figurado, em virtude de uma proporção imprópria que se estabelece com 
a significação 
originária. Está no caso o termo "rei", que se aplica diretamente ao monarca na 
sociedade política, 
mas se estende também ao leão, "rei" dos animais, ao "rei" do aço ou do café, em 
acepção 
evidentemente metafórica ou figurada. 
Entre essas significações há uma proporção figurada: o monarca está para o 
Estado, assim como 
o leão está para os animais, o rei do aço para os produtores de aço etc. 
Com essas considerações, podemos passar ao exame do tipo ou tipos de analogia 
existentes 
entre as diversas significações do direito. Esse exame nos mostrará casos de 
analogia de relação, 
analogia de proporção e até mesmo de analogia metafórica (v. nota 65). 
Do tema ocupou­se largamente G. Renard, na segunda lição de sua Philosophie de 
l'institution, 
dedicada ao estudo do "papel da analogia na ciência jurídica". 
4. Aplicação dos princípios da analogia às diversas significações do direito 
4.1 Analogia de relação 
Examinaremos dois casos de analogia de relação: 
1. a analogia entre as significações fundamentais do vocábulo "direito"; 
2. a analogia existente entre as significações do Direito positivo e Direito 
natural. 
4.1.1 Analogia entre as significações fundamentais do direito. Primado da Lei ou 
da Justiça? 
Formalismo jurídico e humanismo jurídico 
Qual a analogia existente entre as acepções fundamentais do direito? 
Sabemos que essas acepções fundamentais são o direito­norma, o direito­ 
faculdade, o direito­ 
justo, o direito­ciência e o direito­fato social. Há entre essas diferentes 
significações uma clara 
analogia de relação, isto é, o vocábulo "direito" aplica­se de forma principal a 
uma dessas 
acepções e estende­se às demais, em virtude das relações reais ­ e não apenas 
metafóricas ­ que 
existem entre essas expressões. 
Mas qual é o sentido principal? Ou, em termos lógicos, qual o primeiro 
analogado? 
CONCEITO DE DIREITO        45
Situa­se aí um dos problemas que divide autores e correntes jurídicas. 
Para grande número de juristas como Planiol, Ripert, Colin, Capitant, De 
Ruggiero,
Kelsen, Clóvis 
Beviláqua etc. o direito é, em primeiro lugar, um conjunto Primado de normas, 
leis ou regras 
jurídicas, "Direito­ do direitonorma" seria o analogado principal. É sob esse 
norma aspecto que o 
direito é estudado pela maioria dos 
autores modernos. "A palavra direito designa o conjunto de leis ou regras 
jurídicas aplicáveis à 
atividade dos homens", diz Planiol.27 "O direito é a norma das ações humanas na 
vida social, 
estabelecida por uma organização soberana e imposta coativamente à observância 
de todos", 
escreve De Ruggiero.28 Na mesma lista, Kelsen define o direito como "um sistema 
de normas que 
regulam o comportamento humano"29 e acrescenta: "O direito é a norma primária, 
que estabelece 
a sanção".30 
Outros preferem ver no "direito­faculdade" ou direito subjetivo o significado 
fundamental. "O direito 
considerado na vida real (...) nos aparece como um poder do Primado indivíduo", 
escreve 
Savigny.31 Como observa do direito Carlos Campos,32 o Código de Napoleão foi 
subjetivo 
construído sobre o conceito do direito subjetivo. 
Os jurisconsultos romanos fizeram uma teoria sólida com ele. Foi retomado pelos 
grandes juristas 
dos séculos XVI e XVII. Sob certo aspecto, está no fundamento da Declaração 
Universal dos 
Direitos Humanos e das demais Declarações de Direitos. Constitui a base de todo 
o direito privado 
e o ponto de partida das modernas construções do direito público. 
E esse, também, o ponto de vista em que se colocam, entre outros, Ihering, ao 
estudar "a luta pelo 
direito", Jayme de Altavila, ao pesquisar a Origem dos direitos dos povos,33 
assim como o de 
Kant, Hegel e demais autores para quem o direito é fundamentalmente liberdade. 
Dessa posição aproxima­se também a doutrina egológica do direito, formulada pelo 
jurista 
argentino Carlos Cóssio.34 A conclusão 
44        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA PO DIREITO 
(27) 28) (29) 
(30) (31) (32) 
(33) 
Marcel Planiol, Traité élémentaire de Droit Civil, V. 1, p. 1. 
R. de Ruggiero, Instituições de Direito Civil, Saraiva, v. 1, § 2.°. 
Hans Kelsen, Teoria pura do Direito, trad. de J. B. Machado, Coimbra, Arménio 
Amado, 1974, p. 
21. 
Idem, General theory of law and State, 1949, p. 61. Savigny, Sistema del Derecho 
Romano, v. 1, § 
4.°, p. 25. 
Carlos Campos, Sociologia e filosofia do Direito, Rio de Janeiro, Ed. Revista 
Forense, 1943, p. 59. 
Jayme de Altavila, Origem dos direitos dos povos, São Paulo, Melhoramentos, 
1964. 
Carlos Cóssio, La teoria egológica del derecho y el concepto jurídico de 
libertad, Abeledo Perrot, 
1964.
46        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
CONCEITO DE DIREITO        47 
básica da teoria egológica é que "o direito é conduta e não norma", escreve um 
dos autorizados 
seguidores da doutrina de Cóssio no Brasil, o professor Machado Neto, da 
Universidade da Bahia." 
Para a concepção egológica, o direito não é forma, mas "conduta humana em 
interferência 
intersubjetiva" (relacionamento entre sujeitos ou "egos", daí a designação da 
doutrina "egológica"). 
E entre as modalidades fundamentais desse relacionamento intersubjetivo que 
caracteriza o direito 
está a "faculdade" ao lado da "prestação", do "ilícito" e da "sanção" que com 
ela se relacionam. 
A moderna sociologia jurídica considera o direito sob outra 
perspectiva. "O direito é o fenômeno social por Primado excelência", escreveu H. 
Lévy­Bruhl, "mais 
do do direito­ que a religião, mais do que a língua, mais do que fato a arte, 
ele revela a natureza 
íntima do grupo social        social".36 Roscoe Pound define o direito como: "O 
controle exercido pela aplicação da força de que dispõe uma sociedade 
politicamente 
organizada".37 
É interessante observar que a tendência ao sociologismo jurídico ` predomina 
hoje de certa forma 
nos Estados Unidos e na União Soviética. Nos Estados Unidos essa orientação é 
representada 
pela escola da jurisprudência sociológica de Benjamin Cardozo, Roscoe Pound, 
Gray, Llevelyn e 
outros. Na antiga URSS o sociologismo era de vinculação marxista; o jurista 
soviético Stuchka 
define o direito como "um sistema de relações sociais que corresponde aos 
interesses da classe 
dominante e está defendido pela força organizada dessa classe" .38 
De outra parte, muitos juristas vêem no direito, em primeiro lugar, 
uma ciência. "A previsão do que os tribunais Primado decidirão é o que eu 
entendo por direito", 
escreveu do direito­ Holmes.39 Previsão é conhecimento, estudo, ciên­' ciencia 
cia. Já Ulpiano 
definira o direito como "a ciência. 
do justo e do injusto";40 e Celso como a ars boni) et aequi. Na mesma linha 
situam­se, em geral, 
os mestres que 
consideram naturalmente o direito como disciplina a ser estudada e transmitida 
às novas gerações. 
Ao lado das diferentes perspectivas que acabam de ser examinadas coloca­se a dos 
que vêem no 
direito, fundamentalmente, o justum, isto é, o "justo­objetivo" Primado ou o 
"devido por justiça". É 
essa a concepção do direitotradicional que nos vem do Direito Romano e é justo 
modernamente 
reafirmada por ilustres juristas, ou devido como Geny, Villey, Engisch e outros. 
A função do juiz e do jurista, em suas diversas atividades, consiste sempre em 
descobrir "o direito", 
isto é, ` o justo" e assegurá­lo. A lei (lex) não se confunde com o direito 
(jus). A lei (direito­norma) 
não é propriamente "o direito", mas uma de suas fontes.` O "direito subjetivo" 
também não é a rigor
o direito, mas o poder de exigi­lo ou o seu reconhecimento. Da mesma forma, o 
direito­fato social e 
o direito­ciência são claramente acepções derivadas, vinculadas ao justum.42 
A norma ou lei é chamada "direito", porque ela estabelece ou deve estabelecer o 
que é justo. A 
faculdade é denominada "direito" porque ela é, de certa forma, o poder de exigir 
o justo ou o seu 
reconhecimento. Da mesma forma, a Ciência do Direito é assim chamada porque ela 
é o conjunto 
de conhecimentos que tem por objeto o justo e suas manifestações. E o direito 
como fato social é, 
também, uma acepção derivada. Ele é o setor da realidade social que tende para a 
realização da 
justiça .43 
Essa interpretação corresponde à natureza fundamental do direito e ao 
ensinamento de grandes 
mestres. 
"Não é da regra que emana o direito, mas do direito (jus) é que se faz a regra", 
diz o velho 
brocardo de Justiniano: "Non ut ex regula jus sumatur, sed ex jure, quod 
Justiniano est, regula fiat". 
No mesmo sentido é a lição contida na clássica definição de justiça de Ulpiano: 
"Vontade constante 
e perpétua de atribuir a cada um o seu direito (jus suum Ulpiano cuique)". Qual 
o sentido da 
palavra jus nessa 
(35) 
A. L. Machado Neto, Teoria da ciência jurídica, São Paulo, Saraiva, 1975, p. 
157. A revalorização 
do direito subjetivo na doutrina de Cóssio é salientada por Machado Neto, nos 
seguintes termos: 
"Outra parte em que a teoria egológica 
reforma a teoria pura (de Kelsen) é na revalorização do Direito subjetivo, que 
o conceito de direito como conduta vem acarretar. A liberdade é, nessa 
perspectiva, um prius de 
onde se há de partir" (ob. cit., p. 151). H. Lévy­Bruhl, "Aspectes sociologiques 
du droit", em Petit 
bibliothèque 
sociologique internationale, Sirey, 1955. 
Roscoe Pound, em La sociologie au XX siècle, Paris, PU, 1947, p. 306. In Kelsen, 
Teoria 
comunista del derecho y del estado, B. Aires, Emecé, 1957, p. 95. 
O. W. Holmes, The path of the law, 1920, p. 173. Ulpiano, Digesto, 1, 1. 
(36) 
(41) (42) 
(37) (38) 
(43) 
(39) (40) 
Sobre a lei como fonte de direito, v. adiante Capítulo 11. 
Nesse sentido, é esclarecedora a citada definição do direito­fato social, 
proposta por Gurvitch: 
"Tentativa para realizar, num dado meio social, a idéia de justiça, através de 
um sistema de 
normas". Igualmente esclarecedora é a definição do direito­ciência formulada por 
Ulpiano: "ciência 
do justo". E interessante observar
que, em grego, o justo objetivo, dikaion, e a 
norma, pomos, são 
designados por palavras diferentes. Em latim, ambos podem ser designados pelo 
termo jus, se 
bem que, em sentido estrito, jus e lex não se confundem. Em inglês, o vocábulo 
law indica tanto o
"direito" como a "lei". 
48        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
definição? É precisamente o justo objetivo, isto é, aquilo que é devido a cada 
um. 
Modernamente François Geny conclui seu estudo sobre "a ciência 
e a técnica no direito privado positivo", com o Geny        reconhecimento de 
que "no fundo de todo 
o 
conteúdo do direito, encontra­se, como noção fundamental, a de justo", que 
inclui em si não 
apenas preceitos de justiça particular, distributiva ou comutativa, mas também 
as exigências do 
bem comum e da justiça social, "com a finalidade de assegurar a ordem essencial 
à manutenção e 
ao progresso da sociedade 
humana" .44 
E Engisch, depois de observar que o pensamento jurídico moderno 
se orienta em primeira linha pela lei, afirma que Engisch        ao lidar com a 
lei percebe­se claramente 
"algo que 
está por detrás da lei e que nós nos propomos chamar simplesmente DIREITO" .45 
Essa é, também, a lição contemporânea de Bobbio, ao lembrar que a "teoria da 
justiça" concerne 
ao fundo do direito e a "teoria do direito­norma" concerne à forma do direito.` 
De Del Vecchio, ao 
afirmar que a noção de justo é a pedra angular de todo o edifício 
jurídico .47 De Catherin,48 G. Burdeau,49 Lachance,50 Olgiati,51 Dabin,52 Villey 
53 e inúmeros 
outros .54 
F. Geny, Science et technique en droit privé positif, v. 1, § 16. 
Karl Engisch, Introdução ao pensamento jurídico, trad. de J. B. Machado, Lisboa, 
Gulbenkian, 
1964, p. 308. 
N. Bobbio, "Nature et fonction de Ia philosophie du droit", in Archives de 
Philosophie du Droit, Sirey, 
1962, v. 7, n. 8. G. Del Vecchio, Justice, Droit, État, Sirey, 1938, Prefácio. 
Cathrein ensina que o justo ou jus ­ o devido a alguém segundo certa igualdade 
ou proporção ­ é o 
direito originário (Recht, Naturrecht und positives Recht, ed. Herber. Trad. 
espanhola Filosofia del 
Derecho, II parte, § 1.°). 
G. Burdeau, nos Archives de Philosophie du Droit et Sociologie juridique (1937, 
n. 3 e 4, p. 58 a 
88), depois de numerar como fatores da norma jurídica: a) princípio afirmado 
pela regra; b) a 
obrigação que ela impõe; c) o fim que 
a justifica; conclui: "A norma não vale por si mesma, mas apenas em consideração 
a um fim 
situado fora dela" (p. 66). Lachance dedica o 1.° parágrafo de sua "Análise da 
noção do Direito" à 
demonstração de que o direito é um "devido": "Le droit est un du" (Le concept de 
droit selon 
Aristote et S. Thomas, liv. II, § 1.°). F. Olgiati, La riduzione del concetto 
filosofico di diritto al 
concetto di giustizia, 
Milão, Giuffrè, 1932. 
J. Dabin, "La justice est Ia matière naturelle du sistème juridique a plusieurs 
titres" (Téorie générale 
du droit, Bruxelas, Bruylant, 1944, n. 253, p. 257). Michel Villey, Seize essais 
de Philosophie du 
Droit, Paris, Dalloz, 1969. V. Capítulo 5, n. 8.
Nesse sentido, o justo objetivo é a acepção fundamental do direito. Entretanto, 
no direito moderno, 
essa noção vem sendo muitas vezes esquecida e substituída pela preeminência do 
direito­norma. 
Considera­se, de preferência, não o conteúdo ou matéria do direito, mas seu 
aspecto formal ou 
obrigatoriedade. 
Essa orientação deve ser atribuída à influência do positivismo jurídico e a 
certo fetichismo pela lei e 
pelo Orientação contrato. Uma das grandes tendências do direito positivista no 
século XIX foi a de 
endeusamento da lei e do contrato, como manifestações da vontade individual. 
Liga­se essa 
tendência ao voluntarismo 
ético e jurídico, cujas raízes, no mundo moderno, vamos encontrar principalmente 
em Grotius,55 
Rousseau,56 e Kant.57 Para esses autores, a vontade subjetiva, e não a realidade 
objetiva, é o 
princípio fundamental da moral e do direito. Dentro dessa concepção, a lei, como 
"vontade" geral, é 
que tem importância básica. 
Esse primado da lei ou norma tem recuado diante da realidade jurídica e social. 
Demonstrou­o, 
entre outros, Gaston Morin, em dois estudos: A lei e o contrato: a decadência de 
sua soberania e A 
revolta do direito contra o Código." 
O direito não tem seu fundamento último na lei ou no contrato. O direito é 
fundamentalmente o 
justo. É o que é "devido" a cada um, indivíduo ou sociedade, segundo um 
princípio fundamental de 
igualdade, simples, ou proporcional.` A lei é um instrumento para a realização 
desse direito. Ela 
deve servir de guia ao jurista e ser interpretada, sempre, em função de seu 
objetivo essencial, que 
é o de assegurar a cada um ­ indivíduo, Estado ou outras instituições ­ o 
direito que lhe é devido: 
"jus suum cuique tribuere". 
Essa consideração não diminui a importância da lei. Pelo contrário, a valoriza. 
Nesse sentido é oportuna de Villey, professor da Faculdade de Direito de Paris: 
"Se sou juiz e 
procuro a solução justa, sem ser escravo das leis, tenho duas razões para as 
levar em conta. Em 
primeiro lugar, porque elas são o resultado, a realização de longos esforços da 
doutrina 
Grotius, H., De jure belli ac pacis, Lausane, 1751. 
Rousseau, J. J., "Du contrat social", "Discours sur 1'origine et les fondements 
de l'egalité parmi les hommes" in Oeuvres completes. 
Kant, especialmente Crítica da razão prática e Metafísica dos costumes. 
Gaston Morin, La loi et le contrat ­ La decadence de leur souveraineté, Paris, 
Alcan, 1927, e La 
revolte du droit contre le Code, Paris, Sirey, 1945. 
V. "Características e espécies da justiça", adiante, Segunda Parte, Capítulos 5 
a 9 (p. 121 a 290). 
CONCEITO DE DIREITO        49 
Formalismo jurídico 
Justiça: Humanismo Jurídico 
(44) (45) 
(46) 
(47) (48)
(49) (50) 
(52) 
(55) (56) 
(53) (54) 
(57) (58) 
(59) 
50        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
CONCEITO DE DIREITO        51 
para encontrar as regras do justo. Nossas leis resumem o estado atual da ciência 
do justo. A esse 
título elas nos servem de guia. E, de outro lado, já que o meu dever é 
equilibrar e pesar todos os 
interesses presentes, não posso esquecer que o interesse comum exige 
determinações fixas, que 
a lei procura estabelecer". E acrescenta: "A nossa filosofia do direito não 
ignora as leis, pelo 
contrário, demonstra e delimita a sua autoridade".60 
No mesmo sentido é a observação de Rodriguez Aguilera: "A lei pode ser justa ou 
injusta. O 
mesmo ocorre com a sentença, embora seu destino natural seja sempre a justiça. A 
dependência 
entretanto não é necessária. De uma lei injusta pode surgir, na sua aplicação, 
uma sentença justa, 
ou que se aproxime da justiça, por haver o juiz superado a letra da lei, 
mediante uma interpretação 
orientada pela 
justiça" .61 
4.1.2 Outra analogia: Direito positivo e Direito natural, 
Passemos a outra aplicação dos princípios da analogia. Ela pode ser feita em 
relação ao Direito 
positivo e ao Direito natural. A palavra "direito" não tem a mesma significação 
quando aplicada à lei 
natural e à lei positiva. 
Alguns autores empregam em sentido unívoco posição de Oudot e dos 
jusnaturalistas de 
orientação racionalista, que conceituam o, Direito natural como um "direito" no 
mesmo plano de 
Direito positivo.? Para estes, como vimos, o Direito natural é um código 
paralelo aos códigos 
positivos. Ao lado de cada norma de Direito positivo, teríamos uma de Direito 
natural. 
Essa concepção, entretanto, é inadmissível. E, pelo menos em parte, é 
responsável pelo 
descrédito em que ficou o Direito natural, em certos setores científicos. 
Se analisarmos o pensamento de muitos autores que negam o Direito natural, 
veremos que na 
realidade eles negam essa concepção de um Direito natural paralelo a Direito 
positivo. Negam que 
o Direito natural seja "direito", em sentido
unívoco, isto é, no mesmo sentido 
em que se fala do 
Direito positivo. E têm razão. Na realidade, esse, Direito natural não existe. E 
pura imaginação. 
O Direito natural é constituído não por um conjunto de preceitos paralelos ao 
Direito positivo, mas 
pelos princípios fundamentais do Direito positivo. 
1601 Michel Villey, "Une definition du droit", in Seize essais de Philosophie da
Droit, p. 32. 
(61) C. Rodriguez Aguillera, La Sentencia, Barcelona, Bosch, 1975, p. 94. 
A palavra "direito", aplicada a um e a outro desses direitos, tem significação 
análoga. E a analogia 
que aí se realiza é a de relação. 
Em sentido direto e imediato, a palavra direito se aplica ao Direito positivo, à 
lei positiva. Mas se 
estende também ao Direito positivo. Entre ambos existe uma relação de 
dependência, uma relação 
causal: um é fundamento do outro. 
Os princípios que constituem o Direito natural são, entre outros: bonum 
faciendum (o bem deve ser 
feito), neminem laedere (não lesar a outrem), suum cuique tribuere (dar a cada 
um o que é seu), 
respeitar a personalidade do próximo, as leis da natureza etc. 
Qualquer norma do Direito positivo, qualquer artigo do Código Civil, Comercial 
ou Penal funda­se 
necessariamente nesses princípios. Mas é evidente que as normas do Direito 
positivo apresentam 
uma formulação, estrutura e natureza diferentes dos princípios do Direito 
natural (v. nota 11 do 
presente capítulo). 
Poderíamos dizer, com Aristóteles e S. Tomás, que o Direito natural está para o 
Direito positivo, 
assim como os princípios da razão estão para a ordem especulativa. Na ordem 
especulativa as 
proposições e os raciocínios científicos também se fundam em certos princípios 
básicos, que são o 
fundamento de toda a ciência." 
4.2 Analogia intrínseca: Direito estatal e Direito não­estatal 
Passemos ao exame do direito não­estatal. Direito designa, em geral, as normas 
elaboradas pelo 
Estado. Mas se aplica, também, aos ordenamentos existentes no seio de outras 
comunidades: 
esportivas, religiosas, econômicas, universitárias etc. 
Aplica­se, assim, o vocábulo "direito" ao ordenamento jurídicoestatal, elaborado 
pelo Estado, e, ao 
mesmo tempo, aos ordenamentos jurídicos elaborados pelos grupos sociais. Fala­se 
em direito 
esportivo, direito universitário, direito canônico etc. 
Estamos, novamente, em face de um problema de importância para a ciência 
jurídica, decorrente 
de uma compreensão ambígua do significado do vocábulo "direito", aplicado a 
esses diversos 
ordenamentos. Grande parte dessas dificuldades tem origem no fato de se 
considerar, no caso, o 
termo "direito" unívoco. 
(62) Sobre os primeiros princípios na ordem especulativa e na ordem prática v. 
André Franco Montoro, Os princípios fundamentais do método no direito, 
Martins, 1942, § 16 e ss. "Praecepta legis naturae hoc modo se habent ad 
rationem practicam sicut 
principia prima demonstrationum se habent ad rationem speculativam: utraque 
sunta quaedam 
principia per se nota" (S. Tomás, 1, 11, q. 94, a. 2). Sobre a doutrina clássica 
do Direito natural, ver 
Capítulo 9, n. 5 (p. 257). 
52 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
CONCEITO DE DIREITO
53 
Muitos autores negam o Direito não­estatal, porque este não tem a mesma 
estrutura, a mesma 
natureza e a mesma força do Direito estatal., O estatuto de uma universidade, 
por exemplo, não 
pode ser chamado "direito", no mesmo sentido em que a Constituição ou o Código 
Civil sã 
designados como partes do "direito" nacional. O mesmo se pode dizer d Direito 
esportivo, do 
Direito estatuário e do Direito canônico. 
Na realidade, estamos em presença de mais um caso de analogia O vocábulo 
"direito" não 
significa a mesma coisa, nos diverso exemplos mencionados, mas apresenta 
significação 
analógica. 
Qual o tipo de analogia que aí se realiza? 
A analogia existente no caso é intrínseca ou de proporção. E pod ser enunciada 
da seguinte forma: 
o Direito estatal está para o Estado assim como o Direito universitário está 
para a universidade, 
assi como o Direito esportivo está para a coletividade esportiva; ou Direito 
religioso, para a 
comunidade religiosa. 
Em todos esses casos, direito significa o ordenamento que reg a vida dessas 
coletividades. 
No caso do Direito estatal, esse ordenamento apresenta­se mai técnico, é 
realizado através de 
normas formuladas com certa solenidad e garantidas pela força coercitiva do 
Estado. No caso dos 
demal ordenamentos, as normas apresentam características diferentes, m 
constituem, igualmente, 
regras sociais obrigatórias, com eficácia muit vezes maior que a das normas 
estatais." 
Em virtude de sua importância menor para a ciência jurídic dispensamo­nos de 
examinar outras 
aplicações de analogia às demai acepções do direito." 
Ao final desse estudo podemos formular as seguintes conclusõe 
a) o direito pode ser considerado com Conclusões norma, como faculdade, como 
justo, como 
ciênci 
ou como fato social; 
b) essas diferentes perspectivas revelam o caráter analógico 
conceito de direito; 
V. Gurvitch, "Dans 'L'idée du droit social', nous avons différencié le dr social 
pur et indépendant, 
équivalent ou supérireur au droit étatique; le dr social pur, mais soumis à Ia 
tutelle do droit de 1'Etat 
et range dans le dr privé; et le droit social annexé par 1'État et élevé au rang 
de droit publi 
(in Le temps present et l'idée du droit social, Avant propos, p. 10). 
Poder­se­ia perguntar se, entre as acepções do direito, existe algum caso de 
analo metafórica. A 
resposta é afirmativa. E essa a analogia existente entre "direito", sentido 
jurídico, e "direito", no 
sentido geométrico (segmento "direito", ângul "direito"). Pode­se dizer que o 
direito jurídico está 
para a ordem social, assim com o direito geométrico está para a ordem 
geométrica. Ambos 
significam a conformi dade com uma regra: com a regra ou norma social, no 
primeiro caso; com a
reg ou régua geométrica, no segundo. O mesmo ocorre com a significação aritméti 
(cálculo 
"direito"), moral (homem "direito") e acepções semelhantes. 
c) muitos autores modernos (Planiol, Kelsen) utilizam, de preferência, o 
vocábulo "direito" para 
indicar o direito­norma;" 
d) outros preferem ver no direito, em primeiro lugar, o direitofaculdade 
(Cóssio), o direito­fato social 
(Lévy­Bruhl) ou o direitociência (Holmes); 
e) a doutrina clássica e muitos juristas contemporâneos (Villey, Engisch) 
consideram que o direito­ 
justo (o que é devido a uma pessoa ou instituição) é o significado fundamental 
do direito; nesse 
sentido, direito é, fundamentalmente, o "devido por justiça". 
Essas diferentes posições não são contraditórias. Representam pontos de vista 
sobre aspectos 
diferentes de um mesmo objeto. Mas revelam, muitas vezes, a orientação 
doutrinária ou filosófica 
de cada autor e de sua época. 
Hoje, a trágica experiência dos Estados totalitários e dos regimes de força, ao 
lado de uma 
reflexão mais atenta sobre o direito vivo ­ presente nas sentenças, nas decisões 
administrativas e 
nos demais atos jurídicos ­ tem levado grandes setores do atual pensamento 
jurídico a reconhecer 
que o sentido fundamental do direito, em qualquer de seus aspectos, consiste 
sempre em estar a 
serviço da justiça, isto é, em assegurar a cada um aquilo que lhe é devido, 
segundo uma relação 
proporcional, fundada na igual dignidade de todos os homens. 
Nesse sentido, podemos aplicar a qualquer dos aspectos do direito a observação 
de Gurvitch:66 
as normas jurídicas podem ser mais ou menos perfeitas, mas não serão "direito" 
se não estiverem 
orientadas no sentido da realização da justiça. 
Presente em todos os momentos da existência do direito, a justiça se encontra em 
todas as leis, 
mas não se esgota em nenhuma. ó7 
5. Outras formulações 5.1 Conceito de direito 
João Mendes (de Almeida Júnior), Direito judiciário brasileiro,
Freitas Bastos, 
1940, p. 2 e ss. 
Nós concebemos o direito como atributo da pessoa, como fenômeno na vida social, 
como norma 
de agir ou lei. 
"Le droit est dans le genre 'rélation'. Cherchons à quelle espéce de rélation il 
peut appartenir ... Le 
droit est une rélation d'égalité fondée sur 1'equivalence des quantités... II va 
de soi que Ia quantité 
dom il s'agit dans de droit est morales: et le rapport qui lui fait suite est un 
rapport d'égalité morale" 
(Lachance, Le concept de droit en Aristote et S. Thomas, liv. II, § III, p. 281 
e ss.). "Jus, sive justum, est aliquod opus adequatum alteri secundum aliquem 
aequalitatis modum" 
(S. Tomás, Suma, II, q. 57, a 2). G. Gurvitch, Sociologia jurídica, 
"Introdução". Del Vecchio, Justice, 
Droit, Etat, § 14. 
(63) (64) 
(65) 
(66) (67)
54        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
Como atributo da pessoa, o direito é a faculdade de agir moralmente inviolável. 
Neste sentido 
chama­se Direito subjetivo porque é considerado como "atributo de um sujeito" ­ 
que é pessoa. 
Pessoa é uma substância individual de natureza racional, a quem o direito é 
atribuído como uma 
faculdade de agir, cuja atividade pode e deve ser sancionada e garantida pela 
força do Estado, que 
é o organismo do corpo social. 
Como fenômeno, isto é, tal como nos aparece no mundo sensível, o direito é uma 
relação da vida 
social. Nesse sentido, chama­se Direito objetivo material porque o direito é 
objeto da nossa 
percepção com todas as notas sensíveis, isto é, percebemos o direito como uma 
relação da vida, 
em que aparece um sujeito, um termo, uma matéria ou objeto, e um fundamento ou 
título. Sujeito, 
por excelência chamado "sujeito ativo", como já vimos, é a pessoa a quem se 
atribui o direito; 
Termo, também chamado "sujeito passivo", é a pessoa obrigada; matéria ou Objeto 
é a coisa sobre 
que recai o direito; fundamento ou Título é o fato que, considerado na ordem 
moral, produz, no 
sujeito, o direito e, no termo, a obrigação. 
O direito é concebido também sob um terceiro aspecto, isto é, como norma de agir 
ou lei. Todos os 
efeitos dos títulos de direito são reconhecidos e definidos pela soberania 
nacional, por meio da lei. 
É o chamado Direito objetivo formal, porque, nesse sentido, o direito é objeto 
da nossa percepção 
como forma genérica e obrigatória da ordem social. 
A lei, tornada assim positiva, divide­se em lei civil, lei comercial, lei 
criminal. 
As leis, determinando os efeitos dos fatos jurídicos em espécie, têm de ser 
aplicadas a fatos 
individuados. Vamos, pois, contemplar o modo e a forma de aplicar a lei aos 
fenômenos jurídicos 
da vida, quer nas relações extrajudiciais, estipuladas entre os indivíduos, quer 
nas relações 
litigiosas, que os indivíduos sujeitam ao juízo do Poder Judiciário. 
5.2 Uma concepção sociológica do direito 
H. Lévy­Bruhl, "Les sources du droit. Les Méthodes. Les Instruments du travail", 
in Introduction a 
1'étude du droit, em colaboração com outros professores da Faculdade de Direito 
de Paris, Paris, 
ed. Rousseau, 1951, 1.° v., p. 253. 
Minha concepção de direito é decididamente sociológica. O direito não existe a 
não ser para os 
homens vivendo em sociedade, e não se pode conceber uma sociedade humana em que 
não haja 
ordem jurídica, mesmo em se tratando de um estado rudimentar. Isto se exprime em 
latim pelo 
adágio conhecido Ubi societasr ibi jus (Onde há sociedade, há direito). 
Insistamos um momento sobre esta idéia: É exato dizer que as sociedade&, 
arcaicas e 
rudimentares, que conhecemos pela etnografia ou pela tradição, têm, na verdade, 
instituições 
jurídicas? Alguns o contestam. Todos sabem que, nes estágio de civilização, as 
instituições são em
grande parte indiferenciadas mergulham numa atmosfera mística. Mas o fato de se 
apresentarem 
sob um aspec sobrenatural não retira das regras sociais o seu caráter jurídico, 
seja qual for 
importância do processo de secularização de que elas serão objeto. O seu traÇ 
essencial é a 
obrigação que a sociedade impõe a seus membros. E é neste element obrigatório 
que consiste, em 
última análise, a natureza própria do direito. Tod sociedade, ainda que seja 
primitiva, comporta 
pois uma ordem jurídica. 
Isto é tão verdadeiro que se pode, na minha opinião, inferir da existência de 
instituições jurídicas a 
existência de uma sociedade humana. E, invertendo os termos da equação que acabo 
de citar, 
afirmar com igual certeza Ubi jus, ibi societas (Onde há direito, há sociedade). 
As sociedades não 
são puras construções do espírito. Elas possuem bases naturais solidamente 
estabelecidas, das 
quais as mais caraterísticas são as instituições jurídicas. Onde instituições 
deste gênero existem 
pode­se tranqüilamente afirmar que há um vínculo entre os homens. E assim que as 
organizações 
internacionais, que vemos surgir de todas as partes ao redor de nós e das quais 
uma das mais 
significativas foi, depois da Segunda Guerra Mundial, o Tribunal de Nuremberg, 
que julgou e 
condenou os principais criminosos de guerra, são igualmente manifestações 
irrecusáveis da 
existência de uma sociedade humana, à qual talvez falte apenas tomar consciência 
de si mesma. 
É certo que estas primeiras aproximações não nos esclarecem muito sobre a 
natureza do direito. 
Limitam­se a nos indicar o quadro em que se desenvolvem instituições jurídicas. 
Para precisar o 
que elas são, eu me contentarei com breves indicações. Proponho a seguinte 
definição: "O Direito 
é um conjunto de regras obrigatórias, que determinam as relações sociais, tal 
como a consciência 
coletiva do grupo as representa a cada momento". 
Esta definição exigiria longas explicações, porque ela se refere a noções como 
"consciência de 
grupo" ou "representações coletivas", que eu considero pessoalmente como 
definitivamente 
estabelecidas pela sociologia contemporânea, mas que ainda são discutidas. Peço 
aos leitores que 
as aceitem, ao menos como hipóteses de trabalho, que serão confirmadas pela 
seqüência de 
minhas considerações. Chamo a atenção para as últimas palavras da definição que 
propus, em 
que declaro que o direito é tal como a consciência coletiva do grupo, representa 
as relações 
sociais "a cada momento". Essa precisão é da mais alta importância e requer 
algumas explicações. 
O meio social não pode ser concebido como fixo e imóvel. Pelo contrário, ele 
está em 
transformação perpétua. Submetido a influências de toda espécie, ele é 
essencialmente mutável. 
Por definição, um grupo é diferente hoje do que foi ontem e do que será amanhã. 
Antes de mais
nada, seus elementos constituintes ­ quero dizer os homens e as mulheres que o 
compõem ­ não 
serão mais os mesmos: alguns terão desaparecido, outros terão aparecido. Mas, 
até mesmo 
supondo que sejam as mesmas pessoas físicas, os seus sentimentos e pensamentos 
terão sofrido 
necessariamente algumas mudanças. O direito, que é a expressão destes 
pensamentos e destes 
sentimentos, está, portanto, ele também, submetido a uma transformação perpétua. 
Se nos compenetrarmos desta verdade incontestável, estaremos imediatamente em 
presença de 
um dos problemas mais importantes do direito. Este, acabamos de ver, está 
perpetuamente em 
mudança. Mas, por outro lado, esta mobilidade é, em larga medida, incompatível 
com as 
exigências da vida social. Os homens têm necessidade de saber como se comportar 
uns em 
relação aos outros, mas como saberão, se as regras imperativas a que eles devem 
ser submetidos 
variam de um momento para o outro? Sem dúvida eles têm a intuição de que essas 
regras não 
lhes são estranhas, mas emanam deles próprios ­ e é essa, aliás, a razão 
profunda do adágio, 
segundo o qual "presume­se que ninguém ignora a lei". Mas este sentimento geral 
e vago não 
basta para guiar os homens no seu comportamento cotidiano. As regras de direito 
devem ter um 
mínimo
de precisão e de rigidez indispensável à segurança das relações sociais. 
Elas o adquirem 
pelo fato de se expressarem em palavras e, nas sociedades modernas, através de 
fórmula escrita. 
Mas daí surge um inevitável conflito entre o caráter estático das normas e o 
dinamismo da vida. E 
este conflito dá ao direito, que parece ao profano tão frio e austero, um 
aspecto dramático e, 
algumas vezes, até mesmo patético. É 
CONCEITO DE DIREITO 
55 
56        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
CONCEITO DE DIREITO 
57 
apaixonante acompanhar o esforço dos homens para alcançar a justiça, através de 
fórmulas que, 
por definição, não poderão realizar plenamente. 
Ao mesmo tempo que sociológica, a concepção do direito a que me filio é 
realista. E essa palavra 
tem para mim dois sentidos precisos. A atitude realista consiste em considerar 
as regras jurídicas 
como fatos, ou mesmo como coisas. Esta atitude se impõe a quem se preocupa em 
estudar o 
direito cientificamente, pois a ciência do direito não é uma ciência normativa 
(expressão que 
contém em si uma contradição), mas uma ciência das normas, o que é completamente 
diferente. 
Ela se impõe também a todo jurista que, elevando­se acima da pura técnica, 
dirige suas reflexões 
para o direito. Ela permite eliminar, como destituídas de significação, os 
falsos problemas como o
de procurar o fim do direito. O direito não tem finalidade, como a religião ou a 
arte. Como elas, e 
talvez com mais intensidade, ele exprime a vontade e as aspirações eminen 
temente mutáveis do 
corpo social. De outra parte este realismo não deve ser confundido com um 
positivismo estreito. 
Ele procura, ao contrário, atingir todos os fenômenos jurídicos, mesmo os que 
não estejam 
oficialmente catalogados como tal. Ele atribui uma importância apenas relativa 
aos critérios 
formais. Por isso eu não hesito em considerar como regras de direito as 
prescrições obrigatórias 
observadas de fato e em eliminar as regras que existem apenas no papel, 
convencido de que 
apenas um esforço deste gênero permite apreender a realidade jurídica. 
5.3 Justo, conteúdo essencial da norma jurídica 
François Geny, Science et technique en droit pri positif, 1.° v., n.16, p. 49. 
Na própria noção do conteúdo do direito, encontramos um elemento específico, que 
é tirado da 
experiência. 
Tal elemento decorre da finalidade de toda organização jurídica, que não: é 
outra senão o justo. As 
regras do direito visam necessariamente, e, segundo penso, exclusivamente, a 
realizar a justiça 
que nós concebemos sob a forma de uma idéi.., a idéia do `justo'. 
Para especificar o direito segundo seu conteúdo próprio, não podemos n, 
contentar com a 
observação de que ele só impõe suas regras aos homens em su. relações recíprocas 
e não 
prescreve nada ao homem em relação a si mesmo o em relação à divindade. 
Não há aí mais do que uma diferença quantitativa e não qualitativa, em relação à 
moral e à 
religião. Pois se elas ampliassem a área dos deveres que impõe nem por isso 
entrariam na esfera 
do Direito. E, da mesma forma, essa pretendi especificação não separaria o 
domínio do direito do 
campo dos costum Ficaremos, também, longe de atingir o fundo das coisas, se 
aceitarmos a 
definiç: célebre de Jellinek, de que direito é ` o mínimo ético" (das ethische 
minimum ainda mesmo 
que acrescentemos com este jurisconsulto que o direito tende a mantum dado 
estado social e que 
ele consiste na realização, pela vontade humana, d. condições de existência da 
sociedade. 
No fundo, o direito não encontra seu conteúdo próprio e específico, sen:' no 
conceito de "justo", 
noção primária irredutível e indefinível que impli essencialmente não apenas os 
preceitos 
elementares de não fazer mal a ningué (neminem laedere) e dar a cada um o que é 
seu (suum 
cuique tribuere), mas pensamento mais profundo de um equilíbrio a estabelecer 
entre os 
interesses e conflito, em vista a assegurar a ordem essencial à conservação e ao 
progresso 
sociedade humana. 
Ora, essa noção se distingue facilmente tanto das noções de "belo" e do 
"verdadeiro" que 
correspondem a conceitos totalmente diferentes como, ainda, das noções de 
"divino" e de "bem",
que sugerem as regras da religião ou da moral. Ela é talvez mais dificilmente 
separável da idéia de 
"utilidade", que, inspirando completamente as regras dos costumes, parece 
intervir também na 
realização da idéia de justiça, ao dirigir a avaliação recíproca dos interesses, 
que o direito tem por 
missão conciliar. Para falar claramente, quando consideramos o direito, nós 
incluímos a "utilidade" 
na "justiça", no sentido de que ligamos a um ideal superior o princípio de 
solução dos conflitos de 
interesse. E parece preferível, se quisermos manter este ideal em sua pura 
integridade, deixar à 
idéia de `justo' o privilégio de preencher, com exclusividade, o conteúdo de 
direito. 
5.4 O Direito e o materialismo histórico e dialético 
Karl Marx, Prefácio à Critica da economia política. 
O primeiro trabalho que empreendi para resolver as dúvidas que me assaltavam foi 
uma revisão 
crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Minhas pesquisas me conduziram à 
conclusão de que as 
relações jurídicas, assim como as formas de Estado, não podem ser compreendidas, 
nem por elas 
próprias, nem pela suposta evolução geral do espírito humano, mas que elas têm, 
ao contrário, 
suas raízes nas condições materiais da existência, que Hegel, a exemplo dos 
ingleses 
• dos franceses do século XVIII, abrange no seu todo sob o nome de "sociedade 
civil"; mas que a 
anatomia da sociedade civil deve ser procurada na economia política. 
O resultado a que cheguei e que, uma vez adquirido, serviu­me de fio condutor 
nos meus estudos 
pode brevemente ser formulado assim: 
Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações 
determinadas, 
necessárias, independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem 
a certo grau 
de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas 
relações de produção 
constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se forma 
uma 
superestrutura jurídica e política 
•        à qual correspondem formas de consciência social determinadas. 
O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, 
política e intelectual 
em geral. Não é a consciência dos homens que determina 
•        seu ser; mas, ao contrário, é seu ser social que determina sua 
consciência. 
Em determinado estágio de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da 
sociedade 
entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é 
mais que sua 
expressão jurídica, com as relações de Propriedade no interior das quais elas 
estavam se 
desenvolvendo até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas que 
eram, estas 
relações tornamse entraves. Inicia­se, então, uma época de revolução social. A 
mudança na base 
econômica subverte, mais ou menos lentamente, toda a enorme superestrutura. 
Quando se consideram tais transformações, deve­se sempre distinguir entre a 
transformação
material das condições de produção econômica, que se pode constatar fielmente 
por meio das 
ciências da natureza, e as formas jurídicas, Políticas, religiosas, artísticas 
ou filosóficas, em suma, 
as formas ideológicas, através das quais os homens tomam consciência deste 
conflito e o 
conduzem até o fim. 
58 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
CONCEITO DE DIREITO 
59 
Assim como não se julga t­­3m indivíduo pela idéia que ele faz de si mesmo, não 
se poderá julgar 
uma época ­de mudança profunda pelo conhecimento que ela tenha de si própria; é 
preciso­ ao 
contrário, explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo 
conflito que existe 
entre as forças produtivas sociais e as relações de produção... 
A grande idéia
básica é a ­de que o mundo não deve ser considerado como um 
complexo de 
coisas acabadas, mas como um complexo de processos, em que as coisas em 
aparência estáveis 
tanto como os seus reflexos intelectuais em nossa mente, as idéias, passam por 
urna 
transformação ininterrupta de vir­a­ser e de superação, em que, finalmente, =a 
despeito de todos 
os acasos aparentes e todos os retornos momentâneos para trás, um 
desenvolvimento progressivo 
termina acontecendo. Esta grande idéia ffundamental penetrou, notadamente desde 
Hegel, tão 
profundamente na consciência comum que ela não encontra sob esta forma geral 
quase mais 
nenhuma contradição. Mas reconhecê­la em frases e aplicá­la na realidade, a cada 
domínio 
subnYetido a investigação, são coisas diferentes... 
Não há nada de definitivo, de absoluto, de sagrado diante da filosofia 
dialética. Ela mostra a 
caducidade de todas as coisas e em todas as coisas nada mais existe para ela que 
o processo 
ininterrupto de vir­a­ser e do transitório, da ascensão sem fim do inferior ao 
superior, do qual ela 
própria não é mais do que o reflexo dentro da mente pensante. 
5.5 Concepção quântica dc direito 
Goffredo Telles Júnior, O Direito quântico, Ensaio sobre o fundamento da Ordem 
Jurídica, Max 
Limonad, 1971, p. 9­10, 284­286. 
O advento do ser humano se prende à evolução da matéria cósmica. E seu 
comportamento é o 
requinte a qule chegou o movimento que anima, desde sempre, todas as coisas do 
universo. 
O Mundo Ético, dentro doo qual o Direito se situa, não é um mundo de natureza 
especial, mas um 
estágio da natureza única. 
Nas propriedades ondulatóri as submersas, das partículas elementares da matéria, 
encontram­se 
as raízes do movimento universal, as primeiras manifestações de extraordinárias 
potências, cuja
plena atualização se observa no comportamento dos seres muito evoluídos, dos 
seres 
extremamente complexos, entre os quais avulta o ser humano. 
A revelação científica de como se comportam as partículas no âmago da matéria e 
as moléculas 
dentro de célula invalida conceitos clássicos, que pareciam: definitivos, sobre 
a divisão do universo 
em Mundo Físico e Mundo Etico. 
A unidade da Substâncias Universal, que é um princípio filósofico de 
civilizações antiqüíssimas, 
hoje se patenteia nos laboratórios da Física Moderna. 
Este livro é uma singela demonstração de que a ordenação jurídica é a própria 
ordenação 
universal: é a ordenaação universal no setor humano; a ordenação da natureza 
única, no mundo 
em que é promovida a ordenação cultural. 
A Teoria Quântica do Direi to, o Quantismo Jurídico, é a tese de que o Direito 
se insere na 
harmonia do universo e, ao mesmo tempo, dela emerge, como requintada elaboração 
do mais 
evoluído dos seres. 
(... ) 
Uma. relação jurídica é sempre uma interação "quântica". 
Em cada relação jurídica, movimentos comedidos de uns propiciam movimentos 
comedidos de 
outros. Esses movimentos são comedidos em razão de dois fatores. Primeiro, 
porque são, 
somente, os movimentos autorizados pelas normas 
jurídicas. São, apenas, os movimentos produzidos por quem tem o Direito 
Subjetivo de produzi­los. 
Segundo, porque em cada relação jurídica direitos subjetivos de uns e de outros 
se confrontam e, 
depois, se compõem, limitando­se reciprocamente, a fim de que deles resultem 
movimentos 
convenientes para uns e outros. 
As interações, nas relações jurídicas, são "quânticas", porque as ações 
correlatas, de que elas se 
constituem, não são quaisquer ações, mas, precisamente, as ações que as normas 
jurídicas 
autorizam e "quantificam". 
O Direito Objetivo é a ordenação de determinadas espécies de interações humanas. 
É a 
ordenação que quantifica a liberação das energias humanas, para assegurar o 
equilíbrio das 
forças, e para garantir que a cada direito corresponda uma obrigação. É a 
ordenação que delimita 
a liberação da energia, nos "campos" dos homens, para que a sociedade seja 
efetivamente o que 
ela precisa ser, isto é, um "meio" a serviço dos "fins" humanos. 
Pelo prisma do Direito, os homens são partículas delimitadas de energia. São 
objetos quânticos ou 
quanta. 
As interações dos homens ­ dos homens considerados como quanta (quantidades 
discretas de 
energia) ­ são regulamentadas por uma "ordenação quântica". 
O Direito é a ordenação quântica das sociedades humanas. 
Mas, em matéria de ordenação, por meio do Direito, tudo é possível. Assim como a 
proteína 
reguladora deve ser considerada como um produto especializado em engineering 
molecular, assim
também o Direito deve ser considerado como um produto de uma inteligência 
especializada em 
engineering social. Assim como nenhuma imposição química decide da atuação das 
referidas 
proteínas, assim também nenhuma imposição absoluta determina o Direito. Assim 
como essas 
proteínas se dirigem com autonomia, em conformidade com os interesses 
fisiológicos da célula, 
também o Direito, livre de imposições "absolutas", se pode dirigir pelos 
interesses reais da 
sociedade, de acordo com os sistemas de referência efetivamente vigorantes. O 
direito não pode 
se sujeitar a não ser aos fins que a sociedade almeja. 
A Ciência do Direito não anunciará jamais que um homem, ou um determinado grupo 
de homens, 
poderá desta ou daquela maneira, como a Física não pode, prever o percurso que 
um eléctron ou 
um grupo de eléctrons irá fazer. A Ciência do Direito dirá, isto sim, que não 
sabe como um homem, 
ou um determinado grupo de homens, irá proceder, mas que esse homem, ou esse 
grupo de 
homens, tem mais probabilidade de proceder de maneira X, do que da maneira Y. A 
maneira X de 
proceder é a que é mais conforme ao sistema ético de referência, dentro do qual 
age esse homem 
ou esse grupo de homens. É a maneira de proceder que o Direito Objetivo deve 
preconizar. 
As leis humanas são, portanto, leis de probabilidade, como as demais leis da 
Sociedade Cósmica. 
A ordenação jurídica é a própria ordenação universal. É a ordenação universal no 
setor humano. 
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2 
O PROBLEMA DA CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS 
SUMÁRIO: 1. O Direito como ciência ­ 2. Classificação das ciências de Augusto 
Coorte e de 
Dilthey ­ 3. A ordem universal: 3.1 Ordem; 3.2 Fundamento das ciências; 3.3 
Espécies de ordem ­
4. A classificação de Aristóteles e suas modificações: 4.1 A ciência teórica: 
4.1.1 Ciências físicas 
ou naturais; 4.1.2 Ciências culturais; 4.1.3 Ciências de tipo matemático; 4.1.4 
Ciências de tipo 
metafísico; 4.2 Ciência prática ou normativa: 4.2.1 As ciências morais, humanas 
ou ativas; 4.2.2 
Ciências artísticas e técnicas; 4.3 Conclusões ­ 5. Outras formulações: 5.1 
"Direito e ordem", E. 
Bodenheimer; 5.2 "Ciências humanas e ciências naturais", W. Dilthey; 5.3 
"Ciências especulativas 
e operativas", L. Van Acker; 5.4 "Ciência normativa, expressão contraditória", 
H. Lévy­Bruhl ­ 6. 
Bibliografia, 
1. O Direito como ciência 
Como vimos, o vocábulo "direito", em uma de sua acepções fundamentais, designa a 
"ciência do 
direito" "ciência jurídica", ou 
"jurisprudência".' 
Nesse sentido, Justiniano definiu o direito como "a ciência do justo e do 
injusto";' Leibniz, como "a 
ciência das ações enquanto justas ou injustas",' e Hermann Post, como "a 
exposição sistematizada 
dos fenômenos da vida jurídica e a determinação de suas causas", 
(1) 
O termo `jurisprudência" tem, na linguagem jurídica, duas acepções diferentes. 
Pode significar: a) 
"ciência do Direito", como ocorre no texto de Justiniano acima citado; foi o 
sentido clássico do 
vocábulo e é, ainda hoje, de uso freqüente nos autores de língua inglesa; b) a 
decisão constante 
dos tribunais em determinada matéria; nesse sentido, falamos em "jurisprudência" 
do Supremo 
Tribunal, dos Tribunais do Trabalho etc. "Jurisprudentia est justi atque injusti 
scientia", Institutas, 
livro 1, tít. 1, § 1.°. "Jurisprudentia est scientia actionum quatenus justae 
vel injustae dicuntur", 
Leibniz. Nova methodus discendae docendaeque jurisprudentia, p. 11, § 14. 
Essa colocação levanta naturalmente um problema fundamental: que espécie de 
ciência é o 
direito? 
Ciência puramente teórica, pois "a moral e o direito não se podem 
dizer ciências práticas, aplicadas ou normativas 
Ciência        pela simples razão de que não há nem pode haver 
teórica        ciências práticas, aplicadas ou normativas",4 como 
ou prática        diz Pedro Lessa? Ciência prática ou "arte do bom 
e do justo", "ars boni et aequi",5 conforme a elegante definição de Celso? Ou, 
ainda, "ciência 
especulativa (ou teórica), quanto ao modo de saber, e prática, quanto ao fim",6 
como afirma João 
Mendes? 
E, em outro plano, ciência natural, como proclama Pontes de 
Miranda' e, em geral, os autores de inspiração Ciência positivista? Ciência 
estritamente formal, tal 
como natural, a define a Teoria Pura do Direito, de Kelsen? Ou formal ciência 
cultural, como vem 
sendo afirmado pelas ou cultural        principais direções s do pensamento 
jurídico con 
temporâneo? 
Essas interrogações nos levam a considerar o problema da 
classificação das ciências, na formulação de alguns pensadores mais 
representativos.
2. Classificação das ciências de Augusto Cocote e de Dilthey 
2.1 É conhecida a classificação das ciências proposta por Augusto Cocote (1798­ 
1857), na II lição 
de seu Curso de 
Filosofia Positiva: 
Pedro Lessa, Estudos de Philosophia do Direito, Ed. Jornal do Comércio, 1912, p. 
75. 
(5' Digesto, 1, 1, 1, 1, pr. 
(6) João Mendes de Almeida Júnior, Direito Judiciário Brasileiro, São Paulo, 
Freitas Bastos, tít. 1, cap. 1. 
"' "Para ser ciência, o direito tem de ser natural, porque todas o são", Pontes 
de Miranda, Sistema 
da ciência positiva do direito, v. 2, p. 28. V. Recaséns Siches, Direcciones 
contemporâneas del 
pensamiento jurídico, Barcelona, Labor, 1936; G. Radbruch, Filosofia do Direito, 
Saraiva, 1940, 
especialmente o Prefácio de Cabral Moncada; Miguel Reale, Filosofia do direito, 
Saraiva, 1969; 
Machado Neto, Compêndio de introdução à ciência do direito, Saraiva, 1969; A. 
Torré, lntroducción 
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Milão, Giuffrè, 1946; 
Carlos Cóssio, Panorama de Ia teoría egológica del Derecho, Buenos Aires, 1949. 
O PROBLEMA DA CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS        63 
3. Física 
4.        Química 
5.        Biologia 
6.  Sociologia 
O critério dessa classificação é a complexidade crescente e a 
generalidade decrescente de cada ciência. A matemática é a menos complexa, 
porque se ocupa 
apenas com as relações de quantidade. É, ao mesmo tempo, a mais geral, porque 
pode ser 
aplicada a todas as espécies de fenômenos. A mecânica universal é mais complexa 
do que a 
matemática, porque tem por objeto o estudo do "movimento" e suas relações de 
"quantidade". É, 
ao mesmo tempo, menos geral do que a matemática, porque só se ocupa dos 
fenômenos em que 
há movimento. 
Da mesma forma, a física é ainda mais complexa porque seu objeto inclui 
"fenômeno físicos", 
como a luz, o som, o calor, além de "movimento" e de "quantidade". Mas é menos 
geral ou 
abrangente, porque seu campo de estudo se limita ao mundo dos fenômenos físicos. 
A química se ocupa de fenômenos que são ainda mais complexos: os fenômenos 
químicos, que 
incluem "fenômenos físicos", "movimento" e "quantidades". Mas seu campo é menor. 
Limita­se ao 
mundo dos fenômenos químicos. 
A biologia é ainda mais complexa, porque os fenômenos biológicos incluem 
aspectos "químicos", 
"físicos", "mecânicos" e "quantitativos". É, ao mesmo tempo, menos geral, porque 
se estende 
apenas aos seres vivos. 
E, finalmente, a sociologia é a mais complexa das ciências, pois o fato social 
inclui, de certa forma, 
fatos biológicos, conseqüentemente, fenômenos químicos, físicos, mecânicos e 
relações
matemáticas. E é, ao mesmo tempo, a menos geral, pois só se aplica à vida 
social. 
2.2 Modernamente generaliza­se o emprego de outra classificação, inspirada na 
divisão proposta
por Ampère (1775­1836) e desenvolvida por Dilthey (1833­ Classificação 1911). 
Distingue Dilthey 9 
duas espécies fundamentais de ciências: 
1. ciências da natureza ("Naturwissenschaften"); 
v' W. Dilthey, Introduction à l'étude des sciences humaines, Paris, Presses 
Universitaires de 
France, 1942, livro 1.°. 
1. Matemática 
2. Astronomia (Mecânica universal) 
de Dilthey 
I ItODUÇpO A CIÊNCIA Do DIREITO 
e denomina 
64        culturais" , 
o espírito ("Ge1stswisse ' nschoute"Ciências 
ê h2 ciências d        «ciências humanas 
referentemente        icas, que consideram 
das P        em:        etivo ou psicológ 
subdivididas do espírito subjetivo,        o espírito humano 
a) ciências        no próprio sujeito;        culturais 
frito humano        etivo, que consideram ciências 
o espírito        es frito obj        e constituem        o direito. 
b) ciências do P        culturais        sociais, inclusive ológicas têm 
etos ou Produtos        morais,  cosm g 
nos obj        ditas: históricas,        naturais ou 
propriamente e        natureza, ciências        por objeto ° 
As ciências da físico.        têm P 
o mundo        humanas ou culturais, considerado, no 
por objeto        do espírito,        do espírito, roduto das ações As ciências 
ento, da cultura ou e 
social, P 
mundo do pensam        histórica 
elo homem        de 
em ou na realidade transformada P        um 
diferença 
próprio homem        natureza        corresponde        das ciências 
Cultura é a        «explicação ,, no caso 
humanas.        diversidade de        A natureza 
A essa        de cada ciência:        culturais. " 
métodos no estudo compreensão " no caso das ciências        ondem 
compreende", diz Dilthey•        corresp Dilthey 
naturais;  cultura Seto Comte e de 
a        us se eXAsca'        ões de Aug        físico­mate 
classificaç        diferentes.        lano 
ções filosóficass as ciências ao pdireção naturalis 
concep        todaa duas        reduzindo        ti icamente a natural ou físico 
A de Comte,        representa P        do tipo        e a precisão 
mático,        com ° rigor ta Todas as ciências são 
nificativo 
. Naturalismo        e devem ser estudadas        E sig        ao de 
matemáticos.        Classifica 
dos métodos  aç 
e Culturalismo        em sentido estrito,        a sociologia, sociologia, 
e da física,        natural, como        icá , 
temática        ísico­  ,física biolog 
além de m        ente ciências de ti a°biologia, pQ °,física celeste". 
Comte inclui som ,física social",        ão . 
stronomia, Ou
ele denomina        , e a a        lassificaç 
,        direito nessa        considerad 
que        ,físico­4        do química ou        da ciência        ia ou física 
socipa        ciênci 
Qual o lugar  sociolog a qual seriam artes a 
e5,        ente, dentro da        eral,        ia etc. 
6,        Evidentem a ciência social g e, ogia a econoin        natur 
P        fenômeno 
a 
por Comte com°        olítica,        110. Ia do direito, a ciência P o direito 
é considerado da natureza. 
físco 
erspeCtiva,        demais fenômenos        menos 
dessa p        dos feno        vinc 
semelhante natureza e estrutura. 
filosófica se ou físico,        mesma        ianda cuja posção 
r, jurídico e da        M 
diz pontes de 
naturais,10        ositivista.        Jacinto, 1922, 
ao naturalismo P        positiva do Direito,        atmosfér 
Sistema de Ciência        onde há espaço .n 
uand 
como'        26)• Q 
direito, oo» pontes de Miranda,        o social há        o ocupam (P•  o 
`nos 
26. "Onde há espaç        gasosos que        se não ° é 
2, p.        sólidos, liqurdOS °U        certo ritmo, que, 
corgos cristaliza em p 
oliedros, ha        o ele"' (P• 84). 
mineral deve ser alvo de vivo natural com 
direito, 
O PROBLEMA DA CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS 
65 
De outra parte, a classificação de Dilthey representa a direção culturalista, 
que se recusa a reduzir 
o Direito, a História, a Pedagogia e as demais ciências humanas ou "ciências da 
cultura" à 
categoria de "ciências físicas ou naturais". "O humano ­ diz Recasens Siches ­ a 
cuja área 
pertencem os fenômenos sociais, constitui um mundo completamente diverso do 
reino da natureza 
física e biológica, embora se encontre apoiado e inserido nesta. O humano não 
pode ser captado 
pela pura categoria da causalidade física, nem reduzido a mera expressão 
quantitativa, pois, além 
dos elementos apreensíveis por tais processos, o fato social tem algo que escapa 
a estes 
métodos: possui sentido ou significação"." 
Dentro dessa perspectiva, o direito se situa evidentemente entre as ciências 
humanas. 
Mas há outros aspectos do problema. As ciências físico­matemáticas e as 
culturais não esgotam o 
quadro dos conhecimentos humanos. Em sentido amplo, além das ciências do "ser", 
existem 
ciências do "dever ser". Ao lado das ciências do simples "conhecer", existem 
ciências do "agir", 
ciências do "fazer", ciências "artísticas", ciências "técnicas", ciências 
"normativas" etc., o que nos 
leva a uma pesquisa mais ampla sobre os quadros da ciência. 
Se quisermos, numa perspectiva mais ampla, situar o direito conjunto dos 
conhecimentos humanos
e fixar sua posição dentro realidade universal, devemos recorrer à noção de 
ordem. 
A "ordem" é uma das idéias primárias do pensamento e, ao mo tempo, uma das 
realidades 
fundamentais da atureza. O problema capital da teoria do conheimento, escreveu 
Bergson, 
consiste em saber orno a ciência é possível, isto é, porque há ordem" nas 
coisas. A existência da 
ordem poderá r um mistério a esclarecer ou um problema 
istência da ordem é um fato." 
no da 
mes 
(7) 
E 
di di 19 
có 
Noção 
e realidade fundamental 
a colocar. Mas a 
(6) 
Recaséns Siches, Tratado de sociologia, Globo, 1968, p. 83 e 87. 
H. Bergson, L'évolution créatrice, Paris, Presses Universitaires de France, 
1948, cap. III, p. 232. J. 
Leclerq, em Les grandes lignes de Ia Philosophie Morale: 
"O problema da vida é para o homem, em todos os setores, um problema de ordem. A 
vida física é 
uma questão de ordem. A vida intelectual o é da mesma forma. A vida moral 
também. O vício é 
uma desordem, como a doença e o erro. O homem deve tomar seu lugar na ordem 
universal e 
desempenhar o papel que lhe cabe na história do mundo" (4.° parte, cap. 15, p. 
437 e ss.). 
66        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
O PROBLEMA DA CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS 
67 
No mesmo sentido é a observação de Hegel: inicialmente, só existem, na 
superfície terrestre, 
minerais, em seguida, vegetais, depois, animais. Não se tem a impressão de que 
seres cada vez 
mais complexos, cada vez mais organizados, cada vez mais autônomos surgem no 
universo? O 
Espírito, inicialmente adormecido, dissimulado e como que estranho a si mesmo, 
"alienado" no 
universo, apresenta­se, cada vez mais manifestamente, como ordem, como 
liberdade, logo como 
consciência. 
Encontramos ordem em todos os movimentos e setores da natureza. Existe ordem no 
movimento 
dos astros, no crescimento de um vegetal, na estrutura de um organismo vivo. As 
reações 
químicas se operam segundo uma ordem determinada. Existe ordem na vida social, 
manifestada 
na divisão do trabalho e na distribuição das funções sociais. "O direito ­ 
escreveu Planio113 ­ tem 
por objeto a realização da ordem na vida social". As obras de arte, as 
demonstrações da
matemática, os raciocínios da lógica, as conquistas da técnica, as sinfonias 
musicais são 
manifestações diferentes dessa ordem. Em suma, a noção de ordem é 
transcendental, isto é, 
passa através de todos os setores da realidade. 
Impressionados por essa ordem universal, os Cosmos gregos chamaram o mundo de 
"cosmos" 
(Kósmos), e caos        que significa ordem, beleza. E ao "cosmos" 
opuseram o "caos" (Káos), que significa desor 
dem, confusão. 
A ordem
pode ser definida como "a unidade na multiplicidade". 
Supõe sempre dois elementos. Não há ordem sem Unidade na unidade ou sem 
multiplicidade. Se 
algumas cores multiplicidade        forem atiradas ao acaso sobre uma tela, não 
haverá 
ordem, por falta de unidade. Da mesma forma, não se perceberá ordem numa tela de 
uma só cor, 
por falta de multiplicidade. Ordem não se confunde com estabilidade. 
Modernamente, a ciência 
abandona cada vez mais a noção estática de ordem, para substituí­la por uma 
visão dinâmica e 
concreta." 
3.2 Fundamento das ciências 
A noção de ordem é fundamental a todas as ciências. Podemos 
dizer que o objeto da ciência consiste, precisamenFundamento te, em investigar 
os diversos 
aspectos dessa ordem das ciências        universal. A astronomia procura fixar a 
ordem que 
rege o movimento dos astros. A biologia tem por objeto determinar as leis que 
regem a ordem 
existente na estrutura 
Marcel Planiol, Traité élémentaire de Droit Civil, t. 1, § l.°. V. Vicente Eco, 
Obra Aberta, Zahar, 
1968, p. 56. 
e na atividade do organismo vivo. A física e a química, em qualquer dos seus 
capítulos, procuram 
descobrir e fixar aspectos especiais dessa ordem universal. 
As leis, que as diversas ciências formulam, nada mais são do que enunciados 
parciais dessa 
ordem. Devemos examinar a posição do Direito, dentro da ordem e das leis 
universal. Mas, para 
isso, precisamos começar por distinguir as diversas espécies ou tipos de "ordem" 
que encontramos 
no universo. Pois, evidentemente, a ordem que rege os movimentos dos astros e a 
que existe na 
vida social não são da mesma natureza. 
3.3 Espécies de ordem 
Podemos distinguir duas espécies fundamentais de ordem: 
a) teórica ou especulativa; 
b) prática ou normativa. 
Essa divisão tem por fundamento a atitude da razão humana em face da ordem. A 
razão muitas 
vezes se limita a considerar ou contemplar a ordem existente, outras vezes 
influi na ordem, e, de 
certa forma, a realiza. 
Ordem teórica ou especulativa é aquela que a razão apenas considera ou 
contempla. Por exemplo, 
a ordem existente no movimento dos astros ou na estrutura de um vegetal.
Ordem prática ou normativa é aquela que a razão não apenas considera, mas também 
realiza. Por 
exemplo, a ordem existente numa obra de arte, num raciocínio lógico ou na 
estrutura de um 
edifício. 
A etimologia das palavras "teórico" ou "especulativo" e "prático" ou "normativo" 
confirma e 
esclarece esses conceitos. 
A palavra "teórico', como as expressões correlatas, "teoria", "teorema" e 
outras, provém do verbo 
grego theorein, que significa "ver". Ciência teórica é a Ordem que se limita a 
ver a realidade, a 
contemplar ou teórica considerar a ordem existente. É aquela em que a razão 
"vê". 
"Especulativo" vem do vocábulo latino speculum, que significa "espelho". 
Denominação também 
adequada, porque, na ordem especulativa, a razão exerce o papel de um espelho: 
limita­se a 
reproduzir a realidade, refletindo aquilo que existe. 
A palavra "prática" provém do vocábulo 
grego praxis, que significa praxe, costume. Indica Ordem o agir humano. E a 
ordem é chamada 
"prática", prática porque depende, de qualquer modo, da atividade 
do homem. 
E8        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
O PROBLEMA DA CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS 
69 
"Normativo" provém do vocábulo latino norma, que encontra similar perfeito na 
língua portuguesa. 
Ordem normativa é a que obedece a normas estabelecidas pela razão humana. É a 
que é regulada 
pelo homem. 
Esses dois grandes setores são suscetíveis, ainda, de subdivisão. A ordem 
teórica consta de três 
espécies fundamentais: a) ordem física ou natural; b) ordem matemática; c) ordem 
metafísica ou 
ontológica. 
Ordem física é a que se refere aos seres da natureza, considerados em sua 
realidade qualitativa e 
quantitativa. É o caso da ordem existente numa célula viva, na estrutura da 
matéria ou na anatomia 
de uma espécie animal. 
Ordem matemática é a existente no mundo Ordem das quantidades. Por exemplo, 10 
vezes 10 
igual matemática        a 100. Refere­se fundamentalmente ao número e 
à extensão. 
Ordem metafísica é a relativa ao ser considerado apenas como 
ser. Refere­se às noções de causa e efeito, essência Ordem e existência, 
substância e acidente, e 
outras, que metaf isica        se aplicam ao ser, considerado em si mesmo. É 
também chamada ordem ontológica (do vocábulo grego ontos, que significa "ser"). 
A ordem prática, por sua vez, pode ser assim subdividida: a) ordem lógica; b) 
ordem moral; c) 
ordem artística. 
Como vimos, ordem prática é aquela que a razão, de certa forma, realiza. E a 
razão pode realizar 
ordem, na própria razão, na vontade, ou nas coisas exteriores. A ordem que a 
razão realiza no
próprio raciocínio chama­se ordem lógica. A ordem que a razão realiza na vontade 
ou na atividade 
humana chama­se ordem moral. E a que o homem realiza nas coisas exteriores é 
ordem artística 
ou técnica. 
Consideremos cada uma delas em particular. 
Podemos raciocinar "ordenada" ou desordenadamente. Se disser 
mos: todo mineiro é brasileiro; todo paulista é Ordem brasileiro; logo, todo 
mineiro é paulista, 
estaremos lógica        praticando uma "desordem" lógica. 
E inversamente, estaremos raciocinando com "ordem", se dissermos: todo mineiro é 
brasileiro; 
Fulano é mineiro; 
logo, Fulano é brasileiro. 
Assim, ordem lógica é aquela que a razão realiza na própria razão. É a ordem no 
raciocínio. 
Como dissemos, ordem moral é a que regula a atividade humana ou a atividade da 
vontade. E, 
como a característica essencial da vontade é a liberdade, podemos dizer que esta 
é a ordem no 
mundo da liberdade. De acordo com a forma por que o indivíduo agir, ordenada ou 
desordenadamente, estará ele observando ou não a ordem moral. Quem pratica um 
furto, uma 
injustiça, uma desonestidade, está violando a ordem moral. Está abusando da sua 
liberdade. 
Quem cumpre seu dever e respeita a personalidade e os direitos dos demais age 
ordenadamente. 
Ordem artística é a que o espírito humano realiza nas coisas exteriores. E, por 
exemplo, a ordem 
existente numa escultura ou na construção de um edifício. Ordem 
Ao agir sobre o mundo externo, o homem pode artística ter em vista a beleza: 
temos então a 
ordem estética 
propriamente dita; ou pode ter em vista a utilidade; temos, nesse caso, a ordem 
técnica. Essas 
considerações podem ser resumidas no quadro seguinte: 
No passado, a ordem foi considerada principalmente sob o aspecto teórico, como 
ordem cósmica, 
diante da qual o homem assumia atitude meramente passiva. 
Modernamente, a ordem é considerada sobretudo em seu aspecto prático e dinâmico, 
como ação 
transformadora do homem sobre a natureza. A ordem existente no mundo é, cada vez 
mais a 
realizada pelo homem nos múltiplos campos da "cultura", que não se limita ao 
plano estritamente 
espiritual, moral ou social, mas se estende a todo o universo, incluindo, desde 
as manifestações 
sempre mais amplas e aperfeiçoadas do cultivo da terra ou do aproveitamento de 
suas riquezas, 
até as conquistas revolucionárias da tecnologia, representadas pela 
industrialização, a cibernética, 
os computadores eletrônicos, os satélites artificiais ou as astronaves. 
Nesse sentido, podemos dizer que, graças ao espírito do homem e sua atividade 
transformadora, a 
ordem no universo se amplia e se aperfeiçoa permanentemente. 
Dentro desse quadro, onde se situa a ordem jurídica? 
Ordem moral 
Ordem natural 
ORDEM 
Natural 
í TEÓRICA Matemática Metafísica Lógica
PRÁTICA Moral Artística 
Estética Técnica 
70        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
Para encaminhar a solução do problema, devemos dar mais um passo a examinar a 
classificação 
das ciências, fundada na ordem universal. 
4. A classificação de Aristóteles e suas modificações 
A esses aspectos fundamentais da ordem universal
corresponde a famosa 
classificação das 
ciências de Aristóteles, que, com as modificações introduzidas pelo pensamento 
filosófico e 
científico posterior,15 passamos a apresentar. 
Essa classificação distingue, inicialmente, duas espécies fundamentais de 
ciência: a) ciência 
teórica ou especulativa; b) ciência prática ou normativa. 
Essa divisão funda­se na finalidade ou função de cada ciência. Ciência teórica é 
a que tem por 
finalidade o próprio conhecimento. Ciência prática é a que tem por finalidade a 
ação. 
4.1 A ciência teórica 
Podemos dizer que a ciência teórica conhece por conhecer. Por isso, as ciências 
desse tipo são 
chamadas ciências puras. É o caso da física, da anatomia, da geometria e outras. 
As ciências teóricas ou especulativas podem ser subdivididas em três espécies 
fundamentais, 
essencialmente distintas: a) ciências físicas ou naturais; b) ciências de tipo 
matemático; c) ciências 
de tipo metafísico. 
Essa divisão se fundamenta no grau de abstração de cada uma dessas ciências. 
Assim, as 
ciências físicas ou naturais têm um grau de abstração mínimo. Fazem abstração 
das diferenças 
individuais e estudam as propriedades comuns a uma espécie de seres de 
realidade, por exemplo, 
a célula animal. A abstração maior dá­se nas ciências matemáticas, que fazem 
abstração das 
diferenças individuais e das qualidades dos seres para ficar apenas com a 
quantidade. 
A abstração é máxima na metafísica ou ontologia, que estuda o ser enquanto ser. 
4.1.1 Ciências físicas ou naturais 
Como sabemos, toda ciência é abstrata, isto é, faz uma certa abstração, sem o 
que ela não será 
ciência. Quando a física diz que todo corpo tende para o centro da terra, ela 
está fazendo uma 
abstração. Nunca vimos nem podemos ver "o corpo" de que fala a física. Vemos 
este ou aquele 
corpo concreto, que é de madeira, de pedra ou de metal, que tem esta ou aquela 
cor, que possui 
determinado peso, tamanho e temperatura. Mas "o corpo" (universal), de que fala 
a física, ao 
enunciar, por exemplo, a lei da gravidade, não existe concretamente; não existe, 
como tal, no 
mundo real. Trata­se de uma abstração; como abstrato é, também, "o hidrogênio", 
da química, "a 
célula", de que fala a biologia, "o animal", da zoologia, "o homem", da 
antropologia, " o índio", da 
etnologia, ou o "trabalhador urbano" da sociologia.
Todas as ciências fazem abstração das diferenças individuais e só consideram as 
propriedades 
comuns a todos os seres da mesma espécie. Esse é o primeiro grau de abstração, 
comum a todas 
as ciências da natureza. 
4.1.2 Ciências culturais 
Modernamente, com o desenvolvimento dos estudos relativos ao mundo "da cultura", 
em oposição 
ao mundo "da natureza",16 devemse distinguir, explicitamente, entre as ciências 
teóricas naturais, 
em sentido amplo: a) as ciências naturais, propriamente ditas, que se ocupam do 
mundo físico­ 
natural; b) as ciências culturais, que estudam a natureza transformada pelo 
homem. 
É assim, enriquecida a antiga classificação de Aristóteles, que conceitua 
genericamente a ciência 
natural como o estudo de ser móvel." 
V. Wilhelm Dilthey, Introduction à 1'étude des sciences humaines, Paris, Presses 
Universitaires de 
France, 1942; G. Vico, Scienza nuova, Pádua, Cedam, 1943; M. Reale, Filosofia do 
Direito, cap. 
17. 
'"' Para apreender com exatidão o conceito de ciência física ou natural, no 
pensamento de 
Aristóteles, é necessário remontar à significação do vocábulo 
grego physis e ao latino natura, que correspondem ao conceito de natureza em seu 
sentido mais 
amplo. Ao estudar a obra de Aristóteles, observou Ross: 
"La Physique" fait 1'objet d'une longue série d'oeuvres d'Aristote: De 
Meteorologica, De Physica, 
De Coelo, De generatione et corruptione, De 
partibus animalium, De anima etc. La Physique est distince d'une étude qui 
concentre toute son 
attention sur Ia matière, qui réduit un corps vivant par 
exemple, ou un composé chimique inanimé, à ses élements, sans tenis compte de Ia 
structure qui 
fait du corps vivant ou du composé ce qui'il est. Aristote 
se prononce en fait en faveur, de Ia teléologie et contre le pur mécanisme, en 
faveur de l'étude des 
parties à la Iumière du tout au lieu de traiter le tout 
simplement comme une somme de parties. La Physique est I'étude non de Ia forme 
seule ni de Ia 
matiére seule, mais de Ia matière informée ou de Ia 
forme dans une matière; W. D. Ross, Aristote, Paris, Payot, 1930, cap. 111. 
O PROBLEMA DA CLASSIFICAÇAO DAS CIÊNCIAS 
71 
Historicamente, a classificação proposta por Aristóteles divide as ciências em 
teóricas, práticas e 
produtivas: "Todo conhecimento é prático ou produtivo ou teórico" ("metafísica", 
1025b, 25). O 
objetivo de toda ciência é conhecer, mas os objetivos finais são diferentes. A 
ciência teórica 
procura o "conhecimento" por si mesma. As ciências práticas têm por objeto o 
conhecimento para 
que esse sirva de guia à "conduta ou ação". E as ciências produtivas procuram o 
conhecimento 
para utilizá­lo na "fabricação" de coisas úteis ou belas. W. D. Ross, Aristote, 
Payot, Paris, 1930, p. 
34 e 91.
72        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
Em sentido amplo, a natureza inclui o mundo da cultura. Este é, na realidade, a 
própria natureza 
transformada e aperfeiçoada pelo espírito humano. 
4.1.3 Ciências de tipo matemático 
As ciências matemáticas se situam num plano de abstração mais elevado. Não 
apenas separam 
ou abstraem as diferenças individuais, mas fazem, também, abstração das 
"qualidades sensíveis", 
para considerar apenas a "quantidade" do ser. 
Por exemplo, o número 8 ou fração 5/9 são o resultado de uma abstração, em que 
foram deixadas 
de lado diferenças individuais e qualidades sensíveis. São puras relações 
quantitativas. 
Abstrações, portanto. Na realidade, não existe 8 simplesmente, e sim 8 homens, 8 
máquinas etc. A 
matemática não considera a matéria ou conteúdo desses elementos. Fica apenas com 
seu aspecto 
quantitativo. 
O mesmo ocorre com outras ciências que, desprezando o conteúdo material dos 
objetos, limitam­ 
se à consideração de seus aspectos formais, como a estrutura lógica, a simples 
relação com 
outros objetos etc. 
São as ciências lógico­matemáticas ou, simplesmente, ciências formais. 
4.1.4 Ciências de tipo metafísico 
A metafísica representa mais um passo nos graus de abstração. 
O filósofo faz abstração das diferenças individuais, das qualidades sensíveis e 
dos aspectos 
formais, para ficar apenas com o "ser". A metafísica é pura e simplesmente a 
ciência do ser. Por 
isso é, também, chamada ontologia (ciência do ser). Estuda o ser, enquanto ser, 
Mas, que pode 
dizer a ciência a esse respeito? 
Há muitos problemas ligados ao ser, considerado em si mesmo. E tais problemas 
são 
fundamentais. Por exemplo, todas as ciências 
•        todos os raciocínios fundam­se num princípio primeiro, que se enuncia 
assim: uma coisa 
não pode ser e não­ser, ao mesmo tempo 
• sob o mesmo aspecto. É o chamado princípio de identidade ou de não 
contradição, que é 
fundamental a todas as ciências e a todos os conhecimentos. Quando uma 
experiência num 
laboratório é feita por um físico, quando o matemático demonstra um teorema de 
geometria, 
quando o astrônomo faz o estudo dos movimentos dos astros, estão todos admitindo 
esse 
princípio. E se esse princípio não for verdadeiro, todos os raciocínios que o 
homem fizer serão 
inseguros. Ruirá toda a ciência. Nesse princípio se assentam todos os demais. 
Ao ser e a qualquer ser podemos aplicar as noções de substância ou acidente, 
essência e 
existência, matéria e forma, unidade, verdade, bondade etc. 
A metafísica realiza, assim, um supremo grau de abstração. Separa todas as 
"qualidades 
sensíveis" e "quantidades", para ficar apenas com o "ser". 
4.2 Ciência prática ou normativa
Ciências práticas são as que conhecem para
dirigir a ação. São ciências que têm 
uma finalidade 
ulterior, além do conhecimento. É o caso da medicina, da engenharia ou da 
arquitetura, cujo 
objetivo é curar, construir ou planejar. É, também, o caso da política, da 
pedagogia ou da moral, 
cuja finalidade é orientar a conduta individual ou social do homem. 
As ciências práticas ou normativas se subdividem em: a) ciências morais, humanas 
ou ativas; b) 
ciências artísticas ou factivas. 
As ciências morais ou ativas têm por finalidade dar normas ao agir. Ciências 
artísticas ou factivas 
são as que têm por finalidade dar normas ao fazer. O objeto da moral é o agir. O 
objeto da arte é o 
fazer. Podemos dizer que, considerados em sua acepção ampla, a moral é ciência 
do agir e a arte 
é a ciência do fazer. 
Qual a diferença entre o "agir" e o "fazer"? 
A atividade humana, num sentido amplo, pode ser realizada de duas maneiras: como 
atividade 
produtiva ou como atividade moral. 
4.2.1 As ciências morais, humanas ou ativas 
A atividade produtiva ou factiva tem por objeto o que os antigos chamavam o 
factibile, isto é, uma 
obra a ser feita ou produzida. Dizemos que o engenheiro "fez" uma ponte, o 
escultor "fez" uma 
estátua. A atividade moral ou ética tem por objeto o agibile, isto é, uma ação a 
ser praticada. De 
um homem que cumpriu o seu dever dizemos que ele "agiu" bem. 
•        "fazer" é transitivo, exige um objeto exterior. Quem faz, faz alguma 
coisa. 
• "agir" pelo contrário, é intransitivo; é imanente (do latim Fnanet, 
permanece); e indica, 
fundamentalmente, a atividade interna e pessoal do homem. 
Assim, podemos dizer que ciências morais são as que dirigem a atividade humana 
propriamente 
dita. E ciências artísticas são as que dirigem a produção de coisas exteriores. 
O PROBLEMA DA CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS 
73 
74 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
O PROBLEMA DA CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS 
75 
4.2.2 Ciências artísticas e técnicas 
As ciências artísticas, por sua vez, podem ser divididas em: 1. artes 
propriamente ditas que visam 
à produção do "belo", como a música, a escultura, a poesia; 
2. técnicas, que têm por objeto a produção do "útil", como a engenharia (arte de 
construir), a 
medicina (arte de curar), e as técnicas em geral. 
Em síntese, temos o seguinte esquema: 
NATURAL Í NATURAL PROPRIAMENTE DITA 
CULTURAL LÓGICO­MATEMÁTICA OU FORMAL METAFÍSICA OU ONTOLÓGICA 
4.3 Conclusões 
Essa classificação sugere algumas observações, que passamos a indicar. 
4.3.1 Primeiro: a divisão das ciências teóricas em: naturais,
culturais, formais e metafísicas (ou ontológicas), Objetos: aproxima­se da 
moderna classificação 
dos objetos naturais ou regiões ônticas, proposta por Husserl e aplicada 
culturais por Cóssio ao 
campo de direito." Essa classifiideais cação distribui a universalidade dos 
objetos nas e metafísicos 
seguintes categorias: objetos naturais, culturais, 
ideais (ou formais) e metafísicos. 
4.3.2 Segunda observação: a classificação de Aristóteles nos permite distinguir 
diversas acepções 
do vocábulo "ciência", que é usado, pelo menos, em três 
de ciência  sentidos diferentes, todos contidos na classifica 
ção. 
Numa primeira acepção, latíssima, ciência significa o conheci 
mento certo pelas causas ("scientia est cognitio certa Conhecimento per 
causas"). Sempre que 
tivermos um conhecimento pelas causas  que chegue às causas dos fenômenos 
ou às 
razões qu 
o demonstram, ele é científico. 
Carlos Cóssio, La teoria egológica del Derecho y el concepto jurídico d 
lihertad. Bueno Aires, 
Losada, 1944, p. 28 e ss. 
Nesse primeiro sentido, "ciência" se aplica a todos os conhecimentos pelas 
causas, a todos os 
conhecimentos "demonstrados" e se opõe a "conhecimento vulgar". 
É esse o sentido da palavra "ciência", na classificação apresentada. Ele abrange 
tanto as ciências 
teóricas como as práticas. 
Mas a palavra "ciência" é empregada, com 
freqüência, numa segunda acepção, estrita, refe­ Conhecimento rindo­se apenas às 
ciências 
teóricas ou puras. Isto teórico é, às ciências naturais (físicas ou culturais), 
às ciências formais e à 
metafísica. 
Nesse sentido, a palavra "ciência" se opõe à "arte" e às ciências práticas em 
geral, também 
chamadas "ciências aplicadas". 
É nesse sentido que se formula a pergunta: tal disciplina é ciência ou arte? É 
ciência pura ou 
aplicada? E ciência teórica ou prática? 
Num terceiro sentido, estritíssimo, a palavra "ciência" estende­se apenas às 
ciências teóricas de 
tipo natural e matemático, isto é, às ciências particulares, em Conhecimento 
oposição à metafísica 
ou à filosofia, que é ciência físicogeral.        matemático 
E nesse sentido, por exemplo, que se emprega 
vocábulo "ciência", quando se fala em Faculdade de Filosofia e Ciências. 
A classificação das ciências de Augusto Cocote, por exemplo, refere­se à ciência 
nesse terceiro 
sentido. Inclui apenas as ciências físicas e matemáticas, a saber: matemática; 
astronomia (física 
celeste); física (físico­mecânica); química (físico­química); biologia (física 
biológica); sociologia 
(física social). 
Como vemos, quando Augusto Cocote fala de ciência, ele tem presente apenas as 
ciências 
especulativas de tipo físico e matemático. 
4.3.3 Uma terceira observação deve ser feita. A classificação de Aristóteles 
refere­se a "tipos" de
ciências, a tipos de conhecimento científico e não a uma enumera­ Tipos ção de 
ciências 
individualmente consideradas. de ciência Assim, ciência física, nessa 
classificação, não significa 
uma disciplina particular, como a Física propriamente dita, mas, sim, qualquer 
ciência de tipo 
natural. Trata­se de espécie ou categoria de conhecimento científico, e inclui a 
física (em sentido 
estrito), a química, a mineralogia, a biologia etc. 
Como essa classificação refere­se a tipos de ciência e não a ciências 
individualmente 
consideradas, podemos incluir na mesma as diversas ciências que estão se 
constituindo 
modernamente. Assim, a genética, que é uma ciência relativamente nova, cabe 
perfeitamente na 
classificação. É uma ciência natural ou física. Da mesma forma, 
CIÊNCIA 
TEÓRICA ou ESPECULATIVA 
PRÁTICA ou        MORAL OU ÉTICA 
NORMATIVA ARTÍSTICA        DCIAMENTE 
D ITE TA TÉCNICA 
Três sentidos 
76 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
O PROBLEMA DA CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS 
77 
a aeronáutica ou a moderníssima astronáutica cabem, também, na classificação, 
como ciências 
técnicas. O mesmo se dá com outras disciplinas especializadas. 
4.3.4 Uma quarta e última observação a Valores respeito da classificação em 
causa: a cada um 
desses tipos ou categorias de ciência corresponde um critério ou valor 
fundamental. 
Assim, à técnica, corresponde o valor "utilidade". As artes, 
propriamente ditas, têm como valor fundamental Verdade        o "belo". As 
ciências morais, o 
"bem". As ciências 
especulativas, a "verdade". Em linguagem filosófica, esses valores representam o 
objeto formal 
dessas ciências, isto é, são o aspecto pelo qual essas diversas disciplinas 
consideram a sua 
matéria. 
A moral estuda a atividade humana sob o aspecto do bem. A arte se ocupa das 
coisas exteriores 
sob o aspecto da beleza. A técnica considera as coisas exteriores, que 
constituem a sua matéria, 
sob o aspecto da utilidade. 
Essa distinção é de grande importância para que se respeitem a formalidade e o 
critério próprio de 
cada ciência. O cientista propriamente dito, homem de ciência teórica ou pura, 
tem ou deve ter 
como preocupação fundamental a verdade. O artista, a beleza. O técnico, a 
utilidade. O homem de 
qualquer ciência moral, o bem. O político, legislador ou administrador, o "bem" 
comum. 
Esses critérios ou valores não se opõem. Como mostra a Filosofia, "verdade", 
"beleza", "bem" são
aspectos fundamentais do "ser" e se correspondem. Assim, o belo pode ser 
definido como o 
"esplendor da verdade".
E o "bem", como a verdade enquanto fim para a ação.'9 
Ou, como diz Sorokin, a verdade genuína é sempre boa e bela; a beleza genuína é 
invariavelmente verdadeira e boa, e o amor genuíno é sempre verdadeiro e belo.` 
5. Outras formulações 5.1 Direito e ordem 
Edgard Bodenheimer, Ciência do direito, Rio, Forense, 1966, p. 185 e ss. 
Onde quer que tenham criado unidades de organização social, os homens têm 
procurado evitar o 
caos, estabelecendo em seu lugar uma forma qualquer de ordem em que se possa 
viver. 
Esse anseio por padrões de ordem na coexistência humana não representa um traço 
arbitrário ou 
dispensável dos seres humanos. Dele está profundamente impregnada toda a matéria 
de que se 
compõe a natureza, e da qual faz parte a própria vida humana. A natureza nos 
desvenda 
uniformidades aproximadas, seqüências repetidas, associações de acontecimentos 
que se 
reproduzem. Pelo menos naquelas manifestações da natureza externa, que se 
refletem mais 
significante e decisivamente na vida humana neste planeta, a ordem parece 
prevalecer sobre a 
desordem, a regularidade sobre a irregularidade, a regra sobre a exceção. A 
terra segue o seu 
curso em redor do Sol numa órbita fixa, e em condições que permitiram a 
existência da vida 
durante milhões de anos. Há uma alternação de estações em que se pode confiar, e 
que permite 
aos homens, durante aquelas em que se produzem os alimentos, proverem­se e 
armazenarem 
para as outras, em que o solo se mostra estéril. Os elementos do universo 
físico, como a água, o 
fogo e as substâncias químicas, têm características mais ou menos invariáveis, 
que nos permitem 
confiar nas suas propriedades permanentes e predizer­lhes os efeitos ao utilizá­ 
los para fins 
humanos. Todo o nosso controle da natureza pressupõe a existência de numerosas 
leis físicas, 
precisas, não raro matematicamente calculáveis, em cuja atuação uniforme 
confiamos, na abertura 
de túneis, na navegação marítima ou aérea, no controle das inundações e no 
domínio da energia 
elétrica para fins industriais e outros. Os processos físicos dos seres vivos 
são igualmente sujeitos 
a determinadas leis. 
Como na natureza, a ordem representa importante papel na vida dos seres humanos. 
A sociedade 
em geral, dependendo da coexistência e da cooperação, manifesta forte tendência 
para a adoção 
de formas ordeiras de organização. Observou­se, por exemplo, que prisioneiros de 
guerra 
estabelecem rapidamente certas normas de conduta para o ordenamento da 
existência no campo 
de concentração, às vezes sem qualquer iniciativa da parte dos dirigentes do 
campo. Náufragos 
atirados à costa de uma ilha deserta quase imediatamente começarão a adotar um 
sistema 
improvisado qualquer de "governo" e "regulamentação".
A sociedade em geral, dependendo da coexistência e da cooperação de muitos 
indivíduos e 
grupos diversos, tem ainda maior necessidade de organização e de 
,,normas". 
fundamentais 
Bem Belo útil 
"Le bien est une propriété transcendantale de 1'être, comme le vrai et le beau. 
Les propriétés 
transcendantales correspondent à des vues de l'esprit. Le bien, c'est I'être vu 
du point de vue de 
l'action en tant que réalisant une fin, I'être consideré comme s'il avait une 
fin, un but, comme s'il 
existait pour réalisez quelque chose, comme s'il tendait vers cette fim raison 
de son existence. Le 
vrai, c'est le même être en tant qu'objet de connaissance. D'après Ia 
définition, traditionelle, Ia 
vérité est adaequatio rei et intellectus, l'accord de Ia chose, avec 
l'intelligence; en d'autres termes, 
le vrai, c'est l'être en tant que connu, c'est­à­dire, en tant qu'il se 
manifeste à un esprit". "Le beau 
est encore 1'être; 
mais en tant que source de jouissance pour I'esprit. Pour I'opposer à I& 
jouissance sensible, on qualifie cette jouissance d'esthétique. Lã jouissance 
esthétique résulte de Ia vue de Ia perfection de 1'être et le beau est une 
propriét~ 
transcendantale de 1'être au même titre que le vrai et le bein. Le vrai est 1'e 
en tant que connu, le bien en tant que fin, le beau en tant qu'objet de 
jouissancf 
Quod visum placet, dit Saint Thomas, ce qui plait à Ia vue. Tout perfectio 
tout bien plaêt à celui qui le connaft, done tout vérité. Tout être est bea 
comme il est vrai, comme il est bon en lui­même. 11 y a une beauté en tout etre, 
et cette beauté est 
proportionnée à sã perfection' ; J. Leclerq. Les grandes lignes de Ia 
philosophie morale, ed. citada, 
p. 233 e ss. 
(20) Tendências básicas de nossa época, Zahar, 1966, p. 161. 
78        INTRODUÇAO À CIÊNCIA DO DIREITO 
Há dois tipos de estrutura social que se caracterizam pela ausência de meios 
institucionais para a 
criação e manutenção da ordem na vida social. Esses dois tipos são o anarquismo 
e o despotismo, 
nas suas formas puras e não diluídas. Embora seja difícil encontrar sociedades 
que tenham 
praticado (ao menos por um período de tempo apreciável) uma forma de governo 
puramente 
anárquica ou totalmente despótica, o exame dessas formas extremas, ou 
"marginais", de 
existência política e social, é útil para uma compreensão da natureza e das 
funções do direito, 
como instrumento da ordem social. 
O anarquismo representa uma condição social em que se confere poder ilimitado a 
todos os 
membros da comunidade. Onde reina a anarquia, não existem regras obrigatórias e 
que se 
imponham ao reconhecimento de todos e que por todos devam ser obedecidas. Todos 
têm a 
liberdade de satisfazer aos próprios impulsos e de fazer o que lhes venha à 
mente, seja o que for. 
Nem Estado, nem Governo impõem limites ao exercício arbitrário do poder privado.
As opiniões divergem quanto a saber como procederiam realmente os homens se os 
estados e 
governos fossem abolidos, e em seu lugar se entronizasse a anarquia, como forma 
legítima de 
vida social e política. Homens como Bakunin e Kropotkin, adeptos de um credo de 
anarquismo 
coletivista, convenceram­se de que o ser humano é por natureza essencialmente 
bom, e de que só 
o Estado e as suas instituições o corrompem. Acreditavam eles que os homens são 
dotados de um 
poderoso instinto de solidariedade, e que, após a necessária destruição dos 
governos organizados, 
eles seriam capazes de viver unidos em um perfeito sistema de liberdade, paz, 
harmonia e 
cooperação. Em lugar do estado coercitivo, haveria uma livre associação de 
grupos livres; todo 
mundo poderia integrar­se no grupo de sua preferência e dele retirar­se quando 
lhe aprouvesse. 
Leão Tolstoi acreditou também na possibilidade de uma sociedade não coercitiva, 
cujos 
componentes se uniriam por laços de amor recíproco. A cooperação e a ajuda 
mútua, ocupando o 
lugar da competição desenfreada, passariam a ser as leis supremas de tal 
sociedade. 
E, porém, extremamente improvável que a total eliminação do Estado e de outras 
formas de 
constrangimento governamental pudesse gerar uma associação harmoniosa e 
imperturbável entre 
os homens. Embora admitindo que a maioria das pessoas é por natureza boa e 
sociável, restará 
sempre uma minoria avessa à cooperação, contra a qual será preciso usar de 
coação. Uns poucos 
elementos desequilibrados ou delinqüentes podem com facilidade perturbar uma 
comunidade. 
Estatísticas recentes demonstraram, por outro lado, que uma grande prosperidade 
econômica ­ 
como a que objetivam os anarquistas como base de sua sociedade ideal ­ por si só 
não soluciona 
o problema da criminalidade. Independentemente da sua situação econômica, "os 
homens são 
fatalmente sujeitos a paixões" e até mesmo um homem normalmente racional pode, 
dominado por 
um impulso incontrolável, praticar um ato que a sociedade não tolerará. Por 
essas razões, uma 
sociedade completamente livre, não regulamentada, sem sanções comunais, parece 
impossível. 
Por nossa infelicidade, a ordem nas coisas humanas não se impõe por si mesma.
O extremo oposto do anarquismo na vida social seria um sistema político em que 
um só homem 
exercesse um poder tirânico e ilimitado sobre os seus semelhantes. Quando o 
poder desse homem 
se exerce de maneira totalmente arbitrária e caprichosa, estamos diante do 
fenômeno do 
despotismo na sua forma pura. 
O verdadeiro déspota dá as suas ordens e estabelece as suas proibições de acordo 
com a sua 
vontade livre e irrestrita, ou satisfazendo os seus caprichos ocasionais ou as 
suas disposições de 
momento. Um dia, ele condenará alguém à morte por haver furtado um cavalo; no 
dia seguinte
talvez absolva outro ladrão de cavalos por lhe ter este, ao ser submetido a 
julgamento, contado 
uma história divertida. 0 cortesão favorito pode ver­se de súbito encarcerado, 
por ter vencido 
O PROBLEMA DA CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS 
um paxá numa partida de xadrez, e um escritor influente pode sofrer o castigo 
imprevisível de ser 
queimado vivo só por ter escrito algumas linhas que desagradaram ao tirano. Os 
atos do déspota 
puro são imprevisíveis porque não obedecem a qualquer padrão racional e não são 
pautados por 
normas ou por uma política identificáveis. 
Situações de poder arbitrário, encontradas em maior ou menor grau em todos os 
estados 
totalitários, despertam no povo um sentimento de perigo e insegurança. Mas 
existe um meio de 
evitar isso. Esse meio é o direito. 
5.2 Ciências humanas e ciências naturais 
W. Dilthey, Introd. à l'étude des sciences humaines, Paris, Presses 
Universitaires de France, 1942, 
cap. II. 
O conjunto das ciências que tem por objeto a realidade histórica e social será 
designado nesta 
obra pelo nome de ciências humanas, ou ciências noológicas 
("Geisteswissenschaft"). 
O conjunto dos fatos que ocupam nosso espírito e que se incluem no conceito da 
ciência é, 
habitualmente, separado em dois grupos, dos quais um é designado pelo nome de 
"ciências 
naturais". E muito curioso que não exista, para designar o outro grupo, 
denominação pacificamente 
admitida. Adotarei o uso dos pensadores que designam este setor pelo termo 
"ciências humanas" 
ou "ciências do espírito" ("Geisteswissenschaft"). 
De um lado a expressão "ciências humanas", que foi grandemente divulgada pela 
lógica de Stuart 
Mill, parece­me que entrou em uso e tem significado geralmente compreendido. 
Ademais, se eu a 
comparo com outras denominações que não correspondem exatamente à idéia em 
questão, 
parece­me que é a denominação mais aproximada. Evidentemente ela exprime de uma 
maneira 
imperfeita o objeto do presente estudo. Com efeito, aqui, eu não separarei os 
fatos da vida do 
espírito da entidade psicofísica que é a natureza humana. Uma teoria que deseja 
descrever e 
analisar os fatos históricos e sociais não pode fazer abstração do caráter total 
da natureza humana 
e se limitar apenas aos fatos do espírito. Mas a denominação que proponho tem o 
mesmo defeito 
de todas as que se pretenderam empregar. "Ciências sociais", "sociologia", 
"ciências morais", 
`ciências históricas", "ciências culturais", todas essas denominações padecem do 
mesmo vício: 
elas são muito estreitas em relação ao objeto que pretendem exprimir. Quanto ao 
nome que 
escolho, ele tem pelo menos a vantagem de exprimir fortemente a natureza do 
grupo central de 
fatos e de que é preciso partir para ver realmente a unidade destas ciências, 
para determinar sua
extensão, e para traçar, ainda que de forma imperfeita, o limite que as separa 
das ciências 
naturais. 
Os motivos pelos quais adquiriu­se o hábito de separar estas ciências das 
ciências da natureza e 
de fazer delas um todo à parte, brotam das profundezas da consciência que o 
homem tem de si 
mesmo e do sentimento do caráter total desta consciência. Antes que aflore o 
desejo de procurar a 
origem do espiritual, o homem encontra, nesta consciência de si mesmo, o 
sentimento de que sua 
vontade e soberana, que ele é responsável por seus atos, que ele pode submeter 
tudo ao seu 
pensamento e pode resistir a tudo, desde que se entrincheire na fortaleza de sua 
pessoa, e que 
essas faculdades o coloquem à parte do resto da natureza. De fato, ele se 
descobre no meio desta 
natureza, para retomar uma expressão de SPinoza, como imperium in imperio. E, 
como não existe 
para ele senão o que é um fato em sua consciência, acontece que todos os 
valores, todas as 
finalidades 
79 
80        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
da vida estão fechados neste mundo espiritual, que age dentro dele de modo 
independente, e que 
seus atos não têm outro propósito senão o de criar coisas novas na ordem dos 
fatos do espírito. 
Assim se esboça uma demarcação entre o reino da natureza e um reino da história, 
e, no interior 
deste último reino, no meio de um conjunto construído pela necessidade objetiva 
que é a natureza, 
vêse em mais de um ponto, como num relâmpago, luzir a liberdade. Neste reino da 
história, os atos 
da vontade ­ ao contrário das mudanças que se operam na natureza, segundo uma 
ordem 
mecânica e que desde o princípio contêm em si todas as conseqüências que se 
seguirão ­, graças 
a um dispêndio de energia e a sacrifícios, cuja importância permanece sempre 
presente ao 
indivíduo como um fato de experiência, acabam por produzir coisas novas e sua 
ação provoca uma 
evolução tanto da pessoa como da humanidade. Eles ultrapassam, aos olhos de 
nossa 
consciência, a repetição automática dos fatos naturais, repetição esta que 
alguns entendem como 
o ideal do progresso histórico, e diante do qual se pasmam, como diante de um 
ídolo, os 
adoradores da evolução intelectual. 
5.3 Ciências especulativas e operativas 
L. Van Acker, Introdução à Filosofia e Lógica, São Paulo, Saraiva, 1982, p. 28 e 
ss. 
Toda ciência implica certo processo ou movimento da razão para um fim ou objeto. 
Este último 
pode ser tão puramente científico que só se preste à especulação do saber 
ordenado, por 
exemplo: a quantidade abstrata. Neste caso temos ciências especulativas ou 
puramente
científicas. Mas há outros objetos que, além de suscetíveis de conhecimento 
certo pelas causas, 
são naturalmente ordenados a certa execução ou obra, por exemplo: uma lei, as 
dimensões de um 
edifício etc. Neste caso temos ciências operativas ou analogicamente científicas 
em razão do 
objeto. No sentido largo, a especulação é sem dúvida operação ou ação, mas, no 
sentido estrito e 
etimológico, operação supõe a influência moral ou mecânica no efeito, ao passo 
que especulação 
lembra o espelho que reflete fielmente o objeto sem intervir na sua produção ou 
mudança 
(speculum aspectus). Por sua vez a operação estrita e a obra correspondente 
podem ser de ordem 
moral ou técnica. Donde as ciências ativas e produtivas. 
A divisão escolástica em ciências especulativas e operativas é, portanto, 
análoga, isto é, os 
membros da divisão não têm o mesmo valor nem pertencem ao mesmo gênero. Para os 
escolásticos como para os positivistas, o conhecimento certo racional é ciência 
na medida em que 
é especulativo. Mas como é variável essa medida, igualmente variável há de ser a 
noção de 
ciência. Contra os fatos é, portanto, o proceder dos positivistas recusando a 
existência das 
ciências práticas e querendo estabelecer homogeneidade ou univocidade exclusiva 
no conceito e 
na divisão das ciências. Tanto mais que os mesmos admitem que todas as artes são 
aplicações 
das ciências, participando, portanto, do seu caráter científico e merecendo, em 
parte, o título de 
ciência. A esse propósito, escreveu Pedro Lessa: "As ciências que Ihering e seus 
discípulos 
denominam `especulativas', em oposição ao que chamam `ciências práticas', 
reproduzem uma 
errônea classificação, que vem de Aristóteles, quando a verdade é que há somente 
ciências (todas 
da mesma natureza) e artes, ou conjuntos de preceitos de utilidade prática 
baseados nos 
conhecimentos
científicos; as ciências têm por missão o estudo das leis, a que 
estio subordinadas 
as várias classes de fenômenos". 
O PROBLEMA DA CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS        81 
5.4 Ciência normativa, expressão contraditória 
H. Lévy­Bruhl, "Les sources du droit ­ les méthodes et les instruments de 
travail", Introduction à 
l'étude du droit, J. de Ia Morandière e outros, Paris, Rousseau, 
1951, v. 1, 3.' parte, p. 256. 
A atitude realista consiste em considerar as regras jurídicas como fatos, ou, se 
preferirmos, como 
coisas. Essa atitude se impõe a quem se preocupa em estudar o direito 
cientificamente, pois a 
ciência do direito não é uma ciência normativa (expressão que contém em si uma 
contradição), 
mas uma ciência de normas, o que é completamente diferente. 
É preciso insistir sobre este ponto, que se presta a confusões intermináveis. 
Para as dissipar, basta 
precisar a competência de cada ciência. O cientista do direito ­ aquele que 
podemos denominar de 
jurista­cientista ­ é estranho, por definição, a toda ação prática; o jurista 
prático, o jurisconsulto, o
advogado, o procurador, o notário etc. poderão ser levados a dar conselhos 
dentro dos quadros do 
direito existente e, eventualmente, a formular sugestões de lege ferenda. O 
moralista poderá e 
deverá apreciar a lei tomando por critério o seu ideal de justiça. Por 
conseguinte se propusermos 
uma questão como esta: "Tal lei parece iníqua; podemos deixar de obedecê­la?" O 
jurista cientista 
se declará incompetente. Ele observará apenas se ela é ou não aplicada de fato. 
O jurista prático 
não poderá aconselhar a sua violação; quando muito fornecer argumentos que 
permitam contorná­ 
la, emendála, ou anulá­la. Apenas o moralista, colocando­se sob o ponto de vista 
da sua 
consciência, poderá eventualmente aconselhar a desobediência a uma ordem emanada 
do 
legislador ou da autoridade legítima. Em certos casos, esta revolta consciente e 
refletida é 
fecunda; e a ilegalidade de hoje prefigura o direito do futuro. Outras vezes ela 
permanece 
esporádica e não chega a se impor à consciência social do grupo. 
6. Bibliografia 
BODENHEIMER, E. Ciência do direito. Rio de Janeiro : Forense, 1966. 
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1948. 
CAVALCANTI FILHO, Theofilo. O problema da segurança no direito. São Paulo 
RT, 1964. 
COMTE. A. Cours de philosophie positive. Larousse, s/d. 
COSSIO, Carlos. Panorama de la teoria egológica del derecho. Buenos Aires, 1949. 
DEL VECCHIO, G. Filosofia del diritto. Milão : Giuffrè, 1946. 
DILTHEY, W. Introduction à 1'étude des sciences humaines. Paris : PUF, 1942. 
FRANCO MONTORO, A. Princípios fundamentais do método no direito. São Paulo 
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GENY, F. Science et technique en droit privé positif. Paris : Recueil Sirey, 
1922. 4 v. HERNANDEZ 
GIL, A. Metodologia del derecho. Madri : Revista de Derecho Privado, 
1945. 
LESSA, Pedro Estudo de philosophia do direito. Jornal do Comércio, 1912. 
8a 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
L f,GAZ y LACAMBRA. Introducción a Ia ciencia del derecho. Barcelona : Bosch, 
1943. 
M ARITAIN, J. La philosophie morale. Paris : Gallimard, 1960. 
M,ORANDIÈRE, L. J. e outros. Introduction à 1'étude du droit. Paris : Rousseau, 
1951. pL,ANIOL, 
M. Traité elementaire de droit civil. Paris : Gen. de Jurisprudente, 1946, t. 
1. 
PONTES DE MIRANDA. Sistema de ciência positiva do direito. Rio de Janeiro 
Jacinto, 1922. v. 2. 
R,ADBRUCH, G. Filosofia do direito. São Paulo : Saraiva, 1940. R,AEYMAEKER, L. 
Introdução à 
filosofia. São Paulo : Herder, 1966. RALE, M. Filosofia do direito. São Paulo : 
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, fCASÉNS SICHES, L. Filosofia del derecho. Barcelona : Bosch, 1936. 
f. Direcciones contemporâneas dei pensamiento jurídico. Barcelona : Labor, 1936. 
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sociologia. Globo, 1968.
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O direito quântico. 
São Paulo : Max Limonad, 1971. VAN ACKER, L. Introdução à filosofia e lógica. 
São Paulo : 
Saraiva, 1932. 
s. Curso de filosofia do direito. Ed. Universidade Católica de São Paulo, 1968. 
VICO. G. B. Scienza 
nuova. Pádua : Cedam, 1943. 
3 
O DIREITO 
NO QUADRO DAS CIÊNCIAS 
SUMÁRIO: 1. A teoria no direito: 1.1 Posição do direito no quadro das ciências; 
1.2 A teoria do 
direito: 1.2.1 O naturalismo jurídico; 1.2.2 O formalismo jurídico; 1.2.3 O 
culturalismo jurídico ­ 2. A 
técnica no direito: 2.1 Existirão no campo do direito elementos de ordem 
técnica? Será o direito 
uma técnica?; 2.2 Tecnicismo, utilitarismo, pragmatismo; 2.3 Arte e direito ­ 3. 
A ética e o direito ­ O 
direito como ciência normativa ética: 3.1 A posição do direito no quadro das 
ciências; 3.2 O objeto 
da ciência do direito; 3.3 Ciência da liberdade ­ 4. Outras formulações: 4.1 
"Uma concepção 
naturalista do direito", Pontes de Miranda; 4.2 "0 caráter puramente formal da 
norma jurídica", H. 
Kelsen; 4.3 "O egologismo como concepção cultural do direito", Machado Netto; 
4.4 "Normas de 
técnica legislativa"­Lei Complementar 60, de 10.07.1972­5. Bibliografia. 
1. A teoria no direito.J 
1.1 Posição do direito no quadro das ciências 
De forma sintética, podemos formular as seguintes afirmações, que antecipam as 
conclusões do 
presente capítulo: 
a) existe inegavelmente uma TEORIA do direito, constituída por todos os estudos 
que se limitam 
ao conhecimento do que "é" a 
realidade jurídica; nesse sentido, o naturalismo, o formalismo e o culturalismo 
jurídico representam 
hoje as grandes direções teóricas da ciência do direito; 
b) existe, também, uma TÉCNICA do direito, que não se limita ao conhecimento do 
que é, mas dá 
normas ao "fazer"; indica como 
fazer uma petição, uma sentença, um recurso, um contrato, uma lei; c) nesse 
plano podemos falar, 
ainda, em uma ARTE ou ESTÉ 
TICA do direito, na medida em que os aspectos estéticos, como o estilo da lei, a 
eloqüência 
judiciária, os símbolos e as vestes talares interferem na vida jurídica; 
d) mas o direito é, essencialmente, uma ciência NORMATIVA HUMANA, MORAL; sua 
finalidade 
específica é ordenar a conduta 
social dos homens, no sentido da justiça. 
84 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
O DIREITO NO QUADRO DAS CIÊNCIAS 
85 
1.2 A teoria do direito
Existe inegavelmente uma "teoria" do direito. Quaisquer inst$_ tuições jurídicas 
podem ser 
estudadas teoricamente. Há uma teoria CL,, Estado, dos contratos, da 
propriedade, da empresa 
etc. Há, igualmente a teoria do Direito Civil, do Direito Comercial, uma Teoria 
Geral cI. Direito etc. 
São dessa natureza, também, os estudos sobre o homet e seu comportamento no meio 
social, os 
estudos do meio físico geográfico, da história, dos costumes, das instituições. 
Com razão escreveu Brethe de Ia Gressaye: "O jurista deve levam em conta os 
fatos resultantes 
das relações sociais, que são a próprria matéria do Direito. Essa realidade é 
essencialmente 
concreta e, pvr conseqüência, contingente e variável. Sob esse aspecto os fatos 
sociaús se 
aproximam dos fatos físicos. Têm causas e estão sujeitos a te is semelhantes às 
causas e às leis 
da ordem física. Esse elemento experimental constitui o objeto de uma ciência 
positiva, a 
Sociologia jurídica, que estuda a realidade social do `Direito­.' E a Sociologi 
a, que Augusto Cocote 
preferia denominar Física Social é uma ciêne ia teórica, no sentido em que a 
definimos. 
De ordem teórica ou especulativa são, também, os estudos sobwe a estrutura 
social e os diversos 
institutos que constituem a realida¢le social do "Direito". 
A teoria do direito, diz Kelsen, quer única e exclusivamerkte conhecer seu 
objeto. Procura 
responder à pergunta: que é e como o direito, mas não à questão de como deve ser 
ou como 
convém elaborá­lo. É
ciência do Direito (em sentido estrito) e não política d 
Direito.' 
Mas, enquanto teoria, que espécie de ciência é o direito? Ciênci natural, 
cultural, formal, 
metafísica? 
Sob esse aspecto, podemos distinguir, entre as grandes orienita ções teóricas 
sobre a natureza do 
direito: o naturalismo jurídico, formalismo jurídico e o culturalismo jurídico. 
1.2.1 O naturalismo jurídico 
No estudo teórico do direito, as concepções naturalistas reduzem a uma realidade 
exclusivamente 
natural ou física. É sig ficativa a expressão de Pontes de Miranda: "O direito 
não é fenôme peculiar 
ao homem, nem mesmo ao mundo orgânico. Podemos most lo entre os sólidos 
inorgânicos, bem 
como no mundo das figu bidimensionais".' 
(" Introduction générale à l'étude du droit, n. 70, p. 62. z' Teoria pura do 
direito, cap. 1. 
(') Pontes de Miranda. Sistema de ciência positiva do Direito. Rio, Jacinto, v. 
2, p. 26. 
Dentro de sua concepção geral ­ redução do direito a simples fenômeno natural ­ 
as correntes 
naturalistas apresentam diferentes tendências, que divergem na caracterização da 
realidade 
jurídica e social: 
a) as correntes "fisicistas" reduzem essa realidade a fenômenos propriamente 
físicos e mecânicos; 
na mesma linha do pensamento de Pontes de Miranda, podem ser Correntes citados: 
fisicistas
­ os ensaios de "Mecânica social", de Haret, 
Portuondo y Barcelo e outros que pretendem aplicar aos fatos sociais as leis da 
mecânica 
racional;4 
­ os trabalhos de "Energética social", de Ostwald ou de Solvay, que opõem ao 
mecanismo outra 
concepção naturalista: a energia, sujeita aos princípios fundamentais da 
termodinâmica, constitui a 
verdadeira substância da matéria, da alma e da vida social;' 
b) as correntes biologistas procuram reduzir a realidade social a elementos de 
ordem biológica; 
estão nesse caso: 
­ a teoria organicista, que assimila a sociedade Correntes a um organismo vivo 
ou hiperorganismo: 
Lilienfeld, biologistas Schaffle, De Greef, Espinas, René Worms e, de certa 
forma, Spencer;b 
­ o "darwinismo" social, ligado ao evolucionismo mecanicista de Darwin, que 
transporta para o 
plano da sociedade o princípio da luta pela vida (struggle for life); a história 
é o resultado de luta de 
raças (Gumplovicz) ou de povos (Oppenheimer);7 
­ as concepções racistas de Gobineau, Chamberlain, Lapouge e outros;' 
­ a escola antropológica de direito penal: o crime é uma fatalidade biológica e 
os indivíduos 
nascem delinqüentes, como nascem idiotas, cegos ou surdos; é o pensamento de 
Lombroso, que 
teve continuadores em Ferri, Garofalo;9 
Sobre a concepção fisicista, ver Pontes de Miranda, ob. cit.; A. Cuvillier, 
Manuel de sociologie, Paris, PU, 1967, § 28 e ss.; Gilberto Freyre. Sociologia, 
José Olímpio. 1945; 
Machado Netto, Introdução à ciência do Direito, v. 2 ("Sociologia jurídica"), 
São Paulo, Saraiva, 
1963. 
Bibliografia citada. V., ainda, Recaséns Siches, Tratado de sociologia, Globo, 
1968, v. 1, p. 78. 
Sobre o organicismo, v. Cuvillier, ob. cit., §§ 15 e 31; Recaséns Siches. ob. 
Obras citadas. Cuvll erl §§ 15 ar32; Recaséns Siches, p. 1, p. 80 e 392; 
Gilberto Freyre, v. 2, p. 
295. 
Bibliografia citada. 
V. "Escola Positiva do Direito Penal", no item 3.3 do cap. 9, na segunda parte 
deste livro, além da 
bibliografia citada. 
(4) 
(5) (6) (7) 
(e) 
(9) 
8C        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
c) as correntes psicológicas, cuja tendência é explicar a vida social através de 
fenômenos 
psicológicos, como: 
­ a teoria da imitação de Gabriel Tarde: as ciências sociais nada devem esperar 
da biologia; na 
realidade elas constituem uma "Psicologia 
intermental" ou uma "interpsicologia"; para Tarde, o fenômeno social fundamental 
é a imitação, em 
sentido amplo; e o método social básico é a introspecção; invenção e imitação 
explicam toda a 
vida social;
­ a psicologia social, de MacDougall e a psicologia das multidões, representada 
por Gustave Le 
Bon, Wundt, Lazarus, Sighele e outros, que sustentam a existência de leis 
próprias do psiquismo 
coletivo; 
­ a extensão da teoria psicanalítica de Freud ao plano social, de que é exemplo 
seu livro Totem e 
tabu, que se apresenta como uma interpretação da vida dos povos primitivos pela 
Psicanálise e 
das normas sociais por elementos de ordem sexual; 
­ a psicossociologia americana e, especialmente, a "teoria social do espírito", 
de George Mead, 
autor de O espírito, eu e a sociedade (Mind, self and society): que define a 
realidade social como 
um "conjunto dinâmico de respostas e comportamentos diante de estímulos 
diferenciados";10 
d) as correntes do naturalismo sociológico ou "sociologistas" afirmam: 
­ a especificidade do social: o fato social não se reduz a fatos correntes 
sociologistas, psicológicos, 
biológicos, ou químicos; os fatos sociais, diz Durkheim, não são simples 
produtos de consciências 
individuais, mas o resultado de uma "consciência coletiva"," distinta das 
consciências subjetivas, 
síntese original em relação a estas, tal como a célula viva é uma síntese 
original em relação aos 
átomos que a compõem; 
­ tais fatos ­ os fenômenos sociais ­, como os fenômenos biológicos, químicos ou 
físicos, são 
simples fenômenos naturais, regidos pelo mesmo princípio determinista, que rege 
aqueles setores 
da natureza, e devem ser estudados por uma ciência natural, que A. Cocote 
denomina "física 
social" ou "sociologia"; 
­ essa é a única ciência geral da sociedade; o Direito, a Política, a História 
são ciências sociais 
especializadas. 
(10' Sobre as diversas correntes psicológicas, v. obras citadas: Gilberto 
Freyre, v. 2, p. 331; 
Cuvillier, §§ 16 a 42; Recaséns Siches, v. 1, p. 363. 
Jung afirma existir um inconsciente coletivo de cujo conteúdo os seres 
individuais sofrem 
influências. O eu e o inconsciente, 6.' ed., Rio, Vozes, p. 
3 a 13. 
Entre as escolas representativas da corrente sociologista, podem ser indicadas: 
­ a Escola Sociológica francesa, inspirada no pensamento de A. Cocote, fundada 
por E. Durkheim 
e desenvolvida por Lévy­Bruhl, Georges Davy e outros; 
­ a doutrina sociológico­jurídica de L. Duguit e na Alemanha a sociologia 
jurídica de Niklas 
Luhmann; 
­ a corrente da jurisprudência sociológica, de Holmes, Cardozo e Roscoe Pound, 
nos Estados 
Unidos; 
­ o sociologismo economicista de inspiração marxista, sustentado na Rússia por 
Pashukanis, 
Stuchka e outros. 12 
1.2.2 O formalismo jurídico 
Com o objetivo de fazer uma "Teoria Pura do Direito", Kelsen 
elimina do campo da ciência jurídica propriamente dita: 
a) todos os elementos sociológicos ou dados da realidade social, 
que constituem objeto da "Sociologia do Direito";
b) todas as considerações sobre valores, como a justiça, a 
segurança, o bem comum, ou outros, cujo estudo cabe à Filosofia do Direito. 
Feitas essas duas "purificações", resta para a ciência jurídica a consideração 
do direito como pura 
norma. O objeto da ciência jurídica é conhecer normas e não prescrevê­las. 
Ao jurista propriamente dito, ao contrário do sociólogo ou do 
filósofo do direito, não interessa o conteúdo ou o valor das normas, mas apenas 
sua vinculação 
formal ao sistema normativo. 
Direito é norma. E norma é uma proposição hipotética (condicional), cuja 
estrutura é a seguinte: 
"Se A é, deve ser B".13 
Em que A é a condição jurídica (por exemplo, um furto) e B a conseqüência 
jurídica (no caso, a 
pena de prisão). Ou, de outra forma, dada a não prestação, deve ser a sanção: 
"Dada a não P, deve ser S". 
Se o cidadão não votou, deve ser multado; se o inquilino não pagou o aluguel, 
deve ser despejado; 
se o contrato não respeitar 
Sobre as correntes sociológicas, v. E. Durkheim, As regras do método 
sociológico, São Paulo, 
Melhoramentos; L. Duguit, Traité de Droit Constitutionne1, Paris, 1921, v. 1, 
cap. 1.°, § 3.° e ss., 
além das obras citadas. 
Hans Kelsen,
Teoria pura do direito, Coimbra, Arménio Amado, 1962, p. 49 e ss. 
O DIREITO NO QUADRO DAS CIÊNCIAS 
87 
Correntes psicológicas 
88 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
O DIREITO NO QUADRO DAS CIÊNCIAS 
89 
condição essencial, deve ser anulado; dessa categoria são todas as normas de que 
se ocupa o 
direito. E, como diz Kelsen, "essa categoria do direito tem caráter puramente 
formal"." Dessa 
norma, formalmente considerada, e não de seu conteúdo é que se ocupa a ciência 
ou a teoria pura 
do direito. 
Ao formalismo jurídico correspondem, no plano geral das ciências sociais, as 
diversas tendências 
da sociologia formalista, representadas pelas doutrinas de Simmel, Wiese e 
outros." 
1.2.3 O culturalismo jurídico 
Outra é a perspectiva em que se colocam as concepções culturalistas. Para estas, 
a ciência do 
direito deve partir de uma distinção preliminar entre "natureza" e "cultura" e 
conseqüentemente 
entre: 
­ "ciências naturais", como a física, a química, a biologia etc., que se ocupam 
da natureza física ou 
material e; 
­ ciências culturais ou humanas, como a história, a economia, a sociologia e 
outras que se ocupam 
do espírito humano e das transformações que ele introduz na natureza. 
Essas transformações ou realizações do espírito humano constituem os "objetos 
culturais". Nestes 
podem distinguir­se dois elementos:
­ o suporte ou substrato; 
­ o sentido ou significado. 
Num utensílio, num gesto, num escrito pouco adianta conhecer ou descrever a 
realidade física, que 
é apenas o "suporte" de um "sentido". O importante é "compreender" esse 
"sentido' ou 
significação, que está sempre ligado a um valor, porque o homem sempre age em 
função de 
valores. 
Assim, o direito não é uma simples realidade física ou natural (naturalismo), 
nem um esquema 
meramente formal (formalismo), mas um objeto cultural, isto é, uma realização do 
espírito humano, 
com um suporte (ou substrato) e uma significação. 
Segundo Carlos Cóssio, esse suporte ou substrato pode ser: 
­ um objeto "físico", como o mármore, o papel, a tela, e teremos então objetos 
culturais 
"mundanais" e objetivos;' 
(141 H. Kelsen, loc. cit. 
1151 Sobre G. Simmel, Von Wiese e a Sociologia formal, ver, além das obras 
citadas, N. 
Timasheff, Teoria sociológica, Zahar, 1965, p. 137 e ss. e 374 e ss.; T. B. 
Bottomore, Introd. à 
sociologia, Zahar, p. 57. 
"" Aos objetos culturais "objetivos" ou "mundanais" corresponde o "espírito 
objetivo", de Hegel, e a 
"vida humana objetivada", de Recaséns Siches. i 
­ ou a própria "conduta humana" subjetiva, pois é inegável que a vida humana 
"biográfica" ­ distinta 
da "biológica" ­ é também uma realidade ou objeto feito pelo homem: a vida 
humana não nos é 
dada feita, nós é que a fazemos no esforço de cada dia; em oposição aos objetos 
culturais 
"mundanais", diz Cóssio, a conduta humana é um objeto cultural "egológico" (de 
"ego") ou 
subjetivo. 
Essa distinção nos permite fixar as duas orientações em que se dividem as 
correntes culturalistas: 
­ a teoria cultural objetiva, de que são representantes, entre outros, Dilthey, 
Spranger, Schmidt, 
Ortega y Gasset, Recaséns Siches; 
­ a teoria "egológica" do direito, representada por Carlos Cóssio, Aftalion e 
outros, para quem o 
objeto da ciência do direito não é a "norma" objetiva, mas a "conduta em 
interferência 
intersubjetiva".'7 
2. A técnica no direito 
2.1 Existirão no campo do direito elementos de ordem técnica? Será o direito uma 
técnica? 
Como vimos, a técnica ­ "ciência técnica", em sentido amplo ­ é um dos ramos da 
ciência prática 
ou normativa. 
Seu objeto é o estudo ou o conhecimento das 
"normas" para "fazer" corretamente alguma coisa. Nesse sentido, a arquitetura, a 
cirurgia ou a 
contabilidade, como técnicas, consistem fundamentalmente no conhecimento das 
"normas" para
"fazer" corretamente planejamentos, operações cirúrgicas ou escriturações de 
contas. 
Os antigos definiam a técnica como a recta ratio factibilium, em oposição à 
ciência moral, definida 
como recta ratio agibilium. A ciência técnica e a ciência moral consistem sempre 
em saber: "fazer" 
corretamente, no primeiro caso, saber "agir", no segundo." 
Nesses termos, existirá uma técnica jurídica? Qual o seu alcance? 
É inegável a existência de aspectos técnicos no campo do direito: técnica 
processual, técnica na 
interpretação das leis, técnica na formulação da sentença etc. 
Alguns autores, como Garcia Maynez, reduzem o campo da técnica jurídica ao da 
"aplicação do 
direito objetivo a casos concretos"." 
071 Sobre as correntes culturalistas, ver, além da bibliografia citada, Miguel 
Reale, Filosofia de 
Direito, Saraiva, 1987, v. 1; Machado Netto, ob. cit., p. 37 e ss.; Carlos 
Cóssio, Panorama de la teoria egológica del Derecho, Buenos Aires, 1949. 
Sobre a distinção entre o "agir" e o "fazer", ver Capítulo 2, item 4.2. Garcia 
Maynez, Introducción al 
estudio del derecho, México, Porrúa, 1949, ri. 65 e 161. 
Direito 
e técnica 
90 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
O DIREITO NO QUADRO DAS CIÊNCIAS 
91 
Mas este é apenas um setor da técnica jurídica. Esta abrange, na realidade, 
múltiplos setores, que, 
em síntese, podem ser assim indicados: 
a) há uma técnica de elaboração das normas jurídicas; é a técnica 
legislativa, que inclui todo o processo de feitura Técnica das leis, desde a 
apresentação do projeto: 
sua legislativa        redação, discussão, aprovação etc. até sua sanção 
e publicação;20 
b) há uma técnica de interpretação das leis, chama­se hermenêutica 
jurídica, definida por Carlos Maximiliano, como Técnica de ` o estudo e a 
sistematização dos 
processos apliinterpretação        cáveis para determinar o sentido e o alcance 
das 
expressões do direito";21 
c) há uma técnica de aplicação das normas jurídicas, aos casos 
concretos; essa aplicação pressupõe a interpretaTécnica ção, mas não se confunde 
com ela; 
"aplicar o de aplicação direito" significa enquadrar um caso concreto na do 
direito        regra ou 
norma jurídica adequada,22 o que pres 
supõe o conhecimento do sentido e alcance da norma jurídica e, portanto, sua 
interpretação; a 
"aplicação" é a operação final, posterior ao exame do "significado" da norma; é 
nessa acepção que 
os vocábulos figuram no título da obra clássica de Carlos Maximiliano: 
Hermenêutica e Aplicação 
do Direito; é preciso lembrar, ainda, que a aplicação do direito aos casos 
concretos não é feita 
apenas pelos juízes, em suas decisões ou sentenças, mas por quaisquer 
autoridades ou 
particulares sempre que estejam enquadrando casos concretos nas leis ou outras 
regras jurídicas
vigentes: aplicação de multas, celebração de contratos, registros de documentos 
etc. 
d) há uma técnica processual, que consiste no conjunto de meios 
adequados para conduzir uma ação em juízo: Técnica "processo", define Chiovenda, 
é o 
"complexo dos processual  atos coordenados ao objetivo da atuação da von 
tade da lei (com respeito a um bem que se 
pretende garantido por ela) por parte dos órgãos da jurisdição ordinária";23 
entre nós, o Código de 
Processo Civil fixa rigorosamente as normas disciplinares de todo o processo 
civil e comercial: 
desde a petição inicial, as citações, notificações e intimações, a contestação, 
a reconvenção, os 
despachos do juiz, as provas, a audiência, a sentença, até os recursos e a 
execução das 
sentenças; paralelamente, o Código de Processo Penal estabelece as normas que 
regem os 
processos em matéria penal, em todo o território brasileiro, regulando o 
inquérito policial, a 
denúncia pelo Ministério Público, as provas, o exame do corpo de delito, as 
perícias, o 
interrogatório do culpado, das testemunhas, a prisão em flagrante, a prisão 
preventiva, o 
julgamento, a sentença, os recursos, a execução das penas, o livramento 
condicional, a graça, o 
indulto, a anistia, a reabilitação; o mesmo ocorre
com o processo trabalhista, 
fiscal, administrativo 
etc. 
2.2 Tecnicismo, utilitarismo, pragmatismo 
Em todos esses aspectos, a técnica jurídica se caracteriza como um conjunto de 
normas 
destinadas à efetiva realização do direito em determinado meio social. Ou, como 
diz Pontes de 
Miranda, o "conjunto de meios para procurar e fixar as regras jurídicas (técnica 
legislativa) ou 
interpretá­las e aplicá­las (técnica exegético­executória)".24 
Ou ainda, no dizer de Kohler, "técnica jurídica é o processo de pesquisa do 
justo, segundo o direito 
vigente".25 
São tão amplos os aspectos técnicos no campo do direito que alguns autores 
pretendem reduzir 
todo o direito 
a uma técnica. Para esses autores, como diz um de seus representantes, Adolfo 
Ravá: o direito é 
• meio para a manutenção da sociedade. É significativo, nesse sentido, 
• título de seu trabalho: "O direito como norma técnica". Considerar 
• direito como norma técnica, diz Ravá, embora possa, à primeira vista, parecer 
um paradoxo, não 
está muito longe do conceito que dele fazem comumente os juristas e os leigos. 
As normas 
jurídicas são consideradas e tratadas pelos legisladores e pelo povo como 
"meios" para obter 
determinados "efeitos" e alcançar determinados "fins", isto 
palavras: tem por objeto descobrir o modo e os meios de amparar juridicamente 
(23, um interesse humano", Carlos Maximiliano, ob. cit., n. 8, p. 19. 
Giuseppe Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, Saraiva, 1942, v. 
1, p. 71. V. tb. a 
respeito Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, Ed. RT, 1977, v. 1, 
p. 4 e 5, e Moacyr 
Amaral Santos, Primeiras Linhas 
(24 de Direito Processual Civil, 5.' ed., Saraiva, v. 1, p. 8 e 9.
25) Pontes de Miranda, Sistema de ciência positiva do Direito, 1922, v. 2, p. 
238. Apud Pontes de 
Miranda, loc. cit. 
Tecnicismo 
20) 
(22) 
Sobre a técnica legislativa, ver Lei Complementar 60, de 10.07.1972, que "fixa 
normas técnicas a 
serem observadas na elaboração de Leis e decretos"; A. Torré, 
Técnica legislativa, n. 19 a 24, p. 255­256, da Introducción al Derecho, Buenos 
Aires, Perrot, 1957; 
Machado Neto, Compêndio de introdução à ciência do Direito, Saraiva, 1969, p. 
185 a 188. Carlos 
Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, Freitas Bastos, 1947, n. 1, p. 
13: "Interpretar é 
determinar o sentido, e o alcance das expressões do direito". O problema da 
interpretação das 
normas jurídicas é examinado na terceira parte, Capítulo 12, do presente 
trabalho. 
"A aplicação do Direito submete às prescrições da lei uma relação da vida real; 
procura e indica o 
dispositivo adaptável a um fato determinado. Por outras 
92        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
O DIREITO NO QUADRO DAS CIÊNCIAS 
93 
é, normas de caráter "instrumental", meios adequados para chegar a determinados 
fins .26 
O tecnicismo de Ravá, que ele próprio aproxima do pensamento de Fichte, insere, 
de modo 
original, o direito dentro de uma elevada concepção ética.` 
Outros autores consideram também o direito como simples instrumento para a 
manutenção da 
sociedade, mas concebem a moral igualmente como simples meio, dentro de uma 
concepção 
utilitária da vida. 
As doutrinas utilitaristas negam ao direito um fundamento ético ou moral, e 
reduzem a justiça à 
utilidade. Suas origens históricas podem ser encontradas na escola hedonista ou 
cirenaica, de 
Aristipo, cujas idéias foram desenvolvidas em Atenas, por Epicuro. Nos tempos 
modernos, o 
utilitarismo foi retomado, principalmente na filosofia inglesa, por Jeremias 
Bentham (1748­1832), J. 
Stuart Mill (1806­1837) e H. Spencer (1820­1903).28 
Na mesma linha, deve ser mencionada a concepção pragmatista e, especialmente, o 
pragmatismo 
jurídico. Partindo de uma teoria do conhecimento, a doutrina prag mática pode 
resumir­se nisto, 
disse Duguit: "A verdade de uma afirmação se julga pelo valor de suas 
conseqüências ou 
resultados". A eficácia é o critério da validade de qualquer conhecimento. O 
pragmatismo 
desenvolveu­se principalmente nos Estados Unidos, com Ch. Pierce (1893­1914), 
William James 
(1842 1910), John Dewey (1859­1928) e outros, que o aplicaram ao campo da 
educação, da 
política, do direito e das demais ciências humanas. 
Do pragmatismo jurídico ­ que foi uma das concepções da moda na primeira parte 
deste século,
até as duas guerras mundiais ­ ocuparam­se, entre outros, Duguit 29 e 
Quintiliano Saldana.3o 
De qualquer forma ­ deixando de lado as concepções que exageram sua importância 
­ é inegável 
que a técnica ocupa importante setor no campo do direito. É ela o instrumento 
que o especialista 
deve utilizar com perfeição para alcançar os resultados que constituem a 
finalidade, a razão de ser 
do direito, isto é, a justiça. 
(26) Adolfo Ravá, Diritto e Stato nella morale idealista. 1 ­ "Diritto come 
norma 
tecnica". II ­ "Lo Stato come organismo ético", Pádua, Cedam, 1950, p. 31 a 33. 
121' O Estado é 
um organismo ético. O direito é uma norma técnica. V. ob. cit., 
p. 5 a 9. 
¢8' V. "O utilitarismo", em Ciência do Direito, E. Bodenheimer, p. 101 a 107. 
"Teoria de l'utilitarismo", Del Vecchio, em Filosofia dei Diritto, p. 334 e ss. 
(29) L. Duguit, El 
pragmatismo jurídico, Madri, Beltran, 1924, p. 65. 10' Teoria dei derecho eficaz 
­ pragmatismo 
jurídico; Teoria programática dei 
derecho penal, Madri, 1923, além de um estudo crítico sobre El pragmatismo 
jurídico de Duguit. 
2.3 Arte e direito 
Cabem aqui algumas considerações sobre o que se poderá chamar a arte ou estética 
do direito. 
Em sentido lato, "técnica" e "arte" se identificam. Etimologicamente, o vocábulo 
"técnica" provém 
do grego techné, que significa "arte". Nesse sentido a medicina é "arte" de 
curar e a engenharia 
"arte" de construir. Entretanto, em sentido estrito, a arte, propriamente dita, 
ou estética, refere­se à 
produção do "belo". Distingue­se, por aí, da técnica, cujo objeto é o "útil". 
Sob esse aspecto, haverá no direito elementos de ordem artística? Existirá uma 
estética do direito? 
Observou Radbruch 3i que, como toda manifestação da cultura, o direito carece 
também de meios 
materiais de expressão. Exemplos: a linguagem, os trajes, os símbolos, os 
edifícios. E, como todos 
os meios de expressão material, também aqueles que o direito utiliza são 
suscetíveis de uma 
valoração estética. Mais ainda, como todos os fenômenos que conhecemos, o 
direito pode ser 
também matéria de arte e entrar deste modo no domínio da estética. Podemos, 
assim, falar de 
uma estética do direito, embora até hoje não se tenham tentado, neste capítulo, 
mais do que 
simples aproximações e fragmentos. 
O estilo do direito, observa o mesmo autor, é uma linguagem fria. Renuncia a 
toda nota 
sentimental. E áspera. Dispensa, também, toda indicação de motivos. É sóbria e 
concisa, 
renunciando igualmente a toda doutrinação das pessoas a quem se dirige. Assim se 
explica a 
pobreza intencional do chamado "estilo lapidar" da lei, que serve para exprimir, 
com uma clareza 
inexcedível, a forte consciência que o Estado tem de si mesmo quando ordena. 
Linguagem que, na 
sua minuciosa exatidão, pôde servir de modelo estilístico a um escritor como 
Stendhal, que lia
diariamente uma página do Código Civil, 
Aliás, os Códigos mais importantes de cada país representam, ao mesmo tempo, os 
grandes 
monumentos do respectivo idioma. O Brasil não fugiu à regra. A propósito da 
redação do Código 
Civil brasileiro, travaram­se, entre Rui Barbosa e Carneiro Ribeiro, as 
discussões mais profundas 
sobre a língua portuguesa." 
A oratória forense, os símbolos do direito, a toga do magistrado, a beca do 
advogado, constituem 
outros tantos elementos estéticos que encontramos a cada passo na vida do 
direito. 
G. Radbruch, Filosofia do direito, § 14. 
32j V. "Parecer sobre a redação do Código Civil". Senador Rui Barbosa, 
03.04.1902;
"Ligeiras 
observações sobre as emendas do Dr. Rui Barbosa, feitas à redação do Projeto do 
Código Civil", 
E. Carneiro Ribeiro, 25.09.1902; "Réplica às defesas da redação do projeto da 
Câmara", Rui 
Barbosa, 31.12.1902; "Tréplica" ("A redação do Projeto de Código Civil e a 
Réplica 
Utilitarismo 
Pragmatismo 
94 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
O DIREITO NO QUADRO DAS CIÊNCIAS 
95 
À "Arte del diritto", dedicou Camelutti 33 uma de suas famosas monografias. E 
outros juristas têm 
igualmente se ocupado do tema. 
3. A ética e o direito ­ O direito como ciência normativa ética 3.1 A posição do 
direito no quadro das 
ciências 
Vimos que, se considerarmos as ciências em sua acepção mais ampla, podemos 
classificá­las em 
três modalidades fundamentais: 
a) algumas se limitam a conhecer "o que é"; são as ciências teóricas ou 
especulativas; 
b) outras procuram orientar a conduta dos homens, indicandolhes "como agir"; são 
as ciências 
éticas ou morais; 
c) outras, finalmente, orientam a atividade produtiva ou as realizações externas 
do homem, 
indicando­lhe "como fazer"; são as ciências técnicas ou artísticas. 
Qual a posição do direito, dentro desse quadro? 
É este um dos problemas centrais da epistemologia jurídica. E sobre ele dividem­ 
se autores e 
correntes. Como vimos, alguns tendem a reduzir o direito a uma "teoria" pura. 
Outros, a uma 
simples "técnica". Outros, ainda, a mero capítulo da "moral". 
Na realidade os aspectos teóricos, técnicos e éticos do direito não se excluem, 
mas se completam. 
O direito pode ser considerado sob a 
tríplice perspectiva de teoria, técnica e ética. A divergência entre as escolas 
situa­se principalmente 
na preeminência atribuída a esses diferentes aspectos. 
Resumindo nosso pensamento sobre o assunto, diremos que é inegável a existência 
de uma
"tecnica" e uma "técnica" e uma "estética" no direito. E cada uma tem sua 
função, como 
mostramos nos parágrafos anteriores. Mas o direito é, essencialmente, uma 
ciência "ética", moral 
ou humana. Ou, de forma mais precisa, uma ciência normativa ética. 
A finalidade do direito não é o simples conhecimento "teórico" da realidade 
jurídica, embora esse 
conhecimento seja importante. Não 
do Dr. Rui Barbosa"), E. Carneiro Ribeiro. Pormenores da histórica polêmica 
poderão ser 
encontrados no Código Civil Comentado, de Clóvis Beviláqua, v. 1, n. 39 e ss., e 
nas seguintes 
publicações da Casa de Rui Barbosa: Rui 
e a Réplica, Américo de Moura, 1949; Rui e o Código Civil, San Tiago Dantas, 
1949; Repertório da 
Réplica, M. S. Mendes de Morais. 
"' F. Carnelutti, Arte del diritto, Pádua, Cedam, 1949. 
é também a formulação de quaisquer regras "técnicas", eficazes e úteis, apesar 
da grande 
importância da técnica jurídica. A finalidade do direito é dirigir a conduta 
humana na vida social. É 
ordenar a convivência de pessoas humanas. É dar normas ao "agir", para que cada 
pessoa tenha 
o que lhe é devido. É, em suma, dirigir a liberdade, no sentido da justiça. 
Insere­se, portanto, na categoria das ciências normativas do agir, também 
denominadas ciências 
éticas ou morais, em sentido amplo. Para evitar confusões, é preciso lembrar que 
o vocábulo 
"moral" pode ser empregado em duas acepções diferentes. Uma, estrita e hoje mais 
corrente, que 
identifica moral com a disciplina dos atos humanos, fundada na consciência. E 
outra, mais ampla, 
abrangendo todas as ciências normativas do agir humano; pedagogia, política, 
direito moral em 
sentido estrito etc. Muitos preferem reservar a palavra "ética" para essa 
acepção ampla. Teríamos, 
assim, o esquema seguinte: 
MORAL (sentido estrito) DIREITO 
POLÍTICA PEDAGOGIA ETC. 
Nesse sentido, podemos dizer, com Vicente Ráo, que "Moral e Direito têm um 
fundamento ético 
comum".34 Ou, com Jellinek, que o direito é o "mínimo ético", isto é, o 
estritamente necessário 
para a convivência social. 
3.2 O objeto da ciência do direito 
Essa caracterização do direito como ciência ética não mas essencial, porque 
decorre de seu 
próprio objeto. Toda ciência se caracteriza essencialmente por seu objeto. E 
este se divide em 
material e formal. Objeto material é o setor da realidade de que se ocupa cada 
ciência. Objeto 
formal é o aspecto pelo qual a ciência considera ou estuda esse setor da 
realidade. 
O objeto material das ciências éticas é, como vimos, a atividade humana. O 
objeto formal é o bem. 
Elas têm por objeto ordenar ou dirigir a atividade humana no sentido de bem, 
seja o bem pessoal, 
seja o bem comum. 
Qual o objeto do direito?
(74' Vicente Ráo, O Direito e a vida dos direitos, São Paulo, Max Limonad, 1952, 
v. 1, n. 21, p. 68. 
Perspectiva teórica ética 
e técnica do direito 
ÉTICA (ou MORAL em sentido amplo) 
Direito ciência normativa ética 
é acessória, 
Objeto 
da ciência ­ elemento essencial 
96 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
O DIREITO NO QUADRO DAS CIÊNCIAS        97 
Atividade humana social (objeto material) 
Fundamentalmente, o objeto material do direito é o homem vivendo em sociedade. E 
a atividade 
social do homem, ou, como diz Cóssio, é a "conduta humana em interferência 
intersubjetiva".35 O 
homem vive em sociedade, e esta implica necessariamente relações de família, 
relações 
econômicas, políticas, profissionais etc. Essas relações consti 
tuem a matéria do direito. Não podemos sequer pensar os predicados de "justo" ou 
"injusto", 
"direito" ou "crime" senão aplicando­os a uma atividade humana, lembra Del 
Vecchio.3ó Os puros 
fenômenos naturais (astronômicos, atmosféricos etc.) recusam tais atributos, são 
estranhos à 
perspectiva do direito, que não tem sentido para eles. O direito se refere 
sempre a ações humanas. 
Mas o direito se ocupa dessa matéria sob um aspecto especial: o da justiça. 
Importa 
fundamentalmente ao direito que, nas relações sociais, uma ordem seja observada: 
que seja 
assegurada a cada um aquilo que lhe é devido, isto é, que a justiça seja 
realizada. Podemos dizer 
que o objeto formal do direito é a justiça. 
reúne, assim, as duas características de uma ciência 
normativa ética: 
a) tem por objeto material a "atividade humana" (social); 
b) e por objeto formal o "bem", em um de seus aspectos fundamentais, que é a 
justiça; a justiça é o 
"bem em relação a outrem", definiu Platão. 
Donde se conclui que o direito é fundamentalmente uma ciência 
normativa ética. Ou, como diz Dei Vecchio, o Direito direito é a coordenação 
objetiva das ações 
posclencla síveis entre vários sujeitos, segundo um princípio ética        ético 
que a determina." 
3.3 Ciência da liberdade 
Mas essa conclusão precisa ser bem entendida. Afirmamos que o direito pertence à 
categoria geral 
das ciências morais ou humanas. Ciência moral é tomada aqui, como vimos, no 
sentido lato e se 
refere a toda ciência que tenha por objeto ordenar a atividade ou o 
(33) Carlos Cóssio, Panorama de Ia teoria egológica dei Derecho, Buenos Aires, 
1949. 
36) Dei Vecchio, Filosofia dei diritto, Milão, Giuffrè, 1946, p. 197. 
(37) Ob. cit., p. 207. A definição do direito de Dei Vecchio é mais extensa: 
"Possiamo definire el
diritto come il coordinamento objetivo delle azione possibili ira piìr soggetti, 
secondo un principio 
etico che le determina, escludendone 1'impedimento" (Filosofia dei Diritto, p. 
207). 
comportamento humano. E não o sentido estrito e limitado de moral individual ou 
pessoal. E, como 
a característica fundamental da atividade humana é a liberdade, podemos dizer 
que o direito é 
ciência da liberdade. 
Nesse sentido o direito é uma das ciências éticas, ao lado da moral (em sentido 
estrito) e das 
demais ciências normativas da conduta. 
Sob esse aspecto, coloca­se o problema da distinção entre o "direito" e a moral 
(em sentido 
estrito). Essa distinção processou­se historicamente, desde as Direito normas 
indiferenciadas dos 
povos primitivos até e
moral os códigos modernos, através de lento 
desenvolvimento, que tem sido 
estudado por etnólogos, filósofos e historiadores do direito.` De uma forma 
geral, nem mesmo os 
juristas romanos fizeram, com clareza, essa distinção. 
A afirmação de Paulo: "Nem tudo que é lícito é honesto" ("non omne quod licet 
honestum est"), 
mostra um aspecto prático dessa distinção entre direito (lícito) e moral 
(honesto), mas não 
apresenta nenhum critério objetivo para distingui­los. Só em época relativamente 
recente, no início 
do séc. XVIII, surge com Cristiano Tomasio uma explicação fundamentada dessa 
distinção: a moral 
se refere só ao foro interno (forum internum) e o direito ao foro externo (forum 
externum), 
conseqüentemente a moral não é coercível, mas o direito é.39 Esse é, também, de 
certa forma, o 
pensamento de Kant e de outros autores. E, apesar das restrições que podem ser 
feitas a essa 
concepção, ela contém em germe os elementos fundamentais para a distinção entre 
o direito e 
moral, que Del Vecchio sintetizou em fórmula lapidar: o Direito constitui a 
ética objetiva e a moral, a 
ética subjetiva .4o 
Afirmamos que a justiça representa o valor fundamental ou o objeto formal do 
direito. Como disse 
Brunschvicg: "Em cada um dos juízos do direito, é a justiça justiça em 
que está em causa" .41        sua acepção 
Mas é preciso ter presente que a palavra ampla "justiça" é aí empregada em sua 
acepção mais 
Sob aspecto da justiça (objeto formal) 
O direito 
(38) 
(39) 
(40) 4)) 
V. "Direito" e "Moral" em Dicionário de Etnologia e Sociologia, Herbert Baldus e 
Emilio Willems, 
São Paulo, Ed. Nacional; "Derecho y Moral" (Estudo sistemático da distinção 
entre direito e moral), 
in Introducción ai derecho, A. Torré, Buenos Aires, Perrot, 1957, p. 120 a 130; 
Machado Neto, 
"Moral e direito", em Introdução à Ciência do Direito, v. 2, p. 201 a 205; 
"Relazioni ira diritto e
morale", G. Dei Vecchio, in Filosofia dei diritto, Milão, Giuffrè, 1946, p. 204 
a 215. 
Cristiano Tomasio, Fundamenta Juris Naturae et Gentium, obra publicada em 1705. 
Dei Vecchio, Filosofia dei Diritto, p. 205. 
L. Brunschvicg: "Dans chacun des jugements du droit Ia justice est toute entière 
en cause". La 
modalité du jugement. 
O DIREITO NO QUADRO DAS CIÊNCIAS 
99 
ampla. Estende­se não apenas à justiça particular (comutativa e distributiva), 
mas também à justiça 
social ou geral, que tem por objeto o bem comum. De modo que as noções de ordem 
pública, 
segurança, interesse social e outras semelhantes, contidas na noção de bem 
comum, estão 
também contidas no conceito de "justiça". 
Esse mesmo pensamento é assim exposto por Geny: "No fundo, o Direito não 
encontra seu 
conteúdo próprio e específico senão na noção de 'justo', noção primária, 
irredutível e indefinível, 
que implica, essencialmente, não apenas os preceitos elementares de não 
prejudicar a ninguém 
(neminem laedere) e de dar a cada um o que é seu (suum cuique tribuere), mas 
também o 
pensamento mais profundo de um equilíbrio a estabelecer entre os interesses em 
conflito, com a 
finalidade de assegurar a 'ordem' essencial à manutenção e ao progresso da 
sociedade 
humana".42 
Nessa perspectiva, a ordem jurídica nada tem de imobilizadora. Pelo contrário, 
ciência prática, 
orientada permanentemente no sentido da realização da justiça, o direito só se 
realiza plenamente 
na medida em que respeita seu caráter dinâmico, como elemento da ação 
transformadora do 
homem na história. 
O direito não é uma ciência natural, a estudar as manifestações da vida social e 
humana como se 
fossem "coisas" ou simples fenômenos físicos. O homem não é um "objeto" passivo, 
nem mero 
espectador da realidade. Dentro de certos limites, é ele que imprime ordem no 
mundo. E o direito 
é, de certa forma, instrumento dessa ação transformadora do homem. 
4. Outras formulações 
4.1 Uma concepção naturalista do direito 
Pontes de Miranda, Systema de Sciencia Positiva do Direito, Rio, Ed. Jacinto, 
1922, v. II, p. 83 a 85 
e ss. 
Afirmar que o direito é produto exclusivo do meio humano equivale a pregar 
filosofia em que o 
homem ocupa todo o espaço, em vez do simples lugar, realmente importante, que 
lhe cabe, no 
meio da série animal. Onde há coexistência, há direito. 
Quando o mineral se cristaliza em poliedros há certo ritmo que, se não é o 
"nosso" direito, deve ser 
algo de vivo e de natural como ele. E a vontade? E a consciência?, perguntar­se­ 
á. Mas nada 
importa isto; quando o homem constrói casa, também
parece que é voluntariamente que o faz e, todavia, no essencial, o que determina 
é a mesma 
necessidade que leva o pássaro aos esforços da nidificação. Distinguir do 
necessário o voluntário 
e querer traçar raias entre eles é retomar o fio dos problemas metafísicos 
insolúveis. O que há de 
menos livre no homem é justamente 
42' F. Geny, Sclence et technique en droit privé positif, Paris, Recueil Sirey, 
1922, 1, v. 1, n. 16, p. 
50. 
a vontade, forma "imperativa" de circunstâncias inferiores. É a responsabilidade 
um dos elementos que nos dão a idéia da natureza humana do direito; mas a 
própria 
responsabilidade, que passa por fundamento da repressão e da restituição, nada 
mais é que um dos processos necessários ao desenvolvimento da vida humana, 
um dos meios psicológicos para corrigir defeitos mais ou menos graves de 
adaptação 
à vida em comum, à coexistência. Entre os outros animais, não será ele preciso; 
mas o homem pensa e é de mister a noção de responsabilidade, único conetivo 
que as energias vitais dele encontraram para combater os efeitos e as causas dos 
defeitos da adaptação resultante da convivência de seres pensantes, como o 
homem. 
Assim, facilmente se compreenderá a razão da interdição dos loucos e 
deficientes. A noção de 
responsabilidade serve de coordenador entre os homens, processo de solução 
biológica, tão 
natural como outros que no mundo animal se encontram e até entre homens; e, puro 
expediente 
criado pela coexistência de seres pensantes, pela sociedade, deixa de existir 
onde não há, entre 
homens, a elaboração de processos atinentes a remover obstáculos à adaptação 
social: indígenas 
antropófagos não poderiam nunca comer indivíduos da mesma tribo sem a "motivação 
jurídica", 
que é o corolário da responsabilidade. O interdito não tem mais, em condições da 
função normal, o 
aparelho para o qual criou a natureza humana a noção de responsabilidade. Esta 
somente existe 
porque é preciso disciplinar a atividade psíquica; se não houvesse o aparelho do 
espírito humano, 
no que ele tem "acima" dos outros animais, não seriam necessários "outros" 
processos de 
adaptação social, senão os vigentes entre os demais seres; não haveria a noção 
de 
responsabilidade, nem, pois, interditos (anormais civis), nem irresponsáveis 
(anormais do direito 
repressivo). Na ciência, não há, portanto, nenhum lugar para a questão do livre­ 
arbítrio: nem a cor 
das flores, nem a medida regular dos ângulos do cristal, nem o vôo dos pássaros, 
nem o instinto 
de nidificação precisam de explicativa lógica; tampouco a responsabilidade: é 
determinada a 
mínima vontade do homem, mas a noção de responsabilidade é necessária à 
adaptação do 
homem à vida social e tão imprescindível à vida comum como os órgãos humanos se 
fizeram 
necessários às funções que lhes cabem. Se algum dia se deparar com a vida social 
outro processo 
mais eficaz, pôr­se­á de lado o antigo e será possível a adaptação do homem à 
sociedade, à
coexistência, sem a noção de responsabilidade: outra ilusão poderá ser o novo 
processo ou 
fundar­se em verdade colhida na exata e positiva ciência das organizações 
humanas. Hoje não há 
muita diferença entre a faca do homem que sacrifica o boi, o porco ou o 
carneiro, para viver, e a 
pena do magistrado que decreta a prisão do criminoso ou a reparação dos danos. 
Entre
os dois há 
a mesma idade de fim, a adaptação; aquele, a adaptação à vida animal, e esse, à 
vida social: ali, 
necessidade biológica, aqui, sociológica. 
4.2 O caráter puramente formal da norma jurídica 
H. Kelsen, Teoria pura do direito, parágrafo 11, O dever­ser como categoria do 
direito, Ed. Novada, 
1941. 
O sentido da norma jurídica, como o da norma moral, é expresso num dever 
ser. Por isso ao conceito da "norma" jurídica e ao dever­ser jurídico há de 
ficar 
ligado algo do valor absoluto que é próprio da Moral. 
O que é estabelecido por uma "norma" jurídica ou "devido" por causa do 
Direito nunca está de todo livre da representação mental de que isso é bom, reto 
ou justo. 
100        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
Neste sentido, a definição conceptual do Direito como "norma" ou deverser pela 
jurisprudência 
positivista do século XIX, não está isenta de certo elemento ideológico. 
Liberar a definição do direito desse elemento ideológico é o empenho da teoria 
pura do Direito, que 
desliga por completo o conceito de norma jurídica do da norma moral, de que ele 
proveio; e 
assegura, assim, a legalidade própria do Direito diante da lei moral. Isso 
ocorre porque a norma 
jurídica não é compreendida como um "imperativo", à semelhança da norma moral, 
tal como o faz, 
quase sempre, a doutrina tradicional. Mas, como um "juízo hipotético", que 
expressa a relação 
específica de uma situação de fato condicionante com uma conseqüência jurídica 
condicionada (se 
A, deve ser B, ou se houver tal fato ­ por exemplo, um crime ­ deve ser tal 
conseqüência ­ no 
exemplo dado, a condenação). 
A norma jurídica se transforma assim em "proposição" jurídica, que revela a 
forma fundamental da 
lei. 
Assim como as "leis naturais" relacionam uma determinada situação de fato, como 
causa, com 
outra, como efeito, a "lei jurídica" relaciona a condição jurídica com a 
conseqüência jurídica (isto é, 
com a chamada conseqüência do antijurídico). No primeiro caso, a forma da 
relação entre os fatos 
é a causalidade. No outro, é a imputação, que é conhecida pela teoria pura do 
Direito como a 
legalidade particular do Direito. 
Assim como o efeito é atribuído à sua causa, a conseqüência jurídica é atribuída 
à sua condição 
jurídica. Entretanto, a conseqüência jurídica não pode ser considerada como 
causalmente 
produzida pela respectiva condição.
Mas dizemos que a conseqüência jurídica é imputada à condição jurídica. Esse é o 
sentido das 
expressões: alguém será castigado "por causa" de um delito, haverá execução 
contra determinado 
patrimônio "por causa" de uma dívida não paga etc. A relação da pena ao delito, 
da execução ao 
não­pagamento da dívida etc., não tem significado causal, mas, sim, significado 
normativo (dever­ 
ser). 
Portanto, a expressão específica do Direito é o dever­ser com que a teoria pura 
do Direito 
apresenta o Direito positivo. Assim como a expressão das leis causais é o será 
(ou haverá). 
A lei natural diz: "Se A é, será B" (ou, se houver A, haverá B). 
A lei jurídica diz: "Se A é, deve ser B", sem dizer com isso qualquer coisa 
sobre o valor moral ou 
político dessa conexão. O "devei­ser" limita­se a existir como categoria 
relativamente apriorística 
para a apreensão do material jurídico empírico. E, sob esse aspecto, é 
imprescindível para 
conceituar e expressar o modo específico com que o Direito positivo relaciona um 
fator com outros. 
Pois é notório que essa relação não é a de causa e feito. A pena é aplicada ao 
delito não como 
efeito de uma causa. O que o legislador estabelece entre esses fatores é um 
encadeamento bem 
diferente da causalidade (da natureza). Completamente diferente, mas tão 
inviolável como ela. 
Pois, no "sistema do Direito", isto é, por causa do Direito, a pena segue o 
delito sempre e sem 
exceção, se bem que, "no sistema da natureza", a pena pode faltar por qualquer 
razão. E quando a 
pena se verifica, isso acontece não precisamente como "efeito" do delito. 
Se dizemos: quando ocorre o antíjurídico (antecedente) "deve" ocorrer a 
conseqüência jurídica, 
esse "dever­ser" significa apenas ­ como categoria do Direito ­ que a condição 
jurídica e a 
conseqüência jurídica se correspondem na proposição jurídica. 
Essa categoria do direito tem caráter puramente formal, e, por isso, se 
distingue principalmente de 
uma idéia transcendente do Direito. Ela é aplicável, seja qual for o conteúdo 
que tenham os fatos 
aí relacionados. A nenhuma realidade 
social pode negar­se compatibilidade com essa categoria jurídica por causa da 
natureza de seu 
conteúdo. Trata­se de categoria gnosiológico­transcendental, no sentido da 
filosofia kantiana e não 
metafísico­transcendental. 
Justamente por isso conserva sua tendência radicalmente antiideológica. E, por 
isso também, 
precisamente neste ponto, manifesta­se a mais violenta resistência da parte da 
doutrina jurídica 
tradicional, que dificilmente pode suportar que a ordem da antiga República 
Soviética devesse ser 
conceituada como ordem jurídica, do mesmo modo que a da Itália fascista ou a da 
França 
democrático­capitalista. 
4.3 O egologismo como concepção cultural do direito 
A. L. Machado Netto, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, 
Ed. Saraiva, 1969,
p. 69 e ss. 
Como um importante marco do grande movimento filosófico jurídico que caracteriza 
a presente 
centúria, temos, na Argentina, o esplendoroso florescimento jurisfilosófico que 
a escola egológica 
representa. 
É valendo­se da teoria dos objetos que Cóssio parte para a fundamentação de sua 
ontologia 
jurídica, em que nos presenteia com a descoberta do direito como conduta em 
interferência 
intersubjetiva. 
Tal teoria dos objetos reconhece quatro regiões ônticas ou quatro ontologias 
regionais, a saber: a) 
os objetos ideais, que se caracterizam por serem irreais, não se darem na 
experiência e serem 
neutros de valor, e cujo processo cognoscitivo é a intelecção, que se realiza 
através do método 
racional­dedutivo; b) os objetos naturais, reais, que se dão na experiência, são 
neutros ao valor e 
cujo processo de conhecimento é a explicação, realizável por meio do método 
empírito­indutivo; c) 
os objetos culturais, que são reais, estão na experiência, são positiva ou 
negativamente valiosos e 
são conhecidos mediante o processo gnosiológico da compreensão, por meio do 
método empírito­ 
dialético; d) os objetos metafísicos, que têm existência real, não estão na 
experiência sensível e 
são valiosos positiva ou negativamente. 
A cada uma dessas regiões de objetos, por suas especiais características, 
corresponde um 
determinado tipo de ciência, salvo a última, região própria da metafísica, que a 
unânime opinião 
filosófica apresenta como o terreno extracientífico por excelência. Assim é que 
aos objetos ideais 
correspondem as ciências formais como as matemáticas e a lógica; aos objetos 
naturais, as 
ciências experimentais ou ciências naturais; e aos objetos da cultura, as 
chamadas ciências 
humanas, sociais ou culturais. 
O direito, estando situado nesta última região, é, pois, um objeto cultural, a 
ciência do direito 
sendo, assim, uma ciência da cultura. 
Mas, nos objetos culturais, Cóssio distingue um suporte fáctico ou substrato e 
um sentido 
sustentado por esse suporte, e que é onde reside o caráter valioso ou desvalioso 
do bem cultural, 
qualquer que seja ele. Conforme esse suporte seja um objeto físico, corno o 
mármore numa 
estátua, ou uma conduta humana, como num ato moral, teremos os objetos culturais 
divididos em 
mundanais e egológicos, 
respectivamente. 
O direito, por inexistir, no caso, um objeto físico que lhe constitua o suporte, 
e um objeto egológico, 
por consistir em conduta, conduta humana em interferência intersubjetiva, que é 
o que o distingue 
da moral, segundo a famosa distinção de Dei Vecchio, que Cóssio transporta
do 
plano lógico para 
o ontológico. 
O DIREITO NO QUADRO DAS CIÊNCIAS
101 
102 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
O DIREITO NO QUADRO DAS CIÊNCIAS 
103 
4.4 Normas de técnica legislativa 
Lei Complementar 60, de 10.07.1972. Fixa normas técnicas a serem observadas na 
elaboração de 
Leis e decretos. 
O Governador do Estado de São Paulo: 
Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei 
complementar: 
Art. 1.° As leis e decretos serão enumerados em séries distintas, sem renovação 
anual. 
§ 1.° As leis complementares terão numeração própria. 
§ 2.° O decreto não articulado, cujo cumprimento lhe exaura a finalidade 
específica, não será numerado, identificando­se pela data. 
Art. 2.° Nenhuma lei ou decreto conterá matéria estranha ao seu objeto, ou 
que não lhe seja conexa. 
Art. 3.° A alteração de lei ou decreto, por substituição ou supressão do artigo, 
ou acréscimo de 
dispositivo novo, obedecerá às seguintes normas: 
1 ­ será mantida a numeração dos artigos da lei ou do decreto alterado; 
II ­ ao artigo novo atribuir­se­á o mesmo número do que o anteceder, seguido de 
letras maiúsculas 
em ordem alfabética. 
Parágrafo único. Quando a modificação atingir a maioria dos artigos, ou quando 
tenha havido 
sucessivas alterações no texto, a lei ou o decreto serão refundidos por inteiro. 
Art. 4.° A elaboração das leis e decretos atenderá aos seguintes princípios: I ­ 
os textos serão 
precedidos de ementa enunciativa do seu objeto e divididos em artigos; 
II ­ a numeração dos artigos será ordinal até o nono e, a seguir, cardinal; 
III ­ os artigos desdobrar­se­ão em parágrafos, em incisos (algarismos romanos) 
ou em parágrafos 
e incisos; os parágrafos em itens (algarismos arábicos); e os incisos e itens em 
alíneas (letras 
minúsculas); 
IV ­ os parágrafos serão representados pelo sinal §, salvo o parágrafo único, 
que será grafado por 
extenso; 
V ­ o agrupamento de artigos constituirá a Seção, que poderá desdobrarse em 
Subseções; o de 
seções, o Capítulo; o de capítulo, o Título; o de títulos, o Livro; e o de 
livros, a Parte, que poderá 
desdobrar­se em Geral e Especial ou consistir simplesmente em Parte seguida de 
numeração 
ordinal, grafada por extenso; 
VI ­ os grupos a que se refere o inciso anterior poderão compreender os 
subgrupos Disposições 
Preliminares e Disposições Gerais; 
VII ­ as disposições que, pelo seu sentido, não couberem em qualquer dos grupos, 
serão incluídas 
em Disposições Finais; e as que não tiverem caráter permanente constituirão as 
Disposições 
Transitórias, com numeração própria. 
VIII ­ no mesmo artigo que fixar a data da vigência da lei ou decreto, ser4 
declarada, quando 
possível especificamente, a legislação anterior revogada.
Art. 5.° A partir da vigência desta lei complementar será iniciada nova 
numeração das leis e 
decretos. 
Art. 6.° Esta lei complementar entrará em vigor na data de sua publicação, 
revogado o Dec.­lei 
Complementar 1, de 11.08.1969. Palácio dos Bandeirantes, 10 de julho de 1972 ­ 
LAUDO NATEL. 
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4 VISÃO CONJUNTA DA CIÊNCIA DO DIREITO 
SUMÁRIO: 1. As diversas ciências jurídicas: 1.1 Visão conjunta da ordem 
jurídica: 1.1.1 
Epistemologia jurídica; 1.1.2 Axiologia jurídica; 1.1.3 Dogmática jurídica; 
1.1.4 Teoria dos direitos 
subjetivos; 1.1.5 Sociologia jurídica; 1.2 O conteúdo do curso de introdução à 
ciência do direito ­ 2. 
A divisão do direito em público e privado: 2.1 Visão geral do campo do direito: 
2.2 Quadro geral; 
2.3 Novos ramos ­ 3. Outras formulações: 3.1 "Direito público e direito 
privado", R. de Ruggiero: 3.2 
"A tendência moderna de publicização do direito", Vicente Ráo; 3.3 "A divisão do 
direito em público 
e privado: uma intromissão da política no direito", H. Kelsen; 3.4 "As 
disciplinas jurídicas", A. Torré 
­ 4. Bibliografia. 
1. As diversas ciências jurídicas 
1.1 Visão conjunta da ordem jurídica 
Situado o direito no conjunto dos conhecimentos humanos, devemos, em seguida, 
procurar ter 
uma visão conjunta da ordem jurídica. 
Para isso, podemos percorrer dois caminhos: 
a) examinar o quadro atual das diversas ciências jurídicas, 
especialmente: 
­ a Epistemologia Jurídica ­ a Axiologia Jurídica 
­ a Dogmática Jurídica ­ a Sociologia Jurídica 
­ outras ciências jurídicas 
b) focalizar a tradicional divisão do direito em público e privado e sua 
ramificação atual que, com 
ligeiras diferenças entre os juristas, apresenta
o seguinte quadro: 
­ Direito Público: 
interno ­ Direito Constitucional Direito Administrativo 
Carlos. Hermenêutica e
aplicação do direito. Freitas Bastos, 
106        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
VISÃO CONJUNTA DA CIÊNCIA DO DIREITO 
107 
Direito Direito Direito Direito externo ­ Direito 
­ Direito Privado: comum ­ Direito Civil 
especial­ Direito Comercial 
Direito do Trabalho 
Direito Internacional Privado 
Com o objetivo de apresentar uma primeira visão conjunta do direito, 
procuraremos dar algumas 
indicações sumárias sobre essas duas perspectivas: as diversas disciplinas 
jurídicas e a divisão do 
direito em público e privado. 
Tomando a expressão "ciência do direito" em sua acepção mais 
ampla ­ incluindo os aspectos teóricos e práticos, Quadro filosóficos, 
sociológicos e técnicos ­ 
podemos das ciências indicar o seguinte quadro das principais disciplina 
jurídicas        jurídicas: 
a) a epistemologia jurídica, que é a teoria do conhecimento científico do 
direito; 
b) a axiologia jurídica ou teoria dos valores jurídicos e especialmente da 
justiça; 
c) a dogmática jurídica ou teoria do direito como norma; que inclui a técnica 
jurídica; 
d) a teoria dos direitos subjetivos ou teoria do direito como poder, que alguns 
autores incluem na 
dogmática jurídica; 
e) a sociologia jurídica, que é o estudo do direito como fenômeno social. 
1.1.1 Epistemologia jurídica 
Epistomologia ­ do grego episteme (ciência) e logo (estudo) ­ é a teoria da 
ciência. Cabe­lhe 
estudar as características próprias do objeto e do método de cada ciência, 
investigando suas 
relações e os princípios comuns ou diferenciais. Esse o sentido estrito. Muitos 
autores, entretanto, 
dão ao termo "epistemologia" o sentido amplo de teoria do conhecimento em geral 
e não apenas o 
de teoria da ciência. Identificam assim epistemologia e gnosiologia (do grego 
gnósis, 
conhecimento). O vocábulo inglês epistemology, observa Lalande,' é 
"0 Lalande, Vocabulaire technique et critique de Ia Philosophie, verbete 
"Êpistémologie". 
com freqüência empregado (contrariamente à sua etimologia) para designar o que 
chamamos 
"teoria do conhecimento" ou gnosiologia.2 
Epistemologia jurídica, conseqüentemente, será, em sentido estrito, a teoria da 
ciência do direito. 
Isto é, o estudo das características relativas ao objeto e aos métodos das 
diversas ciências 
jurídicas ­ a dogmática jurídica, a sociologia do Direito, a técnica jurídica 
etc. ­, sua posição no 
quadro das ciências e suas relações com as ciências afins. 
E, em sentido amplo, epistemologia do Direito é a teoria do conhecimento 
jurídico em todas as 
suas modalidades: os "conceitos" jurídicos, as "proposições" ou juízos do 
direito, o "raciocínio" 
jurídico, a "ciência" ou ciências do direito etc.
Neste último sentido o vocábulo é empregado no "Ensaio de Epistemologia 
Jurídica", um dos 
capítulos da obra de Geny, Science et technique en droit privé positif, em que o 
consagrado jurista 
afirma: "Trata­se de uma espécie de teoria do conhecimento, aplicada às coisas 
do direito, ou, se a 
expressão não parecer muito ambiciosa, de uma espécie de epistemologia jurídica 
estudada não 
apenas para orientar o pensamento do jurista, mas também para inspirar sua 
ação".3 
1.1.2 Axiologia jurídica 
Como sabemos, a axiologia ­ do grego, axiós, apreciação, estimativa ­ é a parte 
da filosofia que se 
ocupa do problema dos valores, tais como o bem, o belo, o verdadeiro etc. Em 
síntese: é a teoria 
dos valores. 
Axiologia jurídica é, naturalmente, o estudo dos valores jurídicos, na base dos 
quais está a justiça. 
Recebe, por isso, também as denominações de Teoria dos valores jurídicos, Teoria 
do direito justo, 
Estimativa jurídica, Teoria da justiça e outras. 
Del Vecchio prefere denominá­la Deontologia jurídica ­ etimologicamente: ciência 
do que deve ser 
(do grego, deontós, que significa "dever"), porque lhe compete investigar o que 
"deve" ou "deveria" 
ser o direito, diante do que "é" na realidade. O espírito humano nunca permanece 
passivo diante 
do direito, da lei, da decisão judicial ou administrativa; nunca aceita 
calmamente o fato consumado, 
como se ele fosse um limite insuperável. Todo homem sente em si a faculdade de 
julgar e avaliar o 
direito existente: há em cada um de nós o sentimento da justiça. 
"Epistemologia" recebe, ainda, uma terceira significação empregada por alguns 
autores, que a 
identificam com a "filosofia da ciência", isto é, o estudo crítico de todos os 
pressupostos ou 
postulados de cada ciência. V. Lalande, loc. cit. François Geny, ob. cit., parte 
1, cap. 4.°. 
Judiciário 
Penal Financeiro Tributário Internacional Público 
i 
108 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
VISÃO CONJUNTA DA CIÊNCIA DO DIREITO 
109 
Daí a possibilidade de uma investigação totalmente distinta da que é feita pelas 
ciências jurídicas, 
em sentido estrito.' 
1.1.3 Dogmática jurídica 
A dogmática jurídica é o estudo do sistema de normas jurídicas vigentes em 
determinada época e 
local. Seu objetivo é conhecer as normas, interpretá­las, integrá­las no 
sistema, aplicá­las aos 
casos concretos. É chamada "dogmática" porque a situação do jurista ­ seja ele 
advogado, juiz, 
escrivão, promotor ­ perante a norma jurídica é semelhante à do fiel diante dos 
dogmas. Deve
aceitar a norma vigente como ponto de partida inatacável. Muitos preferem 
denominá­la Teoria do 
Direito Positivo ou Ciência do Direito em sentido estrito ou, ainda, 
Jurisprudência, Jurisprudência 
dogmática, Jurisprudência técnica etc.5 
Com o reconhecido espírito prático dos americanos, o juiz Holmes (1841­1936) 
definiu­a como "o 
prognóstico do que os tribunais farão no caso concreto". 
1.1.4 Teoria dos direitos subjetivos 
Do campo da dogmática jurídica pode ser destacada a "Teoria dos direitos 
subjetivos", que muitos 
autores, como Brethe De La Gressaye e Laborde­Lacoste, estudam sob a designação 
de "Teoria 
do direito como poder", em oposição ao "Direito como regra". A regra do direito 
constitui apenas 
um primeiro aspecto da realidade jurídica. Toda "regra" se traduz, na prática, 
pelo "poder" 
reconhecido a uma pessoa (privada ou pública) para agir em determinado sentido 
nas relações 
sociais. Este segundo aspecto é, na realidade, conseqüência do primeiro. Trata­ 
se, entretanto, de 
colocá­lo em plena luz, a fim de conhecer os meios que o direito oferece às 
partes, como 
decorrência da norma.' 
1.1.5 Sociologia jurídica 
A sociologia do Direito é a disciplina que tem por objeto o estudo do fenômeno 
jurídico, 
considerado como fato social. É ciência teórica 
(4) G. Del Vecchio, Lezioni di Filosofia del Diritto, Milão, Giuffrè, 1946, p. a 
4. 
À mal denominada "Ciência positiva do Direito" ou "Ciência do Direito 
propriamente dita", melhor 
seria chamar "Ciência do Direito vigente", T. Sternberg, Introducción a Ia 
ciência del derecho, 
Labor, 1930, p. 12. Sobre outras denominações, v. A. Torré, ob. cit., p. 49. 
Brethe De La Gressaye 
e Laborde­Lacoste, Introduction générale à l'étude du droit, Paris, Sirey, 1947, 
n. 351, p. 326 e ss. 
"L'expression de 'pouvoir de droit' nous parait celle qui rend le mieux cet 
aspect du droit. 
Cependant, nous conformerons à Ia langue scit;ntifique qui parle de 'droit 
subjectif', envisageant le 
droit dans Ia personne de son suje[". 
ou especulativa, no sentido de que estuda o direito, não como um dever­ser, mas 
como um "ser" 
ou fenômeno social, considerando­o em si mesmo, em sua evolução e em suas 
relações com os 
demais setores da vida social, tais como a economia, a arte, a técnica, a moral, 
a religião etc. 
Apesar de possuir raízes antigas em Aristóteles (385322 a.C.), Hobbes (1588­ 
1679), Espinoza 
(1632­1677), Montesquieu (1689­1755) e outros, a sociologia jurídica é ciência 
de constituição 
recente, ou "ainda em pleno período de formação", como
diz Gurvitch,7 que aponta 
entre seus 
fundadores europeus: E. Durkheim (1858­1917), L. Duguit (1859­1928), E. Levy 
(1880­1943), M. 
Hauriou (1856­1929), Max Weber (1864­1920), Ehrlich (1862­1922) e os americanos 
O. W. Holmes 
(1841­1936), Roscoe Pound e Benjamin Cardozo (1870­1938).
1.2 O conteúdo do curso de introdução à ciência do direito 
A epistemologia jurídica e a axiologia jurídica pertencem ao campo da filosofia 
do direito, que, em 
sua acepção mais ampla, pode ser caracterizada como o estudo Filosofia dos 
princípios ou 
pressupostos fundamentais do do direito direito.' 
A dogmática jurídica ­ que a rigor inclui a Ciência Teoria dos direitos 
subjetivos ­ constitui, como do 
direito vimos, a ciência do direito, em sentido estrito. 
A sociologia jurídica ­ que se vem constituindo modernamente e apresenta 
importância cada vez 
maior para o conhecimento objetivo do direito como realidade Sociologia social ­ 
possui caráter 
mais sociológico do que do direito jurídico propriamente dito. 
Qual desses aspectos interessa a um curso de introdução à ciência do direito? 
(7) 8) 
(5) (6) 
Georges Gurvitch, Sociologia jurídica, Rio, Kosmos, 1946, p. 23. 
Esses pressupostos ou princípios fundamentais são estudados, principalmente, 
pelas seguintes 
partes da Filosofia do direito: a) pela teoria do conhecimento jurídico 
(Gnosiologia, Epistemologia 
ou Lógica do Direito), que estuda o conceito de direito e as estruturas lógicas 
que permitem ao 
jurista realizar sua tarefa científica: os conceitos jurídicos, as proposições 
ou juízos jurídicos, o 
raciocínio jurídico, as ciências jurídicas; 
b) pela teoria dos valores jurídicos (Axiologia Jurídica), especialmente pela 
teoria da justiça, cuja 
investigação, adverte Bobbio ("Nature et fonction de Ia philosophie du droit", 
em Archives de 
Philosophie du droit, Sirey, 1962, n. 7, dedicado ao tema: "Qu'est­ce que Ia 
Philosophie du Droit?"), 
"tem sido negligenciada pelos atuais filósofos do direito". Entretanto, 
acrescenta: "é importante 
lembrar que a `teoria da justiça' é um estudo que concerne ao fundo ou 
fundamento do direito e a 
`teoria do conhecimento jurídico' (ou `teoria do direito') é um estudo que 
concerne à forma, isto é, 
às diversas estruturas 
110 
INTRODUÇAO À CIÊNCIA DO DIREITO 
VISÃO CONJUNTA DA CIÊNCIA DO DIREITO 
113 
É inegável que, do ponto de vista prático, o interesse maior se concentra na 
dogmática jurídica, em 
seu duplo Introdução        aspecto de estudo das normas e dos direitos 
à ciência        subjetivos. 
do direito        Mas não conhecerá o direito, em todas as suas dimensões reais, 
quem se limitar à 
consideração desses aspectos. 
Ao verdadeiro jurista não pode faltar conhecimento da natureza de sua ciência 
(epistemologia) e 
dos valores fundamentais (axiologia) que dão sentido e significação à qualquer 
instituição jurídica. 
Não lhe poderá faltar, também, o conhecimento da realidade jurídico­social que é 
a própria vida do 
direito.
Daí o tríplice aspecto: jurídico (estrito senso), filosófico e sociológico, que 
deve ter o curso de 
introdução à ciência do direito. 
Ou esquematicamente: 
EPISTEMOLOGIA JURÍDICA        } FILOSOFIA DO DIREITO AXIOLOGIA JURÍDICA 
TEORIA DA NORMA JURÍDICA        CIÊNCIA DO DIREITO TEORIA DOS DIREITOS 
SUBJETIVOS 
SOCIOLOGIA JURÍDICA ou SOCIOLOGIA DO DIREITO 
2. A divisão do direito em público e privado 2.1 Visão geral do campo do direito 
Entre as possibilidades que existem de apresentar globalmente a ordem jurídica, 
destaca­se a 
tradicional divisão do direito em púbico e privado. 
Esta divisão tem acompanhado a formação histórica do direito v e dela nos 
ocuparemos mais 
amplamente na terceira parte deste livro. No mo 
mento, interessa­nos apenas uma visão do campo do direito. 
Dentre os inúmeros critérios propostos para estabelecer a distinção 
entre esses dois ramos, está o que se fundamenta no objeto material da 
destinadas a acolher o fruto dos estudos e trabalhos da outra" (p. 8); 
c) pela Ontologia jurídica, que estuda o "ser" ou a natureza fundamental do 
direito, procurando 
responder à pergunta: que espécie de "ser" é o direito? Já diziam os romanos 
(Ulpiano, Digesto, 1, 
1, 1, 2, e Justiniano, Instituías, 1, 1, 4) que dois são os aspectos do direito: 
o público e o privado. O 
direito público versa sobre o modo de ser do Estado romano; o privado, sobre o 
interesse dos 
particulares. Com efeito, algumas coisas são úteis publicamente, outras 
privadamente ("Hujus 
studii duae sunt posiciones, publicum et privatum. Publicum jus est, quod ad 
statum rei Romanae 
spectat, privatum quod ad singulorum utilitatem; sunt enim quaedam publice 
utilia, quaedam 
privatim"). 
ciência jurídica. O direito tem por matéria as relações sociais. Seu obJramos é 
a ordenação da vida 
social. E esta consta de duas espécies de relaç&dia 
a) relações em que a própria sociedade, representada pelo Estadod, é parte; 
b) relações dos participantes entre si. 
Em síntese, podemos dizer que as relações sociais em que o Estado, como tal,10 é 
parte, são 
reguladas pelo Direito público. As relações dos particulares entre si são 
reguladas pelo Direito 
privado. 
O Direito público regula a organização e a atividade do estado considerado: 
­ em si mesmo; 
­ em suas relações com os particulares; 
­ em suas relações com outros Estados. 
Assim, o Direito Constitucional, ao regular a divisão dos Poderes Legislativo, 
Executivo e 
Judiciário, dispõe sobre a organização do Estado, considerado em si mesmo. O 
Direito Tributário, 
ao fixar os tributos, regula relações entre o Estado e os particulares. O 
Direito Internacional Público 
regula as relações dos Estados entre si. 
Por "Estado", tomado aqui em sentido amplo, devemos entender: 
a) o Poder Público representado, no Brasil, pela União, os estados e os 
municípios, com todas as 
suas ramificações: ministérios, secretarias, departamentos etc.; 
b) as autarquias e outros órgãos, que têm personalidade jurídica distinta da do 
Estado, mas que a
ele se ligam intimamente, por serem por ele criados e exercerem funções 
públicas; é o caso do 
Instituto de Arrecadação Previdenciária e Assistência Social (LAPAS), Instituto 
do Café, Ordem dos 
Advogados do Brasil, Banco Central etc.; 
c) as organizações como a ONU, UNESCO, FAO etc., que são órgãos supracionais 
reconhecidos 
pelos Estados e que mantêm relações jurídicas com organismos governamentais e 
não­ 
governamentais. 
O Direito privado regula as relações dos particulares entre si. 
Por particulares devemos entender no caso: 
a) os indivíduos, também chamados pessoas físicas ou naturais; 
b) as instituições ou entidades particulares, como as associações, as fundações, 
as sociedades 
civis ou comerciais etc., também chamadas pessoas jurídicas de direito privado; 
O "poder de império", isto é, o poder de impor sua vontade através de leis, 
decretos, atos 
administrativos, decisões judiciais, cobrança de tributos etc. é característica 
do 
Estado como poder público. Conforme a lição de Ferrara: "A distinção entre 
direito público e 
privado tem seu fundamento na posição diferente dos sujeitos nas 
relações jurídicas. Há relação de direito público quando o sujeito intervém como 
portador de 
prerrogativas supremas, investido de poder de império, enquanto nas 
relações de direito privado os sujeitos se contrapõem em condições de paridade, 
em pé de 
igualdade" (Teoria das pessoas jurídicas, Reus, Madri, 1929, p. 692). V. F. 
Geny, Science et technique en droit privé positif, 1.' parte, n. 20, p. 64. 
Direito público 
e privado 
(9) 
112        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
c) o próprio Estado, em condições especiais, quando participa de uma transação 
jurídica, não na 
qualidade de Poder Público, mas na de simples particular, como no caso em que, 
locatário de um 
prédio, ele figura na condição de inquilino, sujeito, como
os demais, à lei do 
inquilinato. 
As relações jurídicas entre essas pessoas ou entidades são regidas pelo Direito 
privado. 
2.2 Quadro geral 
Essas noções nos permitem apresentar o seguinte quadro geral do direito, 
incluindo suas divisões 
e subdivisões mais importantes, que serão examinadas separadamente na terceira 
parte do 
presente trabalho: 
Direito Constitucional Direito Administrativo Direito Financeiro Direito 
Tributário 
Direito Judiciário Direito Penal 
De uma forma geral, que exige explicações posteriores, podemos 
dizer que o Direito Constitucional fixa as bases do Direito Estado. O 
Administrativo regula a 
atividade do público        Poder Executivo. O Direito Financeiro e o Tribu 
tário têm por objeto as finanças públicas e os tributos em geral. O Judiciário 
disciplina a
organização do Poder Judiciário e o processo a ser observado nas ações 
submetidas à Justiça. O 
Direito Penal define os crimes e estabelece as penas a serem aplicadas pelo 
Poder Público. O 
Direito Internacional Público regula as relações entre os Estados e a atividade 
dos organismos 
internacionais. 
O Direito Civil é considerado Direito privado comum, porque rege as relações 
entre particulares, 
considerandoos simplesmente como homens e não como membros de uma profissão ou 
nacionalidade. Regula os direitos das pessoas, enquanto tais, em suas 
relações de família e em suas relações patrimoniais. 
VISÃO CONJUNTA DA CIÊNCIA DO DIREITO        113 
Do Direito Civil, como tronco comum, nasceram os ramos especiais do Direito 
privado. No 
passado, o Direito Civil compreendia toda a área do Direito privado. Só 
posteriormente, em virtude 
do desenvolvimento da atividade comercial, da Revolução Industrial e dos 
movimentos migratórios 
e de intercâmbio no plano internacional, é que foram se constituindo, como ramos 
autônomos, o 
Direito Comercial, o Direito do Trabalho e o Internacional Privado. O primeiro 
estabelece normas 
especiais disciplinando a atividade comercial. O Direito do Trabalho regula as 
relações de emprego 
e a proteção à pessoa e aos direitos do trabalhador. Em virtude da forte atuação 
do Estado nessa 
proteção, o Direito de Trabalho pode ser também considerado como um ramo do 
Direito público. O 
Direito Internacional Privado rege as relações entre particulares no seio da 
sociedade 
internacional. 
2.3 Novos ramos 
A divisão que acabamos de apresentar não é rígida nem definitiva. Pelo 
contrário, diversos ramos 
novos continuam a se constituir, passando a figurar como direitos autônomos. É o 
caso do Direito 
Financeiro e do Direito Tributário, que já se destacaram do Direito 
Administrativo, ou o do Direito 
Rural e do Direito Econômico, que estão em processo de formação. 
Mais recentemente, estão se formando, entre outros, o Direito Ambiental (v. p. 9 
a 11) e o Direito 
do Consumidor (v. p. 13 a 15 e 424). 
Como veremos na terceira parte da presente obra, essa classificação dos ramos do 
direito não 
apresenta caráter rigorosamente lógico, mas sobretudo prático e histórico. 
Muitos autores a 
rejeitam, mas essa divisão acompanhou a evolução do direito desde Roma, e, 
apesar das críticas 
que tem recebido, não foi, até hoje, substituída com vantagem por qualquer 
outra. 
3• Outras formulações 
3.1 Direito público e direito privado 
R. de Ruggiero, Instituições de Direito Civil, São Paulo, Saraiva, 1934, v. I, 
parágrafo 8.° 
A divisão do direito objetivo em público e privado fora já estabelecida pela 
ciência jurídica romana •
e romana é também a mais antiga definição dos dois 
Sobre o processo histórico pelo qual em Roma o direito público se diferenciou do 
Privado, cf. o 
douto trabalho de Bonfante: La progressiva div. dei diritto publ. e pr. in Roma. 
DIREITO 
PÚBLICO 
PRIVADO 
Direito Internacional Público 
Comum { Direito Civil 
Direito Com 
Direito do Trabalho Direito Internacional 
Privado 
Especial 
ercial 
Direito privado 
114 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
VISÃO CONJUNTA DA CIÊNCIA DO DIREITO 
115 
ramos: "Publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat, privatum quod ad 
singulorum 
utilitatem; sunt enim quaedam publice utilia, quaedam privatim" (L. 1, § 2 D. L. 
L. = § 4 Inst. L. L.), 
definição que por muito tempo se utilizou e reproduziu, quase sem modificação, 
no campo do 
direito moderno. É todavia inadequada para exprimir o conteúdo próprio e 
verdadeiro dos dois 
grandes ramos de direito e mais ainda para designar os caracteres diferenciais. 
É certo que o critério do interesse e da utilidade é um elemento de distinção 
entre umas e outras 
normas: há nas de direito público uma preponderância da utilidade pública do 
Estado e, nas de 
direito privado, prevalecimento da utilidade dos particulares, mas a distinção 
não pode fundar­se 
exclusivamente na utilidade da norma. 
É preciso ter em atenção os sujeitos a que as normas se referem e o fim que elas 
têm em vista. 
Ora, sob este duplo aspecto, é fácil descobrir como algumas normas têm por 
sujeito o Estado e 
outras os simples particulares; como umas têm por fim relações políticas, a 
organização dos 
poderes do Estado e a explicação da atividade dos seus órgãos para conseguir os 
fins que esse 
Estado se propõe, 
• outras, pelo contrário, as relações jurídicas dos indivíduos, a atividade dos 
cidadãos como 
particulares. Nessa diversidade, dada quer pela diferença de sujeitos, quer pela 
dos fins, reside a 
razão da distinção de que tratamos: formam o direito público as normas da 
primeira espécie e o 
direito privado as da segunda. 
No entanto, isto não basta para dar o conceito integral dum e doutro ramo 
•        para lhes marcar os confins. 
Deve, antes de mais, ter­se presente que a norma não adquire caráter de direito 
público apenas e 
exclusivamente quando o seu sujeito é o Estado e o seu fim a organização do 
mesmo. 
Há ao lado do Estado, e a ele subordinados, outros agregados políticos menores, 
entre os quais se
reparte o poder soberano e aos quais correspondem determinadas circunscrições 
territoriais: 
agregados políticos que exercem funções públicas especiais e levam a cabo, no 
território que lhes 
está designado, a obra do Estado, que, não podendo sempre atuar diretamente para 
conseguir os 
seus fins, lhes confere as funções que mais diretamente se referem aos fins 
particulares e locais. O 
Município, a Província e outras circunscrições constituem organizações menores 
de caráter 
político. Ora, quando os sujeitos da norma sejam essas entidades, ou o seu fim 
seja o fim que elas 
se propõem, o direito continua a ser público. 
Em segundo lugar e pelo contrário, não basta que o Estado e essas organizações 
supracitadas 
apareçam como sujeitos duma relação, para concluir sem mais nada que se trata 
duma norma 
pertencente ao direito político. O Estado e com ele os demais organismos menores 
referidos, se 
normalmente atuam como poder político e soberano que exerce funções de 
governação e de 
império, assumem também ­ e pela própria necessidade dos fins de caráter público 
que se 
propõem ­ funções que não são de soberania ou de governação. Sobretudo na gestão 
do seu 
patrimônio pode o Estado ser titular de direitos a exercitar faculdades ou 
contrair obrigações que 
não são diferentes das que se verificam nos particulares ou nalguma daquelas 
coletividades 
(pessoas jurídicas) que, propondo­se fins privados, não são nem podiam ser 
investidas de poderes 
políticos ou soberanos. Ora, quando o Estado, a Província ou a Comuna agem nessa 
qualidade, 
aplicam­se­lhes as mesmas normas que se aplicam às relações entr os 
particulares, quer dizer: 
normas de direito privado, que nem por esta aplicaçã se transformam em públicas. 
Precisando, pois, o conceito mais atrás exposto, pode dizer­se que: 
a) é direito público ­ o complexo das normas que regulam a organização 
•        a atividade do Estado e dos
outros agregados políticos menores, ou que 
disciplinam as 
relações entre os cidadãos e essas organizações políticas; 
b) é direito privado ­ o complexo das normas que regulam as relações dos 
particulares entre si ou 
as relações entre eles, o Estado e os agregados referidos, desde que estes não 
figurem nessa 
relação como exercendo funções de poder político ou soberano. 
3.2 A tendência moderna de publicização do direito 
Vicente Ráo, O Direito e a vida dos direitos, São Paulo, Max Limonad, 1952, n. 
155 a 157. 
Invocando este sábio conceito de Montesquieu, consoante o qual não se devem 
regular segundo 
os princípios do direito político as coisas que dependem dos princípios do 
direito civil, Georges 
Ripert assinala e repele a tendência moderna de se transformar o direito privado 
em direito público. 
E lembra que, para designar a nova corrente de idéias, criou­se o neologismo 
"publicização" do 
direito, que os políticos substituem por denominação outra, tal a de 
"socialização do direito", como
se o direito somente agora se revelasse uma ciência social. 
É a seguinte a técnica usada pelos inovadores: "O direito social designa o 
conjunto de regras que 
asseguram a igualdade das situações apesar das diferenças de fortunas, regras 
que socorrem os 
mais fracos, desarmam os mais poderosos 
• organizam a vida econômica segundo os princípios da justiça distributiva. Ora, 
para se alcançar 
esse resultado, preciso é recorrer­se a uma força superior a todos, ou seja, à 
força do Estado; e se 
esta força intervém nas relações privadas, o direito privado não pode deixar de 
ceder o passo às 
regras do direito público. A publicização é, pois, o meio de tomar social o 
direito". 
Partidários menos ortodoxos desses conceitos chegaram a propor uma terceira 
designação para 
as relações civis assim submetidas à intervenção do Estado: tais relações 
formariam um direito 
semipúblico. 
E autores existem, como Donnedieu de Vabres, que nos convidam, sem mais, a 
apagar toda a 
distinção entre o direito público e o direito privado, qualificando esta velha e 
sábia distinção de 
meramente pedagógica. 
Muito a propósito Ripert se reporta à observação sensata de Portalis, um dos 
autores do Código 
Civil francês: "Em tempo de revolução, se tudo se transforma em direito público, 
assim sucede pelo 
desejo exaltado de sacrificar todos os direitos a um fim político e de não 
admitir consideração outra 
senão a de um misterioso 
•        variável interesse do Estado (Georges Ripert: Le Déclin du Droit, cap. 
II). 
Sobre a intervenção desordenada do Estado nas relações civis já nos 
manifestamos; aqui 
volvemos ao assunto, tão­só para acentuar as dificuldades crescentes que se 
antepõem a 
qualquer tentativa de distinção perfeita entre esses dois ramos do direito 
objetivo, o público e o 
privado. 
Causas e extensão dessa tendência ­ Não é só nas leis comuns que a confusão se 
revela. As 
próprias Constituições políticas consagram, hoje, normas que, em rigor, só no 
direito privado 
poderiam ser incluídas. 
Apontam­se, geralmente, como causas da redução da esfera do direito Privado: 
a) o desenvolvimento das formas de proteção dos menos favorecidos, ou dos 
indivíduos reputados 
socialmente fracos; 
j 
114 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
VISÃO CONJUNTA DA CIÊNCIA DO DIREITO 
115 
ramos: "Publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat, privatum quod ad 
singulorum 
utilitatem; sunt enim quaedam publice utilia, quaedam privatim" (L. 1, § 2 D. L. 
L. = § 4 Inst. L. L.),
definição que por muito tempo se utilizou e reproduziu, quase sem modificação, 
no campo do 
direito moderno. É todavia inadequada para exprimir o conteúdo próprio e 
verdadeiro dos dois 
grandes ramos de direito e mais ainda para designar os caracteres diferenciais. 
É certo que o critério do interesse e da utilidade é um elemento de distinção 
entre umas e outras 
normas: há nas de direito público uma preponderância da utilidade pública do 
Estado e, nas de 
direito privado, prevalecimento da utilidade dos particulares, mas a distinção 
não pode fundar­se 
exclusivamente na utilidade da norma. 
É preciso ter em atenção os sujeitos a que as normas se referem e o fim que elas 
têm em vista. 
Ora, sob este duplo aspecto, é fácil descobrir como algumas normas têm por 
sujeito o Estado e 
outras os simples particulares; como umas têm por fim relações políticas, a 
organização dos 
poderes do Estado e a explicação da atividade dos seus órgãos para conseguir os 
fins que esse 
Estado se propõe, e outras, pelo contrário, as relações jurídicas dos 
indivíduos, a atividade dos 
cidadãos como particulares. Nessa diversidade, dada quer pela diferença de 
sujeitos, quer pela 
dos fins, reside a razão da distinção de que tratamos: formam o direito público 
as normas da 
primeira espécie e o direito privado as da segunda. 
No entanto, isto não basta para dar o conceito integral dum e doutro ramo e para 
lhes marcar os 
confins. 
Deve, antes de mais, ter­se presente que a norma não adquire caráter de direito 
público apenas e 
exclusivamente quando o seu sujeito é o Estado e o seu fim a organização do 
mesmo. 
Há ao lado do Estado, e a ele subordinados, outros agregados políticos menores, 
entre os quais se 
reparte o poder soberano e aos quais correspondem determinadas circunscrições 
territoriais: 
agregados políticos que exercem funções públicas especiais e levam a cabo, no 
território que lhes 
está designado, a obra do Estado, que, não podendo sempre atuar diretamente para 
conseguir os 
seus fins, lhes confere as funções que mais diretamente se referem aos fins 
particulares e locais. O 
Município, a Província e outras circunscrições constituem organizações menores 
de caráter 
político. Ora, quando os sujeitos da norma sejam essas entidades, ou o seu fim 
seja o fim que elas 
se propõem, o direito continua a ser público. 
Em segundo lugar e pelo contrário, não basta que o Estado e essas organizações 
supracitadas 
apareçam como sujeitos duma relação, para concluir sem mais nada que se trata 
duma norma 
pertencente ao direito político. O Estado e com ele os demais organismos menores 
referidos, se 
normalmente atuam como poder político e soberano que exerce funções de 
governação e de 
império, assumem também ­ e pela própria necessidade dos fins de caráter público 
que se 
propõem ­ funções que não são de soberania ou de governação. Sobretudo na gestão 
do seu
patrimônio pode o Estado ser titular de direitos a exercitar faculdades ou 
contrair obrigações que 
não são diferentes das que se verificam nos particulares ou nalguma daquelas 
coletividades 
(pessoas jurídicas) que, propondo­se fins privados, não são nem podiam ser 
investidas de poderes 
políticos ou soberanos. Ora, quando o Estado, a Província ou a Comuna agem ness 
qualidade, 
aplicam­se­lhes as mesmas normas que se aplicam às relações entr os 
particulares, quer dizer: 
normas de direito privado, que nem por esta aplicaçã se transformam em públicas. 
Precisando, pois, o conceito mais atrás exposto, pode dizer­se que: 
a) é direito público ­ o complexo das normas que regulam a organização e a 
atividade do Estado e 
dos outros agregados políticos menores, ou que disciplinam as relações entre os 
cidadãos e essas 
organizações políticas; 
b) é direito privado ­ o complexo das normas que regulam as relações dos 
particulares entre si ou 
as relações entre eles, o Estado e os agregados referidos, desde que estes não 
figurem nessa 
relação como exercendo funções de poder político ou soberano. 
3.2 A tendência moderna de publicização do direito 
Vicente Ráo, O Direito e a vida dos direitos, São Paulo, Max Limonad, 1952, n. 
155 a 157. 
Invocando este sábio conceito de Montesquieu, consoante o qual não se devem 
regular segundo 
os princípios do direito político as coisas que dependem dos princípios do
direito civil, Georges 
Ripert assinala e repele a tendência moderna de se transformar o direito privado 
em direito público. 
E lembra que, para designar a nova corrente de idéias, criou­se o neologismo " 
publicização" do 
direito, que os políticos substituem por denominação outra, tal a de 
"socialização do direito", como 
se o direito somente agora se revelasse uma ciência social. 
É a seguinte a técnica usada pelos inovadores: "O direito social designa o 
conjunto de regras que 
asseguram a igualdade das situações apesar das diferenças de fortunas, regras 
que socorrem os 
mais fracos, desarmam os mais poderosos e organizam a vida econômica segundo os 
princípios 
da justiça distributiva. Ora, para se alcançar esse resultado, preciso é 
recorrer­se a uma força 
superior a todos, ou seja, à força do Estado; e se esta força intervém nas 
relações privadas, o 
direito privado não pode deixar de ceder o passo às regras do direito público. A 
publicização é, 
pois, o meio de tornar social o direito". 
Partidários menos ortodoxos desses conceitos chegaram a propor uma terceira 
designação para 
as relações civis assim submetidas à intervenção do Estado: tais relações 
formariam um direito 
semipúblico. 
E autores existem, como Donnedieu de Vabres, que nos convidam, sem mais, a 
apagar toda a 
distinção entre o direito público e o direito privado, qualificando esta velha e 
sábia distinção de 
meramente pedagógica.
Muito a propósito Ripert se reporta à observação sensata de Portalis, um dos 
autores do Código 
Civil francês: "Em tempo de revolução, se tudo se transforma em direito público, 
assim sucede pelo 
desejo exaltado de sacrificar todos os direitos a um fim político e de não 
admitir consideração outra 
senão a de um misterioso e variável interesse do Estado (Georges Ripert: Le 
Déclin du Droit, cap. 
II). 
Sobre a intervenção desordenada do Estado nas relações civis já nos 
manifestamos; aqui 
volvemos ao assunto, tão­só para acentuar as dificuldades crescentes que se 
antepõem a 
qualquer tentativa de distinção perfeita entre esses dois ramos do direito 
objetivo, o público e o 
privado. 
Causas e extensão dessa tendência ­ Não é só nas leis comuns que a confusão se 
revela. As 
próprias Constituições políticas consagram, hoje, normas que, em rigor, só no 
direito privado 
poderiam ser incluídas. 
Apontam­se, geralmente, como causas da redução da esfera do direito Privado: 
a) o desenvolvimento das formas de proteção dos menos favorecidos, ou dos 
indivíduos reputados 
socialmente fracos; 
116        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
VISÃO CONJUNTA DA CIÊNCIA DO DIREITO        117 
b) a concentração progressiva dos homens e dos capitais, que caracteriza a época 
contemporânea, criando problemas pessoais e patrimoniais de crescente interesse 
social; 
c) a ascendente "padronização dos meios materiais de vida, e, conseqüentemente, 
da própria vida, 
a transformar em problema coletivo o que antes constituía problema individual. 
Contudo, reconhecendo­se, embora, a existência dessas causas e de seus 
resultantes problemas, 
não se poderia admitir a existência de uma livre vontade individual, como se 
pretende, aplicada 
tão­somente ao setor dos direitos não patrimoniais, pois é exatamente nos 
direitos pessoais puros 
e de família que o indivíduo sofre e deve sofrer sensíveis restrições a bem da 
comunidade. 
Ensaio de distinção ­ Reportando­se aos princípios e conceitos acima expostos, 
distinguimos o 
direito público do direito privado nos seguintes termos: 
"Direito Público" é o conjunto de princípios e de normas que disciplinam a 
organização e a 
atividade política e jurisdicional do Estado e das entidades políticas ou 
administrativas por ele 
criadas, bem como as suas relações, de igual caráter, mantidas com os 
indivíduos, regulando, 
ademais, os meios tendentes a assegurar a defesa da ordem jurídica, dentro da 
comunhão social. 
"Direito Privado" é o conjunto sistemático de princípios e de normas que 
disciplinam as relações, 
desprovidas de natureza política ou jurisdicional, que os indivíduos mantêm 
entre si, ou com o 
Estado, ou com as entidades por ele criadas para a realização de seus fins 
próprios.
No conceito de Organização se enquadra o Direito Constitucional; no de 
atividade, o Direito 
Internacional (atividade externa) e o Direito Administrativo (atividade 
interna); no de segurança da 
ordem jurídica, o Direito Penal e o Direito Judiciário, com seus ramos de 
Organização Judiciária e 
Direito Processual. 
3.3 A divisão do direito em público e privado: uma intromissão da política no 
direito 
H. Kelsen, Teoria geral do Estado, parágrafo VI. 
A intromissão da política na teoria do Direito acha­se favorecida por uma 
funestíssima distinção 
que hoje constitui um dos mais fundamentais princípios da moderna ciência 
jurídica. Trata­se da 
distinção entre direito público e privado. Embora esta antítese constitua a 
medula de toda a 
sistemática teórico­jurídica, é simplesmente impossível determinar, com alguma 
fixidez, o que se 
quer dizer efetivamente, quando se distingue entre o direito público e o direito 
privado. certo que se 
devem destacar determinados domínios jurídicos, qualificados por seu conteúdo 
especial, os quais 
se contrapõem convencionalmente ao direito privado na qualidade de direito 
público. Assim, no 
direito público se incluem o direito político, o direito administrativo, o 
processual, o penal e o 
canônico (este enquanto se refira predominantemente aos demais); todo o direito 
restante é direito 
privado. Mas, se se perguntar qual o fundamento desta divisão, entra­se, em 
cheio, no caos das 
opiniões contraditórias. De início, não há segurança no objeto da divisão: a 
qualidade de público e 
privado se atribui indistintamente ao direito objetivo, às normas, ao direito 
subjetivo e às faculdades 
e deveres que constituem a relação jurídica. Se ao direito objetivo se reduzir o 
direito subjetivo, 
uma divisão deste importará, ao mesmo tempo, a divisão daquele. Acrescente­se 
que à dualidade 
do objeto da divisão prende­se uma antítese dos critérios segundo os quais a 
divisão é feita. 
3.4 As disciplinas jurídicas 
A. Torré, Inaoducción al Derecho, Buenos Aires, Ed. 
Perrot, 1957.. n. 22 e ss. 
Apesar de não haver uniformidade a respeito, são muitos os autores que 
consideram como 
disciplinas jurídicas fundamentais as seguintes: Ciência do Direito, História do 
Direito, Sociologia 
do Direito, Filosofia do Direito. 
A "Ciência do Direito" tem por objeto o estudo, ou melhor, a interpretação e 
integração e a 
sistematização de um ordenamento jurídico determinado, para sua justa aplicação. 
Garcia Maynez, por sua vez, a define amo a ciência que "tem por objeto a 
exposição ordenada e 
coerente dos preceitos jurídicos que estejam em vigor em uma época e um lugar 
determinados, e o 
estudo dos problemas relativos à sua interpretação e aplicação". 
Chama­se também: Dogmática Jurídica, Ciência Dogmática, Teoria do Direito 
Positivo, Sistemática
Jurídica, Jurisprudência Técnica, Jurisprudência Dogmática, simplesmente 
Jurisprudência etc. 
Conforme o ramo do direito positivo a que se refira, distinguem­se: Ciência do 
Direito 
Constitucional, Ciência do Direito Administrativo, Ciência do Direito Penal, 
Ciência do Direito 
Processual etc. 
`­ "História do Direito" é o ramo ou especialidade da História Geral que estuda 
o desenvolvimento 
do direito, explicando­o em função das respectivas causas, com o alcance 
individualizador próprio 
da História. 
"Sociologia do Direito". E. Garcia Maynez a define como "disciplina que tem por 
objeto a explicação 
do fenômeno jurídico, considerado como fato social". 
De nossa parte, e com o fim de facilitar a compreensão do conceito desta 
disciplina, daremos uma 
noção mais analítica, a saber: é o ramo da Sociologia Geral que focaliza o
direito como fenômeno 
social, com o objetivo de explicar seus caracteres e função na sociedade, as 
relações e influências 
recíprocas entre esses fenômenos sociais, assim como as transformações do 
direito, com um 
alcance "geral". 
A "Filosofia do Direito" é um ramo da Filosofia Geral, razão pela qual apresenta 
os mesmos 
caracteres que esta. Encara, pois, as questões mais profundas e gerais do 
direito, situando seu 
estudo em urna sistematização geral dos conhecimentos humanos, o que nos permite 
compreender não somente o sentido, ou a significação da realidade jurídica em 
uma concepção 
total do mundo e da vida, mas também o caráter e a fundamentação das disciplinas 
que têm por 
objeto essa realidade. 
Percebem­se aí, claramente, os dois caracteres básicos do conhecimento 
filosófico: o de ser 
"pantônomo", pois abrange direito em sua totalidade, e o de ser "autônomo", 
pois, apesar de 
constituir o fundamento das diversas ciências jurídicas, a Filosofia do Direito 
é, em si mesma, um 
saber sem pressupostos. 
Atualmente, a Filosofia do Direito é dividida pela maioria dos autores em três 
ramos: Ontologia, 
Lógica e Axiologia Jurídicas. 
4. Bibliografia 
BRETHE DE LA GRESSAYE e LABORDE•LACOSTE. Introduction à l'étude du droit. Paris 
: Sirey, 
1947. 
CAVALCANTI FILHO, Theophilo. O problema da segurança no direito. São Paulo : RT, 
1964. 
118 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
DEL VECCHIO, G. Filosofia del diritto. Milão : Giuffrè, 1946. 
FARIA, Anacleto de Oliveira. Instituições de direito. São Paulo : RT, 1970. 
GENY, F. Science et 
technique en droit privé positif. 4. v. Paris : Recueil Sirey, 
1922. 
GURVITCH, G. Sociologia jurídica. Rio de Janeiro : Kosmos, 1946. KELSEN, H. A 
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direito. Coimbra : Arménio Amado, 1962. LIMA, H. Introdução à ciência do 
direito. Rio de Janeiro :
Freitas Bastos, 1954. MACHADO NETO, A. L. Compêndio de introdução à ciência do 
direito. 
Saraiva, 
1969. 
NÓBREGA, J. Flóscolo. Introdução ao direito. Rio de Janeiro : Konfino, 1969. 
PASQUIER, C. 
Introduction à Ia théorie générale et à la philosophie du droit. Paris : 
Delachaux et Niestlé, 1948. 
RÁO, Vicente, O direito e a vida dos direitos. São Paulo : Max Limonad, 1952, n. 
155 a 157. 
RAVÁ, A. Diritto e Stato nella morale idealistica. Pádua : Cedam, 1943. REALE. 
M. Filosofia do 
direito. São Paulo : Saraiva, 1968. RUGGIERO, R. Instituições de Direito civil. 
São Paulo : Saraiva, 
1934. TORRÉ, A. Introducción al derecho. Buenos Aires : Perrot, 1957, n. 22 e 
ss. VAN ACKER, L. 
Curso de filosofia do direito. 2 v. Ed. Universidade Católica 
de São Paulo, 1962. 
Segunda Parte 
O DIREITO COMO JUSTO (Axiologia Jurídica) 
5 
O CONCEITO DE JUSTIÇA 
SUMÁRIO: 1.O Direito como exigência da justiça: 1.1 A teoria da justiça; 1.2 
Perspectivas 
diferentes; 1.3 Devido por justiça; 1.4 Direito e justiça ­ 2. Acepção subjetiva 
e objetiva da justiça: 
2.1 Justiça, conceito análogo; 2.2 Analogia de relação; 2.3 Histórico do 
conceito ­ 3. Sentido 
latíssimo, lato e estrito da justiça: 3.1 Sentido latíssimo; 3.2 Sentido lato; 
3.3 Sentido estrito ­ 4. 
Características essenciais da justiça: 4.1 A alteridade; 4.2 O devido; 4.3 A 
igualdade: 4.3.1 Em que 
consiste a igualdade?; 4.3.2 Igualdade simples ou proporcional; 4.3.3 Igualdade 
fundamental dos 
homens­5. Espécies de justiça: comutativa, distributiva e social ­ 6. Virtudes 
anexas à justiça ­ 7. 
Outras formulações: 7.1 "Duas definições clássicas de justiça: Ulpiano e 
Cícero", Félix Senn; 7.2 
"Lei positiva e justiça", H. Kelsen; 7.3 "Pensamentos sobre a justiça", B. 
Pascal; 7.4 "Justiça civil e 
justiça penal", G. Del Vecchio ­ 8. Bibliografia. 
1. O Direito como exigência da justiça 1.1 A teoria da justiça 
A teoria da justiça é um dos capítulos fundamentais da ciência jurídica.' 
(1) 
Em sentido amplo, a expressão "Ciência do Direito" abrange todas as disciplinas 
jurídicas, inclusive 
a Filosofia do Direito. Sobre a importância da "teoria da justiça" é oportuno 
transcrever a seguinte 
observação de N. Bobbio: "La philosophie du droit se compose de trois parties: 
a) théorie du droit 
(notion du droit ou norme); b) théorie de Ia justice; c) théorie da Ia science 
juridique. Pendant que 
l'étude de Ia théorie du droit a fait ces demières années de notables progrés, 
Ia théorie de Ia justice 
a été négligée. Et encore, si de ce côté quelque étude valable a été entreprise, 
c'est uniquement 
quant à Ia définition de Ia justice (Perelman, puis Kelsen): l'on n'est pas 
passé de Ia théorie
analytique à Ia phénoménologie, c'est­à­dire, à l'exploitation a travers le 
droit comparé des critères 
reçus tour a dans les diverses civilisations et époques, pour déterminer le 
juste et 1'injuste. Le 
critére directif de cette recherche devrait etre Ia notion de 'justice', 
comprise comme I'ensemble des 
valeurs, biens, ou intérêts, pour Ia protection ou le progrés desqueis, les 
hommes ont créé une 
technique organisant Ia vie en commun que nous avons accepté de nommer 
122        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
Se o direito é essencialmente uma ciência "normativa" e a estrutura lógica de 
toda proposição 
jurídica é um dever­ser, colocamse naturalmente as perguntas: Qual a direção ou 
o ideal visado 
pela "norma"? Qual o valor fundamental que orienta esse dever­ser? 
Basicamente, a sentença deve ser "justa", a lei deve ser "justa", 
a obrigação e a indenização devem ser "justas", Valor o salário e o preço devem 
ser "justos". Com 
razão fundamental        escreveu Del Vecchio: "A noção de justo é a 
pedra angular de todo o edifício jurídico".' 
Além disso, a noção de "princípios gerais do direito" ­ a que devem, a cada 
momento, recorrer o 
juiz e os demais aplicadores da lei 3 ­ corresponde fundamentalmente aos 
princípios de "justiça", 
como procuramos mostrar no Capítulo II da terceira parte do presente trabalho. 
"Principios 
generales del derecho, es decir, principios de justicia".° 
Mas, que é a justiça? Quais as suas características, sua natureza, suas 
espécies, seu 
fundamento? E os demais valores jurídicos ­ a segurança, o interesse social, a 
ordem, o bem 
comum ­ são opostos, redutíveis ou irredutíveis à justiça? 
E esse um velho tema. Seu estudo recebe Axiologia modernamente os nomes de 
axiologia 
jurídica, jurídica        teoria dos valores jurídicos, deontologia jurídica, 
estimativa jurídica etc.5 
droit. Il me semble toujours éclairant de considérer que Ia théorie de Ia 
justice est une étude qui 
concerne le fond du droit et Ia théorie du droit une étude qui concerne Ia 
forme: cette dernière, en 
fait, elabore les diverses structures destinées à accueillir le fruit des études 
et travaux de l'autre". 
"Nature et fonction de Ia philosophie du droit", en Archives de Philosophie du 
Droit, Paris, Sirey, v. 
7, 1962. 
(2' G. Del Vecchio, Justice, Droit, État, Sirey, 1938, § 1, p. 4. 
(" A Lei de Introdução ao Código Civil, que é, no Brasil, a lei geral de 
aplicação das normas 
jurídicas, dispõe, no art. 4.°: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso 
de acordo com a 
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito". A lei é sempre uma 
formulação geral e 
abstrata; não pode, por isso, prever toda a complexidade dos casos reais. Daí a 
necessidade 
contínua de sua interpretação e do recurso aos "princípios gerais do direito", 
que nos fornecem o 
sentido fundamental de qualquer norma jurídica. "Comunmente, en ausencia de un 
precepto
expreso o de leyes análogas, Ias legislaciones remitem a los principios 
generales del derecho ­ es 
decir, principios de justicia ­ como última fuente a Ia que debe recurrir­se 
para intergrar el 
ordenamiento jurídico (p. ej. nuestro Cód. Civil, en el ya citado art. 16)." A. 
Torré, /ntroducción ai 
Derecho, Buenos Aires, Perrot, 1957, cap. XV, p. 367. 
(5' "El problema axiológico y los valores jurídicos", A. Torré,
em Introducción 
ai derecho, Perrot, 
1957, cap. VIII, p. 220 e ss.; "Deontologia jurídica é a teoria da justiça e dos 
valores fundamentais 
do direito", Miguel Reale, Filosofia do Direito, Saraiva, 1969, v. 2, n. 125; 
"La teoria de Ia justicia 
como estimativa jurídica", Recaséns Siches, em Estudios de Filosofia dei 
derecho, cap. XXIV, n. 1. 
1.2 Perspectivas diferentes 
Como vimos na primeira parte deste livro,' o direito pode ser estudado sob 
perspectivas diversas. 
Alguns o analisam simplesmente como um sistema de normas positivas que regem a 
vida de 
determinada comunidade. É esse o ponto de vista de Kelsen, em sua Teoria pura do 
direito.' 
Outros, como Lévy­Bruhl, colocando­se no campo da sociologia, consideram o 
direito ou as regras 
jurídicas como fatos sociais ou, até mesmo, como coisas.8 
Certos autores preferem estudá­lo sob o prisma dos direitos subjetivos através 
das Declarações de 
Direitos e do reconhecimento histórico das prerrogativas da pessoa humana. É o 
caso, entre 
outros, do estudo de Jayme de Altavila sobre a Origem dos direitos dos povos.9 E 
modernamente, 
A theorie de justice de J. Rawls.10 
Pode, ainda, o direito ser considerado não como lei positiva, fato social ou 
direito subjetivo, mas 
como ciência. E a perspectiva em que se colocam, em geral, os tratados e as 
introduções ao 
estudo do direito, à frente dos quais, por sua importância histórica, é de 
justiça colocar as Institutas 
de Justiniano, destinadas a ser "os primeiros elementos de toda a ciência das 
leis". 
1.3 Devido por justiça 
Há, finalmente, outra modalidade de focalizar o direito, que é a de considerá­lo 
como exigência da 
justiça. Esse, como vimos, é o significado fundamental do vocábulo direito. Os 
latinos o chamavam 
CONCEITO DE JUSTIÇA 
123 
(6) (7) 
(8) (9) 
1.° Parte, cap. 1, item 4.1. 
"The Pure Theory of Law restricts itself to a structural analysis of positive 
law based on a 
comparative study of the social orders which actually exist and existed in 
history under the narre of 
law" (H. Kelsen, What is justice?, University of California Press, Califórnia, 
1957, p. 293). 
"En même temps que sociologique, Ia conception du droit à laquelle je me 
rattache est réaliste. Elle 
consiste à considerer les règles juridiques comme des faits, ou, si l'on 
préfère, comme des choses.
Cette attitude s'impose à celui qui se préoccupe d'étudier le droit 
scientifiquement. Ce realisme 
cherche a déceler tous les phénomènes juridiques, même s'ils ne sont pas 
officielement catalogués 
comme tels" (Lévy­Bruhl, "Les sources du droit", in Introduction à 1'étude du 
droit, em colaboração, 
Paris, Rousseau, 1951, p. 256). "Historiar o que foi a lenta caminhada de 
milênios, que o homem 
teve de perfazer na conquista da eqüidade de situações e tratamentos, desde as 
Leis Mosaicas à 
Declaração Universal dos Direitos do Homem, eis o conteúdo desta Origem dos 
direitos dos povos" 
(Jayme de Altavila, Origem dos direitos dos Povos, São Paulo, Melhoramentos, 
1964, Introdução). 
É essa, também, a perspectiva em que se situa lhering, ao estudar A luta pelo 
direito. E a de Kant, 
Hegel e demais autores para quem o direito é fundamentalmente liberdade. Uma 
teoria de justiça, 
trad. UnB, Brasília, 1981. 
124 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
CONCEITO DE JUSTIÇA        125 
jus e não o confundiam com a lex." Nesse sentido, direito é propriamente aquilo 
que é "devido" por 
justiça a uma pessoa ou a uma comunidade: o respeito à vida é direito de todo 
homem, a 
educação é direito da criança, o salário é direito do empregado, a habitação é 
direito da família, o 
imposto é direito do Estado. A essa acepção corresponde a expressão clássica 
"dar a cada um o 
seu direito". 
1.4 Direito e justiça 
Mas até que ponto o direito se identifica com o justo? Poderse­á sustentar que 
todas as exigências 
do direito são baseadas na justiça? 
Alguns autores afirmam que o direito nada tem a ver com a justiça. E simples 
convenção, como 
afirmaram Carnéades ou Epicuro, no passado,12e de certa forma reafirmam certas 
correntes do 
liberalismo 
moderno ao 
admitir que "quem diz contratual diz justo"." 
Para a generalidade dos seguidores do positivismo jurídico, o direito se reduz a 
uma imposição da 
força social, e a justiça é considerada um elemento estranho à sua formação e 
validade." Para 
alguns, como Kelsen, os critérios da justiça são simplesmente emocionais e 
subjetivos e sua 
determinação deve ser deixada à religião 
ou à metafísica. 15 
Outros autores, como Renard, pretendem que apenas uma parte 
das instituições jurídicas se fundamente na justiça; outra parte teria
seu fundamento na segurança ou na ordem social. 16 
De Outra parte, escreveu um dos grandes estudiosos do direito 
contemporâneo, Gurvitch: "É preciso reconhecer, como fazem R. Os gregos também 
faziam essa 
distinção. Ao direito, no sentido de "devido" 
ou `justo", chamavam dikaion, e à lei, nómos. 
Carnéades. "Justo é o convencional". V. Félix Senn, De la justice et du droit, 
Paris, Sirey, 1927, p. 
4, nota 1. G. Dei Vecchio, Justice, Droit, État, Sirey, 
1938. 
Fouillée, [,a science sociale contemporaine. V. G. Ripert, Aspectos jurídicos do 
capitalismo 
moderno, § 15 e ss. 
V. Capítulo 5, item 4 infra. 
"There is not, and cannot be, an objective criterion of justice because the 
statement: something is 
just or unjust, is a judgment of value refering to an ultimate end, and these 
value judgments are by 
their very nature subjective in character, because based on emotional elements 
of our mind, on our 
feelings and wishes." "The Pure Theory of Law renounces any justification of 
positive law by a kind 
of superlaw, leaving that problematical task to religion or social 
metaphysics" (H. Kelsen, What is justice?, p. 295 e 302). 
G. Renard, "Le droit n'est pas seulement facteur de justice, il est facteur de 
sécurité. La justice n'est 
que Ia moitié du droit; Ia grosse moitié, si vous vouiez" 
(La theorie de l'institution, p. 49). 
pound, B. Cardozo, F. Geny, M. Hauriou, G. Radbruch e outros, que um elemento 
constitutivo de 
todo direito é um elemento ideal, a JUSTIÇA". E, ao prefaciar a tradução 
francesa da obra de Del 
Vecchio, escreveu Lévy­Ullmann: "Direito e Estado serão criações ininteligíveis, 
arbitrárias e 
inoperantes, se não houver um princípio ideal que legitime sua existência, 
organização e conteúdo. 
Esse princípio é a justiça. A noção de justo é fundamental ao direito. Daí a 
necessidade de um 
exame a que a nossa consciência não pode se subtrair e que constitui a tarefa 
suprema da filosofia 
de direito." 
Para a aceitação ou a recusa dessas opiniões e o encaminhamento dos problemas 
referidos ­ que 
são básicos para a vida do direito ­ é necessário examinar o conceito de 
justiça. Esse é o objeto do 
presente capítulo. 
2. Acepção subjetiva e objetiva da justiça 2.1 Justiça, conceito análogo 
Uma característica, ligada a todas as noções fundamentais, dá ao conceito de 
justiça certa
variedade de significações. Como as noções de ser, verdade, instituição ou 
direito, o conceito de 
justiça é análogo. Entre as múltiplas significações de justiça, podemos 
assinalar duas 
fundamentais: uma subjetiva e outra objetiva. 
Muitas vezes falamos da justiça como uma qualidade da pessoa, como virtude ou 
perfeição 
subjetiva. Fulano é um homem justo. O senso de justiça é fundamental no 
magistrado. É nesse 
sentido que nos referimos à "justiça", à prudência, à temperança e à coragem 
como virtudes 
humanas. 
Outras vezes empregamos a palavra justiça para designar objetivamente uma 
qualidade da ordem 
social. Nesse sentido, falamos da justiça de uma lei ou instituição. 
A circunstância de ser o conceito de justiça utilizado por juristas e moralistas 
explica essa 
diferença. Ocupando­se da atividade pessoal do homem, o moralista vê na
justiça 
uma qualidade 
subjetiva do indivíduo, o exercício de sua vontade, uma virtude. O jurista tem 
outras preocupações; 
interessa­lhe fundamentalmente a ordem social objetiva. Por isso, ele vê na 
justiça, em primeiro 
lugar, uma exigência da vida social. Radbruch chega a afirmar que ao jurista só 
interessa a justiça, 
considerada em sentido objetivo.'$ No mesmo sentido escreve Hauriou: "Nous 
prenons 1'orde 
social et Ia justice dans leur qualité d'idées 
"' G. Gurvitch, Sociologia Jurídica, Introd., § II, p. 34. Lévy­Ulimann, 
Prefácio a Justice, Droit, Etat, 
de G. Dei Vecchio. V. Capítulo 2, n. 4, p. 130. 
1 "' Filosofia do Direito, § 4, n. 22, p. 46. 
126        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
CONCEITO DE JUSTIÇA        127 
objetives, comine faits".19 Considerada sob esse aspecto, a justiça é um 
princípio superior da 
ordem social.20 
Ao estudar a justiça ­ conceito, modalidades e aplicações ­, procuraremos situá­ 
la dentro da 
realidade jurídica contemporânea. 
Por extensão a palavra justiça é também empregada para designar o Poder 
Judiciário e seus 
órgãos, incumbidos de dar solução justa aos casos que lhe ­são submetidos. É 
esse o sentido do 
vocábulo quando falamos em recorrer à "Justiça" ou quando nos referimos ao 
Diário da Justiça, 
Palácio da Justiça, Tribunal de Justiça etc.21 
2.2 Analogia de relação 
Qual o sentido fundamental? 
"Justiça" é conceito análogo, por analogia de relação ou atribuição. Em sentido 
direto e próprio, 
significa "a virtude" ou a vontade constante de dar a cada um o seu direito. A 
rigor só podem ser 
"justas" ou "injustas" as ações humanas. 
Por extensão é que a justiça se aplica aos princípios da ordem social, porque 
esta será justa na 
medida em que assegurar a cada um o seu direito (jus suum cuique).
Da mesma forma, em plano evidentemente menos importante, o conceito de justiça 
se estende: 
1. à legislação, porque esta deve assegurar o direito de cada um; 2. aos órgãos 
ou ao Poder 
encarregados da aplicação da justiça. Mas o sentido fundamental é o de virtude. 
E a razão é 
importante. A justiça, como o direito, não é uma simples técnica da igualdade, 
da utilidade ou da 
ordem social .22 Muito mais do que isso, ela é virtude da convivência humana. E 
significa, 
fundamental mente, uma atitude subjetiva de respeito à dig nidade de todos os 
homens. Nas 
relações com outros homens, podemos ter uma atitude de "dominação", como fazemos 
com os 
animais e demais seres inferiores, ou de "respeito", como se impõe entre pessoas 
humanas. Esta 
última é a que caracteriza 
a justiça. Com razão, observa Bodenheimer 23 que o elemento subjetivo nas 
definições de justiça, 
"de tão extraordinária importância, nem sempre tem recebido a atenção que 
merece. Definida 
como vontade ou disposição do espírito, a justiça exige uma atitude de respeito 
para com os 
outros, uma Atitude presteza em dar ou deixar aos outros aquilo que de respeito 
tenham o direito 
de receber ou conservar. "Este às outras elemento intersubjetivo na idéia de 
justiça é de pessoas 
caráter verdadeiramente universal e válido de humanas modo geral. Falhando ele, 
a justiça não 
pode 
florescer numa sociedade. Para funcionar eficazmente, a justiça requer a 
libertação dos impulsos 
exclusivamente egoísticos. O egoísta reivindica direitos sobre os bens do mundo, 
sem considerar 
as razoáveis reivindicações dos outros. A justiça se opõe a essa tendência, 
exigindo que se 
respeitem os direitos e as pretensões das demais. Sem uma atitude pessoal de 
"preocupação com 
os outros", e sem a vontade de ser equânime, os fins da justiça não podem ser 
normalmente 
atingidos. 
E esse um aspecto fundamental do problema. A justiça não é o sentimento que cada 
um tem de 
seu próprio bem­estar ou felicidade, como pretendem alguns .24 Mas, pelo 
contrário, é o 
reconhecimento de que cada um deve respeitar o bem e a dignidade dos outros. 
Como disse 
Dabin, esse reconhecimento implica sem dúvida uma metafísica: a do valor 
absoluto da pessoa 
humana." 
2.3 Histórico do conceito 
É importante notar que toda a tradição filosófica, ética e jurídica da 
humanidade empregou a 
palavra justiça no sentido subjetivo e pessoal. Podemos fixar alguns pontos 
dessa tradição muitas 
vezes milenar. 
A Bíblia identifica, freqüentemente, justiça e virtude, como no Livro dos 
Provérbios: "A justiça do 
simples dirige o seu caminho".26 E, em sentido mais estrito, no Livro da 
Sabedoria: "A sabedoria
ensina a temperança, a prudência, a justiça e a fortaleza".27 Entre os 
orientais, a palavra justiça é 
empregada quase sempre no sentido de "sabedoria". 
Virtude 
da justiça, sentido fundamental 
(19) 
Aux sources du droit, 1. ère partie, § 2, p. 44. 
(23)        Ciência do direito, n. 45, p. 210. 
(20)        "La justice est Ia loi primordiale des rélations de personne a 
personne" (G. 
Renard, La théorie de l'institution, Introd. 1, III, p. 25). "Justitia 
ea ratio est 
(24)        "The longing for justice is men's eternal longing for 
happiness". H. Kelsen, 
quae societas hominum inter ipsos et vitae communiter continetur" 
(Cícero, 
What is justice?, p. 2. 
De officis, 1, cap. VII).                (25)        J. Dabin, La 
philosophie de l'ordre juridique positif, 
n. 81, nota 2, p. 320. 
(21)        Aristóteles, na Política, ao referir­se às funções do Estado, 
enumera a                        E 
a lição de Platão: "a justiça é o bem do próximo". "Alienum bonum a 
Legislação, a Jurisdição (ou "Justiça") e a Administração (ou esfera 
executiva). 
Philosopho appelatur, quasi ad alterum utilitatem ordinatum", S. Tomás, 
De 
"Justiça indica, no caso, o Poder Judiciário, ou a Justiça. Ainda hoje, 
falamos 
justitia, II 11, q. 80. 
em Tribunal de Justiça, Palácio da Justiça, Oficial de Justiça. 
(26)        "Livro dos 
Provérbios", XI, 5. 
(22)        V. 1.' parte, Capítulo 3, sobre a natureza científica do Direito. 
(27)  "Livro da 
Sabedoria", VIII, 7. 
128 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
CONCEITO DE JUSTIÇA        129 
Aristóteles e os pensadores representativos da cultura grega consideram a 
justiça como "hábito" 
.28 
Em Roma, Ulpiano e Justiniano falam da justiça como uma constans et perpetua 
voluntas. Para 
Cícero, justitia est habitus animi.29 
A tradição patrística e medieval representada, entre outros, por Santo 
Agostinho,30 Isidoro de 
Sevilha 31 e S. Tomás,` considera a justiça como uma virtus (virtude, força da 
vontade). 
No mesmo sentido, Leibniz, que se ocupou aprofundadamente do tema, define a 
justiça como um 
hábito de amizade em relação ao próximo ­ habitus amandi alioS.33 
Entretanto, na moderna linguagem jurídica, como vimos, é usada preferencialmente 
a acepção 
objetiva da justiça. Esta diversidade não significa que exista uma oposição 
entre o sentido 
subjetivo e objetivo da justiça. Estamos na presença de dois aspectos de uma 
mesma realidade.
Justiça, no sentido subjetivo, é a virtude pela qual damos a cada um o que lhe é 
devido. No sentido 
objetivo, justiça aplicase à ordem social que garante a cada um o que lhe é 
devido. Tratase de um 
caso de analogia. O que se disser da justiça como virtude aplicar­se­á, também, 
analogicamente, à 
ordem social e às demais acepções do vocábulo. 
Na filosofia estóica predominou, também, esse sentido amplo da justiça. E como o 
estoicismo 
exerceu poderosa influência sobre o Direito Romano, nos textos do Digesto vamos 
encontrar o 
mesmo conceito: "Direito é a arte do bem e do eqüitativo" (Jus est ars boni et 
aequi). E entre os 
precepta juris, de Ulpiano, vem, em primeiro lugar, o "viver honestamente" 
(honeste vivere).34 Ora, 
é esse um preceito de moral geral. Justiça se identifica, aí, com a virtude em 
geral ou o conjunto de 
todas as virtudes. No mesmo sentido S. João Crisóstomo definiu a justiça como o 
cumprimento dos 
mandamentos
ou das obrigações em geral." 
3.2 Sentido lato 
Numa acepção menos ampla, "justiça" significa não a virtude em geral, mas apenas 
o conjunto das 
virtudes sociais ou virtudes de relação e convivência humana. Virtude 
Nesse sentido é empregada a palavra justiça social 
quando a consideramos uma das quatro virtudes 
cardiais. As demais virtudes: prudência, temperança ou coragem, podem ser 
exercidas pelo 
homem isoladamente. Mas a justiça supõe a existência de outras pessoas. Regula 
as relações de 
pessoa a pessoa. 
Justiça, em sentido lato, significa o conjunto das virtudes que regulam as 
relações entre os 
homens. Inclui, portanto, além dos deveres de justiça estrita, as virtudes da 
amizade, da 
veracidade, do respeito filial etc. 
3.3 Sentido estrito 
Mas, em sentido estrito e próprio, a justiça designa uma virtude com objeto 
especial. Nesse 
sentido, "a essência da justiça consiste em dar a outrem o que lhe é Outrem 
devido, segundo uma 
igualdade" (simples ou devido proporcional), conforme a definição lapidar de S. 
igualdade Tomás." 
Só é justiça propriamente dita a relação que tem por objeto: 
­ dar a outrem; 
­ o que lhe é devido; 
­ segundo uma igualdade. 
3. Sentido latíssimo, lato e estrito da justiça 
A justiça, em sua acepção subjetiva, apresenta três de extensão diferente: 
a) sentido latíssimo; 
b) sentido lato; 
c) sentido próprio ou estrito. 
significações 
3.1 Sentido latíssimo 
No primeiro caso, justiça significa a virtude em geral. O conjunto de todas as 
virtudes. O justo é o 
virtuoso. Justiça significa nesse caso santidade. E esta a acepção do vocábulo 
em diversas
passagens da Bíblia, em que o justo é equiparado ao santo. É o caso da 
Virtude em geral 
expressão citada: "A justiça do simples dirige o seu caminho". 
(28) Aristóteles, Ética a Nicômaco, v. 1.        `34) 
(29) Cícero, De inventione, 2, 53, 160.        35) 
(30) S. Agostinho, De civitate Dei, XIX, 21. 
(71) "Etymologiae", 1. X. 
(32) S. Tomás, De justitia, li 11, q. 58, a. 3.        (36) 
(33) Leibniz, Juris et aequi elementa, Leipzig, 1893. 
Ulpiano, Libro primo regularum, D., 1, 1, "De justitia et jure" 10, 1: "Juris 
praecepta sunt haec: 
honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere". "Justitia est 
mandatorum observatio" 
(In Matheum Homil., XII). 
S. Tomás: 'Ratio justitiae in hoc consistit quod alteri reddatur quod ei debetur 
secundum 
aequalitatem". De justitiae II li, q. 80, c. 
130        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
A essas três notas correspondem as características essenciais da justiça, em 
sentido estrito: 
­ a alteridade ou pluralidade de pessoas (alteritas, de alter); ­ o devido 
(debitum); 
­ a igualdade (aequalitas). 
4. Características essenciais da justiça 
4.1 A alteridade 
A justiça consiste fundamentalmente na disposição permanente 
de respeitar a pessoa do próximo. Por isso, a Pluralidade primeira condição para 
que ela se realize 
é a de pessoas        existência de uma pluralidade de pessoas ou pelo 
menos uma outra pessoa (alteritas). Em sentido próprio, ninguém pode ser justo 
ou injusto para 
consigo mesmo. Essa pluralidade de pessoas é o que distingue a justiça das 
outras virtudes 
morais. E a caracteriza como virtude social. As demais podem ser exercidas pelo 
homem, 
individualmente. O indivíduo isolado, como Robinson em sua ilha, poderá ser 
temperante ou 
intemperante, corajoso ou não, prudente ou imprudente, mas não poderá ser justo 
ou injusto. 
Porque falta outro homem, em relação ao qual ele possa cumprir ou faltar com os 
deveres de 
justiça. 
Essa pluralidade deve ser necessariamente de pessoas? Ou pode referir­se, 
também, a outros 
seres vivos; os animais, por exemplo? Pode­se falar de uma justiça na vida 
animal? 
Spencer, em seu estudo sobre a `justiça",37 dedicou alguns capítulos à 
consideração "da justiça 
na vida animal". Aponta aí diversas relações que apresentam certas semelhanças 
com a justiça e a 
atividade moral. 
É inegável que existem semelhanças e aproximações entre a atividade dos homens e 
a dos 
animais. Entretanto, se considerarmos a justiça em sentido próprio, e 
respeitarmos sua natureza, 
devemos afirmar que é impossível uma justiça na vida animal, porque sua 
realização supõe
conhecimento de princípios e liberdade de decisão. A justiça é uma virtude 
moral. 
Ora, na vida animal não encontramos nem o conhecimento intelectual, capaz de 
atingir os 
princípios, nem essa liberdade de determinação, que é prerrogativa da vontade 
humana. Em 
sentido próprio, não tem sentido falar­se em valores morais em relação aos 
animais. Os conceitos 
de bem, justiça e dignidade escapam à vida animal. 
(37) H. Spencer, A justiça, Lisbòa, Ailland­Alves, caps. 1 e II. 
CONCEITO DE JUSTIÇA        131 
Problema semelhante é o da existência ou não de relações de justiça entre o 
homem e o animal. 
As leis de proteção aos animais e certos atos, Justiça 
ditos de ingratidão ou injustiça em relação a cães, em relação cavalos e outros 
seres, parecem 
justificar uma aos animais resposta afirmativa. 
Mas tal não se dá. Tais ações podem revelar maus sentimentos e, como tal, ser 
reprimidas no 
interesse social. Entretanto, como seres de natureza diferente, o homem e o 
animal não podem 
estar sujeitos a uma relação de justiça propriamente dita, porque esta supõe uma 
igualdade 
fundamental. A noção de justiça é inaplicável às relações entre o homem e seres 
que não tenham 
natureza racional. Não se poderá dizer que o homem é injusto por retirar da 
colmeia o mel 
elaborado pela abelha, sem dar a esta uma retribuição pelo serviço prestado. Do 
mesmo modo, 
ninguém dirá que o homem pratica uma injustiça pelo fato de nada dar à árvore em 
troca dos frutos 
que dela recebe. 
A justiça exige sempre uma pluralidade de "pessoas". E aí reside uma de suas 
características 
fundamentais. Renard sintetizou essa idéia numa fórmula feliz, ao definir a 
justiça como "a lei 
primordial das relações de pessoa a pessoa".38 Cícero, no De Officis, afirma o 
mesmo conceito, 
ao atribuir à justiça a função de dirigir a "sociedade dos homens".39 E Dante, 
que, além de poeta, 
foi autor do tratado jurídico De Monarchia, define a justiça como uma relação 
proporcional de 
homem a homem: hominis ad hominem 
proportio.40 
A justiça consiste essencialmente no reconhecimento prático que o homem faz da 
dignidade dos 
demais homens. O que há de fundamental em toda espécie de justiça, escreveu Del 
Vecchio, é 
esse elemento de "intersubjetividade" ou de correspondência nas relações 
entre pessoas.41 
4.2 O devido 
A obrigatoriedade ou exigibilidade ­ debitum ­ é uma segunda nota que integra o 
conceito de 
justiça. 
Vimos que justiça supõe a existência de pelo "Devido" ou menos duas pessoas. Por 
exemplo, A 
paga a B exigibilidade determinada quantia. Mas, para que se realize a noção de 
justiça, outro 
elemento é necessário: esse
c3s> G Renard, Théorie de l'institution, p. 25. (39) Cícero, De Officis, I, VII. 
140 Dante, De Monarchia, liv. II, cap. 5, n. 3. (41) Del Vecchio, De Ia justice, 
§ 6. 
Relação de pessoa a pessoa 
Justiça na vida animal 
ato deve ter o 
132 
caráter de rigorosa obrigatoriedade. Da parte de A deve existir um dever estrito 
(debitum), e da 
parte de B o direito de exigir esse ato (exigibilidade). 
O ato de justiça consiste em dar o que é "devido". "Actus justitiae est reddere 
debitum", doutrina S. 
Tomás (1, q. 21, a. 1, ad 3). 
Mas há certo dever ou debitum em outras virtudes sociais, além da justiça. Há, 
por exemplo, um 
dever na virtude da gratidão, da amizade ou da veracidade, e, no entanto, elas 
não constituem 
espécies de justiça, em sentido próprio. 
É que existem, na realidade, dois tipos de débito ou obrigação. Há um dever 
simplesmente moral, 
menos rigoroso, que não pode ser imposto por lei ou exigido pelo interessado 
(debitum morale ou
debitum mere morale). E outro, estrito e rigoroso, que pode ser exigido 
•        legalmente imposto (debitum legale). 
No caso da gratidão, da amizade ou da veracidade existe apenas um debitum 
morale. Na justiça, o 
débito é rigoroso, estrito, legal. Pode ser exigido. Assim, o devedor tem o 
dever estrito ou legal de 
efetuar 
•        pagamento da dívida e o credor, o direito de exigi­lo. Há no caso 
rigorosa relação de 
justiça: um homem dá a outro o que lhe é "devido". 
No caso da gratidão a situação é diferente. 0 benfeitor não pode exigir o 
reconhecimento do 
beneficiário. Há apenas um dever moral 
•        não uma estrita relação de justiça. A violação desse dever constituirá 
uma ingratidão, mas 
não uma injustiça propriamente dita. 
Compreende­se, por aí, a expressão de Lachance: "O devido legal 
é necessário à existência (ad esse) da vida política, Devido enquanto o devido 
moral apenas 
contribui para a moral        perfeição dessa vida (ad tnelius esse) .42 
•        devido Quando o respeito a determinado dever é 
legal        necessário ao bem comum, a lei o toma exigível, 
isto é, atribui ao credor o poder de exigi­lo. É o que modernamente se denomina 
"atributividade". 
Essa distinção entre o debitum meramente moral e o debitum legal 
ou jurídico corresponde à diferença entre "normas Atributividade        de 
aperfeiçoamento" e "normas de 
garantia", 
utilizada, entre outros juristas, por Goffredo Telles Júnior para caracterizar 
as normas jurídicas: 
"Em todo grupo social, existem duas espécies de normas: normas de garantia e 
normas de 
aperfeiçoamento. As normas de garantia são as que visam a conferir ao grupo 
social a forma 
condizente com sua razão de ser. São as qu garantem a ordem necessária à 
consecução dos 
objetivos sociais. As normas contidas num Código Civil, as de um estatuto de 
sociedad
(42) Lachance, Le concept du droit selon Aristote et St. Thomas, liv. Il, cap. 
1; 
§ 1.°. 
CONCEITO DE JUSTIÇA        133 
anônima, ou as de um contrato antenupcial são exemplos de normas de garantia. As 
normas de 
aperfeiçoamento são as que visam a aprimorar a comunhão humana de um grupo 
social, grupo 
este já ordenado pelas normas de garantia. São exemplos destas normas: `Amarás 
teu próximo 
como um ser igual a ti', `Praticarás a caridade' etc. É claro que a obediência 
às normas de 
aperfeiçoamento não é essencial à preservação da sociedade. O grupo social não 
deixará de 
existir só pelo fato de não serem tais normas seguidas. Mas o que devemos 
assinalar, com 
máximo destaque, é que a violação sistemática das normas de garantia acarretaria 
a 
decomposição e o aniquilamento do grupo social. Em conseqüência, pelo simples 
fato de viverem 
em sociedade e de desejarem continuar a servir­se dela, os homens em conjunto e 
tacitamente, 
conferem às normas de garantia uma qualidade que as outras normas não têm. Que 
qualidade 
será esta? Uma vez estabelecido que a norma de garantia precisa ser cumprida, 
ela adquire, por 
este fato, a qualidade denominada atributividade. Atributividade é a qualidade, 
inerente à norma de 
garantia, de atribuir, a quem seria lesado pela violação dessa norma, a 
faculdade de exigir do 
violador, por meio do poder público, o cumprimento dela, ou a reparação do mal 
sofrido. Logo, a 
norma de garantia, além de ser imperativa, como todas as normas, é também 
atributiva. A norma 
atributiva se chama norma jurídica ou norma de Direito. Define­se a norma 
jurídica: um imperativo. 
Por que é imperativa a norma jurídica? Precisamente porque ela é norma. Por que 
é atributiva? 
Porque, diferentemente de todas as outras normas, a norma jurídica atribui, a 
quem seria lesado 
pela sua violação, a faculdade de fazê­la cumprir pelo violador, ou de exigir 
deste a reparação do 
mal por ele causado".43 
No mesmo sentido é a lição de Dabin, em sua Philosophie del'ordre juridique 
positif: o traço 
característico da justiça e do direito é a exigibilidade. Em lugar de 
estabelecer o dever e deixar à 
consciência do devedor o seu cumprimento efetivo, a justiça quer ser respeitada. 
Ela reclama, 
exige, opondo­se à violação do direito, perseguindo o devedor faltoso, impondo 
reparação, não 
apenas em palavras, mas em atos, pela utilização de todos os meios 
proporcionados, inclusive a 
coação material." 
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA po DIREITO 
(43) (44) 
Goffredo Telles J., Filosofia do Direito, § 105. 
J. Dabin, Philosophie de l'ordre juridique positif, n. 94. "Si l'on cherche 
maintenant Ia raison qui 
rend compte de l'exigibilité du devoir de justice, on Ia trouvera dans l'objet 
même de ce devoir: ce
quest dú, en l'espèce, c'est une chose qui appartient à autrui, qui lui est 
propre et 'siéne' (cuique 
suum). Et c'est parce que Ia chose lui est propre et 'siénne' ­ à l'un ou à 
l'autre titre (comme 
homme, comme membre d'une famille, ou comme citoyen) ­ que le titulaire du droit 
peut I'exiger et 
même, pour l'obtenir user de Ia contraente". V. também, n. 99 e 124. 
134  INTRODUÇÃO À CIÊNCIA^ DO DIREITO 
4.3 A igualdade 
A "pluralidade" de pessoas e 40 "devido" (exigibilidade ou 
atributividade) são elementos neeessár­ios, mas não suficientes para 
caracterizar uma relação de justiça Utrfa terceiro elemento é essencial: a 
"igualdade". A dá a B 
(alteritgs) c, que lhe é devido (debitum), segundo uma igualdade (aequalitg5) 
ets a estrutura 
elementar de um ato de justiça. 
A igualdade é elemento essencial e básico. "A justiça é uma 
igualdade e 4 injustiça uma desigualdade", afirElemento mou AristótejeS.4s "A 
essência da justiça 
é a essencial        igualdade", aCresc,enta S. Tomás.46 E, mestre em 
tirar das pala\,ras toda a riqueza que elas encerram, mostra que a noção de 
igualdadfi está contida 
no próprio nome dessa virtude, pois, das coisas 9Ue estão adequadas ou 
igualadas, dizemos 
comumente que estão ` ajustadas".47 
Da noção de "igualdade" podt mos fazer derivar as de "pluralidade" e "devido". A 
de pluralidade, 
Aorq,,je toda igualdade supõe, pelo menos, dois termos "Aequalitas ad alteram 
est".48 E, também, 
a de obrigatoriedade ou "devido": nuga relação de justiça, a prestação é 
"devida", porque ela 
representa uma ',,igualdade" ou proporção, e não vice­versa. Como diz 
Lachance,4i a matéria de 
justiça não é proporcionada a outrem porque lhe é devida, mas, inversamente, ela 
lhe devida, 
porque lhe é igual ou ­de Oada proporcionalmente. 
A igualdade da justiça nas é um dado subjetivo, mas u exigência que pode ser 
fixada 
Objetfvamente.5o 
Aristóteles, Ética a Nicômaco, lis I cap. III. 
S. Tomás, "Forma generalis justiti;,ae ' t aequalitas", De justitia, II II, q. 
61, 
a. 2, ad 2. Observa Lachance (loa cit.) que, ao tratar da justiça, S. Tomãi, 
emprega 19 vezes 
expressões como ,.. Yualdade", "proporção", "adequação . "Dicuntur vulgariter et 
quae adeq 
~uant,1r, justari", S. Tomás, De justitia, II, q. 57, a. 1. 
Ibidem. 
Lachance, Le concept du droit se,_lori Aristote et S. Thomas, liv. II, § 3. NO 
mesmo sentido é a lição de S. T        . "Unicuique debetur quod suum est . 
"Dicitur esse suum ali ujus, 
uo 1 ad i sum ordinatur". "Suum unicuigoà 
ersonae (est) quod ei secundam~ d d P 
proportlonis aequalitatem debetur" (q. 21 p , a. 1.°). 
A igualdade é o meio termo na N"virtude da justiça, diz S. Tomás, repetindo 
velho ensinamento. E 
o meio term%no, ern qualquer virtude é o que se encontnt entre o excesso e a 
falta. Se apenas a
tazao fixa esse justo­meio, levando e conta considerações individuais, teremos 
um meio termo 
interior ou subjetivo 
É o caso das virtudes individuais,', em que o meio termo, entre o excesso a 
falta, é fixado 
subjetivamente e ~ oÚe variar de pessoa a pessoa. Se, contrário, o justo­meio se 
estabeleci P la 
comparação de uma coisa com o 
ou pela adequação proporcional ~e pE 
ide u(na coisa a determinada pessoa, te 
CONCEITO DE JUSTIÇA
135 
4.3.1 Em que consiste a igualdade? 
Em sua realidade fundamental, a igualdade é uma relação. Mas, que espécie de 
relação? 
A filosofia distingue as relações em: causais e não­causais. E, entre estas, 
coloca as de 
conformidade ou adequação, que podem se apresentar sob três modalidades: 
a) a identidade, que é a relação de conformidade quanto à essência; 
b) a semelhança, que é a relação de conformidade quanto à qualidade; 
c) a igualdade, que é a relação de conformidade quanto à quantidade. 
Duas realidades são idênticas quando têm a mesma essência. Semelhantes, quando 
têm as 
mesmas qualidades. Iguais, quando têm a mesma quantidade. "Idem est unum in 
substancia, 
simile unum in qualitate, aequale, vero unum in quantiate".51 Um homem é 
"idêntico" apenas a si 
mesmo. De duas pessoas que têm os mesmos traços dizemos que são "semelhantes". 
Vinte é 
"igual" a 10 mais 10. 
A igualdade é, pois, uma equivalência de quantidades. Na justiça, de forma 
analógica e adaptada à 
natureza moral das relações humanas, é essa também a significação da igualdade. 
Com razão, observou Recaséns Siches,52 na justiça não se trata de estabelecer 
"identidade", 
como seria o caso de entregar um objeto e receber o mesmo objeto. Isso não teria 
sentido. Não se 
trata, também, de receber um objeto "semelhante" ou parecido. Mas de estabelecer 
uma 
equivalência ou "igualdade". 
No mesmo sentido é a lição de Lachance ao estudar a "igualdade" como 
característica essencial 
do direito." Lembrando que a igualdade é a equivalência de quantidades, pergunta 
o ilustre 
professor: devemos entender essas expressões em sentido estritamente material? É 
claro que não. 
Trata­se então de simples metáfora? Também não. Entre os dois extremos há muitas 
significações 
analógicas. S. Tomás, que apreendia o sentido da palavra em toda sua extensão, 
não recua diante 
do termo "igualdade". Mas tem o cuidado de acrescentar "algum modo 
o justo­meio objetivo. Esse é o caso da justiça. Pela compra de um objeto que 
vale 100, a justiça 
exige que se pague essa importância, independentemente 
de considerações subjetivas (S. Tomás, li II, q. 58, a. 10. Vermeersch, 
Cuestiones acerca de Ia 
justicia, §§ 36 e 37. Faidherbe, La justice distributive,
(52 Sa Tomás, Comm. Met. 
s) L. Recaséns Siches, Estudios de filosofia del derecho, XXIV, 3, p. 388. (53) 
Lachance, ob. cit., 
liv. II, § 3, p. 280. 
(45) (46) 
(47) 
(48) (49) 
(50) 
r 
136        INTRODUÇÃO À CIÉNCIA DO D1TRED 
de igualdade" (aliquem aequalitatís modum). Am da igeal e~n da 
massas, há igualdades de outra ordem, como sãoas que natureza das pessoas, como 
a igua­idade 
de diireiios. A quanti Jadee de que se trata no direito é moral. P­ a relaçãoo 
correspondente e uma 
relação de igualdade moral. 
4.3.2 Igualdade simples ou piroporcionóal 
A igualdade da justiça pode Irealizar­se de duas formas d IlUas: 
a) igualdade simples ou absoluta é a egeivalência entre dois objetos, que se 
verifica nas relações 
de troca: o comprados um objeto que vale 1.000 dever efetuar um p~aganento de 
igi01 valor 
(1.000 = 1.000); 
b) igualdade proporcional ou relativa é a que se rédea na 
distribuição dos benefícios e encargos entre os membros de uma CoItibui 
comunidade: se A, que 
contribui com 50, re~cete 5, B, que 
com 80, receberá 8 (5/50 = 8/80)• 
Aristóteles chamou à primeira igualdade de `aritmética'' segunda "geométrica"sa 
Em qualquer caso, a justiça procura realüar uma igualaadP nas relações entre os 
homens. Ou, 
corno diz Lachance,55 na justiça de erros nos igualar ao próximo por um ato. 
Se A recebe de B um objeto ou serviço que vale 100 paga 100, a igualdade inicial 
foi mantida. A 
ação foijusta. Se pag~li senos de 100, violará a justiça. Se der mais, praticará 
uma líber `tde e não, 
simplesmente, um ato de justiça. 
De modo semelhante, na distribuição dos lucros de Um" sociedade, se A, que 
contribuiu com 100, 
recebeu 10, e B, que ~JDI'ibui com 50, recebeu 5, foi respeitada uma igualdade 
básica. 
4.3.3 Igualdade fundamental dos homens 
Essas considerações nos levam ao fundamento da justi(a• que é 
a igualdade essencial de todos os homens.        Socais? 
Por que exige a justiça ess ~ánigá a dédma natureza ee Jigtidade 
Porque todos os homens        PIES instN 
fundamentais. Nenhum homem pode ser considerado sim coro diz 
mento e ser usado como tal. A finalidade de justiça, 16 
Vermeersch, é assegurar a igualdade pessoal dos homens: 
`54' Aristóteles, Ética a Nicômano, liv. V, cap. 4.
ss Lachance, Le concept du droit, soe. cit. 
A. Vermeersch, Cuestiones acerca de Ia justicia, v. 1, p. 39. 
CONCEITO DE JUSTIÇA        137 
"Fundamental é o princípio de que cada ser humano é pessoa, isto é, uma natureza 
dotada de 
inteligência e vontade livre", diz João XXIII, na Encíclica Pacem in Terris. 
São, por isso, incompatíveis com uma exata concepção da justiça todas as 
doutrinas que negam a 
igualdade de natureza e dignidade de todo o gênero humano. O que se deu, de 
forma geral na 
Antiguidade, com as concepções de desprezo ao estrangeiro, considerado como ser 
inferior, e o 
regime de escravidão, geralmente admitido, e justificado por muitos, com a 
negação da igualdade 
de natureza entre o senhor 
• o escravo. Está nesse caso a famosa teoria de Aristóteles, que considerava o 
escravo um 
"instrumento vivo". Doutrina que, apesar das atenuações salientadas por Ross,51 
Lachance e 
outros, afirma claramente a distinção de natureza entre o escravo e o homem 
livre: "Há na espécie 
humana indivíduos tão inferiores a outros, como o corpo o é em relação à alma, 
ou o animal em 
relação ao homem; são os homens nos quais o emprego da força física é o melhor 
que deles se 
obtém...; tais indivíduos são destinados, por natureza, à escravidão." 
É comum, por isso, dizer­se que a verdadeira noção de justiça só penetrou no 
mundo com o 
Cristianismo, que proclamou, de maneira 
• com amplitude e convicção até então desconhecidas, a igualdade fundamental e a 
universal 
fraternidade de todos os homens, de qualquer raça e condição. 
Pela mesma razão, é incompatível com a verdadeira noção de justiça toda doutrina 
que, negando 
essa igualdade de natureza, pretenda estabelecer raças de senhores e raças de 
servos. 
Violam, ainda, o princípio fundamental da justiça todos aqueles que, na 
expressão candente da 
Rerum Novarum, "tratam o trabalhador como escravo, quando é de justiça que se 
respeite nele a 
dignidade do homem". "E vergonhoso e desumano", continua o mesmo documento, 
"usar do 
homem como de simples instrumento de lucro, e não 
•        considerar senão em proporção ao vigor de seus músculos".59 
X51 "On doit remarquer que l'esclavage chez les Grecs était en grande partie 
exemple des abus qui l'ont déshonore chez les Romains et sauvent aussi dans les 
temps 
modernes. L'approbation qu'Aristote donne à l'esclavage présent un 
certain nombre de caractères qui doivent être signalés: 1) L'enfant d'un esclave 
par nature, n'est 
pas necessairement, lui même, esclave par nature. 2) 
L'esclavage par sinple droit de conquête dans Ia guerre ne doit pas être 
approuvé. Une pui,sance 
supérieure ne signifie pas toujours une excellence 
supeneure. 3) Les intérets du maitre et de l'esclave sont les mêmes. Le maitre 
ne noit donc pas 
abuser de son autorité. Il doit être l'ami de son esclave. 
ss II ne doit pas simplement lui commander, mais raisonner avec lui. 4) Les 
esclaves doivent 
poivoir espérer être un jour émancipés". Aristote, W. D. Ross, Paris, Payot, 
1930, cap. VIII, p. 334 e
335. Aristóteles, Política 
Leão XIII, EncíicQ liv. l.° e 2.°, § 13. 
a Rerum Novarum, 1891. 
à 
t 
138        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
CONCEITO DE JUSTIÇA        139 
Esse princípio foi proclamado expressamente na Declaração Uni 
versal dos Direitos do Homem, em 1946, nos Princípio da termos seguintes: "O
reconhecimento da 
dignidaigualdade        de inerente a todos os membros da família humana 
e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça 
e da paz do 
mundo". 
"Todos são iguais perante a lei" é a fórmula comum do princípio de igualdade nas 
Constituições 
modernas." 
Esse respeito à dignidade fundamental da pessoa humana, que constitui a base da 
justiça, não 
pode ser considerado apenas abstratamente. É na realidade histórica, concreta e 
variável, em que 
as relações sociais se desenvolvem, que a justiça e suas exigências devem ser 
atendidas. É aí 
que se situa o trabalho e a luta permanente pela justiça, que dá sentido e 
grandeza à tarefa dos 
juízes, promotores, advogados e demais servidores do direito. 
Como observou Del Vecchio,6' foi por não haver feito essa distinção, entre a 
pessoa humana em 
sua essência e em sua existência histórica, que se cometeram os erros 
característicos da 
abstração política, ao mesmo tempo que a reação unilateral contra tais erros 
conduziu outras 
escolas, como por exemplo o historicismo, a erros contrários, isto é, a 
desconhecer o critério 
absoluto da justiça, que decorre da consideração da natureza humana. 
5. Espécies de justiça: comutativa, distributiva e social 
Grande número de opiniões pode ser encontrado a respeito das espécies de 
justiça. Deixando de 
lado discussões intermináveis," que, freqüentemente, se fundam em aspectos 
secundários do 
problema, podemos dizer que há: 
a) uma justiça particular, cujo objeto é o bem do particular; b) uma justiça 
geral, também chamada 
legal ou social, cujo objeto 
é o bem comum. 
Sobre o princípio da igualdade, V. Anacleto de Oliveira Faria, Do princípio da 
igualdade. Teoria e 
prática, São Paulo, 1967. J. Maritain, "L'égalité 
humaine", cap. III de Principes d'une politique humaniste, Nova York, Maison 
Française, 1944. 
Yves Simon, "Igualdade democrática", cap. IV de Filosofia 
do governo democrático, Rio, Agir, 1955. Conteúdo jurídico do princípio da 
igualdade, Celso 
Antônio Bandeira de Mello, Ed. RT; v. Constituição Federal, 
art. 5.°. 
Dei Vecchio, Justice, Droit, État, § 12.
V. A. Vermeersch, Cuestiones acerca de Ia justicia, §§ 23 a 26. E. Lustosa, 
Justitia socialis, Rio, 
1936. G. Renard, La théorie de 1'institution, p. 27, nota 
2. Dei Vecchio, ob. cit., § 6, especialmente, p. 32, nota 3. 
A justiça particular, por sua vez, pode se realizar de duas formas: 
a) um particular dá a outro particular o bem que lhe é devido; chama­se, então, 
justiça comutativa; 
b) a sociedade dá a cada particular o bem que lhe é devido; chama­se, nesse 
caso, justiça 
distributiva. 
Na justiça geral, social ou legal são as partes da sociedade ­ isto é, 
governantes e governados, 
indivíduos e grupos ­ que dão à comunidade o bem que lhe é devido. 
Em esquema: 
GERAL, SOCIAL ou LEGAL 
Temos, assim, três espécies fundamentais de justiça: a comutativa, a 
distributiva e a social, que 
serão estudadas separadamente nos capítulos seguintes. Essa divisão tem sua 
origem nos 
estudos de Aristóteles, foi desenvolvida por longa elaboração histórica e é 
defendida 
modernamente por Duguit, Dabin, Lachance e outros. 
No mesmo sentido, é a classificação proposta por Renard, ao dividir a justiça 
em: 
a) "justiça individual", que preside à trocas e demais relações interindividuais 
e corresponde à 
justiça comutativa; 
b) "justiça institucional", que preside à atividade social dos homens em relação 
às comunidades, 
como a nação, a família, a universidade etc.; neste caso, se a justiça 
institucional desce da 
autoridade aos membros da comunidade, ela constitui a justiça distributiva; se 
ela sobe destes 
para a comunidade, temos a justiça geral, legal ou social." 
Como dissemos, a matéria comporta grandes discussões. 
Alguns autores sustentam que só a comutativa 
realiza a noção perfeita de justiça e, por isso,        Pontos 
só ela pode ser chamada justiça propriamente        controvertidos dita." 
G. Renard, La théorie de l'institution, p. 24 e ss. 
V. adiante Cap. 6, item 1; Faidherbe, La justice distributive, cap. II, p. 22 e 
ss.: Qualques auteurs 
récentes (Waffelaert, Pottier, l'école de Malines, 
Cathrein, à Ia suite de De Lugo), considèrent seule Ia justice commutative 
comine justice 
proprement dite. Les autres sont appelées justices para analogie; 
Ia justice légale et Ia justice distributive ne sont pas ordonnées à un autre 
parfaitement distinct. Le 
R. P. Merkelbach, cependant, juge qu'il faut, avec 
Saint Thomas, recconaitre en ces vertus Ia vraie notion de Ia justice: Ia 
société est, en effet, une 
personne morale distincte des personnes privés qui sont ses membres (B. H. 
Merkelbach, O. P., 
Summa Theologia e Moralis, II, p. 256). Vermeersch, ob. cit., § 21. 
JUSTIÇA 
PARTICULAR COMUTATIVA DISTRIBUTIVA 
(60) 
(61) (62) 
(63) (6a) 
140        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO
Outros pretendem acrescentar às três espécies mencionadas a "justiça 
vindicativa", que exige a 
punição dos culpados,ó5 a "justiça familiar ou doméstica", que tem por objeto as 
relações de 
famílias" ou, ainda, outras virtudes. Mas, como veremos nos Capítulos 2, 3 e 4, 
todas são afinal 
redutíveis à justiça comutativa, distributiva ou social. 
6. Virtudes anexas à justiça 
Gravitando em torno da justiça e participando de algumas de suas 
características, encontramos o conjunto das chaJustiça por madas virtudes 
anexas, tais como a 
gratidão, a aproximação        veracidade, a liberdade, o respeito filial, a 
eqüi 
dade e outras. 
As virtudes anexas, que os antigos denominavam "partes potenciais" das diversas 
virtudes 
cardeais, assemelham­se a estas, aproximam­se das virtudes principais, mas não 
se identificam 
com as mesmas. Encerram apenas, de modo deficiente ou imperfeito, o conceito da 
virtude 
principal. 
No caso da justiça ­ que consiste essencialmente em dar a "outrem" o que lhe é 
"devido", segundo 
uma "igualdade" ­, são virtudes anexas todas as que dizem respeito "a outrem", 
isto é, todas as 
virtudes sociais, em que não existe um "devido" estrito ou não se realiza 
verdadeira "igualdade". 
A primeira condição da justiça, diz Sertillanges,ó7 é dizer respeito a outrem. 
Toda virtude que 
estiver nesse caso poderá ser chamada, de certo modo, "justiça". Mas, a rigor, 
essa denominação 
não lhe será adequada, se a essa virtude faltar alguma das demais condições, a 
saber, se ela não 
puder realizar uma verdadeira "igualdade" ou não se referir a um "devido" 
rigoroso, legal, exigível, 
mas apenas a um dever moral. 
de igualdade 
a) o respeito filial ou piedade filial (pietas), 
virtude pela qual o filho dá aos pais a consideração que lhes é devida; a 
igualdade no caso é 
impossível porque o filho nunca pode, a rigor, saldar sua dívida e considerar­se 
quite, pois, entre 
outras coisas, recebeu dos pais a própria vida; 
b) o respeito público (observantia), virtude que leva os cidadãos a dar aos 
homens eminentes, por 
alguma grande obra ou ação, a consideração que lhes é devida; no caso é também 
impossível 
realizar a igualdade exigida pela justiça; 
c) a virtude da religião (religio), que leva a criatura a dar ao Criador o 
reconhecimento ou culto que 
lhe é devido; aí, com maior razão, é impossível a realização de uma verdadeira 
igualdade. 
Outro grupo de virtudes anexas à justiça é constituído pelas virtudes ad 
alterum, em que não há 
um "devido" rigoroso ou exigibilidade possível: São elas, entre outras: 
a) a amizade, virtude que consiste em querer 
o bem do próximo; todos os homens têm direito à amizade de seu semelhante; mas a 
amizade, por 
sua própria natureza, não pode ser exigida coativamente;
b) a veracidade, que consiste na virtude de dizer a verdade, de expressar o que 
se pensa; mas, 
como não se pode entrar no pensamento de outra pessoa, não se pode também exigir 
a verdade 
por
meio legal, falta­lhe a nota da exigibilidade rigorosa; 
c) a gratidão, virtude pela qual o indivíduo se mostra agradecido a outrem pelo 
benefício recebido; 
como "memória dos serviços de outrem e disposição de retribuí­los", conforme a 
definição de 
Cícero, a gratidão também não pode ser legalmente exigível; 
d) eqüidade (epiekeia), que Aristóteles definiu como "uma adaptação da lei 
quando ela é deficiente 
por causa de sua universalidade", 69 implica sempre uma moderação das palavras 
da lei, em 
casos particulares, para atender melhor à sua finalidade e ao seu espírito; 
`68) "Dupliciter aliqua virtus ad alterum a ratione justitiae deficit: uno 
quidem modo, in quantum 
deficit a ratione aequalis; alio modo in quantum deficit a ratione 
debiti". S. Tomás, 11 11, q. 80, a. único. 
69 Aristóteles, Ética a Nicômano, liv. V, cap. X. 
CONCEITO DE JUSTIÇA        141 
Daí, dois grupos naturais de virtudes anexas à justiça .68 
Em primeiro lugar, as virtudes ad alterum em que não se realiza uma "igualdade" 
perfeita. Estão 
nesse caso: 
Falta 
Falta 
de exigibilidade 
é espontânea, 
(65) 
(66) (67) 
"Muchos autores, siguiendo a Schalzgrueber (Jus ecclesiasticum, § 11) anaden una 
cuarta especie 
de justicia, Ia vindicativa, que es Ia virtud que exige Ia pena a los culpables, 
por amor al recto 
orden." Vermeersch, Cuestiones acerca de Ia justicia, § 21. 
Sobre a "justiça" familiar, defendida por Dabin, como ramo autônomo da justiça, 
v. La philosophie 
de l'ordre juridique positif, §§ 92 e 107. Vermeersch, ob. cit., § 25. 
Sertillanges, La philosophie morale de S. Thomas d'Aquin, cap. IX, n. 1, p. 191 
e ss. Sobre as 
virtudes anexas à justiça, ver ainda J. Dabin, La philosophie de l'ordre 
juridique positif, § 82 e ss., 
Théorie Générale du droit, 221 e ss. G. Renard, Le droit, 1'ordre et Ia raison, 
p. 339 a 341. 
Lachance, "Droits imparfaits", cap. 8 de Le concept de droit. S. Tomás, De 
partibus potentialibus 
justitiae vel de virtutibus ei annexis, II II, q. 80 a 121. Cícero, De offcis, 
De inventione, cap. 52. 
Aristóteles, Ética a Nicômano, passim. 
142        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
por isso mesmo, ela não pode ser exigida e constitui, como diz S. Tomás, uma 
virtude anexa à 
justiça legal." 
7. Outras formulações 
7.1 Duas definições clássicas de justiça: Ulpiano e Cícero 
Félix Senn, De Ia Justice et du droit, Paris, Sirey, 1927, v. I. 
"Justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi", texto de 
Ulpiano, no livro I de
suas "Regras", incluído, no Digesto, livro 1, título I, De Justitia et Jure, fr. 
10, pr. 
Essa definição da justiça, que nossas compilações jurídicas nos transmitem, não 
é entretanto a 
única definição da justiça, que a sabedoria antiga nos deixou. Há uma outra que 
Cícero indica no 
"De invencione", e que a Idade Média cristã também reproduz. A justiça não é 
definida aí como 
uma vontade, mas como um hábito, uma disposição do espírito que dá a cada um o 
que lhe é 
devido, sem contudo prejudicar a utilidade comum. 
"Justitia est habitus animi, communi utilitate conservata, suum cuique tribuens 
dignitatem." 
Estas duas definições são contraditórias, ou antes elas se complementam, 
fazendo­nos melhor 
compreender a noção da justiça? São elas obras de Cícero ou do jurisconsulto 
Ulpiano, ou estes 
não fazem mais do que as reproduzir, retirando­as de fontes mais antigas? 
Enfim, se a justiça é ao mesmo tempo habitus animi e "vontade", que atribui a 
cada um o seu 
direito, cuique jus suum, qual é, então, esse cada um e qual é este direito que 
deve ser atribuído a 
cada um? 
As respostas a estas diversas questões são dadas, de uma maneira muito precisa, 
pelas fontes 
mesmas de onde foram tirados os elementos das definições reproduzidas por 
Cícero, e, seguindo 
sem dúvida numerosos outros jurisconsultos, por Ulpiano. 
Estas fontes, aliás, não são romanas. São de origem grega, ou, talvez, de origem 
ainda mais 
antiga. Em todo caso é da escola pitagórica e estóica que Roma recebeu a 
definição, desde então 
tradicional, de justiça. 
7.2 Lei positiva e justiça 
Hans Kelsen, What is justice?, Ed. University o California, 1957, p. 293. 
A teoria pura do Direito restringe­se à análise estrutural da lei positiva, 
baseada no estudo 
comparativo das regras sociais que atualmente existem e existiram na história 
sob o nome de lei. 
Portanto, o problema da origem da lei ­ a lei em geral ou uma ordem legal 
particular ­, significando 
as causas do surgimento da lei com seu específico conteúdo, está fora do alcance 
desta teoria. 
X70' De justitia, 11 11, q. 80, a. único, ad 5; II II, q. 120, a. 2. Sobre a 
eqüidade como virtude anexa 
à justiça, v. Dabin, La philosophie de l'ordre juridique positif, § 84 e ss. B. 
Raffo Magnasco, La 
justicia, lec. XVI, p. 233 e ss. 
São problemas de sociologia e de história. E, como tal, requerem métodos 
totalmente diferentes 
dos de uma análise estrutural das regras legais existentes. 
Como a questão da origem da lei, a questão de estabelecer se uma dada regra 
legal é justa ou 
injusta não pode ser respondida dentro da estrutura e pelos métodos específicos 
de uma ciência 
orientada para a análise estrutural da lei positiva. Isto não significa 
necessariamente que a questão
sobre o que seja justiça não possa ser respondida científica e objetivamente. 
Mas, mesmo que 
seja possível decidir­se objetivamente sobre o que é justo e o que é injusto, 
como é possível 
determinar o que é um ácido e o que é uma base, justiça e lei devem ser 
consideradas como dois 
conceitos diferentes. Se a idéia de justiça possui alguma função, é a de ser um 
modelo para a 
leitura da boa lei e um critério para a distinção entre uma lei boa e uma lei 
má. 
Existe, entretanto, na ciência jurídica tradicional, uma tendência terminológica 
em identificar lei com 
justiça, a usar o termo no sentido de lei justa, e a declarar que uma ordem 
coercitiva eficaz e, 
portanto, uma lei positiva válida, ou uma norma qualquer de tal ordem social, 
não é uma lei "real" 
ou "verdadeira" se ela não for justa. Este uso do termo "lei" tem o efeito de 
que qualquer lei positiva 
deva ser considerada à primeira vista como justa, já que se apresenta como lei e 
é geralmente 
chamada "lei". Pode ser duvidoso que ela mereça ser denominada lei, mas ela tem 
o benefício da 
dúvida. Aquele que nega a justiça de tal "lei" e afirma que a assim chamada lei 
não é "lei 
verdadeira", tem que provar isto; e esta prova é praticamente impossível já que 
não existe um 
critério objetivo de justiça. Portanto, a conseqüência real da identificação 
terminológica entre a "lei" 
e a `justiça" é uma justificação ilícita de toda lei positiva. 
Não há e não pode haver um critério objetivo de justiça devido ao seguinte: 
afirmar que algo é justo 
ou injusto é um julgamento de valor em referência a um fim último, e estes 
julgamentos de valor 
são por natureza de caráter subjetivo, porque baseados em elementos emocionais 
de nossa 
mente, em nossos sentimentos e desejos. Eles não podem ser verificados pelos 
fatos, como 
podem as afirmações sobre a realidade. Os julgamentos dos valores últimos são 
sobretudo atos de 
preferência; eles indicam o que é "melhor" e não o que é "bom"; eles implicam 
uma escolha entre 
dois valores conflitantes, como, por exemplo, a escolha entre liberdade e 
segurança. Se um 
sistema social que garante a liberdade individual, mas não a segurança 
econômica, é preferível a 
um sistema social que garante a segurança econômica, mas não a liberdade 
individual, depende 
da decisão sobre qual dos dois valores, liberdade ou segurança, é o maior. É 
difícil negar que 
existe uma diferença radical entre a afirmação de que a liberdade é valor maior 
do que a 
segurança, ou vice­versa, e a declaração de que a água é mais pesada do que a 
madeira. Há 
indivíduos que preferem a liberdade
à segurança porque eles sentemse felizes 
somente se estão 
livres, e portanto preferem um sistema social e o consideram justo somente se 
ele garante a 
liberdade individual. Mas outros preferem a segurança porque sentem­se felizes 
só quando estão 
economicamente seguros, e por conseguinte só consideram um sistema justo se ele 
garante a
segurança econômica. Seus julgamentos sobre o valor da liberdade e da segurança, 
e portanto 
sua idéia de justiça, estão, em última análise, baseados apenas em seus 
sentimentos. Nenhuma 
verificação objetiva dos seus julgamentos de valor é possível. E, como o homem 
difere muito em 
seus sentimentos, suas idéias de justiça são muito diferentes. Esta é a razão 
porque, a despeito 
das tentativas feitas pelos mais ilustres Prensadores da humanidade para 
resolver o problema da 
justiça, não existe nenhum acordo, mas o mais apaixonado debate na resposta à 
questão sobre o 
que é justo. Bem diferente é a situação em relação às afirmações sobre a 
realidade. A declaração 
de que a água é mais pesada do que a madeira pode ser verificada pela 
experiência. 
CONCEITO DE JUSTIÇA 
143 
144        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
CONCEITO DE JUSTIÇA        145 
As afirmações sobre fatos são baseadas, é verdade, na percepção de nossos 
sentidos, 
controlados pela razão, e, portanto, são, de certa forma, também subjetivas. Mas 
as percepções 
dos nossos sentidos estão sob o controle da nossa razão em grau muito maior do 
que os nossos 
sentimentos, e, como matéria de fato, ninguém duvida de que a água seja mais 
pesada do que a 
madeira. Mesmo se aceitamos a filosofia do subjetivismo radical e admitimos que 
o universo existe 
apenas na mente do homem, nós precisamos, não obstante, sustentar a diferença 
que existe entre 
julgamentos de valor e afirmações sobre a realidade. A diferença pode ser apenas 
relativa, entre 
graus de subjetividade ("objetivo" significando, então, o menor grau possível de 
subjetividade). Mas 
a diferença relativa já é suficiente para justificar a diferença entre um 
julgamento sobre o que é 
justo e uma afirmação sobre o que é a lei, a lei positiva. Lei "positiva" 
significa que uma lei é criada 
por atos de seres humanos que têm seu lugar no tempo e no espaço, em 
contraposição à lei 
natural, que se considera ter outra origem. Conseqüentemente, a questão sobre o 
que é a lei 
positiva, a lei de certo país ou a lei num caso concreto, é a questão de um ato 
criador da lei, que 
ocorreu num determinado tempo e espaço. A resposta a esta pergunta não depende 
dos 
sentimentos daqueles que respondem; ela pode ser verificada por fatos objetivos, 
ao passo que a 
questão sobre se a lei de um certo país ou a decisão de uma determinada corte é 
"justa" depende 
da idéia de justiça, admitida pela mente de quem responde, e esta idéia de 
justiça está baseada na 
função emocional dessa mente. 
7.3 Pensamentos sobre a justiça 
B. Pascal, Pensées, Paris, Ed. Libr. Hachette, 1946, n. 294 e 298.
Três graus de elevação do pólo invertem toda a jurisprudência, um meridiano 
decide sobre a 
verdade; em poucos anos, as leis fundamentais se transformam; o direito tem suas 
épocas, a 
entrada de Saturno em Leão nos assinala a origem de um tal crime. Bizarra 
justiça que um riacho 
delimita! Verdade deste lado dos Pirineus, erro do outro lado. 
Eles confessam que a justiça não está nos seus costumes, mas reside nas leis 
naturais, 
conhecidas em todos os países. Certamente isso seria sustentável se a temeridade 
do acaso que 
semeou as leis humanas tivesse deixado ao menos uma que fosse universal; mas a 
realidade é 
tão engraçada e o capricho dos homens está tão diversificado que não existe 
nenhuma. 
O furto, o incesto, o assassínio de filhos e de pais, tudo teve seu lugar entre, 
as ações virtuosas. 
Pode haver alguma coisa mais divertida que um homem ter o direito de me matar 
porque ele mora 
do outro lado do rio e seu príncipe brigou com o meu, ainda mesmo que eu não 
tenha nada com 
ele? 
Há sem dúvida leis naturais; mas esta bela razão corrompida a tudo corrompeu: 
"Nihil amplius 
nostrum est; quod nostrum dicimus, arts est. Ex senatus consultis et plebiscitis 
crimina exercentur. 
Ut olim uittis, sic nunc legibus laboramus". 
Desta confusão decorre que um diz que a essência da justiça é a autoridade do 
legislador, outro a 
comodidade do soberano, outro o costume atual, e é o mais certo: nada, apenas 
pela razão, é 
justo por si mesmo; tudo se transforma com o tempo. O costume realiza toda a 
eqüidade, pela 
simples razão de que ele é aceito; esse é o fundamento místico de sua 
autoridade. Quem pretenda 
reduzi­lo ao seu princípio, o aniquila. Nada é tão falível como estas leis que 
retificam os erros; 
quem as obedece porque elas são justas, obedece à justiça que imagina, mas não à 
essência da 
lei: todo seu valor está concentrado em si mesma; ela é lei, e nada mais. Quem 
quiser examinar o 
motivo o encontrará tão fraco e superficial, que, se ele não estiver acostumado 
a contemplar os 
prodígios da imaginação humana, admirará que um século lhe tenha proporcionado 
tanta pompa e 
reverência. A arte de subverter os Estados é a de abalar os costumes 
estabelecidos, pesquisando 
até sua fonte, para assinalar sua falta de autoridade e de justiça. É preciso, 
diz­se, voltar às leis 
fundamentais e primitivas do Estado, que um costume injusto aboliu. É um jogo 
seguro para tudo 
perder; nada será justo nessa balança. 
Justiça, força. É justo que o que é justo seja seguido, é necessário que o que é 
mais forte seja 
seguido. A justiça sem a força é impotente; a força sem a justiça é tirania. A 
justiça sem força é 
contraditada, porque os maus sempre existem; a força sem a justiça é acusada. E 
preciso, pois, 
colocar juntas a justiça e a força; e assim fazer com que o que é justo seja 
forte, e o que é forte 
seja justo.
A justiça é sujeita a discussão, a força é reconhecida sem discussão. Assim não 
se pode dar força 
à justiça, porque a força contradisse a justiça e afirmou que ela era injusta e 
disse que ela é que 
era justa. E, assim, não podendo fazer com que o que é justo fosse forte, acabou 
fazendo com que 
o que é forte fosse justo. 
7.4 Justiça civil e justiça penal 
G. Del Vecchio, A Justiça, Saraiva, 1960, p. 94. 
Houve, em todos os povos e tempos, um sistema regulador, resultante dos 
elementos psíquicos 
dos próprios homens conviventes, e que assinala a cada um a esfera própria de 
atividade, ligando 
uns aos outros mediante uma série de vínculos bilaterais e recíprocos, de sorte 
que pretensões e 
obrigações se correspondem e se convertem. Nem importa que tal sistema não seja 
sempre 
enunciado ou formulado por escrito, uma vez que essa formulação, mesmo onde ela 
se verifique, 
não pode, por motivos vários, ser totalmente cumprida. O sistema vive como 
organismo lógico, 
enquanto é sustido e alimentado pela consciência social preponderante, que de 
contínuo o elabora 
e renova. Ele tem uma racionalidade intrínseca própria, que o pensamento reflexo 
descobre e 
analisa só num segundo momento, como que percorrendo de novo a própria obra 
genuína e 
imediata de criação. Isto mesmo é o que acontece com todos os outros produtos 
históricos (por 
exemplo, a linguagem), nos quais o espírito manifesta ativamente suas potências 
profundas, ainda 
antes de estas aflorarem e se delinearem na lúcida tela da consciência. 
Portanto, também o 
sistema das determinações intersubjetivas do operar é antes costumado ou 
praticado que 
raciocinado (para nos servimos da expressão de Vico); o que em nada diminui seu 
significado 
ideal, mas é novo documento de sua humana necessidade. 
Uma vez que o fenômeno da retribuição do mal com o mal, sobretudo na forma 
típica do talião 
(retaliatio) ou da vingança regulada e comensurada, é o que mais dá na vista 
entre os fenômenos 
da justiça
primitiva, asseverou­se que a justiça penal precede historicamente a 
civil. "Dans les 
sociétés primitives", escreve por exemplo Durkheim, "le droit est tout entier 
pénal". Mas, contra 
esta tese, é fácil observar que a pena, com o delito a que corresponde, supõe um 
estado 
precedente de normalidade ou de equilíbrio: por outras palavras, uma exigência e 
uma obrigação 
correlativas, determinadas por uma regra, embora tácita, mas que na imensa 
maioria dos casos é 
observada e não transgredida. A transgressão, ou seja, a perturbação do 
equilíbrio, que 
justamente se visa restabelecer mediante a pena, representa na realidade uma 
146        INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO 
exceção, e logicamente um consecutivum. Em suma, a lei penal tem como 
pressuposto uma série
de valores jurídicos já definidos e reconhecidos, relativamente aos quais ela 
constitui só uma 
espécie de justiça segunda. 
Certo é que já com a primeira espécie de determinações jurídicas (ou justiça 
primeira) é dada 
virtualmente a possibilidade da transgressão; se assim não fosse, seria 
insensata a afirmação de 
qualquer máxima deontológica. Mas aquilo que para estas determinações é mera 
virtualidade (que 
pode não verificar­se efetivamente, e as mais das vezes não se verifica) é, ao 
invés, a necessária 
base de fato para a justiça penal: a qual parte justamente da hipótese de uma 
injustiça praticada 
ou injúria, para referir uma nova série de determinações jurídicas, sujeitas 
estas, por seu turno, à 
possibilidade de uma transgressão ou de inadimplemento. 
O caráter secundário da justiça penal manifesta­se principalmente no fato de ela 
não intervir em 
todos os casos de violação dos preceitos jurídicos elementares ou primários; tal 
violação é 
condição necessária, mas não suficiente para que se dê lugar àquela justiça. O 
direito violado 
admite ainda outras formas de reafirmação e reintegração, ainda mais intimamente 
conexas com 
aquela exigência fundamental, que se identifica com a natureza lógica do direito 
em geral, ou seja, 
a impedibilidade da ofensa. Desta segue­se imediatamente a obrigação de 
restituir e de ressarcir, 
em todos os casos de injustiça praticada e de damnum injuria datum. Mas a 
restituição e o 
ressarcimento são por si conceitos meramente civis; como o respeito do limite 
jurídico originário, 
nem mudam de natureza, embora sejam postos em ato por meios coercitivos. Em 
poucas palavras, 
há uma sanção e uma coação civil as quais (como exigências) são inseparáveis do 
direito; ao 
passo que a sanção e a coação penal, que por vezes se acrescentam e sobrepõem 
àquelas, 
podem faltar, e de qualquer maneira nunca são possíveis por si sós. 
A noção elementar da justiça, como equilíbrio e correlação intersubjetiva, que 
se resolve na 
exigência recíproca do respeito e na recíproca possibilidade de impedir a 
ofensa, está pois 
implícita na fenomenologia jurídica primitiva, e subentendida nas próprias 
formulações penais, 
muito embora estas pareçam existir por si, ou extrinsecamente se revelem como um 
prius. Na 
realidade, estes diversos graus e momentos da justiça, que a sucessiva 
elaboração, científica e 
técnica, discrimina e dispõe arquitetonicamente, mostram­se, a princípio, como 
que confusos, ou 
melhor, compreendidos num só núcleo. Assim, por exemplo, o instituto da 
composição, que tão 
grande papel desempenhou no direito antigo, encerra em si elementos civis e 
penais, privados e 
públicos. Todavia, é claro que isto, longe de infirmar, confirma antes o que já 
por outra via se 
demonstrou, a saber, que, qualquer que seja a importância das distinções feitas, 
ou a fazer, nesta 
matéria, um só é o germe e o motivo de todas as maneiras de justiça: Leges 
innumerae, una
justitia. 
Sem dúvida, é longo e laborioso o processo histórico, mediante o qual "desde a 
infância do mundo" 
(para nos servirmos das palavras de Vico) as "sementes: eternas do justo se vão 
desdobrando em 
máximas demonstradas de justiça"; e quase' não vale a pena advertir que, nas 
fases primordiais, a 
justiça não se encontra naquel plenitude e perfeição ideal, que, aliás, para 
falar verdade, em vão 
se procurara; também nas fases mais avançadas. Ora, justamente, quanto maior for 
em nós 
"consciência histórica", ou, por outra, a noção da complexidade do processo lent 
pelo qual se vai 
formando este "mundo civil", tanto maior motivo de admira temos em descobrir 
desde o exórdio 
como sendo já dados, ou só virtualmen ou implicitamente, os elementos 
fundamentais e a trama do 
mesmo processo. conseguinte, quem parte do preconceito positivista ou empirista 
de que no 
espíritda e, portanto, na história, nada é dado a priori, e que conseqüentemente 
tambó a justiça é 
apenas um efeito do devir e algo de artificial, deve, perante esse fa 
maravilhoso e, entanto, inegável, desenganar­se ou contradizer­se: como 
aconteceu, por exemplo, 
com Littré, o qual, após ter asseverado que a justiça "loin d'être primordiale, 
innée, élémentaire, est 
secondaire, acquise et complexe", acaba por confessar que "un élément 
irréductible, qui est dans 
l'esprit de 1'homme, le soumet à l'idée de justice"; elemento este que ele faz 
consistir na simples 
intuição (intuition irréductible): "A égale A. A diffère de B". 
Quanto a nós, queremos dizer a quem reconhece os valores espirituais como 
superordenados à 
realidade fenomênica: o elemento primeiro e universal, que se encontra no fundo 
de toda 
experiência jurídica, é sem dúvida argumento que nos deve maravilhar, todavia 
nem mais nem 
menos do que tantos outros igualmente procedentes da atividade do espírito, e 
que refletem a 
natureza do mesmo espírito. Em sentido análogo, para relembramos apenas um 
exemplo clássico, 
Sócrates admirava, e ensinava a admirar, o espontâneo desvelar­se das verdades 
geométricas 
eternas na mente de jovem escravo inculto; e Kant, à imitação de Rousseau, 
assinalava o milagre 
sempre antigo e sempre novo, que é para a nossa consciência o auscultar em si o 
simples e 
imperioso ditame da lei moral. Precisamente as verdades mais simples e "comuns" 
­ como já o 
observava, e, bem, Schopenhauer ­ são maravilhosas para o filósofo; ao passo que 
os não­ 
filósofos só se maravilham perante os fenômenos insólitos. 
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